universidade estadual de santa cruz©us-ba, 16 de junho de 2010 _____ prof. dr. milton ferreira da...

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0 UESC Universidade Estadual de Santa Cruz Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente EDUCOMUNICAÇÃO E OS DESAFIOS À DEMOCRATIZAÇÃO NA GESTÃO DE ÁGUAS: ESTUDO DE CASO DO GRUPO DE EDUCOMUNICADORES DO CBH RIO GRANDE-BA ISABEL CRISTINA FEITOSA VILLELA ILHÉUS – BAHIA 2010

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UESC

Universidade Estadual de Santa Cruz

Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente

Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente

EDUCOMUNICAÇÃO E OS DESAFIOS À DEMOCRATIZAÇÃO NA GESTÃO DE ÁGUAS:

ESTUDO DE CASO DO GRUPO DE EDUCOMUNICADORES DO CBH RIO GRANDE-BA

ISABEL CRISTINA FEITOSA VILLELA

ILHÉUS – BAHIA 2010

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ISABEL CRISTINA FEITOSA VILLELA

EDUCOMUNICAÇÃO E OS DESAFIOS À DEMOCRATIZAÇÃO NA GESTÃO DE ÁGUAS: ESTUDO DE CASO DO GRUPO DE

EDUCOMUNICADORES DO CBH RIO GRANDE-BA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Estadual de Santa Cruz, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Área de conhecimento: Interdisciplinar Orientador: Prof. Dr. Milton Ferreira da Silva Junior Co-orientadora: Profa. Thereza Raquel Teles Tonini

ILHÉUS – BAHIA 2010

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V735 Villela, Isabel Cristina Feitosa. Educomunicação e os desafios à democratização na gestão de águas: estudo de caso do grupo de educomunicadores do CBH Rio Grande-BA / Isabel Cristina Feitosa Villela. – Ilhéus, BA: UESC, 2010. 144f. : il. Orientador: Milton Ferreira da Silva Júnior. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Santa Cruz, Programa de Pós - Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Inclui bibliografia e apêndice.

1. Gestão ambiental. 2. Água - Uso. 3. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande (BA). 4. Controle Social. 5. Educação ambiental. 6. Direito de águas. I. Título. CDD 363.7

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ISABEL CRISTINA FEITOSA VILLELA

“RACIONALIDADES E TENSÕES SOCIAIS NA GESTÃO COMPARTILHADA DAS ÁGUAS: UMA INVESTIGAÇÃO-AÇÃO NO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA

DO RIO GRANDE, BAHIA”

Ilhéus-BA, 16 de junho de 2010

________________________________________________ Prof. Dr. Milton Ferreira da Silva Júnior

UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz Orientador

_________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Antonio Ferraro Júnior

UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana Examinador Externo

__________________________________________________ Prof. Dr. Paulo dos Santos Terra

UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz Examinador Interno

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À força maior que rege todas as coisas, desde a centelha abrigada no interior de cada ser vivente

até a derradeira poeira entre as galáxias... dedico a energia empenhada na realização deste trabalho.

À minha família, amigos, mestres e companheiros de trabalho, que me ensinaram e ensinam

o amor, cada dia um tanto mais... dedico o aprendizado e a jornada.

Que seja possível encontrar a centelha latente em cada ser humano,

e nela depositar esta semente na forma de esperança

em um mundo melhor para todos!

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AGRADECIMENTOS

Flor de Lótus – símbolo da gratidão

Sou grata a todas as pessoas que se dedicam a buscar caminhos e formas de aprender e repassar o conhecimento adquirido.

Nelas o amor fez residência.

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LISTA DE FIGURAS

1 Composição do Conselho Nacional de RH ................................. 50

2 Estrutura de Programas do Plano Nacional de RH ..................... 51

3 Nova divisão - Planejamento e Gestão das Águas na Bahia....... 58

4 Quadro das relações entre programas do PNRH ........................ 68

5 Mapa da Bacia Hidrográfica do Rio Grande ................................ 90

6 Momentos de Construção do grupo de educomunicadores ........ 116

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LISTA DE QUADROS

1 Confirmação ou Refutação das Hipóteses do Trabalho .............. 34

2 Tipos de participação social na PNRH ........................................ 50

3 Aspectos legais da CF de 1988 para a cidadania e informação ... 73

4 Trabalhos acadêmicos realizados em 2008 sobre o tema .......... 79

5 CBH Rio Grande – diretoria, período 2008-2010 ................................. 88

6 Modelos de Educação/Comunicação em Kaplún ........................ 98

7 Visão complexa do mundo .......................................................... 104

8 Síntese dos dados: análise por triangulação ............................... 119

9 Síntese dos resultados alcançados ............................................. 121

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LISTA DE SIGLAS

ANA Agência Nacional de Água

AS Ator Social ASCOM Assessoria de Comunicação CBH Comitê de Bacia Hidrográfica

CBH Rio Grande Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente CONDEMA Conselho de Desenvolvimento e Meio Ambiente (de

Barreiras) CONERH Conselho Estadual de Recursos Hídricos CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos

CTEM Câmara Técnica de Educação e Mobilização EA Educação Ambiental GIRH Gestão Integrada de Recursos Hídricos

GRH Grupo de Recursos Humanos IGAM Instituto Mineiro de Gestão das Águas INGÁ Instituto de Gestão das Águas e Clima

MMA Ministério do Meio Ambiente PERH Plano Estadual de Recursos Hídricos PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos

SEMA Secretaria de Meio Ambiente SEMARH Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos

Hídricos SIGERH Sistema de Gerenciamento Estadual dos Recursos

Hídricos

SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente SRH Superintendência de Recursos Hídricos SRHU Secretaria de Recursos Hídricos e Urbanismo (MMA)

TR Termo de Referência UESC Universidade Estadual de Santa Cruz UFBA Universidade Federal da Bahia

UNIHIDRO Universidade das Águas

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SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................... 10

ABSTRACT ....................................................................................... 11

1 INTRODUÇÃO: UM BREVE RELATO PESSOAL ....................... 12

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................... 16

1.2 OBJETIVOS ................................................................................ 25

1.2.1 Objetivo Geral ......................................................................... 25

1.2.1.1 Objetivos Específicos ............................................................ 25

1.3 JUSTIFICATIVA .......................................................................... 26

1.4 HIPÓTESES DE TRABALHO ..................................................... 33

2 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................... 35

2.1 OS DESAFIOS DO PARLAMENTO DAS ÁGUAS ...................... 35

2.2 A LEGISLAÇÃO DAS ÁGUAS .................................................... 42

2.2.1 Contextualização histórica .................................................... 42

2.2.2 Política Nacional de Recursos Hídricos – princípios ............ 47

2.3 A GESTÃO DE FATO PARTICIPATIVA ..................................... 52

2.4 COMITÊS: ORIGEM E CONTROLE NA BAHIA ......................... 55

2.4.1 Os comitês baianos ............................................................... 58

2.5 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A SUSTENTABILIDADE ... 64

2.5.1 Contextualização histórica ........................................... 64

2.5.2 Educação e informação em Recursos Hídricos ......... 67

2.6 COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO – ASPECTOS LEGAIS 70

2.6.1 O direito à informação no Brasil .................................. 72

2.7 EDUCAÇÃO AMBIENTAL, GESTÃO E INFORMAÇÃO ... 75

2.8 O ESTADO DA ARTE ........................................................ 77

3 PROCESSOS METODOLÓGICOS ...................................... 87

3.1 ÁREA DA PESQUISA – O CBH RIO GRANDE ................. 87

3.2 OS MÉTODOS DA PESQUISA ......................................... 91

3.3 A INVESTIGAÇÃO-AÇÃO ....................................................... 93

3.3.1 Construindo o grupo e a ação investigativa .............. 95

3.4 FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA ............................ 101

3.5 TÉCNICAS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS ............ 107

3.5.1 Entrevistas Semiestruturadas ..................................... 108

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3.5.2 Observação Participante .............................................. 111

3.5.3 Momentos Pedagógicos ............................................... 115

4 RESULTADOS ALCANÇADOS ........................................... 120

4.1 É POSSÍVEL COMPARTILHAR A GESTÃO? ................... 123

4.2 REALIZANDO PROCESSOS DE FORMAÇÃO CIDADÃ .. 125

5 CONCLUSÕES ..................................................................... 130

REFERÊNCIAS ..................................................................... 132

APÊNDICES ............................................................................ 139

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EDUCOMUNICAÇÃO E OS DESAFIOS À DEMOCRATIZAÇÃO NA GESTÃO DE ÁGUAS: ESTUDO DE CASO DO GRUPO DE EDUCOMUNICADORES DO CBH

RIO GRANDE-BA

RESUMO

A proposta deste trabalho é analisar os resultados de uma ação metodológi-ca, de caráter educomunicativo, na construção coletiva de um espaço de interlocu-ção entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande e a sociedade local. A ação constitui uma nova arena política de caráter cooperativo e solidário – um programa de rádio – na promoção do exercício de normas de conduta dialógica entre os atores envolvidos, além de promover a democratização da comunicação local e a produção e apropriação de conhecimentos e ações (edu)comunicativas e socioambientais, na perspectiva da participação cidadã. A arena política dialógica trabalha as possibili-dades das “subjetividades de fronteira” (SANTOS, 2007) de transição da comunica-ção instrumental (lógica da manipulação e da dominação) para a comunicação livre, racional e crítica; logo possibilidade de recolocar o potencial emancipatório da “razão comunicativa” (HABERMAS, 1997) a partir do diálogo problematizador (FREIRE, 1996) e dos princípios da comunicação popular (KAPLÚN, 1985). O espaço de diá-logo com a sociedade ocorre a partir da construção coletiva de um programa de for-mação em Educomunicação com ênfase em Rádio, onde a investigação supõe e avalia as possibilidades de ações educomunicativas ali exercidas poderem estruturar práticas emancipatórias na gestão compartilhada das águas.

Palavras-chave: Investigação-ação. Ação Comunicativa. Gestão Compartilhada. Fronteira de Transição. Controle Social.

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EDUCOMMUNICATION AND CHALLENGES FOR DEMOCRATIZATION IN WATER MANAGEMENT: CASE STUDY GROUP OF EDUCOMUNICATORES AT THE CBH

OF RIO GRANDE-BA

ABSTRACT

The purpose of this paper is to analyze the results of a dynamical methodology, on educommunicative character, in the establishment and reflection of the communicative process for dialogue between the Watershed Committee of the Rio Grande and the local society. The action constitutes a new political arena of cooperative character - a radio program - in promoting the pursuit of standards of conduct dialogue between the actors involved. It also promotes the democratization of local communication and the production and appropriation of knowledge, (edu) communicative and socio-environmental action, in the perspective of citizen participation. The political arena works dialogic possibilities of the "border subjectivities" (Santos, 2007) in the transition of instrumental communication (logic of domination and manipulation) to the free and critical communication; therefore the possibility of replacing the emancipatory potential of “communicative reason" (Habermas, 1997) from the problem-solving dialogue (Freire, 1996) and the principles of popular communication (Kaplún, 1985). The space for dialogue with society stems begins from a collective construction of a training program in Educommunication with emphasis in Radio, where research builds upon and assessing the potential for actions carried out there to be able to structure (edu) communicative and emancipatory practices in the management of shared waters.

Keywords: Research-action. Communicative Action. Shared Management. Border Transition. Social Control.

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1 INTRODUÇÃO: UM BREVE RELATO PESSOAL

Para compreender as formas e momentos diferentes da manifestação de con-

flitos de interesses e dificuldades na democratização dos processos na gestão das

águas vale a pena trazer aqui um pouco da história da própria pesquisa. O projeto

começou a ser gestado no ano de 2008. Em 2007, o INGÁ (então SRH) criou a Uni-

versidade das Águas (UNIHIDRO) e realizou alguns convênios com universidades,

entre os quais esteve o convênio com a Universidade Estadual de Santa Cruz

(UESC), para o Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Os con-

vênios faziam parte da nova política do governo recém-empossado e visava qualifi-

car os técnicos da casa, estendida em percentual de vagas à sociedade civil. Asse-

gurava o apoio ao desenvolvimento das pesquisas, portanto os pesquisadores não

poderiam pleitear bolsas ou outros financiamentos para seus trabalhos.

A mestranda atuava, à época, junto ao órgão gestor das águas, a partir de

contrato via instituição conveniada, na função de Analista Ambiental e a serviço da

coordenação responsável pela secretaria dos Comitês de Bacia. A Bahia contava

com seis comitês instalados desde a gestão anterior e logo se abriu edital para “pro-

vocar” a instalação de outros. Representações de quatro bacias se habilitaram e ini-

ciaram processo de mobilização para instalação. Jornalista de formação e na função

de Analista Ambiental, a mestranda foi designada a acompanhar algumas plenárias

dos comitês já existentes e das comissões eleitorais para os novos, com o objetivo

de identificar causas e construir soluções com os demais técnicos, para problemas e

conflitos comuns. No relatório técnico apresentado ao Ingá, foram apontados: 1) difi-

culdades de diálogo: entre os Comitês e a sociedade local, entre os próprios mem-

bros e entre os membros e o sistema gestor; 2) gestão pouco participativa; e 3) bai-

xa frequência nas plenárias; 4) pouca ou nenhuma representatividade dos membros;

5) pouco (quase nulo) envolvimento da sociedade; 6) pouca ou nenhuma qualifica-

ção dos técnicos da casa para a promoção da inclusão/participação.

Para a sociedade em geral, aí incluindo diferentes segmentos, tudo (ainda)

era novidade na Gestão de Águas, inclusive a nova Legislação de Meio Ambiente do

Estado, que estava em consulta pública. Havia no INGÁ um discurso para fazer a

democracia da gestão o mais participativa possível. Tal discurso convivia com a falta

de regulamentação para muitas ações e ainda com o medo de existirem pessoas na

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equipe cujos interesses partidários supostamente podiam ser contrários aos de Go-

verno ou até mesmo de Estado. Assim, o discurso democrático acontecia apenas

para fora. Internamente, existiam os técnicos recém-contratados, a maioria filiada ao

partido do governo, os servidores concursados e alguns “sem bandeira partidária”,

entre os quais a mestranda se situava, porque foi contratada por ser proativa no mo-

vimento social e pela experiência que trazia com a Agenda 21 em Salvador.

O espaço aparentemente democrático era uma arma contra quem queria e-

xercer a democracia, à medida que possíveis críticas podiam ser consideradas “do

contra” e cabeças podiam rolar. Para manter-se na experiência de trabalhar com o

governo, fazer alguma coisa creditada “boa” para a sociedade era necessário exer-

cer a política partidária, no sentido de tomar partido de um ou outro chefe. A outra

opção era se tornar um ser alienígena na instituição. Em paralelo a tal quadro, havia

uma verdadeira corrida interna para ver quais ações se destacavam mais nas reuni-

ões de diretoria, quais capitaneavam mais verbas, quais envolviam maior número de

beneficiados ou mereciam destaque na mídia, etc.

Conviver numa relação de trabalho, internamente, era andar “pisando em o-

vos”: dizer não dizendo, propor não propondo, fazer algum partidário perceber a

proposta ou a crítica e apropriar-se dela. A ida a campo tornava-se então uma co-

memoração também conflituosa porque significava – enfim! – lidar com a sociedade,

porém ver, sem concordar, a forma de diálogo dos técnicos do INGÁ nas plenárias,

no padrão da informação bancária: o discurso, a apresentação em data-show com

pouco ou quase nenhum tempo para debates e não raro perceber alguém receber

uma ‘trancada’ e se arriscar a cair no ostracismo por ter se posicionado contra algum

aspecto do que estava sendo dito.

Para quem veio de uma experiência de construção coletiva de Agenda 21, a

princípio tudo era uma questão de saber lidar com a perspectiva do acolhimento.

Nesse contexto, o discurso da Educomunicação foi posto como proposta de se cons-

truir coletivamente, com cada Comitê, um plano de ação que pudesse responder aos

próprios problemas relativos à comunicação. Surgiu a oportunidade de renovação de

um convênio para ações com os comitês e a proposta foi encaminhada sob o carim-

bo de um recurso do Banco Mundial (BIRD), via Agência Nacional das Águas (ANA).

Ao mesmo tempo foi publicado o edital do mestrado – e por que não? - pare-

cia oportuno encaminhar uma proposta de pesquisa para que, na ação metodológi-

ca, os comitês praticassem um pouco o diálogo. A ação foi sugerida no convênio

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com o BIRD. Os dois projetos tiveram anuência da diretoria do INGÁ, sendo depois

aprovados pela ANA e pela UESC. A criança precisava nascer em ações no Comitê,

dando vida ao objeto da pesquisa. Mas a mesma disputa interna, já referida, travou

o projeto da ação com os Comitês, porque a Divisão de Educação Ambiental (DEA)

requeria para si a administração do projeto que se encontrava na Coordenação de

Gestão Participativa. A Assessoria de Comunicação (ASCOM) declarou, inicialmen-

te, que não apoiava o projeto, por considerá-lo “um tiro no pé” porque significava dar

voz e espaço para uma sociedade não preparada, o que podia se transformar num

ataque gratuito ao próprio órgão gestor.

Para manter a proposta na casa foi necessário convencer a ASCOM com um

argumento dramático: “me deixe provar que a sociedade tem compromisso com o

processo de gestão das águas. Veja as críticas como bem vidas, porque significa a

possibilidade de corrigir e/ou avaliar o que não esta dando certo ou o porquê da crí-

tica. Se você achar que esta prejudicando a gestão, me responsabilize e eles me

demitem”. O recurso aprovado era a possibilidade de se fazer algo diferente da co-

municação/informação de folders e bonés e cartilhas. A ASCOM autorizou um “balão

de ensaio”, com a proposta de levar os membros da comissão eleitoral a traçar e a-

plicar um plano de ação para divulgar o processo eleitoral. Os resultados foram ani-

madores. Porém as disputas internas pela gerencia do Educom permaneciam, até

porque a DEA trazia na legislação uma referência ao termo, enquanto instrumento

de EA a ser adotado na promoção da cidadania e da qualificação da sociedade. E

argumentava a inconveniência de projetos paralelos na casa, sob o mesmo carimbo.

O INGÁ entrou em processo de reestruturação institucional e logo no começo

do planejamento o projeto foi para a DEA. Internamente houve outros entraves de

mudanças de diretoria, reestruturação interna etc., e o projeto parou novamente por

alguns meses, enquanto no mestrado se apostava que tudo vai acabar sincronizan-

do com o tempo de ida a campo para a pesquisa. Porém, na DEA, o Educom se tor-

nou uma ferramenta dos demais projetos e não deveria estar mais atrelado à pes-

quisa do mestrado. Na sequência, o INGÁ perdeu o prazo e os recursos do projeto

junto ao BIRD/ANA. Meses antes deste último episódio, a mestranda se vê sem

condições de manter-se como Analista Ambiental no INGÁ. A função passou a exigir

um trabalho de outras pesquisas e relatórios que envolviam viagens prolongadas em

programas e áreas distintas no Estado, criando impossibilidades para assistir aulas,

dedicação aos estudos, ida a campo... e assim decidi priorizar o mestrado, pedindo

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demissão, com a promessa de que a pesquisa teria o apoio do convênio

UNIHIDRO/UESC.

Houve alguns impedimentos burocráticos nos repasses de verbas do convê-

nio UNIHIDRO/UESC e o projeto somente tornou-se possível com o apoio da direto-

ria do CBH Rio Grande, que acreditou na proposta, solicitou e conseguiu o apoio da

Prefeitura de Barreiras. O grupo de pessoas convidadas a participar das oficinas de

educomunicação também acreditou no projeto, aceitando as mudanças nas regras

do jogo: previam-se despesas pagas para deslocamentos, refeições e alojamento,

conforme a necessidade de dois dias para cada oficina – um dia para construções

teóricas e outro para as práticas. Cada oficina teve que ser reduzida de 16 para 8

horas corridas, para cortar despesas. Pagaram-se algumas refeições para assegu-

rar, durante o almoço, outros momentos de interação e troca e pagou-se também al-

gum deslocamento, para aqueles que colocaram a dificuldade financeira como con-

dicionante à participação semanal nas oficinas. Tornou-se necessário assegurar o

recurso de deslocamento e estadia da mestranda de Salvador para Barreiras, a cada

semana, considerando que a UESC não dispunha de recursos, porque não repassa-

dos pelo convênio com o INGÁ.

A redução do tempo das oficinas poderia ser um grande prejuízo, porque se

perderia a possibilidade prévia de percepção/reflexão do “agir comunicativo”

(HABERMAS, 1997) e das discussões teóricas, principalmente sobre legislação e os

instrumentos da gestão, que reforçavam o tom de construção de processo e de diá-

logo, necessários às possíveis mudanças de atitudes entre os próprios educomuni-

cadores. Porém o grupo experimentou, logo no primeiro programa de rádio levado

ao ar, o desafio do ensino-aprendizagem, a partir da pesquisa necessária na produ-

ção do programa, na construção do roteiro e no calor do debate ao vivo, durante as

entrevistas. O programa de rádio foi produzido na segunda oficina, para o sábado

seguinte. Na fala de um participante:

Por ser uma coisa comunitária, que acho importante, por ser a construção de um saber que estou também ensinando e por ser cidadania. [...] a popu-lação, incluindo o grupo [...] tem que se apropriar desses saberes para con-seguir mudar algumas coisas. (AS 11, Entrevista semi-estruturada, 2009).

Os educomuncadores perceberam que poderiam continuar aprendendo-

ensinando no diálogo mútuo, com o público e com entrevistados. Entretanto, os cor-

tes de verbas já explicitados resultaram em perdas importantes ao projeto. Uma de-

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las foi a possibilidade dos educomunicadores trabalhar em rede. A proposta aprova-

da pelo BIRD/ANA envolvia quatro comitês recém-instituídos: além do CBH Rio

Grande, os CBHs Rio das Contas, Rio Corrente e Rios do entorno do Lago Sobradi-

nho. A pesquisa fez um recorte, optando pelo CBH Rio Grande (v. Área da Pesquisa,

Capítulo 3). Mesmo neste, a ação proposta envolvia a formação de grupos e a par-

ceria com rádios em pelo menos um município em cada uma das oito sub-bacias, fa-

cilitando a produção e troca de informações dentro da própria bacia hidrográfica.

Previa também um site onde os programas produzidos seriam depositados e dispo-

nibilizados a qualquer interessado e onde se disponibilizaria também entrevistas per-

tinentes ao tema das águas, a serem disponibilizadas para acesso e uso de divulga-

ção, inclusive pelos educomunicadores nos diferentes programas. O corte nos recur-

sos reduziu a ação a apenas uma rádio local.

Finalmente, devo salientar que sou agradecida a tudo o que aconteceu duran-

te o processo de “ensino-aprendizagem” de caráter dialógico e reflexivo desta pes-

quisa. Cada dificuldade foi transformada num desafio para o grupo (nele, a pesqui-

sadora) e se tornou um elemento para o crescimento individual e coletivo. As rela-

ções com o INGÁ, com a UESC, com o CBH e com os educomunicadores se consti-

tuíram num grande aprendizado.

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este trabalho se propõe a analisar uma investigação-ação enquanto processo

metodológico de construção coletiva de um canal de comunicação dialógica entre o

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande - Oeste baiano e a sociedade local, rea-

lizada pela pesquisadora. A ação deu-se no segundo semestre de 2009, a partir da

seleção de 15 pessoas para constituição de um GT para o Programa de Formação

em Educomunicação com Ênfase em Rádio, sendo este realizado em oito oficinas

de produção do programa de 40’ na Rádio Barreiras.

A pesquisa realizada nessa experiência buscou agregar àquele espaço de di-

álogo três abordagens: a comunicativa, a cognitiva e a transdisciplinar, fundamenta-

das em cinco teorias: da educação dialógica, da comunicação popular, da complexi-

dade, da ação comunicativa e da transdisciplinaridade, que apoiaram as concepções

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e metodologias construídas e dinamizadas, avaliadas e sistematizadas.

A dissertação foi organizada em cinco capítulos. O primeiro traz o contexto

social e político em que a dissertação se desenvolve e os argumentos que justificam

a pesquisa, definindo ainda os objetivos e a hipótese deste trabalho; o Capítulo 2

descreve o referencial teórico, os conceitos científicos contextualizados e que estru-

turam a dissertação; a seção demonstra também, no Estado da Arte e algumas ex-

periências que sinalizaram a necessidade de um trabalho nessa área; o terceiro ca-

pítulo descreve a área da pesquisa e os processos metodológicos utilizados; os mé-

todos adotados na estruturação da pesquisa e a opção por uma investigação-ação;

o capítulo 4 organiza os resultados alcançados; finalmente, o capítulo 5 conclui a

dissertação, relacionando os objetivos e proposições com os resultados alcançados.

O CBH constitui a base local do Sistema Nacional de Gerenciamento de Re-

cursos Hídricos (SINGREH). É o “parlamento das águas”, conforme previsto na Lei

das Águas - 9433/97 (BRASIL, 1997). Sua composição quer envolver os múltiplos

usos das águas, na lei reunidos nos setores: Poder Público, Sociedade Civil e Usuá-

rios com respectivos segmentos.

Ao tratar das ações de implementação da Política Nacional de Recursos Hí-

dricos, o Art. 3º da Lei Federal 9433/97 estabelece, como diretrizes gerais do

SINGREH, uma complexidade de interações:

I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspec-tos de quantidade e qualidade; II - a adequação da gestão de recursos hí-dricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País; III - a integração da gestão de recur-sos hídricos com a gestão ambiental; IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regi-onal, estadual e nacional; V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo; VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras (BRASIL, 1997).

Percebe-se, nas diretrizes legais para a gestão das águas, uma demanda de

ações e conhecimentos interligados que se constituem num desafio para cada um e

todos os agentes envolvidos na gestão. Isso porque a água, essencial à vida no am-

biente, passa por processo acelerado de degradação e, do ponto de vista da quali-

dade, passou a ser considerada um bem finito. A complexa gestão desse bem se a-

presentada enquanto elo necessário ao estabelecimento de uma sociedade cidadã,

movida por “racionalidades” éticas (HABERMAS, 1997) e fundada nos princípios da

“participação” (DEMO, 1988) e da inclusão social.

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As mudanças nos processos políticos da tomada de decisão no setor público

brasileiro vêm ocorrendo na intenção de resposta ao acordo celebrado entre povos

do mundo, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De-

senvolvimento (CNUMAD - Rio 92), traduzido no documento Agenda 21 (1992) e ra-

tificado na Carta da Terra. Publicada em 2000, por comissão internacional indepen-

dente, a Carta da Terra é uma declaração internacional de princípios e intenções,

um marco de guia ético cuja legitimidade vem sendo fortalecida pela adesão de mais

de 4.500 organizações internacionais, incluindo organismos governamentais, objeti-

vando a sustentabilidade global a partir do local, entre estes o Governo brasileiro. O

documento reconhece a sustentabilidade planetária nos objetivos de proteção eco-

lógica, erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico equitativo, respeito aos

direitos humanos, democracia e paz, todos interdependentes e indivisíveis.

Assim, a Lei das Águas (BRASIL, 1997) estabelece critérios na pretensão de

atender à declaração internacional de princípios éticos fundamentais para a constru-

ção, no século XXI, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. Soares

(2008) chega a afirmar que as discussões acerca das mudanças de processos políti-

cos na última década estão relacionadas com os processos de governança, em es-

pecial na gestão dos usos da água, que pretende ser por consenso entre interesses

divergentes (SOARES, 2008).

Os conflitos, que são inerentes à condição humana, passam a ser qualificados pelas complexas relações ambientais, sociais e econômicas que envolvem a função do CBH, além da difícil comunicação entre várias visões e linguagens diferentes, todas consideradas legítimas (SOARES, 2008).

O CBH é, assim, o Parlamento das Águas, e sua gestão deve compreender

muito além dos diferentes sistemas e políticas públicas, porque incorpora a partici-

pação social enquanto processo de inclusão e como um elemento essencial na to-

mada de decisões, que implica numa redistribuição do poder. Estudos recentes

sobre indicadores de capacitação na gestão das águas demonstram que os CBHs

não estão preparados para exercerem seu papel no atual contexto. Além dos varia-

dos conflitos de interesses, a sociedade civil está, geralmente, mais afastada do pro-

cesso de decisão, ainda que fisicamente presente nos arranjos de composição.

“Sem a conscientização e a capacitação dos decisores, os CBHs ficam sujeitos a

riscos de desequilíbrios de interesses” (MAGALHÃES, 2003, p.332).

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Se o modelo de sustentabilidade embutido na estrutura legal do CBH pressu-

põe o fortalecimento da cidadania, exigida na participação dos diferentes setores so-

ciais, tal participação não pode admitir assimetrias no poder de decisão e, nesse as-

pecto, a qualificação para a tomada de decisões torna-se essencial (e tem sido dife-

rencial de peso na desigualdade de condições) entre os pares. A lei prevê a gestão

compartilhada, responsabilizando a sociedade em geral e cada um dos setores e

categorias profissionais pelo seu uso sustentável. Requer, assim, uma política que

de fato assegure um novo uso dos recursos hídricos.

O Brasil tem registro de uma longa prática de autoritarismo, desde que aqui

chegaram os portugueses em 1500, com a subjugação dos povos indígenas e a co-

lonização. O golpe militar de 1964 ficou sendo um reforço autoritário para silenciar

posições contrárias à continuidade da colonização, nesta fase já atendendo à ten-

dência de um novo modelo econômico, a produção industrial. Com tal história, fun-

dada nas práticas autoritárias – coronelista e paternalista –, estas perduram nos pro-

cessos “participativos”. De forma geral “participar” tem significado reunir seletos con-

vidados, em critérios que até podem envolver “jogos de poder” (RUA, 1997) e em cu-

ja participação mais caracteriza um “referendar” de acordos e projetos que acabam

“camuflando” as exigências legais. A situação se confirma numa estrutura de estado

ainda carregada de centralismo – quando não político, tecnicista – e resistências às

mudanças, mesmo em momentos de governos mais democráticos1.

Marilena Chauí toma de empréstimo o conceito de hegemonia em Gramsci,

para afirmar que “hegemonia2 é sinônimo de cultura em sentido amplo e sobretudo

de cultura em sociedade de classes” (2006, p. 20 - grifo da autora). Da situação he-

gemônica caracterizada na sociedade brasileira, Chauí faz a leitura de como sujeitos

sociais se representam a si mesmo, assim representam uns aos outros, e o modo

como interpretam os acontecimentos, o espaço, o tempo, o trabalho. Nessa perspec-

1 A este respeito, Ivonildes Medeiros, coordenadora do Grupo de Recursos Hídricos do curso de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica de Engenharia da Universidade Federal da Bahia e com experiência junto ao Comitê Federal do Rio São Francisco chega a considerar que a maior dificuldade na gestão participativa dos RH esta relacionada aos gestores públicos. Segundo afirma, quando não se colocam como os donos da verdade, se posicionam como se o assunto comitê não lhes dissesse respeito (MEDEIROS, Entrevista, 2009) 2 “[...] O conceito gramsciano de hegemonia ultrapassa o de cultura porque indaga sobre as relações de poder e origem da obediência e da subordinação voluntária; e ultrapassa o de ideologia porque envolve todo o processo social vivo como práxis, isto é, representações, normas e valores são práticas sociais historicamente determinadas [...] A hegemonia não é um sistema e sim um complexo de experiências, relações e atividades cujos limites estão socialmente fixados e interiorizados. É constituída pela sociedade e, simultaneamente, constitui a sociedade, sob a forma da subordinação interiorizada e imperceptível” (CHAUÏ, 2006, p.22).

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tiva, é possível compreender que a situação da participação no Parlamento das Á-

guas traduz outra complexidade: a representatividade. Porque o processo de gestão

das águas requer a compreensão sobre quais interesses estão representados e são

contemplados na composição do CBH. Apesar de esse aspecto não se configurar

como objeto de estudo deste trabalho, ele terá abordagem para o entendimento das

racionalidades predominantes.

Na experiência institucional realizada pela filósofa Marilena Chauí (2006), jun-

to à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, fica constatada a dificuldade em

lidar com processos libertários e mudanças de atitudes na sociedade brasileira:

O pensamento e o discurso da direita, apenas variando, alterando e atuali-zando o estoque de imagens, reiteram o senso comum que permeia toda a sociedade e que constitui o código imediato de explicação e interpretação da realidade, tido como válido para todos [...]. Assim, enquanto para a direi-ta basta repetir o senso comum produzido por ela mesma, para a esquerda cabe o trabalho da prática e do pensamento críticos, da reflexão sobre o sentido das ações sociais e a abertura do campo histórico das transforma-ções do existente. (2006, p.7-8)

Chauí entende que compete à esquerda assumir este papel crítico e emanci-

patório através da prática social e política. Refere ainda que à esquerda cabe criar a

condição de ruptura das situações estabelecidas (de reprodução da exploração e da

dominação) e essa ruptura reside sobretudo na esperança racional de experiências

e ideias que possam afirmar a possibilidade da justiça e da liberdade (2006, p.8).

É neste contexto que os Comitês de Bacias Hidrográficas da Bahia se situam.

Ainda que, para o Parlamento das Águas, os processos de estruturação sejam aber-

tos à participação pública, conforme prevê a legislação, poucos se sentem “parte” do

convite, aí se identificando o histórico da relação “escolhido x excluído” (DEMO,

1988). Em ambas as situações, as relações referidas são reforçadas por um compor-

tamento moldado nos padrões de comunicação e educação que vieram embutidos

no modelo econômico importado dos países da América do Norte, na década de

1960 – uma educação/informação centrada em dois formatos: bancário, com ênfase

nos conteúdos; manipulador, com ênfase nos resultados (KAPLÚN, 1985).

No Brasil, o Governo Federal vem sinalizando outra forma de educar/informar,

no âmbito do ensino formal, não formal e informal. São exemplos dessa sinalização

as propostas do Programa de Educomunicação Socioambiental do órgão gestor da

Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) do Governo Federal (BRASÍLIA,

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2005). O documento técnico traz um “esboço da formulação de uma política pública

de comunicação para a Educação Ambiental - EA”, que defende a importância da

não prescrição de metodologias e ações educativas de forma a tornar inalienável

uma ética discursiva e comunicativa de caráter dialógico e crítico, em conformi-

dade com enunciados dos teóricos: Paulo Freire, Martin Buber, Gramsci, Habermas,

Foucault, Jacob Levy, dentre outros (BRASÍLIA, 2005).

Na visão de Pedro Demo (1998), a conquista participativa é componente fun-

damental da política social, “já que não pode ser resumida a serviços do Estado ou a

propostas das instituições de planejamento, ou a atendimentos compensatórios e

assistencialistas” [...] “A liberdade só é verdadeira quando conquistada. Assim tam-

bém a participação” (DEMO, 1998, p.16, 24). Significa que o Estado deve se com-

prometer a sustentar a necessária estrutura transformadora que possibilite à socie-

dade a assumir como conquista sua.

Considerando o que define a PNEA, uma intervenção educomunicativa nos

espaços públicos de Comitês de Bacias Hidrográficas supõe a necessidade do cará-

ter socioambiental, porque envolve o cuidado com as águas, com o ambiente e, ao

mesmo, tempo supõe a necessidade de estruturação de práticas emancipatórias na

sociedade, em busca da inclusão, do controle social, de atitudes críticas e éticas, na

perspectiva da sustentabilidade. Supõe ainda que mudanças estruturantes no pro-

cesso de decisão do Parlamento das Águas, desde a superação de conflitos de inte-

resses de uso, àquelas exigidas no arcabouço jurídico da gestão para a sustentabili-

dade, passam necessariamente por uma mudança nas relações de poder para a

tomada de decisões. Conforme assinala Foucault (1981), relações de poder não e-

xistem enquanto princípio em si, mas são estabelecidas nas formas de convivência

fomentadas e acatadas: “[...] o poder não existe; existem sim práticas ou relações de

poder, o que significa dizer que o poder é algo que se exerce [...] não é uma coisa,

mas uma relação” (FOUCAULT, 1981 apud DOSSE, 2001, p.223).

O conjunto de argumentos remete às práticas comunicacionais, que podem

ser autoritárias ou libertárias, sustentadas nos atos de fala que estabelecidos nas re-

lações e nos instrumentos de comunicação adotados ou não, no compartilhamento

pretendido. O caráter predominante em tais práticas comunicacionais (in)formativas

e/ou educativas tendem a fortalecer processos emancipatórios – ação comunicativa

– ou processos de dominação – possível na razão/ação estratégica (HABERMAS,

1997). Não basta estabelecer a paridade numa composição de diretoria do Comitê

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de Bacia, na pretensão da gestão compartilhada, se internamente as “relações de

poder” permanecem inalteradas, no discurso, nos debates e nos jogos políticos.

Nesse quadro, não cabe a construção do consenso e a inclusão social.

Para fugir dos modelos/soluções em políticas públicas definidos por Rua

(1997) – Incremental, Racional Compreensivo e Mixes-Scanning – que limitam o

processo decisório aos conceitos de lutas, jogos ou debates e à prevalência do “jogo

de poder”3, a investigação-ação em pauta optou pela produção de uma nova arena

política dialógica, um programa de rádio, no qual se estabelece uma situação de diá-

logo em exposição pública de alcance amplo, geral e irrestrito. Considera-se, na

proposta, que os dois espaços (plenária e programa de rádio) são complementares,

na relação do Comitê de Bacia com a sociedade, via ação Educomunicativa Socio-

ambiental. A arena política dialógica do e/ou para o CBH se estabelece a partir da

formação de um grupo de educomunicadores e uma parceria institucional com uma

rádio local, que abre espaço gratuito para a sociedade tematizar assuntos de inte-

resse coletivo, podendo assim caracterizar a um processo de democratização da

comunicação.

Têm-se assim, na relação do CBH com a sociedade local, dois espaços políti-

cos de caráter cooperativo e solidário:

1) a arena da plenária, constituída dos membros do comitê e onde a tomada

de decisão é ainda realizada pelo voto da maioria, que favorece o “lado

sombra” da política nos jogos de poder; e

2) a arena dialógica do programa de rádio, onde oficialmente não existe

decisão, porém o diálogo e o debate devem prevalecer na construção do

conhecimento que a sociedade precisa ter sobre os temas em pauta no

Comitê. Dois espaços não antagônicos, que não competem entre si, porque

não são rivais, mas cooperativos e solidários.

O caráter público da segunda arena política dialógica supõe que uma rádio

AM de amplo alcance pode ser acessada por qualquer pessoa; e pressupõe que o

programa venha a alcançar níveis crescentes de audiência, fruto do próprio exercício

democrático. No estúdio da rádio, o debate dialógico busca estabelecer a simetria

entre os atores, considerando fundamental dar espaço para quem informa e respon- 3 RUA (1997) define “jogo de poder” como as relações que envolvem persuasão, conchavos e acordos.

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de e igualmente abrir espaço a quem problematiza, para conhecer e esclarecer aos

ouvintes. A busca da simetria se dá no estabelecimento de normas de conduta e

mediação, avaliadas e revisadas a cada novo programa. A cada programa deve-se

eleger um mediador dos debates, orientado a atentar para a prática da equanimida-

de e acolhimento dos diferentes atores. De forma ideal, a equanimidade deve preva-

lecer nas relações de poder, na mediação, no interromper para melhor direcionar a

mensagem, no passar a palavra ao outro. O colocar-se e auto-avaliar a receptivida-

de do que foi dito permite comparar, ponderar, permite inclusive mudar de opinião,

na perspectiva da construção de um novo conhecimento a ser mais que (in)formado,

publicitado via microfone. Por se tratar de um processo em construção, não é supos-

to que a arena política dialógica alcance uma forma ideal de ação no período desta

pesquisa, mas que esta busca aconteça de forma dialética e permanente.

É no espaço do programa de rádio que os temas da pauta do CBH são discu-

tidos diante de um público de audiência indefinida4. Quanto ao tema ali abordado,

este pode ser, inicialmente, de conteúdo e interesses conflitantes e terminar com a

construção de novas possibilidades, considerando o caráter educativo e informativo

do diálogo. Desse modo, o espaço do programa de rádio deve trazer à pauta do diá-

logo aspectos do “mundo da vida” (HABERMAS, 1997), em atos de fala regulados

por normas, inclusive aqueles atos de fala expressivos e dramatúrgicos

(HABERMAS apud SIEBENEICHLER, 1994, p.113), em que a “ação comunicativa”

permite o desenvolvimento das racionalidades.

Os conceitos envolvidos na teoria habermasiana da “ação comunicativa” en-

volvem um agir baseado em normas de conduta que evolui para o “entendimento

mútuo”. Habermas propõe um modelo de desenvolvimento da identidade do Eu, uma

estrutura do agir comunicativo onde o ser humano e a sociedade adentram e desen-

volvem “autonomia” e “competência interativa” na construção de identidades sociais

emancipadas e críticas (HABERMAS, 1983). Na situação expositiva do microfone de

uma rádio, a acuidade do agir comunicativo deve se tornar essencial e, assim, a ca-

pacidade argumentativa de cada ator social (membros do CBH, técnicos e educo-

municadores) tem oportunidade de se desenvolver plenamente.

4 A audiência de um programa de rádio atinge um público heterogêneo e, na sua área de ação, está acessível a um público difuso, de todas as classes e interesses.

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[... no discurso prático] os participantes, no momento mesmo em que ence-tam uma tal prática argumentativa, têm de estar dispostos a atender à exi-gência de cooperar uns com os outros na busca de razões aceitáveis para os outros; e, mais ainda, têm de estar dispostos a deixar-se afetar e motivar, em suas decisões afirmativas e negativas, por essas razões e somente por elas. (HABERMAS, 2007, p.15).

O aspecto formativo e cognitivo da ação construída nesta pesquisa fica claro

na fala de atuante liderança, feito representante no Comitê, ao se referir à Gestão

Participativa e à própria atuação no CBH. A princípio relutante, ele chegou a questi-

onar se poderia ser “destituído” da diretoria do comitê, porque significava admitir

que, em quase dois anos, desde a mobilização das eleições, entendeu quase nada

da gestão compartilhada das águas: “O que eu tava fazendo ‘alguém’ é quem tava

me ensinando. [...] Até agora ouvi pra aprender. Hoje já falo alguma coisa” (AS-14.

Entrevista semi-estruturada, 2009).

A experiência da investigação-ação junto ao Comitê do Rio Grande sinalizou

que o processo, além de cognitivo, ocorre também no âmbito formativo, alcançando

simultaneamente os educomunicadores enquanto mediadores e entrevistadores, os

técnicos enquanto especialistas entrevistados ou debatedores e a opinião pública

enquanto ouvinte-interativa. Na fala de agente social, em referência ao programa “A

voz do rio Grande”, a arena dialógica do CBH com a sociedade estabelecida a partir

da dinamização desta investigação-ação, o programa vem mudando visões 5.

O tempo da pesquisa (dois meses) não permitiu avaliar outros indicadores de

desempenho da gestão compartilhada. Porém, entre aqueles que de alguma forma

participaram ou participam do grupo de interlocução, via programa de rádio, foi pos-

sível registrar alguns avanços qualitativos para a gestão. Porém o tempo deste tra-

balho não permitiu respondeu à pergunta: até onde, em que tempo e como o “agir

comunicativo” estabelecido no programa de rádio alcança e interfere em e/ou trans-

forma o “agir estratégico” da plenária do Comitê? A perspectiva que se instala é de

que o exercício do diálogo, ao fazer parte do mundo da vida entre os pares do Comi-

tê, estabelece, também ali, novas relações de poder.

Em síntese, a investigação-ação desenvolvida nesta pesquisa é dinamizada

no formato de um Programa de Formação em Educomunicação com Ênfase em

5 “O grupo se mobiliza para fazer os programas, se aprofunda nos assuntos que serão debatidos, aprende com os entrevistados, discute as questões e se compromete com prazer à causa. O programa, com certeza, tem mudado a visão dos educomunicadores e estes vêm contribuindo para a transformação dos conceitos do público ouvinte” (AS-16, Entrevista semi-estruturada, 2009).

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Rádio, em um processo que envolveu oito oficinas. O programa de formação possi-

bilita estabelecer e avaliar como se dá o protagonismo social através do ensino-

aprendizagem permanente e processual na estrutura de um grupo de educomunica-

dores que se constituem um elo entre as ações do Comitê da Bacia Hidrográfica do

Rio Grande e a sociedade. Tem como método pedagógico a dialética problematiza-

dora freireana, a partir de aproximações com os teóricos Kaplún, Freire, Santos,

Demo e Habermas. O objeto de estudo se torna, portanto, a dinâmica processual da

arena dialógica na formação do grupo e o resultado/produto do que é construído co-

letivamente na interlocução entre o Comitê de Bacia e a sociedade local, via pro-

grama semanal de rádio.

Por se tratar de um processo, dá-se a avaliação permanente e dialógica na

ação-reflexão-ação, que permite interpretar e ressignificar conhecimentos e atitudes

individuais e coletivas, na direção da sustentabilidade das águas e das relações do

CBH com a sociedade. Nesse sentido, a presente pesquisa define seus objetivos.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

Avaliar os resultados do processo de construção coletiva e apropriação de

ação (edu)comunicativa e socioambiental, como espaço de interlocução entre o Co-

mitê e a sociedade, na produção de conhecimento, promoção do diálogo e da parti-

cipação cidadã e alternativa para a superação de conflitos de interesses na gestão

das águas.

1.2.1.1 Objetivos Específicos

Formar e avaliar o Grupo de Trabalho de apoio ao CBH, em processo educomunica-

tivo com ênfase em rádio;

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Avaliar a possibilidade de mudanças e simetrias nas relações de poder, a partir do

estabelecimento de outras formas de racionalidades nos processos comunicacionais

do CBH com a sociedade;

Avaliar o grau de aceitabilidade, qualidade de replicabilidade, bem como as motiva-

ções de aceitação ou não, por parte dos agentes envolvidos, relativas aos métodos

e práticas educomunicacionais propostos;

Contribuir para o desenvolvimento e prática do pensamento crítico enquanto meto-

dologia dialógica na gestão da informação de contexto local.

1.3 JUSTIFICATIVA

A Agenda 21 completou 17 anos de vida em 2009, uma curta existência per-

meada de pressões em três direções: as instituições e agências financeiras interna-

cionais (ONU, Banco Mundial) cobram o cumprimento do acordo internacional e até

condicionam a liberação de recursos e financiamentos à adaptação das políticas pú-

blicas, inclusive no Brasil; o apoio dos movimentos ambientalistas que alcançam as

estruturas de governo e nelas as políticas públicas; e o modelo econômico nacional

remando na direção inversa. Neste cenário foram construídas as leis brasileiras, pa-

ra atender aos compromissos do milênio. Torna-las práticas no cotidiano da socie-

dade envolve interpretações casuísticas e disputas ideológicas e políticas. A Lei das

Águas (BRASIL, 1997) não é exceção.

De acordo com a referida Lei, o propósito da existência do CBH (que em 2009

completou 12 anos de vida institucional no Brasil) é ser um espaço aberto a todos os

movimentos e organizações, na busca de estabelecer outro uso da água, através do

diálogo entre os diferentes interesses, na perspectiva da sustentabilidade6, cujo con-

ceito é aqui emprestado do Manifesto pela Vida (2002).

6 “O conceito de sustentabilidade se funda no reconhecimento dos limites e potenciais da natureza, assim como a complexidade ambiental, inspirando uma nova compreensão do mundo para enfrentar os desafios da humanidade no terceiro milênio. O conceito de sustentabilidade promove uma nova aliança natureza-cultura fundando uma nova economia, reorientando os potenciais da ciência e da tecnologia, e construindo uma nova cultura política baseada em uma ética da sustentabilidade – em valores, crenças, sentimentos e saberes – que renovam os sentidos existenciais, os modos de vida e as formas de habitar o planeta Terra” (MANIFESTO PELA VIDA, Bogotá, 2002).

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Como assegurar que a abertura democrática para a sociedade civil inclua a

sociedade dos excluídos? Como evitar que a abertura democrática seja comprome-

tida ou esteja a serviço de ideologias e/ou partidos políticos? Como garantir que to-

dos os segmentos e representações estejam não apenas representados, mas de fa-

to compartilhando a gestão em busca da sustentabilidade das águas?

Considerando que a gestão envolve um sistema complexo, diferentes teorias

científicas trazem diferentes aspectos de análise do tema, algumas com interces-

sões em aspectos substanciais, porém contraditórios no conjunto deste trabalho.

Giddens (1991), por exemplo, parece apontar um ponto de avaliação com a teoria da

Modernização Reflexiva, quando caracteriza a sociedade moderna como uma confi-

guração espacial cada vez mais remetida aos conceitos do mundo virtual. Para ele,

a modernidade experiência “deslocamentos” das relações sociais de contextos locais

de interações, “desencaixes” que determinam o caminhar rumo às tecnologias de in-

formação e comunicação, como ferramentas de difusão e construção de conheci-

mento, impelindo para o processo educativo indivíduos que hoje estão à margem

das políticas e programas educacionais. Conforme Giddens, esta nova configuração

orienta as práticas sociais, as atividades culturais, a convivência, as relações comer-

ciais e a educação, oferecendo condições de maior flexibilidade conceitual nos indi-

víduos para mudanças nas relações com o meio em que vive (1991, p. 29).

As diferentes explicações conceituais na chamada Modernização Ecológica

(ME) parecem querer explicar/adaptar a teoria de acordo com demandas emergen-

tes. Neste movimento, em determinado momento adeptos da ME afirmam a tendên-

cia anunciada por Giddens, porém apenas no aspecto de que o capitalismo se torna

agente da própria transformação. Em essência a ME defende que o desenvolvimen-

to tecnológico baseado em preceitos ecológicos seria o principal caminho para a so-

lução de problemas ambientais.

[...] a literatura apresenta alguns pressupostos básicos [...] nos vários estu-dos referentes à ME, que incluem: (1) confiança no desenvolvimento cientí-fico e tecnológico como principal estratégia para solucionar problemas am-bientais; (2) desenvolvimento de soluções preventivas para os problemas ambientais; (3) possibilidade de se alcançar, simultaneamente, objetivos ambientais e econômicos; e (4) tomada de decisão baseada no envolvimen-to direto e cooperativo dos grupos interessados. (MILANEZ, 2009, p.4)

A peculiaridade na ME é que o cidadão “é um consumidor treinado pela in-

formação e pelo estímulo econômico” (SPAARGAREN, 1997 apud MILANEZ, 2009

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p.6) e na sua visão utilitarista o meio ambiente é apenas matéria prima para as ativi-

dades econômicas. Cohen (1998 apud MILANEZ, 2009, p.6) chega a propor a “ne-

cessidade das sociedades criarem defesas contra a tendência de usar a natureza

como base para teorizações sentimentais ou reflexões pessoais”. Milanez avalia, en-

tretanto, que as linhas de pensamento da ME “ignoram a existência de uma diversi-

dade de relacionamentos entre pessoas e natureza, portanto contradizem o pressu-

posto de participação na tomada de decisão”. (2009, p.6).

As teorias adotadas como referência neste trabalho – Educação Dialógica,

Comunicação Popular, Ação Comunicativa, Complexidade e Transdisciplinaridade

(abordadas adiante no Capítulo 3 – Fundamentação Metodológica) – não transcre-

vem respostas às questões aqui levantadas, porém são receptivas, acolhedoras às

possibilidades desta investigação-ação, podendo se configurar numa releitura do

que Santos (2007, p.37) define como “uma abordagem pós-moderna de oposição”;

aqui uma abordagem que articula fragmentos de teorias críticas da modernidade

com a possibilidade de desenvolver horizontes analíticos e conceituais, visando um

senso comum emancipatório. Nesta abordagem é também verdadeira a definição:

Na atual fase de transição paradigmática a teoria crítica pós-moderna cons-trói-se a partir de uma tradição epistemológica marginalizada e desacredita-da da modernidade, o conhecimento-emancipação. Nesta forma de conhe-cimento a ignorância é o colonialismo e o colonialismo é a concepção do ou-tro como objeto e conseqüentemente o não reconhecimento do outro como sujeito. (SANTOS, 2007, p.29-30)

Até onde pôde ser percebido, não há contradição entre as teorias da Educa-

ção Dialógica, Comunicação Popular, Ação Comunicativa, Complexidade, Transdis-

ciplinaridade e a Fronteira de Transição. A escolha deste caminho procura ser coe-

rente com os princípios de cada teoria, considerando neles o foco deste trabalho: a

comunicação humana na relação desta com a participação social.

No recorte para a gestão das águas, feita nesta pesquisa, busca-se resgatar

as três implicações da opção científica pelo conhecimento-emancipação neste traba-

lho e apontadas como desafios da abordagem pós-moderna à crítica da teoria crítica

(SANTOS, 2007, p.30): no “diferente”, o quase “silêncio” das “necessidades e aspi-

rações dos povos ou grupos sociais cujas formas de saber foram objeto de destrui-

ção”; na “peritagem heróica ao conhecimento edificante”, a total “descontextualiza-

ção” que oculta o “heroísmo técnico” do desequilíbrio entre ação e consequências e

emperra a transformação social emancipatória; na dicotomia “espera/esperança”, o

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“caráter caótico dos riscos que se tornam presas fáceis de desígnios divinos ou [...]

de contingências absolutas” (SANTOS, 2007, p.31-35).

Estes conceitos podem explicar ao menos duas possibilidades contraditórias

e excludentes de práticas da inclusão participativa na gestão das águas: a) a assimi-

lada e praticada pelo órgão gestor, que ‘inclui’ na medida exata de possibilidades de

negociações para alcançar ‘avanços’ da administração e/ou interesses políticos – de

cima para baixo; e b) aquela demandada pelos movimentos sociais, que considera

os setores e segmentos da sociedade historicamente excluídos dos processos eco-

nômicos e político-sociais – de baixo para cima. A segunda contém a potencia dos

instrumentos legais, esta limitada pelas condições da transição paradigmática e con-

dicionada às “subjetividades de fronteira” da transição - “ora guiada pelo paradigma

dominante, ora pelo paradigma emergente”, “ora atuando sobre os próprios limites

(hibridação) desestabilizando-os até o ponto de poder ir para além deles, sem ter de

os superar” (SANTOS, 2007, p.355).

Os limites da participação social têm encontrado barreiras no conceito de ‘so-

ciedade civil’ na tradição ocidental, que ajudou a definir espaços democráticos da

ação dos cidadãos, mas também definiu espaços de exclusão para aqueles não

considerados cidadãos – mulheres, trabalhadores, negros, indígenas... – deixando

muita gente de fora da ‘cidadania’ (SANTOS, 1997).

Mesmo diante de debates e mudanças legais significativas registradas nas

duas últimas décadas no âmbito sócio-político, as forças econômicas e políticas vêm

confirmando nas práticas sociais o conceito neoliberal de sociedade civil e cidadania,

incorporado pelo que se chamou de ‘governo democrático’, inclusive no Brasil, na

década de 80. Foi quando emergiu a ‘interpretação’ para as ideias da Agenda 21

Global, de devolver à sociedade civil competências que estariam indevidamente nas

mãos do Estado: significou privatizar empresas estatais lucrativas; “[...] fortaleceu um

conceito de sociedade civil que tem muito a ver com mercado e privatizações”

(SANTOS, 1997).

Em resposta às interpretações neoliberais interpõe-se o documento “Manifes-

to pela Vida – por uma ética para a Sustentabilidade”, construído no Simpósio sobre

Ética e Desenvolvimento Sustentável, celebrado em Bogotá/Colômbia (2002). O do-

cumento define os conceitos para sociedade civil, democracia e sustentabilidade,

tornando-os sinônimos de responsabilidade coletiva, igualdade social, justiça ambi-

ental e qualidade de vida, conforme proposto pela CNUMAD, na Rio-92.

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Os princípios do desenvolvimento sustentável partem da percepção do mundo como ‘uma Terra única’ com um ‘futuro comum’ para a humanidade; orientam uma nova geopolítica fundamentada no “pensar globalmente e agir localmente”; estabelecem o “princípio da precaução” para conservar a vida perante a falta de certezas do conhecimento científico e o excesso de impe-rativos tecnológicos e econômicos; promovem a responsabilidade coletiva, a igualdade social, a justiça ambiental e a qualidade de vida das gerações presentes e futuras. (MANIFESTO PELA VIDA, 2002)

O próprio documento afirma ainda que estes conceitos podem e devem ser

revistos, quando forem superados por visões mais amplas e inclusivas. De modo co-

erente ao respeito à diversidade, os preceitos da sustentabilidade ou desenvolvi-

mento sustentável não se traduziram em um corpo de normas éticas de conduta a

reorientar os processos econômicos e políticos até o estabelecimento de uma nova

racionalidade social e formas sustentáveis de produção e de vida (MANIFESTO

PELA VIDA, 2002). As normas éticas de conduta estão abertas ao aprendizado em

experimentos processuais das comunidades. Porém não se pode deixar de reafirmar

o princípio fundamental, já registrado por Santos (1997) em diferentes regiões do

mundo: “[...] numa sociedade onde o mercado se tornou dominante, a sociedade civil

solidária passou a envolver os oprimidos e explorados. Portanto, estamos tentando

construir uma sociedade civil global dos excluídos”.

O processo de inclusão pressupõe (ou anda junto com) o da cidadania, que

se traduz no conceito de protagonismo social. O sujeito se torna protagonista de al-

go quando assume uma posição de forma tão verdadeira que em seu cotidiano sen-

te-se seguro e confortável naquela posição, aquilo passa a fazer parte do seu ser,

de sua existência.

Do ponto de vista da ciência política, o protagonismo social emergiu no con-

texto de outro conceito político, o de ‘governança’ nas relações internacionais. Para

Rosenau (2000 apud SOARES, 2010, p.33), governança significa que mecanismos

informais não governamentais atuam em paralelo às instituições públicas no atendi-

mento às demandas sociais.

Visto que participação e inclusão por vezes se tornam a mesma face da moe-

da, faz-se necessário entender alguns aspectos, no modelo de governança que pre-

valece em nossa sociedade, como elas (a participação e a inclusão) funcionam na

estrutura lógica e legal do parlamento das águas. Ainda que sem fazer uma análise,

neste trabalho, sobre quem são os participantes, ou que interesses protagonizam,

percebe-se, via observação participante de uma reunião plenária, que inexiste a

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qualificação necessária à simetria nas relações decisórias. Mesmo considerando ser

esta uma relação que se estabeleceu recentemente, pode-se observa na plenária a

quase inexistente fala da maioria dos membros da sociedade civil, constatando-se a

falta de preparo destes representantes para debater os temas em pauta.

Porém, do ponto de vista da ‘participação’, pode-se dizer que existe simetria

entre os pares no uso do crachá que os identifica como membros do Comitê, e é

possível que também no “poder de levantar o crachá” para votar. O que não atende

à simetria no aspecto de ser ou não a decisão qualificada, ou seja: se a sociedade

civil (ou todos os membros) tem conhecimento e posição clara a respeito dos assun-

tos, se existe a compreensão do que esta sendo votado, que relação tem o que a

política defende e prioridades de uso, etc. No que pode ser observado há indicações

de que ali se pratica o voto orientado - alguns levantam o crachá para apoiar uma ou

outra proposta, porque participam de algum acordo ou foram persuadidos por algum

grupo de interesse ali presente.

As ações do órgão gestor das águas na Bahia são institucionalmente decla-

radas cada vez mais participativas, o que ocorre também com o texto de decretos e

resoluções que regulamentam a lei. Porém os temas “discutidos” ou “acordados” ou

“combinados” com a sociedade, ainda que passem por consultas públicas7, foram e

continuam sendo um território para “entendidos”, técnicos e especialistas em meto-

dologias “participativas” as mais diversas e experimentos, às vezes “bem intenciona-

dos”.

Antes de atender e praticar os pressupostos éticos e políticos da sustentabili-

dade o modelo vigente de participação esta mais no entorno dos interesses econô-

micos e políticos partidários, que se mantêm por vezes conflitantes, outras vezes

hegemônicos e controladores. Se buscarmos entender as possibilidades em tais re-

lações, elas são diferentes e até contraditórias.

Do ponto de vista das soluções em Políticas Públicas, Rua (1999) limita o

processo decisório à prevalência do jogo de poder. Para ela, um processo decisório

em política pública envolve o formular de alternativas, que por sua vez envolve pre-

ferências e interesses que causam confrontos. Para solucionar os confrontos são

usados os recursos de poder: “influência, capacidade de afetar o sistema, meios de

7 Consultas públicas são processos nos quais decisões de governo são submetidas à apreciação da sociedade em audiências públicas e cujas “sugestões” de aprovação ou reprovação ou ainda modificações e acréscimos podem ou não ser incorporadas.

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persuasão, organização, votos, conchavos...”. Quanto às preferências entre as alter-

nativas, consideram o custo/benefício de cada ator envolvido, que significa vanta-

gens/desvantagens (econômicas, financeiras e simbólicas – e mais uma vez o po-

der, votos, conchavos...) (RUA, 1999).

Ainda segundo Rua, mesmo considerando a forma de relação de poder plura-

lista, em que todos os atorem são equivalentes, a decisão tomada vai exigir pelo

menos 10 condições perfeitas na implementação, que envolvem variáveis importan-

tes: “não admite ambigüidades de interpretações; os elos de cadeia na implementa-

ção devem ser mínimos; devem-se prevenir interferências externas; e há que haver

o controle sobre todos os atores envolvidos”. Por conta das variáveis e do controle

necessário, a autora conclui que as implementações têm se limitado a “ações simbó-

licas de políticas, sem que ocorram mudanças nas estruturas”, ficando os conflitos

postergados para o futuro (1999).

Na concepção analítica realizada pela mesma autora, a implementação de

uma política pública “é um processo interativo e continuado de tomada de decisões

de numerosos e pequenos grupos envolvidos com a política e com suas reações a

ela”. Rua conclui que decisão em Política Pública representa apenas “um amonto-

ado de intenções sob a solução de um problema expressa na forma de determina-

ção legal sem garantia de implementação” (1999).

Na lógica deste trabalho, os recursos de poder podem ser superados na me-

dida da compreensão e compromisso de cada ator, principalmente entre as repre-

sentações da sociedade civil, do seu real papel no CBH; do entendimento contextual

das mudanças ocorridas nas regras do jogo, quando se estabeleceu a participação

como condição da gestão sustentável das águas. Ou seja, os processos decisórios

podem depender mais das condições de diálogo (ou mesmo da presença destas) e

da contextualização necessária, na informação e no debate dialógico, para a preva-

lência do pensamento crítico. Considerando a condição preexistente, a formação

dos atores é admitida no percurso, no exercício prático da democracia. Porém o per-

curso demanda as condições, aqui propostas na comunicação popular, na educação

dialógica, no entendimento da complexidade ambiental, no desenvolvimento de ca-

pacidades interpretativas e de respeito ao outro, ao diferente, e, até mesmo na sub-

jetividade de práticas específicas.

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1.4 HIPÓTESES DE TRABALHO

A hipótese de trabalho é a possibilidade de uma ação dialógica de caráter e-

ducomunicativo e socioambiental propiciar mobilização e participação cidadã, via

práticas comunicacionais dialógicas, logo construção de consenso na superação de

conflitos de interesse de uso no Comitê.

Enquanto ação dialógica (FREIRE) compreende-se a comunicação entre o

Comitê e a sociedade local, através de um programa de rádio, cujo caráter coopera-

tivo e solidário possibilita a contextualização e esclarecimentos de temas ali tratados,

através de questões problematizadoras que favorecem o desenvolvimento da “razão

crítica” ou “razão comunicativa” (HABERMAS apud SIEBENEICHLER, 1994, p.59).

Supõe que o exercício da “razão crítica” permite a transmissão de um saber baseado

em atos de fala regulativos e um agir regulado por normas (HABERMAS apud

SIEBENEICHLER, 1994, p.113).

Em síntese, a “ação comunicativa” (HABERMAS) considera que a manipula-

ção e a imposição impedem a realização de um entendimento sobre algo ao passo

que as condições dialéticas da comunicação potencializam a busca do entendimento

e de soluções aos problemas e/ou conflitos de interesses entre os pares, logo possi-

bilidade para o consenso, analisados no Quadro 1.

Hipóteses específicas Confirmação / Justificativa A ação dialógica, de caráter educomunicativo e socioambiental, constitui espaço para o exercício da ‘razão comunicativa’ e o ‘diálogo problematizador’ entre o Comitê e a sociedade.

Sim. No programa de rádio, os educomunicadores, entrevistados e ouvintes aprendem a superar limites de fala (busca de clareza e compreensão do que esta sendo dito, entre interlocutores) no diálogo regulado por normas.

A ação educomunicativa adotada favorece mudanças de racionalidades nas práticas comunicacionais e dialógicas no Comitê, logo construção de consenso na superação de conflitos de interesse de uso.

Sim. O exercício do dialogo na busca do entendimento favorece o esclarecimento e compreensão de subjetividades, provoca atitudes de reflexão e auto-reflexão e, portanto, possibilita as mudanças de pontos de vista diante de determinadas situações. Porém vale esclarecer que o tempo da presente pesquisa não alcança a análise deste aspecto, ficando, portanto a possibilidade para futuras investigações.

A ação educomunicativa adotada contribui para a mobilização e a participação cidadã.

Sim. Ainda que somente com as próximas eleições do CBH (2011) possa ser avaliado o grau de mobilização da sociedade, participar do programa de rádio sinaliza melhora no diálogo de membros do CBH com a base comunitária. “Muitos cobravam de mim sobre pra quê to participando do comitê. Agora eles ouvem o

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programa de rádio e tão gostando” (ES 14 - Entrevista Semi-estruturada 14).

A ação educomunicativa adotada, essencialmente uma tecnologia social, se incorporada como uma política pública, não caracterizar uma tutela do Estado.

Sim. O Estado tem, na transição paradigmática, a função essencial de moldura e promoção dos processos formativos/informativos, na promoção da EA, enquanto forma de enraizar ações. A proposta envolve a formação/qualificação cidadã e o tempo do programa de rádio é cedido em acordo de 2 anos, com capacidade de autonomia.

Quadro 1: Confirmação ou Refutação das Hipóteses do Trabalho

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 OS DESAFIOS DO PARLAMENTO DAS ÁGUAS

O INGÁ, órgão gestor da política das águas na Bahia, com atribuição de fo-

mentar a organização, a criação e garantir o funcionamento de Comitês de Bacias

Hidrográficas, assumiu desde 2007 uma política de estimulo ao funcionamento dos

Comitês, com dotação de recursos para os já existentes e criação de novos.

O discurso do INGÁ é que o órgão gestor vem se destacando no cenário na-

cional por decisões pioneiras, ao definir na lei, por exemplo, a participação de povos

indígenas ou a de assegurar infra-estrutura de deslocamento e participação da soci-

edade civil nas reuniões plenárias e Câmaras Técnicas (CTs). Cumpre assim alguns

desafios estabelecidos na Política Nacional de Recursos Hídricos para a gestão

compartilhada das águas. As decisões do órgão gestor são discutidas com as “bases

democráticas” do sistema estadual (Conselho Estadual de Recursos Hídricos –

CONERH, Conselho das Águas, servidores da casa e convidados) e se embasam na

possibilidade de compartilhamento das deliberações e das negociações entre inte-

resses divergentes (INGÁ, 2009). O conceito de “sociedade” está, assim, limitado

aos “representantes”, e estes são limitados pelas relações de poder.

Na análise de Jacobi (2006a), poucos conflitos emergem nas relações da go-

vernança das águas.

Busca-se o consenso para poder avançar na agenda, que é determinada pelo setor dos recursos hídricos. A fragilidade dos atores pertencentes às prefeituras, assim como da parte dos representantes da Sociedade Civil tem provocado poucos enfrentamentos. Provavelmente isso decorre da incapa-cidade de formular propostas e do fato dos representantes das prefeituras, em geral, terem compromissos, dependência política e troca de favores com os órgãos estaduais de recursos hídricos que têm papel hegemônico no processo decisório na alocação de recursos. (JACOBI, 2006a apud SOARES, 2010, p.60).

O que a “sociedade” conhece dos processos de negociações e decisões do

CONERH ficam por conta do press release distribuído na mídia local e veiculado pe-

lo próprio INGÁ, em site próprio ou no sítio destinado ao Conselho ou aos comitês.

Aspectos relevantes das políticas de Recursos Hídricos (nacional e estadual)

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serão analisados neste trabalho no item Legislação das Águas. Apenas para a com-

preensão deste argumento, é importante tematizar aqui as discussões do Seminário

de Formação em Educação Ambiental no SINGREH, realizado de 6 a 8 de outubro

de 2009, em Salvador. O Seminário foi promovido pela Câmara Técnica de Educa-

ção, Capacitação, Mobilização Social e Informação em Recursos Hídricos (CTEM),

com apoio da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU), do Mi-

nistério do Meio Ambiente (MMA), da Secretaria de Articulação Institucional e Cida-

dania Ambiental, do INGÁ, do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas e

do Fórum Nacional de Órgãos Gestores de Recursos Hídricos.

Na apresentação que fez do Plano Nacional de Recursos Hídricos, De Paula

Jr., (2009) técnico da SRHU/MMA, alertou que existem “ameaças” e “oportunidades”

a serem consideradas na implementação do plano. Como ameaça, está a conjuga-

ção das atividades econômicas e urbanas com um sistema de gestão ineficiente dos

recursos hídricos. E como principal oportunidade, o “crescimento da consciência

ambiental e percepção pelos atores da importância dos recursos hídricos enquanto

elemento estruturante para a implementação das políticas setoriais e para o bem es-

tar social” (DE PAULA JR., 2009).

A Política Nacional de RH define como “estratégia” para neutralizar a ameaça,

uma ação onde a Educação Ambiental e a Comunicação/Informação se colocam

como aglutinadoras e catalizadoras das demais ações (CNRH/CTEM, 2009). Não há

regulamentação, porque não cabe imposição de modelos, deixando aos órgãos ges-

tores a possibilidade de ‘emoldurar’ os processos, promovendo ações pertinentes ou

determiná-los para manter a situação mais conveniente na gestão.

Na base do sistema de gerenciamento das águas, a realidade dos Comitês

sinaliza que prevalece o fator ameaça. Ou ocorre uma revolução da base para o to-

po (e o modelo de comunicação disponível tem esta capacidade) ou o Plano Nacio-

nal de Recursos Hídricos está sendo otimista ao estabelecer o ano 2020 como meta

para ser totalmente implementado em âmbito nacional e estadual. A realidade indica

que a correlação de forças políticas e sociais no país permanece aquém das expec-

tativas de mudanças paradigmáticas, com alto índice de apartamento da sociedade

nas demandas de participação das políticas públicas. Na fala de Palavizini:

Em todo o Brasil muitas são as iniciativas de implementação dessas políti-cas, com modelos e metodologias distintas e resultados variados. Neste momento de grande criatividade e múltiplas tentativas, constatamos nas ex-

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periências realizadas com as comunidades envolvidas nesses processos, muito desgaste e desencantamento social, pouca efetividade na realidade local e desperdício dos recursos empenhados. (PALAVIZINI, 2006, p.5)

Mesmo considerando que recursos são empenhados, as estruturas de gover-

no estão sujeitas a mecanismos de pressão (disputas políticas e/ou demandas eco-

nômicas), para frear mudanças significativas e estruturantes que se evidenciam, por

exemplo, no engavetamento de medidas fundamentais, como a proposta de reduzir

a representação do Governo Federal no Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Ainda que esta tenha sido uma vontade do Conselho e até mesmo do governo, a

proposta completava três anos, em outubro de 2009, “dormindo” no gabinete da Ca-

sa Civil, por pressões de um segmento do setor usuários que teme o crescimento da

representação da sociedade civil no Conselho (DE PAULA JR., 2009).

Podemos afirmar que os modelos de estruturação dos colegiados para a ges-

tão das águas, abertos à participação pública, conforme previsto na legislação, pa-

recem ignorar as propostas de devolver o poder à sociedade, no estabelecimento,

ainda que gradual, dos processos de mudanças para a democracia direta. Prevale-

cem atendendo ao modelo da democracia representativa, embasada nas teorias

contratualistas, origem do liberalismo, conforme definas por Chauí:

[...] pressupõem um direito natural (ou afirmação de que, por natureza, to-dos os indivíduos são livres e iguais), que permite conceber o povo sob dois aspectos antagônicos, isto é, como ‘multidão pura’ (a massa desorganizada, fragmentada, dispersa e perigosa; o populacho) e como ‘multidão organiza-da’ pelos pactos sociais, de onde pode emergir o pacto político. (2006, p.32).

Temos aí a revelação de um distanciamento da sociedade para a participação

na gestão das águas, que pode significar a suposição do “direito natural” limitado à

sociedade civil convidada à gestão, uma total descrença no modelo vigente, ou a

ausência de exercício da “ordem simbólica” (CHAUÍ, 2006, p. 112).

A lei não é uma simples proibição para certas coisas e obrigação para ou-tras, mas é a afirmação de que os humanos são capazes de criar uma or-dem de existência que não é simplesmente natural (física e biológica). (2006, p. 112).

Seja qual for a situação o resultado é a prevalência de uma relação de poder

de “escolhido x excluído”, que se fortalece a partir de decisões políticas e econômi-

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cas fundadas em velhas formulas de negociação e jogo. Fica, deste modo, o “issue”8

político da governança da democracia direta protelado por tempo indefinido e sub-

misso à correlação de forças econômicas e políticas.

O modelo de participação prevalecente é aquele em que a sociedade é “con-

vidada” a participar e alguns poucos se sentem convidados e respondem timidamen-

te ao convite; ou é a participação em que a consulta pública se torna a prática de-

mocrática do momento, ainda que notoriamente assumida como pouco eficiente por-

que os atores sociais são sempre “os mesmos”, cansados de “participar” em diferen-

tes eventos todos os dias. Há composições, alguns representantes, mas não repre-

sentatividade de todos os setores e interesses, seja nos comitês e/ou nos demais

espaços públicos de participação social.

A situação posta é que a sustentabilidade – das águas, planetária, local – ain-

da que legalmente seja mantida na contramão dos “sistemas hegemônicos”, ampa-

rada em processos ditos democráticos e exigindo a libertação e autonomia de todos

os setores da sociedade, com a demanda por mudanças emblemáticas (sociedade

cidadã, racionalidades éticas, participação e inclusão), esta distante de alcançar ati-

tudes ecologicamente sustentáveis, socialmente justas e politicamente corretas. “É

notório que mesmo com a instituição do novo modelo de gestão, os gestores públi-

cos continuam permitindo a degradação dos recursos hídricos” (JACOBI 2006b, a-

pud SOARES, 2010, p.62). Esta permissão pode ocorrer de forma voluntária, numa

troca de interesses ou no descaso de políticas fiscalizadoras.

No que se refere aos Comitês de Bacia, a grande maioria dos membros des-

conhece os instrumentos de gestão, os técnicos do governo ignoram por opção e a

sociedade permanece ausente da discussão, mesmo sendo o assunto água essen-

cial para a vida. Deste modo a intenção pública – legal ou de algum dirigente – de

compartilhar a gestão das águas não consegue ultrapassar a construção de arranjos

bem intencionados.

Porém, se a legislação é recente, a própria história dos Comitês brasileiros e

baianos pode também ser considerada um processo em construção a cada dia. É

nesse entendimento que os técnicos do órgão gestor, o INGÁ, celebram vitórias pon-

tuais no processo, a exemplo da prática de plenárias itinerantes nas sub-bacias, ini-

8 No processo decisório, issue é o aspecto de uma decisão que afeta interesses de vários atores, mobiliza expectativas e catalisa conflitos; gera demanda de relações que se traduzem em lutas, jogos e debates, que por sua vez implicam em alianças e disputas que formam arenas políticas (RUA, 1999).

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ciada em alguns comitês no ano de 2008, ainda que sem registro de mudanças nos

níveis de participação da sociedade. As plenárias permanecem quase vazias e com

quoruns apertados.

Assim é que o comitê praticamente funciona em si mesmo, como uma ilha,

sem diálogo com suas bases locais, aprovando os instrumentos legais a partir de

acordos possíveis, ou do ponto de vista de membros, ou ainda do poder de persua-

são de técnicos do governo ou de empresas contratadas para construir o principal

instrumento da gestão, o Plano de Bacia.

O quadro atual confirma, portanto, que não basta estimular a gestão comparti-

lhada convidando a sociedade por edital a constituir o comitê local ou a aprovar o

Plano de Bacia. Também não basta realizar consultas públicas ou reuniões itineran-

tes. Faz-se necessário envolver a sociedade e qualificar a participação para a repre-

sentação, para a tomada de decisões, para a resolução dos conflitos de interesse de

uso dos recursos hídricos e até para a renovação da diretoria do Comitê, que regi-

mentalmente deve ocorrer a cada dois anos.

As leis definiram o que deve ser feito, mas o desafio está em como fazer o que deve ser feito. Como incluir a sociedade nos processos de planejamen-to e gestão, como incluir a dimensão ambiental em um contexto de deman-das sociais e econômicas prioritárias, como lidar com a diversidade de vi-sões e percepções, valorizando a diferença e construindo o melhor para to-dos? (PALAVIZINI, 2006, p.5)

Envolver a população de uma bacia e com a urgência definida pelos instru-

mentos legais requer a otimização na produção e difusão das informações, em me-

todologias populares que possam estimular a cidadania, o que equivale a construir

um novo modelo educativo/comunicativo fundamentado no diálogo libertador freirea-

no, próprio da comunicação popular, tal como descreveu Mário Kaplún:

[...] quando estamos fazendo comunicação popular estamos sempre bus-cando, de uma maneira ou de outra, um resultado educativo. Dizemos que produzimos nossas mensagens ‘para que o povo tome consciência de sua realidade’, ou ‘para suscitar uma reflexão’, ou ‘para gerar uma discussão’. Consideramos, pois, os meios de comunicação que realizamos como ins-trumentos para uma educação popular, como alimentadores de um proces-so educativo transformador. (KAPLÚN, 1985)

Ao definir a comunicação popular como um instrumento de uma educação

processual, baseada na troca, na autonomia dos atores para a problematização da

própria realidade, Kaplún defende mais que ensinar coisas e transmitir conteúdos. O

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importante é que o sujeito aprenda a aprender, que seja capaz de pensar por si. Po-

de-se dizer que o comunicador, inspirado da dialógica freireana, teorizou a educação

de mãos dadas com a comunicação. Dessa forma teorizou o nascimento de uma ci-

ência nova denominada Educomunicação, um conceito que foi ampliado em aplica-

ções diferenciadas.

De forma mais ampla, “Educomunicação designa o conjunto das práticas vol-

tadas para a formação e desenvolvimento de ecossistemas comunicativos em espa-

ços educativos, mediados pelos processos e tecnologias da informação” (SOARES,

2001). A nova ciência objetiva ampliar as formas de expressão dos membros das

comunidades e a melhoria de um comunicativo das ações educativas, tendo como

meta o pleno desenvolvimento da cidadania.

Freire defende uma educação enquanto meio para tornar o Ser independente,

livre, capaz de pensar o mundo em que vive, intervir nele e se modificar por ele, civi-

lizando-se, ou seja, contribuindo para a transformação de si e de sua realidade. E

salientou:

A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser hu-mano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. (FREIRE, 1996)

A esfera local da gestão das águas onde se concretiza a sustentabilidade – o

Comitê de Bacia Hidrográfica – é entendida como “[...] o espaço público das relações

democráticas, da capacitação para a participação nos debates diretos, dos novos su-

jeitos-cidadãos – essenciais para a formulação de políticas públicas sustentáveis”

(RABELO, 2002). Os processos comunicacionais são assim condições essenciais da

sensibilização e mobilização; exigem produção, circulação e compartilhamento de in-

formações e sentidos em metodologias que promovam a autonomia e a emancipa-

ção.

Mais que compartilhar as informações e conhecimentos entre membros do

CBH, o processo (in)formativo e educativo deve considerar, além da necessidade de

criar possibilidades de diálogo, promove-lo. Ao mesmo tempo, o compartilhar – in-

formações e conhecimentos – deve ser capaz de sensibilizar e mobilizar a sociedade

para a participação direta e desta maneira assegurar decisões democráticas. Deve

ainda ser capaz de assegurar a renovação dos membros do comitê com ampla parti-

cipação popular, conforme prevê a Resolução 52/2009 do CONERH, sem que seja

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necessário recomeçar do zero.

É preciso provocar a sociedade local de tal forma que esta se sinta parte,

mais que apenas “convidada” a compartilhar a gestão das águas e voluntariamente

se manifeste desde as plenárias, discussões e decisões para os pleitos eleitorais até

a aprovação do Plano de Bacia e demais instrumentos da gestão.

Podemos questionar outras ações possíveis no atendimento às demandas

aqui relatadas, porque caminhos diferentes são possíveis e necessários. Porém, se-

ja qual for o modelo, será necessário estar alinhado com princípios conceituais da

educomunicação referidos anteriormente, alinhados com propostas de democratiza-

ção da informação e dos meios, em processos dialógicos que permitam o aflorar da

autonomia e da produção do próprio conhecimento. O suporte ao funcionamento do

Comitê vai além da necessidade de sobrevivência. Torna-se imprescindível atrelar o

estímulo para a gestão compartilhada à qualificação da participação, dos atores atu-

ais e de futuros, prevendo o revezamento das representações, imprescindível na

democracia direta; ou ainda, otimizar a produção e difusão das informações e co-

nhecimentos necessários para a tomada de decisões.

Os processos (edu)comunicativos, no modelo proposto nesta pesquisa, se

constituem numa proposta com potencial de unificar a problemática social, ambiental

e hidrológica em diálogo aberto com a sociedade. A perspectiva da produção de co-

nhecimento lida com o ensino-aprendizagem processual para assuntos da legislação

e dos instrumentos da gestão, através do uso da entrevista, no programa de rádio

mais parecida com a sabatina9, e do debate. O propósito é recolocar o potencial e-

mancipatório da razão habermasiana enquanto razão comunicativa na ação co-

municativa – a comunicação livre, racional e crítica, em superação à razão iluminis-

ta – "aprisionada" pela lógica instrumental que encobre a dominação (HABERMAS,

1997).

A ênfase em Rádio atende à urgência que a situação pede para sedimentar a

reflexão e as capacidades dos atores sociais constituírem-se parte do processo de

decisão, dos arranjos participativos exigidos pelo sistema, além de mediar suas di-

vergências via negociações e diálogo. O rádio é o segundo veículo de comunicação

mais popular no Brasil, de fácil acesso e disponível para ser ocupado por programas

de natureza educativa e ambiental, considerando o controle de interesse capitalista

9 Sabatina - discussão miúda e cavilosa de um tema.

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ainda existente na TV. A questão do direito público no que se refere às concessões

públicas para rádio e TV será abordada adiante.

2.2 A LEGISLAÇÃO DAS ÁGUAS

2.2.1 Contextualização histórica

Os princípios que regem o funcionamento dos comitês de bacia foram anun-

ciados ao mundo no Capítulo 18 da Agenda 21, proposta da CNUMAD (Rio-92) – o

marco da sustentabilidade. A Agenda 21 ganhou destaque como o mais importante

compromisso socioambiental pela sustentabilidade, firmado na Rio-92, com mais de

2,5 mil recomendações práticas. A Agenda 21 foi estabelecida enquanto desafio do

milênio seguinte como um instrumento ao planejamento estratégico para um novo

modelo de desenvolvimento socioeconômico e ambiental, de construção amplamen-

te democrática.

O acordo internacional, do qual o Brasil é signatário, torna-se assim um con-

traponto ao modelo de desenvolvimento predominante no planeta desde a revolução

industrial, que considera os bens naturais infinitos e passou a acreditar na tecnologia

salvadora capaz de resolver qualquer problema. O pensamento desenvolvimentista

e suas práticas, desde a Revolução Industrial, que levaram ao estágio atual de coi-

sas, sofreu (e sofre) resistência de um grupo de pessoas mundial e jocosamente i-

dentificadas como “verdes” ou “bichos-grilo”. O pessoal da Ecologia, ainda que não

um grupo homogêneo, porque divergem em pensamentos e propostas, em essência

pretendia (e pretende) salvar a casa, o planeta. Eles mantêm práticas alternativas e

encontros anuais com o objetivo de discutir as questões ecológicas que preocupam

aqueles seres mantidos à margem do modelo econômico e dos padrões de consumo

adotados pelo mundo ocidental.

Em 1962, uma tese de doutorado em estatística, de Rachel Carson, apresen-

tou-se no livro intitulado “Primavera silenciosa”. As estatísticas de Carson alertavam

sobe os efeitos de poluentes nos ecossistemas. Dez anos depois o Clube de Roma

publica o livro “Os Limites do Crescimento”, um relatório do estudo encomendado ao

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Massachusetts Institute of Technology (MIT), sob a coordenação de Donella Mea-

dows. O livro, apresentado na Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano (The

United Nations Conference on the Human Environment - 1972), ganhou o centro das

discussões. O relatório gerou um boom na conferência, ao projetar para um futuro

próximo a insustentabilidade do modelo econômico de produção e a vida no planeta.

Caso seja mantida a atual tendência mundial de crescimento populacional, industrial, de poluição, produção de alimentos e a forma de exploração dos recursos naturais não mudar, os limites do crescimento neste planeta será atingido nos próximos 100 anos. O resultado mais provável deverá ser um súbito e incontrolável declínio, tanto em população quanto na capacidade industrial.(CARSON, 1962)10

O que fazer diante daquela estatística, cuja probabilidade apontava a morte

gradual do planeta, com data marcada para menos de um século? O resultado apre-

sentado era a impossibilidade de reversão. Fazer o mundo parar era a possibilidade

“irrealizável”, que evitaria a autodestruição da humanidade e do planeta.

As correntes de pensamento econômico se desdobram em opiniões divergen-

tes sobre aquela perspectiva, algumas afirmando que o então nível de desenvolvi-

mento tecnológico seria capaz de dar suporte a 15 bilhões de habitantes deste pla-

neta, a uma renda per capita de 20 mil dólares (a medida americana de renda é a-

nual) para pelo menos mais um milênio. No outro extremo, 1.600 cientistas de 70 pa-

íses lançaram um alerta à humanidade sobre o curso de colisão da humanidade com

a natureza, a partir da constatação de danos irreversíveis causados pelo progresso e

sobre os riscos que as práticas humanas estavam colocando a própria humanidade.

Na corrente desta segunda visão que sugeria mudanças fundamentais para

evitar a rota de colisão homem-natureza, estava a percepção de que não adiantava

ignorar os vasos comunicantes do universo – eu sujo aqui porque minha casa fica

longe da sujeira. O MEU filho estuda, EU tenho um emprego... e o excluído é apenas

um discurso que me permite ser virtuoso com a esmola. Na mesma medida do ‘pro-

gresso’ a passos largos, cresce também o “sonho de consumo” de grande parte dos

cidadãos do mundo. Logo, o desejo de possuir uma geladeira em casa foi amplifica-

do para uma casa maior, que comportasse tantos eletrodomésticos, na sequência

10 "If the present growth trends in world population, industrialization, pollution, food production, and resource depletion continue unchanged, the limits to growth in this planet will be reached sometime within the next 100 years. The most probable result will be a rather sudden and uncontrolled decline in both population and industrial capacity". (CARSON, 1962)

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tornados descartáveis; as potencias disputam a expansão do poder econômico, o

capital se preocupa em gerar mais dinheiro e o essencial, o ser e a vida, ficam rele-

gados ao consumismo irracional.

A Conferencia Mundial sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Esto-

colmo em 1972, foi um marco importante para as discussões sobre meio ambiente.

Os 26 princípios, contidos na Declaração sobre o Meio Ambiente Humano garantia

acima de tudo a soberania das nações sobre seus recursos naturais. Muitos destes

princípios, no decorrer das décadas seguintes, se tornaram temas e metas de nego-

ciações na busca da mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Entre outros

aspectos, o documento condenou o apartheid e o colonialismo e defendeu a preser-

vação dos recursos naturais e da manutenção da capacidade da Terra de produzir

recursos renováveis, a serem compartilhados; trouxe item específico sobre a preser-

vação da fauna e flora, estabeleceu limites para a poluição e entendeu que os pro-

blemas ambientais estão na falta de desenvolvimento, definido como necessário ao

meio ambiente, afirmando, inclusive, que políticas ambientais não devem comprome-

ter o meio ambiente. Porém já então alertou para a necessidade do planejamento in-

tegrado para o desenvolvimento, que pudesse resolver os conflitos existentes entre

meio ambiente e desenvolvimento (ESTOCOLMO, 1972).

Na busca de conciliação entre o desenvolvimento e a natureza, o documento

deu a deixa para a teoria da Modernização Ecológica, ao sugerir que a ciência e a

tecnologia devem ser usadas para melhorar o meio ambiente, a educação ambiental

é considerada essencial e as organizações internacionais são chamadas a ajudar a

melhorar o meio ambiente (ESTOCOLMO, 1972).

Foi na conferência de Estocolmo que se falou pela primeira vez em eco-

desenvolvimento. Também ali ficou definido que a cada 10 anos a ONU chancelaria

um novo encontro, buscando reunir nele representantes das principais potências

mundiais, para avaliações periódicas sobre como os povos do mundo estavam se re-

lacionando com os princípios e cuidados com a vida no planeta. Pré-conferências fo-

ram realizadas para avaliações parciais, até que em 1980 constatou-se que eco-

desenvolvimento era um conceito ultrapassado porque não trouxe resposta positiva

para a relação da ecologia e do desenvolvimento, mas também porque as relações

entre os homens se configuravam como uma crise tão grande ou maior que a ecoló-

gica. Novas avaliações revelavam o terror das bombas, em botões que podiam ser

apertados a qualquer momento e dizimar o planeta, a violência urbana e a horda dos

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excluídos em movimento crescente, gerando medo, instabilidade social e violência.

Passaram-se anos de discussões e acordos11 até que em 1987, os estudiosos

anunciaram uma solução possível, traduzida no conceito de desenvolvimento sus-

tentável12. Outra pré-conferência foi marcada para 1990, e até lá, cientistas e estudi-

osos dos diferentes países e todas as áreas do conhecimento (da sociologia, da filo-

sofia, da física, da história, da matemática...) foram convidado a definir o que caberia

naquele conceito, devendo apresentar suas contribuições até aquela data. O desen-

volvimento da internet se tornou um instrumento valioso para a comunicação, de-

monstrando que existem formas e caminhos positivos de uso das tecnologias.

Já em 1988, a Assembleia das Nações Unidas aprovou a realização, até

1992, da conferência sobre o meio ambiente e desenvolvimento para avaliar contri-

buições recebidas e como os países haviam promovido a proteção ambiental desde

a Conferência de Estocolmo de 1972. Na mesma sessão, o Brasil ofereceu-se para

sediar o encontro (ECCLESIA, 2010).

Em 1989 a Assembleia Geral da ONU convocou a CNUMAD. Na pré-

conferência de 1990, já se tinha adotado o conceito: “Desenvolvimento sustentável é

aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as necessidades

do futuro”. Restava buscar instrumentos para empreendê-lo, encontrar a solução pa-

ra ter o conceito em cada ação individual e coletiva, em cada programa de governo.

Criou-se o Comitê Preparatório da Conferência (PREPCOM), para receber e reunir

outras contribuições, que resultaram nos documentos levados ao debate e aprova-

dos na Rio-92: a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-

mento; a Agenda 21; os Princípios para a Administração Sustentável das Florestas;

a Conservação da Biodiversidade; e a Convenção sobre Mudança do Clima. Porém

existem divergências sobre os princípios:

Não obstante, a busca de consenso sobre ‘nosso futuro comum’ (CNUMAD, 1988) não unifica as visões do futuro nem as estratégias de passagem para

11 As décadas de 1970 e 80 são marcadas por dezenas de tratados, regulados pelo Direito Internacional. De 1972 a 1992 existe registro de 34 acordos concluídos e assinados entre Estados, sobre temas relacionados aos cuidados com a vida no planeta e com ambiente (ECCLESIA, 2010). 12 O conceito de sustentabilidade surgiu no começo da década de 1980, por Lester Brown, fundador do Instituto Worldwatch. Ele definiu a sociedade sustentável como aquela “capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras”. Em 1987, a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum usou a mesma definição para desenvolvimento sustentável: “A humanidade tem a capacidade de alcançar o desenvolvimento sustentável - de atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades” (CAPRA, 2002, p.226).

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o desenvolvimento sustentável: o discurso sobre a sustentabilidade não é homogêneo nem está livre do conflito de interesses – muitas vezes opostos – dos atores sociais que mobilizam e resistem a este processo de mudan-ças históricas, não só como visões diferenciadas entre países, mas dentro de cada nação. (LEFF, 2001, p. 48)

Por exemplo, um aspecto de grandes divergências esta na ideia de preserva-

ção (natureza intocada) substituída pela proposta de conservação (uso racional dos

recursos naturais). Divergências à parte, a Agenda 21 foi o instrumento que fixou di-

retrizes para o desenvolvimento sustentável em longo prazo, apontando a solução

para empreendê-las na construção participativa de um programa mundial de de-

senvolvimento sustentável, envolvendo cada comunidade, vila, bairro do mundo.

Nas diretrizes para o desenvolvimento sustentável são indicadas prioridades

para 40 questões. No entendimento daquele grupo de pessoas, os maiores proble-

mas do planeta foram resumidos em 40 itens, traduzidos em capítulos, no documen-

to Agenda 21 Global. Os capítulos estão relacionados com as montanhas, as á-

guas, as relações entre os seres humanos, a fome, a pobreza, a violência, a habita-

ção, o espaço urbano e rural.

O Capítulo 1, do Preâmbulo, traz propostas para mudanças nos padrões de

consumo; O Capítulo 36 traz a Promoção do Ensino – Conscientização e Treinamen-

to; O Capítulo 40 traz o tema Informação para a Tomada de Decisões. O tema do

Capítulo 18 é Proteção da Qualidade do Abastecimento dos Recursos Hídricos – Cri-

térios Integrados no Desenvolvimento. Neste aspecto ela inverte posições essenci-

ais, em defesa da vida:

A Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro em 1992, ao afirmar como fim último do desenvolvimento sustentável o pleno desenvolvimento das ca-pacidades afetivas e intelectuais de todo ser humano, coloca a qualidade de vida no centro de seus objetivos. (LEFF, 2001, p. 319).

Ao completar 17 anos, em 2009, a Agenda 21 reúne, no Brasil, 177 experiên-

cias, sendo: 80,7 % agendas municipais; 11,8% de bairros e distritos; 5,9% agendas

regionais e 2,2% estaduais. Os dados são referentes à pesquisa realizada pelo go-

verno brasileiro e apontam ainda que 83,9% das experiências tiveram influência no

fortalecimento dos sistemas municipais de meio ambiente (BRASIL/MMA, 2009).

A Agenda 21 é o documento que inspirou a criação da Lei das Águas e dos

comitês de bacias hidrográficas enquanto um espaço aberto a todos os setores e or-

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ganizações da sociedade local, na busca de normatizar os diferentes usos da água,

na intenção de conservar e preservar. Cabe aos governos e à sociedade não permi-

tir que tal abertura seja comprometida por “decisões políticas”, na visão de Boaven-

tura Santos, nunca possíveis de se obter por consenso (SANTOS, 2009).

2.2.2 Política Nacional de Recursos Hídricos – princípios

No Brasil, a primeira lei relacionada ao uso da água, o Código das Águas, da-

ta do governo Getúlio Vargas, instituído pelo Ministério das Minas e Energia/DNAEE,

pelo Decreto 24.643, de 10/07/1934. O Código tratou basicamente das questões re-

lativas à energia elétrica, regulamentando a instalação de hidroelétricas, que deveri-

am manter as condições de navegabilidade dos rios. Getúlio quis industrializar o

Brasil e as indústrias aqui instaladas, sem regras ambientais, poluíram o ambiente.

Da mesma forma as populações que se concentraram nas áreas urbanas geraram

outro tipo de poluição: o acúmulo de lixo e esgotos, geralmente canalizados para

cursos d’água. “Os problemas que surgiam entre diferentes usuários e águas, regra

geral, ainda eram resolvidos através de diplomas legais como os ‘direitos de vizi-

nhança’, prevalecendo os princípios de direito privado em relação aos de direito pú-

blico” (FREITAS, 2005 apud SOARES, 2010, p.54). Porém, a situação se agravou de

forma acelerada, desencadeando a necessidade de outras formas de controle:

Na década de 70 a degradação dos recursos hídricos pelos dejetos urbanos e industriais começa a preocupar os governantes. Em 1976, em razão de graves problemas com os rios da região metropolitana de São Paulo, o Es-tado e o Ministério de Minas e Energias firmaram um acordo para dirimir tais problemas. Devido ao sucesso da interação entre os dois entes, foi proposta a criação do Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográfi-cas – CEEIBH, para promover o uso racional das águas dos rios de domínio da União, com a integração de estudos das diversas instituições que interfe-rissem direta ou indiretamente no uso. (POMPEU, 2006 apud SOARES, 2010, p.54-55).

A participação limitada a representantes do Estado, somada à ausência de

aparato legal e recursos financeiros, paralisou a primeira tentativa brasileira de mu-

dança na política centralizadora de gestão das águas. Porém, as experiências de

busca de solução para a poluição das águas causadas pelas indústrias, logo depois

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desenvolvidas Minas Gerais e São Paulo, fomentaram a criação, em São Paulo, da

Lei 7.663, de 1991, que estabeleceu a criação dos Comitês de Bacias, compostos

de representantes de órgãos do Estado e da sociedade civil ( POMPEU, 2006 apud

SOARES, 2010, p.55).

O processo de redemocratização do País, iniciado com o general Ernesto

Geisel (1974) possibilitou a participação da sociedade civil nos espaços públicos de

negociações e decisões (JACOBI, 2000, p.27 apud Soares, 2010, p.55). Na década

de 80 foi publicada a Lei 6.938 (BRASIL, 1981), estabelecendo a Política Nacional

de Meio Ambiente. Com ela os recursos hídricos ficam submetidos aos instrumentos

de fiscalização e regulação e ao Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA,

formado por órgãos colegiados. A lei previa a participação da sociedade civil nos

Conselhos de Meio Ambiente e a sociedade civil respondia timidamente.

Em 1988, a Constituição Federal (CF) brasileira se tornou uma grande contri-

buição ao processo de mudança na gestão das águas no Brasil: ela definiu que as

águas, até então de domínio privado, passassem a pertencer à União ou aos Esta-

dos; e criou o SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídri-

cos (CF/88, art. 21, inc. XIX). A questão da cidadania e da participação foi tratada

em outros artigos, como, por exemplo, quando se constituíram objetivos fundamen-

tais no Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação

da pobreza e marginalização e a redução as desigualdades sociais e regionais (Art.

3º); quando definiu que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo prin-

cípio da autodeterminação dos povos (Art. 4º/III); quando afirmou que qualquer cida-

dão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ação lesiva ao patri-

mônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histó-

rico e cultural (Art. 5º/ LXXIII); ou ao definir que cabe também aos cidadãos iniciati-

vas para criação de leis complementares e ordinárias (Art. 61).

A CF trouxe um artigo dedicado ao meio ambiente: “Todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sa-

dia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de de-

fendê-lo e preservá-lo para as presente e futuras gerações” (Art. 225).

Conforme já salientado, os princípios definidos na CNUMAD (1992), com o

conceito de desenvolvimento sustentável, sugeriu um modelo de crescimento eco-

nômico mais apropriado ao equilíbrio ecológico e fortaleceu a proposta de comparti-

lhar a gestão com a sociedade. Ao nível das relações ser humano x natureza, po-

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rém, o ser humano passou a ser considerado como um componente de um comple-

xo chamado vida.

A Lei 9.433 (BRASIL, 1997), estabeleceu as diretrizes norteadoras para a po-

lítica de gestão das águas, determinando a descentralização da gestão, que passa a

ser compartilhada entre o Poder Público, os usuários e a sociedade civil. Dessa for-

ma outorga-se à sociedade o direito e o dever de também decidir sobre os usos sus-

tentáveis dos recursos hídricos da respectiva bacia hidrográfica.

Pela Lei 9.433, os usos múltiplos devem ser negociados localmente, abrindo a

possibilidade de construção de consensos entre os diferentes interesses da socie-

dade. No Art.1º da lei, são fundamentos na gestão da água:

I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural li-mitado, dotado de valor econômico; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sis-tema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. (BRASIL, 1997)

A estrutura legal da Política Nacional das Águas, no âmbito macro, tem

registrado avanços significativos desde 2003, com a criação de comitês federais e

estaduais, com adaptações e novos instrumentos jurídicos regulatórios. Na avaliação

do técnico da SRHU/MMA De Paula Jr. (2009), o processo tem buscado ser o mais

democrático possível. Como exemplo, De Paula Jr. se refere ao Decreto 4755/2005

que “introduz uma pluralidade de visões e saberes ao processo de construção

coletiva das políticas públicas” porque envolveu diretamente cerca de mil pessoas e

milhares de outras, indiretamente. “O decreto buscou incorporar a pluralidade de

visões e saberes a este processo de construção coletiva de política pública, como

um exercício de cidadania e de empoderamento da sociedade brasileira” (DE

PAULA JR. 2009).

É importante salientar que entre as formas de participação social do programa

governamental, é defendida a “negociação e o debate”, supondo a simetria ao nível

de qualificação para a decisão, de poder nas relações de composição de forças e in-

teresses e, possivelmente, as condições para a redução da responsabilidade do Es-

tado, na base do sistema – o comitê.

O decreto 4755/05 define tipos de participação social conforme o Quadro 2:

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Compartilhamento de deliberações

Capacidade dos atores sociais constituírem-se em parte do processo de decisão (os atores sociais conhecem, melhor que ninguém, seus interesses ou valores e, por isso, devem fazer parte dos foros de deliberações)

Negociação entre interesses divergentes

Os atores sociais podem mediar melhor suas divergências quando estão inseridos em arranjos participativos (interesses, ainda que divergentes, podem encontrar pontos comuns ao longo de um processo de negociação e debate)

Controle democrático

Aumenta a transparência das instituições (a presença de atores sociais e a publicização de informações aumenta a capacidade da sociedade civil controlar e fiscalizar as políticas sociais do Estado).

Adaptado de Leonardo Arvitzer, apud De Paula Jr., 2009. Quadro 2: Tipos de Participação Social na PNRH

Porém é o próprio De Paula quem faz referência à composição do CNRH

(Figura 1) como exemplo do quanto ainda há de resistência na política, para

destacar a necessidade de uma “formação democrática de base” e assim conseguir

equilibrar as forças e quebrar hegemonias.

“O CNRH aprovou moção pedindo a redução da maioria de 51% para 29% de representação do Governo Federal no conselho, com redistribuição de vagas entre os demais setores. O governo deveria ter anunciado a redução em 22 de março de 2006, porém houve pressão de um segmento do setor de usuários e o documento foi dormir no gabinete da Casa Civil” (Id. Ibdem).

Figura 1 – Composição do Conselho Nacional de RH em 2009. Fonte CNRH.

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O programa do governo, para a Política de Recursos Hídricos, sugere

estratégias para aproveitar oportunidades e reduzir as ameaças aos objetivos do

PNRH, salientadas em dois aspectos fundamentais na política das águas, já

anteriormente referido: é preciso saber lidar com a principal ameaça (“conjugação

de grande expansão das atividades econômicas e urbanas com um sistema de

gestão ineficiente dos recursos hídricos”) e com a principal oportunidade

(“crescimento da consciência ambiental e percepção pelos atores da importância dos

recursos hídricos enquanto elemento estruturante para a implementação das

políticas setoriais e para o bem estar social”) (DE PAULA, 2009).

Na complexidade do Sistema cabem caminhos e formas diferentes de rela-

cionamentos na base do sistema – o parlamento das águas. Porém no item V do

componente de desenvolvimento da gestão integrada dos Recursos Hídricos, é iden-

tificada a lacuna que causa a assimetria nas relações de poder, ao definir como par-

te da engrenagem, um Programa de Desenvolvimento Tecnológico, Capacitação,

Comunicação e Difusão da Informação em GIRH, a servir de base aos demais itens

da gestão.

Figura 2 – Estrutura de Programas do Plano Nacional de RH

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A Estrutura de Programas do Plano Nacional de Recursos Hídricos (Figura 2)

sugere a complexidade de interações entre ações que traduzem o próprio sentido da

vida das pessoas que habitam o planeta. Remete à necessidade de cada uma des-

sas pessoas tocadas pelo desafio de construir a gestão compartilhada das águas.

Porém as mudanças na base do sistema, o parlamento das águas, fica a cargo da

negociação e do debate, até então entre desiguais, no âmbito da qualificação e até

das condições materiais.

2.3 A GESTÃO DE FATO PARTICIPATIVA

Na Política Nacional de Recursos Hídricos instituída na Lei 9.433 (BRASIL, 1997)

são também definidos os instrumentos da gestão:

I - Os Planos de Recursos Hídricos; II - O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes; III - A outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; IV - A cobrança pelo uso dos recursos hídricos; V - A compensação a municípios; VI - O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos. (Id. Art.5º).

Pela diretriz geral da Política Nacional, cada um destes instrumentos agem

nas esferas: federal, geridos pelo CNRH ou pelos Comitês de âmbito federal; esta-

dual, geridos pelos conselhos estaduais; e local, pelos comitês de bacia hidrográfica.

Supõe que os Planos de Recursos Hídricos devem ser construídos ‘democratica-

mente’: O Plano Nacional de RH, pelo CNRH; os Planos Estaduais de RH, pelos

conselhos estaduais de RH; e os Planos de Bacia Hidrográfica, por cada Comitê de

Bacia. Ou seja: a diretriz é que as decisões se dêem na esfera local.

No Seminário de Formação em Educação Ambiental no SINGREH, realizado

em Salvador, pelo CNRH (2009) o técnico da SRHU/MMA, de Paula Jr, deixou

registrado o reconhecimento histórico da tutela estatal sobre os comitês brasileiros.

O seminário teve a intenção de pautar o CNRH para decisões futuras, a partir de

subsídios ali reunidos, considerando as experiências dos comitês em funcionamento

no Brasil.

Historicamente, a tutela do Estado cerceou a autonomia da sociedade. A rigidez da institucionalidade estatal, presa à herança corporativa, seu fraco potencial de incorporação política, a

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impermeabilidade do Estado às demandas sociais em expansão, seu baixo grau de responsabilidade pública acentuaram o divórcio Estado-sociedade” (DINIZ, apud DE PAULA JR., 2009).

No mesmo seminário os participantes foram provocados com as colocações

de Roseane Palavizini, na qualidade de especialista convidada:

“[...] A gente vê, por exemplo, hoje, quem está conseguindo fazer alguma ação de educação ambiental no seu comitê ou no seu conselho, no seu estado, às vezes está fazendo uma ação para uma escola, uma sensibilização mais para a proteção de um rio e isso tudo está relacionado ao que está previsto na Política Nacional de Educação Ambiental. Mas isso poderia estar sendo feito, também, pelo Conselho de Meio Ambiente. Isso poderia estar sendo feito, também, pelo Conselho de Educação. Isso poderia estar sendo feito por várias outras instâncias legais. Agora o que é que só nós podemos fazer e que se não fizermos, dentro do comitê, do Conselho de Recursos Hídricos, ninguém vai fazer por nós”? (PALAVIZINI, 2009).

A resposta veio da própria especialista:

“O que nos distingue é que nós aqui precisamos fazer uma educação para a gestão. Educar para a gestão é conhecer a política pública, conhecer a Política Nacional, conhecer a Política Estadual, se houver, conhecer o que rege o Conselho Nacional, como se organiza o Conselho Estadual, se houver, o que diz a política sobre o que é um comitê de bacia, qual é a função, a competência de um comitê, até onde ele delibera e onde ele não delibera. Ter uma reflexão crítica sobre a nossa participação nesse sistema. Se, de fato, ela é uma participação que vale o nosso suor, porque ela resulta ou se ela chega em determinada instância, ela se dilui e a gente perde o nosso poder de decisão. A educação para a gestão precisa trabalhar com a sociedade participante do sistema, seja o pescador, seja o agricultor, seja o industrial, seja o técnico gestor.” (OALAVIZINI, 2009).

Foi no contexto do Seminário de Formação em Educação Ambiental no

SINGREH que a experiência do Comitê do Rio Grande sinalizou uma iniciativa pio-

neira enquanto destaque para o Conselho Nacional. Trazer os temas em pauta do

Comitê para serem debatidos num programa de rádio é algo que pode alcançar os

aspectos diferentes da EA necessária ao protagonismo social, ao compartilhamento

da gestão e quiçá, a introduzir práticas dialógicas na arena de decisões, a plenária

do comitê. A seguir, trechos do relatório de grupo:

“[...] o grupo fala de dimensões da ação da educação ambiental na Política de Recursos Hídricos, [...] uma educação difusa, que tem a ver com educomunicação e que visa provocar, envolver, sensibilizar e decodificar a Política Nacional de Recursos Hídricos para a sociedade como um todo. Não [...] uma educação difusa de mão

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única, produzida dos técnicos para a sociedade em geral, mas o desafio da educação ambiental de estar produzindo a comunicação com a base da sociedade, ou seja, chegar a cada segmento para fazer uma reflexão” (FERRARO, 2009).

Não existe aqui a ingenuidade de supor que a metodologia adotada no CBH

Rio Grande seja a única possível na construção do conhecimento com a sociedade.

Isso seria enclausurar as capacidades humanas. Porém é uma experiência de resul-

tados relevantes para a produção do conhecimento ao nível local, na promoção do

diálogo e da simetria entre os atores e convidados do programa. Deve ser conside-

rado ainda o fato de se constituir um canal de comunicação pautado pela sociedade

e ocupado por esta, aspecto de relevância ainda maior no processo de democratiza-

ção dos meios de comunicação.

Está claro que a Política Nacional de Recursos Hídricos se estabelece em

três esferas de poder: Nacional, Estadual e Local. Não existe a esfera municipal

porque as delimitações das bacias hidrográficas geralmente não obedecem ao

desenho da área territorial dos municípios, abrangendo mais que um e até diversos

municípios.

O panorama institucional da realidade dos comitês brasileiros, ao final de

2009, revela que todos os 26 Estados e o DF possuem leis de Recursos Hídricos e

órgãos gestores. Existe no Brasil um CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídri-

cos com 57 membros, 1 Agencia Nacional de Águas, 2 Agências de Bacia (entida-

des delegatárias – AGEIVAP/CPCJ), 24 Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos,

160 Comitês de Bacias Hidrográficas em rios de domínio dos Estados e 8 Comitês

de rios de domínio da União. Definem-se como rios de domínio da União aqueles

que percorrem mais de um estado e os fronteiriços (ANA, 2009).

Neste trabalho foram ressaltadas as estruturas da Política Nacional de Recur-

sos Hídricos para salientar os aspectos da lei que mais dizem respeito às aberturas

de participação da sociedade. Buscou-se salientar que os instrumentos da gestão

devem ser conhecidos, avaliados, debatidos e reconstruídos, quando necessário,

por toda a sociedade ou de forma acessível a esta, assim habilitada a decidir sobre a

implementação de cada um dos instrumentos e/ou de apresentar soluções mais per-

tinentes e melhores respostas aos problemas locais.

Em resumo, a Lei n° 9.433/97 (ou Lei das Águas) institui a Política Nacional

de Recursos Hídricos (PNRH) e incorpora o Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos, criado no inciso XIX do Art. 21 da Constituição Federal. Na base

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legal do PNRH está o Decreto 4.755 de 20 de julho de 2003, que Estabelece a com-

petência da SRHU/MMA para coordenar a elaboração do PNRH e auxiliar no acom-

panhamento da sua implementação; a Resolução CNRH No 32, de 2003, que Esta-

belece a Divisão Hidrográfica Nacional; as Portarias Ministeriais 274/2004 e

277/2005, que institui doze Comissões Executivas Regionais; e a Resolução CNRH

No 58 de 30 de janeiro de 2006, que aprova o Plano Nacional de Recursos Hídricos.

Mais recentemente foi publicada a Resolução 98 de 26 de março de 2009,

que estabelece princípios, fundamentos e diretrizes para a educação, o desenvolvi-

mento de capacidades, a mobilização social e a informação para a Gestão Integrada

de Recursos Hídricos no SINGREH. Esta resolução terá abordagem mais ampla, no

capítulo que trata da Educação Ambiental.

2.4 COMITÊS: ORIGEM E CONTROLE NA BAHIA

Frente à nova ordem estabelecida no mundo, a legislação de recursos

hídricos na Bahia se constitui um retrato do controle, paternalismo e resistência do

Estado, em abrir mão de instrumentos até então ‘eleitoreiros’ para adotar a

democratização na gestão, prevista no arcabouço da Lei Federal, em consulta

pública desde 1995.

A primeira instância relacionada com a gestão das águas na Bahia data de

1983, com a criação da CISRH - Comissão Interinstitucional de Saneamento e

Recursos Hídricos, que existiu durante 4 anos, vinculada à Secretaria de

Saneamento e Recursos Hídricos. Em 1987 ela foi substituída pela CRH -

Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Hídricos, ganhando estrutura formal.

Em 1991 a CRH elaborou Planos Diretores de Bacias Hidrográficas, para as bacias

dos rios Paraguaçu (trecho alto), Salitre, Contas, Grande, Itapicuru, Corrente,

Recôncavo Sul e Bacia do Leste. A existência da CRH levou o Estado a participar,

em 1987, das discussões que antecederam a criação da Lei Federal 9433/97 (INGÁ,

2010).

A CRH existiu até janeiro de 1995, quando o Estado editou a Lei 6.812 (Bahi-

a, 1995a), criando a SRH - Superintendência de Recursos Hídricos. A SRH nasceu

sem atribuições, somente definidas na Lei 6855 (BAHIA, 1995b), que estabeleceu

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uma Política Estadual de Recursos Hídricos, definindo para o órgão gestor o papel

de [...] ”incentivar os usuários dos recursos hídricos a se organizarem sob a forma

de Consórcios de Usuários das Águas ou de comitê de bacias hidrográficas, desti-

nados a discutir e propor ao órgão gestor sugestões de interesse das respecti-

vas bacias”. (inciso XVII art. 6). À época a minuta da lei federal já propunha atribuir

competência deliberativa para o Comitê de Bacia.

No começo do ano 2000, a SRH editou o Projeto de Gerenciamento de Re-

cursos Hídricos do Estado da Bahia (PGRH), construído pelos técnicos do próprio

órgão, com financiamento do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvol-

vimento (BIRD). O modelo baiano se inspirou no sucesso alcançado no Ceará, do

Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão dos Recursos Hídricos – PORPURB

(PROJETO MARCA DÁGUA, 2003).

O PGRH delimitou 17 bacias hidrográficas para os rios baianos, definiu o Pla-

no Diretor para cada Bacia e em atendimento às exigências da participação da soci-

edade na gestão, definidas no contrato de financiamento com o BIRD, passou a or-

ganizar os “Consórcios de Usuários das Águas”, um modelo diverso do instituído na

Lei Federal, então em consulta pública (PROJETO MARCA DÁGUA, 2003) e uma

articulação direcionada:

Segundo declarações de técnicos da SRH, a ‘parte institucional’ do PGRH foi, sobretudo, uma exigência do BIRD, que se recusava a financiar a obra sem alteração no padrão de gestão dos recursos hídricos. Ao longo desse processo, não chegou a existir propriamente um trabalho de capacitação anterior à formação do Consórcio, apenas um trabalho de mobilização sobretudo pelas prefeituras municipais, órgãos estaduais e associações comunitárias” (PROJETO MARCA DÁGUA, 2003, p.60)

Os registros disponíveis ao acesso público a respeito dos processos iniciais

de formação dos comitês baianos, até onde foi possível averiguar, estão limitados a

quatro trabalhos específicos de pesquisa acadêmica ou contratados à acadêmia. O

do Salitre, contratado ao Grupo de Recursos Hídricos da Escola Politécnica de En-

genharia da UFBA – Universidade Federal da Bahia; o do Paraguaçu, numa tese de

mestrado da UNB – Universidade de Brasília; e do Itapicuru e Rio Grande, numa

pesquisa realizada pelo Núcleo e Pesquisas em Políticas Públicas – NP3, da Univer-

sidade de Brasília - UNB, em parceria com fundações de pesquisa científica, para o

Projeto Marca D’Água. Tais processos de formação serão abordados no item seguin-

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te deste trabalho, que trata dos comitês baianos.

A Lei 6855 (BAHIA, 1995b), que definiu atribuições à SRH e estabeleceu uma

Política Estadual de Recursos Hídricos vigorou até 2006. Quase nove anos depois

de promulgada a Lei das Águas (BRASIL, 1997) e por conta de muitas pressões dos

organismos de cooperação internacional e do Governo Federal é que foram estabe-

lecidas as bases democráticas para o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hí-

dricos do Estado da Bahia, com a Lei 10.432 (BAHIA, 2006). Foi então criado o Pla-

no Estadual de Recursos Hídricos – PERH e definido que o modelo de gestão de

bacia hidrográfica seguiria a linha da Lei Federal, sob o carimbo de comitê de bacia.

Pressionado a alinhar sua legislação com as diretrizes ambientais do País, o

Estado, após muita discussão, teve o anteprojeto concluído em 2005, estabelecendo

a Política Estadual de Recursos Hídricos. O anteprojeto buscou atualizar a legisla-

ção, criando o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos -

SINGERH, onde se inserem o Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CONERH,

os Comitês de Bacias Hidrográficas - CBH’s, as Agências de Bacias e os órgãos e

entidades setoriais com competências relacionadas à gestão dos recursos hídricos

(ver item “Os comitês baianos”).

Com a mudança de comando no governo em 2007, a Lei 10.432 (BAHIA,

2006) foi considerada muito limitada na nova proposta democrática e assim subme-

tida à consulta pública durante os anos de 2007 e 2008. A SRH, já atuando como

autarquia, passou a ser o INGÁ – Instituto de Gestão de Águas e Clima, em junho de

2008. A sociedade foi convidada a participar de debates ocorridos em dezenas de

municípios e que envolveram também servidores do INGÁ, da Secretaria de Meio

Ambiente e CONERH (INGÁ, 2009). A Nova Lei das Águas do Estado da Bahia foi

reeditada sob o número 11.612/09, conferindo caráter socioambiental à gestão das

águas (DA ROCHA. In: INGÁ, 2009).

“[...] de forma inovadora (a Lei 11.612/09) integra o gerenciamento das águas com as políticas federais, estaduais e municipais de meio ambiente, saneamento, saúde, habitação, uso do solo, desenvolvimento urbano e regional e de outras de relevante interesse social que tenham inter relação com a gestão das águas [...] possibilita o combate à degradação das matas ciliares e nascentes, à poluição hídrica e à desertificação. [...] garante também maior participação popular na gestão e execução das políticas [...] através da ampliação de vagas para a sociedade [...] (trazendo ainda) orientação de estímulo e fomento à mobilização, participação e controle social” (DA ROCHA, in INGÁ, 2009).

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O breve histórico das dificuldades para alinhar a política estadual na Bahia

com a política nacional demonstra que a gestão tem adquirido a cor da política parti-

dária e econômica predominante no estado. E que o caráter de ‘maior participação

popular’ alcançado no arcabouço legal é proporcional ao desafio social de por em

prática, ou mesmo de buscar novos caminhos, quando necessário.

2.4.1 Os comitês baianos

Antes mesmo de ser promulgada a lei 11.612 (BAHIA, 2009) uma nova divi-

são das RPGA’s passou a ser adotada no Estado. Por Resolução do CONERH elas

passaram a representar 26 unidades de planejamento (Figura 3) das águas no Es-

tado, antes em número de 17. Segundo release divulgado no site do INGÁ (2009), a

nova divisão de planejamento das águas no Estado foi uma demanda de setores da

sociedade, considerando as dificuldades de articulação, mobilização e participação

popular no parlamento das águas. Considerou ainda a existência de rios de âmbito

federal, que exigem uma gestão compartilhada entre Estados ou com a União

Figura 3 - Nova divisão - Planejamento e Gestão das Águas na Bahia (CONERH, Res. 43/2009).

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Até o ano de 2008 existiam seis comitês instituídos no Estado: CBH Recôn-

cavo Norte; CBH Salitre; CBH Leste; CBH Itapicuru; CBP Paraguaçu e CBH Verde-

Jacaré. A pesquisa para este trabalho localizou registros da formação de três deles:

Itapicuru, Paraguaçu e Salitre. Foram encontradas também referências de movimen-

to de organização para a bacia do Rio Grande, que não chegou a se constituir em

comitê.

Os registros da historiografia local dão conta de ser este um período de acir-

radas disputas de espaço político no Estado, um período que marcou o declínio do

poder das oligarquias políticas, até a morte de seu maior líder, Antonio Carlos Maga-

lhães (ACM), em 2007:

Deputado nos anos 1950 e 60 pela UDN (União Democrática Nacional), ACM foi um dos articuladores do golpe militar em 1964. Ingressou na Arena logo depois assumiu a prefeitura de Salvador em 1967, indicado pelo governo. Foi governador da Bahia por três vezes, duas delas indicado pela ditadura. Comandou a Eletrobrás em 1975 nomeado por Ernesto Geisel e esteve à frente do Ministério das Telecomunicações durante o governo Sarney nos anos 1980. Foi o período em que se institucionalizou a prática da distribuição das concessões de rádio e televisão em troca de apoio político ao governo. Foi também quando se ampliou o poder político de ACM na Bahia e seu monopólio de mídia no estado. Além do jornal Correio da Bahia, Magalhães detinha a propriedade da TV Bahia, afiliada à Rede Globo no estado, além de retransmissoras regionais. Apesar de não ser fazendeiro, ACM ganhou o título de "coronel" devido ao seu estilo autoritário e paternalista, além de manter seus latifúndios de mídia. Durante as eleições de 82, quando o então governador tentava emplacar seu candidato à sucessão, chegou a declarar: "ganharei com o chicote numa mão e o dinheiro na outra" (JUSBRASIL, 2010).

Conforme os registros relativos ao CBH Itapicuru, levantados pelo Núcleo de

Pesquisas em Políticas Públicas (PROJETO MARCA D’ÁGUA, 2003), o movimento

para a gestão das águas na bacia foi iniciado a partir da formação do Consórcio In-

termunicipal de Usuários das Águas do Alto e Médio Itapicuru, composto por repre-

sentantes dos municípios do Alto e Médio Itapicuru (2003, p.60). As bases do con-

sórcio foram as Comissões Municipais de Usuários das Águas (COMUAS) e as As-

sociações de Usuários das Águas (AUA’s), organizações estruturadas pela SRH. O

consórcio instituído em março de 2000, buscou mobilizar as instituições durante dois

anos, num trabalho do órgão gestor em parceria com a Universidade Estadual da

Bahia – UNEB (2003). O documento relata que a estratégia de mobilização foi base-

ada em reuniões e seminários envolvendo 11 dos 54 municípios da bacia, todos lo-

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calizados no Alto e Médio Itapicuru, região que estava recebendo investimentos do

BIRD para a construção de açudes e barragens, uma tradição de ação política na

compra de votos, praticada no Estado.

A pesquisa, publicada em 2003, foi realizada no segundo mandato do Con-

sórcio e indica que houve reeleição do presidente. O modelo de gestão distinto do

instituído pela Lei das Águas, no discurso oficial defendia as “peculiaridades regio-

nais”, traduzidas numa “impossibilidade de organização do semi-árido nos termos

propostos pela Lei das Águas” (2003, p. 61). Ao que tudo indica, havia nas negocia-

ções para a gestão das águas a possibilidade de exclusão dos financiamentos fede-

rais, que condicionava a liberação de recursos à adoção do modelo federal de ges-

tão.

[...] pode-se dizer que na bacia do Itapicuru o interesse público ou coletivo (neste caso ambos conceitos em certa medida se equivalem) é efetivamente o verdadeiro ausente. [...] o Consórcio [...] cria tão somente condições mais favoráveis ao predomínio das leis de mercado, colocando em plano secundário os interesses qualificados como públicos e difusos” (PROJETO MARCA D’ÁGUA, 2003).

O decreto 9937/06 veio a instituir o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Itapi-

curu (BAHIA, 2006a), porém não foram encontrados registros se houve processo de

mobilização para eleições ou se houve um acordo para acomodar os atores que par-

ticipavam do modelo anterior, quase todos mantidos na nova estrutura. A diretoria

do CBH Itapicuru passou por processos de renovação em março de 2010, porém até

então não foram encontrados documentos dando conta de como se deu o processo.

Pesquisa mais recente realizada no site do INGÁ consta a diretoria composta por

instituições que participam da gestão desde o modelo inicial, inclusive a própria

COMUA na vice-diretoria. Este aspecto pode significar uma coesão de grupos que

negociam a manutenção do poder, seguindo a prática política dos governos anterio-

res, o que ‘explica’ a impossibilidade de mobilização do semi-árido, conforme argu-

mentado pelas oligarquias que predominaram no Estado. Porém explicita a inexis-

tência de diálogo com a sociedade local, esta limitada aos usuários, que por sua vez

se limitam ao setor produtivo.

A instituição do CBH Paraguaçu, que também teve origem nas COMUA’s e

AUA’s, deu-se igualmente em março de 2006 (BAHIA, 2006b), porém não foram en-

contrados registros acessíveis ao público sobre o processo. A pesquisa de Pereira

(2008), também referida no item ‘O Estado da Arte’, neste trabalho, analisa a com-

posição do CBH do ponto de vista da origem geográfica dos atores. Identifica ali “u-

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ma geometria de poder conformada pela existência de pólos concentradores de po-

der político, que possivelmente expressa polarização econômica” dentro do CBH Pa-

raguaçu, privilegiando os irrigantes do Alto Paraguaçu, centralizando ali quase 60

por cento de seus membros (PEREIRA, 2008).

Com relação à instituição do Comitê da Bacia do Rio Salitre, instituído em de-

zembro de 2006 (BAHIA, 2006c), em processo coordenado por grupo técnico contra-

tado, da Fundação Escola Politécnica (FEP) da Universidade Federal da Bahia

(UFBA), o relatório concluiu pelo “sucesso do processo de mobilização”, que culmi-

nou na “instituição exitosa de um comitê” na medida em que “contemplou instituições

representativas de toda a bacia”. Porém há controvérsias dentro do próprio relatório.

Ao se referir às dificuldades encontradas durante todo o processo, o documento faz

referencia à “dificuldades de deslocamento das pessoas das comunidades para vi-

rem participar dos encontros e das plenárias e também se inscreverem nas sedes”

(FEP/UFBA, 2006, p.28). Relata ainda que, “não obstante as repetidas apresenta-

ções” sentiu-se a necessidade de um “maior tempo para mobilização e conscientiza-

ção da comunidade [...]” (FEP/UFBA, 2006, p.29). O Rio Salitre é um contribuinte do

Rio São Francisco, onde existe uma relação de representação do CBH Salitre e on-

de se verifica uma ação maior dos movimentos sociais mais comprometidos com os

pequenos agricultores e segmentos normalmente ignorados na gestão.

No pouco tempo e até onde foi possível acompanhar as ações do CBH Sali-

tre, esta pesquisadora identificou momentos de acirrada disputa de uma comunidade

à jusante da barragem do Salgado, que se declarava prejudicada por ter ficado sem

água. O representante daquela comunidade foi ignorado por muito tempo e visto

como “um transtorno” nas reuniões, porque a todo momento pediu a palavra, insis-

tindo durante quase um ano, para que fosse realizada uma vistoria no local e resol-

vida a situação de abastecimento dos moradores. Meses depois foi acionado o cor-

po técnico do órgão gestor, que afirmou ter conhecimento que a água da barragem

tinha salinizado, ficando perdida para uso humano e dessedentação animal, confir-

mando também que as aguadas a jusante secaram por conta da barragem.

Em 2008, o INGÁ provocou, por chamadas públicas (editais), a instalação de

mais quatro comitês – Rio Grande, Rio Corrente, Rio das Contas e Rios do Entorno

do Lago do Sobradinho, cujas eleições dos membros ocorreram nos meses de

outubro e novembro do mesmo ano.

O processo metodológico adotado para o envolvimento da sociedade no pro-

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cesso de instalação dos novos Comitês previu ampla divulgação através da contra-

tação de mobilizadores, orientados a fazer o contato ‘tete-a-tete’ com lideranças lo-

cais, a serem informados e convidados para os encontros regionais. O processo en-

volvia um reforço de mídia, através de releases, folders e cartazes. Atrasos burocrá-

ticos na liberação de verbas e encaminhamentos das peças publicitárias anunciavam

que a “prévia e ampla divulgação” coincidiria com o período dos encontros regionais.

Foi quando surgiu a abertura para o primeiro exercício educomunicativo deste

projeto, do qual participou uma comissão de representantes da diretoria provisória e

de cada comissão eleitoral. O exercício consistiu em construir, com as comissões de

cada CBH, um calendário de entrevistas para rádios, jornais e tv’s locais, durante to-

do o processo. Os veículos foram mapeados pelo próprio grupo e as entrevistas ao

vivo aconteciam em programas de participação popular, com o objetivo de promover

a interação.

As etapas do processo eleitoral previam, ao final dos encontros regionais, as

eleições envolvendo um número representativo dos múltiplos usos da bacia. Pela es-

tratégia definida, a sociedade foi informada pela mídia, quando esta aceitou divulgar

os releases do INGÁ (jornais, tvs e rádios), de forma pontual, enquanto os encontros

ofereceram regionalmente palestras, com falas e apresentações longas e pouco ou

quase nenhum tempo para o debate. Falou-se do papel do comitê na gestão com-

partilhada das águas. As listas de presença demonstraram encontros com participa-

ção significativa da sociedade civil, oscilando entre 30 e 80 pessoas, sendo pouco

expressiva ou quase nula a participação dos usuários e do poder público (CONERH,

2008).

Vencido o período das inscrições, em dois deles – Sobradinho e Corrente -

houve um baixo número de inscritos, principalmente pouca representação da socie-

dade civil que tinha sido o maior público ouvinte das palestras. O órgão gestor deci-

diu pela prorrogação do prazo das inscrições e um novo trabalho de mobilização que

possibilitasse aos Comitês maior representatividade dos diversos segmentos ou u-

sos. Ainda assim, houve necessidade de compor uma diretoria negociada no CBH

Rio Grande, porque o número de votantes e candidatos não alcançou o número de

vagas. No diagnóstico técnico realizado pela equipe que coordenou o processo, fo-

ram apontados emperramentos burocráticos e financeiros, que inviabilizaram a con-

tratação dos mobilizadores e disponibilidade, em tempo hábil, de material informativo

– folders e cartazes.

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Numa leitura preliminar, que cabe investigação, a metodologia dos encontros

regionais se equivoca quando se limita ao discurso de caráter estratégico ou instru-

mental, utilizado nos Encontros Regionais, apesar do uso dos áudios-visuais reco-

mendados na política nacional. Falou-se pela primeira vez de um tema complexo,

sem as condições necessárias ao entendimento pela sociedade, a começar pelo

tempo suficiente para o debate.

As dificuldades de mobilização e participação popular tem levado o CONERH

a reeditar normas que possam assegurar legitimidade aos processos formativos e

eleitorais, sob o argumento de assegurar os princípios da sociedade cidadã, partici-

pação e inclusão. Assim é que em 2009 foram editadas dezenas de resoluções, en-

tre as quais destacamos: a Resolução 52 (19/06/2009), estabelecendo diretrizes e

critérios para a formação e a renovação dos Comitês no Estado; a Resolução 55

(27/08/2009), aprovando um Regimento Interno Base para os CBH’s; a Resolução

56 (27/08/2009), definindo normas transitórias para o processo de eleições daquele

ano; a Resolução 57 (26/11/2009), incluindo inciso que altera Resolução 28, de

2007, para conferir nova competência à Câmara Técnica de Planos e Projetos –

CTPP; a Resolução 58 (26/11/2009), reconhecendo o CBH Verde-Grande como ins-

tância única de gestão entre os estados da Bahia e de Minas Gerais; a Resolução

63 (26/11/2009), aprovando a proposta de instituição do CBH dos rios Peruípe, Ita-

nhaém e Jucuruçu; a Resolução 64 (26/11/2009), aprovando proposta de instituição

do CBH dos rios dos Frades, Buranhém e Santo Antonio; e a Resolução 65

(26/11/2009), aprovando a instituição do CBH do Recôncavo Sul (CONERH, 2009).

Na Resolução 52/2009, o artigo 9º define que a composição mínima do CBH

será de 18 e máxima de 45 membros titulares, a depender de dimensões territoriais,

população, bioma e atividades socioeconômicas Quanto à participação, esta se dará

na forma de representação assim definida: I - do órgão gestor e executor da Política

Estadual de Recursos Hídricos; II - dos órgãos e entidades integrantes da Adminis-

tração Pública Estadual e Federal, com atuação na bacia hidrográfica; III - de cada

categoria de usuários de águas, com atuação na bacia hidrográfica; IV - das organi-

zações civis de recursos hídricos, com atuação comprovada na bacia hidrográfica,

na forma definida no art. 1o. da Resolução CONERH no.15, de 04 de dezembro de

2006; V - das entidades de ensino e pesquisa, com atuação comprovada na bacia

hidrográfica, quando houver; VI - dos municípios situados na área de abrangência da

bacia hidrográfica., assegurando a participação do poder público, usuários e da so-

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ciedade civil (CONERH-52/2009, Art. 8º).

O Artigo 11 define que a proposta de formação do Comitê deve ser subscrita

de forma tripartite e paritária; o Artigo 15 atribui à Diretoria Provisória a coordenação

do processo de formação e em especial, a atribuição de realizar Encontros Regio-

nais, com o objetivo de divulgar, em linguagem acessível, a Política Estadual de Re-

cursos Hídricos e mobilizar a população da bacia para o processo de formação do

CBH (Inciso III). O artigo 17 estabelece, no parágrafo 1º, que o processo de escolha

e credenciamento dos representantes, a cargo da Comissão Eleitoral, “será público,

com ampla e prévia divulgação”. (CONERH-52/2009).

2.5 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A SUSTENTABILIDADE

2.5.1 Contextualização histórica

O registro da primeira tentativa humana de externar uma necessidade de um

lugar melhor (ideal?) no mundo é atribuído a Thomas More, em obras escritas em la-

tim por volta de 1516. Fascinado pelas narrações de Américo Vespúcio a respeito da

ilha de Fernando de Noronha (1503), More sonhou com um mundo diferente do que

era então a Europa em começo de industrialização e escreveu sobre um lugar novo

e puro, onde existiria uma sociedade perfeita. Intitulou a obra de Utopia (WIKIPEDIA,

2009).

Há quem diga que utopia é “qualquer idéia ou proposta que seja desejável,

mas que resulte irrealizável”. (BALDINI, 1974). O termo já esteve relacionado com

uma civilização imaginária, ideal, fantástica; inspirou as utopias socialistas do século

XIX e também o início de mudanças de foco de estudo nas ciências, com um deslo-

camento da natureza para a sociedade. Ao tocar a intocável ciência, criou um ambi-

ente hostil ao pensamento utópico, definindo o ostracismo das utopias sociais.

Sobreviveram os conceitos. Na visão do Islã e do Cristianismo, utopia é o

paraíso, com encantadoras especulações de vida livre de pobreza, pecado ou

qualquer outro sofrimento. As utopias socialistas e comunistas se centraram na

distribuição equitativa dos bens (fim da existência do dinheiro; cidadãos fazendo

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trabalhos que realmente gostam; tempo livre para desfrutar as artes e as ciências).

Também existem utopias capitalistas da livre empresa, em uma sociedade onde

todos tenham acesso à atividade produtiva, e uns quantos ao governo; ou a utopia

anarquista, que defende a abolição do Estado e a possibilidade de consenso social.

Na utopia ecologista esta a sustentabilidade planetária. Há ainda a utopia global de

paz mundial - considerada um dos finais inevitáveis da história da humanidade. Ou a

paz ou o fim (WIKIPEDIA, 2009).

Ao desenvolver o atual modelo de produção e consumo o mundo ocidental

optou pela hegemonia do status quo. E no limite do hostilizado espaço utópico, com

propostas de sociedades alternativas limitadas a pequenos grupos, coube angusti-

antes visões de um futuro ameaçador, cujo embrião se encontra na projeção de um

processo de dominação de mentes e desejos que condicionam a manutenção da si-

tuação estabelecida.

A permanência no século XX de seres humanos que não abriram mão da

possibilidade utópica, ainda que em exercícios imaginativos de sociedades imaginá-

rias ideais, evidenciaram aspectos conservadores e totalitários que se mantinham

encobertos pela ilusão de modelos de sociedades perfeitas, como pretendeu parecer

a sociedade americana. Surgiu daí a possibilidade de criação de um ser humano

planetário com base em uma ética de interdependência dos grupos e da não compe-

tição (AUROVILLE, 2008), a abertura do universo da locução e promoção de redes

de diálogos interculturais como forma de construção de um novo humanismo.

O desafio para alcançar a cidadania é recuperar a autonomia do próprio dese-

jo e com ele o poder da participação no processo de construção do presente e do fu-

turo, da própria felicidade e história, romper o consenso ideológico dos dominados.

O desafio da cidadania é também contextualizar (ou descontextualizar) inclusive a

apropriação do conhecimento:

“A apropriação do conhecimento não ocorre de uma maneira homogênea,

mas é com freqüência diferencialmente disponível para aqueles que estão em posi-

ção de poder, que são capazes de colocá-lo a serviço de interesses seccionais”.

(GIDDENS, 1991, p. 58-59).

É nesse contexto que as instituições públicas, comprometidas com a

democracia direta, podem e devem assumir o papel de emuladoras e molduras do

reencontro do presente a um futuro utópico. Ao adotar o papel de geratrizes de

instâncias de reflexividade, através da abertura de espaços de locução e promoção

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de consciência crítica, são lançadas bases para uma retomada transfigurada do

político nas prática sociais.

“[...] a democracia tornou-se um mercado. E com ele entrou a corrupção. Ou seja, hoje compram-se e vendem-se votos de acordo com o dinheiro disponível. [...] Essa é uma democracia fraca, altamente capitalista e temos que lutar por uma outra mais participativa.” (SANTOS, 2003).

Santos propõe como solução a heterotopia: em vez da invenção de um outro

lugar, o deslocamento radical dentro de um mesmo lugar, do centro para a margem,

a partir da mudança de visão da periferia para o centro. “Com um olhar que não está

no centro, podemos ver melhor os vários lados da cidade.” (SANTOS, 2010). Signifi-

ca a subversão do pensamento hegemômico e a recusa da subjetividade do confor-

mismo para dar lugar à vontade de lutar por alternativas. A Educação Ambiental tem

na gestão das águas aqui um espaço enquanto possibilidade de realizações utópi-

cas. O desafio é decifrar como a Educação Ambiental pode contribuir para gerar

processos de construção de uma nova visão de mundo. Um desafio que só tem res-

posta numa dimensão dialética e processual, construída a cada dia com a práxis dia-

lógica da ação-reflexão-ação.

A EA no Brasil tem refletido as aspirações de movimentos ambientalistas di-

versos, cujos sujeitos buscam materializar, por meio do Estado, das instituições civis

e das empresas, ideários políticos distintos de profissionais militantes, com interpre-

tações conceituais diversas sobre Educação Ambiental. Diferentes intencionalidades

possuem em comum o ideário utópico inscrito na subjetividade dos gesto-

res/educadores.

Tais sujeitos manifestam suas visões e as subjetividades evidenciam-se

quando expressam a concepção de educação que pretendem ver implementada: até

um ‘make-up’ para um case empresarial recebe o selo de “educação transformadora

e emancipatória”. É nesse contexto que deve ser reconhecida a importância do Es-

tado para possibilitar a emergência e a concretização dos projetos de futuro.

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2.5.2 Educação e informação em Recursos Hídricos

A Estrutura de Programas do PNRH - Plano Nacional de Recursos Hídricos

sugere a complexidade de interações entre ações e remete à necessidade de fazer

cada uma das pessoas residentes numa Bacia Hidrográfica participarem do desafio

de construir a gestão compartilhada das águas. Por se tratar de uma política recente

no País, este trabalho considerou importante salientar aqui os aspectos mais rela-

cionados com a formação de decisores e da cidadania.

No projeto sugerido pelo próprio modelo da política, o item IV do Programa é

colocado no centro das interações (Figura 4). É este item, referente ao “Desenvol-

vimento tecnológico, capacitação, comunicação e difusão de informações” que deve

responder por todo o processo de articulação no apoio ao SINGREH. Ele se apre-

senta no sistema em 3 sub-programas: 1- Incentivo, apoio e desenvolvimento da da

pesquisa científica e tecnológica; 2 - Capacitação e Educação, em Especial Ambien-

tal, para a Gestão Integrada de Recursos Hídricos; e 3 - Comunicação e Difusão de

Informações em Gestão Integrada de Recursos Hídricos.

O próprio modelo sugere que os sub-programas 2 e 3 andam juntos nas

abordagens., ou seja: o governo propõe que os conteúdos de Educação Ambiental

devem estar juntos com os conteúdos de Comunicação e Informação de cada

programa. Deste modo, a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos – GIRH prevê a

EA, a Comunicação e a Informação dando forma e conteúdo dos temas: Formação

de profissionais; Atualização de Decisores; Qualificação da sociedade; Comunidades

indígenas; Populações tradicionais; Aspectos da Educação para o Ambiente;

Descentralização; Capilaridade; Participação; Gênero; Democracia; Diálogo entre

Saberes; Comunicação; Interlocução Social; Transversalidade.

Os documentos do PNRH que dão suporte à definição de Documentos Gerais

para o GIRH são: Agenda 21, Metas de Desenvolvimento do Milênio; Documentos

para o Programa IV; Carta da Terra, Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global. Na teoria, as diretrizes são abrangentes, podendo suscitar

experimentos diversos e bem sucedidos. Porém não tem se dado na prática. A EA

do PNRH propõe:

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Figura 4 – Relações entre programas do PNRH.

a) Promover a formação de profissionais para atuarem em gestão integrada de

recursos hídricos, atualizar os decisores públicos do processo de gestão em seus

diversos níveis de atuação, como também qualificar membros da sociedade ne-

les incluindo grupos tradicionais e representantes das comunidades indígenas,

para participar de forma efetiva dos colegiados do SINGREH.

b) Criar as bases para ampliar e democratizar as discussões sobre a temática

água, estimulando o permanente diálogo entre diferentes saberes – científico-

tecnológico, filosófico e bio-regional ou tradicional - uma vez que a construção do

conhecimento é um processo que envolve multiplicidade de atores e componen-

tes.

c) Promover o empoderamento da sociedade na elaboração e na implementação

da Política Nacional de Recursos Hídricos, fortalecendo os canais de comunica-

ção existentes e a criação de novos, assim como o aperfeiçoamento dos meios

de interlocução social.

Programa IV

Desenvolvimento tecnológico, capacitação, comunicação e

difusão de informações

Programa I

Estudos estratégicos Subprograma I.3

Programa II

Desenvolvimento institucional da GIRH no Brasil

Programa III

Desenvolvimento e implementação de

instrumentos

Programa V

Articulação intersetorial, interinstitucional e intra-

institucional

Programa VI

Usos Múltiplos

Programa VII

Programas Setoriais

Programa VIII

Águas Subterrâneas

Programa IX

Gerenciamento costeiro e áreas úmidas

Programa X

Gestão ambiental dos recursos hídricos na Amazônia

Programa XI

Gestão sustentável dos recursos hídricos e convivência com o

semiárido

Programa XII

Conservação das águas no Pantanal

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Ao ritmo dos processos de gestão das águas em andamento, o prazo até

2020 para uma política de EA com base na proposta nacional ser implementada nos

Estados se torna um desafio para o PNRH. A ideia é que os estados adotem a dire-

triz como política pública, que o plano nacional seja regionalizado e tenha implemen-

tação progressiva na perspectiva da transversalidade e da integração com as de-

mais políticas, na perspectiva da integração das diferentes ações. É indicada como

orientação político-pedagógica para o detalhamento a Pedagogia da Práxis, que de-

fende o aprender fazendo. Neste modelo, a Educação Ambiental e o direito à infor-

mação podem ser vistas como uma estratégia de governo, para atender aos precei-

tos da Lei 9433/97, acima dela, a Constituição Federal, o Acordo Internacional Carta

da Terra e no acordo, os compromissos do milênio.

Porém não se pode afirmar que as diretrizes da Política Nacional de Meio

Ambiente, traçadas neste governo, serão adotadas nos governos sucessores. A

descontinuidade administrativa tem sido uma marca registrada dos governantes des-

te país. A julgar pelas práticas até então, uma mudança de sigla partidária no co-

mando do país e todo o trabalho realizado no governo anterior será relegado ao es-

quecimento, com desperdício de energias e dinheiro público. Mesmo no governo a-

tual, não se conhece uma avaliação sobre as formas de respostas às diretrizes ou

mesmo como ou se a sociedade esta respondendo e gerando focos de mobilização

e resistência à “transição” (Santos, 2007) de governantes, pela continuidade de pro-

cessos que estão dando certo e que tornando possível o construir processual do co-

nhecimento emancipatório.

A situação se dá em todos os níveis e escalões de governo. Por vezes uma

simples mudança de coordenação no órgão gestor demonstra tal fragilidade:

“A mobilização (para as eleições do CBHRio Grande) foi atropelada. Os cartazes chegaram na semana da eleição, os mobilizadores che-garam 15 dias antes, as faixas foram colocadas de véspera. O órgão gestor trocou de coordenação e despregou as faixas e recomeçou do zero mais uma vez.” (AS-01, Entrevista Semi-estruturada, 2009).

Neste cenário, o conceito de participação é (ou pode se tornar) diferente entre

gestores públicos, a depender do ideal utópico a que serve, supondo que na subjeti-

vidade utópica cabe os interesses a que serve e até a comodidade da opção pela

ação menos trabalhosa. O que torna ético, necessário e urgente, em governos ditos

democráticos, um modelo de EA onde o Estado, sem esquecer sua responsabilidade

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de promover, assuma ser, de fato, apenas um elemento do diálogo a ser estabeleci-

do, possibilite o deslocamento da ‘gestão de governo’ para a gestão pública, da de-

mocracia direta; a gestão cidadã, cujos processos dialógicos produzem o caminhar,

o aprendizado mútuo a partir do convívio social, via debate dos problemas locais, na

busca de soluções; em tais processos dialógicos, a informação deve ser problemati-

zada para se obter dela a contextualização suficiente a reflexividade13 que a torna a

informação um instrumento de solidariedade, portanto necessária ao empreendimen-

to de tais experimentos/ações sem ‘desperdício da experiência’ (SANTOS, 2007, P.

42); de modo que a reflexão sobre resultados alcançados seja incorporada como

condição para o passo seguinte, na construção do conhecimento que possibilite mu-

danças necessárias.

2.6 COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO – ASPECTOS LEGAIS

O Capítulo 36 da Agenda 21 Global trata da promoção do ensino, da consci-

entização e do treinamento; assinala a necessidade de aumento da consciência pú-

blica para a inter-relação existente entre todas as atividades humanas e o meio am-

biente, fato atribuído também à insuficiência e inexatidão da informação disponível;

observa que a informação, o ensino e o treinamento são vinculados virtualmente a

todas as áreas dos demais programas e ainda mais próximos daquelas referentes à

satisfação das necessidades básicas.

O mesmo capítulo formula propostas gerais e recomenda como norteadores

de tais propostas, a Declaração e as Recomendações da Conferência Intergoverna-

mental de Tbilisi sobre Educação Ambiental, organizada pela UNESCO e o PNUMA

em 1977, enquanto princípios fundamentais; recomenda ainda uma reorientação do

ensino no sentido do desenvolvimento sustentável e propõe que os objetivos do mi-

lênio se tornem temas para a EA, respeitando as peculiaridades locais, regionais e

internacional. São propostas:

1 - Endossar as recomendações da Conferência Mundial sobre Ensi-no para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendiza-gem (Jomtien, Tailândia, 5 a 9 de março de 1990), procurar assegu-

13 Reflexividade diz respeito a uma atitude crítica.

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rar o acesso universal ao ensino básico, conseguir, por meio de en-sino formal e informal, que pelo menos 80 por cento das meninas e 80 por cento dos meninos em idade escolar terminem a escola primá-ria, e reduzir a taxa de analfabetismo entre os adultos ao menos pela metade de seu valor de 1990. Os esforços devem centralizar-se na redução dos altos níveis de analfabetismo e na compensação da fal-ta de oportunidades que têm as mulheres de receber ensino básico, para que seus índices de alfabetização venham a ser compatíveis com os dos homens;

2 - Desenvolver consciência do meio ambiente e desenvolvimento em todos os setores da sociedade em escala mundial e com a maior brevidade possível;

3 - Lutar para facilitar o acesso à educação sobre meio ambiente e desenvolvimento, vinculada à educação social, desde a idade escolar primária até a idade adulta em todos os grupos da população;

4 - Promover a integração de conceitos de ambiente e desenvolvi-mento, inclusive demografia, em todos os programas de ensino, em particular a análise das causas dos principais problemas ambientais e de desenvolvimento em um contexto local, recorrendo para isso às melhores provas científicas disponíveis e a outras fontes apropriadas de conhecimentos, e dando especial atenção ao aperfeiçoamento do treinamento dos responsáveis por decisões em todos os níveis.

Em síntese, as propostas da Agenda 21 trazem recomendações para demo-

cratizar a comunicação. E nos meios de implementação, sugerem “facilitar a utiliza-

ção dos meios de comunicação de massa, de forma gratuita ou barata, para fins de

ensino”. A ‘forma gratuita e barata’ é neste trabalho entendida como sendo a promo-

ção de processos metodológicos que sejam acessíveis e possíveis de continuidade

a todos os segmentos da sociedade, porque este é o modelo possível de evitar a

depend6encia dos recursos oficiais e da descontinuidade administrativa.

A importância da autonomia nos processos da informação são reiteradamente

tratados quando entra em pauta o tema da tomada de decisões. É o que nos diz

também o Capítulo 40 da Agenda 21 Global, que salienta:

“No desenvolvimento sustentável, cada pessoa é usuário e provedor de informação, considerada em sentido amplo, o que inclui dados, informações e experiências e conhecimentos adequadamente apresentados. A necessidade de informação surge em todos os níveis, desde o de tomada de decisões superiores, nos planos nacional e internacional, ao comunitário e individual. As duas áreas de programas seguintes necessitam ser implementadas para assegurar que as decisões se baseiem cada vez mais em informação consistente: (a) Redução das diferenças em matéria de dados; (b) Melhoria da disponibilidade da informação”. (CAP.40, Agenda 21 Global, 1992)

Com relação à redução das diferenças em termos de dados disponíveis, o

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texto assinala que há uma quantidade considerável de informações já produzidas

que precisam ser disponibilizados e recomenda que a legislação e os governos pos-

sam garantir a planificação do desenvolvimento sustentável em todos os setores

com base em informação fidedigna, oportuna e utilizável. Para tanto defende tornar

a informação pertinente acessível na forma e no momento em que for requerido para

facilitar o seu uso. (AGENDA 21 GLOBAL, 1992).

As propostas foram postas, a legislação estabeleceu, porém as práticas con-

tinuam à mercê da compreensão e abertura que têm os gestores públicos, no aspec-

to das políticas públicas necessárias, dos grupos econômicos e/ou políticos que con-

trolam os meios de comunicação, das formas desiguais para o acesso, aí inclusos as

condições materiais e o letramento. É inegável que muitas informações foram dispo-

nibilizadas pela tecnologia eletrônica. Os equipamentos e formas de acesso a estas

informações estão ocupando cada vez mais espaço na vida de mais e mais pessoas,

porém não se pode dizer que a informação de caráter público deixou de ser um ins-

trumento de poder e controle. Fosse de outro modo e esta pesquisadora teria encon-

trado os registros de formação de todos os comitês baianos, por exemplo. Ou por

outra, os próprios veículos de comunicação já teriam dedicado mais tempo a tais

propostas e atender aos reais interesses da sociedade, como rezam as concessões

públicas neste país.

2.6.1 O direito à informação no Brasil

Logo após a Rio 92, no ano de 1995, um estudo realizado no Brasil sobre o

direito à informação demonstrava ser “preciso enfrentar o enorme desafio político,

legal e administrativo para democratizar o acesso à informação, uma condição cada

vez mais essencial para a expansão e aprofundamento da própria cidadania.”

(CEPIK, 1995). Já àquela época, socializar a informação se estabelecia como “pre-

condição para incorporação plena dos indivíduos e sujeitos coletivos ao processo

decisório, de maneira organizada e qualificada” (1995).

A questão da cidadania participativa é um conceito mutante e sua história re-

gistra um marco novo a partir da Rio 92, quando alem dos direitos (dimensão civil) e

deveres (dimensão cívica) dos indivíduos em uma unidade social, cidadania passou

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a descreve “também a sensação de pertencer a uma comunidade, de partilhar valo-

res comuns, de uma história comum, de experiências comuns. [...] Identidade nacio-

nal e cidadania, sem confundir-se, se reforçam mutuamente” 14 (CARVALHO,

1995:11, apud CEPIK, 1995).

Dois anos após a Rio 92 o conflito social em torno da cidadania envolvia

problemas de prerrogativas (afirmação e garantia de direitos) e óbvios problemas de

provimentos (quantidade e diversidade de meios para o pleno exercício dos direitos).

Evidenciava o hiato temporal e a natureza conflitiva dos processos de reivindicação

de direitos iguais, sua transformação em norma jurídica e sua incorporação na práxis

histórico-social (CEPIK, 1995).

A sociedade brasileira tinha passado por alguns avanços e recuos no

processo de democratização, desde a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil, de 05/10/88. A Constituição de 1988 estabeleceu direitos

fundamentais para um estado democrático, com destaque para 09 artigos

relacionados à cidadania, informação e meio ambiente. Vale destacar aqui os artigos

e principais incisos referentes aos temas. (Quadro 3)

Art.3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] III – autodeterminação dos povos.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei [...] garantindo-se [...] a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIV – É assegurado a todos o acesso à informação [...]; XXXIII – Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral [...]; XXXIV – São a todos assegurados, [...] o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. [...];LXXII – Conceder-se-á hábeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa [...]; LXXVII – São gratuitas as ações de hábeas corpus e hábeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ação lesiva ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custos judiciais.

Art. 61 – Iniciativas das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou

Comissão da Câmara ( ...) e aos cidadãos.

14 “[...] es también lá sensación de pertenecer a uma comunidad, de participar de valores comunes, de uma historia común, de experiências comunes. [...] Identidad nacional y ciudadanía, sin confundirse, se refuerzam mutuamente.

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Art. 74 § 2º; - comprovar legalidade e avaliar aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.

Art. 221 – A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos

seguintes princípios: I – preferência e finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação. III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei (Art. 3º, III) IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Art. 205 - É direito de todos e dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada

com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 220 – Da Comunicação Social - § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presente e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...]

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

Quadro 3: Aspectos legais da CF de 1988 para a cidadania e informação

Citando Reis (1994), Cepick se referiu a uma “porosidade” específica nas re-

lações entre estado e sociedade que exigia o exercício de uma liberdade positiva,

mais do que uma atitude defensiva da privacidade do direito de saber. [...] “não se

trata, portanto, antes de mais nada, de conter o estado, mas sim de construí-lo de

maneira adequada” (grifo do autor) (REIS, 1994, p. 139, apud CEPIK, 1995).

No estudo do pesquisador, o direito à informação ocupa lugar central no de-

senvolvimento da cidadania enquanto direito capaz de operar as transformações

mais ou menos simultâneas em todas as esferas da liberdade, da participação e da

necessidade, passando a fazer parte do contexto dos “direitos difusos”.

“Direitos difusos são importantes justamente porque contribuem para gerar uma capacidade de contraposição efetiva e eficaz à lógica das grandes organizações estatais e empresariais; não são simplesmente resíduos jurídicos ou aspectos derivados de outros tipos de direitos, mas, devido à centralidade dos processos sociais associados com a sua emergência, formam uma dimensão historicamente nova da cidadania, que agora começa a adquirir lugar

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no sistema jurídico. Sua conquista e fruição, segundo uma lógica de construção de possibilidades, pode ajudar a qualificar a relação entre sujeitos anônimos numa esfera pública reconstruída.” (CEPIK, 1995).

Na práxis da gestão das águas, para ser de fato um direito, mesmo antes da

dimensão do direito difuso, a informação precisa ser uma conquista da sociedade. É

neste sentido que o órgão gestor deve atentar para todas as possibilidades das

desigualdades sociais, ao disponibilizar as informações necessárias sobre a gestão;

m membro do comitê, sendo pessoa de difícil acesso aos meios digitais, ao receber

um arquivo digital do órgão gestor, como único meio informativo sobre o comitê e a

gestão, deve, antes de sentir-se ‘culpado’, problematizar seu direito a uma copia

impressa do mesmo material, considerando sua situação desigual. Em se tratando

do direito difuso, a própria diretoria do comitê - ou qualquer outro de seus membros

integrantes - deve fazer a intervenção necessária para evitar a situação de

desigualdade de acesso às informações15. Aprender a lidar com as questões da

gestão, inclusive aquelas do direito, fazem parte de um processo de aprendizado de

uma gestão comprometida com o conhecimento que se torna emancipação.

2.7 EDUCAÇÃO AMBIENTAL, GESTÃO E INFORMAÇÃO

Os avanços ‘regulatórios’ relativos aos direitos cidadãos chegam na forma de

controle social para a gestão dos Recursos Hídricos - Lei 9433/97, com implicações

no Sistema de Informação e Gerenciamento, um dos instrumentos de gestão. A Lei

9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação

Ambiental, define no seu Art. 3º que todos têm direito à educação ambiental.

Fica claro, nos enunciados das leis referidas, a responsabilidade das institui-

ções públicas na definição das políticas, de incorporar as dimensão da educação

ambiental em todos os níveis de ensino, visando o engajamento da sociedade na

conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente. Pela lei, cabe às institui-

ções educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos progra-

mas educacionais que desenvolvem; aos órgãos integrantes do SISNAMA - Sistema

15 O sentir-se ‘culpado’ por não ter acesso às informações digitais distribuídas ocorreu e se manteve por mais de um ano, até ser problematizado em debate de avaliação com os educomunicadores.

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Nacional de Meio Ambiente, promover ações de educação ambiental integradas com

programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente. E aos meios

de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na dissemina-

ção de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a di-

mensão ambiental em sua programação (LEI 9433/97, Art. 3º).

A Lei definiu também as competências das empresas, entidades de classe,

instituições públicas e privadas, às quais cabe promover programas destinados à

capacitação dos trabalhadores, visando a melhoria e o controle efetivo sobre o am-

biente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio

ambiente. E para a sociedade como um todo, compete manter atenção permanente

para a formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação indivi-

dual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas

ambientais.

Assim é que o Artigo 4º estabelece os princípios básicos da Educação Ambi-

ental: I – o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II - a concepção

do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio

natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; III - o plu-

ralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e trans-

disciplinaridade; IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas

sociais; V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; VI - a

permanente avaliação crítica do processo educativo; VII - a abordagem articulada

das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII - o reconheci-

mento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.

O Art. 5º da Lei de 9.795/99, ao enumerar os objetivos fundamentais da

Educação Ambiental, relaciona as condições que dimensionam sua aplicação, entre

as quais, a garantia de democratização das informações ambientais (inciso II) e o

fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como

fundamentos para o futuro da humanidade (inciso VII). Ainda que considerando

tratar-se de um processo em andamento, percebe-se dificuldades elementares em

todos as condições de aplicação dos objetivos fundamentais.

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2.8 O ESTADO DA ARTE

A identificação do Estado da Arte considerou o surgimento das primeiras pes-

quisas relacionadas ao tema Comitê de Bacia. Porém, foram adotados dois recortes:

o primeiro refere-se ao tempo de realização dos trabalhos de pesquisa, que buscou

identificar o início da abordagem das temáticas e a partir daí, considerar o ano do

derradeiro registro, no caso o ano de 2008. Foi também considerado um ou outro

trabalho específico identificado em períodos distintos, pela identidade com o tema

abordado. O segundo recorte esta relacionado aos sub-temas abordados. O presen-

te trabalho se concentrou nos títulos que se referiam especificamente ao enfoque da

Gestão Participativa em Comitês de Bacias e basicamente trabalhou com o banco

de dados da CAPES.

O primeiro registro de trabalho encontrado no Banco de Teses da CAPES, pa-

ra o tema Comitê de Bacia Hidrográfica, data do ano de 1996, pesquisado por Mari-

ano, da Universidade de São Paulo/São Carlos. Ela realizou “Uma análise da partici-

pação da sociedade civil na gestão dos Recursos Hídricos no estado de São Paulo”.

Mariano conclui que a participação tem ocorrido de forma pontual e restrita, deixan-

do o cidadão à margem do que chama “processo político administrativo”. O trabalho

aborda formas de participação e traz propostas e considerações sobre a possibilida-

de de implementar e viabilizar uma maneira mais abrangente ‘para que se dê a par-

ticipação popular’. A pesquisadora tem como objeto de estudo o cotidiano dos Con-

selhos ligados ao meio ambiente, existentes no Estado e o depoimento de pessoas

envolvidas no assunto.

Em 1997, ano de edição da Lei das Águas, constam três trabalhos, todos re-

lacionando os instrumentos legais ao meio físico. Não foram encontrados registros

sobre o tema para o ano de 1998 e o modelo de gestão das águas via CBH voltou a

ser abordado em 1999, num trabalho de Bezerra, que se refere à constituição no

Brasil de “um dos primeiros Comitês”, CBH Curu, na bacia do Rio Curu - Ceará. O

autor considera o modelo de gestão “uma novidade, pelo fato de ampliar o debate

acerca da preocupação quanto ao direito e acesso ao uso da água, apresentando,

ao mesmo tempo, as contradições para a sua efetivação em face da incipiente parti-

cipação social no processo”. Ainda em 1999, outros dois trabalhos abordam aspec-

tos de análises da qualidade da água e a relação quantidade e qualidade das águas.

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No ano de 2000 foram encontrados quatro trabalhos tendo o CBH como tema.

Dentre estes trabalhos, dois se referem à gestão dos instrumentos de outorga e co-

brança e a indicador do mérito econômico das águas. Com relação aos outros dois

trabalhos, um destes, de autoria de Freitas (2000) introduz uma “Análise dos Ele-

mentos da Política de Recursos Hídricos”, considerando os recém criados instru-

mentos que orientam a forma de implementação da Política e os organismos de ge-

renciamento da “gestão das águas descentralizada, integrada e participativa entre o

Poder Público e a sociedade civil”. A autora justifica o trabalho pela “preocupação

atual com a implementação coerente da Política, bem como com a ausência de inte-

gração entre os setores no momento da execução da Política cogitada [...] dentro

dos CBH’s”.

No estudo de caso apresentado por Freitas (Id Ibdem), o CBH Tietê-Jacaré é

comparado com comitês internacionais. A autora conclui que a transparência e legi-

timidade da Política de RH devem considerar as características dos instrumentos de

gestão e a adequação entre os entes federativos com competência legal e o CBH,

“com vistas a diminuir as dificuldades de participação dentro do Comitê e, conse-

quentemente, de adoção das decisões pelos representantes”, em especial os muni-

cípios.

Em outro trabalho, Leal (2000) aborda “A Gestão das Águas no Pontal do Pa-

ranapanema” (SP), motivado pela “Nova forma de gestão” e pelo interesse por “me-

lhor compreender a política e o sistema de gerenciamento em implantação no Bra-

sil”. Ele apresenta a gestão de RH como oportunidade de intervenção e resolução da

degradação ambiental e como ‘possibilidade’ do CBH do Pontal do Paranapanema

se constituir num fórum ambiental; aborda os pressupostos básicos à gestão e faz

uma análise das principais ações de planejamento, recuperação de águas e ações

de EA.

No ano de 2008 foram encontradas 24 dissertações e sete teses relacionadas

ao tema CBH. Neste montante, 18 analisam a relação da gestão das águas com a

participação social, sendo marcante a abordagem dos conflitos de gestão. Devido ao

grande número de trabalhos, foi feito mais um recorte para análise dos mesmos,

sendo considerados aqueles que sugerem maior grau de relação com a abordagem

desta pesquisa, aí incluindo outros sub-temas: conflitos e alternativas de soluções

sugeridas (Quadro 4).

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MORGADO, Alessandra. A influência do Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ) na descentralização da gestão hídrica brasileira – avaliação quantitativa da participação da sociedade civil de 1993-2003. MASCARENHAS, Ana Cristina Monteiro. Conflitos e Gestão de Águas: o caso da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. HERNANDEZ, Arthur de Oliveira. A governança da água em bacias hidrográficas: um estudo dos modelos de gestão adotados no Brasil e no Quebec. LUCINI, Juana Andrade de. Quem é a Sociedade Civil? Atores, atitudes e comportamento político nos comitês de bacia hidrográfica. CAMARGOS, Luiza de Marillac Moreira. Governança de Recursos Hídricos: um estudo das percepções dos Stakeholders sobre a Gestão das Águas no estado de Minas Gerais. COSTA, Maria Angélica Maciel. Reflexões sobre a política participativa das águas: o caso CBH Velhas (MG). PEREIRA, Maria do Carmo Nunes. Composição do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu-Ba; uma análise da origem geográfica e do setor econômico representado por seus membros como fatores intervenientes na gestão participativa de recursos hídricos. SOARES, Samira Iasbeck e Oliveira. Mediação na gestão de Recursos Hídricos no Brasil. GRANJA, Sandra Inês B. Negociação na governança da água: inovações na construção de consensos em comitês de bacia hidrográfica. Water Governance Game para o Comitê do Alto Tietê. Tese, CAMPOS, Valéria Nagy de Oliveira. O Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e o Consejo de Cuenca del Valle de México. Potencialidades de limites da gestão participativa da água 1980-2005. Quadro 4: Trabalhos acadêmicos realizados em 2008 sobre o tema (CAPES, 2009).

Morgado (2008) justifica que o CBH-PCJ está localizado numa região de alto

desenvolvimento com zonas de adensamento populacional, alta taxa de degradação

e disponibilidade hídrica muito baixa. O estudo realizado pela pesquisadora faz uma

avaliação quantitativa da participação da sociedade civil nas reuniões, no período de

10 anos (1993-2003), por meio de listas de presenças nas reuniões e comprova que,

ao contrário da hipótese inicial, a sociedade civil manteve uma média de 70% a 80%

de presença nas reuniões, com mínimas de 56,4%. O trabalho destacou a presença

dos sindicatos rurais da região no colegiado na Câmara Técnica Rural, avaliado

importante no sentido do próprio sindicato, enquanto membro, “garantir a

representação dos agricultores e os interesses da classe”

Mascarenhas (2008) considera os princípios da gestão integrada, descentrali-

zada e participativa que transfere as decisões para a base local, o Comitê de Bacia

Hidrográfica e se torna assim palco de conflitos de natureza variada entre os que in-

tegram o sistema de gerenciamento, que por sua vez pressupõe processos perma-

nentes de negociação e cooperação. No caso do CBH São Francisco, de âmbito da

União, ela destaca o que considera o maior dos conflitos: a alocação negociada das

águas, que tem usado a construção de Pactos de Gestão como estratégia para su-

perar os impasses, com resultados efetivos, com o Comitê desempenhando papel de

articulador de estratégias dessa natureza. A autora buscou uma abordagem analítica

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sobre os conflitos, seus elementos, tipologias e formas de tratamento, baseada em

dados primários e secundários. A pesquisadora identificou um “arrefecimento na im-

plementação da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento”, com “diversos

atropelos que a gestão na bacia vem enfrentando”, que ocasionou o enfraquecimen-

to político e institucional para realizar as negociações requeridas em um pacto de

gestão da bacia.

Hernandez (2008) buscou fazer uma análise comparativa entre modelos de

gestão no Quebec-Canadá e Brasil para o “estudo das políticas, instrumentos e me-

todologias na gestão de bacias hidrográficas utilizadas em cada país assim como

dos diferentes fatores que interagem na mesma e aumentam a governança local da

água”. Trabalhou com dados levantados a partir de documentos oficiais e trabalho

de campo junto a comitês e atores da gestão de bacias hidrográficas. No Brasil, o

trabalho destacou “elementos metodológicos do ciclo de gestão e de confecção de

plano diretor de bacias, que contribuam para aumentar a governança local da água”.

Lucini (2008) toma como base de análise uma pesquisa censitária realizada

com membros de 14 comitês de bacias e 4 consórcios de bacia. A autora analisa o

papel desempenhado especialmente pela sociedade civil, “definidos operacional-

mente como os que não são usuários de água nem oficiais do estado em qualquer

nível de governo”. Lucini confirmou a hipótese de heterogeneidade entre os atores -

principalmente da sociedade civil - e de que os conflitos não ocorrem necessaria-

mente entre sociedade civil e governo, mas entre projetos políticos, dinâmicas políti-

cas, formas de participação e preparos distintos, que se confrontam nos comitês.

Em Camargos (2008) é realizado um estudo da governança das águas a

partir das percepções dos stakeholders envolvidos na implementação da política de

gestão das águas a cargo do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). A

pesquisadora trabalha com as teorias da governança, dos stakeholders e da ação

coletiva. A análise considera quatro dimensões básicas da governança pública

definidos pela OCDE (2005) e respectivas ações governamentais para alcançá-los:

1) estrutura jurídica e regulatória da gestão de recursos hídricos, 2) ações do Estado

enquanto proprietário do bem coletivo, 3) mecanismos de interação com os

stakeholdeers, transparência e divulgação de informações, 4) papeis e atribuições

dos Conselhos. Como objeto de pesquisa a autora utilizou um questionário

respondido num painel de especialistas de órgãos gestores, seguido de grupo focal

com representantes dos stakeholders envolvidos na gestão das águas.

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Os resultados do estudo de Camargos (2008) defendem as necessidades de

adequação da legislação em aspectos distintos: abastecimento de regiões semi-

áridas; integração das políticas públicas da bacia hidrográfica, do Estado e da União;

harmonização entre as leis do meio ambiente e dos recursos hídricos. Ainda na es-

trutura jurídica e regulatória a autora identifica uma demanda por “maior divulgação

de informações relacionadas à própria legislação e aos processos de outorga dos di-

reitos de uso da água” (CAMARGOS, 2008).

No trabalho de Camargos (2008) os conflitos aparecem na interação do Esta-

do com os demais stakeholders envolvidos na gestão das águas. São discursos que

questionam, por parte dos ambientalistas, a atuação utilitarista do setor produtivo;

por parte da iniciativa privada, o desconhecimento técnico dos membros de Comitês

de Bacia Hidrográfica; e por parte dos representantes de Comitês, a defesa do for-

mato democrático desses órgãos de decisão. No que se refere ao papel dos Conse-

lhos no CBH, os questionamentos giraram em torno da escolha dos representantes

das partes interessadas na gestão de recursos hídricos, que necessitam de maior

discussão sobre os critérios de representatividade.

Costa (2008) salienta aspectos relacionados à descentralização das políticas

públicas no Brasil e ao surgimento dos aspectos participativos em deliberações de

interesse público, trazendo uma perspectiva histórica do PNRH e dos CBH’s como

parte do processo de redemocratização. A referência empírica do estudo é a “expe-

riência de um arranjo institucional participativo” no gerenciamento de um dos maio-

res e mais diversificado contexto histórico-geográfico em termos físicos e socioeco-

nômicos entre as bacias do estado de Minas Gerais: a bacia hidrográfica do Rio das

Velhas e o CBH Velhas. O trabalho foi realizado com base em estudo qualitativo e

uso de entrevistas semi-estruturadas com os membros do CBH Velhas e observação

de eventos deste Comitê. Na análise sobre os 10 anos de PNRH e nove do CBH Ve-

lhas, Costa considerou como um ‘avanço’ na gestão a ampliação do número de par-

ticipantes, porém não avaliou as relações de representatividade dos diferentes seg-

mentos sociais, que possa traduzir o significado de tal ‘avanço’ e relatou ainda a

continuidade de muitos problemas na gestão.

Pereira (2008) analisa a composição do CBH Paraguaçu, na Bahia do ponto

de vista da origem geográfica e da representação do setor econômico como fatores

intervenientes na gestão participativa dos Recursos Hídricos. A análise espacial da

constituição do CBH Paraguaçu e implicações para a Gestão Participativa e dos con-

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flitos em torno dos usos múltiplos das águas identificou uma super-representação

dos irrigantes, tendo como consequência a força política de uma região sobre as

demais: “uma geometria de poder conformada pela existência de pólos concentrado-

res de poder político, que possivelmente expressa polarização econômica” dentro do

CBH. A pesquisadora problematiza os critérios de composição dos CBH’s baseados

na representação por setor de usuários que não consideram a origem geográfica e a

vinculação regional ao território.

Soares (2008) argumenta que as discussões acerca das mudanças de pro-

cessos políticos na última década estão relacionadas com processos de governança,

em especial quanto aos Recursos Hídricos, cuja PNRH determina uma gestão atra-

vés da busca de consenso entre interesses divergentes.

“Os conflitos [...] passam a ser qualificados pelas complexas relações ambi-entais, sociais e econômicas que envolvem a função do CBH, além da difícil comunicação entre várias visões e linguagens diferentes, todas considera-das legítimas (SOARES, 2008, p.10).

A pesquisadora sugere meios alternativos que possibilitem concretizar a go-

vernança e lidar com os conflitos. Sinaliza a mediação como forma positiva de trata-

mento para as disputas, considerando que as formas tradicionais de tratamento utili-

zadas pelo direito são influenciadas pelo pensamento positivista, binário e excluden-

te, não se mostrando adequada à co-responsabilidade e inclusão social, diretrizes

estabelecidas pelo PNRH. Assim ela define a proposta:

A Mediação, procedimento no qual um terceiro imparcial facilita a comunica-ção para que as próprias pessoas envolvidas solucionem seus conflitos, ressalta a cooperação, a igualdade de participação, a cidadania, construin-do relações e prevenindo futuras disputas” (SOARES, 2008).

A pesquisadora fez uma releitura da pesquisa, publicada em 2010. Ela man-

tém a defesa da mediação como possibilidade nas relações do CBH, porém admite

nem sempre ser possível a negociação ou ainda o diálogo naquela arena, além de

ser muito difícil a comprovação da aprendizagem social. “[...] Quando for possível (o

diálogo e a aprendizagem social - ICFV), os resultados sociais que advêm deles são

muito mais superiores à alternativa que conhecemos (a mediação). [...] reforçam as

relações sociais; as decisões são mais eficazes e eficientes; aumenta a flexibilidade

e tolerância para lidar com as incertezas da natureza” (SOARES, 2010, p. 63).

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Apesar de coerente com os princípios da governança para a sustentabilidade,

a proposta de Soares (2010) sugere o surgimento de uma nova categoria de especi-

alista, o mediador, que possibilita o risco de limitar a conceitos e interesses de uma

única pessoa toda a gestão de um processo que se propõe democrático e participa-

tivo. Em outras palavras, o sucesso da gestão dependerá do mediador e dos ideais

a que este serve. Por outro lado, identifica no diálogo e no aprendizado social a pos-

sibilidade de ‘resultados superiores’.

Em Granja (2008) também está presente o tema da negociação na governan-

ça das águas, com proposta de inovações na construção de consensos para o Comi-

tê do Alto Tietê: a adoção do ‘Water Governance Game’ – Jogo de Governança da

Água (JGA). A tese define que o objetivo do JGA é construir intervenções para a

sustentabilidade ambiental da bacia, alocar recursos em tempo real através de roda-

das de negociações e escolhas de estratégias pelos atores, para potencializar a go-

vernança. Segundo Granja (Id Ibdem) três teorias embasam e sustentam o JGA: a

Teoria da Ação Comunicativa, a Teoria dos Jogos e a Teoria do Construtivismo. As-

sociadas ao entendimento de outras metodologias que comportam a negociação,

traduzem o jogo capaz de estruturar propostas de intervenção e alocação de recur-

sos, com consequente modificação da situação inicial. O que condiciona os resulta-

dos dos jogos a um nivelamento relativo às informações e à predisposição dos joga-

dores de respeitar os princípios éticos da política, ou não. Granja salienta:

[...] os resultados do Jogo dependem das circunstâncias, do contexto, da in-teração dos jogadores; de variáveis de outros subjogos, das jogadas produ-zidas e da criatividade dos próprios atores. [...] formatam-se redes de a-prendizagem e de prática, para que o monitoramento e avaliação da imple-mentação permitam oferecer a gestão dos indicadores e parâmetros das in-tervenções acordadas no JGA” (GRANJA, 2008).

Limitar a gestão das águas a ‘jogos’ e ‘jogadas’ é afirmar a soberania do po-

der e da relação opressor x oprimido; é negar o esforço e os elementos constitutivos

da transição democrática, estabelecidos (na legislação, no pensamento de tantos

críticos da modernidade, nos esforços de outros tantos militantes, gestores, ambien-

talistas) e fundados no respeito ao outro e no interesse público; é determinar previ-

amente a impossibilidade da democracia direta; é ao mesmo tempo, negar as possi-

bilidades de processos educavitos emancipatórios.

Campos (2008) aborda os novos modelos de gestão das águas – descentrali-

zados e participativos – implantados no México e Brasil desde a década de 90. En-

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tende a crise hídrica mais como uma questão de demanda, para analisar as potenci-

alidades dos modelos de gestão e compreender as negociações e relações entre os

grupos sociais atuantes e os processos em que foram produzidos. A investigação

empírica dá-se sobre dois casos: o Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (CBH-

AT) em São Paulo (BR) e o Conselho de Bacia do Vale do México – (CC-VM), cujas

atuações envolvem áreas metropolitanas de grande complexidade administrativa e

socioambiental e convivência com alta densidade de conflitos de uso da água e da

importação de água de outras bacias.

O trabalho de Campos propõe trazer contribuições para as análises e cons-

truções teóricas a respeito das práticas participativas com a formação de futuros par-

ticipantes destes colegiados em cursos de graduação, pós-graduação ou capacita-

ção.

“Hoje, o grande desafio é consolidar uma nova relação entre Estado e Sociedade, baseada na democratização da gestão das águas e na participação de amplos setores no processo, inclusive, na tomada de decisões. É necessário desenvolver a noção de co-responsabilidade dos atores no processo contínuo de democratização e, neste sentido, devem ser valorizadas as propostas teóricas - e de ação -, baseadas no aprendizado coletivo” (CAMPOS, 2008).

O modelo de gestão pública baseado apenas no conhecimento técnico tem

sido adotado no Brasil e em diferentes partes do mundo, nas últimas décadas, com

aplicação que gera dependência e controle, quando não são estéreis. A maioria dos

projetos e decisões de gabinete não encontra apoio na sociedade porque esta – a

sociedade - não entendeu ou porque não se identificou com a ação e as propostas

ou mesmo os experimentos passam a existir à margem da realidade a que se pro-

põe interagir, como um mundo paralelo que pretende bastar-se pelo excesso de

convicção do que é certo. Um processo educativo com base no dialogo e na reflexão

a partir dos diferentes saberes possibilita a inclusão, o respeito ao outro em trocas

de soluções para problemas comuns e pode trazer como resultado a experiência

emancipatória.

A revisão de literatura realizada até aqui traz trabalhos que apontam o contro-

le social como uma conquista jurídica e suas condições de legitimidade condiciona-

das a ações comunicativas e/ou educativas que possam promover a formação e in-

formações necessárias à cidadania. A abordagem de Berlink (2003), relacionada

com a alfabetização técnica da comissão eleitoral, é aqui citada por se tratar de uma

‘investigação-ação’ realizada junto à Comissão Pró-Comitê de Bacia Hidrográfica do

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Alto Rio Maranhão, cujo modelo adotado, segundo o próprio autor, mostrou-se con-

clusivo quanto ao caráter emancipatório do conhecimento científico interativo.

No trabalho de Berlink (2003), a EA, trabalhada a partir da alfabetização téc-

nica, teve como objetivo a inserção dos membros da comissão pró-comitê no campo

do debate racional sobre a bacia, tendo como instrumentos a construção de uma

cartilha e de uma maquete da bacia hidrográfica local. Berlink concluiu que o conhe-

cimento científico assume caráter emancipatório quando se torna “interativo e crítico”

(2003). O autor define como alfabetização técnica a construção de uma maquete da

bacia hidrográfica pelos participantes, o que demonstra um saber técnico sendo

‘compartilhado’ numa construção de grupo. O tratamento da mesma informação po-

de e deve ter um contexto mais amplo de debates para gestão, permitindo que a

mesma saia da redoma onde se situa o grupo, para romper com o ‘privilegio’.

Considerando que uma comissão pró-comitê tem o compromisso de organizar

o processo de criação do CBH e, por questões éticas, não deverá integrar os mem-

bros de uma primeira gestão, Berlink comprova que a alfabetização técnica naquele

contexto contribuiu à compreensão do conceito de bacia hidrográfica, com possibili-

dade de discutir a gestão local; porém sem se referir à possibilidade da gestão e do

processo participativo na gestão das águas, a partir dos novos membros a serem e-

leitos. A proposta oferece à comissão eleitoral conhecimento privilegiado e pode re-

cair numa demanda cíclica, no sentido da alfabetização se repetir a cada novo grupo

gestor, até alcançar um número de pessoas na Bacia que assegure o rodízio para

compor a diretoria do Comitê em gestões subsequentes. Ou restará a possibilidade

do monopólio por um grupo que se ‘especializou’ em gestão de Comitê de Bacia,

que pode ou não ser qualificado para o diálogo inclusivo.

Outro trabalho significativo é a análise de Lima (2005), que investigou ‘ele-

mentos constitutivos e constituintes de racionalidades substantivas’ (conceituada no

trabalho como o uso da razão, diretamente apreendida pela consciência humana,

não pela mediação social) como alavancas de progresso nas experiências francesa

e alemã de gestão das águas. Nele, as racionalidades substantivas estão associa-

das a: maior preocupação com a complexidade; ênfase no cálculo concreto; ênfase

nas singularidades; maior preocupação com a incorporação do “outro”; ênfase na

complementaridade; atenção ao dualismo que separa a sociedade da natureza; ên-

fase no local; descrição de algumas experiências de gestão; e verificação. Lima

(2005) concluiu que racionalidades substantivas quando orientaram as ações dos

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comitês significaram uma redução e controle nos níveis de contaminação dos recur-

sos hídricos por processos de irrigação. Porém tais racionalidades estão presentes

no cotidiano dos atores envolvidos.

Também mereceu destaque o trabalho de Magalhães (2001), que investigou

as variáveis e desafios do processo decisório dos CBH’s no Brasil. O autor afirma

que a subsidiariedade distribui poder sem garantir igualdade/liberdade entre os par-

ticipantes. Magalhães (2001) refere-se à necessidade de um processo formativo ‘pa-

ra os membros do CBH’, sem questionar o diálogo com a sociedade local ou mesmo

a renovação dos mesmos do comitê, que supõe uma igualmente sociedade cidadã.

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3 PROCESSOS METODOLÓGICOS

3.1 ÁREA DA PESQUISA – O CBH RIO GRANDE

O CBH do Rio Grande teve o processo eleitoral finalizado em setembro de

2008. No período de mobilização, os seminários e reuniões realizados nos meses de

junho e julho alcançaram 770 pessoas. No período das inscrições habilitaram-se 128

inscritos e cabe entender por que apenas 38 destes eleitores compareceram às ple-

nárias eleitorais. Naquele grupo de 38 leitores foram eleitos 18 membros - 2 do Po-

der Público Municipal, 8 Usuários e 8 da Sociedade Civil (INGÁ, 2008). Outros 06

membros não passaram por processo eleitoral: 05 representantes do Poder Público

ocuparam número equivalente de vagas por indicação da Comissão Eleitoral e/ou

Diretoria Provisória, por serem instituições impares na região; 01 representação do

INGÁ, considerado membro nato, por ser o órgão gestor.

No modelo de composição Comitê, tripartite e paritário, são oferecidas 24 va-

gas – oito para cada segmento, prevendo-se a existência da suplência para cada

uma dessas vagas, o que totalizam 48 membros. Na composição final disponível no

site do próprio CBH (www..inga.ba.gov.br, 2009), consta que o Setor Público possui

oito membros titulares e oito vacâncias na suplência; a sociedade civil oito titulares e

oito suplentes, e os usuários oito titulares e quatro suplentes (quatro vacâncias na

suplência), totalizando 36 membros. Sendo 18 deles eleitos e seis indicados (total de

24), outros 12 membros se tornam representantes a partir de convites, definidos em

arranjo institucional negociado entre os eleitos e o setor público (Quadro 05). A ne-

cessidade de instalação negociada do CBH Rio Grande pode significar aspectos di-

ferentes, que não foram aqui investigados porque não são considerados condicio-

nantes para o desenvolvimento desta pesquisa; apesar de importantes, consideran-

do a qualidade da participação na gestão:

[...] vale ressaltar que alguns representantes da sociedade civil foram colo-cados ali e não estão se manifestando ou não tem ido. A primeira extraordi-nária foi a posse e mesmo assim faltou representação da sociedade civil e de prefeituras mas nada se fez. A primeira ordinária, membros foram 13 pessoas, quorum apertado. A segunda ordinária foram 12 pessoas e um foi chamado para dar quorum. Agora temos representantes que estão com três

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faltas consecutivas, que prevê a substituição. O edital não numerou a ordem nas votações, porque foi uma composição acordada, sem numerar os exce-dentes (AS-01, Entrevista Semiestruturada, 2009).

PODER PÚBLICO FEDERAL Titular Suplente:

CODEVASF – Cia de Des.dos Vales do S Francisco e do Parnaíba Vacância

Titular Suplente:

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente Vacância

Titular Suplente:

SEMA – Secretária do Meio Ambiente Vacância

PODER PÚBLICO ESTADUAL Titular Suplente:

SEMA – Secretária do Meio Ambiente Vacância

Titular Suplente:

EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola Vacância

Titular Suplente:

INGA – Instituto de Gestão de Águas e Climas Vacância

PODER PÚBLICO MUNICIPAL Titular Suplente:

Prefeitura Municipal de Formosa do Rio Preto Vacância

Titular Suplente:

Prefeitura Municipal de Luiz Eduardo Magalhães Vacância

Titular Suplente:

Prefeitura Municipal de Barra Vacância

SOCIEDADE CIVIL – Ensino e Pesquisa Titular Suplente:

UNEB – Universidade do Estado da Bahia Vacância

Titular Suplente:

UFBA – Universidade Federal do Estado da Bahia – presidente Vacância

Titular Suplente:

SEAHF – Sociedade Educacional Arnaldo Horácio Ferreira Vacância

SOCIEDADE CIVIL – Comunidades Tradicionais – Quilombola Titular Suplente:

Quilombo do Riacho da Sacutiaba Vacância

SOCIEDADE CIVIL – ONG Titular Suplente

AMINA – Barreiras Tapuia Sarapó (Comunidade Tradicional)

Titular Suplente

BIOESTE Paróquia Santa Rita de Cássia

Titular Suplente

STR – Wanderley STR – Cotegipe

SOCIEDADE CIVIL – Associações, Federações, Sindicatos Titular Suplente

Associação dos Moradores de Várzea Comprida Associação dos Pequenos Produtores de Água Boa

Titular Suplente

FAEB Sindicato do Trabalhadores em Água Boa

USUÁRIOS – Agropecuária e Irrigação Titular Suplente

AIBA – Associação dos Irrigantes da Bahia Nelsir Antonio Zancario

Titular Suplente

Comercial Agrícola LTDA Associação dos Produtores de Boa Sorte

USUÁRIOS – Abastecimento Urbano e Efluentes Titular Suplente:

EMBASA – Empresa Baiana de Água Saneamento Vacância

USUÁRIOS – Hidroelétricas Titular Suplente:

PCH – Pequena Central Hidrelétrica Usina Stª Cruz Vacância

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USUÁRIOS – Turismo, Pesca e Lazer Titular Suplente:

Colônia Z 64 de Riachão das Neves Vacância

Titular Suplente:

Associação dos Pescadores P.ªV. do Rio Grande Vacância

USUÁRIOS – Indústria e Mineração Titular Suplente

Galvani Indústria, Comércio e Serviços LTDA Mineração 2000

Titular Suplente

Cotton Placas LTDA Pró-Ativa Assessoria Ambiental

Quadro 5: CBH Rio Grande – diretoria, período 2008-2010

O Rio Grande, afluente do rio São Francisco, banha o oeste do estado da

Bahia, formando uma bacia de drenagem que mede 75.170 km², limitando-se com

as bacias do Rio Parnaíba ao norte, do Rio Tocantins ao oeste e do Rio Corrente ao

Sul e com a calha do Rio São Francisco no leste.

As cabeceiras do Rio Grande e de seus afluentes da margem esquerda limi-

tam–se com o vale úmido do Rio Tocantins, onde as chuvas abundantes garantem

os deflúvios perenes durante todo o ano. Já na parte média e oriental da bacia, pre-

domina um clima semi-árido, característico da região do curso médio do São Fran-

cisco, onde as chuvas são escassas contribuindo muito pouco para os deflúvios dos

rios. Os afluentes que se formam nesta parte da bacia possuem, em sua maioria,

regime de escoamento intermitente.

A bacia abrange os municípios de Angical, Baianópolis, Barra, Barreiras, Bre-

jolândia, Catolândia, Cotegipe, Cristópolis, Formosa do Rio Preto, Luis Eduardo Ma-

galhães, Mansidão, Riachão das Neves, Santa Rita de Cássia e São Desidério,

Wanderley. está formada por sete sub-bacias:

1. Rio Preto: rios Riachão, Sassafrás, Sapão, Preto e Ouro;

2. Rio Branco: rios Janeiro, Branco, Entrudo, Balsas e Cachorros;

3. Rio de Ondas: rios Pedras, Borá e Ondas;

4. Rio de Fêmeas: rios Fêmeas, Mosquito, Roda Velha, Pratinha, Estiva, Triste e

Feio;

5. Alto Rio Grande: rios Fervedouro, Grande, Bravo e Porcos;

6. Rio São Desidério: rio São Desidério;

7. Rio Tamanduá ou Boa Sorte.

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Figura 5 – Mapa da Bacia Hidrográfica do Rio Grande

Conforme “Justificativa Circunstanciada” encaminhada ao CONERH – Conse-

lho Estadual de Recursos Hídricos para a instalação do Comitê, a oferta de água do

São Francisco, pela bacia do Rio Grande, vem diminuindo em quantidade e qualida-

de, em consequência de usos e manejos não sustentáveis dos recursos naturais da

região (INGÁ/COGEP, 2007).

O cerrado local tem sido desmatado em dimensões enormes, muitas vezes sem respeito sequer às áreas de preservação permanente e às reservas le-gais. Os extensíssimos cortes rasos e as subseqüentes queimadas, a me-canização pesada dos solos, o manejo problemático de vastas monocultu-ras, a produção de carvão, a construção de estradas e obras sem cuidado técnico e sem averiguação ou licença ambiental têm levado a um quadro de degradação ambiental muito avançado. A alteração da paisagem natural vem favorecendo processos erosivos dos solos (laminar e eólica), assorea-mentos e encurtamento dos cursos d´agua. Já se perderam, irrecuperavel-mente, inúmeros nascentes, olhos d´agua, veredas, matas ciliares, locais de reprodução e criação de peixes, etc. (INGÁ/COGEP, 2007)

O processo de degradação ambiental do Oeste baiano oferece vasto material

para uma pesquisa específica. Em linhas gerais dá-se por conta do modelo econô-

mico da região, que adotou a expansão da fronteira agrícola como opção para o de-

senvolvimento. No começo deste processo (décadas de 60 e 70) o governo baiano

chegou a oferecer extensas áreas de terras para imigrantes ‘desbravar’ o Oeste bai-

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ano, onde já existia “uma população rural fixada” (AGUIAR, 2005), daí decorrendo

diversos conflitos de ocupação de solo e desagregação de comunidades tradicionais

– ribeirinhos e geraizeiros. Muitos fazendeiros registraram áreas de terras maiores

que as reais posses, a maioria delas adentrando terras de uso extensivo das comu-

nidades locais, que as usavam como pastagens. Na região ainda persistem conflitos

desta natureza, com dezenas de processos judiciais a espera de solução. Os mais

recentes ocorrem em demandas sobre áreas de uso coletivo (fundos de pas-

to/geraizeiros), requeridas, quando não apropriadas como “reservas florestais” do

agronegócio.

O documento de formação do comitê (INGÁ/COGEP, 2007) refere ainda que

o impacto primordial da agricultura extensiva na região “se reflete no rebaixamento e

na poluição do lençol freático do aquífero Urucuia, fato que já provocou a morte de

vários tributários do Rio Grande” (2007).

Ainda conforme a ‘Justificativa Circunstanciada’, no que diz respeito à gestão

das águas da bacia do Rio Grande, consta que: as outorgas são emitidas sem co-

nhecimento ou participação da sociedade civil local; empreendimentos clandestinos

usam a água sem outorga; há rios, lagos e riachos cujas águas são retiradas apesar

de parecer técnico considerar a outorga esgotada; projetos de irrigação vêm contri-

buindo para uma diminuição significativa da vazão dos rios; há casos de desvio dos

cursos naturais das águas para fins de irrigação; a área de recarga do Aquífero Uru-

cuia está comprometida devido ao mau uso dos solos; são abertos poços de alta va-

zão (mais de 500 metros cúbicos / hora) para irrigação do algodão desde o ano de

2003.

A justificativa traz também a existência de conflitos de interesse entre os irri-

gantes e a central hidrelétrica no Rio das Fêmeas assim como conflitos entre gran-

des produtores (de soja, algodão e cana) e comunidades tradicionais (geraizeiros,

brejeiros, ribeirinhos e fundos de pasto) no que diz respeito ao uso das águas.

3.2 OS MÉTODOS DA PESQUISA

Inicialmente, o estado da arte realizado revelou alguns temas importantes pa-

ra a pesquisa bibliográfica, contribuindo também para definir o recorte necessário na

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realização do trabalho de campo e adaptações na redefinição dos objetivos específi-

cos.

A princípio a pretensão era investigar como os processos comunicacionais uti-

lizados pelos comitês de bacia se relacionam com os conceitos de representação,

representatividade, cidadania e gestão participativa das águas. A proposta era cons-

truir no coletivo uma tecnologia social capaz de estabelecer processos educomuni-

cacionais nos Comitês, voltados para a mobilização social e a promoção da efetiva

participação na gestão das águas. O pressuposto era de que o exercício da repre-

sentatividade requer a informação/educação e a formação para a cidadania, tendo

como princípio a auto-afirmação dos sujeitos individuais e coletivos na sociedade.

No estado da arte, foram pesquisados os temas: Gestão Participativa e Comi-

tês de Bacia Hidrográfica, Educomunicação/Comunicação, Representatividade e in-

vestigação-ação. O material pesquisado salientou um aspecto mais relevante na

questão da cidadania e da representatividade no parlamento das águas: as relações

de poder entre os decisores/membros enquanto verdadeiro foco de conflitos e/ou

não manifestação nos interesse de uso das águas, considerando as condições desi-

guais de diálogo.

A revisão bibliográfica se deu em forma de revisão histórica na qual se bus-

cou recuperar a evolução dos conceitos de Educação Ambiental, de Educomunica-

ção e de Gestão dos Recursos Hídricos. Igualmente foram pesquisados os funda-

mentos científicos da investigação-ação, métodos mais adequados para análise das

abordagens e demais aspectos, a exemplo da presença ou não da participação so-

cial e parâmetros analisados para seu estabelecimento, o que ocorreu com a inser-

ção dessa evolução dentro de um quadro teórico de referência que explica os fato-

res determinantes e as implicações da investigação-ação.

A pesquisa documental foi elaborada a partir de materiais sobre gerenciamen-

to de recursos hídricos e normas jurídicas recolhidas junto ao órgão gestor das á-

guas na Bahia, o INGÁ. Também serviram de referência atas e reuniões plenárias

dos próprios comitês, acervos de profissionais que tratam do tema, a Internet, semi-

nários e eventos afins, a exemplo daqueles realizados pela ANA e pela SRHU/MMA.

Um exercício de caráter educomunicativo, desenvolvido com as Comissões

Eleitorais dos comitês em formação também referendaram os objetivos da pesquisa

indireta. Mais que um exercício, a ação demonstrou que aqueles grupos de pessoas,

de diferentes regiões e segmentos, com formações escolares diversas, alguns inclu-

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sive apenas “desenhavam” o próprio nome, estavam interessados e comprometidos

com eleições democráticas, defendendo a ampla participação da sociedade. Os re-

sultados deste trabalho não foram objeto da avaliação desta pesquisa.

A pesquisa documental teve um terceiro momento, numa etapa preparatória.

Um questionário aplicado entre os membros do Comitê do Rio Grande, já então defi-

nido como área de estudo, apontou as dificuldades e propostas de solução, na visão

daquele colegiado, para problemas de comunicação entre os membros, entre os

membros e o sistema e entre os membros e a sociedade representada por estes. O

material, depois de sistematizado, forneceu elementos reais para o grupo de traba-

lho, participante da pesquisa, perceber o desafio de fazer da gestão compartilhada

das águas um processo permanente de diálogo com a sociedade.

Os documentos analisados permitiram comparações entre as práticas comu-

nicacionais dos Comitês, avaliadas em atividades de campo da pesquisadora, duran-

te período de prestação de serviço ao INGÁ, já na perspectiva de identificar a causa

das ‘não manifestações, ausências’ (cf. p. 94) e tensões conflituosas entre diferentes

interesses de uso, na gestão das águas. Os mesmos são também referencias para

comparações com os resultados específicos da ação desenvolvida nesta pesquisa.

3.3 A INVESTIGAÇÃO-AÇÃO

A investigação-ação é uma concepção educativa dialógica, participativa e co-

laborativa que pode suportar uma convivência intercultural, em situações de emer-

gência de conflitos nos momentos de planejamento, da ação, da observação e da re-

flexão (CORTE REAL, 2003). O método tem sido adotado em situações e espaços

diferentes, desde a formação de professores aos desafios para a educação ambien-

tal, à construção de comunidades críticas de aprendizagem, formação cidadã, entre

outros (DE BASTOS, SAITO. 2001).

Vizer (2004, p. 86-87) parte do suposto que homens e sociedades vivem e

constroem suas realidades mediatizando-as pelas crenças, pelos imaginários institu-

ídos pela cultura, linguagem, observação, subjetividade e a própria ação sobre o re-

al. O autor considera o método interpretativo e a investigação-ação como estratégias

fundamentais para combinar a produção de conhecimento com a intervenção social.

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Vizer (2004, p. 88) se refere a uma tendência de ação investigativa advinda das es-

colas de educação popular na América Latina, no ressurgir das democracias nas dé-

cadas de 80 e 90, que trouxe uma verão original de “comunicação alternativa e par-

ticipativa” como resposta de transformação social centrada na própria comunidade e

na educação, contrárias às corrente difusionista surgida nos Estados Unidos (2004,

p. 87). A nova versão comunicativa participativa atende à necessidade de se traba-

lhar em e com comunidades [...] para construir (quando não reconstruir) as bases

plurais das formas institucionais de um regime democrático.

Conforme argumenta o mesmo teórico (2004, p. 90), a comunicação alterna-

tiva e participativa esta relacionada com a ideia da emancipação social e vem como

resposta aos esquemas de planificação vertical e controladora de governos sob de-

nominações diferentes: “planejamento participativo”, “gestão social”, “gestão partici-

pativa”, “auditoria social”, “desenvolvimento local”, “promoção comunitária”, “desen-

volvimento comunitário” e, no campo específico da comunicação, a “comunicação

comunitária”.

No conceito de Vizer (2004), a Investigação-Ação aborda ‘análises sobre prá-

ticas sociais’ e se fundamenta em uma metodologia indutiva (indução analítica do

particular para o geral). Neste trabalho a ação investigativa promove outra prática

social a partir da abertura de outro espaço, ao mesmo tempo autônomo e cooperati-

vo/solidário, no sentido de estabelecer ali uma nova práxis, fundamentada nas pos-

sibilidades do diálogo problematizador dos assuntos pertinentes à gestão participati-

va das águas, na busca da transformação possível, baseada em que:

[...] a compreensão e a introdução de mudanças nas práticas (práxis) são meios adequados para produzir o melhoramento das mesmas; tanto sobre a própria situação em que se realizam como com respeito à “racionalidade” das mesmas (práticas) e a compreensão do processo integral. [...] A práxis requer a reflexão sobre: a) a própria natureza da ação, como é entendida pelos atores; b) as conseqüências da própria ação e; c) o contexto em que se realiza. (2004, p.90)

O propósito da concepção educativa é possibilitar o ‘interagir’ entre represen-

tantes e representados, estabelecer o diálogo na ‘construção’ de soluções para pro-

blemas/dificuldades comuns. Assim, o método admite o ‘conflito’ enquanto geratriz

para a possibilidade de consenso, supondo que pessoas detêm pontos de vistas e

compreensões diversas de uma mesma realidade. Porém a investigação-ação não

transplanta soluções, mas as constrói no coletivo.

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Real (2003) chama atenção para o risco dos resultados da investigação-ação

serem escritos de forma isolada pelo pesquisador, deixando de ser o resultado de

uma construção e tornando-se uma ‘interpretação’ ou visão unilateral dos fatos. No

caso da presente investigação-ação, a pesquisadora participou do processo de

construção-reflexão da ação com o grupo de educomunicadores, o que possibilita

assumir o papel de “relatoria” da experiência, porém sem neutralizar a possibilidade

da visão unilateral. Esta somente pode ser alcançada a partir de um postura ética e

comprometida, de quem busca se aperfeiçoar na relação inclusiva e no respeito às

diferenças – sem querer ser este um auto-elogio, mas uma declaração de compro-

misso, responsabilidade e fé.

O trabalho, depois de escrito, foi socializado com o grupo, para críticas e su-

gestões. Ainda que não tenha sido comprovada a leitura completa do trabalho pelo

grupo, nas respostas encaminhadas veio apenas um comentário discordante de um

integrante que não se sentia “parte do Comitê” (AS–11, Entrevista Semi-estruturada,

2009) e se queixou do pouco contato com os membros. Foi então identificado que

ao término das oficinas o programa de rádio continuou abordando temas ambientais,

porém sem o diálogo com o CBH, este temporariamente sem reunir-se. Os educo-

municadores passaram a se convidar às reuniões da diretoria, que ocorriam com

mais frequência, fazendo a reaproximação.

Todas as etapas da investigação e da ação passaram por processos de avali-

ação e reflexão permanentes, pelo Grupo de Trabalho. O risco de resultados serem

considerados ‘parciais’ precisa ser assumido na realidade deste trabalho acadêmico:

não se tratou de um grupo acadêmico numa ação com a comunidade e avaliada ao

final pelo mesmo grupo (supondo ser isto possível); também não foi possível a reali-

zação da proposta inicial, prevista na parceria com o órgão gestor, que envolvia a

realização de um seminário para a construção de documento final sobre os proces-

sos, pelos educomunicadores.

Para a pesquisa houve a construção de um esboço metodológico anterior ao

contato inicial com o grupo inscrito nas oficinas de formação. Ainda que esta não

fosse a intenção do projeto, o tempo do mestrado, correndo em paralelo com injun-

ções burocráticas e outras, de ordem não definidas, ocasionaram entraves no des-

dobramento dos trabalhos da pesquisadora e até sinalizaram o limitar a pesquisa a

um diagnóstico com proposta de solução. Forçou assim a antecipação de tal esboço

na metodologia, definido a partir dos estudos bibliográficos e documentais. A propos-

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ta de aprendizado pela prática supõe a ação construída pelo grupo (onde está tam-

bém a pesquisadora) que constrói todos os instrumentos da ação, a partir do primei-

ro encontro, em exercício de ação-reflexão-ação. O esboço metodológico tornou-se

um texto para referência, dando espaço à construção da ação pelo coletivo.

3.3.1 Construindo o grupo e a ação investigativa

Os primeiros nomes para integrar o Grupo de Trabalho na ação educomunica-

tiva saíram do próprio comitê. Na apresentação da proposta, a previsão era ter três

membros do comitê no grupo, porém o número foi questionado, sendo sugeridos e

aprovados por eles, seis nomes. Entre a apresentação da proposta desta pesquisa e

o mapeamento sobre os problemas de comunicação no comitê (entre os membros,

com o sistema e com as bases) foram sugeridos alguns setores da sociedade que

estavam distantes da gestão das águas, cuja aproximação era importante, na visão

dos membros. A constituição do Grupo de Trabalho buscou agregar aquela deman-

da identificada e os contatos iniciais levaram a outros segmentos, lideranças e pro-

fissionais distintos.

Alguns requisitos da proposta mostraram-se importantes na parceria social

necessária ao projeto: 1 – o atrativo de uma oficina de Educomunicação oferecida

por uma pesquisa de mestrado de uma universidade estadual; 2 - o atrativo da ênfa-

se em rádio, com aspectos diferentes nos interesses dos participantes: a) as institui-

ções locais da sociedade civil viram nas oficinas a possibilidade de preparar, entre

os seus integrantes, alguém que pudesse conhecer e assumir também o papel de in-

terlocução da própria instituição com a sociedade via rádio; b) as rádios contatadas

declararam interesse no certificado do curso, a grande maioria delas com dificulda-

des de pessoal credenciado para atender exigências sindicais na formação de radia-

lista; 3 – uma ação do Ministério Público, atuando em toda a Bacia do Rio São Fran-

cisco, cobrando das rádios a responsabilidade social prevista nos critérios de con-

cessão pública.

Foram contatadas 35 pessoas e instituições diferentes. A partir de confirma-

ções de interesse formou-se um grupo de 18 participantes, constituído de: liderança

sindical (3); radialista (2); movimento social (1); ator (2); jornalistas (2); cantor (1);

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professores NM (1) e NU (2); educador ambiental (2); gestor de UC (1); comunicador

social (1). Seis destes integrantes residiam em municípios diferentes da Bacia; os

demais tinham residência fixa em Barreiras, sendo que três dentre eles atuavam em

toda a bacia. 12 participantes alcançaram a frequência média de 75% das oficinas.

Dos seis membros indicados pelo CBH apenas um participou das oficinas16. Os de-

mais preencheram a ficha de cadastro, porém não compareceram às oficinas. As

causas não são aqui identificadas porque os mesmos não responderam aos formulá-

rios de entrevista e sequer assinaram o termo de consentimento.

No momento dos convites para integrar o Grupo de Trabalho ocorreram os

contatos com rádios da região. O ideal sugerido pelos membros do CBH era agregar

ao grupo pelo menos uma radio em cada uma das oito sub-bacias do Rio Grande, o

que exigia viagens e visitas a cada uma delas, impossibilitadas pelas limitações dos

recursos da pesquisa. Deste modo a discussão da proposta da ação educomunicati-

va deu-se com duas rádios comerciais em Barreiras onde se tratou da formação do

grupo de trabalho, constituído da pesquisadora, representantes da sociedade e um

radialista ancora de cada rádio envolvida. Uma das rádios assegurou de imediato o

espaço com radialista ancora para a experiência acadêmica. A outra a princípio quis

estabelecer negociação de certificação para o radialista ancora e somente disponibi-

lizou horário na grade depois da experiência no ar, com repercussões positivas. No

exercício de apresentação dos educomunicadores em reunião plenária do CBH

(24/11/2009), o diretor da rádio parceira definiu assim o interesse da parceria:

[...] temos uma emissora que é jornalística; por este motivo tem um com-promisso social [...] e abrimos espaço para a educação ambiental, para no-vos parceiros como o Comitê de bacia. (Baltazar Guimarães - diretor da rá-dio)

Dispor de um horário, na grade de uma rádio AM, com alcance em quase toda

a área da bacia, aliado ao suporte de um profissional ancora da própria rádio, gerou

grande motivação no primeiro encontro do grupo, que percebeu ali uma oportunida-

de de ocupar um espaço importante na comunicação local. Assim a ação foi gradu-

almente sendo construída/investigada. Dois radialistas vindos de outros municípios a

princípio não conseguiam entender como conciliar suas presenças numa outra rádio, 16 Durante a realização das oficinas houve substituição de um membro do comitê, antes voluntario ao GT, tendo assumido a representação um integrante do GT; outro membro do comitê integrou o GT enquanto sociedade civil, por ter solicitado após encerrada a reunião, perfazendo, ao final dos trabalhos, três representantes do CBH no Grupo de Trabalho.

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mantendo a participação para ver até onde poderia ir. Discutidas as possibilidades

do programa, foi então introduzida a discussão sobre o modelo de comunicação

mais adequada à proposta, a partir de quadro comparativo construído por Kaplún

(1985).

Kaplún (1985) desenvolveu seu trabalho inspirado na educação dialógica de

Freire. O autor traça um paralelo entre três modelos de comunicação (Quadro 6),

que para ele se confunde com os modelos da educação, definindo os indicadores

que deixam claro a importância do modelo proposto pelo mesmo autor, a educa-

ção/comunicação com ênfase no processo. Na análise da função política da comuni-

cação com ênfase no processo, apresentada por Kaplún, o Grupo de Trabalho con-

cluiu que a problematização é o exercício para a liberação:

INDICADORES / Modelos

Ênfase nos Conteúdos

Ênfase nos Resultados/Efeitos

Ênfase no Processo

CONCEPÇÃO Bancária Manipuladora Libertadora – Transformadora

PEDAGOGIA Exógena Exógena Endógena LUGAR DO EDUCANDO

Objeto Objeto Sujeito

AGENTE Professor-Texto Programador Sujeito-Grupo RELAÇÃO Autoritária-Paternalista Autoritária-Paternalista Autogestionária OBJETIVO Ensinar/Aprender

(repetir) Treinar/Fazer Pensar – Transformar

FUNÇÃO EDUCATIVA

Transmissão de conhecimento

Técnicas-Condutas Engenharia do Comportamento

Reflexão-Ação

TIPO DE COMUNICAÇÃO

Transmissão de Informação

Informação/Persuasão Comunicação (Diálogo)

MOTIVAÇÃO Individual: prêmios/castigos

Individual: estímulo/recompense

Social

FUNÇÃO DO DOCENTE

Ensinante Instrutor Facilitador-Animador

GRAU DE PARTICIPAÇÃO

Mínima Pseudo-participação Máxima

FORMAÇÃO DA CRITICIDADE

Bloqueada Evitada Altamente estimulada

CRIATIVIDADE Bloqueada Bloqueada Altamente estimulada PAPEL DO ERRO Falha Falha Caminho – busca MANEJO DO CONFLITO

Reprimido Iludido Assumido

RECURSOS DE APOIO

Reforço transmissão Tecnologia Educativa Geradores – produtores

VALOR Obediência Lucro/Utilitarismo Solidariedade – Cooperação

FUNÇÃO POLÍTICA Acatamento Acatamento - Adaptação Liberação Quadro 6: Modelos de Educação/Comunicação de Kaplún, 1985

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A ação educomunicativa construída e investigada veio seguida da discussão

sobre o desafio que se apresentava na proposta (educativa, participativa, via comu-

nicação popular) de intermediar a comunicação entre o comitê e a sociedade local,

no sentido de estabelecer o diálogo possível.

As discussões iniciais problematizaram a quase ausência de informação so-

bre o comitê na mídia local – apenas três integrantes tinham escutado falar do tema

comitê (todos membros do comitê) e apenas um declarou-se apto, ao responder à

questão “você se considera apto a falar sobre o comitê?”. Os participantes do Grupo

de Trabalho naquela oficina conheceram e avaliaram as dificuldades de comunica-

ção levantadas pelos membros do comitê, admitindo pertinência nas abordagens le-

vantadas. Porém perceberam ali um caminho: a lista de dificuldades do CBH conti-

nha pauta para dezenas de debates no programa de rádio. E era só um começo.

Também em grupo avaliou-se as condições do tempo para o trabalho da pes-

quisadora (08 oficinas, uma a cada semana), os recursos não liberados e a alternati-

va de apoio da prefeitura de Barreiras, que contou com a intermediação da Secreta-

ria local de Meio Ambiente; problematizou as possibilidades de manter o trabalho in-

dependente e cuidados necessários, concordando com o apoio da prefeitura como a

única saída para a ação acontecer. No decorrer das ações ficou claro que a prefeitu-

ra repassou os recursos sem fazer nenhum pedido de contrapartida. Cabe verificar

se haverá uso da ação em palanques de campanhas eleitorais a acontecerem em

2010.

Os trabalhos de cada oficina foram encerrados com um novo desafio. Já para

a terceira oficina o grupo foi levado a pensar na estreia do programa de rádio a ir ao

ar no sábado da semana seguinte. Dividido entre dúvidas sobre se estavam prontos

e a oportunidade de tratar temas emergentes, os integrantes do GT simularam en-

trevistas entre si, aprovaram o resultado e definiram a pauta de estreia: apresentar a

proposta ao público numa entrevista com a pesquisadora; entrevistar a presidente

do CBH sobre o próprio Comitê e responder dúvidas do público e dos próprios edu-

comunicadores; entrevistar um dos membros do comitê e integrante do grupo de e-

ducomunicadores sobre como via o próprio papel nos dois espaços; entrevistar um

‘brigadista’ para falar sobre o incêndio que estava acontecendo há cinco dias na ser-

ra vizinha da cidade; entrevistar ambientalista local, sobre o balanço do mutirão de

limpeza organizado por ele no Rio de Ondas.

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A estreia do programa tornou a ação educomunicativa para o CBH, mais que

um desafio, um desafio prazeroso de muita adrenalina. Na avaliação realizada após

o programa ter ido ao ar, muitos desabafos, risos, abraços solidários e alívio: “Vixe

Maria, quase morri de sufoco, mas deu tudo certo, não?”; “eu tremi tanto que a voz

quase não saiu”; “você tava pingando suor”; “falei demais, fiquei nervosa”; “teve gen-

te que deu bom dia cinco vezes em menos de dez minutos! (rsrs...)”; “foi eu! Cada

vez que falava dava um ‘bom dia ouvinte!’ (rsrs...)”.

No primeiro programa de rádio o grupo levou todos os entrevistados para o

estúdio e trabalhou com quatro educomunicadores na mesa de entrevistas (oito pes-

soas). Os demais educomunicadores ficaram fora do estúdio, acompanhando o pro-

grama pelo rádio, inclusive ligando para fazer perguntas. Apesar de saber que estú-

dio com 8 pessoas era difícil de administrar, a pesquisadora-observadora participan-

te apenas alertou, porém possibilitou o aprendizado prático do grupo.

Os educomunicadores foram para o estúdio apreensivos e com mãos trêmu-

las. Gaguejaram algumas vezes, quase se atropelaram nas falas e até aqueles que

estavam participando como ouvintes, demonstraram nervosismo ao fazer perguntas

pelo telefone; entrevistados ‘contagiados’ pelo nervosismo do grupo se estenderam

nas falas... O entrevistado da ‘brigada de incêndio’ saiu do estúdio sem dar entrevis-

ta, argumentando uma emergência, porém foi identificado que o mesmo considerou-

se desrespeitado, por ter sido convidado a dar uma entrevista para a qual ficou es-

perando por mais de 20 minutos. Em fato a saída de um entrevistado gerou alívio,

porque o tempo tinha ficado curto para a pauta e o grupo decidiu pautar os brigadis-

tas num outro programa. Ao final do programa o radialista ancora parabenizou, in-

centivando o grupo e o diretor da rádio foi ao estúdio dizer que o programa ficou

bom, que os esperava na semana seguinte.

Na avaliação sobre a estreia o grupo percebeu que cada entrevistado deve

entrar no momento certo e bastam dois educomunicadores para os debates, sendo

necessário que um deles coordene a fala, para evitar atropelos. Os demais acompa-

nham na qualidade de ouvintes, podendo perguntar pelo telefone. O tempo das ofi-

cinas, de 8 horas/dia, se tornou difícil para os participantes residentes em outros

municípios. Sem alojamento em Barreiras precisaram sair às 15h a tempo de pegar

o transporte de retorno para casa. O grupo de trabalho reviu as condições das ofici-

nas como suficientes apenas para preparar o programa – confirmar os entrevistados,

avaliar pesquisas feitas sobre os temas e as possibilidades das entrevistas para le-

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var o programa ao ar. Demais diálogos entre o grupo passaram a acontecer via e-

mail.

Foi assim que, ao termino de cada programa, o horário de almoço tornou-se

essencial, para a avaliação conjunta dos resultados do trabalho. O retorno ao local

de realização das oficinas se daria para traçar a pauta seguinte e definir atribuições

entre os participantes, para a produção de mais um programa.

Sugestões de novas possibilidades de ação emergiram da interação proces-

sual entre os participantes do GT e já na quarta oficina, os dois participantes vincu-

lados a rádios em seus municípios trouxeram a proposta de retransmissão do pro-

grama dos educomunicadores, com debate local, que não chegou a se concretizar

no tempo da pesquisa.

3.4 FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA

O processo e resultados das oficinas (inclusive o programa de rádio) com os

educomunicadores tornam-se o objeto desta pesquisa. Tratá-lo do ponto de vista da

metodologia científica é analisar um fato real, estabelecido a partir de uma atitude,

ação a um só tempo práxis e espaço de transição paradigmática, em acordo com a

teoria crítica pós-moderna que procura “reconstruir a idéia e a prática da transforma-

ção social emancipatória” (SANTOS, 2007, p. 33).

As especificações das formas de socialização, de educação e de trabalho que promovem subjetividades rebeldes ou, ao contrário, subjetividades con-formistas é a tarefa principal da inquirição crítica pós-moderna. (2007, p.379)

Em Santos (2007), na possibilidade de reconstruir a ideia e a prática da

transformação social, a subjetividade emergente encontra dificuldades de “desfamili-

arização” daquelas estabelecidas porque estão em pauta realidades distintas – o

Norte imperial e o Sul (espalhado no mundo, no que exprime de formas de subordi-

nação - expropriação, supressão, silenciamento, diferenciação desigual), dicotomia

que envolve um aprender a reconhecer e colocar-se no lugar do ‘outro’, onde o Sul

significa a forma de sofrimento humano causado pela modernidade capitalista (2007,

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p.368-369). Porém é também Santos (2007) quem sinaliza o caminho possível desta

pesquisa, ao se referir à subjetividade da “fronteira” da transição, [...] que permite ser

“ora guiada pelo paradigma dominante, ora pelo paradigma emergente”, [...] “ora a-

tuando sobre os próprios limites” - “hibridação” - desestabilizando-os até o ponto de

poder ir para além deles, sem ter de os superar (2007, p.355).

Neste aspecto a interlocução no programa de rádio se constitui na possibili-

dade da fronteira de transição e do ir além; ao mesmo tempo a práxis possibilita a

hibridação das subjetividades dos atores em debates com suporte da comunicação

popular, guiado por normas dialógicas da problematização (FREIRE). Em tal circuns-

tância é possível que ocorrer na fronteira de transição o reconhecimento recíproco

(Norte no Sul e vice-e-versa) e neste lugar, também a possibilidade do desenvolvi-

mento das racionalidades humanas pelo diálogo que se estabelece na “ação comu-

nicativa”, (HABERMAS), orientada por normas de conduta.

A presente ação investigativa buscou agregar ao diálogo do Comitê do Rio

Grande com a sociedade local, um espaço de interlocução de abordagens comuni-

cativa, cognitiva e transdisciplinar, que poderiam bastar aos fundamentos das teorias

da educação dialógica (FREIRE, 1996) e da comunicação popular (KAPLÚN, 1985).

Porém, pela pertinência do que ali pode se estabelecer, a partir da comunicação e a

título de trazer outras aproximações problematizadoras no diálogo entre Norte e Sul,

identificadas a partir deste trabalho, também no âmbito da teoria crítica do conheci-

mento, agrega aos conceitos metodológicos as teorias da ação comunicativa

(HABERMAS, 1983), da complexidade e outras teorias, porque cabem na práxis de

um processo investigativo, em determinada ação. Elas apóiam, por aproximações,

as concepções e metodologias construídas, avaliadas e sistematizadas.

A proposta é, portanto, trabalhada na perspectiva transdisciplinar, movimento

com raízes na preocupação de incorporar as subjetividades míticas e religiosas na

ciência moderna do pensamento interdisciplinar. A transdisciplinaridade é também

uma resposta à progressiva fragmentação e limites do saber disciplinar

(ALVARENGA; SOMMERMAN; ALVAREZ, 2005). Trata-se de um sistema que

transcende os aspectos específicos das diferentes áreas de conhecimento envolvi-

das na interdisciplinaridade, para delinear reflexões de caráter ético e a estética da

existência. A transdisciplinaridade possibilita usar as ferramentas educomunicativas

em uma educação integral, em versão que propõe o aprender a ‘desconstruir’ e a

‘reconstruir’ (LEFF, 2001) para a ruptura de atitudes moldadas pelo sistema, e que

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perpassam os conceitos metodológicos desta pesquisa, nas concepções de Freire

(1967), Habermas (1997) e Kaplún (1985).

Entender o surgimento de outras teorias no movimento das ciências é tam-

bém pertinente no contexto da opção metodológico deste trabalho, pelo sentido que

traz das mudanças ocorridas no Século XX. Tais mudanças desestruturam visões

mecanicistas e econômicas do mundo, a partir da ruptura dos paradigmas nos con-

ceitos que explicam a natureza e o estudo das ciências. O período é identificado por

Santos (2007) com o que ele chama de “crise epistemológica do paradigma domi-

nante” (2007, p.68). Para o autor, a crise do paradigma dominante é profunda é irre-

versível porque resulta da interação de uma pluralidade de condições, entre as quais

o autor identifica o aprofundamento do conhecimento, que permitiu ver a fragilidade

dos pilares em que se funda (2007, p.68).

Neste percurso Einstein ‘construiu o primeiro rombo’ (2007) no paradigma da

ciência moderna em 1905. A fim de determinar a simultaneidade na medição da ve-

locidade da luz, Einstein defronta-se com um ciclo vicioso: “para determinar a simul-

taneidade dos acontecimentos distantes é preciso conhecer a velocidade; mas, para

medir a velocidade, é necessário conhecer a simultaneidade dos acontecimentos”.

(SANTOS, 2007, p.68).

Einstein rompe com este círculo, demonstrando que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão-só ser definida. É, portanto, arbitrária [...] A idéia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos (..) esta bem expressa no princípio da incerteza de Heisenberg: [...] o que for feito para reduzir o erro de uma das medições aumenta o erro da outra.” (2007, p.68-69)

O princípio veio demonstrar a interferência do sujeito no objeto observado,

deixando a possibilidade de resultados aproximados naquela relação. “A distinção

sujeito/objeto [...] perde os seus contornos dicotômicos e assume a forma de um

continuum.” (2007, p.69).

Outra grande descoberta, a decodificação do DNA por James Watson e Fran-

cis Crick (FERREIRA, 2003 apud TORRES, 2005), mostra que o universo é impulsi-

onado pela informação, esta sendo necessária a todas as transformações e manifes-

tações de todas as formas de vida. “Matéria, energia e relacionamentos nada mais

são, respectivamente, do que meios de armazenamento, de transporte e de multipli-

cação de dados para a geração de informação e conhecimento.” (TORRES, 2005).

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Conforme argumentado em Torres (Id Ibdem) a Teoria da Complexidade

(Quadro 07) resulta da culminância das três primeiras mudanças – trabalhos de

Albert Einstein, Física Quântica e Descoberta e Decifração do DNA – com estudos

sobre Teoria do Caos, Fractais, Teoria das Catástrofes e a Lógica Fuzzy (Difusa),

dentre outras, que emergiram em meados dos anos 60.

Partes Todo Complexo

Pensamento Linear A→B Pensamento Complexo

Autodomínio Domínio Coletivo e Alavancagem da Diversidade

Eficiência, Eficácia, Competitividade Competência, Cooperação, Comunidade

Decisões de Cima para Baixo Significado Compartilhado e Consenso

Comando e Controle Liderança Compartilhada

Foco em Estrutura, Tarefas, Mercado e

Cliente

Foco em Relacionamento e Processo

Uma resposta certa / que der mais lucro Muitas respostas certas / Paradoxo

Quadro 7: Visão complexa do mundo. Adaptado de Torres (2005)

A partir da Teoria da Complexidade entende-se que uma realidade não linear,

caótica, fractal, catastrófica e difusa deve ser vista de forma não somente quantitati-

va, mas, principalmente, qualitativa, considerando que a realidade é inacabada, um

eterno fluir. Examinar isoladamente um componente implica no reducionismo das

partes. Da mesma forma que examinar somente o global sem perceber os seus

componentes e os relacionamentos, implica no reducionismo do todo. “Devem ser

examinados, também, os relacionamentos deste componente com os demais e com

o global constituído por todos eles” (TORRES, 2005).

A Teoria Cognitiva de Piaget foi incorporada à Teoria da Ação Comunicativa

em Habermas na estruturação racional da identidade do eu a partir das fases do de-

senvolvimento da espécie humana (SIEBENEICHLER, 1994, p.130). A ontogênese

do eu é vista por Habermas como um desenvolvimento dos indivíduos em direção a

um nível cada vez mais alto de racionalidade técnica e, principalmente comunicativa.

Isto porque “o sujeito é capaz de adquirir um grau de autonomia cada vez maior em

relação a quatro dimensões da realidade: linguagem, natureza exterior, natureza in-

terior e mundo social.” (1994, p.129).

O processo de emancipação segue três linhas de desenvolvimento com-plementares, correspondentes ao desenvolvimento de sua capacidade de

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linguagem, de cognição e de interação. Em cada uma destas dimensões é possível discernir estruturas universais que se ordenam de acordo com uma lógica do desenvolvimento, de amadurecimento ou de aprendizagem. (1994, p.129)

Habermas incorpora as fases do desenvolvimento humano de Piaget (1976),

também conhecida como Epistemologia Genética, que entende o indivíduo passan-

do por etapas de desenvolvimento ao longo da vida, através do equilíbrio entre as-

similação e acomodação. Porém em Habermas “o desenvolvimento do eu dá-se ne-

cessariamente através da linguagem, [...] o médium universal que possibilita o de-

senvolvimento da cognição e da ação humana e, em particular, da linguagem comu-

nicativa, voltada ao entendimento” (SIEBENEICHLER, 1994, p.130). Ao se concen-

trar no aspecto cognitivo e comunicativo da formação da identidade, Habermas rele-

ga a um segundo plano, mas não elimina o aspecto motivacional, a psicodinâmica

do processo de formação, os instintos e pulsões vitais (as subjetividades – ICFV). É

deste modo que o processo de estruturação racional do eu aparece extremamente

complexo, frágil e nem sempre coroado de êxito. A constituição da subjetividade dá-

se nas dimensões da linguagem, em especial aquela voltada para o entendimento,

as situações de fala que configuram a estrutura da comunicação ((1994, p.130).

Na concepção habermasiana, a ação comunicativa esta relacionada com a

comunicação livre, racional e crítica, em alternativa à razão instrumental, "aprisio-

nada" pela lógica que encobre a dominação. A emancipação acontece sempre que

as pessoas são capazes de superar certas restrições do passado, provocadas pelas

distorções de comunicação (HABERMAS apud CAPRA, 2002, p.184). Na arena polí-

tica do programa de rádio, orientada por normas de conduta (comunicativa, dialógi-

ca, problematizadora), há os que são entrevistados e os que perguntam, para com-

preender o tema com o objetivo de construir um entendimento que seja acessível

também para a sociedade em geral. Não deve se estabelecer ali a relação ‘quem

sabe mais’ ou a defesa impune do benefício próprio ou de um grupo. O papel da a-

rena política dialógica é possibilitar que os entrevistados sejam ‘sabatinados’ para

explicar de forma mais clara o que esta querendo dizer e não esta sendo compreen-

dido pelo grupo debatedor – ou eventualmente por algum ouvinte da rádio; e/ou sa-

batinado para contextualizar o que esta sendo dito (porque surgiu, como, em benefí-

cio de quem, até onde...). Ou seja: a natureza de tal espaço de diálogo possibilita

que os discursos sejam problematizados e contextualizados, numa reflexão que se

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dá em situação de exposição pública. O mundo da vida, em Habermas (1997).

Associado à Teoria Crítica da Sociedade, Habermas considera duas esferas

sociais que coexistem: o sistema e o mundo da vida. O sistema refere-se à 'reprodu-

ção material', regida pela lógica instrumental (adequação de meios a fins), incorpo-

rada nas relações hierárquicas (poder político) e de intercâmbio (economia). O mun-

do da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de signifi-

cados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos

objetivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjetivos.

Na Ação Comunicativa ocorre a coordenação de planos de dois ou mais ato-

res via assentimento e definições tácitas de situação. Distante da visão reducionista

para este conceito, entendido como mero diálogo, a Ação Comunicativa em Haber-

mas pressupõe a teoria social do mundo da vida e contrapõe-se à ação estratégica,

entendida como cálculo egocêntrico, regida pela lógica da dominação, na qual os a-

tores coordenam seus planos no intuito de influenciar, não envolvendo assentimento

ou dissentimento.

No espaço do programa de rádio o mundo da vida se relaciona com a situa-

ção de comunicação popular proposta por Kaplún (1985), centrado na ação-reflexão-

ação, por sua vez vinculado à normas de construção do conhecimento a partir do di-

álogo problematizador: No espaço dialógico do programa, “as pessoas se educam

no convívio” (FREIRE, 1987). No conjunto as teorias referidas propiciam o que de-

fende Demo (1988), do ponto de vista do eixo político da política social, para alcan-

çar o maior desafio, de “motivar a organização comunitária”, entendida como agluti-

nação de interesses e de espaços.

[...] é preciso chegarmos a um tipo de sociedade, marcada pela constituição democrática, tão bem tecida em suas malhas associativas, que a própria democracia se torne oxigênio diário e seja capaz de reagir às intervenções centralistas e autoritárias. Passar de objeto de manipulação, para sujeito de seu próprio destino. (DEMO, 1988, p.33).

Habermas (1997) considera que a morte da racionalidade livre esta

relacionada à limitação dos espaços comunicativos na sociedade moderna, que

privilegiou a tática - o agir estratégico e instrumental - em detrimento da

comunicação livre, racional e crítica. A ação comunicativa, defendida no espaço do

programa de rádio, entre os participantes, possibilita uma revolução na capacidade

de pessoas comunicarem-se, dialogarem e construírem seus valores, na perspectiva

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de serem respeitadas as condições de alteridade e de possibilidade de

ressignificação da realidade social.

3.5 TÉCNICAS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS

Na análise do objeto desta investigação-ação, foi adotada a metodologia qua-

litativa de pesquisa social, na forma concebida por Martins (2004), porque ela privi-

legia a análise de micro processos, através do estudo das ações sociais individuais e

grupais, que procuram ver o indivíduo como sujeito do conhecimento e da história.

No processo dialógico da investigação-ação, a metodologia de pesquisa quali-

tativa busca trabalhar o conhecimento útil, orientado pela ética e tendo em vista a

melhoria das condições de vida da população. Nesta ação investigativa ela tem co-

mo métodos de análise a observação participante, entrevistas semiestruturadas e

‘Momentos Pedagógicos’ (BASTOS e MULLER apud CORDENONSI e outros

(2007). Os diferentes métodos de análise se complementam, na busca de identificar

situações de fala possíveis de configurar situações de diálogo e produção de conhe-

cimento; possibilidades emancipatórias, de participação cidadã e superação de con-

flitos de interesses para a gestão das águas; reconstituição, em termos de qualida-

de, de fatores socioeconômicos e políticos que “efervecem” a tensão social (DEMO,

1988) e possíveis correlações com a(s) forma(s) de participação para a gestão de fa-

to compartilhada das águas.

Porque são complementares, com vistas a ultrapassar as limitações de cada

um dos modelos, a avaliação dos resultados dá-se também pela “triangulação”

(DUARTE, 2009) dos dados obtidos, considerando ainda que a subjetividade do in-

vestigador e dos sujeitos estudados faz parte do processo de investigação (Flick,

2005a, p. 6, apud DUARTE, 2009).

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3.5.1 Entrevistas Semiestruturadas

As entrevistas semiestruturadas, de caráter exploratório, foram organizadas

para acontecer de forma individual e presencial, no período de realização das ofici-

nas, em momentos mais aproximativos, num terceiro turno de trabalho. Para as en-

trevistas contava-se com dois dias de oficina a cada semana, com pernoite dos par-

ticipantes. Porém houve dificuldades para aplicação das mesmas, considerando a

limitação de tempo, resultando que 13 participantes receberam cada um, um formu-

lário para responder em outro momento. Sete destes não devolveram o formulário,

alegando ‘falta de tempo’. Porém na triangulação de dados (observação participante

e ficha cadastral) é possível identificar outros aspectos: 1) aqueles participantes não

se sentiam seguros para responder às questões relativas à gestão das águas por fal-

ta de conhecimento sobre o tema; 2) devido à flutuação de frequência dos partici-

pantes não foi compreendido o valor do formulário de entrevista, para o trabalho da

pesquisa.

A primeira possibilidade considera ainda que, ao preencher o cadastro para

as oficinas, apenas três dos participantes (não membros do comitê) declaram co-

nhecer sobre comitê de bacia, dois deles apenas de “ouvir falar”. Deve se levar em

conta também que nas oficinas foi ‘queimada’ a etapa de discussão sobre a legisla-

ção específica, pelos motivos já relatados, transferindo tais aprendizados para o

programa de rádio, via debates com entrevistados.

Esforço adicional foi realizado para uma entrevista presencial, considerando a

limitação declarada do participante, na construção das respostas escritas. Apenas

um participante solicitou e respondeu o formulário via e-mail. À medida que os for-

mulários eram devolvidos, foi possível retomar uma ou outra colocação para dar sen-

tido à resposta.

Os dados sistematizados com as entrevistas vistos de forma isolada tradu-

zem aspectos motivacionais dos participantes, de ordem voluntária ou delegada por

instituição a que pertence, na aproximação com o grupo:

Teimosia (AS-01). [...] o representante legal saiu da empresa e automaticamente assumi o lu-gar dele no comitê e neste grupo (AS-02). Conhecer mais” (AS- 05). Por achar interessante a proposta de um programa de educomunicação

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(AS-10). Por ser uma coisa comunitária, que acho importante, por ser a construção de um saber que estou também ensinando e por ser cidadania. Levar infor-mação e esse conhecimento é de muita importância para a população que tem que se apropriar desses saberes para conseguir mudar algumas coisas (AS-11). Deu oportunidade de me aprofundar e participar das questões ambientais. Hoje leio uma reportagem sobre o Cerrado com outros olhos (AS-12). Através do sindicato. [...] me botaram nesse sufoco17 (AS-14).

Por outro lado, ao conceituar Gestão Participativa, aqueles participantes que

nunca tinham escutado falar de Comitê revelam pouca politização e motivações sub-

jetivas, ao mesmo tempo puras, de um desejo de gestão.

É aquela que a gente ta acompanhando e cobrando. (AS-05). É quando chama a sociedade civil organizada pra juntos construir proces-sos. (AS-10). Gestão onde todos têm voz e coloca sua opinião. Construída coletivamente. (AS-11). É onde todos têm o direito de opinar e definir como vai ser utilizado o que esta sendo proposto. Gerir junto. (AS-12). É aquela que você leva para a comunidade discutir o que pode ser feito. A comunidade é quem decide. (AS-13).

Entre aqueles que já conheciam e participavam do comitê, os conceitos para

gestão participativa denotam um ideal (desejo?) de perfeição, que pode explicar o

esforço de participação no grupo:

É diferente do governo. A capacidade das lideranças agirem de modo circu-lar por necessidade surgida e não por convenção – responde às necessida-des do momento, respeitando a diversidade (AS-01). É uma oportunidade onde todos podem participar e dar opiniões, pois a ges-tão reúne o poder público, usuário da água e sociedade civil para discutir todos os problemas que atingem os rios, as nascentes, as lagoas, os poços e as águas que abastecem as casas. É importante porque pode ajudar a buscar soluções para esses problemas, para garantir que a água seja usada de modo responsável pelas pessoas no presente para que não falte no futu-ro. (AS-02 ).

Ou um ideal de ‘missão’ em contexto próprio, a princípio aceitando orientação

cega e/ou solidária, mas logo percebendo a necessidade de saber o que esta fazen-

do. A fala deste agente social guarda dois momentos distintos de sua relação com a

gestão das águas. Na fala 1, a gestão participativa está relacionada à participação

nas reuniões, que pode significar o que traduz a fala 2, sobre a discussão do regi-

17 O termo “sufoco” foi empregado por AS-14 para referir-se à experiência de estreia do programa de rádio.

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mento interno, mas também um aprendizado processual.

Fala 1 - É a participação nas reuniões. Até agora ouvi pra aprender. Hoje já falo alguma coisa. Fala 2 – Foi boa e o que ‘pude falar’ é o que esta escrito em ata. O que eu estava fazendo AS-Y é quem estava me ensinando. (AS-14).

A situação, aqui específica, porém não única, na relação que se estabelece

entre membros do CBH, deixa claro uma fragilidade desigual. O agente social em fo-

co confia e conta com a presença de outro agente social ‘y’, (membro ou não do co-

mitê), para orientá-lo na defesa de propostas das quais nem lembra. Porém ele pa-

rece ter clareza da oportunidade do espaço onde pode expor demandas de sua co-

munidade. É uma leitura da resposta que dá sobre assuntos das reuniões do comitê

a que esteve presente: “[...] várias coisas que não lembro. Eu [...] fiz várias cobran-

ças, inclusive da morte das nascentes, que foi feito a vistoria, mas ainda sem solu-

ção” (AS-14, 2009).

A situação de fala no espaço do comitê, a partir da análise das entrevistas,

denota certas condições de ‘exclusão’ para o diálogo, mesmo quando o próprio ‘par-

ticipante’ se coloca (ou aceita) como presença útil ao processo; é ao mesmo tempo a

potência de uma ação, a princípio esperando acolhimento, mas logo a possibilidade

de aprendizado e de outra condição desejada. É o que pode expressar AS-11,

quando se refere à ‘contribuição dada na reunião’ (fala 1) e quando se apresenta na

plenária (fala 2), enquanto educomunicador em aprendizado:

Fala 1 - Nenhuma. Foi minha primeira reunião e observei para entender o que estava sendo discutido e construído. Apesar do grupo de educomuni-cadores ter sido criado dentro do Comitê, não vejo que a relação exista na prática. Não há diálogo direto. Fala 2 – Está sendo maravilhoso levar informações (pelo rádio) e também a apropriação desse conhecimento, porque através da sabatina que fazemos com os entrevistados, na busca de informação, nós aprendemos e podemos repassar para os ouvintes de uma maneira mais clara, para que todos pos-sam também entender e aprender mais sobre os temas atuais e as necessi-dades ambientais do momento. Espero que a gente possa multiplicar esse grupo, para que possa existir um grupo educomunicador em cada cidade da bacia do Rio Grande (AS-11, 2009).

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3.5.2 Observação Participante

A observação participante permite trazer a análise para interações no comitê

desde a fase preparatória da pesquisa, nas interações no grupo de Educomunicado-

res e do grupo com os demais membros do Comitê, enquanto técnica de coleta de

dados relativos aos fenômenos que mereceram registros. Considerou-se para o ma-

pa de registros de fenômenos: 1 - a interação ou distanciamento entre o grupo e o

CBH; 2 – a forma como se articulam; 3 – fenômenos não esperados.

Uma das vantagens em trabalhar com a Observação Participante na pesquisa

qualitativa é a possibilidade de contextualização para os dados. Por exemplo, ela

pode explicar a demanda por ‘diálogo direto’ que o agente social AS-11 se refere, ao

avaliar as relações dentro do CBH. Ele quer traduzir uma outra situação ocorrida na

mesma reunião, quando o agente social AS-3C, membro do comitê, assume uma fa-

la excludente e indireta. AS-3C repetia um discurso de ‘cansaço’ com ‘tantas discus-

sões’, em função de problematizações emergentes por parte de agente social antes

silencioso nos encaminhamentos de propostas: Tem gente aqui que esta no proces-

so desde o começo e nunca abriu a boca pra dizer nada (AS-3C).

A observadora-participante chamou a atenção para a necessidade de apoio,

solidariedade e respeito aos demais membros que ainda se mantinham silenciosos

nas plenárias, considerando que os mesmos foram convidados a apoiar um proces-

so democrático desconhecido pela sociedade, por ser recente. Até porque, todos es-

tavam empenhados em comparecer também para aprender, havendo necessidade

de falas esclarecedoras, para permitir que todos participem de fato. AS-3C se retra-

tou perante os demais.

Leituras diferentes são possíveis na situação descrita: a) dialogar com o gru-

po no programa de rádio incentivou o agente social AS-14 a assumir postura pro-

blematizadora na plenária, prolongando os debates para entender as propostas em

discussão - até então as falas deste agente social estavam limitadas aos momentos

dos informes, quando relatava demandas de sua comunidade; b) outro agente social

(12M) que se mantinha ‘silencioso’ no CBH, recebeu o discurso do “tem gente aqui

[...] que nunca abriu a boca” como uma acusação e se queixou a AS-14 que o convi-

dou para integrar o grupo educomunicador com o argumento: Ele quis humilhar, [...]

vamos responder com trabalho. Outra leitura, c) sugere uma situação de tensão con-

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flituosa em processos de ‘exclusão – auto inclusão’.

No mesmo contexto de tensão e conflito cabe também uma analise sobre a

não participação no GT de Educomunicação, dos membros do Comitê que se colo-

caram voluntariamente para participar do programa de formação. Apenas 01 deles

compareceu às oficinas. Os demais, reiteradamente convidados para a oficina se-

guinte, justificaram a ausência pela ‘falta de tempo’ e sempre prometiam estar pre-

sente na oficina seguinte. Na análise feita no grupo, a postura traduzia uma ‘aceita-

ção’ tácita da proposta defendida pela presidência do comitê. Neste aspecto a acei-

tação pode traduzir (ou simular) uma declaração de abertura às propostas de diálogo

com a sociedade ou ainda um ‘toma lá – dá cá’ nas negociações internas de propos-

tas. O projeto entrou na pauta de reunião extraordinária do comitê (13/06/2009), com

a pauta da dotação orçamentária do ano em curso e previsão para o ano seguinte e

a agenda de próximas reuniões do CBH. Restaram 5 minutos, dos 120 solicitados,

para apresentação e discussão da proposta de educomunicação. Aprovado pela

plenária em tempo prorrogado de 10 minutos foi encaminhado uma indicação de

nomes para participar do programa de formação e do grupo. A plenária entendeu

que 03 vagas num grupo de 15 era pouco e requisitou 06 vagas aos membros do

CBH, com apresentação e aprovação de seis voluntários, entre estes, dois com ex-

periência de EA via rádio colocou a experiência como possibilidade de integração na

proposta do comitê. Foi então solicitado um tempo de 2 horas para um diagnóstico

da situação da comunicação – entre os membros, com o sistema e com suas bases,

na visão dos membros do comitê, também aprovado pela plenária, para acontecer

na assembleia seguinte, em meio turno.

Na abertura dos trabalhos da reunião (23/08/2009) novamente é sugerido e

acatado que o exercício educomunicativo deve ficar com duas horas ao final da reu-

nião que ocuparia um dia inteiro de trabalho. O tempo foi ficando apertado e imprati-

cável ao exercício participativo, que previa uma avaliação individual e uma sistemati-

zação no coletivo, onde cada um pudesse conhecer opiniões diferentes sobre o

mesmo tema, exercitando a identificação de possíveis elementos de consenso entre

as diferenças. Mal houve tempo de distribuir o Formulário para o registro das visões

e à medida que cada um concluía o preenchimento, pedia desculpas por não per-

manecer para a sistematização. Assim, o diagnóstico ‘participativo’ se limitou a um

mapeamento das opiniões individuais. Na análise da situação ora relatada há um

aspecto (não investigado) que poderia definir a ‘aceitação’ seguida do ‘afastamento’

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do programa de formação do grupo na proposta de democratizar a informação: nor-

malmente o tempo para cada pauta é pré-definido e no máximo extrapola em 10 mi-

nutos. O tempo de pauta do diagnóstico participativo de 2 horas ficou limitado a 10

minutos do tempo da reunião.

As visões dos membros para os problemas de comunicação foram transcritas

para referenciar os trabalhos dos educomunicadores enquanto Etapa Preparatória.

Nela fica clara a demanda pela comunicação de massa por parte de representantes

da sociedade civil, como proposta para a informação alcançar as regiões distantes

(AS-F1; AS-F2; AS-F7; AS-F9; AS-F10). As demais propostas, num universo de 10

formulários devolvidos, denotam uma preferência pela comunicação digital. Ou seja:

metade dos membros do comitê quer socializar sistematicamente informações via

comunicação de massa; a outra metade considera suficiente restringi-la à internet.

Tendo em vista a situação geográfica e social do Oeste baiano, as informações ele-

trônicas se limitariam aos usuários de água com status de empresários do agrone-

gócio, a poucas organizações sociais e alguns interessados, não se sabe de que

forma alcançados com a sugestão de acessar informações via internet.

O problema da comunicação entre os membros, para o agente social AS-F8

esta na falta de atualização dos membros quanto ao andamento dos processos e

debates sobre temas específicos, indicando como proposta de solução a implanta-

ção de um site do comitê, integrado com o sistema e um jornal eletrônico para a co-

municação dos membros do CBH com suas bases.

Entre os membros do CBH voluntariados para integrar o programa de forma-

ção do grupo educomunicador, AS-F8 foi convidado a participar do programa de rá-

dio como ‘entrevistado’, aceitando de imediato. Pode-se entender aí uma postura de

se colocar no lugar de ‘fonte de informação’, conhecimento pronto. Porém teve suas

declarações problematizadas pelos educomunicadores, no que houve de discurso

técnico não compreendido. O entrevistado buscou outra forma de se fazer entender

e ao final declarou que a entrevista o levou a perceber a necessidade de buscar a

forma apropriada para abordar assuntos técnicos.

Vale salientar outros momentos que denotam ao mesmo tempo ‘apartamento’

de uma postura relacionada ao ‘poder’ de quem detém a informação e o conheci-

mento. Os dois episódios deram-se em plenárias diferentes. Na plenária onde a

pesquisadora aplicou o questionário preparatório das oficinas, o CBH estava inician-

do a discussão das Câmaras Técnicas e o agente social AS-F8, defendia a compo-

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sição das CT’s por pessoas tecnicamente qualificadas, segundo ele, como já referia

o nome Câmara Técnica. Por desconhecimento da legislação ou por assentimento

de controle, os encaminhamentos apontavam para a confirmação da necessidade

técnica nas CT’s, referindo-se a expertises, quando a pesquisadora (observadora

participante) chamou a atenção para a legislação, que prevê os saberes tradicionais

integrando as Câmaras Técnicas como algo essencial para subsidiar os trabalhos.

AS-F8 replicou que esses saberes seriam consultados pelos técnicos e a observado-

ra participante treplicou que não se tratava de ‘consulta’, mas de respeito e inclusão

dos saberes e conhecimentos populares e das pessoas que detinham tais saberes,

podendo estas integrar as CT’s. Outros membros do CBH confirmaram a interpreta-

ção da observadora, integrando os saberes populares na composição das CT’s. O

episódio salienta outro aspecto da relação. Aquele agente social presente à plenária

e que não se sente um ‘conhecedor, técnico ou expertise’ pode se coloca no lugar

de quem não sabe; pode adotar o silêncio como acatamento à fala técnica, deste

modo fortalecer um jogo de poder desconhecido pelo mesmo agente ou problemati-

zar para conhecer. A experiência demonstrou, durante a realização das oficinas, a

segunda possibilidade como emergente num processo de aprendizado da gestão di-

alógica.

Outro fato marcante, ocorrido com o grupo de trabalho na realização do 5º

programa de rádio, denota motivações distintas e por este motivo será aqui relatado.

Ao final da 4ª oficina o grupo foi desafiado a produzir e realizar o programa seguinte,

sem apoio da pesquisadora, sendo que três, entre os participantes, traziam experi-

ências com a comunicação via rádio. O grupo distribuiu entre si as tarefas de produ-

ção e marcou a reunião preparatória de fechamento do programa para as 08h30min

do sábado seguinte. Houve necessidades distintas (horário de médico, transporte a-

trasou) de atrasos de alguns participantes e os agentes sociais AS-05 e AS-10, após

cerca 1h de espera passiva, decidiram ligar para a rádio e cancelar o programa.

Cada um tomou seu rumo e logo em seguida chegaram os ‘atrasados’. Ao

saber do ocorrido decidiram e foram até a rádio para retomar o espaço do programa.

No encontro seguinte, com a presença de todos, foi questionado o porquê do cance-

lamento do programa no sábado anterior. AS-05 e AS-10 informaram que não se

sentiram ‘preparados’ para fazer o programa. Foram questionados sobre a escolha

de ligar para cancelar o programa ao invés de ligar para um ou dois outros integran-

tes do grupo para pedir apoio ou saber o que estava acontecendo. Estabeleceu-se

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ali uma desconfiança sobre a possibilidade do ‘cancelar’ o programa denotar uma

postura dos dois agentes sociais, vinculados ao mesmo partido político. O episódio,

apesar de não ter identificado as reais causas do cancelamento do programa por

AS-05 e AS-10 levou os demais integrantes do GT a decidir que pessoas ligadas ao

mesmo partido político não poderiam estar sozinhas produzindo e moderan-

do/debatendo o mesmo programa.

3.5.3 Momentos Pedagógicos

As oficinas oferecem elementos para análise também a partir dos Momentos

Pedagógicos, construídos sob os preceitos metodológicos de Bastos e Muller apud

Cordenonsi (2007). Segundo o autor, Momentos Pedagógicos são adotados na In-

vestigação-Ação Educacional (IAE) baseada no diálogo, mais precisamente no diá-

logo problematizador. O diálogo e suas múltiplas percepções sobre a sociedade já

era reconhecido como elemento fundamental e (re) formador dos indivíduos desde a

antiga Grécia (2007), se constituindo na base da dialética. Na proposta pedagógica

da IAE, a condição do diálogo se torna uma conversação que objetiva a construção

de uma visão de mundo mais ampliada, sem necessariamente chegar a conclusões

objetivas.

A investigação-ação é baseada no diálogo e, conforme sugere o próprio no-

me, esta centrada em problemas reais, quando o pesquisador/facilitador abandona o

método bancário - que supõe um emissor detentor do conhecimento e um recep-

tor/interlocutor levado a raciocinar sobre suas próprias convicções para atingir o ob-

jetivo do emissor – ao buscar imergir de forma colaborativa na realidade com os par-

ticipantes. Ela envolve uma sequência de reflexões e ações em etapas espiraladas

com quatro fases: planejamento, ação, observação, reflexão (CORDENONSI, 2007)

e a “necessidade de uma rede de acordos éticos entre os envolvidos” (ELLIOT, 1978

apud CORDENONSI, 2007). Neste contexto o diálogo problematizador pode contex-

tualizar e sustentar a IEA, considerando que através do diálogo problematizador o

objeto problematizado toma forma de uma solução construída (CORDENONSI,

2007).

A ação-reflexão sobre este processo – base que sustenta a IAE – dá-se em

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três momentos pedagógicos: Desafio Inicial (DI), Melhor Resposta Educacional no

Momento (MREM) e Desafio Mais Amplo (DA). No DI os participantes são levados a

investigar suas próprias visões de mundo através de um desafio concreto, problema

a ser resolvido. Pelas interações deve-se consolidar o conhecimento através da co-

dificação/decodificação da MREM, devidamente sistematizada. Desta forma o pes-

quisador/facilitador pode confrontar as visões científicas e cotidianas, rompendo-as e

problematizando o DA, que busca avaliar processualmente a universalidade, valida-

de e limitação do conhecimento abordado (DE BASTOS, MÜLLER, 1999 apud

CORDENONSI, 2007).

Figura 6: Momentos de construção do grupo de Educomunicadores Foto acima (E) – O grupo constrói consenso e o roteiro do programa, no auditório da UFBA em Barreiras... Foto acina (D) – ... define os que vão ao estúdio mediar as entrevistas com o ancora... Foto ao lado – ... enquanto os demais ouvem o programa do lado de fora e participam pelo telefone.

A partir das condições reais da pesquisa e das oficinas o modelo adotado por

Cordenonsi (2007) foi adaptado, sem perder a característica de ação investigativa

aspiralada pelo processo ação-reflexão-ação. No Momento Pedagógico 1, o grupo

esteve constituído de nove pessoas e foi envolvido em discussões preparatórias; ini-

ciada com uma breve dinâmica de apresentações – quem sou, de onde venho e o

que me traz a este grupo; seguida de apresentação da proposta sucinta da pesqui-

sa: um programa de formação constituído de oito oficinas, com o objetivo de constru-

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ir no coletivo, a cada semana, um programa de rádio com debates sobre o Comitê

em entrevistas ao vivo, no ar a cada sábado, das 11h20 às 12h. Discutiu-se ainda a

proposta do programa de rádio contando com um radialista ancora da própria rádio

parceira. Abordou-se o programa de rádio enquanto canal de comunicação entre o

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande e a sociedade local; o comitê enquanto

base de participação da sociedade como um todo na gestão das águas; a gestão

enquanto modelo participativo inclusivo, onde devem ocorrer as decisões sobre os

diferentes usos das águas da bacia.

O grupo participante problematizou como é possível realizar o programa e se

o grupo tem condições de assumir a tarefa, por ser constituído por pessoas não ra-

dialistas e com pouco ou quase nenhum conhecimento da gestão de águas? Foi en-

tão posta a possibilidade do aprendizado processual para todos, iniciado naquele

momento e a ser construído no coletivo a cada oficina e na sequência destas, a ca-

da novo programa de rádio, um desafio a permear todo o percurso e cujos passos

graduais seriam continuados a cada oficina. Para compreender as próprias possibili-

dades do coletivo os participantes do GT, tendo em mãos o caderno de textos-base,

foram recomendados a dar atenção ao mapeamento das propostas dos membros do

comitê. O assunto foi discutido coletivamente na Oficina 2, quando se chegou Desa-

fio Inicial (DI) a partir da avaliação de cada um dos participantes do GT, sobre o que

constitui o problema da comunicação do comitê com a sociedade local e qual a solu-

ção possível?

A Oficina 2 trouxe a apresentação e análise dos problemas e metas identifi-

cados pelo comitê, na comunicação entre os membros, com o sistema e com as ba-

ses. Foi problematizado se era possível entender por que alguns membros do comitê

defendem os meios digitais e outros o uso da comunicação de massa, como me-

ta/solução dos problemas de comunicação na gestão. Na investigação realizada pe-

los participantes da oficina: só tem acesso ao meio digital quem tem computador; um

grupo que se comunica em rede é fechado; a comunicação via rádio atende princi-

palmente àqueles pequenos agricultores e comunidades ribeirinhas que moram em

áreas distantes; a comunicação pelo rádio serve até para mandar recados para pes-

soas que moram na roça e não têm telefone ou computador. O DI evoluiu para: co-

mo viabilizar um programa de rádio (uma comunicação) que possa chegar aos dife-

rentes públicos na bacia hidrográfica, para falar do comitê e assuntos integrados?

Para contextualizar as possibilidades do programa de rádio, foi introduzida a

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proposta de análise dos diferentes modelos de comunicação/educação: bancário,

manipulador e processual/popular, a partir de tabela comparativa (KAPLÚN, 1985.

Cf. p. 104) e que caracteriza a Melhor Resposta Educacional do Momento

(MREM). A ‘dinâmica do mudo’18 (KAPLÚN, 1985) possibilitou ao grupo perceber os

três modelos, em seguida problematizados com a identificação no cotidiano da co-

municação praticada nas escolas, nas TVs, rádios e práticas de reuniões que geral-

mente ouvem ou participam. A investigação do grupo identificou: Palestras longas

com curto ou sem tempo de debate nas reuniões; Seminários cheios de falas políti-

cas e técnicas, sem espaço para a sociedade perguntar ou se manifestar; propa-

gandas que botam a felicidade no ter isso e aquilo; Consumo - compre batom, com-

pre batom; programas de tv sem compromisso de educar - audiência existe para

vender comercial; programas de rádio popular na Bahia tem participação de mandar

recados e pedir música.

Na conclusão investigativa daquela oficina (Figura 6), não basta falar do co-

mitê, dar notícias. É preciso dialogar com a sociedade e promover o debate sobre di-

ferentes temas tratados em entrevistas ao vivo, procurar expor diferentes propostas

e interesses. O Desafio Mais Amplo (DA) se constituiu nas possibilidades do grupo

realizar um programa popular de rádio, com microfone aberto para o ouvinte se ma-

nifestar, expor suas ideias, perguntar, discordar, contanto com a mediação-

problematização dos educomunicadores.

As dificuldades advindas dos recursos não liberados para a pesquisa, postas

na redução do tempo das oficinas a um dia de atividades, significou cortar o tempo

de discussão prévia do GT sobre temas formativos do próprio grupo. Porém, contar

com o suporte de profissional ancora da própria rádio gerou a confiança que os pró-

prios educomunicadores poderiam aprender perguntando para entender o assunto; o

contextualizar (porque, quando, quem a trouxe, a quem beneficia, a quem prejudica),

aliado às práticas das normas de conduta (sem cor partidária, fala igual a todos) po-

deria se encarregar do ensino-aprendizado do próprio grupo, do ouvinte e possivel-

mente dos entrevistados/ debatedores. A simulação de entrevistas problematizado-

ras entre os participantes reforçou a confiança do grupo no aprendizado processual.

A cada oficina seguinte, avaliar as práticas (DI) torna-se a reflexão sobre co-

18 Na dinâmica do mudo os participantes são convidados a encenar uma distribuição da pauta numa redação de jornal, onde são aplicados os três modelos de comunicação: bancário, manipulador e processual.

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mo superar as dificuldades emergentes, portanto a Melhor Resposta Educacional

para o Momento (MREM), cuja proposta de solução a ser adotada no programa se-

guinte caracteriza o Desafio mais Amplo (DA), em processo permanente e cresci-

mento espiralado de ação-reflexão-ação.

OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

I.a - Fala de AS-3C: Tem gente aqui que nunca abriu a boca pra nada. (provocativa ou excludente e indireta?) I.b - Demais agentes não reagem (omissão, exclusão ou acordo tácito?); I.c – AS-14 passa a problematizar propostas na plenária. AS-12M até então silencioso na plenária quer participar do GT; II.a – Seis membros do comitê voluntariam-se ao GT e apenas um participa (aceitação da proposta da pesquisa x abertura ao diálogo ou ‘toma lá/dá cá’?); II.b. não participação no GT (boicote ao projeto ou sobrecarga para os agentes ‘de sempre’?); III – Defesa da comunicação via internet x comunicação de massa (conflito inclusão x exclusão); IV. – Silêncio como acatamento à fala técnica x fala problematizadora; V – Cancelamento do programa de rádio x retomada.

ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

VI - 13 participantes receberam o formulário – sete responderam (demais não conheciam o tema ou não deram importância?); VII - Motivação dos participantes - voluntária ou delegada; VIII - Politização dos participantes no GT - acreditam no modelo enquanto possibilidade e conflitos são contingenciais - oportunidade de fazer algo; IX - Politização de membro do comitê no grupo - ideal de perfeição - sente-se em ‘missão’; X - Condição de auto-exclusão – observar para conhecer.

MOMENTOS PEDAGÓGICOS

XI - Construção do roteiro e produção do programa de rádio no coletivo - possibilidade de aprendizado e práxis comunicativa, dialógica-problematizadora (prática do consenso, desde a escolha de temas à inversão de papéis - entrevistador-ouvinte); XII – Participantes praticam atitudes solidárias e cooperativas baseadas em metas de trabalho e acordos éticos; XIII.a – Refletir sobre a própria ação e problematizar os resultados possibilita a produção de conhecimento; XIII.b – Grupo adota a práxis da ação-reflexão-ação enquanto processo de aprendizado, produção de conhecimento e autonomia, logo caminhos de emancipação.

CONCLUSÃO PARCIAL DAS ANÁLISES Os dados revelam situações/atitudes de fala que constituem as subjetividades presentes na fronteira de transição estabelecida a partir da ação educomunictiva e do que ela traz de possibilidade de aprendizado em construções (dialógica, problematizadora e cognitiva) via praxis. Algumas situações/atitudes deixam em aberto as possibilidades de interpretação na direção do paradigma dominante e/ou do emergente, considerando que uma fronteira de transição permite ser ora guiada pelo paradigma dominante, ora pelo paradigma emergente, [...] ora atuando sobre os próprios limites - hibridação - desestabilizando-os até o ponto de poder ir para além deles, sem ter de os superar (Santos, 2007). Porém a mesma zona de transição sinaliza possibilidades do paradigma emergente a partir da superação dos próprios limites quanto à motivação encontrada por AS-14, ao assumir o papel de perguntar para entender, causando incomodo em AS-3C. Ao mesmo tempo a não-reação pública daquele e a decisão de convidar outro agente também humilhado’ pela fala de AS-3C a participar do GT. A tensão conflituosa (exclusão/auto-inclusão) estabelecida sinaliza outras possibilidades de desenvolvimento cognitivo para além da auto-inclusão, a partir do aprendizado processual. Quadro 8: Síntese dos dados: análise por triangulação.

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4 RESULTADOS ALCANÇADOS

A participação dos integrantes do GT nos debates e reuniões do comitê esta

limitada a uma única reunião, ocorrida no tempo de realização das oficinas. Na reu-

nião foram passados informes, continuados os trabalhos de discussão e adaptação

da proposta regimental do comitê e assinado o termo de parceria entre o comitê, a

rádio e o GT. A pesquisadora teve oportunidade de participar de duas outras reuni-

ões do recém-empossado comitê, quando apresentou a proposta da pesquisa e

quando aplicou o exercício de mapeamento dos problemas de comunicação que se

apresentavam para aquele parlamento das águas, na visão de seus membros. Para

este trabalho as análises adotam como ponto central as ações do GT e as relações

estabelecidas no, com e a partir do grupo.

Os resultados da investigação ação proposta, trazem um registro reconstituin-

te dos fatores socioeconômicos, políticos e assistencialistas que efervescem (Demo,

1988) a tensão social em termos da qualidade nos aspectos analisados por triangu-

lação no Quadro 8 e em outros, aqui apresentados:

1. Análise dos dados levantados: memória de possíveis avanços e recuos

emancipatórios no exercício tripartite (governo, usuários e sociedade civil) da gestão

das águas; padrão das soluções e estratégias adotadas diante das limitações e po-

tencialidades socioeconômicas, políticas e assistencialistas enfrentadas em se de-

senvolver a gestão se coloca numa ‘missão’ delegada, apesar de nada saber sobre

seu real papel na gestão, aceitar que outro agente social defina por ele quando ou

em que proposta votar e, em momento processual, abandonar a postura para per-

guntar e compreender as propostas;

2. Produtos resultantes da intervenção: o programa de rádio semanal com re-

gistro da forma de aprendizagem contínua, a partir da gravação dos programas - de-

senvolvimento de experiências ocorridas. O registro dos programas possibilita avali-

ar, em futuras pesquisas, o desenvolvimento ou retrocesso das racionalidades e o

nível de participação da sociedade;

3. Minimização da ação comunicativa estratégica, fortalecedora de processos

de centralização do poder a partir da prática da ação comunicativa com base em a-

cordos éticos e no diálogo com a sociedade local. A práxis no programa de rádio tor-

na possível a diversificação nas abordagens de temas específicos e a abordagem de

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temas diversos inter-relacionados com a gestão das águas.

Cabe relatar o processo de democratização da comunicação caracterizado na

abertura de um programa semanal de 40’, de caráter dialógico e educomunicativo.

Porém este não se constituiu objetivo desta investigação-ação, emergindo no per-

curso, a partir da constatação da ‘disponibilidade’ das instituições, principalmente as

rádios, ‘ofertar’ espaço para iniciativas de caráter democrático, originadas na e pela

sociedade, para tematizar as questões da governança da água e a complexa relação

que tem com os demais assuntos que dizem respeito à qualidade da vida.

Não se pode afirmar ser o processo educomunicativo adotado a única saída,

mas uma alternativa de baixo custo e bastante promissora na caminhada da demo-

cracia da sustentabilidade. O baixo custo não traduz o preço da democracia porém

torna viável que a proposta possa ser multiplicada por outros iniciativas da socieda-

de. Neste sentido a proposta se coloca como um indicativo para formação de futura

rede de trocas relativas à gestão de processos seja junto aos demais comitês de ba-

cias hidrográficas ou outros colegiados participativos, no aperfeiçoamento da gestão

compartilhada a partir do diálogo problematizador inclusivo.

O Programa de Formação em Educomunicação com Ênfase em Rádio, reali-

zado junto ao CBH Rio Grande (Oeste baiano) possibilitou ao GT o apropriar-se de

técnicas comunicacionais na promoção do dialogo e da produção de conhecimentos

(Quadro 9). Mas principalmente, possibilitou que aquele grupo de cidadãos e cida-

dãs aprenda de forma permanente, a cada novo programa: a pautar o que conside-

ram fundamental para a gestão da água e a vida das comunidades onde vivem; a

aperfeiçoar conhecimentos e técnicas num aprendizado processual e reflexivo que

permite rever o realizado na perspectiva de melhoria, no ‘devir’ 19.

Programa de Formação em Educomunicação com Ênfase em Rádio PARÂMETRO

AVALIADO OBS. PARTICIPANTE /

MOMENTOS PEDAGÓGICOS MATERIAL PRODUZIDO

Apropriação do processo formativo

1. Deu-se formação técnica; não houve formação temática prévia; 2. O grupo aceitou o desafio de formação processual, a partir dos temas debatidos no programa.

1. Na 2ª oficina o Grupo estreou o programa de rádio e definiu pauta para semana seguinte; 2. Desde então um programa é levado ao ar a cada semana.

Racionalidades predominantes

1. Membros do comitê se inscreveram e não

1. Dois diretores, inscritos e ausentes, foram depois ‘sabatinados’ no

19 Palavra francesa. Vir a ser, tornar-se, transformar-se.

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participaram do programa: controle? curiosidade? 2. Iniciadas as oficinas, AS-3C, inscrito e ausente, cobra ação do grupo, por estar cansado de conversa – discurso para desqualificar.

programa de rádio e elogiaram a proposta - um deles sendo o que estava cansado de conversa.

Aceitabilidade e replicabilidade do processo

1. Outras rádios da região (3 no período) ofereceram 1h na grade; 2. Autonomia de vôo - educomunicadores dialogam com CBH, definem a pauta e produzem o programa.

1. O grupo desenvolveu proposta de multiplicar o processo em todos os municípios da Bacia e busca novos parceiros.

Aprimoramento do processo pelo grupo

Foram agregadas parcerias: 1. Correio criou caixa postal do programa; 2. Agencia publicitária ofereceu site ou blog; 3. Rádio parceira assegurou o programa por 2 anos; 4. Prefeitura local bancou a realização das oficinas; 5. Grupo criou e-mail: [email protected].

1. A cada programa são avaliados erros e acertos: ‘o que foi bom’, ‘o que foi ruim’, ‘o que precisa melhorar’, para novos encaminhamentos 2. Participantes do GT aprendem a dialogar/explorar entrevistados a cada nova entrevista, dentro das possibilidades de cada um; 3. Funções são revezadas sem apegos (cada semana dois ficam no estúdio e demais acompanham por telefone), possibilitando a todos a práxis de diferentes papéis.

Motivação do Grupo

1. Dos representantes do CBH, apenas 01 dos eleitos na plenária participaram das oficinas formativas; 2. ‘Saio de casa as 2:00 da manhã, de moto, para estar aqui as 8:00, toda semana’. (AS-14, 2009).

1. Criação de novos quadros no programa: personagem, eco-novela e momento legal. 2. O trabalho de mantém, mesmo no voluntariado.

Participação nas plenárias do comitê

1. Três membros do comitê. Apenas 1 deles sempre foi proativo. Depois do GT outros dois também se manifestam.

1. Membros do CBH, antes passivos, assumiram postura proativa na plenária, se colocando e/ou pedindo esclarecimentos

Recuos e Avanços no processo

1. Fala político-partidária no 2º programa, sem intervenção dos moderadores; 2. Dois integrantes do grupo cancelaram o programa 2 horas antes de entrar no ar, porque demais se atrasaram.

1. Grupo decide não mais permitir fala político-partidária no programa; 2. Outros integrantes do grupo se articularam e retomaram o compromisso. 3. Educomunicadores integraram GT na CT de EA. 4. Grupo cria blog do programa http://avozdogrande.blogspot.com/

Quadro 9: Síntese dos resultados alcançados

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4.1 É POSSÍVEL COMPARTILHAR A GESTÃO?

Compartilhar a gestão das águas em modelo tripartite supõe a inclusão de

segmentos da sociedade que vive ainda uma realidade de exclusão. Porém tal inclu-

são não pode ser resolvida a partir de uma determinação legal que coloca em ‘pé de

igualdade’ um representante do segmento usuários de origem empresarial e um re-

presentante de usuários de origem ribeirinha, um pescador, por exemplo. A condição

de diálogo entre ambos supõe uma compreensão ainda ausente na postura empre-

sarial e por vezes, também governamental, que sequer considera a pesca artesanal

como um setor produtivo.

As condições dialógicas igualitárias incluem ainda a detenção de informações

essenciais aos processos decisórios, o que falta principalmente nas representações

da sociedade civil. Quando falamos em informações essenciais aos processos deci-

sórios estamos referindo inclusive e principalmente a compreensão de que os pro-

cessos participativos precisam ser inclusivos. O que torna evidente a importância e

necessidade de momentos formativos da gestão compartilhada trabalhar metodolo-

gias dialógicas, trazendo o conhecimento técnico enquanto promoção da participa-

ção, atentando para a não exclusão, desta participação, de qualquer participante de

grupos e coletivos, no caso dos comitês, os diferentes segmentos que representam

os múltiplos usos da água.

Na ausência de tais circunstâncias os discursos e atos de fala têm se caracte-

rizado como instrumentos de opressão e exclusão, quando podem e devem ter a

função de acolher para incluir e possibilitar a autonomia da fala, ainda que seja em

busca de conhecimento. Em momentos formativos, portanto, faz-se necessário o en-

tendimento e compreensão de fatores que podem sustentar ausências de participa-

ção, consideradas em diferentes ausências de fala / silêncios, como produções es-

pontâneas da não participação; porém há que atentar para aqueles silêncios ocasio-

nados pela ausência do diálogo nos espaços de locução reproduzido nas relações

comunicacionais estabelecidas. É neste sentido que se justifica uma ação metodoló-

gica para o estabelecimento e a práxis de regras de conduta baseadas no diálogo

problematizador.

Porque estamos falando da gestão de um bem comum a toda a sociedade,

não se pode pensar na gestão restrita aos membros do comitê. Todas as discussões

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que são levantadas naquela arena política devem ser de alguma maneira dialogada

e/ou socializada com os moradores da bacia hidrográfica de pertencimento do comi-

tê. Neste sentido é que a ação metodológica para o diálogo precisa caminhar junto

com uma ação comunicativa mais ampla, que possa disponibilizar as discussões de

cada tema a qualquer outro membro da sociedade que possa estar interessado em

conhecer ou debater sobre o assunto. Tal ação comunicativa pode ainda TR a fun-

ção de provocar reflexões necessárias às mudanças necessárias na perspectiva da

sustentabilidade das águas da bacia e até de despertar o interesse de outros seg-

mentos sociais para a própria gestão, frequentando o parlamento das águas e/ou se

incluindo como candidato em pleitos futuros.

Dados secundários levantados aqui indicam que a mobilização para as elei-

ções dos membros do CBH Rio Grande registrou uma participação de 700 pessoas

em dois meses de reuniões itinerantes na Bacia e que as inscrições habilitaram 128

representantes dos diferentes segmentos. Indicam ainda que apenas 38 pessoas

compareceram às plenárias eleitorais e o relatório das eleições relatam 18 membros

eleitos - 2 do Poder Público Municipal, 8 Usuários de água e 8 Sociedade Civil (IN-

GÁ, 2008).

Os números do processo de mobilização, comparados ao quadro da compo-

sição da atual diretoria, sinalizam ausências de participação distintas. Eles podem,

por exemplo, demonstrar uma escolha de não participação, por conta do descrédito

nas instituições e políticas públicas; outro exemplo, pode refletir o modelo comunica-

cional adotado, incapaz de sensibilizar e mobilizar. A constituição do comitê a partir

de arranjo institucional sinaliza outro dado: a instituição do comitê foi considerada

uma demanda urgente, porém a sociedade se sente apartada do processo, haja vis-

ta a dificuldade de quorum de legitimação das reuniões plenárias e extraordinárias.

Uma dificuldade que pode estar sinalizada também na própria composição: 26

membros titulares, 09 suplentes e 17 vacâncias na suplência.

O quadro de composição da diretoria eleita sinaliza ainda, com as vacâncias

no setor público - segmentos Federal, Estadual e Municipal - a pouca participação

dos órgãos federais e estaduais, o pouco interesse das instituições públicas no pro-

cesso de gestão das águas, o que pode traduzir um descaso voluntário ou desco-

nhecimento dos princípios legais da política. Pode ainda traduzir interesses econô-

micos ou políticos ou, ainda, a absoluta falta de compromisso com o cuidar das á-

guas da Bacia, por desconhecer a importância e necessidade dos cuidados de recu-

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peração, preservação e conservação ou por mero interesse econômico. Porém estes

aspectos não foram investigados nesta investigação, cabendo confirmação dos

mesmos.

Ainda assim um olhar sobre o quadro de composição do comitê do Rio Gran-

de indica que a composição busca contemplar grupos ligados a diferentes interesses

de uso existentes na Bacia. Porém, depoimentos de membros que estão no proces-

so desde a mobilização revelam que as plenárias do CBH Rio Grande nunca regis-

traram mais que quorum mínimo, de metade mais um, com dificuldades para atingir

o quorum para iniciar os trabalhos e manter a legalidade até o final da reunião.

[...] vale ressaltar que alguns representantes da sociedade civil foram colo-cados ali e não estão se manifestando ou não tem ido. A primeira extraordi-nária foi a posse e mesmo assim faltou representação da sociedade civil e de prefeituras mas nada se fez. A primeira ordinária, membros foram 13 pessoas, quorum apertado. A Segunda ordinária foram 12 pessoas e um foi chamado para dar quorum. Agora temos representantes que estão com três faltas consecutivas, que prevê a substituição. O edital não numerou a ordem nas votações, porque foi uma composição acordada, sem numerar os exce-dentes (AS-01, Entrevista Semiestruturada, 2009).

4.2 REALIZANDO PROCESSOS DE FORMAÇÃO CIDADÃ

A Etapa Preparatória do Programa de Formação em Educomunicação com

Ênfase em Rádio foi apresentada e aprovada imediatamente em reunião plenária do

CBH. E logo 06, entre os membros, se colocaram como participantes do programa,

conforme solicitado pelo projeto. Apenas um destes membros indicados pelo comitê

compareceu às oficinas, desde a 1ª até a 3ª realizada, ainda que na véspera todos

confirmem presença. O GT de Educomunicadores conta com um membro suplente

comitê, convidado na qualidade de liderança comunitária.

O entusiasmo e a celebração de AS-14 em se sentir falando no microfone da

rádio pela primeira vez, dando entrevista e sendo escutado pelo povo de sua comu-

nidade, foi comentado por ele próprio e por todos os participantes. AS-14 declarou

que nunca imaginou um dia falar no rádio e quase morreu do coração quando pas-

saram o microfone para ele. Eu ‘tô é importante, brincou, para em seguida refletir

sobre o peso do importante e declarar medo de ser destituído do Comitê. Eu com-

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preendo que nada sei de comitê. Porque se alguém fizer uma pergunta, não sei o

que dizer. E se justifica informando que desde o começo da mobilização nunca fal-

tou a uma reunião.

Acolhido e elogiado pelo grupo, pela desenvoltura e objetividade com que fa-

lou ao microfone, sobre os problemas relacionados com a água em sua comunidade,

AS-14 entendeu e anunciou seu papel: fazer pergunta sobre o que desconhece, pra

conhecer. Chegou a pedir para alguém imprimir para ele os arquivos que recebeu

em digital, há cerca de oito meses, do órgão gestor, sobre o comitê – legislação e

histórico. O material impresso permite que ele possa ler em casa. Acesso a compu-

tador tem apenas na sede do município vizinho. E garantiu que sua voz, sempre si-

lenciada nas reuniões e plenárias, pela falta de conhecimento, vai ser agora ouvida,

nem que seja para fazer perguntas. AS-14 é liderança local e comentou que os vizi-

nhos da comunidade sempre perguntavam sobre o que ele tanto fazia nas reuniões

do comitê. Agora que eles podem ouvir o programa de rádio estão entendendo e

gostando, até dando opinião. Representar a comunidade onde mora esta ganhando

novo significado para aquele Agente Social.

AS-07 passou a integrar o GT depois de escutar o programa no ar. Compare-

ceu na quinta oficina e ainda na qualidade de ouvinte se posicionou a respeito de um

debate que acontecia sobre o trabalho da FPI – Fiscalização Preventiva Integrada,

do MP- Ministério Público, realizada na bacia hidrográfica. A FPI previa uma ação

educativa prévia e AS-07 ligou para a rádio para pedir punição já para os infratores:

‘quem construiu em área de APP sabia que estava errado e portanto todos os infra-

tores devem ser multados nos rigores da lei.

A concretização do programa de rádio e os comentários de pessoas ligando

para falar e se posicionar despertou o interesse dos membros do CBH Rio Grande,

na reunião seguinte da diretoria. Foi como se ninguém acreditasse ser o GT capaz

de assumir o compromisso, estrear o programa de rádio na segunda oficina, ocu-

pando 40 minutos da programação de uma das rádios de maior audiência na região.

AS-3C declarou-se cansado de conversa, querendo ação, ao ser questionado de

sua ausência nas duas primeiras oficinas. Após a estreia o mesmo Agente Social de-

fendeu a proposta de o Comitê dedicar um tempo para pensar a pauta e os assuntos

do programa, ainda que ele próprio não se dispusesse a ‘construir’ o processo com o

grupo.

O interesse de AS-3C foi entendido por participantes do GT presentes à reu-

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nião como a possibilidade de ‘controlar’ a pauta de discussões no programa de rá-

dio, questionando a proposta. Segundo declaração do próprio AS-3C, a intenção era

evitar informações erradas. Alguns educomunicadores participaram daquela reunião

da diretoria, com o propósito de estabelecer uma rotina na pauta do programa na di-

vulgação dos temas em andamento. Reiteraram a necessidade da participação dos

membros indicados para compor o GT de educomunicação estarem participando da

produção do programa, considerando que os mesmos seriam os porta-vozes da dire-

toria e por este motivo tinham sido indicados a integrar o grupo. Como não houve o

compromisso dos membros em participar da produção, ‘por falta de tempo’, a direto-

ria aprovou a proposta de pensar assuntos para o programa, com o intuito de cola-

borar com as informações de interesse do comitê, assegurando que não há intenção

de controlar o trabalho dos educomunicadores e afirmando total autonomia ao grupo

para desenvolver o trabalho.

Os educomunicadores convidaram AS-3C a participar do programa seguinte,

dando entrevista, o que foi aceito pelo mesmo. Imbuído de seu papel político partidá-

rio, o entrevistado ‘pegou carona’ no programa para defender sua plataforma políti-

ca, colocando os educomunicadores numa ‘saia justa’. Logo após o programa, numa

rápida avaliação com o próprio entrevistado, foi esclarecido que não mais seria per-

mitido o discurso partidário e houve acordo, AS-3C declarando que não mais tocaria

em questões partidárias no programa e caso isso viesse a ocorrer, a fala seria corta-

da, com declaração publica da intenção e do impedimento.

Outra entrevista significativa para o processo deu-se com o secretário de

Meio Ambiente de Riachão das Neves (programa de 27/02/2010). Diante das per-

guntas e respostas no programa, o secretário declarou que sentia ‘vergonha’ em di-

zer, mas admitia que o município nada tem feito pelo cuidado com a água e o meio

ambiente. O secretário foi desafiado pelo GT a dar os primeiros passos e voltar ao

programa para falar do que já esta sendo feito.

Durante as oito oficinas realizadas no programa de formação os educomuni-

cadores presentes sempre declaravam ansiedade na expectativa de participar de re-

uniões plenárias do comitê. Aqueles a quem o processo ainda é novidade querem a

oportunidade de compartilhar as experiências, conhecer outros membros do comitê

e entender mais sobre o funcionamento do Parlamento das Águas.

Logo na plenária seguinte (23/11/2009) cinco educomunicadores comparece-

ram. Foi quando o resultado desta pesquisa foi levado ao comitê. A plenária ocorreu

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no município de Luiz Eduardo e contou também com a presença do diretor da Rádio

Barreiras. A entrega dos resultados da investigação-ação ao CBH incluiu a assinatu-

ra de um Termo de Acordo e Parceria, celebrado entre os educomunicadores, a Rá-

dio Barreiras e o comitê (Apêndice 01). Cada um dos presentes foi convidado a ex-

pressar opinião a respeito do trabalho até então desenvolvido pelo grupo e do pro-

grama de rádio enquanto canal de diálogo entre o comitê e a sociedade.

As falas dos próprios participantes expressam mais dos resultados da forma-

ção processual desta investigação-ação, na formação de cidadania e qualificação

para a participação. AS-01 fala da alegria de estar produzindo as informações e da

proposta de outra rádio local para o grupo trabalhar uma hora de programa semanal:

[...] foi um aprendizado incrível porque a gente sentiu a paixão de poder se comunicar com as pessoas, de poder falar sobre a preservação do meio ambiente com os olhos brilhando de alegria e acontecendo a cada progra-ma a participação e o esforço de cada um [...] na produção das informações, na quebra dos próprios paradigmas, na construção de roteiros de entrevis-tas, na capacidade de improvisação quando um entrevistado não pode ir porque quebrou um braço, todas as situações que enfrentamos, até ter um programa cancelado, tudo isso foi muito legal e até fortaleceu o grupo. Hoje a gente sente que tem um grupo preparado e já recebemos mais uma pro-posta de outra rádio de Barreiras para ocuparmos também lá um espaço e tenho certeza que outras propostas vão surgir porque essa galera já esta pensando em fazer a multiplicação do trabalho para outros grupos de edu-comuncadores em outros municípios da Bacia (AS-01).

AS-02 declara-se agradecido em ser um voluntário no GT educomunicador na

divulgação de temas que são EA na região:

Quero agradecer a oportunidade de participar desse grupo. É um trabalho muito interessante que acontece todos os sábados – eu até tive ausente de alguns programas – mas é um trabalho gratificante, todos empenhados para fazer um ótimo programa para estar divulgando assuntos que são educação ambiental na região e pela oportunidade de levar novos conhecimentos en-tre o grupo, com entrevistados. É gratificante ver que essas pessoas dedi-cam um dia que poderiam estar descansando, a fazer esse trabalho, muito bom para todas as pessoas da região (AS-02).

A fala de AS-14 sinaliza um momento novo na própria relação com o comitê e

a representação que ali exerce, quando, apesar de estar presente desde o processo

eleitoral, afirma estar ‘começando agora’:

[...] Para mim esta sendo uma experiência maravilhosa trabalhar com esse grupo de pessoas, trabalhar com meio ambiente, informar ao público e de-fender o meu ambiente com a consciência de estar defendendo a própria

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vida humana. Eu mesmo estou ciente que estou ‘começando agora’ (grifo meu) e espero em Deus que a gente siga em frente. Muito obrigado a todos. (AS-14).

A investigação e a ação comunicativa junto ao Comitê da Bacia Hidrográfica

do Rio Grande sinalizam ainda um significado de integração de diferentes ações,

quando o presidente do CONDEMA20 convida o grupo a participar do site do conse-

lho, disponibilizando as informações produzidas para o programa de rádio:

Tive a oportunidade de acompanhar esse projeto desde os primeiros pas-sos, quando apresentado para o Comitê de Bacia. Eu posso dizer que a gente tem observado que em nossa sociedade falta precisamente, o que já foi colocado pela nossa colega, falta comunicação, falta conhecimento [...] possibilidade de acidentes que podem acontecer por falta de informação. A mobilização da nossa sociedade ou conseguir fazer com que as pessoas percebam a necessidade de cuidar de uma água em seu quintal, que pode estar proliferando ali o mosquito da dengue, essa consciência é uma coisa nova e a maioria das pessoas, por incrível que pareça, não tem. [...] Uma comunicação dessa natureza, [...] tem um fundamento técnico e científico pra ser construído, eu vi isso acontecendo e pude realmente comprovar es-se trabalho. Eu só posso agora congratular-me com o grupo e no que de-pender de nosso apoio, do CONDEMA, nós estamos a disposição. Estamos implantando nosso sistema de internet, através de um site e se for possível através desse grupo, que nos possamos pontuar as informações e integrar os diversos processos. Estamos formulando um convite porque acreditamos que esse é o caminho para resolvermos as questões macro que temos com nosso meio ambiente (Jenner Pitombo, diretor do comitê).

Percebe-se no discurso dos educomunicadores que eles falam em Educação

Ambiental porque os temas das águas estão relacionados com o meio ambiente. Po-

rém a interação ideal com o comitê faz parte de um processo em curso, com possibi-

lidade de desenvolvimento. O GT foi convidado a integrar a CTEA – Câmara Técnica

de Educação Ambiental do comitê, enquanto GT de Educomunicação.

Esta pesquisa registrou outro desdobramento da ação mobilizadora da inves-

tigação, no entusiasmo com que chegou à terceira oficina o dono de um jornal local,

para conhecer a proposta. O jornalista ouviu falar do grupo e procurou se incorporar

ao processo prometendo estar presente no propósito de ver se consegue ampliar o

movimento de integração do CBH com a sociedade, utilizando seu próprio jornal.

Contando que outros veículos de comunicação terem oferecido espaços para o gru-

po tematizar os debates com a sociedade, há nos fatos um indicativo de que existem

instituições de comunicação dispostas a abrir espaço para a sociedade debater seus

interesses, sinalizam um processo de democratização da comunicação local.

20 CONDEMA – Conselho de Desenvolvimento e Meio Ambiente de Barreiras.

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5 CONCLUSÕES

Porque supõe a crise socioambiental ligada à forma social de produção e, em

consequência, às racionalidades instrumentais que lhe sustentam, a presente pes-

quisa considerou como problema a tensão entre racionalidades diferenciadas e ine-

rentes às práticas comunicacionais na gestão das águas. Deste modo adotou como

solução possível uma ação metodológica no formato de construção coletiva de outro

‘espaço político’, um programa de rádio, de caráter popular, cooperativo e solidário,

onde o diálogo e a problematização tornam-se normas de conduta na perspectiva de

levar os participantes (educomunicadores, entrevistados, ouvintes) à reflexões sobre

e/ou para a tomada de decisões relativas à gestão das águas, no modelo tripartite e

paritário. A investigação trabalha a possibilidade da ação dialógica romper com a i-

nércia de certas resistências e condições de exclusão que dificultam a gestão de fato

participativa.

Em outro sentido, a ação dialógica problematizadora favorece a superação

das racionalidades instrumentais, porém não pode ser vista como um ‘fim’ porque é

‘processo’ provocativo de posturas - acomodadas e/ou confortáveis. No programa de

rádio o diálogo problematizador quer fazer emergir uma ‘razão comunicativa’ como

um novo paradigma que recupera a subjetividade do indivíduo, a partir da possibili-

dade de entendimento mútuo entre ouvintes sobre o mundo objetivo, social e subje-

tivo. Pode-se afirmar que a ação provocou e pode ainda provocar momentos de re-

belião (SANTOS, 2007, p.379) e com ela até mesmo um acirramento de conflitos na

gestão, característico do momento em que o paradigma emergente questiona a or-

dem estabelecida e produz o caos epistemológico que permite às energias emanci-

patórias reconhecerem-se como tais (2007).

O espaço dialógico/dialético caracteriza assim uma ‘fronteira de transição’

(SANTOS, 2007) entre o paradigma dominante e o emergente, permanecendo aber-

ta a eventual oscilação entre ambos, até que seja encontrada a ‘hibridação’ (2007)

necessária ao desenvolvimento de (re) conhecimentos e da autonomia. No mesmo

modelo metodológico, as repercussões de um aprendizado mútuo são esperadas

também numa possível resposta da sociedade para melhorar a qualidade da gestão

participativa e nas relações que se estabelecem entre os gestores de águas na to-

mada de decisões, na direção de mudanças que favoreçam a reflexão e a inclusão.

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A ação lida com as “possibilidades” de mudanças qualitativas a partir de uma

zona de fronteira de transição onde se admite o aprendizado dialético com avanços

e recuos, a partir de um programa de rádio que propõe um diálogo do comitê com a

sociedade local. Na própria ação os problemas comunicativos da sustentabilidade

são e permanecem sedo um desafio, diante da dimensão que tem e das fragilidades

humanas. Portanto a ação aqui iniciada abre caminho para tantas outras investiga-

ções, emergentes da própria dialética envolvida. Cabe investigar de que forma e em

que medida ela pode se refletir na qualidade de diálogo nas plenárias do comitê; de

que forma pode traduzir o interesse da sociedade na gestão das águas; em que me-

dida a ação contribuirá para a renovação da atual diretoria ou mesmo contribui ao

diálogo na resolução de conflitos.

Ao tempo da pesquisa, a mobilização que um programa de rádio envolve ca-

racterizou um processo de conquista de público ouvinte compatível com oito pro-

gramas levados ao ar, porém suficiente para identificar a participação e posiciona-

mento com relação aos temas em debate dos entrevistados, ouvintes e participantes

do GT educomunicador. Ainda que nem todos os integrantes participem ativamente

de todos os programas, porque trabalham em revezamento voluntário, o grupo de-

monstra motivação ao manter o programa no ar, envolvido nas práticas educomuni-

cacionais de caráter socioambiental. A ação contribuir, deste modo, com o desenvol-

vimento e aplicação de uma metodologia aprimorada na gestão da informação de

contexto local.

As dificuldades enfrentadas pela pesquisadora, em lidar com as limitações de

um processo formativo de maneira autônoma, sinalizam a necessidade de ser esta

uma ação que requer apoio de Estado, enquanto política estruturante e enraizadora

de novas práticas; que podem atender ao papel do mesmo Estado no que se refere

à aplicabilidade dos princípios estabelecidos na Constituição Federal, na Política

Nacional de Meio Ambiente, nas Leis das Águas e da EA ou ainda no direito à co-

municação/Informação enquanto requisito fundamental de toda ação cidadã.

A ação educomunicativa investigada nesta pesquisa é um caminho possível

para o Estado realizar um processo formativo da sociedade para a gestão das á-

guas, via fomento à mobilização e ao controle social, sem caracterizar ‘tutela’, na

medida em que promove a autonomia e a conquista da participação.

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APÊNDICE

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APENDICE 1

PROGRAMA DE FORMAÇÃO EM EDUCOMUNICAÇÃO

COM ÊNFASE EM RÁDIO

TERMO DE COOPERAÇÃO MÚTUA

Firmado entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande, órgão colegiado

vinculado ao Sistema Estadual de Recursos Hídricos da Bahia, com sede à rua Aní-

bal Alves Barbosa, 175 – Jardim Primavera (Casa de Recursos Naturais) – Barrei-

ras, CEP 48.803-090 instituído pelo Decreto Estadual no 11.246/08, de 17 de outubro

de 2008, doravante denominado CBH Rio Grande; da emissora Rádio Barreiras AM,

CNPJ 00.689.133/0001-17, situada à rua Guadalajara, 389 Vila Dulce - Barreiras,

Bahia, CEP 47.800-020, e a Universidade das Águas -UNIHIDRO/Universidade Es-

tadual de Santa Cruz – UESC, pelo convênio do Mestrado em Desenvolvimento Re-

gional Sustentável no 44/2009, entidade científica de ensino, pesquisa e extensão

com sede à Rodovia Ilhéus-Itabuna km 16 CEP 45.662-900, doravante denominada

UNIHIDRO/UESC/ PRODEMA-PROEX; e terá como fundamento e princípios a Lei

9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que trata do Serviço Voluntário, nos termos se-

guintes:

Cláusula I – Do objetivo da Cooperação Mútua

1. O presente TERMO DE COOPERAÇÃO MÚTUA visa construir o programa

de Formação em Educomunicação com ênfase em Rádio, a partir da criação de

uma Rede de Educomunicadores, para atuação em rádios locais e suporte de co-

Universidade Estadual de Santa Cruz- UESCPrograma de Pós-graduação em Desenvolvimento

Regional e Meio Ambiente

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municação à diretoria do CBH Rio Grande no seu respectivo território, no estado da

Bahia, com o propósito de desenvolver processo autônomo de comunicação em sua

base de atuação – o Plano de Comunicação para o CBH Rio Grande.

2. A Rede de Educomunicadores ora proposta será constituída por Grupos lo-

cais de Trabalho, para acompanhamento das ações do CBH Rio Grande, na produ-

ção e redação de material informativo a ser reproduzido e/ou veiculado no território

do CBH Rio Grande e em programa específico das Rádios parceiras anteriormente

referidas, tendo como suporte um cardápio de Web Rádio, construído e monitorado

pelos educomunicadores.

Cláusula II – Do objeto do Termo de Cooperação Mútua

1. O Programa de Formação em Educomunicação com ênfase em Rádio

contará com um espaço de uma hora semanal, aos sábados, em horário entre as

11:20 e 12 h da manhã, na programação da emissora local e voltado para a discus-

são das questões relacionadas à água, priorizando o contexto da respectiva Bacia

Hidrográfica.

2. A execução do Programa de Formação em Educomunicação com ênfase em

Rádio cria um Grupo de Trabalho (GT) que conduzirá a construção do programa de

Rádio; o programa contará, em sua estrutura básica, com um radialista ancora da

própria emissora de rádio, um representante do CBH Rio Grande e um

representante do Território de Identidade.

3. O programa na emissora de rádio será criado enquanto atividade prática do

Programa de Formação em Educomunicação com ênfase em Rádio, a ser

promovido pelo Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, no

convênio UNIHIDRO/UESC/ PRODEMA-PROEX.

4. CRITÉRIOS DE PARTICIPAÇÃO NO PROGRAMA DE FORMAÇÃO - Os

candidatos deverão ser residentes na Bacia Hidrográfica do Rio Grande, ter interes-

se no Programa e comprovado compromisso com a sustentabilidade no uso das á-

guas na região de atuação.

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5. O Programa de Formação em Educomunicação com ênfase em Rádio,

tem por objetivo a formação de uma rede de educomunicadores, com atuação nas

sub-bacias hidrográficas: 1 - Formosa-Rio Preto; 2 - Santa Rita-Barra; 3 - Luiz Edu-

ardo; 4 - Barreiras e 5 -Riachão, e em apoio ao CBH Rio Grande. Prevê a certifica-

ção de 15 educomunicadores, sendo estes pessoas com interesse em trabalhar pela

sustentabilidade ambiental da região e oriundos das comunidades envolvidas, numa

contrapartida local.

Cláusula III – Das Obrigações do CBH Rio Grande

1. O CBH Rio Grande se compromete em desenvolver o Programa de For-

mação em Educomunicação com ênfase em Rádio, em conjunto com o Mestrado

em Desenvolvimento Regional pelo convênio UNIHIDRO/UESC/ PRODEMA-

PROEX.

2. Será de responsabilidade do CBH Rio Grande o espaço físico para a ope-

racionalização e desenvolvimento do objeto deste Termo de Cooperação Mútua.

3. É de responsabilidade do CBH Rio Grande a seleção dos candidatos para

compor o Grupo de Educomunicadores que irá conduzir o programa.

4. O CBH Rio Grande fornecerá as informações relacionadas às suas ativida-

des - calendário ou agenda, entre outras - que irão ser tratadas pelo GT / Educomu-

nicadores como pauta do programa de rádio.

Cláusula IV – Das Obrigações da Rádio Barreiras

1. A emissora de rádio cederá entre 40’ a 1h em um

Único momento, na própria grade semanal de programação, conforme especi-

ficado na Cláusula II item 1 deste Termo de Cooperação, para veiculação de pro-

grama construído pelo GT de Comunicação do CBH Rio Grande, ou outro nome que

venha a ter o referido Grupo integrante/egresso do Programa de Formação em

Educomunicadores com Ênfase em Rádio.

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2. A emissora de rádio que assinar este termo, disponibilizará com o horário na

grade, para o programa, a estrutura necessária, qual seja: estúdio, maquinário e

corpo técnico para colocar o programa no ar.

3. A emissora de rádio indicará um radialista para compor o Grupo de Traba-

lho e que irá atuar como ancora na apresentação do programa local, em conjunto

com outros participantes/integrantes do Grupo de Trabalho / Educomunicadores.

Cláusula V – Das Obrigações da UNIHIDRO/UESC/PRODEMA/PROEX

1. A UNIHIDRO/UESC/PRODEMA/PROEX se compromete a atuar em parceria com

o CBH Rio Grande no acompanhamento pedagógico e certificação dos participantes,

através da realização das oficinas constantes do Programa de Formação em

Educomunicação com Ênfase em Rádio.

1.1 A certificação a que se refere o Programa não dá ao participante o direito

de requerer o registro de radialista profissional, mas poderá ser usado como

requisito.

Cláusula VI – Das etapas do processo de Formação em Educomunicação

1. As etapas do Programa de Formação em Educomunicação com

Ênfase em Rádio com e seus respectivos períodos de execução estão

definidos em 08 (oito) oficinas de formação técnica dos

Educomunicadores, que ocorrem simultaneamente com os primeiros

programas sendo veiculados e com solução de continuidade definidos nas

cláusulas deste Termo de Cooperação.

2. Dúvidas e adaptações necessárias ao aperfeiçoamento deste acordo

deverão ser acordadas entre o CBH Rio Grande, em conjunto com os

Educomunicadores e a RB.

Estando firmes e acordadas, assinam as partes o presente termo, para a produção

dos efeitos legais.

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Barreiras, 24 de novembro de 2009.

.

Joana Angélica da Luz

Presidente do CBH Rio Grande

Balthazar Guimarães

Diretor da Rádio Barreiras FM

Isabel Cristina F. Villela

Mestranda

UNIHIDRO/UESC/PRODEMA/PROEX

PARTICIPANTES DO PROGRAMA EDUCOM

Berenice Peres SEMA

Bianca Duarte GRUPO CIRANDA

Pedro Vitor Borges GALVANI IND.

Caroline de Castro Grupo Ciranda

Rosileide B. de Oliveira R Independente FM – Riachão das Neves

Custódio Lopes de Oliveira Ass.Moradores de Várzea Comprida

Gilberto F de Assunção Rádio Arca FM – Angical

Vânia G. do Nascimento STR Baianópolis

Wesley dos Santos Branco Agencia 10Envolvimento

Jozelma de Alcântara Gomes MST

Ramon de Souza Santos Cia de Teatro Alminha

Andréa Duarte Estudante