universidade federal da fronteira sul campus de … · 2018. 8. 9. · agradeço a lídia da rocha...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
CAMPUS DE LARANJEIRAS DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGROECOLOGIA E
DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL – PPGADR
RODRIGO OZELAME DA SILVA
FRUTAS NATIVAS, DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS E AGROECOLOGIA:
POR UMA OUTRA RELAÇÃO COM A SOCIOBIODIVERSIDADE
LARANJEIRAS DO SUL
2018
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RODRIGO OZELAME DA SILVA
FRUTAS NATIVAS, DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS E AGROECOLOGIA:
POR UMA OUTRA RELAÇÃO COM A SOCIOBIODIVERSIDADE
Dissertação de mestrado, apresentada para o Programa de Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus de Laranjeiras do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável.
Orientador: Dr. Julian Perez-Cassarino Co-Orientador: Dr. Walter Stenboock
LARANJEIRAS DO SUL
2018
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Aos meus filhos, Camila Ozelame da Silva
Jorge Gadelha da Silva
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AGRADECIMENTO
Agradeço aos movimentos sociais do campo, sobretudo ao MST e o MPA,
que por meio de décadas de lutas colheram diversos frutos, como a construção da
Universidade Federal da Fronteira Sul. Luta essa que não se finalizou com a
construção da Universidade, mas que continua viva no dia a dia desta organizações
para que a Universidade se pinte de povo.
Agradeço aos grupos de agricultores 8 de Junho, Jabuticabal, Palmeirinha,
Recanto da Natureza, Terra Livre e Terra de Todos por aceitarem o desafio de juntar
pesquisa e ação com as frutas nativas, mas sobretudo pela convivência dos últimos 3
anos.
Agradeço ao Coletivo CEAGRO por ter aberto as portas para o mundo
vermelho e permitir conciliar trabalho, sonhos e estudo.
Agradeço o companheiro Anderson Gibathe e a empresa ENGIE ENERGIA
pela parceria na multiplicação das frutas nativas.
Agradeço aos colegas e professos do Programa de Pós Graduação em
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável Nilton Agner, Guilherme Mazer,
Maicon Reginatto, Rodrigo Austurian, Josimeire Leandrini, Paulo Mayer, Sergio
Martins, Betina Muelbert, Pedro Cristoffoli, Gilmar Franzener, Antonio Andiroli, Clerio
Plein pelo aprendizado.
Agradeço ao companheiros de outras jornadas que me ajudaram a ficar
mais confuso, Jose Edmilson de Souza Lima, Sandra Maciel-Lima, Andrey Piovezan,
Jose Carneiro, Alexandra Caldas, Fabiane Vezzani, Carlos Eduardo Seoane e aos
compadres Bernardo Brandão e Daniela Sant' Ana.
Agradeço a Lídia da Rocha Figueiró e o Alvir Long do Encontro de Sabores
da Cadeia Solidária das Frutas Nativas do Rio Grande do Sul pela coragem e
competência em iniciar o trabalho com as frutas nativas no sul do Brasil. Sem esse
trabalho estas palavras não existiriam.
Agradeço ao membros da banca de qualificação Sergio Roberto Martins e
Claudia Lima e da banca de defesa Claudia Schmitt e Maria Izabel Radomski pelos
comentários que me enriqueceram muito.
Agradeço aos agrofloresteiros da COOPERAFLORESTA, ao Centro Vianei
de Educação Popular e os Caboclos do Núcleo Planalto Serrano por terem
contribuindo em meu constante renascimento.
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Agradeço ao Professor Walter Steenbock pela orientação nesta pesquisa e
por ter abertos as portas para outros mundos outrora.
Agradeço ao Julian Perez-Cassarino pela paciência na orientação e
empatia na compreensão dos meus limites. Também pelo desafio de fazer uma
pesquisa técnica sobre frutas nativas. Ainda que os resultados e o caminho seguido
quiçá não seja tenha sido muito técnico, a provocação me permitiu chegar mais
próximo dessa dimensão.
Agradeço aos bons espíritos pelas oportunidades, cuidado e inspiração.
Por fim, mas não menos importante, agradeço a minha companheira
Renata Rocha Gadelha pelo apoio na caminhada.
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Milhões de outras vozes, igualmente representativas pela sua exemplaridade, poderiam ter sido escolhidas. As vozes não ouvidas constituem o inabarcável silêncio planetário de que emergem as vozes aqui ouvidas, um silêncio, que, ao ouvi-las, se torna ainda mais pesado.
Boaventura de Sousa Santos
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RESUMO
A biodiversidade do Brasil é considerada a maior do mundo. Essa grande biodiversidade é resultado de um processo milenar que envolve fatores ambientais e sociais. Porém, esse processo coevolutivo está sendo comprometido pelo avanço de um modelo de globalização hegemônico. No âmbito das frutas nativas, foco desta pesquisa, estes impactos são severos. As frutas nativas, e o processo de domesticação que deu origem a elas, são ao mesmo tempo invisíveis e eliminadas pelos que fomentam tal globalização. No entanto, este modelo não é a única forma de coexistir. Outros mundos não só são possíveis e necessários como existem. Estes outros mundos são por essência diversos, e se unem sob uma outra forma de globalização, a globalização contra-hegemônica. Nesse processo se inserem as frutas nativas que passam a serem valorizadas, cuidadas e promovidas. É dentro deste contexto que emerge esta pesquisa. Sua justificativa é centrada na urgência do resgate e promoção de um processo de domesticação de plantas, com ênfase nas frutas nativas, que contribua para a expansão da sociobiodiversidade. Seu objetivo principal é promover um processo de domesticação, com ênfase nas frutas nativas, através dos princípios da Agroecologia e que fomente a sociobiodiversidade. O método utilizado é a pesquisa-ação, sendo dividido em quatro fases: i) problematização das frutas nativas e indicação de espécies prioritárias; ii) caracterização socioambiental das espécies prioritárias; iii) caracterização socioambiental de boas árvores e; iv) multiplicação das boas árvores. O público foi constituído 117 pessoas de seis grupos de agricultores inseridos no Núcleo Luta Camponesa, vinculado na Rede Ecovida de Agroecologia. Este núcleo está situado nos Territórios da Cidadania, do Estado do Paraná, Cantuquiriguaçu e Paraná Centro. Como resultado, destaca-se a identificação e caracterização, socioambiental de sete espécies de frutas nativas classificadas como prioritárias pelos agricultores para a promoção de um processo de domesticação, sendo elas: i) Guabiroba (Campomanesia xanthocarpa); ii) Pitanga (Eugenia uniflora) Uvaia (Eugenia pyriformis); iv) Cereja (Eugenia involucrata); v) Guabiju, (Myrcianthes pungens); vi) Araçá Vermelho (Psidium longipetiolatum) e; vii) Ingá Feijão (Inga marginata Willd). Além da caracterização das espécies, descreveu-se os aspectos sociais e ambientais desejável em boas matrizes. Através desse processo, foram identificadas e georreferenciadas 42 matrizes, sendo 15 de Guabiroba, 8 de Pitanga, 8 de Uvaia, 3 de Cereja, 4 de Araçá Vermelho, 1 de Guabiju e 3 de Ingá Feijão. Contudo, o principal resultado deste trabalho foi, em conjunto com os agricultores, resgatar e promover olhares para as frutas nativas, contribuindo desse modo para a emergência de um modo de domesticação de plantas que a aumente a sociobiodiversidade, por meio da Agroecologia e articulado com ações práticas que envolvam a comercialização, regularização sanitária e processamento visando valorizar as frutas nativas. Também é possível indicar que olhar, plantar, produzir, processar, comercializar e consumir as frutas nativas, é dar materialidade à construção de outros mundos, que supera a racionalidade do modelo hegemônico de agricultura e gera indicativos para a construção de uma nova mentalidade na relação dos agricultores com a sociobiodiversidade. Palavras chave: Fruta Nativa; Domesticação de Plantas, Agroecologia; Sociobiodiversidade; Pensamento Pós-Colonial.
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ABSTRACT
The biodiversity of Brazil is considered the largest in the world. This great biodiversity is the result of an ancient process that involves environmental and social factors. However, this coevolutionary process is being compromised by the advance of a model of hegemonic globalization. In the context of native fruits, the focus of this research, these impacts are severe. Native fruits, and the process of domestication that gave rise to them, are both invisible and eliminated by those who foster such globalization. However, this model is not the only way to coexist. Other worlds are not only possible and necessary as they exist. These other worlds are by their very nature diverse, and unite under another form of globalization, counter-hegemonic globalization. In this process are inserted the native fruits that are valued, taken care of and promoted. It is within this context that this research emerges. Its justification is centered in the urgency of the rescue and promotion of a process of domestication of plants, with emphasis on the native fruits, that contributes to the expansion of the sociobiodiversity. Its main objective is to promote a process of domestication, with emphasis on native fruits, through the principles of Agroecology and that fosters sociobiodiversity. The method used is action research, being divided into four phases: i) problematization of native fruits and indication of priority species; ii) socio-environmental characterization of priority species; iii) socio-environmental characterization of good trees; iv) multiplication of good trees. The public was constituted 117 people from six groups of farmers inserted in the Nucleus Luta Camponesa, linked to the Rede Ecovida Network of Agroecology. This nucleus is located in the Territories of the Citizenship, of the State of Paraná, Cantuquiriguaçu and Paraná Center. As a result, the identification and social-environmental characterization of seven native fruit species classified as priority by the farmers to promote a domestication process are highlighted: i) Guabiroba (Campomanesia xanthocarpa); ii) Pitanga (Eugenia uniflora) Uvaia (Eugenia pyriformis); iv) Cherry (Eugenia involucrata); v) Guabiju, (Myrcianthes pungens); vi) Araçá Vermelho (Psidium longipetiolatum) and; vii) Ingá Feijão (Inga marginata Willd). In addition to the characterization of the species, we described the social and environmental aspects desirable in good matrices. Through this process, 42 matrices were identified and georeferenced, 15 of Guabiroba, 8 of Pitanga, 8 of Uvaia, 3 of Cherry, 4 of Araçá Vermelho, 1 of Guabiju and 3 of Ingá Feijão. However, it is believed that the main result of this work was, together with the farmers, to rescue and promote glances for native fruits, thus contributing to the emergence of a way of domestication of plants that increases the socio-biodiversity. Another identified aspect concerns the multidimensionality of fruits, since topics such as domestication of plants, Agroecology and sociobiodiversity need to be articulated with practical actions that involve the commercialization, sanitation regularization and processing in order to value the native fruits. It is also possible to indicate that looking, planting, producing, processing, marketing and consuming native fruits is to give materiality to the construction of other worlds, which surpasses the rationality of the hegemonic model of agriculture and generates indicatives for the construction of a new mentality in relation of farmers with socio-biodiversity.
Keywords: Native Fruit; Plant Domestication, Agroecology; Sociobiodiversity; Postcolonial Thought.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fotografia 1: Exemplos de painel explicativo sobre a domesticação das frutas
nativas........................................................................................................................29
Fotografia 2: Uso dos painéis numa oficina no grupo Terra Livre................................29
Fotografia 3: Representantes do grupo Terra de Todos durante o preenchimento da
matiz de priorização....................................................................................................30
Fotografia 4: Resultado da matriz de priorização das frutas nativas prioritárias .........30
Fotografia 5: Matriz de diagnóstico utilizado no aprofundamento de questões de
espécies de frutas nativas classificadas como prioritárias..........................................31
Figura 6: Preencimento hipotetico da matriz estrela para avaliar as caracteristicas
socioambientais de boas matrizes de Guabiroba .......................................................32
Figura 7: Resultado hipotetico do preenchimento da matriz estrela para
Guabiroba...................................................................................................................32
Mapa 8: Localização dos Territórios da Cidadania Paraná Centro e
Cantuquiriguaçu.........................................................................................................38
Mapa 9: Classificação da cobertura original dos municípios dos grupos que compõem
esta pesquisa estão inseridos ....................................................................................39
Figura 10: Representação esquemática do comportamento do sistema solo-plantas-
organismos ................................................................................................................79
Figura 11: Representação esquemática da interação entre sociobiodiversidade,
domesticação de plantas e Agroecologia ..................................................................80
Figura 12: Representação gráficas num mapa dos principais componentes da Cadeia
das Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu......................................................................90
Fotografia 13: Preenchimento pelo autor da pesquisa de uma matriz de
diagnóstico.................................................................................................................93
Fotografia 14: Preenchimento de uma matriz de priorização pela agricultora do Grupo
Palmeirinha ................................................................................................................93
Gráfico 15: Representação gráfica da escolha das frutas nativas de acordo com
atribuição de valores para cada nível de prioridade ....................................................95
Figura 16: Centro de Origens das Plantas criado pelo russo Vavilov com destaque
para o satélite Brasileiro-paraguaio ..........................................................................106
Gráfico 17: Modelo do gráfico estrela construído para caracterização socioambiental
das frutas nativa........................................................................................................110
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Fotografia 18: Árvore de Guabiroba do grupo Palmeirinha................................. ......111
Fotografia 19: Frutos da Guabiroba..........................................................................111
Figura 20: Resultado da caracterização socioambiental da Guabiroba a partir do uso
da ferramenta matriz estrela.....................................................................................112
Gráfico 21: Resultado dos valores para a caracterização socioambiental da
Guabiroba, de acordo com a ferramenta matriz estrela ............................................112
Fotografia 22: Cata-fruta utilizado na coleta de Guabiroba no Grupo
Jabuticabal...............................................................................................................115
Figura 23: Fotografia de uma Pitangueira do grupo Terra de Todos...........................117
Figura 24: Fotografia de frutos distintos de Pitanga do grupo Terra de Todos. ........117
Gráfico 25: Resultado da caracterização socioambiental da Pitanga a partir da
ferramenta matriz estela...........................................................................................118
Gráfico 26: Valores médios das notas fornecida pelos grupos para a caracterização
socioambiental da Pitanga, de acordo a ferramenta matriz estrela. ..........................118
Fotografia 27: Comercialização de Pitanga em bandejas de aproximadamente 300
gramas na feiras agroecológica do Grupo 8 de Junho...............................................127
Fotografia 28: Uvaieira do agroecossistema do Grupo Palmeirina............................122
Fotografia 29. Frutos de Uvaia do grupo Jabuticabal................................................122
Gráfico 30: Resultado da caracterização socioambiental da Uvaia a partir do
preenchimento da matriz estrela..............................................................................123
Gráfico 31: Valores médios das notas fornecida pelos grupos para a caracterização
socioambiental da Pitanga, de acordo a ferramenta matriz estrela...........................123
Fotografia 32: Cerejeira do grupo Palmeirinha..........................................................127
Fotografia 33: Frutos da Cereja colhida no grupo Palmeirinha..................................127
Gráfico 34: Resultado da caracterização socioambiental da Cereja a partir do
preenchimento da matriz estrela...............................................................................128
Gráfico 35: Valores médios das notas fornecida pelos grupos para a caracterização
socioambiental da Cereja, de acordo a ferramenta matriz estrela.............................128
Fotografia 36: Árvores de Araçá-Vermelho no grupo Recanto da Natureza..............131
Fotografia 37: Frutos de colhidos no grupo Recanto da Natureza............................131
Gráfico 38: Resultado da caracterização socioambiental do Araçá Vermelho a partir
da ferramenta matriz estrela.....................................................................................132
Fotografia 39: Árvore de Guabiju..............................................................................135
Fotografia 40: Frutos do Guabiju. .............................................................................135
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Gráfico 41: Resultado da caracterização socioambiental do Guabiju a partir da
ferramenta matriz estrela..........................................................................................135
Fotografia 42: Arvore de Ingá Feijão no grupo Jabuticabal........................................138
Fotografia 43: Frutos do Ingá Feijão.........................................................................138
Gráfico 44: Resultado da caracterização socioambiental do Ingá Feijão a partir da
ferramenta matriz estrela..........................................................................................139
Gráfico 45: Modelo de gráfico estrela construído para a valorização das características
socioambientais de boas árvores (matrizes) das frutas nativas prioritárias...............143
Gráfico 46: Resultados da caracterização socioambiental de boas árvores de
Guabiroba a partir da ferramenta matriz estrela.......................................................144
Gráfico 47: Valores médio da caracterização socioambiental de boas árvores de
Guabiroba, de acordo a ferramenta matriz estrela....................................................144
Gráfico 48: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Pitanga
a partir da ferramenta matriz estrela..........................................................................147
Gráfico 49: Valores médios da caracterização socioambiental de Boas Árvores de
Pitanga, de acordo com a ferramenta matriz estrela. ...............................................147
Gráfico 50: Resultado da caracterização socioambiental de Boas Árvores de Uvaia de
acordo com a ferramenta matriz estrela....................................................................149
Gráfico 51: Valores médio da caracterização socioambiental de boas árvores de
Uvaia, de acordo com a ferramenta matriz estrela. ...................................................150
Gráfico 52: Resultado da caracterização socioambiental de Boas Árvores de Cereja
de acordo com a ferramenta matriz estrela...............................................................151
Gráfico 53: Valor médio das notas fornecida pelos grupos para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Cereja, de acordo a ferramenta matriz estrela...152
Gráfico 54: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Araçá
Vermelho a partir da ferramenta matriz estrela.........................................................153
Gráfico 55: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Guabiju
a partir da ferramenta matriz estrela..........................................................................155
Gráfico 56: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Ingá
Feijão a partir da ferramenta matriz estrela...............................................................157
Fotografia 57: Uso da ficha confeccionada para mensurar o tamanho dos frutos......160
Fotografia 58: Uso da ficha de identificação de cores................................................160
Fotografia 59: Exemplo de uma placa confeccionada para a Família de Delci e Sabi
do Grupo 8 de Junho.................................................................................................171
14
Fotografia 60: Entrega de parte das placas para os agricultores que fizeram parte da
pesquisa ao final da defesa da dissertação.............................................................171
Fotografia 61: Entrega de uma placa de Guardião das Frutas Nativas para o ex-
presidente Luís Inácio Lula da Silva..........................................................................171
Fotografia 62: Exemplo hipotético da tendência dos principais sistemas produtivos
identificados nas unidades familiares dos grupos.....................................................173
Fotografia 63: Agricultora do Grupo Palmeirinha, colocando sementes de Cerejas
coletadas da boa árvore identificada como Cereja da Vó Claudia em recipientes que
permitiram sua germinação......................................................................................175
Fotografia 64: Manejo de uma árvore de Araçá Vermelho num quintal agroflorestal do
grupo Jabuticabal.....................................................................................................182
Fotografia 65: Agricultores do grupo Palmeirinha manejam uma Guabiroba localizada
num potreiro do grupo...............................................................................................182
Fotografia 66: Imagens de um mutirão de implantação de árvores num sistema
produtivo de base ecologia com foco na produção de hortaliças...............................184
Figura 67: representação gráfica das dimensões que precisam ser analisadas para
valorização das frutas nativas...................................................................................200
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LISTA DE TABELAS
Quadro 1: Grupos que participaram da pesquisa, bem como os municípios,
Territórios da Cidadania e movimentos sociais que pertencem ...............................40
Quadro 2: Síntese do método dos procedimentos metodológicos contento as fases,
as ferramentas utilizadas e os resultados esperados .............................................44
Quadro 3: Ligação dos grupos com CNPJ, espações de processamento e espaços
de comercialização...................................................................................................84
Quadro 4: Exemplo hipotético de sistematização de uma matriz de diagnostico para
a fruta nativa Uaia.....................................................................................................93
Quadro 5: Frutas Nativas prioritárias para promover um processo de
domesticação...........................................................................................................94
Quadro 6: Estimativa da quantidade de indivíduos de Frutas Nativas classificadas
como prioritárias presente nos grupos .....................................................................96
Quadro 7: Quantidade de indivíduos das frutas nativas classificadas como prioritárias
que produzem frutos ................................................................................................97
Quadro 8: Origem (plantada ou ocorrência natural) dos indivíduos das frutas
prioritárias presente nos grupos................................................................................98
Quadro 9: Matriz lógica para geração de indicadores das características
socioambientais das frutas nativas ........................................................................109
Quadro 10: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental da Guabiroba.................................................................................113
Quadro 11: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental da Pitanga. ....................................................................................119
Quadro 12: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental da Uvaia.........................................................................................124
Quadro 13: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental da Cereja.......................................................................................129
Quadro 14: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental do Araçá Vermelho........................................................................133
Quadro 15: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental do Guabiju......................................................................................135
Quadro 16: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental do Ingá Feijão................................................................................140
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Quadro 17: Sistematização dos indicadores e das perguntas problematizadoras para
caracterização socioambiental de boas árvores de frutas nativas..........................143
Quadro 18: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Guabiroba.......................................................146
Quadro 19: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Pitanga............................................................148
Quadro 20: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Uvaia...............................................................151
Quadro 21: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Cereja.............................................................153
Quadro 22: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Araçá Vermelho..............................................154
Quadro 23: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Guabiju...........................................................156
Quadro 24: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização
socioambiental de boas árvores de Ingá Feijão......................................................157
Quadro 25: Síntese das características das boas árvores de Guabiroba indicada
pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação...............................161
Quadro 26: Síntese das características das boas árvores de Pitanga indicada pelos
grupos como possíveis espécimes para a multiplicação....................................... 163
Quadro 27: Síntese das características das boas árvores de Uvaia indicada pelos
grupos como possíveis espécimes para a multiplicação.........................................164
Quadro 28: Síntese das características das boas árvores de Cereja indicada pelos
grupos como possíveis espécimes para a multiplicação.........................................165
Quadro 29: Síntese das características das boas árvores do Ingá Feijão indicada
pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação...............................166
Quadro 30: Síntese das características das boas árvores de Araçá Vermelho
indicada pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação................167
Quadro 31: Localização e coordenada geográfica das boas árvores de frutas nativas
indicadas pelos grupos.......................................................................................... 168
Quadro 32: Localização e coordenada geográfica das boas árvores de frutas nativas
indicadas pelos grupos.......................................................................................... 169
Quadro 33: Sistemas produtivos principais dos Grupos e o nível de prioridade de
cada sistema.......................................................................................................... 172
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Tabela 34: Resultado da distribuição das mudas confeccionadas das boas árvores
de frutas nativas da safra 2016- 2017.....................................................................177
Quadro 35: Plano de ação para multiplicação das boas árvores............................ 179
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LISTA DE SIGLAS
APAMPA Associação dos Agricultores do MPA
APL Arranjos Produtivos Locais
AquaNEA Núcleo de Estudos em Aquicultura com Enfoque Agroecológico
CDB Convenção Sobre Diversidade Biológica
CEAGRO Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
COPERJUNHO Cooperativa Agroindustrial 8 de Junho
CUT Central Única dos Trabalhadores
ECO-92 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
EEI Espécie Exótica Invasora
IAP Instituto Ambiental do Paraná
FETRAF-SUL Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar na Região
Sul
IUCN International Union for the Conservations of Natures and Nature
Resources.
MAPA Ministério da Agricultura e Pecuária
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NEA –Ssan Núcleo de Estudos em Soberania e Segurança
Karu Porã Alimentar e Nutricional
NEA Núcleo de Estudos em Agroecologia
NECOOP Núcleo de Estudos em Cooperação
ONU Organização das Nações Unidas
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
PLANAPO Programa de Fortalecimento e Ampliação das Redes de
Agroecologia Extrativismo e Produção Orgânica
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar
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PNPPS Plano Nacional das Cadeias dos Produtos da
Sociobiodiversidade
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
SPG Sistema Participativo de Garantia
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
RDC Resolução da Diretoria Colegiada
UFFS Universidade Federal da Fronteira Sul
WWF World Wide Fund for Nature
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SUMÁRIO
1 CAPITULO I: UM POUCO DA HISTÓRIA... ......................................... 21 1.1 PRIMEIRAS PALAVRAS ........................................................................ 21 1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................. 24 1.2.1 Pesquisa-ação: a mística do hífen ..................................................... 24 1.2.2 Ferramentas de pesquisa: a materialidade do método .................... 27 1.3 OS ATORES SOCIAIS E SEU CONTEXTO .......................................... 34 1.2.3 O Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia ....... 37 1.4 FASES DA PESQUISA .......................................................................... 41 2 CAPÍTULO II: AGROECOLOGIA E DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS,
POR UMA RELAÇÃO QUE PROMOVA A SOCIOBIODIVERSIDADE.46 2.1 A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO COLONIAL NA INVISIBILIDADE DAS
FRUTAS NATIVAS ................................................................................. 46 2.1.1 O Rural “desse lado da linha”: epistemicídios, revolução verde e
impérios alimentares ........................................................................... 51 2.2 A DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS, UMA HISTÓRIA BIOCULTURAL .. 61 2.3 AGRO, SOCIO E/OU BIO DIVERSIDADE? ........................................... 65 2.4 AGROECOLOGIA, DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS E
SOCIOBIODIVERSIDADE: FORÇAS DA VIDA ..................................... 72 2.5 A SOCIOBIODIVERSIDADE PRESENTE NOS GRUPOS: UM RECORTE
DA CADEIA DE FRUTAS NATIVAS DA CANTUQUIRIGUAÇU ............. 81 2.5.1 Frutas Nativas Prioritárias na Cadeia das Frutas Nativas da
Cantuquiriguaçu .................................................................................. 91 3 CAPITULO III: UM OLHAR SOCIOAMBIENTAL PARA AS FRUTAS
NATIVAS.............................................................................................. 101 3.1 UM CONCEITO PARA FRUTA NATIVA ............................................... 101 3.2 CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS FRUTAS NATIVAS .... 108 3.2.1 Guabiroba ............................................................................................ 111 3.2.2 Pitanga ................................................................................................ 117 3.2.3 Uvaia ................................................................................................... 122 3.2.4 Cereja .................................................................................................. 127 3.2.5 Araçá Vermelho .................................................................................. 131 3.2.6 Guabiju ............................................................................................... 135 3.2.7 Ingá Feijão .......................................................................................... 138 4 CAPITULO IV: OS CAMINHOS PARA A MULTIPLICAÇÃO DAS BOAS
ÁRVORES ........................................................................................... 142 4.1 CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS BOAS ÁRVORES ...... 142 4.2 IDENTIFICAÇÃO DE MATRIZES ........................................................ 158 4.3 A MULTIPLICAÇÃO DAS FRUTAS NATIVAS ...................................... 172 4.3.1 Plano de ação local para a multiplicação ........................................ 178 4.4 AS PAISAGENS DA MULTIPLICAÇÃO DAS FRUTAS NATIVAS ........ 180 4.5 A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO PÓS COLONIAL NA VALORIZAÇÃO
DAS FRUTAS NATIVAS ....................................................................... 186 4.5.1 O Rural “do outro lado da linha”: ecologia de saberes, Agroecologia
e circuitos de proximidade ............................................................... 190 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 198 6 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 203 7 ANEXO I: DETALHAMENTO DO MÉTODO ........................................... 215
21
CAPITULO I: UM POUCO DA HISTÓRIA...
Onde quer que haja mulheres e homens,
há sempre o que fazer, há sempre o que
ensinar, há sempre o que aprender
Paulo Freire (2004).
Neste capítulo serão abordados dois itens. No primeiro será apresentada a
introdução da pesquisa, que por uma analogia e homenagem a Paulo Freire 1
intitulamos de primeiras palavras. Na sequência, o item procedimentos metodológicos
exibi informações sobre o método, as ferramentas e as fases da pesquisa, bem como
seu local e público.
1.1 PRIMEIRAS PALAVRAS
O Brasil é o país com a maior megadiversidade do mundo. Entende-se por
países megadiversos dezessete nações que unidas representam 80% da
biodiversidade do planeta (MITTERMEIER et al. 1998). Essa grande biodiversidade é
resultado de um processo milenar que envolve fatores como incidência de luz solar,
nível pluviométrico, formação dos solos, ciclagem de nutrientes, e a relação flora-
fauna. Em conjunto com esses fatores, é necessário somar o manejo de mulheres e
homens que no decorrer da história da espécie humana, sobretudo pela domesticação
de plantas, animais e paisagens, contribuíram para a promoção da diversidade
biológica e cultural do planeta (CLEMENT, 2001), em outros termos, a
sociobiodiversidade (MDA, 2017).
Porém, esse processo coevolutivo que promove a diversidade está sendo
comprometido, sobretudo pelo avanço de um modelo de globalização hegemônico,
tributária de um pensamento colonial, que visa implantar ao mundo um único modo
de produzir, comercializar, validar o conhecimento e se relacionar com a Natureza e
com o outro (SANTOS, 2010). Essa globalização hegemônica vêm causados diversos
impactos na sociobiodiversidade, como a homogeneização dos modos de produção,
espécies utilizadas e maneiras de comercializar (SANTOS, 2005). No âmbito das
1 Paulo Freire utiliza esta expressão na introdução de suas obras.
22
frutas nativas2, foco desta pesquisa, estes impactos são severos. Isso por que elas,
bem como o processo de domesticação que contribui para sua formação, são
invisíveis aos olhos dos que fomentam a globalização hegemônica. Como resultado,
tanto o processo de domesticação quanto as árvores e as paisagens onde elas são
inseridas são eliminadas. Em seu lugar são implantadas grandes áreas de
monoculturas produzidas sobre as insígnias da revolução verde que pouco ou quase
nada contribuem para a sociobiodiversidade (GLIESSMAN,2001).
No entanto, a globalização hegemônica não é o único modo de existir (embora
seus defensores alardem que seja). Outros mundos não só são possíveis e
necessários, quanto existem. Estes outros mundos são por essência diversos e se
unem sob uma outra forma de globalização, a globalização conta-hegemônica
(SANTOS, 2010). Como é o caso da emergência da Agroecologia que através de um
olhar complexo para as dimensões ecológica -produtiva, sócio-econômica e sócio-
política almeja criar relações mais justas entre os seres humanos e a Natureza
(SEVILLA-GUZMÁN, 2002). Nesse contexto se inserem as frutas nativas, que tendem
a serem valorizadas, cuidadas e promovidas.
Neste contexto emerge esta pesquisa. Sua justificativa é centrada na
urgência do resgate e promoção de um processo de domesticação de plantas,
com ênfase nas frutas nativas, que contribua para a expansão da
sociobiodiversidade, já que acredita-se que outros mundos não só são possíveis e
necessários, como já existem e precisam ser promovidos.
Já as perguntas de pesquisa que se almeja responder são:
a) As frutas nativas fazem parte do cotidiano dos grupos pesquisados? Seu
potencial é bem utilizado pelas famílias? O que poderia influenciar a valorização
ou invisibilidade das frutas nativas?
b) Quais são as características socioambientais e as espécies prioritárias para
se fomentar um processo de domesticação de plantas?
c) Quais os caminhos para multiplicar as frutas nativas? Quais as características
socioambientais de boas matrizes? Há boas matrizes nos agroecossistemas das
famílias?
2 Nesta pesquisa o termo “frutas nativas” é sinônimo de espécies arbóreas frutíferas nativas do bioma mata atlântica. No item 3.1 se detalha essa escolha. .
23
Para responder estas perguntas, elaborou-se o seguinte objetivo principal:
promover um processo de domesticação, com ênfase nas frutas nativas, através
dos princípios da Agroecologia e que fomente a sociobiodiversidade. Para
alancar este objetivo, foi proposto os seguintes objetivos específicos:
a) Problematizar a influência do pensamento colonial na inviabilidade das frutas
nativas;
b) Identificar quais frutas nativas são prioritárias para promover um processo de
domesticação de plantas e analisar a inserção destas espécies no cotidiano dos
agricultores;
c) Caracterizar os aspectos sociais e ambientais das espécies prioritárias a partir
dos saberes dos agricultores;
d) Caracterizar os aspectos sociais e ambientais de boas árvores das espécies
prioritárias a partir dos saberes dos agricultores;
e) Apontar tendências para a valorização das frutas nativas a partir das
premissas do pensamento pós-colonial.
O público desta pesquisa foi constituído por 33 famílias de seis grupos de
agricultores inseridos no Núcleo Luta Camponesa, vinculado na Rede Ecovida de
Agroecologia. Este núcleo está situado nos Territórios da Cidadania, do Estado do
Paraná, Cantuquiriguaçu e Paraná Centro. O método proposto é a pesquisa-ação
(THIOLLENT, 2011) e é dividido em quatro fases: i) problematização das frutas nativas
e indicação de espécies prioritárias; ii) caracterização socioambiental das espécies
prioritárias; iii) caracterização socioambiental de boas árvores e; iv) multiplicação das
boas árvores.
A estrutura da dissertação, além deste capitulo introdutório é composta por
quatro capítulos. O capítulo II (Agroecologia e Domesticação de Plantas: por uma
relação que promova a sociobiodiversidade) problematiza a influência do pensamento
colonial na invisibilidade das frutas nativas domesticação de plantas,
sociobiodiversidade e Agroecologia, bem como analisa a interação entre elas. Além
disso, há a apresentação de alguns aspectos centrais da cadeia das frutas nativas
que os grupos destas pesquisa se inserem e quais são as espécies indicada por eles
como prioritárias. No capítulo III (Um Olhar Socioambiental para as Frutas Nativas) há
24
uma conceituação para o termo fruta nativa, e a caracterização socioambiental das
espécies indicadas pelos grupos como prioritárias. No capítulo IV (Os caminhos para
a multiplicação das Boas Árvores) caracteriza-se o que boas matrizes de frutas nativas
precisam possuir e apresenta-se a localização georrefrenciada de boas árvores
apontadas pelos agricultores como matrizes. Também há uma descrição dos
principais caminhos para a multiplicação das frutas nativas e a indicação de
alternatividades para valorização das frutas nativas de acordo com as premissas do
pensamento pós-colonial. Por fim, o capítulo V (Considerações Finais) trata das
reflexões e conclusões que esta pesquisa gerou.
1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este item irá expor informações sobre o método, as ferramentas e as fases da
pesquisa, bem como seu público e local. Embora não seja objeto destas palavras
discorrer sobre questões epistemológicas e metodológicas que uma pesquisa pode
trilhar, é necessário delimitar o que se entende por metodologia, método e ferramenta.
Thiollent (2011) classifica metodologia como disciplina cientifica que trata os
métodos, mecanismos de validação do conhecimento, e as técnicas de investigação.
Já o método está vinculado com a estratégia escolhida para a pesquisa, tanto em
relação às técnicas utilizadas quanto ao modo de definir perguntas, objetivos,
hipótese, diretrizes e a forma de coletar, sistematizar e analisar os dados. A Técnica
é o conjunto de atividades que são utilizadas em cada fase empírica da pesquisa. A
diferença entre método e técnica reside no caráter prático desta última. Note-se que,
por uma questão de comunicação, a palavra técnica será substituída por ferramenta
neste trabalho.
De acordo com essa classificação, o próximo item irá apresentar o método
deste trabalho, a pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011; DESROCHE 2006).
1.2.1 Pesquisa-ação: a mística do hífen
A pesquisa-ação pode ser definida como um método de pesquisa qualitativo
(THIOLLENT, 2011; DESROCHE 2006). Atualmente ela está sendo utilizada por
diversos sujeitos em distintos contextos, desde a gestão empresarial até em projetos
25
de desenvolvimento participativo e de países de tradição socialista como a Bulgária
até no seio do neoliberalismo, como os Estados Unidos da América. (THIOLLENT,
2006). Neste contexto múltiplo:
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada com estreita associação com uma ação ou como a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2011, p. 20)
Para Desroche (2006), numa pesquisa-ação, ao invés da separação entre
sujeito e objeto, há uma interação entre dois tipos de personagens: os autores da
pesquisa (AUT) com os atores sociais (AU). Os AUT são os responsáveis pela
pesquisa enquanto os AU estão vinculados à ação. Nessa interação, pode emergir um
ambiente de cooperação em que ora o autor se trone co-ator da ação, ora o ator se
torne co-autor da pesquisa. Ou seja, os atores deixam de ser apenas objetos de
observação, de explicações ou de interpretações. Eles se tornam sujeitos, partes
atuantes na pesquisa, enquanto os autores se encontram reciprocamente imbricados
na realidade, alterando e sendo alterado por ela. Desde modo, a pesquisa-ação pode
ser considerada como um método permeado de incerteza, mas que tende a construir
pesquisas mais complexas (THIOLLENT, 2006).
Nessa complexidade, não há um roteiro único para elaboração e execução de
uma intervenção que utilize-se do método da pesquisa-ação. Por outro lado, quatro
aspectos são centrais para caracterizar o tipo da investigação e aumentar suas
chances de sucesso: i) o perfil; ii); a trajetória; iii) a tipologia e; a iv) dialética
(DESRCOCHE, 2006).
Por perfil de uma pesquisa entende-se o número de autores e atores envolvidos
diretamente no processo, sendo que ele pode ser individual ou coletivo. A trajetória
diz respeito a maneira que ela se inicia, isto é, sair da ação para entrar na pesquisa
ou, a partir da pesquisa entrar na ação. No do caso da primeira, a pesquisa surge de
algo que está acontecendo ou por um problema apresentado pelos atores. Já na
segunda, é o autor que inicia uma proposta de pesquisa, contudo, busca-se que no
decorrer das atividades os atores façam parte dela (DESRCOCHE, 2006).
A tipologia na pesquisa-ação está relacionada com as condições e as
características da resposta-análise que se almeja alcançar. Ela pode ser classificada
de três maneiras: i) pesquisa de explicação ou pesquisa-sobre: é uma pesquisa sobre
26
a ação, mas sem a ação; ii) pesquisa de aplicação ou pesquisa-para : neste perfil é o
autor que propõe as respostas ou consequências de uma ação ou pesquisa, mas
durante o processo a influência dos atores sociais pode modifica-la ou confirmá-la e;
iii) pesquisa de implicação ou pesquisa-por: nessa categoria, as respostas são obtidas
pela integração entre os autores da pesquisa com os atores sociais. Nela os autores
tornam-se co-atores de uma ação, ou/e os atores de uma ação tornam-se co-autores
de uma pesquisa. Essa categoria pode ser considerado o tipo de pesquisa-ação mais
promissor, como também o mais complicado, já que pode-se estar exposto a
domesticação da pesquisa pela ação ou pela manipulação da ação pela pesquisa.
A dialética está relacionada ao contexto em que é construído o diálogo entre os
personagens de uma pesquisa, ou seja, o(s) autor(es) da pesquisa e o(s) ator(es)
sociais da pesquisa. Nessa construção é levado em conta se os personagens
analisam a si próprio ou ao outro (autor analise autor ou vice-versa). Se o papel dos
personagens se mantém os mesmos desde o início do processo ou se há uma
hibridação entre eles, bem como se os personagens são plurais ou individuais. Em
outro termos, a dialética se refere sobre quem são os personagens da pesquisa e
como acontece a troca de informações entre eles durante a pesquisa e ação.
De fato, ao analisar os quatro aspectos citados por Desroche (2006) da
pesquisa-ação, pode-se confirmar a complexidade do método e os diversos contextos
que ela tem condições de se adaptar. Contudo, a chave para o sucesso (ou fracasso)
de e uma pesquisa-ação não reside na relação entre as características do contexto
de uma investigação (seu perfil, trajetória, tipologia ou dialítica). Ela reside no enigma
do hífen (DESROCHE, 2006. p.58) entre os termos pesquisa e ação. O hífen não liga
apenas um item ao outro, ele é um símbolo da busca pela hibridação da ação na
pesquisa e vice versa. Nessa hibridação
(...) dependendo das tendências ou dos humores, uns usam o hífen para separar, outros o usam para juntar esses papéis. Os melhores e mais obstinados se esforçam para separar e para juntar (DESROCHE, 2006, p. 58).
Bem, nessa lógica de misturar autores com atores, este trabalho usa como
método a pesquisa-ação para promover a religação de mulheres e homens com as
frutas nativas. Para dar materialidade a esta religação, o próximo item expõe as
ferramentas utilizadas durantes as atividades de campo desta pesquisa.
27
1.2.2 Ferramentas de pesquisa: a materialidade do método
A apresentação das ferramentas utilizadas no método desta pesquisa replica a
forma que Frans Geilfuls (1997) comenta as ferramentas descritas em seu livro “80
Herramientas para el Desarrollo Participativo”. Isto é, cada ferramenta tem seu a)
objetivo, b) tempo necessário, c) material necessário e d) como fazer detalhado. Além
disso cabe destacar dois aspectos. O primeiro se refere a adaptações feitas das
ferramentas originais para a realidade desta pesquisa, pois buscou-se seguir a mesma
linha de raciocínio e os objetivos, mas foram realizadas adaptações de acordo com o
contexto em que emerge essa pesquisa. Com isso, o que originalmente em alguns
casos os autores consideram como método, a observação participante por exemplo,
adaptou-se como uma ferramenta do método deste trabalho. O segundo aspecto diz
respeito ao detalhamento de cada ferramenta (material, tempo e como fazer). As
respostas desses quesitos tem como referência as atividades realizadas nesta
pesquisa, podendo ser adaptadas a outras realidades, assim como elas forma
adaptadas a realidade deste trabalho.
- Observação Participante:
-Objetivo: Iniciar a aproximação entre os autores da pesquisa com os atores sociais,
em outros termos, entre quem inicialmente está facilitando o processo e quem está
sendo o público beneficiário da oficina. Essa fase exploratória contribuir para criar uma
relação de empatia entre os personagens da atividade, bem como diagnosticar
questões chaves para o aprofundamento das ações na comunidade (DEMO, 2008).
-Tempo Necessário: adaptável de acordo com o objetivo da pesquisa, condições de
logística de quem facilita e o prazo de finalização do processo. Contudo, sugere-se
pelo menos duas atividades com a comunidade para identificar os pontos chaves
-Material Necessário: caderno, caneta e máquina fotográfica.
-Como fazer: Através da participação em atividades coletivas da comunidade, visitas
individuais às famílias e/ou atores com notório conhecimento do tema que deseje-se
aprofundar, o pesquisador se apresenta a comunidade explicando suas intenções
enquanto o grupo apresenta a comunidade. Recomenda-se que nessa primeira
aproximação alguém que conheça o grupo e o facilitador esteja presente, visando
ajudar na aproximação entre ambos. Após a atividade de apresentação deve-se
28
continuar a participação nas atividades coletivas e visitas afim de registrar os pontos
chaves para um eventual aprofundamento (DEMO, 2008). Uma sugestão de passo à
passo para essa ferramenta é: i) participação de uma atividade coletiva do grupo para
que o grupo e o pesquisador apresentem brevemente sua realidade e objetivos,
respectivamente; ii) participação do pesquisador em outras atividades coletivas do
grupo bem como em visitas individuas; iii) sistematização do registros identificados
(falas, impressões e fotografias por exemplo) visando aprofundar o tema de pesquisa
por meio de outras ferramentas, modificar ou suspender a pesquisa.
- Painéis Explicativos:
-Objetivo: Os painéis explicativos tem como objetivo contribuir na apresentação e
problematização de certo tema. O funcionamento é similar ao de se projetar uma
apresentação construída no computador, contudo os painéis permitem um interação
maior entre quem facilita a apresentação com o público beneficiário, pois além de
escutar, ver e falar durante a oficina, os painéis permitem “pegar” o conteúdo
problematizado.
-Tempo Necessário: adaptável de acordo com tamanho do conteúdo. Porém sugere-
se no mínimo 10 minutos para que que todos os participantes “peguem” os painéis.
-Material Necessário: papel cartão, cola, tesoura, fita adesiva, pincel atômico e
imagens impressas.
-Como fazer: Essa ferramenta consiste em colar fotografias, imagens, gráficos em
cartolinas ou faixas e apresentá-las aos participantes de uma reunião na medida em
que há a problematização sobre o tema pelo pesquisador (STEENBOCK et al, 2013).
Na fotografias 1 e 2 pode-se observar os painéis sendo utilizados.
Um possível passo à passo da ferramenta é: i) definir o tema a ser facilitado
durante a oficina; ii) preparar um roteiro do que será facilitado; iii) escolher imagens,
fotos ou confeccionar desenhos e colá-los, preferencialmente em papel cartaz,
visando construir uma sequência lógica do processo. Note-se que imagens onde
apareçam os sujeitos que estão fazendo parte da atividade, ou pessoas e situações
próximas à eles, fomenta a curiosidade sobre o painel; iv) realizar a oficina e
problematizar o assunto de cada painel confeccionado com os sujeitos envolvidos e;
v) passar os painéis para todos os envolvidos na oficina para que possam ver de perto
o produto.
29
Fotografias 1 e 2: Na fotografia 1 exemplos de painel explicativo sobre a domesticação das frutas nativas, na fotografia 2 o uso dos painéis numa oficina no grupo Terra Livre.
- Matriz de Priorização:
-Objetivo: a matriz de priorização visa contribuir na tomada de decisão de um
determinado assunto sem se centra na dicotomia sim/não. Ao invés disso, o objetivo
é criar um ambiente de debate envolvendo as diversas possibilidades de uma questão
e a partir daí construir uma escala de prioridade (GEILFULS, 1997).
-Tempo Necessário: de 10 à 20 minutos por “rodada de votação”, caso o tema a ser
votado já esteja problematizado.
-Material Necessário: papel kraft, quadro branco ou cartolina, fita adesiva e pincel
atômico.
-Como fazer: as possíveis respostas de uma discussão são inseridas num local
(cartolina e quadro por exemplo) onde todos os participantes da oficina possam
visualizar. Em seguida é informado a quantidade de votos que cada participante tem
Fonte: Pesquisa de campo
1
2
30
direito3 e solicitado que todos votem. Cabe ressaltar que facilitar para que o máximo
de participantes “votem ao mesmo tempo” ajuda a aumentar a integração entre os
votantes. Por fim é realizada a contagem de forma coletiva e perguntado se o grupo
referenda aquele resultado ou se deseja alterá-lo (GEILFULS, 1997). As fotográficas
3 e 4 mostram a elaboração e o resultado final de uma matriz de priorização para as
espécies prioritárias. Um passo a passo desta ferramenta é: i) identificar as possíveis
respostas de forma coletiva; ii) informar aos presentes o funcionamento da ferramenta
(número de votos por pessoa, diversas respostas); iii) colocar as respostas num local
visível (quadro ou cartolina por exemplo); iv) solicitar que todos votem; v) contar os
votos e discutir o resultado e; vi) manter o resultado ou refazer a votação.
- Matriz de diagnostico:
-Objetivo: Essa matriz tem como objetivo responder questões relacionadas ao
diagnóstico de um determinado tema. Nela é possível construir um olhar para certo
aspecto da realidade de forma coletiva. Deste modo, ao mesmo tempo que cada
3 No geral são mais de um voto por participante. A escolha da quantidade depende do número de respostas possíveis e de participantes. No caso dessa pesquisa utilizou-se 5 votos por representantes em virtude da quantidade de escolhas e de participantes das oficinas, sendo que tal escolha foi considerada positiva no pré-teste realizado.
Fotográficas 3 e 4: Na fotografia 3, representantes do grupo Terra de Todos durante o preenchimento da matiz de priorização. Na fotografia 4 o resultado da matriz de priorização das frutas nativas prioritárias.
Fonte: Pesquisa de campo.
3 4
31
sujeito pode melhorar seu diagnóstico de certo tema, se constroem informações de
como o coletivo está se relacionando com este tema (GEILFULS, 1997).
-Tempo Necessário: de 10 à 30 minutos
-Material Necessário: papel kraft, quadro branco ou cartolina, fita adesiva e pincel
atômico.
-Como fazer: a partir da problematização de certo aspecto da realidade, identifica-se
questões chaves para o diagnostico deste aspectos. Embora não seja obrigatório, é
interessante pensar em perguntas que gerem respostas objetivas, mesmo que não
precisas, tais como: quantas árvores de Guabiroba existem no agroecossistema de
cada família? Em seguida, o resultado do diagnóstico, dentro do possível, é construído
em conjunto com os participantes e debatido sua implicação (GEILFULS, 1997). Um
passo à passo da ferramenta é: i) identificar questões chaves para o diagnóstico; ii)
formular as questões, se possível buscando dados objetivos, iii) inserir as questões
em locais visíveis (um quadro ou cartolina por exemplo); iv) realizar as perguntas de
forma individual para cada família na frente do coletivo e inserir a resposta na matriz
e; v) sistematizar os principais aspectos dos resultados em conjunto com os presentes.
Na fotografia 5 pode-se visualizar um exemplo da matriz de diagnostico.
Fotografia 5: Matriz de diagnóstico utilizado no aprofundamento de questões de espécies de frutas nativas classificadas como prioritárias.
Fonte: o Autor
- Matriz Estrela
-Objetivo: Essa ferramenta é uma adaptação da ferramenta de “gráfico de radar”
(GEILFUS, 1997) e do diagrama MVS, Modos de Vida Sustentáveis, (STEENBOCK,
et al 2013) e visa analisar e monitorar, de forma participativa e visual o resultado de
aspectos de uma dada realidade. Para isso, ela se utiliza da construção de eixos de
32
similaridade que serão valorados de forma coletiva. A sistematização deste processo,
além de criar um resultado visual que permite comparar as notas de cada eixo, pode
servir como estratégia de monitoramento da realidade na medida em que se repita o
processo no decorrer do tempo. Cabe destacar que a utilização desta ferramenta
levou em conta a estratégia que Steenbock et al (2013a) utilizaram para a geração e
uso de indicadores de sistemas agroflorestais na Associação de Agricultores
Agroflorestais de Barra do Turvo e Adrianópolis- COOPERAFLORESTA.
-Tempo Necessário: de 10 à 20 minutos.
-Material Necessário: papel kraft, quadro branco ou cartolina, fita adesiva e pincel
atômico.
-Como fazer: após a escolha do assunto, deve-se construir, em conjunto com o público
da atividade, indicadores que classificam o tema escolhido. Esses indicadores são
agrupados em eixos de similaridade. Cada eixo vira uma “ponta da estrela” e deve ser
votado qual nota melhor representa cada eixo. Cabe destacar que a elaboração de
perguntas que problematizem o significado de cada eixo contribui para a indicação
das notas. No final da atividade o resultado é discuto, podendo ser alterado ou
referendado pelo grupo. No decorrer do tempo o processo pode ser repetido, tanto no
que se refere as notas quanto aos eixos propostos, configurando-se assim numa
ferramenta de monitoramento da realidade. As figuras 6 e 7 expõem um exemplo
hipotético da matriz estrela elaborada para avaliar características socioambientais de
boas matrizes de Guabiroba. (STEENBOCK et al, 2013 a).
Figuras 6 e 7: Na figura 6,preencimento hipotetico da matriz estrela para avaliar as caracteristicas socioambientais de boas matrizes de Guabiroba. Na foto 7 o resultado hipotetico do preenchimento da matriz estrela para Guabiroba.
Fonte: o Autor adaptado de STEENBOCK et al, 2013 a.
6 7
33
Uma sugestão de passo à passo para o planejamento e aplicação da
ferramenta matriz estrela é: i) construção coletiva de indicadores, ii) agrupamento dos
indicadores em eixos de similaridade onde cada eixo se configura numa “ponta da
estrela”; iii) articular uma oficina com os agricultores e preencher a valorização dos
eixos, de acordo com uma escala que pode ir de 0 à 10, com ajuda de perguntas que
problematizem cada eixo; iv) discussão e referendo ou não do resultado e; v) repetição
do processo caso exista interesse em monitorar o processo.
-Questionário de perguntas objetivas
-Objetivo: responder algumas perguntas objetivas acerca de temas já abortados
anteriormente.
-Tempo Necessário: adaptável de acordo com a quantidade de perguntas, mas
sugere-se algo em torno de 10 à 20 minutos.
-Material Necessário: caneta, prancheta e questionário impresso.
-Como fazer: após o uso de outras ferramentas que problematizem e gerem
encaminhamentos, monta-se um roteiro com perguntas diretas visando aprofundar
determinados aspectos das atividades anteriores. Cabe destacar que, embora as
respostas sejam objetivas, a forma de fazê-las não precisar ser. Usar elementos da
entrevista semi-estruturada, ou seja, transformar as perguntas objetivas em tema de
conversa facilita a interação entre quem pergunta e quem responde. Após a
finalização do roteiro deve-se sistematiza-lo e apresentar a resposta ao grupo,
vinculando sempre ao processo que gerou o roteiro (GEILFULS, 1997). Um passo a
passo desse processo é: i) identificar em oficinas coletivas situações que carecem ser
aprofundadas; ii) montar um questionário com perguntas objetivas; iii) aplicar o
questionário; iv) sistematização do resultado; v) apresentação do resultado vinculando
a conjuntura que gerou o questionário.
-Cadernos da Multiplicação das Frutas Nativas
-Objetivo: anotar informações referente a uma atividade de campo visando a
sistematização, monitoramento e avaliação de um determinado tema (GEILFULS,
1997), no caso desta pesquisa a multiplicação das frutas nativas.
-Tempo Necessário: adaptável de acordo com a quantidade de perguntas.
34
-Material Necessário: caneta, roteiro de perguntas impresso e computador.
-Como fazer: após a definição de quais informações precisam devem ser analisadas,
elabora-se perguntas, de caráter objetivo, para servir de guia na sistematização e
posterior análise de um determinado assunto, que no caso desta pesquisa foi
relacionado a coleta de frutas/sementes, confecção e distribuição de mudas das frutas
nativas. Após anotar estas informações no papel, elas devem ser transcritas para o
computador e socializadas entre os sujeitos envolvidos. Cabe destacar que, embora
as respostas sejam objetivas, a forma de faze-las não precisar ser. Usar elementos
da entrevista semi-estruturada, ou seja, transformar as perguntas objetivas em tema
de conversa facilita a interação entre quem pergunta e quem responde. Um passo à
passo para essa ferramenta é: i) definição de quais informações precisam ser
analisadas; ii) confecção e impressão de um roteiro com perguntas sobre as
informações; iii) preenchimento do roteiro; iv) transcrição do roteiro para um
computador e; v) socialização dos resultados com os agentes envolvidos.
1.3 OS ATORES SOCIAIS E SEU CONTEXTO
Este item tem como objetivo descrever o público desta pesquisa, isto é, os
atores sociais e o autor desta pesquisa4 bem como o contexto onde estão inseridos.
Os atores sociais são agricultores inseridos em grupos agroecológicos vinculados ao
Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia. Mesmo não sendo o foco
desta palavras discorrer sobre a formação histórica deste espaço, é prudente apontar
algumas características centrais do uso e ocupação do solo no decorrer do tempo.
Para realizar tal caracterização, é necessário considerar os aspectos da região que o
Núcleo se insere, isto é, a mesorregião centro oeste do Estado do Paraná (STUMER,
2016). Tal espaço é constituído majoritariamente por formações florestais do
ecossistema floresta ombrófila mista (FOM) ou floresta de araucária, bem como
algumas manchas de campos, sobretudo na sua porção leste. A mesorregião também
possui um relevo levemente ondulado e uma rica hidrografia, sendo o rio Iguaçu o
mais importante (IPARDES, 2015). Em virtude do processo de litoralização brasileira,
a colonização do centro oeste paranaense foi tardia se comparada ao litoral. Mesmo
4 Cabe destacar que no decorrer deste trabalho, sobretudo no item 2.4 tais atores e as organizações que interferem em seu cotidiano serão pormenorizadas.
35
com a presença de povos indígenas como os kaikang e algumas experiências de
colonização na região, é a partir do início do século XX que tal processo se intensifica,
especialmente entre os anos de 1920 e 1950. Esse movimento é tributário da “marcha
para o oeste” promovida pelo governo Getúlio Vargas que chega no centro oeste
paranaense de duas maneiras: i) migrantes europeus refugiados da primeiro e da
segunda guerra, bem como de colônias já instaladas no Rio Grande do Sul e Santa
Catarina e; ii) instalações de empresas do ramo madeireiro (FABRINI, 2002).
A instalação de empresas do ramo madeireiro se concentrou na lógica de
extração da madeira, particularmente da Araucária (Araucaria angustifólia) que tinha
como objetivo principal a comercialização no mercado Europeu, pois tal mercado
demandava matéria prima, como madeira, para reconstrução das cidades após a
segunda guerra mundial. Já a colonização dos migrantes europeus se fez via a
instalação de famílias de uma mesma nacionalidade próximas umas das outras, as
colônias. Nesse processo, eram abertas clareiras na floresta e plantado milho e feijão
que tinham como objetivo principal o auto consumo e a alimentação de animais,
principalmente os bovinos e suínos. A dificuldade de logística neste período contribuiu
para que os principais produtos comercializados fossem os bovinos e suínos, pois era
possível locomover tal produção até os centros urbanos (FABRINI, 2002).
Essa dinâmica de ocupação mantém seus traços principais até o início dos
anos de 1970. Nesta década, a retirada desenfreada da floresta de araucária contribui
para tornar escasso a presença de mateira prima nas áreas das empresas do ramo.
Já nas áreas dos agricultores familiares a quantidade de floresta ainda era
significativa, mas a fertilidade dos sistemas produtivos começava a diminuir (FABRINI,
2002). É importante pontuar que enquanto no Brasil há o avanço da agricultura
baseada nos cânones da revolução nessa época, na região há o acumulo de terras
por parte das empresas madeireiras que avança seu território em direção as áreas
dos agricultores familiares em busca de matéria prima (CEZIMBRA, 2013). Outra
característica desta década é o início da construção de sete usinas hidroelétricas na
região. Estas usinas contribuem para deslocar centenas de famílias situadas
originalmente nas áreas alagadas das usinas. A construção da usina hidroelétrica de
Itaipu na cidade de Foz do Iguaçu-PR, na época a maior do mundo também traz para
a região centro oeste famílias deslocada pelo lago da represa. Cabe destacar que boa
parte das famílias residentes nas áreas de alagamento das usinas possuíam
36
problemas com os documentos das terras, o que dificultou a indenização das terras
pelo Governo Federal (JANATA, 2012). Dentro deste contexto pode-se afirmar que
(...) é possível perceber que, as disputas de poder desse território são marcadas pela disputa histórica do grande latifúndio com populações tradicionais e pequenos agricultores (com e sem terra) que tentam de alguma maneira se organizar para manter seus espaços na dinâmica territorial (STUMER, 2016, p. 42).
Com os bens naturais se tornando cada vez mais raros e com a concentração
de terras, a década de 1980 é marcada pelo fortalecimento da criação de gado de
forma extensiva em grandes propriedades de terra e o plantio de espécies exóticas
(pinus e eucalipto) para produção de madeira na área das empresas do ramo
(FABRINI, 2002). Outro aspecto deste momento histórico é o fortalecimento dos
movimentos sociais do campo, que culminam em acampamentos na região
organizados pelo Movimento dos Sem Terra do Centro-Oeste do Paraná
(MASTRECO), um dos embriões do MST. Dentro deste contexto, o MST é formado
em janeiro de 1984 e passa a organizar ocupações na região centro oeste de forma
mais sistemática. O conflito mais simbólico é o que envolve a empresa madeireira
Giacometi-Marodin (atualmente sob a figura de Araupel Celulose) com famílias
deslocadas de suas áreas pela própria empresa em questão, pelas barragens e
agricultores sem-terra (CEZIMBRA, 2013).
As lutas envolvendo o acesso ao território resulta na década de 1990 na
conquista de assentamentos de reforma agrária que somam, de acordo com o INCRA
(2010), 49 assentamentos e aproximadamente 4.500 famílias assentadas. Esse
processo de redistribuição fundiária ocorre em vários municípios, e as famílias
beneficiarias de maneira mais ou menos intensa são paulatinamente inseridas no
modelo de agricultura da revolução verde. Tal modelo agrícola passa a existir com
mais frequência na região e substitui a criação de gado de forma intensiva por
monoculturas de milho. Além disso, as monoculturas de pinus e eucaliptos também
aumentam sua área de plantio nesse período. Outro aspecto importante desse tempo
é o fortalecimento da cadeia produtiva do leite (STUMER, 2016).
Já a década de 2000 tem como principais características a consolidação da
revolução verde que avança sobre os assentamentos da reforma agrária e em
grandes proprietários de terra por meio do plantio da soja e milho, bem como a
manutenção das áreas de plantio de pinus e eucalipto. A cadeia produtiva do leite
37
também se consolida e passa a ser cada vez mais influente na região, principalmente
para os agricultores familiares e assentados da reforma agrária (STUMER, 2016). Um
exemplo da influência do leite é que no final da primeira década do século XXI, o leite
está entres os três primeiros produtos na composição do Valor Bruto Produção
Agropecuária da maioria dos municípios da região (IPARDES, 2015). Nesta década
também se fortalece na região o Movimento dos Pequenos Agricultores, o MPA. Este
movimento do campo e o MST passam a internalizar em suas lutas a Agroecologia
como meio de produção e vida (CEZIMBRA, 2013; STUMER, 2016). Esse fator é
crucial para a emergência do Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de
Agroecologia, que é detalhado no próximo item.
1.2.3 O Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia
O Núcleo Luta Camponesa de Agroecologia é fundando oficialmente em 2012
e tem como público 220 famílias assentadas, acampadas e agricultores familiares.
Desse total, 53 famílias e 6 agroindústrias são certificadas como agroecológica,
totalizando uma área de 550 hectares certificados (CARVALHO, 2017). Tal Núcleo
está inserido em dois Territórios da Cidadania do Estado do Paraná: a
Cantuquiriguaçu 5 e o Paraná Centro 6 . Estes Territórios são compostos por 37
municípios que o Governo Brasileiro classificou, no ano de 2008, como locais
prioritários para o aporte de políticas públicas voltadas ao fomento dos direitos sociais
básicos de sua população (BRASIL,2011). Em relação ao índice de desenvolvimento
humano (IDH), o índice dos dois Territórios é de 0,725, número inferior da região Sul
do Brasil (0,831) e da média nacional (0,754). Com uma população aproximada de
420 mil habitantes, a grande maioria residente na zona rural, estes Territórios
representam cerca de 4,5% da população do Estado do Paraná (IPARDES, 2014). No
mapa 8 é exposto a localização geográfica destes territórios.
5 A Cantuquiriguaçu é composta por 20 municípios: Marquinho, Ibema, Diamante do Sul, Foz do Jordão, Virmond, Catanduvas, Rio Bonito do Iguaçu, Campo Bonito, Espigão Alto do Iguaçu, Candói, Cantagalo, Goioxim, Guaraniaçu, Laranjeiras do Sul, Nova Laranjeiras, Pinhão, Quedas do Iguaçu, Reserva do Iguaçu, Três Barras do Paraná, Porto Barreiro. 6 O Paraná Centro é formado por 17 municípios: Altamira do Paraná, Boa Ventura de São Roque, Campina do Simão. Cândido de Abreu, Iretama, Laranjal, Manoel Ribas, Mato Rico, Nova Cantu, Nova Tebas, Palmital, Pitanga, Rio Branco do Ivaí, Roncador, Rosário do Ivaí, Santa Maria do Oeste e Turvo.
38
Mapa 8: Localização dos Territórios da Cidadania Paraná Centro e Cantuquiriguaçu.
Fonte: IPARDES 2014.
Outra característica do Núcleo Luta Camponesa é que ele está inserido no
bioma mata atlântica. A mata atlântica é bioma florestal que originalmente possuía
uma área de 110.182 Km² espalhada do Estado do Rio Grande do Norte ao Rio
Grande do Sul, ocupando cerca13% do território nacional. É um dos biomas mais
degradados no Brasil, restando apenas 10% de sua cobertura original localizado de
forma fragmentada (MMA, 2014). Cabe destacar que a Mata Atlântica tem sua
fitofisionomia heterógena, sendo constituída por um conjunto de formações florestais
e ecossistemas associados como as restingas, manguezais e campos de altitude.
Segundo a literatura, na área de abrangência do Núcleo Luta Camponesa a presença
majoritária é da floresta ombrófila mista (FOM). Em menor quantidade também ocorre
a floresta estacional semidecidual e os campos naturais (IBGE, 2012). Canosa (2016)
indica que o grupos do Núcleo Luta Camponesa estão na FOM ou no ecótono desta
vegetação com a floresta semidecidual.
39
Em relação à classificação florestal dos municípios que os grupos que fazem
parte desta pesquisa estão inseridos, no mapa 9 se é indicado qual é a cobertura
florestal original deles. Ao observar o mapa 8, pode-se visualizar que os municípios
de Nova Laranjeiras (1), Laranjeiras do Sul (2) e Santa Maria do Oeste (4) estão
localizados na floresta ombrófila mista, enquanto os município de Palmital (5) e
Goioxim (3) além de estarem na FOM também estão inseridos na floresta
semidecidual e os campos, respectivamente. Porém, durante as visitas as unidades
familiares dos grupos, identificou que a fitofisionomia majoritária é o ecótono entre a
da floresta ombrófila mista com a Floresta Semidecidual, como descreveu Canosa
(2016).
Mapa 9: Classificação da cobertura original dos municípios dos grupos que compõem esta pesquisa estão inseridos.
Fonte: IPARDES 2014 adaptado pelo autor.
Dentro deste contexto maior, recortou-se os atores sociais que fizeram parte
desta pesquisa. Para isso utilizou-se os princípios da amostragem intencional. Este
processo consiste na indicação de “um pequeno número de pessoas que são
intencionalmente escolhidas em função da relevância que elas apresentam em
40
relação a determinado assunto” (THIOLLENT, 2011 p.61). De acordo com esse
princípio, foram selecionados seis grupos vinculados ao Núcleo Luta Camponesa para
fazer parte da pesquisa. A escolha por esses grupos levou em consideração os
seguintes aspectos: i) relação entre tempo disponível do autor da pesquisa e a
quantidade de grupos; ii) histórico do grupo em relação as frutas nativas observado
pelo autor via observação participante e; iii) desejo do grupo em pesquisar tal tema.
Os grupos dos atores sociais que fizeram parte deste trabalho são compostos
por cerca de 1177 pessoas que formam 33 famílias. Eles estão inseridos em cinco
municípios dos Territórios da Cidadania Cantuquiriguaçu e Paraná Centro. Outra
característica destes grupos é sua forte relação com o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST- e o Movimento de Pequenos Agricultores – MPA-. O quadro
1, sintetiza estas informações.
Quadro 1: Grupos que participaram da pesquisa, bem como os municípios, Territórios da Cidadania e movimentos sociais que pertencem
N Nome do Grupo Município Território da Cidadania
Movimento Social do Campo
1 8 de Junho Laranjeiras do sul Cantuquiriguaçu MST
2 Jabuticabal Goioxim Cantuquiriguaçu MST
3 Palmeirinha Palmital Paraná Centro MPA
4 Recanto da Natureza Laranjeiras do Sul Cantuquiriguaçu MST
5 Terra de Todos Palmital e Santa Maria do Oeste
Paraná Centro MPA
6 Terra Livre Nova Laranjeiras Cantuquiriguaçu MST
Fonte: o Autor, a partir de trabalho de campo.
Após está breve caracterização dos atores sociais desta pesquisa, cabe
organizar uma pequena caracterização do autor desta pesquisa, pois é na articulação
entre estes dois personagens que o método escolhido para este trabalho, a pesquisa-
ação emerge (DESROCHE, 2006). O autor desta pesquisa, desde 2016, é
colaborador no Centro de Desenvolvimento e Capacitação em Agroecologia –
CEAGRO-, organização que presta assessoria em Agroecologia para famílias dos
Territórios da Cidadania Cantuquiriguaçu e Paraná Centro (CEAGRO, 2018). Neste
período o foco das atividades foi na implantação e consolidação de grupos de
7 Levou-se em consideração para definição deste valor todas as pessoas que residem na unidade familiar, mesmo que nem todas tenham participado diretamente das atividades desta pesquisa.
41
referência em sistemas agroflorestais, ou SAF’s. Bem como o fomento ao
processamento e comercialização da produção dos SAF’s, incluindo as frutas nativas.
Nesse processo o autor aproximou-se dos grupos do Núcleo Luta Camponesa e a
partir da entrada no Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável
da UFFS, as atividades de pesquisa e de assessoria técnica se acumularam,
sobretudo nos seis grupos que fizeram parte desta pesquisa. Esse fato faz com que
ao mesmo tempo que os resultados desta pesquisa tendam a ser mais aprofundado,
a influência do autor nele também aumente.
1.4 FASES DA PESQUISA
O método desta pesquisa é compostos por quatro fases, complementares, que
serão descritas a seguir. Cabe destacar que optou-se por manter nesta seção as
linhas gerais do que foi realizado. No decorrer do texto, na medida em que os
resultados são expostos, será detalhado como foi realizado o procedimento para obter
as informações. Além disso, será apresentado o que foi realizado, bem como algumas
ações planejadas mas que não foram realizadas, atestando assim como verdadeira a
premissa que a pesquisa-ação é um método permeado por incertezas, como alerta
Desroche, (2006).
- Problematização das frutas nativas e indicação de espécies prioritárias
Para realização desta fase, o primeiro passo foi realizar, durante o trabalho
diário do autor desta pesquisa, como descrito anteriormente, observação participante
(DEMO, 1981) com grupos vinculados ao Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida
de Agroecologia. Nessa etapa foram identificados os seis grupos que fizeram parte
desta pesquisa. Em seguida, realizou-se seis oficinas, uma em cada um dos seis
grupos de agricultores, que foram divididas em quatro etapas. Na primeira etapa foi
apresentado os objetivos e métodos da pesquisa, bem como perguntando se o grupo
gostaria de fazer parte da pesquisa. Na segunda, foi problematizado alguns elementos
da domesticação de plantas com ênfase nas frutas nativas, com o apoio da ferramenta
painéis explicativos (STEENBOCK et al, 2013). Na terceira, por meio da ferramenta
matriz de priorização, construiu-se uma escala com as quatro espécies prioritárias de
frutas nativas de cada grupo (GEILFUS, 1997). Por fim, através da ferramenta matriz
42
de diagnostico, levantou-se algumas questões objetivas sobre as espécies prioritárias,
tais como quantidade, local e origem (GEILFUS, 1997). O anexo I apresenta a pauta
desta oficina e algumas fotografias.
- Caracterização socioambiental das espécies prioritárias
A segunda fase da pesquisa, teve como objetivo realizar atividades sobre a
caracterização socioambiental das espécies de frutas nativas que forma indicadas
como prioritárias. Para isso, facilitou-se seis oficinas (uma em cada grupo) para o
preenchimento de forma coletiva da ferramenta matriz estrela (STEENBOCK et al,
2013 a). Essas oficinas foram divididas em quatro etapas. Na primeira foi
problematizado a importância de se caracterizar, de forma participativa, as espécies
de frutas nativas por meio de painéis explicativos (GEILFUS, 1997). Na sequência foi
explicado o funcionamento e os objetivos da ferramenta matriz estrela desenvolvida
para caracterizar as frutas nativas (STEENBOCK et al, 2013 a). A terceira etapa
consistiu no preenchimento, de forma coletiva, de uma matriz estrela para cada fruta
nativa prioritária. Por fim, discutiu-se os resultados com os atores sociais visando
validá-los ou adequá-los. O anexo I apresenta a pauta destas oficinas e algumas
fotografias.
- Caracterização socioambiental de boas árvores
Após a caracterização socioambiental das espécies via matriz de priorização
estrela, deu-se início a terceira fase desta pesquisa. Por isso, realizou-se seis oficinas
(uma em cada grupo) visando caracterizar boas árvores, ou matrizes, para a
multiplicação das frutas nativas prioritárias. Estas oficinas, assim como as que
caracterizaram as espécies, seguiram a sequência de problematizar a importância de
identificar de forma coletiva boas árvores com ajuda de painéis explicativos
(GEILFUS, 1997), explicar o funcionamento e preencher uma matriz estrela para cada
espécie de fruta nativa apontada como prioritária e discutir o resultado (STEENBOCK
et al, 2013 a). O anexo I apresenta a pauta e algumas imagens destas oficinas.
Ao final deste processo perguntou-se aos atores sociais se há em seus
agroecossistemas, plantas que se aproximam da caracterização construída, visando
sua posterior multiplicação. As plantas indicadas como boas matrizes tiveram a
43
unidade familiar que estão inseridas anotadas. Além disso, foi informado aos
agricultores que residem nestes locais que haveria visitas para caracterização destes
indivíduos. Para essa caracterização utilizou-se como ferramenta um questionário de
perguntas objetivas (GEILFUS, 1997) sobre as características da árvore e dos frutos.
Depois, cada boa árvore também teve sua coordenada geográfica anotada através do
uso de um equipamento de GPS portátil. No anexo I é apresentado tal questionário
na íntegra.
- Multiplicação das boas matrizes
A quarta fase teve como objetivo promover a multiplicação das boas árvores
via confecção de mudas. Essa fase foi dividida em duas etapas. A primeira foi centrada
num acordo envolvendo a empresa ENGIE Energia, o laboratório de sistemas
agroflorestais da UFFS o CEAGRO. Nele, o autor da pesquisa encaminha as
sementes e/ou os frutos das boas árvores até o responsável pelo viveiro da empresa.
O viveiro produz a muda e identifica sua origem enquanto o CEAGRO e o laboratório
Vivan de Sistemas Agroflorestais da UFFS articulam a entrega para as famílias. A
sistematização das informações do que foi coletado e o estado da confecção das
mudas foram registrados na ferramenta caderno de multiplicação das frutas nativas.
(GEILFUS, 1997). A outra etapa desta fase se refere ao uso da ferramenta observação
participante (DEMO, 1981) durante a conivência com os agricultores visando apontar
as principais estratégias de multiplicação das boas árvores.
Em conjunto com a confecção e distribuição das mudas e a sistematização das
estratégias de multiplicação, planejou-se realizar uma oficina em cada grupo visando
problematizar a forma de plantio, identificar quantas espécies e indivíduos cada família
deseja plantar bem como o local onde isso seria realizado. Entretanto, em virtude dos
problemas de tempo e locomoção apresentado pelo autor desta pesquisa, as oficinas
não foram realizadas8. Estes problemas também colaboraram para que a coleta de
sementes, principalmente na safra de 2017-2018 fossem prejudicadas. Dentro deste
contexto, o quadro 2 sintetiza o procedimento metodológico realizado desta pesquisa.
8 No dia 5 de dezembro de 2017, o autor desta pesquisa teve um problema de saúde que o impediu de se locomover, dificultando assim a realização das oficinas e coletas de sementes planejadas para os meses de dezembro e janeiro.
44
Quadro 2: Síntese do método dos procedimentos metodológicos contento as fases, as ferramentas utilizadas e os resultados esperados
Fase Etapa Ferramenta Resultado Esperado
1) Problematização as frutas nativas e indicação de
espécies prioritárias
Identificação de grupos com
potencial e interesse
i) Observação Participante
a) Identificar os grupos para fazer parte da pesquisa
Realizar 6 oficinas sobre a
domesticação das frutas nativas nos
grupos
i) Painéis explicativos ii) Matriz de priorização iii) Matriz de diagnostico
a) Problematizar os conceitos de domesticação de plantas e
frutas nativas; b) escolher as frutas nativas prioritárias para promover a
domesticação; c) diagnosticar algumas
informações das espécies prioritárias.
2)
Caracterização socioambiental das espécies prioritárias
Realizar 6 Oficinas para caracterização socioambiental das
frutas nativas
i) Painéis explicativos
ii) Matriz Estrela
a) Problematizar a importância da caracterização participativa das espécies de
frutas nativas b) Construção e uso de
indicadores para caracterização das frutas
nativas;
3) Caracterização socioambiental de boas árvores
Realizar 6 oficinas
para caracterização socioambiental de
boas árvores
i) Painéis
explicativos ii) Matriz Estrela
a) Problematizar a importância da caracterização participativa de boas árvores
de frutas nativas b) Construção e uso de
indicadores para caracterização de boas
árvores c) indicação de boas árvores de frutas nativas visando sua
multiplicação
Localizar e caracterizar as
plantas indicadas como boas árvores
i) Questionário de perguntas
objetivas
a) localização georreferenciada das boas
árvores b) catalogo com as
informações das boas árvores,
4) Multiplicação
das “boas árvores”
Coleta das sementes de frutas nativas
i) cadernos das frutas
nativas
a) controle da coleta das sementes/ frutas das boas árvores entregues para o
viveiro da empresa ENGIE energia
c) controle da entrega das mudas confeccionadas para
os agricultores
Identificar as maneiras de
multiplicar as frutas nativas utilizada
pelos agricultores
i) observação participante
a) identificar as principais estratégias utilizadas pelos
agricultores para multiplicação das frutas nativas
Fonte: o Autor
45
Apresentado brevemente os objetivos, procedimentos metodológicos e os
autores sociais e o contexto que eles estão inseridos, cabe iniciar as discussões entre
os temas abordados neste trabalho com as atividades de campo.
46
CAPÍTULO II: AGROECOLOGIA E DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS, POR UMA
RELAÇÃO QUE PROMOVA A SOCIOBIODIVERSIDADE
A vida dilata-se constantemente em direção a novidade
Fritjof Capra (2002)
Neste capítulo é problematizado alguns aspectos que influenciam a
invisibilidade das frutas nativas, bem como são debatidos os temas domesticação de
plantas, sociobiodiversidade e Agroecologia. Para isso, foram elaborados cinco itens:
o primeiro problematiza como o pensamento colonial contribui para a invisibilidade das
frutas nativas; o segundo traz o conceito de domesticação de plantas e sua ligação
com a memória biocultural da espécie humana; o terceiro apresenta algumas
aproximações e tensões que envolvem os termos biodiversidade, agrobiodiversidade
e sociobiodiversidade; o quarto expõe alguns princípios da Agroecologia e como é sua
relação com os outros temas do capitulo; no quinto é exposto um recorte da
sociobiodiversidade presente nos grupos que fizeram parte desta pesquisa, com
ênfase na cadeia das frutas nativas e a indicação de quais são as frutas nativas
prioritárias para se promover a domesticação. É importante salientar que a
problematização destes temas não cessa nesse capitulo, pois em outros capítulos
eles são retomados.
2.1 A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO COLONIAL NA INVISIBILIDADE DAS FRUTAS NATIVAS
As questões socioambientais, como as que envolvem as frutas nativas, cada
vez mais são tratadas de forma multidimensional, isto é, não podem ser analisados
exclusivamente do ponto de vista biológico ou social, mas sim na junção destes
aspectos. Neste sentido, para problematizar certa invisibilidade das frutas nativas, um
aspecto que deseja-se abortar nestas palavras é a influência do pensamento colonial
no rural, sobretudo no que tangue a relação do ser humano com as frutas nativas.
Todavia, antes de discorrer sobre essa relação é interessante apresentar um recorte
do que entende-se por pensamento colonial.
Autores como Santos e Meneses (2010), Quijano (2010), Dussel (1993),
afirmam que vivemos num período marcado pelo pensamento colonial. Cabe destacar
que, embora não seja o ideal, agrupamos a leitura da colonialidade do poder de
47
(QUINJANO 2005 e 2010) com as referências do coleção Reinventar a Emancipação
Social para Novos Manifestos (SANTOS, MENESES 2010; SANTOS 2002; 2009;
(SANTOS, MENESES, NUNES 2005) no termo pensamento colonial.
Este pensamento se inicia com a “descoberta da América” e desde seu início é
forjado por duas linhas abissais (SANTOS, 2010). Uma visível, que separa o novo do
velho mundo, a colônia da metrópole, e outra invisível, que sustenta a visível, que
separa a realidade social em dois universos distintos: o universo “desse lado da linha”
e o universo do “outro lado da linha”. Sendo que estar desse lado da linha significa:
(...) ser um europeu e não um selvagem do Novo Mundo, no século XVI, e, no século XIX, um europeu (incluindo os europeus deslocados da América do Norte), e não um asiático, parado na história, ou um africano que nem sequer faz parte dela (SANTOS, 2010, p. 54).
Já o universo do outro lado da linha é onde
Não há conhecimento real, existem crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimento intuitivos ou subjetivos, que na melhor das hipóteses, podem tornar-se objetos ou matéria-prima para a inquirição cientifica (...). Compreende assim, uma vasta gama de experiências desperdiçadas, tornadas invisíveis, tal como seus autores, e sem uma localização territorial fixa (SANTOS, 2010, p. 34).
Estas linhas abissais se estendem para além do é legal ou ilegal, do verdadeiro
ou falso. Elas separam o invisível do visível, o estado de natureza do homem
civilizado, o subdesenvolvido do desenvolvido. Portanto, quem está do outro lado da
linha, seus saberes e fazeres, não estão certos ou errados, pois eles ‘não existem’,
do ponto de vista do pensamento hegemônico. Não existem por que são considerados
“parcialmente humanos”. Neste contexto, o pensamento colonial produz uma ausência
de humanidade, a sub-humanidade:
Assim a exclusão torna-se simultaneamente radical e inexistente, uma vez que seres sub-humanos não são considerados sequer candidatos à inclusão social. A humanidade moderna não se concebe sem uma sub-humanidade moderna (SANTOS, 2010, p.38,39).
Essa exclusão contribui para que homens brancos, quiçá classificados em seus
tempos como pessoas de bem, fossem livres para dominar, matar, escravizar a sub-
humanidade, bem como a Natureza com a qual eles se relacionam, na América, África,
Oceania e Ásia. Esse pensamento colonial, segundo Dussel (1993) é a base para o
48
surgimento da concepção que a Europa é o centro do Mundo9, o eurocentrismo. Esse
paradigma colonizou o planeta com a ideia que o sistema capitalista e a Ciência
Moderna são os únicos caminho para toda a humanidade.
No decorrer dos séculos após a descoberta da América, vários elementos do
pensamento colonial se modificaram. A linha visível que separava colônias e
metrópoles deixa de existir e dá lugar à criação do Estado-nação onde outrora eram
as colônias, contudo, a linha invisível que separa a humanidade da sub-humanidade
continua sendo tão radical e excludente quanto era na época do Tratado de
Tordesilhas (SANTOS, MENESES, 2010). Quijano (2010), afirma que o fim da relação
de dominação entre colônia e metrópole não promoveu a liberdade dos que
estevavam no outro lado da linha, pelo contrário, a estrutura de poder se mantem a
mesma, e em virtude de sua ligação umbilical com os colonialismos, tal estrutura é
intitulada de colonialidade do poder, sendo que
A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular do referido padrão de poder e opera em cada um dos planos, meios e dimensões materiais e subjetivos, da existência quotidiana e da escala societal (QUINJANO, 2010, p.84).
Note-se que o termo raça, que altera a classificação racial/étnica a favor dos
homens deste lado da linha, foi uma criação do período colonial. Seu objetivo é
distinguir as características físicas dos europeus e dos colonizados, como cor, altura,
tipo de cabelo, formato do rosto e afins. Esta separação criou termos como índios,
negros e mestiços, bem como assegurou que eles, por uma questão natural de
superioridades, fossem classificados como inferiores, logo, dominados (QUIJANO,
2010). A partir desta classificação de raça, a colonialidade do poder propagou-se nas
relações de exploração/dominação/conflito de diversos tecidos sociais, por meio da
manutenção do pensamento colonial, de separar dominantes de dominados. A
influência desta racionalidade na sociedade e na Natureza atualmente é global e
heterogênea. Global por que o eurocentrismo colonizou o mundo com sua ideia de
9 Dussel argumenta que a História Europeia é diversa, e que o mito que a Europa é o centro do Mundo se origina com as’ invasões coloniais nas ganha proeminência no em meados do século XVIII, sendo que anterior a este período seu papel foi secundário.
49
totalidade histórico-social10 unilinear, unidirecional e unidimensional. Nela, o trajeto
trilhado pelos povos dominantes é mais do que o indicado, é o único a ser seguido
pelos dominados. Heterogêneo por que se insere em todos os aspectos da sociedade,
ao manter nas mãos dos homens civilizados o poder do a) trabalho e seus produtos;
b) acesso aos recursos naturais; c) reprodução da espécies; d) conhecimento e
subjetividades e; e) instrumentos de coerção (QUIJANO, 2010).
Outra mudança do pensamento colonial no passar dos anos diz respeito a
localização dos dominantes e dominados. Com a quase eliminação da linha visível
que separa colônias e metrópoles, a localização dos homens civilizados e selvagens
se alterou, ou seja, quem está deste lado da linha não necessariamente reside na
Europa, assim como quem mora do outro lado da linha, não estão somente nas áreas
das antigas colônias. Dentro deste contexto, Santos (2010) argumenta que as linhas
abissais do pensamento colonial atualmente separam o sul global do norte global. Os
termos norte e sul não são representações geográficas, mais sim representações
culturais em que o “sul global é concebido como a metáfora do sofrimento humano
sistêmico e injusto provocado pelo capitalismo global e pelo colonialismo” (SANTOS
2010. p. 53), isto é, são os que estão do outro lado da linha. Já, o norte global é a
institucionalização da verdade, do legal, dos homens civilizados, portanto, dos que
estão desse lado da linha (SANTOS, 2010). Exemplos da aplicação desta distinção
são os casos dos indígenas que residem hoje nos Estados Unidos. Embora eles
estejam geograficamente no norte, estão no sul global. Já a elite dos países latino-
americanos (como o Brasil), mesmo residindo no sul geográfico pertencem ao norte
global.
A partir do norte global, o pensamento colonial que sempre buscou ocupar
todos os espaços, consegue chegar próximo de seu objetivo no final do século XX.
Isso acontece graças aos avanços de suas bases tecnológicas (transporte,
comunicação, publicidade, produção). Como resultado o
colonialismos/modernidade/capitalismo se configuram como pensamento
hegemônico em escala global. Emerge assim a globalização hegemônica, que é um
sistema ideológico, material e técnico que visa impor ao mundo um único modo de
10 Totalidade histórica-social é articulação do conjunto de relações e estruturas sociais de uma civilização.
50
existir, baseado nos cânones da ciência moderna e do sistema capitalista, tributários
do pensamento colonial (SANTOS, 2002; QUIJANO, 2005).
O avanço e manutenção desta globalização hegemônica, assim como a tríade
colonialismos/modernidade/capitalismo, tem como eixo central a disseminação de
monoculturas, que recebem o prefixo mono em virtude da dificuldade em dialogar com
outras formas de existência e de sua capacidade em gerar ausências (ou sub-
humanidades). Santos (2002) indica a existência de cinco:
i) monocultura dos critérios de produtividade capitalista: assenta-se na lógica da
produção onde apenas o crescimento econômico é o objetivo racional
inquestionável. Esse critério aplica-se tanto à Natureza quanto ao trabalho
humano, o que se espera da Natureza é máxima produção, enquanto o trabalho
humano visa a máxima geração de lucro em um ciclo de produção. Logo, outros
modos de produção e de relações com a Natureza e entre os seres humanos não
existem;
ii) monocultura do tempo linear: define que o sentido do tempo é unidirecional e
unilinear, ou seja, o caminho dos países pertencentes ao norte global, bem como
os conhecimentos, instituições e as formas de sociabilidade que neles dominam
são considerados a única opção. Com efeito, se considera “atrasado” tudo aquilo
que é assimétrico em relação a direção dos que estão deste lado da linha;
iii) monocultura da naturalização das diferenças: consiste em atribuir como
coerente a classificação social por categorias hierárquica de gênero, nível
econômico, origem étnica, religião ou posição ideológica. Nesta forma de pensar,
a relação de dominação é a consequência e não a causa, podendo até ser
avaliada como uma obrigação de quem é qualificado como superior. Deste modo,
quem é inferior, porque insuperavelmente inferior, não pode ser uma alternativa
credível a quem é superior. Um exemplo dessa mentalidade é a máxima: “o fardo
do homem branco da sua missão civilizatória” (SANTOS 2002, p. 247);
iv) monocultura da escala dominante: escolhe que apenas a escala global como
possível e considera como existente apenas entidades ou realidades que possam
ter influência em todo o planeta. Como resultado, experiências com escalas locais
são consideradas subalternas, por isso não são analisadas como existentes, logo
são eliminadas;
51
v) a monocultura do saber e do saber do rigor: é o modo de produção de ausências
mais intenso. Consiste na transformação da epistemologia da Ciência Moderna
como detentora exclusiva da verdade. Isso acarretou no assassinato de diversas
formas dos seres humanos se relacionarem entre si e com a natureza, intitulados
de epistemicídios (SANTOS, 2010).
Estas monoculturas contribuem para que a ideia dos dominantes seja
hegemônica na globalização que o pensamento colonial articula. Como resultado,
tudo que é assimétrico a isso é subalterno por essência, logo inferior. Esse paradigma
altera diversos aspectos da realidade, sendo que no rural, foco desta pesquisa, ele
vem causando diversos impactos, sobretudo na valorização das frutas nativas. Neste
contexto, no próximo item aprofunda-se na relação entre pensamento colonial e a
invisibilidade das frutas nativas.
2.1.1 O Rural “desse lado da linha”: epistemicídios, revolução verde e impérios
alimentares
O pensamento colonial abarca aspectos sociais, ambientais, econômicos e
afins do rural. Contudo, três aspectos irão compor o fio condutor da influência deste
pensamento nesta pesquisa na invisibilidade das frutas nativas: i) os epistemicídios
de quem está do outro lado da linha (SANTOS,2010); ii) a implantação da revolução
verde como único modo de produção (GLIESSMAN, 2001) e o surgimento dos
impérios alimentares (PLOEG, 2008).
O primeiro aspecto do fio condutor deste item, se refere aos epistemicídios
ocorridos do outro lado da linha. O pensamento colonial, influenciado pela sua
monocultura do saber, ao eleger a epistemologia da Ciência Moderna como a única
forma possível de validar o conhecimento (SANTOS, 2010), assassinou11 diversas
maneiras do ser humano validar e construir o conhecimento, isto é, causou inúmeros
epistemicídios (SANTOS 2010; MENESES; NUNES, 2005). Como consequência, uma
vasta gama de saberes e fazeres das relações que mulheres e homens teciam entre
si e com a Natureza foram eliminados, antes mesmo de serem visualizados. Esta
11 Embora seja forte o termo, Santos (2010) utiliza a palavra assassinato para dar mais ênfase a eliminação das epistemologias.
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eliminação é a pedra fundamental do mundo rural da atualidade, pois desde do início
da colonização até os dias de atuais, ela deixa o planeta um lugar menos diverso. Em
outros termos, elimina a sociobiodiversidade.
Essa eliminação contribui para que os saberes adquiridos pelo Homo sapiens
no decorrer de 200 mil anos de história com a Natureza caminhe para extinção. Toledo
e Barrera-Bassols (2015) conceituam esse processo como a amnésia biocultural.
Identificada pela velocidade vertiginosa das mudanças técnicas, cognitivas, sociais e culturais que impulsionam uma racionalidade econômica baseada na acumulação, centralização e concentração de riquezas, a era moderna (consumista, industrial e tecnocrática) tornou-se uma época prisioneira do presente, dominada pela amnésia, pela incapacidade de se lembrar tanto dos processos históricos quanto daqueles de médio e longo prazo (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2015, p.28)
Deste modo, o pensamento colonial, inspirado por sua monocultura do saber,
tem dificuldade em enxergar o papel central que mulheres e homens12 tem na geração
da diversidade, contribuindo assim para o avanço da amnésia biocultural da espécie
humana. Nesse quadro, podemos colocar em perspectiva algumas situações
envolvendo as frutas nativas e os grupos desta pesquisa. Segundo relato dos
agricultores, algumas frutas nativas, principalmente a Guabiroba, são classificadas
como comida de porco. Se por um lado esta classificação pode ser explicada pela
interação entre animais e plantas principalmente nas áreas de faxinais, sendo assim
algo positivo, por outro ela é pejorativa. Isso por em vários momentos do trabalho de
campo foi possível registrar falas do tipo: “se criou disputando Guabiroba com os
porcos” ou “se criou comendo Guabiroba e agora quer escolher o que vai comer”
remetendo à ideia de que comer frutas nativas, ou melhor, ter árvores destas frutas
nas unidades familiares, é sinônimo de atraso. Por outro lado, para fazer parte do
progresso, isto é, ser um “homem civilizado” é necessário plantar, em forma de
monoculturas espécies do receituário da revolução verde. Soma-se a isso, o mito que
o futuro está na cidade, comprando alimentos, normalmente processados, dos
supermercados. A fala da agricultora 8 visa explicitar melhor estes argumentos.
12 O uso do termo mulheres e homens, humanidade ou espécie humana se refere a processos que vão além da racionalidade impetrada pela globalização hegemônica. Afinal, tal processo histórico, embora seja impactante, tem um período de tempo na história da humanidade curto quando comparado aos milhares anos de domesticação de plantas, por exemplo. Ou seja, o termo se refere aos atores sociais que compõem a globalização contra-hegemônica, como os sujeitos que se inserem na lógica da racionalidade camponesa proposta por Toledo (1992).
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Sabe que esta história de fruta nativa é uma coisa que eu tô gostando de pensar mais. Aqui a gente até tem bastante, mas queria que você visse na casa da minha vó, ela é meio bugre e tem um plantio na casa dela de Uvaia de vários tipos, eu vou trazer umas pra plantar esse ano. Mas sabe que as vezes, até entre os conhecidos, quando a gente diz que vai colher, processar ou que tá comercializado Guabiroba Uvaia, Araçá, escuta risada, bochichos e conversas com jeito de deboche. Para muita gente, fazer agricultura é expulsar todo mudo da terra, tirar toda a floresta, plantar uma coisa só, encher de veneno e vender para o atravessador. Mas o nosso projeto de sociedade, de vida, é o camponês. E nesse projeto as frutas nativas tem tudo a ver (Agricultora 8).
Portanto, há um misto de invisibilidade e desqualificação com as frutas nativas.
Se por um lado os usos, manejos e histórias que o ser humano, sobretudo os que
estão do outro lado da linha, tecem com as frutas nativas não são lembrados, já que
são considerados inexistentes, por outro, a relação de coexistência entre fruta nativa
e humanos é considerada atrasada, sendo necessário sua eliminação em prol do
caminho, único, de quem está deste lado da linha. O agricultor 3 reforça a inviabilidade
e desqualificação promovida pelos epistemicídios das relações dos seres humanos
com Natureza.
Desde de quando a gente era acampado, há 30 anos atrás mais ou menos, eu ocupei função de algum tipo de coordenação. E eu sempre fui contra tirar árvore, principalmente nas cabeceira de rio e fruta como Araucária, Guabiroba, Pitanga e Uvaia. Por que além de proteger as águas, elas dão comida pra gente, pra criação e para os animais. Arrumava as vezes até briga, mas não deixava tirar não. Quando conquistamos o lote, ficou mais fácil de controlar, por que se alguém fizer coisa errada, fica mais fácil de saber quem é(...). E essa conversa de proteger árvore e cabeceira de rio foi se espalhando. Vou te contar um causo, um dia a gente foi na agencia do Banco do Brasil. Lá o padre da paroquia do Assentamento me chamou pra conversa. Ele me disse: vocês precisam vir pra cidade. Eu converso com o Prefeito pra gente arrumar umas cestas básicas pra vocês. Por que essa coisa que vocês fazem lá de deixar mato pra todo lado não é agricultura. Olha, eu conheço a Europa, agricultura de verdade, tem que ser organizada, com máquina e bastante produção. Eu disse tá bom padre, virei as costas e fui embora... (Agricultor 3)
Ainda que a opinião do padre não seja da igreja católica, a fala de um
representante da igreja normalmente tem influência no meio rural, ainda mais para o
agricultor citado, um católico praticante. Além disso, o padre reflete a ideia dominante
que árvore “atrapalha” e precisa ser retirada. Entretanto, esta eliminação não se
restringe às árvores nativas, ela se reflete em toda a floresta. Por exemplo, no Estado
desta pesquisa, o Paraná, a área florestal no ano de 1890 ocupava 83,41% da área
total do Estado. Em 1990, esse número foi reduzido para 5,2%, ou seja, uma perca
de 78.21% da cobertura vegetal em aproximadamente 100 anos (GUBERT, 2010). Em
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conjunto com a paisagem florestal, são eliminadas espécies da fauna e da flora bem
como milhares de anos de coexistência entre mulheres homens, mamíferos, anfíbios,
aves, repteis, peixes e plantas, como as frutas nativas. Isto é, com a floresta
assassinou-se parte insubstituível da sociobiodiversidade, não só do das frutas
nativas, do Bioma Mata Atlântica ou do Estado do Paraná, mas sim da humanidade.
No contexto desta pesquisa, o agricultor 2 demostrar sua opinião sobre o assunto.
Nossa, quando lembro do nosso tempo de menino, como tinha essas frutas nativas. Ia pro colégio e no caminho escolia o que ia comer. Qual fruta, o tamanho e gosto. Tinha umas tão grande que a gente brincava de jogar um no outro. Agora pra achar um pé de fruta por ai dá trabalho, quase não tem e quanto tem nem sempre é do jeito que a gente quer (Agricultor 2).
Mas se a Natureza/cultura que estava no rural do outro lado da linha é assinada
pelo pensamento colonial, o que é inserido em seu lugar? A resposta mais prudente
é depende. No caso brasileiro, Celso Furtado (2007) descreve que a formação
econômica do Brasil está umbilicalmente relacionada com um modelo de agricultura
intensiva, expansionista, cíclica e baseada na produção de commodities para o
mercado externo. No decorrer do tempo madeira, cana-de-açúcar, algodão e café são
exemplos da produção vegetal que capitaneou cada ciclo. Porém, assim como o
pensamento colonial altera, com mais ênfase, o mundo a partir do avanço da
globalização hegemônica (SANTOS,2002), com o início da revolução verde o rural
passa a ter novos contornos.
A revolução verde é um modelo agrícola que tem como horizonte a grande
propriedade capitalizada e conta com apoio do poder de diversos governos
capitaneados Estados Unidos. Utiliza-se a premissa que é o ambiente que deve se
adaptar a planta e não o contrário. Para gerar as condições que respondam as
carências das plantas, são utilizados alto níveis de insumos exógenos às unidades
familiares como: a) adubos nitrogenados de alta solubilidade para incrementar o
crescimento das plantas; b) inseticidas que buscam eliminar os insetos presentes no
cultivo; c) herbicidas para matar plantas que surgem de forma espontânea na
monocultura; d) sementes geneticamente alteradas que resistem aos produtos citado
e; e) maquinário (tratores, e até mesmo aviões), sedentos consumidores de
combustíveis fosseis, utilizados durante o uso de tal pacote de insumos (GLIESSMAN
2001; ALTIERI, 2009).
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A nova realidade gerada pela revolução verde no rural tende a ser mais colonial
e subalterna, sobretudo para os que estão do outro lado da linha. O agricultor 9 relata
a experiência do seu grupo com a revolução verde.
Quando era acampamento aqui, a gente desistiu de esperar o Estado dividir o lote e fizemos por conta própria. No coletivo, plantamos milho e feijão com o uso de adubo, veneno e máquina. Não só pra comer, mas pra vender. Nessa época, qualquer mata a gente olhava e já pensava em tirar e plantar milho e feijão. Sem mentira, tinha semana que vinha dois ou três caminhões carregadas de veneno, adubo e sementes pra plantar. Mas pra plantar desse jeito, quase “viramos sócios da pecuária” e as contas começaram a chegar. No final, gente empatou dinheiro, e olha que não somamos os dias de serviços das famílias. Não tenho vergonha de contar isso, por que aprendi a importância da contradição. Hoje, quase todo grupo faz Agroecologia. Só no meu lote têm mais de mil árvores plantadas, fora as capoeirinha que estão crescendo. (Agricultor 9).
Se esse pacote agrícola coloniza, argumentam seus defensores, de forma
hegemônica o planeta com o suposto objetivo de acabar com a fome, principalmente
dos que estão do outro lado da linha, seus impactos socioambientais também se
espalham por todas as partes. Segundo a FAO (2006), a agricultura, baseada nos
princípios da revolução verde, é a atividade humana mais impactante no planeta. Ela
é a maior responsável pelo consumo de água, geração de gases do efeito estufa e
desmatamento. Junto com estes impactos, em conluio com a globalização
hegemônica e alicerçados no pensamento colonial, a revolução verde empurrou para
as grandes cidades boa parte dos sujeitos que residiam no rural. Como resultado, as
desigualdades de quem mora na cidade e no meio rural foram acirradas, sobretudo
no sul global. No Brasil este processo é emblemático. Em 60 anos (de 1950 até 2010)
a população brasileira rural diminuiu de 69% para 16% do total de brasileiros
(IBGE,2010). Cabe destacar que essa migração também altera os hábitos alimentares
da população que vai para a cidade, como menciona o relato do agricultor 5.
Lá pelo fim dos anos 70 não tinha como mais ficar no sitio com o pai. Tive que ir pra cidade, por falta de renda no sitio mas também pela propaganda que faziam da tal cidade grande. Fui parar em Porto Alegre. Trabalhei lá uns cinco anos, mas nunca me adaptei. Era tudo diferente. Muito barulho e bagunça. A alimentação também era diferente. Arroz, feijão e carne tinha igual, mas comer uma coisa diferente, comer uma dessas frutas que estamos falando, nem pensar. Como só empatava dinheiro e não aguentava mais aquela vida, fui parar no MST pra voltar pro sítio. Com muita luta conseguimos, agora até caipirinha de Guabiroba a gente toma aqui... (Agricultor 5).
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Outro aspecto do avanço da revolução verde é sua estreita ligação com o
Estado. Através do mito que a modernização conservadora 13 implantado pelo
Governo no final do século XX, seria a solução para o Brasil, a revolução verde passou
a ser considerada o único caminho possível para o progresso (DELGADO,2005). Essa
salvação se espalhou por meio de uma tríplice aliança entre Estado e empresas
transnacionais: i) pesquisa e desenvolvimento; ii) transferência de tecnologia e; iii)
credito subsidiado (CAPORAL e COSTABEBER, 2007). Nessa tríplice aliança, a forma
que o conhecimento é passado das organizações de pesquisa para os agricultores se
dá de forma bancária, como diria Paulo Freire (1996), aumentando assim os
epistemicídios no rural. Nesse processo, palavras como jeca tatu, bicho do mato e
afins são comumente utilizadas para classificar os sujeitos que compõem a
racionalidade camponesa (TOLEDO,1992). Um exemplo da transferência de
conhecimento é apresentada pelo agricultor 10.
Não que vierem muitos técnicos aqui, mas um outro sempre aparece, principalmente depois que a gente começou a participar de reunião com outros agricultores, aprendeu que tem que ir na prefeitura cobrar ajuda. Quando eles vêm, é quase igual médico. Diz que tem que fazer exame no solo e que precisa usar esse ou aquele produto. Quando mais você usa o produto, mais forte tem que ser a aplicação ou tem que começar a usar outro junto. Eu entrei numa dessa e plantei uns milhos com veneno por uns três anos há dez anos atrás. Até hoje pago as contas que sobraram. Mas se nessa época, eu tivesse a cabeça que tenho hoje, não entrava nisso não. Se tivesse prestado mais atenção nas frutas nativas, podia ter começado a comercializar elas faz muito tempo (Agricultor 10).
Na fala do agricultor 10, além de um relato da transferência de conhecimento
sobre o plantio de milho, destaca-se a dívida oriunda da atividade. Deste modo, cabe
a provocação que, embora exista credito subsidiado para compra do pacote da
revolução verde, nem sempre a dívida é fácil de ser paga.
Na conjuntura apresentada, é possível apontar os seguintes aspectos que a
revolução verde altera o rural, principalmente na invisibilidade das frutas nativas:
i) epistemicídios: a revolução verde é ao mesmo tempo tributária e promotora
dos epistemicídios dos que estão do outro lado da linha, deste modo ela
13 A modernização conservadora nasce no Brasil com a derrota do movimento por reforma agrária. Ela foi criada por um pacto entre os latifundiários e proprietários de industrias para formar um mercado consumidor nas cidades por meio da expulsão do campo de homens e mulheres para a cidade. Para isso apostou-se na implantação da revolução verde e na produção de commodities como caminho.
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potencializa a eliminação das relações de coexistência entre humanos e a
Natureza, incluindo as que ocorrem com as frutas nativas;
ii) eliminação dos agroecossistemas com árvores: sejam as florestas, os sistemas
agroflorestais (os faxinais, a roça de coivara, os quintais agroflorestais e afins) são
eliminados para a implantação das monoculturas da revolução verde. Essa
retirada se justificava pelo símbolo de atrasado atribuído ás árvores e os sistemas
em que elas estão inseridas, bem como argumentos técnicos como a intenção de
potencializar a produção de biomassa, afinal a “sombra das árvores” prejudicariam
a produtividade. Soma-se também a alegação dos tratores terem dificuldades em
se movimentarem pelo local. E nessa luta contra as árvores, as frutas nativas
também são cortadas;
iii) expulsão do ser humano do rural: a modernização conservadora fomentou que
a maioria da população brasileira em 60 anos deixasse de ser rural para ser
urbana. Esse movimento contribui para a maioria da população brasileira não
produzisse seu próprio alimentos, como resultado as frutas nativas são
substituídas de sua cultura alimentar. Com isso, a próxima geração terá
dificuldade em receber os saberes e fazeres vinculados a elas, aumentando assim
a amnésia biocultural da espécie humana;
iv) alimentação à base de commodities: com o argumento de acabar com a fome,
a revolução verde naturalizou a produção de commodities como via única,
apostando deste modo no uso de poucas espécies. Porém esse processo não se
concentrou apenas na produção de alimentos, mas também no processamento,
distribuição, comercialização e consumo de comida. Deste modo, as frutas
nativas, foram substituídas por produtos processados elaborados a partir das
commodities encontradas nas grandes redes de supermercados.
Estas redes varejo tem na comercialização de produtos oriundos da revolução
verde seu maior objetivo, fazem parte do terceiro aspecto promovido pelo pensamento
colonial no rural abordado neste item, o surgimento de impérios alimentares (PLOEG,
2008). Estes impérios são a forma que a globalização, que neste trabalho, entende-
se como hegemonia (SANTOS, 2002), está se manifestando nos domínios da
produção, distribuição, regulação e consumo de alimentos. O império se materializa
em oligopólios de empresas transnacionais (da produção ao consumo, passando pela
distribuição e regularização de alimentos) que atacam qualquer tipo de alternativa aos
58
seus interesse, constituindo desta maneira uma rede invisível e com enorme poder de
coerção, como explica Ploeg;
Os impérios atuais controlam ligações. São redes coercivas que exercem controle sobre ligações, nós e pontos de passagem estratégicos, enquanto as estruturas alternativas são bloqueadas e eliminadas(...). Através da especificação das normas que definem transações e ligações os impérios atuais existem como redes monopolistas e, por conseguinte, controlam pessoas e recursos de forma indireta (PLOEG, 2008 p. 261).
Neste contexto, a agricultura baseada nos princípios da revolução verde se
forma e é formada por estes impérios. Do mesmo modo que o objetivo da colônia era
servir a metrópoles, o objetivo desta agricultura não é produzir alimentos, mas
alimentar o império (PLOEG, 2008). Esse processo contribuiu para que a
homogeneidade da produção e do consumo sejam grandezas proporcionais, isto é,
ao mesmo tempo que a revolução verde avança (com apoio do Estado e das
empresas transnacionais do ramo) as monoculturas do rural tendem a aumentar. Na
medida em que os impérios alimentarem se tornam globais (também com apoio do
Estado e das empresas transnacionais do ramo) a homogeneidade no consumo de
gêneros alimentícios se torna maior. Se forma assim um movimento cíclico e
expansionista de homogeneização da sociobiodiversidade, avanço da revolução
verde e dos impérios alimentares. Essa homogeneização é descrita na fala da
agricultora 8.
A gente tentou comercializar pão com uma rede de supermercados. Por ser orgânico o mercado se interessou e a gente foi conservar. Levamos umas amostrar de pão de mandioca, abobora e batata doce roxa. Pensamos que as cores bonitas dos pães e o sabor diferente iria atrair, mas acabou atrapalhando. O dono do mercado disse assim: tenho interesse no pão orgânico, mas mistura com outras coisas e com essa cor diferente não fica legal. Se vocês tiverem um pão branco parecido com esses que a gente vende aqui a gente pode voltar a conservar. Tentei explicar que o alimento era mais nutritivo, que era bonito, que a gente não produz trigo e troca quase a metade do trigo por produtos que a gente produz, mas não teve jeito... (Agricultora 8).
Esse movimento de homogeneização reflete diretamente no consumo e
comercialização das frutas nativas. Segundo FAO (2005), existem mais de e 300.000
espécies de plantas descritas, destas 30.000 têm relatos de uso agrícola. Porém essa
59
diversidade está diminuindo, atualmente apenas 1214 plantas são responsáveis por
75% da alimentação vegetal do Planeta. Sendo que “apenas três – arroz, milho e trigo
– contribuem, com aproximadamente 60% das calorias proteínas obtidas das plantas
por seres humanos” (FAO, 2005 p. 5). Essa homogeneização contribuiu também para
que 75% da diversidade genética das plantas usadas na agricultura esteja em risco
de extinção, e nesse contextos se inserem com mais veemência as frutas nativas, pois
elas são invisíveis aos olhos dos impérios alimentares, com relata um consumidor de
suco de uma barraca organizada pela COPERJUNHO em parceria como CEAGRO
durante o III Inverno Gastronômico15 da cidade de Laranjeiras do Sul:
Sou técnico da EMATER faz 10 anos, nunca tomei um suco desses. E olha que participo de bastante eventos no Paraná todo. Normalmente quando tem suco natural é de laranja, morango, abacaxi. Essas frutas mais tradicionais. Agora de fruta nativa é novidade. E olha que ficou bom heim, pena que vai ser difícil encontrar. Nunca vi e acho que não vou ver tão cedo um suco de Guabiroba, Uvaia ou Araçá nos mercados que vou em Curitiba (consumidor 1)
Em conjunto com a homogeneização da produção e consumo, os impérios
alimentares também fomentam tensões com a valorização das frutas nativas em outro
tema, a regularização sanitária. Por meio de incidência política no sistema jurídico que
normatiza a produção, processamento, transporte e comercialização dos alimentos se
dificulta o acesso de agricultores com menor capital a adequação do que a legislação
exige. Nesse processo se inserem as frutas nativas possuem dificuldades no seu
armazenamento e transporte, sendo o processamento uma alternativa de
potencializar sua comercialização. Todavia, nem sempre é possível adequar espaços
que processam as frutas nativas.
Mesmo com os avanços recentes na legislação brasileira em diversos
mecanismos, como a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 49/13 (ANVISA,
2013)16, existe diversas tensões envolvendo o processamento das frutas nativas por
14 Em escala de grandeza: arroz, milho, trigo, soja, feijão, tomate, inhame, mandioca, beterraba,
cana de açúcar, batata inglesa e batata doce. 15 O evento é organizado pela EMATER do Paraná e tem como foco expor e comercializar produtos típicos de Laranjeiras do Sul e municípios vizinhos. 16 Essa RDC menciona a necessidade de um tratamento diferenciado para atividades de baixo risco para a saúde humana, bem como indica a necessidade de construir mecanismos, simplificados, a realidade de atores sociais que promovem a sociobiodiversidade
60
agricultores familiares com as entidades de controle, a própria RDC 49 é um exemplo.
Tal resolução se concentra nos produtos de origem vegetal e mesmo que existam
experiências de regularização sanitária de produtos confeccionados a partir das frutas
nativas (os pedaços de frutas congelados17) e comercialização destes em PNAE’s
municipais, este procedimento não é consenso entre as partes são envolvidas. Existe
uma interpretação que os pedaços de frutas congelados devem ser classificados
como polpa de fruta MAPA, 2000). Polpa entraria na categoria de bebida, deste modo
é regulamentada pelo MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária). Isso significa uma
série de limites para os agricultores conseguir a regularização necessária, e pode ser
compreendido como uma forma de expressão dos impérios alimentares nesta
realidade. Mesmo que não seja o foco desta pesquisa aprofundar em questões
jurídicas, a fala do agricultor 11 exemplifica a influência dos impérios alimentares nas
frutas nativa que pretende-se transmitir.
Deixa eu ver se tô entendendo direito, quer dizer que se nosso grupo de famílias assentadas, que trabalha com Agroecologia, faz mutirão, feira e que temos frutas nativas, por que a gente cuidou delas, resolve processar elas e comercializar na feira ou na merenda da escola, pra que nossas crianças tomem algo saudável, a lei vai pedir pra gente o mesmo que uma empresa bilionária do tipo a Coca-Cola que usa nossa água de graça, produz alimentos cheio de açúcar e leva o lucro pra fora? (Agricultor 11).
Do exposto, é possível sintetizar que o pensamento colonial no rural
assassina outras formas de se relacionar com a Natureza que não sejam as
baseadas no receituário da revolução verde e circulem sob a égide dos impérios
alimentares. Nesse cenário se inserem as frutas nativas, são ao mesmos tempo
eliminadas e invisíveis aos olhos dos que defendem o pensamento colonial. O
resultado desse processo é a eliminação da relação milenar de coexistência entre
mulheres e homens com a Natureza. Porém, o caminho proposto pelo pensamento
colonial nunca foi e quiçá nunca será o único possível a se trilhar pela humanidade.
Para entender melhor os caminhos trilhados e vislumbrar outros possíveis, no próximo
item é conceituado um aspecto central na relação entre seres humanos e as frutas
nativas, a domesticação de plantas.
17 Os pedaços de frutas congelados serão explicados no item 2.5.
61
2.2 A DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS, UMA HISTÓRIA BIOCULTURAL
A história da humanidade está intimamente relacionada com a história da
domesticação de plantas, já que tal processo é intrinsecamente relacionado com o
surgimento da agricultura e com a consequente fixação de grupos humanos em certos
locais (MAZOYER e ROUDART, 2010). Clement (2001) define domesticação de
plantas da seguinte forma:
Um processo coevolucionário em que a seleção humana, inconsciente e consciente, nos fenótipos de populações de plantas promovidas, manejadas ou cultivadas resulta em mudanças nos genótipos das populações que as tornam mais úteis aos humanos e melhor adaptadas às intervenções humanas no ambiente. A ênfase na palavra populações é importante, pois a evolução, a co-evolução e a domesticação atuam ao nível de populações, antes de espécies, embora seja comum dizer que uma espécie é domesticada (CLEMENT, 2001, p. 426).
Ou seja, através do olhar para a Natureza, experimentação, avaliação e
socialização do ocorrido, o Homo sapiens alterou certas características de uma dada
população de plantas de acordo com suas necessidades. Embora crucial, o manejo
humano nos fenótipos não é o único motor da domesticação de uma população, como
argumenta Gepts (2004), ao indicar que a domesticação é resultado da interação, de
forma sinérgica, de três fatores: i) ambientais, como mudanças climáticas,
sazonalidade de chuvas e diversidade de nichos, ii) morfológicos das plantas, por
exemplo, a genética e iii) humanos, como conhecimento e tecnologia, crescimento
populacional e desenvolvimento cultural. Da junção destes três fatores, via de regra,
poucos genes são alterados e por isso Harlan (1992) dá a esse processo o nome de
síndrome da domesticação. O resultado desta síndrome é recrutado e multiplicado
pelo ser humano, que no geral se atenta à aspectos vinculados aos frutos como
tamanho e sabor (CARVALHO et al., 2014).
Uma característica central na domesticação de plantas é que ele não é um
processo homogêneo, pois se sua emergência ocorre de forma coevolutiva entre
elementos sociais e ambientais, cada espaço e tempo gera e gestiona seu caminho
de domesticação. Neste contexto coevolutivo Clement (2001, p. 437) argumenta que
o “grau de mudança fenotípica e genotípica na população sujeita a seleção e manejo
pode variar e é útil definir algumas categorias de populações ao longo do contínuo de
silvestre a domesticada.” Sendo estas categorias:
62
a) silvestre: uma população naturalmente evoluída, ou seja, seus fenótipos e
genótipos não foram alterados pelo manejo humano;
b) incidentalmente co-evoluída: uma população que se adapta de maneira
involuntária aos agroecossistemas manejados pelos humanos, mas sem a
intencionalidade dos mesmos;
c) incipientemente domesticada: uma população que tem sido modificada pelo
manejo humano, mas que o fenótipo médio é similar ao encontrado nas
populações silvestre;
d) semi-domesticada: uma população modificada de forma significativa pela
intervenção humana (no mínimo sendo manejada), cujo fenótipo médio extrapola
a variação encontrada na população silvestre. Embora a variação genética
comparada com as populações silvestre seja menor, as plantas possuem
suficiente adaptação ecológica para sobreviver se a intervenção humana cessar;
e) domesticada: população modificada de forma intensa pela intervenção
humana, cujo fenótipo médio foi alterado a tal ponto que os indivíduos têm
dificuldades em sobreviver fora dos agroecossistemas intensamente manejado.
Um exemplo desta categoria são as cultivares modernas. As cultivares são
população criadas por humanos, usualmente em laboratórios com baixa variação
genética e alta uniformidade fenotípica, adaptadas exclusivamente às
monoculturas criadas sob os princípios da revolução verde.
Ainda que tal categorização, principalmente a categoria silvestre que
desconsidera a influência do ser humano no processo possa ser questionável, o que
busca-se destacar na categorização proposta destacar é que a domesticação é um
processo intimamente ligado com as características sociais e ambientais de cada
tempo e espaço. Além disso, a domesticação de plantas está intimamente relacionada
com as paisagens em que ela aconteça. Por exemplo, uma população de espécie
domesticada, em especial via engenharia genética e/ou transgenia, terá pouca
possibilidade de êxito num sistema agroflorestal conduzido por povos e comunidades
tradicionais, mas irá satisfazer a expectativa de um produtor de commodities se estiver
numa monocultura com alta entrada de insumos químicos externos. Diante desta
relação entre população e local de reprodução, a domesticação de plantas se liga a
outra domesticação, a da paisagem, que pode ser definida como:
63
Um processo inconsciente e consciente em que a intervenção humana na paisagem resulta em mudanças na ecologia da paisagem e na demografia de suas populações de plantas e animais, resultando numa paisagem mais produtiva e ‘segura’ para humanos (CLEMENT, 2001, p. 424).
Cabe ressaltar que para alguns autores, por exemplo, Wiersum (1997), não
existem dois tipos de domesticação, mas sim co-domesticação de paisagens e
plantas. No entanto, nesta pesquisa escolheu-se seguir a posição de indicar a
existência de duas domesticações. Bem, como a domesticação de plantas, a da
paisagem é classificada de acordo com a intensidade do manejo humano, sendo que
Clement (2001) aponta as seguintes categorias:
a) pristina: uma paisagem na qual humanos não tem manipulado o ambiente
nem as populações de plantas ali existentes;
b) promovida: paisagem onde as populações de plantas úteis são favorecidas
por meio de podas e da diminuição na densidade de plantas, mas a paisagem
original pouco se altera;
c) manejada: paisagem em que a diversidade e abundancia de plantas úteis
são favorecidas através da poda e diminuição da densidade de plantas.
Também ocorre o transplante de mudas, uso de adubos e outras formas de
melhorar o agroecossistema. Nesta categoria a paisagem pode passar por
mudanças significativas em relação ao seu estado original;
d) cultivada: uma paisagem totalmente transformada pela eliminação do
ecossistema original de forma extensiva por meio do manejo humano (queima,
aração e gradeação do solo, por exemplo) visando favorecer o crescimento e
reprodução de plantas semeadas;
e) roça/capoeira: uma paisagem onde o manejo humano combina cultivo e
floresta da seguinte forma: a floresta é transformada numa área de cultivo que
produz bem durante alguns anos iniciais. Na medida em que a fertilidade
diminui, o manejo humano também diminui até que a floresta seja
restabelecida, podendo ou não ser cultivada no futuro;
f) monocultura: uma paisagem dominada por uma população mono-especifica.
Portanto, assim como a de plantas, a domesticação de paisagem é um
processo diverso onde cada contexto constrói e desconstrói arranjos espaciais. Além
64
disso, não há uma direção única para seguir em ambas. Por exemplo, transformar
uma população silvestre em domesticada por si só não afere à mudança sinônimo de
caminho correto (ou progresso). Pelo contrário, se a domesticação é um processo que
emerge através da coevolução de mulheres e homens com a Natureza, cada espaço
e tempo, deve trilhar (e alterar) seu caminho conforme as dinâmicas socioambientais
de sua realidade, ou seja, não existe um único caminho. Neste contexto, pode-se dizer
que a domesticação é fruto de histórias das relações entre o ser humano e os bens
naturais, e toda história tem na memória um elemento chave (TOLEDO e BARRERA-
BASSOLS, 2015).
A memória da espécie humana é composta por elementos culturais, pois
somos essencialmente seres sociais, mas também por uma parte biologia que não foi
excluída pela primeira, e sim somada (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2015). Isso
permite ao ser humano manter vínculos societais em conjunto com vínculos com a
Natureza. Logo, o ser humano possui uma memória biocultural, que é subdividida em
três categorias: genética, linguística e cognitiva. A primeira diz respeito a quantidade
genes dos seres humanos, a segunda a quantia de línguas e a terceira aos saberes e
conhecimentos construídos no decorrer de 200 mil anos do Homo sapiens (TOLEDO
e BARRERA-BASSOLS, 2015).
Esse complexo biológico e cultural forma uma coleção ampla e complexa rede
de saberes que permitiu à espécie humana recordar experiências similares e
vislumbrar possíveis soluções para certos problemas, bem como potencializar
aspectos positivos de uma situação. Essa memória ajudou a espécie humana manter-
se viva, seguir aprendendo, testando e socializando os resultados, sobretudo através
da oralidade. De forma um pouco mais poética, Mia Couto coloca, neste sentido, que
(...) as culturas sobrevivem enquanto se mantiverem produtivas, enquanto forem sujeito de mudança e elas próprias dialogarem e se mestiçarem com outras culturas. As línguas e as culturas fazem como as criaturas: trocam genes e inventam simbioses como resposta aos desafios do tempo e do ambiente (COUTO, 2010).
“Essa dimensão cognitiva, tão antiga quanto a própria espécie, permitiu aos
seres humanos não só manter certa relação de coexistência com a natureza, mas
também refiná-la ou aperfeiçoá-la” (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2015., p. 33)
através de dois movimentos complementares e simultâneos: a criação de novas
espécies através da seleção de plantas em locais com grande diversidade de espécies
65
e a criação de novas paisagens por meio de mudanças na topografia e do fluxo da
água, construção de terraços em áreas montanhosas e sistemas agroflorestais em
regiões intertropicais (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2015).
Ou seja, a domesticação de plantas e de paisagens, além de ser um processo
de coexistência, é centrada em histórias passadas de geração a geração pela
memória biocultural da espécie humana. Logo, a domesticação é algo intimamente
relacionado com a maneira com que homens e mulheres olham e interagem com a
Natureza. Para aprofundar nos caminhos desta relação, no próximo item se abordam
alguns olhares sobre o tema.
2.3 AGRO, SOCIO E/OU BIO DIVERSIDADE?
Olhar e se relacionar com a Natureza é um ato que se confunde com a própria
história da humanidade. Analisar essa relação é parte constituinte de diversas
cosmovisões, que no espaço e no tempo receberam vários nomes, Pachamama para
os Quéchuas e Aymaras, a Terra Sem Males dos Guaranis ou Gaia para os Gregos
(DUSSEL, 2000), são exemplos de experiências humanas que, guardadas as devidas
proporções, também olham para a maneira que mulheres e homens se relacionam
com a Natureza. No tempo e espaço que se desenvolve esta pesquisa, os conceitos
biodiversidade, agrobiodiversidade e sociobiodiversidade são os escolhidos para
analisar a relação entre humanos e a Natureza.
Se a relação de homens e mulheres com a Natureza é um ato histórico, o termo
biodiversidade, ou diversidade biológica 18 é recente. Sua origem é vinculada à
construção da noção de desenvolvimento sustentável, articulada pela Organização
das Nações Unidas (ONU), a partir da conferência de Estocolmo em 1972, culminando
com o relatório Brundtland em 1987 (PIERRI, 2002). Neste contexto, é lançando o
documento Estratégia Mundial para a Conservação19, do inglês World Conservation,
que define diversidade biológica como o número de espécies presentes em dado
espaço geográfico (IUCN, 1980). Nele, se estabelece como objetivo principal para a
preservação da biodiversidade: a) manutenção dos processos ecológicos essenciais;
18 Entendemos os termos biodiversidade e diversidade biológica como sinônimos neste trabalho. 19 Em 1980, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), apoiada financeiramente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e o Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF) lançam tal documento.
66
b) preservação da diversidade genética; e c) utilização sustentada das espécies e
ecossistemas (IUCN, 1980).
Cabe destacar que a construção deste conceito de biodiversidade, assim como
as discussões sobre desenvolvimento sustentável que o rodeia nas conferencias da
ONU, não é consenso democrático e participativo do que é melhor para todos. Pelo
contrário, ele representa a hegemonização de um certo pensamento apoiado pelos
países com maior poder nestas conferências, sendo esta formulação tributária da
corrente intitulada ecologismo conservacionista (PIERRI, 2002). Essa linha tem sua
origem na Europa do século XIX, no meio dos aristocratas simpatizantes da
manutenção de um suposto estado natural das coisas e admiradores da beleza cênica
de paisagens que estavam sendo ameaçadas pelo advento da industrialização. No
final do século XIX está racionalidade influência pessoas de classe média e alta nos
Estados Unidos que se preocupam com a perda de terra públicas e bosques para a
industrialização, e as motiva a pleitear transformar algumas paisagens em santuários
da vida animal e vegetal por meio da eliminação da interferência do homem no local.
Esse pensamento culmina na criação de parques de proteção, como Yellowstone em
1872 nos Estados Unidos, além de articular a criação de uma coordenação
internacional para a proteção da Natureza, a União Internacional para a Proteção da
Natureza que em 1948 foi formalizada como União Internacional para a Conservação
da Natureza, ou UICN, e desde então defende, de forma poderosa, os interesses do
ecologismo conservacionista (PIERRI, 2002).
Porém, a partir do Encontro de Estocolmo em 1972, esse pensamento
hegemônico passa a ser questionado pelos países com problemas sociais, já que os
argumentos dos ditos países ricos estavam centrados em questões puramente
ambientais.
Assim foi que, num primeiro momento, os países pobres relutavam em envolver-se com a questão, dizendo que os problemas ambientais que motivavam a reunião eram dos países ricos, causados por excesso de produção e consumo, e que se ali eram considerados problemas era por que já tinha se desenvolvido e desfrutados um bom nível de vida... como corolário passaram reivindicar que se reconhecesse a pobreza como problema ambiental, e ficou claro que desse reconhecimento dependia que a reunião fosse realizada ou que houvesse um clima amigável para a mesma (PEIRRI, 2002, p.32).
Essas discussões permitiram avanços, como a forma multidisciplinar de olhar
para a biodiversidade ao inserir elementos sociais, principalmente relacionados a
67
distribuição das riqueza e erradicação da pobreza (PIERRI, 2002). Contudo, a lógica
preservacionista se mantém como hegemônica na conceituação do que é
biodiversidade. Neste contexto, durante a ECO-92, realizada na Cidade do Rio de
Janeiro, é elaborada e assinada por 182 nações a Convenção Sobre Diversidade
Biológica – CDB. Este acordo é ratificado pelo Governo Brasileiro através do decreto
legislativo n° 02, de 1994. Neste documento se define biodiversidade como:
A variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas (BRASIL, 1994, p. 3).
Portanto, biodiversidade pode ser caracterizada como o conjunto de toda vida
no planeta junto com os ecossistemas que dão suporte a ela, mas as questões sociais
não estão diretamente relacionadas neste conceito, ou seja, a relação de poder
continuou tendendo a favor dos ecologistas preservacionista e consequentemente a
valorização do mito da natureza intocada e a criação de unidades de preservação de
proteção integral (DIEGUES, 2001), ou como mencionado anteriormente, santuários
de proteção da vida animal e vegetal (PIERRI, 2002).
Mas as tensões envolvendo a construção e definição de acordos e conceitos
envolvendo o uso dos bens naturais prossegue. Com o acirramento dos impactos na
má distribuição dos bens naturais, os clamores por justiça ambiental e social ganham
corpo. Por exemplo, ao argumentar que todos os seres humanos são responsáveis
em potencial das catástrofes ambientais e por isso tecer restrições de forma global,
os preservacionistas colocam na mesma posição empresas petrolíferas ou
corporações agroquímicas com pescadores artesanais e comunidades rurais
tradicionais. Esse raciocínio simplista escamoteia tanto a intensidade como o objetivo
do impacto e esconde um aspecto primordial na relação com a Natureza, é na dita
miséria material dos subdesenvolvidos que se encontra uma riqueza imensa de
alternativas teóricas e práticas para manutenção da vida no planeta (ACSELRAD et
al., 2009).
No bojo deste debate sobre justiça ambiental e bens naturais, o espanhol Joan
Martínez Allier apresenta sua tese que indica a presença de três modos de se
relacionar com a Natureza, que ele intitula como ecologismos: i) o Culto da Vida
Silvestre; ii) o Evangelho da Ecoeficiência e iii) o Ecologismos dos pobres (ALIER,
68
2007). O Culto da Vida Silvestre desconsidera o ser humano como parte da natureza
e usa como método para salvar o que resta da Natureza, a criação de unidades de
preservação, que tem a premissa de retirar mulheres e homens de seu interior. A outra
corrente, o Evangelho da Ecoeficiência, confia que a própria técnica que gera os
impactos socioambientais irá encontrar soluções para tais problemas. A maneira que
tal linha trabalha é continuar apostando que o avanço tecnológico irá resolver os males
causados pelo próprio avanço tecnológico, ou seja, o crescimento sustentável (ALIER,
2007). Contudo, tais linhas convivem em certa harmonia na atualidade,
entrecruzando-se e retroalimentando-se em alguns momentos, como o exemplo da
relação entre empresa petroquímica Shell com ONG preservacionista WWF, entidade
essa que é organizadora do documento que origina o conceito de biodiversidade.
Ás vezes, aqueles cujo interesse associa-se exclusivamente à esfera da preservação da vida selvagem exageram sobre a suposta facilidade com que se poderia desmaterializar a economia, terminando em se converterem em apóstolos oportunistas do evangélico da ecoeficiência (...). Nessa perspectiva o “culto ao silvestre” e o “credo da ecoeficiência” eventualmente dormem juntos. Assim vemos a associação entre a Shell e a WWF para o plantio de eucaliptos ao redor do mundo com base no argumento de que isso diminuirá a pressão sobre os bosques naturais e presumivelmente, promoverá também
o aumento da absorção de carbono (ALIER, 2007. p. 32 -33).
Já o Ecologismo dos Pobres é constituído pelas diversas formas de se
relacionar com a Natureza que atores sociais distintos construíram no decorrer da
história por todo o planeta, em comum, estes atores tem a ameaça de eliminação de
seus modos de se relacionarem com a Natureza, seja pelo Culto da Vida Silvestre ou
pelo Evangelho da Ecoeficiência (ALIER, 2007). Um conceito para o Ecologismos dos
Pobres é:
O movimento pela justiça ambiental, o ecologismo popular, o ecologismo dos pobres, nascidos de conflitos ambientais em nível local, regional, nacional e global causados pelo crescimento econômico e pela desigualdade social. Os exemplos são os conflitos pelo uso da água, pelo acesso as florestas, a respeito das cargas de contaminação e o comércio ecológico desigual. Em muitos contextos, os autores de tais conflitos não utilizam um discurso ambientalista. (ALIER, 2007. p.39).
Os clamores dos pobres por justiça, social e ambiental, somado ao exponencial
aumento dos impactos do modelo hegemônico de desenvolvimento, contribuiu para
que novos atores se juntassem aos questionamentos da preservação ambiental “sem
gente dentro” e temas como conservação através do uso, uso múltiplo florestal,
69
saberes tradicionais, campesinato e manejo sustentável dos bens naturais se
disseminem pelo planeta, como caminho para atingir eficiência econômica, prudência
ecológica e justiça social (LIMA, 1997). E nesse contexto, a importância de mulheres
e homens na produção de alimento através do manejo sustentável da biodiversidade
conquista espaço nos encontros da ONU sobre biodiversidade (PIERRI, 2002;
STELLA et al., 2006), tanto que durante a 5º Conferencia sobre Biodiversidade
Biológica realizada na Capital do Quênia, a Cidade de Nairóbi, no ano de 2010, foi
institucionalizada a valorização da parte da biodiversidade que é utilizada na
agricultura, através do termo agrobiodiversidade ou biodiversidade agrícola (do inglês
Agricultural biodiversity). Neste encontro, ela foi definida de seguinte forma:
(…) um termo amplo que inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, e todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas: as variedades e a variabilidade de animais, plantas e microrganismos, nos níveis genético, de espécies e ecossistemas, os quais são necessários para sustentar funções chaves dos agroecossistemas, suas estruturas e processos. (STELLA et al, 2006. p. 42).
Algumas características centrais da agrobiodiversidade são sua
interdependência com o manejo humano (através da domesticação de plantas e
paisagem) e o ambiente, bem como sua importância para a soberania e segurança
alimentar e nutricional da população humana (MACHADO et al, 2008). Neste cenário,
caracteriza-se a existência de quatro dimensões interdependentes que formam a
agrobiodiversidade: i) os recursos genéticos vegetais, animais, microbianos e fúngicos
em diversos estágios de domesticação; ii) os processos ecológicos essenciais como
ciclagem de nutrientes, construção e manutenção da fertilidade do solo, polinização,
regulagem do clima; iii) os fatores abióticos clima, incidência de luz solar, temperatura,
água, composição do solo e afins que que possuem relação direta com a
agrobiodiversidade; iv) aspectos socioeconômicos vinculados principalmente aos
conhecimentos sobre implantações e manejos dos agroecossistemas, fatores
culturais e econômicos assim como o turismo (e a beleza) das paisagens agrícolas
construídas (MACHADO et al, 2008).
No bojo deste debate, outro marco para a conservação com “gente dentro” é a
elaboração do Sistema Nacional de Unidades de Conservação ou SNUC (BRASIL,
2000). Este sistema estabelece critérios para criação e gestão das unidades de
conservação baseado em dois tipos de usos: proteção integral e uso sustentável. A
70
primeira almeja a preservação da biodiversidade sem as alterações causadas pelo ser
humano, admitido apenas o uso indireto dos bens naturais. Este tipo de uso é centrado
na lógica de proteger a natureza sem “gente dentro”, que é simbolizado no próprio
termo “preservação”, que é definido como:
Conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais (BRASIL, 2000, p.2)
O segundo tipo de uso, que é uma conquista de quem luta por justiça ambiental,
tem como objetivo promover a conservação da biodiversidade, conciliando a presença
humana por meio do o uso sustentável dos bens naturais. Nele, a presença de
mulheres e homens ganha destaque através da determinação que conservação é:
O manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral (BRASIL, 2000, p.2).
Portanto, o SNUC institucionaliza que existem outras formas do ser humano se
relacionar, de forma sustentável, do que a impetrada pela racionalidade
preservacionista de separar gente e Natureza.
Enfim, nestas tensões que envolvem as relações entre mulheres e homens com
a Natureza, emerge outro conceito, a sociobiodiversidade. Ela se posiciona próximo
do termo agrobiodiversidade, na luta de aproximar elementos biológicos com sociais
para conversação da Natureza. A sociobiodiversidade ganha espaço na primeira
década do século XXI e é definida da seguinte forma.
Entende-se por sociobiodiversidade a relação entre bens e serviços gerados a partir de recursos naturais, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse de povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares (MDA, 2017, p.1).
No Brasil, este conceito se institucionaliza através do Plano Nacional das
Cadeias dos Produtos da Sociobiodiversidade (PNPPS) que visa “desenvolver ações
integradas para a promoção e fortalecimento das cadeias de produtos da
71
sociobiodiversidade, com agregação de valor e consolidação de mercados
sustentáveis” (MDA; MMA; MDS, 2009, p. 10).
O plano tem como objetivo i) à agregação de valor socioambiental; ii) à geração
de renda e; iii) à segurança alimentar de povos, e comunidades tradicionais e
agricultores familiares. Para isso, busca-se valorizar os produtos da
sociobiodiversidade, que são definidos como os bens e serviços da
sociobiodiversidade (produtos finais, matérias-primas ou benefícios oriundos dela)
(MDA; MMA; MDS, 2009). Estes produtos, preferencialmente, devem se inserir em
empreendimentos de um mesmo território e ramo, que mantêm algum modo de
aprendizagem, articulação e cooperação, entre si e com os demais atores locais. A
este processo, dá-se o nome de arranjos produtivos locais ou APL (MDA; MMA; MDS,
2009).
Este olhar para a sociobiodiversidade apresentado pelo PNPPS, embora
possua um forte viés na valorização dos produtos, geração de renda e fortalecimento
de cadeias produtivas locais, também assume a importância dos agricultores
familiares, povos e comunidades tradicionais ao priorizar processos de seus
interesses. Soma-se a construção do conceito apresentado, a argumentação de
Diegues (2014) que a Sociobiodiversidade almeja eliminar o miopismo20 acadêmico
que contribui para a separação entre o natural e o cultural. Esta distinção contribui
para que os olhares das ciências biológicas foquem somente na preservação dos
seres vivos e dos ecossistemas (a biodiversidade), do mesmo modo que as ciências
agrárias mirem mais a parte cultivável da natureza e o manejo humano utilizado nela
(a agrobiodiversidade), enquanto que as ciências sociais evidenciam a diversidade
cultural dos seres humanos, se relacionando pouco com as outras dimensões
possíveis. Desta forma, a sociobiodiversidade é maior do que a junção dos seres vivos
de um dado ecossistema, a quantidade de espécies utilizadas na alimentação humana
ou o número de cadeias produtivas para comercializar seus produtos. Ela, além destes
processos, engloba a maneira que o conhecimento é construído e transmitido de
geração em geração, símbolos, mitos e rituais, bem como os modos que mulheres e
homens se relacionam com a Natureza, os desenhos dos agroecossistemas, tipos de
insumos, espécies e sementes utilizados e afins (DIEGUES, e 2014). Ou seja, a
20 Diegues se refere a uma falta de perspicácia, de visão mais abrangente.
72
sociobiodiversidade engloba a memória biocultural da espécie humana (TOLEDO e
BARRERA-BASSOLS, 2015).
Do exposto, cabe a ressalva que se o conceito de biodiversidade ainda é
recente em termos históricos, que dirá os de agrobiodiversidade ou
sociobiodiversidade, que, apesar de já socialmente apropriados por um
importante conjunto de atores e organizações sociais, ainda carecem de maior
profundidade teórica em sua construção conceitual. Mas o fato é que ambos tem
em sua essência conservar a vida no planeta “com gente dentro”. Neste
sentido, este trabalho se apoia na articulação e diálogo entre essas duas
denominações, uma vez que ambas, cada uma em suas peculiaridades,
respondem aos pressupostos e objetivos a que esta pesquisa se realiza.
Entretanto, visando reforçar a premissa que o ser humano faz parte da Natureza,
escolheu-se aqui dar mais ênfase o termo sociobiodiversidade.
Outra característica em comum de agrobiodiversidade e sociobiodiversidade é
sua busca por modos de agricultura que conciliam conservação ambiental e produção
de alimentos saudáveis com “gente dentro”, pressupostos estes próximos de outro
conceito trabalhado nesta pesquisa, a Agroecologia. Neste contexto, na próxima
seção será problematizado a relação entre Agroecologia, sociobiodiversidade e
domesticação de plantas.
2.4 AGROECOLOGIA, DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS E SOCIOBIODIVERSIDADE: FORÇAS DA VIDA
Para problematizar a relação entre Agroecologia, domesticação de plantas e
sociobiodiversidade, se faz necessário apontar alguns princípios da Agroecologia,
assim como foram descritos outros conceitos nas seções anteriores deste capitulo.
A Agroecologia tem no movimento ambientalista dos anos 1970 um dos
elementos de sua origem (PEREZ-CASARINO et al, 2015). Este movimento ganha
expressão quando a palavra ecologia passa a fazer parte do vocabulário de um
número maior de pessoas, mas é quando circula nos meios de comunicação uma foto
da paisagem do Planeta Terra visto do espaço, tirada pela nave Apollo 17, que mais
pessoas começam a enxergar a Terra como um todo e alguns questionamentos
aumentam. Por exemplo: É possível continuar pensando em crescimento infinito
dentro de um Planeta finito? A fragmentação da Ciência Moderna pode entender o
73
Planeta de forma integral? As divisas entre países e nações são tão rígidas quanto se
pensava? (ODUM e BARRET, 2007).
Dentro deste contexto, as pesquisas desenvolvidas por Miguel Altieri (2009) e
Stephen Gliessman (2001), que incorporam a ecologia no manejo agropecuário
emergem, ambos têm como ponto de partida as práticas agrícolas de indígenas e
camponeses da América Latina, sujeitos que culturalmente tendem a olhar a Terra
como um todo. Com base na análise do conhecimento destes povos acerca do
ambiente que estão inseridos e de suas práticas agrícolas como a rotação de cultura,
sistemas de pousio, plantio diversificado, integração entre animais e plantas, sistemas
agroflorestais e domesticação de plantas, animais e paisagem, estes autores
formulam suas teorias que articulam ciclagem de nutrientes, controle biológico,
fertilidade do solo, nutrição de plantas, fluxos de energia, relação entre organismo e
ambiente entre outros, propondo as seguintes definições para a Agroecologia:
(...)é uma nova abordagem da agricultura e do desenvolvimento agrícola,
que construa sobre aspectos de conservação da agricultura tradicional local, enquanto, ao mesmo tempo, se exploram conhecimentos e métodos ecológicos modernos. Esta abordagem é configurada na ciência da agroecologia, que é definida como a aplicação de conceitos e princípios ecológicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis (GLIESSMAN, 2005 p.53-54).
A Agroecologia fornece uma estrutura metodológica de trabalho para compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princípios segundo os quais ele funciona. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. Ela utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional – genética, agronomia, edafologia- incluindo dimensões ecológicas, sociais e culturais (ALTIERI, 2009 p. 18).
Já seu objetivo é:
Trabalhar com e alimentar sistemas agrícolas complexos onde as interações ecológicas e sinergismos entre os componentes biológicos criem, eles próprios, a fertilidade do solo, a produtividade e a proteção de culturas (ALTIERI, 2009 p. 18).
A perspectiva apresentada por estes dois autores, embora possua uma visão
multidimensional, é centrada no conhecimento e na prática agrícola. Contudo, na
medida em que se difunde a Agroecologia, novos olhares se somam. As pesquisas
74
de Sevilla Guzmán (2002), por exemplo, inserem com mais afinco a perspectiva
sociológica. Segundo o autor,
(...) a expressão perspectiva sociológica tem aqui uma dupla acepção, já que por um lado, baseio-me fundamentalmente nesta tradição teórica do pensamento cientifico e, por outro lado, o aporte fundamental da Agroecologia tem uma natureza social, uma vez que se apoia na ação social coletiva de determinados setores da sociedade civil vinculados ao manejo dos recursos naturais, razão pela qual é também, neste sentido, sociológica. (SEVILLA-GUZMÁN, 2002, p. 18).
Este sentido sociológico fomenta olhares para processos que envolvem
elementos da Agroecologia que acontecem tanto dentro quanto fora dos
agroecossistemas. Estes olhares são pensados e instrumentalizados a partir de uma
“tripla perspectiva: ecológica-produtiva, sócio-econômica e sócio-política” (SEVILLA-
GUZMÁN, 2002, p. 21). Esta tríplice perspectiva se assenta nas discussões acerca
do conceito de Campesinato, pois seria a práxis dos camponeses que fomentam as
bases produtivas, metodológicas e sociais para a emergência da Agroecologia. Isso
por que
(...) o campesinato é mais que uma categoria histórica ou um sujeito social, é uma forma de manejar os recursos naturais vinculada aos agroecossistemas locais e específicos de cada zona, utilizando um conhecimento sobre tal entorno condicionado pelo nível tecnológico de cada momento histórico e o grau de apropriação de dita tecnologia, gerando assim graus de “camponesidade” (SEVILLA-GUZMÁN, 2011. p. 76).
Para apontar a relação entre Campesinato e Agroecologia, Sevilla-Guzmán
(2011), usa como referência a existência de uma racionalidade camponesa presente
na população rural da russa indicada por Chayanov no início do século XX. Outra
referência utilizada por Guzmán é a indicação feita por Victor de Toledo (1992) acerca
de uma possível dimensão ambiental presente na racionalidade camponesa. Este
autor, através da análise das relações de camponeses em várias partes do Mundo
(África Central, Sudeste da Ásia, México e região amazônica) com a
sociobiodiversidade elabora sua tese de uma possível que têm dois elementos
centrais: i) existe uma certa racionalidade ecológica comum a todos os camponeses,
ii) essa racionalidade contribuiu para que sejam construídos e geridos
agroecossistemas sustentáveis. Isso se deve às seguintes características: a) nível
elevado de autossuficiência tanto alimentar quanto de produtos utilizados na unidade
familiar (por isso predomina a produção de bens de consumo); b) a energia de trabalho
utilizada no agroecossistema é em sua maioria oriunda da mão de obra dos membros
75
das famílias e do ambiente ao redor, existindo pouco ou nenhum incremento
energético de fora; c) é feito escambo com o excesso da produção, seja por outros
produtos ou por dinheiro. Essa troca tem objetivo de manter a unidade familiar e não
o lucro financeiro; d) no geral, o tamanho médio das unidades familiares é baixo, em
função de razões tecnológicas e pelas características apresentadas acima, mas
sobretudo pela desigualdade na distribuição de terra que impera nos países
analisados; e) ainda que a agricultura seja a principal atividade, pode existir uma
combinação de práticas que incluem artesanato, pesca, caça, retirada de produtos
das florestas e trabalhos fora da unidade familiar (TOLEDO,1992).
O reconhecimento desta racionalidade ecológica dos camponeses tanto pela
dimensão técnica-ecológica (ALTIERI, 2009; GLIESSMAN,2001) quanto pelas
dimensões socioeconômicas, políticas e culturais (SEVILLA-GUZMÁN, 2002) permite
olhar para outra perspectiva da Agroecologia: a maneira que o conhecimento é
construído.
Uma característica central desta construção é o diálogo envolvendo diversas
Ciências como a Econômica, Sociais, Agrária, Geográfica, Biológica, Ecológica e afins
com a práxis dos agricultores. A este processo dá-se o nome de diálogo de saberes,
conforme indica Leff (2002)
A agroecologia convoca a um diálogo de saberes e intercâmbios de experiências; a uma hibridação de ciências e técnicas, para potencializar as capacidades dos agricultores; a uma interdisciplinaridade, para articular os conhecimentos ecológicos e antropológicos, econômicos e tecnológicos que confluem na dinâmica dos agroecossistemas. Estas ciências se amalgamam no caldeirão no qual se fundem saberes muitos distintos para a construção de um novo paradigma produtivo (LEFF, 2002, p. 42).
Este caldeirão de saberes contribuiu para o avanço das Ciências que permitem
o diálogo com outros atores, como as ciências do campo da complexidade (MORIN,
2007), já que novas teses e conceitos são reconhecidas enquanto outras são
refutadas. Este processo ajuda na hibridação de saberes, ou seja, que novas
disciplinas cientificas emerjam, alterando em maior ou menor grau as disciplinas que
a originaram. Este caldeirão também auxilia para que práticas e conceitos dos
agricultores sejam modificados, atualizados ou reforçados (LEFF, 2002). É devido a
este contexto intricado, apresentado até o momento, que a Agroecologia segue
ganhando corpo junto a famílias agricultores e no meio acadêmico. Isso contribui para
76
que, na atualidade, somem-se cada vez mais olhares que a conceituam como uma
Ciência, como indicam Caporal e Costabeber.
Agroecologia tem sido reafirmada como uma ciência ou disciplina científica, ou seja, um campo de conhecimento de caráter multidisciplinar que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias que nos permitem estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas. (CAPORAL e COSTABEBER 2002. p. 14).
A Agroecologia se situa dentro do paradigma da complexidade21 que parte da
premissa de que para analisar as relações que envolvem homens e mulheres entre si
e destes com o ambiente, é necessário unir os conhecimentos das diferentes
disciplinas cientificas com os saberes de sujeito que estão além da academia
(CAPORAL e COSTABEBER 2002). De acordo com a perspectiva do que presume-
se ser a Agroecologia apresentada, cabe iniciara relação dela com os outros conceitos
discutidos até aqui.
Conforme apontado, a domesticação de plantas é i) um processo; ii) uma
coevolução entre mulheres e homens com a natureza; iii) influenciado por fatores
ambientais, genéticos e pelo manejo humano que forma um iv) continuum de níveis
de modificações em plantas (e na paisagem) (CLEMENT, 2001). Ou seja, a
domesticação de plantas não é algo uniforme, cada tempo e espaço faz emergir um
conjunto de plantas com dadas características. Por exemplo, uma domesticação de
plantas baseada nos princípios da revolução verde, que visa a produção de
commodities em forma de monocultura, com uso intensivo de insumos agroquímicos
e oriundos de fora da unidade familiar fomenta a criação de populações de plantas
altamente selecionadas, com reduzida variabilidade fenotípica e genética, a cultivar
moderna. Como resultado, uma mesma cultivar é utilizada em todos os contextos
causando uma brutal homogeneização de saberes, práticas, paisagens e plantas, em
outros termos, eliminando a sociobiodiversidade. (GLIESSMAN, 2011 e CLEMENT,
2011). Por outro lado, existem experiências de domesticação de plantas que
promovem a sociobiodiversidade, como o melhoramento genético participativo da
goiaba serrana (Acca sellowiana) no estado do Rio Grande do Sul que através de
diálogos envolvendo agricultores e entidades de pesquisa e assistência técnica
21 Caporal e Costabeber (2002) se valem da teoria construída por Morin onde o termo complexus significa o que é tecido junto.
77
valorizou o conhecimento dos agricultores e uso da espécie, além de gerar
populações de plantas com características mais próximas do anseio dos agricultores
(VOLPATO, DANAZZOLLO, NODARI, 2011). Também cabe lembrar dos casos
históricos como as milhares variedades de arroz produzidas por comunidades na
China há pelo menos dois séculos com respeito aos saberes locais e mantendo bons
níveis de produtividade sem o uso de agroquímicos. Ou as milhares variedades de
batatas domesticadas pelos indígenas da América do Sul que além de servirem de
fonte de soberania alimentar, são cultivadas em agroecossistemas sustentáveis, como
indicam Toledo e Barrera-Bassols (2015. p.35 e 36) ao mencionarem que “de batata
se reconhecem localmente cerca de 12 mil variedades, já de arroz são cerca de 10
mil”.
Em suma, as diferentes domesticações de plantas (e paisagens) podem
contribuir para aumentar ou diminuir a quantidade de organismos vivos e os serviços
ecológicos essências de um ecossistema. Bem como a diversidade (fenotípica,
genotípica e de espécies) de seres utilizados na agricultura, o uso e a maneira que o
conhecimento sobre o manejo das plantas é construído. Ou seja, as domesticações
de plantas podem promover ou eliminar sociobiodiversidade de acordo com cada
tempo e espaço. Neste contexto de possibilidade de incremento ou perda de
sociobiodiversidade, de acordo com o tipo de domesticação de plantas, cabe discutir
a inserção da Agroecologia no processo.
Um primeiro ponto da analise desta relação é a valorização do manejo de
agroecossistemas dos povos tradicionais no início da emergência da Agroecologia.
Quando olhou-se para estes sistemas, além dos desenhos e técnicas, se observou as
maneiras que estes sujeitos realizavam a seleção de plantas mais indicadas para cada
realidade, assim como a forma de conversar e construir os melhores fenótipos no
decorrer do tempo. Esse processo contribuiu para a manutenção de um banco de
plantas e saberes “vivos”, preparados para diversos contextos socioambientais
(ALTIERI, 2009; GLIESSMAN, 2001). O recrutamento destas espécies com maior
potencial de se adequar a cada local e as alterações socioambientais que eles
passam, contribuiu para a construção de agroecossistemas sustentáveis, outra
premissa da Agroecologia.
Também é importante pontuar o diálogo de saberes como caminho para a
construção do conhecimento agroecológico. Através dele, as inestimáveis alternativas
historicamente construídas pela racionalidade camponesa (TOLEDO, 1992) somam-
78
se comas informações trazidas por técnicos, pesquisadores e agricultores de outros
locais. Nesse caldeirão os saberes se dilatam, como consequência, as possibilidades
e técnicas e os usos dos bens da sociobiodiversidade também aumentam, como a
valorização de espécies nativas e crioulas (LEFF, 2002). Este diálogo de saberes é
incorporado no âmbito da Ciência da Complexidade e passa a tecer, junto com a
academia, conhecimentos multidisciplinares que analisam as complexas relações
entre domesticação de plantas, sociobiodiversidade e Agroecologia (CAPORAL e
COSTABEBER, 2002).
Do exposto, pode-se apontar que a Agroecologia, ao analisar e valorizar o
modo de domesticação de plantas dos povos e comunidades tradicionais, e sua busca
por agroecossistemas sustentáveis através da construção do conhecimento via
diálogo de saberes, fornece as bases teóricas e práticas para que seja tecido um
modo de domesticar plantas que promove a sociobiodiversidade, e todos os
processos socioambientais derivados dela.
Essa relação que sugerimos, pode também ser demostrada se compararmos a
domesticação de plantas com estruturas dissipativas, assim como fizeram Vezzani e
Mielniczuk (2011) com a formação dos solos Steenbock e Vezzani (2013) com os
sistemas agroflorestais com apoio das teorias de Prigogine (1996; 2002) e Prigogine
& Stengers (1992; 1997). Os sistemas agroflorestais e os solos foram classificados
como sistemas vivos que são fechados na sua organização e abertos no fluxo de
energia. Já sua estrutura tem a configuração de uma rede de relações não lineares
entre os seus componentes internos e com o meio. Estas estruturas se auto-
organizam de acordo com o fluxo de matéria e energia que invariavelmente se dissipa
(entropia) e geram a desordem e novas propriedades emergem, culminado em outra
ordem. A maneira que o sistema se auto-organiza após a perturbação responde a
quantidade de fluxo e de matéria que entram. Caso o volume e a constância sejam
elevados, cria-se uma propriedade emergente com níveis de complexidade maiores
que o estado anterior, mas se o volume for menor, o sistema se autorregula em níveis
menos complexos (VEZZANI E MIELNICZUK 2011). Essa leitura das estruturas
dissipativas contribuiu para que Steenbock e Vezzani (2013) elaborassem a figura 10
que demostra como a formação dos solos se auto-organiza.
Ao observar a figura 10, é visível que quanto maior a complexidade e o fluxo
de energia o sistema solo-planta-orgânico se desenvolve, enquanto há decomposição
quando a entrada diminuiu. Cabe salientar que cada letra é uma propriedade
79
emergente, ou seja, o equilíbrio momentâneo da estrutura até nova dissipação de
energia. Embora apresentando de maneira superficial as estruturas dissipadas, o
olhar que buscamos transmitir é que i) os sistemas vivos trocam energia e matéria
com ambiente através de uma rede mutualista com outros sistemas; iii) nesta troca o
sistema se modifica e se auto-organiza, iv) se a entrada de energia e matéria se
modifica acima do estado inicial, a ordem do sistema se dá em níveis maiores de
complexidade, enquanto o contrário reduz a complexidade.
Figura 10: Representação esquemática do comportamento do sistema solo-plantas-organismos
Fonte Steenbock e Vezzani, 2013.
Neste cenário, é proposto uma analogia entre domesticação de plantas,
Agroecologia e sociobiodiversidade. Se entendermos a domesticação de plantas
como um processo que envolve aspectos sociais e ambientas, em cada tempo e
espaço tende-se a construir e reconstruir sua forma de domesticação de plantas.
80
Nesse processo de (re)construção, quanto maior forem a quantidade de aspectos
inseridos, e as interações entre eles, maior será o volume de energia presente no
sistema, bem como a complexidade do tipo de domesticação de plantas realizada. Em
outros termos, quanto mais sociobiodiversidade estiver presente no processo, mais
energia e por consequência mais maneiras de domesticação complexas emergem.
Quando se soma neste processo o uso dos princípios da Agroecologia, a intensidade
do fluxo de energia do sistema, ou sociobiodiversidade, aumenta. Portanto, uma
domesticação de plantas complexa é retroalimentada pela prática dos princípios da
Agroecologia. Nesse processo mutualístico a sociobiodiversidade é promovida. Caso
o nível de complexidade da domesticação e o uso dos princípios da Agroecologia
diminuam, a sociobiodiversidade diminui. A figura 11 expõe uma representação
gráfica do descrito.
Figura 11: Representação esquemática da interação entre sociobiodiversidade, domesticação de plantas e Agroecologia
Fonte: O autor em conjunto com os orientadores da pesquisa a partir das atividades de campo.
Na figura 11, há uma estimativa dos possíveis caminhos das interações entre
i) domesticação de plantas, ii) Agroecologia e iii) sociobiodiversidade, sendo em A
existe a evolução de propriedades emergentes positivas para a geração de
sociobiodiversidade e, em B, propriedades emergentes da simplificação da
81
domesticação e desvalorização de conhecimentos e práticas agroecológicas,
reduzindo a sociobiodiversidade. Este tem sido, infelizmente, o caminho da agricultura
praticada pela agricultura hegemônica, no sentido da homogeneização de processos
de domesticação, paisagens e culturas. Por outro lado, a Agroecologia, a
domesticação de plantas e paisagens e a sociobiodiversidade são forças de um
mesmo sistema, e quando se trabalha estas 3 forças de forma sinérgica, gera-
se um movimento cíclico que leva a mais vida no sistema maior, o Planeta Terra.
Sobrevoado estes conceitos e aproximações, no próximo item pretende-se
aproximar esta dimensão mais teórica da ação desta pesquisa.
2.5 A SOCIOBIODIVERSIDADE PRESENTE NOS GRUPOS: UM RECORTE DA
CADEIA DE FRUTAS NATIVAS DA CANTUQUIRIGUAÇU
Se nas seções anteriores deste capitulo apresentou-se o conceito de
domesticação de plantas, sociobiodiversidade, Agroecologia e como eles interagem
entre si, nesta busca-se apresentar um recorte da sociobiodiversidade presente nos
grupos desta pesquisa. Para isso, primeiro momento serão expostos alguns
componentes da cadeia produtiva das frutas nativas e na sequência algumas
características das frutas nativas classificadas como prioritárias pelos grupos
envolvidos nesta pesquisa
O termo cadeia produtiva nesta seção é uma analogia a dois aspectos. O
primeiro diz respeito ao conceito de arranjo produtivo local como um conjunto de
processos econômicos, sociais e ambientais inseridos num espaço geográfico que
apresentam vínculos com os saberes, produção, beneficiamento e comercialização
de determinados bem da sociobiodiversidade (MDA; MMA; MDS, 2009), como
descrito no item 2.3. O segundo se refere a Cadeia Solidária das Frutas Nativas do
Rio Grande do Sul, pois tal cadeia além de ter foco no mesmo tema desta pesquisa,
tem influência na região como descreve-se posteriormente. Neste contexto, mesmo
que não estejam consolidados todos os processos que envolvem o público desta
pesquisa com as frutas nativas, podemos indicar que existe, mesmo que incipiente, a
presença de uma cadeia das frutas nativas na área de abrangência deste estudo, que
até ser debatido alguma alternativa, será intitulada de Cadeia das Frutas Nativas da
Cantuquiriguaçu. Assim sendo, esta seção se propõe a apresentar um recorte desta
cadeia. Para isso, o principal procedimento foi o uso da ferramenta observação
82
participante (DEMO, 2008) realizada durante as atividades que envolveram os atores
sociais e o autor desta pesquisa.
O primeiro e principal elemento desta cadeia são os seis grupos que os atores
desta pesquisa constituem: i) 8 de Junho; ii) Jabuticabal; iii) Palmeirinha, iv) Recanto
da Natureza; v) Terra de Todos e; vi) Terra Livre. Entende-se por grupo a junção de
famílias de um determinado local e seus espaços de processamento e
comercialização. Os grupos podem ser institucionalizados em forma de associação e
cooperativas ou serem informais. No caso dos seis grupos que fizeram parte desta
pesquisa, seis tem vínculo com algum cadastro nacional de pessoa jurídica (CNPJ).
O Recanto da Natureza é vinculado a Associação Terra Livre, enquanto o 8 de Junho
é ligado a Cooperativa Agroindustrial 8 de Junho – COPERJUNHO- e o Jabuticabal
faz parte da Associação Treze de Maio, comum a eles é o fato dos grupos serem
formados por famílias certificadas como orgânicas enquanto as associações e
cooperativas buscam atender todas as famílias dos assentamentos que estão
inseridas. Também existe a Associação dos Agricultores do MPA – APAMPA- que é
a junção dos grupos Palmeirinha e Terra de Todos.
Uma importante característica dos grupos é que todos realizam mutirões. Esta
atividade histórica consiste na troca de dias de serviço entre famílias, usualmente de
uma mesma comunidade, para realizar atividades num dado local. Tal atividade vem
sendo resgatada e promovida pelos grupos com apoio do CEAGRO, mas com
algumas mudanças, sobretudo no que tangue a sazonalidade e número de famílias
envolvidas na troca. Em relação a sazonalidade, busca-se que os mutirões aconteçam
de forma semanal, já ao número de família, sugere-se quatro ou cinco como
quantidade ideal. Esse processo está gerando os seguinte resultados: a) aumento da
área manejada pelas famílias; b) criação de um ambiente de ensino e aprendizagem
que estimula o diálogo de saberes entre os agricultores técnicos e pesquisadores e;
c) troca de sementes e material propagativo entre as famílias que fazem o mutirão
(CEAGRO,2018).
Outro aspecto desta diz respeito aos espaços de processamento da produção.
O Recanto da Natureza, 8 de Junho, Jabuticabal, Palmeirinha e Terra de Todos tem
acesso à uma agroindústria. Além disso, a cadeia em questão têm duas cozinhas
comunitárias regularizadas na vigilância sanitária que são administradas por famílias
do grupo Palmeirinha e uma não regularizada no Grupo Terra Livre, ou seja todos os
grupos desta pesquisa tem acesso a algum tipo de espaço de processamento. Cabe
83
ressaltar que, entre outros equipamentos, cada grupo conta com uma despolpadeira
de fruta com capacidade de processamento de 100 quilos por hora e uma seladora
para líquidos para usar nos locais de processamento citados.
Juntamente com o descrito, cabe destaque para a maneira que se dá a
comercialização, uma vez que ela é feita em três feiras, nos municípios de Laranjeiras
do Sul (realizada pelos Grupos Recanto da Natureza e 8 de Junho), Palmital (feita
pelos Grupos Palmeirinha e Terra de Todos) e Nova Laranjeiras (Grupo Terra Livre).
Estes grupos e mais o grupo Jabuticabal também acessaram em algum momento o
programa nacional de alimentação escolar –PNAE- e o programa de aquisição de
alimentos (PAA) modalidade doação simultânea. Outra forma de comercialização é a
realização de eventos articulados pela COPERJUNHO, como coquetéis e cafés
coloniais realizados mensalmente na sede da cooperativa e pelo Grupo Terra de
Todos, sobretudo comércio de sucos e caipirinha nos encontros organizados pelo
MPA. O quadro 3 sintetiza as informações pertinentes aos grupos.
Quadro 3: Ligação dos grupos com CNPJ, espações de processamento e espaços de comercialização
N Nome do
Grupo Vínculos com
CNPJ Espaço de
Processamento Espaços de Comercialização
1 8 de Junho Cooperativa
COPERJUNHO 01 Agroindústria
Feira na Cidade de Laranjeiras do Sul, PNAE, PAA e eventos
com público urbano
2 Jabuticabal Ass. Treze de
Maio 01 Agroindústria PNAE, PAA
3 Palmeirinha Ass. APAMPA 01 Agroindústria e 1 cozinha comunitária
Feira na Cidade de Palmital, PNAE e PAA
4 Recanto da Natureza
Ass. Terra Livre 01 Agroindústria Feira na Cidade de Laranjeiras
do Sul, PNAE e PAA
5 Terra de Todos Ass. APAMPA 01 Agroindústria* Feira na Cidade de Palmital, PNAE, PAA e eventos com
público urbano
6 Terra Livre - 01 cozinha comunitária
Feira na Cidade de Nova Laranjeiras, PNAE e PAA
* Os grupos Terra de Todos e Palmeirinha estão administram a mesma agroindústria.
Fonte: o Autor, a partir de trabalho de campo.
Do exposto, pode-se indicar que os grupos são de suma importância para a
Cadeia das Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu por que é a partir desta instância que
diversos processos se originam, sendo que estes são os pontos chaves:
84
a) Cuidado com as frutas nativas: as famílias que compõem os grupos
contribuem para a cadeia das frutas nativas através do cuidado com as árvores
de frutas nativas. Esse cuidado é demonstrado no plantio, poda, roçada ao redor
e colheita, bem como consumo, elaboração de novos produtos e socialização
das experiências que em maior ou menor grau, está presente em todas as
unidades familiares;
b) Processamento: o cuidado com as frutas nativas contribui para que existam
frutos que são processados nas cozinhas comunitárias ou agroindústrias dos
grupos, facilitando assim o aumento de produtos derivados das espécies nativas,
sobretudo os pedaços de frutas congelados. Este produto é obtido por meio da
fricção da frutas em peneiras e retirada manual das sementes ou via
despolpadeira. O produto deste processo é colocado em embalagens de
plástico, selado e congelado podendo ser utilizado na confecção de sucos,
picolés, sorvetes, caipirinhas, doces, geleias e afins;
c) Comercialização: embora inicial, observou-se à campo trocas comerciais
envolvendo as frutas nativas basicamente de duas formas, in natura ou
processadas. O primeiro caso acontece nas feiras dos grupos, já o segundo se
dá via venda direta para restaurantes e consumidores de pedaços de fruta
congelada e em eventos na forma de suco. No âmbito da comercialização dos
produtos processados, um destaque é a relação com o Encontro de Sabores, um
empreendimento localizado na Cidade de Passo Fundo-RS, que processa e
comercializa frutas nativas, além de ser um dos fundadores da Cadeia Solidária
das Frutas Nativas do Rio Grande do Sul. Esta cadeia é a junção de
aproximadamente 180 empreendimentos de produção, processamento e
comercialização de frutas nativas e crioulas que funcionam de acordo com os
princípios da Economia Solidária e da Agroecologia, no ano de 2017 a cadeia
movimentou cerca de dez toneladas de produtos in natura e processados
(CETAP, 2015).
Os grupos apresentados dialogam com outras organizações no Território que
estão localizado, uma das principais é o Centro de Desenvolvimento Sustentável e
Capacitação em Agroecologia – CEAGRO –, embora inicie suas atividades em
meados de 1991, é formalmente fundado no ano de 1997. Sua origem acontece dentro
Assentamento Jarau, na Cidade de Cantagalo-PR, fato este que indica sua estreita
85
ligação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. No início seu
foco era promover a educação informal sobre desenvolvimento rural sustentável com
as famílias no Território da Cidadania Cantuquiriguaçu, entretanto, com o passar do
tempo CEAGRO passa a articular cursos formais de nível médio e técnico em
agroecologia com jovens dos três Estados da região Sul, no espaço que hoje é
chamado de unidade demonstrativa do Cavaco. No ano de 2002, até os dias atuais,
as atividades de formação passam a ser realizadas na unidade Vila Velha, em Rio
Bonito do Iguaçu e com enfoque nos cursos de graduação e pós graduação através
de parcerias com Instituto Federal do Paraná – IFPR, Universidade de Mondragon –
País Basco, Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ e da Universidade Federal da
Fronteira Sul – UFFS (CEAGRO, 2018).
Em conjunto com as atividades de formação, principalmente a partir de 2010,
através da parceria com Grupo Cooperativo de Mondragon – Espanha, Fundação
Mundukide e Governo do País Basco, o CEAGRO começa a prestar assessoria
técnica, sobretudo as famílias acampadas e assentadas e agricultores familiares
vinculados ao Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA dos Territórios da
Cidadania Cantuquiriguaçu e Paraná Centro. Foram mais de 30 projetos e convênios
executados com o objetivo de promover a Agroecologia e o Desenvolvimento Rural
Sustentável nos Grupos de Agroecologia do Núcleo Luta Camponesa, Coletivos de
Mulheres e Juventude. Atualmente, as atividades do CEAGRO estão organizadas em
4 eixos estratégicos e transversais: Agroecologia, Cooperação e Gestão, Gênero e
Juventude (CEAGRO, 2018), já suas ações contribuem principalmente para os
seguintes elementos na Cadeia das Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu:
a) Assistência Técnica: o CEAGRO presta assessoria aos grupos nos temas
produção com enfoque na Agroecologia, gestão de empreendimentos,
elaboração de novos produtos, regularização sanitária e da conformidade
orgânica, aspectos centrais na valorização das frutas nativas;
b) Valorização dos SAF’s: o CEAGRO disponibilizou diversos equipamentos e
insumos para o plantio, manejo e processamento da produção dos sistemas
agroflorestais das famílias que ele atende, incluindo as frutas nativas. Cabe
ressaltar que todos os grupos que fazem parte desta pesquisa foram
beneficiados por este aporte, que é constituído por mudas, ferramentas e
insumos para o plantio e manejo. No entanto é a distribuição de equipamentos
86
para o processamento a contribuição que mais altera a Cadeia das Frutas
Nativas da Cantuquiriguaçu. Essa distribuição foi articulada pelo Projeto
REDES ECOFORTE 2014/005, vinculado ao Programa de Fortalecimento e
Ampliação das Redes de Agroecologia Extrativismo e Produção Orgânica –
PLANAPO – que forneceu uma despolpadeira de frutas e uma seladora para
líquidos para cada grupo desta pesquisa (exceto o Grupo Jabuticabal, que já
possuía uma despolpadeira). Esse processo permitiu que as famílias
vislumbrassem aumentar padrão, volume e sazonalidade de produtos
processados das frutas nativas;
c) Fortalecimento do Núcleo Luta Camponesa: além de ser um dos principais
articuladores para a formação do Núcleo Luta Camponesa, o CEAGRO
historicamente contribui na manutenção e desenvolvimento do Núcleo. Esse
processo tem interface com as frutas nativas através da manutenção do
Sistema Participativo –SPG- de conformidade orgânica e na disseminação das
experiências de valorização das frutas nativas com outros agricultores;
d) Articulação de projetos e convênios: o CEAGRO elaborou e executou mais
de 30 projetos em parceria com entidades nacionais e internacionais, públicas
e privadas que, entre outras ações, contribuíram para a valorização das frutas
nativas através da manutenção da assessoria técnica, apoio ao Núcleo Luta
Camponesa e a valorização dos SAF’s e as frutas nativas inseridas neles.
Além do CEAGRO, a Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS- é um elo
importante na valorização de formas mais sustentáveis de se relacionar com a
sociobiodiversidade e por isso cabe explicar sua influência nessas palavras. A UFFS
foi criada oficialmente em 15 de setembro de 2009 resultado da articulação dos
movimentos sociais como a Via campesina, a FETRAF-SUL e a CUT com o Poder
Público. Esse processo tinha como expectativa desenvolver a Mesorregião da Grande
Fronteira Mercosul, historicamente desassistida de políticas públicas, através da
construção de uma Universidade Federal que levasse em conta as características
socioambientais da região. Neste contexto são criados cinco campi em locais
estratégicos: Erechim e Cerro Largo (Rio Grande do Sul), Chapecó (Santa Catarina e
sede da instituição) e Realeza e Laranjeiras do Sul (Paraná), sendo este último com
estreita ligação com os atores desta pesquisa. (UFFS,2018).
87
O Campus Laranjeiras do Sul foi construído numa área cedida pelas
famílias do Assentamento 8 de Junho, atualmente são 1.041 alunos e 198
colaboradores, atualmente são oferecidos seis curso de graduação: i) Agronomia –
linha de formação em Agroecologia, ii) Ciências Econômicas; iii) Engenharia de
Alimentos; iv) Engenharia de Aquicultura v) Interdisciplinar em Educação no Campo -
Licenciatura e Interdisciplinar em Educação do Campo vi) Ciências Humanas e
Sociais - Licenciatura. Também são disponibilizados quatro Pós-Graduações: i)
especialização em Educação do Campo e ii) Realidade Brasileira, ambas Lato-Sensu,
bem como mestrados Stricto-Sensu em iii) Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável e em iv) Ciência e Tecnologia de Alimentos (UFFS, 2018).
Outra caracterizas deste campus é a presença de dois auditórios que somados
recebem cerca de 400 pessoas, um restaurante universitário que pode fornecer até 2
mil refeições por dia e aproximadamente 40 laboratórios capazes de atender
atividades nas áreas de processamento de alimentos, sistemas agroflorestais,
sementes, botânica, piscicultura entre outros. Também existem quatro núcleo de
estudos que se vinculam a Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: i)
Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA); iii) Núcleo de Estudos em Cooperação
(NECOOP); Núcleo de Estudos em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Karu Pora (NEA –Ssan Karu Porã) e; iv) Núcleo de Estudos em Aquicultura com
Enfoque Agroecológico (AquaNEA).
O Campus Laranjeiras do Sul da UFFS se inseri na Cadeia das Frutas Nativas
da Cantuquiriguaçu principalmente nas seguintes ações:
a) Oficinas e seminários sobre frutas nativas: nos auditórios e laboratórios de
sistemas agroflorestais e processamentos de alimentos são realizadas oficinas
e seminários que abordam temas como comercialização, usos, elaborações de
novos produtos e boas práticas no processamento das frutas nativas. Destaque
para o seminário Valorização das Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu que contou
com a presença de representantes da Cadeia Solidária das Frutas Nativas do
Rio Grande do Sul onde, além de ser explicado o funcionamento da cadeia, foi
demonstrado como processar frutas nativas e crioulas;
b) Pesquisas: principalmente os cursos de Agronomia, Ciências Econômicas e o
Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável vêm
desenvolvendo pesquisas de conclusão de curso ligadas a vários aspectos das
88
frutas nativas. Destaque para Siqueira (2016), que avaliou a germinação de
sementes de Mirtáceas na região da Cantuquiriguaçu-PR; Schreiner (2016), que
identificou os usos e a importância das frutas nativas para famílias agricultoras
da Cantuquiriguaçu e Canosa (2016), que embora não tenha trabalhado
especificamente com o tema, ao criar um método participativo para construção
de sistemas agroflorestais apontou algumas características e problematizou a
importância da implantação das frutas nativas nestes sistemas;
c) Articulação de projetos e convênios: A UFFS, sobretudo através dos seus
Núcleo de Estudo NEA, NECCOP e NEA –Ssan Karu Porã coordena e executa
projetos e convênios que disponibilizam recursos para bolsas de estudo,
equipamentos e assessoria para promoção da cadeia solidária das frutas
nativas;
d) Incidência Política: através de diálogos com membros do Poder Público,
membros de conselhos que discutem a alimentação e o desenvolvimento
sustentável, órgãos de assistência técnica e entidades representativas de
agricultores familiares colaboradores da UFFS, expõe as carências e potencial
das frutas nativas.
Outro aspecto da Cadeia das Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu é sua relação
com o Núcleo Luta Camponesa que é vinculado à Rede Ecovida de Agroecologia. A
Rede Ecovida foi oficialmente formada em 1998, com o objetivo principal de promover
a Agroecologia Seu funcionamento é descentralizado e horizontal, enquanto sua
organização é centrada na articulação entre famílias, grupos informais, associações,
cooperativas (tanto de produtores quanto de consumidores), organizações não
governamentais (ONG’s), órgãos de assistência técnica e de pesquisa, inseridos num
dado espaço geográfico que é intitulado como Núcleo Regional. A junção dos Núcleos
Regionais forma a Rede Ecovida, que é composta por 4.500 famílias, mais de 200
feiras ecológicas e 27 Núcleos, inseridos em 352 municípios dos Estados do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Outros aspectos desta da Rede são a articulação
de um SPG de avaliação da conformidade orgânica das unidades familiares e
agroindústrias, bem como um circuito de comercialização entre os Núcleos, intitulado
Circuito Sul de Circulação de Alimentos da Rede Ecovida (que, atualmente, conta
com a participação de entidades dos três estados do Sul e de São Paulo (REDE
ECOVIDA, 2018).
89
É dentro deste contexto que, durante VIII Encontro Ampliado da Rede Ecovida,
realizado na Cidade de Florianópolis-SC em 2012, foi criado o Núcleo Regional Luta
Camponesa, por intermédio da articulação entre o CEAGRO, grupos de agricultores
ligados ao MST e ao MPA e a UFFS Campus Laranjeiras do Sul. O Núcleo se articula
com a Cadeia das Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu, principalmente, nestes
aspectos:
a) Certificação de conformidade orgânica: através de um sistema participativo
de garantia, tanto as unidades familiares como os espaços de processamento
que produzam frutas nativas podem solicitar o selo de conformidade orgânica
e comercializar sua produção como tal;
b) Troca de Saberes: através das reuniões envolvendo os grupos do Núcleo
Luta Camponesa os agricultores trocam saberes e, nesse contexto, se insere a
valorização das frutas nativas. Além da troca endógena, nos espaços de
articulação com outros Núcleos da Rede Ecovida também ocorre diálogos de
saberes. Um exemplo desse diálogo com outros núcleos aconteceu entre os
agricultores do Núcleo Luta Camponesa com os agricultores do Núcleo
Mauricio Burmester do Amaral situado na região da grande Curitiba e de Ponta
Grossa. Nesse processo, os agricultores da Associação de Agricultores
Familiares das Colônias Iapó, Santa Clara e Vizinhanças, da Cidade de Castro-
PR, socializaram com os membros do Núcleo Luta Camponesa sua experiência
de processamento e comercialização dos pedaços de frutas congeladas no
PNAE. Como resultado, os agricultores de diversos grupos iniciaram o debate
com as Prefeituras dos municípios que estão inseridos;
c) Aproximações com outras organizações: através do Núcleo Luta Camponesa
é possível conhecer e se aproximar de organizações simpatizantes tanto do
Núcleo Luta Camponesa como das demais instâncias da Rede Ecovida, um
exemplo é a aproximação com o Encontro de Sabores da Cadeia de Frutas
Nativas do Estado do Rio Grande do Sul;
d) Incidência Política: Ao se inserir na Rede Ecovida via Núcleo Luta
Camponesa, as demandas e os potenciais das frutas nativas alcançam
diversas esferas do poder público, contribuindo assim para que se legislação
discutida e projetos sejam direcionados.
90
Cabe destacar também no arranjo exposto a presença de dois viveiros que
produzem mudas de espécies arbóreas frutíferas, o do Instituto Ambiental do Paraná
– IAP – com sede nas cidade de Guarapuava e da empresa ENGIE Energia, instalado
em Quedas do Iguaçu-PR, sendo que o segundo tem uma relação mais próxima com
os grupos desta pesquisa. Ambos têm como foco a recuperação florestal e produzem
diversas espécies nativas, por isso a escolha dos indivíduos produtores de semente
se dá mais por critérios de logística e disponibilidade. Estes viveiros influenciam a
cadeia das frutas nativas através da confecção e distribuição de mudas de vinte
espécies arbóreas frutíferas.
Mesmo que já abordados anteriormente, é importante realçar a influência de
organizações que funcionam para além da área de abrangência da cadeia produtiva,
como o MST e o MPA. Ambos os movimentos sociais do campo vem incorporando a
Agroecologia como uma das alternativas para a construção de um modelo de
sociedade mais igualitária. Esse processo, mesmo que passível de contradições,
inclui a valorização das frutas nativas e gera como resultado principal alargar o número
de agricultores interessados na valorização das frutas nativas.
As informações descrita neste item estão sintetizadas na figura 12. Ao observar
tal figura, percebe-se a existência dos seis grupos, 4 agroindústrias, 2 cozinhas
comunitárias, 4 feiras agroecológicas e do viveiro da empresa ENGIE.
Figura 12: Representação gráficas num mapa dos principais componentes da Cadeia
das Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu.
Fonte: O autor adaptado do programa Google Earth 2018
91
Do exposto, pode-se sintetizar que, embora incipiente, existe uma Cadeia de
Frutas Nativas da Cantuquiriguaçu. Ela tem os grupos de agricultores como elemento
chave, já que são eles os responsáveis pelo cuidado, processamento e
comercialização das frutas nativas. A cadeia também conta uma organização de
assessoria, o CEAGRO, uma Universidade Federal, a UFFS, bem como um Núcleo
Regional da Rede Ecovida de Agroecologia, o Luta Camponesa e dois viveiros
produtores de espécies arbóreas frutíferas (do IAP e da ENGIE Energia). Estes
elementos da cadeia são responsáveis pela assessoria em temas como manejo,
gestão e processamento, bem como na distribuição de equipamentos e insumos via
captação de recursos públicos e privados. Além disso, é por eles que se dá o diálogo
de saberes de experiências sobre as frutas nativas, certificação de conformidade
orgânica, produção de mudas e incidência política para a promoção das frutas nativas.
A cadeia em questão também se vincula ao MST e ao MPA na luta por condições
mais igualitárias na sociedade e por que não, na luta pela valorização das frutas
nativas.
Em conjunto com este recorte da Cadeia das Frutas Nativas da
Cantuquiriguaçu, construiu-se uma escala das espécies de frutas nativas classificada
pelos grupos como prioritárias. Essa classificação e alguns aspectos destas espécies
são abordadas no próximo item.
2.5.1 Frutas Nativas Prioritárias na Cadeia das Frutas Nativas da
Cantuquiriguaçu
As informações deste item são provenientes das oficinas sobre domesticação
das frutas nativas realizadas durante a primeira fase do método desta pesquisa
(problematização das frutas nativas e indicação de espécies prioritárias), como
descrito no capítulo Procedimento Metodológico. Neste contexto num primeiro
momento será detalhado os procedimentos metodológicos destas oficinas e depois
socializado os resultados.
Foram realizadas seis oficinas sobre domesticação das frutas nativas, uma em
cada grupos. Nelas, num primeiro momento, por meio do o uso dos painéis
explicativos (STEENBOCK et al, 2013 a), problematizou-se o que é domesticação de
plantas e frutas nativas. Em seguida, identificou-se quais são as frutas nativas
prioritárias para iniciar um processo de domesticação através da utilização da
92
ferramenta matriz de priorização (GEILFULS, 1997). Cabe destacar que a observação
participante (DEMO, 2008) realizada anterior as oficinas contribui para gerar empatia
entre os atores sociais e autor de pesquisa, bem como mapear espécies com potencial
de fazerem parte da pesquisa, facilitando deste modo a utilização da matriz de
priorização.
Para o preenchimento da matriz de priorização das frutas nativas prioritárias,
solicitou-se aos presentes nas oficinas indicar nomes de espécies com potencial para
se promover a domesticação. Tais nomes foram colocadas num local onde todos
pudessem ver, na sequencia cada agricultor recebeu cinco votos para distribuir entre
aquelas que na sua visão eram as principais. A fotografia 13 expõe a aplicação desta
matriz. Note-se que foi sugerido quatro espécies por grupo como quantidade ideal de
frutas nativas. Tal escolha teve como critério evitar a monocultura dos
agroecossistemas ao mesmo tempo que permitir o aprofundamento das espécies
escolhidas. No final do preenchimento da matriz, seu resultado foi debatido e
confirmado por todos os grupos
Após a indicação de quais frutas nativas são prioritárias, utilizou-se a
ferramenta matriz de diagnostico (GEILFUS, 1997) para coletar algumas informações
chaves destas espécies. Nesse processo foi confeccionado um roteiro com perguntas
objetivas, usualmente em papel kraft, onde a resposta de cada família foi anotada na
matriz durante a oficina. Após o preenchimento da matriz, as informações foram
debatidas entre os membros da oficina. As perguntas utilizadas na matriz e uma
simulação de preenchimento estão no quadro 4, enquanto na figura 14 se apresenta
imagem deste do processo.
Outra característica das oficinas citadas foi a realização de um pré-teste no
grupo Palmeirinha. A escolha por este grupos se deu em virtude de sua experiência
na valorização das frutas nativas e crioulas. Por exemplo, na safra de 2016 se
produziu 800 quilos de pedaços de fruta congelada e sorvete de Guabiroba, Mixirica,
Laranja Crioula e Limão Galego. Como o pré-teste foi considerado satisfatório,
manteve-se ele como resultado desta pesquisa. Porém, os agricultores sugeriram os
seguintes pontos. a) evitar levantar muitas espécies de frutas nativas para a o uso na
matriz, pois, além de tornar a atividade morosa, a maioria já tem uma ideia do que
deseja promover; b) sugeriu-se socializar o resultado da oficina de um grupos nos
demais. Com isso, além de um resultado visando subsidiar a atividade do outro grupo,
aumenta-se o conhecimento sobre os demais grupos. Estas sugestões foram
93
incorporadas no método desta pesquisa, sendo que a socialização dos resultados
realizou-se em todas as etapas deste trabalho.
Quadro 4: Exemplo hipotético de sistematização de uma matriz de diagnostico para a fruta nativa uvaia
Fonte: Pesquisa de campo
Fotografias 13 e 14: Na fotografia 13 o preenchimento pelo autor da pesquisa de uma matriz de diagnóstico, na fotografia 14 o preenchimento de uma matriz de priorização pela agricultora do Grupo Palmeirinha.
Fonte: Pesquisa de campo
A partir do uso da matriz de priorização, identificou-se alguns resultados sobre
as frutas nativas. Por exemplo, através do uso da matriz de priorização, identificou-se
Uvaia
Família Quantas Plantas?
Quantas estão
produzindo
Quantas você
plantou? Qual a
origem das mudas?
Faz algum manejo?
Onde elas estão?
Faz algum uso?
Iolanda e Dirço
? ? ? ? ? ?
Marilda e Sebastião
? ? ? ? ? ?
Cláudia ? ? ? ? ? ?
Clenice ? ? ? ? ? ?
Total ? ? ?
12 13
94
sete frutas nativas prioritárias, sendo elas: i) Guabiroba (Campomanesia
xanthocarpa); ii) Pitanga (Eugenia uniflora) Uvaia (Eugenia pyriformis); iv) Cereja
(Eugenia involucrata); v) Guabiju, (Myrcianthes pungens); vi) Araçá Vermelho (Psidium
longipetiolatum) e; vii) Ingá Feijão (Inga marginata Willd). Outro produto da confecção
desta matriz foi geração de uma escala de importância, por grupo, das espécies
prioritárias. O quadro 5 expõem o resultado.
Quadro 5: Frutas Nativas prioritárias para promover um processo de domesticação.
Nível de Prioridade
Grupo
8 de junho Jabuticabal Palmeirinha Terra Livre Recanto da
Natureza Terra de Todos
1 Guabiroba Guabiroba Guabiroba Guabiroba Guabiroba Guabiroba
2 Cereja Pitanga Cereja Guabiju Uvaia Pitanga
3 Pitanga Ingá Feijão Uvaia Uvaia Pitanga Uvaia
4 Uvaia Uvaia Pitanga Pitanga Araçá
Vermelho Cereja
Fonte: Pesquisa de campo
É possível observar no quadro 5 que três espécies, embora em níveis de
prioridade distintas, foram indicadas por todos os grupos: Guabiroba, Pitanga e a
Uvaia. A Cereja foi escolhida por três grupos enquanto o Araçá Vermelho, Guabiju e
Ingá Feijão foram escolhidos por um grupo. Outro aspecto da escolha das espécies
prioritárias é que todos os grupos apontaram a Guabiroba como primeira opção. Um
outro olhar para a escolha das espécies prioritárias, pode ser feito se elencarmos uma
pontuação para cada nível de prioridade. Nesse processo, cada vez que a espécie for
indicada como prioridade número um, ela recebe 100 pontos. Número dois 75 pontos,
na terceira posição 50 pontos e 25 pontos na quarta posição. A partir dessa
95
classificação, se somarmos quantas vezes cada espécies aparece e qual o nível ela
se encontra teremos a representação gráfica exposta no gráfico 15.
Mesmo que a intenção de escolher quatro espécies em detrimento de uma vise
a promoção da diversidade e não a monocultura, o gráfico 15 reforça a importância
da Guabiroba como espécie prioritária, assim como valoriza a Pitanga, a Uvaia e a
Cereja. Já o Guabiju, Araçá Vermelho e Ingá Feijão aparecem com valores menores,
contudo não devem ser menosprezadas. Note-se que estas escolhas são resultado
de um conjunto de características ambientais e sociais de cada espécie que serão
abordados no capítulo 3. Entretanto, fatores como histórico das espécies com as
famílias, produtividade, facilidade de processamento, comercialização e presença de
indivíduos nos agroecossistemas são atributos que direcionam tal priorização,
sobretudo para a Guabiroba.
Gráfico 15: Representação gráfica da escolha das frutas nativas de acordo com
atribuição de valores para cada nível de prioridade.
Fonte: Pesquisa de campo
Outro conjunto de resultados construído nas oficinas sobre domesticação das
frutas nativas, são as informação da matriz de diagnostico. Através da sistematização
da pergunta referente à quantidade de árvores de frutas nativas presente em cada
unidade, gerou-se uma estimativa da quantidade de indivíduos destas espécies,
totalizando 1835 indivíduos. No quadro 6 há o detalhamento deste resultado.
96
Quadro 6: Estimativa da quantidade de indivíduos de Frutas Nativas classificadas como prioritárias presente nos grupos.
Mesmo que seja uma estimativa, podemos observar que a Guabiroba é a
espécie com mais indivíduos e que o grupo Jabuticabal é o local de maior abundância.
A Pitanga com 627 indivíduos vem na sequência, tendo no Grupo Terra Livre o
ambiente com mais árvores. A Uvaia tem no total206 indivíduos, destes 130 indivíduos
estão no Recanto da Natureza. Note-se que estas três espécies representam 1637
(89%) do total de árvores de frutas nativas prioritárias identificadas. Embora esse
resultado possa se justificar pelo fato das três espécies serem indicadas por todos os
grupos, e por isso possuir um universo maior de análise, é visível uma tendência de
abundância delas nos grupos da região. Por exemplo, mesmo a Cereja sendo indicada
por três grupos, o número de indivíduos foi menor, 69. As demais espécies também
estão com valores menores. O Araçá Vermelho tem 79 árvores, seguidos do Guabiju
com 45 e do Ingá Feijão com 5. Este número inferior de indivíduos pode estar
relacionado com a amostra reduzida de grupos que escolheram tais espécie como
prioritária (cada espécie foi escolhida por um grupo) Mesmo assim, cabe apontar que,
de acordo com a convivência do autor da pesquisa nos grupos analisados, há uma
tendência do Araçá Vermelho, Ingá feijão e Guabiju, o último sobretudo, serem raros.
Outro ponto do diagnóstico das frutas nativas prioritárias é a quantidade de
indivíduos que em algum momento produziram frutos No quadro 7 se apresenta o
resultado.
Fruta Nativa
Grupo
Total de Árvores
8 de Junho
Jabuticabal Palmeirinha Terra Livre
Recanto da
Natureza
Terra de
Todos
Guabiroba 804 106 300 42 115 167 74
Pitanga 627 69 80 14 240 74 150
Uvaia 206 21 4 7 36 130 8
Araçá Vermelho
79 47 0 0 0 32 0
Cereja 69 46 0 6 0 6 11
Guabiju 45 0 0 0 45 0 0
Ingá Feijão 5 0 5 0 0 0 0
Total 1835 289 389 69 436 409 243
Fonte: Pesquisa de campo.
97
Quadro 7: Quantidade de indivíduos das frutas nativas classificadas como prioritárias que produzem frutos.
Fonte: Pesquisa de campo.
No total, são 474 árvores que produzem frutos, ou 25% do total. Pode-se indicar
como motivos principais para esse resultado a presença de indivíduos que estão em
fragmentos florestais com alta densidade, indivíduos que não estão em idade
reprodutiva, bem como problemas no manejo (poda, adubação e afins). Além disso,
destaca-se a presença de 194 Guabirobeiras e 150 Pitangueiras produzindo em todos
os grupos em quantidade considerável. Já a Uvaia, embora possua representantes
que frutificam em todos os locais, tem no Recanto da Natureza uma abundância acima
dos demais, interessante pontuar também que 100% dos Ingazeiros produzem frutos.
Outro resultado da matriz de diagnostico diz respeito a origem das 1835 frutas
nativas, isto é, se elas são plantadas ou “vieram sozinhas”. Vir sozinha quer dizer que
não foi o ser humano que plantou, neste trabalho elas são identificadas como plantas
de ocorrência natural. No quadro 8, está sistematizado que 79% (1451) árvores são
nativas e 21% (384) são plantadas. Ao observa-se o quadro 8, percebe-se que a
Pitanga é a espécie com mais indivíduos plantados, 141 árvores, após vêm Guabiroba
(93), Araçá Vermelho (79 árvores) e Cereja (67). A Uvaia tem apenas quatro
indivíduos plantados, enquanto Guabiju e Ingá Feijão não possuem nenhum. Em
relação a origem das espécies plantadas, a maioria é proveniente de mudas que são
produzidas nos viveiros da ENGIE Energia (168 indivíduos) e do IAP da Cidade de
Guarapuava (137 indivíduos), enquanto 29 mudas vieram de outros viveiros da região.
Os agricultores, através de sementes coletadas de árvores apontadas como
interessantes, fizeram 45 mudas.
Fruta Nativa
Árvores Produzindo
Grupos
8 de Junho
Jabuticabal Palmeirinha Terra Livre
Recanto da Natureza
Terra de Todos
Guabiroba 194 23 70 35 22 26 18
Pitanga 150 11 20 8 53 9 49
Uvaia 82 10 1 5 7 54 5
Araçá Vermelho
24 14 0 0 0 10 0
Cereja 9 0 0 4 0 0 5
Guabiju 10 0 0 0 10 0 0
Ingá Feijão 5 0 5 0 0 0
Total 474 58 96 52 92 99 77
98
Quadro 8: Origem (plantada ou ocorrência natural) dos indivíduos das frutas prioritárias presente nos grupos
Fonte: Pesquisa de campo.
Fruta Nativa
Quantidade Total
Grupo
8 de Junho Jabuticabal Palmeirinha Terra Livre Recanto da
Natureza Terra de Todos
Ocorrên-cia
Natural
Plantada Ocorrên-cia
Natural
Plantada Ocorrên-cia
Natural
Plantada Ocorrên-cia
Natural
Plantada Ocorrên-cia
Natural
Plantada Ocorrên-cia
Natural
Plantada Ocorrên-cia
Natural
Plantada
Guabiroba 711 93 75 31 300 0 42 0 85 30 155 12 54 20
Pitanga 486 141 15 54 80 0 8 6 199 41 39 35 145 5
Uvaia 202 4 21 0 4 0 6 1 36 0 127 3 8 0
Araçá Vermelho
0 79 0 47 0 0 0 0 0 0 0 32 0 0
Cereja 2 67 0 46 0 0 2 4 0 0 0 6 0 11
Guabiju 45 0 0 0 0 0 0 0 45 0 0 0 0 0
Ingá Feijão
5 0 0 0 5 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 1451 384 111 178 389 0 58 11 365 71 321 88 207 36
99
Dentro do contexto apresentado, pode-se levantar algumas questões. Embora
a bibliografia (LORENZI, 2002) indique que a área de abrangência dos grupos seja
local de ocorrência natural do Araçá Vermelho e da Cereja, o fato das citadas serem
plantadas faz com elas não sejam nativas? E se no futuro as árvores atuais gerarem
novos indivíduos sem a interferência direta do ser humano, eles serão considerados
nativas ou exóticas? Assim como é prudente indagar a dinâmica de plantio, é
relevante fazer o contrário e perguntar: as 1451 árvores cuja origem é a ocorrência
natural descritas no quadro 8 não tiveram relação com o manejo humano? A fala do
agricultor 1 problematiza este dado.
Não fui eu que plantei esse pé de Guabiroba, mas a gente roçou vários anos ao redor, escolheu fazer a casa e o paiol de uma maneira que deixasse ela ali. Não fui eu que plantei ela, mas eu tive cuidado com ela, a gente escolheu que ela ia continuar aqui e está cuidando disso há mais de 20 anos. (Agricultor 1, Grupo Palmeirinha).
Ou seja, mesmo que não plantados, os indivíduos de ocorrência natural
recebem cuidados, seja na paisagem que permite que eles continuem existindo, ou
na árvore em si por meio de podas, adubações e afins. Isso pode caracterizar tais
populações como incipientemente domesticada ou semi-domesticada, de acordo com
a classificação proposta por Clement (2001). Num outro contexto, Steenbock et al
(2013 b) avaliou nos sistemas agroflorestais manejados por associados da
COOPERAFLORESTA 22 que embora praticamente não haja plantio de indivíduos
nativos durante a implantação das agroflorestas, a partir de anos após a implantação
boa parte das espécies da mesma área eram nativas, ou seja, criou as condições
socioambientais para o surgimento destas espécies e, por meio da poda e capina
seletiva, escolheu-se que elas se perpetuassem, sendo que a este processo deu-se o
nome de recrutamento de indivíduos provenientes da sucessão florestal. Mesmo que
o manejo nas frutas nativas mapeadas nesta pesquisa seja diferente do contexto da
COOPERAFLORESTA, é possível inferir que parte significativa das 1451 árvores
nativas presentes no grupo podem ser consideradas recrutadas da sucessão florestal.
Para avançar nas discussões sobre de origem e manejo das frutas nativas, é
necessário aprofundar na conceituação do que é fruta nativa. Também é prudente
22 A associação de Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo-SP e Adrianópolis-PR – COOPERAFLORESTA com mais de 20 anos de história é uma referência no Brasil de Sistemas Agroflorestais
100
caracterizar alguns aspectos sociais e ambientais das espécies indicadas como
prioritárias. O próximo capítulo trata destes temas.
101
CAPITULO III: UM OLHAR SOCIOAMBIENTAL PARA AS FRUTAS NATIVAS
Tem um pé de Guabiroba lá em casa que quando a gente começou a falar de boas árvores, eu queria que ela fosse uma. Ela
tem um sabor bom e produz bastante, mas não é só por isso. Quando meu filho mais velho nasceu, a gente morava quase
embaixo do pé. Na época de fruta, ele ficava na porta e pedia: “Dá uma da boa, dá uma da boa”.
Essas coisas marcam tanto a gente que pra mim aquela árvore é como um membro da família...
Agricultora do Grupo Palmeirinha
Neste capitulo será apresentado um conceito para fruta nativa e como, embora
num primeiro momento pareça simples, o termo é multidimensional e complexo, sendo
necessário tecer olhares que mesclem elementos biológicos e sociais para
compreende-lo. Em seguida é construída a caracterização socioambiental das sete
espécies de frutas nativas apontadas como prioritárias pelos grupos de agricultores.
3.1 UM CONCEITO PARA FRUTA NATIVA
Conforme apontando anteriormente, nesta pesquisa o termo fruta nativa se
refere às espécies frutíferas arbóreas nativas, no caso em estudo, do Bioma
Mata Atlântica. Num primeiro olhar para o termo, podemos definir fruta como “o
produto procedente da frutificação de uma planta, destinado ao consumo in natura”
(BRASIL, 1978, p. 7). Já espécie nativa é aquele indivíduo, ou população, que está
inserido no mesmo bioma em que a espécie foi formada (SCBD/BGCI, 2006).
Enquanto bioma é
(...) um conjunto de vida vegetal e animal, constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e que podem ser identificados em nível regional, com condições de geologia e clima semelhantes e que, historicamente, sofreram os mesmos processos de formação da paisagem, resultando em uma diversidade de flora e fauna própria (IBGE,2012. p. 32).
Isto é, fruta nativa é uma espécie arbórea que tem seu fruto utilizado na
alimentação humana e que está no bioma em que ocorreu sua especiação. Entretanto,
escolheu-se usar o termo fruta nativa neste trabalho pelos seguintes aspectos. O
primeiro diz respeito a comunicação entre atores sociais com o autor da pesquisa.
Freire (2015) defende que num processo de ensino e aprendizagem sobre um dado
tema, como as reflexões informações, dados e técnicas, devem ter como ponto de
102
partida o contexto que se está inserido. Nesse processo também está a linguagem
utilizada na comunicação entre os atores envolvidos. Isto por que
(...) uma coisa é 4 x 4 na tabuada que deve ser memorizada; outra coisa é 4 x 4 traduzidos na experiência concreta: fazer quatro tijolos quatro vezes. Em lugar da memorização mecânica de 4 x 4, impõe-se descobrir sua relação com um quefazer humano (FREIRE, 2017, p.34)
Esse caminho apontado, contribui para ir além da lógica de transferência de
tecnologia para os agricultores e fomenta que o conhecimento seja construído entre
os sujeitos envolvidos. Neste cenário, se insere o termo frutas nativas que usualmente
é dito pelos atores sociais desta pesquisa como uma espécie de símbolo que
representa não só a fruta, mas a árvore que a produz. Por exemplo, durante a
convivência com os agricultores, foi mencionado termos como: iogurte, picolé, suco e
doce de fruta nativa. Mas também plantio, poda e adubação das frutas nativas. Esse
termo também é utilizado pela Cadeia Solidária das Frutas Nativas, que como
descreve o item 2.5, tem influência no tema na área de abrangência desta pesquisa.
Outro motivo da escolha pelo termo é questionar a especialização que
fragmenta o olhar para as frutas nativas. Assim como o termo sociobiodiversidade
almeja reduzir a miopia entre os mundos sociais e biológicos (DIEGUES,2014), o
termo fruta nativa é um símbolo para necessidade de aproximação entre as
perspectivas das ciências agrarias, ambientais e sociais com os saberes dos
agricultores.
Enfim, ainda que não seja objetivo destas palavras formular uma tese sobre o
conceito de frutas nativas, é prudente levantar algumas questões. Em primeiro lugar,
é necessário questionar a separação entre o biológico e o social. Ora, se o ser humano
faz parte da Natureza, é natural que ao mesmo tempo que ele se beneficia com a
especiação, via seleção natural de uma espécie, ele também contribui para o
surgimento e/ou aceleração de novas através da domesticação de plantas. Deste
modo, as populações de plantas fazem parte dos “mundos” social e biológico. Como
consequência, todas as espécie e indivíduos de plantas com algum grau de
domesticação, consciente ou inconsciente, sobretudo as frutas nativas, são
influenciadas pelas mãos de mulheres e homens.
Neste contexto, Steenbock (2009) cita que para Zeder (2006) a domesticação
não pode ser definida como um fenômeno meramente biológico ou social, mas como
103
uma forma de mutualismo gerada pela capacidade humana de transformação do
ambiente, a partir do aprendizado e da transmissão cultural. Já para Zohary (2004),
existem dois tipos de seleção que agem sobre plantas em processo de domesticação:
uma seleção consciente e intencional aplicada pelos agricultores para a otimização
da produção dos órgãos de interesse e outra seleção inconsciente, proveniente do
fato de que as plantas em questão foram retiradas dos seus habitats originais e
colocadas em um novo ambiente artificial ou manejado. Dessa forma, a variação
ecológica deste processo reflete em mudanças drásticas nas pressões de seleção.
Assim sendo, é possível classificar a influência humana no processo de
domesticação de duas formas: indireta e direta. A primeira diz respeito às ações que
modificam a paisagem dos agroecossitemas. Essas alterações, se estiverem no
caminho de promoção da sociobiodiversidade, podem permitir que sementes que
estão no solo, deslocadas pela fauna e flora tenham melhores condições para
germinar e perpetuar. Soma-se a esse tipo de influência, alterações no fluxo gênico,
sobretudo pelo plantio de indivíduos de outros agroecossistemas. A segunda é
baseada na ação direta de mulheres e homens com um dado individuo, ou população
de plantas, principalmente através da colheita e disseminação de sementes, plantio
de mudas ou sementes, bem como o manejo.
Neste contexto, pode-se retomar as questões apresentadas no item 2.5.1, se
os 1451 indivíduos, indicados no quadro 7, como nativas não tiveram influência do
manejo humano. Bem como se os Araçás Vermelhos e a maioria das Cerejas, por
terem sido plantadas podem ser consideradas frutas nativas. Em relação aos
indivíduos que não foram plantados, seja pela manutenção de agroecossistemas que
permita a presença das espécies arbóreas, manejo, troca de saberes sobre os
possíveis usos, bem como a imigração de espécimes que trocam fluxo gênico com as
árvores que estão num dado local, pode-se indicar que as frutas nativas que não foram
plantadas, tiveram influência humana, mesmo que de forma indireta. Isto é, em maior
ou menor grau, as 1451 frutas nativas identificadas como nativas nesta pesquisa tem
algum tipo de interferência do ser humano.
Já em relação aos que foram plantados, não é a ação direta do ser humano de
plantar mudas/sementes de uma espécie que tem sua origem no mesmo bioma que
desconfigura a espécie como nativa. Até por que, normalmente um bioma é um
espaço geográfico extenso, formado por ecossistemas menores e diversos. Deste
104
modo, é comum uma espécie se adaptar mais a um dado contexto do que a outro.
Fazendo um paralelo com os hotspot de biodiversidade23 , é possível que existam
locais dentro de um dado bioma com maior diversidade de uma certa fruta nativa,
assim como ambientes sem a existência dela. Todavia, o ser humano através do
plantio de sementes e mudas, pode promover a disseminação de uma dada espécies
para regiões que outrora existia pouca ou nenhuma espécimes. Ou seja, os Araçás-
Vermelhos e as Cerejas não deixam de serem classificados como uma espécie nativa
por terem a maioria de seus indivíduos plantados. Nesta conjuntura, a perspectiva do
russo Nikolai Vavilov e seu conceito de centro de origem das plantas cultivadas carece
ser olhada.
Durante meados do século XX, Vavilov coordenou numerosas expedições do
Instituto Soviético de Botânica Aplicada e Cultivos Novos visando identificar recursos
genéticos vegetais nos cinco continentes para o uso na agricultura soviética. Clement
(2015) cita que John G. Hawkes (1998) comparou Vavilov a Charles Darwin, com a
distinção de que Vavilov concentrou sua atenção na origem e na distribuição das
plantas cultivadas pelo Planeta. Nestas expedições, Vavilov, e sua equipe,
identificaram regiões do Mundo que contavam com populações de plantas cultivadas
com alta diversidade genética e fenotípica, estes locais estão entre os Trópicos de
Capricórnio e de Câncer e são isolados geograficamente (por cordilheiras, desertos,
planícies, rios, oceanos e afins). Vavilov os intitulou como centro de origem das
espécies cultivadas, ou seja, o espaço geográfico onde as plantas foram
domesticadas (VAVILOV, 1951).
Os centros de origem das espécies cultivadas, em virtude da alta variedade
genética e de espécies, também são reconhecidos, na maioria dos casos, como
centros de diversidade das plantas cultivadas24. Entretanto, uma espécie pode ter sua
origem em um dado centro, mas possuir em outro seu centro de diversidade genética
e fenotípica (VAVILOV, 1951). Vejamos o exemplo da Castanha-do-Para (Bertholetia
excelsa). A espécie foi identificada como sendo originária do centro Brasileiro-
23 Hotspost de biodiversidade ou ecológicos são espaços que concentram uma quantidade de organismos vivos muito superior ao seu entorno, sendo estes espaços prioritários para conservação. 24 Cabe ressaltar que, segundo Clement (2015), em virtude de problemas na tradução do russo para o inglês do livro “A origem, variação, imunidade e melhoramento de plantas cultivadas” de Vavilov no ano de 1935, os termos Centro de Origem e Centro de Diversidade foram considerados como distintos, mas são sinônimos.
105
Paraguaio, que está localizado na parte Oeste do Estado do Paraná, Sul do Mato
Grosso do Sul e Leste do Paraguai (VAVILOV, 1951), local que dificilmente é
encontrada nos dias de hoje. Contudo, conforme aponta Ribeiro (2011), atualmente o
centro de diversidade genética da espécie está na região sudoeste do Estado da
Amazônia, muito graças ao manejo dos povos indígenas. Ou seja, mesmo que a
Castanha tenha se originado no Centro de Origem Brasileiro-Paraguaio, ela deixou de
fazer parte da fitofisionomia da região. Por outro lado, ela está sendo manejada em
outro Bioma, a princípio de uma maneira que promove a sociobiodiversidade, de tal
forma que atualmente a Castanha-do-Pará é considerada nativa da Floresta
Amazônica.
Dentro desse contexto, Vavilov (1951) apresenta sua proposta de oito centros
de origem e três centros secundários, ou satélites, que são locais vinculados aos
centros primários e contam com um número menor de diversidade de plantas
cultivadas, sendo eles: i) China; ii) Índia e ii a) Indo-malaio; iii) Ásia Central; iv) Oriente
Próximo; v) Mediterrâneo; vi) África Oriental; vii) Mesoamérica; viii) América do Sul,
viii a) Chile e viii b) Brasileiro-paraguaio (VALIVOL, 1951). Na figura 16 é exibido a
distribuição geográficas destes centros.
Dos Centros de Origem apresentados, destaca-se o satélite Brasileiro-
Paraguaio vinculado ao Centro América do Sul, pois ele está na área de abrangência
desta pesquisa. Ainda que não seja consenso, este local é o centro de origem do
Abacaxi (Ananas comosus), Amendoim (Arachi shypogea), Mandioca (Manihot
esculenta), Erva-Mate (Ilex paraguariensis), Cacau (Theobroma cacao), Jabuticaba
(Myrciaria jaboticaba Berg) e a Castanha do Pará (Bertholetia excelsa). Este centro
também é o local de origem de duas frutas nativas indicadas pelos agricultores desta
pesquisa como espécies prioritárias (item 2.5.1). A Pitanga (Eugenia uniflora) e a
Uvaia (Eugenia uvalha) (VAVILOV, 1951).
106
Figura 16: Centro de Origens das Plantas criado pelo russo Vavilov com destaque para o satélite Brasileiro-paraguaio
Fonte: Vavilov 1951, adaptado pelo autor .
A partir da identificação de Vavilov dos centros de origens, é interessante
levantar a seguinte questão: uma fruta que está sendo manejada por séculos num
centro de origem, mas que deve sua especiação em outro bioma, pode ser considera
nativa? A tendência destas palavras é acreditar que sim, como apresentado no caso
da Castanha do Pará. Outro exemplo da relação entre manejo humano e espécies
arbóreas nativas é a pesquisa elaborada por Lauterjung (2015) sobre a influência da
ação humana na expansão da Araucária (Araucaria angustifólia). Neste trabalho, o
autor avaliou a velocidade de expansão da espécie após o último período glacial, que
restringiu as populações da espécie aos vales próximos à regiões montanhosas
encontradas no Leste da região Sul do Brasil. Nesta análise, foram utilizados dois
cenários para o cálculo da velocidade de expansão, um sem o auxílio humano e outro
com o auxílio humano. Nas vinte populações que o autor pesquisou, os resultados
encontrados apontam que os grupos humanos influenciaram fortemente na dispersão
e expansão da Araucária. Sendo que em nenhuma das população existiria da maneira
atual sem esta intervenção.
Mas se a “troca de bioma” for possível, qual seria a quantidade de tempo para
uma planta originária de outro bioma passar a ser considerada nativa? A questão
temporal é o único elemento? Essa perguntas geram dois novos olhares para as frutas
107
nativas. O primeiro diz respeito a questão temporal. Como descrito no item 2.1, se
cada tempo e espaço gera um modo de domesticação de plantas, cada contexto irá
priorizar dadas espécies em detrimentos de outras, e no passar dos séculos, se o
manejo humano promover a sociobiodiversidade, as espécies prioritárias estarão
adaptadas de tal forma ao ambiente que poderão ser identificadas pelas gerações
futuras como nativa.
O segundo olhar diz respeito ao contexto globalizado da sociedade atual,
embora este assunto seja discuto no próximo capítulo desta pesquisa, cabe ressaltar
que no tempo e espaço que o pensamento hegemônico atua, a inserção de uma
espécie de um bioma em outro dificilmente irá ocasionar uma simbiose com as plantas
nativas do local, como outrora aconteceu. Ou seja, os limites para conceituar uma
fruta nativa são tão complexos quanto frágeis, sobretudo, quando partimos do
princípio que mulheres e homens fazem parte da Natureza, alteram e são alterados
por ela. Bem, alguns exemplos podem enriquecer esse debate.
A Laranjeira (Citrus sinensis), uma espécie exótica, cujo centro de origem está
na Índia (VAVILO, 1951), através de um processo de domesticação que, a princípio,
promoveu a sociobiodiversidade, foi inserida em outros biomas de tal modo que no
decorrer dos anos se confundiu com as espécies nativas. Esse tipo de experiência, foi
relatada por agricultores durante as oficinas de identificação de frutas nativas
prioritárias. Nesse processo, foi questionado se a Laranja poderia ser indicada, já que
a maioria dos indivíduos “vieram sozinhos”. Por outro lado, as espécies exóticas
invasoras25 (EEI), como o Pinus (Pinus elliotti) e o Eucalipto (Eucalyptus), apresentam
sérios impactos a sociobiodiversidade quando são cultivadas nos desertos verdes26,
carecendo deste modo de um conjunto de medidas para mitigar sua expansão
(CDB/MMA, 2002). Porém, mesmo as EEI’s não atingem de forma igual todos os
contextos. Existem experiências com Eucaliptos em sistemas agroflorestais com foco
em produção de culturas anuais nos Assentamentos Mario Lago e Terra livre,
Municípios de Ribeirão Preto e Lapa-PR respectivamente, onde tais espécies estão
25 EEI são organismo, que ameaçam os ecossistemas, habitats ou espécies nativas por suas vantagens competitivas e favorecidas pela ausência de inimigos naturais Eles contam com uma grande plasticidade que permite invadir ecossistemas, sejam eles naturais ou antropizados. Tais espécies são responsáveis pela segunda causa de extinção de espécies no Planeta (MMA,2006). 26 Os desertos verdes são grandes áreas de monoculturas, normalmente, de Pinus e Eucalipto, usualmente administrada por grandes empresas que e que funciona sob a égide da revolução verde.
108
se integrando aos agroecossistemas de uma forma distinta a dos desertos verdes
(CORRÊA et al, 2016).
Ainda que as ideias de domesticação de plantas, incremento a especiação e
adaptação destas espécies a outros biomas/agroecossistemas careçam de maior
aprofundamento, neste trabalho cabe destacar o seguinte. No caso da Laranja
manejada pelos grupos que fazem parte desta pesquisa, por exemplo, os aspecto
temporais e ecológicos tendem a fazer chamar de nativa uma espécie que não tem
seu centro de origem necessariamente onde está sendo manejada, pois a mesma
está integrada ao ecossistema e, muitas vezes, aos agroecossistemas. Já no das
monoculturas de Pinus e Eucaliptos dos desertos verdes, fica fácil perceber a
contaminação biológica desse tipo de manejo nos biomas/agroecossistemas que elas
são inseridas. Sendo que a questão temporal pouco influencia na adaptação destas
espécies ao “novo bioma”.
No apresentado neste item, ainda que forma provisória, pode-se indicar para o
termo fruta nativa o seguinte conceito. Fruta nativa é uma espécie arbórea frutífera
que tem parte de seu sistema reprodutivo, normalmente o fruto, utilizado na
alimentação humana (BRASIL, 1978) e que está inserida, com ou sem
intervenção humana direta, no Bioma que ocorreu sua especiação (SCBD/BGCI,
2006) ou no centro de origem que foi cultivada (VAVILOV, 1951), através de um
processo de domesticação que tende a promover a sociobiodiversidade.
A partir da construção deste conceito, no próximo item será aprofundada a
caracterização socioambiental das frutas nativas indicadas como prioritárias nesta
pesquisa.
3.2 CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS FRUTAS NATIVAS
Guabiroba, Pitanga, Uvaia, Cereja, Guabiju, Araçá Vermelho e Ingá Feijão, são
as frutas nativas apontadas pelos agricultores como prioritárias para promover um
processo de domesticação. Visando caracterizar os aspectos sociais e ambientais
destas espécies 27 , durante a fase caracterização socioambiental das espécies
27 Cabe destacar que a proposta inicial era identificar boas árvores, ou matrizes, das frutas nativas.
Porém, notou-se que perguntas como “o que uma boa árvore de Uvaia (por exemplo) precisa possuir”
109
prioritárias, foram construídas ferramenta matriz estrela (STEENBOCK et al, 2013 a)
para cada espécie. Para isso, elaborou-se indicadores e perguntas orientadoras com
o objetivo de mensurar uma nota de 028 à 10 para cada indicador, conforme descrito
na etapa II do método desta pesquisa.
A primeira ação para aplicar a matriz estrela consistiu na construção dos
indicadores. Através da observação participante e dialogo com atores dos grupos
identificou-se informações e/ou dúvidas relevantes sobres as espécies que foram
agrupadas em eixos de similaridade. Cada eixo se transformou num indicador e com
a intenção de facilitar sua valoração, as dúvidas que os constituíram se transformaram
em assuntos para problematizar os aspectos positivos e desafios das frutas nativas
durante as oficinas com os grupos, por isso elas são chamadas de “perguntas
problematizadoras”. No quadro é exposto a primeira sínteses deste processo.
Quadro 9: Matriz lógica para geração de indicadores das características socioambientais das frutas nativas.
FRUTA NATIVA
INDICADOR PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS
Gostamos Gostam da árvore? Gostam da fruta? Ela tem algum
significado especial?
Produção No geral, as árvores produzem bastante frutas? Todo ano a
produção é parecida?
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil processar bastante?
Comercialização É fácil comercializar a fruta in natura ou processada?
Armazenamento / Transporte É fácil armazenar e transportar sem processar a fruta?
Quantidade de Árvores Existe bastante árvores em seus lotes? Estão em locais
fácil de pegar?
Fonte: o Autor a partir da pesquisa de campo.
causaram muitas dúvidas e respostas como “sabe isso é uma coisa que eu nunca tinha prestado
atenção”. Deste modo, escolheu-se “olhar” num primeiro momento para as espécie e a partir do
potencial e limites de cada uma identificar boas árvores. 28 Visando dar fluidez ao texto, neste item as notas dos gráficos na sequencia serão redigidas no formato de números.
110
Cada eixo de similaridade se transformou numa “ponta” do gráfico estrela,
sendo atribuído pelos agricultores notas de 0 à 10, sendo que 0 é considero muito
ruim e 10 excelente. Essa organização da ferramenta matriz estrela foi aplicada junto
ao Grupo Palmeirinha num primeiro momento visando debater a ferramenta com os
agricultores. A maior modificação sugerida pelos atores sociais foi retirar o indicador
“quantidade de árvores”, pois, tal informação já teria sido debatida na oficina anterior.
Também foi reforçada a importância de que a informação construída num grupo fosse
socializada com os demais visando subsidiar o debate e socializar os resultados.
Ao observar o gráfico 17, pode-se visualizar o resultado final da organização
dos indicadores da ferramenta matriz estrela.
Gráfico 17: Modelo do gráfico estrela construído para caracterização socioambiental das frutas nativas
Fonte: o Autor a partir das atividades de campo adaptado de Steenbock
Esse procedimento metodológico gerou a caracterização das frutas nativas
indicadas a seguir.
111
3.2.1 Guabiroba
A Guabiroba tem na língua Tupi a origem de seu nome, traduzindo de forma
literal para o português significa “ao comer amargo” (wa, “ao comer” + bi, “amargo”)
(NAVARRO, 2013). Floresce entre setembro e novembro, os frutos ficam maduros nos
meses de novembro e dezembro, já a altura da Guabirobeira varia de dez à vinte
metros. Planta da família myrtaceae, com ocorrência no Bioma Mata Atlântica ela é
abundante na floresta ombrófila mista e estacional semidecidual, mas é pouco comum
na floresta ombrófila densa. O Fruto de cor alaranjado é consumido in natura ou
processado na forma de doces, geleias e sucos. (LORENZI, 2008 a). Segundo a
EMBRAPA (2015a) o fruto da espécie se destaca pelo seu elevado teor de vitamina
C, com 826,26 mg para cada100 gramas da fruta, a Guabiroba contém mais vitamina
C que a Acerola, espécie conhecida por ter grande quantidade da substância A
Guabiroba se destaca também por ser fonte de zinco, magnésio e cálcio. As
fotografias 18 e 19 mostram a árvore e os frutos da espécie.
Fotografias 18 e 19: Na fotografia 18 uma árvore de Guabiroba do grupo Palmeirinha. Na fotografia 19 frutos da Guabiroba.
Fonte: Pesquisa de campo.
Como indicado no item 2.5.1, a Guabiroba é a fruta nativa com maior ocorrência
e frequência nos agroecossistemas das famílias, além de ser indicada por todos os
18 19
112
grupos como prioritária. Dentro deste contexto, construiu-se a caracterização
socioambiental da espécie nos seis grupos deste trabalho a partir da ferramenta matriz
estrela. Os gráficos 20 e 21 apresentam os valores atribuídos para a espécie.
Gráfico 20: Resultado da caracterização socioambiental da Guabiroba a partir do uso da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de Campo Gráfico 21: Resultado dos valores para a caracterização socioambiental da Guabiroba, de acordo com a ferramenta matriz estrela
Fonte: Pesquisas de Campo
113
Pelos valores apontados na figura 20, percebe-se certa homogeneidade nos
indicadores gostamos, produção e processamento, pois todos os grupos classificaram
a espécie entre as notas 8 e 10. O indicador Armazenamento/Transporte também tem
números similares, nota 4 para 5 grupos e 2 para o grupo Palmeirinha, enquanto no
quesito comercialização a diferença de valores é maior, variando de 9 à 2. Já o gráfico
estrela da figura 21 expõem que para a Guabiroba os indicadores gostamos, produção
e processamento tem a melhor média e valor (8,33). A comercialização com 6,50 vem
na sequência e por último armazenamento/transporte com 3,67. Soma-se na
intepretação dos gráficos as informações das perguntas problematizadoras No quadro
10 é exibido a sistematização das perguntas.
Quadro 10: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental da Guabiroba.
GUABIROBA
INDICADOR PERGUNTAS
PROBLEMATIZADORAS
PONTOS POSITIVOS
DESAFIOS
Gostamos Gostam da árvore? Gostam
da fruta? Ela tem algum significado especial?
- A árvore tem aspectos simbólicos para algumas
famílias - Muito utilizada no
consumo há gerações
- para parte da sociedade a espécie tem
conotação pejorativa
Produção
No geral, as árvores produzem bastante frutas?
Todo ano a produção é parecida?
-Produz elevada quantidade de frutos
- Produz volumes parecidos todos os anos
- Chuva, vento ou seca, principalmente na época de floração prejudicam a
produção
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil processar bastante?
-Principal processamento é fazer pedaços de fruta
congelada) -Fácil de processar
(manual ou via despolpadeira)
- Processa cerca de 10 kg por hora manual e 80 por
máquina
- Dificuldade em embalar em pacotes menores
-A despolpadeira deixa o sabor do produtos
“amargo”, pois “quebra” as sementes
Comercialização É fácil comercializar a fruta in natura ou processada?
- Boa expectativa de comercialização caso
regularizado - É possível vender in
natura em locais próximos, como feiras e
entregas diretas
- Falta divulgação - Falta de canais fixos - Encontrar mercados
além das cidades que os grupos estão inseridos
Armazenamento / Transporte
É fácil armazenar e transportar sem processar
a fruta?
- em local próximo do grupo e em embalagens
pequena é possível
- Frágil para transportar in natura
-Pouca durabilidade da fruta in natura
- Distâncias maiores precisa de transporte
refrigerado Fonte: Pesquisa de Campo
114
No indicador gostamos, destaca-se o vínculo da espécie com histórias
familiares, como filhos que se “criaram” embaixo de um pé de Guabiroba, a expressão
“fui criado comendo Guabiroba” também é recorrente, como no relato sistematizado
do agricultor 2.
Quando a gente era novo, na época de Guabiroba, a gente não saia de baixo do pé. E tinha muita Guabiroba, de vários tipos. Uma mais doce, outra maior, uma que dava no cedo e outra que dava no tarde. Piazada você sabe como é né, ficava o dia todo comendo Guabiroba, por isso o pessoal fala que a gente se “criou comendo Guabiroba” e hoje quase não tem mais, por isso é importante esse trabalho com as frutas nativas, ele tem tudo a ver com a linha que a gente busca seguir aqui no Recanto, de voltar a esse jeito mais xucro, mais camponês de vida... (Agricultor 2).
Portanto, a Guabiroba faz parte da fruta cultura alimentar, já que comer a fruta
é uma tradição presente no cotidiano da maioria das famílias, costume esse que é
passado e recebido há pelo menos três gerações. No entanto, as relações com a
Guabiroba, principalmente nos últimos 30 anos, são tratadas como demérito, por
exemplo, há o ditado que as pessoas do interior “se criaram disputando Guabiroba
com os porcos” e que na cidade as condições de vida estão melhores, como compra
comida de verdade, normalmente coisas processadas. Essa relação será melhor
discutida no próximo capitulo, por ora cabe argumentar que o desafio deste indicador
diz respeito ao modo pejorativo que a espécie é tratada por setores da sociedade e a
falta de reconhecimento do papel dos agricultores em seu processo de domesticação.
A produção, seja pelo volume de frutas, ou pela manutenção de valores
similares nos anos, se destaca positivamente na Guabiroba, contudo fatores como
incidência de luz solar, seca ou excesso de chuva, principalmente no período da
florada, alteram a quantidade de frutas. Outro aspecto deste indicador diz respeito a
frutificação da espécie. Via de regra, a maturação da Guabirobeira é gradual e ocorre
de “cima para baixo”. Estima-se entre três ou quadro semanas o tempo em que há
frutas na árvore, no entanto, na primeira e na última semana a quantidade é bem
menor. A colheita normalmente é feita pela obtenção de frutas que caem da árvore.
Para isso, quando o objetivo é autoconsumo, os frutos são coletados do solo e quando
se deseja comercializar é colocado ao redor da árvore sombrite ou lona plástica (os
cata-frutas). Estes equipamentos ficam pendurados numa altura média de um metro,
ou dispostos diretamente no solo. Em alguns casos os agricultores agitam os galhos
115
para acelerar a obtenção dos frutos. Na fotografia 22 é exibido um exemplo de cata-
frutas.
Fotografia 22: Cata-fruta utilizado na coleta de Guabiroba no Grupo Jabuticabal.
Fonte: Pesquisa de campo.
Em relação ao processamento, a principal técnica usada na Guabiroba é a
confecção de pedaços da fruta congelado. Existem basicamente duas técnicas, uma
mais artesanal por meio de peneiras e outra via despolpadeira. A primeira processa
cerca de dez quilos por hora enquanto a segunda até 80 quilos, mas pode deixar o
sabor do produto mais amargo, pois a maioria das despolpadeiras, que os grupos
possuem, “quebram a semente”, todavia, essa condição pode ser revertida com
adequações na máquina, que a princípio não demandam valores elevados de
recursos, como recomendado pelo técnico Alvir Long do empreendimento Encontro
de Sabores numa oficina realizada na UFFS-Laranjeiras do Sul. A partir dos pedaços
de frutas congelados são feitos sucos, sorvetes, geladinhos e picolés. Também é
confeccionado geleias, mas em virtude do amargo causado pela despolpadeira se
116
prioriza o uso de Guabirobas processadas de forma artesanal enquanto não se
resolvem os problemas das máquinas.
No indicador comercialização, os grupos assinalaram uma boa expectativa de
venda, principalmente nos produtos processados, com destaque para os pedaços de
frutas congeladas. No ano de 2017 por exemplo, foram comercializados cerca de 650
quilos, bem como sucos, caipirinhas e geladinhos em eventos que os agricultores
participaram. Já as frutas in natura são comercializadas sobretudo em feiras e
entregas diretas a consumidores das cidades em que os grupos estão inseridos. Os
desafios da comercialização são a falta de divulgação dos produtos e de canais mais
fixos de venda, principalmente além dos municípios em que os grupos estão inseridos.
O indicador Armazenamento/Transporte apresenta aspetos centrais na
caracterização da Guabiroba. Mesmo sendo possível armazenar e transportar a fruta,
o tempo de validade é curto (cerca de dois dia). No entanto, armazenar a frutas em
temperaturas entre 6 °C à 10 °C (parte inferior de geladeiras por exemplo), contribui
para que o tempo de validade da fruta chegue a cinco dias. Em relação ao transporte
das frutas in natura, ele ocorre em embalagens de plástico com capacidade de
aproximadamente 300 gramas, para locais próximos da unidade familiar. Acima disso
não há relato de experiências, mas acredita-se que é necessário o uso de transportes
refrigerados.
Do exposto é possível resumir que a Guabiroba é uma espécie que os
agricultores gostam, mas seu consumo, para alguns consumidores é tratado de modo
pejorativo. A espécie produz uma boa quantidade de frutas por safra, e os valores
tende a manter essa característica no decorrer dos anos. Em relação ao
processamento, ele é feito de forma artesanal ou via despolpadeira. O principal
produto são os pedaços de frutas congelados que servem para confecção de sucos,
picolés e caipirinhas. Há comercialização da fruta in natura em feiras e de pedaços de
frutas congelado, mas faltam canais mais seguros de comercialização. O
armazenamento e transporte é um gargalo para a espécie, mesmo que
armazenamento em ambientes refrigerado e o acondicionamento em embalagens
pequenas (300 gramas) permita a comercialização em feiras. Em virtude da sua
fragilidade da fruta, o processamento é uma estratégia importante para a
comercialização.
117
3.2.2 Pitanga
A Pitanga tem seu nome originário do termo Tupi Guarani ybápytanga, que
significa "fruto avermelhado" (ybá, "fruto" + pytang, "avermelhado") (NAVARRO,
2013). O tamanho da árvore vária de seis à dozes metros, ocorre de forma abundante
na Mata Atlântica em praticamente todas as formações florestas. Floresce entre
agosto e novembro e os frutos ficam maduros entre outubro janeiro, as frutas podem
ser consumidos in natura ou processado na forma de doces, geleias e sucos
(LORENZI, 2008b). Do ponto de vista nutricional, a Pitanga é um fruto com baixo teor
energético e rico em potássio, zinco, cálcio, manganês e fibra alimentares, mas o
destaque é para a presença de cobre, elemento essencial para o funcionamento do
sistema imunológico (EMBRAPA, 2015b). As fotografias 23 e 24 são exibidos uma
árvore e os frutos da Pitanga.
Fotografias 23 e 24: Na fotografia 23 uma Pitangueira do grupo Terra de Todos. Na fotografia 24 frutos distintos de Pitanga do grupo Terra de Todos.
Fonte: Pesquisa de campo
A Pitanga foi mencionada por todos os grupos que fazem parte desta pesquisa
como uma fruta nativa prioritária, e por isso se realizou a caracterização
23
24
118
socioambiental da espécie. Nos gráficos 25 e 26 são apresentados os valores
segundo a ferramenta matriz estrela.
Gráfico 25: Resultado da caracterização socioambiental da Pitanga a partir da ferramenta matriz estela.
Fonte: Pesquisa de campo.
Gráfico 26: Valores médios das notas fornecida pelos grupos para a caracterização socioambiental da Pitanga, de acordo a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de campo.
119
No gráfico 25 é exposto que a variação no indicador gostamos vai de 6 à 10, e
que três grupos assinalam notas entre 8 à 10. A diferença no quesito produção
também oscila entre 6 e 10, porém quatro grupos apontaram nota 6. A variação no
indicador processamento é de 4 à 8 com propensão a ficar entre 4 à 6. O
armazenamento e transporte se altera de 2 à 6, todavia a nota 2 mais repetida. A
comercialização, além de ter a flutuação de 4 à 10 tem no valor 2 a nota que mais
aparece. Já o gráfico estrela 26, construído a partir da média dos valores, aponta que
o indicador gostamos possuiu a melhor avaliação, ficando com a nota 9. Em seguida
estão os quesitos processamento e comercialização (7), processamento 5,50 e por
último o armazenamento e transporte com 3,67. Soma-se aos gráficos, as respostas
das perguntas problematizadoras descritas no quadro 11.
Quadro 11: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental da Pitanga.
PITANGA
INDICADOR PERGUNTAS
PROBLEMATIZADORAS
PONTOS POSITIVOS
DESAFIOS
Gostamos Gostam da árvore?
Gostam da fruta? Ela tem algum significado especial?
-Faz parte da cultura alimentar das famílias
Sabor agradável
-
Produção
No geral, as árvores produzem bastante frutas?
Todo ano a produção é parecida?
-Quantidade de quilos -por safra é bom. -
Constância no volume nas safras também
-Vento e chuva forte na florada modificam a
produção -Falta de poda dificulta a quantidade de frutos e
tamanhos
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil processar bastante?
-De forma artesanal, embora não
apresente bom rendimento, é
possível
-As máquinas de processamento dos grupos
não são adaptadas para despolpar pitangas
Comercialização É fácil comercializar a fruta in natura ou processada?
-Boa aceitação do público
-Canais fixos de comercialização
Armazenamento / Transporte
É fácil armazenar e transportar sem processar
a fruta?
-É possível desde que por curto espaço de
tempo -Continua a
maturação após a colheita
-Frágil para o transporte
Fonte: Pesquisa de Campo.
Em relação ao indicador gostamos, os atores desta pesquisa assinalam que
sabor, cor e formado da fruta são características positivas da fruta que é consumida
120
por todas as famílias dos grupos, ou seja, ela faz parte da cultura alimentar das
famílias. A árvore também é plantada e recrutada da seleção natural dos arredores
das casas, bem como é conhecida e requisitada pelos consumidores.
Com relação a produção, os agricultores consideram que ela produz bem por
safra e os níveis de produção se mantem estável durante os anos. No entanto, fatores
como vento e chuva em excesso durante a florada diminuem a quantidade de frutas.
A produtividade também se altera pela realização ou não de poda. Como a espécie
tende a ter uma “copa densa”, caso não seja retirado parte dos galhos internos, o
volume de produção e o tamanho dos frutos diminuem. Em relação a frutificação,
identificou-se que o período de colheita é de duas ou três semanas aproximadamente.
Um aspecto interessante deste processo é a dificuldade da fruta “se soltar” da
pitangueira, mesmo depois de madura. Por isso técnicas como balançar os galhos
das árvores tem resultados inferiores quando comparado a outras frutas nativas
caracterizadas nesta pesquisa.
O processamento da Pitanga é feito de forma artesanal, através da retirada das
sementes por meio de fricção da fruta em peneiras, o produto que resulta é
transformado em pedaços de fruta congelado que posteriormente será utilizado em
sucos, doces e geleias. Outra característica deste indicador é a dificuldade de
processar a espécie nas despolpadeiras que os grupos possuem. Isso por que ao
separar a parte comestível da fruta (o pericarpo) da semente, esta última pode se
quebrar, deixando o sabor do produto intragável. A princípio pequenas alterações no
equipamento que os grupos possuem não resolvem problema, sendo necessário a
aquisição de outra despolpadeira. Como consequência o volume de processamento é
baixo. Adequar os requisitos da vigilância sanitária é outro desafio deste indicador.
Embora exista, de forma incipiente comercio de sucos, doces e geleias, a
principal estratégia da comercialização é a venda da fruta in natura. Isso é realizado
em bandejas de aproximadamente 300 gramas nas feiras agroecológicas (assim
como a Guabiroba) dos municípios de Laranjeiras do Sul, Nova Laranjeiras e Palmital,
como demonstra a fotografia 27. Outro ponto deste indicador é uma tendência maior
na demanda do que produção dos produtos processados, principalmente dos pedaços
de fruta congelado.
121
Fotografia 27: Comercialização de Pitanga em bandejas de aproximadamente 300 gramas na feiras agroecológica do Grupo 8 de Junho, da Cidade de Laranjeiras do Sul-PR.
Fonte: Pesquisa de campo
O armazenamento e transporte da Pitanga in natura é considerado um desafio.
O fruto é frágil para ser transportado e seu prazo de validade é de em torno de três
dias. Para diminuir estes impactos, os agricultores armazenam a Pitanga em espaços
refrigerado, como é feito com a Guabiroba. Soma-se a este processo colher a fruta no
momento em que ela se encontra na cor alaranjada. Como resultado destas duas
estratégias, a validade no armazenamento e transporte pode alcançar sete dias.
Dentro deste contexto, pode-se sintetizar a Pitanga como uma espécie que os
grupos gostam, principalmente pelo sabor, cor e formato de seus frutos. Os
consumidores também conhecem, gostam e solicitam comprar a espécie. Em relação
a produção, o volume de quilos e a constância no decorrer dos anos é boa, mas
fatores como chuva e vento forte durante a florada prejudicam a quantidade de frutas,
por isso podar galhos centrais aumenta tamanho e quantidade de frutas. O
processamento é feito de forma artesanal, uma vez que as despolpadeiras que os
122
agricultores possuem deixam o sabor dos produtos intragável. Os principais itens
processados são os pedaços de frutas congeladas, doces e geleias, geralmente
utilizado no consumo das famílias. Pelos relatos dos agricultores e observações de
campo, há uma tendência de demanda de consumo maior que a oferta, tanto os
processados quanto a fruta in natura, que é feito em feiras e entrega direta aos
consumidores, contudo seu armazenamento e transporte dificulta a comercialização
da fruta in natura, pois além de frágil o período de validade é curto.
3.2.3 Uvaia
A Uvaia tem a origem de seu nome na palavra Tupi Guarani wa’ya, que significa
“ao comer ácido” (wa, “ao comer” + ya, “ácido”) (NAVARRO, 2013). O tamanho da
árvore vária de cinco à 15 metros e tem ocorrência no Bioma Mata Atlântica de São
Paulo ao Rio Grande do Sul, principalmente na floresta ombrófila mista. Seus frutos
são amarelos e carnosos e floresce à setembro a dezembro, ficando maduros de
outubro à janeiro. Eles podem ser consumidos in natura ou processado na forma de
doces, geleias e sucos. (LORENZI, 2015b). As fotografias 28 e 29 apresentam a
árvore e o fruto da espécie.
Fotografias 28 e 29: Na fotografia 28, uma Uvaieira do agroecossistema, do grupo Palmeirina. Na fotografia 29 frutos de Uvaia do Grupo Jabuticabal.
Fonte: Pesquisa de campo
28 29
123
A Uvaia foi identificada por todos os grupos desta pesquisa como uma espécie
prioritária. Nos gráficos 30 e 31 há a sistematização socioambiental da espécie
segundo a ferramenta matriz estrela.
Gráfico 30: Resultado da caracterização socioambiental da Uvaia a partir do preenchimento da matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Gráfico 31: Valores médios das notas fornecida pelos grupos para a caracterização socioambiental da Pitanga, de acordo a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de campo
124
Segundo o gráfico 30, indicador gostamos variou de 4 à 8, porém o valor 6 é o
mais recorrente. O quesito produção oscilou entre 2 e 10, sendo as notas 4 e 6 as
mais apontadas. No processamento a oscilação dos valores foi menor, ficando entre
6 à 8 sendo o primeiro mais citado. No quesito comercialização, além de uma grande
diferença das notas, de 8 à 2, a repetição também é diversa, pois apenas dois grupos
forneceram o mesmo valor, o número 2. No que tangue ao armazenamento e
transporte, a Uvaia apresenta a menor avaliação, entre 0 e 4. Já ao analisar a média
dos valores no gráfico estrela 31, pode-se assinalar que o melhor indicador é o
processamento, nota 6,77, em seguida gostamos com 6,33, produção e
comercialização (5,17). Por último o quesito armazenamento e transporte com 2,00.
Outro olhar aos valores atribuídos pelos agricultores para Uvaia é a
sistematização das perguntas problematizadoras da espécie agrupadas no quadro 12.
Quadro 12: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental da Uvaia.
UVAIA
INDICADOR PERGUNTAS
PROBLEMATIZADORAS
PONTOS POSITIVOS
DESAFIOS
Gostamos Gostam da árvore? Gostam
da fruta? Ela tem algum significado especial?
-Faz parte da cultura alimentar da maioria
das famílias
-A maioria das árvores produzem frutas muito
ácidas
Produção
No geral, as árvores produzem bastante frutas?
Todo ano a produção é parecida?
- Volume de quilos bom -01 grupo considerou constância como bom
- Constância no volume da produção é ruim
- Maturação da fruta é repentina e curto
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil processar bastante?
- Fácil de fazer de forma artesanal e
industrial - Possível processar
bastante
- A retirada da semente de forma manual
- Pouca experiência em processamento
Comercialização É fácil comercializar a fruta in
natura ou processada?
Boa demanda de produtos processados
-Dificuldade na regularização - Não há relado de comercialização in natura -
Armazenamento / Transporte
É fácil armazenar e transportar sem processar a
fruta?
Não há relatos de armazenamento e
transporte da fruta in natura
- Validade da fruta é baixo
-Frágil para armazenar e transportar
Fonte: Pesquisa de campo
125
Em relação ao quesito gostamos, embora a Uvaia faça parte da cultura
alimentar da maioria das famílias e tenha sido inserida em todos os grupos como
espécie prioritária, a acidez acentuada no sabor da maioria das árvores faz com que
existam relatos de famílias que não consomem a fruta com frequência. Porém isso
não é consenso em todos os grupos, e há relato de árvores com frutos de acidez
amena.
Sobre o indicador produção, os grupos assinalaram que a espécie tem um
bom volume de produção. No entanto a constância no decorrer dos anos é um desafio,
mesmo que tal informação não seja consenso, esse gargalo é sintetizado na frase “a
árvore fica branca de tanta flor mais não segura a carga” (Agricultor 3). Portanto,
mesmo que o volume da produção seja considerado bom, na maioria das safras há
dificuldades disto se repetir. Embora os agricultores relatem que fatores como seca,
vento e chuva durante a floração, falta de poda e adubação potencializem as
dificuldades de frutificação, a relação entre pouca produção e fatores citados não é
harmônica. Outra característica deste indicador é a rapidez com que os frutos ficam
maduros. Via da regra, as frutas ficam maduras de forma simultânea em toda a árvore,
em seguida caem da Uvaieira num período que varia de um à três dias, como relata a
fala o agricultor 3.
O complicado da Uvaia é o jeito que ela fica madura. As vezes ela fica branca de flor e não segura a carga, mas mesmo quando segura carga ela é muita ligeira, em um ou dois dias ela cai tudo, se não estiver indo ver todo dia como ela tá cai tudo e a gente nem vê. Vamos ver esse ano com os cata-fruta se a gente pega mais coisa (Agricultor 3).
Por essa característica é necessário preparar mecanismos de colheita como
cata-frutas, sombrite ou lonas dispostas no solo antes do início da frutificação,
principalmente se há interesse de trocas comerciais envolvendo tal fruta nativa.
No quesito processamento, o produto mais recorrente são os pedaços de
frutas congelados. Ele servem de matéria prima para sucos, picolés e sorvetes,
extraídos de forma manual ou via despolpadeiras, como a Guabiroba. A Uvaia tem
como ponto positivo poder ser processada nas despolpadeiras que os grupos dispõe.
Contudo, é necessário retirar as sementes de forma manual antes do uso no
equipamento. Embora esse aspecto diminua a quantidade de fruta processada por
hora, é uma tarefa indicada como exequível pelos grupos, haja visto que cada fruta
126
tem em média duas sementes que são extraídas ao se apertar a fruta. Esse processo
faz com que o sabor dos pedaços de frutas congelados sofra pouca alteração se
comparado com a fruta in natura. Já o maior desafio deste indicador é a pouca
experiência dos grupos em processar tal fruta, já que apenas o Grupo Recanto da
Natureza indicou processa-la.
A comercialização da Uvaia acontece nas feiras agroecológicas na forma de
frutas in natura. Também existem trocas comerciais que envolvem os pedaços de fruta
congelado através de entregas diretas à consumidores e feiras, sobretudo na cidade
de Laranjeiras do Sul. Do mesmo modo que a Pitanga, é possível indicar certa
tendência superior de demanda do que de oferta, principalmente para os pedaços de
frutas congelados.
O indicador armazenamento e transporte é apontado como o maior gargalo da
espécie. Alguns grupos relatam não ser viável armazenar e transportar a fruta in
natura, pois à fragilidade da casca é grande e o tempo de durabilidade da fruta após
colhida é baixo, cerca de um dia. Esse processo fica mais acentuado quando a
colheita é feita a partir de frutas caídas no solo, já que normalmente elas “se
desmancham”. Entretanto, quando a colheita é feita com ajuda de cata-frutas ou
apanhada direta do pé de forma manual, a qualidade da fruta e seu prazo de validade
aumentam para dois dias. Existem experiências na comercialização da fruta em
bandejas de plásticos e refrigerada, como realizado na Guabiroba, o que permite a
fruta durar até três dias.
Sintetizando, os agricultores gostam da Uvaia, mas a acidez acentuada de
algumas árvores diminui tal apreço. A produção tem problemas sérios na manutenção
de bons volumes de quilos no decorrer das safras, além das frutas “bicharem muito”.
O processamento pode ser feito de forma manual ou via despolpadeira, mas há pouca
experiência dos grupos nesse quesito sendo os pedaços de frutas congeladas o maior
produto deste processo. Existe experiência, incipiente, na comercialização da fruta in
natura nas feiras e dos pedaços de frutas congelados, mas a falta de constância na
produção dificulta as relações comerciais. O armazenamento e transporte é um
desafio, sendo considerado por alguns grupos impraticável o que direciona a produção
para o processamento.
127
3.2.4 Cereja
Cereja tem ocorrência no bioma Mata Atlântica com registro nos do Estado de
Minas Gerais ao do Rio Grande do Sul. A árvore tem entre seis à dez metros de altura,
no Paraná ocorre nas florestas floresta ombrófila mista e seminidecidual. Floresce
entre setembro e novembro e frutifica entre outubro e dezembro. Seu fruto é carnoso
e doce, podendo ser consumidos in natura ou processado na forma de doces, geleias
e sucos (LORENZI, 2008b). Seu nome tupi é barapiroca, que significa “fruta da árvore
que se descasca”, a fruta é rica em vitamina A, cálcio e fósforo (CETAP,2015). A
Cerejeira e o fruto podem ser observados nas fotografias 32 e 33.
Fotografias 32 e 33: Na fotografia 32 uma Cerejeira no grupo Palmeirinha. Na fotografia 33 frutos da Cereja colhida no grupo Palmeirinha.
Fonte: Pesquisa de campo.
A Cereja foi apontada pelos grupos 8 de Junho, Jabuticabal e Terra de Todos
como sendo uma fruta nativa prioritária para promoção da domesticação. Em conjunto
com estes grupos elaborou-se os gráficos 34 e 35.
32
33
128
Gráfico 34: Resultado da caracterização socioambiental da Cereja a partir do preenchimento da matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de campo. Gráfico 35: Valores médios das notas fornecida pelos grupos para a caracterização socioambiental da Cereja, de acordo a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de Campo.
No gráfico 34 são sintetizados os valores descritos por cada grupo para a
Cereja, este agrupamento mostra que há certa homogeneidade nos quesitos
processamento e comercialização, o primeiro flutuando entre 8 e 10 e o segundo entre
8 e 6. Na produção a variação é maior, pois a espécie ao mesmo tempo que recebeu
valor máximo também é classificada com nota 4. No indicador gostamos e
129
armazenamento/transporte, embora nenhum grupo tenha fornecido o mesmo valor,
eles são mais elevados para o primeiro e menor para o último. O gráfico estrela 35
expõe que os indicadores gostamos, produção e comercialização possuem os
mesmos valores (7,0), enquanto processamento é o quesito melhor pontuado (8,00)
e o armazenamento e transporte o pior com 4,00. As respostas para as perguntas
problematizadoras no quadro 13 permitem entender melhor os valores atribuídos para
a Cereja.
Quadro 13: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental da Cereja.
CEREJA
INDICADOR PERGUNTAS
PROBLEMATIZADORAS
PONTOS POSITIVOS
DESAFIOS
Gostamos Gostam da árvore? Gostam
da fruta? Ela tem algum significado especial?
-Faz parte da cultura alimentar da maioria
das famílias - Historias envolvendo
os membros dos grupos - Sabor, cor e formato da fruta são atraentes
-Espécie é pouco conhecida
Produção
No geral, as árvores produzem bastante frutas?
Todo ano a produção é parecida?
- Volume de quilos e constância boa
- Constância no volume da produção é ruim
- Maturação da fruta é repentina e curta
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil processar bastante?
- Fácil de fazer de forma artesanal
- A retirada da semente de forma manual
- Pouca experiência no processamento
Comercialização É fácil comercializar a fruta in
natura ou processada?
- Boas perspectivas da aceitação do consumidor
-Dificuldade na regularização
- Não há relado de comercialização
Armazenamento / Transporte
É fácil armazenar e transportar sem processar a
fruta?
- Possível armazenamento e
transporte para comercio no mercado
local
-Frágil para armazenar e transportar
Fonte: Pesquisa de Campo.
Em relação ao indicador gostamos, sabor, cor e formato da fruta da cerejeira
são aspecto que os grupos consideram interessante. A espécie faz parte da cultura
alimentar dos agricultores, assim como contar com histórias que vinculam seu plantio
e consumo com membros dos Grupo. O maior desafio é a divulgação da espécie, já
que sobretudo entre os consumidores, ela é pouco conhecida.
130
O volume e constância de frutas produzidas não é consenso entre os grupos.
Alguns agricultores relatam que a quantidade e regularidade da produção é ótima,
outros que é ruim. A frase “carrega de flor mas não segura carga” dita para a Uvaia
também foi mencionada. Em princípio. A princípio fatores como incidência de luz solar
e manejo contribuem para baixa produção de alguns indivíduos, já a dificuldade na
frutificação pode ter relação com chuva e vento forte durante a florada. Outro aspecto
é a rapidez com que a fruta fica pronta para o consumo e se solta da árvore. Como a
Uvaia, esse processo dura de um à três dias e os frutos se soltam de forma
simultânea. A expressão “quando vi já tinha caído tudo” também é mencionada para
esta fruta nativa. Desde modo, se faz necessário preparar mecanismos para a colheita
antes das frutas “começarem a cair”. Destaca-se nesse indicador o fato da Cereja ser
a fruta nativa que primeiro fica madura, entre outubro e novembro normalmente. Ou
seja, ela é quem indica que a safra das frutas nativas irá começar, e por isso pode ser
mais suscetível a falta de planejamento na colheita.
O processamento é feito de forma artesanal. Para isso é retirada a semente e
utilizado o restante da fruta sobretudo na confecção de doces e geleias utilizado na
soberania alimentar das famílias. Não foram identificados casos de processamento
via despolpadeira da espécie, todavia os grupos argumentaram ser possível desde
que seja retirada as sementes com as mãos.
Não foram acompanhadas experiências de comercialização desta fruta nativa,
mas em havendo disponibilidade de frutos e planejamento da colheita, podem ser
viáveis trocas comerciais em feiras e entregas diretas a julgar pela aceitação dos
agricultores do sabor e formato da fruta. Ou seja, há um possível mercado consumidor
a ser trabalhado pelos grupos.
O armazenamento e transporte da fruta in natura é apontado como um gargalo
da Cereja. Isso se deve a fragilidade da fruta e seu tempo de duração, estimado em
dias. Embora se tenha acompanhado casos de armazenamento e transporte,
presume-se que técnicas de refrigeração e armazenamento em embalagens de
aproximadamente 300 gramas, assim como é feito com Uvaia, Guabiroba e Pitanga,
melhore os aspectos deste indicador.
Resumindo, a Cereja é uma fruta nativa apreciada pelo seu sabor e formato,
mas é pouco conhecida, carecendo assim de mais divulgação, principalmente junto
ao público urbano. A produção de frutos é um desafio, pois há grande oscilação no
131
volume (tendendo para ser baixa). Relatos de que a árvore carrega de flor e não
segura carga, como mencionado para a Uvaia, se repetem na Cereja. Um destaque
da Cereja é que ela é a “primeira fruta nativa a ficar madura”. Além disso, suas frutas
ficam maduras e caírem do pé rapidamente, por isso tal espécie dependem de
planejamento prévio para sua colheita. O processamento é artesanal, mas estipula-se
ser possível processar nas despolpadeira, contudo a baixa produção de frutos não
estimula isso. Não há relatos de comercialização, mas em virtude do gosto adocicado
da fruta acredita-se que isso seja possível. O armazenamento e transporte é um
gargalo, em virtude da fragilidade da fruta. Embora tenha se registrado casos, técnicas
como armazenamento em embalagens menores e em locais refrigerados deve mitigar
este gargalo.
3.2.5 Araçá Vermelho
O Araçá Vermelho (do Tupi “frutas que tem olhos” (NAVARO,2013), ocorre nas
florestas ombrófila mista e densa do no Bioma Mata Atlântica, principalmente nos
estados do Paraná e Santa Cantarina. Árvore com dez à vinte metros de altura,
floresce de novembro à dezembro e frutifica de janeiro a março. (LORENZI, 2008b). A
espécie é considerada uma boa fonte de nutrientes, já que possui cálcio, magnésio,
potássio além de um alto teor de fibras (EMBRAPA, 2015c). Nas fotografias 36 e 37 é
possível ver uma árvore e os frutos da espécie.
Fotografias 36 e 37: Na fotografia 36, árvores de Araçá-Vermelho no grupo Recanto da Natureza. Na fotografia 36 frutos de colhidos no grupo Recanto da Natureza.
Fonte: Pesquisa de campo
36
37
132
O Araçá Vermelho foi considerado fruta nativa prioritária pelo Grupo Recanto
da Natureza, que por sua vez indicou o coletivo de jovens do local como responsáveis
para realiza a caracterização socioambiental da espécie. Em conjunto com eles
construiu-se o gráfico 38.
Gráfico 38: Resultado da caracterização socioambiental do Araçá Vermelho a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de Campo
A descrição do Araçá no gráfico estrela 38 que a produção é o indicador com
melhor valor (10), em seguida vem os quesitos gostamos, processamento e
armazenamento/transporte, todos com nota 8 e por última a comercialização com 4,
à interpretação destes valores soma-se as perguntas problematizadoras
sistematizadas no quadro 14.
No quesito gostamos, os agricultores relatam apreciar o sabor e o cheiro da
fruta, bem como plantarem a espécie que é considerada rústica. O desafio deste
indicador é a pouca presença da espécie na região, o que diminuiu o conhecimento
de seus usos e estratégias de multiplicação.
133
Quadro 14: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental do Araçá Vermelho.
Araçá Vermelho
INDICADOR PERGUNTAS
PROBRLEMATIZADORAS
PONTOS POSITIVOS
DESAFIOS
Gostamos Gostam da árvore? Gostam
da fruta? Ela tem algum significado especial?
-Os agricultores relatam gostar do cheiro e sabor
- é comum plantar a espécie
-Não é muito comum na região
Produção
No geral, as árvores produzem bastante frutas?
Todo ano a produção é parecida?
- Volume de quilos e constância boa
- Fruta “bicha bastante”
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil processar bastante?
- Fácil de fazer de forma artesanal ou via
despolpadeira
- Pouca experiência no processamento
Comercialização É fácil comercializar a fruta in
natura ou processada?
- boas perspectivas da aceitação do consumidor
-Dificuldade na regularização - Não há relado de comercialização
Armazenamento / Transporte
É fácil armazenar e transportar sem processar a
fruta?
- é viável armazenamento e
transporte em certas circunstâncias
- Fragilidade quando é necessário transporte
por mais de 1 dia
Fonte: Pesquisa de campo
O Araçá Vermelho tem bons relatos no que se refere a sua produção. O volume
de quilos da fruta produzidos por árvore e sua constância durante os anos são
consideradas excelente. Um desafio da produção pode ser expresso no termo “o
araçá bicha muito”, conforme observa-se na fala à seguir:
O problema do Araçá é que ele bicha muito, seja as frutas verdes ou as maduras, aparece umas manchas pretas com uns furinhos no meio e a fruta cai antes de ficar pronta. Eu não sou técnico, mas olhando no ao redor eu vejo os pêssegos com esse mesmo problema e dizem que é a tal mosca da fruta29 que dá esse problema, então acho que com o Araçá deve ser a mesma coisa (Agricultor 4).
Outro aspecto da produção é a quantidade de tempo que as frutas “caem da
árvore”, cerca de três à quatro semanas, sendo que a primeira e última a quantidade
é menor. Além disso, a fruta não se solta com facilidade da árvore, por isso técnicas
29 As moscas das frutas pertencem à família Tephritidae. Essa Família está entre as pragas de maior expressão econômica na fruticultura mundial por atacarem órgãos de reprodução das plantas, frutas com polpas e flores.
134
de balançar os galhos de forma manual ou com ajuda de varas, usualmente de bambu,
com ou sem gancho na ponta acelera que o fruto se solte.
Não há relato de processamento do Araçá Vermelho, seja de forma artesanal
ou via despolpadeira. Todavia, existe possibilidade de processamento nos
equipamento que os grupos possuem, tendo em vista que a fruta tem aspectos
similares ao da Guabiroba. Empreendimentos da Cadeia Solidária das Frutas Nativas
do Rio Grande do Sul possuem experiência na confecção de sucos, picolés e pedaços
de fruta congelado de Araçá, o que pode ser interessante para aprimoramento do
processo nos grupos. Em relação a comercialização, não se identificou casos de
trocas comerciais da fruta in natura ou processada pelo grupo.
Diferente da maioria das frutas nativas prioritária desta pesquisa, o Araçá
Vermelho conta com boas condições de armazenamento e transporte. A fruta conta
com uma rigidez permite que a colheita e o armazenamento sejam realizados sem
grandes danos, além de possuir em torno de sete dias de validade. Caso seja utilizada
utilizado técnicas de refrigeração e armazenamento, como feito nas outras frutas
nativas, esse prazo pode chegar a dez dias. Essa característica permite transportar a
fruta em veículos sem refrigeração em percursos maiores sem prejudica-la.
Resumindo, os agricultores gostam do sabor e do cheiro da fruta que tem um
volume de produção excelente, porém, em algumas árvores as frutas “bicham muito”
ficando com aspectos similares aos problemas causados pela mosca da fruta. O
armazenamento e transporte da fruta in natura, diferente da maioria das espécies
elencadas nesta pesquisa, não é o principal gargalo, pois a textura da fruta pode
permitir o acondicionamento em embalagens de até dez quilos. Já seu prazo de
validade pode chegar até sete dia. Esse aspecto facilita o transporte da fruta para
distância de aproximadamente 24 horas. Não há relatos de processamento, em
virtude de sua semelhança com a Guabiroba estima-se ser possível. Não se
identificou casos de comercialização do Araçá Vermelho, mas em virtude de sua boa
produção e viabilidade no armazenamento e transporte, vislumbram-se boas
expectativas de comércios em feiras e entregas diretas. Além disso, tal característica
pode ajudar na comercialização do Araçá-Vermelho nos PNAE’s. Principalmente nas
cidades da área de abrangência da pesquisa, ação essa que permitiria assegurar
canais mais seguros de comercialização.
135
3.2.6 Guabiju
O Guabiju é uma planta família das Myrtaceae com ocorrência no Bioma Mata
Atlântica, sobretudo na floresta ombrófila mista e densa do Paraná, Rio Grande do Sul
e Santa Catarina. A árvore tem altura de quinze à vinte metros. Floresce entre outubro
e dezembro e frutifica de dezembro à fevereiro. Sua fruta tem sabor adocicado de
coloração roxa e é bastante apreciada na alimentação humana, sendo consumida in
natura na forma de doces e geleias (LORENZI, 2008a). Nas fotografias 39 e 40
encontra-se imagens da árvore e dos frutos.
Fotografias 39 e 40: Na fotografia 39 uma árvore de Guabiju. Na fotografia 40 frutos do Guabiju.
Fonte: Projeto Flora Digital, 2018.
O Guabiju foi apontado pelo Grupo Terra Livre como uma fruta nativa prioritária
para promoção de sua domesticação. No gráfico 41 é exposto os valores para os
indicadores da caracterização socioambiental da espécie.
Os resultados descritos no gráfico estrela 41 demostram que o indicador
gostamos com nota 8 é o quesito com maior nota, em seguida está processamento
com 6 e armazenamento/transporte com 4. O quesito pior avaliado é a
comercialização que recebeu nota 2.
39
40
136
Gráfico 41: Resultado da caracterização socioambiental do Guabiju a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Soma-se a estes valores o quadro 15, com a síntese das perguntas
problematizadoras da espécie.
Quadro 15: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental do Guabiju.
GUABIJU
INDICADOR
PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS
PONTOS POSITIVOS
DESAFIOS
Gostamos Gostam da árvore? Gostam da fruta? Ela tem algum significado
especial?
- Sabor da fruta é apreciado
-Rara na região
Produção No geral, as árvores produzem
bastante frutas? Todo ano a produção é parecida?
- Produz Frutas sadias - Não produz na maioria dos anos
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil
processar bastante?
- Expectativa de ser possível de forma artesanal ou via despolpadeira
- Sem experiência no processamento
Comercialização É fácil comercializar a fruta in
natura ou processada?
- boas perspectivas da aceitação do consumidor
- Não há relado de comercialização
Armazenamento / Transporte
É fácil armazenar e transportar sem processar a fruta?
- é possível armazenamento e
transporte em certas circunstâncias
- Fragilidade no armazenamento
Fonte: Pesquisa de Campo
137
O Guabiju é uma espécie que os agricultores relatam gostar principalmente
pelo sabor adocicado da fruta. Por outro lado, embora exista interesse e experiência
em seu plantio, ela é uma espécie rara na área de abrangência desta pesquisa. O
Guabiju também apresenta dificuldades na produção, como aponta a fala do agricultor
5.
Quem conhece, já comeu a fruta, não tem como não gostar. Aqui no grupo mesmo, não é uma fruta que todo mundo tem, mas todos do grupos estão interessados em ter mais, por que gosto dela é muito bom. O problema é que ela não produz muito, os pés lá de casa produzem muito de vez em quando. Nos últimos 10 anos, lembro de ter achado fruta em dois ou três anos e não foi de todas árvores, foi de uma ou outra (Agricultor 5).
Como motivos indicado pelos agricultores para a dificuldade na produção,
pode-se mencionar o fato da maioria das árvores estarem “muito sombreada” (pouca
incidência de luz solar) e a ausência de podas nas copas que são caracterizadas como
“fechadas” (densa), assim como a Pitanga. O aspecto positivo da produção é que a
fruta “bicha pouco”.
Não existe informações sobre experiências no processamento do Guabiju,
mas em virtude de sua semelhança com Guabiroba, espécie em que o grupo tem
experiência, acredita-se ser possível processar a fruta em forma manual e via
despolpadeira. A falta de práticas neste indicador é influenciada pelos limites da
produção, que também contribuiu para a não existência de comercialização do
Guabiju, no entanto a fruta aparenta ter um mercado consumidor interessante,
sobretudo por seu sabor adocicado. Em relação ao armazenamento e transporte,
mesmo sem tentativas de se realizar, é provável que seja viável nas condições
descrita da Guabiroba. Apesar disso, tal indicador foi classificado como um desafio,
seja pela fragilidade da fruta ou pelo curto prazo de validade.
Resumindo, o Guabiju é uma fruta nativa que os agricultores gostam sobretudo
por seu sabor adocicado. Porém, ela é rara. A espécie tem sérios limites na produção,
estima-se que em dez anos foi visualizada frutificação em dois ou três. Embora raro,
quando existem frutos eles apresentam uma boa qualidade, ou seja, “bicham pouco”.
A escassez de frutos contribui com a falta de experiências no processamento, todavia
é provável que fruta possa ser utilizada na despolpadeira do grupo. A comercialização
também não existe, mas o sabor adocicado é um indicio que a fruta pode ser atrativa
para os consumidores. O armazenamento e transporte nunca foram tentados, mas tal
aspecto tende a ser um desafio para, seja por sua fragilidade ou pelo prazo de
138
validade da fruta. Porém, o uso de embalagens adequadas e o resfriamento pode,
como feito na Guabiroba, melhora tal aspecto.
3.2.7 Ingá Feijão
O ingá, ou Ingá Feijão é uma planta da família Fabaceae-Minosoideae com
ocorrência no Bioma Mata Atlântica dispersa nas floretas semidecidual e nas florestas
ombrófila mista e densa. A árvore tem de quatro a doze metros de altura Em virtude
de sua grande dispersão geográfica, a floração e a frutificação também são dispersas,
de outubro à fevereiro para floração e fevereiro a maio para frutificação. Seu fruto é
pequeno e doce, sua cor quando maduro é amarelado, a fruta também é protegida
por uma vagem que contem de seis à dozes frutos (LORENZI, 2008b). Nas fotografias
42 e 43 observa-se a árvore de Ingá Feijão e seus frutos.
Fotografias 42 e 43: Na fotografia 42 uma árvore de Ingá Feijão no grupo Jabuticabal. Na fotografia 43 frutos do Ingá Feijão.
Fontes: Fotografia 42: Pesquisa de campo. Fotografia 43: Projeto Flora Digital 2018.
Como Ingá Feijão foi selecionada como uma espécie prioritária pelo grupo
Jabuticabal, elaborou-se a caracterização socioambiental da espécie a partir dos
princípios da ferramenta matriz estela, no gráfico 44 há o resultado deste processo.
42
43
139
Gráfico 44: Resultado da caracterização socioambiental do Ingá Feijão a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de campo Segundo os valores presentes gráfico estrela 44, o Ingá Feijão tem no quesito
gostamos o indicador melhor avaliado, já que ele recebeu a nota máxima. Em seguida,
com 8, o processamento é o segundo melhor pontuado, na sequência, mas com uma
pontuação bem menor está a produção com 3. Por último estão comercialização e
processamento com 2. A sistematização das perguntas problematizadoras descritas
no quadro 16 subsidiam os valores atribuídos para o Ingá Feijão.
No quadro em questão, é possível ressaltar no indicador gostamos que a
espécie é apreciada pelo sabor adocicado e refrescante de sua fruta. Esse aspecto
contribui para valorização das árvores presente no grupo e motiva sua multiplicação.
No entanto, a abundância de indivíduos é baixa e se notou certa dificuldade em
sistematizar informações sobre o Ingá Feijão.
O volume de frutas produzidas por ano é baixo, mas no decorrer das safras
este valor tende a se manter. A frutificação ocorre de forma gradual, variando de duas
à três semanas. A colheita é feita apanhando as frutas do chão ou diretamente da
árvore. Não existe relato de processamento nem expectativa que a despolpadeira
presente no local possa beneficiar a fruta. No entanto, há probabilidade de ser feito,
140
de forma artesanal, doces e compotas. A comercialização do Ingá Feijão é uma prática
que o grupo relata não fazer, além de ser indicada como um desafio sobretudo pela
falta de um mercado consumidor próximo. Por outro lado, o grupo Recanto da
Natureza comercializa na feira agroecológica de Laranjeiras do Sul uma espécie
similar, o Ingá de Metro (Inga edulis), e relata boa aceitação dos consumidores.
Quadro 16: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental do Ingá Feijão.
INGÁ FEIJÃO
INDICADOR
PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS
PONTOS POSITIVOS
DESAFIOS
Gostamos Gostam da árvore? Gostam
da fruta? Ela tem algum significado especial?
- Sabor da fruta é apreciado
- dificuldade em sistematizar informações.
Produção
No geral, as árvores produzem bastante frutas?
Todo ano a produção é parecida?
- Constância boa - Pouca Produção
Processamento É fácil processar a fruta? É fácil processar bastante?
- - Expectativa que
possa ser confeccionado doces e
compotas
- Sem experiência no processamento - Expectativa de dificuldade no
processamento
Comercialização É fácil comercializar a fruta in natura ou processada?
- boas perspectivas da aceitação do consumidor
- Não há relado de comercialização
Armazenamento / Transporte
É fácil armazenar e transportar sem processar a
fruta?
- é possível armazenamento e
transporte em certas circunstâncias
- Sem experiência de armazenamento e
transporte
Fonte: Pesquisa de Campo
O quesito armazenamento e transporte tem características favoráveis. Isso por
que a espessura da vagem protege a parte comestível de tal forma que provavelmente
seja possível o armazenamento em caixas com capacidade de vinte quilos. Além
disso, tais caixas poderiam ser transportadas em distâncias de até dois dias. Seu
prazo de validade pode chegar a 10 dias, mas se mantida em ambiente refrigerado, a
fruta pode durar até dez dias.
De acordo com as informações apresentadas, pode-se sintetizar que o Ingá
Feijão é uma espécie que os agricultores gostam, sobretudo pelo sabor adocicado da
fruta. A produção é considerada baixa, porém se mantém no decorrer dos anos. Esse
141
aspecto, somado ao formato da fruta contribuiu para a falta de processamento,
embora se vislumbre a confecção de doces, geleias e compotas. Com poucas frutas
e sem produtos processados, o grupo Jabuticabal não comercializa o Ingá Feijão. Já
o armazenamento e transporte da fruta in natura é um bom atrativo se comparado
com a maioria das espécies prioritárias elencadas nesta pesquisa. Esse aspecto
permite que o Ingá Feijão possa ser transportado in natura para outros locais o que
pode permitir seu comercio em feiras, entregas diretas e programas de aquisição de
alimentos, sobretudo os PNAE’s municipais.
Bem, realizada a caracterização socioambiental das espécies prioritárias a
partir dos saberes e fazeres dos atores sociais desta pesquisa, acredita-se que os
pontos positivos e desafios de cada espécie ficaram mais visíveis tanto para os
agricultores quanto o autor desta pesquisa. De posse deste acumulo de experiências,
articulou-se outro objetivo deste trabalho, a caracterização socioambiental de boas
árvores das frutas nativas prioritárias. No próximo capitulo descreve-se os resultados
deste objetivo.
142
CAPITULO IV: OS CAMINHOS PARA A MULTIPLICAÇÃO DAS BOAS ÁRVORES
A chave para o futuro dos alimentos, também reside na sua história.
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura –FAO- (2018)
Neste capítulo será abortado considerações acerca dos modos de multiplicação
das frutas nativas, bem como apresentado algumas reflexões sobre a valorização das
frutas nativas. Para isso, foram elaborados quatro itens. No primeiro é indicado quais
características sociais e ambientais que uma boa árvore de furta nativa precisa possuir
para ser considerada uma matriz. No segundo, baseado nas caracterizações
construídas com os agricultores, descreve-se as matrizes identificadas em conjunto
com eles. No terceiro, é exposto as principais estratégicas para o plantio das frutas
nativas identificados nesta pesquisa, enquanto o quarto discute as paisagens que as
frutas nativas se encontram atualmente nas unidades familiares e se propõem alguns
caminhos à seguir. Por fim, no quinto item é tratado de como um pensamento pós
colonial pode contribuir na valorização das frutas nativas e consequente promoção da
multiplicação destas espécies.
4.1 CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS BOAS ÁRVORES
Este item é resultado da etapa realizar seis oficinas para caracterização
socioambiental de boas árvores, da terceira fase desta pesquisa, a caracterização
socioambiental das boas. Da mesma forma que ocorreu com as espécies descrito no
item 3.2, através da ferramenta matriz estrela, construiu-se seis indicadores para
caracterizar boa matrizes. Estes quesitos foram construídos por meio de diálogos com
os agricultores durante as atividades de campo através da ferramenta observação
participante, sendo eles: i) sabor; ii) produz bem; iii) cheiro; iv) cor; v) produz frutas
iguais e; vi) tamanho. Este processo gerou o gráfico 45. Para enriquecer os debates
durante o uso desta ferramenta, elaborou-se um conjunto de perguntas
problematizadoras para cada indicador. O quadro 17 expõem tais perguntas. Assim
como na caracterização das espécies, realizou-se um pré-teste com o grupo
Palmeirina, que dessa vez não solicitou mudança. Cabe ressaltar que, assim como
143
ocorrido com as espécies, a discussão e resultado de um grupo foi apresentado aos
demais grupos.
Gráfico 45: Modelo de gráfico estrela construído para a valorização das características socioambientais de boas árvores (matrizes) das frutas nativas prioritárias.
Fonte: o Autor adaptado de Steenbock et al (2013a)
Quadro 17: Sistematização dos indicadores e das perguntas problematizadoras para caracterização socioambiental de boas árvores de frutas nativas.
BOA ÁRVORE DE FRUTA NATIVA
INDICADOR
PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta?
Produz bem A árvore produz todo ano uma boa quantidade de fruta?
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor?
Cor Qual a melhor cor para a fruta?
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais?
Tamanho Qual é um bom tamanho?
Fonte: o Autor a partir de pesquisa de campo
Tal procedimento foi realizado para cada fruta nativa indicada como prioritária
para cada grupo (item 2.5.1). Neste contexto, na sequencia serão expostos os
resultados da caracterização socioambiental de boas árvores para sete frutas nativas.
144
-Guabiroba
A Guabiroba foi por todos os grupos que fizeram parte desta pesquisa como
uma fruta nativa prioritária para se resgatar e promover um processo de domesticação
de plantas. Deste modo, elaborou-se uma matriz estrela para em cada grupo acerca
das características socioambientais dada espécie. No gráfico 46 é apontado indicam
valores atribuídos para cada indicador.
Gráfico 46: Resultados da caracterização socioambiental de boas árvores de Guabiroba a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de Campo
Os valores atribuídos pelos agricultores sistematizados no gráfico 46, apontam
que o quesito sabor conta com os melhores valores, flutuando entre 8 e 10. O
indicador produz bem também recebeu boa avaliação, embora o grupo Palmeirinha
tenha fornecido nota 6, os demais atribuíram valores entre 8 à 10 para a guabiroba.
Os demais indicadores apresentam valores menores. As notas do cheiro, cor e
produção de frutas iguais flutuaram entre 4 e 8. O indicador tamanho da fruta é o
indicador mais heterogêneo da Guabiroba, oscilando entre 4 e 10. Já no gráfico estrela
47, é exposto os valores médios para cada indicador da espécie. O resultado da
sistematização dessa ferramenta indica que o indicador sabor com 9,40, recebeu a
melhor nota. Logo após produz bem foi valorado com 8,50. Com valores menores
estão os quesitos cor (6,50), cheiro (6,33), tamanho da fruta (5,83). Por último produz
frutas iguais (5,50).
145
Gráfico 47: Valores médio da caracterização socioambiental de boas árvores de Guabiroba, de acordo a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisas de Campo
Cabe ressaltar que as notas maiores para os quesitos sabor e produz bem são
influenciados pela facilidade no processamento da fruta e de certa expectativa na
comercialização dos pedaços de frutas congeladas, bem como pela dificuldade no
armazenamento e transporte da fruta. Esse aspecto contribui para que tamanho da
fruta e se a matriz produz frutas iguais sejam menos interessantes. Cor e cheiro,
embora sejam relevantes para o processamento, tem importância menor se
comparado com sabor e produção.
Outro olhar para a caracterização de uma boa Guabiroba é a sistematização
das perguntas problematizadoras apresentadas no quadro 18. De acordo com o
quadro em questão, uma boa Guabiroba é aquela que gera frutos de sabor adocicado
e que não “sejam ardidos” ao comer. Ela também precisa produzir bem todos os anos,
ou seja, “carregar de flor e segurar a carga” e é desejável que os frutos sejam
saudáveis, (“bichem pouco”), enquanto o cheiro da fruta precisa ser intenso, “sentido
de longe”. A cor ideal seria um alaranjado forte. Busca-se também que o tamanho da
146
fruta seja em torno de 3 à 5 centímetros e que a maioria dos frutos tenham as mesmas
características.
Quadro 18: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental de boas árvores de Guabiroba.
BOA ÁRVORE DE GUABIROBA
INDICADOR PERGUNTAS
PROBLEMATIZADORAS CARACTERÍSTICA DA
BOA ÁRVORE
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta? - Ser adocicado
- Não ser muito “ardido”
Produz bem A árvore produz todo ano uma boa
quantidade de fruta?
- Produzir bem todo ano e não bichar
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor? - Intenso, que é possível sentir de
longe
Cor Qual a melhor cor para a fruta? - Laranja “Forte”
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais? - A maioria das frutas precisam ser
são iguais
Tamanho Qual é um bom tamanho? - De 3 à 5 de centímetro de
diâmetro
Fonte: Pesquisa de campo.
-Pitanga
Todos os grupos escolheram a Pitanga como uma fruta nativa prioritária. Assim
sendo, foram preenchidas seis matrizes estrela da espécie. No gráfico 48 são
expostos tais valores. Ao observar o gráfico em questão, percebe-se que os valores
do indicador sabor da Pitanga flutuam entre 8 a 10 sendo que que a fruta recebeu de
3 grupos a nota máxima. O quesito produz bem varia entre 8 à 10, sendo que o
primeiro o valor é mais recorrente, cheiro e cor receberam notas entre 4 e 8, sendo
que o primeiro obteve mais notas 6 e o segundo 8. Já a questão de produzir frutas
iguais variou de 4 à 10 e o tamanho da fruto teve nota máxima 10 e mínima 8. Já no
gráfico estrela 49 é apresentado valores médios para boas árvores de Pitanga.
147
Gráfico 48: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Pitanga a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de campo.
Gráfico 49: Valores médios da caracterização socioambiental de Boas Árvores de Pitanga, de acordo com a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisas de Campo
No gráfico 49, percebe-se que a Pitanga tem nos indicadores sabor e tamanho
da fruta as melhores médias (9,33). Em seguida, com valor similar, está o quesito
produz bem (9,00). A produção de frutas iguais vem na sequência com 7,17
acompanhados da cor (6,83) e do cheiro (5,83). Nota-se que a melhor avaliação para
148
os indicadores sabor, produz bem e tamanho da fruta, sobretudo este último, está
relacionado com as experiências de comercialização da fruta in natura e das
dificuldades de processá-la indicado no 3.2.2. Para melhorar a compreensão dos
valores apontados pelos grupos, no 19 é sintetizada a as perguntas problematizadoras
das boas árvores de Pitanga.
Quadro 19: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental de boas árvores de Pitanga.
BOA ÁRVORE DE PITANGA
INDICADOR
PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS
CARACTERÍSTICA DA
BOA ÁRVORE
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta? - Ser adocicado e intenso
Produz bem A árvore produz todo ano uma boa
quantidade de fruta?
- Produzir boa quantidade de frutas
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor? - Intenso, que é possível sentir
de longe
Cor Qual a melhor cor para a fruta?
- Vermelho “vivo”
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais? - É importante ter frutas
parecidas
Tamanho Qual é um bom tamanho?
- É importante ter frutos grandes, de 2 à 3 centímetros
de diâmetro pelo menos
Fonte: Pesquisa de campo
De acordo comas informações do quadro 19, as atividades de campo da
pesquisa, pode-se indicar que buscam-se Pitangueiras com sabor adocicado, porém,
como a maioria das frutas é doce, o ideal é que o gosto seja intenso ou forte. Em
virtude da fruta, via de regra, ser saudável procura-se no indicador produz bem que a
quantidade de fruta seja elevado. Espera-se também que o cheiro seja intenso, no
que se refere a cor, embora exista um gradiente de cor amplo para as frutas que vai
do vermelho ao preto, frutas de cor vermelho “vivo” são mais apreciadas. Também é
interessante que as árvores produção frutas de forma homogenia e que seu tamanho
seja “grande”, o que para Pitanga gira em torno de dois à três centímetros de diâmetro.
149
- Uvaia
Foram preenchidas seis matrizes estrelas para caracterização socioambiental
de boas árvores de Uvaia, pois tal espécie foi apontada por todos os grupo como uma
fruta nativa prioritária. Esse processo foi sistematizado nos gráfico 50 e 51.
Gráfico 50: Resultado da caracterização socioambiental de Boas Árvores de Uvaia de acordo com a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisa de Campo
No gráfico 50 é possível observar que o quesito sabor recebeu notas que vão
de 8 à 10, já produz bem vai de 7 à 10 sendo o valor 8 o mais recorrente. O indicador
cheiro varia tem no valor 8 o número mais recorrente e alto e no 6 o mais baixo. Cor
varia de 5 à 8 e tem no número 6 o valor que mais se repete. As médias destas valores
exibidas no gráfico estrela 51, assinala que o atributo com maior avaliação dos
agricultores é o sabor com 9,00. Na sequência estão produz bem (8,50), tamanho da
fruta (8,33). Mais distantes aparece cheiro (7,17), cor (6,50) e produz frutas iguais
(5,17). Soma-se as notas atribuídas aos indicadores a sistematização das perguntas
problematizadoras da Uvaia, expressas no 20.
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Gráfico 51: Valores médio da caracterização socioambiental de boas árvores de Uvaia, de acordo com a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisas de Campo
Fonte: Pesquisas de Campo
Quadro 20: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental de boas árvores de Uvaia
BOA ÁRVORE DE UVAIA
INDICADOR PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS CARACTERÍSTICA DA
BOA ÁRVORE
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta? - Não ser muito ácida
Produz bem A árvore produz todo ano uma boa
quantidade de fruta?
- Produzir bom volume e sem bichar
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor? - Cheiro intenso
Cor Qual a melhor cor para a fruta? - Amarelo “vivo”
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais? - A maioria das frutas tem o mesmo tamanho e sabor
Tamanho Qual é um bom tamanho? - Fruta grande, de
aproximadamente 3 centímetros de diâmetro.
151
Se observamos o quadro 20, é possível visualizar que o objetivo do indicador
sabor é identificar frutas que não sejam muito ácidas, já que este aspecto é comum a
na maioria dos frutos analisados nesta pesquisa. É interessante que o cheiro da fruta
seja intenso, podendo ser “sentido de longe”. A cor ideal seria um amarelo que chame
a atenção ao ser visualizado, portanto um “amarelo vivo”. É relevante que a uvaieira
produza frutos iguais, sobretudo nos aspecto tamanho e sabor. Também é desejável
que o tamanho da fruta seja “grande”, que para a Uvaia seria acima de 3 centímetros
de diâmetro.
-Cereja
Para os grupos Terra de Todos, Palmeirinha e 8 de Junho a Cereja é prioridade
para se promover um processo de domesticação. Para caracterizar boas árvores
desta espécie, elaborou por meio da ferramenta os gráficos 52.
Gráfico 52: Resultado da caracterização socioambiental de Boas Árvores de Cereja de acordo com a ferramenta matriz estrela
Fonte: Pesquisa de Campo
No gráfico 52 é apresentado que o indicador sabor recebeu notas duas notas
9 e uma 10, enquanto produz bem foi avaliado entre com 8 e 7. Os quesitos cor e
cheiro foram pontuados entre 8 e 6. Produz frutas iguais obteve notas 4, 7 e 9 e
152
tamanho da fruta ficou com 10, 9 e 8. Já no gráfico estrela 53, é indicada a média para
dos valores num gráfico estrela.
Gráfico 53: Valor médio das notas fornecida pelos grupos para a caracterização socioambiental de boas árvores de Cereja, de acordo a ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisas de Campo
Ao observar o gráfico 53, percebe-se que os indicadores sabor e tamanho da
fruta receberam foram as mais elevadas (9,00). Na sequência estão os quesitos
produz bem com 8,00, cor e cheiro (7,00) e por último se produz frutas iguais (6,00).
Além da valorização dos indicadores da Cereja, no quadro 21 é exposto a
sistematização das as perguntas probelmatizadoras da está fruta nativa.
Em relação ao quesito sabor, cabe ressaltar que a maioria dos relato dos
agricultores assinala que no geral a fruta é doce, contudo sua intensidade é fraca,
desde modo busca-se indivíduos com frutas de gosto adocicado e intenso. Já o cheiro
deve ser intenso, a frase “sentir o cheiro de longe” se enquadra para a Cereja. Em
relação a cor da fruta, embora exista um gradiente de cores extenso que vai do
vermelho ao preto passando pelo roxo, pode-se assinalar que a ideal seria um roxo
próximo do vermelho escuro. No que se refere a árvore produzir frutas iguais, foi
mencionado o interesse em indivíduos que produzam frutos de forma homogenia, e
grande, algo em torno de 3 centímetros de diâmetro.
153
Quadro 21: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental de boas árvores de Cereja.
BOA ÁRVORE DE CEREJA
INDICADOR
PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS
CARACTERÍSTICA DA
BOA ÁRVORE
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta? - Adocicado e intenso
Produz bem A árvore produz todo ano uma boa
quantidade de fruta? - Produzir bastante quantidade
de frutas todos os anos
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor? - Intenso
Cor Qual a melhor cor para a fruta? - Roxo, próximo do vermelho
escuro
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais? - é interessante produzir igual,
principalmente tamanho
Tamanho Qual é um bom tamanho? - Grande, aproximadamente 3
centímetros de diâmetro Fonte: Pesquisa de campo
-Araçá Vermelho
O Araçá Vermelho, para o grupo Recanto da Natureza é uma fruta nativa
prioritária. Para identificar boas árvores desta espécie, construir-se sua caracterização
socioambiental, sintetizada no gráfico 54.
Gráfico 54: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Araçá Vermelho a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisas de Campo
154
De acordo com este gráfico, com nota 10 o indicador produz bem é o quesito
melhor avaliado, em seguida com 8 estão cheiro, tamanho da fruta e sabor. Mais
distante ficam cor (5) e produz frutas iguais (3). No quadro 22 há a síntese das
perguntas problematizadoras sobre os motivos que influenciaram nessa valoração.
Em relação ao sabor do Araçá Vermelho, mesmo que no geral a fruta tenha um
gosto levemente ácido, os grupos indicaram ser interessante identificar árvores com
frutos adocicado, provavelmente se referindo a uma acidez “fraca”. No que se refere
ao quesito produz bem, espera-se que a quantidade de frutas seja alta, sobretudo que
a qualidade dos frutos seja boa, já que a espécie “bicha muito”, como descrito no item
3.2.5. Segundo relatos dos agricultores, o cheiro do Araçá Vermelho é naturalmente
forte, mesmo assim identificar matrizes com aroma intenso é relevante. Em relação a
cor, a melhor é um vermelho vivo. Como o araçazeiro em geral produz frutas iguais,
tanto em relação ao formato quanto a qualidade dos frutos, ´esse quesito não é
prioritário. Em relação ao indicador tamanho da fruta, quanto maior melhor, o que no
caso do Araçá Vermelho é algo acima de três centímetros de diâmetro.
Fonte: Pesquisa de campo
Quadro 22: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental de boas árvores de Araçá Vermelho.
BOA ÁRVORE DE ARAÇÁ VERMELHO
INDICADOR PERGUNTAS
PROBLEMATIZADORAS
CARACTERÍSTICA DA BOA ÁRVORE
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta? - Doce (acidez amena)
Produz bem Como deve ser a produção de frutos? - Produzir frutos sadios e em
boa quantidade
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor? - Cheiro Forte
Cor Qual a melhor cor para a fruta?
- Vermelho Vivo
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais? - Produzir frutas sadias é o
principal critério
Tamanho Qual é um bom tamanho? - Grande, acima de 3
centímetros de diâmetro
155
-Guabiju
O Guabiju, para o grupo Terra Livre, é uma fruta nativa prioritária e para
contribuir na identificação de boas árvores, assim como entender melhor a espécie,
caracterizou-se aspectos ambientais e sociais de possíveis matrizes, que gerou
estrela 55.
Gráfico 55: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Guabiju a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisas de Campo
Das informações descritas neste gráfico, observa-se que o indicador mais
importante do Guabiju é o tamanho da fruta, pois ele recebeu a nota máxima (10). Na
sequência, com 8 estão produz bem e produz frutas iguais. Por fim, aparecem sabor,
cheiro e cor com 6. No quadro 23, o resumo das perguntas problematizadoras
apresentado aponta argumentos do por que dos valores apontados acima.
Em relação ao indicador sabor, no geral a maioria das árvores tem frutos com
sabor doce, entretanto é prudente procurar indivíduos que se enquadrem nesse
aspecto. No que se refere ao quesito produz bem, em razão da dificuldade em
encontrar matrizes que frutifiquem todos os anos, o ideal é selecionar árvores que
156
tenham frutas todas as safras, se a quantidade de quilos for boa é um “melhor ainda”.
Embora o Guabiju seja uma fruta com pouco aroma, é pertinente encontrar aquelas
com cheiro intenso. Existem frutas na cor preta e roxa, sendo que a última é
considerada a ideal. Além disso, busca-se que a produção de frutas seja homogênea,
especialmente no que se refere as dimensões do fruto. Já em relação ao tamanho,
deseja-se a produção de frutos grandes, mas não conseguiu-se mensurar o valor
mínimo.
Quadro 23: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental de boas árvores de Guabiju.
BOA ÁRVORE DE GUABIJU
INDICADOR PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS CARACTERÍSTICA DA
BOA ÁRVORE
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta? - Doce
Produz bem Como deve ser a produção de frutos? - Produzir frutas em todos os
anos
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor?
- Cheiro Forte
Cor Qual a melhor cor para a fruta? - Roxa
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais? - Importante, principalmente no
tamanho
Tamanho Qual é um bom tamanho? - Quanto maior melhor
Fonte: Pesquisa de Campo
-Ingá Feijão
O Ingá Feijão é uma fruta nativa prioritária para promover um processo de
domesticação no grupo Jabuticabal. Na busca por boas árvores desta espécie, foi
preenchida uma matriz estrela desta fruta nativa. No gráfico 56, há os valores
atribuídos desta espécie. Ao observar o gráfico em questão, nota-se que os
indicadores sabor e tamanho da fruta, receberam a nota máxima (10). Na sequência
157
vem o indicador sabor que com a nota 8,00. Já cheiro e cor tiveram pontuação 6,00.
Em último lugar, com valor 4, está o quesito produz frutas iguais.
Gráfico 56: Resultado da caracterização socioambiental de boas árvores de Ingá Feijão a partir da ferramenta matriz estrela.
Fonte: Pesquisas de Campo
A organização das respostas das perguntas problematizadoras da Cereja,
sintetizada no quadro 24, contribui para ampliar a discussão sobre os valores da matriz
estrela desta fruta nativa.
Quadro 24: Sistematização das perguntas problematizadoras para a caracterização socioambiental de boas árvores de Ingá Feijão.
BOA ÁRVORE DE INGÁ FEIJÃO
INDICADOR
PERGUNTAS PROBLEMATIZADORAS
CARACTERÍSTICA DA
BOA ÁRVORE
Sabor Qual o melhor sabor para a fruta? - Doce
Produz bem A árvore produz todo ano uma boa
quantidade de fruta? - produz bastante frutas todos
os anos
Cheiro Que tipo de cheiro é o melhor? - Cheiro Forte
Cor Qual a melhor cor para a fruta? - A parte de dentro ser branca
Produz Frutas Iguais A árvore produz frutas iguais? - é interessante, principalmente
o sabor
Tamanho Qual é um bom tamanho? - Grande, acima de1
centímetros de diâmetro Fonte: Pesquisa de Campo.
158
De acordo com as informações contidas no quadro 24, cabe destacar que no
indicador sabor, o ideal é encontrar árvores que produzam frutos doces, assim como
frutificam todos os anos uma boa quantidade de frutos. Busca-se também que o cheiro
da furta seja forte, “podendo ser sentido de longe”. A melhor cor para a parte
comestível do Ingá Feijão é o branco. Já em relação ao quesito produz frutas iguais,
o mais importante é que o sabor se homogêneo do que o formato. O tamanho ideal
desejável da fruta é superior a um centímetro de diâmetro.
Dentro do contexto apresentado, pode-se indicar que ao se construir de forma
participativa a caracterização socioambiental das boas árvores, cria-se as condições
teóricas e práticas para responder, que tipo de árvores são atraentes para servirem
de matrizes. Sabendo desta informação, é possível identificar nos agroecossistemas
das famílias dos grupos se há plantas com potencial de serem classificadas como
boas árvores e multiplicá-las. O próximo item desta dissertação abordará o tema e os
resultados deste processo.
4.2 IDENTIFICAÇÃO DE MATRIZES
Para localizar boas árvores das sete espécies de frutas nativas elencadas como
prioritárias nesta pesquisa, ao final das oficinas caracterização socioambiental de
boas árvores. perguntou-se aos agricultores se havia, no conjunto de unidades
familiares de cada grupo, árvores que se enquadrassem nas características
socioambientais construídas anteriormente. Esse processo resultou na identificação
de 42 boas árvores, sendo quatorze de Guabiroba, sete de Pitanga, oito de Uvaia, três
de Cereja, quatro de Araçá Vermelho, uma de Guabiju e três de Ingá Feijão. Antes de
apresentar a identificação destas matrizes, cabe explicar como esse processo foi
realizado.
Conforme descrito nos procedimentos metodológicos, após a indicação das 42
boas árvores, realizaram-se visitas individuas com a intenção de georreferenciar cada
matriz (por meio de um aparelho GPS de mão) e caracterizá-las. Neste contexto,
através da ferramenta questionário de perguntas objetivas, elaborou-se um roteiro
com perguntas relacionadas aos indicadores de uma boa árvore. Para caracterizar o
quesito produz bem, foi solicitado aos agricultores fornecerem uma estimativa da
produção de frutos anual. Em relação aos indicadores cheiro e sabor solicitou-se aos
159
agricultores apontarem uma nota de 0 à 10 para as intensidades do cheiro e do
aspecto adocicado do sabor da fruta de todas as espécies, exceto a Uvaia que teve
seu sabor avaliado de acordo com o nível de acidez do fruto, também se questionou
sobre a idade da árvore e sua altura30, bem como sua origem (ocorrência natural ou
plantada).
Em relação a cor, para equacionar seu caráter subjetivo31 imprimiu-se fichas
baseadas na tabela de cores do sistema RAL32 que foram levadas nas visitas aos
agricultores visando responder a seguinte pergunta: qual cor presente na ficha é mais
próxima da cor da fruta? Também foi anotado o tamanho médio das frutas através da
elaboração de fichas com dez círculos de diâmetro que variam de 1 à 15, 50
centímetro. Estes círculos foram levados aso agricultores e solicitado a eles indicar
qual é mais semelhante com o tamanho médio das frutas. Nas fotográficas 57 e 58,
são expostas as fichas sendo utilizadas na pesquisa. Note-se que as fichas de cores
e de tamanho, bem como o roteiro de perguntas realizadas aos agricultores estão
descritos no Anexo I.
Cabe destacar que algumas informações sobre a caracterização das boas
árvores foram respondidas como “não sei” e transcritas desta forma para a
sistematização. Outra característica deste processo foi sugerida por um agricultor do
grupo 8 de Junho durante a oficina de caracterização de boas árvores. Segundo ele,
objetivando valorizar a importância das mulheres na domesticação de plantas, cada
boa árvore deveria receber um nome, de preferência, de uma mulher da unidade
familiar. Essa sugestão foi incorporada no método desta pesquisa e discutida com os
demais grupos, sendo que todos apoiaram a ideia.
30 Optou-se por busca uma estimativa para a altura da árvore em virtude doe quesito teve como principal objetivo problematizar junto aos agricultores o volume de produção indicado por cada matriz, logo acredita-se não se fez necessário o uso de equipamentos que fornecessem esta informação de maneira mais precisa. Por outro lado, espera-se que novas pesquisas aconteçam com estas matrizes e que essa informação possa ser qualificada. 31 Por exemplo, uma fruta de Pitanga considerada de cor vermelho vivo para um agricultor pode ser considerada vermelho fraco para outro 32 Uma comissão alemã criou em 1927 as normas técnicas para identificar 40 tons de cores visando padronizar o uso de cores na indústria. Cada cor recebeu um número e a sigla RAL que é a abreviatura de Reichsausschuß für Lieferbedingungen und Gütesicherung. Note-se que a escolha por tal sistema se baseou apenas em sua disponibilidade na internet.
160
Fotografias 57 e 58: Na fotografia 57 o uso da ficha confeccionada para mensurar o tamanho dos frutos. Na fotografia 58 uso da ficha de identificação de cores.
Fonte: Pesquisa de campo
Após apresentado o caminho para encontrar, identificar e “dar nomes” as 42
boas árvores, a seguir serão exibidos os resultados deste processo para as setes
frutas nativas prioritárias deste trabalho.
- Guabiroba
A Guabiroba é a fruta nativa com maior número de boas árvores
identificadas, foram 14 matrizes localizadas em todos os grupos da pesquisa.
Conforme exposto no quadro 25, a idade das árvores varia de 10 à 50 anos, sendo
que a maioria delas (6 indivíduos) tem 30 ou mais anos de vida. Em relação à altura,
ela oscila de 4 à 18 metros, sendo do que a maioria (9 indivíduos) tem mais de metros
tem mais de metros. Dentro dos limites apresentados anteriormente, pode-se indicar
que a produção de frutas foi de 20 à 300 quilos, além disso a maioria dos
apontamentos indica que a Guabirobeira produz em torno de 100 à 300 quilos por
indivíduo/safra, esses valores geram uma média de 170 kg por boa árvore.
57 58
161
Quadro 25: Síntese das características das boas árvores de Guabiroba indicada pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação.
Grupo Família Nome Idade (Anos)
Altura (M)
Estimativa de Produção (KG)
Cor (RAL)
Tamanho do fruto
(cm) Sabor (doce) Cheiro (Forte)
8 de Junho Marlene e Celso Guabiroba Marlene 10 15 500 1017 2,5 8 9
8 de Junho Maria e Lula Guabiroba Maria da Luz 10 5 25 2000 2,5 7 4
8 de Junho Darci e Marli Guabiroba Darci 30 10 300 1007 2,5 7 8
8 de Junho Darci e Marli Guabiroba Marli 30 10 300 1007 2,5 7 8
Jabuticabal Cleci e Oclides Guabiroba Douglas 10 10 60 2009 2,5 10 8
Jabuticabal Cleci e Oclides Guabiroba da Estrada 13 12 100 1023 4 8 6
Palmeirinha Iolanda e Dirço Guabiroba Iolanda 40 18 300 1003 2,5 8 9
Palmeirinha Claudia Guabiroba do Vento 40 15 200 1004 2,5 9 8
Recanto Centro
comunitário Guabiroba do Centro 40 20 200 1023 2,5 6 6
Recanto Zé Freitas Guabiroba do Recanto 15 4 75 1021 2,5 5 8
Terra de Todos Doralice e Orlando Guabiroba Orlandinho 50 15 100 1000 4 8 6
Terra livre Lúcia e Reinaldo Guabiroba dos Índios 30 10 200 1006 2 10 8
Terra livre Elias Guabiroba do Fogo 10 6 20 2012 2,5 8 8
Terra livre Lúcia e Reinaldo Guabiroba Graúda 30 10 200 1018 2,5 8 6 Fonte: Pesquisa de Campo
162
Outra característica apontado no quadro 25 diz respeito às 12 tonalidades
de cores dos frutos identificadas. Estas tonaldiades podem ser agrupadas da
seguinte forma: 04 matrizes tem frutos de cor laranja (RAL 1006, 1007 e 1017),
sendo esta a classificação com mais indivíduos; 03 matrizes são laranja vivo
(RAL 2000,2009 e 2012); 03 são laranja fraco (RAL 1021 e 1023); 03 são laranja
próximo do amarelo (RAL 1003, 1004 e 1018) e; 01 é verde claro (RAL 1000). O
tamanho das frutas vai de 2 à 4 centímetros de diâmetro, porém o tamanho 2,5
é o que mais se repete 11 vezes. Já o quesito doçura da fruta recebeu valores
de 5 à 10 enquanto a intensidade do cheiro ficou pontuado de 4 à 9.
Nesta classificação, destaca-se a Guabiroba do Orlandinho que
provavelmente não se trata da Campomanesia xanthocarpa e sim da
Campomanesia neriiflora, também conhecida como Guabiroba branca. Chegou-
se a essa conclusão em virtude da cor do fruto e da época da frutificação que
segundo o agricultor é de setembro à outubro. Outro aspectos das boas árvores
de Guabiroba é que todas foram classificadas pelos agricultores como de
ocorrência natura, ou como expresso por eles, “nativa”.
-Pitanga A Pitanga teve 11 boas árvores selecionadas com idade entre 2 à 30 anos,
sendo que a maioria está com 6 a 8 anos, conforme descrito no quadro 26. A
altura oscila de 2,5 à 20 metros, porém, a maior parte está entre 2,5 a 4 metros,
as matrizes produzem de 2 a 100 quilos, enquanto a média é de 22,50 Kg.
Todavia, duas famílias não souberam mensurar o volume de produção. Em
relação a cor, foram apontadas 9 tonalidades de cores que podem ser agrupadas
da seguinte maneira: 4 são vermelho escuro (RAL 2001, 3013, 3011 e 3016); 4
são de vermelho vivo (RAL 3017,3022 e 3070), sendo que estas duas categorias
contam com o maior representantes; 1 é vermelho fraco RAL 3014) e; 1 é preta
(RAL 5011). O tamanho das frutas mínimo da fruta é 1 centímetro, o máximo é
de 3 cm e o mais comum é 2 cm. O sabor e cheiro, o primeiro receberam notas
que variam entre 6 à 10 e o segundo entre 4 e 10. Outro aspecto das matrizes
de Pitanga diz respeito a sua origem, já que das 10 matrizes, 7 foram plantadas
pelos agricultores.
163
Quadro 26: Síntese das características das boas árvores de Pitanga indicada pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação
Grupo Família Nome Idade (anos) Altura (M)
Produção (KG)
Cor (ral)
Tamanho (cm)
Sabor (doce)
Cheiro (intensidade) Histórico
8 de Junho Maria e Lurdes
Pitanga Lurdes 6 3 8 3022 1,8 7 7 Plantada
8 de Junho Maria e Lula Pitanga
Edenilson 8 2,5 10 2001 2 8 7 Plantada
8 de Junho Maria e Lula Pitanga
Lula 8 2,5 10 3014 2,5 6 6 Plantada
Jabuticabal Cleci e Oclides
Pitanga Cleci 2 2,5 2 3016 2 10 8 Nativa
Palmeirinha Marilda e Sebastião
Pitanga a Marilda 20 15 40 3011 3 7 6 Nativa
Terra de Todos
Eliane Leandro
Pitanga Eliane 10 3 4 3017 1 6 5 Plantada
Terra de Todos Maria e Tercio
Pitanga Tercio 8 4 Não sei 5051 1,8 10 4 Plantada
Terra de Todos Maria e Tercio
Pitanga Maria José 10 4 Não sei 3070 3 8 6 Plantada
Terra livre Elias Pitanga Graúda 6 4 6 3022 2 8 8 Plantada
Terra livre Lúcia e
Reinaldo Pitanga do Reinaldo 30 20 100 3013 2,5 10 10 Nativa
Fonte: pesquisa de Campo
164
-Uvaia
A Uvaia teve 8 boas árvores apontadas pelos atores desta pesquisa, como detalhado no quadro 27.
Quadro 27: Síntese das características das boas árvores de Uvaia indicada pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação
Grupo Família Nome Idade (anos) Altura (M)
Produção (KG) Cor (ral) Tamanho
Sabor (Acidez)
Cheiro (intensidade Histórico
8 de Junho Cleci e Sadi Uvaia da
Cleci 10 6 30 1016 3 6 8 Plantada
Jabuticabal Cleci e Oclides
Uvaia do Palito 10 8 10 1016 3 6 8 Nativa
Palmeirinha Iolanda e
Dirço Uvaia do
Dirço 10 12 80 1021 2 Não sei Não sei Nativa
Recanto Eloi Uvaia do Recanto 10 5 8 1016 3 6 8 Nativa
Recanto Keno (João) Uvaia do Recanto 10 4,5 8 Não sei Não sei 7 9 Plantada
Terra de Todos Eliane e Leandro
Uvaia do Leandro 15 1 1 1018 3 5 4 Nativa
Terra livre Elias Uvaia do
Elias 10 3 8 2000 3 6 2 Nativa
Terra livre Elias Uvaia do
Moro 10 4 10 1016 3,4 3 4 Nativa Fonte: Pesquisa de campo
165
Observa-se que no quadro 27 que 8 boas árvores têm 10 anos de idade
e 1 estão com 15 anos, enquanto a altura vai de 3 à 12 metros, sendo que a
maioria tem de 3 à 4,5 metros. A produção de frutas conta com média de 19 kg
e uma moda de 10 kg, oscilando de 01 à 80 quilos. No que se refere a cor, as
matrizes 3 tonalidades, sendo que 04 podem ser classificadas como amarelo
vivo (RAL 1016 e 1021), 01 como amarelo escuro (RAL 1018) e 01 tem cor
amarelo com tonalidade laranjada (RAL 2000). Em relação ao tamanho, 05
matrizes tem frutas com 3 cm, 1 com 3,4 cm e 1 com 1 cm, enquanto a acidez
foi valorada de 3 à 7, sendo que a nota 06 a mais repetida, já a intensidade do
cheiro oscila de 9 à 4, porém a maioria das avaliação é igual ou inferior a 4.
Sobre a origem das boas árvores, 7 delas são nativas e 2 plantadas.
- Cereja Foram apontadas três Cerejas como boas árvores, suas características
estão sintetizadas no quadro 28.
Quadro 28: Síntese das características das boas árvores de Cereja indicada pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação
Grupo Família Nome Idade (anos)
Altura (M)
Produção (KG)
Cor (ral)
Tama-nho
Sabor (doce)
Cheiro
8 de Junho
Marlene e Celso
Cereja do
Celso 5 6 10 602
2 3 7 8
Palmeiri-nha Claudia
Cereja da Vó
Cláudia 30 12 80 700
3 2,5 7 8
Terra de Todos Vaz
Cereja da
Rosana 20 5 3 400
7 5,2 6 2 Fonte: Pesquisa de campo
No que se refere à idade, as árvores têm 5, 20 e 30 anos, enquanto a
altura oscila de 5 a 12 metros. No que se refere à estimativa da produção de
frutas, a variação é grande, 3 kg é o valor mínimo e 80 kg o máximo, já a outra
espécie foi avaliada com 10 kg. Há duas tonalidades de cores, uma mais próxima
do preto (RAL 6022 e RAL 7003) e outra do roxo (RAL 4007), já os tamanho dos
166
frutos são 2,5, 3 e 5,2 centímetros, no que se refere a sabor e cheiro, o primeiro
quesito ficou entre 6 e 7 enquanto o segundo teve nota mínima 2 e a máxima de
8. Sobre a origem das matrizes, todas foram plantadas.
- Ingá Feijão Os atores desta pesquisa indicaram três matrizes de Ingá Feijão, porém
não foi possível responder os quesitos produção, sabor e cheiro, já que os
agricultores alegaram não lembram destas características, como exposto no
quadro 29.
Quadro 29: Síntese das características das boas árvores do Ingá Feijão indicada pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação
Grupo Família Nome Idade (anos)
Altura (M)
Produção (KG)
Cor (ral)
Tama-nho
Sabor (doce)
Cheiro
Jabuti-cabal Cleci e
Oclides
Ingá Formi-gueiro
10 6 Não sei 1018
1 Não sei Não sei
Jabuti-cabal
Cleci e Oclides
Ingá do chato
13 8 Não sei 1018
1 Não sei Não sei
Jabuti-cabal
Cleci e Oclides
Ingá do Tiago
8 6 Não sei 1018
1 Não sei Não sei
Fonte: Pesquisa de Campo
Em relação a idade, ela varia de 8 à 13 anos enquanto a altura é de 6 ou
8 metros, já o tamanho médio da fruta é de 1 centímetro, cabe destacar que
usou-se como referência para este critério a parte comestível da fruta e não a
vagem. No que se refere aos frutos, a cor de todas as matrizes é o RAL 1018
(algo próximo do verde claro).
-Araçá Vermelho
O Araçá Vermelho têm três boas árvores assinaladas pelos agricultores,
todas foram plantadas há 4 anos por intermédio de mudas confeccionadas no
viveiro da empresa ENGIE e estão na mesma unidade familiar, já sua altura é de
3 metros. A estimativa de produção de cada indivíduo é de 15 quilos por safra,
os frutos são da cor RAL 3003 (vermelho escuro) e seu tamanho é de
167
aproximadamente 3 centímetros, enquanto o adocicado da fruta foi avaliado em
6 e a intensidade do cheiro em 8. Como está descrito no quadro 30.
Quadro 30: Síntese das características das boas árvores de Araçá Vermelho indicada pelos grupos como possíveis espécimes para a multiplicação
Grupo Família Nome Idade (anos)
Altu-ra
(M)
Produ-ção (KG)
Cor (RAL)
Tama-nho
Sabor (doce)
Cheiro
Recanto Ângela e Vilson
Araçá do Recanto I
4 3 15 3003 3 6 8
Recanto
Ângela e Vilson
Araçá do Recanto
II 4 3 15 3003 3 6 8
Recanto
Ângela e Vilson
Araçá do Recanto
III 4 3 15 3003 3 6 8
Fonte: Pesquisa de campo -Guabiju
Conforme descrito no item 3.2.6, Guabiju tem problemas de frutificação, o
que dificultou a identificação de matrizes. Dentro deste contexto, foi apontada
uma boa árvore de Guabiju, que é nativa, têm cerca de 30 anos de idade e 3
metros de altura, além disso, a cor da fruta é o RAL 6005 (algo próximo de verde
escuro) com tamanho aproximado de 2,5 centímetros. A doçura do sabor e a
intensidade do cheiro foram classificadas como nota 5. Cabe ressaltar que os
agricultores não souberam mensurar, mesmo que de forma aproximada, o
volume de produção da árvore.
Em conjunto com a descrição das matrizes, com a intenção de melhorar
a identificação localização das boas árvores foram identificadas as coordenadas
geográficas das 42 boas matrizes. Também foi apontado a unidade familiar e o
local, ou paisagem, em que cada matriz está inserida. Esse processo está
sintetizado nos quadros 31 e 32 que são expostos na sequência.
168
Quadro 31: Localização e coordenada geográfica das boas árvores de frutas nativas indicadas pelos grupos
Espécie Grupo Família Nome Local Coordenada Geográfica
Espécie Grupo Família Nome Local Coordenada Geográfica
Araçá vermelho
Recanto da Natureza
Ângela e Vilson
Araçá Recanto I
Quintal 25°16'14.40"S 52°20'20.08"O
Guabiroba
Jabuticabal Cleci e Oclides
Guabiroba da Curva
Quintal/Estrada
25° 2'1.14"S 51°59'48.71"O
Araçá vermelho
Recanto da Natureza
Ângela e Vilson
Araçá Recanto II
Quintal 25°16'14.40"S 52°20'20.08"O
Guabiroba
Jabuticabal Cleci e Oclides
Guabiroba Douglas
Potreiro 25° 1'59.08"S 51°59'51.22"O
Araçá vermelho
Recanto da Natureza
Ângela e Vilson
Araçá Recanto
SI Quintal
25°16'14.40"S 52°20'20.08"O
Guabiroba
Palmeirinha
Claudia Guabiroba
Vento Quintal
24°53'33.23"S 52°19'34.33"O
Cereja 8 de Junho Marlene e
Celso Cereja Celso
Quintal 25°27'49.27"S 52°26'33.58"O
Guabiroba
Palmeirinha
Iolanda e Dirço
Guabiroba Iolanda
Quintal 24°54'24.78"S 52°20'35.71"O
Cereja Palmeirinha Claudia Cereja Vó Cláudia
Quintal 24°53'31.68"S 52°19'32.32"O
Guabiroba
Recanto da Natureza
Centro Comunitári
o
Guabiroba Centro
Mata 25°15'45.27"S 52°20'53.30"O
Cereja Terra de Todos
Rosana e Antônio
Cereja Rosana
Quintal 24°54'38.72"S 52° 9'5.76"O
Guabiroba
Recanto da Natureza
Zé Freitas Guabiroba Recanto
Potreiro 25°15'58.65"S 52°20'50.81"O
Guabiju Terra Livre Cleusa e Joly Guabiju
Joly Quintal
25°15'29.32"S 52°36'37.97"O
Guabiroba
Terra de Todos
Doralice e Orlando
Guabiroba Orlandinho
Erval 24°55'44.14"S 52° 1'37.63"O
Guabiroba 8 de Junho Maria e Lula Guabiroba Maria da Luz
Quintal 25°27'3.53"S 52°27'5.57"O
Guabiroba
Terra Livre Elias Guabiroba
Fogo Potreiro
(invernada) 25°16'11.26"S 52°35'45.29"O
Guabiroba 8 de Junho Marlene e
Celso Guabiroba Marlene
Quintal
25°27'49.71"S 52°26'33.51"O
Guabiroba
Terra Livre Lúcia e
Reinaldo Guabiroba dos Índios
Mata 25°16'26.59"S 52°35'27.02"O
Guabiroba 8 de Junho Marli e Darci Guabiroba Marli
Mata 25°26'38.89"S 52°28'54.76"O
Guabiroba
Terra Livre Lúcia e
Reinaldo Guabiroba
Graúda Mata
25°16'26.32"S 52°35'19.79"O
Guabiroba 8 de Junho Marli e Darci Guabiroba Darci
Mata 25°26'38.32"S 52°28'55.55"O
Inga Jabuticabal Cleci e Oclides
Ingá Feijão do
Formigueiro
Potreiro 25° 1'58.43"S 51°59'52.11"O
Fonte: Pesquisa de campo
169
Quadro 32: Localização e coordenada geográfica das boas árvores de frutas nativas indicadas pelos grupos
Espécie Grupo Família Nome Local Coordenada Geográfica
Espécie Grupo Família Nome Local Coordenada Geográfica
Ingá Feijão
Jabuticabal Cleci e Oclides
Inga Feijão do
chato
Potreiro 25° 1'58.77"S 51°59'53.43"O
Pitanga Terra Livre Lucia e Reinaldo
Pitanga Reinaldo
Mata 25°16'17.36"S 52°35'31.75"O
Ingá Feijão
Jabuticabal Cleci e Oclides
Inga Feijão Tiago
PRV 25° 2'5.48"S
51°59'50.64"O
Pitanga Palmeirinha Marilda e Sebastião
Pitanga Marilda
Quintal (casa nova)
24°53'39.45"S 52°19'34.69"O
Pitanga Terra de Todos Maria e Tercio Pitanga Tercio
Quintal 24°55'25.14"S 52° 0'31.19"O
Uvaia Terra Livre Elias Uvaia do Moro
Potreiro (invernada) 25°16'11.98"S
52°35'45.92"O Pitanga Terra de Todos Eliane e
Leandro Pitanga Eliane
Quintal 24°57'49.07"S 52° 2'3.09"O
Uvaia Terra de Todos
Eliane e Leandro
Uvaia Leandro
Potreiro 24°57'52.95"S 52° 2'6.63"O
Pitanga 8 de Junho Maria e Lula Pitanga Lula
Quintal 25°27'3.53"S 52°27'5.57"O
Uvaia 8 de Junho Delci e Sadi
Uvaia Cleci
Quintal 25°26'28.65"S 52°26'48.03"O
Pitanga Terra de Todos Maria e Tercio Pitanga Maria José
Quintal 24°55'26.17"S 52° 0'30.18"O
Uvaia Jabuticabal Cleci e Oclides
Uvaia Palito
PRV 25° 2'9.56"S 51°59'49.34"O
Pitanga 8 de Junho Juca e Maria de Lurdes
Pitanga Lurdes
Quintal 25°26'6.02"S 52°26'59.32"O
Uvaia Terra Livre Elias Uvaia Elias
Potreiro 25°16'17.99"S 52°36'1.57"O
Pitanga 8 de Junho Maria e Lula Pitanga Edenilson
Quintal 25°27'47.51"S 52°26'27.97"O
Uvaia Uvaia Keno (João)
Uvaia do Recanto
II
Quintal 25°15'49.19"S 52°20'15.06"O
Pitanga Terra Livre Elias Pitanga Grande
Potreiro (invernada)
25°16'18.64"S 52°36'7.65"O
Uvaia Palmeirinha Iolanda e Dirço
Uvaia do Dirço
Potreiro 24°54'24.37"S 52°20'34.36"O
Pitanga Jabuticabal Cleci e Oclides
Pitanga Cleci
Potreiro/ Estrada
25° 1'58.92"S 51°59'49.54"O
Uvaia Recanto da Natureza
Uvaia do Recanto
Potreiro 25°16'2.65"S 52°20'21.39"O
Fonte: Pesquisa de campo
170
A partir da caracterização e identificação das 42 matrizes apresentadas, foi
construído uma espécie de “catalogo das frutas nativas” contento grupo, unidade
familiar, coordenada geográfica cor, tamanho, sabor e cheiro de cada boa árvore. Este
catálogo, além dessas informações um tanto quanto técnicas, possui uma dimensão
social importante, a atribuição dos nomes das agricultoras e agricultores para as
matrizes. Esse aspecto contribui na valorização das matrizes, já que a boa árvore
passa a ter novas histórias, por exemplo, ser resultado de uma “pesquisa da
universidade”, ser um símbolo de novos olhares para as frutas nativas. Mas
principalmente, o reconhecimento do papel daquele sujeito que forneceu o nome para
a boa árvore como um agente promotor da sociobiodiversidade, ou como disse o
agricultor do grupo Terra de Todos, um guardião das frutas nativas.
Tal reconhecimento também foi sintetizado em forma de “placas” que foram
entregues a todos as famílias dos grupos que fizeram parte da pesquisa. Estas placas
foram financiadas pelo Laboratório Vivan de Sistemas Agroflorestais e tiveram a arte
desenvolvida por Jaine Amorin que é uma Guardiã das Frutas Nativas do Grupo 8 de
Junho, estudante de ciências econômica da UFFS e assessora de comunicação do
CEAGRO. Cabe destacar que foi sugerido as famílias que receberam as placas fixar
tal material em algum local próximo à sede de sua unidade familiar e que, dentro do
possível, deixá-las visíveis aos visitantes destes locais.
Além dos grupos, o Laboratório VIVAN de Sistemas Agroflorestais da UFFS e
o CEAGRO receberam uma placa em reconhecimento ao trabalho que tais
organizações desenvolve com as frutas nativas na área de abrangência dessa
pesquisa. O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que visitou o Laboratório Vivan da
UFFS durante a caravana Lula pelo Sul do Brasil no dia anterior a defesa desta
dissertação também recebeu uma placa de Guardião das Frutas Nativas em
homenagem as políticas públicas desenvolvidas em seus governos, que dentro de
suas contradições e críticas, fomentaram não só as frutas nativas, mas também a
Agroecologia como “nunca antes na história desse país se viu”.
Na fotografia 59 e 60 apresenta-se um exemplos da arte da placa dos
Guardiões das Frutas Nativas, bem com a entrega das mesmas durante a defesa
desta dissertação. Já na fotografia 61, é exposto a entrega de uma placa ao ex-
presidente Lula.
171
Fotografias 59,60 e 61: Na fotografia 59 exemplo de uma placa confeccionada para a Família de Delci e Sabi do Grupo 8 de Junho. Na fotografia 60 entrega de parte das placas para os agricultores que fizeram parte da pesquisa ao final da defesa da dissertação. Na fotografia 61, entrega de uma placa de Guardião das Frutas Nativas para o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Fonte: fotografia 59 Jaine Amorim; fotografia 59 Maicon Reginato e; fotografia 61 Ricardo Stuckert
Em suma, atribuição dos nomes e distribuição das placas também tem efeito
em quem planta, pois junto com a história da árvore está se plantado a história da
pessoa, do grupo, da família que deu origem ao nome. Com isso aumenta-se o motivo
para o cuidado com a planta e cria-se um ambiente onde novas histórias possam
emergir. Isso por que os guardiões das frutas nativas se dispuseram a contribuir
na conservação e multiplicação das histórias que mulheres e homens
construíram com as frutas nativas por meio da domesticação de plantas e da
Agroecologia.
59 60
61
172
4.3 A MULTIPLICAÇÃO DAS FRUTAS NATIVAS
Se nas seções anteriores deste capitulo foi conceituado, caracterizado e
identificado boas matrizes das frutas nativas, nessa será discutido os resultados da
quarta fase dos procedimentos metodológicos desta pesquisa, a multiplicação das
boas árvores. Para isso serão abordados como são os sistemas produtivos das
famílias que fazem parte desta pesquisa e as formas de multiplicação que os
agricultores usam no plantio das frutas. Em seguida será exposto um plano de ação
para elaboração e distribuição de mudas das frutas nativas. Por fim, há uma descrição
das possíveis paisagens para inserir os indivíduos de frutas nativas.
Ainda que não seja objeto desta pesquisa analisar os sistemas produtivos dos
grupos, cabe pontuar algumas características centrais destes sistemas. A primeira diz
respeito a pluralidade de atividades das famílias. Isso por que em nenhuma unidade
familiar identificou-se casos onde há apenas um tipo de produção. De modo geral
pode-se identificar que existem três sistemas produtivos principais presente nas
unidades familiares de forma simultânea, a produção de leite, a produção de grãos e
produção de hortaliças e frutas. Contudo, o nível de importância, sobretudo econômico
destes sistemas varia de grupo para grupo. No quadro 33 é exposto tal nível.
Quadro 33: Sistemas produtivos principais dos Grupos e o nível de prioridade de cada sistema
Grupo
Sistema Produtivo
Produção de Leite Produção de
hortaliças e frutas
Produção de Grãos
8 de Junho 2º 1º 3º
Jabuticabal 1º 2º 3º
Palmeirinha 1º 2º 3 º
Recanto da Natureza 2º 1º 3º
Terra de Todos 1º 2º 3º
Terra Livre 1º 2º 3º
Fonte: Pesquisa de Campo
Observa-se no quadro em questão que em todos os grupos a produção de grão
ocupa a terceira produção, já a produção frutas e verduras vem em segundo planto
enquanto a produção de leite está em primeiros. Tal resultado pode ser influenciado
173
pela presença de laticínios na região que possuem um sistema de logística que
“busca” a produção na sede da unidade familiar. Com isso os agricultores focam na
produção enquanto as empresas do ramo trabalham no beneficiamento e
comercialização.
Outra característica dos sistemas produtivos diz respeito a paisagem que eles
estão inseridos. Embora esse processo seja diverso, por hora cabe indicar a seguinte
tendência. O leite normalmente se insere em potreiros e pastagens perenes plantadas
nas unidades familiares e ocupa cerca de 60% da área das unidades familiares. As
frutas e hortaliças são plantadas nos sistemas agroflorestais, sobretudos os quintais
agroflorestais num espaço aproximado de 10% da unidade familiar. Os grãos (milho e
feijão) são cultivados no verão em roças que ocupam 30% do espaço que se
transformam em pastagens para o gado durante o inverno. Note-se que o tamanho
médio dos lotes é de 15 hectares.
Mesmo que tais informações sobre os sistemas produtivos sejam mais uma
provocação do que uma caracterização, na figura 62 é apresentado um exemplo
hipotético da tendência identificada dos sistemas produtivos das unidades familiares
presentes dos grupos.
Figura 62: Exemplo hipotético da tendência dos principais sistemas produtivos identificados nas unidades familiares dos grupos
Fonte: O autor a partir das pesquisa de campo
174
Após contextualizado os principais sistemas produtivos, cabe discutira alguns
aspectos do processo de multiplicação que buscou-se promover neste trabalho.
Basicamente, o que se está estimulando é o resgate da intencionalidade na
domesticação, fomentando nesse aspecto a sociobiodiversidade. Para isso, um
importante passo foi estimular “olhares” dos agricultores para as características das
espécies e identificar onde há boas matrizes, bem promover o plantio, via sementes
ou mudas, destas boas árvores. Contudo esse passo não é sinônimo de garantia na
perpetuação dos fenótipos escolhidos, pelo contrário. Fatores que envolvem aos
mecanismos de polinização, a herdabilidade e as condições ambientais contribuem
para que nem sempre uma característica selecionada num individuo seja transmitida
para a geração seguinte (LOUISE,2009). Ou seja, ao coletar sementes de uma “boa
árvore” com fruto doce e grande de Guabiroba (como a Guabiroba Douglas descrita
no quadro 25) e planta-la, a árvore resultante desse processo não necessariamente
terá frutos doces e grandes. Por outro lado, historicamente, o ser humano por meio
de uma espécie de dança com a Natureza que envolve a observação dos melhores
indivíduos, plantio, observação dos resultados e escolhas dos melhores indivíduos
vem colaborando para a diversificação cultural e biológica do planeta (TOLEDO e
BARRERA-BASSOLS 2015). Portanto, mesmo que não haja garantia na
herdabilidade dos fenótipos, multiplicar as boas árvores é, no mínimo, dar um passo
em direção ao retorno/manutenção do ser humano à dança que promove
historicamente vem promovendo a sociobiodiversidade no planeta.
Dentro deste contexto, durante a convivência com os atores sociais destas
pesquisa, identificou-se duas estratégias principais para a multiplicação das frutas
nativas. A primeira estratégias consiste em valorizar o que “já existe” nas unidades
familiares. Isto é, plantar indivíduos oriundos de matrizes presentes nos
agroecossistemas das famílias dos grupos, bem como da comunidade que estão
inseridas. Esse processo ocorre por meio da colheita e plantio de sementes, tanto de
indivíduos presentes na unidade familiar quanto na troca de sementes entre as
famílias dos grupos, como descreve a agricultora 6 na fala a seguir e é exposto na
fotografia 63.
175
Ganhei uma muda de Cereja quando trabalhava na escola como professora. Eu plantei e depois que começou a dar frutos fiz umas mudas e dei para minhas filhas plantar. Esse ano vou fazer isso dinovo, mas além das minhas filhas tem mais gente interessada no grupo que quer. Depois que a gente falou que essa é uma boa Cereja, já veio agricultor aqui em casa esses dias e levou umas sementes, ele disse que lá na casa deles não tem e que vai plantar (Agricultora 6).
Fotografia 63: Agricultora do Grupo Palmeirinha, colocando sementes de Cerejas coletadas da boa árvore identificada como Cereja da Vó Claudia em recipientes que permitiram sua germinação.
Fonte: Pesquisa de campo
Embora a arte de coletar e plantar sementes de frutas nativas seja um artificio
há muito presente nas famílias agricultoras, na fala da agricultora 6, percebe-se que
quando se identificou a Cereja como uma espécie prioritária e a Cerejeira Vó Claudia
como uma boa árvore, outros agricultores do grupo se motivaram a plantar esta
espécie em seus agroecossistemas. Isto é, através das oficinas de identificação das
frutas nativas prioritárias, caracterização das espécies e das boas árvores que gerou
a identificação das matrizes, construiu-se um ambiente de ensino e aprendizagem
onde os agricultores puderam fomentar novos olhares para as frutas nativas e troca-
los entre si, como onde elas estão, quais árvores tem as características que desejo, o
176
que fazer com cada espécie e afins. Como resultado, a estratégia de plantar frutas
nativas via sementes se fortaleceu.
A segunda estratégia consiste em plantar mudas confeccionadas nos viveiros
da região. Como descrito no item 2.5, a maioria das frutas nativas plantadas são
oriundas dos viveiros do IAP de Guarapuava e da empresa ENGIE. Estas mudas
normalmente são distribuídas em eventos que os agricultores participam, bem como
fornecidas e trazidas por técnicos das entidades de assessoria. Visando promover
esta estratégia, articulou-se uma parceria entre o laboratório de sistemas
agroflorestais da UFFS, o CEAGRO e a empresa ENGIE. Essa parceria tem como
objetivo principal multiplicar as boas árvores identificadas nesta pesquisa. Ela consiste
nas seguintes ações: a) coletar sementes das boas árvores indicadas pelos grupos;
b) confeccionar as mudas no viveiro da ENGIE e c) distribuição das mudas para os
grupos que fizeram parte desta pesquisa, mas também ao público atendido do
CEAGRO e do viveiro da ENGIE.
Essa parceria iniciou-se na safra de 2016-2017 das frutas nativas. Nesse ano
foram coletadas frutas de onze Guabirobeiras, quatro Pitangueiras, duas Cerejeiras,
três Araçazeiros e duas Uvaieiras. Após a colheita, as frutas foram pressionadas em
peneiras, lavadas com água corrente e secadas na sombra por 24 horas. Após isso,
foram guardadas em embalagens de papel, identificadas e armazenadas na parte
inferior de geladeiras. Em seguida, elas foram levadas até o viveiro da ENGIE em
Quedas do Iguaçu-PR ou na sede da empresa no município de Rio Bonito do Iguaçu-
PR. Esse transporte aconteceu seis vezes e o tempo de armazenamento das
sementes nas geladeiras variou de 24 horas à 120 horas. Estima-se que foram
levadas cerca de 5 mil sementes nesse primeiro ano da parceria. Note-se que do total
de sementes encaminhadas ao viveiro, germinaram e se transformaram em mudas
aproximadamente 100 Cerejas, 40 Pitangas e 1000 Araçás Vermelhos. Isto é, a
maioria das sementes não se transformou em mudas. Acredita-se que esse
rendimento abaixo do esperado foi ocasionado pelos seguintes motivos: i) falta de
comunicação previa entre do autor da pesquisa com os responsáveis do viveiro acerca
da quantidade de sementes e período de entrega. Com resultado, não foi possível
preparar os procedimentos para plantio das sementes; ii) como as sementes das
177
frutas nativas entregues são recalcitrantes 33 , a taxa de germinação foi pequena,
provavelmente em virtude de problemas no armazenamento e demora no plantio; iii)
as sementes de Guabiroba e Uvaia, além de serem levadas em grande quantidade
sem aviso prévio, chegaram perto dos feriados de natal e ano novo, com isso seu
plantio demorou mais tempo para ocorrer.
Neste contexto, foram distribuídas para os grupos desta pesquisa cerca de 880
mudas, a maioria de Araçá Vermelho. Isso por que tal espécie teve o maior êxito na
produção de mudas, provavelmente por ter dito um tempo menor entre a colheita da
fruta e o plantio das sementes. Além disso, optou-se pelo envio da fruta inteira para
o viveiro, ao invés de retirar e secar a semente. A tabela 34 descreve como foi a
distribuição das mudas confeccionadas na safra 2016-2017
Tabela 34: Resultado da distribuição das mudas confeccionadas das boas árvores de frutas nativas da safra 2016- 2017
Grupos
Espécie 8 de
Junho Terra Livre Terra de Todos Palmeirinha
Recanto da
Natureza Araçá Vermelho 100 150 150 100 300
Cereja 5 10 15 30 5
Pitanga 0 5 10 0 0 Total 105 165 175 130 305
Fonte: Pesquisa de campo
Em relação a distribuição das mudas, embora tenha se buscado priorizar a
entrega de acordo com o apontamento das espécies prioritárias, obedeceu mais
questões de logística (proximidade geográfica dos grupos e visitas aos grupos pelo
autor enquanto técnico do CEAGRO) do que outro aspecto. Por isso, a falta de
planejamento da entrega das mudas pode ser considerado outro ponto falho da safra
2016 e 2017. Contudo aprendizados como este e os demais citados neste item,
contribuíram para construir um plano de trabalho da safra 2017-2018 para o
fortalecimento da estratégia de multiplicar via plantio de mudas.
33 Sementes recalcitrantes são aquelas que não podem ser desidratadas abaixo de um determinado grau de umidade, sem que ocorram danos fisiológicos, como a não germinação. Desde modo, quanto maior for o tempo de permanecia da semente após sua retirada da fruta, menor é sua taxa de germinação se não armazenada de forma especifica.
178
4.3.1 Plano de ação local para a multiplicação
Dos aprendizados que a primeira tentativa gerou, teceu-se um novo plano de
trabalho para a safra 2017-2018, as principais mudança são: a) aumentar espaços de
diálogo entre as partes envolvidas, visando potencializar a preparação do viveiro e a
obtenção de sementes junto aos grupos; b) inserir pesquisas capitaneadas pelo
laboratório de SAF da UFFS; c) planejar, antes da coleta de sementes, a demanda de
mudas dos grupos, da ENGIE e do CEAGRO; d) priorizar a entrega do fruto inteiro
para o viveiro e; e) coletar e entregar r quantidades menores de frutos para o viveiro.
Neste contexto, no meses de outubro e novembro foram coletadas cerca de
dois kg de frutas Cerejas das matrizes da vó Claudia, do Celso e da Rosana, quatro
kg de Guabiroba oriundas das Guabirobeiras Iolanda, Recanto da Natureza, Maria da
Luz e Marlene, além de três kg de Pitanga das boas árvores Marilda, Edenilson e
Lurdes. As frutas foram levadas a sede da emprega ENGIE na cidade de Rio Bonito e
comunicado com antecedência o responsável pelo viveiro a respeito do planejamento
de coleta. Esse processo contribuiu para que a germinação das sementes tivesse
bons resultados. Segundo o responsável pelo viveiro, boa partes das sementes
germinou e ficará disponível para distribuição a partir de novembro de 2018. Contudo,
a sequência do planejamento desta etapa34, foi rompida no dia 5 de dezembro de 2018
em virtude do afastamento médico do autor desta pesquisa.
Mesmo que a safra 2017-2018 das frutas nativas não tenha chegado ao final
até a defesa desta pesquisa, ela permitiu novos acúmulos para construção de um
plano de trabalho envolvendo a multiplicação das frutas nativas via mudas. Nesse
plano estão envolvidos os grupos de agricultores, o CEAGRO, o laboratório de SAF
da UFFS e a empresa ENGIE. Este plano é sintetizado no quadro 35.
Como descrito no 34, o plano de ação é dividido em cinco etapas que vão desde
o planejamento, coletada das frutas, confecção e distribuição das mudas, Cabe
destacar que essa proposta precisa ser discutida e referendada entre as entidades
descritas para saber se há possibilidade de execução, bem como e quais adequações
são necessárias. Mas espera-se que ele possa contribuir na estratégia de
34 Identificar quantos indivíduos os grupos desejam plantar e a paisagens, além de coletar sementes.
179
multiplicação das frutas nativas via plantio de mudas doadas pelos viveiros da região.
Quadro 35: Plano de ação para multiplicação das boas árvores. ETAPAS ATIVIDADES POR QUE? QUEM?
1. Etapa do Planejamento
1.1 Organizar a Demanda/ Capacidade do Viveiro
Identificar quantidade de espécies indivíduos necessários para
realização das pesquisas ENGIE
1.2 Organizar os pedidos de mudas dos Guardiões
Identificar junto aos Guardiões quantidade de indivíduos e
espécies desejados
CEAGRO, Guardiões
1.3 Organizar as demandas de pesquisa
Identificar quantidade de espécies indivíduos necessários para
realização das pesquisas
Laboratório de SAF
1.4 Realizar Reunião de Planejamento
Definir responsáveis pelas atividades. Estimativas de
produção de mudas e pesquisas prioritárias
CEAGRO, ENGE e
Laboratório de SAF
1.5 Realizar Reunião de Monitoramento
Socializar os resultados da confecção de mudas e das
pesquisas. Definir a continuidade do processo
CEAGRO, ENGE e
Laboratório de SAF
1.6 Realizar Reunião de Avaliação
Avaliar o processo e monitorar o novo, caso aconteça
Guardiões, CEAGRO, ENGE e
Laboratório de SAF
2. Etapa da Coleta
2.1 Informar as demandas para os guardiões
Comunicar aos guardiões quantidade, método e data da
coleta de sementes
CEAGRO, Guardiões
2.2 Realizar a Coleta de Sementes (frutas) junto aos
Guardiões
Coletar as sementes para futura multiplicação
CEAGRO, Guardiões
3. Etapa da Confecção de
Mudas
3.1 Prepara o viveiro da ENGE
Organizar materiais, mão de obra e local para plantio das sementes
ENGE
3.2 Entregar as Sementes (frutas) para a ENGE- RBI
Levar as frutas até a sede da ENGE em RBI
CEAGRO, Guardiões
3.3 Entregar as frutas (sementes) ao viveiro da
ENGE-Quedas
Levar as Frutas até o viveiro da ENGE em Quedas do Iguaçu
ENGE
3.4 Confeccionar das Mudas Transformar as sementes (frutas) e mudas prontas para o plantio
ENGE
4. Etapa da Pesquisa
4.1 Preparar o Laboratório de SAF
Organizar, pessoas, materiais e local
Laboratório de SAF
4.2 Entrega as Sementes (frutas) para o laboratório de
SAF
Levar as frutas até o laboratório de SAF
CEAGRO, Guardiões
4.3 Realizar Pesquisas Realizar pesquisas Laboratório
de SAF 5. Etapa
Distribuição de Mudas
5.2 Distribuição das Mudas aos guardiões
Levar as mudas até os guardiões CEAGRO, ENGE e
Guardiões Fonte: Pesquisa de Campo
180
Enfim, por meio do plano apresentado e da identificação de boas árvores,
esparre-se estimular os caminhos para o plantio das frutas nativas, tanto aproveitando
o que já existe nos agroecossistemas quando pelo plantio de mudas dos viveiros da
região. A partir deste estimulo, cabe debater os locais onde as frutas nativas podem
ser plantadas, ou seja, as paisagens da multiplicação.
4.4 AS PAISAGENS DA MULTIPLICAÇÃO DAS FRUTAS NATIVAS
Este trabalho almejava concluir sua quarta fase, a multiplicação das boas
árvores, com identificação da quantidade de espécies e indivíduos cada família
desejava, assim como problematizar os possíveis locais para o plantio das frutas
nativas e indicar a paisagem onde elas poderiam ser inseridas. Porém, em virtude das
dificuldades na germinação já descritas neste e os problema de saúde do autor da
pesquisa, não foi possível realizar tal processo. Contudo, durante a convivência com
os agricultores, foi possível identificar quais paisagens as frutas nativas estão
presentes, assim como os possíveis locais que elas podem ser multiplicadas.
Em virtude da floresta ser a fitofisionomia original do local onde os grupos estão
inseridos, assim como o local de origem das frutas nativas, acredita-se que as
paisagens mais indicadas para o plantio destas especes sejam aquelas que possuem
o elemento arbóreo. Por essa razão, pode-se indicar que local para multiplicar as
frutas nativas são os Sistemas Agroflorestais (SAF). A legislação brasileira define
SAF’s como:
Sistemas de uso e ocupação do solo em que plantas lenhosas perenes são manejadas em associação com plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas, culturas agrícolas, e forrageiras, em uma mesma unidade de manejo, de acordo com arranjo espacial e temporal, com diversidade de espécies nativas e interações entre estes componentes (BRASIL,2009, p.2).
De acordo com este conceito, pode-se dizer que os SAF’s englobam vários
tipos de arranjos com a sociobiodiversidade de cada tempo e espaço. O pesquisador
e extensionista Jorge Luiz Vivan (1998) articulou uma proposta de organização dos
SAF’s, ele argumenta que o conhecimento humano que os constrói se compara a uma
árvore. Os troncos e as raízes maiores são os princípios, as folhas, ramos e raízes
finas são as formas que os sistemas são implantados e manejados. Estas partes
181
menores se renovam de tempos em tempos, influenciadas pelo ambiente externo,
mas os princípios seguem os mesmos. Já os frutos carregam em si toda a informação
genética, os princípios e as adaptações de cada tempo, caso não sejam “consumidos”
caem e apodrecem ao lado da árvore. Se consumidos, espalham a informação para
outros contextos, criando novos ramos e promovendo a evolução e adaptação dos
SAF’s no tempo e espaço.
De acordo com esta perspectiva, durante a convivência com os atores sociais
desta pesquisa, identificou-se que as frutas nativas estão inseridas principalmente em
três ramos: os quintais agroflorestais, os potreiros e a agroflorestação dos sistema de
produção de base ecológica. Os quintais agroflorestais são áreas ao redor das
moradias das famílias, via de regra manejada pelas mulheres. São sistema complexos
que apresentam alta diversidade de espécies de planta de ciclo curto, médio e longo
integradas com a criação de pequenos animais (principalmente porcos e galinhas).
Este ramo é responsável por boa parte da alimentação das famílias agricultoras no
mundo. Outra característica dos quintais, é que o fato deles serem um banco de
sementes e material propagativo “vivo”. Isso por que neles estão presentes uma
grande variedade de plantas de uso medicinal, fonte de energia térmica (lenha),
ornamentação, rituais e afins. Deste modo, os quintais são responsáveis pela
soberania e segurança alimentar da maioria da população mundial que reside nas
áreas rurais (FAO,2005). Na fotografia 64 se exibe um quintal agroflorestal do grupo
Jabuticabal.
Sugere-se como estratégia para aumentar o número de indivíduos de frutas
nativas, o plantio em forma de sementes e mudas em espaços com densidade menor
de árvores. Soma-se a isso, a possibilidade de podar ou retirar árvores que estão nos
quintais, e plantar as frutas nativas nestes espaços. Também é possível potencializar
o crescimento de plantas provenientes da regeneração por meio do aumento da
incidência de luz solar, podas e adubações.
Já os potreiros são paisagens que mesclam o elemento arbóreo com
gramíneas (capim) e animais, moralmente vacas. Essa interação permite que nas
épocas de frutificação das árvores, os seres humanos e os animais se alimentem dos
frutos. Assim como os quintais, os potreiros tem uma função histórica de conservação
da sociobiodiversidade. Suas dimensões variam, em alguns contextos sua extensão
é grande, em outros, como identificado nesta pesquisa, são áreas menores,
182
moralmente ao redor das casas e conjugadas com os quintais agroflorestais (CETAP,
2015). A fotografia 65 apresenta um potreiro de um dos grupos desta pesquisa.
Fotografia 64: Manejo de uma árvore de Araçá Vermelho num quintal agroflorestal do grupo Jabuticabal.
Fonte: Pesquisa de Campo
Fotografia 65: Agricultores do grupo Palmeirinha manejam uma Guabiroba localizada num potreiro do grupo.
Fonte: Pesquisa de campo.
183
Para multiplicar as frutas nativas nos potreiros, é necessário se atentar a
influência dos animais nesse processo. Segundo relatos dos agricultores, até o tronco
da árvore possuir o mesmo diâmetro que uma garrafa de cerveja de 600 ml, o animal
pode quebrar a árvore ao se coçar nela. Deste modo, além de se analisar o modo de
plantio, é necessário avaliar técnicas para evitar que as vacas danifiquem as frutas
nativas. Algumas alternativas são rodear a árvore com fios elétricos ou com grimpa de
pinheiro. Por outro lado, o agricultor 7 comenta sobre o assunto.
Olha, uma coisa é um espaço que não tem árvore nenhuma você plantar árvore. Já viu um animal se coçando? Dá gosto de ver o prazer que o bicho sente. Se a gente tira todas as árvores, qualquer pau que o bicho vê ele vai querer se coçar. Agora, num potreiro que tem um monte de árvore, maior e mais grossa pra coçar, o bicho vai escolher elas e deixar as mais novinhas crescerem. Mas o que tem que tomar cuidado quando elas tão bem pequeninhas, por que o bicho pode pisar em cima e quebrar (Agricultor 7).
Outra possibilidade de multiplicação das frutas nativas nos sistemas
agroflorestais é o ramo que pontuamos como agroflorestação dos agroecossistemas
de base ecológica. Este ramo gera diversos arranjos possíveis, mas sua característica
central é a inserção do elemento arbóreo nos sistemas produtivos já existentes nas
unidades familiares, incluindo as frutas nativas. Este movimento de “agroflorestação”
vem ganhando destaque junto aos grupos de agricultores vinculados a Rede Ecovida
de Agroecologia, como comenta Alvir Long, coordenador do CETAP durante uma
oficina sobre a sistematização do Projeto Ecoforte facilitada pela Articulação Nacional
de Agroecologia35.
A gente tem que começar a trazer os princípios dos sistemas agroflorestais para dentro dos locais onde as famílias já trabalham. Aquela lógica de criar uma unidade de referência dentro dos agroecossistemas que não dialoga com o que está acontecendo não é a melhor opção. O que estamos buscando é colocar árvores e estimular técnicas de poda para uso da biomassa junto com aumento de espécies frutíferas, de preferência nativa e crioulas, nas hortas, produção de grãos, pomares, quintas e demais espaços que as famílias ecológicas já manejam (LONG, 2017).
35 O autor desta pesquisa participou da oficina citada onde dialogou com o senhor Alvir a respeito dos sistemas agroflorestais e das frutas nativas. A atividade aconteceu nos dias 22 e 23 de agosto de 2017 na cidade de Campinas-SP.
184
Estas árvores podem ser inseridas em linhas ou distribuídas de forma dispersa
nos sistemas produtivos já existentes. Em alguns arranjos, é inserido espécies que
contam com elevada capacidade de crescimento e, preferencialmente, com boa
capacidade de rebrota em alta densidade. Estes indivíduos são podados
sazonalmente e sua biomassa promove a fertilidade do sistema, como acontece no
cultivo em aleias (KANG, 1992). Porém, tal estratégia as frutas nativas não são os
indivíduos podados, mas podem se beneficiar da matéria orgânica gerada pela poda.
Outra opção que as frutas nativas podem ser inseridas neste ramo, é seu plantio de
forma pouco adensada na plantação de grãos, nas hortas, nos pomares, enfim, em
qualquer paisagem produtiva dos agroecossistemas das famílias. Cabe ressaltar que,
na medida que tais árvores de desenvolvem, é possível manejar sua copa e altura de
tal forma que convivam em sinergia com outras espécies implantadas anteriormente.
Na fotografia 66 há um exemplo desse tipo de paisagem.
Fotografia 66: Imagens de um mutirão de implantação de árvores num sistema produtivo de base ecologia com foco na produção de hortaliças.
Fonte: Pesquisa de campo.
Na fotografia 58, observa-se a inserção de novas árvores36 por meio de um
mutirão. Também está destacado, por meio do círculo, uma linha de árvores de
36 Nesse dia foram plantadas mudas de laranja.
185
pêssego e laranja. Também é possível reparar a presença de bananeiras que servem
como fonte de matéria orgânica para o sistema. Neste exemplo, as frutas nativas
poderiam substituir as laranjas e os pêssegos.
A partir da descrição analítica dos caminhos que os grupos usam para plantar
as frutas nativas, assim como as paisagens principais que elas estão inseridas
discutidas até aqui, é possível fazer uma estrapolação do processo para outros
contextos. Longe de ser uma receita, pode-se sistematizar a seguinte reflexão para
um possível caminho de multiplicar as frutas nativas, sendo:
i) resgatar olhares para as frutas nativas: através da construção de ambientes
de ensino e aprendizagem que englobem agricultores, técnicos, pesquisadores,
consumidores e afins, deve-se problematizar a invisibilidade e desqualificação
com as frutas nativas. Bem como resgatar e promover os saberes e fazeres
vinculados as espécies, contribuindo deste modo para a valorização das frutas
nativas;
ii) partir do que já existe: após a valorização das frutas nativas, é interessante
partir do que “já existe” no local. Realizar estimativas de quantidades de
indivíduos e quais são as espécies prioritárias é relevante. Neste diagnostico
também é importante caracterizar e identificar indivíduos classificados como
boas matrizes. Estas árvores selecionadas devem ser plantadas e monitorado
se as características das frutas são o esperado. Caso sim, são esses indivíduos
que devem ser considerados matrizes;
iii) trocar sementes e mudas: em conjunto com a valorização do que já existe
e a caracterização do tipo de árvore ideal, deve-se buscar trocar as informações
do que é ideal e de sementes e mudas de árvores classificadas como boas
matrizes de outros contextos. É relevante que os resultados dessa troca sejam
acompanhados, e caso foram interessantes, os indivíduos trocados podem ser
indicados como matrizes. Buscar que o planejamento seja elaborado de forma
coletiva e articulado de com diversas entidades, como descrito no plano de ação
do quadro 34, pode potencializar esse processo;
iv) plantar em paisagens que os agricultores manejam: em relação ao
plantio, é essencial fazer isso em paisagens que contem com frutas nativas e
que faça parte do dia da dia dos agricultores. Acredita-se que, em virtude da
186
grande distribuição dos quintais agroflorestais e dos potreiros pelo mundo, estas
duas paisagens são a porta de entrada para a multiplicação das frutas nativas.
Após essa etapa, é relevante pensar em agroflorestar os demais espaços
produtivos das unidades familiares, sobretudo nos locais que tem como
fitofisionomia original a floresta.
Note-se que esta proposta de multiplicação para ter êxito, carece de ações em
outras dimensões, como articular canais de comercialização, preferencialmente que
aproximem agricultores de consumidores como as feiras. Estruturar espaços de
processamento, como as cozinhas comunitárias, e regulariza-las na vigilância
sanitária afim de gerar novos produtos e aumentar os canais de comercialização.
Realizar pesquisas e fortalecer a assessoria técnica que vise, em conjunto com os
agricultores, resolver as demandas e os problemas que emergem.
Para discutir essa multidimensionalidade, é prudente retomar a
problematização da invisibilidade das frutas nativas exposta no item 2.1, porém com
foco nas possíveis alternatividades para a valorização das frutas nativas a partir da
emergência de um pensamento pós-colonial, como é descrito no próximo item.
4.5 A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO PÓS COLONIAL NA VALORIZAÇÃO DAS FRUTAS NATIVAS
Este item irá debater a emergência de caminhos que vão além do pensamento
colonial, sobretudo no que tangue a valorização das frutas nativas. A junção dessas
emergências serão agrupadas neste trabalho sobre o termo pensamento pós-colonial.
Este pensamento tem sua origem nos sujeitos que estão do outro lado da linha
(SANTOS, 2010). Mas o que o que há do outro lado da linha? Do outro há uma riqueza
socioambiental tamanha para se questionar se houve descoberta ou invasão, para se
indagar quem eram os civilizados e os selvagens, duvidar do mito eurocêntrico de
poder (DUSSEl,1993). Certo é que do outro lado da linha há diversidade. Nele estão
os quéchuas, aymaras, caingangues, guaranis, ianomâmis, mapuches, nauatles,
zapotecas e, literalmente, centenas de outras etnias que resistem da Terra do Fogo
ao Alasca, agrupados pelos colonizadores nos termos índios, indígenas ou povos
187
originais (DUSSEL, 1993). Estão mulheres, seringueiros, camponeses, assentados
de reforma agrária que lutam com suas vidas por justiça (sócio)ambiental (SANTOS,
2003). Estão as centenas de etnias africana como os bantos, nagôs, jejes e zulus. Os
aborígenes e os polinésios da Oceânica, bem como boa parte dos bilhões de Asiáticos
(DUSSEL, 1993). Ou seja, está uma vasta quantidade de histórias, relações, saberes,
fazeres, modos de reconhecer o conhecimento e formas de coexistir com a Natureza,
pois como lembram Toledo e Barreto (1992), para o Homo sapiens estar no planeta à
200 mil anos foi necessário diversificar, as plantas, as paisagens, os olhares, os
fazeres e saberes, afinal a “vida dilata-se constantemente em direção a novidade”
(CAPRA, 2002, p. 31).
Dentro deste heterogeneidade, alguns aspectos unem os sujeitos que estão do
outro lado da linha. Em primeiro lugar, pode-se destacar a própria diversidade e o
desejo de não homogeneizar o outro, em segundo, o fato de serem colonizados, de
estarem juntos na subumanidade criada pelo pensamento colonial (SANTOS, 2002).
Este reconhecimento da existência do poder do colonialismo na atualidade, bem como
a influência que ele proporciona no dia à dia deste sujeitos, é um importante passo
para ir além do pensamento colonial e (re)criar outros mundos (QUIJANO, 2010).
Neste contexto, para que seja possível manter a diversidade, gerar aproximações e
intervenções no real de forma concreta, o pensamento pós-colonial busca colocar em
xeque cada uma das monoculturas que constroem o pensamento colonial, e substituí-
las por ecologias, que se baseiam no
(...) reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos e em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer sua autonomia, ou seja, ela se baseia que a ideia de conhecimento é interconhecimento” (SANTOS, 2010, p.53).
O termo ecologia também é uma analogia da interdependência e complexidade
dos aspectos ambientais, sociais, culturais, psicológicos, geológicos e afins que tecem
a realidade. Embora conectadas, Santos (2002) aponta a existência de cinco
ecologias:
i) Ecologia das temporalidades: pretende ampliar a lógica de que o tempo linear
é o único. Para isso busca-se o diálogo com outras concepções de tempo, como
188
o tempo circular, a doutrina do eterno retorno e tantas outras compreensões que
não se enquadram nem pela imagem de linha nem círculo;
ii) Ecologia dos reconhecimentos: Ambiciona a desconstrução tanto da diferença
entre mulheres e homens como a hierarquia que implícita ou explícita tenta
controlar cada pessoa em sua classe ou raça. Visa aproximar as igualdades e
diferenças em prol da construção de diferenças iguais, isto é, que que o
reconhecimento da diferente do outro não o torne nem superior ou inferior;
iii) Ecologia das trans-escalas: visa alargar a lógica da escala global hegemônica
por meio do reconhecimento e resgate de outras formas de relação entre o
local/global. Para tanto é necessário uma imaginação cartográfica que valorize
mapas cognitivos que operam simultaneamente em escala global e local
diferentes da promulgada pela globalização hegemônica;
iv) Ecologia de produtividade: quer articular novos horizontes à monocultura dos
critérios de produtividade capitalista. Para isso busca a recuperação e
valorização de sistemas alternativos de produção como as organizações
econômicas populares, das cooperativas operarias, das empresas autogeridas,
da economia solidaria e assim por diante. O caminho indicado é colocar em
dúvida o paradigma do desenvolvimento e do crescimento econômico infinito do
capitalismo global como o único existente, assim como valorizar outras relações;
v) Ecologia de Saberes: deseja articular diálogos entre os diferentes saberes dos
sujeitos que compõem o outro lada da linha, de tal forma que ao mesmo tempo
que se respeita o processo cognitivo do outro, alarguem-se os saberes de todos.
Aumentando assim as possibilidades de intervenção no real. Essa ecologia é
reposta para a monocultura do saber e do saber do rigor que como mencionado,
é a forma mais intensa de produzir ausência.
A partir da necessidade de busca por equilíbrios dinâmicos por meio destas
ecologias, reconhecer a influência do pensamento colonial e valorizar a diversidade,
alguns sujeitos do outro lado da linha iniciam um movimento de união. Essa união se
dá por meio da constituição de redes, primeiro de nível loca e depois em escala global.
Essas redes tem como objetivo principal resistirem ao pensamento colonial, que
avança sob a insígnia de globalização hegemônica. De dizer que outros mundos não
só são necessários, quanto já existem. A este processo dá-se o nome de globalização
189
contra-hegemônica. Esta globalização busca encontrar novos caminhos para a
emancipação social, a partir de redes geridas e gestionadas no sul global (SANTOS,
2010).
Para promover a globalização contra-hegemônica, assim como atenuar os
impactos causado pelas monoculturas e epistemicídios, criam-se duas sociologias:
das ausências e das emergências (SANTOS, 2002). A sociologia das ausências tem
como objetivo reverter o desperdício de experiências e conhecimentos da
humanidade. Sua estratégia é libertar as experiências e seus atores das relações de
dominação e inviabilidade, tomando-as presentes. Ser presente significa ser visível,
isto é, que o conhecimento e a prática dos sujeitos do sul global sejam considerados
alternativas às experiências hegemônicas. Portanto, uma a sociologia das ausências
aumenta a quantidade de experiências, relações, cosmovisões, epistemologias a fim
de dilatar os arcabouços de relações possíveis do nosso planeta, deixando-o mais
diversos (SANTOS, 2002).
Já a sociologia das emergências almeja diminuir o vazio causado pela escolha
do caminho eurocêntrico como o único possível. Deseja questionar a premissa que o
tempo é linear e que a história se dá na direção única do subdesenvolvimento para o
desenvolvimento. Esse processo acontece pela substituição do futuro pronto –
europeu – por um futuro incerto e plural, repleto de direções e possibilidades que
emergem nas experiências práticas articuladas a partir do outro lado da linha. Como
resultado, novos horizontes passam a serem visualizados, questionados, aceitos ou
refutados. (SANTOS,2002).
Com base nesta riqueza de possibilidade, o pensamento pós-colonial vai
tecendo suas alternativas, agrupadas numa tentativa de globalização contra-
hegemônica. Embora incipiente, tal modelo de integração já apresenta algumas
características centrais: a) não há distinção entre teoria e prática, pois o conhecimento
é construído para e na prática social; b) há pouco registros e sistematizações, pois o
foco dos atores é se expressarem através do que fazem acontecer no mundo; c) não
se concentram em ideias abstratas de verdadeiro, bom ou justo, procuram a conquista
de uma vida melhor por meio de experiências concretas de suas lutas diárias; d) suas
ações e conhecimentos não se deixam definir exclusivamente por proposições
lógicas, já que privilegiam o uso de exemplos, provérbios, histórias, e mitos narrados
como parte de sua realidade; e) não se consideram tradicionais, modernos, religiosos,
190
especialistas ou não especializados. Socorrem-se de tudo quando algo lhe é útil,
entretanto é bem claro contra o que vivem; f) não são donos da verdade, mas sentem-
se ligados a verdades práticas de situações concretas que direcionam o que deve ser
realizado; g) os conhecimentos metódicos, fazem uso de vários critérios de análise.
Deste modo enxergam ligações que a ciência moderna não atinge e; h) os argumentos
de seus conhecimentos se justificam pela demonstração prática e falas na linguagem
da comunidade (SANTOS, 2009).
Bem, a partir da apresentação deste conceitos que constituem o pensamento
pós-colonial, o próximo item irá apontar algumas relações entre o pensamento pós-
colonial e o universo rural, sobretudo no que se refere as frutas nativas.
4.5.1 O Rural “do outro lado da linha”: ecologia de saberes, Agroecologia e
circuitos de proximidade
O pensamento pós-colonial afeta aspectos sociais, ambientais, econômicos e
afins do rural. Contudo, serão abordados três aspectos neste trabalho: i) a construção
do conhecimento via ecologia de saberes; ii) a emergência da Agroecologia e; iii) a
possibilidade de relações comerciais solidárias através dos circuitos de proximidade.
O pensamento pós-colonial, através da busca do equilíbrio dinâmico articulado
via ecologia de saberes, sociologia das ausências e das emergências, substitui a
lógica de epistemicídios dos sujeitos que estão do outro lado da linha pelo resgate e
valorização de seus conhecimentos (SANTOS, 2002). Como resultado, o processo
histórico que cada comunidade construiu no decorrer do tempo com a Natureza passa
a ser valorizado como caminho possível. A partir deste reconhecimento, somam-se as
experiências de agricultores de outros contextos socioambientais, bem como
pesquisadores, técnicos, alunos, consumidores e afins, unidos pelas redes que
formam a globalização contra-hegemônica.
Nesse caldeirão no qual se fundem e se amalgamam os saberes (LEFF, 2002),
a lógica que o conhecimento é criado/desenvolvido nos espaços de pesquisa e
transferido para os agricultores é questionada (CAPORAL e COSTABEBER, 2002).
Em seu lugar, emerge a busca pela criação de ambientes onde todos possam
perguntar/responder e ensinar/aprender, já que parte-se da premissa que “ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção” (FREIRE, 1996, p. 21). Nesse ambiente de construção de conhecimento,
191
a quantidade de manejos possíveis nos agroecossistemas, técnicas agrícolas e uso
de plantas se alargam, ou seja, a memória biocultural da espécie humana fica mais
diversa (TOLEDO e BARRERA- BASSOLS 2015).
No âmbito das frutas nativas, o reconhecimento da diversidade de maneiras de
coexistir com a Natureza e a troca destas experiências entre os sujeitos que compõem
a globalização contra hegemônica, facilita desmitificar o modo pejorativo que parte da
sociedade trata as frutas nativas, bem como valorizar um processo de domesticação
destas espécies que fomente a sociobiodiversidade. Para isso, um importante passo
é resgatar e promover olhares para as frutas nativas, como sintetiza na fala a seguir.
Depois que eu vi o processamento das frutas nativas, os produtos que dá pra fazer e a comercialização, comecei a prestar mais a atenção nas frutas nativas. Estava falando em casa esses dias da quantidade de coisa que a gente tem que nunca deu bola. Tem ano que o chão fica amarelo de Guabiroba e nunca imaginei que podia usar a fruta em tanta coisa, a renda que isso pode dar. Agora estou dando mais atenção e comecei a fazer poda não só das outras frutíferas, já fiz nas pitanguás e araçás que estão meio pequenos. Também quero abri em volta daquelas que estão muito abafadas (Agricultor 12).
Quando o agricultor 12 relata ter dito acesso a outras experiências sobre as
frutas nativas, tanto pelo contato com agricultores quanto de técnicos e
pesquisadores, os saberes, fazeres e a motivação do agricultor sobre elas
aumentaram. Isto é, quando se presta mais atenção nas frutas nativas, está se
contribuindo para que seja resgatado e promovido o processo de domesticação destas
espécies. Sendo esse um importante passo do processo.
Outro aspecto do pensamento pós-colonial que altera o rural é a emergência
da Agroecologia. A partir das discussões do Item 2.3, situamos ela como parte do
pensamento pós-colonial em virtude dos seguintes aspectos: i) valorização do saber
do dos sujeitos do outro lado da linha, como os indígenas da América Latina,
sobretudo de sua capacidade de gerir e gestionar seus agroecossistemas (ALTIERI,
2009; GLIESSMAN, 2001); ii) sua abordagem complexa que busca analisar aspectos
socais, ambientais, e econômicos da realidade, confeccionando deste modo leituras
e intervenções interdependentes e dinâmicas do real (SEVILLA-GUZMÁN, 2002).
Esta complexidade afasta a Agroecologia das monoculturas do pensamento colonial
e aproxima das ecologias do pensamento pós-colonial (SANTOS, 2002); iii)
valorização da diversidade de saberes e o diálogo entre eles (LEFF, 2002) em
192
detrimento dos epistêmicos fomentado pela transferência de conhecimento da
revolução verde; iv) pretensão de construir e gerenciar agroecossistemas
sustentáveis, fortalecendo os processos ecológicos essências por meio de interações
com o manejo humano(ALTIERI, 2009; GLIESSMAN, 2001). Logo, o ser humano
passa a contribuir para a conservação da Natureza, bem como dos bens naturais que
ela proporciona, ao invés de trata-la apenas como fonte, inesgotável, de recurso,
como é feito no pensamento colonial (SANTOS e MENESES, 2005).
Neste contexto, se faz necessário pautar alguns argumentos para aproximar a
Agroecologia, pensamento pós-colonial e valorização das frutas nativas. Para Feiben
e Borsato (2011), a dimensão técnico-produtiva da Agroecologia tem seu ápice na
geração de sistemas complexos de produção, que imitam o funcionamento do
ecossistema original. Como a fisionomia original de boa parte dos ecossistemas do
outro lado da linha é florestal, o caminho para a sustentabilidade passa pela
incorporação do elemento arbóreo nos espaços produtivos. Nesta incorporação,
inserir indivíduos que historicamente estão adaptados ao local, como as populações
de frutas nativas, pode potencializar a sustentabilidade dos agroecossistemas. A fala
do agricultor 13 problematiza a relação entre frutas nativas e equilíbrio dos
agroecossistemas.
Se a gente reparar bem, tudo isso aqui era mato. E não faz muito tempo isso não. No tempo do meu pai tudo isso era capoeirão. Em 40 anos vamos dizer, a gente tirou toda a floresta e entrou com os venenos. Hoje em dia, é difícil plantar alguma coisa sem dar algum problema. É formiga, grilo, doença nas plantas e por ai vai. Mas quando a gente olha pra floresta tem doença? Deve ter alguma coisa, mas a quantidade de coisa boa é maior. Por isso que esse trabalho com as agroflorestas é importante. Pra gente voltar a ter equilibro na produção. E por que não colocar as frutas nativas também? Elas estão ai faz um tempão, já estão acostumada com o clima. A gente sabe agora onde tem boas árvores, qual planta cada família tem e o que quer aumentar (Agricultor 13).
Outro aspecto que relacionam as frutas nativas com a Agroecologia é o diálogo
de saberes. Ele permite que seja construído, de forma participativa, quais são as
características socioambientais que os agricultores desejam encontrar nas árvores de
frutas nativas, como realizado na caracterização de boas matrizes desta pesquisa.
Esse processo gerou seis indicadores que se vinculam a aspectos produtivos (produz
bem; produz frutas iguais e tamanho da fruta) mas também a cor, cheiro e sabor. Cabe
ressaltar que na lógica de transferência de conhecimento da revolução verde, há uma
193
tendência em não levar em conta a opinião dos agricultores e focar em aspectos
vinculados a produtividade e adaptação ao pacote de insumos industriais
(GLIESSMAN, 2001). Este ambiente de diálogo de saberes possibilita que visões
como da agricultora do grupo Palmeirinha sejam sistematizadas.
Não tenho dúvida que a coisa mais importante para escolher uma boa árvore de Guabiroba é o sabor e o cheiro da fruta. O que vale ter uma fruta grande mas sem gosto de nada? Tem que ter aquele cheiro que a gente sente de longe e ser gostosa. Senão vira igual aquelas comidas de mercado que não tem gosto de nada, só tamanho. Como os frangos e porcos que parece que tem ar dentro, ou os milhos que não tem nem cheio de milho. Não sei para os outros, mas pra mim comida de verdade tem que ter cheiro e gosto de comida de verdade (Agricultora 14).
De fato, quando se somam olharem, via ecologia de saberes (SANTOS, 2002)
ou dialogo de saberes (LEFF,2002) a multidimensionalidade do rural (e das frutas
nativas) fica mais evidente, como apontado na escolha de indicadores para boa
árvores e na fala da agricultora 14. Deste modo, criam-se ambientes de ensino-
aprendizagem que tendem a intervir nos agroecossistemas, e nas frutas nativas de,
forma mais complexa. Aumentando assim a possibilidade de geração de mais vida,
isto é, promovendo a sociobiodiversidade.
A fala do agricultor 15 também aproxima a valorização das frutas nativas com
a Agroecologia a partir da promoção do potencial endógeno das comunidades.
Aprendi com um dos primeiros técnicos que passou por aqui que na Agroecologia a gente tem que partir do que a gente já tem, já sabe produzir e plantar. Daí a gente vai trocando experiências e melhorando o que já fazia e plantando coisas novas. Acho que isso tem tudo a ver com as frutas nativas. Elas já estão ai, de um jeito ou de outro a gente sabe plantar, colher e o que dá pra fazer com cada uma. Por que a gente tem que plantar só muda de árvore que vem de fora, que nem sabemos se vai se dar bem na região ou não? Eu defendo que pode plantar coisa de fora, mas também tem que valorizar o que tem nos nossos lotes e a gente já sabe trabalhar, como as frutas nativas.
Intrincado com a Agroecologia, o pensamento pós-colonial interfere no rural
através do questionamento que os impérios alimentares são o único caminho para os
agricultores se relacionarem com os consumidores. Para isso se questiona o mito que
não há alternativas ao capitalismo, através da análise de caminhos de produção não
capitalista, onde busca-se produzir para viver e não para acumular (SANTOS, 2005).
Essa busca por relações mais econômicas mais igualitárias, vem despertando
194
discussões em diversos atores do rural. Um exemplo desse processo são “circuitos
de proximidade” (PEREZ-CASSARINO 2012). Estes circuitos orientam novas relações
entre os sujeitos que compõem os sistemas agroalimentares.
Trata-se de construir espaços e relações de mercado que priorizem a proximidade espacial, mas que articulados a essa proximidade possibilitem a informação interpessoal, gerem e fortaleçam sociabilidades, bem como as relações de solidariedade e reciprocidade entre os atores envolvidos (PEREZ-CASSARINO e DAMASCENO, 2013).
A partir dessa relação de proximidade entre quem produz, beneficia,
comercializa e consome, os circuitos de proximidade fomenta a construção social dos
valores dos produtos, aumento assim a possibilidade que mais sujeitos tenham
acesso a alimentação de base ecológica. Também cria-se um ambiente e diálogo entre
consumidores e produtores. Com isso, os agricultores socializam suas dificuldade em
produzir certos alimentos, problemas em se manter certo tipo de padrão e quais
alimentos possuem em seus agroecossistemas. Já os consumidores podem
apresentar suas demandas, apontar problemas e qualidade dos produtos. Note-se
que essa troca de informação vai além de uma relação entre sim e não, nela são
explicados os porquês da resposta, fomentando assim a transparência das entre os
elos do sistema agroalimentar (PEREZ-CASSARINO e DAMASCENO, 2013). Esse
processo contribui para que sejam tecidas relações onde todos ganham. Os
agricultores, consumidores e a Natureza. Ou seja, os circuitos de proximidade
promovem relações comerciais que vão além da logica mercantilista dos impérios
alimentares. Contribuindo deste modo para a construção e disseminação do
pensamento pós-colonial na comercialização e consumo de alimentos.
Enfim, nesta busca de ir além dos impérios alimentares, resgatar e promover
processos mais solidários, tanto ambiental quanto econômico e social, o pensamento
pós-colonial altera o rural, sobretudo no que se refere com a valorização das frutas
nativas em diferentes aspectos. Nestas palavras menciona-se três: i) espaços para
comercializar as frutas nativas; ii) valorização das frutas nativas por meio da
aproximação entre agricultores e consumidores e; iii) lutar por políticas públicas
emancipatórias.
Em relação a oportunidade dos agricultores terem espaços para comercializar
as frutas nativas, in natura ou processada, cabe destaque para a comercialização das
195
frutas in natura em embalagens de plástico nas feiras articuladas pelos grupos desta
pesquisa (descrita item 3.2). A fala da agricultora 16, que realiza feira agroecológica
da cidade de Laranjeiras do Sul-PR explica as vantagens dessa ação.
Esse ano a gente vendeu perto 500 reais entre Pitanga, Guabiroba e Cereja em bandejinhas na feira. Parece que não é muito mais ajuda. É um dinheiro bem dizer limpo, que a gente não gasto quase nada pra ganhar. E se caso não vender nada, como é pouco e perto a gente traz de volta e come, dá pros bichos. Perder não perde nada. Outra coisa é que é difícil a pessoa ir na feira e levar uma coisa só e ir embora, as vezes a pessoa vê uma embalagem de Pitanga na barraca e para. Nisso ela já olha as outras coisas e acaba levando mais (Agricultora 16).
O segundo aspecto que relaciona o rural com o pensamento pós-abissal, diz
respeito a valorização das frutas nativas por meio da aproximação entre agricultores
e consumidores nos circuito próximos de comercialização. Isso por que, nestes
espaços, como as feiras e entregas diretas por exemplo, é possível que os agricultores
divulguem a importância das frutas nativas para os consumidores, permitindo que em
alguns caso seja experimentada a espécies pela primeira vez. A fala da consumidora
2 na barraca articulada pela COPERJUNHO e o CEAGRO traz um exemplo da
valorização das frutas nativas nos circuitos de proximidade.
Eu nunca tinha tomado suco de Guabiroba. Achei que ficou muito bom. A quantidade que tem dessas frutas por ai e a gente nem valoriza. As vezes estamos comprando sucos, refrigerante no mercado e não nós damos conta do que a Natureza fornece pra gente. Muito obrigado! Ganhei o dia hoje, depois vou trazer meu pai, ele vai adorar e meus filhos que nunca devem ter nem comido a fruta vão experimentar hoje pela primeira vez! (Consumidora 2).
Se os circuitos curtos possibilitam que os consumidores valorizem as frutas
nativas, o movimento contrário também existe. Durante visita a feira organizada pelo
grupo Terra Livre no município de Nova Laranjeira, acompanhou-se a experiência do
grupo no comercio de pedaços de fruta congelada de Guabiroba. Nessa feira, uma
consumidora conversou com o grupo de como a Guabiroba tinha “gosto de infância”
pra ela. No diálogo, a consumidora perguntou quais outras frutas nativas os
agricultores possuíam em suas unidades familiares. Como resultado desta interação,
ficou acordado a comercialização de pedaços de frutas congeladas de Uvaia e Araçá
Vermelho para a próxima safra.
196
A fala da agricultora 17 também exemplifica o papel dos circuitos próximos de
comercialização com a valorização das frutas nativas.
Esse ano eu fiz pela primeira vez doce de Guabiroba por que aumentou a procura por fruta nativa. E sabe que ficou bom? Levei para feira e um consumidor levou para outro. Depois veio uma que que disse ter experimentado o doce numa oficina de fruta nativa. Ela gosto tanto que encomendou 10 potinhos para levar de presente para os parentes no final de ano (agricultora 17).
Cabe destacar que essa aproximação não se dá apenas em aspectos
vinculados a produção e comercialização Nela os agricultores e consumidores se
aproximam como sujeitos na busca por novas relações entre si e com a Natureza.
Essa relação próxima, contribui para outro aspecto da articulação entre pensamento
pós-colonial e o rural. O acesso solidário às frutas nativas. Em outros termos, que os
consumidores consigam além de ter a oportunidade de adquirir as frutas nativas, que
o valor seja acessível a maioria da população. A fala do agricultor 9 exemplifica esse
raciocínio.
Nossa luta não é pra produzir orgânico e vender pra quem dinheiro para pagar. Em primeiro lugar a gente luta pela reforma agrária. Para que todo mundo possa produzir seu próprio alimento, saudável e protegendo a Natureza. Mas enquanto esse dia não chega, nosso coletivo decidiu que vamos vender os produtos com preço que aquelas pessoas que mais precisam possam pagar. Por isso que a gente começou a fazer feira toda semana bem no meio de um bairro pobre de Laranjeiras do Sul (Agricultor 9).
Ainda que a fala do agricultor 9 não deixe explicito que a solidariedade na
comercialização diz respeito as frutas nativas, de forma implícita pode-se dizer que
sim, pois o grupo citado comercializa tal produto em suas feiras, e o diálogo de onde
se extraiu a fala tratava do tema das frutas nativas.
Outro aspecto da articulação entre as diferentes etapas do sistema
agroalimentar do outro lado da linha, isto é, dos membros da globalização conta-
hegemônica, é sua luta por políticas públicas emancipatórias, também para o rural.
Assim como os impérios alimentares interferirem nas políticas públicas, os que
defendem sistemas alternativos buscam que parte de suas demandas atendidas pelo
Estado. Porém, esse processo não se dá pela coerção centrada no poder financeiro,
mas pela pressão popular em prol de políticas públicas que promovam justiça
ambiental.
197
No âmbito das frutas nativas, pode-se citar o exemplo que envolveu o PNAE
do Município de Laranjeiras do Sul. A articulação realizada com o Núcleo Mauricio
Burmester do Amaral da Rede de Agroecologia Ecovida, descrita no item 2.5, ajudou
para que, a experiência de comercialização dos pedaços de frutas congeladas
realizada na chamada pública do PNAE do município de Castro-PR, fosse replicada
na Cidade de Laranjeiras do Sul-PR. Para isso, os grupos Recanto da Natureza e 8
de Junho, com auxílio do CEAGRO e da UFFS, dialogaram com as gestoras do PNAE
do ano de 2018 os benefícios das frutas nativas e a experiência do município de
Castro. Essa articulação contribuiu para que no ano de 2018, 1.000 quilos de produtos
da fruta congelada, com ênfase nas frutas nativas, fosse inserida na chamada pública
do PNAE da Cidade de Laranjeiras do Sul. Como Laranjeiras do Sul é considerada
uma referência na região, acredita-se que nos próximos anos outros municípios
repliquem o processo.
Para finalizar este capitulo, após sobrevoado alguns aspectos do pensamento
colonial e pós-colonial, bem como a maneira que eles influenciam o rural, pode-se
resumir que o pensamento colonial, por meio de suas monoculturas e epistemicídios
tende a diminuir a diversidade de modos do ser humano se relacionar com a Natureza.
Essa menor diversidade, se retroalimentam com a revolução verde e os impérios
alimentares, faces importantes da globalização hegemônica. Essa simbiose elimina
saberes, plantas, manejos, maneiras de comercializar e afins que não se acoplem ao
pensamento colonial. Com isso, a humanidade tende a gerar processos que elimine a
sociobiodiversidade, incluindo as frutas nativas.
Por outro lado, o pensamento pós-colonial quando gera o conhecimento em
forma de ecologia, contribui para a promoção da diversidade de saberes e fazeres que
envolvem as relações de homens e mulheres entre si com a Natureza. Esse caldeirão
de possibilidades fomenta a criação de produção e comercialização mais
sustentáveis, como a emergência da Agroecologia e os circuitos de proximidade. Parte
deste conjunto de alternativa se unem na globalização conta-hegemônica, visando
resistir ao avanço do pensamento colonial e dizer que outros mundos são possíveis.
Nesse contexto a sociobiodiversidade, sobretudo as frutas nativas, passam a serem
valorizadas, tanto por agricultores quanto por consumidores.
198
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Viemos falar de coisas impossíveis, porque sobre o possível já se falou muito
María de Jesús Patricio Martínez “Marichuy”
As frutas nativas são parte da história da humanidade. No decorrer dos
milhares de anos da nossa espécie, o manejo de mulheres e homens na seleção e
multiplicação das melhores características (fenótipos) destas espécies, foi tamanha
que é impossível separar o ser humano das frutas nativas. Neste contexto, o termo
“fruta nativa” quiçá tenha pouca relevância na história da humanidade, afinal,
sobretudo pela domesticação de plantas, espalhou-se pelo planeta diversas espécies
que em muitos casos passaram a coexistir de forma simbiótica em seu “novo” espaço
e tempo.
Porém, atualmente ganha força uma relação com a sociobiodiversidade que
não possui a mesma relação histórica. Esse paradigma hegemônico elimina árvores,
paisagens, saberes e fazeres vinculados as frutas nativas. Desde modo, usar o termo
“fruta nativa”, no tempo e espaço que elaborou-se estas palavras, ganha novos
contornos e se torna tão urgente quanto necessário. Esse termo passa a ser um
símbolo na busca por caminhos em que as relações entre mulheres e homens com a
Natureza promovam a sociobiodiversidade. Nesse novo paradigma, é necessário ir
além da lógica que fraciona o conhecimento ao redor das frutas nativas entre os
mundos sociais e biológicos. Que nem ao menos considera passível de estarem
certos ou errados os saberes e fazeres dos diversos atores que habitam
historicamente o rural. Ou seja, para promover a valorização das frutas nativas é
prudente tecer olhares multidimensionais sobre elas.
Um primeiro aspecto desta multidimensionalidade diz respeito a domesticação
de plantas. Como indicado nessa pesquisa, tal processo em si não promove ou elimina
a diversidade. É na articulação com elementos sociais e ambientais de cada contexto
que emergem modelos de domesticação de plantas que podem aumentar ou diminuir
a sociobiodiversidade. No âmbito das frutas nativas, em virtude da amnesia biocultural
causada pela modernidade, tais espécies tiveram seu processo de domesticação
esquecido. Desde modo, um importante passo para reversão desse quadro é resgatar
olhares sobre elas. A partir desse resgate, pode-se retornar à trajetória milenar de
domesticação das frutas nativas, e quando esse processo é feito em conjunto com a
199
utilização dos princípios da Agroecologia, emergem formas de domesticação e plantas
que promovem a sociobiodiversidade.
Todavia, ainda que ter populações de plantas melhor adaptadas a cada
contexto seja interessante, tal fato não resolve todos os problemas da valorização das
frutas nativas. O aspecto comercialização é central nesse processo, pois, ele pode
aumentar ou diminuir a motivação dos agricultores em manejar tais espécies. Do
observado nesta pesquisa, é possível dizer que os circuitos de proximidade parecem
ser um bom caminho para a comercialização. As feiras, entregas diretas, participação
em eventos e os programas institucionais como o PAA e o PNAE, por serem espaços
que os agricultores possuem maior autonomia, além de possibilitarem o diálogo entre
quem produz e consome, se configuram em locais de divulgação das frutas nativas.
Com isso, os consumidores que perderam, ou nunca tiveram, o hábito alimentar
destas espécies, passam a ter oportunidade de consumir as frutas nativas.
Entretanto, mesmo que os circuitos de proximidade tenham papel central na
comercialização, em virtude da fragilidade no transporte e armazenamento das frutas
nativas, tal caminho apresenta limites para as frutas in natura. Por isso, é preciso
articular ações que envolvem o processamento destas espécies. Neste contexto, é
preciso debater a regularização sanitária. Afinal como, argumentam os atores sociais
desta pesquisa, um grupo de agricultores familiares agroecologista não pode cumprir
as mesmas normas que uma empresa transnacional para o processamento de sua
produção. Portanto, se faz necessário implantar mecanismos de controles
diferenciado para o processamento das frutas nativas, de acordo com o contextos
socioambiental dos atores envolvidos. Outro aspecto do tema processamento são os
maquinários. Existe pouca disponibilidade de equipamentos, sobretudo
despolpadeiras, adaptadas as frutas nativas e a realidade dos agricultores familiares.
Ou seja, é fundamental pesquisas para o desenvolvimento de equipamentos que
levem em conta tal contexto.
Outra dimensão a ser considerada na valorização das frutas nativas são as
políticas públicas. Temas como credito especifico, regularização sanitária, pesquisa,
bem como a promoção de assistência técnica baseada no diálogo de saberes,
precisam entrar na pauta do poder público. No âmbito das políticas públicas, um papel
singular são dos programas de aquisição de alimentos, sobretudo os PNAE’s
gestionados pelos municípios. Em razão dos exemplos práticos já existentes, essa
200
política pública pode impulsionar o nascimento/fortalecimento de uma cadeia de frutas
nativas, principalmente ao garantir a aquisição de parte da produção dos produtos
processados.
Em síntese, por meio do caminho trilhado para alancar o objetivo principal desta
pesquisa, promover um processo de domesticação, com ênfase nas frutas nativas,
através dos princípios da Agroecologia e que fomente a sociobiodiversidade, chega-
se conclusão que o elemento central desse processo é a valorização das frutas
nativas. Para essa valorização acontecer é preciso “tecer junto” uma trama de temas,
por exemplo: comercialização, domesticação de plantas, sociobiodiversidade,
políticas públicas, processamento, Agroecologia entre outros. Na figura 67 há uma
representação gráfica dessa conclusão.
Figura 67: representação gráfica das dimensões que precisam ser analisadas para valorização das frutas nativas.
Fonte: O autor a partir das atividades de campo
201
Essa valorização das frutas nativas via a articulação dos tema da figura 62,
contribui para dar materialidade a construção de outros mundos, ou seja, para
promover outras relações com a sociobiodiversidade. Para isso, também que os
atores desses novos mundos se unam, via globalização contra-hegemônica. Um
exemplo desse processo, seria um hipotético dialogo numa feira agroecologia entre
um agricultor e uma consumidora que faz parte de uma organização feminista. O
agricultor explicaria a consumidora os impactos da revolução verde, impérios
alimentares e dos epistemicídios na sociobiodiversidade, principalmente nas frutas
nativas. Já a consumidora argumentaria a influência do patriarcado na sociedade,
como a violência contra as mulheres, a Natureza e os próprios homens. No final desse
diálogo, a consumidora internalizaria a valorização das frutas nativas em sua luta
contra o patriarcado e o agricultor levaria para seu dia a dia a necessidade de eliminar
com o patriarcado.
Dentro deste contexto, pode-se apontar que plantar, manejar, processar e
comer frutas nativas é também um ato político. É dar materialidade a construção
de outros mundos, quiçá mais sustentáveis na perspectiva ambiental, igualitário
do ponto de vista econômico e plural no que tangue as relações sociais.
Enfim, o caminho para a valorização das frutas nativas e a contribuição desse
processo na emergência de outras relações com a sociobiodiversidade, é mais amplo
do que esta pesquisa. Nesta conjuntura, pode-se finalizar este trabalho com algumas
conclusões e demandas sobre o tema:
i) é necessário a criação de bancos ativos de germoplasmas, a partir das
matrizes identificadas, visando fortalecer a multiplicação das frutas nativas.
Contudo, é prudente que a construção desses bancos aconteça de forma
participativa e englobe os agricultores, organizações de pesquisa, assistência
técnica, consumidores e afins.
iii) Para diminuir os incertezas causadas pela herdabilidade e a polinização, é
prudente aprofundar a pesquisa e a ação em técnicas de propagação vegetativa
(via estacas, alporque ou, modernamente, via clones produzidos a partir de
técnicas de micropropagação) como caminho complementar para a multiplicação
das frutas nativas;
202
iii) é interessante analisar a viabilidade de programas de melhoramento genético,
participativo, nas sete espécies de frutas nativas indicadas como prioritárias
nessa pesquisa, nos moldes do melhoramento realizado na Goiaba Serrana;
iv) se faz necessário que políticas públicas promovam as frutas nativas em
diferentes aspectos, como a regularização sanitária, assistências técnica,
credito, compras governamentais e pesquisas;
v) é preciso elaborar e implementar mecanismo de controle sanitário que sejam
exequível no contexto socioambiental de famílias de agricultores ecologistas e
assentados da reforma agrária;
vi) é necessário melhorar as estruturas para o processamento das frutas nativas,
tanto por meio da elaboração de novos produtos, quanto pela construção de
espaços de processamento e pela distribuição de maquinários que se adaptam
ao contexto socioambiental das frutas nativas;
vii) é preciso fortalecer os canais de comercialização das frutas nativas,
sobretudos os circuitos de proximidades, pois nestes espaços é possível
resgatar o habito de consumir frutas nativas e da importância da
sociobiodiversidade.
Para avançar na resolução destas demandas apresentadas e a consequente
valorização das frutas nativas, é preciso, além de um olhar multidimensional, “juntar”
os diversos atores do rural, as entidade de pesquisas, assistência técnica e
consumidores. Essa trama de relações colabora para a construção de um pensamento
pós-colonial, que supera a racionalidade do modelo hegemônico de agricultura e gera
indicativos para a construção de “outras relações com a sociobiodiversidade”.
203
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6 ANEXO I: DETALHAMENTO DO MÉTODO
- DETALHAMENTO DO MÉTODO DA FASE I
Fase: Problematização e diagnostico sobre frutas nativas
Atividade: Oficina sobre problematização
Tempo Estimado: 65 minutos
Pauta
Atividade Tempo Ferramenta Materiais Breve Descrição
Expectativas e
apresentação dos
presentes
05
minutos
Roda de
Apresentação
--- Os presentes dizem seu nome
e suas expectativas para a
atividade
Problematizar alguns
pontos da
domesticação de
plantas, com ênfase
nas frutas nativas
10
minutos
Painéis
explicativos
Papel
cartaz e
fotos
Indicado o que é a
domesticação de plantas,
alguns números e a situação
das frutas nativas
Apresentação da
pesquisa
05
Minutos
Painéis
explicativos
Papel
cartaz e
fotos
Apresentado os objetivos da
pesquisa, o método e os
resultados
Elencar informações
socioambientais a
respeito das frutas
nativas
20
minutos
Matriz de
Identificação
Fita
adesiva,
Cartolina e
pinceis
atômicos
De forma coletiva, cada família
irá responder algumas
perguntas chaves referente
domesticação das frutas
nativas em sua unidade familiar
Construir indicadores
das características
socioambientais de
cada espécies e
elencar as espécies
prioritárias
20
minutos
Matriz Estrela Fita
adesiva,
Cartolina e
pinceis
atômicos
Elencado quais características
as espécies indicadas pelo
grupo possuem. Em seguida
será escolhida quais espécies
são prioritárias através de
elementos da votação
sociocrática
Tempo Total 65
minutos
216
- DETALHAMENTO DO MÉTODO DA FASE II
Fase: Construir informações sobre a identificação de “boas árvores”
Atividade: Oficinas sobre a construção do conceito de “boas árvores”
Objetivo Principal: Construir o conceito de “boas árvores” de forma participativa e
indicar possíveis matrizes das frutas nativas
Tempo Estimado: 55 minutos
Atividade Tempo
Estimado
Ferramenta Materiais Breve Descrição
Expectativas e
apresentação dos
presentes
05 minutos Roda de
Apresentação
--- Os presentes dizem seu nome e
suas expectativas para a atividade
Problematizar a
importância da
escolha de “boas
árvores” e dos
resultados da oficina
anterior
10 minutos Painel
Explicativo
Papel cartaz e
tarjetas de
cartolina
Através dos painéis explicativos será
elencados alguns elementos chaves
da identificação de matrizes de
árvores frutíferas
Construir indicadores
de boas árvores e
elencar quais são os
prioritários
20 minutos Matriz Estrela Tarjetas de
cartolina,
pincéis
atômicos e
cartolina
Os presentes irão escrever em
tarjetas de cartolina qual indicador
uma “boa árvore” precisa possuir.
Em seguida, as tarjetas serão
agrupas em eixos de similaridade na
matriz de avaliação estrela onde
será dado uma nota para cada eixo
Indicar indivíduos
potenciais para
servirem de “boas
árvores”
10 minutos Toro de Palpite Tarjetas de
cartolina,
pincéis
atômicos
Apontar se há nos agroecossistemas
indivíduos para multiplicar
Elencar quais
informações são
prioritárias a respeito
das “boas matrizes”
10 minutos Toro de Palpite Tarjetas de
cartolina,
pincéis
atômicos
Os presentes irão escrever em
tarjetas de cartolina qual
informações eles consideram
importantes. Em seguida, as tarjetas
serão agrupas em eixos de
similaridade e indicado quais ações
são prioritárias
Tempo Total 55 minutos
217
-DETALHAMENTO DO MÉTODO DA FASE III
Fase: caracterização socioambiental das boas árvores
Ferramenta Roteiro de Perguntas Objetivas
Quando Perguntas Objetivos
Família Espécie Nome da Fruta
Nativa
Local
Altura Idade Estimativa
Produção
Cor do Fruto
(RAL)
Tamanho do
Fruto
Sabor
Doce
(0 à 10)
Cheiro
Intensidade
(0 à 10)
218
Ferramenta: Ficha utilizada para mensurar o tamanho dos frutos
- Ferramenta: Tabela de cores RAL utilizada para indicar as cores dos frutos