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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO DE QUEIXADAS (Tayassu pecari) E CATETOS
(Pecari tajacu) APLICADO AO SEU MANEJO RACIONAL
ILHÉUS - BAHIA
2013
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JAQUELINE FERREIRA MACÊDO
AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO DE QUEIXADAS (Tayassu pecari) E CATETOS
(Pecari tajacu) APLICADO AO SEU MANEJO RACIONAL
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual de Santa Cruz, como parte das
exigências para obtenção do título de
Mestre em Ciência Animal.
Área de concentração: Produção e
Comportamento Animal
Orientadora: Profª Drª Selene Siqueira da
Cunha Nogueira
ILHÉUS - BAHIA
2013
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M141 Macedo, Jaqueline Ferreira. Avaliação do temperamento de queixadas (Tayassu pecari) e catetos (Pecari tajacu) apli- cado ao seu manejo racional / Jaqueline Ferreira Macedo. – Ilhéus, BA: UESC, 2013. 37f. : il., anexos. Orientadora: Selene S. da Cunha Nogueira. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Santa Cruz. Programa de Pós-graduação em Ciência Animal. Inclui referências.
1. Animais – Comportamento. 2. Caititu – Pre- servação . 3. Animais silvestres em cativeiro. 4. Comportamento - Avaliação. I. Título. CDD 591.51
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JAQUELINE FERREIRA MACÊDO
AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO DE QUEIXADAS (Tayassu pecari) E CATETOS
(Pecari tajacu) APLICADO AO SEU MANEJO RACIONAL
Ilhéus - BA, 04/04/2013
___________________________________
Selene Siqueira da Cunha Nogueira - DSc
UESC/DCB
(Orientadora)
___________________________________
Leandro Batista Costa - DSc
UESC/DCCA
___________________________________
Dimas Oliveira Santos - DSc
UESB/DTRA
ILHÉUS - BAHIA
2013
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Primeiramente à Deus...
Aos meus pais Jacimar e Renan,
obrigada por terem me oportunizado à
vida, pela educação no decorrer dessa
caminhada e por todo amor; às minhas
irmãs Elaine e Priscilla pelo carinho e ao
meu namorido Thales pelo incentivo,
companheirismo e amor.
Dedico
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AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª Dra. Selene Nogueira pela orientação
proporcionada para projeção e desenvolvimento deste trabalho.
A Aline Sant’Anna, doutoranda do grupo ETCO, pelo auxílio nas análises dos
dados.
Ao Profº Dr. Mateus Paranhos da Costa por ter me recebido em seu grupo de
pesquisa.
Aos colegas do grupo ETCO – UNESP-Jaboticabal, por terem me recebido
em sua casa, em especial a Mariana e Daniel pessoas maravilhosas... foi uma honra
conhecer vocês.
Ao Profº Dr. Sérgio Nogueira-Filho pelo auxílio no decorrer do trabalho.
Aos meus pais Renan e Jacimar, minhas irmãs Elaine e Priscilla e ao meu
namorado Thales por todo apoio, conselhos, força... Vocês são pessoas essenciais
em minha vida.
A minha segunda mãe, vó Iracy, por cada palavra de conforto, pelo amor e
oração.
Aos meus dindos Jonaci e Janete, meus tios (as) Jaine, Jacinete, Inês, Jonas,
Hélio, meus tios (as) de coração Rita, Laudenir, Sérgio, Gilmar e aos primos (as) por
cada momento único que tem me proporcionado e pelo apoio. Em especial a tia
Jacinete pelos conselhos e oração.
Aos amores que hoje fazem parte da minha vida, que além de filhotes
adotivos, são meus companheirinhos fofuxos: minha cadelinha Hachika, minhas
chinchilas Big, Biguinha, Rafiki, Vitória, Pimenta, Rabika, Crystal, Saffira, Rômulo,
Remo, Akiro, Dalila e minha sobrinha Darwina; e aos filhotes que guardarei sempre
nas lembranças e no meu coração: meu cachorro Beethoven e meus chinchilas
Lucius, Leãozinho e Don Juan.
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Aos amigos do LABET Alinezinha, Shauana, Thaise, Big Roger, Iurianny e
Janine que conquistei no decorrer destes dois anos, pelo apoio, companheirismo,
piadas e risadas em meio a muitos “problemas”.
Ao tratador Genilton Reis, ao Veterinário Marco Antônio Galvão e as colegas
Ivanise, Karen e Midian pela ajuda durante o experimento com os animais.
Aos amigos de muitos anos e colegas de profissão Profº Ronaldo
Vasconcelos, Eva Clícia, Kêila, Luciana e Andressa pelo incentivo e força.
A Universidade Estadual de Santa Cruz e ao PPG em Ciência Animal pela
infraestrutura e oportunidades proporcionadas.
A CAPES, pela concessão da bolsa.
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AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO DE QUEIXADAS (Tayassu pecari) E CATETOS
(Pecari tajacu) APLICADO AO SEU MANEJO RACIONAL
RESUMO
A criação de pecaris (queixada, Tayassu pecari e cateto, Pecari tajacu) em cativeiro
é apontada como uma alternativa à caça e ao desmatamento em países
neotropicais. Ambas as espécies, no entanto, preocupam no que diz respeito ao seu
bem-estar durante o manejo para contenção. Dessa forma, comparamos a resposta
comportamental e o temperamento de 17 queixadas e 19 caititus durante a
contenção no tronco para avaliar os procedimentos de manejo. Foi comparado o
tempo (s) necessário para conduzir os animais no brete e logo em seguida sua
velocidade de saída utilizando o Mann-Whitney U-test. Avaliou-se também o
temperamento de cada animal contido no tronco por 20s, usando quatro avaliadores
com 70% de concordância através da QBA a partir do teste de ACP. Não houve
diferença no tempo gasto para condução de ambas as espécies ao tronco (caititus:
26,1±7,33s; queixadas: 44,9±19,1s; U=121,0; df=17; P=0,2). Os queixadas, no
entanto, foram mais rápidos estatisticamente do que os caititus na velocidade de
saída (queixadas: 2,3±0,5m/s; caititus:1,5±0,5m/s; U=85,5; df=17; P=0,04). Os
valores negativos do componente 1, que explicou 80,73% da variância dos dados de
temperamento, foram associados com os seguintes comportamentos assertivos:
relaxado, calmo, entediado, apático, satisfeito e dócil, e seus valores positivos foram
relacionados com os seguintes comportamentos negativos: agressivo, ativo,
medroso, agitado, tenso, alerta, nervoso, ansioso e estressado. Todos, com exceção
de quatro queixadas, foram associados com estes comportamentos negativos,
enquanto que 12 dos 19 caititus foram associados com os comportamentos
assertivos. Aparentemente, os caititus mostraram um comportamento com maior
predisposição a serem amançados e criados em cativeiro. A reatividade dos
queixadas revelou que há necessidade de melhorias nas práticas de manejo para
esta espécie, comparando a utilização de diferentes formas de curral-armadilha, por
exemplo, para reduzir o estresse destes animais durante sua contenção e
consequentemente melhorar seu bem-estar.
Palavras-chave: Pecari tajacu. QBA. Tayassu pecari. temperamento animal. testes
comportamentais.
1
ABSTRACT
The captive breeding of white-lipped peccary (Tayassu pecari) – WLP - and the
collared peccary (Pecari tajacu) – CP - is indicated as an alternative to overhunting
and deforestation in Neotropical countries. Both species, however, show some
wariness during handling, which may result in poor animal welfare. Thus, we
compared the response and temperament of 17 WLPs and 19 CPs when restrained
for 20s in a chute, to evaluate the animals’ reactions to management procedures. We
compared the time spent to drive the animals into the chute and their exit speed after
being released from the chute. Their temperament was assessed when the peccaries
were restrained in the chute using the qualitative behavior assessment method
(QBA), considering 15 adjectives as descriptors of peccaries’ temperament. The
mean scores of four judges (70% of reliability accordance) on the QBA data were
analyzed through principal component analysis (PCA). We used Mann-Whitney U-
test in all comparisons between WLP and CP. There was no difference in the time
spent to drive both species into the chute (CP: 26.1±7.3s; WLP: 44.9±19.1s;
U=121.0; df=17; P=0.2). However, WLPs were faster than CPs in exiting the chute
(WLP: 2.3±0.5m/s; CP:1.5±0.5m/s; U=85.5; df=17; P=0.04). The first principal
component explained 80.7% of the temperament data variance, with the highest
negative loadings for the adjectives relaxed, calm, bored, apathetic, satisfied and
docile, and the highest positive loadings for the adjectives aggressive, active, fearful,
agitated, tense, alert, nervous, anxious and stressed. The CPs showed lower scores
than WLPs in the first principal component (CP: -0.3±0.2; WLP: 0.4±0.5; U=90;
df=17; P=0.02). Therefore, apparently, CPs showed more behavioral predisposition
to be tamed and farmed. WLP reactivity revealed that we need to improve WLP
management practices, comparing, for example, the use of different shapes of corral-
traps to decrease animals’ stress, improving their welfare.
Keywords: animal temperament. behavioral tests. Pecari tajacu. QBA, Tayassu
pecari.
1
LISTA DE FIGURAS
Figura Página
1 Distribuição geográfica de Pecaris............................................... 4
2 Fotos de representantes das espécies Tayassu pecari (A;
Queixada) e Pecari tajacu (B; Cateto).......................................... 6
3 Crânio de um cateto mostrando a distribuição dentária............... 7
4 Curral armadilha da área experimental........................................ 17
5 Brete conectado ao curral armadilha na área experimental......... 17
6 Tronco conectado ao brete na área experimental........................ 18
7 Corredor que margeava o curral armadilha e a tela da área
experimental................................................................................. 19
8 Termos utilizados pelos quatro juízes para avaliar o
comportamento dos animais no tronco através da QBA. A
escala de valores reflete o nível em que os termos
correlacionam-se com os fatores 1 (CP1) e 2 (CP2) de forma
consensual entre os juízes........................................................... 23
9 Distribuição dos indivíduos das duas espécies (queixadas,
identificados com a cor vermelha e catetos, identificados com a
cor azul) em duas dimensões da ACP......................................... 25
10 Comparação do índice de temperamento a partir do CP1 (F1)
em queixadas (WLP) e catetos (CP)............................................ 25
11 Mediana do tempo de condução (s) em queixadas (WLP) e
catetos (CP) (p=0,20)................................................................... 27
12 Mediana da velocidade de saída (m/s) em queixadas (WLP) e
catetos (CP) (p=0,04)................................................................... 28
1
LISTA DE TABELAS
Tabela Página
1 Escrituração zootécnica dos pecaris.............................................. 16
2 Análise de Componentes Principais (ACP) relativos aos dados
quantitativos dos comportamentos. (CP1 ou F1; CP2 ou F2)........ 22
3 Descrição das categorias comportamentais registradas para
QBA durante o teste no tronco....................................................... 24
1
SUMÁRIO
Página
RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO............................................................................................ 1
2. REVISÃO DE LITERATURA...................................................................... 3
2.1. Os Tayassuidae e sua distribuição.......................................................... 3
2.2. Hábitos alimentares dos Tayassuidae..................................................... 4
2.3. Características morfológicas de queixadas e catetos.............................. 5
2.4. Comportamento social de pecaris............................................................ 7
2.5. Criação comercial de pecaris................................................................... 8
2.6. Domesticação e seleção animal..............................................................
2.7. Temperamento.........................................................................................
2.8. Avaliação Qualitativa do Comportamento................................................
10
11
13
3. MATERIAL E MÉTODOS........................................................................... 15
3.1. Animais e Área de estudo....................................................................
3.2. Procedimentos Experimentais..............................................................
3.3. Observadores......................................................................................
3.4. Avaliação Qualitativa do Comportamento............................................
3.5. Análise estatística.................................................................................
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................
5. CONCLUSÃO..............................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................
15
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19
20
20
21
29
30
ANEXO............................................................................................................ 37
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1 INTRODUÇÃO
Os animais podem alterar seu comportamento a partir de estímulos
disponíveis no ambiente (MINERO et al., 2009; WEMELSFELDER, 1997a; 1997b),
principalmente quando estes estímulos estão relacionados ao contato com o ser
humano (DINGEMANSE et al., 2009; MINERO et al., 2009) como no caso do
manejo. Outros fatores importantes que influenciam na resposta comportamental
dos animais são as experiências anteriores e herança genética (GONYOU, 2000).
Por causa desta variação comportamental e da diferença genética, têm-se apontado
à necessidade de melhor compreender o temperamento de animais silvestres.
Neste contexto, a avaliação do temperamento pode ser uma ferramenta
importante para auxiliar no manejo de animais mantidos em cativeiro, por
proporcionar melhor conhecimento de características individuais e portanto subsidiar
sistemas de seleção e práticas de manejo mais adequadas, propiciando melhorias
no bem-estar dos animais e também para manter a segurança do tratador, que pode
estar em risco durante o manejo (GRANDIN, 1989).
Para a avaliação do temperamento animal tem sido utilizado o método de
avaliação qualitativa do comportamento (QBA), adaptado por Wemelsfelder et al.
(2001). Este método já vem sendo utilizado em estudos com animais domésticos
tradicionais para a avaliação de seu bem-estar nos sistemas de produção (MINERO
et al., 2009; TEMPLE et al., 2011; WEMELSFELDER et al., 2000; WEMELSFELDER
et al., 2001; WEMELSFELDER, 2007; WEMELSFELDER et al., 2009). A maioria
destes estudos têm por objetivo o estabelecimento de procedimentos adequados
para a realização de um manejo mais apropriado, considerando características
individuais dos animais.
Os pecaris brasileiros, o cateto (Pecari tajacu) e o queixada (Tayassu pecari)
têm sido mantidos em cativeiro em países da América Latina para a produção de
carne e aproveitamento de couro, este último, exportado para países europeus e
Estados Unidos da América (NOGUEIRA E NOGUEIRA FILHO, 2011). Esses
animais, ainda em processo de domesticação, apresentam grande reatividade ao
serem manejados pelo homem. Os queixadas apresentam-se mais agressivos, com
displays de ameaça e os catetos mais ariscos, ocorrendo a fuga. Ambos
comportamentos dificultam o manejo em cativeiro, como, por exemplo, na condução
dos animais quando precisam ser manejados para fins sanitários ou médicos,
2
marcação individual ou ainda no procedimento de pesagem que é realizado com a
contenção dos animais em gaiolas ou curral armadilha. Durante tais procedimentos
ambas as espécies podem atacar o manejador, colocando sua vida em risco. Desta
forma, torna-se de suma importância a avaliação do temperamento destes animais
para que se inicie um processo de seleção e manejo racional para sistemas de
produção, considerando tanto o bem-estar dos animais quanto a segurança de seus
tratadores. Neste contexto, o presente estudo teve como principal objetivo avaliar e
comparar o temperamento de indivíduos das duas espécies de pecaris que estão em
sistema de produção e assim apontar estratégias para a seleção e manejo racional
para a melhoria na produção destes animais em cativeiro. Como objetivos
específicos foi avaliado o tempo gasto por ambas às espécies para a condução até o
brete e sua velocidade de saída do tronco, uma vez que a velocidade de saída pode
ser relacionada ao comportamento de estresse ou medo dos animais (BURROW et
al., 1988; FORDYCE et al., 1982). O temperamento de cada animal, enquanto
permanecia no tronco, também foi avaliado através da Avaliação Qualitativa do
Comportamento (QBA) proposta por Wemelsfelder et al. 2001.
3
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Os Tayassuidae e sua distribuição
Os pecaris ou pecarídeos, como são denominados popularmente, são
mamíferos que pertencem à ordem Artiodáctila, subordem Suiforme e família
Tayassuidae. A família Tayassuidae é representada por três espécies: o queixada
(Tayassu pecari), o cateto ou caititu (Pecari tajacu) e o taguá (Catagonus wagneri)
(SOWLS, 1997). A similaridade com os porcos domésticos (Suscrofa suscrofa
domesticus) faz com que os Tayassuidae sejam muitas vezes confundidos com os
porcos domésticos que pertencem a família Suidae.
A figura 1 representa a distribuição das três espécies, onde observa-se que o
queixada apresenta uma distribuição restrita às florestas tropicais localizadas em
boa parte da América do Sul até a região sul do Brasil e a uma área restrita da
América Central (SOWLS, 1984). O caititu distribui-se a partir da América do Norte,
desde regiões ao sul dos Estados Unidos da América, portanto mais áridas, até
áreas de floresta tropical na América do sul até a Argentina, excluindo a região a
oeste dos Andes (OLIVER, 1993; SOWLS, 1997). O taguá, por sua vez, é endêmico
das regiões semiáridas do Chaco no Oeste do Paraguai, norte da Argentina e leste
da Bolívia (OLIVER, 1993; SOWLS, 1997). Em virtude do taguá não ocorrer no
Brasil, esta espécie não será abordada no presente estudo.
Na natureza, os queixadas ocupam uma área aproximada de 100km²
(FRAGOSO, 1998); enquanto os catetos ocupam um espaço entre 50 a 800 ha
(SOWLS, 1984). A redução do habitat natural dessas espécies em virtude do
aumento de áreas de pastagem, além da pressão de caça (OLIVER, 1993; PERES,
2001; SOWLS, 1997) tem reduzido suas populações (BECK et al., 2010;
NOGUEIRA-FLHO E LAVORENTI, 1997; OLIVER, 1993; SOWLS, 1997); fato este
que vem sendo incentivada a criação destas espécies em cativeiro tanto para sua
conservação como para sua exploração zootécnica (NOGUEIRA E NOGUEIRA
FILHO, 2011).
4
Figura 1. Distribuição geográfica de Pecaris. Fonte: Sowls, 1984.
2.2 Hábitos alimentares dos Tayassuidae
Os pecaris, de forma geral, desenvolvem diferentes estratégias alimentares
de acordo com seu ambiente (SOWLS, 1997). Os animais possuem o hábito de
fuçar o solo e devido ao seu olfato apurado conseguem localizar o alimento e com a
ajuda de suas presas apresentam facilidade em quebrar raízes mais duras (OLIVER,
1993).
Em florestas tropicais são considerados primordialmente frugívoros
(BODMER, 1989; KILTIE, 1980). Em áreas mais desérticas, no entanto, podem se
alimentar de folhas, raízes e sementes, incluindo ainda pequenos vertebrados e
invertebrados como fonte de proteína, possuindo assim, um hábito onívoro (OLIVER,
1993; SOWLS, 1997). Por possuírem um hábito alimentar variado e devido a grande
área de vida que ocupam (FRAGOSO, 1998) catetos e queixadas são espécies
consideradas engenheiras do ambiente, uma vez que modificam o local por onde
passam proporcionando a abertura de clareiras e o crescimento de plântulas (BECK
et al., 2010).
5
As duas espécies em conjunto interagem com pelo menos 212 espécies de
plantas consumindo frutos, folhas e raízes, podendo através deste processo
dispersar sementes a curta ou longas distâncias (BECK, 2005). A perda destes
animais, portanto, pode promover sérias alterações nos ecossistemas onde atuam,
implicando principalmente em perda da biodiversidade local (KEUROGHLIAN et al.,
2004)
2.3 Características morfológicas de queixadas e catetos
O queixada (Figura 2A) normalmente habita florestas tropicais que são
quentes e úmidas (SOWLS, 1997). Dos Tayassuídeos, este é um animal
relativamente maior e mais pesado, variando de 25 a 40 kg, a depender do sexo
(OLIVER, 1993). Apresentam caninos superiores visíveis e voltados para baixo, três
dedos em cada membro e estômago com três câmaras (OLIVER, 1993). Sua
coloração varia de castanho escuro à levemente enegrecida dependendo da idade,
apresentando pelos com tonalidade esbranquiçada na região da mandíbula e
focinho (SOWLS, 1997), característica que lhe confere o apelido de queixada ou
pecari de lábio branco (OLIVER, 1993).
O cateto (Figura 2B), por sua vez, devido à sua fácil adaptação em diferentes
paisagens, pode ser encontrado em matas densas e úmidas além de regiões
desérticas (SOWLS, 1997). Seu tamanho é menor que o queixada, pesando entre
22 a 30 kg variando de acordo com o sexo (OLIVER, 1993). Possui cabeça grande
em relação ao corpo, pernas e pés relativamente pequenos e delgados, sendo que
seus membros anteriores apresentam quatro dígitos e os posteriores três dígitos,
levando-se em consideração que destes, apenas os metacarpos e metatarsos são
funcionais bem como ocorre nos queixadas (SOWLS, 1997). A espécie é
caracterizada por possuir pelos longos, ásperos e geralmente com tonalidade cinza
mesclada com preto, dando uma aparência acinzentada, apresentando um colar de
pelos brancos na região do pescoço (NOGUEIRA-FILHO, 1999; SOWLS, 1997).
6
Figura 2. Fotos de representantes das espécies Tayassu pecari (A; Queixada) e Pecari
tajacu (B; Cateto).
Fotos pertencentes ao Laboratório de Etologia Aplicada da Universidade Estadual de
Santa Cruz – LABET/UESC, autor Rogério Borges Martins.
Queixadas e catetos apresentam o focinho alongado terminando em um disco
nasal móvel (SOWLS, 1984). Uma característica marcante destas espécies é a
presença de uma glândula de cheiro na porção final da região lombar (OLIVER,
1993; SOWLS, 1997). A presença da glândula de cheiro está estreitamente
associada ao comportamento social nas duas espécies, sendo utilizada para a
marcação entre os indivíduos (SOWLS, 1997). Esta glândula produz uma substância
oleaginosa de forte odor que tem como função a marcação do território e o
reconhecimento entre indivíduos de um mesmo grupo (OLIVER, 1993; SOWLS,
1997). O sistema olfativo é muito importante nas duas espécies visto que
apresentam pouca orientação visual (SOWLS, 1997). Estas espécies não
apresentam dimorfismo sexual, porém, é fácil a visualização do escroto nos machos
quando estão a uma certa distância (SOLWS, 1997).
Estas espécies apresentam a mesma fórmula dentária, que é composta por
38 dentes, sendo subdivididos no maxilar superior e na mandíbula, aos pares, da
seguinte maneira: dentição definitiva = 2 (Incisivo 2/3, Pré-Molar 3/3, Canino 1/1,
Molar 3/3) (SOWLS, 1997) (Figura 3).
A B
7
Figura 3: Crânio de um cateto mostrando a distribuição dentária (desenho de James Jokerst
citada por SOWLS, 1997).
2.4 Comportamento social de pecaris
Queixadas e catetos são espécies que vivem em grupos compostos por
indivíduos de ambos os sexos e de diferentes faixas etárias (OLIVER, 1993). Os
grupos de queixadas são compostos por 50 a 100 indivíduos (OLIVER, 1993), mas
existem relatos de grupos compostos por até 200 animais (FRAGOSO, 1997;
SOWLS, 1997). Os catetos, por sua vez, possuem grupos menores, compostos por
até 15 indivíduos (SOWLS, 1974).
Estas espécies podem ser distinguidas a partir do seu comportamento social,
no entanto, existem controvérsias nos estudos relacionados à estrutura hierárquica
dos catetos. Segundo Bissonette (1982), os catetos apresentam uma hierarquia com
status social possivelmente relacionado ao tamanho do indivíduo e tendo sempre um
macho dominante no topo da hierarquia. Sowls (1997), no entanto, estudando a
mesma espécie em cativeiro, não conseguiu definir qualquer tipo de dominância
social nestes animais. Nogueira-Filho et al. (1999) confirmaram o resultado
encontrado por Sowls (1997) e mostraram que em catetos, diferentemente de
queixadas, não há presença de hierarquia de dominância social, parecendo mais
uma estrutura despótica com pequenas relações de dominância. Os queixadas, por
sua vez, apresentam uma hierarquia de dominância social linear, isto é, há um
animal dominante e os demais subordinados que o seguem em uma linearidade
(DUBOST, 2001; NOGUEIRA-FILHO et al., 1999).
8
2.5 Criação comercial de pecaris
A caça indiscriminada destas espécies, concomitante com a fragmentação
das florestas (CULLEN et al., 2000; NOGUEIRA-FILHO E LAVORENTI, 1997),
desencadeou a redução no índice populacional de queixadas e catetos (OLIVER,
1993), sendo o primeiro mais prejudicado, considerado quase ameaçado pela
classificação da IUCN (International Union for Conservation of Nature). No entanto,
as características destes animais os colocam entre as espécies silvestres de maior
potencial zootécnico (NOGUEIRA E NOGUEIRA-FILHO, 2011).
A exploração destas espécies realizada de forma sustentável a partir de um
plano de manejo racional pode favorecer a sua sobrevivência em ambiente natural
(NOGUEIRA E NOGUEIRA-FILHO, 2011). Neste contexto, catetos e queixadas
representam uma fonte alternativa de proteína animal para a subsistência de
populações mais carentes, como os povos da floresta e ribeirinhos, além de
proporcionarem rendimento econômico para produtores rurais de pequeno e grande
porte (NOGUEIRA-FILHO E LAVORENTI, 1997; NOGUEIRA-FILHO E NOGUEIRA,
2000; SOWLS, 1997).
O sabor da carne contribui para atrair o interesse de criadores de pecaris,
bem como a qualidade do couro destas espécies que atraem o mercado
internacional para a confecção de vestimenta (NOGUEIRA-FILHO E LAVORENTI,
1997; NOGUEIRA-FILHO E NOGUEIRA, 2004; SOWLS, 1997). O couro destes
animais é exportado para os países europeus e para os Estados Unidos da América
e Japão (SOWLS, 1997). Alguns importadores como a Itália, Alemanha e França,
industrializam o couro de catetos na forma de acessórios de luxo como calçados,
luvas, casacos, carteiras e cintos (NOGUEIRA-FILHO E NOGUEIRA, 2004; SOWLS,
1997). O couro de animais criados em cativeiro possui melhor qualidade quando
comparado aos que são provenientes de indivíduos de vida livre (NOGUEIRA E
NOGUEIRA-FILHO, 2011) visto que, além do ambiente fornecer maior segurança
reduzindo a incidência de ferimentos, o desenvolvimento da qualidade do couro tem
como fator principal a alimentação adequada.
A legislação Brasileira só permite o uso comercial da fauna silvestre de
animais criados em cativeiro (NOGUEIRA E NOGUEIRA-FILHO, 2011), apesar do
Brasil ainda tolerar a caça não seletiva para fins de subsistência dos povos
indígenas dependentes dos recursos da floresta (NOGUEIRA E NOGUEIRA-FILHO,
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2011; REDFORD, 1992). Apesar do interesse de alguns produtores na criação
dessas espécies, a legislação brasileira que legaliza e regulamenta sua criação e
comercialização, ainda é um entrave para a ampliação da produção zootécnica no
país. Assim, a produção destes animais ainda é muito incipiente, frequentemente
ignorada ou subestimada pelos órgãos governamentais brasileiros por não
proporcionarem incentivos (NOGUEIRA-FILHO E NOGUEIRA, 2004).
O desenvolvimento de técnicas de manejo em cativeiro (NOGUEIRA et al.,
2010; NOGUEIRA et al., 2011) pode favorecer a manutenção de populações viáveis
e reduzir a incidência de caça ilegal desses animais na natureza (NOGUEIRA-FILHO
E NOGUEIRA, 2004; NOGUEIRA E NOGUEIRA-FILHO, 2011). Assim, a criação em
cativeiro beneficia de forma indireta a manutenção das florestas neotropicais, pois é
uma alternativa à expansão da produção de espécies tradicionais, tais como o gado
bovino e suíno, que necessitam de maior área para pastagem e maior produção de
grãos, respectivamente, para a sua manutenção, acarretando em aumento do
desflorestamento (NOGUEIRA E NOGUEIRA-FILHO, 2011).
Apesar dos avanços técnicos adquiridos em várias áreas do conhecimento
(nutrição animal: NOGUEIRA-FILHO E LAVORENTI, 1997; NOGUEIRA-FILHO et
al., 2006; OLIVER, 1993; SOWLS, 1997, reprodução: MAYOR et al., 2007; MAYOR
et al., 2009; MAYOR et al., 2010, comportamento social: BISSONETTE, 1982;
DUBOST, 2001; NOGUEIRA-FILHO et al., 1999; OLIVER, 1993 e comportamento e
bem estar animal: NOGUEIRA et al., 2010; NOGUEIRA et al., 2011a; 2011b), para a
produção destas espécies em cativeiro, muito ainda há por ser feito para
desenvolver técnicas de manejo racional, com o intuito de proporcionar maior
segurança ao animal, bem como ao tratador que o maneja, além de atenuar a
incidência de estresse nos animais.
Dentre os pecaris brasileiros, o cateto é o que melhor se adapta a diversidade
climática e paisagem, pois é munido de uma rusticidade que o favorece inclusive em
ambientes modificados pelo homem, podendo ser um animal ideal para criação
semi-intensiva. Além destas características é uma espécie considerada mais mansa
em comparação com o queixada, tornando este último mais difícil para ser
manejado. No entanto, as duas espécies apresentam um comportamento reativo
com relação ao homem, o que dificulta as atividades de manejo no cativeiro, tendo
como consequência o aumento da agressividade dos tratadores nos momentos de
10
manejo das espécies (SELENE NOGUEIRA, 2012 comunicação pessoal). As
reações variam nas duas espécies, sendo o queixada mais agressivo, apresentando
a estratégia de enfrentamento e o cateto mais arisco (SOWLS, 1997), optando pela
fuga, o que também leva a agressividade dos seus manejadores porque dificulta na
condução dos animais ao local desejado. Desta forma, é de suma importância à
adequação de um plano de manejo racional para exploração de queixadas e catetos
em cativeiro, a fim de serem aproveitados pelo homem de forma adequada e segura
atendendo às boas práticas de manejo já existentes para animais domésticos
tradicionais (PARANHOS DA COSTA et al., 2010), com respeito ao seu bem-estar.
2.6 Domesticação e seleção animal
Muitas são as espécies selvagens nascidas e criadas em cativeiro, sendo
este ambiente diferente do seu habitat natural. No entanto, a extensão com que os
animais de cativeiro são capazes de se adaptar a ambientes artificiais ou práticas de
manejo proporcionadas pelo homem, pode comprometer seu grau de bem-estar
(PRICE, 2002). Essa adaptação ao homem e ao ambiente está intimamente
relacionada com a combinação entre as mudanças genéticas e a estimulação
ambiental que ocorrem ao longo das gerações e durante experiências vividas pelos
animais (PRICE, 1984).
De forma resumida, a domesticação pode ser definida como um processo no
qual uma determinada população de animais se torna adaptada ao homem e ao
ambiente em que este proporciona, através de um processo que combina e associa
alterações genéticas ao longo de várias gerações e a ocorrência de eventos
ambientais durante cada geração (PRICE, 2002). Tais fatores ambientais podem ser
desde a condição na qual o homem controla a reprodução em cativeiro, bem como o
cuidado e a alimentação dos animais (CLUTTON-BROCK, 1977). Consiste também
na habituação e condicionamento a estímulos ambientais associados ao cativeiro
(OCHIENG’-ODERO, 1994 citado por PRICE, 2002). A complexidade do
desenvolvimento do fenótipo domesticado pode ser entendido somente através da
interação entre orgânico, organismo e ambiente, ao longo da ontogenia (PRICE,
1999; 2002). Vale ressaltar que a combinação dos fatores ambientais e genéticos é
essencial para determinar os resultados fenotípicos (PRICE, 1999; 2002).
11
Esse fenótipo doméstico é resultado do grau de adaptação dos animais em
seu novo ambiente, sendo difícil determinar o quanto uma população tornou-se
domesticada (PRICE, 1999). O grau de pré-adaptação de uma população de
animais selvagens para domesticação depende em parte da facilidade da evolução
gradual das espécies bem como a extensão com que o ambiente cativo permite
esse desenvolvimento e a destreza com que os padrões comportamentais da
população são expressos e compatíveis com as técnicas de manejo (PRICE, 1999).
Um fator importante da domesticação é a redução da incidência do medo de
animais com relação ao homem (PRICE, 2002). Neste sentido, a relação entre o
temperamento do animal (FORDYCE et al., 1982) e as condições em que este é
mantido em cativeiro, tais como o atendimento de suas necessidades
comportamentais, instalações e a garantia de boas condições de bem-estar
(TEMPLE et al., 2011), podem favorecer ou não o processo de domesticação
(PRICE, 2002) e, portanto, a avaliação destes fatores são essenciais para as
pesquisas sobre temperamento animal.
Um dos fenômenos genéticos de maior impacto é a seleção animal. Esta é
subdividida em seleção natural e seleção artificial (PRICE, 1999). A seleção natural
(DARWIN, 2009) atua como mecanismo básico em populações tanto em seu
ambiente natural quanto em cativeiro (PRICE, 1999). Já a seleção artificial é um
processo conduzido a partir de cruzamentos seletivos para obter as características
desejáveis dos animais para produção, como exemplo, a seleção de raposas com
maior mansidão e o menor comportamento agressivo com relação ao homem
(TRUT, 1999) e de galinhas poedeiras que não incubam seus ovos. A seleção
natural proposto por Charles Darwin é o processo que melhor explica a evolução e
adaptação dos seres vivos ao ambiente, onde as características consideradas
favoráveis tornam-se cada vez mais comuns nos indivíduos que apresentam mais
chances de sobreviver e reproduzir no decorrer das gerações. Este é facilmente
observado visto que age modificando diretamente o fenótipo do animal (DARWIN,
2009).
2.7 Temperamento
A personalidade estudada em humanos por psicólogos inclui inúmeras
características tais como projetos pessoais, história de vida, identidade e atitudes,
12
traços de caráter e o temperamento (GOSLING, 2001). Neste contexto,
personalidade e temperamento são termos intimamente correlacionados entre si
(GOSLING, 2001), e muitas vezes são utilizados como tendo o mesmo significado
por alguns pesquisadores (RÉALE et al, 2007). O temperamento e a personalidade
em um animal integram fenótipos comportamentais e traços estáveis que são
consistentes ao longo do tempo e revelam a individualidade (BUDAEV, 1997). O
termo temperamento também pode ser definido como a variação individual existente
entre os animais ao reagirem a um determinado estímulo (GRIGNARD et al., 2001),
bem como ao conjunto de diferentes respostas comportamentais apresentadas por
um indivíduo exposto a diferentes situações (MCDOUGALL et al., 2006; RÉALE et
al., 2007).
O temperamento é uma característica que vem sendo estudada ao longo dos
últimos anos, estando relacionada com a maneira a qual o animal reage diante de
situações novas e no contato com o homem, manifestando medo e aversão, por
exemplo (BOISSY E BOUISSOU, 1995). O temperamento pode ser percebido
durante as rotinas de manejo, nas quais tornam-se evidentes as diferentes respostas
comportamentais dos animais em relação ao homem, tais como o medo, por
exemplo (FORDYCE et al., 1982). Em bovinos foi observado que havia associação
entre o temperamento dos indivíduos e a velocidade de saída durante o
procedimento de pesagem; indivíduos mais calmos saiam mais calmamente da
balança do que os indivíduos mais reativos (BURROW et al., 1988).
O temperamento dócil tem sido relacionado com vários traços da produção
animal tal como aumento na produção de leite ou melhoria na qualidade de carne
(FINA et al. 2006). Os animais com comportamento mais reativo ou nervoso
dificultam os procedimentos de manejo e estão mais propensos a reações negativas
de seus tratadores, o que é indesejável no que diz respeito ao seu bem-estar. Além
de representarem um fator de risco aos manipuladores, como também por reduzir as
características de valor econômico do produto (GRANDIN, 1993). Diante disso,
vários pesquisadores têm se dedicado à avaliação do temperamento de espécies
submetidas a sistemas de produção para compreender as necessidades do animal e
adequar o sistema de manejo (FINA et al., 2006; KING et al., 2006; VON BORSTEL
et al., 2011; YODER et al., 2011), visto que o temperamento é uma característica
13
individual que revela o modo como o indivíduo lida com as diferentes situações de
seu dia a dia (GRANDIN, 1993).
O uso da avaliação do temperamento tem sido realizada para analisar o
sistema de produção em animais selvagens. Fina et al. (2006), estudaram o
temperamento de um grupo de bovinos selvagens, da raça Alberes originário dos
Pirineus, que costuma ser mantido em sistema extensivo devido a dificuldade de
manejo em sistemas mais confinados. Os autores observaram que há uma relação
do temperamento destes animais com o grau de facilidade com que são manejados
para o tronco de manejo, considerando que a análise do temperamento pode trazer
informações importantes para encontrar melhores mecanismos de manejo para os
Alberes e seus produtores. As distintas expressões comportamentais e reações
apresentadas por diferentes indivíduos favorecem a avaliação de cada animal de
acordo com o seu temperamento (RÉALE et al., 2007). Apesar do grande interesse
nessa área, problemas metodológicos ainda ocorrem devido à escassez de estudos
principalmente quando relacionados a animais silvestres (ARCHARD E
BRAITHWAITE, 2010). Diante disso, a análise do temperamento dos indivíduos de
cada espécie é de suma importância tanto para facilitar o manejo e otimizar a
produção, quanto para promover maior segurança ao tratador, que maneja o animal.
2.8 Avaliação Qualitativa do Comportamento
Este método de avaliação foi adaptado por Wemelsfelder et al. (2001) para
pesquisas realizadas em ciência animal. Tendo como base a percepção dos
detalhes de um comportamento animal compreendido através da linguagem corporal
que é expressa em determinado contexto, a avaliação qualitativa integra diversos
termos que podem descrever expressões comportamentais tais como ansioso,
relaxado, ativo e nervoso, as quais podem ou não serem registradas dentro de um
repertório comportamental, porém são descritas separadamente em uma avaliação
quantitativa (MINERO et al., 2009; WEMELSFELDER et al., 2000, 2001;
WEMELSFELDER, 2007; WEMELSFELDER et al., 2009).
Os termos utilizados na avaliação do temperamento e personalidade dos
animais ainda estão sendo adaptados (GOSLING, 2001) e vem sendo utilizados em
pesquisas relacionadas ao bem-estar (MINERO et al., 2009; TEMPLE et al., 2011;
WEMELSFELDER et al., 2000; WEMELSFELDER et al., 2001; WEMELSFELDER,
14
2007; WEMELSFELDER et al., 2009). O tipo de avaliação que vem sendo realizada
é a representação da experiência do animal numa situação particular (NAPOLITANO
et al, 2008; WEMELSFELDER et al., 2000; WEMELSFELDER, 2007), refletindo o
estado emocional do indivíduo (WEMELSFELDER, 1997b; WEMELSFELDER,
2007). Dentre as várias metodologias existentes, o QBA está se mostrando entre as
mais adequadas para avaliação das emoções em animais por considerar as
valências (positivas e negativas) expressadas pelos indivíduos nas diferentes
situações as quais vivenciam.
As condições ambientais que são propostas aos animais podem interferir na
qualidade de seu bem-estar, refletindo em seu comportamento (TEMPLE et al.,
2011), bem como uma maior percepção do ambiente pode inferir negativamente nos
resultados comportamentais agregado aos animais (WEMELSFELDER et al., 2009).
No entanto, é possível que as avaliações das expressões sejam passíveis a análise
científica, tendo como base a observação de aspectos referentes à organização
comportamental do indivíduo (WEMELSFELDER, 2001). Isso sugere que a
avaliação qualitativa pode medir e interpretar o comportamento a partir de detalhes
como movimento, postura e mudanças comportamentais ao longo do tempo
(WEMELSFELDER et al., 2000; 2001), especificando a forma como o animal
interage com o ambiente diante da sua expressão comportamental
(WEMELSFELDER, 1997a; 1997b).
A metodologia fornece tanto escalas fixas (análise quantitativa), quanto
propicia aos observadores total liberdade para escolha de seus próprios termos
descritivos (análise qualitativas), permitindo uma interpretação pessoal a partir de
suas percepções do animal (WEMELSFELDER et al., 2000; 2001;
WEMELSFELDER E LAWRENCE, 2001).
Para que este tipo de estudo seja eficaz, é necessário que os observadores
sejam devidamente instruídos, e se necessário aperfeiçoados através da prática em
observação comportamental (WEMELSFELDER, 2001), além de conhecer a espécie
com que se deseja trabalhar, o que reduz a interpretação errônea das expressões
dos animais devido à falta de experiência (MINERO et al., 2009).
15
3 MATERIAL E MÉTODOS
3.1 Animais e Área de estudo
O estudo foi conduzido com 17 queixadas (Tayassu pecari; nove machos e
oito fêmeas) e 19 catetos (Pecari tajacu; dez machos e nove fêmeas) (Tabela 1),
mantidos em cativeiro, no Laboratório de Etologia Aplicada (LABET – 14º47’39,8’’S,
39º10’27,7’’O) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus-Bahia. Os
animais eram identificados com brincos de plástico cortados em diferentes formatos
(machos na orelha direita e fêmeas na orelha esquerda) para facilitar a observação à
distância. Os animais estavam alojados em quatro piquetes, sendo três para cateto,
cada um com aproximadamente 10,37m de largura e 31,22m de comprimento,
totalizando 323,75m² e um para queixadas com aproximadamente 18,78m de
largura x 30,0m de comprimento, totalizando 563,40m². A alimentação era fornecida
sempre às 8h00 e 16h00, respeitando o horário de maior atividade destas espécies
(SOWLS, 1997) e consistiu de ração concentrada e balanceada composta de milho
em grão (70%), farelo de soja (30%) e sal mineral (1% do peso vivo). A água foi
disponibilizada ad libitum.
Os animais foram retirados de seus piquetes para a condução do experimento
que foi realizado em uma área de 14,20m² de largura x 26,70m² de comprimento,
totalizando 379,14m². Esta área experimental era cercada com tela de alambrado,
fio 12 e malha 2,5 polegadas com 1,50m de altura e sustentada por mourões de
eucalipto (Eucalyptus citriodora) a cada 2,5m. A área experimental era composta por
piso de terra batida, um bebedouro (0,6m comprimento x 0,3m largura), cinco
comedouros de PVC e um curral armadilha. Este curral possuía uma área de 2,0m
de largura x 6,0m de comprimento, também cercado com tela de alambrado (1,50m
de altura) como já citado anteriormente (Figura 4). Conectado ao curral armadilha
havia uma porta deslizante que se ligava a um corredor denominado de brete com
6,5m de comprimento, 0,70m de largura e 1,0m de altura (Figura 5). Este brete
levava a um outro compartimento menor com 1,78m de comprimento x 0,70m de
largura denominado de tronco seguindo a mesma altura do brete dotado de duas
portas do tipo guilhotina (Figura 6). As áreas tanto do brete quanto do tronco eram
fechadas por tela de alambrado e sustentadas por mourões de eucalipto a cada
1,0m.
16
Tabela 1: Escrituração zootécnica dos pecaris
Animal Espécie Sexo Peso
1 Tayassu pecari Macho 28,6kg 2 Tayassu pecari Macho 36,8kg 3 Tayassu pecari Fêmea 29,0kg 4 Tayassu pecari Fêmea 33,6kg 5 Tayassu pecari Macho 25,4kg 6 Tayassu pecari Macho 32,6kg 7 Tayassu pecari Fêmea 41,6kg 8 Tayassu pecari Fêmea 20,0kg 9 Tayassu pecari Macho 35,4kg 10 Tayassu pecari Macho 36,0kg 11 Tayassu pecari Macho 31,6kg 12 Tayassu pecari Fêmea 30,4kg 13 Tayassu pecari Macho 29,4kg 14 Tayassu pecari Fêmea 19,4kg 15 Tayassu pecari Fêmea 21,8kg 16 Tayassu pecari Fêmea 25,0kg 17 Tayassu pecari Macho 31,0kg 18 Pecari tajacu Macho 19,4kg 19 Pecari tajacu Macho 24,6kg 20 Pecari tajacu Macho 17,6kg 21 Pecari tajacu Macho 21,8kg 22 Pecari tajacu Macho 18,6kg 23 Pecari tajacu Macho 18,4kg 24 Pecari tajacu Macho 15,8kg 25 Pecari tajacu Macho 20,6kg 26 Pecari tajacu Macho 17,2kg 27 Pecari tajacu Macho 20,2kg 28 Pecari tajacu Fêmea 20,2kg 29 Pecari tajacu Fêmea 17,8kg 30 Pecari tajacu Fêmea 22,6kg 31 Pecari tajacu Fêmea 27,6kg 32 Pecari tajacu Fêmea 25,8kg 33 Pecari tajacu Fêmea 28,6kg 34 Pecari tajacu Fêmea 24,4kg 35 Pecari tajacu Fêmea 24,8kg 36 Pecari tajacu Fêmea 23,2kg
17
Figura 4. Curral armadilha da área experimental.
Foto: Laboratório de Etologia Aplicada da Universidade Estadual de Santa Cruz –
LABET/UESC.
Figura 5. Brete conectado ao curral armadilha na área experimental.
Foto: Laboratório de Etologia Aplicada da Universidade Estadual de Santa Cruz –
LABET/UESC.
18
Figura 6. Tronco conectado ao brete na área experimental.
Foto: Laboratório de Etologia Aplicada da Universidade Estadual de Santa Cruz –
LABET/UESC.
3.2 Procedimentos Experimentais
O estudo foi realizado primeiramente com os queixadas e em seguida
aplicamos os testes com os caititus durante o período de Janeiro a Março de 2012.
No dia anterior aos testes todos os animais a serem testados eram
conduzidos para a área experimental onde localizava-se o curral armadilha. No dia
dos testes, com trinta minutos de antecedência às observações, os animais eram
colocados, através de comando de voz ou tocados com auxílio de puçá, para o
interior do curral armadilha, onde permaneciam por 30 min. até dar início a sessão
de observação. Era dado início ao teste após a abertura da porta deslizante
conduzindo apenas um indivíduo, escolhido aleatoriamente, para a área de brete. O
animal deveria percorrer o corredor correspondente ao brete em direção ao tronco
por um período de 20s de forma espontânea ou forçada (comandos de voz- “vai, vai,
vai...”; uso de puçá ou por comando de voz e puçá). Aguardava-se que o animal
fizesse este percurso espontaneamente durante 20s e caso não se direcionasse ao
tronco após este período de tempo, o observador dava o próximo comando e assim
por diante. Desta forma, o tempo total que o animal poderia permanecer no brete foi
de 20s a 80s. A partir do momento que o indivíduo alcançava o tronco, a porta
guilhotina que separava esta área do brete era fechada. O animal permanecia por
19
20s no tronco para que se procedessem as observações relativas ao seu
temperamento nesta condição. Após o período de 20s abria-se a porta guilhotina de
saída do tronco e assim que o animal ultrapassasse a porta um cronômetro era
acionado para medir a velocidade de saída que o mesmo percorreria a distância de
3,80m que foi marcada por uma peça de madeira enterrada no chão. Após a
passagem do animal por esta peça de madeira o cronômetro era desativado e
registrava-se o tempo usado pelo animal para percorrer esta distância para o cálculo
da velocidade percorrida (V=ΔS/Δt). A distância de 3,80m foi escolhida por
corresponder ao corredor que margeava o curral armadilha e a tela da área
experimental, antes do animal alcançar a área mais aberta do recinto (Figura 7).
Todas as etapas do experimento (condução, permanência no tronco e velocidade de
saída) foram filmados com auxílio de uma câmera filmadora (JVC GZ-HD500,
Japão).
Figura 7. Corredor que margeava o curral armadilha e a tela da área experimental.
Foto: Laboratório de Etologia Aplicada da Universidade Estadual de Santa Cruz –
LABET/UESC.
3.3 Observadores
Os vídeos registrados no período em que os animais estavam no tronco foram
apresentados para quatro observadores a fim de realizar o julgamento para a
avaliação qualitativa do comportamento de cada indivíduo observado. Antecedendo
os julgamentos, os observadores foram informados de que o experimento era parte
20
de um programa de pesquisa que visava avaliar o temperamento de queixadas e
catetos a partir da avaliação de suas expressões comportamentais. Durante o
procedimento de observação das imagens dos vídeos correspondentes à
permanência de cada indivíduo no tronco, os julgadores foram orientados pelo
pesquisador a observar uma vez e caso quisessem poderiam visualizar a mesma
imagem mais uma única vez antes de sua avaliação final.
3.4 Avaliação Qualitativa do Comportamento
Para a análise do temperamento dos animais foi utilizada uma planilha para o
julgamento de cada animal, a qual quatro julgadores assinalavam qual a intensidade
do comportamento que assistiram através do vídeo dos animais. Esta planilha
constava de 15 termos correspondentes a comportamentos expressados pelos
animais experimentais. Ao lado de cada termo havia uma linha de 125 mm que
indicava a intensidade do comportamento, com a intensidade menor indicada pelo
símbolo de menos (-) à esquerda e maior indicada pelo símbolo de mais (+) à direita.
Os termos utilizados foram: 1. ativo, 2. relaxado, 3. medroso, 4. agitado, 5. calmo, 6.
tenso, 7. entediado, 8. dócil, 9. alerta, 10. nervoso, 11. agressivo, 12. ansioso, 13.
apático, 14. satisfeito e 15. Estressado (Planilha 1). Cada termo descrito era
pontuado de acordo com a percepção de cada observador frente às expressões
comportamentais relatadas dentro do período de observação de cada filmagem
enquanto o indivíduo permanecia por 20 segundos contido no tronco.
Análise estatística
A fim de identificar se os julgadores obtiveram a mesma percepção sobre a
expressão comportamental dos animais foi realizada a análise de correlação de
Spearman. Com isso, foi contabilizado o nº de concordâncias médias obtidas entre
os avaliadores para cada termo pontuado, considerando resultados a partir de 70%
(p<0,05) como havendo similaridade entre os julgadores.
Os dados da QBA foram expressos a nível de exploração e analisados a partir
da análise de componentes principais (ACP) por meio do procedimento de
Multivariate Exploratory Techniques. A ACP reduz o número de variáveis originais
(termos descritivos) em uma menor dimensão (CP1 ou fator 1 e CP2 ou fator 2)
explicando como foi possível a variabilidade entre as espécies. Os dois primeiros
21
componentes principais cujos autovalores foram inferiores a 1,0 produziram um
gráfico bidimensional para interpretação dos termos distribuidos. Para interpretar a
distribuição dos animais de cada espécie os autovalores foram superiores a 1,0.
Estes gráficos são importantes para interpretação dos dois primeiros componentes
principais (fator 1 e fator 2). Cada unidade de exploração recebe uma pontuação de
cada componente principal. Foi feito o teste Mann-Whitney U-test para verificar se o
teste de condução e a velocidade de saída (VS) das duas espécies foram
significativamente diferentes. A comparação de ambas as espécies foi realizada a
partir do teste Mann-Whitney U-test através do Índice de Temperamento (IT) dada
pela fórmula (IT = Total de CP1/ nº de animais), a qual avalia o temperamento de
cada espécie a partir do total do CP1 obtido para cada animal. Para análise destes
dados foi utilizado o software Statistica 7.0 (StatSoft, Inc. 1984-2004).
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
No presente estudo, o primeiro componente principal (F1) mostrou que a
avaliação do comportamento qualitativo distinguiu os animais que apresentaram-se
mais calmos ou positivos ao manejo, daqueles com terminologias consideradas
negativas. Napolitano et al. (2008) observaram que a avaliação qualitativa do
comportamento (QBA) permite distinguir indivíduos relaxados e calmos daqueles
mais nervosos e apáticos. Assim como Napolitano et al. (2008) e outros autores que
testaram este método de avaliação do temperamento em outras espécies (suínos:
WEMELSFELDER E MILLARD, 2009; TEMPLE et al., 2011).
A avaliação das expressões positivas e negativas associadas a cada
dimensão ou eixo (X e Y) na ACP, revelou a coerência gerada entre os julgadores
para analisar as espécies estudadas (Figura 8). Através da análise de componentes
principais referentes as variáveis quantitativas, observa-se que existe diferença
comportamental entre as duas espécies (Tabela 2). O CP1 ou fator 1 (F1) explicou
80,73% dos resultados, sendo assim positivamente correlacionado com a diferença
apresentada entre as espécies.
Os valores negativos representados na ACP no fator 1 foram associados com
os termos “relaxado”, “calmo”, “entediado”, “apático, “satisfeito” e “dócil” e os valores
positivos foram associados com os termos “agressivo”, “ativo”, “medroso”, “agitado”,
“tenso”, “alerta”, “nervoso”, “ansioso” e “estressado” (Tabela 3; Figura 8). De acordo
22
com essa avaliação, os termos considerados negativos (agressivo, medroso,
agitado, tenso, nervoso, ansioso e estressado) que ficaram agrupados no lado
positivo do eixo X, do primeiro componente (F1) juntamente com expressões
positivas, estão relacionados com situações negativas. O mesmo pode ser mostrado
para termos positivos que foram escalados no lado negativo do F1.
Tabela 2: Análise Quantitativas de Componentes Principais (ACP)
relativos aos dados dos comportamentos. (CP1 ou F1; CP2 ou F2)
Autovalor % da variância
explicada
Variância explicada
acumulada
CP1 12,12 75,73 75,73
CP2 1,20 7,49 83,22
CP3 0,83 5,19 88,41
Variáveis CP1 CP2
Ativo 0,948192 0,006968
Relaxado -0,945573 0,037665
Medroso 0,604728 -0,749339
Agitado 0,946883 -0,055347
Calmo -0,939069 0,009608
Tenso 0,936404 -0,199695
Entediado -0,784788 0,004047
Dócil -0,823487 -0,325816
Alerta 0,937754 -0,049177
Nervoso 0,972485 0,040817
Agressivo 0,854028 0,307450
Ansioso 0,971964 -0,027618
Apático -0,842433 -0,120696
Satisfeito -0,920572 -0,147530
Estressado 0,972001 -0,001385
23
ativo relaxado
medroso
agitado calmo
tenso
entediado
dócil
alerta
nervoso
agressivo
ansioso
apático satisfeito
estressado
-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
CP1 (80,73%)
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
CP
2 (
5,6
5%
)
Figura 8: Termos utilizados pelos quatro juízes para avaliar o comportamento dos animais no tronco através da QBA. A escala de valores reflete o nível em que os termos correlacionam-se com os fatores 1 (CP1) e 2 (CP2) de forma consensual entre os juízes.
A Figura 9 representa a posição dos animais de cada espécie nas duas
dimensões (eixo X e Y) da ACP. A maioria dos animais que representaram o grupo
de queixadas e apenas alguns catetos foram alocados no quadrante direito do
gráfico. O lado direito é representado pelos termos associados aos comportamentos
mais reativos ou negativos do temperamento dos animais. Por sua vez o quadrante
esquerdo do gráfico, que é representado pela maioria dos catetos, associados as
termos mais positivos para o manejo, ou seja, animais mais calmos ou menos
reativos. O IT médio dos queixadas foi superior (0,38±0,49; mediana = 0,48), quando
comparado ao dos catetos (-0,34±0,24; mediana = -0,68); (U = 90; df = 17 e p=0,02)
(Figura 10). O índice de temperamento maior em queixadas era esperado uma vez
que esta espécie é considerada mais agressiva do que catetos (SOWLS, 1997). A
agressividade de queixadas pode estar intimamente relacionada com sua
organização social. Esta espécie possui uma hierarquia de dominância linear bem
marcada, já descrita na espécie (NOGUEIRA-FILHO et al. 1999; DUBOST, 2001). A
24
hierarquia de dominância evita confrontos diretos, pois através de ameaças os
indivíduos se alocam em determinados postos hierárquicos e reconhecem seus
lideres e seus subordinados entre os indivíduos do grupo (NOGUEIRA-FILHO et al.
1999; DUBOST, 2001; DE VRIES E APPLEBY, 2000).
Tabela 3: Descrição das categorias comportamentais registradas para QBA durante o teste no tronco.
Termos Descrição
Ativo Movimentando-se no tronco caminhando e fuçando o piso
Relaxado Sentado ou deitado aparentando estar com os músculos relaxados
Medroso Tentando fugir, eriça os pelos e vocaliza
Agitado Caminhando e/ou correndo, o animal apresenta comportamentos agonísticos com o eriçamento de pelos e vocalizações.
Calmo Animal caminha sem apresentar qualquer comportamento agonístico
Tenso Olhando fixamente em uma direção e com os pelos eriçados, podendo ou não vocalizar
Entediado Animal sem movimento, sem ação
Dócil Ausência de comportamentos agonísticos ou ameaça
Alerta Animal parado com olhar direcionado, pelos eriçados e orelhas em alerta com ou sem movimento
Nervoso Caminhando rapidamente, eriça os pelos, podendo ou não vocalizar, com tentativa de fuga fuçando a porta ou lançando-se contra as paredes de tela
Agressivo Animal corre ou caminha rapidamente, eriça pelo, vocaliza, se debate contra a tela em postura de ameaça e tenta fugir fuçando a porta ou lançando-se contra a tela
Ansioso Olhar direcionado para a porta de saída, caminha de um lado para o outro e fuça a porta e/ou tela ou cava o piso.
Apático Permanecendo-se parado, sem realizar qualquer atividade
Satisfeito Fuçando o solo como em forrageio, podendo ou não caminhar
Estressado Vocalizando o tempo todo, o animal eriça os pelos podendo ou não correr ou caminhar rapidamente
25
QM1
QM2
QF3
QF4
QM5
QM6
QF7
QF8
QM9
QM10
QM11
QF12
QM13
QF14
QF15
QF16
QM17
CM18
CM19
CM20
CM21
CM22
CM23
CM24
CM25
CM26CM27
CF28CF29
CF30
CF31
CF32CF33
CF34
CF35CF36
-6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 6
CP1 (80,73%)
-2.5
-2.0
-1.5
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5C
P2 (
5,6
5%
)
Figura 9: Distribuição dos indivíduos das duas espécies (queixadas, identificados com a cor
vermelha e catetos, identificados com a cor azul) em duas dimensões da ACP.
WLP CP
Espécies
-1.0
-0.8
-0.6
-0.4
-0.2
0.0
0.2
0.4
0.6
0.8
1.0
Índic
e d
e tem
pera
mento
(C
P1)
Figura 10: Comparação do índice de temperamento a partir do CP1 (F1) em queixadas
(WLP) e catetos (CP).
O índice de temperamento revelou que queixadas, com exceção de quatro
animais (1M, 9M, 10M e 12F; três machos e uma fêmea), apresentaram-se mais
nervosos e agressivos quando comparados aos catetos, os quais foram
caracterizados qualitativamente como animais calmos, com exceção de sete
indivíduos (18M, 19M, 21M, 24M, 32F, 33F e 35F; quatro machos e três fêmeas),
que permaneceram alocados para a direita do gráfico onde estão direcionados os
0,38±0,49
-0,34±0,24
26
termos considerados negativos (Figuras 8, 9 e 10). A causa associada a maior
agressividade de alguns indivíduos parece estar pautada no temperamento
individual destes animais ou possivelmente associados ao posto hierárquico em que
estes animais se encontram. No entanto, no presente estudo não foi possível
analisar o posto hierárquico dos animais.
O IT pode auxiliar na escolha de futuros reprodutores tendo como critério
inicial a seleção de animais que apresentam características desejáveis para
produção visando maior mansidão e menor comportamento agressivo com relação
ao homem, facilitando a manipulação durante o manejo.
Os comportamentos negativos apresentados pelos animais durante o manejo,
além de representarem um fator de risco aos manipuladores, também podem reduzir
o valor econômico do produto, uma vez que os animais podem ser acometidos por
maus tratos dos tratadores o que pode levar a uma depreciação na qualidade da
carne ou couro se forem molestados (GRANDIN, 1993). Yoder et al. (2011),
estudando diferentes raças de suínos em sistema de produção, mostraram que
animais mais reativos apresentaram uma maior cobertura de toucinho, o que indica
a redução no ganho de peso e consequentemente na produção.
Os termos utilizados para a avaliação do QBA merecem discussão, pois há
interpretações da expressão comportamental e do estado emocional dos animais
que tornam-se difíceis de serem captados pelos julgadores. O termo apático, por
exemplo, de forma geral, é complexo para ser avaliado, pois os julgadores, apesar
de relatarem que os animais estavam sob estresse, devido sua imobilidade,
interpretaram tal comportamento como sendo positivo, sem condições de avaliar sua
relação com o estado emocional que poderia ser o estresse que causa o freezing ou
congelamento (BRANDÃO et al. 2008). A imobilidade causada por falta de energia
ou depressão são indicadores de estresse, mas difícil de ser avaliada pelo QBA. Em
outro estudo com equinos, MINERO et al. (2009) fizeram o mesmo tipo de
julgamento, posicionando animais calmos e apáticos no mesmo lado do eixo, desta
forma nossos dados seguiram o mesmo encontrado por estes autores.
Fina et al. (2006), estudaram o temperamento de um grupo de bovinos
selvagens, da raça Alberes, que costuma ser mantido em sistema extensivo devido
a dificuldade de manejo em sistemas mais confinados. Os autores observaram que
há uma relação do temperamento destes animais com o grau de facilidade com que
27
são conduzidos para o tronco, sugerindo que a análise do temperamento pode trazer
informações importantes para encontrar melhores mecanismos de manejo para os
animais. No entanto, em nosso estudo, o teste que avaliou o tempo médio (Tmédio) de
condução dos animais não apresentou diferença entre os pecaris (queixadas: Tmédio
= 44,9±19,1s; catetos: Tmédio = 26,1±7,33s); (U = 121,00; df = 17 e p=0,20) (Figura
11), apesar de queixadas terem sido mais demorados para serem conduzidos,
considerando os dados absolutos das duas espécies. A ausência de diferença entre
as duas espécies pode ser explicada pela grande variância dos dados indicada pelo
elevado desvio padrão. Assim, este teste não se apresentou um bom indicador para
a seleção de animais, talvez em estudos futuros este resultado possa ser revertido
caso seja realizado com um maior número de animais.
WLP CP
Espécies
10
20
30
40
50
60
70
Tem
po d
e c
ondução (
s)
Figura 11: Mediana do tempo de condução (s) em queixadas (WLP) e catetos (CP)
(p=0,20).
O teste de velocidade de saída (Flight Speed - FS) é indicado como um
método eficaz para avaliação do temperamento e seu efeito sobre as características
de produção (BURROW et al. 1988). Neste teste (Figura 12) os catetos
apresentaram-se mais lentos (catetos: Tmédio = 1,55±0,49m/s; mediana =1,30m/s)
quando comparados aos queixadas (Tmédio = 2,25±0,52m/s; mediana = 2,12m/s), (U
= 85,50; df = 17 e p=0,04). Este comportamento revela que os indivíduos que
apresentaram uma velocidade de saída maior (mais rápida) podem ter presenciado
mais medo ou estresse do que aqueles que foram mais lentos. Petherick et al.
(2009), ao utilizar o teste de FS com bovinos de corte, relataram que a velocidade de
44,9±19,1s
26,1±7,33s
28
saída não avalia o medo do animal frente ao homem, mas a sua agitação. Isto
porque o envolvimento do homem durante este tratamento foi de apenas abrir a
porta para o animal sair sob sua própria vontade sem precisar conduzi-lo. No
entanto, estes autores utilizaram uma caixa fechada impedindo que o animal
pudesse visualizar o lado externo do ambiente em que encontrava-se confinado,
diferente do tronco que foi utilizado neste estudo. Diante disso, tal resultado
encontrado neste estudo é coerente tanto com o resultado encontrado por Burrow et
al. (1988), quanto com os dados de temperamento adquiridos para as duas
espécies, onde queixadas revelaram-se mais reativos do que catetos.
WLP CP
Espécies
0.8
1.0
1.2
1.4
1.6
1.8
2.0
2.2
2.4
2.6
2.8
3.0
Flight S
peed (
m/s
)
Figura 12: Mediana da velocidade de saída (m/s) em queixadas (WLP) e catetos (CP)
(p=0,04).
Burrow et al. (1988) em pesquisa realizada com bezerros de diferentes
cruzamentos, relataram que no teste de velocidade de saída, os animais
classificados como mais reativos, saíram do tronco de contenção em maior
velocidade quando comparados aos animais menos reativos. Tais análises são de
extrema importância, uma vez que o medo é considerado um problema que pode
afetar não somente o bem-estar do animal, mas também sua produtividade,
rentabilidade e qualidade do produto final (WAIBLINGER et al., 2006).
2,25±0,52m/s
1,55±0,49m/s
29
5 CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo indicaram que a avaliação do temperamento em
catetos e queixadas realizada através da QBA pode ser um método utilizado no
processo de seleção de animais em sistemas de produção, bem como dar um
panorama de qual das duas espécies está mais próxima do atendimento às
categorias desejadas à domesticação. Queixadas, de forma geral, apresentaram
características mais negativas do que catetos para este fim. No entanto, foram
observados indivíduos de ambas as espécies tendendo à mansidão que poderiam
ser selecionados para a produção. Os indivíduos mais reativos de forma geral
trazem maior nervosismo ao ambiente de manejo, devendo assim, serem
submetidos a treinamentos para se habituarem aos procedimentos de manejo e
consequentemente diminuírem sua reatividade para com seus manejadores. As
características negativas durante o manejo tem como consequência o aumento do
estresse dos animais, bem como o de seres humanos envolvidos, empobrecendo o
bem-estar de ambos.
30
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37
Planilha 1. Escala para Avaliação Qualitativa do Comportamento enquanto o animal permanecia contido no tronco.
Escala para Avaliação Qualitativa do Comportamento
Nome Observador:______________________________________ ________Data:______/_____/________
Sexo:_______ Animal:_______________ ______Espécie:___________________________________________
Por favor, observar os animais na unidade experimental durante o teste no tronco e posteriormente
avaliar sua expressão comportamental (“linguagem corporal”) marcando os seguintes termos:
Min. Max.
Ativo
Min. Max.
Relaxado
Min. Max.
Medroso
Min. Max.
Agitado
Min. Max.
Calmo
Min. Max.
Tenso
Min. Max.
Entediado
Min. Max.
Dócil
Min. Max.
Alerta
Min. Max.
Nervoso
Min. Max.
Agressivo
Min. Max.
Ansioso
Min. Max.
Apático
Min. Max.
Satisfeito
Min. Max.
Estressado