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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação EDUARDO OLIVEIRA MIRANDA TROCAS DE PELES NO ATIBA-GEO: PROPOSIÇÕES DECOLONIAIS E AFRO-BRASILEIRAS NA INVENÇÃO DO CORPO-TERRITÓRIO DOCENTE SALVADOR 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Faculdade de Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

EDUARDO OLIVEIRA MIRANDA

TROCAS DE PELES NO ATIBA-GEO:

PROPOSIÇÕES DECOLONIAIS E AFRO-BRASILEIRAS NA

INVENÇÃO DO CORPO-TERRITÓRIO DOCENTE

SALVADOR

2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Faculdade de Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

EDUARDO OLIVEIRA MIRANDA

TROCAS DE PELES NO ATIBA-GEO:

PROPOSIÇÕES DECOLONIAIS E AFRO-BRASILEIRAS NA

INVENÇÃO DO CORPO-TERRITÓRIO DOCENTE

Tese apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Educação, Faculdade de

Educação, Universidade Federal da

Bahia, como requisito parcial para

obtenção do grau de Doutora em

Educação.

Orientadora: Profª Drª Maria Cecília

de Paula Silva

SALVADOR

2019

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EDUARDO OLIVEIRA MIRANDA

TROCAS DE PELES NO ATIBA-GEO: PROPOSIÇÕES DECOLONIAIS E AFRO-

BRASILEIRAS NA INVENÇÃO DO CORPO-TERRITÓRIO DOCENTE

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação,

Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, avaliada pela seguinte banca

examinadora:

Aprovada em 14 de fevereiro de 2019

Banca Examinadora

MARIA CECÍLIA DE PAULA SILVA - ORIENTADORA

Doutora em Educação Física pela Universidade Gama Filho.

SHARA JANE HOLANDA COSTA ADAD

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará.

LUÍS VITOR CASTRO JR.

Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ROBERTO SIDNEI MACEDO

Doutorado em Ciências da Educação pela Universidade de Paris VIII

SIMONE SANTOS DE OLIVEIRA

Doutora em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia

IVANILDE GUEDES DE MATTOS

Doutora em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia

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AGRADECIMENTOS

De onde eu venho o ato de agradecer precede qualquer ritual e faz parte do corpo-

território. Acreditamos que ninguém caminha sozinho, que nenhum encruzilhada é

atravessada sem o compartilhamento das energias vitais e ancestrais. Atravessamentos

são construções de vários polos, de diversas intencionalidades, de anseios coletivos, dos

desejos comunitários. Portanto, abro os caminhos dos agradecimentos debruçando-me

aos pés de Exu para bater cabeça e tornar público as saudações que cotidianamente fazem

parte do meu acordar e adormecer.

Exu, senhor dos caminhos e das possibilidades, muito obrigado por mostrar ser

possível ingressar no Doutorado em Educação da FACED/UFBA, percorrer os espaços

da Faculdade de Educação e criar estratégias para falar do meu povo. Meu pai Oxumaré,

o que seria desta tese se não fosse as trocas de peles oportunizadas por seus ensinamentos?

Te agradeço imensamente por tornar viável a desterritorialização do meu corpo-território,

bem como o entendimento de que nada está acabado e que a contestação social faz parte

das nossas ações diárias. Já a rainha Iansã, com seu poder de democracia, soprou ventos

durante os quatro anos da pesquisa de doutoramento, ao passo de fortalecer as minhas

intersubjetividades e traçar uma prática educativa que visa potencializar as vozes dos

subalternos. Para além, agradeço a todas as energias da natureza que sempre emanam

discernimentos para orientar o meu Ori e me ajudam a compreender os caminhos que

transito.

Ainda no campo da família, agradeço a mainha, Ana Suely Nunes Oliveira, por

acreditar nas minhas escolhas, por apoiar as minhas (in)constâncias, por me ensinar muito

do que a academia não consegue compreender. Ser filho da senhora é ter a certeza de que

independente do contexto devo fazer o que sei de melhor, no meu caso: ser um corpo-

território-docente. A José Carneiro Miranda, painho, sou extremamente grato por

acreditar na educação dos seus filhos e investir com o seu suor para concretizar o sonho

de ter um filho Doutor. Este título acadêmico é nosso, mainha e painho. Às minhas irmãs,

Emanuella Miranda e Lorena Miranda, agradeço pelo universo me permitir nascer e ser

educado entre duas mulheres. Muito do que sou, só foi possível por conta das experiências

que tive com vocês na infância, na adolescência e parte da fase adulta. A próxima geração,

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dedico esta tese, me dirijo a Loren Thiely, nossa Tica, a qual representa todos e todas que

estão por vir. Deixo o legado da Educação para vocês.

Ao meu companheiro, Thiago Assunção, parabenizo por exercitar a delicadeza de

compreender o meu ritual de escrita. Obrigado por me ensinar a ser menos acelerado e

mais paciente. A sua chegada e permanência contribuiu para o meu amadurecimento.

Sobre as amizades, agradeço a Hellen Mabel Santana Silva por ser uma irmã

ancestral, companheira, amiga-mãe, por confiar nas minhas narrativas e contribuir para a

construção do meu corpo-território mais humanizado. Axé, minha irmã! Aos amigos,

Flávio Menezes, Laerte Miranda, Lázaro Damasceno, que bom ter vocês por perto, apesar

da distância geográfica. Morar em Salvador e deixá-los em Feira de Santana apontou que

quando a amizade faz sentido aprendemos a conviver com a saudade e transforma-la em

carnavais de rua.

Intensifico um sincero e respeitoso agradecimento à minha orientadora Maria

Cecília. Lembro-me de quando te olhei nos olhos, no dia da entrevista, e te falei: Já sei

que serei o seu novo orientando. O resultado da seleção confirmou a minha intuição, mas

sobretudo, ratificou que todo investimento em estudos, produções acadêmica e afetos

foram válidos para alcançar o projeto de ser um corpo-território-docente com titulação de

Doutor em Educação. Ciça, ter a oportunidade de ser seu orientando significa sentir de

corpo todo o respeito pelo lugar de fala dos subalternos. Reforcei com a sua postura que

compreender a nossa condição de privilégio racial deve ser utilizada para escancarar as

portas da Universidade para as epistemologias desumanizadas, neste caso, as produções

do conhecimento Afro-Brasileira e Indígena. Muita luz na sua caminhada. Estarei sempre

ao seu lado para multiplicar as possibilidades da educação corporal. Aproveito para

agradecer ao Grupo de Pesquisa HCEL por oportunizar discussões frutíferas na

sistematização do meu conhecimento, bem como, por proporcionar conhecer e construir

laços com o querido Alex Marques e a querida Maiara Damasceno.

À Universidade Federal da Bahia - UFBA, principalmente à Faculdade de

Educação – FACED/UFBA, sou grato por conhecer pessoas dedicadas à Educação. Ter a

experiência de ser professor substituto na FACED/UFBA transformou a minha

perspectiva de formação docente. Agradeço a cada educando que juntamente comigo

construiu as aulas. Em especial, destaco as mulheres, negras, comprometidas com a

Educação, Quécia Damascena e Sara Santana, ambas foram minhas alunas e ao longo da

jornada construímos uma amizade respeitosa, ancestral e com muita afetividade.

Obrigado por tudo, Pretas! Ainda sobre a FACED/UFBA, agradeço a cada funcionário

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técnico e administrativo que por todos os anos me receberam com muito carinho e

atenção.

Em relação aos copesquisadores do Atiba-Geo, agradeço com muita alegria.

Muito obrigado Crislane Rosa, Valdir Plácido, Celso Petitinga e Ronaldo Brito. A

tessitura desta tese só foi possível por conta do comprometimento de vocês em criar as

narrativas dos nossos encontros.

Aos membros da banca examinadora desta tese, inicio agradecendo ao Professor

Luis Vitor Castro Jr, o educador responsável por me apresentar os caminhos da pós-

graduação, onde me orientou na tessitura da dissertação de Mestrado. Vitão, grato por ter

você na minha travessia acadêmica. Com você aprendi a exercitar a sistematização da

escrita e da fala. Aproveito para agradecer por ter me apresentado o Corpo como uma

categoria de produção científica e experiencial. Também sou grato ao Grupo de Pesquisa

Artes do Corpo – UEFS, coordenado por Luis Vitor, por ser a minha casa originária de

pensar, existir e criar o fazer acadêmico.

Ainda sobre os membros da banca, agradeço a Simone Santos por incentivar, em

2012, a minha caminhada pela pós-graduação. Os seus conselhos e escuta sensível

fizeram diferença em um momento que estava tão desacreditado da Educação. Obrigado

com muita sinceridade. À professora Shara Adad, sou grato inicialmente à Sociopoética

por inusitadamente me conduzir aos seus textos. Fui seduzido por sua escrita, por suas

pesquisas e logo em seguida tive o prazer de te conhecer pessoalmente e confirmar quão

generosa és a sua pessoa. A sua amizade e respeito ao meu processo de escrita reverbera

em toda esta tese de doutoramento. Ao professor Roberto Macedo, o conheci em um dos

componentes curriculares obrigatórios do doutoramento. Ainda estava tentando ocupar o

meu espaço na FACED/UFBA e as suas aulas se constituíram como uma territorialidade

de conforto para o meu corpo-território. Muito grato pelo seu olhar, escuta e oralidade

sensível às demandas de muitos educandos da pós-graduação. A minha querida Ivy

Guedes, que bom ter a oportunidade de ser de uma geração que te tem como referência.

A sua narrativa crespa dialoga profundamente com a perspectiva de mundo que nutre o

meu corpo-território-docente. Educar de corpo todo é possível com “um abraço negro,

um sorriso negro” e isso aprendo com você e todas as outras mulheres que te veem como

propulsora do legado afro-estético.

Agradeço a CAPES, por financiar a minha pesquisa. Apesar das dificuldades torço

para que os meus que estão por vir tenham a oportunidade de produzir cientificamente e

academicamente com o auxílio desta agência federal. A transformação social pela

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pesquisa só é possível com o investimento em investigações que traga as narrativas

subalternas como campo, corpo, oralidade e socializadora do conhecimento. Aprendemos

com os nossos ancestrais que resistir é subjetividade latente no corpo-território oprimido.

Axé!

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Miranda, Eduardo Oliveira. Trocas de peles no Atiba-Geo: proposições decoloniais e

afro-brasileiras na invenção do corpo-território docente. 2019. 157 f. Tese (Doutorado em

Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019. R

Resumo

Transitar pela presente tese de doutoramento em Educação é um convite para dialogar sobre a

perspectiva do corpo-território e os seus desdobramentos no campo da formação docente, tendo

como problemática de pesquisa: Como se desenha os corpos-territórios dos discentes de Estágio

Supervisionado em Geografia – FACED/UFBA a partir da formação docente com os valores

civilizatórios afro-brasileiros? O objetivo geral: investigar de que forma se desenha os corpos-

territórios dos discentes de Estágio Supervisionado em Geografia – FACED/UFBA a partir da

formação docente inicial com ênfase nos valores civilizatórios afro-brasileiros. Os objetivos

específicos: a) Conhecer a trajetória dos discentes do Estágio Supervisionado em Geografia –

UFBA/FACED para entender o processo da construção docente e o olhar sobre a Educação

Geográfica; b) Analisar os documentos oficiais da Licenciatura em Geografia – FACED/UFBA

tendo em vista a implementação da Lei 10.639/03 no Estágio Supervisionado; c) Identificar os

possíveis problemas/barreiras para a implementação da Lei 10.639/03 segundo a experiência

corporal dos discentes durante o componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia –

FACED/UFBA. Para tal, inicio a tessitura da tese provocando a invenção do corpo-território. Em

seguida, apresento que a produção textual está dividida em Peles, as quais foram sistematizadas

a partir da discussão sobre a Filosofia de Oxumaré. Na PELE I, busca-se expor a construção do

meu próprio corpo-território ao passo de que se evidencia como as experiências e espaços por

onde transitei e transito contribuíram para alcançar a compreensão do corpo-território-decolonial.

Na PELE II, apresenta-se a perspectiva artística e filosófica da Sociopoética e por qual motivo

escolhemos esta metodologia para possibilitar a produção das narrativas desta tese. Na PELE III,

aparece o projeto formativo intitulado Atiba-Geo, bem como as estratégias utilizadas para criar

os confetos apontados pela Sociopoética. Com isso, amparado no dispositivo artístico elucidamos

a nossa compreensão sobre a proposta intitulada Exunêutica do Desenho Singular e de que forma

esta técnica de produção de dados pode trazer outros olhares e perspectivas de pesquisa para

dentro da Universidade, o que repercutiu na Cartografia do Desenho Singular subdividida em

três momentos respaldados na epistemologia do desenho africano. Na PELE IV, tivemos a

necessidade de analisar os documentos oficiais da UFBA no que tange a formação dos professores

e professoras da Licenciatura em Geografia. Buscamos verificar de que forma a Lei 10.639/03

aparece no currículo e nas ementas. Na PELE V, construímos uma técnica de produção de

narrativas, mas uma vez amparada na Exunêutica do Desenho Singular, para identificar quais as

barreiras encontradas pelos copesquisadores na implementação da Lei 10.639/03 no espaço

escolar. Na PELE VI, realizamos o que a Sociopoética demarca de contra-análise. Este momento

aponta como se deu o caminhar pelo Atiba-Geo e como o corpo-território de cada copesquisador

assimilou as abordagens teóricas e experienciais. Na PELE VII, apresento algumas (in)conclusões

e trago tipologias utilizadas ao longo da tese, tais como: corpo-território-contra-hegemônico;

corpo-território-contraste; corpo-território-docente; corpo-território-decolonial; corpo-

território-epistêmico; corpo-território-subalterno; corpo-território-sinestésico; corpo-

território-anestesiado. Construir cada linha desta tese de doutoramento em Educação significou

um ato de desterritorialização do nosso corpo-território para em seguida perspectiva uma

reterritorialização que aponte caminhos fecundos para a Educação Geográfica que tenha a sua

produção por e a partir das epistemologias dos povos africanos e afro-brasileiros. Destarte, buscou

atender as discussões pautadas na Educação Decolonial (MIGNOLO, 2003; WALSH, 2007;

MALDONADO-TORRES, 2016; BOAVENTURA SANTOS, 2002; QUIJANO, 2010), Corpo

(OLIVEIRA, 2007, SODRÉ, 2005), Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros (TRINDADE,

2006; MACHADO, 2013), Corpo-território (MIRANDA, 2014; SODRÉ, 2005).

Palavras-chave: Educação Decolonial; Corpo; Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros; Corpo-

território.

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MIRANDA, Eduardo Oliveira. Skin changes in Atiba-Geo: decolonial and Afro-

Brazilian propositions in the invention of the body-teacher territory. 2019. 157 f. Thesis

(Doctorate in Education) - Faculty of Education, Federal University of Bahia, Salvador,

2019.

Abstract

Transit for the present thesis of doctorate in Education is an invitation to dialogue about the

perspective of the body-territory and its unfolding in the field of teacher training, having as a

research problem: How to draw the bodies-territories of the students of Supervised Internship in

Geography - FACED / UFBA from the teacher training with Afro-Brazilian civilizational values?

The general objective is to investigate how the bodies-territories of students of Supervised

Internship in Geography - FACED / UFBA are drawn from initial teacher training with emphasis

on Afro-Brazilian civilization values. The specific objectives: a) To know the trajectory of the

students of the Supervised Internship in Geography - UFBA / FACED to understand the process

of teacher construction and the look on Geographic Education; b) To analyze the official

documents of the Degree in Geography - FACED / UFBA in view of the implementation of Law

10.639 / 03 in the Supervised Internship; c) Identify the possible problems / barriers for the

implementation of Law 10.639 / 03 according to the students' corporal experience during the

curricular component Supervised Internship in Geography - FACED / UFBA. For this, I begin

the fabric of the thesis provoking the invention of the body-territory. Next, I present that the

textual production is divided in Peles, which were systematized from the discussion on the

Philosophy of Oxumaré. In SKIN I, it is sought to expose the construction of my own body-

territory while it is evident how the experiences and spaces through which I transited and transited

contributed to reach the understanding of the body-territory-decolonial. In SKIN II, we present

the artistic and philosophical perspective of Sociopoetics and why we chose this methodology to

enable the production of the narratives of this thesis. In PELE III, the formative project titled

Atiba-Geo appears, as well as the strategies used to create the confetti pointed out by

Sociopoética. With this, based on the artistic device, we elucidate our understanding of the

proposal entitled Exunatics of the Singular Drawing and how this technique of data production

can bring other perspectives and perspectives of research into the University, which had

repercussions in the Cartography of the Singular Drawing subdivided in three moments supported

in the epistemology of the African drawing. In PELE IV, we had the need to analyze the official

documents of UFBA regarding the training of professors of the Degree in Geography. We seek

to verify how Law 10.639 / 03 appears in the curriculum and in the menus. In SKEL V, we

constructed a narrative production technique, but once supported in the Exunatics of the Singular

Drawing, to identify the barriers encountered by the copycats in the implementation of Law

10.639 / 03 in the school space. In SKIN VI, we perform what sociopoetics demarcates from

counter-analysis. This moment points out how the Atiba-Geo walked and how the body-territory

of each copesquisador assimilated the theoretical and experiential approaches. In SKEL VII, I

present some (in) conclusions and bring typologies used throughout the thesis, such as: body-

territory-counter-hegemonic; body-territory-contrast; body-territory-teacher; body-territory-

decolonial; body-territory-epistemic; body-territory-subaltern; body-territory-synesthetic; body-

territory-anesthetized. Building each line of this doctoral thesis in Education meant an act of

deterritorialization of our body-territory and then perspective a reterritorialization that points

fertile paths to Geographic Education that has its production by and from the epistemologies of

the African and Afro- Brazilians. The aim of this study was to study the debates on Decolonial

Education (MIGNOLO, 2003, WALSH, 2007, MALDONADO-TORRES, 2016,

BOAVENTURA SANTOS, 2002), Corpo (OLIVEIRA, 2007, SODRÉ, Brazilians (TRINDADE,

2006, MACHADO, 2013), Body-territory (MIRANDA, 2014 and SODRÉ, 2005).

Key words: Decolonial Education; Body; Afro-Brazilian Civilization Values; Body-territory.

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MIRANDA, Eduardo Oliveira. Cambios cutáneos en Atiba-Geo: proposiciones

decoloniales y afro-brasileñas en la invención del territorio cuerpo-docente. 2019. 157 f.

Tesis (Doctorado en Educación) - Facultad de Educación, Universidad Federal de Bahía,

Salvador, 2019.

Resumen

En el marco de la presente tesis de doctorado en Educación es una invitación a dialogar sobre la

perspectiva del cuerpo-territorio y sus desdoblamientos en el campo de la formación docente,

teniendo como problemática de investigación: ¿cómo se dibujan los cuerpos-territorios de los

discentes de los estudiantes de la Etapa Supervisada en Geografía - FACED / UFBA a partir de

la formación docente con los valores civilizatorios afro-brasileños? El objetivo general: investigar

de qué forma se dibujan los cuerpos-territorios de los discentes de Etapa Supervisado en

Geografía - FACED / UFBA a partir de la formación docente inicial con énfasis en los valores

civilizatorios afro-brasileños. Los objetivos específicos: a) Conocer la trayectoria de los discentes

de la Etapa Supervisada en Geografía - UFBA / FACED para entender el proceso de la

construcción docente y la mirada sobre la Educación Geográfica; b) Analizar los documentos

oficiales de la Licenciatura en Geografía - FACED / UFBA con miras a la aplicación de la Ley

10.639 / 03 en la Etapa Supervisada; c) Identificar los posibles problemas / barreras para la

implementación de la Ley 10.639 / 03 según la experiencia corporal de los alumnos durante el

componente curricular Etapa Supervisada en Geografía - FACED / UFBA. Para ello, inicio la

tesitura de la tesis provocando la invención del cuerpo-territorio. A continuación, presento que la

producción textual está dividida en Peles, las cuales fueron sistematizadas a partir de la discusión

sobre la Filosofía de Oxumaré. En la PIEL I, se busca exponer la construcción de mi propio

cuerpo-territorio al paso de que se evidencia como las experiencias y espacios por donde transité

y transito contribuyeron para alcanzar la comprensión del cuerpo-territorio-decolonial. En la

PELE II, se presenta la perspectiva artística y filosófica de la Sociopoética y por qué motivo

elegimos esta metodología para posibilitar la producción de las narrativas de esta tesis. En la

PELE III, aparece el proyecto formativo titulado Atiba-Geo, así como las estrategias utilizadas

para crear los confetos apuntados por la Sociopoética. Con eso, amparado en el dispositivo

artístico elucidamos nuestra comprensión sobre la propuesta titulada Exunéutica del Diseño

Singular y de qué forma esta técnica de producción de datos puede traer otras miradas y

perspectivas de investigación hacia dentro de la Universidad, lo que repercutió en la Cartografía

del Diseño Singular subdividida en tres momentos respaldados en la epistemología del diseño

africano. En la PELE IV, tuvimos la necesidad de analizar los documentos oficiales de la UFBA

en lo que se refiere a la formación de los profesores y profesoras de la Licenciatura en Geografía.

Buscamos verificar de qué forma la Ley 10.639 / 03 aparece en el currículo y en los menús. En la

PELE V, construimos una técnica de producción de narrativas, pero una vez amparada en la

Exunéutica del Diseño Singular, para identificar cuáles las barreras encontradas por los

copesquisidores en la implementación de la Ley 10.639 / 03 en el espacio escolar. En la PELE

VI, realizamos lo que la Sociopoética demarca de contra-análisis. Este momento apunta como se

dio el caminar por el Atiba-Geo y cómo el cuerpo-territorio de cada copasquisador asimiló los

abordajes teóricos y experienciales. En la PELE VII, presento algunas (in) conclusiones y tragos

tipologías utilizadas a lo largo de la tesis, tales como: cuerpo-territorio-contra-hegemónico;

cuerpo-territorio-contraste; cuerpo-territorio-enseñanza; cuerpo-territorio-colonialista;

cuerpo-territorio-epistémico; cuerpo-territorio-subordinado; cuerpo-territorio-cinestésica;

cuerpo-territorio-anestesiado. Construir cada línea de esta tesis de doctorado en Educación

significó un acto de desterritorialización de nuestro cuerpo-territorio para luego perspectiva una

reterritorialización que apunta caminos fecundos para la Educación Geográfica que tenga su

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producción por ya partir de las epistemologías de los pueblos africanos y afro- brasileños.

Destarte, buscou atender as discussões pautadas na Educação Decolonial (MIGNOLO, 2003;

WALSH, 2007; MALDONADO-TORRES, 2016; BOAVENTURA SANTOS, 2002; QUIJANO,

2010), Corpo (OLIVEIRA, 2007, SODRÉ, 2005), Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros

(TRINDADE, 2006; MACHADO, 2013), Corpo-território (MIRANDA, 2014; SODRÉ, 2005).

Palabras clave: Educación Decolonial; Cuerpo; Valores Civilizatorios Afro-Brasileños; Cuerpo-

territorio.

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Lista de Figuras

Figura 1- Atabaques do Afoxé Pomba de Malê. Fonte: Arquivo pessoal (2014). ..................... 16

Figura 2- Serpente representativa de Oxumaré. Fonte: Prandi, 2001. ....................................... 19

Figura 3- Oxumaré. Autor: Carybé. ........................................................................................... 25

Figura 4 - Formação Sociopoética. Salvador, 2018. Fonte: Arquivo Pessoal. ............................ 46

Figura 5 - Preparação do grupo para o PERCURSO. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018. ............... 49

Figura 6 - Corpo Ventania criado no PERCURSO. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018. .................. 51

Figura 7 - Criação artística durante o PERCURSO. Fonte: Arquivo pessoal, 2018. ................. 54

Figura 8 - Sankofa. ..................................................................................................................... 57

Figura 9- Racismo no livro didático. .......................................................................................... 62

Figura 10- Política. Fonte: https://blogdoenem.com.br/analfabetismo-politico-filosofia/ ......... 63

Figura 11 - Ideograma Sankofa. ................................................................................................. 68

Figura 12- Escudo das Intersubjetividades................................................................................. 69

Figura 13 - Primeiro Quadrante. Autoria: Peão. Fonte: Atiba-Geo, UFBA (2016) ................... 79

Figura 14 - Primeiro Quadrante. Autoria: Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016. .......... 81

Figura 15 - Primeiro Quadrante. Autoria: Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016. .......... 82

Figura 16 - Segundo quadrante. Autoria: Preta. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016. .................... 84

Figura 17 - Segundo Quadrante. Autoria: Peão. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016. .................... 86

Figura 18 - Segundo Quadrante. Autoria: Gana. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016. ................... 87

Figura 19 - Terceiro Quadrante. Autoria: Peão. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016. .................... 89

Figura 20 - Terceiro Quadrante. Autoria: Preta. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016. .................... 91

Figura 21 - Máscara da incompletude. Autor: Gana. Fonte: Atiba-Geo, 2016. ......................... 92

Figura 22 – Diásporas. Autor: Felipe Rangel, 2015. .................................................................. 93

Figura 23- Fluxograma do curso de Licenciatura em Geografia - UFBA. Fonte:

FACED/UFBA. ........................................................................................................................... 94

Figura 24- Ementa do componente curricular GEOA28 Organização Regional do Espaço

Mundial. Fonte: Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em Geografia - UFBA (2014). .. 95

Figura 25- Quadro dos componentes curriculares optativos ofertados pelo Colegiado da

Licenciatura em Geografia. Fonte: Colegiado de Geografia - IGEO/UFBA. ............................. 96

Figura 26- Ementa do componente curricular GEOA34 Geografia do Espaço Africano. Fonte:

Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em Geografia-UFBA (2014). ............................... 97

Figura 27 - Confecção dos mapas das barreiras. Fonte: Atiba-Geo, 2017. .............................. 101

Figura 28- Barreiras na implementação da lei 10.639/03. Fonte: Atiba-Geo, 2016. ............... 105

Figura 29 - Mapa confeccionado por Gana. Fonte: Atiba-Geo, 2016. ..................................... 111

Figura 30 - Mapa confeccionado por Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, 2016. ............................ 113

Figura 31- Mapa confeccionado por Preta. Fonte: Atiba-Geo, 2016. ...................................... 114

Figura 32- Valores civilizatórios afro-brasileiros. Fonte: Modos de Brincar (2010). .............. 120

Figura 33 - Atividade de campo no Museu Afro-Brasileiro da UFBA. Fonte: Atiba-Geo, 2017.

................................................................................................................................................... 121

Figura 34 - Obra Miltoniano. Autor: Menelaw Sete. ............................................................... 123

Figura 35 - Produção da Contra-análise. Fonte: Atiba-Geo, 2018. .......................................... 126

Figura 36- Desenho de Peão selecionado por Preta. Fonte: Atiba-Geo, 2018. ........................ 130

Figura 37 - Produção da Contra-análise. Fonte: Atiba-Geo, 2018. .......................................... 134

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Figura 38- Produção da Contra-análise. Autoria: Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2018.

................................................................................................................................................... 135

Figura 39 - Construção da Contra-análise. Fonte: Atiba-Geo, 2018. ....................................... 136

Figura 40 - Animal Cosmopolita. Fonte: Arquivo pessoal, 2017. ........................................... 145

Figura 41 – Oxumaré. Autor: Felipe Rangel, 2014. ................................................................. 150

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Sumário

INTRODUÇÃO - PARA INVENTAR O CORPO-TERRITÓRIO ...................................... 16

PELE I - APRENDER A TRANSGREDIR PARA TROCAR DE PELE ........................... 25

1.1 – Geobiografar o corpo-território que se torna educador ...................................................... 26

1.2 – Estratégia Crítica: o corpo-território que verifica as ausências e emergências na formação

docente ........................................................................................................................................ 36

PELE II – RACHADURAS DECOLONIAIS......................................................................... 46

2. - Os cinco princípios da Sociopoética associados à crítica da Razão Indolente...................... 49

PELE III – TRAVESSIAS DO ATIBA-GEO ......................................................................... 57

3.1- Formação Docente do corpo-território: para a colonialidade ou para a decolonialidade? .. 58

3.2 - Exunêutica do Desenho Singular: linhas de rasuras no Atiba-Geo ..................................... 66

3.2.1– Cartografia do Desenho Singular: traçados do primeiro quadrante ................................. 76

3.2.2 - Cartografia do Desenho Singular: traçados do segundo quadrante ................................. 83

3.2.3 - Cartografia do Desenho Singular: traçados do terceiro quadrante ................................... 89

..................................................................................................................................................... 93

PELE IV - DOCUMENTOS OFICIAIS E DISCUSSÃO SOBRE CURRÍCULO E A LEI

10.639/03 ..................................................................................................................................... 93

PELE V - BARREIRAS NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 ............................. 101

4.1 - Encruzilhadas para a implementação da lei 10.639/03 ..................................................... 102

4.2 – Tríade cíclica: corpo-território-racista, corpo-território-ancestralidade, corpo-território-

formação .................................................................................................................................... 114

4.2 - Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros na Educação Geográfica .................................... 119

PELE VI – CONTRA-ANÁLISE ........................................................................................... 123

6.1 – Contra-análise: revisitando as primeiras peles do Atiba-Geo .......................................... 124

6.2 – Contra-análise do Corpo-Esponja .................................................................................... 139

6.3 – Contra-análise: Ubuntu que cria o Corpo-mundo ............................................................ 146

PELE VII - CAMINHOS E POSSIBILIDADES: PELA NÃO OBRIGATORIEDADE DA

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 150

Referências Bibliográficas ...................................................................................................... 153

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Figura 1- Atabaques do Afoxé Pomba de Malê. Fonte: Arquivo pessoal (2014).

INTRODUÇÃO - PARA INVENTAR O

CORPO-TERRITÓRIO

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“O negro do Pomba quando sai da Rua Nova, ele traz na

cinta uma cobra coral” (Música consagrada pelo Afoxé

Pomba de Malê).

Conscientizar-se de que o meu corpo-território (MIRANDA, 2014) abarca o

encontro da complexidade espaço-tempo requer a evidenciação das encruzilhadas

experienciais responsáveis por forjar a minha corporeidade. Sendo assim, resolvo abrir

os caminhos desta produção textual de doutoramento ao reverenciar os atabaques do

Afoxé Pomba de Malê (Fig. 1), os quais embalam nas minhas intersubjetividades a

epígrafe inicial: “O negro do Pomba quando sai da Rua Nova, ele traz na cinta uma

cobra coral”.

Elucido que o corpo-território é um texto vivo, um texto-corpo que narra as

histórias e as experiências que o atravessa. Por isso, consigo lembrar com riquezas de

detalhes as primeiras vezes que o meu corpo-território sentiu-se atravessado

(LARROSA, 2002) pelos corpos-sonoros dos atabaques pombalenses, por volta de 2011-

2012. Prontamente a energia vital1 (TRINDADE, 2010) constituída nas territorialidades

do Afoxé2 começaram a apontar outras formas de ler o mundo e redimensionar os meus

posicionamentos pessoais e profissionais. Sentir os corpos-sonoros, saber da sua

existência e ao mesmo tempo compreender a sua imaterialidade recai nas provocações

visíveis e invisíveis que oportunizam a construção da categoria corpo-território o qual

“traz na cinta uma cobra coral”.

Não pretendo dimensionar o impacto do atravessamento do corpo-sonoro no meu

corpo-território, mas não posso negligenciar a influência deste atravessamento na

reinvenção da minha leitura de mundo. Antes dessa experiência limitava a interação com

as espacialidades na centralidade da visão, no ver, na domesticação ocular, pois:

[...] dos cinco sentidos tradicionais, o homem depende mais

conscientemente da visão do que dos demais sentidos para progredir no

mundo. Ele é predominantemente um animal visual. Um mundo mais

amplo se lhe abre e muito mais informação, que é espacialmente

detalhada e específica, chega até ele através dos olhos, do que através

dos sistemas sensoriais da audição, olfato, paladar e tato. A maioria das

1 Sobre Energia Vital a pesquisadora Azoilda Loretto da Trindade (2010, p. 14) nos diz: “A energia vital é

circular e se materializa nos corpos, não só nos humanos, mas nos seres vivos em geral, nos reinos animal,

vegetal e mineral. ‘Na Natureza nada se cria, tudo se transforma’, ‘Tudo muda o tempo todo no mundo’,

‘... essa metamorfose ambulante’”. 2 O afoxé é entendido como a festa de terreiro na rua, fala reproduzida por uma das educadoras durante os

contatos iniciais com o Projeto Atiba e também encontrada nas obras de Lody e Risério.

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pessoas, provavelmente considera a visão como sua faculdade mais

valiosa e preferiria perder uma perna ou tornar-se surda ou muda a

sacrificar a visão (TUAN, 2012, p. 22).

Cada olhar é uma experiência limitada sobre um determinado momento, sobre um

específico fenômeno. Diante disso, se faz relevante acionar outros sentidos sensoriais do

corpo-território. O nosso olhar está condicionado nas vivências produzidas pela visão

ocular e que acaba por desperdiçar as potencialidades do olfato3, do paladar, da audição4

e do tato5. Exercitar estes sentidos é permitir ao corpo-território viver/existir a partir de

sua própria experiência e não se reduzir a viver pela linguagem e experimento do outro.

Ou seja, olhar o mundo, exclusivamente, pelas narrativas do outro pode se tornar

problemático, já que o nosso corpo-território recai na leitura embaçada e colonial sobre

os elementos que compõem as suas espacialidades, onde muito se perde, detalhes são

minimizados, particularidades são homogeneizadas. O corpo-território precisa

experimentar o mundo com leituras próprias, para sentir a energia vital presente no

encontro com o outro, “é fundamental viver a própria existência como algo de unitário e

verdadeiro, mas também como um paradoxo: obedecer para subsistir e resistir para poder

pensar o futuro. Então a existência é produtora de sua própria pedagogia” (SANTOS,

2006, p. 57).

Comecei a perceber que o olho vê o mundo, mas é o corpo-território que olha o

mundo, que sente o outro, que se atravessa das experiências, que rasura as nossas certezas,

fervilha a nossa imaginação. Então, vivendo dentro do Afoxé Pomba de Malê senti a

necessidade de intentar compreender o significado da cobra coral, não pelo ver, mas pelo

olhar, nos toques do tato, com os cheiros que chegam ao olfato, com os sabores

provocativos do paladar. Para tal, mergulhei, e ainda o faço, nas cosmovisões dos povos

Yorubás6 para os quais a cobra simboliza o orixá Oxumaré, originário do Daomé, atual

3 O homem moderno, entretanto, tende a negligenciar o sentido do olfato. Seu meio ambiente ideal pareceria

requerer a eliminação de "cheiros" de qualquer tipo. A palavra "odor" quase sempre significa mal cheiro.

Esta tendência é lamentável, pois o nariz humano, de fato, é um· órgão incrivelmente eficiente para farejar

informações. Com a prática, uma pessoa pode classificar o mundo em categorias odoríficas, tais como

aliáceo, ambrosíaco, hortelã-pimenta, aromático, etéreo, podre, perfumado, caprino ou nauseante (TUAN,

2012, p. 27). 4 Os olhos obtêm informações muito mais precisas e detalhadas, sobre o meio ambiente, do que os ouvidos,

mas geralmente somos mais sensibilizados pelo que ouvimos do que pelo vemos (TUAN, 2012, p. 25). 5 Tato, o sentido háptico, de fato fornece aos seres humanos uma grande quantidade de informações sobre

o mundo. O tato é a experiência direta da resistência, a experiência direta do mundo como um sistema" de

resistências e de pressões que nos persuadem da existência de uma realidade independente de nossa

imaginação (TUAN, 2012, p. 24). 6 “IORUBÁ – sudaneses, povos que habitam a região da África Ocidental, predominante no território da

Nigéria. Região que se estende de Lagos para o norte até o rio Niger, de Daomei para leste até Benim, tem

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Mali, onde atendia pelo nome de Dan. Após descobrir que a serpente pombalense é uma

forma de homenagear Oxumaré recorri aos membros do Afoxé, a literatura afro-brasileira

e africana, bem como busquei em algumas casas de Candomblé mais conhecimento para

alimentar as minhas inquietações.

As explicações acerca das características da serpente-arco-íris (VERGER, 1981)

revelam que a sua energia é a responsável pelos movimentos, fluxos, “mordendo a cauda,

representando o movimento circular próprio de Oxumaré, próprio do ciclo das chuvas,

das energias da natureza, onde prevalece a dialética ancestral da continuidade”

(MIRANDA, 2014, p. 116). Ainda no campo da Filosofia Iorubana, Verger (1999, p.

231), elucida: “Oxumarê apresenta-se como uma serpente que morde a sua própria cauda,

formando assim um círculo fechado. Simbolizando a força vital do movimento e de tudo

o que é alongado, ele sustenta a terra impedindo-a de desintegrar-se” (Fig. 2). Por ser a

energia que sustenta os movimentos da Terra, não consegue-se imaginar o seu fim, visto

que o mesmo provocaria a extinção de todas as formas de vida terrestre.

Figura 2- Serpente representativa de Oxumaré. Fonte: Prandi, 2001.

Ser o responsável pelo movimento da Terra e equilibrar a sua integração admite

“que a diversidade não se torne um cordão de isolamento, um motivo para o niilismo, mas

submete as singularidades territorializadas a um critério ético maior: o bem estar das

comunidades e realização de seus destinos” (OLIVEIRA, 2007, p. 100). Nesse viés,

Oxumaré é o patrono dos contrastes existentes entre os grupos humanos. Contrastar

remete imediatamente ao arco-íris, outro elemento emblemático de Oxumaré, composto

por sete cores distintas, cada uma com a sua relevância, com tons diferentes e

provocativas de sentimentos dispares em cada olhar. A policromia existente no arco-íris,

como capital religiosa Ifé e política Oyó, espaço mitológico de criação da humanidade, língua maneira de

falar de um povo da África ocidental” (SOARES, 2008, p. 179).

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que tanto encanta e faz parte da mitologia de muitas civilizações, abarca um efeito rizoma7

(DELEUZE e GUATTARI, 1995), é o resultado da soma e integralidade das diferenças,

estas que não devem ser hierarquizadas ou comparadas, visto que cada uma com suas

intensidades realimentam o mosaico multicolorido que liga o céu à terra: Òrun e o Àiyé8.

É justamente a dialética ancestral da continuidade, com ênfase nos contrastes, que

deve permear o forjar do corpo-território de qualquer ser humano. Acrescer nas suas

intersubjetividades as possibilidades de aprender e atualizar os conhecimentos ao longo

das suas caminhadas, posto que a imutabilidade do ser humano não faz parte do viver.

Ademais, expor uma serpente cíclica com canais de aberturas entre o interno e o externo

é emblemático para comunicar que as trocas devem acontecer das mais variadas esferas,

o que significa reforçar as alteridades, contemplar a infinidade das encruzilhadas, ou

como pontua Gallefi (2001):

O mundo é um jogo de possibilidades interpretativas, um infinito de

jogos de possibilidades. E o infinito aqui não tem mais nada a ver com

o mundo teologicamente acabado, mas pelo contrário, fala de um

mundo em ebulição, mundo de infinitas formas, ofertadas ao

perspectivismo humano (p. 315).

Nesse cenário, recorrer a mitologia africana é indispensável na aproximação da

Filosofia de Oxumaré e a sua interferência nas movimentações do corpo-território. O

mito tem o papel de educar através das histórias “que podem ser consideradas como

práticas educacionais que chamam a atenção para princípios e valores que vão inserir a

criança ou o jovem na história da comunidade e na grande história da vida” (MACHADO,

2002, p. 4). Os mitos ensinam conhecimentos que extrapolam as informações que

recebemos diariamente, pois o mito ensina para a vida, para complexidade, “os mitos são

histórias sobre a sabedoria de vida. O que estamos aprendendo em nossas escolas não é

sabedoria de vida. Estamos aprendendo tecnologias, estamos acumulando informações”

(CAMPBELL, 1986, p. 22).

7 “[...] qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. E muito diferente da

árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem. A árvore linguística à maneira de Chomsky começa

ainda num ponto S e procede por dicotomia. Num rizoma, ao contrário, cada traço não remete

necessariamente a um traço linguístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de

codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente

regimes de signos diferentes, mas também estatutos de estados de coisas” (DELEUZE; GUATTARI, 1995,

p. 15). 8 "O àiyè é o universo físico concreto, e a vida de todos os seres naturais que o habitam, portanto, mais

precisamente, os arà-àiyè, ou aràiyè, são os habitantes do mundo, a humanidade. Já o òrun corresponde ao

espaço sobrenatural, o outro mundo, o além, algo imenso e infinito. Nele habitam os arà-òrun, que são os

seres ou entidades sobrenaturais" (LUZ, 2000, p.109).

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Utilizar a mitologia afro-brasileira no ato de educar faz parte do compromisso

decolonial que “encontra suas raízes nos projetos insurgentes que resistem, questionam e

buscam mudar padrões coloniais do ser, do saber e do poder” (MALDONADO-TORRES,

2016, p. 86). Evidenciar a potência da mitologia filosófica de Oxumaré reinventa e

introduz no imaginário popular outras referências, para além da mitologia grega, que

coadunam para estabelecer a relação do homem com a sua própria natureza e com os

outros seres. Com isso, o corpo-território que tem acesso ao mito “Oxumaré transforma-

se em cobra para escapar de Xangô” (PRANDI, 2001, p. 226), pode interpretá-lo, assim

como o fiz, e levar consigo a mensagem de reposicionamento para criar um corpo-

território-contra-hegemônico:

Oxumarê era um rapaz muito bonito e invejado, suas roupas tinhas

todas as cores do arco-íris e suas joias de ouro e bronze faiscavam de

longe. Todos queriam aproximar-se de Oxumarê, mulheres e homens,

todos queriam seduzi-lo e com ele se casar. Mas Oxumarê era também

muito contido e solitário, preferia andar sozinho pela abóbada celeste,

onde todos costumavam vê-lo em dia de chuva. Certa vez Xangô viu

Oxumarê passar, com todas as cores de seu traje e todo brilho de seus

metais, Xangô conhecia a fama de Oxumare de não deixar ninguém dele

se aproximar, preparou então uma armadilha para capturar o Arco-Íris.

Mandou chamá-lo para uma audiência em seu palácio e, quando

Oxumarê entrou na sala do trono, os soldados de Xangô fecharam as

portas e janelas, aprisionando Oxumarê junto com Xangô. Oxumarê

ficou desesperado e tentou fugir, mas todas as saídas estavam trancadas

pelo lado de fora. Xangô tentava tomar Oxumarê nos braços e Oxumarê

escapava, correndo de um canto para outro. Não vendo como se livrar,

Oxumarê pediu ajuda a Olorum e Olorum ouviu sua súplica. No

momento em que Xangô imobilizava Oxumarê, ele foi transformado

numa cobra, que Xangô largou com nojo e medo. A cobra deslizou pelo

chão em movimentos rápidos e sinuosos. Havia uma pequena fresta

entre a porta e o chão da sala e foi por ali que escapou Oxumarê.9

Este mito expõe a relação conflitante entre um rei (Xangô) e um súdito (Oxumaré),

onde o poder hegemônico (rei) se contraria com os talentos do corpo-território de

Oxumaré. A partir disso, inicia-se uma tentativa de repressão ao belo alheio, censura à

estética do outro que incomoda, a tentativa de adaptação do corpo às normas

padronizadoras. Por sua vez, o corpo-território da serpente-arco-íris se mobiliza e ganha

outros contornos, outras estéticas, outras ideologias para romper com as continuidades e

propor uma outra forma de ser e viver no mundo que tenta padronizar o diferente, o

diverso, aquele que foge à regra. Esta é a mensagem da Filosofia de Oxumaré: o direito a

9 (PRANDI, 2001, p 226). Extraído do mito “Oxumaré transforma-se em cobra para escapar de Xangô”

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viver por e a partir da diversidade, já que “a cosmovisão africana, com efeito, prima pela

diversidade e não pela imposição de modelos únicos” (OLIVEIRA, 2003, p. 39). Ao passo

da não aceitação e acomodação determinada pela perspectiva e leitura de mundo do outro

hegemônico.

Se transformar em serpente para fugir da emboscada representa dentro da

Filosofia de Oxumaré a possibilidade em trocar de pele para reinventar a concepção de

vida e de mundo, o que está imbricado no ato de desterritorializar (DELEUZE;

GUATTARI, 1992) o corpo-território para recriar uma outra corporeidade a qual se

expandiu e inviavelmente não se adequa a territorialidade anterior e em seguida se

reterritorializar em outra espacialização, já que “não há território sem um vetor de saída

do território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo

tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte” (Gilles Deleuze, em entrevista

em vídeo).

Filosoficamente Oxumaré nos ensina que o corpo-território é um corpo-serpente

que troca de pele a cada processo de desterritorialização das suas experiências, pois

desterritorializar para a interculturalidade10 (WALSH, 2005) é expandir o conhecimento,

as experiências, os saberes que não mais cabe no território anterior, com isso, troca-se de

pele para potencializar o ciclo formativo da vida. Ainda sobre o mito, verificamos um

convite à criticidade, ao corpo-território que se constitua em problematizar as imposições

do instituído, onde “o sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre seus efeitos de

poder e o poder sobre seus discursos de verdade; a crítica seria a arte da inservidão

voluntária, algo de indocilidade refletida” (FOUCAULT, 1990, p. 38-9).

Então, quando a estrofe diz que “o negro do Pomba quando sai da Rua Nova” está

chamando atenção para o corpo-território que sai da sua espacialidade comunitária, onde

os seus trânsitos costumam ser mais espontâneos e livres, visto que estão entre os seus

pares, circulam e experienciam os lugares e as territorialidades com os seus semelhantes,

o que não anula as possibilidades de conflitos. Ao sair da sua localidade e transitar pelas

vias da cidade o copo-território assume outras leituras e se depara com a variedade de

atravessamentos sociais. Portanto, trazer “na cinta uma cobra coral” se configura como

10 “O conceito de interculturalidade é central à (re)construção de um pensamento crítico – outro – um

pensamento crítico de/desde outro modo, precisamente por três razões principais: primeiro porque está

vivido e pensado desde a experiência vivida da colonialidade [...]; segundo, porque reflete um pensamento

não baseado nos legados eurocêntricos ou da modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul,

dando assim uma volta à geopolítica dominante do conhecimento que tem tido seu centro no norte global”

(WALSH, 2005, p. 25).

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uma forma de posicionamento e negociação cultural às adversidades dos encontros. A

serpente fortalece os pombalenses, homens e mulheres negros e negras, a tentar legitimar

o seu direito à cidade, à cidadania, à democracia por completo. Trazer “na cinta a cobra

coral” me ensinou que outros marcadores sociais que estão atrelados ao meu corpo-

território também precisam ser problematizados, inseridos ou não no processo de auto

afirmação, se fortalecer, ocupar os espaços, resistir e promover a libertação dos outros

sujeitos que por diversas situações são ceifados dos seus direitos humanos. Nesse quesito,

Candau (2008) e Santos (2006) pontuam que os direitos humanos precisam ser repensados

e reconceitualizados com as demandas atuais que articulem o direito a diferença étnica e

cultural, mas atrelada à igualdade das políticas públicas.

Destarte, o corpo-território na Formação Docente, que venho articulando na

minha escrita e na minha prática diária, busca aplicar os ensinamentos da dialética

ancestral de continuidade da epistemologia de Oxumaré, onde o sujeito precisa perceber

que o seu “corpo é lugar-zero do campo perceptivo, é um limite a partir do qual se define

um outro, seja coisa ou pessoa. O corpo serve-nos de bússola, meio de orientação com

referência aos outros” (SODRÉ, 2002, p. 135). A concepção da perspectiva do corpo-

território elucida um pensar que provoque a perspectiva educacional que reafirma as

territorialidades como algo fixo e imutável. Se as nossas corporeidades performatizam

pelas mais variadas espacialidades e já que somos um território de passagem não nos

contemplamos com o acabado, pois estamos em devir, em construção, rasurados, em

constantes trocas de peles.

Assim, Claval (2002), afirma que “a experiência do lugar e do espaço se faz

através do corpo” (p. 26). Na mesma direção, o corpo-território é constituído das

experiências “que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não

o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo

tempo, quase nada nos acontece” (LARROSA, 2002, p. 21). Nesse viés, Le Breton (2010,

p. 11) nos convida a verificar que nas experiências o trato com o nosso corpo e com o

corpo do outro requer “torná-lo não um lugar da exclusão, mas o da inclusão, que não

seja mais o que interrompe, distinguindo o indivíduo e separando-o dos outros, mas o

conector que o une aos outros”.

Portanto, pretendemos destacar que ter a dimensão do nosso próprio corpo só se é

possível pôr e a partir das experiências, as quais não devem ser confundidas com o

acumulo de informações ou excesso de dados codificáveis socialmente. Pelo contrário, é

vislumbrar o corpo como o espaço de sentimentos, de afetividades, de exposição para se

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permitir ser tocado pelo o outro, pelas vivencias que articulam as territorialidades. Nesse

bojo, destacamos que o corpo-território:

[...] propicia ao indivíduo entender o que está ao seu redor a partir do

seu próprio corpo, de si mesmo, sua posse sobre o seu corpo, assim

como uma territorialidade em constante movimento que para onde se

desloca carrega consigo toda a bagagem cultural construída ao longo

das suas trajetórias (MIRANDA, 2014, p. 69-70).

Diante disso, se perceber corpo-território é reafirmar a sua construção sócio

histórica, ou em outras palavras, não omitir/negligenciar a “bagagem cultural construída

ao longos das suas trajetórias” (MIRANDA, 2014, p. 70). Por esses veios, que volto a

ratificar a intencionalidade em abrir os caminhos desta tese saudando os atabaques do

Afoxé Pomba de Malê, pois todas as vezes que preciso resignificar o meu corpo-

território, trocar de pele, para acentuar a postura contra hegemônica lembro-me que “O

negro do Pomba quando sai da Rua Nova, ele traz na cinta uma cobra coral”.

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Figura 3- Oxumaré. Autor: Carybé.

PELE I - APRENDER A TRANSGREDIR

PARA TROCAR DE PELE

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1.1 – Geobiografar o corpo-território que se torna educador

“De teoria, na verdade, precisamos nós. De teoria

que implica numa inserção na realidade, num contato

analítico com o existente, para comprová-lo, para

vivê-lo e vivê-lo plenamente, praticamente”

(FREIRE, 1999, p. 101).

Discorrer sobre a categoria corpo-território requer um compromisso pessoal em

viver e comprovar na minha realidade a referida perspectiva. Por isso, trago para abrir os

caminhos a epígrafe acima por entendê-la como pujante no ato de pesquisar e efetivar o

discurso proveniente da teoria, posto que a Educação não pode em hipótese alguma

intensificar a dicotomia entre teoria e realidade. Muito pelo contrário, devemos enveredar

por vias que torne fecundo as corporeidades que comprovem, sinta, perceba, experiencie

as teorias nas suas movimentações diárias.

Portanto, viver a teoria na prática do cotidiano ultrapassa o simplório papel de

alfabetização de incumbência das escolas. Alfabetizar os corpos-territórios não garante

torná-los sujeitos portadores de criticidade. Alfabetizar a população para a democracia

exige da Educação o desenvolvimento do educando que confronte, tensione, seja partícipe

ativo das contestações de tudo que circunda o seu corpo-território. Porém, encontramos

espaços educativos com características impositivas, nos quais:

Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não

debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não

trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas

se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque

recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as

incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que

exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige

reinvenção (FREIRE, 1999, p. 97).

Com isso, não estimulamos a educação democrática e muito menos a discussão

sobre o que significa uma sociedade que preza pela democracia. A imposição acaba por

legitimar a prática pedagógica calcada no silêncio, na passividade, o que inviabiliza aos

educandos compreender a potência de serem sujeitos protagonistas na construção das suas

narrativas. Negar ao corpo-território a sua potência traz como consequências o

empobrecimento prático das nossas vidas, passa-se a enaltecer o paradigma de

modernidade pautado na monocultura, bem como a valorização do progresso consumista

atrelado a incessante busca por um presente produtivo que supostamente garante um

futuro melhor.

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Nesse bojo, a globalização intensificou o esvaziamento das discussões e reforçou

a alienação do pensamento, a desarticulação das redes de solidariedades, o apagamento

da identidade dos grupos subalternizados, entre tantas outras ideologias orquestradas para

enfraquecer a criticidade. Esse movimento, produz corpos-territórios que se sintam

incapazes de reivindicar e agir para efetuar modificações nas suas realidades e na

amplitude do mundo. O pensar para efervescer a existência democrática cedeu espaço

para a centralidade na individualização e “erige o egoísmo como comportamento quase

obrigatório, e a lei do interesse sem contrapartida moral supõe como corolário a fratura

social e o esquecimento da solidariedade” (SANTOS, 1999).

Percebe-se que a Educação precisa repensar de que forma ela vem contribuindo

no forjar do corpo-território dos educandos e dos educadores. A educação para a

democracia e para a emancipação acontece com desafios às normas impostas pelo

sistema. Confrontar e questionar as imposições são práticas habituais do corpo-território

que é estimulado a utilizar o senso crítico para compreender de que forma as ações

hierarquizadas rebatem na sua leitura de mundo. Caso contrário, as nossas escolas

continuarão:

Sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um

lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar

todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é considerado

como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio

prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a

individualidade. Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um

simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das

pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das

mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do

trabalho exigidas por uma implacável competitividade (SANTOS,

1999).

Nesta lógica de competitividade, a Educação deixa de ser um prazer e galga a

representatividade de obrigatoriedade para o sucesso profissional e pessoal. Além disso,

minimiza-se a capacidade que o ato de educar possui na construção do corpo-território

que se perceba com a natureza humana e revele o sentido de ser humano, pois a sociedade

de ordem capitalista sobre a qual estamos inseridos trata o problema da nossa existência

de forma alienada. A educação passa a atender os anseios não da maioria, mas de uma

pequena parte da sociedade, visando “a acumulação e a reprodução do valor, o que aliena

o homem em relação a outros homens” (MESZÁROS, 2008, p. 20).

Ser despertado para as questões da humanização, das ações associadas a

construção das minhas narrativas requereu a busca por outras histórias de vida que

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trouxessem em seu relatos insurgências pessoais e profissionais. Então, tive a grata

surpresa, muito por acaso, de encontrar o livro Ensinando a transgredir da autoria de Bell

Hooks (2013), cuja escrita pontua a trajetória da autora como discente da educação básica,

graduação, pós-graduação e a sua profissionalização docente. Em meio a todas as etapas

formativas, Hooks convida o leitor a percorrer pelas itinerâncias da sua vida e como o ato

de educar para a criticidade a motivou a construir práticas educativas diferenciadas e

motivadoras. Dessa forma, verifico a necessidade em traçar como se deu a construção do

meu próprio corpo-território nos caminhos da educação, desde a passagem pela escola

básica, a entrada na graduação e, por conseguinte, a inserção na pós-graduação.

Percebo a necessidade em realizar este movimento de rememorar as trocas das

minhas peles como um dos dispositivos que me conduz a tentar compreender como me

foi negado o direito de ser o corpo-território que humanamente deveria se alimentar da

espontaneidade, da criatividade, bem como, dos encontros orgânicos com os outros

corpos que cruzassem as encruzilhadas formativas. Assim, pauto as itinerâncias pelas

minhas memórias com o auxílio da geobiografia que nos permite:

[...] pensar em formas mais subjetivas das escritas (grafias) de nossas relações

com o espaço (geo) ao longo da vida (bio). Numa geobiografia, o sujeito (auto)

reinventaria (poiese) as suas relações com o espaço, paisagens, territórios,

cantos, lugares, refúgios etc., e faria uma reflexão sobre as experiências

vividas, errâncias, intinerâncias, deambulações, paradas, caminhos reais ou

imaginários em busca de depreender aspectos fundantes da historicidade de

sua condição humana na Terra (PASSEGGI, 2015, p. 12).

Por isso, pensar o corpo-território que escreve (grafia) a sua bagagem

cultural pelos espaços (geo) que circula é ampliar o ato de refletir sobre as ações que

compõem o fluido mosaico das nossas vidas (bio), ou seja, o corpo-território é um texto

narrativo orgânico e sendo assim rico em geobiografias. A partir disso, as construções a

seguir buscam compor as narrativas formativas do meu corpo-território e como as minhas

itinerâncias elucidam as transformações das minhas intersubjetividades.

Contudo, tento acessar as lembranças da passagem pela educação básica e

aparecem momentos a partir do Fundamental II, onde cursei até o oitavo ano em escola

pública, no município de Feira de Santana, Bahia. É muito latente como a educação que

tive acesso, no referido período, reforçava a transmissão de valores e informações com a

perspectiva de alunos desprovidos de experiências e sem possibilidades para contribuir

com as propostas dos professores. A concepção bancária elucidada por Paulo Freire

ilustra, evidencia e explica o contexto pelo qual passei. Ainda nesse cenário, a forma de

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pensar e articular o corpo dos discentes também perpassavam pelo ato de educar, para os

quais, pelo menos os que consigo lembrar, direcionava verbalmente ou com condutas não

verbais o que poderia um corpo masculino e o que cabia ao corpo feminino.

A escola tornou‐se, por conseguinte, um espaço em que rotineiramente

circulam preconceitos que colocam em movimento discriminações de

classe, cor, raça/etnia, sexo, gênero, orientação sexual, capacidade

físico‐ mental etc. Com efeito, classismo, racismo, sexismo e

homofobia, entre outros fenômenos discriminatórios, fazem parte da

cotidianidade escolar não como elementos intrusos que adentram

sorrateiramente os muros da escola. Ou seja, além de terem sua entrada

geralmente franqueada, eles são cotidianamente ensinados na escola,

produzindo efeitos sobre todos/as (estudantes ou não). Não por acaso,

ao falar de suas lembranças da vida escolar. A marcas permanentes que

atribuímos às escolas não se referem aos conteúdos programáticos que

elas possam nos ter apresentado, mas sim se referem a situações do dia‐a‐dia, experiências comuns ou extraordinárias que vivemos no seu

interior (LOURO, 1999, p. 18-19). As marcas que nos fazem lembrar

dessas instituições têm a ver com as formas que construímos nossas

identidades sociais e os processos de edificação de complexas

hierarquias (JUNQUEIRA, 2010, p. 2).

Dessa forma, a repressão corporal acompanhou as minhas travessias no chão da

escola, onde o silêncio e o adestramento dos movimentos corporais deveriam seguir

regras bem delimitadas. No meu caso específico, que desde a infância sou interpretado

como um corpo gay e a partir desta afirmativa alheia recebia a afetividade corretiva11, ou

seja, diariamente no chão da escola o meu corpo-território era alvejado por verbalizações

que me cobravam uma outra performance, jeitos e ações compreendidas como próprias

da heterossexualidade. Este panorama reflete, com ênfase, no marcador sexualidade e

gênero, como a escola condicionou minha corporeidade a outra postura que não

representava o meu real desejo de ser e sentir a construção da minha humanização. Falar

sobre esse passado não é nada confortável, sobretudo, nas primeiras tentativas, porém,

reafirmo que trabalhar com essas feridas/dores foram e continuam a ser fundantes na

construção da minha identidade pessoal e docente, posto que acredito no forjar do

educador que está disposto a resignificar o seu corpo-território não somente pelas

memórias frutificadas pelos privilégios, mas também pela rememoração nas condições de

oprimido e/ou opressor que cada um pode ter perpassado desde a sua infância.

11 Expressão forjada a partir da perspectiva de Afetividade Seletiva cunhada pela pesquisadora Eliene

Cavalleiro em seu livro “Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na

educação infantil”.

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Ainda na tentativa de traçar uma linha do tempo que abarque as trocas das minhas

peles pela educação formal, me insiro no Ensino Superior público no curso de

Licenciatura em Geografia. Chego nesta etapa formativa com a corporeidade talhada por

muitas repressões. Olho para esta fase da vida e novamente encontro um corpo-território

que disputa espaço para ser aceito no campo da normalidade, o que acarreta mais

desconfortos com a espiritualidade e o trato com as demais pessoas, posto que a tentativa

de se enquadrar ao padronizante é desgastante, requer vigília constante acerca de como

se expressar. Toda essa mecânica artificial afasta da espontaneidade humana e obriga o

corpo-território a viver protagonizando uma performance social incoerente com o real da

espiritualidade. Suponho que para um homem e uma mulher heterossexual, que neste

exato momento faz a leitura deste texto, é algo muito distante compreender como um

corpo gay, antes da sua auto aceitação por completo, se sente angustiado em saber que

diariamente vai sair de casa em direção a escola e com a certeza de que será mais um dia

na tentativa de se encaixar na heteronormatividade e com isso driblar as

prováveis/existentes agressões físicas e verbais.

Portanto, geobiografar a minha passagem pela educação básica e, agora,

adentrando na graduação é de suma relevância para entendermos como a educação formal

contribuiu massivamente na construção de um corpo-território que sentia medo de falar,

tirar dúvidas, expor experiências, demonstrar afetividades, se apaixonar e vive-la

plenamente. Resultou em silêncios, desgosto pelo espaço escolar, desânimo e medo de

participar das tentativas comunitárias no chão da escola, afastamento do coletivo e por

conseguinte criticidade aquém do esperado.

O cenário evidenciado até agora, começou a ser remodelado na graduação, mas

não por contribuição dos componentes obrigatórios da Licenciatura em Geografia. Muito

pelo contrário, a matriz curricular do período que estive na graduação não abarcava

discussões que nos motivassem a repensar a criticidade a partir dos marcadores sociais

evidentes em nossos corpos-territórios, no máximo, atrelava-se as problemáticas sociais

às lutas de classes e todo os outros campos deveriam ser inseridos na abordagem maior:

Marxista. O repensar a partir do que afeta o meu próprio corpo só teve início com as

provocações encontradas em uma gama de componentes curriculares cursados em outros

departamentos, entre eles: Psicologia Social; Educação e Diversidade Cultural; História

da África; etc.

Nessas descobertas, o olhar sobre o mundo passou a ser modificado, visto que a

mudança começou a ser sentida de dentro para fora, ou seja, ter acesso a leituras e trocas

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de experiências com pessoas que colocavam as suas diferenças como dispositivos de

ensino e aprendizagem provocou rupturas nas imutabilidades identitárias que acreditava

existir. Ser convidado a pensar no questionamento você é o verdadeiro protagonista da

sua história?, provocou intensa instabilidade no meu corpo-território, levou-me a

repensar até que ponto estava sendo saudável viver em busca de rótulos que adequava-

me ao padrão e ao mesmo tempo negava o meu real.

Nesse viés, Hooks (2013) elucida que a educação para a libertação instiga o

educador a perceber que a sua prática pedagógica deve perpassar pelo “crescimento

intelectual e espiritual” (p. 25) dos seus educandos. Com isso, se ater ao crescimento

espiritual significa ao corpo-território o respeito a sua diversidade, a evidenciação da sua

condição humana, a qual não pode ser configurada em padrões: racial/branco,

sexualidade/heterossexual, sexista/patriarcal, classe/opressor, gênero/machista, entre

tantas outras formas de engessar os corpos e oprimir o diferente. Adquirir a consciência

crítica deste cenário ideológico hegemônico tem tensionado o meu corpo-território a

articular nas práticas docentes uma postura ética que se impõe ao senso moral cristalizado,

pois “o sujeito moral reconhece e segue as regras, normais e hábitos que reforçam as

estruturas de poder. O sujeito ético, no entanto, pensa criticamente tais estruturas e, se

preciso, reinventa-as, transformando a moralidade” (MARIN, 2004, p. 155).

Para tal, o corpo-território-contra-hegemônico, sobretudo o que assume a função

docente, precisa se apropriar da pedagogia crítica para analisar, refletir e despertar

“cidadãos críticos, livres, posicionados em seus contextos e na amplitude do mundo”

(MARIN, 2004, p. 157) com a finalidade de transformar os cenários indolentes que vos

cerca. Estas sensibilizações precisam acessar as construções identitárias alicerçadas nas

salas de aulas. Por isso, busco nas minhas travessias como docente da educação básica e

do nível superior os ensinamentos freireanos de emancipação humana e associo ao

cuidado com o outro, pois, “devemos auxiliar os outros, de acordo com as nossas

convicções e possibilidades. Devemos escutar quem precisa ser ouvido. [...], qualquer

pessoa, qualquer ser humano deve fazer essas coisas para poder ser feliz” (MÃE

STELLA, 2002, p. 29).12

Os ensinamentos de Mãe Stella provoca, aos educadores da pedagogia libertadora,

a necessidade de compartilhar com os demais as possibilidades emancipatórias e ao

mesmo tempo compreender que ao se permitir ouvir o outro também se faz aprendente,

12 Entrevista disponibilizada no livro Expressões de Sabedoria (PRETTO; SERPA, 2002).

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também se faz ativo na efetivação crítica da corporeidade do outro e do seu próprio corpo-

território. Nesta perspectiva, de ir na contramão da objetividade racional tive mais uma

surpresa durante o meu fazer pedagógico no ensino superior, onde, após discussões

exaustivas sobre as Epistemologias do Sul, cunhada por Boaventura de Souza Santos

(2002), e na tentativa de trazer o texto para a vida dos graduandos, uma educanda nos

brindou com o cordel 5 Modos da não existência 13da cordelista e pedagoga Avaneide

Rocha (2017):

Vou começar a lhes falar,

Um pouco da não existência.

Agora fácil de explicar,

Peço um pouco de paciência

Segundo Boaventura

5 modos é sua abrangência.

Monocultura do saber

Que saber, mais rigoroso

Esse modo do saber

Ele é muito poderoso!

Acredita que tudo pode,

Chega a ser vergonhoso!

Seu saber é absoluto.

Ele bate, e ele volta,

Sua verdade é a única,

Ela abre e fecha a porta,

Quem tá fora não entra

Quem tá dentro é o que importa.

E a monocultura linear,

Alguém já ouviu falar?

Para onde ela nos leva?

Que direção vai nos dá?

Não se iluda companheiro

Essa também vai se achar!

Cultura única é a ideia,

No seu linear sem sentido.

Vai lineando, formulando

Essa também é um perigo!

Os anos só passando

E a linha um tanto antigo...

A terceira é cruel

Classificação social

Se tú é negro ou é pobre

Isso é mais que natural!

Se acostume que aqui

Quem manda é o capital

13 Título baseado na obra de Santos “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”

(2002).

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Ficar de fora é normal;

Pro negro, homo e mulher,

Pequenas transformações

Tem que lutar, se tú quer!

Para que os ditos padrões,

Não ditem quem tú é!

Eis que surge a próxima,

Escala dominante.

Eu mando, tú obedece,

Mesmo de forma camuflante

Utilizam a globalização

De um jeito não relevante!

A última não existência

É a lógica produtivista.

Você produz, e eu lucro,

Essa não pode perder de vista!

Usa a mão do ser humano

Para atingir suas conquistas.

Isso tudo reafirma

Tá na hora de pensar:

Uma razão contrai,

A outra quer dilatar,

Qual é mesmo a razão,

Que não pode faltar?

Reviver a leitura do referido cordel e o momento que o mesmo foi declamado pela

autora Avaneide Rocha é ter a certeza de que podemos construir salas de aulas nas quais

os educandos possam se sentir pertencentes do processo educativo como todo.

Inicialmente, tanto a Avaneide Rocha, quanto os seus colegas demonstraram resistência

ao fazer pedagógico que colocava as experiências de suas vidas para dividir o debate

teórico com os autores conceituados academicamente. Em momento algum pensei em

desistir da proposta da dialética teoria-prática, insisti e aos poucos fomos nos conhecendo

e elaborando uma teia comunitária específica para os nossos encontros. As dificuldades

existiam pelo fato dos educandos não terem o hábito de expor as suas realidades atreladas

aos teóricos. A transformação teve um caminho fecundado a partir do momento que

comecei a relacionar as Epistemologias do Sul com os marcadores presentes no meu

corpo-território.

Com isso, os educandos perceberam que as nossas relações de poder não estavam

pautadas no distanciamento, na indisponibilidade de trocas e na frieza dos gestos. As

nossas relações precisavam de experiências de vida para terem sentido e continuidades.

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Educar o outro a narrar a sua própria trajetória, quase sempre, exige do educador o

exercício de partilhar as suas questões pessoais para que as alteridades existentes no chão

da sala de aula comecem a emergir e ganhar as oralidades, as narrativas, os gestuais,

entrega de corpo todo. E mais uma vez, me encontro praticando a pedagogia libertadora

que há muito tempo já vinha sendo elucidada por Paulo Freire e realimentada por Hooks

(2013, p. 35):

Quando os professores levam narrativas de sua própria experiência para

a discussão em sala de aula, elimina-se a possibilidade de atuarem como

inquisidores oniscientes e silenciosos. É produtivo, muitas vezes, que

os professores sejam os primeiros a correr o risco, ligando as narrativas

confessionais às discussões acadêmicas para mostrar de que modo a que

a experiência pode iluminar e ampliar a nossa compreensão do material

acadêmico.

Nesse movimento confessional o nosso corpo-território passa pelo processo de

acionamentos e adormecimentos, vai se nutrindo com as narrativas do outro, caminha

para concretizar a incompletude cultural própria da nossa humanização. Pensar e pôr em

prática o discurso da incompletude é traçar possibilidades para instabilizar a

verticalização hierárquica historicamente reforçada na prática pedagógica. Tal hierarquia

ideologicamente intensifica a educação bancária, que infelizmente, tão atual e presente

nas nossas escolas. Insistir na concepção bancária tem como consequência o desperdício

de sonhos, o apagamento dos desejos e voltamos novamente a verificar como a alienação

corrobora para a docilização do corpo-território.

A mesma concepção bancária marca presença nos mais diversos espaços

educativos, transcorrendo livremente entre a educação básica e o nível superior. Em

ambas esferas legitima a negação do educando como sujeito histórico. Tal processo

objetiva o controle das corporeidades, o engessamento das ideias, a livre fruição dos

pensamentos, cuja prerrogativa estabelece:

[...] o fato é que a racionalização e a eficiência, fundamentos de nossa

civilização, não podem existir sem a repressão ao corpo. Para que um

homem se torne uma função do sistema ele tem de reprimir todos os

ritmos naturais de seu corpo e começar a operar no ritmo estabelecido

pelo próprio sistema. O jogo e a eficiência não caminham juntos.

Enquanto você olha o relógio, enquanto corre para tomar um ônibus ou

o metrô, entra na fábrica ou no asséptico mundo da burocracia, todas as

coisas repetem o mesmo refrão: “o corpo deve ser vencido”. (ALVES,

1987, p. 157)

Ser um corpo moldado pelo sistema e legitimado pela academia produtivista

significa ter tolhida a possibilidade de viver o corpo-território por completo. Sem dúvidas

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as exigências da racionalização impõe aos nossos corpos abandonar desde muito cedo a

nossa criança, o nosso olfato, a nossa sensibilidade de se emocionar no encontro com o

outro, o toque, a visão aguçada, por fim, o nosso espírito. Vamos caminhando por uma

lógica que busca, a todo custo, a humanização controlada. Por outro lado, existem os

movimentos de resistências e insurgências, os quais se alinham para provocar rupturas e

escrever outras formas de interpretar o mundo e formar cidadãos, ou em outras palavras:

reeducar os nossos corpos para criticidade e democracia, “isto é, abrir-se, engajar-se em

linhas de fuga e até sair do seu curso e se destruir” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 323).

Por esses veios, reeducar o corpo é evidenciar que os atravessamentos das

experiências, o encontro com as alteridades, a escuta e o olhar sensíveis são pujantes no

fortalecimento dos laços fundantes para a educação democrática, crítica e emancipadora.

Como consequência, o corpo-território deve ser ensinado que a sua existência como

protagonista só será possível se aprender a criticar a objetificação imposta pelo sistema.

É um exercício constante, inacabado, desgastante, difícil, cheios de imprevisibilidades,

contudo, de suma relevância e amparado na Filosofia de Oxumaré, para o qual a estratégia

crítica é o artifício primordial para alcançar as trocas de peles. É o mesmo exercício que

venho perfazendo no ato de educar em sala de aula, onde me coloco como o sujeito que

a todo tempo se interpela: como cuido da minha emancipação e como contribuo para a

criticidade dos educandos que estão comigo?

Responder a provocação acima é complexa por requer uma pedagogia do

engajamento, na qual o coletivo precisa ser levado em consideração, a competitividade

não tem espaço, e em troca, o prazer e a solidariedade obrigatoriamente precisam articular

as ações. Destarte, praticar a reeducação do corpo-território no campo da educação é ter

a certeza de envolvimento constante com a humanidade do outro, é encarar o desafio de

gostar de gente, de pessoas diversas e adversas. Em outras palavras:

O diálogo freireano é, portanto, o que se propõe a abrir as possibilidades

de entender que só lemos um texto se formos lendo o contexto de quem

o escreveu, relacionando-o com o nosso, o contexto de quem está lendo

o texto. Fora dessa relação dialética vivencial, texto-contexto-diálogo,

não pode haver a compreensão precisa, clara, verdadeira, nem das

palavras pronunciadas ou escritas, nem do contexto do mundo que as

palavras estão a se referir (FREIRE, 2015, p. 7).

Diante disso, construir o meu corpo-território educador tem sido um intenso

processo de olhar para a minha espiritualidade e saber o que me faz bem, o que me foi

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negado, o que não pode ser apagado do currículo dos espaços formativos que frequento.

É saber que ser educador é um ato de coragem, é um ato do corpo-território-contra-

hegemônico e, portanto, não pode ser superficial. As rupturas precisam remexer em

feridas, dores, em mascaras de artificialidades e tensionar estruturas ideologicamente

impostas.

1.2 – Estratégia Crítica: o corpo-território que verifica as ausências e emergências na

formação docente

Xangô se casou com Oxum e descobriram que sua

comunicação não andava bem, pois Xangô morava no

alto da pedreira, quase no céu, já Oxum tinha seu palácio

nas profundezas do rio. Para solucionar este problema,

Xangô pediu a Oxumaré que ligasse a água do rio de

Oxum até ele no céu, foi quando Oxumaré se tornou o

arco-íris. Existe um detalhe: para que não acontecesse

uma seca na terra, Oxumaré resolveu fazer este favor a

Xangô apenas durante seis meses do ano, para que nos

outros seis meses, enquanto Oxumaré assumia a forma

de serpente, Xangô tivesse que descer até a terra,

trazendo assim as fortes chuvas, tempestades e trovões

de raiva.

Com o meu corpo-território perfilado pelas contribuições da Filosofia de

Oxumaré vou construindo em devir, em contato com outros corpos, potencias afetivas

responsáveis por resignificar os meus olhares sobre o mundo. Até onde posso caminhar?

Não consigo e não pretendo mensurar. Contudo, reafirmo nas encruzilhadas que busco

difundir, com o respeito ao real do outro14 (SODRÉ, 1942), os valores éticos que levaram

o meu corpo-território a transgredir e reposicionar a perspectiva educacional para a

autonomia, democracia e humanização.

Nessas trilhas, sempre recorro aos mitos afro-brasileiros com a intencionalidade

de aprender com os seus saberes e ao mesmo tempo contribuir para a evidenciação da

Filosofia advinda da África e reinterpretada em terras brasileiras. Sobre esta questão,

Appiah (2010, p. 131) afirma que filosofia “[...] é o rótulo de maior status no humanismo

ocidental, pretender-se com direito à Filosofia é reivindicar o que há de mais importante,

14 “Cultura é o modelo de relacionamento humano com seu real. Este ‘real’ não deve ser entendido como a

estrutura histórica globalmente considerada nem mesmo como um conjunto de elementos identificáveis”

(SODRÉ, 1942, p. 48).

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mais difícil e mais fundamental na tradição do Ocidente”. Então, ter acesso aos mitos

afro-brasileiros, interpretá-los, compreende-los e considerar o real do grupo que o produz

nos conduz a construção de conceitos reverberados pelo ato de filosofar, onde as histórias

ancestrais funcionam como os intercessores15 para a criação dos conceitos filosóficos.

Destarte, o mito da última epígrafe apresenta o problema filosófico da

flexibilização, ou seja, Oxumaré e Xangô possuem uma relação conturbada, mas mesmo

assim a serpente-arco-íris acata ao pedido do patrono da Justiça16. Tal flexibilização

advém do ato da desterritorialização e reterritorialização das peles, processo que se faz

necessário o desapego de uma série de subjetivações para inventar outras possibilidades.

Verificamos que o pedido de Xangô parte da sua percepção acerca da ausência de

algum tipo de ponte que o ligue diretamente a sua amada Oxum. Nesse caso, Oxumaré

entra em cena para criar o dinamismo entre os amados e tornar possível as afetações,

materializa-las, dá corpo aos desejos. Porém, o conceito filosófico de impermanência da

serpente impõe a Xangô que também contribua na criação da via de ligação para

potencializar um futuro de concretudes reais. Com isso, Xangô se ver convidado a

desterritorializar as suas ações e reterritorializar emergências de cuidado com as

alteridades, as quais não podem ser determinadas apenas com a linearidade colaborativa

de Oxumaré, deve-se pensar e agir em coletivo.

Ter o mito como um intercessor é pujante para interpretar o mundo que vivemos.

O olhar interpretativo de uma história ancestral parte muito do que cada corpo-território

traz de afetação. Quero destacar que a minha compreensão dos mitos afro-brasileiros parte

da tentativa em deslegitimar o epistemicídio étnico-racial17 (CARNEIRO, 2005). Para

tal, provocado pela sociologia das ausências e das emergências (SANTOS, 2002)

verifiquei no mito supracitado como as relações entre o rei Xangô e o súdito Oxumaré é

talhada justamente por ambas conceituações sociológicas.

15 “O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Podem ser pessoas – para um filósofo,

artistas ou cientistas; para um cientista, filósofos ou artistas – mas também coisas, plantas, até animais,

como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios

intercessores” (DELEUZE, 1988, p. 156) 16 “Xangô trabalha ou funciona com o seu machado, posicionando seu papel de mito-herói, revelando sua

justiça, sabedoria em dominar o fogo, entre outros títulos que comporta seu caráter impetuoso,

temperamental e fogoso. Lê-se, também, Xangô como um personagem histórico, tendo sido o terceiro rei

de Oió, Nigéria, África; no entanto, marca para todos a imagem do rei mítico, aquele casado com Oiá,

Oxum e Obá” (LODY, 1983, p. 16). 17 “A formulação de Boaventura Sousa Santos acerca do epistemicídio torna possível apreender esse

processo de destituição da racionalidade, da cultura e civilização do Outro. É o conceito de epistemicídio

que decorre, na abordagem deste autor sobre o modus operandi do empreendimento colonial, da visão

civilizatória que o informou, e que alcançará a sua formulação plena no racialismo do século XIX”

(CARNEIRO, 2005, p. 96).

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Diante do exposto, a sociologia das ausências se configura em “transformar

objetos impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em

presenças” (SANTOS, 2002, p. 22). Já a sociologia das emergências se preocupa em

substituir “o vazio do futuro segundo o tempo linear por um futuro de possibilidades

plurais e concretas, simultaneamente utópicas e realistas, que se vão construindo no

presente através das atividades de cuidado” (SANTOS, 2002, p. 46).

Perante tais discussões, evidencio que tenho buscado forjar o meu corpo-território

com o olhar estratégico para identificar as ausências e as emergências nas espacialidades

que transito, sobretudo no que tange a minha prática profissional: Formação Docente. A

conceituação filosófica de Oxumaré traz a estratégia da serpente como o dispositivo de

paciência e ao mesmo tempo agitação, a dualidade, etapas indispensáveis para bagunçar

as determinações coloniais. Neste processo, “sempre se está no meio do caminho, no meio

de alguma coisa” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 38) e na escrita desta tese de

doutoramento encontro-me na linha formativa, tanto a minha própria formação docente,

como a dos educandos que transitam pelos espaços formativos que articulo formações.

Refletir sobre as potências do meu corpo-território e do corpo-território dos

educandos é dá vasão a ética sinestésica do próprio ato de existir organicamente. Potência

oportuna no trato com as prováveis ausências e emergências na educação brasileira em

macro escala, e pensar na micro escala como espacialidades alternativas para a libertação.

Para tal, o recorte racial tem sobressaído ao meu olhar na formação docente, na qual tenho

intentado verificar a presença efetiva da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no

forjar das identidades docentes, com destaque para os futuros educadores e educadoras

da Geografia Escolar.

Logo, recorro as contribuições de Santos (2000), ao expressar: “Desejamos

integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja,

também, ser plenamente brasileiro no Brasil”18. O posicionamento de Santos aconteceu

três anos antes da promulgação da Lei 10.639/03, a qual alterou a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB) e tornou obrigatório o ensino da História e Cultura

Afro-Brasileira e Africana nos estabelecimentos de ensino de educação básica, sejam

estes públicos ou privados. Alguns anos depois, a supracitada Lei ampliou-se para a lei

11.645, com a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.

18 Trecho retirado do artigo Ser negro no Brasil hoje escrito por Milton Santos, geógrafo, professor emérito

da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Fonte: Folha de S. Paulo - Mais - brasil 501

d.c. - 07 de maio de 2000.

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Comungo do desejo exposto por Santos pelo fato de assumir na minha prática

educativa que todos os grupos étnicos tenham os seus direitos garantidos, pelas Leis e

também pelo respeito às alteridades, posto que “ter respeito e valorizar as diferenciações

culturais e étnicas em um território não significa aderir aos valores do outro, mas, sim, ter

respeito como expressão da diversidade” (ANJOS, 2005, p. 173).

Nesse interim, acreditamos que a educação pluricultural abarca as propostas

necessárias para reaver os séculos de injustiças sociais alvejadas aos grupos oprimidos

historicamente, tais como os indígenas e os afro-brasileiros. Opressão forjada por padrões

morais e culturais pautados no referencial eurocêntrico de civilização. (ATAÍDE;

MORAIS, 2003).

Na tentativa de caminhar em paralelo ao modelo hegemônico de cultura e

educação, construí uma identidade docente com fortes ligações advindas das minhas

experiências na Associação Cultural Movimento Negro Afoxé Pomba de Malê,

movimento afro-brasileiro situado no bairro da Rua Nova, maior territorialidade negra do

município de Feira de Santana, Bahia. Tal Afoxé evidencia-se como espaço educativo

não escolar responsável por me inquietar a compreender que a educação não está limitada

a um espaço fixo, muito pelo contrário, a educação faz parte das nossas corporeidades,

das nossas relações diárias, das interações articuladas cotidianamente, como afirma

Brandão (1989).

Trazer, mais uma vez, o meu envolvimento com o referido Afoxé é de suma

importância visto que apresento um lócus que oportunizou uma variedade de experiências

que foram acrescidas ao saber cientifico adquirido no processo de graduação,

especializações e mestrado, assim como, no doutoramento. Itinerâncias oportunas para

perceber na prática a relevância em pensar o ensino-aprendizagem de Geografia, também,

a partir da Lei 10.639/03. A pesquisa de doutorado que proporcionou esta tese congrega

uma série de proposições, dentre elas contribuir com a intensificação e implementação da

supracitada Lei, ao defender a sua discussão no campo da Educação Superior, sobretudo

nos cursos de formação de professores, onde comumente interpelo: Por qual motivo a

obrigatoriedade da Lei 10639 não abrange as IES em sua totalidade curricular? É coerente

exigir do educador do nível básico o trabalho com uma discussão historicamente

negligenciada mesmo que a sua formação acadêmica não possibilita em componentes

obrigatórios a mínima formação? Por quais motivos as IES não abarcam componentes

curriculares obrigatórios que contemple a História e Cultura Africana e Afro-Brasileira?

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O conhecimento vivo e acumulado durante a inserção e passagem pelo Afoxé

Pomba de Malê repercutiu na constituição do meu ser/identidade docente. Estabeleceu-

se um processo de desconstrução de diversas ideologias e certezas. A afirmação como um

ser humano, do gênero masculino, brasileiro e afrodescendente ganhou novos contornos

e fez com que tal identificação e representatividade redesenhassem as minhas opções

metodológicas em discutir, durante o trabalho pedagógico, temáticas alusivas as

epistemologias não apenas ocidentais. Assumi a tentativa de pôr na roda dos diálogos as

epistemologias ocidentais, que historicamente compõem os paradigmas geográficos, com

a introdução dos valores e saberes do legado afro-brasileiro, na tentativa de:

[...] descolonizar o processo educacional significa liberá-lo, ou

emancipá-lo, do monismo ocidentalista que reduz todas as

possibilidades de saber e de enunciação da verdade à dinâmica cultural

de um centro, bem sintetizado na expressão “pan-Europa”. Esse

movimento traz consigo igualmente a descolonização da crítica, ou seja,

a desconstrução da crença intelectualista de que a consciência crítica é

apanágio exclusivo do letrado ou de que caberia a este último iluminar

criticamente o Outro (SODRÉ, 2012, p. 12).

Reafirmo que esse estudo não intenta sobrepor as culturas e/ou epistemologias.

Entendemos que a formação identitária do que se configura por Brasil traz em sua

constituição emblemática três formas, majoritárias, de ver o mundo, que em grupo são

elencadas da seguinte forma: europeia, indígena e africana. Nessa tríade existem muitas

variedades étnico-raciais que em maiores ou menores escalas também compõem o fluido

mosaico brasileiro. Para tal, nos estudos desenvolvidos durante o mestrado, bem como

nas minhas itinerâncias por diversas cidades do estado da Bahia, onde atuei como

educador em mais de 15 turmas entre especialização e graduação no campo da Educação,

constatei a supremacia dos teóricos ocidentais, os quais em muitos casos reproduzem a

universalização do saber branco e europeu e a sua aplicabilidade para compreender

“acerca do certo ou do errado, melhor ou pior, belo e feio, normal e desviante, adequado

e inadequado, próprio e impróprio, fornecendo a todos nós padrões com os quais

constituímos nossos horizontes identitários, ideais culturais de ser e bem estar no mundo”

(BORGES, 2012, p. 178).

Parte dessa ideologia que reforça os currículos escolares pautados em

epistemologias eurocêntricas tem sua fundamentação no Brasil colônia, período que os

negros, mesmo após a abolição da escravatura, encontravam imensas dificuldades para

ter acesso à educação escolar, como nos aponta as Diretrizes Curriculares Nacionais para

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a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana (2004, p. 07):

O Brasil, Colônia, Império e República, teve historicamente, no aspecto

legal, uma postura ativa e permissiva diante da discriminação e do

racismo que atinge a população afro-descendente brasileira até hoje. O

Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas

escolas públicas do país não seriam admitidos escravos, e a previsão de

instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de

professores. O Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878,

estabelecia que os negros só podiam estudar no período noturno e

diversas estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso

pleno dessa população aos bancos escolares.

Se a escola não era pensada para os negros e afro-brasileiros não existia a

necessidade dos currículos atenderem aos valores dos grupos subalternizados. Contudo,

em 1988 com a promulgação da Constituição, o Brasil tenta rever a disparidade

socioeconômica, bem como educativa das diversidades étnicas. Apesar de trazer no papel

ideais de cidadania e ética que atendesse a pluralidade cultural pouco ou quase nada

modificou a realidade da educação básica. As escolas continuavam com cor definida

(branca) e em poucos casos a cor poderia ser mista, mas o modelo de educação totalmente

eurocêntrico.

Por volta da década de 1970, o negro angaria espaços e passa a ser sujeito

responsável pelas pesquisas que englobavam a sua identidade, assim como a sua história.

O movimento negro conseguiu e vem conseguindo criar novas acepções teóricas sobre o

papel do negro na constituição da identidade nacional. Para esses teóricos, o processo de

branqueamento19 da população negra só se deu por conta das ideologias eurocêntricas as

quais se cristalizaram nesses poucos mais de 500 anos de Brasil.

Nesse movimento, as pressões pelas reformas curriculares foram reivindicadas por

determinados grupos de afro-brasileiros que em números reduzidos alcançaram espaços

de destaque no âmbito da educação básica e nível superior, o que desencadeou a

promulgação da Lei 10.639/03, a qual alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) e tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nos

estabelecimentos de ensino de educação básica, sejam estes públicos ou privados:

19 “O branqueamento pode ser considerado como um conjunto de normas, atitudes e valores brancos que a

pessoa negra, (...), incorpora, visando atender à demanda concreta e simbólica de assemelhar-se a um

modelo branco” (PIZA apud AGUIAR, p. 1390).

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Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,

oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e

Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo

incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros

no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,

econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas

de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras (BRASIL,

2003).

Para atender a Lei 10639/03, a partir do olhar que visualiza as ausências e as

emergências, se faz urgente que os cursos de formação de professores alterarem e ou

inserira na matriz curricular das graduações discussões que contemplem a diversidade

étnica, como mais uma vez elucida as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana (2004, p. 23):

Inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino

Superior, nos conteúdos de disciplinas e em atividades curriculares dos

cursos que ministra, de Educação das Relações Étnico-Raciais, de

conhecimentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à população

negra. Por exemplo: em Medicina, entre outras questões, estudo da

anemia falciforme, da problemática da pressão alta; em Matemática,

contribuições de raiz africana, identificadas e descritas pela Etno-

Matemática; em Filosofia, estudo da filosofia tradicional africana e de

contribuições de filósofos africanos e afrodescendentes da atualidade.

A minha história de vida e formação profissional associada a de tantos outros

pesquisadores da Lei 10.639/03 reiteram a necessidade de ter nos currículos de nível

superior discussões das Relações Étnico-Raciais, as quais não sejam estabelecidas apenas

em componentes optativos. Se faz urgente perspectivar que o trabalho com a Lei

10.639/03 na formação de educadores e educandos abre os olhares para a humanização

dos povos africanos e afro-brasileiros.

Nessas itinerâncias, chego ao Programa de Pós-Graduação em Educação da

Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia - FACED/UFBA, na linha de

pesquisa Educação, Cultura Corporal e Lazer sob a orientação da Prof.ª Dra. Maria Cecília

de Paula Silva com uma proposta mais precisa. Desafiado pelas movimentações do

acadêmico e subjetivo, prestei a seleção para professor substituto da Faculdade de

Educação da Universidade Federal da Bahia e aprovado para assumir 5 componentes

curriculares: Estágio Supervisionado em Geografia I, II, III e IV e Metodologia do Ensino

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da Geografia. Há anos apresentava o desejo de trabalhar com a formação de professores

associado a aplicabilidade da Lei 10.639/03.

O meu corpo-território sente a necessidade e a obrigatoriedade ética de

compartilhar com os discentes em formação inicial as lacunas que o currículo

universitário produz ao negar o direito de problematizar as leis 10.639/03 e a 11.645/08.

Destacar que a Educação Geográfica precisa potencializar as epistemologias negras e

indígenas é o caminho para alcançarmos um currículo escolar pautado nas diferenças e

diversidades que são orgânicas no corpo-território dos educandos que dão sentido ao

chão da escola.

Traçar as minhas itinerâncias se faz necessário para justificar como o olhar sobre

as ausências e emergências da Lei 10.639/03 na formação docente em Geografia se

configura como um processo de continuidades da perspectiva colonizadora do currículo

universitário. Verificar a constatação do silenciamento da História e Cultura Africana e

Afro-Brasileira só foi possível pelos constantes processos das trocas de peles.

Desterritorializar e reterritorializar o meu corpo-território provocou a seguinte

problemática de pesquisa: Como se desenha os corpos-territórios dos discentes de

Estágio Supervisionado em Geografia – FACED/UFBA a partir da formação docente com

os valores civilizatórios afro-brasileiros?

O objetivo geral foi investigar de que forma se desenha os corpos-territórios dos

discentes de Estágio Supervisionado em Geografia – FACED/UFBA a partir da formação

docente inicial com ênfase nos valores civilizatórios afro-brasileiros. E os objetivos

específicos: a) Conhecer a trajetória dos discentes do Estágio Supervisionado em

Geografia – UFBA/FACED para entender o processo da construção docente e o olhar

sobre a Educação Geográfica; b) Analisar os documentos oficiais da Licenciatura em

Geografia – FACED/UFBA tendo em vista a implementação da Lei 10.639/03 no Estágio

Supervisionado; c) Identificar os possíveis problemas/barreiras para a implementação da

Lei 10.639/03 segundo a experiência corporal dos discentes durante o componente

curricular Estágio Supervisionado em Geografia – FACED/UFBA.

A tessitura desta tese buscou atender as discussões pautadas na Educação

Decolonial (MIGNOLO, 2003; WALSH, 2007; MALDONADO-TORRES, 2016;

BOAVENTURA SANTOS, 2002; QUIJANO, 2010), Corpo (OLIVEIRA, 2007,

SODRÉ, 2005), Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros (TRINDADE, 2006;

MACHADO, 2013), Corpo-território (MIRANDA, 2014; SODRÉ, 2005).

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Para tal, propomos organizar os caminhos da tese intitulando os capítulo de

PELE. A escolha por esta terminologia se deve ao processo de ressignificação do meu

corpo-território, muito implicado na tessitura desta pesquisa, o qual vai retirando

camadas ao longo das encruzilhadas formativas compreendidas com os olhos da Filosofia

de Oxumaré. Além disso, o corpo-território dos copesquisadores também é afetado pelas

trocas das peles, em escalas distintas, alguns com maior resistências, outros com

desterritorialização mais facilitada. Então, no próximo movimento, PELE II, traremos a

experiência da minha travessia pelo PERCURSO (Pesquisa + Curso) em formação

Sociopoética. Discutiremos a possibilidade da Cartografia na pesquisa que se pretende

acompanhar as ressignificações das corporeidades de todos os sujeitos envolvidos na

produção dos confetos, pois “[...] ao cartografar se produz uma espécie de desenho

mutante que só é possível mapear as transformações do mundo, as desterritorializações e

reterritorializações que modelam a expressão dos afetos” (MARASCHIN; RANIERE,

2012, p. 42). Caminhando, colocamos no círculo metodológico a Sociopoética

(GAUTHIER, 1999; ADAD, 2014) como perspectiva responsável por compreender a

total relevância dos copesquisadores na produção dos dados, além de proporcionar

dispositivos para que a pesquisa ocorra de corpo todo. Associamos a Sociopoética às

contribuições de Boaventura (2002) por perceber que ambos intentam, com respaldo nas

contribuições de Paulo Freire, evidenciar as epistemologias dos grupos de resistências.

A PELE III é composta por três momentos interdependentes e destaca a criação

do Atiba-Geo, onde oportunizamos a correlação entre a teoria e as vivências, para em

seguida compreender o rebatimento desses diálogos na constituições do corpo-território

dos copesquisadores. Então, apresentamos a proposta da Exunêutica do Desenho Singular

intencionando evidenciar o dispositivo artístico-filosófico intitulado de Cartografia do

Desenho Singular.

A PELE IV, analisamos os documentos oficiais da Licenciatura em Geografia –

FACED/UFBA a partir das ausências e emergências da Lei 10.639/03. Atrelado a isso,

intencionamos evidenciar os posicionamentos curriculares presentes no corpo-território

dos copesquisadores e consequentemente reverberam no corpo-currículo.

Na PELE V, os copesquisadores foram convidados a elaborar a “Cartografia dos

obstáculos na escola”, teve a preocupação em suprimir o sentido da visão e, com isso,

expandir/acionar os outros sentidos que pouco ou quase nunca são convidados a

estabelecer relações no âmbito da aprendizagem. Os copesquisadores passaram por um

momento de alongamento corporal, com os pés descalços e ao som de uma música bem

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calma. Em seguida, territorializaram a sala em círculo. Sentados, na sua frente uma folha

de papel A3, um lápis e com os olhos fechados receberam os comandos do facilitador.

A PELE VI, abarca a contra-análise do grupo de copesquisadores em relação as

narrativas, produções artísticas e reposicionamentos dos seus corpos-territórios após os

meses que passamos juntos e como se deu os atravessamentos destas experiências nas

suas vidas, assim como questões que não possuem explicações verbais, mas que de

alguma forma afeta as nossas existenciais.

Portanto, te convido a perceber as trocas das nossas peles e espero que esta

experiência de doutoramento também proporcione a você a descamação da sua pele para

resignificar o olhar do seu corpo-território.

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Figura 4 - Formação Sociopoética. Salvador, 2018. Fonte: Arquivo Pessoal.

PELE II – RACHADURAS DECOLONIAIS

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Corpo meu

Tem deixado de ser

Por oras dono da razão

Não sei se ele ganha

Afirmo que ele perde?

Adormece ou anestesia-se?

Olha com as mãos

Cheira com os olhos

Desguta com as narinas

Compreende com o paladar

Dança com o corpo alheio

Se impõe, mas cede

Exige, mas entrega

Fala escutando

Escuta falando

Cartografa epistemes

E não temes se rachar

Se quebra para ampliar

O que sobrou?

Porquê devo te contar?

O mais gostoso é se despencar

(Racha e despenca. MIRANDA, 2018)

Rachar e Despencar são duas expressões que sempre veem à minha mente quando

me questionam o que é a Sociopoética. Por isso, o poema da epígrafe aparece neste

momento para apresentar ao leitor desta tese de doutoramento como seu deu o primeiro

contato com a Sociopoética e de que forma esta perspectiva filosófica foi escolhida para

conduzir os caminhos metodológicos da pesquisa, bem como das aulas de Estágio

Supervisionado em Geografia sob a minha regência.

O ato de rachar e despencar provocado pela Sociopoética urge em questionar as

potencialidades humanas da criatividade as quais estão “adormecidas, esterilizadas na

vida ordinária” (GAUTHIER, 1999, p. 14). É justamente esse processo de anestesia que

deve ser banido da Educação. Não dá mais para reproduzir a ideologia de que a escola

deve nutrir o controle dos corpos, o soterramento das afetividades e em muitos casos a

universalização das sensibilidades.

Portanto, visualizei na Sociopoética a possibilidade de descortinar a passividade

criativa dos copesquisadores. Então, por acreditar na formação docente com a emergência

da interculturalidade, desenhei as interconexões dos postulados de Santos (2002) com os

princípios da Sociopoética (GAUTHIER, 2014). Escolher o texto “Para uma sociologia

das ausências e uma sociologia das emergências” de Santos (2002) para iniciar o semestre

se deu pelo fato do educador português construir um enredo textual representativo das

condições sociais, políticas, econômicas, educacionais e culturais que afirmam a

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hierarquização dos saberes e em muitos casos a expurgação de toda a forma de ser, pensar

e viver o mundo que não esteja de acordo com o padrão da Razão Indolente20. Abrir os

caminhos dos componentes curriculares com esse tipo de debate é oportuno para tais

questionamentos: Como me constituir professor que não reproduza a Razão Indolente?

É válido manter um currículo escolar que cotidianamente reproduz a Razão Indolente?

Por qual motivo ainda continuamos a desperdiçar tantas experiências?

Aponto que a seguir apresentarei como conheci a Sociopoética e de que forma

conteceu o atravessamento desta metodologia em meu corpo, já que vivi a experiência

formativa intitulada PERCURSO (Pesquisa + Curso) de formação em Sociopoética sob

a medicação da professora Shara Adad. Assumo o compromisso de expor nesta tese a

referida atividade formativa por compreender que se faz de extrema urgência a

socialização dos princípios da Sociopoética, bem como de que forma as experiências por

mim vividas atravessaram as minhas corporeidades e possibilitaram a criação de outras

perspectivas de vida e atuação profissional.

A aproximação com a Sociopoética se deu pela leitura do livro “Tudo que não

inventamos é falso”, no qual fui apresentado a uma série de artigos com relatos da

aplicabilidade desse recurso filosófico e prático que teve bases fundadoras nas pesquisas

do professor Jaques Gauthier.

Após a leitura de algumas páginas deparei-me com o artigo A Sociopoética e os

cinco princípios: a filosofia dos corpos misturados na pesquisa em educação de autoria

da educadora Shara Adad. Abaixo proponho, amparado no texto de Adad (2014)

correlações à crítica da Razão Indolente indicada por Santos (2002). Para tal, sigo os cinco

princípios da Sociopoética, os quais são apresentados na subseção deste capítulo.

20 “A razão indolente subjaz, nas suas várias formas, ao conhecimento hegemónico, tanto filosófico como

científico, produzido no Ocidente nos últimos duzentos anos. A consolidação do Estado liberal na Europa

e na América do Norte, as revoluções industriais e o desenvolvimento capitalista, o colonialismo e o

imperialismo, constituíram o contexto sócio-político em que a razão indolente se desenvolveu” (SANTOS

BOAVENTURA, 2002, p. 40).

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2. - Os cinco princípios da Sociopoética associados à crítica da Razão Indolente

2.1 - Pesquisar entre as pessoas de um grupo

No primeiro princípio percebe-se forte influência das contribuições de Paulo

Freire no trato com os atores e atrizes pesquisados, os quais são convidados a participar

de todo o processo, ou melhor, sem as suas intervenções e contribuições não existe

pesquisa, posto que são alçados a condição de copesquisadores. A inserção desses sujeitos

é que legitima o processo metodológico. “Nesse sentido, pesquisar entre pessoas de um

grupo é propiciar o aflorar das dúvidas, do pensamento e das questões dos próprios

copesquisadores e experienciar, por meio das oficinas, o gozo de ser bando” (ADAD,

2014, p. 45).

Essa partilha entre os envolvidos me faz acreditar na possibilidade de diálogos

respeitosos, movimentos de se ver e se colocar no lugar do outro e no retorno desse

deslocamento, consubstanciado pela alteridade (Fig. 5), efervescer uma reflexão

intersubjetiva de corpo inteiro, pois “pensamos através de outros, enquanto outros pensam

em nós. Isso é arte, uma vez que esse pensamento, apesar de coletivo, expressa

singularidades irredutíveis a um padrão, uma norma social” (GAUTHIER, 1999, p. 23).

Figura 5 - Preparação do grupo para o PERCURSO. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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O primeiro princípio contraria a Razão Indolente, pois não se estabelece a norma

de hierarquia entre os corpos-territórios, já que todos os envolvidos são convidados a

participar igualmente na produção de conhecimentos, pois “tocar o corpo da outra

pessoa, sentir a sua respiração, o seu cheiro, a intensidade das suas gestualidades faz

com que aguce a minha vontade em respeitar o tempo do outro” (Diário das Trocas de

Peles, Eduardo Miranda, 2018).

Sendo assim, compreendemos que os envolvidos no Atiba-Geo, em consonância

com o primeiro princípio da Sociopoética, são considerados copesquisadores, visto que

passaram a ser compreendidos como “parceiros e parceiras dos facilitadores da pesquisa,

tanto na construção do conhecimento como nas decisões que se deve tomar para que o

próprio processo de pesquisa chegue até sua conclusão” (GAUTHIER, 1999, p. 41).

2.2 - Pesquisar com as culturas de resistência, das categorias e dos conceitos que

produzem.

A terminologia “resistir” no contexto brasileiro apresenta diversas aplicabilidades

nas variadas esferas étnicas, culturais, de gênero, entre tantas outras questões que são

silenciadas, negligenciadas, dicotomizadas e inferiorizadas pela razão indolente. É

justamente a dicotomia hierarquizada que a Sociopoética, sobretudo no segundo

princípio, tenta desconstruir.

Em relação ao trato com a diversidade de cosmovisões, construímos durante a

passagem pelo PERCURSO um corpo batizado de Ventania (Fig. 6), o qual teve como

objetivo geral reforçar os grupos de resistência com ênfase na potência democrática de

Iansã. O ato de criar o corpo Ventania não partiu da combinação de ideias entre os

envolvidos na formação, muito pelo contrário, a junção dos elementos aconteceu sem

hierarquias e sem acordos estéticos. Mais uma questão comum uniu os corpos dos

responsáveis pela invenção de Ventania: autor e autoras marcados por questões sociais

que exigir um olhar aguçado para as opressões.

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Figura 6 - Corpo Ventania criado no PERCURSO. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

É inquestionável que a sociedade é composta por questões dicotômicas, mas essas

não devem ser padronizadas, igualadas ou simplesmente soterradas vivas com

organismos culturais pulsando pela resistência. Destarte, ao propor pesquisar a cultura

afro-brasileira a partir do Atiba-Geo procuramos levar em conta a prerrogativa de

descolonizar as ideologias, os currículos educacionais, as metodologias e epistemologias

de pesquisas, enfim, uma série de fatores que cotidianamente são utilizados para perpetuar

a linearidade do tempo ocidental, denominada por Boaventura de razão proléptica21, bem

como o descarte irresponsável de saberes e experiências legítimas e representativas de

distintos contextos socioculturais. É justamente esse desperdício que motiva o nosso

desejo em “encontrar o que foi silenciado, aquele saber de raízes que dorme na terra do

povo e, às vezes, brota ou explode em rebentos novos” (GAUTHIER, 1999, p. 33).

2.3 - Pesquisar com o corpo todo

Seria o corpo apenas o biológico/genético? Seria o corpo referenciado

simplesmente por motricidade e deslocamento? Ou poderíamos entendê-lo a partir da

21 “A razão proléptica, que não se aplica a pensar o futuro, porque julga que sabe tudo a respeito dele e o

concebe como uma superação linear, automática e infinita do presente” (SANTOS, 2002, p. 40).

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perspectiva racionalista que separa corpo e mente? São diversos os questionamentos que

nos acompanham sempre que o termo/categoria Corpo é empregado no campo das

ciências humanas.

Tais interpelações foram e continuam a ser apregoadas em diversas literaturas

academicistas que insistem em simplificar a dimensão estética e artística da

pontencialidade do corpo. Contudo, Gauthier (2014), Sodré (2006), Adad (2014), Silva

(2008), Castro Jr (2014), entre tantos outros teóricos, nos levam a repensar a dicotomia

razão e corpo. Ou seja, a razão do corpo e suas implicações não estão alicerçadas

basicamente no cérebro, muito pelo contrário, as bagagens ancestrais (GAUTHIER,

2004; SODRÉ, 2006), as intinerâncias diárias, as intersubjetividades, as alteridades, são

tão responsáveis pela suposta razão quanto os princípios biogenéticos.

O corpo que circula pelas cidades, pelas florestas, por qualquer tipo de espaço

geográfico, independente da concentração humana, requer elementos tanto do campo

biológico quanto dos aspectos culturais. O corpo pode levar consigo todas as experiências

com as quais ele cruza/constrói diariamente, e como o corpo é o próprio ser humano, a

sua dinamicidade oportuniza mutações subjetivas.

Portanto, o corpo na Sociopoética requer desprendimento individual e

participação coletiva para a construção do conhecimento. Para tal, os intercruzamentos

corporais são relevantes, pois “os corpos se misturam, fundem-se, tornam-se flexíveis,

conseguem escapar da armadura, do lastro organismo-organizado-disciplinado-rígido-

submisso e se potencializam, tecendo devires, intensificando a vida, problematizando-a”

(ADAD, 2014, p. 50).

Nessas articulações os copesquisadores do Atiba-Geo foram convidados a

derrubar as suas auto armaduras e acionar as indicações do primeiro princípio da

Sociopoética que é de se colocar no lugar do outro e depois retornar com outras

assimilações. São movimentos necessários para que todos os envolvidos tenham a

possibilidade de aprender com a história do outro e refletir sobre as suas subjetividades

que ao ser sensibilizados “construímos um novo corpo-pesquisador” (ADAD, 2014, p.

50). Diante do novo corpo-pesquisador, “procuramos não congelar, nem violar, nem

vigiar os pesquisados, porque tudo é compartilhado, e nessa partilha de corpos a

exploração é infinita, produz-se uma variedade de cores, sons, tons, formas, franzidos,

pregas, dobras e contornos” (ADAD, 2014, p. 50-51).

Essa partilha entre os corpo-territórios é de extrema relevância ao passo que

permitir a alteridade acentua-se a necessidade de trazer para a evidenciação as diversas

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experiências corporais, o campo das possibilidades indetermináveis, já que a Sociopoética

e a Razão Cosmopolita22 não apresentam a necessidade de estabelecer verdade, certezas,

concretudes. Trabalha-se com ênfase nas possibilidades, os caminhos dos

estranhamentos, do pouco ou ainda incompreensível, portanto, imprevisível nas certezas.

Inicialmente informo que aguardava ansiosamente por tal processo

formativo, pois me permiti sociopoetizar nas minhas pesquisas e

práticas docente, mas com um sentimento de que existiam e existem

lacunas para me considerar um ser atravessado de corpo-todo pela

filosofia Sociopoética. Então, desde o dia 07 de março de 2018,

momento inicial do curso, sinto-me em etapas de rachaduras. Como se

o meu corpo estivesse sendo desmontado, desestabilizado e ao mesmo

tempo reinventado. Compreendo que tais percepções são fruto,

também, da minha disponibilidade em me permitir acessar outras zonas

da minha espiritualidade, bem como, pelas provocações verbais,

gestuais e principalmente artísticas desenvolvidas pela facilitadora do

grupo-pesquisador. (Diário das Trocas de Peles, Eduardo Miranda,

primeiro semestre de 2018)

Sendo cenário, nessa entrega ao coletivo, levamos aos copesquisadores do Atiba-

Geo a oportunidade em estabelecer outros significados para o seu próprio corpo-

território, posto que uma série de proposições foram articuladas com o intuito de partilhar

com os demais as memórias adormecidas/negligenciadas ou intencionalmente soterradas.

Portanto, acreditamos que sensibilizar os copesquisadores a ampliar a dimensão das suas

afetividades, das suas lembranças, ao passo de perceberem que muito do que eles guardam

podem ser potencializados e revertidos em processos criativos e fomentar aulas

extremamente significativas para os educandos que futuramente estarão sob a sua

mediação.

2.4 - Pesquisar utilizando técnicas artísticas

As artes em geral tem o poder de provocar estranhamentos, tornar visíveis

questões pouco ou quase nunca evidenciadas e despertar as ignorâncias daqueles que por

diversos motivos não se aproximaram das temáticas enaltecidas pelas desconstruções

artísticas.

22 “A razão cosmopolita prefira imaginar o mundo melhor a partir do presente. Por isso propõe a dilatação

do presente e a contracção do futuro. Aumentando o campo das experiências, é possível avaliar melhor as

alternativas que são hoje possíveis e disponíveis” (SANTOS, 2002, p. 274).

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Em muitos casos construímos visões de mundo ignorantes porque o nosso

processo educativo e cultural omite uma série de saberes por considera-los irrelevantes,

por não está dentro da totalidade padronizada pela razão metonímica23. Já a concepção

traçada a partir das artes pretende o oposto, ensinar justamente o que é ignorado e para

isso nos instrui “sair por aí transvendo ou estranhando o mundo, (...), abandonar o

conhecimento consagrado, instituir o não saber na pesquisa, no ensinar e no aprender para

abrir possibilidade do novo” (ADAD, 2014, p. 52).

Provocar instabilidades no processo formativo acompanha a incessante prática de

questionar as experiências humanas, as verdades que nos são postas como absolutas, bem

como as ações de interpelações acerca de todas as vivências. Acrescido a isso, o grupo de

copesquisadores deve abusar das oralidades, dos afetos, das trocas com os demais

envolvidos no projeto coletivo (Fig. 7). Movimentações consubstanciadas pelos

dispositivos artísticos pensados, organizados e propostos pelos

articuladores/pesquisadores das oficinas/pesquisa.

Figura 7 - Criação artística durante o PERCURSO. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Nesse interim, o Atiba-Geo por diversas vezes solicitou da entrega de todo o corpo

dos copesquisadores. Contudo, por ser o facilitador e também ter tido uma formação em

Geografia, cujo curso apresenta intensos engessamentos da criatividade humana, optei

por seguir um ritmo que não assustasse os envolvidos na pesquisa, visto que desde o início

23 “A razão metonímica, que se reivindica como a única forma de racionalidade e, por conseguinte, não se

aplica a descobrir outros tipos de racionalidade ou, se o faz, fá-lo apenas para as tornar em matéria-prima”

(SANTOS, 2002, p. 40).

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da pesquisa constatei que alguns tinham dificuldades em externar as suas

intersubjetividades, ao passo que as dificuldades foram intensificando por conta dos

trabalhos que necessitavam da criatividade artística.

Tantos as dificuldades, quantos as habilidades de fácil demonstração foram

problematizadas com a finalidade de que cada copesquisador identificasse as suas

potencialidades, assim como suas limitações e, a partir disso, avançar em ambas

dicotomias, sobretudo, na perspectiva de “viver uma outra história, criar outros devires,

novas singularidades” (GAUTHIER, 1999, p. 54).

2.5 - A importância da responsabilidade Ética, Noética e Espiritual do grupo-

pesquisador no momento do processo de pesquisa.

Alcançar o quinto princípio requer a mescla dos quatro explicitados

anteriormente, posto que uma pesquisa com o corpo todo pode levar o copesquisador a

acessar partes das suas ancestralidades que nem ele mesmo sabia da existência e que em

muitos casos fogem do campo determinável, palpável, visível. Aciona-se a zona da

espiritualidade, a qual precisa ser vivida, sentida e dispensa a análise da ciência ocidental.

Admitir a potência das artes é assumir os riscos de instabilizar o tempo linear, as

certezas subjetivas ou até mesmo coletivas. Essas ações só são permitidas devido à

democracia que perpassa por todo o fazer da Sociopoética, mas acima de tudo, o

compromisso dos envolvidos com as culturas de resistências é o que possibilita, sem

certezas, a construção de um futuro mais diverso, inclusivo e concentrado (SANTOS,

2002).

Mesclar Conceitos + Afetos nos leva ao termo Confeto, ou seja, uma proposta

sistematizada pela Sociopoética com a tentativa de criar alternativas educativas

prazerosas, com contato humano, vivacidade no olhar, sem medo de se expor e dialogar

com os demais:

Os confetos são mais do que enunciados intelectuais, são a expressão

de experiências coletivas que implicam o corpo sensível, portanto, uma

forma potente de pensamento que não se limita à razão. Os conceitos,

portanto, podem ser poéticos e/ou metafóricos, miscigenados,

interferênciais. Geralmente, anarquizam referências prévias. (PETIT;

ADAD, 2009, p. 5).

Permeado por conceitos, afetos e confetos, retorno ao cenário que inicia essa

produção textual, na minha cadeira não tão confortável e com o meu corpo-território

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vidrado na tela do computador, me pego por diversas vezes refletindo sobre as minhas

aulas, sobre o quão me esforço para que os encontros sejam prazerosos, ricos em confetos,

e nesse transitar recordo a fala de um dos meus educando/copesquisador: “O professor

Eduardo diferentemente dos outros professores é o que menos fala em sala de aula”.

Com certeza, essa fala magoaria muito dos meus colegas educadores, mas a recebo como

um abraço caloroso, como um olhar sincero, posto que compreendo a sala de aula como

um espaço de diálogos, de entrega individual e coletiva. Portanto, a observação desse

educando/copesquisador me encoraja a continuar com as propostas da Sociopoética, onde

não sou e não pretendo assumir a centralidade unilateral, a hierarquia professor x aluno.

A partilha deve favorecer a todos e todas imbuídos do processo de construção da

Educação. Outra copesquisadora desta tese me enviou um e-mail, logo nos primeiros

encontros, com a seguinte colocação:

Tava relendo seu texto e pensando no quanto você, enquanto professor

e ser humano (destaco isso porque alguns acham que não são) me

ensinou. E me ensinou pra vida, pra prática educacional, pra relações

com pessoas. Talvez você nem se dê conta do quanto é importante e tem

representado uma galera rasgando esses espaços conservadores. Fico

feliz, uma pena que a gente ainda não sabe muito bem como lidar com

o formato mais horizontal e aberto da educação, por estarmos viciados

no autoritarismo com o qual fomos criadas. Mas não mude isso, não,

porque o caminho que enxergo é esse. Enfim, obrigada!

(Copesquisadora Preta, 17 de maio de 2016)

Destarte, caminhos e possibilidades na formação dos educadores que trilham

comigo os nossos encontros será sempre um mosaico a ser confeccionado passo a passo,

sem a necessidade de garantir certezas do futuro, mas com a perspectiva de proporcionar

um presente de inclusões, rupturas, arte, risos, conflitos, instabilidades, dentre tantos

sentimentos que forem surgindo.

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Figura 8 - Sankofa.

PELE III – TRAVESSIAS DO ATIBA-GEO

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3.1- Formação Docente do corpo-território: para a colonialidade ou

para a decolonialidade?

De fato, depende do projeto de sociedade que o

professor defende. Pessoas que pensam que a

sociedade, com as marcas racistas que tem a nossa,

não precisa mudar, vão trabalhar superficialmente

com estes temas (SILVA, 2017)24.

As linhas desenhadas nas minhas itinerâncias foram forjando um corpo-território

que sempre se questiona: qual a minha perspectiva de sociedade? Refletir sobre tal

provocação se faz necessário por diversos motivos, ainda mais se pensarmos que a

construção desta tese de doutoramento se insere em um contexto político federal de

retrocessos, onde uma série de conquistas dos grupos minoritários estão sendo

desarticuladas25 pela coligação que golpeou a democracia brasileira. Então, não posso

deixar de afirmar que “um novo tempo há de vencer. Pra que a gente possa florescer, e,

baby, amar, amar sem temer”26.

Ainda nesse cenário, a área da Educação tem sido um dos principais alvos das

retaliações dos avanços conquistados pelos Movimentos Sociais. As estratégias

ideológicas são meticulosamente orquestradas e desdobradas em projetos e políticas

públicas de abrangência nacional, tais como: Escola Sem Partido27; Base Nacional

Comum Curricular28. Ambas as propostas buscam alavancar os ideais de sociedade dos

grupos conservadores, os quais historicamente se nutrem das marginalização e opressão

dos corpos negros, não heterossexuais, femininos, não cristãos, entre outros:

Pode-se entender que tais projetos são uma resposta de setores

conservadores aos avanços resultantes das lutas de Movimentos Sociais

que se fortaleceram no final do Século XX e início do Século XXI, os

quais tensionaram os “fatos” estudados nos currículos e materiais

escolares da educação básica, conquistando a ampliação da voz das

chamadas minorias. Como exemplo, citamos a aprovação da lei que

24 Entrevista disponível no link: https://www.geledes.org.br/ensino-de-historia-da-africa-ainda-nao-esta-

nos-planos-pedagogicos-diz-professora/ 25 FRIGOTTO, G. Reforma de Temer legaliza o “apartheid educacional” no Brasil. Tijolaço, 23 set. 2016.

Disponível em: < http://www.tijolaco.com.br/blog/reforma-de-temer-legaliza-o-apartheid-educacional-no-

brasil-por-gaudencio-frigotto/ >. Acesso em: 8 out. 2017. 26 Trecho da música “Flutua” de Johnny Hooker. 27 ESCOLA SEM PARTIDO. Anteprojeto de lei municipal e minuta de justificativa. Disponível em: < http://www.programaescolasempartido.org/municipal >. Acesso em: 28 março 2018. 28 Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ >. Acesso

29 março 2018.

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torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana

em todas as escolas da rede pública e privada, do ensino fundamental

ao ensino médio. Na mesma direção, a capital paulista aprovou a Lei

Municipal 16.493/16, por meio da qual as escolas municipais passaram

a incluir, nas disciplinas de Geografia e História, conteúdos voltados ao

debate e compreensão dos direitos humanos, com temas como o

respeito às diferenças culturais, regionais, religiosas, de gênero, de

etnia, bem como a compreensão de direitos e deveres sociais (VIÉGAS;

GOLDSTEIN, 2017, p. 4).

Com isso, continuo a ratificar a provocação: qual a minha perspectiva de

sociedade? A mesma inquietação lanço nos espaços de formação de educadores que tenho

transitado. Rotineiramente pontuo, em diálogos com professores em formação inicial ou

continuada, os objetivos ideológicos dos grupos conservadores e o que representam para

o fazer docente as mordaças29 que estão sendo impostas ao fazer docente, cuja

intencionalidade visa atender a lógica do capitalismo neoliberal com a utilização da

educação para abrandar as querelas da pobreza e das desigualdades. Se instaura uma

contradição, ou seja, o neoliberalismo se empenha para desarticular a escola, mas ao

mesmo tempo não vislumbra a sua extinção, pois se apropria do chão do espaço escolar

para engessar e docilizar os corpos subalternizados. Nesse ínterim, o professor Libâneo

(2017, p. 5) destaca que “o monitoramento da eficácia dessa estratégia [neoliberal] se faz

por avaliações externas cujos resultados servem para o controle das escolas e dos

professores, afinal coagidos como responsáveis pelos resultados escolares”.

Na condição de formador de professores para a Educação Geográfica, tenho

dedicado esforços na tentativa de exercitar o olhar crítico em relação as políticas públicas

direcionadas à educação escolar de nível básico e superior. Dentre as ações determinadas

pelo Ministério da Educação (MEC), destaco a Base Nacional Comum Curricular

(BNCC), a qual teve a sua primeira versão socializada em 16 de setembro de 2015,

aproximadamente quatro meses antes do meu início como professor substituto da

Faculdade de Educação –FACED/UFBA. Desde esse período, passei a acompanhar os

encaminhamentos do documento oficial para compreender qual a perspectiva educacional

direcionada pelo MEC.

A leitura do primeiro documento socializado pelo MEC contempla as

características neoliberais difundidas nas políticas públicas brasileira desde 1990 pelo

29 FRIGOTTO, Gaudêncio. “Escola sem Partido”: imposição da mordaça aos educadores. In: Blog da

Revista Espaço Acadêmico, 2016. Disponível em: <

https://espacoacademico.wordpress.com/2016/06/29/escola-sem-partido-imposicao-da-mordaca-aos-

educadores/ >. Acessado em: 28 março 2018.

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Banco Mundial, para o qual os valores de eficácia, eficiência, produtividade e

concorrência não deveriam ser explanados apenas na esfera econômica, mas também

diluídos nas reformas educacionais, por exemplo, vinte anos depois: a BNCC. A partir

disso, caminhamos para um documento oficial com uma série de imposições curriculares

padronizadoras dos conteúdos, das didáticas, assim como a desvalorização docente. A

terceira versão do documento teve a sua aprovação em 2017, de acordo com a Lei

13.415/1730. Em relação ao componente curricular Geografia o documento garante a sua

presença no percurso do ensino fundamental. Entretanto, o mesmo não está garantido no

ensino médio e provoca instabilidade nos cursos de licenciaturas pela não definição

federal acerca dos componentes da área de humanidades. A referida Lei garante, em

relação ao ensino médio, a obrigatoriedade do ensino de matemática e português, o que

mais uma vez comprova as determinações neoliberais na organização da Educação

brasileira.

Diante do panorama explanado, continuarei ratificando que o meu corpo-

território assume um compromisso ético de compartilhar com os demais educadores e

educadoras questões inerentes ao campo da política que possuem rebatimentos na

profissionalização docente. Debruçar sobre o atual cenário político e educacional é

indispensável para incorporar as contextualizações históricas tão presentes e

determinadoras do futuro. Por isso, logo nas primeiras linhas da PELE III elucidei a

narrativa da professora Petronilha: “De fato, depende do projeto de sociedade que o

professor defende. Pessoas que pensam que a sociedade, com as marcas racistas que tem

a nossa, não precisa mudar, vão trabalhar superficialmente com estes temas”.

Recorri a contribuição da pesquisadora Petronilha por verificar que o

neoliberalismo não aceita a Educação Geográfica que incentive ao educando e a educanda

tecer um corpo-território que se perceba responsável pelo seu protagonismo, essa ação

“tem intenso rebatimento na forma como nos relacionamos com a construção do espaço

geográfico, visto que passamos a tensionar as relações de poder que legitimam as

territorialidades hegemônicas e desprestigiam os territórios dos grupos oprimidos”

(MIRANDA, 2017. Contudo, o educador da educação básica ou do nível superior,

sobretudo no contexto do Nordeste brasileiro, não pode negar que os corpos que estão

construindo a sua passagem pela escolarização são majoritariamente corpos negros, os

quais precisam ter garantidos o direito de acessar a História e Cultura Africana e Afro-

30 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm >. Acesso

em 31 março 2018.

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Brasileira. Por outro lado, mesmo que as salas de aula fossem composta com a maioria

de pessoas brancas o discurso do educador e da educadora deve abarcar a pedagogia

antirracista.

A perspectiva da educação antirracista é contrária a composição teórica que

embasa a BNCC. Para problematizar a prática antirracista é indispensável o percurso pela

pedagogia decolonial totalmente oposta à colonialidade31 que fundamenta os ideais

neoliberais, como pontua Oliveira e Candau (2010): “Graças à colonialidade, a Europa

pode produzir as ciências humanas como modelo único, universal e objetivo na produção

de conhecimentos, além de deserdar todas as epistemologias da periferia do ocidente” (p.

17). Inevitavelmente, retomo mais uma vez a provocação: qual a minha perspectiva de

sociedade? Diante disso, volto a inquietar: Na minha prática docente devo problematizar

a invenção de corpos-territórios para a colonialidade ou para a decolonialidade?

Envolto a estas provocações, Quijano (2007, p. 93) aponta que a colonialidade é

“um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista. Se

funda na imposição de uma classificação racial/étnica da população mundial como pedra

angular deste padrão de poder”. Dessa forma, a concepção de raça desvaloriza a

contribuição biológica e pauta o discurso que atende, mais uma vez, os interesses do

fundamentalismo capitalismo, onde um grupo se sobrepõe e tem a sua epistemologia

validada na representatividade e construção intersubjetiva de todos os sujeitos

inferiorizados. Repensar esta conduta de silenciamento e naturalização dos privilégios

sociais é reestabelecer o posicionamento político do educador na construção do Outro,

dos educandos. Nesse bojo, políticas públicas de formação de professores precisam

efervescer a alteridade do outro que habita em mim, pois:

O que está em causa nas Leis 10.639 e 11.645 é a busca por

reconhecimento e adoção de um sistema educativo que exerça a

alteridade. Acolher o Outro, em sua plenitude e complexidade, como

condição de acolher a mim mesmo, sem reduzi-lo a categorias

estereotipantes, vem sendo o desafio renovado da política global

(BORGES, 2015, p. 750).

Articular esses passos visa elucidar na Formação Docente do professor de

Geografia a relevância em estabelecer um currículo que não se instaure por paradigmas

monocultural a todos os envolvidos no fazer educativo. Legitimar a visão padronizada do

31 “O Colonialismo é, obviamente, mais antigo; no entanto a colonialidade provou ser, nos últimos 500

anos, mais profunda e duradoura que o colonialismo. Porém, sem dúvida, foi forjada dentro deste, e mais

ainda, sem ele não teria podido ser imposta à inter-subjetividade de modo tão enraizado e prolongado”

(QUIJANO, 2007, p. 93).

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ato de educar reafirma a educação negligente com as diferenças e acentua-se as

desigualdades, bem como a omissão e silenciamento da pluralidade cultural fundantes

para o forjar das categorias geográficas: espaço, redes, paisagem, lugar, território, entre

outros. Tais questões da colonialidade são evidenciadas “em textos didáticos, nos critérios

para o bom trabalho acadêmico, na cultura, [...], na autoimagem dos povos, nas aspirações

dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna”. (TORRES,

2007, p. 131).

Em relação aos textos didáticos contempladores da colonialidade, podemos trazer

para a formação em Educação Geográfica as contribuições da pesquisadora Ana Célia

Silva (1995) ao afirmar que o livro didático é um dos dispositivos pedagógicos utilizados

para reproduzir o racismo, a representatividade negativa dos povos negros, a opressão aos

corpos subalternizados. A própria autora aponta que avanços são verificados na

elaboração dos livros didáticos no intuito de não legitimar textos verbais e imagéticos

com signos e símbolos racistas. Contudo, durante a produção desta tese de doutoramento

visitamos algumas escolas públicas do município de Salvador, capital baiana, e

encontramos um livro de Geografia com uma imagem que provoca uma série de

interpretações, mas que ao meu corpo-território chegou como uma ilustração (Fig. 8) que

reforça a associação do povo negro ao macaco.

Figura 9- Racismo no livro didático.

Na imagem visualizamos crianças, provavelmente no espaço escolar, em

momento de refeição. Em foco apresenta-se três sujeitos: uma menina com características

asiática, um menino branco e uma garota negra. Interessante perceber que temos três

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modelos de representatividades distintos e não padronizados, visto que pensar sobre a

criança asiática, a branca gorda e a menina negra com o cabelo crespo. Porém, a imagem

traz a garota negra com uma banana em mãos. Ótimo pensar que uma criança deve evitar

os lanches industrializados, mas ao mesmo tempo, a fruta banana associada a tez negra

apresenta um legado histórico depreciativo, o qual direciona o corpo negro a similaridade

do primata. Tem sido recorrente nas mídias sociais ou em espacialidades não virtuais as

narrativas de pessoas negras que são vítimas de racismo por verbalizações que o coloca

na condição de primata. A colonialidade se nutre com mensagens explicitas, mas também

com indicações veladas das suas ideologias eurocêntricas de eugenia racial. A

colonialidade busca se infiltrar na cultura do colonizado e conduzi-lo a reproduzir o

legado histórico e cultural do colonizador, consequentemente, assimila-se um imaginário

epistêmico europeu, como aponta Munanga (1988, p. 23):

[...] a memória que lhe inculcam não é a de seu povo; a história que lhe

ensinam é outra; os ancestrais africanos são substituídos por gauleses e

francos de cabelos loiros e olhos azuis; os livros estudados lhe falam de

um mundo totalmente estranho, da neve e do inverno que nunca viu, da

história e da geografia das metrópoles; o mestre e a escola representam

um universo muito diferente daquele que sempre a circundou.

São estas ideologias que alicerçam as mensagens da colonialidade de substituição

da referência local pela história do colonizador eurocêntrico. A expansão e manutenção

do repertoria simbólico colonial subjuga as bases epistêmicas antecessoras do processo

de subalternização “narrada de uma perspectiva que situa a Europa como ponto de

referência e de chegada” (MIGNOLO, 2003, p. 41). Nesses veios, tenho constatado que

a colonialidade por meio das interferências neoliberais provocaram, sobretudo após 1990,

um discurso universal de repulsa às questões políticas (Fig. 9).

Figura 10- Política. Fonte: https://blogdoenem.com.br/analfabetismo-politico-filosofia/

No diálogo da charge fica evidente como o discurso sobre política passou por um

processo de ressignificação semântica e coloquial. A educação básica não aborda

criticamente a política, o nível superior, principalmente a formação de professores,

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incipientemente tensiona as proporcionalidades das políticas públicas em nossas vidas. A

política passou a ser reduzida ao partidarismo e suas corriqueiras problemáticas de

corrupção. A ojeriza se instalou em todos os espaços, como pontua o filósofo Cortella

(2016):

Para os gregos da Antiguidade Clássica era “idiota” o sujeito que

preenchendo as prerrogativas para participar da vida pública na polis,

abdicava de fazê-lo. Hoje, muitas vezes, são rotulados de idiotas

aqueles que, nas rodas de conversa, não se empolgam com assuntos

sobre a vida privada das celebridades e insistem em colocar em pauta

temas públicos, ou seja, assuntos políticos. Interessar-se por política,

para muitos, não é normal32.

Logo, é de interesse da colonialidade que a Educação em todos os níveis pense a

formação dos sujeitos pelo raciocínio de aversão à política para a produção do sujeito

idiota, preocupado apenas com o seu bem comum, desacreditado da participação coletiva

e democrática. Sinceramente, esta questão me preocupa, pois tenho verificado que o

número elevado de professores em formação inicial e continuada estão descrentes das

potencialidades que o seu corpo-território possui para as efetivações e reivindicações por

políticas públicas.

Abarcar as políticas públicas na Formação Docente é indispensável no trato da

profissionalização docente, tanto que os poucos componentes curriculares, das

licenciaturas, que evidenciam nas ementas os conteúdos das políticas são negligenciados

pela maioria dos educandos. Então, provoco: qual a minha perspectiva de sociedade na

condição de educador ou educadora? Inquietar a nossa identidade docente é algo

fundamental para continuar a busca pelo forjar do nosso corpo-território. Um corpo-

território pautado na aversão as políticas públicas tende a não saber utilizar a sua

condição de protagonista da sua própria história, tende-se a priorizar a anestesia do corpo-

território. Desperdiça a potencialidade em criticar e viver um mundo com perspectivas

democráticas e de garantias à diversidade e igualdade perante as diferenças. Este mesmo

corpo-território-anestesiado aceita as imposições do instituído, por exemplo, a BNCC

com validação neoliberal e legitimadora da colonialidade, já que: “Quem dorme com os

olhos dos outros, não acorda a hora que quer”33.

32 Fala produzida em uma palestra sobre Política (2016). Disponível em: <

https://www.geledes.org.br/origem-da-palavra-idiota-mario-sergio-cortella/ > 33 Colocação presente nos escritos do pesquisador Samuel Vida. Disponível em: <

http://correionago.com.br/portal/quem-dorme-com-os-olhos-dos-outros-nao-acorda-a-hora-que-quer/ >.

Acesso em 31 março 2018.

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Provocar a imposição da BNCC é um ato de resistência ao documento oficial que

desperdiça valores culturais ao propor uma padronização conteudista para atender às

avaliações do desempenho quantitativo da educação básica. O caminho decolonial recorre

aos saberes e valores culturais do chão da escola para inventar o currículo e pensar a

avaliação a partir das subjetividades curriculares da sua localidade que também dialoga

com os conteúdos globais. Neste sentido, estamos caminhando por vias que podem nos

levar a interculturalidade crítica, como elucida Walsh (2005, p. 25):

O conceito de interculturalidade é central à (re)construção de um

pensamento crítico-outro - um pensamento crítico de/desde outro modo

-, precisamente por três razões principais: primeiro porque está vivido

e pensado desde a experiência vivida da colonialidade [...]; segundo,

porque reflete um pensamento não baseado nos legados eurocêntricos

ou da modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul, dando

assim uma volta à geopolítica dominante do conhecimento que tem tido

seu centro no norte global.

Portanto, a Educação Geográfica articulada para a interculturalidade requer a

participação de educadores e educadoras que tensione o legado colonial, que valorize

experiências não eurocêntricas e que se fortaleça ao legitimar as epistemologias do sul.

Alcançar esses princípios nos coloca na esfera do corpo-território-decolonial pois busca

linhas de fugas necessárias para enaltecer os contrastes epistemológicos próprios da

humanidade, prerrogativa de suma relevância para a dialética ancestral da continuidade

forjada pelos ensinamentos da Filosofia de Oxumaré.

Ter a dimensão do corpo-território-decolonial no contexto político neoliberal é

pujante para ir na contramão das imposições do instituído, o ato é a insurgência. Ao passo

de revirar a normatização eurocêntrica e pensar as práticas educativas por vieses

epistêmicos até então impedidos de serem evidenciados no espaço escolar. Um corpo-

território-decolonial não deve se sentir realizado por inserir na estrutura estatal temáticas

dos subalternizados, a estratégia da pedagogia decolonial é produzir conhecimento que

desestabilize a geopolítica ocidental e rasure os corpos colonizados para repensar as suas

bases ancestrais que não se limitam ao legado eurocêntrico, posto que “assumir esta tarefa

implica um trabalho decolonial dirigido a tirar as correntes e superar a escravização das

mentes” (WALSH, 2007, p. 9).

Diante dessas colocações, venho propondo que a concepção de Educação

Geográfica dos professores em formação inicial ou continuada levem em conta um

compromisso político de realinha a historiografia oficial dos grupos subalternizados. Isso

perpassa pela crítica às determinações da BNCC, pelos retrocessos da Escola Sem

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Partido, entre outras perspectivas ideológicas que ao perceber a contra hegemonia dos

grupos oprimidos logo reagem com medo de ter os seus históricos privilégios ameaçados.

Traça esta linha de fuga e de raciocínio requer enorme desprendimento por parte

das epistemes que forjaram a minha infância, adolescência e parte da minha fase adulta.

É dolorido perceber que muito do que o meu corpo-território é, só foi possível por

apagamentos, silenciamento e negligencias de todos os valores não eurocêntricos. A

Formação Docente, nesta tese, é perspectivada como a espacialização da quebra do

silêncio, não só da voz, mas do corpo todo.

Destarte, vamos continuar nas próximas movimentações da PELE III intentando

intensificar a discussão sobre Formação Docente, sem ter o aspecto de estudo da arte,

mas trazendo a discussão para a práxis. Então, o momento a seguir denominado de

Cartografia do Desenho Singular: linhas de rasuras do Atiba-Geo busca caracterizar a

territorialidade do estudo, o grupo-pesquisador, o dispositivo artístico, entre outros

devires.

3.2 - Exunêutica do Desenho Singular: linhas de rasuras no Atiba-Geo

Inúmeras vezes evidenciou-se o medo/receio de tentar

levar para as salas da graduação da UFBA às

contribuições do Legado Africano e afro-brasileiro.

Identificava em muitos dos educandos convicções

desprestigiadoras de qualquer outra epistemologia que

não estivesse calcada nos lastros positivistas. Ao mesmo

tempo o medo/receio funcionou como alavanca para

introduzir temáticas que contemplasse identidades

negadas pela maioria dos sujeitos responsáveis pelas

articulações dos nossos encontros. A questão de

identidade aparece com muita intensidade, já que o perfil

disposto nas turmas em 2015.2 apresentava um panorama

étnico-racial estritamente negro, mas que em momento

algum associavam as suas próprias subjetividades com as

questões debatidas nas referências bibliográficas (Diário

das Trocas de Peles, Eduardo Miranda, primeiro semestre

de 2016).

Mais uma vez, tornou-se explicito que o viés positivista recalca as particularidades

étnico-raciais. O que legitima o padrão eurocêntrico de fazer ciência, de pensar o

cotidiano e de soterrar questões ligadas à ancestralidade. Por diversas vezes, olhei para a

turma e em silêncio me questionei: o que tem em comum com a minha graduação e com

a formação desse grupo? Respostas efervesciam no imaginário e conduzia-me a ter a

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certeza de que alguma forma a Lei 10.639 deveria ser inserida naqueles espaços. E, foi o

que fiz. Convidei a turma a ler um relato de experiência de minha autoria com o título

“‘Animai-vos, povo Bahiense, que está por chegar o tempo em que seremos todos iguais’:

relações étnico-raciais no espaço escolar”34, em que apresento uma experiência docente

como estagiário de Geografia na educação básica pública e de que forma tal ação me

conduziu a (re)construir a minha identidade afro-brasileira. Saliento que a referida

experiência docente não teve ligação oficial com o curso de Licenciatura em Geografia e,

sim uma ação educativa extracurricular.

Os educandos aceitaram realizar a leitura da produção textual e o debate se

desenvolveu com muita entrega, inquietações, dúvidas e ressignificações compartilhadas

em rodas de diálogos. A partir dessa leitura, a turma legitimou e solicitou que o

componente curricular versasse o ensino de Geografia e as epistemologias afro-

brasileiras. O respaldo da turma tranquilizou parte das minhas dúvidas, sobretudo, a

possível imposição da prática docente em discutir um tema tão complexo e com irrisória

visibilidade na formação de professores em geografia.

Nesse cenário, visualizei que a pesquisa de doutoramento ganhava novos

contornos. Uma outra dimensão teórico-metodológica perpassava pelos meus desejos e

anseios. Impulsos de motivação em pesquisar, descobrir, desconstruir e provocar

estabeleciam conexões com o espanto e ressignificações apresentadas nas aulas: tanto por

mim, quanto pelos discentes.

Em conversa com os educandos e educandas relatei o desejo de transformar todas

as nossas construções em problemática de pesquisa para o doutorado em Educação. Tive

o aval da turma e em conjunto decidimos nomear, com critérios de identidades, o nosso

trajeto. Voltei ao meu arcabouço corporal e sugeri o termo Atiba35. Discutimos mais um

pouco e criamos o projeto Atiba-Geo: narrativas, formação e educação afro-brasileira.

Propus a leitura do ideograma Sankofa (Fig. 10) com a prerrogativa de instaurar o

compromisso de que “Nunca é tarde para voltar ao passado e recolher os conhecimentos

que ficaram para trás”.

34MIRANDA e SILVA. “Animai-vos, povo bahiense, que está por chegar o tempo que seremos todos

iguais”: Relações étnico-raciais no espaço escolar. Cadernos Imbondeiro, v. 2, p. 1, 2012. 3535 Palavra em Yorubá que significa “Conhecimento”. Termo que nomeia um dos projetos educativos do

Afoxé Pomba de Malê.

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Figura 11 - Ideograma Sankofa.

É justamente essa a mensagem do Sankofa de valorizar o passado, a memória,

ancestralidade e saberes negligenciados pelos padrões sociais que as nossas escolas, o

Estado Nação e outras instituições insistem em desperdiçar. Por esse prisma, Abib (2007,

p. 202), elucida como a nossa sociedade desvaloriza perspectivas ancestrais:

Vivemos um período histórico em que a valorização exacerbada do tempo

presente não nos permite olharmos o passado, a partir de uma ritualidade que

se apresenta enquanto força instauradora, mas como algo passado e incapaz de

fazer sua aparição e irromper no presente. O poder de revelação e de fulguração

foi lançado unicamente para o futuro. Todas as perspectivas de transformações

e mudanças, a espera por uma vida melhor as promessas por dignidade estão

depositadas num futuro...que nunca chega. O presente então, eterniza-se.

Alastra-se ao passado e sobrepõe-se ao futuro.

Traçamos um programa de curso que contempla a ementa oficial e acrescenta

formas de pensar o ensino-aprendizagem de geografia com os valores e saberes afro-

brasileiros, elementos constitutivos do espaço geográfico construídos pelos discentes.

Traçar as primeiras linhas dos direcionamentos metodológicos dessa produção

textual significa apreender a necessidade de voltar ao tempo, acessar a memória, reanimar

as lembranças e perceber o que de fato se tornou experiência significativa no trato com a

minha própria identidade docente.

(Re)visitar a construção das subjetividades se configura como dispositivo

indispensável no ato de compreender a formação dos sujeitos que, de alguma forma,

atravessam ou atravessaram as minhas intinerâncias profissionais. Vislumbro esses

momentos como encruzilhadas indispensáveis para frutificar tantas outras formas de

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fazer, pensar e constituir a educação nos mais diversos níveis. Sobretudo, os dispositivos

metodológicos relevantes no ensino-aprendizagem dos futuros educadores que

cotidianamente movimentaram os direcionamentos do Atiba-Geo: narrativas, formação

e educação afro-brasileira.

Uma série de teorias da Educação transitam no imaginário e tentam ganhar

algumas linhas, mas, que corpo é esse que se utiliza das minhas memórias para invocar e

evocar saberes acumulados ao longo das minhas itinerâncias

acadêmico/profissional/pessoal? Aqui o chamaremos de corpo-território por defender “a

visão de corpo para além das questões genéticas, em que a cultura é o ponto de partida e,

sendo assim, compõe o fluido mosaico das experimentações diárias” (MIRANDA, 2015,

p. 13).

Destaco que o Atiba-Geo no semestre 2015.2 teve como base propulsora a turma

matriculada no componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia I, com o

total de 14 graduandos convidados no primeiro dia de aula a trabalhar com a invocação

de suas memórias. Entreguei a cada um dos envolvidos um escudo (Fig. 11) dividido em

três quadrantes, com as seguintes proposições: 1° quadrante (primeiro dia de aula) –

Como se deu o seu caminhar na Educação Básica?; 2° quadrante (em meados do semestre)

– As discussões em Estágio I acrescentou algo na formação da sua identidade docente?;

3° quadrante (ultimo dia de aula) – Após os meses de discussões, qual a sua compreensão

sobre Educação e Ensino de Geografia?.

Figura 12- Escudo das Intersubjetividades.

A escolha de um escudo não se deu de forma aleatória e, sim, com respaldo em

um dos mitos de Ogum36 e as habilidades dos seus paramentos. Ogum é conhecido como

36 Quando o mundo era apenas um charco, Ogum costumava descer do Céu pelas teias de aranha, Sempre

que vinha aqui caçar.Mais tarde, nesse mesmo lugar, Orixanlá criou a Terra. E desceu com os outros orixás

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o patrono dos metais e traz como símbolos o escudo e a espada próprios para as batalhas.

Tanto o escudo quanto a espada são utilizados para a defesa, proteção, guardar o corpo

das intempestividades das encruzilhadas. Sendo assim, ao entregar o desenho da figura

supracitada é assumir que cada um de nós nos protegemos, cada um da sua forma, e

guardamos narrativas que dificilmente são compartilhadas com os desconhecidos.

Então, dialogamos sobre a possibilidade de compartilhar as nossas memórias, mas

com a condição de que a sua projeção acontecesse através de desenhos como estratégia

de tencionar a padronização da escrita como estratégia de comunicação nos moldes

acadêmicos. O desenho foi escolhido como único critério de preenchimento dos

quadrantes. Muitos argumentaram não saber desenhar. Aos meus olhos tal negativa

chegou como um dos primeiros despencar provocado pela Sociopoética. Já esperava que

desconfortos acontecesse ao longo do nosso caminhar. Por isso, evidenciei a concepção

que todos e todas sabem desenhar e o que diferencia é o grau de habilidade. Insisti no

desenho por acreditar que este instrumento de comunicação retira o nosso pensamento da

linearidade, nos provoca, nos traz rachaduras e intensificas outras distancias já

delimitadas. Desenhar a sua comunicação desconfortável para sujeitos acostumados com

o trato da fala, das palavras, com o manejo da padronização do comunicar. Tanto que, se

não tenho o desenho perfeito, logo estou desprovido da comunicação. Com isso,

trabalhamos com o campo da “imaginação, que nos leva a sonhos possíveis e impossíveis,

é necessária sempre” (FREIRE, 2001, p. 71).

Insisti que os mesmos começassem a pensar em outras formas de comunicação, já

que a geografia do dia a dia não é produzida exclusivamente por meios de letras, muito

pelo contrário, o fazer geográfico antecede a leitura das palavras o que está associado com

a afirmativa explorada por Paulo Feire (1987): “A leitura do mundo precede a leitura da

palavra”. O fazer do corpo-território não pode se limitar ao compasso das palavras. Muito

antes das palavras, da leitura gráfica, do rebuscar da caligrafia, exercitamos o

conhecimento do mundo. Aprisionar o corpo-território as sílabas é limitante para a

pluralidade do ato de comunicar, trocar, sentir e afetar por outros sentidos próprios dos

seres humanos, mas que hierarquizados por culturas padronizantes.

ao novo mundo para completar a Criação. Orixanlá, porém, tinha dificuldade de andar na densa floresta,

Pois seus instrumentos de bronze não cortavam o mato. Somente Ogum tinha um instrumento de ferro.

Capaz de abater as árvores e moitas e abrir caminho. A pedido dos orixás, que lhe prometeram recompensa,

Concordou em ajudar Orinxalá. Por isso, quando eles construíram a cidade de Ifé, Ofereceram a coroa a

Ogum (PARRINDER, 1967, p. 79).

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Tenho a sensação que as práticas pedagógicas enraizadas no positivismo-

empirista refutam qualquer indício de partilha das intersubjetividades dos graduandos e

graduandas. Justamente por opor a essa prática desprovida de afetividade e emoções,

intento propor o que inicialmente denominei de Hermenêutica do Desenho Singular, mas,

ao trilhar outras perspectivas teóricas e experienciais enxerguei uma vertente epistêmica

referenciada nas encruzilhadas afrodescendentes o que fez imenso diferencial e levou-me

a potencializar a Exunêutica do Desenho Singular.

Ao buscar a origem etimológica da palavra hermenêutica encontramos a ligação

com Hermes, um dos deuses grego responsável pela comunicação entre o plano dos

mortais e dos imortais. Constatamos intensa familiaridade entre os possibilidades de

Hermes com o Orixá Exu, também possui a função de realizar o diálogo entre o Òrun e o

Àiyé37, ou seja, “cabe a ele levar as oferendas dos humanos aos Orixás” (SOARES, 2008,

p. 39). Ainda sobre a entidade Exu, encontramos nos escritos do filósofo Soares a

afirmativa de que todo ser humano traz consigo as ações do referido Orixá, posto que ele

é o responsável pela vida e por toda:

[...] força dinâmica que move o sistema mítico ancestral, como também

na vida, no dia-a-dia que, segundo a crença do povo de santo, é a energia

que vitaliza as pessoas e de tudo o que existe. Em resumo, sem Exu não

tem movimento, logo sem ele não teríamos culto aos orixás, nem vida

para os seres.

Se a hermenêutica é “a arte e a ciência da interpretação” (RUNES, 1985) a

Exunêutica estabelece o papel de compreender as realidades problematizadas pelos

centros de produção do saber científico, ao passo de que os princípios interpretativos

acionam os valores e saberes africanos e afro-brasileiros, mas que em momento algum

deve renegar as contribuições postuladas por tantas outras formas de experiências e

cosmovisões, já que sendo Exu o responsável pelas encruzilhadas, significa que os

encontros entre a diversidade é o que potencializa a produção do conhecimento, como

podemos evidenciar no mito a seguir:

Deves ir a dezesseis lugares para saber o que significam / esses cocos

de palmeira. / Em cada um desses lugares recolherá dezesseis odus. /

Recolherá dezesseis histórias, dezesseis oráculos. / Cada história tem a

sua sabedoria, / conselhos que podem ajudar os homens. / Vai juntando

37 "O àiyè é o universo físico concreto, e a vida de todos os seres naturais que o habitam, portanto, mais

precisamente, os arà-àiyè, ou aràiyè, são os habitantes do mundo, a humanidade. Já o òrun corresponde ao

espaço sobrenatural, o outro mundo, o além, algo imenso e infinito. Nele habitam os arà-òrun, que são os

seres ou entidades sobrenaturais" (LUZ, 2000, p.109).

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os odus / e ao final de um ano terás aprendido o suficiente. / Aprenderás

dezesseis vezes dezesseis odus.

O mito acima nos apresenta um enredo que elucida como Exu se tornou o

conhecedor das diversidades. Sair por dezesseis territorialidades recolhendo odus, pode

ser compreendido como o compromisso do corpo-território em acessar os mais distintos

contextos sociais e apreender com cada experiência o arcabouço da alteridade, da

diferença, do trato com as particularidades de cada grupo étnico. Portanto, o corpo-

território que se permite seguir os ensinamentos de Exu deve criar estratégias para

desarticular o epistemicídio calcado e reverberado pela colonização eurocêntrica.

A Exunêutica se coloca em um lugar que acende por rupturas, pois o fato de trazer

para dentro da universidade uma pesquisa que evidencia a epistemologia de Exu já

provoca inquietações, descrenças, afinal tem sido natural nos programas de pós graduação

em Educação, em nível nacional, investigar infância e ludicidade pelo olhar

hermenêutico, currículo da escola pública baiana pela perspectiva hermenêutica,

educação especial com veios da hermenêutica, entre outras que naturalmente

aparentemente apenas Hermes consegue potencializar. A Exunêutica compreende esta

naturalização como espaço de poder e se inscreve em par de igualdade como viés

responsável por, também, estudar e compreender, investigar, analisar infância e

ludicidade, educação especial, currículo, entre demais temáticas que fomente a pesquisa

e a complexidade da Educação Brasileira.

Associada a essas questões, a Exunêutica do Desenho Singular se constitui com

ênfase em três categorias/perspectivas: Exunêutica; Desenho; Singular. A primeira se

configura como o processo de interpretação de um determinado “real” (SODRÉ, 1942).

A categoria Desenho perpassa pelo ato de conceber (imaginário) e representar (material

ou imaterial) o processo de comunicação (FERREIRA, 2007; GOMES, 1996;

MIRANDA, 2014). Por sua vez, o Singular está atrelado ao campo das vivências,

experiências, da cosmopercepção que são próprias de cada indivíduo e tem contribuições

do coletivo que o circunda (MACHADO, 2013). Ao unir essa tríade caminhamos para a

autorização do próprio ator e atriz social, em realizar um movimento que exige:

- olhar para dentro de si (dialogar com o seu real, com o seu protagonismo);

- escutar o que as suas memórias tem para dizer (a autoescuta desestabiliza a

racionalidade europocêntrica e contraria a hegemonia capitalista);

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- desenhar para viabilizar o processo de comunicação (expor, por uma comunicação não

linear, o que afeta o nosso corpo-território).

Ainda sobre a questão Singular, recorremos a filósofa Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2017)

que nos apresenta uma perspectiva de corpo iorubano onde a visão não assume a

hierarquia dos sentidos. Para os povos iorubás existe uma mescla entre os sentidos do

corpo, já a sociedade ocidental exercita com maior ênfase a visão por estabelecer que a

leitura do corpo do outro é o primeiro ponto de percepção, comunicação e que leva a

exclusão:

O termo “cosmopercepção” é uma maneira mais inclusiva de descrever

a concepção de mundo por diferentes grupos culturais. Neste estudo,

portanto, “cosmovisão” só será aplicada para descrever o sentido

cultural ocidental e “cosmopercepção” será usada ao descrever os povos

iorubás ou outras culturas que podem privilegiar sentidos que não sejam

o visual ou, até mesmo, uma combinação de sentidos. (OYĚWÙMÍ,

2017, p. 3)

Portanto, a Exunêutica do Desenho Singular convida o corpo-território da

copesquisadora a caminhar por dentro das suas próprias lembranças, escutar as narrativas

que compõem a sua corporeidade, exercitar os seus sentidos para além da visão e em

seguida desenhar elementos que elucide a comunicação. A Exunêutica é a potência para

fraturar a hegemonia da identidade do opressor. Então, se Exu na epistemologia afro-

brasileira representa a comunicação e se cada um de nós somos atravessados pela

dinamicidade de Exu, por conseguinte todo ato de comunicação humana só se concretiza

pela permissão de Exu, posto que as encruzilhadas, o local de morada deste Orixá, é o

ponto de passagem, de fruições, de caminhos para todo e qualquer ato de comunicação.

Com isso, o corpo-território presente no Atiba-Geo para se perceber como um

grupo-pesquisador teve a sua condução pela Exunêutica, a qual viabilizou os

compartilhamentos das experiências de vida de cada copesquisador. Abrir os caminhos

do semestre 2015.2 com a Exunêutica oportunizou aos discentes projetar no 1° quadrante

as suas concepções sobre a sua trajetória na Educação Básica. Considero de extrema

relevância tal ação, visto que tive a oportunidade de ter o primeiro contato com as

narrativas do corpo-território dos educandos o que permitiu um diagnóstico prévio

principalmente sobre elementos constitutivos das concepções de mundo dos envolvidos.

Nesse bojo, construo articulações entre as contribuições de Sodré (1942) com às

proposições da Exunêutica. Se Exu é diversidade e transita por todos os espaços e se o

transito é permitido por ele, com isso, a Universidade não pode se pautar por um único

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viés epistemológico. A Exunêutica se configura como mais uma opção de evidenciar que

o estudo sobre culturas geralmente legitima a universalização das diferenças, o que

ratifica padrões de signos e símbolos na produção e reprodução social. Nesse âmbito,

optamos em expandir o campo conceitual por compreender que se debruçar para

compreender a cultura/intersubjetividade do outro deve-se levar em conta que “cultura é

o modelo de relacionamento humano com seu real. Este ‘real’ não deve ser entendido

como a estrutura histórica globalmente considerada nem mesmo como um conjunto de

elementos identificáveis” (SODRÉ, 1942, p. 48). O real aqui apresentado contrapõe o

universal, ou seja, abarca a singularidade e faz com que outros indivíduos, a partir do

convívio, da escuta, das observações e, sobretudo das alteridades, compreenda o que é

simbolicamente relevante para os grupos étnicos que pretende tecer compreensões.

Nesse interim, a perspectiva da Exunêutica do Desenho Singular adota o

pressuposto de que é necessário extrapolar o campo das aparências (SODRÉ, 2005), já

que no Ocidente a palavra aparência passou a ser empregada com cunho pejorativo e

universalizante, pois proporciona um antagonismo entre o real e o irreal:

Aparência não implicará aqui, entretanto, facilidade ou a simples

aparência que uma coisa dá. O termo valerá como indicação da

possibilidade de uma outra perspectiva de cultura, de uma recusa do

valor universalista de verdade que o Ocidente atribui a seu próprio

modo de relacionamento com o real, a seus regimes de veridicção (a

própria noção romântica de cultura é um esforço moderno de

universalização da verdade). As aparências não se referem, portanto, a

um espaço voltado para a expansão, apara a continuidade acumulativa,

para a linearidade irreversível, mas à hipótese de um espaço curvo, que

comporte operações de reversibilização, isto é, de retorno simbólico, de

reciprocidade na troca, de possibilidades de resposta (SODRÉ, 2005, p.

102).

Sendo assim, o aparente, o visível não necessariamente representa a totalidade de

quem constrói o seu real, a sua cultura, ou seja, o aparente é irrisório para a compreender

o corpo-território. Evidenciar a potência do desenho como dispositivo de pesquisa é trazer

para o campo das supostas certezas a veridicidade das dualidades, posto que o próprio

desenho grafado pelo sujeito proporciona uma infinidade de leituras/interpretações para

quem está do outro lado. Contudo, o movimento de por na centralidade o responsável

pelos traços desenhísticos significa alimentar a esfera que externa as intersubjetividades

e caminha para o processo da comunicação, onde as aparências podem ou não ser

reafirmadas, ressignificadas, desconstruídas, ou seja, uma série de possibilidades.

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É preciso salientar que a Exunêutica do Desenho Singular se configura enquanto

um método embrionário e evidentemente necessita de maior contemplação teórica e

experimental. Apenas aponto os caminhos que podem viabilizar estratégias de pesquisa

na qual os atores e atrizes não assumam a passividade defendida pelas ciências neutras.

Acreditamos na contribuição dos copesquisadores no ato de pensar, articular e projetar os

vieses teórico-metodológicos, tendo respaldo na produção artística do desenho.

Nessa frutificação artístico-conceitual, elucidamos que dentro da Exunêutica do

Desenho Singular aportamos a epistemologia do desenho africano38, patronizada por

Exu, a qual abarca a comunicação como uma das características fundamentais desse

Orixá. A nossa concepção de Desenho compreende que a composição gráfico-visual se

configura como uma das possibilidades de comunicação entre os seres humanos.

Desenhar é dar forma aos pensamentos, é materializar a comunicação. Com isso, ao levar

em conta que cada ator e atriz trazem consigo as polimovimentações de Exu, aportamos

que o ato de desenhar como processo comunicativo, evidencia que:

o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a dimensão,

a escala e o movimento explicam a composição de um desenho, para as

culturas negras, esses mesmos elementos servem para suscitar as

comunicações oportunizadas por Exu, já que todas as formas objetivam

transmitir as múltiplas intencionalidades do senhor das encruzilhadas

(MIRANDA, 2014, p. 61).

Disto isso, o desenhar das intersubjetividades de cada corpo-território é trazer

para o campo da comunicação é fazer com que o próprio copesquisador se reconheça, se

veja, se protagonize. Na epistemologia do desenho africano o corpo por ser um território

de simbologias só se reconhece quando se permite transitar por suas territorialidades,

desbravar os lugares, desfazer espaços e compor outras paisagens. Desbravar o próprio

corpo-território é se auto-(re)-conhecer, parece redundante, mas não podemos esquecer

que estamos escrevendo esta pesquisa inseridos em um sistema capitalista/opressor que a

todo instante nos omite o direito de posse e compreensão de quem somos, quem foram os

nossos ancestrais, de quais espaços devemos ocupar, por quais motivos não sonhamos

com determinados espaços de poder. Desenhar para comunicar e compartilhar

sociopoeticamente as nossas afetações é o mesmo que nos desvelar para revelar o que

38 Epistemologia desenvolvida na pesquisa de mestrado: MIRANDA, Eduardo Oliveira. O negro do

pomba quando sai da rua nova, ele traz na cinta uma cobra coral: os desenhos dos corpos-territorios

evidenciados pelo Afoxe Pomba de Male. 2014. 168 f. Dissertaçao (Mestrado) - Universidade Estadual de

Feira de Santana, Programa de Pos-Graduaçao em Desenho, Cultura e Interatividade, 2014

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habitualmente não acionamos. Verificar todas estas movimentações é fundamental no

trato com a potência da Exunêutica ao tornar visível para o corpo-território as suas

singularidades, as quais podem criar redes de coexistências com as singularidades das

outras corporeidades existentes nos espaços educativos.

Feito o caminho de apresentação da Exunêutica do Desenho Singular, iniciaremos

a visibilidade dos desenhos criados pelos copesquisadores nos quadrantes do escudo. Para

tal, dividiremos em três momentos com a prerrogativa de estabelecer um panorama que

chamaremos de Cartografia do Desenho Singular, alicerçada na epistemologia do

desenho africano cuja organização abre caminhos:

[...] para o campo das sensações e emoções, elementos de mister

importância nas culturas negras, visto que nem tudo é palpável,

mensurável, visível. Muito se constrói na perspectiva da afetividade, do

sentir, do arrepio, da emoção espontânea provocada pelos elementos da

Natureza. Nesse movimento, não existe a dicotomia Cultura e Natureza,

ambos estão intrincados (MIRANDA, 2014, p. 62).

Ratifico que os elementos gráficos apresentados a seguir foram produzidos por 4

discentes do componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia I do semestre

2015.2 da Licenciatura em Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA. A turma

era composta por 14 indivíduos, mas optamos por levar em consideração apenas 4

produções pelo fato desses compartilhar das ações do Atiba-Geo durante todos os

momentos e com isso ser mais interessante compreender de que forma as experiências

formativas com encruzilhadas afro-brasileiras constituiu o corpo-território de cada

copesquisador.

3.2.1– Cartografia do Desenho Singular: traçados do primeiro quadrante

Recordo-me dos detalhes que permearam o primeiro dia de aula com a turma do

componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia I do semestre 2015.2 da

Licenciatura em Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Dirigir-me para

encontrar tais sujeitos se configurava a realização de um sonho em ser professor

universitário, independente de ser substituto ou efetivo. Um sonho que requereu estudos,

dedicação, compromisso pessoal e profissional e, além de tudo isso, a oportunidade em

ter sido o primeiro da minha família a ingressar no ensino superior, realizar um mestrado

e galgar à docência na IES.

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Então, fervilha em meu corpo-território uma série de particularidades que em

alguns momentos poderia ou não dialogar com as realidades dos discentes que estavam

naquela sala de aula. E foi justamente isso que pude constatar: as incompletudes culturais

(SANTOS, 2006). Muito do que trazia comigo não dialogava diretamente com as

educandas e os educandos. Em outros momentos os aportes culturais se

complementavam, visto que externar determinadas experiências dos envolvidos naquele

espaço de formação supria as lacunas de conhecimentos dos demais. Portanto,

Boaventura Santos (2006), convida a nos entender como sujeitos incompletos

culturalmente, já que “aumentar a consciência de incompletude cultural é uma das tarefas

prévias à construção de uma concepção emancipadora e multicultural dos direitos

humanos” (p. 446).

De certa forma, essa incompletude também está instaurada na Exunêutica do

Desenho Singular, pois se configura como possibilidade das partilhas das

intersubjetividades, as quais não necessariamente se interligam, mas que nas alteridades

podem complementar as ausências de cada um dos envoltos no coletivo de formação

docente.

Nesse horizonte, o 1° quadrante apresentou a seguinte interpelação: Como se deu

o seu caminhar na Educação Básica? Esta estratégia visou estabelecer o primeiro

princípio da Sociopoética que é a formação do grupo-pesquisador e a construção coletiva

do conhecimento, o que perpassa pela alteridade e compartilhamento das questões

intersubjetivas de cada membro. Almejava com o questionamento transpor os educandos

ao passado e de alguma forma estabelecer com tais lembranças os referencias positivos

ou negativos de prática docente, organização escolar, trato com as identidades dos alunos

e tantas outras temáticas que viessem à tona.

No ponto de vista esboçado, traremos alguns dos desenhos projetados pelos

educandos. Todas as produções gráficas foram explicadas oralmente pelos seus

respectivos responsáveis, pois acreditamos que “a narrativa do outro nos remete à

figuração narrativa na qual nos produzimos como sujeito de nossa biografia” (DELORY-

MOMBERGER, 2008, p. 62). Dos 14 discentes matriculados no componente curricular,

optamos em expor os traçados desenhísticos de apenas 4 envolvidos, visto que os outros

10 graduandos não se envolveram com o Atiba-Geo no semestre 2016.1.

Por conta disso, sentimos a necessidade em apresentar os quatros sujeitos, sendo

3 homens e uma mulher, todos moradores de Salvador, Bahia e graduandos em

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Licenciatura em Geografia: 1° -Taxista e escolheu o nome fictício Dondeville39; 2° -

Policia Militar – PM/BA e optou pelo nome Peão40; 3° - Bolsista do PIBID e definiu

Gana41 como seu nome (25 anos); 4° - Professora de Curso Preparatório para Vestibular,

batizou-se de Preta42 (23 anos).

Então, sem desperdiçar as experiências (SANTOS, 2012), já que coube a

Exunêutica do Desenho Singular propor o acesso às particularidades dos indivíduos,

verificamos elementos identitários que justificaram a escolha dos nomes fictícios.

Abarcar identidade nos traz a veracidade de que, como elucida Gomes (2005, p. 41), “não

é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os outros. É um fator

importante na criação das redes de relações e de referências culturais dos grupos sociais”.

Assim sendo, no 1° quadrante, apesar de contextos distintos, todos criaram

desenhos que elucida uma escola pública onde o professor se configura como o único

responsável pela construção do saber: “A ideia do professor era o centro. Talvez a luz”,

afirmou Peão ao explicar a sua projeção gráfica (Fig. 13). Para um corpo-território

convidado a traçar um caminho pela Sociopoética e desbravar as suas memórias se

configura de suma relevância, sobretudo para quem está em processo de formação

docente, verificar de que forma a simbologia do espaço escolar estava presente na sua

fase de infância e adolescência. Perspectivar um professor como a luz e centro do

conhecimento significa retificar a todo instante a passividade do educando e o sobressalto

da inteligência do docente, ou seja, eleva-se hierarquicamente um corpo em detrimento

da não produção do conhecimento do corpo-aluno.

39 A escolha do nome está atrelada às lembranças do seu pai, o qual queria batiza-lo com o nome de

Dondeville. 40 Optou pelo nome porque de acordo com a sua explicação entende “que agora é o momento de pegar peso

para transformação da educação”. 41 A opção refere-se a força do país Africano e sua contribuição na formação do Brasil. 42 “Porque tô sempre na luta” afirmou sobre a escolha do seu nome.

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Figura 13 - Primeiro Quadrante. Autoria: Peão. Fonte: Atiba-Geo, UFBA (2016)

Freire vislumbra na comunicação o rompimento da prática do silenciamento, tão

comum em espaços formativos, sejam estes informais, formais ou não formais. Com foco

na educação formal, verificamos que a comunicação ainda continua tecendo, em muitas

territorialidades, relações de poder, onde o professor é o responsável pela complexidade

na construção do conhecimento e com isso o ato de comunicar não alcança o esperado e

mantem-se na negativa das trocas de saberes. Sobre esta questão, o copesquisador Gana

construiu o seguinte poema:

Quando entro na sala de aula

O professor logo avisa...

-deixa de preguiça!

-arrume a cadeira

- acorda pra vida!

Todo mundo enfileirado, fazendo fila

Todo mundo calado!

O professor parece um ditador

Não quer saber da minha vida,

Da minha história, da minha dor,

Ele parece um objeto, um rádio transmissor.

O assunto decoro todo,

Pareço um robô

Que no processo de mecanização,

Perdeu a razão

Apenas reproduzo o esdrúxulo.

Será que a educação vai ser sempre assim?

Quadro, cadeira, lápis e giz?

Até quando vai ser isso?

Será que vai ter fim?

A resposta é óbvia ....

Sim , SIM, SIM!!!!

(Autoria: Gana. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016).

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Perceber no aluno a sua condição de ativo na produção dos conceitos torna a sala

de aula um espaço acolhedor, um lugar de afetividade e convidativo para as

ressignificações das leituras do mundo: “Desta forma, na comunicação, não há sujeitos

passivos. Os sujeitos co-intencionados ao objeto de seu pensar se comunicam seu

conteúdo” (FREIRE, 1983, p. 45).

Ainda sobre a imagem anterior, o autor nos afirma que a educação básica

rememorada em suas lembranças destaca a escola com estruturas físicas semelhantes aos

presídios. Tal configuração, determina a sua forma de como os educandos devem agir, se

relacionar com o outro, posto que o corpo assimila regras e normas condizentes com o

que é instaurado de “cima para baixo”, “forma-se então uma política das coerções que

são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculadas de seus elementos, de seus

gestos, de seus comportamentos” (FOUCAULT, 1987, p. 119). Neste cenário, é

totalmente negado ao corpo-território o seu direito a protagonizar as narrativas da sua

construção social. As invisibilidades orquestradas no espaço de poder das escolas

reverbera um legado de opressões sobre as potencias da humanização.

Além disso, é categórico ao apontar um ensino conteudista com fundamentação

que privilegiava apenas o livro didático. Nessa mesma assimilação, Dondeville compõe

graficamente uma sala de aula (Fig. 12) na qual o “professor que passa conhecimento

para os alunos”43, situação apontada na narrativa de Peão ao relatar o seu posicionamento

antes de permitir ao seu corpo-território o transito pelo Atiba-Geo:

Confesso que cheguei na disciplina (Atiba-Geo) achando que sabia um

pouco a mais por já ter lecionado durante aproximadamente três anos.

E essa falta de humildade foi boa, pois fui me surpreendendo a cada

aula, a cada debate, a cada metodologia nova utilizada de forma

democrática. Ia pra sala de aula muitas vezes sem fazer um

planejamento adequado, apenas os conteúdos desconectados da

realidade daqueles docentes. Escrevia praticamente dois quadros por

aula, massificando os conteúdos. Tudo isso pelo fato de que a ideia que

eu tinha de um bom professor era aqueles do ensino médio e alguns do

superior. Que dominavam o conteúdo e eram o centro das atenções.

Não havendo uma preocupação com o processo de aprendizagem.

(Narrativa expressa pelo copesquisador Peão. Diário das Trocas de

Peles, 2016).

A parcialidade atribuída ao educando se assemelha ao desenho exposto a seguir

(Fig. 14), o qual evidencia que a sala de aula historicamente assume um lugar de

43 Fala de Dondeville ao explicar a composição do seu desenho.

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silenciamento, posto que as intersubjetividades dos educandos não pode dialogar com os

conteúdos estabelecidos pelo currículo escolar. A expressão gráfica analisada traz a

memória de acontecimentos da década de 1980, mas que foram sendo repetidos ao longo

das décadas seguintes e que atualmente encontra sustentáculos em projetos e leis federais

respaldadas em estratégias de amordaçar os educadores, negar a historicidade dos

educandos e fixa uma sala de aula elucidativa a educação para o mercado de trabalho

técnico.

Figura 14 - Primeiro Quadrante. Autoria: Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016.

Como se pode observar, a aula totalmente expositiva fez parte da formação de

Dondeville, mas não representa exclusivamente a sua trajetória. A mesma realidade

esteve presente nas bases educativas de Gana, o qual desenhou uma imensa boca (Fig.

15) na tentativa de ilustrar a relação de ensino como transmissão de valores ou como

Freire pontou de educação bancária. No contexto neoliberal que vivemos, acabamos

levando para as nossas ações diárias o espírito de competitividade, a necessidade em

superar o outro e alimentamos o equívoco do ter em detrimento do ser. Destarte, nos

privamos de fecundar e fertilizar as ressonâncias orgânicas e latentes no simples encontro

dos corpos, das palavras, dos gestuais. A sociedade encontra-se anestesiada e programada

para o instantâneo, o imediato, o que reverbera na incapacidade em respeitar as etapas

existente entre o conceber e o projetar. Concebemos no imaginário, mas para projetar é

preciso tornar semiótico e compreensível ao outro o que maturamos no universo das

ideias. Esse é o segredo do diálogo: “Só se comunica o inteligível na medida em que este

é comunicável” (FREIRE, 1983, p. 45).

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Figura 15 - Primeiro Quadrante. Autoria: Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016.

.

A valorização da boca (oralidade do educador) e a orelha em destaque (o ouvir do

educando) repercutem um projeto de educação sem a devida responsabilidade com a

construção crítica dos alunos. O corpo-território dos educandos expostos a esta prática

educativa passa a ser alicerçado em veios de desperdícios das suas experiências. O

acumulo dos desperdícios pode ser visualizado na imparcialidade que a maioria dos

estudantes demonstra em sala de aula. A educação para fazer sentido na vida de quem

passa por ela precisa exercitar a admiração, o encantamento, o afeto e atenção pela

existência do outro. Uma sala de aula que se resume ao “escute e fique sentado” tem

criado corporeidades desacreditadas em suas potencialidades.

Para Freire (1983), a comunicação tem o objetivo de partilhar saberes, onde todos

os envolvidos são portadores de experiências e aptos a aprender e ao mesmo tempo

ensinar. Então, perspectivar um pensamento para além da mera transmissão de

informações significa explanar nas rodas dos diálogos os pontos de compreensões do

mundo que podem ser dispares a depender da realidade sociocultural dos envolvidos.

Sendo assim, o diálogo faz parte do encontro dos corpos e estes potencializam os

atravessamentos das experiências, o encontro com a bagagem existencial do outro e ao

mesmo tempo reforça que somos seres da incompletude cultural, portanto, dotados de

lacunas que podem ser preenchidas a partir da história de vida dos sujeitos que

cotidianamente cruzam as nossas trajetórias. Ter essa dimensão, conduz a despertar o

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nosso cuidado com as experiências das outras pessoas e consequentemente o trato com as

nossas próprias itinerâncias. Se perceber responsável pelo outro é um ato político crítico

que requer a escuta sensível, o olhar atento, a disponibilidade para afetar e ser afetado

Por conta de tudo que visualizamos, associado as oralidades dos autores das

imagens, constatamos que as suas itinerâncias na Educação Básica acessou um currículo

com respaldo na teoria tradicional cuja preocupação estava fundamentada no alicerce das

certezas da hegemonia e a sua maior preocupação seria a transmissão das verdades e

padrões, posto que “as teorias tradicionais, ao aceitar mais facilmente o status quo, os

conhecimentos e saberes dominantes, acabam por se concentrar em questões técnicas”

(SILVA, 2015, p. 16).

3.2.2 - Cartografia do Desenho Singular: traçados do segundo quadrante

Não é incomum, pelo menos nas minhas experiências profissionais e em muitas

produções acadêmicas, ouvir dos graduandos ou pós-graduandos relatos semelhantes aos

expostos no primeiro quadrante. Partindo para a minha história, a qual não está

desarticulada da construção dessa tese de doutoramento, sou fruto, também, da escola

pública e assim como o Gana, Preta, Peão e Dondeville estudei em formatações

curriculares que não alimentavam a autonomia dos educandos.

Muito pelo contrário, desprezava as nossas experiências em troca de hierarquizar

o conhecimento cientifico que os educadores transportavam das faculdades para o chão

da escola, posto que “é na sua verdade que reside a salvação dos demais. O seu saber é

‘iluminador’ da ‘obscuridade’ ou da ignorância dos outros, que por isso mesmo devem

estar submetidos ao saber e à arrogância do autoritário ou da autoritária” (FREIRE, 2001,

p. 56)

Retornando para o primeiro dia de aula do semestre 2015.2, recolhi os escudos e

segui em direção a minha casa e, ao caminhar auto indagava: Que tipo de discussão

preciso propor a essa turma? Afloravam questões das teorias críticas e pós-criticas que

nas perspectivas teóricas que sigo visa desconstruir a Educação Básica desenhada no 1°

quadrante. Nesse raciocínio propus a turma a leitura e socialização dos entendimentos

acerca de Identidade (HALL, 2005), Teoria Crítica e Pós-Crítica (SILVA, 2015), Estágio

e Docência (PIMENTA, 2004), entre tantas outras referências que surgiam ao longo das

trocas de experiências.

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Associadas a essas questões, sempre que possível apresentava as minhas leituras

e experiências sobre as contribuições das epistemologias afro-brasileiras na compreensão

das abordagens de Identidade e Formação Docente. Partilhar com os discentes as

experiências criou um terreno frutífero de confiança e reforço para a Exunêutica do

Desenho Singular. As nossas aulas ganharam contornos de alteridades, posto que “na

ação do ser-professor, há uma relação dinâmica entre identidade e alteridade, em que o

sujeito é ele, mais a relação com o outro. Nessa relação, o centro não está no “eu”, nem

no “tu”, mas no espaço discursivo, criado entre ambos. O sujeito professor só se

completará com o outro” (RIOS, 2008, p. 54).

Então, após leituras, reflexões, associações com o cotidiano e prática educativa

alcançamos meados do semestre 2015.2. Definimos que seria o momento adequado para

refletir sobre a interpelação do 2° quadrante: As discussões em Estágio I acrescentou algo

na formação da sua identidade docente?

Mediante as produções desenhísticas do segundo quadrante, observamos

ressignificações. Dentre elas, destaco a fala de Preta: “A educação é uma linha que não

é contínua, e é construída infinitamente, não se chegando nunca a uma professora

‘formada’” (Fig.16). Tal afirmativa traz consigo enorme potência ao defender o

entendimento de identidade como processual (PIMENTA, 2004), mutável (HALL, 2005)

e não almeja a finalização de um ciclo, cuja representação ganha contornos de uma linha

não regular, com uma seta apontando para o símbolo do infinito.

Figura 16 - Segundo quadrante. Autoria: Preta. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016.

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Ainda no âmbito das projeções subjetivas, Preta realiza outras duas composições

com explicações que extrapolam a sala de aula: “Relação entre tudo que está ao redor,

enquanto aspecto social, sendo levado para as aulas”. E completa com outra inferência:

“A vivencia dxs estudantes tendo um ponto em comum pra ser utilizado em sala de aula”.

Pensar o currículo com a inclusão dos saberes dos educandos, o que está disposto nas

explicações de Preta, se aproxima de uma prática pedagógica que perfila nas

contribuições das teorias crítica e pós-crítica que “estão preocupadas com as conexões

entre saber, identidade e poder” (SILVA, 2015, p. 16), questões suscitadas na narrativa

de Peão:

Aprendi com os textos e as contribuições dos colegas que o nosso

processo identitário está em constante transformação, temos que nos

embasar teoricamente para que dominemos os conteúdos mas ter a

empatia necessária para perceber que cada discente é parte

importantíssima do processo de ensino-aprendizagem (Narrativa

expressa pelo copesquisador Peão. Diário das Trocas de Peles, 2016).

A comunicação quando tem respaldo no ato democrático consegue estabelecer a

humanização das diversidades existentes no chão da escola. Tal ação coaduna na quebra

das hierarquias, no rompimento das barreiras corporais, bem como, aproxima grupos com

histórias e culturas negligenciadas. Nesse bojo, a comunicação ao ser socialmente

compartilhada viabiliza a prática da emancipação humana e caminha-se para uma

estrutura curricular pautada nas esferas dos Direitos Humanos e Justiça Social. Tal

perspectiva pode ser verificada em espaços educativos que implementam as leis

11.645/08 e 10.639/03, as quais buscam a inserção das Histórias e Culturas Africanas,

Afro-brasileiras e Indígenas em todo o percurso da Educação Básica. Para que o sucesso

das Leis aconteça se faz urgente o diálogo entre todos os envolvidos no processo

formativo, já que muitos preconceitos serão expostos, os quais são construídos na

coletividade de cada grupo e em um processo dialético conseguem ser revistos e

recriados.

Caminhando, temos as contribuições imagéticas projetadas por Gana e Peão.

Ambos trouxeram no segundo quadrante referências a Lei 10.639. Rememoro ao leitor

dessa tese que uma das sugestões de leitura apresentadas aporta um relato de experiência

da minha autoria que versa sobre formação docente e aspectos das culturas negras. Essa

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discussão interessou imensamente a esses dois atores sociais por diversas relevâncias,

mas principalmente por se identificarem como homens negros e ter estabelecida a

dimensão de que o ensino de geografia deve assumir o compromisso em trabalhar com

História e Cultura Africana e Afro-brasileira.

Nesse contexto, Peão desenhou um esboço do mapa do continente africano e

uma cabaça (Fig. 17) e explicitou: “(os desenhos) exprimem a minha vontade de levar o

tema África para a sala de aula. Resgatar as raízes e valorizar a cultura”. A oralidade

de Peão exprime um sonho, um desenho, uma suposta utopia que faz sentido ao ato de

educar e aguça a “imaginação dos educandos, usá-la no ‘desenho’ da escola que eles

sonham” (FREIRE, 2001, p. 71).

Figura 17 - Segundo Quadrante. Autoria: Peão. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016.

Os dispositivos almejados por Peão também são identificados nas composições

criadas por Gana, ao defender a não centralidade do conhecimento apenas nas

epistemologias ocidentais. Com isso, elaborou um mapa mundi invertido (Fig. 18) o que

subverte a cartografia tradicional e questiona os engessamentos do Norte sobre o Sul.

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Figura 18 - Segundo Quadrante. Autoria: Gana. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016.

A cartografia com o continente africano invertido e assumido a centralidade do

mapa mundi se configura em uma estratégia de rupturas com a colonialidade do saber,

ser e do poder, para as quais as histórias das civilizações colonizadas só conseguem se

repercutir se apresentar como ponto de partida a presença do corpo colonizador nas

territorialidades subalternas. Tais prerrogativas estão de acordo com as produções das

Epistemologias do Sul e enviesadas pela decolonialidade da produção do conhecimento.

Desterritorializar o mapa dos continentes colocando África e demais continentes

periféricos no Norte nos leva a reterritorializar o nosso imaginário sobre, apenas o Norte

do globo ser o potencializador das epistemologias. Se colocar nesta reterritorialização tem

implicações relevantes no trato com o forjar do corpo-território, visto que ser um corpo-

território-subalterno e se perceber construtor de epistemologias realinha as inscrições

que estes indivíduos reverberam nos espaços de poder.

Por esse viés, Gana destaca que a África também deve ser considerada um polo

produtor de saberes e ainda reforça que as diásporas foram responsáveis por fazer com as

epistemologias africanas se espalhassem pelo mundo, mesmo que tais informações não

constem nos documentos oficiais, como elucida Lima (2008, p. 154):

Africanidades brasileiras são repertórios culturais de origem africana

que fazem parte da cultura brasileira. Esses repertórios são elementos

materiais e simbólicos que são dinâmica e continuamente (re)

construídos e vivenciados e que vêm sendo elaborados há quase cinco

séculos, na medida em que os/as africanos/as escravizados/as e seus

descendentes, ao participar da construção da nação brasileira, trazem

como sujeitos da história os repertórios sócio-históricos de suas culturas

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de origem e as novas produções processadas a partir desses dispositivos

de origem.

Nessa lógica, opor às relações racistas reproduzidas no espaço escolar se faz

necessárias a presença de políticas, diretrizes curriculares e orientação didático-

pedagógicas aliadas ao currículo na perspectiva Pós-Crítica, a qual traz consigo o conceito

de Identidade proposto por Hall (2002), permitindo ampliar a discussão dos grupos menos

favorecidos socialmente.

Diante o cenário atual da Educação Brasileira, encontramos uma serie de

retrocessos que tentam retirar a autonomia do educador em abordar temáticas que

evidenciam os grupos oprimidos. Dentre as propostas a Escola Sem Partido, cujo objetivo

visa proibir, através da criação de leis, temáticas no campo do gênero e sexualidade, entre

outras. Impossibilitar o educador de exercer a sua autonomia é o mesmo que rasgar a

nossa constituição e declarar que a escola brasileira não está fundamentada na

democracia. Coibir o uso da autonomia docente representa intensa ameaça à comunicação

e nos obriga a reescrever que “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que

não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a

significação dos significados” (FREIRE, 1983, p 46).

Ainda no campo dos ataques à autonomia docente, encontra-se a proposta da

Base Nacional Comum Curricular – BNCC, um projeto educacional que à luz dos

postulados de Freire se configura como uma tentativa de reforçar o silenciamento das

epistemologias produzidas nas diversas escalas do Brasil. A BNCC objetiva implementar

uma normativa curricular padronizada para todas as realidades da educação básica, ou

seja, “simplesmente, um sujeito estaria (ou está) transformando o outro em paciente de

seus comunicados” (FREIRE, 1983, p. 45). Com isso, verificamos um descompasso com

os investimentos da pedagogia para a libertação, posto que se um grupo decide o que a

maioria deve estudar acaba por reduzir a subjetividade curricular a meros conteúdos e

normas avaliativas.

O direito à comunicação representa um avanço para os grupos oprimidos, mas

essa conquista não vem por livre vontade do grupo opressor, muito pelo contrário, a

apropriação de um espaço de poder, a retomada do lugar de fala tem sido efetivada através

das seculares resistências por parte dos descendentes das civilizações subalternizadas.

Assim sendo, o legado freireano nos põe a questionar o direito e a negação à

potência da comunicação, visto que se para alguns é garantido a livre comunicação para

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outros é obstruído e reforçado ideologicamente o silenciamento das suas corporeidades.

Calar um corpo humano, que não o é apenas biológico, mas também cultural, representa

impossibilitar o pleno desenvolvimento da sua espiritualidade e consequentemente o

forjar das identidades com o respaldo no auto protagonismo. Então, o nosso compromisso

pessoal e profissional perpassa pelo viés da pedagogia da libertação, para a pedagogia da

comunicação dialética, onde o direito ao ato político da fala seja garantido e possibilizado

à todos e todas.

3.2.3 - Cartografia do Desenho Singular: traçados do terceiro quadrante

As proposições estabelecidas no 2° quadrante serviram para potencializar outras

inquietações e intensificar as correlações entre o ensino de geografia com a Lei 10.639.

As contribuições e anseios de Gana e Peão foram abraçadas pelos demais colegas da

turma. A partir disso, projetamos “[...] estabelecer metodologias que permitam converter

as contribuições étnico-culturais em conteúdos educativos, portanto, fazer parte da

proposta educativa global de cada escola” (GADOTTI, 2000, p. 43).

Em consonância com a prerrogativa exposta por Gadotti, traremos para a

discussão a composição desenhística proposta por Peão, onde aparece um indivíduo

segurando uma bandeira (Fig. 19) e na sua explicação evidencia: “carregar a bandeira

de valorização da cultura africana”.

Figura 19 - Terceiro Quadrante. Autoria: Peão. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016.

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Analisar o discurso do copesquisador Peão sobre a narrativa de carregar uma

bandeira desperta o nosso olhar para o compromisso assumido pelos corpo-território-

docente. De fato, a Lei 10.639/03 precisa de educadores e educadoras dispostas a inserir

nos espaços educativos as contribuições das populações negras para a construção

epistemológica do Brasil. Em outro momento, Peão complementou:

As disciplinas de estágio (Atiba-Geo) proporcionam um ambiente de

pesquisa e reflexão constantes. O que torna nossa vivência numa

experiência produtiva. A lei 10639/03 – Afroeducação, foi uma

bandeira que o professor sempre carregou, deixando claro sempre que

é um desafio e seus resultados só virão com bastante luta e superação

de limites. Agora sou mais um dos que carregam esta bandeira.

(Narrativa expressa pelo copesquisador Peão. Diário das Trocas de

Peles, 2016).

O fato de levantar bandeiras ecoa para muitos intelectuais uma militância

desprovida de produção científica e sem legitimidade acadêmica, com muito

envolvimento afetivo do pesquisador, mas Macedo (2015, p. 20) traz uma fala que muito

contempla as nossas inquietudes, já que o autor destaca que “às epistemologias militantes,

essas tomam os saberes experienciais como base e, de dentro deles, propõem e constroem

investigações implicadas, engajadas”. Ter a Lei 10.639/03 como campo de militância,

não suprime a sua potência para a produção acadêmica, pois as o objetivo da referida Lei

situa-se no campo das interações sociais e como valores civilizatórios dos povos africanos

conseguiram criar vias de perpetuação ao longo de séculos e continuar sendo referências

de epistemologias para corpos-territórios espalhados por diversos continentes.

As contribuições referentes ao 3° quadrante aconteceram no último dia de aula

do semestre 2015.2. As construções estabelecidas nas nossas partilhas foram sendo

modeladas para responder ao questionamento final: Após os meses de discussões, qual a

sua compreensão sobre Educação e Ensino de Geografia?

Em termos gerais, as produções gráficas abordaram a construção da identidade

docente como um ciclo que não tem fim, como frisou e desenhou (Fig. 20) Preta:

“Educação como construção em fluxo contínuo”. Em outro momento, Gana evidenciou:

“Percebi que não sou um agente de transmissão, sou parte do todo, onde todos vão

construir o ensino-aprendizagem”.

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Figura 20 - Terceiro Quadrante. Autoria: Preta. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2016.

Ambos copesquisadores trazem em seu corpo-território a narrativa de que as suas

corporeidades são forjadas pelos fluxos das experiências. As trocas de camadas de peles

se evidenciam nas perspectivas educativas inacabadas. Ser parte de um todo se multiplica

a partir da constatação de que o seu corpo-território é incompleto perante as dobras que

os demais indivíduos podem causar em nossas intersubjetividades. Se o corpo-território

se exprime a partir do olhar de um docente que se percebe rachado e com lacunas se

abriga o caminho para a contínua formação, não somente a formação de conteúdos

acadêmicos, mas sobretudo, conteúdos orgânicos do fazer diário da vida. A identidade

mutável recebe do copesquisador Gana um desenho que reforça os vazios que podem ser

preenchidos no devir existencial (Fig. 21):

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Figura 21 - Máscara da incompletude. Autor: Gana. Fonte: Atiba-Geo, 2016.

O desenho apresentado pelo copesquisador Gana não fazia parte das técnicas

produtivas para o Atiba-Geo. O copesquisador se sentiu afetado pelas atividades e

resolveu criar uma comunicação desenhísitica para expor como o seu corpo-território

estava assimilando as provocações dos nossos encontros. Sobre o desenho, ele elucidou:

Nesse desenho a metade de um rosto coberto por desenhos, esse

desenhos lembram as culturas africanas. Por que desenhei? As

experiências de vida criam marcas na nossa alma, no nosso interior e

também no nosso exterior. Essas marcas são consequências de diversas

experiências únicas, e por isso cada risco tem sua forma singular. Só

desenhei uma metade, pois, sempre iremos aprender algo novo, ou

seja, as experiências são infinitas, assim como existe infinitos números

entre 1 e 0, existe infinitas sensações entre a vida e a morte, infinitas

experiências. De fato as minhas experiências vão contribuir para a

formação da minha identidade profissional (Narrativa expressa pelo

copesquisador Gana. Diário das Trocas de Peles, 2016).

As colocações do copesquisador Gana dialoga com as contribuições de Hall

(2005) e Pimenta (2004) sobre a constituição para a identidade docente. Alcançar a

construção do 3° quadrante e constatar o interesse dos copesquisadores em abordar a lei

10.639 se configurou como a legitimação daqueles que juntamente comigo foram os

responsáveis por articular os encontros do Atiba-Geo.

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Figura 22 – Diásporas. Autor: Felipe Rangel, 2015.

PELE IV - DOCUMENTOS OFICIAIS E

DISCUSSÃO SOBRE CURRÍCULO E A LEI

10.639/03

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Tecer esta parte da tese revela a necessidade de ir em busca e tornar acessível a

documentação oficial da Universidade Federal da Bahia no que tange a formação de

professores de geografia, em especial, a lei 10.639/03 e a lei 11.645/08. Inicialmente

busquei pelos documentos oficiais da Faculdade de Educação – FACED/UFBA com a

intencionalidade de identificar a organização da matriz curricular da Licenciatura em

Geografia (Fig. 26).

Figura 23- Fluxograma do curso de Licenciatura em Geografia - UFBA. Fonte: FACED/UFBA.

Constatei a formatação curricular legitimada em tantos outros espaços de

formação de educadores, ou seja, nenhum componente curricular obrigatório responsável

por abarcar as provocações das Leis 10.639/03 e 11.645/08, com a exceção do

componente GEOA28 Organização Regional do Espaço Mundial (Fig. 27) com carga

horário de 68 h e, de acordo com a ementa, deve abarcar discussões sobre alguns

continentes. Referente ao continente africano, pontua-se: “A desumanização e a difícil

situação da África”. Já o conteúdo programático enseja: “África: fatores internos e

externos da crise”. De fato, o que consta na ementa e no conteúdo programático são

pontos altamente necessários para a formação do licenciado em Geografia. Porém, ao

recorrer à Lei 10.639/03 encontra-se a prerrogativa de estabelecer conteúdos que

apresente a História e Cultura do continente e não apenas a colonização europeia em

África e os seus desdobramentos. Reduzir o continente africano a partir da presença do

colonizador europeu se configura como uma omissão ao legado cultural, científico,

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político-administrativo, econômico, filosófico e de humanização que se iniciou em terras

africanas e de disseminou por todas as partes da Terra. Portanto, a minha análise em

relação à ementa do componente Organização Regional do Espaço Mundial elucida uma

série de ausências e emergências no trato com as questões construtivas para a Educação

Geográfica com ênfase em África pré-colonial, colonial e pós-colonial.

Figura 24- Ementa do componente curricular GEOA28 Organização Regional do Espaço Mundial.

Fonte: Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em Geografia - UFBA (2014).

Volto a ratificar que esta tese de doutoramento não pretende julgar se é certo ou

errado a ênfase, apenas, aos valores eurocêntricos. Porém, não compactuo com a postura

de silenciamento das bases epistemológicas dos povos negros e indígenas, posto que

compreendo a formação docente como a espacialidade fecunda para o enfretamento do

racismo e várias posturas preconceituosas, as quais tiveram início com a chegada dos

primeiros colonizadores europeus em terras africanas:

Quando os primeiros europeus desembarcaram na costa africana em

meados do século XV, a organização política dos Estados africanos já

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tinha atingido um nível de aperfeiçoamento muito alto. As monarquias

eram constituídas por um conselho popular no qual as diferentes

camadas sociais eram representadas. A ordem social e moral equivalia

à política. Em contrapartida, o desenvolvimento técnico, incluída a

tecnologia de guerra, era menos acentuada. Isto pode ser explicada

pelas condições ecológicas, sócio-econômicas e históricas da África

daquela época, e não biologicamente, como queriam alguns falsos

cientistas (MUNANGA, 1988, p. 8).

O próximo passo se deu na busca pelos componentes curriculares optativos (Fig.

28) ofertados pelo colegiado da Licenciatura em Geografia, para o qual “o aluno deverá

cumprir, [...], o total mínimo de 07 (sete) disciplinas do Núcleo de Optativas, de livre

escolha, de acordo com as ofertas semestrais, como função complementar dos estudos”

(Trecho extraído do Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em Geografia – UFBA,

2015, p. 23).

Figura 25- Quadro dos componentes curriculares optativos ofertados pelo Colegiado da Licenciatura em

Geografia. Fonte: Colegiado de Geografia - IGEO/UFBA.

O Quadro do Núcleo de Componentes Optativas, assim como o Quadro Geral de

Componentes Curriculares Obrigatórios tiveram a sua formatação e aprovação em 2014

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para ser implantado em 2015, após 12 anos de promulgação da Lei 10.639/2003. Neste

contexto, provoco: como a formação inicial em Geografia- UFBA pode contribuir para a

humanização das culturas negras sendo que os seus documentos oficiais silenciam a Lei

10.639/03? Dos componentes optativos ofertados apenas GEOA34 Geografia do Espaço

Africano (Fig. 29) dispõe na ementa e referências bibliográficas discussões valorativas

do legado africano.

Figura 26- Ementa do componente curricular GEOA34 Geografia do Espaço Africano. Fonte: Projeto

Político Pedagógico da Licenciatura em Geografia-UFBA (2014).

Portanto, a análise dos documentos oficiais que direciona a formação do

professores de Geografia da UFBA nos leva a constatar que as culturas negras não são

contempladas com a mesma ênfase das epistemologias eurocentradas, o que corrobora

para o forja do corpo-território-docente com lacunas sobre as temáticas elucidadas pela

lei 10.639/03. Negligenciar a diversidade étnico-racial dos educandos tem rebatimento no

ato político-pedagógico da instituição e que se reflete nas escolhas da construção do

currículo da licenciatura, o qual tem característica universalizante. As consequências da

totalidade do discurso recai na homogeneização:

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Homogeneizar o ensino sempre foi o objetivo da escola única, com viés

de massificação, imaginando que a diferença que nossos alunos trazem

para a sala de aula não faz diferença; são, portanto, epifenomenais. Em

realidade, a invenção da escola única, como um ato de solidariedade

social, não soube articular seus ideários com o desenvolvimento de

dispositivos pedagógicos que acolhessem e trabalhassem com a

diferença (MACEDO, 2009, p. 121).

A discussão sobre o engessamento do Currículo se assemelha com as estratégias

de aprisionamento do corpo-território, visto que ambos são forjados a partir das relações

de poder. A demarcação da universidade que historicamente valoriza a produção do

conhecimento europeu não se imagina dividir território com outras epistemologias,

sobretudo, os saberes intelectuais das populações negras:

O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas

um processo social, no qual convivem, lado a lado com fatores lógicos,

epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos “nobres” e

menos “formais”, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e

culturais, necessidades de legitimação e de controle, propósitos de

dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça, ao gênero

(SILVA, 2010, p.2).

Por ser um processo social e legitimado pelo legado colonizador se faz de imensa

valia a formação de corpo-território-docente que se compreenda como um agente político

e disposto a duelar para legitimar a Educação Geográfica que se debruce sobre África,

reconheça a sua potência civilizatória, destaque as suas epistemologias e divulgue nas

salas de aula da educação básica outras narrativas de representatividade positiva para

crianças, jovens e adultos negros.

Destacamos a necessidade de propor um corpo-currículo que tenha a

intencionalidade de convidar os copesquisadores a refletir o tipo de projeto de sociedade

pretende pautar nos seus planos de curso e planos de aulas, pois a construção do currículo

não está dissociada das nossas intencionalidades, como afirma Silva (2009, p. 196),

O discurso do currículo [...] autoriza ou desautoriza, legitima ou

deslegitima, inclui ou exclui. E nesse processo somos produzidos como

sujeitos muito particulares, como sujeitos posicionados ao longo desses

múltiplos eixos de autoridade, legitimidade, divisão, representação.

[...]. Há, dessa forma, um nexo muito estreito entre currículo e aquilo

em que nos transformamos. O currículo, ao lado de muitos outros

discursos, nos faz ser o que somos. Por isso, o currículo é muito mais

que uma questão cognitiva, é muito mais que construção de

conhecimento, no sentido psicológico. O currículo é a construção de

nós mesmos como sujeitos.

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Tais ações foram salientadas no Atiba-Geo, onde os copesquisadores foram

convidados a refletir acerca das intenções da Razão Proléptica44, ao assegurar a

(re)produção de bases de informações que desrespeita a educação democrática, assim

como impossibilita a aplicabilidade da Educação Libertadora, visto que “sem uma crítica

do modelo de racionalidade ocidental dominante pelo menos durante os últimos duzentos

anos, todas as propostas apresentadas pela nova análise social, por mais alternativas que

se julguem, tenderão a reproduzir o mesmo efeito de ocultação e descrédito” (SANTOS,

2010, p. 94).

Sendo assim, pensar em possibilidades é um dos aspectos pontuados por

Boaventura Santos (2002) na medida em que altera o único caminho explorado e

enaltecido pela tradição filosófica e científica ocidental, onde a história repete

cotidianamente as semelhanças e engessamentos das explicações racionais. É justamente

essa racionalidade que impede a credibilidade e validade de outras correntes alternativas

a já imposta. Portanto, reforça-se o desperdício das experiências que não atendem aos

propósitos estabelecidos no campo da razão metonímica.

Ao pensar a inserção de outras epistemologias45 nos currículos do Ensino

Superior, nesse caso o viés afro-brasileiro, a prerrogativa do Atiba-Geo, tem-se a

necessidade de argumentar e estruturar um raciocínio que explicite os motivos pelos quais

a racionalidade ocidental não deve ser a única perspectiva responsável por legitimar o uso

das experiências como fonte de pesquisas científicas. Caso contrário, a reprodução da

Geografia das Ausências não será centrada na inclusão do diverso, ou seja, da participação

de tantos outros conjuntos que correspondem à totalidade dos saberes que emanam das

alternativas desacreditadas pela verticalidade exacerbada na cosmovisão ocidental.

Criticar o padrão ocidental se configura na exposição do sistema globalizante que

aponta estruturas homogêneas, que no decorrer do cotidiano nega a espontaneidade de

práticas experienciais não correspondentes ao que é estabelecido como totalidade

racional. Nessa exclusão, que em muitos casos é reforçada pela razão arrogante46, temos

44 “Não se aplica a pensar o futuro, porque julga que sabe tudo a respeito dele e o concebe como superação

linear, automática e infinita do presente” (SANTOS, 2010, p. 95). 45 Utilizo o termo epistemologia a partir das colocações de Foucault (2002, p. 217): “A episteme, ainda,

como conjunto de relações entre ciências, figuras epistemológicas, positividades e práticas discursivas,

permite compreender o jogo das coações e das limitações que, em um momento determinado, se impõe ao

discurso”. 46 “A razão arrogante, que não sente necessidade de exercer-se porque se imagina incondicionalmente livre

e, por conseguinte, livre da necessidade de demonstrar a sua própria liberdade” (SANTOS, 2010, p. 240).

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evidenciada a não participação, ou participação ínfima, das epistemologias afro-

brasileiras e africanas como subsídios para pensar e articular teorias e metodologias.

Ainda no campo da crítica ao padrão ocidental, encontramos em Boaventura

Santos, as questões referentes à contração do presente e expansão do futuro, ou seja, nesse

viés o contrair significar tencionar para selecionar e manter dentro do ciclo hegemônico

particularidades historicamente e culturalmente (re)produzidas e assimiladas pelos

poderes e ditames eurocêntricos, posto que ao contrair, deixa-se de fora singularidades

étnicas as quais são tidas como inferiores, primitivas e despossuídas de razão.

Por outro lado, deve-se ater às alternativas com o princípio de contrair o futuro e

expandir o presente. Tal proposta está totalmente imbricada, também, na cosmovisão

afro-brasileira, cuja “prima pela diversidade e não pela imposição de modelos únicos”

(OLIVEIRA, 2003, p. 39), da inclusão do diferente, da efervescência da

interculturalidade, onde saberes experienciais, expurgados na contração do presente,

adquirem sociabilidades existenciais.

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Figura 27 - Confecção dos mapas das barreiras. Fonte: Atiba-Geo, 2017.

PELE V - BARREIRAS NA

IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03

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4.1 - Encruzilhadas para a implementação da lei 10.639/03

Estou muito inquieto com todo o processo do Atiba-

Geo. Entro em contato com vários textos que

elucidam experiências belíssimas com a condução

da Sociopoética. Me empolgo. Reflito! Vejo

possibilidades para realizar atividades semelhantes

com os alunos da UFBA. Porém, não tenho

conseguido avançar. Tenho verificado como estou e

sou engessado. Constato como a minha criatividade

foi ao longo do tempo rejeitada. O meu corpo-

território precisa de rachaduras. O meu corpo-

território precisa despencar. Precisa se permitir a

inserir os dispositivos artísticos no ato educativo do

Atiba-Geo. (Diário das Trocas de Peles, Eduardo

Miranda, 2017).

A feitura desta tese de doutoramento traz a todo momento o meu auto processo

formativo, já que exponho as trocas das peles do meu corpo-território. Realizar esta

produção textual representou um desafio, não somente para os copesquisadores do Atiba-

Geo, mas sobretudo para a (re)construção do pesquisador que vos escreve. Fiz uma

imersão no meu campo singular, encontrei tantos sentimentos cristalizados, tantas

certezas fixadas no contato com a minha família e outros espaços de sociabilidade.

Caminhei muito até chegar em memórias do tempo da escola. Espaço escolar que deveria

ser um lugar de afetividade, mas quem em muitas das minhas lembranças repercute uma

territorialidade da coerção.

São travessias acessadas que evidenciaram os motivos pelos quais o meu corpo-

território resistia a trazer para si os dispositivos artísticos. Por muitas vezes tive medo de

levar para a sala de aula alguma atividade com recortes que solicitasse aos educandos sair

das cadeiras, sentar-se no chão, ocupar a parte externa da sala de aula. Conseguia com

muita facilidade trazer, no campo da verbalização a provocação que visivelmente fazia

com que os alunos mexessem o corpo por inteiro, mas ainda sentia falta de

desterritorializar a sala de aula e reterritorializar uma didática que dispensasse o linear, o

corriqueiro em qualquer sala de aula do nível superior. Nesse cenário, fui descobrindo

que a pesquisa também é um espaço onde o corpo-território-epistêmico consegue se

desmanchar, se desconstruir e criar um outro corpo-território-docente:

Corpo que resiste

Resiste para viver

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Vive para contrariar

Contraria porquê se torna crítico

Critica para a autonomia

Autonomia para protagonizar

Protagonizar para tensionar

Tensionar a objetificação

Objeto do CIS-tema

CIS para realimentar

Tema para provocar

Provocar para construir

Construir territórios

Territórios de poder do corpo

Corpo que encontra o território

Corpo-território descamado para a interculturalidade

(Diário das Trocas de Peles, primeiro semestre de 2018).

Ter a consciência da minha dificuldade em viver a arte de corpo todo só se deu no

trato com o Atiba-Geo e consequentemente no mergulho na Sociopoética. Mesmo assim,

decidi que para movimentar seria necessário a execução de alguma atividade corporal

com os copesquisadores, já que “[...] a transformação de uma ideia numa forma pode

implicar longa gestação, uma espera. Durante este intervalo em que o tempo se

desacelera, há um trabalho invisível da invenção [...]” (KASTRUP, 2007, p. 116).

Conversei com o tempo, respeitei o meu processo, mas senti a necessidade de concretizar

o desejo do acontecimento, onde o meu corpo-território se desafiou a movimentar:

Nanã que te deu a lama da vida

Exu que te deu o movimento para transitar

Nessas encruzilhadas Olodumaré te criou

Vá com bases nutrir transformações

Quebre o sólido

Brote no impossível

Banhe o encharcável

Transite pelo indisponível

Viva o corpo-território-lama

Atravesse o diferente

E o deixe te rachar

Respeite o seu tempo

Só não esqueça que o mangue precisa se movimentar

(Diário das Trocas de Peles, Eduardo Miranda, primeiro semestre de

2018).

Ter a consciência de que somos frutos das transformações, de que o nosso corpo-

território vive a trocar de pele e que é preciso se permitir traçar caminhos ainda não

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desbravados corrobora com o quinto princípio da Sociopoética, para o qual acessar a

ancestralidade pode levar ao interdito, o improvável, o inexplicável, a “[...] tudo aquilo

que tanto a filosofia como a ciência tradicionalmente menosprezaram e rechaçam: a

subjetividade, a incerteza, a provisoriedade, o corpo, a fugacidade, a finitude, a vida...”

(LARROSA, 2016, p. 40).

Neste sentido, o trabalho com o corpo evoca e invoca posicionamentos ancestrais.

“Assim, a espiritualidade no pesquisar toma uma forma iniciática por meio da descoberta

de que nosso saber é abertura para um não saber radical”. (ADAD, 2014, p. 56). Para tal,

comecei a verificar que as rodas de diálogos suplicavam por outras vias, sendo que as

mesmas desterritorializavam o formato da sala, realinhava os viés de produção do

conhecimento acadêmico, porém o engessamento nas cadeiras continuava.

Então, novamente acionei a Exunêutica do Desenho Singular e propus uma

atividade Sociopoética inspirada na “técnica rabiscos rizomáticos”47. A proposta surgiu

após discutirmos no Atiba-Geo como se apresenta as questões da Lei 10.639/03 no

currículo formativo dos professores de Geografia da UFBA. Ao longo das discussões os

copesquisadores foram encaminhados para realizar observações na escola pública no

município de Salvador. Solicitei que eles exercitassem a escuta e o olhar sensível durante

a passagem pela escola e que nesta sensibilidade estivesse presente os temas discutidos

em nossos encontros sociopoéticos.

Transcorrido o período de observação retornamos a sala da FACED/UFBA para

em coletivo compartilhar as inquietações, as constatações, as transformações, enfim,

todas as questões que tivessem vontade de trazer para a nossa circularidade. Contudo,

reservei às copesquisadoras uma proposta diferenciada com um outro formato de sala de

aula (Fig. 31).

47 Atividade presente no artigo: OLIVEIRA, M. D. R. ; FERNANDES, E. S. ; ADAD, Shara Jane. H. Costa .

TÉCNICAS RABISCOS RIZOMÁTICOS DA ALEGRIA NA ESCOLA. In: Shara Jane Holanda Costa

Adad; Sandra Haydée Petit; Iraci dos Santos; Jacques Gauthier. (Org.). TUDO QUE NÃO

INVENTAMOS É FALSO. 1ed.Fortaleza - CE: Editora da Universidade Estadual do Ceará - EdUECE,

2014, v. , p. 359-378.

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Figura 28- Barreiras na implementação da lei 10.639/03. Fonte: Atiba-Geo, 2016.

Acordamos o nosso encontro para às 8:30 h do dia 13 de setembro de 2016 na sala

de ginástica da FACED/UFBA. Cheguei com 30 minutos de antecedência e organizei

toda a sala com o objetivo de retirar a centralidade nos acentos das cadeiras, colocando-

as enfileiradas nas paredes da sala e abrindo um enorme espaço no centro da sala.

Exercitei dois princípios da Sociopoética que aponta a experiência de corpo todo e

pesquisar com dispositivos artísticos. A partir desses princípios reterritorializei o nosso

espaço de encontro.

A turma compareceu no horário combinado, dentre eles estavam 3 dos 4

copesquisadores responsáveis por construir o Atiba-Geo. Aguardamos a chegada de todos

os discentes, os quais me perguntavam insistentemente por qual motivo a sala estava com

uma configuração diferenciada. Tais inquietações e curiosidades tornaram-se indicativos

de que a experiência construída naquela data seria, no mínimo, provocativa:

[...] fomos convidados a participar de uma aula diferente. A aula

consistia em trabalhar diferentes experiências que não são trabalhadas

na nossa fase adulta, tenho a convicção que estamos fortemente

atrelados a modernidade, onde rupturas no sistema são banalizadas.

Fazer uma aula que contradiz o conceito eurocêntrico de educação,

causa muito espanto para a comunidade acadêmica [...]. Fizemos uma

aula numa sala da FACED, aula diferencial, onde sentamos ao chão e

utilizamos nossas experiências, gostei muito dessa experiência e

confesso que tal aula, despertou o meu imaginário adormecido.

(Narrativa expressa pelo copesquisador Gana. Diário das Trocas de

Peles, 2016).

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A narrativa do copesquisador Gana traz elementos interessantes e que justificam

a importância dos dois princípios sociopoéticos (corpo todo e dispositivos artísticos)

utilizados para viabilizar a produção do confetos do Atiba-Geo. O copesquisador elucida

que na experiência aqui descrita o seu corpo-território apreendeu o fazer acadêmico por

uma outra estrutura de sala de aula. A simplória reorganização do espaço educativo ao

trocar a cadeira pelo chão consegue provocar outras perspectivas a respeito da relevância

em se perceber produtor do conhecimento. Associado a isto, a copesquisadora Preta

aponta:

A atividade realizada em sala de aula se inicia com um rompimento no

formato das anteriores: ao invés de nos sentarmos em cadeiras,

sentamos no chão, em roda, o que já nos coloca alguns

questionamentos, como por exemplo, o porquê daquilo soar tão

estranho ao nosso cotidiano e os motivos dessa possibilidade ser tão

distante do que pensamos para a educação básica. (Narrativa expressa

pela copesquisadora Preta. Diário das Trocas de Peles, 2016).

Ambas narrativas apresentadas pelos copesquisadores tecem o estranhamento

com a desterritorialização da sala de aula e como a organização padrão dos espaços

educativos reproduz um legado de adestramento do corpo-território. O corpo-território-

anestesiado, enfileirado, encaixado em um ponto fixo, de costas para o outro corpo-

território apresenta dificuldade de pôr em ação a sensibilidade perante a realidade do

outro. O corpo-território-anestesiado, educado e sentado reforça a hierarquização

racional e mentalista, posto que, “[…] o eurocentrismo levou todo o mundo a admitir que,

numa totalidade, o todo tem absoluta primazia determinante sobre todas e cada uma das

partes” (QUIJANO, 2010, p. 94).

Contrariando a tomada de uma parte para explicar a totalidade, reforçamos que o

corpo-território-contra-hegemônico se forja com o despencar da cadeira, se forja com as

alteridades, as quais precisa dos veios das interculturalidades para construir posturas

críticas, acolhedoras e, sobretudo, sensível à humanização dos demais. A roda desenhada

pelos corpos na atividade do Atiba-Geo proporcionou que pessoas que iniciaram os seus

estudos na UFBA no mesmo período e no mesmo curso tivessem a primeira oportunidade

para olhar, ouvir, sentir e trocar experiências com os seus semelhantes. As diferenças, as

particularidades, as experiências assumiram a centralidade da roda, com a construção de

hierarquias compartilhadas.

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Caminhando mais um pouco, o encontro se construiu baseado em acordos, dentre

eles, solicitei que todos aguardassem em pé e esquecessem que tínhamos cadeiras.

Fizemos um círculo, convidei que quem tivesse vontade poderia ficar descalço e comecei

retirando o meu tênis. Alguns deram risadas, outros ficaram receosos, mas quando a

copesquisadora Preta retirou a sandália a maioria acompanhou. Detalhar este momento é

muito significativo para uma pesquisa Sociopoética por compreender que ações e reações

dos copesquisadores pode indicar de que forma cada corpo-território recebe e assimila

as atividades corporais acionadas pelo pesquisador facilitador.

Dando continuidade, combinei com o grupo que emitiria alguns comandos e que

eles, na medida que fosse se sentindo confortável, atendessem as minhas indicações.

Comecei a circular aleatoriamente pela sala e pedi que fizessem o mesmo. Expliquei que

a construção do conhecimento precisa ser sentida, necessita ser feita de corpo todo, que

não cabe mais “porquê fazer” e que devemos enfatizar o “como fazer”, ou seja, aprender

que o método, o caminho, a feitura protagonizada pelo seu próprio corpo-território é que

provoca a compreensão das coisas, das ações, da vida, das experiências, como destaca

Larrosa (2016, p. 28):

Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é

um território de passagem, então a experiência é uma paixão. Não se

pode captar a experiência a partir de uma reflexão do sujeito sobre si

mesmo enquanto sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de

possibilidade da ação, mas a partir de uma lógica da paixão, uma

reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional.

Por isso, os copesquisadores precisam ser estimulados a perceber que trilhar a

Sociopoética significa um contato mais íntimo com a sua espiritualidade, bem como com

a dos outros copesquisadores. Caminhar pela Sociopoética é ter enviesado as

coletividades. Sendo assim, na condição de pesquisador facilitador, solicitei ao grupo que

ao circular pela sala se permitisse olhar nos olhos dos colegas. Em seguida, voltamos a

constituir um círculo com todos em pé. Me direcionei a copesquisadora Preta e indiquei

a ela a função de propor alongamentos corporais: “Outro ponto interessante foi a

introdução do corpo e dos seus movimentos, já que este fica sempre em segundo plano,

como se não fizesse parte de nós” (Narrativa expressa pela copesquisadora Preta. Diário

das Trocas de Peles, 2016). A escolha desta copesquisadora se deu pelo fato de ter

dividido outros espaços com ela e em uma outra atividade ela ficou responsável por

realizar rituais de respiração e ativação da musculatura corporal.

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Ademais, quando a copesquisadora Preta afirma que a corporeidade costuma ser

desvalorizada ela reflete sobre a dicotomia corpo e mente, o que mais uma vez nos leva

a perspectiva ocidental, eurocêntrica de civilização. Para este grupo o intelecto

sobrepõem-se às afetações que chegam e atravessam o corpo-território. Contudo, realizar

esta pesquisa com a formação de professores é imprescindível o trato com as questões

identitárias de cada copesquisador, assim como as suas visões de mundo. Caso contrário,

o desperdício das perspectivas societárias fragiliza a construção das redes entre os

diferentes. Assim como ressalta Gomes (2000, p.42):

O corpo fala a respeito do nosso estar no mundo, pois a nossa

localização na sociedade dá-se pela sua mediação no espaço e no tempo.

Estamos diante de uma realidade dupla e dialética: ao mesmo tempo

que é natural, o corpo é também simbólico.

Após o alongamento, convidei todos e todas a sentar no chão e expressar o que

estavam sentindo sobre a desterritorialização e reterritorialização da proposta do nosso

encontro. A maior parte indicou surpresa com o movimento da aula e que inicialmente

foi um grande desafio realizar os comandos direcionados ao grupo. Durante o diálogo

verifiquei que os copesquisadores apresentaram um sentimento similar ao meu: medo de

despencar e rachar o corpo-território. A arte provoca esta tensão pelo fato de exigir a

nossa entrega de corpo todo, do corpo que olha o outro e sabe que está sendo analisado.

O corpo-território tem sido educado para o silêncio e quando encontra a possibilidade de

se expressar de variadas formas não sabe se colocar e recorrer imediatamente ao campo

das palavras.

Então, mais uma vez, para fugir da linearidade da comunicação no campo das

palavras, convidei os copesquisadores a realizar uma atividade com o auxílio da

Exunêutica do Desenho Singular. Entreguei a cada uma folha de papel em branco e um

lápis. Expliquei que naquele momento faria outros comandos para a concretização da

proposta e que faríamos uma cartografia sobre os obstáculos encontrados na escola para

a efetivação da lei 10.639/03. Todas compreenderam e concordaram. Em seguida, alertei

que a partir daquele momento, a visão deveria ser suprimida com a intenção de aguçar

outros sentidos e consequentemente fugir do unidimensional. Deixar o olhar que

automaticamente aciona a razão e prospectivar outros sentidos, “enfatizar que outras

partes do corpo pensam não significa dizer que a razão não serve para nada mais, [...],

mas trata-se de acrescentar elementos do corpo a essa razão que não consegue dar conta

de tudo em todos os momentos” (ADAD, 2005, p. 219).

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Iniciado o processo de ocultação da visão dos copesquisadores passamos a seguir

os traçados da Exunêutica a partir de alguns direcionamentos, os quais foram repercutidos

na técnica a seguir:

ENCRUZILHADAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/0348

Agora que estão sentados no chão, lápis na mão e um papel em branco na frente na sua

frete, coloque a ponta do lápis sobre o papel. Afastem as pernas. Vamos fechar os olhos

e respirar três vezes, profundamente. Imagine uma luz dourada que vem do alto,

envolvendo todo o seu corpo e penetrando em todos os seus órgãos. Essa luz vai te

transportar para uma escola da rede pública...Pode ser a escola que você estudou, pode

ser uma escola que fez observação de estágio ou qualquer outra unidade de educação

por onde você tenha transitado...Sinta o cheiro do território que você está acessando.

Veja as pessoas circulando ao seu redor. Ouça os sons. Agora, com lápis na mão vamos

adentrar nos espaços da escola. Nesse percurso, tudo é cheio de surpresas! Com o lápis

na mão, rabisque o papel sem tirar o lápis do papel, aproveitando bem os espaços,

experimentando os movimentos, vamos rabiscar bem lentamente, explorando todos os

espaços do papel. Agora, rabisque rápido bem rápido, muito rápido... Neste exato

convido vocês a exercitar o olhar sensível na escola que se encontra e visualizar como

esta unidade executa a Lei 10.639/03. Veja quais são as etnias que presentes na escola,

na sala de aula. Observe a etnia dos professores e professoras, dos educandos, da

direção...quem é a pessoa responsável pela merenda, pela portaria da instituição...veja,

observe a etnia, cor/raça. Pare e respire profundamente por 3 vezes. Transite mais um

pouco pela escola. Neste momento você se depara com o primeiro obstáculo que te

impede de implementar Lei 10.639/03. Demarque no seu mapa um ponto em

destaque. Faça um símbolo que reforce a primeira referência destacada. Deixe a

primeira barreira seguir o seu trajeto e volte a circular pela escola. Você caminha com

o lápis na mão, olha para os lados, observa o caminho que te levará, de longe visualiza

algum funcionário da escola, dialoga com ele segue o seu percurso. Virando para um

dos lados, se esbarra no segundo obstáculo que te impede de implementar Lei

48 Texto adaptado da atividade presente no artigo: OLIVEIRA, M. D. R. ; FERNANDES, E. S. ; ADAD,

Shara Jane. H. Costa . TÉCNICAS RABISCOS RIZOMÁTICOS DA ALEGRIA NA ESCOLA. In: Shara

Jane Holanda Costa Adad; Sandra Haydée Petit; Iraci dos Santos; Jacques Gauthier. (Org.). TUDO QUE

NÃO INVENTAMOS É FALSO. 1ed.Fortaleza - CE: Editora da Universidade Estadual do Ceará -

EdUECE, 2014, v., p. 359-378.

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10.639/03. Novamente demarque em seu mapa e evidencie quem ou o que representa

esta barreira. Respire profundamente para seguirmos o transitar pela escola. No

corredor você acaba de encontrar com um professor ou professora que te traz

lembranças positivas do seu tempo na escola. Olhe nos olhos dela e abrace com

muito amor. Converse sobre o que tiver vontade...Lentamente vá se despedindo... De

repente, você enxerga de longe uma ponte... Você chega até a ponte. Mas, só atravesse

a ponte se você considerar que está preparado para trabalhar com a Lei 10.639/03.

Então, após encontrar obstáculos pela escola, você se considera uma barreira ou uma

via de implementação da Lei? Você está atravessando a ponte ou está com dúvidas?

Reflita...Reflita...Retornando, você começa a voltar da viagem mexendo os pés,

lentamente mexa as pernas e os braços. Respire profundamente, abra os olhos. Não

converse com ninguém para não perder a concentração.

Os olhos dos copesquisadores foram abrindo lentamente, pouco a pouco as

expressões faciais inquietando-me. O desejo de ouvi-los, saber as suas narrativas,

descobrir como se deu o transitar pela escola, quais obstáculos encontrados, enfim, todas

potências provocadas pelo dispositivo artístico. Logo depois, pedi que voltassem os olhos

e os demais sentidos aos rabiscos cartografados no papel. Colocassem um título e uma

legenda, a qual deveria representar os obstáculos dispostos na escola imaginária.

Percorrer a escola do campo imaginário, projetá-la com os olhos vendados,

identificar obstáculos, dar nome à produção e em seguida explicar o desenho se encaixa

no dispositivo metodológico da Exunêutica do Desenho Singular, já que cada

copesquisador durante a atividade com os olhos fechados recebeu o convite para realizar

as três etapas próprias da Exunêutica: olhar para dentro de si (dialogar com o seu real,

com o seu protagonismo); escutar o que as suas memórias tem para dizer (a autoescuta

desestabiliza a racionalidade europocêntrica e contraria a hegemonia capitalista);

desenhar para viabilizar o processo de comunicação (expor, por uma comunicação não

linear, o que afeta o nosso corpo-território).

Diante disso, defendemos que o ato da comunicação, da dialética, prevalece no

forjar do corpo-território-decolonial. A seguir iremos expor os rabiscos desenhados pelos

copesquisadores e compreender de que forma o transitar pela escola imaginária replicou

as nossas discussões sobre a Lei 10.639/03 e o espaço escolar.

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O copesquisador Gana repercutiu a atividade como algo que valoriza “a interação

dos nossos corpos e sentimentos” e complementou afirmando que desenhar com os olhos

fechados provoca experiências diferenciadas que “aumenta a minha visão de mundos e

possibilita a compreensão da história que não é contada e nem vista” (Narrativa expressa

pelo copesquisador Gana. Diário das Trocas de Peles, 2016). Em relação a produção

desenhística, batizou o seu mapa de “Explorando o imaginário” (Fig. 32), que de acordo

com a sua explicação recebeu este nome por contrapor a educação tradicional a qual

rejeita a relevância dos sentidos.

Figura 29 - Mapa confeccionado por Gana. Fonte: Atiba-Geo, 2016.

Em relação aos obstáculos encontrados para a efetivação da lei 10.639/03 o

copesquisador Gana aponta que a maior problemática está na direção da unidade escolar:

Apesar da lei 10.639 ser regra, muitas vezes a direção da instituição

não é preparada para aplicar tal lei ....tenho como referência o colégio

[nome omitido], onde fui estagiário por mais de 3 anos! É preciso que

a direção do colégio tenha a competência necessária para aplicar tal

lei, pois a responsabilidade não é somente do professor. Todo o

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suporte administrativo, institucional, operacional tem a

responsabilidade de trabalhar com a lei 10.639. (Narrativa expressa

pelo copesquisador Gana. Diário das Trocas de Peles, 2016).

A narrativa do copesquisador expressa a relação de poder existentes na maioria

das escolas, onde em muitos casos a perspectiva pedagógica do educador de sala de aula

não encontra o mesmo viés da direção da escola. Acaba-se criando zonas de conflitos e o

que deveria ser construído em parceria coletiva torna-se pautas de alguns membros do

corpo docente. No que tange a execução da Lei 10.639/03 nas escolas, tem-se registrado

inúmeros casos de professores, direção, coordenação e famílias que se esforçam para a

não aplicabilidade da cultura e história africana e afro-brasileira. Esta ação evidencia o

racismo epistemológico contra os conhecimentos produzidos pelos povos negros. Sendo

assim, a pesquisadora Silva (2007, p. 490), destaca:

[...] o processo de educar as relações entre pessoas de diferentes grupos

étnico-raciais tem início com mudanças no modo de se dirigirem umas

às outras, a fim de que desde logo se rompam com sentimentos de

inferioridade e superioridade, se desconsiderem julgamentos

fundamentados em preconceitos, deixem de se aceitar posições

hierárquicas forjadas em desigualdades raciais e sociais.

Portanto, se a referida Lei intenciona educar as pessoas para uma sociedade

antirracista, cabe ao conjunto didático-pedagógico da escola a busca por formação

continuada que atenda às diretrizes da Lei e dos documentos oficiais da Educação. O jogo

de empurra vigente nas escolas tem priorizado com muita ênfase as questões raciais,

gênero e sexualidade. Se negar a inserir no currículo o trato com as epistemologias acaba

a reforçar que a unidade escolar escolheu o campo do racismo estrutural.

Ainda sobre os obstáculos, o copesquisador Dondeville criou um mapa intitulado

“Experiências na Escola” (Fig. 33). Segundo ele, as barreiras para a implementação da

Lei 10.639/03 é o professor e a direção da escola.

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Figura 30 - Mapa confeccionado por Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, 2016.

Diferentemente do copesquisador Gana, o copesquisador Dondeville atribui a

responsabilidade aos dois âmbitos da Educação: docência e direção. O que me inquieta é

que ambos copesquisadores não destacaram barreira que estejam para além do muro das

escolas. Será cabe apenas ao professor e a gestão da escola a responsabilidade sobre a Lei

aqui discutida? O corpo-território-docente deve buscar olhares que não culpabilize,

apenas ou sempre, o educador pelas problemáticas existentes nas escolas. Não podemos

esquecer que escola é um aparato do Estado e a forma como a governança se relaciona

com o espaço educativo aponta quais caminhos a política nacional, estadual e municipal

perspectivam para a formação do seu povo.

É válido para o Estado investir em uma Educação Étnico-Racial? Quais os

benefícios para o Estado em intensificar a formação antirracista? De acordo com os dados

do IBGE a população negra e parda brasileira ultrapassa 51% do número total e

habitantes. A maior parte está matriculada nas escolas públicas e são pertencentes a classe

trabalhadora. Então, volto a questionar: É válido para o governo educar a população negra

e parda a conhecer os valores epistemológicos oriundos das diásporas africanas?

Por outro ângulo de análise, a copesquisadora Preta, criou um mapa intitulado

“Percursos de uma superação educativa: do indivíduo à totalidade” (Fig. 34):

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Figura 31- Mapa confeccionado por Preta. Fonte: Atiba-Geo, 2016.

Para a copesquisadora Preta, o seu caminhar pela escola imaginária a fez encontrar

como barreira o currículo escolar. Sobre este obstáculo a copesquisadora atribuiu o ensino

conteudista uma das prioridades do currículo e que em consequência renega as demandas

da Lei 10.639/03. Se o currículo é um campo de poder, em uma sociedade racista, como

o caso brasileiro, os conteúdos priorizados pelo corpo docente segue um viés epistemicida

ao negligenciar a educação das relações étnico-raciais, a qual “exige de brancos e negros,

trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de

uma sociedade justa, igual, equânime” (BRASIL, 2004).

Sobre a passagem pela ponte, os 3 copesquisadores apontaram não sentir

preparado para cumprir a passagem. No entanto, afirmaram que por ser se tratar de uma

abordagem embrionária para eles, estariam dispostos a futuramente, após muitos estudo

sobre as culturas negras, atravessa a ponte e propor uma educação antirracista.

4.2 – Tríade cíclica: corpo-território-racista, corpo-território-ancestralidade,

corpo-território-formação

A formação docente deve abarcar um mosaico de dimensões epistemológicas com

reverberações identitárias que oportunize ao corpo-território-docente a ter um trato

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sistematizado com as questões da diversidade e da diferença. Isso como processo

dialético, onde o educador se perceba, também, diferente e consiga trabalhar com o

mesmo realce ao se relacionar com as alteridades, perfazendo um movimento rico em

diferenças, mas não em desigualdades.

Nesse cenário, olhar o território escolar como um campo múltiplo de saberes,

etnias, desejos, culturas, entre tantos outros elementos subjetivos e concretos, já nos

desperta a intencionalidade em buscar dispositivos para que os educadores ultrapassem

barreiras visíveis e invisíveis arquitetadas por padrões hegemônicos, silenciadores das

diferenças e mantenedores de ideologias verticais.

Em muitos casos, a verticalidade instaurada e ideologicamente reproduzida ganha

status de naturalizada. Isto, há muito tempo, tem me preocupado, posto que ao acessar as

próprias memórias percorro uma história pessoal e acadêmica completamente desenhada

para sustentar a segregação, a oficialidade padronizada, já que o máximo que nos é

ensinado é afirmar o discurso de sociedade miscigenada (CONSORTE, 2000) e escola

multicultural (CANDAU, 2008). Trago esses dois exemplos, não os encare como

ilustrativos, mas sim para argumentar que a Educação, dos espaços que percorri como

educando e por onde caminho como educador, legitima uma série de enquadramentos que

apenas apontam a diferença, contudo, não as problematizam, não as tencionam com a

explanação e exposição dos conflitos.

Dentro disso, surgem tantos questionamentos, o primeiro referente à minha

história de vida antes de acessar à acadêmica, similar de tantos outros que cursaram ou

não o nível superior: Por que a nossa educação formal e não formal aponta que somos um

povo miscigenado? Explicam-nos a origem e opção ideológica que reforça o que é ser

miscigenado? Nossas crianças, jovens e adultos se dão conta que miscigenação se

configura como uma das estratégias para diluir/negligenciar as discussões étnicas raciais

da nossa sociedade? Seria o discurso da miscigenação uma das ações para garantir a

previsibilidade do futuro?

Trazer para esta tese de doutoramento a discussão acerca da miscigenação do povo

brasileiro se deu a partir de algumas narrativas dos copesquisadores do Atiba-Geo e

sobretudo, quando fomos abordar os obstáculos para a implementação da Lei 10.639/03

na educação básica e os desdobramentos nas universidades. Em muitos casos, as barreiras

para a humanização das epistemologias africanas e afro-brasileiras são reforçadas pelo

fato de continuarmos a reforçar o pseudo discurso de que no Brasil existe a harmonia

racial.

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Convidar os brasileiros a repensar a miscigenação do seu corpo-território recai

em uma provocação que pode levar muitos dos que se afirmam miscigenadas a não

compreender por qual motivo se declaram pardos/miscigenados. Para Frantz Fanon

(2008) a colonialidade se nutre de duas formas de poder, o campo econômico e o campo

da internalização da inferioridade da epiderme negra. Tal colocação de Fanon nos ajuda

a perspectivar por qual motivo devemos tencionar a naturalização de que somos um povo

miscigenado, harmônico racialmente e democraticamente racial. Se assim fossemos, não

existiram nas escolas aos obstáculo com a lei 10.639/03 apontadas pelos copesquisadores.

Partindo para o campo da multiculturalidade abordada nos cursos de formação de

professores apresenta um caráter assimilacionista (CANDAU, 2008), posto que visualiza

a existência das diferenças e desigualdade, afirma a necessidade de ultrapassar essas

barreiras, porém não provoca rupturas de paradigmas, o que implica em transformação

individual, coletiva e institucional. Nesse viés, tenciono: O multiculturalismo

assimilacionista é reforçado pelo fato de não ameaçar a consolidação das verdades

estabelecidas?

A partir desses dois exemplos que perfilam a minha história de vida e de tantos

outros indivíduos é que assumo o compromisso de discutir, nos mais variados espaços

formativos, os conflitos étnico-raciais brasileiro, com ênfase nas culturas negras. Tenho

constatado que o desvelar do que é ser miscigenado reverbera, em muitos casos

acompanhados de perto por mim, uma ressignificação da identidade docente pautada na

prática (multi)intercultural. Por esses veios, que as certezas sólidas da ciência racionalista

começam a apresentar fraquezas estruturais ao ponto de provocar rachaduras e

desarranjos no convívio social e coletivo. Outras verdades são convidadas a acessar o hall

da totalidade instaurada, bem como fertilizar olhares metodológicos que existiam em

paralelo, geralmente repercutindo em pequenas comunidades, em guetos, grupos de

resistências, tais como os movimentos de saberes africanos e afro-brasileiros. Para a

pesquisa Petit (2009) a problemática da negação ao reconhecimento afroancestral

perpassa pela dor provocada pelas diásporas africanas:

Afunilando essa problemática para a área da formação e intervenção

pedagógica, a questão se coloca de forma extremamente aguda quando

percebemos a dificuldade que muitos de nós, afrodiaspóricas/os, temos

em admitirmos e afirmarmos nosso vínculo afroancestral. Sabemos que

esse comportamento é fruto dos males históricos decorrentes do

desterro involuntário de milhões de africanos para o continente

americano para assumirem funções subalternizadas no âmbito de um

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sistema escravista atravessado por profundas desigualdades e processos

de destituição da pessoa negra. (p. 3)

Nessa perspectiva, ao propor um estudo com cunho étnico-racial trago as minhas

experiências, essas desde o período do corpo-território-racista (passagem da minha vida

na qual reproduzia com muita tranquilidade frases e ações com alto teor racista), passando

pelo corpo-território-ancestralidade (período que iniciei a desconstrução do corpo-

território-racista e comecei a compreender que a minha identidade étnico-racial soterrava

as contribuições das culturas afro-brasileiras; para alcançar o corpo-território-

ancestralidade foi necessário reconhecer a existência do corpo-território-racista) e

cheguei ao corpo-território-formação (itinerância inacabada que cotidianamente requer

estudos, pesquisas, trocas e compartilhamentos tanto no âmbito acadêmico como nos

espaços não escolares, ou seja, na incompletude cultural da vida).

Tais transições não ocorreram de forma repentina, demandou tempo e ainda requer

entrega constante e não aniquilamento existencial do corpo-território-racista, é preciso

tê-lo por perto para não correr o risco de repetir ações que comprometam os fluxos do

corpo-território-formação. São circunstancias que se configuram como processo de

reconstrução de práticas, saberes, os quais estão o tempo todo acessando as memórias e

reavivando lembranças e, sobretudo intentando buscar quem me antecedeu, já que “[...] o

indivíduo é inseparável de sua linhagem, que continua a viver através dele e da qual ele

é apenas um prolongamento” (HAMPÂTÉ BÂ, 2003, p. 23). Portanto, a urgência do

corpo-território-formação instigou e o mesmo tempo oportunizou o trilhar desta

pesquisa, a qual não omite a minha trajetória e assim como Nascimento (2002, p. 79):

Não posso e não me interessa transcender a mim mesmo, como

habitualmente os cientistas sociais declaram supostamente fazer em

relação às suas investigações. Quanto a mim, considerar-me parte da

matéria investigada. Somente da minha própria experiência e situação

do grupo étnico-Cultural a que pertenço, interagindo o contexto global

da sociedade brasileira, é que posso surpreender a realidade que

condiciona o meu ser e o define.

As minhas subjetividades pedem para ter participação nessa construção ética e

política, posto que a mutabilidade identitária pode levar um indivíduo a sair da anestesia

étnica-racial que a ele é imposta e/ou assimilada inconscientemente. A saída do campo

da anestesia, a depender da forma que é construída, pode levar homens e mulheres a

perceber que durante a sua trajetória de vida não conseguiu se dar conta de que a sua

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realimentação social estava pautada em uma ideologia responsável por soterrar e negar

as linhagens anteriores e responsáveis por constituir parte do que são enquanto seres

étnicos-culturais.

Portanto, pensar em uma metodologia de pesquisa que abarque, também, o

desvelar de histórias e memórias escondidas requereu de mim uma busca muito intensa

em descobrir quem foram os meus ancestrais e compreender o motivo pelo qual tanto no

espaço familiar, quanto no currículo escolar, esses atores e atrizes negros não possuem

representatividades. Ao pensar sobre isto, comungamos das ideias da professora Luz

(2000, p. 30):

consideramos importante de descendência africana adquira um

conhecimento reflexivo sobre si mesma, não só para distinguir e

assumir plenamente a sua originalidade, sua riqueza étnico-cultural,

mas para permitir um exame analítico de sua situação, de seu destino

na sociedade envolvente, para poder participar ativamente na condução

desse destino, considerando seu próprio enfoque, experiência,

concepções e interesses.

Construir o Atiba-Geo provocou e ainda provoca muitas rupturas no meu corpo-

território, por diversos aspectos, mas pelo fato de ter acesso a histórias de alunos e alunas

que visualmente não conseguem esconder a sua origem ancestral, mas que no campo do

cognitivo e na esfera política omitem, intencionalmente ou não, e desconhecem as suas

ancestralidades. Mais uma vez recorremos a pesquisadora Luz (2000, p. 38), ao afirmar:

Ergue-se, aí, uma pedagogia do embranquecimento que, mediante a

comunicação escrita, exigirá um corpo adaptado aos valores ocidentais

e submisso a uma disciplina incessante, individualizando-o,

docilizando-o e o adestrando-o em função de um espaço e tempo

fincados em paradigmas positivista, produtivistas e ascéticos,

organizadores do sistema social da modernidade.

Além disso, tenho verificado que sujeitos que visualmente não são enquadrados

como negros serem tocados pela discussão, começam a constatar que parte do seu

discurso tem um cunho racista, um viés de preconceito racial velado. Em alguns casos

são falas e gestualidades reproduzidas automaticamente e que precisam ser debatidas para

que ocorra a desconstrução de posturas.

A busca por conhecer e trabalhar com o legado africano e afro-brasileiro é pontual

nas rupturas de paradigmas e identificações pessoais, compreendo isso a partir da

oralidade de uma graduanda em Geografia: “Conhecer a história do povo africano e afro-

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brasileiro e ver pessoas parecidas com você provoca o encantamento”49. Então, propor

encantamentos é uma das nossas propostas, já que esse encantamento traz consigo o

trabalho com a auto estima, representatividade, empoderamento, entre tantos outros

aspectos que contribuem para homens e mulheres negros ver significado no currículo

escolar.

4.2 - Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros na Educação Geográfica

Traçar o caminho desta tese com veios de desconstrução pessoal e ressignificação

identitária se deu de forma intencional, visto que acredito ser necessário por em evidencia

a minha auto formação, bem como os aprendizados que venho experienciando ao longo

das etapas formativas e formadoras. Neste âmbito, ao assumir o compromisso profissional

de intensificar a Educação Geográfica Étnico-Racial, tenho tentado estabelecer diálogos

com as epistemologias articuladas no Kit a Cor da Cultura, com ênfase no livro Modos

de brincar: caderno de atividades, saberes e fazeres organizado por Brandão e Trindade

(2010). Na referida produção textual, as autoras trazem para o centro da Educação os

Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros, que na concepção da pesquisadora Trindade

(2010, p. 13):

[...] juntar fragmentos e nos reencontrar com as palavras polissêmicas e

polifônicas: valores, talvez, fundamentos morais, éticos e comportamentais

que nos são significativos e importantes; civilização, talvez, conjunto de

produções materiais e imateriais de uma sociedade. No nosso caso, não

significa a higienização do humano, nem seu apartamento da natureza, nem

uma evolução; afro-brasilidade, talvez, maneiras, possibilidades de matrizes

africanas ressignificadas pelo modo de ser dos brasileiros/as.

Portanto, inserir ou evidenciar os valores civilizatórios afro-brasileiros (Fig. 35)

atende ao que Santos (2002) denomina de não desperdiçar as experiências, sobretudo, as

experiências dos grupos subalternizados. Com isso, os copesquisadores do Atiba-Geo

foram provocados a discutir e refletir sobre os seguintes valores: energia vital, ludicidade,

territorialidade, corporeidade, ancestralidade, cooperativismo, oralidade, ludicidade,

circularidade, memória e musicalidade.

49 Narrativa de Suiane Leal, egressa da Licenciatura em Geografia da [omitido para avaliação], ao cursar,

sob a minha regência, o componente de Estágio Supervisionado em Geografia e após ministrar a oficina

“Ancestralidade e Ensino de Geografia”.

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Figura 32- Valores civilizatórios afro-brasileiros. Fonte: Modos de Brincar (2010).

Levar em consideração os valores supracitados reverbera em tensionar o currículo

da educação básica, assim como a perspectiva educacional pautada no nível superior.

Nesse cenário, instaura-se as relações de poder que visa legitimar o que deve ou não ser

(re)produzido na formação das crianças, jovens e adultos. Então, ao convidar o professor

Milton Santos (1978, p.122) para o diálogo ele nos aponta que “o espaço é um verdadeiro

campo de forças cuja formação é desigual. Eis a razão pela qual a evolução espacial não

se apresenta de igual forma em todos os lugares”. Visto assim, é que devemos buscar

formas de intensificar os laços entre a ciência geográfica e as relações étnico-raciais para

oportunizar que as contribuições africanas e afro-brasileiras caminhe em par de igualdade

com os valores ocidentais. Neste cenário, o Atiba-Geo realizou uma atividade de campo

e pesquisa no Museu Afro-Brasileiro – MAFRO/UFBA (Fig. 36) para convidar aos

copesquisadores intensificar o processo formativo em relação as epistemologias africanas

e afro-brasileiras.

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Figura 33 - Atividade de campo no Museu Afro-Brasileiro da UFBA. Fonte: Atiba-Geo, 2017.

As narrativas sobre a atividade no MAFRO/UFBA foram extremamente

relevantes, já que muitos educandos e educandas tiveram o primeiro contato com

conhecimentos sobre África, o que levou a ressignificação de muitos preconceitos. Por

esses veios, tenho visto recorrente a fala dos graduandos em Geografia sobre a não

ludicidade na práxis da Educação Geográfica, pois a formação em Licenciatura em

Geografia tem desperdiçado a afro-ancestralidade latente no corpo-território-discente.

Portanto, ao me deparar com os efeitos destas narrativas, busquei as leituras do professor

Luckesi (2014, p. 18), o qual elucida que a ludicidade ocorre "daquilo que lhe toca

internamente". Então, passei a devolver as provocações dos educandos e educandas com

a seguinte interpelação: Faz sentido tentar acionar o que "toca internamente" a partir da

Identidade Negra? Muitos deles não conseguiam compreender o que a minha colocação

buscava provocar. Destarte, verifiquei a necessidade de convida-los a trabalhar a

Educação Geográfica que dialogasse com o real público estudantil da educação básica do

município de Salvador, Bahia, ou seja, maioria de meninos e meninas, homens e mulheres

negros e negras. E caminhando, trago o professor Munanga (1986, p. 23), que dialoga:

A memória que lhe inculcam não é a de seu povo; a história que lhe ensinam é

outra; os ancestrais africanos são substituídos por gauleses e francos de cabelos

loiros e olhos azuis; os livros estudados lhe falam de um mundo totalmente

estranho, da neve e do inverno que nunca viu, da história e da geografia das

metrópoles.

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Talvez, uma das possibilidades para a Educação Geográfica se tornar lúdica esteja

no diálogo entre as práticas educativas com as reais corporeidades que compõem o chão

da escola. Por enquanto, o olhar monocultural fecunda os discursos formativos e forjar

um corpo-território pautado na crença da miscigenação.

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Figura 34 - Obra Miltoniano. Autor: Menelaw Sete.

PELE VI – CONTRA-ANÁLISE

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6.1 – Contra-análise: revisitando as primeiras peles do Atiba-Geo

“Quando não souberes para onde ir, olha para

trás e saiba pelo ou menos de onde vens”.

(Provérbio Africano)

Alcançar este momento da pesquisa Sociopoética reverbera um misto de emoções,

conflitos, receios de não ter traçado uma linha de pesquisa coerente com o que se espera

para uma tese de doutoramento. Este peso recai sobre o meu corpo-território, sobretudo,

por ter escolhido uma metodologia de pesquisa que a todo tempo provoca uma séria de

desvelamentos e fissuras. Inicio a contra-análise com muito medo de errar, de não

conseguir socializar os conhecimentos inventados em parceria com as copesquisadoras.

No turbilhão de receios, os quais não faço questão de omitir, pois acredito que

pesquisar não é um caminho reto, com certezas postas, com início, meio e fim definidos.

Pesquisar em Sociopoética com as encruzilhadas da Exunêutica nos leva, no mínimo, à

perceber que a bússola utilizada por outro pesquisador não se encaixa no caminho

transitado pelo meu corpo-território.

Contudo, ao organizar o encontro final com os copesquisadores me deparo com o

provérbio da epígrafe acima. Recebi a mensagem e associei aos ciclos das transformações

evidenciados na Filosofia de Oxumaré, ou seja, se trocamos de pele para criar outras

camadas não significa que devemos menosprezar as peles descamadas e perde-las no

tempo. A pele retirada no passado é a memória do nosso corpo-território, é o entre-lugar

dos acontecimentos, é o ciclo dos devires possibilitados pela serpente das circularidades.

Destarte, entrei em contato com os copesquisadores, expliquei que teríamos um

encontro e que neste momento faríamos uma contra-análise sobre o que produzimos no

Atiba-Geo. Na proposta inicial faríamos uma conversação em coletivo, com a presença

dos 4 copesquisadores, porém, por questões variadas os horários e distancias territoriais

não favorecia a todos e realizamos dois encontros presenciais. O primeiro com a

copesquisadora Preta, no dia 22 de novembro de 2018 às 10 h, na sala de ginástica da

FACED/UFBA. O segundo encontro presencial teve a partilha com o copesquisador

Dondeville, também no dia 22 de novembro de 2018, às 14 h, na mesma sala.

Diante disso, preparei uma recepção para os copesquisadores Preta e Dondeville.

Planejei o encontro dividido em dois momentos, o primeiro para expor os problemas

gerados pelas trocas de peles e o segundo momento para evidenciar os confetos e outros

personagens conceituais. Para o leitor, que porventura esteja chegando na Sociopoética,

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aproveito para reforçar que nesta metodologia de pesquisa os copesquisadores e o

pesquisador facilitador são seres potentes na criação de conceitos filosóficos:

A arte não pensa menos que a filosofia, mas por afectos e perceptos.

[...] É que o conceito como tal pode ser o conceito do t, tanto quanto o

afecto, afecto do conceito. O plano de composição da arte e o plano de

imanência da filosofia podem deslizar um no outro, a tal ponto que

certas extensões de um sejam ocupadas por entidades do outro.

(DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 81).

Arrumei a sala, mais uma vez, priorizando o corpo-território-docente que ocupa

o chão e que se permite a não linearidade do corpo no espaço escolar. Como o foco da

atividade demandaria um exercício de trabalho com as primeiras peles do Atiba-Geo,

optei em levar os 4 escudos produzidos pelos 4 copesquisadores e os coloquei em um

canto da sala e diminuí a incidência da luz.

Logo pela manhã do dia 22 de novembro de 2018, acordei muito cedo, percorri

uma distância de mais de 100 km da minha residência até a FACED/UFBA para ter um

encontro com a copesquisadora Preta. A ansiedade tomava conta das minhas ações.

Estava com saudades, vontade de reencontrar, abraçar, olhar, afetar e ser afetado pelas

narrativas dos copesquisadores que veria naquele dia.

A copesquisadora Preta chegou no horário acordado. Fui ao seu encontro no pátio

central da FACED/UFBA. Nossos corpos se abraçaram e por alguns segundos sentimos

a energia do outro. Convidei-a para me acompanhar até a sala de aula. Ao entrar no espaço

da atividade falei com ela que gostaria que ela retirasse a sandália e sentasse comigo sobre

os colchonetes no chão. Prontamente ela atendeu o meu pedido e ficamos de frente um

para o outro. Para acionar os nossos corpos reservei a música “Exu nas escolas” da cantora

Elza Soares, no entanto, a FACED/UFBA estava sem internet o que inviabilizou a

execução da canção. Inicialmente fiquei decepcionado por não conseguir executar o plano

da forma que havia construído. Depois me dei conta que a letra da música poderia

direcionar o olhar dos copesquisadores e desarticular a espontaneidade no trato com as

análises que faríamos naquele dia.

Sentados um de frente para o outro, agradeci a copesquisadora Preta que pela

disponibilidade e por acreditar no Atiba-Geo. Expliquei a proposta da atividade daquele

encontro e solicitei que ela se levantasse, fosse no canto da sala indicado e pegasse um

dos 4 escudos que estavam espalhados sobre o chão (Fig. 38).

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Figura 35 - Produção da Contra-análise. Fonte: Atiba-Geo, 2018.

A copesquisadora retornou com um dos escudos, precisamente com o material do

copesquisador Peão, e novamente sentou sobre o colchonete. Identifiquei que ela

escolheu o escudo produzido por outro copesquisador. Perguntei se o escudo era o dela e

por qual motivo teria selecionado aquele para iniciar o nosso diálogo. A resposta partiu

da análise rápida feita por ela em relação aos desenhos traçados: “achei que ele tem

elementos que gosto. Esse desenho circular. A aprendizagem em círculo que é algo que

eu gosto”. Sobre a questão da circularidade por diversas vezes trabalhamos no Atiba-Geo

os valores civilizatórios afro-brasileiros, no qual o círculo se constitui como um dos

valores:

A questão do círculo, da roda, da circularidade tem uma profunda marca

nas manifestações culturais afro-brasileiras, como a roda de samba, a

roda de capoeira, as legendárias conversas ao redor da fogueira... No

candomblé, os iniciados rodam/dançam durante alguns rituais ou festas.

Com o círculo, o começo e o fim se imbricam, as hierarquias, em

algumas dimensões, podem circular ou mudar de lugar, a energia

transita num círculo de poder e saber que não se fecha nem se cristaliza,

mas gira, circula, transfere-se (TRINDADE, 2006, p. 98).

Encontrar na narrativa da copesquisadora Preta um dos valores civilizatórios

trabalhados no Atiba-Geo nos indica que alguns elementos do processo formativo chegou

aos seus sentidos e permaneceu. Com isso, não defendo ou afirmo que a compreensão da

copesquisadora sobre circularidade se deu exclusivamente no Atiba-Geo ou que não seria

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em outros espaços que o seu olhar sobre a temática circular se construiu. Apenas elucido

que a forma como articulamos a Educação Geográfica no Atiba-Geo esteve a todo tempo

pautada nas trocas de energias que uma roda de diálogos pode consubstanciar. Mesmo

assim, voltei a questionar se ela poderia apontar como se deu a sua concepção de

circularidade e disse:

Então, de teoria mesmo que eu me lembre é o texto de Boaventura,

aquele que a gente debateu (título do texto: Para uma sociologia das

ausências e uma sociologia das emergências”). E também a ACCS de

Pedrão (Professor Pedro Abib) que era muito isso. Mas, de teoria

mesmo, além das coisas da vida e da rua, foi o texto de Boaventura.

Além das coisas que fazíamos nas nossas aulas, que você fazia

propostas, das atividades que sempre eram em roda, o movimento de

uma roda. E pra mim circularidade também tem hoje uma relação com

o tempo, né? Me lembro de chegar muito inquieta na sua aula porque

Pedrão falava muito de tempo circular e como a gente não tinha leitura

e chegar na aula pra discutir Boaventura e ficar: por favor, eu quero

entender o que o tempo circular! Enfim, no início não seria pela

circularidade, mas pela relação entre os indivíduos.

Podemos verificar que a formação universitária, mesmo que em apenas dois

componentes curriculares um obrigatório e o outro optativo, contribuiu para inquietar o

corpo-território-docente da copesquisadora Preta e apresentar durante a formação da sua

identidade docente os valores civilizatórios afro-brasileiros. As memórias vasculhadas

para responder aos meus questionamentos transporta Preta às salas de aulas da UFBA em

semestres findados.

Ainda sobre a sua formação docente, lanço à copesquisadora a seguinte

provocação: Você acha que na formação da Educação Geográfica a gente precisa falar

sobre circularidade?

Consigo ver, sim. Vou tentar elaborar. Primeiro: na Educação eu já

acho que isso é necessário. Já que estamos falando de sujeitos que

estão se construindo enquanto agentes, pessoas que vão de algum modo

atuar na sociedade. Em Geografia...eu acredito que se a gente tá

falando de sociedade, a gente tá falando de uma relação...primeiro a

gente se desloca da natureza, a gente se separa porque para a

perspectiva colonial isso é necessário, é estratégico. Mas, o pensar

circular, o pensar roda, o pensar o contato, pra mim é pensar a

sociedade. Eu não sei se consigo descrever isso porque na minha

cabeça faz tanto sentido que as vezes não consigo traduzir isso. Mas...,

a cada momento que a gente vai avançando na compreensão de como

o sujeito se relaciona, mais a gente entende como tudo aquilo ali vai

circulando. Inclusive os tempos é como ondas...eu vim pra cá pensando

nisso, nos movimentos que o tempo faz e como a gente muda o passado

a medida que a gente avança. Enfim, eu acho que a própria Geografia

a medida que ela avança ela também muda o passado, pois as

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interpretações que a gente de Geografia antes hoje são desconstruídas.

Pensar gênero na Geografia que antes era algo impensável, renegado,

os sujeitos eram apenas machos, brancos, o indivíduo era um ser

antrópico. Mas, agora a gente pode voltar no processo e dizer que não

era bem assim porque tem outros elementos.

Nas primeiras falas a copesquisadora destacou a sua relação com a teoria

acadêmica e por quais caminhos construiu academicamente o seu olhar sobre

circularidade. Ao ser provocada sobre o referido valor civilizatório na Educação

Geográfica prontamente responde que a discussão não se restringe ao fazer geográfico e

que o mesmo deve ser ter presença na Educação como todo. Essa afirmação dialoga com

a perspectiva de corpo-território que vislumbra rachaduras no currículo da escola por

compreender que o valor civilizatório em voga traz para as relações humanas o trato com

as alteridades, onde a circularidade transfere entre os corpos as Energia Vital:

É uma dimensão interessante, na medida em que revela a circularidade

da vida, bem como a sua amplidão. Tudo tem energia vital, é sagrado e

está em interação: planta, água, pedra, gente, bicho, ar, tempo. Todos

os elementos se relacionam entre si e sofrem influência uns dos outros.

Aqueles que conhecem o poder dessa energia vital já compreendiam,

bem antes das pesquisas científicas de Lavoisier, que “na natureza tudo

se transforma” (TRINDADE, 2006, p. 98).

A Energia Vital é outro valor civilizatório afro-brasileiro que também esteve

presente nas discussões do Atiba-Geo, sobretudo, quando abordávamos a necessidade do

educador e da educadora compreender que as trocas de experiências com os seus alunos

é um ato de valorizar a cosmopercepção de cada indivíduo. A interação entre todos os

elementos da Terra é o que fomenta o estudo da ciência geográfica, ou seja,

historicamente a geografia se preocupa em produzir sobre a relação homem-natureza-

homem e isso já se configurava como uma prática habitual dos africanos muito antes das

diásporas provocadas pela colonização europeia em África. Portanto, podemos constatar

que a Energia Vital valorizada em África e repercutida nas territorialidades afro-

brasileiras podem potencializar as produções geográficas em sua complexidade de

análises.

Para o professor Milton Santos (2006), a relação homem-natureza precisa ser

pensada com imbricações e um jogo não hierárquico. Outro ponto muito relevante,

quando a copesquisadora nos diz como podemos nos tornar responsáveis por voltar no

tempo e reconstruir outras histórias. Histórias alicerçadas em veios universais precisam

ter as suas imposições fissuradas. Ao criticar a perspectiva colonial ela se insere na

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centralidade do corpo-território-epistêmico, o qual não aceita o epistemicídio e busca

estratégias para traçar rotas que evidenciem temáticas ausentes e/ou de pouca expressão

na formação docente em geografia, por exemplo, gênero e questões étnico-raciais.

A nossa conversação ganhou fôlego e dentro disso o princípio da Sociopoética,

trabalho com grupos de resistências, começou a demarcar a sua territorialidade nas

narrativas da copesquisadora Preta. Acredito que a presença do discurso de gênero, raça,

etnia e sexualidade seja recorrente na oralidade da copesquisadora por ela ter construído

um corpo-território-contra-hegemônico consciente com os seus marcadores sociais e de

que forma tais questões da sua corporeidade são interpretadas socialmente, posto que

Preta se coloca: “Mulher negra e sapatão”. Perante essa demarcação de gênero e raça

associadas a circularidade e energia vital, lancei outra inquietação: Qual o grupo social

ou qual epistemologia te leva a valorizar a circularidade e contestar a colonialidade? Um

pouco antes de completar a inquietação ela responde:

Ahhh, é a população negra. Pra mim é a minha raiz mesmo e não tem

como me separar disso. Hoje em dia eu tenho pensado muito no

Candomblé. Eu já tenho uma relação com o Candomblé há algum

tempo. Recentemente conversando com uma amiga ela me falou sobre

o Não-Tempo. Um termo que eu não conhecia...Como que o Terreiro,

quando você está em uma festa no Terreiro aquilo ali te leva pra uma

relação com o tempo completamente diferente do tempo que a gente

tem no dia a dia. E isso, pra mim, também é pensar a sociedade. Pensar

Candomblé é pensar a sociedade, pensar a circularidade. É pensar em

como há a relação com a natureza e como ela pode se diferenciar a

depender das relação com as crenças. O pensamento eurocêntrico

separa (homem e natureza) e nega a existência.

No ato de atender à minha provocação, a copesquisadora lança de corpo todo as

expressões: população negra; Candomblé; Terreiro; Não-tempo. Pergunto se ela é

iniciada em alguma religião de matriz africana e para a minha surpresa escuto um não

acompanhado de uma possibilidade muito próxima para que o ritual de iniciação se

concretize. A copesquisadora utiliza, mesmo que não exponha o termo, outro valor

civilizatório abordado no Atiba-Geo, a Ancestralidade.

O passado, a História, a sabedoria, os olhos dos/das mais velhos/as

tomam uma enorme dimensão de saber-poder, de quem traz o legado,

de quem foi e é testemunha da História e também sobrevivente. A

dimensão ancestral carrega o mistério da vida, da transcendência.

(TRINDADE, 2006, p. 100).

Compreender a potência da Ancestralidade pode levar o indivíduo a fortalecer o

forjar o corpo-território-decolonial, ao passo de que descamar as epistemologias

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eurocêntricas para abrir espaços para as epistemologias advindas da ancestralidade é um

encontro com a memória do seu povo, dos mais velhos, isso para quem se coloca no lugar

de pertencimento com as populações negras. Ancestralidade se relaciona com o princípio

sociopoético da espiritualidade, pois transcende o sentido da visão ocidental, entra na

esfera do indecifrável para a cosmovisão eurocentrada de civilidade.

Em seguida, pedi que mais uma vez ela se levantasse e tentasse identificar entre

os outros três escudos qual seria o seu e ela retorna com a sua produção. Analisamos em

parceria os desenhos e destinei um tempo para que ela observasse com calma o que ela

rabiscou em cada um dos quadrantes. Pedi para colocar os dois escudos no chão e que ela

direcionasse o seu olhar sensível para a produção de Peão e destacasse um símbolo que

ela também desenharia. Olhou com atenção e apontou para o quadrante que estava

projetado um tambor e o mapa da África (Fig. 39).

Figura 36- Desenho de Peão selecionado por Preta. Fonte: Atiba-Geo, 2018.

A escolha por dois símbolos das culturas negras repercutiu nas minhas memórias

e me fez lembrar do texto “É preciso africanizar a universidade” de autoria da

pesquisadora Luz (2013). Assim sendo, retornei a provocar o corpo-território da

copesquisadora com uma questão que também me movimenta e me acompanhou ao longo

da tessitura desta tese: É preciso africanizar o ensino da geografia! Faz sentido para você

esta afirmação? Mais uma vez, Preta responde com muita prontidão e certeza do que

acredita:

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Total. Inclusive pelas negações da questão racial. É pensar que o

espaço...como tudo está muito bem demarcado no espaço. A questão

racial também foi ignorada pela geografia. Se a gente pensa, tanto a

geografia urbana quanto a geografia agrária, tá tudo muito bem

marcado no espaço urbano. A possibilidade de africanizar é pensar

isso por uma outra possibilidade, por outra perspectiva. Não é uma

perspectiva que pensa: existem divisões, existem desigualdades e para

por aí. Existem desigualdades que são de raça, de classe, gênero, de

sexo. Enfim, sobretudo quando a decolonialidade está em pauta. É

muito necessário.

Pensar por uma outra perspectiva o que intencionalmente tem sido ignorado pela

geografia oficial é um convite a trabalhar com o valor civilizatório afro-brasileiro da

Memória: “O povo negro carrega uma memória da nossa História que está submersa,

escondida pelo racismo, que precisa ser descortinada, desenterrada” (TRINDADE, 2006,

p. 99). Desvelar os fetiches opressores da colonialidade está pautada pelo corpo-território-

decolonial, para o qual escrever outras geografias só é possível com as corporeidades dos

grupos subalternizados.

Conversar com a copesquisadora Preta é ter a experiência de ser afetado por uma

mulher negra que teve a oportunidade de trocar de peles várias vezes, seja na academia,

seja no cotidiano da cidade ou nos seus trânsitos nas casas de Candomblé. No caso dela,

verifico que as trocas de peles não aconteceram de forma mecânica. Trocar de pele para

ela exprime uma transformação na sua condição de ser humano, de cidadã e como isso

chega até o seu corpo-território. Por isso, senti o desejo questiona-la se o fato de ter

consciência de ser mulher negra e buscar esse lugar de fala pode ajudar no processo de

africanização da Educação Geográfica:

A mulher negra é...como ela é criada historicamente dentro da casa

branca, mas ela não faz parte da casa branca, né? Ela está ali. Tá

dentro, mas ao mesmo tempo está fora. E na universidade a gente

chega e é a mesma coisa. A gente está dentro, mas a gente está excluída

porque a gente não é colocada no mesmo lugar. As mulheres negras

tem uma visão sobre a sociedade que é muito particular porque ao

mesmo tempo que a gente compõe a sociedade a gente tá no lugar de

opressão que é tão gritante...não medindo opressões, não calculando

opressões. A opressão é tão gritante, tão explicita que a gente consegue

ter alguns insights sobre a sociedade que só a gente consegue ter

porque inevitavelmente a gente vive isso. O nosso corpo vai ter uma

memória disso. Então, se eu penso a sociedade por uma outra

perspectiva porque eu sou uma mulher negra, é inevitável pensar a

geografia por uma outra perspectiva. Quando eu leio os texto desses

caras que dizem que são maravilhosos, eu sempre vou encontrar

lacunas. Não estão falando sobre mim ali. Existem alguns aspectos que

eu consigo enxergar pelas minhas vivencias que estes textos não dão

conta. As vezes não é nem que essas pessoas não queiram. As vezes elas

nem conseguem enxergar. Não conseguem chegar lá. A construção

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daquela pessoa não permite ela compreender o dia a dia de uma mulher

preta, moradora do Alto das Pombas. Nem conhece uma periferia e as

pessoas não se interessam por isso. Enfim, se eu vivo tendo uma outra

leitura sobre a sociedade. E se a geografia estuda a sociedade,

inevitavelmente vou ter uma outra construção da geografia.

Ao discorrer sobre a condição da mulher negra e a perspectiva do ensino de

geografia, a copesquisadora aponta como viver e sentir o corpo da mulher negra e ter

consciência deste lugar é pulsante na construção identitária e política. Ser mulher negra

na sociedade brasileira é ser atravessada por muitas opressões, entrar em territórios, vive-

los e dificilmente ser compreendidas como uma corporeidade que tem o potencial

epistemológico para ocupar o espaço da universidade.

O corpo que não ocupa o espaço de produção, mas que se inscreve como um

corpo-território-decolonial consegue se erguer diante das invisibilidades e criar

estratégias contra hegemônicas. Esta ação vem desde os primeiros corpos negros

escravizados oriundos das diásporas. Em terras brasileiras reexistiram com a única

potência que conseguiram trazer: o seu próprio corpo. A partir disso, criaram vias de

mandigar o jogo do colonizador ao passo de restabelecer as suas cosmopercepções de

mundo. Dessa forma, corpo se estabelece como outro valor civilizatório afro-brasileiro:

“O corpo é vida, é aqui e agora, é potência, possibilidade. Com o corpo se afirma a vida,

se vive a existência, individual e coletivamente. Ele traz uma história individual e

coletiva, uma memória a ser preservada, inscrita e compartilhada. O corpo conta

histórias” (TRINDADE, 2006, p. 98).

Dialogar com a copesquisadora Preta após um período sem encontrá-la

pessoalmente me deixou intensamente contente. Primeiro, por perceber como ela vem se

forjando através dos marcadores interseccionais latentes em sua corporeidade. Assim

como, a inserção dos valores civilizatórios afro-brasileiros estão sendo repercutidos

através do seu corpo-território, já que Preta, ao compreender a sua negritude, ter a

consciência de classe e viver a sua condição sapatão reflete sobre todos estes polos e faz

a leitura de mundo a partir de um caminho que busca legitimar o seu corpo-território-

decolonial. No caso preciso de Preta, a marcação racial se destacou desde o início do

Atiba-Geo, por vários diálogos ela destaca a sua condição de mulher negra, mulher preta,

a mulher subalternizada. Para a pesquisadora Luz (2000) esta compreensão é necessária

as populações negras, pois:

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Por tudo isso, consideramos importante de descendência africana

adquira um conhecimento reflexivo sobre si mesma, não só para

distinguir e assumir plenamente a sua originalidade, sua riqueza étnico-

cultural, mas para permitir um exame analítico de sua situação, de seu

destino na sociedade envolvente, para poder participar ativamente na

condução desse destino, considerando seu próprio enfoque,

experiência, concepções e interesses (LUZ, 2000, p. 35).

Conversamos durante 1 h e 12 minutos com intensas trocas de experiências.

Olhava para ela e pensava: como é bom encontrar uma professora da Educação

Geográfica tão responsável consigo e com os grupos subalternos. O compartilhamento

produzido no dia 22 de novembro realimentou os posicionamentos do meu corpo-

território-decolonial por verificar que mesmo distante e com redes invisíveis existem

parceiros e parceiras dispostas a tecer uma Educação Geográfica preocupada com as

questões étnico-raciais, de gênero e classe.

Nesse campo de troca de sentidos, me despeço, temporariamente de Preta, e

convido o copesquisador Dondeville para realizar uma incursão nas primeiras peles do

Atiba-Geo. Marcamos o nosso encontro para às 14 h do dia 22 de novembro de 2018, na

FACED/UFBA. Reencontrar este copesquisador significa muito para a minha identidade,

por vários motivos, sobretudo por ele ter sido um dos alunos com maior faixa etária que

tive a oportunidade de contribuir na formação docente. No início do Atiba-Geo tive

preconceito com a sua imagem por ser uma pessoa com mais idade, homem branco, perfil

hegemônico que se assemelhava com os machistas conservadores responsáveis por tornar

precária o transitar do corpo-território-subalterno. De alguma forma considerei que o

copesquisador poderia ser um dos empecilhos para discutir questões étnico-raciais no

Atiba-Geo e, além disso, tinha a convicção que gênero e sexualidade também estariam

presente, tanto pelo meu corpo-território quanto pelos posicionamentos dos outros

copesquisadores. Porém, fui surpreendido com a sinceridade e comentários respeitosos

de Dondeville acerca de questões que não faziam parte da sua geração ou do seu círculo

familiar, de amigos e demais espaços por onde ele transitava, exceto a UFBA.

Nos encontramos no pátio central da FACED/UFBA e caminhamos para a sala de

aula. Ao entrar, indiquei que ele ficasse a vontade e se quisesse poderia ficar descalço e

o convidei a sentar no chão juntamente comigo. Expliquei o que faríamos naquela dia

agradeci a sua entrega e respeito com o Atiba-Geo. Pedi que ele se levantasse e fosse no

canto da sala, ode estaria dispostos no chão 4 escudos (Fig. 40). Deveria escolher um dos

4 e retornar a sentar na minha frente.

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Figura 37 - Produção da Contra-análise. Fonte: Atiba-Geo, 2018.

Ao retornar, o copesquisador trouxe o seu próprio escudo, mas sem ter a certeza

se tinha sido a sua produção. Afirmou que escolheu aleatoriamente. Relembramos como

se deu a construção dos desenhos do escudo, quais questionamentos projetei para que ele

criasse formas e movimentos responsáveis por explicar a sua compreensão sobre a

Educação Geográfica.

Perguntei qual desenho do primeiro quadrante ele gostaria de destacar para

articular os nossos diálogos. Olhou com cuidado e escolheu a sala de aula territorializada

em filas por ser um dos formatos da Educação presentes na fase que eles esteve como

discente da educação básica (Fig. 41).

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Figura 38- Produção da Contra-análise. Autoria: Dondeville. Fonte: Atiba-Geo, UFBA, 2018.

Ao olhar para o desenho escolhido logo pensei: ele deve falar sobre circularidade.

O questionei pela escolha e o copesquisador apontou:

O nosso trabalho em sala de aula. As aulas com você foi bem aberta,

bem comunicativa. Então, eu pensei e percebi que não era o melhor

método (fileiras) esse de você intermediar com os alunos. Acredito que

o professor poderia ficar em um lugar onde todos os alunos se

sentissem bem ou até aptos a se comunicar. Não obrigatoriamente o

professor tem que ficar na frente e os alunos enfileirados. Temos que

repensar esse critério de arrumação das salas.

Em sua narrativa, o copesquisador em nenhum momento cita a expressão

circularidade. Contudo, a sua explicação sobre a desterritorialização da sala de aula

implica na possibilidade circular de construção do conhecimento. Questionar a

naturalização das filas no processo de ensino e aprendizagem prescinde de uma

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desnaturalização do olhar para as questões da opressão. O corpo-território-docente que

defende uma aula aberta, comunicativa, que confronta o lugar do professor na

centralidade se mostra, pelo menos no campo do discurso, um outro viés de relações de

poder e visibilidade das experiências dos educandos.

Avançando mais um pouco na conversação nos deparamos com o desenho em que

Dondeville traz uma sala de aula em formato circular (Fig. 42).

Figura 39 - Construção da Contra-análise. Fonte: Atiba-Geo, 2018.

Sobre o traçado desenhístico o copesquisador teve novamente a oportunidade de

falar sobre o valor civilizatório da circularidade. Mas, a sua narrativa não contempla

explicitamente uma das discussões do Atiba-Geo, ou seja, Dondeville defende uma

educação com outro formato, desenha a roda, mas não explica a circularidade pelo viés

da epistemologia afro-brasileira. Ele elucida que o desenho em formato não hierárquico

contempla a prática educativa de um professor mediador, responsável pela construção do

conhecimento e que se preocupa com a realidade do educando.

Pesquisar na Sociopoética exige do pesquisador facilitador tem a compreensão de

quem as colocações dos copesquisadores não precisa se encaixar nos objetivos traçados

desde o início. Em relação ao Atiba-Geo, perspectivei um projeto sociopoético que

buscasse fomentar a formação de professores de geografia com olhares decoloniais e se

permitisse construir encruzilhadas entre a ciência geográfica e as questões étnico-raciais.

O que eu não esperava é que nas trocas de peles dos copesquisadores outros marcadores

sociais entrariam na roda dos diálogos e disputasse o seu lugar na constituição do corpo-

território-docente. Com a copesquisadora Preta verificamos que as colocações do seu

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corpo-território se expandiu e incluiu os marcadores de gênero, classe e sexualidade. Com

o copesquisador Dondeville também fui surpreendido com as suas colocações, sobretudo

no que tange a contra-análise, onde o copesquisador pediu um espaço para expor que o

Atiba-Geo o oportunizou desnaturalizar olhares preconceituosos:

Gostaria de fazer um complemento...posso? Sou de uma época onde

tínhamos muitos preconceitos. Como se a coisa fosse anormal e

ninguém conversava sobre aquilo. Eu não sei porque eles achavam que

tinha que ser assim. Não sei porque essas conversas não vieram antes,

não vieram à tona antes para que a gente pudesse desenvolver mais

essas diferenças. Na minha época era tudo mais fechado. Meu pai era

militar...a coisa do machismo. Eu nunca tive problemas com a parte

da negritude. Mas, naquela época se a pessoa fosse homossexual, ele

mesmo se isolava da maioria da turma. Ele ficava lá e a gente ficava

cá. Então, essa abertura que estamos tendo hoje...não sei se em outras

universidades tem essa facilidade. Mas com você principalmente, você

dava oportunidade da gente conversar sobre essas questões. Eu cresci

muito o meu horizonte. Hoje vejo essas questões com muito mais

naturalidade. E tem pessoas da minha idade quem tem muitas

resistências com estas questões. Na universidade tive acesso a estas

questões e ficou tudo mais tranquilo.

Agendar o encontro com Dondeville teve a prerrogativa étnico-racial do Atiba-

Geo. Mas, ser convidado pelo copesquisador a caminhar por outros marcadores se

configura como uma imensa surpresa Sociopoética. Durante o período que durou o Atiba-

Geo tivemos a participação de sujeitos com sexualidades diversas, os quais ao passar dos

dias começaram a reafirmar as suas condições de gênero e sexualidade, sem deixar de

lado o marcador racial. Dondeville sempre se manteve atento as narrativas os colegas que

associavam o fazer geográfico com as suas sexualidades. Durante as falas das lésbicas ou

dos gays prestava muita atenção no comportamento dos heterossexuais da sala, sobretudo

dos homens heterossexuais, já que as mulheres não lésbicas sempre se colocavam

disponíveis para compreender o lugar de fala do corpo homossexual.

Ao refletir sobre as colocações de Dondeville, destaco a expressão anormal, a qual

aparece na sua narrativa para destacar o corpo não heterossexual. Atrelado a esta

colocação, o copesquisador apresenta um cenário onde o corpo não heterossexual escolhe

se fechar, se isolar, viver afastado do corpo que goza do privilégio de ter o seu gênero e

sexualidade dentro do modelo padrão. Por qual motivo o corpo subalterno se isola? O

corpo opressor é que precisa ser questionado por qual motivo ele não precisa se excluir.

Mas, sempre recai sobre o oprimido se questionar o seu lugar de ocupação, ou melhor, o

lugar que o grupo privilegiado o destina. Sobre isto, entra em voga como o corpo-

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território se constitui nas relações de poder do gênero, já que Scott (1990, p. 14) elucida

que "gênero é a maneira primordial de significar relações de poder".

Assim sendo, se gênero também faz parte do campo das relações de poder e que

essas disputas refletem no forjar do corpo-território, consequentemente, o Atiba-Geo

conseguiu, mesmo sem planejamento, incluir o campo das subalternidades e tensionar as

naturalizações de gênero e sexualidade. Mesmo não utilizando a expressão circularidade,

o copesquisador Dondeville evidencia em sua narrativa a potência do círculo para a

ressignificações dos olhares. Se o Atiba-Geo não desterritorializasse a sala de aula talvez

não teríamos a oportunidade de tornar visíveis pautas subalternas. No entanto, sempre

destaquei durante os encontros do Atiba-Geo que a desterritorialização da sala não se

resume ao fim das fileiras. Muito pelo contrário, desterritorializar a sala de aula alcança

um campo das interculturalidades, onde a invisibilidade, o silenciamento, a negligencia

são questionadas ao mesmo tempo que os privilégios são contestados. Colocar os

holofotes e oportunizar o lugar de fala do subalterno provoca transformações potentes.

Mas, essa ação deve ser associada com o movimento de convidar o corpo com marcadores

de privilégios repensar a naturalização da sua identidade em detrimento da anormalidade

das identidades não padronizadas. Esse movimento é fundante no pensar, criar e recriar o

corpo-território-decolonial.

Outra questão interessante suscitada pelo copesquisador se refere a sua faixa

etária. Tanto no último encontro como nas aulas do Atiba-Geo ele sempre se colocou

como uma pessoa mais velha, vinda de uma geração totalmente diferente e que viver a

sexualidade e falar sobre gênero não era comum no período da sua juventude e boa parte

da fase adulta. O copesquisador afirma que aprendeu muito sobre estas questões ao

compartilhar das histórias de vida dos indivíduos diferentes da sua cosmopercepção de

mundo. Ele diz que o seu horizonte cresceu, ou seja, o seu corpo-território criou fissuras

esperadas por quem se permite transitar por um espaço que se pretende intercultural. O

caso de Dondeville desperta para outra inquietação, a qual nos leva a constatar que não

existe idade para trocar de pele e criar camadas interculturais que inclua gênero, raça,

sexualidade, peles que não atendem a razão indolente. Idade cronológica não pode ser

desculpa para se rachar e despencar do pedestal dos privilegiados.

Caminhando mais um pouco sobre os escudo o copesquisador analisou os

desenhos dos demais copesquisadores e destacou algumas questões sobre as culturas

negras. Apontando para um desenho do mapa do continente africano. Discorremos sobre

a produção do espaço a partir do corpo negro e os seus rebatimentos na academia.

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Aproveitei para provocar Dondeville e lancei: Você acredita que é preciso africanizar a

Educação Geográfica?

Acredito que seja divulgar mais esses conhecimentos...a história do

homem negro aqui no Brasil e talvez até no mundo todo. O negro não

conseguiu mostrar a sua capacidade, os seus conhecimentos, a sua

cultura por ele mesmo com facilidade. Tudo foi com muita

luta...africanizar para mim é um movimento muito importante para que

o negro se sinta mais valorizado aqui no Brasil.

Em sua colocação surge a necessidade em divulgar os conhecimentos sobre a

história dos africanos e das populações afro-brasileiras. Então, o questionei se após o

período do Atiba-Geo ele se permitiu ir em busca outras fontes de leituras e experiências

sobre a Lei 10.639/03. Como resposta obtive um tímido não. Segundo o copesquisador a

sua idade dificulta a inserção no mercado de trabalho como docente e por isso acaba

destinando maior parte do seu tempo a outras obrigações trabalhistas. Não devemos

culpabilizar o copesquisador por não realizar a formação continuada que contemple

temáticas dos povos negros. Mas, aproveito a situação exposta por ele para taxar que a

formação universitária sobre questões étnico-raciais apresenta imensas lacunas, como já

apontamos na análise dos documentos oficias da Licenciatura em Geografia da UFBA.

Portanto, ir em busca de mais fontes sobre as epistemologias afro-brasileiras se instaura

na responsabilidade crítica que cada corpo-território-docente assume.

Reviver as primeiras peles do Atiba-Geo mobilizou as nossas memórias a

percorrer um percurso com algumas fissuras, outras rachaduras e perceber que ainda

existem muitas subjetividades a ser acessadas. Trocar de pele é uma questão comum a

todo ser humano, mas ter a consciência sobre as trocas e refletir acerca das transformações

ainda não se estabelece como uma possibilidade aplicável por todos e todas. Propor esta

discussão na formação docente tem sido um imenso desafio, visto que historicamente as

universidades padronizam a formação dos seus discentes e quando estes são convidados

a dialogar sobre a padronização és que pode surgir rachaduras que são repercutidas na

mais variadas instancias das relações de poder.

6.2 – Contra-análise do Corpo-Esponja

Um único conceito criado e exposto com alegria

vale um doutorado inteiro, e não anula as

intensidades vivenciadas com os atores da pesquisa.

Pelo contrário, ele potencializa essas intensidades,

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ao voar como uma águia, ou um gavião, gritando

seu ritornelo (GAUTHIER, 2003, p. 306).

A Sociopoética abre uma vastidão de caminhos para a construção de uma pesquisa

que tenha a intencionalidade de visibilizar as potências do corpo. Pensar corpo, olhar para

o corpo, problematizar o corpo, ver o corpo como caos, agito ou calmaria, reflexão ou

inflexão, cultural ou biológico, fixo ou desterritorializado. Quanta potência em uma

estrutura capaz de libertar e/ou oprimir.

Esta tese é sobre o corpo-território e suas possibilidades. É sobre as dobras do

corpo, as inflexibilizações ou para além disso, é sobre o convite: O que não pode ou o que

pode o seu corpo? Seu corpo tem limites? Seu corpo se expande? Seu corpo te libertar ou

você liberta o seu corpo? Ou corpo liberto é você na plenitude? É possível um corpo dono

de si em um sistema capitalista? O corpo cria a opressão e também a libertação? O corpo

é palco, campo ou ele é a própria relação de poder? Até que ponto o seu corpo se preocupa

com o corpo alheio? O corpo do educador é uma preocupação do corpo-território de quem

está na formação para ser uma futura educadora?

O meu corpo-território-epistêmico se rasga com tantas provocações e atribuo

essas reflexões à escolha pela Sociopoética. Abri esta etapa com a citação de Gauthier

(2003) por representar parte do que esta tese de doutoramento se propôs a executar:

convidar os futuros educadores e educadoras da geografia a forjar o seu corpo-território-

docente com o próprio protagonismo. Provocar a invenção de conceitos é o objetivo de

todo pesquisador da Sociopoética. No caso do Atiba-Geo, tive como problemática central

a invisibilidade da perspectiva de corpo na formação de professores de Geografia. A

discussão sobre corpo na ciência geográfica é algo extremamente recente e a sua

socialização tem se restringido aos grupos de pesquisa que pensa o espaço geográfico

produzido pelo corpo subalterno. O subalterno é pauta política do corpo opressor

acadêmico? Não é pauta, a não ser quando se ocupa o lugar de fala do subalterno.

Portanto, discorrer sobre corpo-território na ciência geográfica reverbera no olhar dos

subalternos e o leva a questionar de que forma a universidade brasileira legitima ou

deslegitima o criar, o produzir do corpo subalterno.

Possibilidades é o que, na minha compreensão, mais representa uma pesquisa

Sociopoética, por abrir muitos caminhos e não objetivar do fechamento durante o

percurso metodológico. Feixes de informações e conhecimentos atravessam os corpos dos

copesquisadores e cada um lança ao mundo o que a sua compreensão e espiritualidade

consegue criar.

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No Atiba-Geo intentamos desestabilizar o olhar, fomentar provocações,

reorganizar as linhas de raciocínio e romper com a certeza que o Norte é o que conduz o

nosso caminhar. Cada copesquisador assimilou de acordo com a sua realidade as

colocações dos outros copesquisadores. Podemos afirmar que a contra-análise é o fim da

pesquisa? Definitivamente, não é o fim. Estamos sempre em devir, em caminhos, sempre

a trocar de peles. Nesse âmbito a contra-análise surgir no meio do caminho como um

estágio de desvelar as dobras dos acontecimentos. Esperar chegar ao fim do processo para

maturar não é a melhor opção, já que “o que conta em um caminho, o que conta em uma

linha é sempre o meio e não o início nem o fim. Sempre se está no meio do caminho, no

meio de alguma coisa”. (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 38).

Destarte, escolhi esta etapa da contra-análise para apresentar aos copesquisadores

um poema que é fruto dos confetos produzidos ao longo do Atiba-Geo. A produção textual

recebeu o primeiro título de Corpo-Esponja. A produção textual foi entregue aos

copesquisadores Preta e Dondeville no dia que nos encontramos na FACED/UFBA, 22

de novembro de 2018, para realizar a contra-análise. Entreguei uma cópia a cada um e

pedi que fizessem a leitura em silêncio e depois faríamos em voz alta:

Corpo-esponja

E ele foi

Procurou por 16 odus

Andou, caminhou, correu

Tropeçou, caiu, levantou

Viu gente feia

Olhou novamente e viu gente

Se desgastou, sorriu e atravessou

Em cada Odu

Um novo mundo

Um novo choque

Na mão levava uma esponja

Esfregava na pele e gritava:

Esponja, esponja minha

Existe gente menos importante do que eu?

Em cada esquina cruzava por velas

Passo a passo aproveitava para se derreter

E novamente gritou

O silêncio respondeu

O olhar gritou

A boca olhou

O paladar cheirou

O nariz degustou

Tudo ao redor se modificou

Mas não acabou

Apenas fertilizou

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O andarilho andou

A esponja o acompanhou

Um outro ciclo iniciou

O corpo-esponja continuamente se retro-alimentou

A proposta desta etapa da contra-análise objetivou apresentar aos copesquisadores

alguns conceitos criados no Atiba-Geo. A leitura dos meus diários de itinerâncias, a minha

tentativa de compreender as comunicações dos escudos mais a formação do PERCURSO

em Sociopoética foram as vias fundantes para a construção do texto Corpo-Esponja. A

primeira leitura do poema ficou sob a responsabilidade da copesquisadora Preta. Após a

leitura a copesquisadora pediu para expor de que forma o poema afetou o seu corpo-

território:

O poema é o caminho sobre a paisagem...é a minha leitura. Você vai

caminhando, procurando...primeiro você ver gente feia, depois essa

gente feia já não é mais gente feia. Virou gente, né? Aqui pra mim tem

muito da questão racial. Porque a princípio lugar de gente feia é o

lugar de gente negra, gente preta. O trocadilho O silêncio respondeu

(O olhar gritou. A boca olhou. O paladar cheirou. O nariz degustou)

diz como a gente olha o espaço geográfico com outros olhares a medida

que a gente vai se descamando. Essa esponja pra mim é muito isso do

tirar. Uma vez eu vi uma exposição muito incrível que era um rapaz

negro, muito retinto, dentro de uma bacia cheia de espumas e ele ficava

o tempo inteiro se esfregando. Saí de lá em lágrimas. É isso, né? A

partir do momento que a gente também se descama com outra

perspectiva a gente vai construindo outras coisas, outros olhares.

Enfim, e a esponja continua acompanhando.

A contra-análise tecida pela copesquisadora Preta traduz ao passo que amplia as

problemáticas conceituais criadas no Atiba-Geo. Assim que concluiu a leitura silenciosa

do Corpo-Esponja, a copesquisadora inquieta pediu para narrar as provocações. Já

iniciou destacando que fala estava pautada na sua leitura. Leitura que rapidamente trouxe

o viés racial e pontuou “gente feia” ao corpo negro, à gente preta, gente negra. A

observação da copesquisadora me leva a pensar como o corpo negro ao longo da história

colonial teve que, forçadamente, se desterritorializar para ocupar um lugar semelhante ao

corpo branco. Porém, o corpo negro, ao tentar criar a reterritorialização com a estética

caucasiana, não conseguiu a efetivação de um território rico em afetos. Muito pelo

contrário, o corpo negro, ao intentar se recriar com a estética eurocêntrica, se inscreve em

um território de aprisionamento da sua condição humana e ancestral.

O embranquecimento faz parte das estratégias do racismo e a Educação legitima

há todo tempo esta prática. Durante o Atiba-Geo discutíamos por horas como a

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universidade brasileira, em sua maior parte, assume um posicionamento racista ao forçar

que todas as etnias/raças construa identidades profissionais por um viés branco. O

discurso da miscigenação e harmonia racial comumente é utilizado para justificar

escolhas dos currículos, pois defendem que colocar o foco nas questões de negritude, da

comunidade LGBTQI+, dos trabalhadores se instala um viés identitário e não acadêmico.

Mas, o que dizer do currículo branco, heteropatriarcal e opressos? Não seria este um outro

currículo pautado em questões identitárias de um grupo?

Por isso, ver “gente feia” é natural, é aceitável e não cabe no currículo das

universidades, pois “a diferenciação dos corpos humanos em termos de sexo, cor da pele

e tamanho do crânio é um testemunho dos poderes atribuídos ao “ver”. O olhar é um

convite para diferenciar” (OYĚWÙMÍ, 2017, p. 3). Ver “gente feia” é apagar

corporeidades negras, lésbicas, trans, indígenas, gays, mulheres, ciganos, refugiados,

classe trabalhadora, ou seja, ver “gente feia” é limitar os sentidos do corpo-território,

sobretudo, o posicionamento crítico de desnaturalização do embranquecimeto. Ver gente

feia é erguer “uma pedagogia do embranquecimento que, mediante a comunicação

escrita, exigirá um corpo adaptado aos valores ocidentais e submisso a uma disciplina

incessante, individualizando-o, docilizando-o e o adestrando-o” (LUZ, 2000, p. 38).

Reinventar o olhar e começar a “ver gente” é o caminho para o que a

copesquisadora aborda como o “descamar”. Descamar é tão potente que nos mostra como

o nosso corpo-território se expande ao enxergar no outro a sua humanidade. Enxergar a

energia vital do outro só se torna viável com um trabalho intercultural, aqui se cria o

corpo-território-sinestésico, aquele que ultrapassa o simples ato de ver. Enquanto

continuarmos a ser pautados pelo viés do epistemicídio eurocêntrico continuaremos a

desperdiçar o complemento cultural de “um abraço negro, um sorriso negro, traz

felicidade” como cantava Dona Ivone Lara.

Ademais o “ver gente feia” não repercute apenas sobre o corpo alheio. O campo

da visão também tem rebatimento na forma que visualizamos o nosso próprio corpo-

território, principalmente, o corpo-território-contraste que se inscreve no âmbito dos

subalternos. Nós que temos alguns marcadores das subalternidades, no meu caso um

corpo gay, somos educados a odiar o nosso próprio corpo. Somos educados a se encaixar

em uma territorialidade que os nossos desejos e afetos não se encontra. Visualizar um

corpo e gay, um corpo trans, um corpo lésbico e compreender que aquela corporeidade

também cria felicidades requereu constante desterritorialização de tudo que aprendi sobre

gênero e sexualidade. Com isso, o corpo-território-decolonial precisa, também,

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reinventar a perspectiva que utiliza para se auto visualizar, porque busco ser corpo-

território-contraste em todas as instancias e começar pelo autocuidado é imprescindível.

As colocações da copesquisadora Preta nos convida a criar diálogos e escutas

sensíveis com a nossa própria corporeidade. Precisamos nos tensionar a ler a inscrições

esculpidas em nossos corpos pelas relações de poder. As trocas com a copesquisadora

precisou ser interrompida e antes de nos despedir entreguei a ela uma cópia do Corpo-

Esponja, pedi que levasse para casa e caso sentisse vontade desmontasse o texto,

recortasse e criasse novas dobras.

Antes da saída conversamos sobre o provável cenário político nacional em 2019

e como as eleições de 2018 afetaram a nossa construção identitária. Firmamos um acordo

que em 2019, mesmo à distância, continuaríamos a realizar um trabalho educativo que

evidenciasse e a resistência do nosso povo preto, LGBTQI+, indígena, quilombola, entre

outros grupos oprimidos.

Com a saída da copesquisadora Preta continuei na sala e a reorganizei para receber

o copesquisador Dondeville. Anteriormente apresentei como se deu o reencontro de

Dondeville com as primeiras peles do Atiba-Geo. A partir de agora vamos nos debruçar

sobre o contato dele com o Corpo-Esponja.

Entreguei ao copesquisador uma folha com a cópia do poema e pedi para realizar

uma leitura em silencio. Aguardei o seu ritmo e com poucas palavras ele associou o

Corpo-Esponja com uma das discussões de Santos (2002) quando o teórico afirma que

devemos buscar uma sociedade cosmopolita:

Proponho uma racionalidade cosmopolita que, nesta fase de transição,

terá de seguir a trajectória inversa: expandir o presente e contrair o

futuro. Só assim será possível criar o espaço-tempo necessário para

conhecer e valorizar a inesgotável experiência social que está em curso

no mundo de hoje. Por outras palavras, só assim será possível evitar o

gigantesco desperdício da experiência de que sofremos hoje em dia.

Para expandir o presente, proponho uma sociologia das ausências; para

contrair o futuro, uma sociologia das emergências (SANTOS, 2002, P.

239).

Para o copesquisador trazer a ideia da razão cosmopolita recorre ao campo das

interculturalidades. Durante a sua narrativa ele se recordou de uma das atividades

realizadas em sala de aula, mas que não teve a intencionalidade de ser utilizada no Atiba-

Geo. Sobre esta atividade solicitei aos educandos que criassem um corpo abstrato que

tivesse a proposta de explicar a concepção deles de currículo. A referida prática aconteceu

algumas semanas após a discussão do texto de Boaventura. O grupo do qual o

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copesquisador fez parte criou o currículo em formato de peixe e batizaram de Animal

Cosmopolita (Fig. 43).

Figura 40 - Animal Cosmopolita. Fonte: Arquivo pessoal, 2017.

Coincidentemente no dia da contra-análise levei junto com os escudos do Atiba-

Geo a imagem supracitada. Olhei para o canto da sala e lembrei que o material comentado

por Dondeville estava do nosso lado. Abri uma sacola e coloquei na sua frente o Animal

Cosmopolita. O copesquisador apontou que a parte do Corpo-Esponja que sai em busca

de 16 odus remete à proposta da Razão Cosmopolita por ser uma ação de se permitir

conhecer outras culturas, sobretudo, as oprimidas.

A narrativa do copesquisador sobre o Corpo-Esponja se deu de maneira rápida e

objetiva. Ao contrário da copesquisadora Preta que criou várias redes entre o poema e

questões da sua corporeidade. A nossa proposta de contra-análise não busca comparar a

narrativas dos copesquisadores. Intencionamos trabalhar com os contrastes das

argumentações, como cada corpo-território se coloca sobre as mesma questões é o que

dá sentido à Sociopoética.

Antes de finalizar os compartilhamentos de ideias entreguei a Dondeville uma

cópia do Corpo-Esponja e deixei em aberto a possibilidade para que ele contribuísse

com a ressignificação da produção textual.

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6.3 – Contra-análise: Ubuntu que cria o Corpo-mundo

Uma pessoa é uma pessoa através de outras

pessoas, que minha humanidade está presa, ligada,

inextricavelmente, com a sua. Quando eu

desumanizar você, eu inexoravelmente me

desumano (TUTU, 2008)50.

A tessitura desta contra-análise esteve indefinida por ser uma criação que

dependia da disponibilidade e desejo de cada copesquisador. Ao entregar a cópia do

Corpo-Esponja a copesquisadora Preta e ao copesquisador Dondeville fiquei apreensivo

por não ter a certeza se eles se permitiriam desdobrar o poema. Não coloquei como uma

atividade obrigatória do Atiba-Geo, até porque nenhum das movimentações desta

pesquisa se comprometeu com obrigatoriedades. A intencionalidade maior se deu em

trabalhar as afecções.

Deixá-los livres para recriar o poema buscou pôr em prática o ensinamento da

Filosofia Ubuntu. Quis sentir na prática como se desenrolaria as ligações entre os

copesquisadores e a minha condição de pesquisador-facilitador. Torci para que mesmo

com a distância geográfica a nossa ligação fosse estabelecida e que com várias mãos,

sentidos e distintas cosmopercepções conseguíssemos criar um texto fecundo para os

momentos finais do Atiba-Geo.

Após dois dias do encontro na FACED/UFBA, precisamente dia 24 de novembro,

recebi uma mensagem no WhatsApp, na qual o copesquisador Dondeville me enviou a

sua contribuição para o recontar do Corpo-Esponja. Ele manteve todas as estrofes

produzidas por mim e no final do texto acrescentou:

E se fortificou

Preparando-se para as muitas luas que viriam

Trazendo outras descobertas

Para as buscas que ainda se fariam

O ser inacabado

Esfregando a esponja e descobrindo

Esfregando a esponja e renovando

O olho-coração palpitando

E se reconhecendo.

50 Tutu, D. (2008). "One Hour" no CBC Interview.

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As estrofes enviadas pelo copesquisador apresenta um Corpo-Esponja que se

fortalece, se fortifica, sobretudo, após outras descobertas. Essa colocação é oportuna no

trato com a construção da nossa perspectiva de corpo-território, visto que ao acessar

outros achados podemos intensificar as desterritorializações das nossas capacidades

conclusivas. Se desterritorializar é um ato de humanização, assim como, provocar

desterritorializações em outras pessoas também caminha para a humanização daquele ser,

isso faz parte da Filosofia Ubuntu:

Ubuntu pode ser traduzido como “o que é comum a todas as pessoas”.

A máxima zulu e xhosa, umuntu ngumuntu ngabantu (uma pessoa é

uma pessoa através de outras pessoas) indica que um ser humano só se

realiza quando humaniza outros seres humanos. A desumanização de

outros seres humanos é um impedimento para o autoconhecimento e a

capacidade de desfrutar de todas as nossas potencialidades humanas

(NOGUERA, 2012, p. 47).

Dessa forma, o corpo-território se encontra em constante devir, com fluxos e

rachaduras que podem exigir uma nova configuração subjetiva. Nesse viés, quando o

copesquisador traz na estrofe a expressão o ser inacabado ele reverbera a mutação

corpórea que todo ser humano pode assumir e a partir disso ir se renovando e se

reconhecendo, ao passo de reconhecer o outro, o qual é fundante no processo de expansão

das intersubjetividades do corpo-território.

Dentre as expressões destacadas nas estrofes do copesquisador o termo olho-

coração aguça imensa curiosidade, desejo pela sua compreensão. Discutimos em outros

momentos, com ênfase nas produções de Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2017), como a visão é

utilizada na cosmovisão ocidental para ler o corpo e necessariamente segrega-lo. Por sua

vez, o coração está intimamente relacionado às emoções, afetividades e costuma ser

utilizado para contrapor a razão. Talvez um olho-coração busque proporcionar à visão

uma leitura de mundo menos racional, com menor influência ou determinação positivista.

Após receber as contribuições de Dondeville encaminhei o Corpo-Esponja, com

o novo formato, para a copesquisadora Preta. Aguardei ansiosamente pelo retorno. Tive

vontade de enviar algumas mensagens falado sobre a relevância da contribuição dela, mas

considerei a espontaneidade como um fator presente na Sociopoética. Dias depois, recebo

um e-mail com os des-dobramentos e fissuras latentes no poema:

Corpo-mundo

E ele foi

Procurou por dezesseis odus

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Andou, correu

Tropeçou, caiu, levantou

Viu gente feia

Olhou novamente

e só gente viu

Se desgastou, sorriu e atravessou

Em cada Odu

Um novo mundo

Um novo choque

E com a esponja nas mãos

que sobre a pele passava,

Esfregava e quase sangrava

Ele gritava:

Esponja, esponja minha

Existe gente menos importante do que eu?

Em cada esquina cruzava velas

Passo a passo aproveitava para se derreter

E novamente gritou

O silêncio respondeu

O olhar gritou

A boca olhou

O paladar cheirou

O nariz degustou

Tudo ao redor se modificou

A paisagem é outra

Mas não acabou

Apenas fertilizou

O andarilho seguiu

A esponja acompanhou

Um outro ciclo iniciou

O corpo-esponja continuamente retro-alimentou

E se fortificou

Preparando-se para o todo que viria:

luas, primaveras, descobertas

Para as buscas que ainda se fariam

O ser inacabado

Esfregando a esponja e descobrindo

Esfregando a esponja e renovando

O olho-coração palpitando

E se reconhecendo.

(Autoria: Copesquisadores e Facilitador do Atiba-Geo, 2018)

A copesquisadora realizou poucas modificações no texto, fez algumas

reorganizações gramaticais. A maior desterritorialização se deu no título: Corpo-mundo.

No nosso último encontro na FACED/UFBA percebi que na leitura do poema em voz alta

ela fez algumas expressões faciais toda vez que aparecia a palavra esponja. Questionei se

ela concordava com esponja ou se preferiria fazer uma substituição: “posso pensar e te

responder depois?” E assim, o fez.

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Modificar o título para Corpo-mundo cria um diálogo direto com o Atiba-Geo,

onde o Geo remete à espaço. Espaço, por sua vez, existe pela relação homem-natureza-

homem que acaba acentuando as relações de poder: “O espaço é um verdadeiro campo

de forças cuja formação é desigual. Eis a razão pela qual a evolução espacial não se

apresenta de igual forma em todos os lugares” (SANTOS,1978, p.122). Tais

desigualdades são desencadeadas, com maiores indicies, na sociedade capitalista. Ser um

corpo-território-subalterno no cenário capitalista é ser um Corpo-mundo que busca

exercer o seu direito de existir e transitar pelo mundo. Assumir o formato do Corpo-

mundo traz a responsabilidade de cotidianamente ser mutante e sensibilizar outras

corporeidades a tensionar as conjunturas do seus corpos-territórios. Ser um Corpo-

mundo é assumir a compreensão de que somos seres globais, com particularidades, mas

com algo maior que liga a todos: a humanização. Ser um Corpo-mundo é viver a filosofia

de que “pessoa é uma pessoa através de outras pessoas, que minha humanidade está presa,

ligada, inextricavelmente, com a sua”. Ser um Corpo-mundo é ser porque somos. Ser

Corpo-mundo é humanamente ser, viver, sentir o Ubuntu. Ser Corpo-território-

docente é ter a compreensão que na sala de aula existem vários Corpo-mundo.

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Figura 41 – Oxumaré. Autor: Felipe Rangel, 2014.

PELE VII - CAMINHOS E POSSIBILIDADES: PELA NÃO

OBRIGATORIEDADE DA CONCLUSÃO

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A imagem que abre os caminhos desta tese foi escolhida intencionalmente para

estampar a PELE VII. O desenho esboça os contornos, movimentos, adereços e estéticas

de uma das possibilidades do orixá Oxumaré. Discutimos, em outro momento desta

produção textual, como a filosofia da serpente nos leva a (re)inventar o corpo-território

que se pensa decolonial.

Construir um corpo-território que se descama, troca de peles e cria outras

camadas se configura um ritual de constantes inacabamentos. Portanto, não pretendo com

a PELE VII findar os nossos diálogos. Vislumbro este momento para suscitar outras

provocações que podem, ou não, trilhar os próximos caminhos de pesquisa.

O Atiba-Geo apontou a ausência da lei 10.639/03 na construção identitária

docente. Por isso, deixo registrada a necessidade em traçar a afirmativa de que “É preciso

africanizar o ensino de Geografia”. Busco esta referência no texto “É preciso africanizar

a universidade” de autoria da pesquisadora Luz (2013), cuja produção textual evidencia

as estratégias ideológicas orquestradas para realçar a intelligentsia ocidental e ao mesmo

tempo reafirmar que a “universidade não acredita e não consegue conceber que há uma

epistemologia africano-brasileira legítima pulsando suas territorialidades negras, [...], e

que contemporaneamente entra na universidade através de gerações de afrodescendentes”

(LUZ, 2013, p. 176).

Ainda em seu texto, Luz evidencia o fato de que a entrada de afrodescendentes no

chão da universidade tem provocado “fissuras profundas no cimento epistemológico

europocêntrico” (2013, p. 176). Nesse cenário, tomamos a liberdade de classificar as

ações do Atiba-Geo enquanto um dos recentes dispositivos que preza pela efervescência

da diversidade no compasso de descolonizar a construção do conhecimento.

Sendo assim, encontramos em Galeano (1999), a seguinte afirmação sobre a

ciência geográfica: “O mapa mente. A geografia tradicional rouba o espaço, assim como

a economia imperial rouba a riqueza, a história oficial rouba a memória e a cultura formal

rouba a palavra” (p. 323). O que Galeano adjetiva de roubo e mentira, aqui

compreenderemos como estratégias de continuidade do poder hegemônico, ou como nos

diz Santos (2002), a linearidade do tempo propagada pela Razão Proléptica.

Então, até quando iremos legitimar um ensino de geografia que não apresenta as

contribuições das Culturas Negras na produção do espaço geográfico brasileiro? Ao negar

tais influencias estamos autorizando, o que vem sendo feito há muito tempo, cartografias

negligentes, portanto, mapas mentirosos, com legados étnicos soterrados, com

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experiências étnicas descaracterizadas, o que coaduna a suposta homogeneidade da

produção do espaço. Nesse compasso, Munanga (2016) nos provoca:

O brasileiro gostaria de ser considerado como europeu, como ocidental.

Isso está claro no sistema de educação. Nosso modelo de educação é

uma educação eurocêntrica. A escola é o lugar onde se forma o cidadão,

onde se ensina uma profissão. Há escolas que sabem lidar com os dois

lados da educação: ensinar a cidadania e a profissão. A história que é

ensinada é a história da Europa, dos gregos e dos romanos. No entanto,

quem são os brasileiros? Os brasileiros não só descendentes de gregos

e romanos, de anglo-saxões e de europeus. São descendentes de

africanos também, de índios, e descendentes de árabes, de judeus e até

de ciganos. E se olharmos o nosso sistema de educação, onde estão

esses outros povos que formaram o Brasil? Então, há um problema no

Brasil, além de essas pessoas serem as maiores vítimas da

discriminação social, no sistema de educação formal elas não se

encontram, elas são simplesmente ocidentalizadas, são simplesmente

embranquecidas (MUNANGA, 2016).51

Não temos dúvidas de que devemos intensificar as constantes rupturas que outrora

vem sendo realizada por tantos outros afrodescendentes, bem como por homens e

mulheres não negros. Nesse viés, a ancestralidade potencializa os nossos intentos, posto

que a resistência se configura enquanto um dos princípios emancipatórios da

epistemologia africano-brasileira. Portanto, o Atiba-Geo buscou (re)inventar o corpo-

território que “vem trabalhando feito cupim”52 para alcançarmos uma Educação

Cosmopolita, Democrática e Diversa.

Axé!

51 Entrevista disponível no site: http://www.geledes.org.br/mito-da-democracia-racial-faz-parte-da-

educacao-do-brasileiro-diz-antropologo-congoles-kabengele-munanga/#gs.2sfVxNY 52 Luz aponta que Mestre Didi proferia há muito tempo o referido ditado nagô.

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