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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ –UESC UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA
THAÍS DOS SANTOS VINHAS
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO EM MORRO DE SÃO PAULO, CAIRU-BAHIA: lugar de memória, espaço de cultura, opção de turismo
ILHÉUS – BAHIA
2007
THAÍS DOS SANTOS VINHAS
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO EM MORRO DE SÃO PAULO, CAIRU-BAHIA: lugar de memória, espaço de cultura, opção de turismo
Dissertação apresentada, para obtenção do título de Mestre em Cultura e Turismo, à Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC e Universidade Federal da Bahia – UFBA. Área de Concentração: Ciências Sociais Aplicadas Orientadora: Prof.ª Dr.ª Janete Ruiz de Macedo
ILHÉUS – BAHIA 2007
THAÍS DOS SANTOS VINHAS
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO EM MORRO DE SÃO PAULO, CAIRU-BAHIA: lugar de memória, espaço de cultura, opção de turismo
Ilhéus – BA, 11 /04/2007 ___________________________________________________________________
Janete Ruiz de Macedo – Dr.ª UESC
(Orientadora)
___________________________________________________________________ José Manoel Gonçalves Gândara– Dr.
UFPR
___________________________________________________________________ Ellen Fensterseifer Woortmann – Dr.ª
UnB
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Sátiro e Odília, pelo apoio, incentivo, paciência e amor. Aos meus irmãos, Márcio e Bianca, por existirem e fazerem parte da minha história. A Edi Castro, Célia Batista e Ester Freire, pessoas tão amadas, que marcaram profundamente a minha existência, e partiram em 2006 deixando uma saudade imensa em meu coração, dedico.
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO EM MORRO DE SÃO PAULO, CAIRU – BAHIA: lugar de memória, espaço de cultura, opção de turismo
Autora: Thaís dos Santos Vinhas
Orientadora: Profª. Drª. Janete Ruiz de Macêdo
RESUMO
O objeto de análise desse estudo incide sobre o patrimônio histórico-cultural arquitetônico de Morro de São Paulo, Cairu, Bahia, e a sua possível inserção na atividade turística, como viabilidade de preservação dos monumentos, ao mesmo tempo que se apresenta como possibilidade de dinamização do turismo local. A pesquisa teve como objetivos identificar o patrimônio arquitetônico do povoado e perceber a relação entre esse legado e a comunidade residente na localidade, bem como a percepção dos turistas acerca desses bens. Buscou-se fundamentar o estudo a partir das discussões teóricas sobre o conceito de patrimônio, que reflete diretamente sobre as noções de memória e identidade, suporte fundamental para compreender a trajetória das ações de preservação patrimonial e sua configuração na atualidade. Fundamentou-se também na nova concepção de turismo e sua relação com o espaço físico, social e cultural, tendo como diretriz o desenvolvimento sustentável. Para o levantamento de dados, foram coletados depoimentos orais com os moradores do povoado, através de amostra não-probabilística por julgamento, aplicados questionários semi-estruturados com os turistas, por amostra probabilística aleatória simples, além de pesquisa bibliográfica e observação in loco. Os resultados demonstram que não há ações efetivas de preservação patrimonial em Morro de São Paulo, o que está acarretando no desaparecimento desses bens por terem perdido, no decorrer do tempo, a sua função social, fragilizando o elo de ligação entre comunidade e legado histórico-cultural. Constatou-se ainda que não há uma percepção dos turistas acerca do patrimônio por esse não estar, efetivamente, inserido no desenvolvimento turístico. Percebeu-se também que quando existe o sentimento de identidade entre comunidade e patrimônio, sua preservação é assegurada e sua inserção na atividade turística acontece de forma dinâmica e espontânea. PALAVRAS-CHAVE: patrimônio histórico; turismo cultural; preservação; memória e identidade.
THE HISTORIC HERITAGE SITE IN MORRO DE SÃO PAULO, CAIRU - BAHIA: place of memory, space of culture, option of tourism
Author: Thaís dos Santos Vinhas
Adviser. Profª. Drª. Janete Ruiz de Macêdo
ABSTRACT The object of analysis of this study happens on the historical-cultural, architectural patrimony of Morro de São Paulo, Cairu, Bahia, and its possible insertion in the tourist activity as viability of preservation of monuments at the same time that it is presented as a possibility of dynamic expansion of local tourism. The objective was to identify the architectural patrimony of the town and to perceive the relation between this legacy and the local resident community, as well as the perception of tourists concerning these goods. It was tried to base the study from the theoretical discussion about the concept of patrimony that directly reflects on the knowledge about memory and identity, basic support to understand the trajectory of patrimonial preservation actions and its configuration in the present time. It was based upon the new tourism conception and its relation with the physical, social and cultural space, having as line of direction the sustainable development. For the data-collecting, verbal statement with the town inhabitants had been collected, through not-probabilistic sample for judgment, carried through half-structuralized interviews with the tourists by simple random probabilistic sample, and also bibliographical research and in loco observation. The results demonstrate that there are no effective politics on patrimonial preservation in Morro de São Paulo, what is causing the disappearance of these goods for having lost, in the course of time, its social function, weakening the connector link between community and historical-cultural legacy. It was noticed that there is not a perception of tourist concerning the heritage just because he is not inserted in the touristic development. It was also perceived that when the feeling of identity between community and patrimony exists, its preservation is ensured and its insertion in the tourist activity happens in a dynamic and spontaneous way. KEY-WORDS: historic heritage, cultural tourism, preservation, memory and identity.
LISTA DE FIGURAS
1 Mapa geográfico da Bahia com destaque em vermelho para Morro de São
Paulo .............................................................................................................. 81
2 Portaló, porta de ingresso à Fortaleza ........................................................... 97
3 Vista da parte esquerda da Fortaleza e da muralha ...................................... 97
4 Vista de frente da Fortaleza ........................................................................... 98
5 Forte Velho .................................................................................................... 98
6 Entrada do Forte da Ponta .......................................................................... 101
7 Forte da Ponta ............................................................................................. 101
8 Vista frontal da Fonte Grande. Ao fundo a cisterna circular ........................ 103
9 Vista frontal da Igreja de Nossa Senhora da Luz ........................................ 105
10 Farol ............................................................................................................. 107
11 Vista frontal do Casarão .............................................................................. 109
12 Igreja antes da restauração ......................................................................... 127
13 Igreja após a restauração ........................................................................... 127
14 Parte frontal de um retábulo antes da restauração .................................... 129
15 Detalhe do retábulo antes da restauração .................................................. 129
16 Retábulo localizado à direita da entrada da Igreja restaurado em suas
características originais .......................................................................................... 129
17 Zonas Turísticas da Bahia - Pólo Litoral Sul .............................................. 134
18 Pólos emissivos de turistas para Morro de São Paulo ............................... 144
19 Expectativa da visita ................................................................................... 145
20 Qualificação da visita .................................................................................. 145
21 Lazer ............................................................................................................ 146
22 Atrativos Naturais ........................................................................................ 147
23 Atrativos Histórico-culturais ......................................................................... 148
24 Monumentos que despertaram interesse dos turistas ................................. 149
25 Interesse do turista em conhecer o patrimônio histórico-cultural ............... 152
LISTA DE TABELAS
1 Evolução fluxo turístico em Morro de São Paulo, década de 90 ................... 91
2 Motivação de viagem turismo doméstico ..................................................... 113
LISTA DE QUADROS
1 Inventário da Fortaleza de Morro de São Paulo ............................................ 94
2 Inventário do Forte da Ponta ......................................................................... 99
3 Inventário da Fonte Grande ......................................................................... 102
4 Inventário da Igreja de Nossa Senhora da Luz ........................................... 104
5 Inventário do Farol ....................................................................................... 106
6 Inventário do Casarão ................................................................................. 107
7 Atrativos turísticos por categoria ................................................................. 135
8 Parâmetros de avaliação de atrativo por pontuação .................................. 137
9 Pontuação dos atrativos turísticos de Morro de São Paulo ....................... 138
INTRODUÇÃO
No decurso da história humana, o homem elaborou um complexo sistema de
signos e significados que se cristalizou na forma de organizar a vida de cada grupo,
sendo a força condutora das relações em sociedade, bem como das relações dos
indivíduos com o meio natural. No momento em que se fixaram em um espaço e
organizaram a vida social, criaram um conjunto de elementos simbólicos que
conduziram e deram sentido à existência humana. Ao se constituírem seres sociais,
constituíram-se também seres culturais.
Construída a partir de um processo acumulativo das vivências compartilhadas
na vida em sociedade, a cultura revela as diversas formas de apreensão da
realidade em diferentes tempos e espaços. Margeia o campo do concreto e do
abstrato, revelando crenças, sentimentos, percepções de mundo que muitas vezes
se materializa nos vestígios que são deixados por esses grupos em sua trajetória
histórica. Dentre esse amplo universo de aspectos que constituem o legado de um
povo, encontram-se os monumentos que compõem o patrimônio arquitetônico
histórico-cultural de determinada sociedade.
Diante da nova configuração mundial, a preservação da cultura tem
despertado o interesse de diversos organismos nacionais e internacionais. Com o
advento da globalização, muito tem se discutido sobre o lugar da cultura em uma
sociedade de transformações muito rápidas que podem influenciar no processo de
desagregação dos sistemas culturais, levando ao desaparecimento de expressões e
vestígios que identificam um grupo social específico.
Na tentativa de salvaguardar esse legado cultural, dentre eles o patrimônio
histórico, o turismo tem desempenhado um papel de grande relevância, por ser uma
atividade que interage diretamente com a sociedade envolvida, ao mesmo tempo em
que apresenta-se como uma tendência para a economia global, por contribuir de
forma significativa para geração de divisas que refletem positivamente no PIB1
mundial.
Assim, os impactos positivos da atividade sobre a economia podem ser
analisados a partir de dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), que
considera o turismo como uma das principais atividades econômicas em nível global,
gerando uma receita de 632,7 bilhões de dólares no mundo no ano de 2004.2
Entretanto, os benefícios gerados pela atividade não estão ligados apenas
aos aspectos econômicos. Afastando-se o foco meramente economicista, podem
ser percebidos outros benefícios que o empreendimento turístico pode gerar nos
locais em que se desenvolve.
Mário Carlos Beni (1998) defende que o turismo proporciona uma experiência
cultural que enriquece tanto a população visitada, quanto os visitantes, promovendo
o desenvolvimento não apenas na área econômica, mas também na social e
cultural. Nessa dimensão, o turismo abre perspectivas para a valorização e
revitalização de aspectos culturais de diferentes grupos sociais através de um
segmento da atividade denominado Turismo Cultural.
O Turismo Cultural abrange o campo das experiências humanas,
proporcionando uma relação de troca mútua entre visitantes e comunidade visitada.
A utilização de bens culturais - como os monumentos históricos - pela
atividade turística tem possibilitado além do incremento econômico de diversas
localidades, a possibilidade de sobrevivência desse patrimônio, uma vez que a sua
1 Produto Interno Bruto - indicador econômico que representa a soma dos valores de todos os bens produzidos por um país, em determinado período. 2 Dados extraídos da EMBRATUR, Dados e fatos/ Receita cambial gerada pelo turismo 1996-2005. Disponível em www.embratur.gov.br/dadosefatos
salvaguarda está diretamente ligada ao desenvolvimento da atividade, preocupando-
se assim, com a preservação e manutenção desses bens.
Nessa perspectiva, essa pesquisa buscou estabelecer uma interface entre o
patrimônio histórico-cultural arquitetônico de Morro de São Paulo e o turismo, com
vistas a inserir esse patrimônio no desenvolvimento turístico local, como uma
alternativa para a preservação dos monumentos existentes no povoado e
dinamização da atividade turística.
Geograficamente localizado na Ilha de Tinharé, em Cairu- Bahia, Morro de
São Paulo tem uma relevante e efetiva participação na construção histórica da Bahia
e do Brasil.
O marco de sua fundação remonta ao século XVI, quando da chegada em
seu território da frota portuguesa comandada por Francisco Romero, que veio a
mando do donatário da Capitania de São Jorge de Ilhéus para tomar posse da terra.
No intuito de erguer uma vila para se tornar o centro administrativo da Capitania, a
localidade foi escolhida por causa de sua localização estratégica. Entretanto, o
fidalgo português decide procurar outro espaço para levantar a sede, mas deixa um
contingente de homens no território que erguem a vila de Morro de São Paulo.
A partir de então, o povoado ganhou importância ao longo da história,
principalmente por sua privilegiada localização geográfica, situado na então
chamada “entrada falsa” para a Baía de Todos os Santos. Essa localização
estratégica do território foi amplamente utilizada no período colonial como ponto de
escoamento de mercadorias que vinham de diversas localidades com destino a
Salvador. O povoado destacou-se também como importante ponto de defesa do
litoral brasileiro em diversos momentos da história nacional.
A sua relevância histórica pode ser percebida através da sobrevivência, no
tempo e no espaço, de diversos monumentos arquitetônicos dos séculos XVII, XVIII
e XIX, como a Fonte Grande, considerada o maior sistema de abastecimento da
Bahia colonial, o Forte, que ainda conserva grande parte de suas muralhas, além de
ruínas de diversas edificações que compunham esse conjunto arquitetônico, a Igreja
de Nossa Senhora da Luz, a padroeira da localidade, concluída em 1845, que
guarda relíquias dos séculos XVII e XVIII, dentre outros.
Economicamente, o povoado sobreviveu da produção da farinha e de material
de construção, transformando-se depois em vila de pescadores. Entre as décadas
de 60 e 70 do século passado foi descoberto por hippes e mochileiros, na década de
80 passou a receber veranistas e na década de 90 consolidou-se como importante
destino turístico da Bahia.
Por acreditar que o turismo abre possibilidades para a preservação e
manutenção do patrimônio histórico, que sem recursos públicos ou privados
estariam fadados ao desaparecimento, e tendo como base a hipótese de que Morro
de São Paulo apresenta elementos culturais potenciais que trabalhados e
restaurados podem se transformar em atrativo turístico, esse estudo teve como
objetivo geral analisar o patrimônio histórico arquitetônico de Morro de São Paulo
como possibilidade de otimização da atividade turística na localidade, através do
desenvolvimento do Turismo Cultural.
Como objetivos específicos buscou-se descrever e analisar o inventário do
patrimônio histórico-cultural do povoado de Morro de São Paulo; identificar a história
de cada monumento; destacar os mais visitados ou mais conhecidos pelos turistas
e estabelecer a relação existente entre a comunidade local e o seu patrimônio.
As técnicas e procedimentos metodológicos utilizados para alcançar os
objetivos propostos pela pesquisa foram o levantamento bibliográfico, que
fundamentou teoricamente os conceitos empregados no decorrer do trabalho, além
de coleta de dados primários, através de pesquisa de campo e observação in loco,
que possibilitou uma proximidade com o objeto de estudo. A análise das
informações levantadas foram realizadas a partir de uma abordagem qualitativa e
quantitativa, seguida de uma descrição analítica dos fatos observados e dos dados
coletados.
Para a fundamentação teórica, alguns conceitos foram utilizados visando
definir as linhas de pensamento em que se baseou a pesquisa, que teve como foco
inicial analisar a produção de determinado grupo humano a partir de uma vivência
compartilhada, e como essa produção tem sido utilizada pela atividade turística na
atualidade, a partir da relação estabelecida entre cultura e turismo.
Dessa forma, por compreender que os fenômenos culturais são sistemas de
signos elaborados pelo próprio homem para construção da vida em sociedade em
seus aspectos materiais ou imateriais, o conceito de cultura assumido nessa
pesquisa é um conceito semiótico, que analisa os sistemas culturais como sendo
sistemas de significação que direcionam a vida social, tendo como base o
antropólogo estadunidense Clifford Geertz, (1989, p.15), que pauta-se em uma
corrente antropológica contemporânea, denominada de Antropologia Hermenêutica
ou Interpretativa para compreender os fenômenos culturais:
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.
Nessa perspectiva, a análise sobre a comunidade de Morro de São Paulo e a
sua relação com os aspectos materiais da sua cultura, aqui representado pelo
patrimônio histórico-cultural arquitetônico, foi de cunho interpretativo, aberta a outras
interpretações a partir de novos olhares sobre a realidade observada.
Outro conceito essencial para a construção teórica desse estudo foi o de
patrimônio histórico-cultural. Para tanto, buscou-se compreender a noção de
patrimônio na contemporaneidade, que expressa, acima de tudo, uma construção
cultural que marca a trajetória histórica de grupos sociais específicos:
Estamos (re)apreendendo a olhar para o patrimônio como um bem que representa identidade e que exterioriza o valor de uma cultura, de algo que pode ser a expressão de uma conjuntura histórica, a leitura de uma concepção social ou a manifestação de uma tradição. (REIS, [s.d])
Legado a posteridade, esse patrimônio serve como referência de uma cultura
e suporte para uma memória que atue como mecanismo de identidade para os
indivíduos que compõem esses grupos sociais.
Entretanto, a inserção da cultura, a partir dos seus monumentos, em uma
atividade dinâmica como o turismo, requer uma visão holística da atividade que
contemple variados aspectos, que não o meramente econômico. Para justificar a
relação cultura e turismo proposta pela pesquisa, adotou-se o conceito elaborado
por Marustscha Moesch (2000, p.09):
Turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre produção e serviços , em cuja composição integram-se uma prática social com base cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório dessa dinâmica sociocultural gera fenômenos, recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese: o produto turístico.
A partir dessa concepção, o turismo afasta-se do foco meramente
economicista, e passa a ser abordado também através do foco de sociabilidade que
envolve a comunidade visitada e os turistas, demonstrando que a atividade é, acima
de tudo, relação humana, troca de vivências e experiências sociais e culturais,
compartilhadas por todas as partes envolvidas nesse processo.
Fundamentada a parte teórica, passou-se para a segunda etapa da pesquisa,
composta pelo levantamento de dados primários e observação in loco, que teve
como primeiro grupo de análise a comunidade local.
Para tanto, vale ressaltar que comunidade local está sendo entendida nesse
estudo como o conjunto de pessoas que nasceram e viveram na localidade, bem
como todos aqueles que se fixaram no território mesmo sem ter esse vínculo
original, mas mantém uma relação afetiva com o espaço que escolherem para viver
e trabalhar. Para fundamentar essa percepção, recorreu-se a concepção elaborada
por Eduardo Yázigi em seu livro A alma do lugar, que defende que aos moradores
nativos “se associam todos os que têm sua vida fixa nesses lugares, mesmo que
sem tanta antiguidade” (YÁZIGI, 2001, p.23).
Assim, tendo como objetivo avaliar a percepção dos moradores em relação
ao patrimônio histórico arquitetônico da localidade, bem como a existência de um
vínculo que pudesse evidenciar esse patrimônio enquanto suporte de identidade e
memória, foram coletados 12 depoimentos orais de moradores de Morro de São
Paulo, através de amostra não-probabilística por julgamento, que segundo Dencker
(1998, p.179) é o tipo de amostragem “pela qual um especialista seleciona o que
acredita ser a melhor amostra para o estudo de um determinado problema.”
Para analisar a percepção dos turistas acerca desse patrimônio, foram
aplicados 428 questionários entre os dias 27 de dezembro de 2004 a 02 de janeiro
de 2005 em pontos estratégicos do povoado, com perguntas abertas e fechadas,
através de amostra probabilística aleatória simples, que consiste em um método
direto de coleta de dados em que cada componente da população analisada tem a
mesma probabilidade de ser selecionado para compor a amostra (LAKATOS;
MARCONI,2005). Para estabelecer melhor a amostragem, recorreu-se a
sistematização de tempo, utilizando-se o critério da exaustão, definindo os horários
de coleta de dados entre as 8:00 e 12:00 da manhã e 14:00 e 18:00 da tarde, sendo
entrevistadas o máximo possível de pessoas no espaço e no tempo determinado.
A observação in loco ocorreu em diversos períodos entre os anos de 2004 a
2006 (27 a 30 de setembro de 2004; 16 a 22 de março de 2005; 25 de setembro a
25 de outubro de 2005 e 21 de junho a 13 de julho de 2006). Essa etapa da
pesquisa compreendeu na observação da realidade por parte do pesquisador e
integração com a comunidade local e os turistas que visitavam o povoado, tentando
colher informações e percepções dessas pessoas acerca do patrimônio histórico-
cultural e da atividade turística desenvolvida na localidade.
O estudo está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo apresenta
uma discussão teórica acerca dos principais conceitos utilizados na pesquisa,
tomando como ponto de partida os embates ocorridos no século XIX acerca do
conceito de cultura e que afeta diretamente a noção de patrimônio que será
elaborada a partir de então, além de discussões acerca da percepção de turismo na
atualidade. Discorre também sobre as políticas e ações de preservação patrimonial
no Brasil e no mundo.
O segundo capítulo analisa o percurso de salvaguarda do patrimônio
histórico-cultural no cenário baiano. Discorre sobre a trajetória histórica do povoado
de Morro de São Paulo, desde o século XVI com a chegada dos portugueses, até os
dias atuais, quando se afirmou como importante pólo turístico da Bahia, e apresenta
o inventário dos monumentos históricos-culturais encontrados na localidade.
O terceiro e último capítulo realiza uma análise sobre a percepção da
comunidade local sobre o legado cultural ainda existente no povoado, bem como a
percepção dos turistas acerca desses bens. Analisa ainda as ações do Programa de
Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR) em Morro de São Paulo, e
a inserção do patrimônio histórico-cultural no desenvolvimento turístico.
Nas considerações finais, são apresentadas as percepções da pesquisa
diante da proposta inicial desse projeto de analisar o turismo como vetor de
preservação do patrimônio histórico-cultural na realidade enfocada.
2 – PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL: memória, identidade, cultura e
turismo
2.1 – Entre História e Cultura: a consagração do Patrimônio enquanto categoria
do pensamento
À luz de um novo tempo marcado por um processo profundo de rupturas e
construções, a segunda metade do século XVIII configurou-se como um período de
renascimento nas áreas do conhecimento, na estruturação social, econômica,
política e cultural, o qual se estendeu por todo o século XIX. O palco desses
acontecimentos que impactaram diretamente sobre o mundo todo foi a Europa, mais
precisamente a França e a Inglaterra, espaços onde desencadearam os fatos que o
historiador egípcio Eric Hobsbawm (2004) chamou da dupla revolução: a Francesa e
a Industrial.
Esses episódios representaram a conformação de um momento histórico
caracterizado não apenas pelas transformações industriais e do despertar da
consciência política das massas populares, mas, acima de tudo, pela emergência de
um novo mundo, lançando assim um outro olhar sobre a humanidade e sua forma de
organizar a vida social. Sobre essa dupla revolução, Hobsbawm (2004, p.16) afirma:
Constitui a maior transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem inventou a agricultura e a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado. Esta revolução transformou, e continua a transformar, o mundo inteiro.
Os impactos desses acontecimentos começaram no próprio espaço físico
onde eles se circunscreveram. A Inglaterra assistiu a uma transformação significativa
nas cidades decorrentes da era industrial que emergia. Uma nova realidade se
apresentava aos olhos de quem presenciava as mutações no panorama urbano
inglês, aceleradas pelo avanço das indústrias. A França viu ruir por terra marcas que
representavam o seu passado histórico, causadas por questões ideológicas que
intentou fazer desaparecer do espaço elementos que pudessem referenciar um
momento que a nova ordem vigente buscou apagar. Mudou-se o tempo e mudaram-
se as paisagens.
Na busca por compreender o universo que se abria trazendo consigo algumas
implicações, a difusão e construção de conceitos também foi uma marca desse
período. Assim, paralelo aos acontecimentos econômicos e políticos, o campo
científico também sofreu mudanças expressivas.
A construção do novo acarretou outras preocupações para as sociedades
desses séculos, onde muitas delas só poderiam ser analisadas e compreendidas à
luz das ciências. As mutações estruturais e conjunturais afetaram diretamente a
percepção do indivíduo sobre si mesmo, levando-o a reflexão sobre o seu papel
enquanto ser social. Cuche (2002) afirma que nesse contexto, as Ciências Sociais
buscaram espaços para a sua afirmação no campo científico, tendo como foco
principal do seu estudo o homem em suas relações interpessoais e com o meio
natural. Assim, intentaram entender o homem em sua relação consigo mesmo, com
o seu grupo, com o seu universo, tentando desvendar os significados na forma que
encontraram para conduzir a sua existência em tempos e espaços distintos.
Estiveram alicerçadas nos limites do abstrato: nas idéias, crenças, mentalidades,
pensamentos e sentimentos que se configuraram em materialidades e expressões
que devem ser compreendidas para que se possa entender esse universo complexo
denominado Humanidade.
Como base de análise e estudo para as Ciências Sociais, alguns conceitos
essenciais para a compreensão do homem nessa conjuntura histórica precisaram
ser estabelecidos ou reformulados.
As demarcações conceituais são construções que refletem o seu tempo e
carregam em si as limitações que esse mesmo tempo impõe sobre aquilo que se
quer afirmar através de explicações concisas dos fenômenos. Dessa forma,
Nietzsche (2001, p. 14) declara que todo conceito é reducionista, configurando-se na
cristalização de uma metáfora que só pode ser analisada dentro do contexto que o
criou:
Assim como os romanos e os etruscos dividiram o céu segundo linhas matemáticas estritas e destinaram este espaço assim delimitado para templum de um deus, assim também todo povo possui um céu conceitual semelhante a que está adstrito; a exigência da verdade significa então para ele que todo conceito, a exemplo de um deus, somente dever ser procurado na sua própria esfera.
Nessa perspectiva, cada realidade impõe a necessidade de se formular
conceitos como uma maneira de materializar em palavras os acontecimentos que se
pretende compreender, outorgando sempre formulações divergentes na
categorização de um mesmo fenômeno para não incorrer no erro da tautologia.
Analisando os conceitos como categorias de pensamento que refletem um tempo
específico, seu entendimento não deve se dar desfocado da totalidade em que ele
foi formulado.
Com a eclosão da dupla revolução, a intelectualidade européia sentiu a
necessidade de celebração de conceitos que permitissem apreender o universo que
se descortinava diante dos eventos que estavam acontecendo sucessivamente.
Nesse momento há a ampliação e demarcação conceitual de termos como cultura,
monumento, patrimônio, ideologia, memória, identidade, aculturação, dentre outros.
Termos sem os quais seria impossível entender a realidade que se delineou na
transição do século XVIII para o século XIX, e as implicações que acarretou na
compreensão desses conceitos na contemporaneidade.
Nesse período, em meio à ebulição econômica, social, política e cultural, um
conceito é evocado na tentativa de redirecionar a evolução nos grandes centros
urbanos da época: o de patrimônio.
Sobre os impactos diretos das transformações ocorridas nas paisagens
urbanas, discussões, acerca do patrimônio, foram suscitadas demonstrando assim
uma incipiente preocupação com o legado deixado pelas antigas civilizações.
Para isso, necessário se fez que o ponto inicial se desse com a compreensão
do que seria patrimônio, desde a sua primeira acepção até a construção do conceito
que emergiu no final do século XVIII:
Muitos são os estudos que afirmam constituir-se essa categoria em fins do século XVIII, juntamente com os processos de formação dos Estados nacionais, o que é correto. Omite-se, no entanto, o seu caráter milenar. Ela não é simplesmente uma invenção moderna. Está presente no mundo clássico e na Idade Média, sendo que a modernidade ocidental apenas impõem os contornos semânticos específicos que, assumidos por ela, podemos dizer que a categoria “patrimônio” também se faz presente nas sociedades tribais. (GONÇALVES, 2003, p. 22)
A trajetória de afirmação do patrimônio no campo conceitual é marcada por
mutações e afirmações do que ele representou para cada período da história em
que esteve em discussão o seu significado.
Etimologicamente a palavra patrimônio remete à antiguidade, tendo em sua
raiz o termo em latim pater, relativo a pai, pátria. Kersten (2000) afirma que a
construção do conceito de patrimônio estruturou-se na junção dos termos grego
Kleronomia –posse e mnéïmon – memória que advém do objeto, do latim
monumentum – obra do passado ou edificação comemorativa e do alemão Denkmal
( Denk – o ato de pensar sobre/ Mal – marca) e Kuturget – herança de uma
civilização. Esse processo resultou na acepção clássica da palavra, definida como
sendo a herança que se recebe do passado, e que serve como referência para uma
sociedade.
Entre o final do século XVIII e início do XIX a valorização do patrimônio e a
preocupação com a sua preservação ganharam força após os episódios
considerados como momentos de destruição do legado cultural que possuía
representatividade para as sociedades em que se circunscreviam. Na Revolução
Francesa, a destruição do patrimônio foi impulsionada por questões ideológicas,
motivada pelo desejo de destruir tudo que pudesse fazer alusão ou referenciar
aquilo que eles combatiam, simbolizado pelo Antigo Regime; na Industrial, por
caracterizar um processo de transformação urbana, onde a urgência de criação de
novos espaços acarretou o desaparecimento de outros.
Na iminência da perda, as atenções voltam-se para o patrimônio e sua
preservação, com abertura de um campo de estudo com ênfase à problemática, que
se inicia com a formulação de um conceito que refletisse o que a sociedade da
época passou a entender como sendo patrimônio.
Dessa forma, a compreensão de patrimônio nesse contexto esteve ligada ao
conceito de monumento, associado aos aspectos de monumentalidade, dando-se
ênfase apenas aos bens arquitetônicos e obras de grande expressão artística
(PELLEGRINI FILHO,1997). Ao termo patrimônio foi acrescentado o adjetivo
histórico, e o seu valor era determinado pelo critério de antiguidade, ou seja, tudo
que se referisse a um tempo remoto, em especial às civilizações greco-romanas. A
percepção do patrimônio esteve centrada principalmente nos grandes monumentos
que representavam a materialidade do fazer humano, enfatizando assim os bens de
“pedra e cal”.
A concepção de patrimônio histórico ligava-se aos marcos que representavam
os grandes fatos, sob uma ótica singular e hegemônica. A escolha daquilo que
constituía o patrimônio estava alicerçado na memória e relacionada à idéia de nação
e identidade; a formação dos Estados-Nação vai reivindicar a sobrevivência do
patrimônio histórico enquanto ponto de referência para a construção da identidade
nacional:
Foi a idéia de nação que veio garantir o estatuto ideológico (do patrimônio), e foi o Estado nacional que veio assegurar, através de práticas específicas, a sua preservação (...). A noção de patrimônio se inseriu no projeto mais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos estados-nação modernos. (FONSECA, apud SANTOS, p. 1)
O patrimônio passou então a fazer parte de um mecanismo ideológico de
identificação, de reconhecimento e construção de uma identidade, a partir de
elementos concretos que pudessem inscrever em si um tempo e uma estruturação
social. Já nesse período, a sobrevivência desse patrimônio passa por um critério de
seleção daquilo que deveria permanecer no tempo como legado para as gerações
presente e futura.
No século XIX, a evolução do significado de patrimônio acompanha a
evolução do significado de cultura, que representava então tudo aquilo que era
produzido a partir de uma vivência compartilhada. Assim, sua compreensão ganha
novas dimensões, passando a referir-se às construções representativas de uma
coletividade com significados definidos na vida social, com vistas a mudança na
própria nomenclatura dessa categoria, que passou a ser definida como patrimônio
cultural:
As instituições e organizações internacionais levaram o termo patrimônio a uma dimensão planetária ao criar a categoria patrimônio histórico da humanidade. Esta categoria remete à possibilidade de diálogo entre as diferentes culturas e supõe que, apesar das profundas divergências, possam estabelecer parâmetros e critérios comuns. Com isso, reconhecem que elementos pertencentes a sociedades e culturas particulares são importantes para a humanidade como herança comum. O termo patrimônio estava, assim, teoricamente ligado ao conceito antropológico de cultura. Ao incorporar o termo cultural, incluindo as dimensões testemunhais do cotidiano, a nova noção – Patrimônio Cultural – superou a redução que o fazia perder a abrangência de sentido. (KERSTEN, 2000, p.33)
Essa concepção mais ampla de patrimônio foi diretamente influenciada pelos
debates acerca do conceito de cultura que estavam acontecendo paralelamente nas
Ciências Sociais. Contra a visão reducionista evocada apenas pelo aspecto
histórico, o patrimônio passa então a ser entendido como expressão de cultura e
identidade, construído dentro de uma conjuntura histórica, revelando uma
concepção sócio-cultural em que as construções materiais e imateriais são
influenciadas pelas idéias reinantes à época e pelas necessidades impostas pelo
momento, com a capacidade de referenciar um grupo humano no seu espaço:
Uma visão inicial reducionista que enfatizava a noção de patrimônio nos aspectos históricos consagrados por uma historiografia “oficial”, centrada em episódios bélicos e figuras paradigmáticas – quando não em recortes cronológicos arbitrários- foi se projetando até uma nova perspectiva mais ampla que inclui o “cultural”, incorporado ao “histórico” as dimensões testemunhais do cotidiano e os feitos intangíveis. (GUTIÉRREZ, 1992, p.121)
Esse diálogo com as Ciências Sociais possibilitou a percepção do patrimônio
enquanto elemento de vinculação entre indivíduo e grupo social a partir das suas
construções culturais realizadas ao longo do tempo, e serviu de estímulo para a
memória que encontrou no patrimônio um espaço de se revelar e constituir a
identidade cultural dos grupos sociais, agregando à idéia de patrimônio o sentido de
valor, por ser ele a representação de uma construção social, atuando como símbolo
que reforça o sentimento coletivo de identidade.
2.2 – O patrimônio enquanto referência de memória e identidade
A relação entre patrimônio e memória inicia-se a partir do momento em que a
memória busca instrumentos que lhe permitam evocar um fazer humano que possa
revelar a tridimensionalidade do tempo, consagrando-o entre o passado, presente e
futuro. Essa relação ganha contornos diferenciados conforme a temporalidade e as
intenções que a intermediam, servindo como suporte para a conformação de
identidades.
Assim, após a Revolução Francesa a memória passou a ser evocada com o
sentido de “comemorar a nação”, através dos monumentos nacionais e dos fatos
que exaltavam a revolução. Passou-se a estabelecer então os espaços e momentos
de celebrar a nação, partindo-se daquilo que seria significativo para a unificação
nacional. Nesse período surgiu uma nova percepção sobre a memória, que esteve
até aquele momento ligada apenas à idéia de recordação. Nesse novo paradigma, a
constituição da memória baseava-se não apenas nas lembranças, mas também nos
esquecimentos, ela se expressava não apenas através das palavras, como também
nos silêncios.
Sobre essa função dialética da memória durante a Revolução Francesa,
Jacques Le Goff (1996) explica que os fatos comemorados foram selecionados, e
que se fixaram no calendário da revolução apenas os momentos que poderiam ser
considerados gloriosos, como no caso do 14 de julho que representa a queda da
Bastilha, prisão que simbolizava o Antigo Regime combatido pelo movimento. Em
compensação, os momentos que poderiam caracterizar a revolução como um
episódio sangrento e cruel foram totalmente suprimidos do calendário, como o 21 de
janeiro, dia que marca a execução de Luís XVI, porque não fazia sentido para a
nação francesa celebrar ou rememorar tais fatos.
Ao fazer essa análise sobre a França revolucionária, o autor refere-se a esses
acontecimentos como sendo a “comemoração impossível”, aquilo que a nação
deseja esquecer para que não venha a macular a sua história.
Em relação ao patrimônio histórico–cultural, foram eleitos aqueles que
pudessem referenciar a ideologia hegemônica da nova ordem que insurgia. Sobre
esse aspecto, Camargo (2002, p.13) declarara que esses “embates entre ideologias
distintas podem produzir a necessidade de fazer desaparecer monumentos que
simbolizam os opositores a quem se quer combater”, como o que aconteceu durante
a Revolução Francesa, e que continuou no cerne das estratégias de preservação
patrimonial até meados do século XX.
Intrínseco à ação natural das recordações, elemento primordial da memória, o
esquecimento faz-se presente através do processo de seleção dos monumentos e
dos fatos que se quer legar para a posteridade e que são suportes para a ação
mnemônica. Quando um indivíduo ou uma coletividade vai rememorar as
experiências vividas, automaticamente seleciona os fatos e os elementos que se
consagram como componentes essenciais da sua história. Daí, consciente ou
inconscientemente, outros resquícios ou acontecimentos são omitidos, negados,
silenciados, esquecidos, destruídos.
Na evolução do conceito de memória, ela passa a ser considerada também
como suporte da identidade. Na busca pela identificação com o grupo social no qual
se encontram inseridos, os indivíduos recorrem à memória na tentativa de dar
sentido à sua história e às suas origens. Jacques Le Goff (1996, p.476 ) afirma
que:
A memória é um elemento essencial do que costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e da sociedade hoje, na febre e na angústia.
Assim, a memória se concretiza no registro mental do acontecido que pode
adquirir materialidade ou não, e que é transmitido de geração a geração, moldando,
a partir daí, a identidade de um povo.
A identidade cultural, fator adquirido no processo de sociabilidade,
caracteriza-se pela capacidade de referenciar os membros de uma cultura, ao
mesmo tempo em que serve de referência para outros grupos culturais. É através da
identidade que os indivíduos vêem e são vistos dentro de uma ótica cultural definida
pelas escolhas dos elementos simbólicos que elegeram como marca identitária
:
Las identidades son construcciones simbólicas que involucran representaciones y clasificaciones referidas a las relaciones sociales y las prácticas, donde se juega la pertenencia y la posición relativa de personas y de grupos en su mundo. De este modo no se trata de propiedades esenciales e inmutables, sino de trazos clasificatorios auto y alteratribuidos, manipulados en función de conflictos e intereses en pugna, que marcan las fronteras de los grupos, así como la naturaleza y los límites de lo real. No se trata de una cualidad perenne transmitida desde el fondo de los tiempos, sino de una construcción presente que recrea el pasado con vistas a un porvenir deseado. (BAYARDO, p.2)
A identidade se coloca no campo do re-conhecimento, do se reconhecer
enquanto indivíduo de uma cultura, conhecendo suas manifestações através do agir,
do produzir e do construir que caracterizam o grupo social do qual o indivíduo se
sabe pertencente, bem como do reconhecimento dos elementos que constituem o
patrimônio histórico-cultural desse grupo. Assim, a identidade firma-se nos limites do
pertencimento, do saber e sentir-se membro de um determinado mecanismo social,
reconhecendo em seus elementos tangíveis e intangíveis a expressão da sua
cultura.
A memória atua como suporte da identidade e é através dela que o
sentimento de pertencimento é aguçado. Sobre a relação memória e identidade,
Ulpiano Meneses ( 2000, p.185) declara: “ É a memória que funciona como
instrumento biológico- cultural de identidade, conservação, desenvolvimento, que
torna legível o fluxo dos acontecimentos”.
Apreender a cultura e as identidades nela conformadas é perceber o que os
homens fazem e como eles pensam em sua vida cotidiana, dentro de uma vivência
compartilhada, estabelecendo uma identidade a partir daquilo que o grupo seleciona
como sendo fundamental da sua história e da sua construção cultural que não se
encontra, necessariamente, em um passado remoto, mas que se revela dentro do
fluxo das vivências, com delimitações de espaços reais ou imaginados de ações e
construções da realidade.
Nessa perspectiva, o patrimônio histórico-cultural atua como elemento de
evocação da memória e conformação de identidades, reforçando os sentimentos de
pertencimento. Sua preservação configura-se na expressão de reconhecimento de
um passado comum compartilhado por todos os membros do grupo.
Na construção dos Estados-Nação, a concepção de identidade esteve
estritamente vinculada à nacionalidade a partir da constituição de uma marca
identitária única que seria a identidade nacional, capaz de referenciar a nação como
um todo, definida dentro de fronteiras espaciais oficialmente demarcadas.
A seleção do legado histórico-cultural representativo de um estado nacional
dava-se dentro de uma perspectiva hegemônica e de uma forma globalizante,
anulando a pluralidade cultural existente no interior da própria nação. Isso tornou-se
um fator de conflito, uma vez que muitos grupos que compartilhavam um território
comum sentiam-se excluídos da construção da identidade nacional.
A partir da segunda metade do século XX, no momento histórico conhecido
por pós-modernidade - movimento que surgiu no início dos anos sessenta e que era
contrário ao universalismo e ao elitismo, valorizando o particularismo, o
regionalismo, o pluralismo e a diferença - cria-se um espaço para que esses grupos
minoritários reivindiquem sua identidade e os marcos de referência dessas
construções identitárias.
Esse momento também é marcado por transformações estruturais e
conjunturais que ocorrem em todo o mundo, que redireciona diversos aspectos da
vida em sociedade, afetando diretamente a economia, a cultura, a política e a
tecnologia.
No limiar de um novo tempo, uma nova ordem mundial marcada pela
velocidade da informação e desenvolvimento tecnológico dá as diretrizes de uma
sociedade multifacetada, globalizante e globalizada. Estava lançada a base daquilo
que nos anos seguintes seria compreendido como o “jogo das identidades” em que
o homem, absorvido pela nova realidade sócio-cultural, muda o foco sobre si
mesmo, descobre-se um indivíduo de identidades múltiplas, que nem sempre serão
convergentes, mas também complementares:
Neste final de século, fala-se muito em crise de identidade do sujeito. O homem da sociedade moderna tinha uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural. Mas uma mudança estrutural está fragmentando e deslocando as identidades culturais de classe, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade se antes as identidades eram sólidas localizações, nas quais os indivíduos se encaixavam socialmente, hoje elas se encontram com fronteiras menos definidas que provocam no indivíduo uma crise de identidade.( HALL, 2001 p.9)
Diante dessa nova realidade, as referências identitárias começam a ser
elaboradas a partir do confronto entre o global e o local, a unificação e a
fragmentação na forma de construir as identidades culturais do sujeito
contemporâneo.
Esse momento de ruptura marca também uma fase de busca de espaços em
que as culturas, através das identidades nelas construídas, possam se afirmar,
reconhecendo e valorizando suas particularidades. Para isso, faz-se necessário um
encontro entre os indivíduos e os elementos que constituem seu sistema cultural,
processo fundamental para a integração entre homem e cultura por meio da
identidade:
No século XX a sensação de fragmentação da identidade, da perda das referências culturais, despertou no homem o desejo de “retorno a algo perdido”, ou seja, a necessidade de buscar manifestações culturais que pertencem a seu passado vivo, a comportamentos que deixaram de ser comuns, pois o frenesi contemporâneo exige atitudes da sociedade globalizada. Pertencer a uma identidade cultural significa descobrir-se, ser diferente dos comportamentos globais. (REIS, p.7)
A homogeneização geradora de uma cultura globalizada vai despertar a
necessidade de reconhecimento do indivíduo enquanto ser social. Nessa
perspectiva, a afirmação da identidade passou a ser a marca distintiva entre os
grupos, o lugar comum de desenvolvimento de uma consciência de pertencimento,
firmada em referenciais culturais capazes de revelar as especificidades e as
diferenças como marcas identificadoras de seus membros.
Entretanto, a identidade necessita de alguns suportes que possam ligar seus
indivíduos a sua cultura em uma construção contínua e permanente do sentimento
de pertencimento, de se saber integrado a uma estrutura social capaz de situar os
homens em um tempo e um espaço. A fragmentação da identidade gerou uma
necessidade de referência do indivíduo contemporâneo, que encontrou na memória
o sustentáculo principal de identificação.
A memória é vivificada pela coletividade, que a reivindica para conformar a
sua identidade e reforçar o sentimento de pertença. Assim, os grupos sociais
buscaram ter acesso a uma memória presente no viver cotidiano, como suporte de
ligação entre os homens e a cultura.
Na sociedade da segunda metade do século XX a memória tem a função de
ratificar um passado que parece estar sempre em ruptura com o presente. Nessa
dimensão, ela “unifica” os tempos, dando sentido a existência humana. Ela é viva e
dinâmica, marca um elo entre o passado e presente, ao mesmo tempo em que
projeta um futuro identificável para os grupos sociais.
Para a sua afirmação, a identidade precisa ser estimulada pela memória, que
muitas vezes recorre a alguns suportes externos para que esse processo seja
constantemente reavivado. Dentre esses suportes que a memória busca para
reforçar o sentimento de identidade, encontra-se aquele que Pierre Nora (1993)
convencionou chamar de “lugar de memória”:
Para Nora, os lugares de memória são espaços criados pelo indivíduo contemporâneo diante da crise dos paradigmas modernos, e que com
esses espaços se identificam, se unificam e se reconhecem agentes de seu tempo. (ARÉVALO, 2005, p.5)
A memória, através dos seus lugares, aguça o sentimento de pertencimento,
aquilo que Nora vai definir como sendo o princípio e segredo da identidade. E assim,
torna-se a base de encontro e referência para o indivíduo fragmentado da sociedade
contemporânea.
A evocação da memória para a afirmação das identidades tornou-se um
emblema do final do século XX, marcado pela celeridade da informação, onde o
novo torna-se obsoleto em um curto espaço de tempo, diluindo as referências do
passado frente a um processo continuo de transformação.
Na dinâmica do novo, reconstituir a memória através dos seus lugares
configurou-se na possibilidade de estabelecer um alicerce para as identidades dos
grupos sociais. Os lugares de memória podem assim ser entendidos como os
espaços em que as lembranças podem ser ressuscitadas, evidenciando práticas
culturais coletivas.
O lugar de memória é o território que marca um encontro entre o presente e o
passado a partir dos resquícios que sobreviveram no tempo, e estabelece um
vínculo de pertencimento entre diferentes gerações de uma mesma sociedade. Ele
existe porque é latente ao ser humano salvar esse passado, mesmo que
inconscientemente, para que ele possa ter uma referência no seu universo. É um
mecanismo que invoca, acima de tudo, à lembrança, ao não esquecimento, o que
imortaliza os tempos idos, para que se possa compreender e se identificar no
presente, em uma sociedade de mutações profundas e constantes, nesse processo
permanente de busca dos indivíduos contemporâneos pela sua identidade cultural:
O apelo que nossa sociedade faz de preservação de sua memória é, em última instância, a necessidade de reconstituição de si mesma, encarada como algo formado do passado para o presente, por isso, preservar vestígios, trilhas, fósseis, etc. (ARÉVALO, 2005, p.3)
Os lugares de memória são fragmentos de um tempo que devem ser
preservados e interpretados a fim de que possa compreender um momento anterior
de construção da vida social do qual a sociedade atual é o resultado.
Nessa categoria, classificam-se aqueles lugares que foram criados com a
intenção de guardar a memória: centros de documentação, memoriais, bibliotecas,
museus, acervos e aqueles que naturalmente remetem a um passado: edificações,
objetos, artefatos. Nessa percepção, o patrimônio histórico-cultural inscreve-se na
lista dos lugares de memória pela intrínseca capacidade que possui de referenciar
um tempo e uma cultura, conformando assim as identidades. E nessa
perspectiva, sua permanência no tempo e no espaço, através da sua preservação,
torna-se uma necessidade para as sociedades que buscam em seu patrimônio o elo
de encontro entre o presente, passado e futuro.
2.3 – Cursos e percursos: a trajetória de políticas de preservação do
patrimônio histórico-cultural
Ao reconhecer o valor do patrimônio histórico-cultural enquanto referência
individual e coletiva, sua preservação torna-se um fator relevante para as
sociedades do final do século XVIII.
Assim, a Inglaterra e em seguida a França iniciam um processo de
valorização e busca pela preservação daquilo que representa os vestígios da
construção histórica das coletividades, pautando-se em ações sistemáticas de
preservação desses bens, que logo são adotadas por outros países. (Choay, 2001)
Um século depois os debates se ampliam trazendo à luz conceitos como o de
proteção, conservação, restauração, intervenção e revitalização. A Europa continuou
no centro das discussões. Não era necessário apenas discorrer sobre a necessidade
de preservação desses bens, mas acima de tudo elaborar estratégias que
garantissem a sua sobrevivência no tempo e no espaço.
A partir daí, a proteção do patrimônio rompe as barreiras geográficas dos
países, inscrevendo-se em âmbito internacional. Encontros, congressos e
conferências, com envolvimento de diversos organismos públicos e privados
interessados na salvaguarda do legado histórico-cultural da humanidade são
realizados, dando origem a declarações e recomendações que culminaram em
políticas públicas para a preservação do patrimônio, norteando as ações
preservacionistas voltadas ao legado das civilizações. A preservação do patrimônio
cultural da humanidade recebe a tutela de normas internacionais:
Ao longo do século XX, a proteção internacional dos bens culturais imóveis ocorre em três níveis: direito internacional – caracterizado pelas grandes conferências diplomáticas convocadas para o debate de problemas globais, até mesmo para a adoção de convenções multilaterais; organizações não governamentais – realização de congressos internacionais de arquitetos e restauradores que adotaram diretrizes relacionadas à proteção dos bens culturais; direito das organizações internacionais – instituições de convenções internacionais, elaboradas e adotadas segundo procedimentos estabelecidos pelas organizações internacionais.( SILVA, 2003, p.49)
Nesse período inicial de institucionalização de órgãos e fundamentação de
legislação específica voltadas à questão patrimonial, as diretrizes oficiais
relacionadas à garantia de sobrevivência do patrimônio histórico-cultural enfatizavam
o bem imóvel, representado pelas obras arquitetônicas. A valorização do tangível
esteve durante muito tempo na base das estratégias preservacionistas, em
detrimento dos bens intangíveis que só mais tarde serão incorporados à categoria
de patrimônio.
Entretanto, era necessário criar mecanismos que garantissem a salvaguarda
do patrimônio histórico-cultural, evitando sua destruição:
Desde o início do século [20], as primeiras medidas estatais protetoras dos bens culturais influenciaram a formulação de instrumentos jurídicos internacionais de proteção, a exemplo do inventário. Os casos mais exemplificativos são o Reino Unido, com a Lei de Proteção aos Monumentos Antigos, de 1900, posteriormente reformada por outra lei, de 1913, referente também à proteção dos monumentos antigos (...); a França com a Lei de Tombamento, de 1913. (SILVA, 2003, p.41-42)
A partir de então, o inventário e o tombamento tornaram-se os instrumentos
essenciais nas políticas de preservação patrimonial, servindo como estrutura legal
que através de legislação específica, deram suporte às ações de cautela em relação
ao legado histórico e cultural da humanidade.
O tombamento caracteriza-se como uma atuação estatal que visa garantir à
proteção de bens públicos ou particulares que tenham representatividade histórica e
cultural para a humanidade ou determinado grupo social. Hely Lopes Meireles (apud
CUNHA, 2004) afirma que o termo tombamento tem origem no Direito Português, em
que a expressão tombar significava registrar, inventariar ou inscrever bens nos
arquivos do Reino, ficando, a partir daí, sob proteção especial do Poder Público,
outorgando um sentido à propriedade que passa a ser considerada como patrimônio
ou herança histórica e cultural.
Esse ato pode ser considerado como uma ação simbólica de sacralização de
um bem enquanto referência identitária utilizado pelo poder constituído, tornando-se
instrumento essencial das políticas públicas de preservação patrimonial:
No campo discursivo do patrimônio, o tombamento expressa o ritual de registro de um bem nos livros de tombo, momento de sua nomeação oficial enquanto patrimônio e da sua inscrição como objeto de interesse público
sob guarda do Estado. O poder público deve zelar pela preservação e conservação das características que o tornam representativo do passado. (DELGADO, 2005,p.6)
Sob a tutela do Estado, os bens tombados encontram-se em um processo de
vigilância que restringe a atuação de esferas públicas ou privadas sob esses bens,
com obediência aos critérios de salvaguarda definidos por lei que recai sobre o
patrimônio tombado.
Outro instrumento utilizado na promoção e proteção do patrimônio histórico-
cultural é o inventário, que compreende um levantamento acerca das características
do bem, com abrangência dos aspectos físico, histórico, funcional, bem como do
estado de conservação em que se encontram, permitindo assim um monitoramento
constante sobre esse patrimônio. O inventário é considerado um instrumento de
preservação suplementar, que possibilita a elaboração de um banco de dados com
informações detalhadas sobre um grande número de bens.
Os focos de ação do inventário e do tombamento continuaram sendo os bens
tangíveis. Nessa perspectiva, a segunda Carta de Atenas (1933) representou a
consagração para a proteção dos bens culturais imóveis, entendendo que os valores
arquitetônicos mereciam ser salvaguardados por representarem uma constituição
cultural de um tempo anterior capaz de revelar, através de seus vestígios, a
trajetória histórica dos povos. Os fazeres que compreendiam os bens intangíveis
continuaram à margem das políticas preservacionistas.
Após a Segunda Guerra Mundial, frente à destruição de um legado
patrimonial de grande relevância para a humanidade, discussões são suscitadas
visando a institucionalização de políticas preservacionistas voltadas para o
patrimônio. Esse ideal é consagrado com a criação do International Council of
Monuments and Sites- ICOMOS, com o objetivo de “promover os meios para
salvaguardar e garantir a conservação, realce e apreciação dos monumentos e sítios
que constituem uma parte privilegiada do patrimônio da humanidade” (ICOMOS,
1976).
Ainda nesse momento, a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura – UNESCO patrocina quatro tratados internacionais de grande
importância para a proteção do patrimônio, e dez recomendações no mesmo
sentido, entre 1956 e 1980, que a torna também responsável pela salvaguarda do
legado natural e histórico-cultural que configurava o patrimônio da humanidade. A
UNESCO vai assim fazer sua definição de patrimônio:
O patrimônio é o legado que recebemos do passado, vivemos no presente e transmitimos às futuras gerações. Nosso patrimônio cultural e natural é fonte insubstituível de vida e inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto de referência, nossa identidade.
Em novembro de 1972 foi aprovada em Paris a Convenção para a Proteção
do Patrimônio Cultural e Natural, pela conferência geral da UNESCO, que classificou
o patrimônio em categorias. O Patrimônio Cultural, compreendendo os
monumentos - obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos
ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal
excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; conjuntos - grupos
de construções isoladas ou reunidas, que por sua arquitetura, unidade ou integração
à paisagem, têm um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da
arte ou da ciência e sítios - obras do homem ou obras conjugadas do homem e da
natureza assim como áreas, incluindo os sítios arqueológicos, de valor universal
excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.
A outra categoria refere-se ao patrimônio natural, classificado em
monumentos naturais - formações físicas e biológicas ou por conjuntos de
formações de valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico;
formações geológicas e fisiográficas - zonas estritamente delimitadas que
constituam habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas de valor universal
excepcional do ponto de vista estético ou científico e sítios naturais - zonas
estritamente delimitadas que constituam habitat de espécies animais e vegetais
ameaçadas de valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico.
(UNESCO, 1972)
Em 1979 foi publicada a Carta de Burra, que definia os conceitos de
conservação, preservação, restauração, manutenção e reconstrução, com enfoque
às novas vertentes na compreensão do patrimônio:
Conservação – significa todos os processos de cuidado de um sítio para manter seu significado cultural. Preservação – será a manutenção no estado da substância de um bem e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada. Restauração – Será o restabelecimento da substância de um bem em um estado anterior conhecido. Manutenção – designará a proteção contínua da substância, do conteúdo e do entorno de um bem e não deve ser confundido com o termo reparação. Reconstrução - Será o restabelecimento, com o máximo de exatidão, de um estado anterior conhecido; ela se distingue pela introdução na substância existente de materiais diferentes, sejam novos ou antigos. (SANTOS JÚNIOR, 2005, p.)
As demarcações conceituais evidenciaram a necessidade de reavaliação de
procedimentos metodológicos no trato do patrimônio no que tange à sua proteção.
A partir da segunda metade do século XX, as transformações acarretadas
pela globalização, caracterizada por um processo acelerado de mudanças que
afetaram diretamente a percepção dos indivíduos em relação ao mundo e a si
mesmos, levaram a sociedade a reivindicar o direito a esse patrimônio como forma
de garantir a construção da sua identidade cultural:
Face ao fantasma da ruptura e da desordem provocado pela ausência de valores simbólicos, a sociedade reclama, numa explosão de nostalgia, a recuperação do seu passado. E no contexto dessa corrente social nostálgica, o patrimônio surge como uma forma de recuperação especialmente eficaz. Através do patrimônio o indivíduo seqüestra um pedaço do passado sob a forma de totens pessoais, em relação aos quais percebe uma vinculação direta. Como um artifício idealizado com finalidades de identificação no espaço e no tempo, como elemento de referência, o patrimônio representa, para a sociedade atual, uma verdadeira necessidade. (SILVA, 2004, p.02)
O patrimônio histórico-cultural torna-se, portanto, um indicador empírico da
memória. Sua existência auxilia na construção da identidade, do sentimento de
pertencimento a um grupo humano, dentro de uma historicidade delineada no tempo
e no espaço. Sua preservação só se torna possível quando os indivíduos da
sociedade o reconhecem como parte da sua história, quando o passado é evocado
através desses lugares de memória e quando a identidade é percebida nessas
realizações concretas.
Reconhecendo a importância do patrimônio para a identificação local, a
inserção da comunidade na preservação e reconhecimento desse patrimônio torna-
se um aspecto relevante nas políticas de proteção. Assim, a Carta Internacional
para a Conservação das Cidades Históricas de 1986 estabelece a adesão dos
habitantes na conservação das cidades como fator essencial no desenvolvimento de
estratégias de proteção aos bens patrimoniais:
A participação das pessoas envolvidas nos processos de reconhecimento patrimonial é de importância fundamental, uma vez que o valor cultural das referências é dado não somente pelos técnicos especializados, utilizando
critérios próprios de seus respectivos ofícios, mas principalmente pelo valor de testemunho histórico e de concentração de significados atribuídos pelo grupo social ao bem tombado. (CANANI, 2005, p. 16)
As políticas preservacionistas continuaram a ser elaboradas em esferas
nacionais e internacionais, através de conferências e encontros que geraram cartas
e recomendações que não só direcionaram ações visando a salvaguarda do
patrimônio, mas também reavaliaram ações anteriores, em busca de melhores
mecanismos e instrumentos de proteção patrimonial, com expansão da noção de
patrimônio e inserção de novos aspectos a serem considerados como componentes
do legado histórico-cultural da humanidade: bens arqueológicos, etnológico,
paleantológico e imateriais.
2.4 –O Patrimônio histórico-cultural no Brasil e a construção de uma narrativa
nacional
A preocupação com a preservação patrimonial no Brasil iniciou-se no século
XX e consagrou-se ao final da terceira década do mesmo século com a
institucionalização de um órgão que passou a ser o responsável pelas estratégias de
preservação do patrimônio brasileiro: a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), que mais tarde passou a se chamar Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Influenciado pelas discussões que estavam acontecendo em nível
internacional acerca das questões envolvendo o patrimônio histórico-cultural e sua
preservação, o Brasil começou a refletir sobre o destino do legado brasileiro e a
formular ações governamentais voltadas à problemática. A Carta de Atenas de 1931
deu a base inicial para que o governo federal se mobilizasse, ressaltando a
responsabilidade do poder público nas questões referentes à preservação
patrimonial e da necessidade de integração com a sociedade para que as ações
preservacionistas se dessem de forma efetiva:
A conferência, profundamente convencida de que a maior garantia de conservação dos monumentos e das obras de arte vem do afeto e do respeito do povo e considerando que estes sentimentos podem ser bastante favorecidos mediante uma atuação apropriada dos poderes públicos, expressa o desejo de que os educadores ponham todo seu empenho em habituar a infância e a juventude para que se abstenham de qualquer atuação que possa degradar os monumentos.
Ao chamar a responsabilidade de apropriação e salvaguarda dos
monumentos para os poderes públicos, a Carta de Atenas deixa explícita a
necessidade da criação de políticas públicas como mecanismo de preservação dos
bens histórico-culturais que deveriam ficar sob a tutela dos estados, assim como da
divulgação e informação acerca desse patrimônio. Um dos instrumentos sugeridos é
a educação, que visa a aproximar a comunidade local do seu legado, garantindo
assim o sentido cultural da preservação.
As atuações iniciais que envolveram o patrimônio histórico-cultural no Brasil
foram fortemente influenciadas pela historiografia produzida durante o século XIX e
primeira metade do século XX, que tentavam explicar a constituição do país
enquanto nação. O discurso de formação da identidade nacional esteve centrado
nas questões “raciais”, consideradas por muitos estudiosos como sendo o grande
problema da afirmação e reconhecimento do estado Brasil, devido às diferenças de
raças que formavam o povo brasileiro. A visão estabelecida durante esse período
estava focada na valorização dos grupos hegemônicos na construção da história
nacional.
A partir da segunda e terceira década do século XX, à luz das discussões
acerca de cultura que estão ocorrendo no mundo, as questões raciais são
substituídas pelas culturais. Essa vertente chega ao Brasil, que tenta se encontrar
enquanto nação buscando a essência daquilo que poderia ser considerado como a
identidade cultural brasileira.
Nesse momento de desejo de construção de uma identidade capaz de
referenciar o país, as preocupações com o legado brasileiro vão atuar como fator
complementar de afirmação de uma memória e uma identidade nacional.
Assim, no início da década de 30, orientado por Cartas, Declarações e
Tratados Internacionais, o Brasil inscreve seu nome na lista dos países preocupados
com a preservação patrimonial, criando uma legislação nacional específica para a
salvaguarda do seu patrimônio a ser utilizada como instrumento legal de
preservação em âmbito nacional:
As primeiras medidas do Estado brasileiro já são visualizadas a partir do texto constitucional de 16 de Julho de 1934, quando podemos ler no artigo 148, Capítulo III – Da Educação e Cultura: “Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual”. (SANTOS JÚNIOR, 2005, p. 02)
No ano de 1936, o escritor Mário de Andrade, a pedido do então ministro da
Educação e Saúde Gustavo Capanema, redigiu um anteprojeto de lei que versava
sobre a preservação do patrimônio histórico-cultural brasileiro. A partir desse
momento, Mário de Andrade consagrou-se como um dos intelectuais responsáveis
pela implantação de programas de salvaguarda dos bens culturais no Brasil.
Em seu projeto o escritor definiu patrimônio como sendo “todas as obras de
arte pura ou aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos
poderes públicos e a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares
estrangeiros, residentes no Brasil”. (ANDRADE apud CANANI, 2005, p. 10)
Engajado no Movimento Modernista, que tem como marco a Semana de Arte
Moderna de 1922, que propunha a valorização dos aspectos nacionais a partir de
uma proposta de re-elaboração da produção cultural no Brasil, Mário de Andrade
concebeu as políticas preservacionistas a partir de uma visão holística de
patrimônio, compreendendo-o não apenas a partir dos bens tangíveis, mas também
dos intangíveis, resultado do fazer e do pensar do povo brasileiro como um todo,
independentemente de classe ou etnia.
A proposta delineada no projeto de Mário de Andrade deu o suporte para a
elaboração de leis que fundamentaram a trajetória preservacionista no país, apesar
do fato de que muitas das idéias defendidas pelo escritor ficaram à margem das
políticas de preservação patrimonial estabelecidas pelo SPHAN em sua primeira
fase de atuação.
O ano de 1937 marca definitivamente a inserção do patrimônio histórico-
cultural na legislação e nas políticas públicas no cenário nacional. A nova
Constituição que estabeleceu o Estado Novo delineou uma percepção de
patrimônio e as ações governamentais para a sua preservação. O Decreto-Lei nº 25
de 1937, documento base de legislação específica do patrimônio brasileiro,
determinou já em seu 1º artigo o que estava se entendendo como patrimônio
histórico-cultural no Brasil:
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional, o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (DECRETO LEI 25/37, ART. 1º)
Nesse mesmo ano entra em funcionamento o SPHAN, órgão que direcionou
as políticas preservacionistas no país. Sob a coordenação de Rodrigo Mello Franco
de Andrade, que esteve na direção da secretaria desde a sua criação até o final da
década de 60, houve a “institucionalização de um conjunto de práticas culturais,
enquanto política oficial do Estado, que sacramentou determinados objetos como
patrimônio nacional” (DELGADO, 2005, p. 4).
Em um momento em que o país buscava se afirmar enquanto nação, a
seleção dos bens que iriam compor o patrimônio histórico-cultural brasileiro ratificaria
um discurso nacional baseado em uma ótica do país vista de cima. Assim, a
produção historiográfica brasileira influenciou diretamente as políticas de
preservação patrimonial desenvolvidas no país durante esse período, enfocando a
construção do Brasil dentro de uma ótica elitista, privilegiando apenas os grupos
hegemônicos da formação étnica, social e cultural brasileira:
Essa política preservou os testemunhos do poder de uma elite e com eles se propôs a construção da identidade histórica e cultural da nação brasileira. Alijando do campo do patrimônio os vestígios, por exemplo, dos templos não católicos, das senzalas e dos bairros operários, legitimou-se a exclusão dos outros grupos sociais. A produção da memória coletiva das sociedades contemporâneas configura-se, portanto, como uma forma específica de dominação simbólica. (DELGADO, 2005, p.06)
Afastando-se da proposta de Mário de Andrade, as políticas elaboradas pelo
órgão responsável pelo patrimônio brasileiro estiveram focadas nos bens tangíveis e
que não representava a nação brasileira como um todo - formada a partir de uma
diversidade étnica e cultural - ressaltando apenas o que era representativo da classe
hegemônica, dando-se ênfase aos monumentos arquitetônicos coloniais, bens
característicos da arte barroca, resultado da influência da colonização portuguesa.
Dessa forma, as ações patrimonialistas no Brasil estiveram, durante essa
fase, centradas em uma herança historiográfica excludente, na valorização e
preservação dos bens históricos e culturais conformados segundo os padrões das
classes hegemônicas.
No campo de atuação do SPHAN, dois momentos marcaram a trajetória do
órgão, com diretrizes preservacionistas distintas: o primeiro caracterizado pela
construção de uma memória e identidade nacional, valorizando o patrimônio como
elemento constitutivo da narrativa nacional brasileira tendo como base a história
oficialmente instituída; o segundo, a partir da década de 70, em que ocorre uma
ampliação na concepção de patrimônio, com a retomada da idéia defendida por
Mário de Andrade em seu projeto de 1936 e que esteve à margem da política
adotada pelo órgão em sua etapa inicial de atuação. (GONÇALVES, 1996)
A primeira fase de atuação da secretaria em âmbito nacional durante a
gestão de Rodrigo de Mello Franco de Andrade (1937- 1969), representou o
momento que ficou conhecido como a “fase heróica” da preservação patrimonial no
país. Nesse momento, o patrimônio era considerado documento de identidade da
nação. A política empreendida nesse período consagrou elementos que passaram a
constituir a memória nacional brasileira. A linha de pensamento de Rodrigo esteve
centrada na história oficial como base de atuação do SPHAN.
As diretrizes assumidas por Rodrigo baseavam-se na preservação de uma
tradição brasileira através dos bens que pudessem representá-la, estabelecendo
uma ligação entre o órgão do patrimônio histórico e artístico nacional e a construção
da nação.
O Estado secularizado, com poder centralizado, atua no sentido de congregar seu povo, reunindo-o em torno de sentimentos de pertencimento comuns a todos, com efeito semelhante aos “laços primordiais” descritos por Geertz (1979). Segundo Geertz (1979), os “laços primordiais” são vitais para a vida do homem e podem ser mobilizados através das práticas do Estado. Com isso, desvenda-se como opera o Estado na atribuição carismática, através da construção de significados com o propósito de engendrar sentimentos no povo. Nesse processo de alimentar sentimentos de identificação com o Estado nacional surgem políticas de constituição do patrimônio histórico e cultural nacional no Brasil (CANANI, 2005 p.10)
Ao eleger o tombamento como mecanismo oficial de preservação dos bens
patrimoniais, o foco de atuação do SPHAN estava no patrimônio tombado. Sob a
coordenação de arquitetos, o patrimônio brasileiro ficou restrito aos bens de “pedra e
cal” e às obras de arte eruditas que pudessem referenciar o passado da nação. Os
anos entre 1938 a 1942 foi o período mais intenso de atuação do governo federal,
em que houve um grande número de tombamentos, muitos deles concentrados no
estado de Minas Gerais:
O tombamento de edificações isoladas justifica-se a partir do conceito de monumento histórico: determinadas construções são consagradas como testemunhas da história e passam a incorporar a função de suscitar a rememoração do passado. Com isso, o conjunto dos bens tombados pelo Sphan constrói uma narrativa material de determinada história do Brasil, considerada como a História Nacional, cuja matriz discursiva foi produzida no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). (DELGADO, 2005 p.5)
Iniciava-se um processo de construção de uma narrativa nacional, sacralizada
a partir do seu patrimônio, partindo-se daquilo que José Reginaldo Gonçalves (1996)
vai chamar de invenção discursiva do Brasil, cujo objetivo principal era a formação
de uma memória e uma identidade nacional.
Em 1977 o Brasil aderiu à Convenção do Patrimônio Mundial.
A segunda fase de atuação do então Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) começa em 1979 sob a gestão de Aloísio Magalhães, no
momento em que o Brasil vivia o processo de abertura política. Incorporando novas
percepções acerca do patrimônio, com base na ampliação do conceito de cultura e
das discussões referentes à construção das identidades, Aloísio Magalhães
direciona as políticas preservacionistas no Brasil a partir da diversidade cultural
característica do país.
Reconhecendo que a cultura brasileira ainda encontrava-se em um processo
de formação, a valorização da diversidade cultural tornou-se um elemento diferencial
do país frente às outras nações. Isso deveria ser visto como fator de fortalecimento,
e não de exclusão de grupos sociais na construção da narrativa nacional, como
ocorreu na primeira fase de atuação do IPHAN:
Esse período é caracterizado por alterações nas categorias simbólicas que inventam o patrimônio cultural brasileiro. Diferentemente da narrativa patrimonialista de Rodrigo Melo Franco de Andrade, construída em relação à história oficial, a narrativa de Aloísio Magalhães incorpora noções oriundas do campo da antropologia, ao propor que as práticas do Iphan se voltassem para identificar, documentar, classificar, proteger e divulgar os bens culturais brasileiros, "procedentes sobretudo do fazer popular" que estão "inseridos na dinâmica viva do cotidiano". (DELGADO, 2005, p.11)
Por acreditar que o fazer cotidiano das sociedades do presente também
compõe o patrimônio histórico e cultural nacional, Magalhães propôs uma
valorização dos contextos culturais que contemplassem a tridimensionalidade do
tempo no conceber, eleger e preservar o patrimônio brasileiro, congregando o
passado, presente e futuro.
Para Aloísio Magalhães, a base de atuação do órgão responsável pela
preservação do patrimônio brasileiro deveria firma-se na pesquisa exploratória e
documental, através de um processo de identificação, documentação, classificação,
proteção e divulgação dos bens culturais brasileiros, com a criação assim de um
banco de dados capaz de mapear o legado nacional, e, ao mesmo tempo,
estabelecer uma relação entre a proteção patrimonial e a inserção da comunidade
nesse processo de reconhecimento e de definição de diretrizes e estratégias de
preservação, por acreditar que apenas o levantamento documental não era
suficiente na elaboração de políticas eficazes para o patrimônio.
Esses debates iniciais serviram como suporte da política preservacionista
desenvolvida no Brasil, revelando a trajetória do SPHAN/IPHAN bem como dos
pensamentos que conduziram as estratégias de preservação do patrimônio
brasileiro.
Em 1988, a nova Constituição Nacional contemplou de forma mais
abrangente o legado histórico cultural em seus preâmbulos, a partir de uma
ampliação conceitual na concepção de patrimônio cultural:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações Artísticos-culturais V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (Constituição Federal, capítulo III, artigo 216)
A Constituição de 1988 definiu também as competências de regulamentação,
promoção e fiscalização das práticas preservacionistas, que ressaltavam a
importância da participação da sociedade civil nesse processo, determinando base
de atuação da comunidade junto ao poder público federal, estadual e municipal.
Nas décadas seguintes, a compreensão de patrimônio incorpora outras
discussões. Temas ligados à cidadania, ao direito à diversidade cultural e à
memória, à preservação do meio ambiente e qualidade de vida das populações,
trazem em seu cerne a necessidade de preservação do legado histórico-cultural
como uma das condições de garantia desses direitos. Em 2001, mais uma vez a
legislação federal referente ao patrimônio é ampliada, determinando o registro dos
bens imateriais como componentes do legado brasileiro.
Nessa percepção, oficializa-se o que Mário de Andrade já defendia em seu
projeto de 1936, que era a compreensão holística de patrimônio cultural,
contemplando tudo aquilo que caracterizava o fazer dos povos, resultado das
vivências produzidas em um contexto histórico, a partir das relações sociais
estabelecidas.
Na atualidade, as discussões acerca do patrimônio nacional têm abarcado
uma infinidade de questões, resultado de reflexões desenvolvidas ao longo desses
anos em que o país debruçou-se sobre o seu legado como forma de garantir a
sobrevivência de elementos constitutivos da sua história.
Em toda a sua trajetória de atuação em questões referentes ao legado
histórico cultural do Brasil, o governo federal, através de seus órgãos
representativos, buscou empreender políticas de preservação como estabelecer,
ampliar, discutir e elaborar estratégias de proteção dos bens que constituíam o
suporte da memória e identidade nacional.
Ao reconhecer as dificuldades na concretização das políticas
preservacionistas, que muitas vezes advém da falta de recursos econômicos, que,
depois de tombado, protegido e restaurado, necessitava de estratégias que
permitissem a funcionalidade do bem como forma de garantir a sua manutenção, os
olhares sobre o legado brasileiro despertaram, desde o início do processo político de
sua proteção, a atenção para a possibilidade de inserção do patrimônio em uma
atividade econômica que vinha despontando no cenário mundial: o turismo.
Foi na busca de uma ressignificação do patrimônio histórico cultural capaz de
estreitar a dimensão dos tempos passado e futuro, desde a gestão de Rodrigo de
Mello Franco de Andrade, que o IPHAN percebeu a possibilidade da relação
patrimônio e turismo, como forma de inserir esse patrimônio na sociedade
atribuindo-lhe uma função social.
Nesse processo de revitalização de cidades históricas brasileiras, a
viabilidade de inclusão do patrimônio na atividade turística serviu como incentivo
para o poder público investir em políticas culturais voltadas à questão:
No campo discursivo do patrimônio, observa-se a incorporação de uma categoria que se torna fundamental para a compreensão da ação atual do Iphan: o turismo cultural. Em 1966, com a criação pelo governo federal do Conselho Nacional de Turismo e da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), as políticas públicas passaram a abranger o turismo (DELGADO, 2005, p. 07)
O turismo é assim assumido, em esfera nacional, como fator auxiliar de
fomento à proteção dos bens culturais brasileiro, tendo como base as discussões
internacionais que já direcionavam a elaboração de políticas de preservação
patrimonial tendo como suporte o turismo.
2.5 – Estratégias de preservação: uma reflexão sobre o turismo como
instrumento de valorização do patrimônio histórico-cultural
Nas discussões iniciadas no século XVIII acerca do patrimônio histórico-
cultural, refletindo sobre seu passado, presente e futuro, a busca por alternativas
que justificassem e incentivassem a preservação desses bens evoluiu e
acompanhou as próprias transformações que aconteciam na Europa e em todo o
mundo nos séculos seguintes.
O interesse pelo patrimônio enquanto legado de um passado que despertava
a curiosidade do homem europeu nesse período, levou-o ao desenvolvimento de
atividades que o colocassem em contato direto com esse legado para viver uma
experiência cultural com o seu passado, experiência essa influenciada pela nova
realidade que despontava.
No cenário europeu do final do século XIX uma nova configuração política e
cultural começa a emergir sob a égide do imperialismo, impulsionada pela força do
capitalismo industrial que rompeu as fronteiras dos Estados-Nação, ampliando
consideravelmente os territórios dos grandes países da Europa através de novos
domínios coloniais.
Nesse contexto, a Europa vivia um momento de progresso que influenciou
diretamente o modo de vida do europeu, com significativas mudanças no seu
comportamento, atitudes e valores. Os avanços tecnológicos, a expansão industrial
e comercial, aliados ao aumento do tempo livre incentivaram o surgimento de novos
negócios relacionados ao lazer, teatro, circos, parques de diversões, feiras e
exposições, espaços dedicados à diversão e ao consumo.
Segundo De Decca (2000, p. 162 ) o imperialismo europeu do final do século
XIX não determinou apenas a expansão das fronteiras territoriais motivadas pelo
capitalismo, mas determinou também a expansão dos horizontes do homem comum
europeu, que a partir de então inicia uma aventura pelo mundo em busca de novos
horizontes e novas realidades humanas:
Dentre todos esses inúmeros estímulos que agiam sobre os homens das cidades em sua preocupação de consumo e de aproveitamento do tempo livre, nenhum foi mais inebriante do que a venda de viagens e aventuras maravilhosas, isto é, a venda de sonhos mirabolantes no extenso mundo colonial criado pelo imperialismo. Com o desenvolvimento das ferrovias e da indústria naval, não foi apenas a produção industrial que encontrou mais velocidade para a vazão de suas mercadorias. Também o homem da cidade pôde começar a usufruir das viagens de trem e de navio. Estava nascendo junto com a aventura imperialista um novo personagem, que a partir desse período irá circular por todos os cantos do mundo moderno, o turista.
Estava lançada a base para o desenvolvimento do turismo, que, segundo
Rejowisky (2001) tem como marco inicial o empreendimento realizado por Thomas
Cook em 1840 na Inglaterra que ficou conhecido como Grand Tour. Cook organizou
uma viagem de trem com 570 passageiros que se tornou um investimento de grande
sucesso, configurando assim o turismo como atividade econômica. A autora ainda
relata que nesta mesma época surgia a primeira operadora turística em Portugal, a
Abreu Turismo.
Todavia, desde a antiguidade o deslocamento do homem através de viagens
impulsionadas por motivos diversos tem sido uma prática comum na vida social.
Relatos históricos, lendas, mitos dão notícia das experiências humanas em direção a
territórios com o objetivo de expansão de impérios, estabelecimento de novas rotas
comerciais, aquisição de conhecimento proporcionado pelo contato entre diferentes
culturas e civilizações, bem como o desejo de conhecer novas paisagens ou viver
momentos de lazer. Ao longo do tempo, novos valores são agregados aos
deslocamentos:
Lo que comienza siendo la actividad propia de un héroe (Alejandro Magno) se convierte en el objetivo de un grupo socialmente organizado (los cruzados), en la marca de prestigio de una clase social entera (el Grand Tour del gentleman británico), y finalmente pasa a ser una experiencia universal (el turista). (MACCANNEL apud FRANCESCH 2004, p.2)
No período pós-guerra (1945) surge uma tendência generalizada entre as
sociedades em praticar o turismo, estimulado pelo crescimento econômico dos
países capitalistas, modernização dos meios de transporte e facilidade de acesso
para os deslocamentos, férias pagas aos trabalhadores, relativa estabilidade política
entre os países bem como o surgimento da necessidade de liberar tensões
acumuladas na vida cotidiana (TONHOLO, 2005). Diante dessa realidade, a
atividade turística configura-se como importante gerador de renda e divisas devido a
sua capacidade de proporcionar crescimento econômico.
O desenvolvimento do turismo desperta a necessidade de se criar conceitos
acerca da atividade, a fim de definir marcos teóricos e metodológicos para a sua
compreensão. Mario Carlos Beni (1998) classifica as teorias relacionadas ao estudo
do turismo com base em três tendências: a econômica – compreendendo a atividade
pela ótica economicista; a técnica – abordando as questões operacionais relativas à
atividade e a holística – que compreende o turismo abrangendo todas as partes e
complexidade que compõem o fenômeno:
O turismo pode ser entendido como o movimento de indivíduos e grupos de uma localização geográfica para outra por prazer e/ou negócios, sempre em caráter temporário; o atendimento das necessidades dos viajantes, seja
em trânsito ou no destino, e os impactos econômicos, ,sociocultural e ecológico que tanto os turistas e o setor turístico provocam nas áreas de destino. Essa definição implica que o turismo deve ser visto como: a) um setor composto por atrações, transportes, facilidades/serviços em geral, informação e promoção; b) um ato social que permite às pessoas se expressarem enquanto viajam a negócios ou prazer; c) o reflexo da expressão cultural local, da identidade e da composição social. Nesse sentido, o turismo pode atuar como peça importante em um contexto maior de planejamento ambiental e auxiliar a qualidade de vida, especialmente em nível local. (GO apud BISSOLI, 1999 p. 23)
O acelerado aumento do fluxo turístico na década de 80 do século passado
levou muitos estudiosos a analisarem a atividade e seu impactos, a fim de minimizar
aqueles que seriam considerados negativos ao mesmo tempo que visava a uma
maximização dos impactos positivos, com vista a uma otimização no progresso do
turismo. Essa visão partiu da necessidade de garantir o desenvolvimento sustentável
da atividade, e aumentar o tempo de vida do destino turístico, garantindo a
preservação e sobrevivência dos recursos sobre os quais ele se desenvolve.
Sobre essa nova tendência, Ruschmann (1998) afirma que na
contemporaneidade há uma configuração de um novo fazer turístico, caracterizado
pela flexibilidade das atividades, pela segmentação do mercado e por experiências
turísticas mais autênticas com novos enfoques sociais, culturais, tecnológicos,
ecológico, econômico e institucionais. Essa percepção da atividade vai redirecionar
todo o seu desenvolvimento, definindo critérios de viabilidade, sustentabilidade e
responsabilidade que passam a nortear e direcionar o turismo.
Por considerar o turismo uma ação efetivamente social, definida a partir de
relações interpessoais e de interação com o meio natural, a sua ligação com a
cultura torna-se uma necessidade, uma vez que o deslocamento - característica
essencial da atividade - supõe o contato com uma outra construção sócio-cultural,
delineada em um espaço específico diferente do lugar de origem do turista. Nessa
dimensão e a partir do surgimento de novas tendências no mercado, nasce um
segmento do turismo especificamente voltado para o conhecimento e contato entre
culturas denominado Turismo Cultural.
A curiosidade em relação ao “outro” sempre foi um impulso para a realização
de contato entre os seres humanos, desde o momento em que se descobriu que
através da diferença os indivíduos se localizam e se reconhecem. As diferenças
culturais delimitaram espaços de diversificadas construções sócio-culturais que
despertam interesse e fascínio.
Assim, o Turismo Cultural representa a aproximação e a possibilidade de
encontro entre pessoas de culturas distintas, que se deslocam do seu local de
origem motivada pelo desejo de conhecer e estar em contato com as mais variadas
formas de produção cultural: “é próprio do homem buscar conhecer as diferenças
culturais, intentar compreender significados para a vida de outros grupos sociais,
visitar lugares que não são os seus, para compreendê-los em sua espacialização
histórica e cultura própria” (MENESES, 1994, p.20)
Sendo a cultura o resultado da história coletiva de um grupo social, bem como
das suas realizações no espaço em que se insere, há uma diversidade de atrativos
culturais que podem ser utilizados pelo turismo, configurados nas manifestações
tangíveis e intangíveis que identificam, caracterizam e distinguem as diferentes
estruturas culturais. Dentre essas manifestações, o patrimônio histórico-cultural
arquitetônico, representativo da materialidade de uma cultura, tem despertado o
interesse de turistas, despontando como importante atrativo turístico.
Na busca de alternativas para a preservação e manutenção do patrimônio
histórico-cultural, sua inserção na atividade turística tem se apresentado como um
fator que viabiliza a garantia de recuperação e sobrevivência de um significativo
legado cultural. Órgãos relacionados à proteção e preservação do patrimônio
percebendo a possibilidade da relação com a atividade turística, definiram diretrizes
para conduzir o desenvolvimento dentro de uma ótica preservacionista.
No ano de 1967 uma convenção internacional sob a coordenação da
UNESCO estabeleceu estratégias de preservação patrimonial, que resultou num
documento denominado Normas de Quito. De acordo com Kersten (2000, p. 96) “a
Convenção de Quito trouxe como novidade a possibilidade de se incrementar o
turismo em áreas tombadas, considerando o patrimônio como um capital a ser
mantido para render vantagens econômicas.”
As Normas de Quito previam que “todo monumento nacional está
implicitamente destinado a cumprir uma função social”. A sua revitalização como
espaço de cultura, e a sua utilização como potencialidade para o desenvolvimento
do turismo é um fator auxiliar para a sua preservação, com garantias a sua
manutenção, ao mesmo tempo em que mantém uma função social no sentido de
gerar renda para a sociedade autóctone através do empreendimento turístico,
atuando como elemento divulgador da cultura local.
Entretanto, a grande questão envolvendo a inserção do patrimônio histórico
em uma atividade dinâmica como o turismo, estaria centrada nos critérios de
sustentabilidade que evitariam impactos negativos sobre aspectos da cultura da
localidade em que ele se desenvolve. Sobre essa relação, Elsa Peralda Silva (2004,
p.2) afirma:
Não podemos negar que o relacionamento entre patrimônio e turismo se instalou de forma definitiva. Há porém que estabelecer regras de convivência entre ambos numa perspectiva de rentabilização econômica e de desenvolvimento social. O desafio que se coloca ao turismo é o de utilizar os recursos patrimoniais numa perspectiva de desenvolvimento durável, assente em critérios de qualidade, para que seus benefícios resultem numa efetiva melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, tanto daqueles que praticam como daqueles que o acolhem.
Reconhecendo a capacidade de estabelecer um diálogo possível entre
patrimônio e turismo, outra ação significativa realizada por órgãos ligados ao
patrimônio aconteceu no ano de 1976 em Bruxelas através do Seminário
Internacional de Turismo Contemporâneo, do qual resultou a Carta de Turismo
Cultural elaborada pelo ICOMOS. O documento discorre, essencialmente, sobre a
relação patrimônio e turismo cultural, percebendo-a como um fator positivo na
busca por uma solução global para a proteção patrimonial, ressaltando que para isso
necessário se torna o estabelecimento de regras que mantenham níveis aceitáveis
de integração, devendo prevalecer o respeito ao patrimônio e garantir a sua
preservação enquanto referência histórica, de cultura, de memória e identidade,
desempenhando um papel de atração turística e de veículo para educação cultural.
Dessa carta saiu também a definição de Turismo Cultural defendida pelo
ICOMOS:
O turismo cultural é aquela forma de turismo que tem por objetivo, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos. Exerce um efeito realmente positivo sobre estes tanto quanto contribui - para satisfazer seus próprios fins - a sua manutenção e proteção. Esta forma de turismo justifica, de fato, os esforços que tal manutenção e proteção exigem da comunidade humana, devido aos benefícios sócio-culturais e econômicos que comporta para toda a população implicada.
O encontro estabeleceu ainda bases de atuação alicerçadas no esforço dos
órgãos representativos do Turismo e do Patrimônio da Humanidade para
assegurarem a aplicação das políticas definidas pelas entidades que participaram
do acordo, que versavam basicamente na garantia de preservação e manutenção
desse patrimônio, desenvolvendo um trabalho de conscientização com o público e
de parceria com os Estados.
A Carta recomendou também que o planejamento do turismo em áreas do
patrimônio deveria ser realizado por especialistas que recebessem uma formação
adaptada à natureza multidisciplinar do problema, e que participassem desde o
início da programação e realização de planos de desenvolvimento de equipamentos
turísticos que estivessem fundamentados no patrimônio da humanidade como
atrativo.
Assim, estabelecia-se definitivamente a inserção do patrimônio histórico-
cultural na atividade turística, transformando-o em atrativo turístico com
funcionalidade capaz de satisfazer a interesses distintos: consumo e preservação,
convertendo os bens culturais em bens produtivos, com participação efetiva e
significativa para o desenvolvimento econômico, transformando o patrimônio
histórico em produto do turismo. Segundo Cardozo (2006, p.147):
Produto turístico é uma razão de ser do mercado turístico, compõe a oferta e atende a demanda. Pode-se, a partir disso, definir como produto turístico os bens e serviços prestados e possíveis de comercialização e fruição, englobando as atrações turísticas, os serviços de hospedagem, a alimentação, o transporte, os guias, e outras amenidades e serviços encontrados nas localidades.
Nessa dimensão, o patrimônio histórico-cultural configura-se enquanto
produto turístico a partir do momento em que compõe a atração para o turismo local,
podendo ser utilizado como base para o turismo cultural, a partir de políticas que
possam dar suporte ao desenvolvimento de um turismo planejado, sustentável,
exercendo uma função social, cultural e econômica, na defesa da memória histórica
e da identidade do lugar.
Ao discorrer sobre essa questão, Martín (2001) afirma que a inserção do
patrimônio em atividades dinâmicas como o turismo deve ser realizada dentro de um
rigoroso critério de consciência e responsabilidade, para que a sua preservação não
seja comprometida, e que o patrimônio seja utilizado dentro do limite da
investigação, proteção e preservação, possibilitando o despertar de uma consciência
crítica na população local e nos turistas, através da educação, sobre o valor desse
patrimônio, assegurando a sua sobrevivência a longo prazo:
Cabe à educação patrimonial proceder à escuta e à mediação dos sujeitos sociais portadores de tradições, de saberes e fazeres que, em sua diversidade, constroem atrativos geradores de significação e integradores da identidade e identificação cultural. É sua responsabilidade sensibilizar e conscientizar as comunidades em torno dos valores e tradições, inserindo tais práticas na vida sustentável, resgatando e preservando o imaginário e o patrimônio representativo da cultura no eixo temporal e social. Educação e interpretação complementam-se buscando significados e ressignificando a natureza, a cultura e a história, ou a síntese dessas inter-relações na perspectiva do turismo. (BENI, In: MOESCH & GASTAL, 2002, p. 20)
Reconhecer no desenvolvimento turístico um fator de preservação e
manutenção do patrimônio histórico-cultural significa se despir dos preconceitos
inerentes à visão tradicional da atividade turística, compreendendo que, enquanto
ciência relativamente nova, o Turismo tem buscado redirecionar suas ações
pautando-se no compromisso de responsabilidade social, econômica, natural e
cultural, que tem permeado as discussões acerca do empreendimento na atualidade.
Perceber essa relação como possibilidade de garantia de sobrevivência de
elementos culturais representativos para a afirmação das identidades em uma
sociedade marcada pela desconstrução do passado e do presente, através da
acelerada circulação de informação e desenvolvimento tecnológico, é permitir aos
sujeitos o direito ao respeito aos testemunhos autênticos que expressam sua
identidade cultural no conjunto da grande família humana; o direito a conhecer seu
patrimônio e o dos outros; o direito a uma boa utilização do patrimônio; o direito de
participar das decisões que afetam o patrimônio e os valores culturais nele
representados, e o direito de se associar para a defesa e valorização desse
patrimônio. Esses direitos foram classificados pelo ICOMOS como parte integrante
dos direitos humanos em 1998, por ocasião da Declaração Universal dos Direitos
dos Homens. (RODRIGUES In: FUNARI, 2003, p. 23)
Incentivar e viabilizar essa relação é papel dos órgãos diretamente ligados ao
desenvolvimento turístico e à preservação do patrimônio da humanidade, bem como
dos Estados e das sociedades interessadas na sobrevivência desse legado, seja por
sua relação direta – como membro sócio- cultural, seja pela sua relação indireta -
como turista.
Dentro dessa perspectiva que se entende, nessa pesquisa, a integração do
patrimônio e atividade turística: como alternativa de preservação, como referência de
memória, como afirmação de identidade e como expressão de cultura, partindo-se
de uma visão verdadeiramente holística do que seja Turismo.
3 - MORRO DE SÃO PAULO EM UM CONTEXTO HISTÓRICO
3.1- A preservação do patrimônio histórico-cultural no cenário baiano
O processo de modernização da cidade de Salvador na década de 30 do
século XX acarretou a destruição de monumentos que constituíam aspectos da
trajetória histórica do estado, levantando a partir daí uma iminente preocupação com
os bens históricos culturais da Bahia que se institucionaliza em 1937 com a
instalação do 2º Distrito do SPHAN na capital baiana. No ano seguinte inicia o
procedimento de tombamento de monumentos como instrumento de proteção
adotado pelo órgão:
A questão da preservação do patrimônio em Salvador, face à destruição de monumentos provocada pelo processo de modernização - cujo ápice é a demolição da Sé principal em 1933, inicia-se com a instalação do 2º Distrito do SPHAN, em 1937, que já passa a realizar tombamentos, a partir de 1938. (DIAGNÓSTICO IV ENCONTRO SIRCHAL, 2000)
Sob a mesma diretriz da política nacional, que versava sobre o patrimônio
enquanto elemento constitutivo do discurso nacional e da identidade brasileira, a
valorização de bens representativos do barroco são eleitos como referência da
história da Bahia, dando-se ênfase aos monumentos arquitetônicos com
reconhecido valor histórico e artístico.
Nessa perspectiva, em 1959 o centro antigo da cidade é parcialmente
tombado pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nesse
momento, as ações voltadas à proteção do patrimônio local são de iniciativa apenas
do governo federal, sem a participação dos poderes públicos estadual e municipal.
A nova onda desenvolvimentista que invade o país nas décadas de 60 e 70,
tendo como expoente maior a inauguração da nova capital federal Brasília, atinge a
malha urbana de Salvador, que presenciou o surgimento de um montante de
construções arquitetônicas no estilo modernista em áreas que abrigavam
construções caracterizadas como monumentos de história e cultura.
Face ao apelo do desenvolvimento, as ações do IPHAN na Bahia são
hostilizadas por serem consideradas de caráter elitista, uma vez que seu
instrumento maior de preservação – o tombamento, era visto como um entrave para
o progresso da capital baiana.
A construção de novos empreendimentos com fins comerciais no entorno
onde se concentrava grande número de imóveis antigos, descaracterizou o espaço
conhecido como Centro Histórico de Salvador, localizado na rua Chile e no Bairro do
Comércio, destruindo muitos monumentos relevantes não apenas para a história
baiana, mas também para a nacional. Esses fatos marcaram uma disputa de
ideologias entre os conservadores - defensores da preservação, e os progressistas
- defensores do desenvolvimento. O IPHAN encontrava-se no cerne das discussões,
uma vez que os novos projetos de construções modernas em Salvador eram
coordenadas por arquitetos do quadro do órgão, mostrando assim uma postura
dúbia do Instituto, levantando discussões sobre a validade das ações
desempenhadas por ele na Bahia.
Na década de 60, ocorre o deslocamento do centro comercial da área antiga
da cidade devido à construção de diversos complexos comerciais em vários pontos
da capital. O Centro Histórico de Salvador começa a ganhar um novo significado,
buscando-se atingir uma nova funcionalidade para o local a partir do
desenvolvimento turístico:
Nesse período, ocorre na cidade, um conjunto de ações que afetam progressivamente a centralidade absoluta do Centro Tradicional: a construção de outros complexos portuários próximos, a implantação da Avenida Paralela e do Centro Administrativo, o Acesso rodoviário Norte conjugado à nova Estação Rodoviária e ao Shopping Iguatemi, além da implantação do Centro Industrial de Aratu que, já no seu plano original, ao organizar a ocupação urbana, definia o Centro Histórico como o locus privilegiado do turismo local, de conformidade com o espírito da época. (DIAGNÓSTICO IV ENCONTRO SIRCHAL, 2000)
Esse momento marcou a direção da política preservacionista que se
estabeleceu na Bahia ocasionando a intensificação das ações de proteção dos bens
patrimoniais tendo como foco maior o empreendimento turístico. A idéia de inserção
do patrimônio no desenvolvimento do turismo no estado justificou todo trabalho
desempenhado pelo governo local e sua inserção no plano de preservação
patrimonial federal para restaurar e preservar o patrimônio histórico-cultural, cuja
atuação foi intensificada nas décadas seguintes.
O marco das ações preservacionistas com vistas ao patrimônio histórico–
cultural na Bahia inicia-se dentro de um espaço delimitado: o largo do Pelourinho na
cidade de Salvador. Criada em 1967, a Fundação do Pelourinho tinha como objetivo
atuar, junto ao governo estadual, nas estratégias de preservação do projeto que
tinha como meta a recuperação da parte histórica do bairro.
Entretanto, nesse momento o governo baiano ainda não tinha configurado
uma política efetiva e atuante de salvaguarda do legado cultural, fato que só
começou a se delinear a partir da década de 70 com as mudanças de diretrizes
políticas e institucionais realizadas no IPHAN, que redirecionaram todo o campo de
ação do órgão em território nacional.
Essas mudanças iniciaram com a ampliação acerca do valor do bem
patrimonial. Nas diretrizes preservacionistas o Instituto buscou estabelecer uma
relação entre o valor cultural e o valor econômico do patrimônio para incentivar sua
recuperação e proteção, em uma conjuntura cuja falta de recursos financeiros
impedia uma atuação sistemática do órgão
Esse período marca também o processo de descentralização das ações
preservacionistas do IPHAN, criando-se em nível local órgãos de atuação
protecionista que irão auxiliar na condução dos projetos de recuperação dos lugares
de interesse histórico e cultural. A atuação protecionista antes focada apenas na
esfera federal, passa a incluir, efetivamente, os estados e os municípios nas
políticas e ações de proteção do patrimônio.
Nesse contexto, a consagração do Compromisso de Brasília vai dar a base
para a atuação do órgão nas políticas de incentivo à preservação patrimonial em
parceria com os governos locais.
Realizado em abril de 1970, o encontro promovido pelo Ministério da
Educação e Cultura que ficou conhecido como o Compromisso de Brasília, reuniu
representantes das esferas federal, estadual, municipal e de instituições culturais e
assinalou a necessidade de participação dos estados e municípios nas políticas de
preservação como ação complementar da atuação do Governo Federal. Incentivou-
se assim a criação de órgãos em nível local de proteção do patrimônio, constando
na declaração que os participantes do evento:
Reconhecem a inadiável necessidade de ação supletiva dos Estados e Municípios à atuação federal no que se refere à proteção dos bens culturais de valor nacional;
Aos Estados e Municípios também compete, com a orientação técnica da DPHA [Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] a proteção dos bens culturais de valor regional; Para a obtenção dos resultados em vista, serão criados onde ainda não há órgãos estaduais e municipais adequados, articulados devidamente com o Conselho Estadual de Cultura e com a DPHA, para fins de uniformidade da legislação em vista, atendido o que dispõe o art. 23 do Decreto-Lei 25 de 1937. (COMPROMISSO DE BRASÍLIA, 1970)
A partir desse encontro, o IPHAN começa a contar com a participação dos
governos locais, com um suporte nos poderes estadual e municipal no que tange à
preservação dos bens de representatividade histórica e cultural.
Na Bahia, um dos órgãos estaduais que passa a atuar junto ao governo
federal é o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural (IPAC), que desempenha
funções voltadas à salvaguarda do legado histórico- cultural baiano:
É da competência do IPAC, entre outras, promover, por todos os meios legais, a preservação dos bens de cultura do estado; pesquisar, documentar, restaurar e promover a produção técnica e científica necessária à preservação dos bens da cultura; colaborar na formulação da política de educação patrimonial, juntamente com órgãos afins da área educacional; exercer, de modo sistemático, a fiscalização dos bens protegidos, orientando as intervenções no acervo patrimonial, nos limites da lei. (GAUDENZI, [s.d] )
Um dos trabalhos relevantes realizados pelo IPAC foi o inventário,
instrumento de proteção suplementar que registrou e documentou grande parte do
patrimônio baiano, servido como banco de dados e base de atuação para as
políticas preservacionistas desenvolvidas pelo estado.
Além do IPAC, outros órgãos, programas e projetos também foram criados e
desenvolvidos para dar subsídio à ação do estado como o Programa Integrado de
Reconstrução das Cidades Históricas (PCH) e o Centro Nacional de Referência
Cultural (CNRC).
Entre 1974 e 1985 amplia-se a atuação dos órgãos responsáveis pela
salvaguarda do patrimônio na Bahia, com intensificação de tombamento em sítios
urbanos e incentivando a intervenção de particulares em edifícios isolados de valor
histórico e artístico, visando atender a fins turísticos. Em 1985 o centro antigo de
Salvador é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Esse momento marca também a luta de segmentos da sociedade pela
preservação do patrimônio que possuía um valor de referência social e cultural para
determinados grupos e que não estava inserido no projeto elaborado pelo estado.
Frente às políticas preservacionistas desenvolvidas pela Bahia tendo como
parâmetro a atuação do órgão federal que estabeleceu ações preservacionistas
com base na historiografia oficial, grupos que se encontravam na base da sociedade
passaram a reivindicar a proteção do legado cultural que compunha a sua trajetória
histórica:
Paralelamente surgem, na cena do patrimônio, novos atores a exigir a preservação do patrimônio cultural não-consagrado, aqueles bens culturais que, até então, não eram considerados com possuidores da necessária carga de valor histórico ou artístico de forma a integrar o que se considerava o universo do patrimônio histórico e artístico nacional. Surge, em resposta, o tombamento de outros documentos de referências culturais não européias. O Projeto Mamnba (Mapeamento dos Monumentos Negros da Bahia), que terminou por viabilizar o tombamento do Terreiro da Casa Branca, é emblemático desse período, em Salvador. (DIAGNÓSTICO IV ENCONTRO SIRCHAL, 2000, p.05)
A década de 90 é marcada por uma atuação efetiva e intensa do Estado
baiano no reconhecimento do seu patrimônio e na elaboração de projetos que
culminaram em ações efetivas direcionadas à salvaguarda desses bens. Inicia-se a
restauração das fachadas do conjunto arquitetônico do Largo do Pelourinho, em
uma ação polêmica que desloca a comunidade autóctone do seu espaço,
desvinculando-a do processo preservacionista que garante o sentido cultural da
preservação, como definida na Carta de Toledo de 1986, que ressaltava a
importância da adesão da comunidade no processo de preservação:
A partir de 1992, o governo do estado da Bahia iniciou um grande projeto de recuperação do bairro, incluindo a renovação de sua infra-estrutura e a consolidação e adaptação de seus edifícios a funções turísticas. O projeto Recuperação do Centro Histórico de Salvador é o maior programa do gênero realizado no País, com a particularidade de ter sido totalmente financiado por um governo estadual. Até meados de 1996, foram investidos a fundo perdido pelo estado da Bahia cerca de US$ 24 milhões, fora os financiamentos concedidos a comerciantes para se instalarem no bairro. Com esse recurso foram recuperados 334 casarões e reconstruídas nove ruínas. Mas essa ação implicou, também, em elevado custo social. Mais de 500 moradores tiveram de abandonar suas casas. (AZEVEDO, [s.d.], p.1)
Esse projeto de recuperação do patrimônio histórico baiano foi uma iniciativa
do poder público, em que a Secretaria de Cultura e Turismo do Estado e o IPAC
investiram cerca de 21,3 milhões3 entre 1995 e 2004 para a recuperação e
preservação do patrimônio histórico em parceria com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento através do programa Monumenta, que atuou na área de
recuperação sustentável dos bens patrimoniais através da conservação,
restauração, medidas econômicas, institucionais e educativas em sítios históricos e
urbanos tombados pelo IPHAN. (SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO DA
BAHIA, 2005)
As ações preservacionistas na Bahia estiveram, desde os momentos iniciais,
diretamente relacionadas ao projeto de desenvolvimento turístico idealizado pelo
governo baiano ainda na década de 60. Dentre os objetivos desse projeto constava
a recuperação e preservação do patrimônio histórico-cultural a ser utilizado como
atrativo pelo Turismo. O lançamento do Projeto “Caminhos da Bahia” na década de
3 Dados da Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia. Secretaria da Cultura e Turismo 1995-2004. Salvador: Governo da Bahia, 2005.
70, que visava ao fortalecimento do turismo doméstico no Estado, defendia a
proposta de:
Continuar o trabalho de preservação e valorização do patrimônio histórico, artístico e cultural, componente que sempre deu maior competitividade à Bahia como produto turístico, cuja diversidade lhe garantia vantagem com relação à concorrência. (BAHIATURSA, 1998, p.36)
Entretanto, essas ações do governo estadual estiveram centradas na capital
Salvador e nas cidades de Porto Seguro e Trancoso - que tiveram seus centros
históricos recuperados em 1998 como parte da comemoração dos 500 anos do
Brasil - Cachoeira e Lençóis.
Outras localidades com reconhecido potencial para o desenvolvimento
turístico e com um relevante patrimônio histórico arquitetônico não foram até a
atualidade contempladas pelo projeto, como no caso de Morro de São Paulo, que
despontou como pólo turístico na década de 90, ocupando na atualidade o 4º lugar
no ranking do turismo baiano.4
3.2 – Morro de São Paulo em uma perspectiva histórica
Tendo o seu território estabelecido nos limites de terras pertencentes a
Capitania de São Jorge dos Ilhéus, de propriedade de Jorge de Figueiredo, Morro de
São Paulo foi o primeiro ponto de desembarque da esquadra portuguesa
comandada por Francisco Romero que veio colonizar esse espaço geográfico
brasileiro: “Ora, chegada à extremidade boreal da ilha de Tinharé aí, “junto de um
4 Dados da Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia , Disponível em: www.sct.ba.gov.br
morro escalvado que se chamou de “São Paulo”, diz C. Malheiros Dias, a armada de
Francisco Romero lançou as âncoras.” (SILVA, 1980, p.11).
A chegada dessa esquadra portuguesa foi considerada o ponto inicial de
povoamento da região, fato relatado por diversos viajantes que por aqui passaram
entre os séculos XVI e XIX.
Cumprindo o mandado de tomar posse das terras da Capitania e povoar o
território, Francisco Romero desembarcou na Ilha de Tinharé e fundou a vila de
Morro de São Paulo por considerar a localidade um ponto estratégico para o
estabelecimento da sede administrativa da Capitania.
Essa percepção dos portugueses se deu devido à privilegiada localização
geográfica do morro existente na ponta nordeste da Ilha, permitindo fácil acesso de
embarcações que se dirigiam para a então capitania da Bahia. Decidiram, portanto,
erguer ali uma vila, dando início assim ao domínio e posse das terras que
compreendiam a capitania de São Jorge dos Ilhéus:
Faz esta ilha de Tinharé da banda do sul um morro escalvado, que se diz de São Paulo, a cuja abrigada ancoram naus de todo o porte, quem quiser entrar desta para dentro pode ir bem chegando ao morro, e achará fundo de cinco e seis braços. Nesta ilha de Tinharé junto do Morro esteve a primeira povoação da capitania dos Ilhéus. (SOUSA, apud SALES, 1996, p. 19)
Contudo, Morro de São Paulo não permaneceu no posto de sede da
Capitania, que foi logo transferida mais ao sul do território onde foi erguida a vila de
São Jorge dos Ilhéus, por considerarem a localidade mais apropriada para
estabelecer a sede administrativa.
Apesar da transferência da sede para a então vila de Ilhéus, a estratégica
posição geográfica de Morro de São Paulo fez do lugar ponto de atracagem de
embarcações que vinham de diferentes partes do Brasil e do mundo, e serviram
como base de apoio às esquadras que chegavam em território brasileiro por
diversos motivos:
Nenhum dos acidentes topográficos do litoral baiano, depois da Baía de Todos os Santos possui tão larga nomeada nas páginas da nossa história local, nem foi tão conhecido na costa brasileira como o Morro de São Paulo. Não houve embarcação de pirata ou corsário, nau de comércio, de exploração ou da Índia, frota de comboio, armada amiga ou inimiga que navegasse as águas territoriais da Bahia, sem por ele deixar de se balizar. Nunca expedição inimiga veio atacar a cidade do Salvador que não fosse antes cruzar nas águas da ilha de Tinharé. (SILVA, 1980, p. 104)
Localizado na então chamada barra falsa da Baía de todos os Santos, que
dava acesso ao Canal de Itaparica até o Forte Santo Antonio – atualmente Farol da
Barra - a localidade serviu como ponto de apoio inclusive para esquadras inimigas
que vieram atacar a Bahia no período colonial. A localização geográfica privilegiada
do povoado pode ser vista no mapa a seguir:
FIGURA 1- Mapa geográfico da Bahia com destaque em vermelho para Morro de
São Paulo
FONTE: MOUTINHO, Augusto César Machado. Salvador, 2002, p. 27
Tendo sua ocupação realizada por um país de tradição católica, ao
estabelecer seu domínio sob o território brasileiro, Portugal demarcou sua presença
não apenas territorialmente, mas também no campo ideológico religioso. Assim, por
volta do início do século XVI foi erguida no ponto mais alto de Morro de São Paulo
uma igreja, consagrando Nossa Senhora da Luz como protetora da localidade. Essa
igreja desapareceu, e não foram encontrados registros históricos sobre o que
poderia ter acontecido. No século XVIII foi construída a segunda Igreja de Nossa
Senhora da Luz no povoado, localizada à entrada da vila, que permanece até os
dias atuais.
A região da Capitania de São Jorge dos Ilhéus denominada hoje de Costa do
Dendê, também conheceu um período de relativo progresso no período colonial,
destacando-se da então sede da capitania que até os meados do século XVIII
encontrava-se despovoada e em processo de declínio e abandono, como relata a
literatura de diversos viajantes que passaram pela região.
Um dos motivos desse progresso foram os constantes ataques indígenas às
vilas localizadas no espaço continental do território, fazendo com que as ilhas
fossem habitadas pela população que fugia dessas ofensivas.
Entretanto, apesar da região onde Morro de São Paulo está localizado ter
vivido um iminente progresso no século XVI; durante o século seguinte o povoado
viveu um processo de abandono, servindo de base para corsários, contrabandistas e
navios inimigos aportarem.
Diante dessa situação e reconhecendo sua importância geográfica, o
Governador Geral do Brasil Diogo Luís de Oliveira decidiu fortificar a vila para evitar
a baldeação de esquadras inimigas em seu território. Por volta da década de trinta
do século XVII inicia-se a construção de um ponto de defesa em Morro de São
Paulo, composto inicialmente pelo forte velho, que ganha sua primeira guarnição
fixa em 1664 :
A tão falada fortaleza que lhe coroa a lombada começou-se a construir em 1631, no tempo do governador Diogo Luiz de Oliveira que temia a ocupação e fortificação do sítio pelos corsários, flamengos ou franceses, que assustadoramente infeccionavam os nosso mares (...). Pelo que, dirigindo-se em pessoas à Ilha de Tinharé, no ano de 30, e certificando-se da magnífica posição estratégica do morro, convocou os oficiais das câmaras das vilas de Camamu, Cairu e Boipeba, mostrando-lhes o perigo que corriam as respectivas populações no caso dos inimigos se apoderarem daquele porto. Indispensável era, para a segurança de todos, elevar-se ali uma fortaleça e guarnecê-la. (CAMPOS, 1980, p.104)
Durante todo o século XVIII, o forte recebeu diversas ampliações –
construção do Forte da Ponta e da cortina5 ao longo do canal (1728 a 1732),
5 Construção de pedra com a função de resguardar um local.
construção da muralha (1739 a 1759), construção da cortina do Forte da Ponta
(1779) - passando a constituir um dos mais importantes sistemas defensivos da
Bahia e possivelmente do Brasil colonial. (IPAC, 1988).
Campos (1980) ainda relata que a importância geográfica de Morro de São
Paulo era tão grande no período colonial, que durante as negociações entre Portugal
e Holanda, para a retirada da Companhia das Índias das terras brasileiras, os
holandeses propuseram ficar ocupando Morro de São Paulo por 20 anos, até que
Portugal cumprisse as obrigações estabelecidas pelo acordo.
Visando à defesa do território, tropas são enviadas à vila para montar guarda
na Fortaleza e impedir que navios inimigos se aproximassem do território.
Com a presença das tropas do governo na localidade, no século XVIII inicia-
se a obra de construção da Fonte Grande, que foi considerada o maior sistema de
abastecimento de água da Bahia colonial (IPAC, 1998), servindo para suprir as
necessidades não apenas dos militares que se encontravam em Morro de São
Paulo, responsáveis pela proteção do território, como também para toda a
população local.
Além de se constituir como ponto de defesa para o território, durante o
período colonial, o local serviu também de ponto de escoamento para as
mercadorias que vinham de diferentes pontos da região com destino à capital da
Bahia.
Economicamente, a região se desenvolveu através do cultivo do açúcar,
farinha de mandioca e materiais de construção que abasteciam a cidade de
Salvador. Nos séculos XVII e XVIII o povoado destacou-se como produtor de
farinha, recebendo a incumbência de enviar parte da sua produção para abastecer
as tropas portuguesas que se encontravam assentadas na capital baiana:
A Ilha de Tinharé, juntamente com Cairu e Boipeba, durante os séculos XVII e XVIII, concentrava a maior produção de farinha de mandioca que abastecia Salvador, sendo em 1673 proibido pelo governador Afonso Furtado a exploração de cana nas Ilhas para não prejudicar a produção de farinha.Foi necessário fortificar o canal de Tinharé para não prejudicar o abastecimento de Salvador, por onde escova a produção regional. (PLANO DE MANEJO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DAS ILHAS DE TINHARÉ E BOIPEBA, 1988, p.79)
A população local nesse período era composta por pequenos núcleos
familiares que se dedicavam à atividade agrícola e à pesca, convivendo com o
efetivo militar que guarnecia a vila.
No século XIX Morro de São Paulo passa por uma intensa crise causada
principalmente pela concorrência de outros pólos produtores de farinha.
(MOUTINHO, 2002, p.28). A população local volta-se então para a pesca como
forma de garantir a sua sobrevivência.
No século XX, Morro de São Paulo ainda é considerado como importante
ponto de defesa do litoral brasileiro, fato comprovado pela presença do exército
brasileiro em seu território durante a Segunda Guerra Mundial:
Com uma fortaleza que serviu de proteção a uma das portas de entrada do Recôncavo baiano ao longo dos séculos, Morro de São Paulo ressurgiu na Segunda Guerra como local estratégico de guarnição da costa brasileira. Ali foi instalado um posto de rádio-telegrafia, enviado um contingente fixo da Marinha, além do movimento de navios naquelas águas terem se tornado algo rotineiro. (MOUTINHO, 2002, p.30)
Esse fato marcou profundamente a população da vila, principalmente pelo
impacto direto sob a economia local, pois com receio de ataques às embarcações
devido aos bombardeios aos navios brasileiros que ocorreram nesse período nas
águas que banham a Ilha de Tinharé, os moradores deixaram de praticar a pesca
em alto mar, o que comprometeu o abastecimento das cidades de Valença e
Salvador, com quem a população local comerciava o pescado, bem como a própria
subsistência.
Na busca de alternativas para vivenciar as dificuldades impostas pelo
momento de medo ocasionado pela guerra, a comunidade local recorreu à
fabricação de cal, incorporando-a à economia local.
Com o fim da guerra, a rotina de Morro de São Paulo, caracterizada como vila
de pescador vai, gradativamente, voltando à normalidade. Assim, até meados da
década de 70 a atividade pesqueira foi a base da economia local, quando se inicia
na vila um incipiente movimento turístico caracterizado pela presença de veranistas
na localidade. Era o marco inicial que colocaria, duas décadas mais tarde, Morro de
São Paulo como um dos principais destinos turísticos da Bahia.
3.3- Morro de São Paulo no contexto do desenvolvimento do turismo baiano:
de vila de pescador a destino turístico
A fundação da Secção de Turismo da Diretoria do Arquivo e Divulgação na
década de 30, representou, na história do turismo na Bahia, o começo de
implantação e institucionalização da atividade no estado, atuando inicialmente em
âmbito municipal, tendo como foco principal a capital Salvador. Essa fase representa
o começo de uma trajetória evolutiva que se segue nas décadas seguintes, que
culmina com a afirmação da Bahia enquanto importante pólo turístico nacional.
Na década de 50, o governo municipal efetivou uma lei de incentivo ao
desenvolvimento do setor hoteleiro através da isenção de impostos para a
construção de Hotéis. Em seguida, a prefeitura de Salvador, através do
departamento de Turismo, apresentou seu Plano de Desenvolvimento de Turismo,
sendo assim considerada a primeira cidade do Brasil a executar uma política oficial
de desenvolvimento turístico.
A inserção do turismo na esfera estadual inicia-se com a formação da
Comissão de Planejamento Econômico (CPE), quando o governo assume a função
de promotor do desenvolvimento econômico no estado. A partir daí, o turismo passa
a ocupar espaço nos projetos de desenvolvimento econômico baiano:
Com o novo planejamento instituído pela CPE, o turismo ampliou o seu raio de inserção na esfera governamental, passando, pela primeira vez, a ser incorporado às estratégias do governo do Estado, que, em 1958, o inclui entre os capítulos do Programa de Recuperação Econômica da Bahia. (QUEIROZ, 2002, p.53)
No final da década de 60 é criada a Bahiatursa, órgão descentralizado de
economia mista, com a finalidade de explorar e incentivar o crescimento do setor
hoteleiro.
Na década de 70, foi apresentado o Plano de Turismo do Recôncavo,
considerado como instrumento de planejamento turístico que marca a orientação
das ações governamentais para o desenvolvimento turístico na Bahia:
No início da década de 70, o Plano de Turismo do Recôncavo indicava rumos para uma política estadual de turismo e, através dessa atividade, impulsionar o desenvolvimento econômico e social da Bahia. (BAHIATURSA, 1998, p.9)
A partir desse período, o processo de desenvolvimento do turismo baiano,
tendo como característica a ação efetiva do governo estadual, aconteceu em três
momentos específicos, o primeiro no inicio da década de 70, quando a Bahia buscou
se firmar no mercado nacional, o segundo, em meados da mesma década quando
houve um investimento maior no mercado doméstico e empreendimento de ações
que começaram a atingir o mercado internacional, e o terceiro momento, na década
de 90, que afirmou, definitivamente, o nome da Bahia no cenário turístico nacional e
internacional.
Nessa perspectiva desenvolvimentista, o segundo período ficou conhecido
como o primeiro grande momento do turismo baiano:
O governo estadual estabeleceu o turismo como uma de suas prioridades e iniciou, em 1971, o primeiro grande momento do setor nos últimos 30 anos. Nessa época definiram-se as grandes políticas, estratégias e programas que passaram a orientar o turismo na Bahia até hoje, a partir dos estudos e estratégias sugeridos pelo Plano de Turismo do Recôncavo, foram criados, nas estruturas da Secretaria da Indústria e Comércio, o Conselho Estadual de Turismo e a Coordenação de Fomento ao Turismo, organismos de planejamento e que atuavam em conjunto com a Bahiatursa, esta, como agente executivo, deixando de ser apenas uma empresa destinada a construir e administrar hotéis. (BAHIATURSA, 1998, p.25)
Nesse momento, o âmbito de atuação da Bahiatursa é modificado, passando
o órgão a efetuar as ações de coordenação e execução de políticas de fomento ao
desenvolvimento turístico no estado, assumindo também as ações planejamento.
Até esse período, as diretrizes adotadas pelo governo estadual centraram os
investimentos na capital Salvador, fator que marcou as ações desenvolvidas nesses
dois momentos iniciais.
No final da década de 70 esse quadro começou a decair devido a crise que o
país atravessava após o milagre econômico, agravando-se com a elevação contínua
de preços e redução do poder aquisitivo da população, além da crise mundial do
petróleo. Em 1987 a Bahia chega ao 8º lugar no ranking turístico brasileiro, quando
havia conquistado o 2º lugar nos anos anteriores. (BAHIATURSA, 1998).
Esses fatores revelaram que a política de afirmação do turismo como
importante atividade econômica do estado deveria ser redirecionada, para que a
Bahia pudesse alcançar a meta de consolidação como importante destino turístico
tanto em âmbito nacional como internacional.
Assim, a partir de 1990 inicia-se um novo processo de desenvolvimento
turístico na Bahia, que marca o terceiro momento considerado como o segundo
boom que impulsionou a atividade no estado e tendo como estratégia criar novas
motivações para a visitação. Adotou como princípio essencial para alcançar esse
objetivo a ampliação da oferta turística baiana a partir da inserção de novos destinos
capazes de agregar mais valor ao destino Bahia, o que levaria a um aumento de sua
competitividade diante de novos pólos emergentes do turismo nacional,
concentrados principalmente no Nordeste.
Essas diretrizes adotadas pelo governo baiano foram delineadas no
Programa de Desenvolvimento Turístico da Bahia (PRODETUR-BA) 1991-2005, que
elaborou uma geografia turística para o estado, dividindo-o em zonas, com base no
programa Caminhos do Brasil desenvolvido pela Bahiatursa que já havia zoneado o
território do estado para fins turísticos, com o objetivo de descentralizar o
desenvolvimento da atividade para além da capital Salvador. Esse projeto encontrou
apoio, a partir de 1995, do programa federal homônimo voltado para a região
Nordeste:
A Bahia também vivenciou profundas transformações na sua atividade
turística nos anos 90, com destaque para os maciços investimentos
governamentais em infra-estrutura por meio do Programa de
Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR-NE), a busca da
desconcentração da atividade turística para fora do âmbito metropolitano
de Salvador, com conseqüente diversificação do produto turístico no
Estado (MENDONÇA, 2002 p.1)
Nessa divisão, foram contempladas 4 regiões: Baía de Todos os Santos,
Costa dos Coqueiros, Costa do Descobrimento e Chapada Diamantina. Para cada
zona, foi definido um centro turístico que seria a base central do desenvolvimento da
região. A idéia era eleger espaços com potencialidade para o empreendimento da
atividade, contendo atrativos e infra-estrutura adequados, e que pudessem trazer
consigo o desenvolvimento para outros espaços da região. A escolha desses
centros que serviram de referência para o turismo se deu segundo alguns aspectos:
A localização dos Centros foi selecionada levando-se em consideração os seguintes pontos: distância a ser percorrida a partir do aeroporto, àquela altura já com capacidade de operação com jatos, conforme a exigência para o recebimento de fluxos, sobretudo internacionais; qualidade dos atrativos naturais e culturais; patrimônio histórico local e grau de subdesenvolvimento das diferentes zonas – o objetivo era alavancar, através do turismo, o desenvolvimento de regiões deprimidas. (QUEIROZ, 2002, p. 150)
Em 1993 um relatório prévio enviado pelo governo da Bahia ao Banco
Interamericano de Desenvolvimento redefiniu a divisão geográfica para o fomento do
turismo, com acrescentamento de outras zonas: a Costa do Dendê, a Costa do
Cacau e a Costa das Baleias.
Nesse cenário, Morro de São Paulo entra efetivamente nas políticas de ação
do governo estadual para o empreendimento turístico. Dois anos antes, ele havia
entrado em fase de experimentação nas estratégias de captação de turistas para o
estado, a partir de sua inserção nos programas de cruzeiro marítimo desenvolvidos
no litoral baiano. Com o novo zoneamento, a localidade passou a ser o centro de
referência para o desenvolvimento da atividade na Costa do Dendê.
Tendo sua economia baseada no setor pesqueiro desde a primeira metade do
século XX, a vila, constituída por uma exuberante paisagem natural, começou a
atrair a atenção de pessoas que descobriram a beleza natural de Morro de São
Paulo, caracterizada por vegetação dominante de floresta e clima tropical, além de
um relevo formado basicamente por praias, ilhas e morros.
Na década de 70 houve uma investida dos hippies, seguindo-se na década
seguinte por veranistas que iam passar os meses de dezembro, janeiro e fevereiro
na localidade e na década de 90 há a consolidação de Morro de São Paulo
considerado importante pólo turístico do estado:
Tabela 1 - EVOLUÇÃO FLUXO TURÍSTICO MORRO DE SÃO PAULO DÉCADA DE
90
ANO INDICADOR
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
FLUXO GLOBAL (Em 1.000)
Bahia 2.162,34 2.156,44 2.585,08 2.834,53 2.856,53 3.464,71 3.652,27 3.792,22 4.078,34
SALVADOR 1.141,87 1.026,88 1.230,99 1.349,78 1.407,84 1.707,31 1.745,72 1.714,99 1.844,23
PORTO SEGURO 475,09 473,88 567,97 622,89 627,72 761,20 831,08 948,06 1.019,5
9
ILHÉUS 121,74 121,41 145,54 159,58 160,82 195,06 199,14 227,53 244,70
M S PAULO6 / VALENÇA
77,84 77,63 93,06 102,04 102,84 124,73 131,03 151,69 163,13
LENÇÓIS 41,08 40,97 49,12 53,86 54,27 65,83 68,57 75,84 81,57
OUTROS 304,72 415,67 498,40 546,38 503,04 610,58 676,73 674,11 725,12
FONTE: Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia – Indicadores de Desempenho do Turismo
A afirmação de Morro de São Paulo como pólo turístico se deu,
essencialmente pela exuberância natural a partir do desenvolvimento do turismo
ligado aos aspectos naturais, como sol e praia, revelando que o desenvolvimento
turístico na localidade sempre esteve ligado à natureza local. Ainda segundo dados
6 As análises estatísticas de fluxo turístico realizadas sobre Morro de São Paulo estão diretamente associadas ao fluxo turístico da cidade de Valença, uma das principais vias de acesso dos turistas para a vila.
da Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia – Indicadores de Desempenho do
Turismo, Morro de São Paulo/Valença recebeu, no ano de 2004, cerca de 195 mil
turistas.7
Apesar de toda a sua trajetória histórica e da evidência da importância que a
vila representou para a história baiana e brasileira, percebida através do legado
cultural ainda existente em seu território, o turismo desenvolvido em Morro de São
Paulo está centrado nos atrativos naturais.
Apesar das constantes referências dos atrativos histórico-culturais nas ações
comunicativas de vendas do destino, o patrimônio histórico arquitetônico de Morro
de São Paulo, que seria a base do desenvolvimento do turismo histórico-cultural,
encontra-se em processo avançado de degradação, vez que não recebe atenção
dos poderes públicos em instância federal, estadual e municipal, mesmo
representando a potencialidade de se configurar como um diferencial turístico capaz
de agregar mais valor ao destino, fator essencial inclusive para as políticas de
desenvolvimento do turismo na Bahia, que considera a cultura como um fator
diferencial a ser vinculado nas estratégias de comunicação de venda do produto
turístico baiano.
Possuindo elementos culturais de grande relevância, a inserção do turismo
histórico-cultural no povoado revela-se como um diferencial capaz de otimizar a
atividade turística e torna-se um segmento turístico bastante promissor, que agrega
vantagem competitiva ao destino.
3.4 - O patrimônio de Morro de São Paulo: um olhar sobre a história a partir
dos monumentos arquitetônicos
7 Dados da Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia , Disponível em: www.sct.ba.gov.br
O patrimônio cultural arquitetônico de Morro de São Paulo está caracterizado
pelo IPAC como sendo um sítio histórico, composto pela Fortaleza (formada pelo
Portaló, Forte Velho, Forte da Ponta e a muralha), pela Igreja de Nossa Senhora da
Luz, Fonte Grande, Sobrado da Praça e o Farol.
No período inicial de atuação do SPHAN, marcado pela orientação de
preservação voltada aos bens característicos do período colonial do Brasil, os
monumentos históricos de Morro de São Paulo entraram na lista de preservação do
órgão, estando sob sua proteção desde 1936, ocasião em que foram tombados a
Fortaleza e o Forte da Ponta, sendo inscritos no livro do Tombo de Belas Artes em
25 de maio de 1936, e no Livro de História três anos depois. Em 25 de maio de 1939
foi reconhecido primeiro o seu valor artístico e logo em seguida o valor histórico. A
Fonte Grande foi tombada em 08 de agosto de 1943, e sua inscrição consta no
Livro de História e de Belas Artes (IPAC, 1985).
Dos monumentos de Morro de São Paulo, a Igreja de Nossa Senhora da Luz
e o Sobrado da Praça não foram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, e o Farol não foi tombado pelo IPHAN nem inventariado pelo
IPAC.
O IPAC atuou em esfera estadual através da realização do inventário dos
monumentos históricos existentes em Morro de São Paulo, tendo como base a
legislação que determina as diretrizes sobre o inventário:
O inventário fundamenta-se sobre as seguintes definições básicas: a) É considerado monumento toda obra ou grupo de obras do homem, da pré-história à época atual, julgada testemunho da civilização ou de história, e como tal mereça proteção; b) Para efeito de organização do inventário, torna-se necessário agrupar os monumentos segundo grandes categorias: 1.0 Arquitetura religiosa assistencial ou funerária; 1.1 Arquitetura militar; 1.2 Arquitetura civil de função pública;
1.3 Arquitetura civil de função privada; 1.4 Arquitetura industrial ou agrícola; c) o tratamento dispensado aos monumentos está sujeito a quatro graus de proteção: os dois primeiros como proteção direta sobre o imóvel objeto do inventário ou sobre uma parte deste; o terceiro e o quarto como proteção de referência, em que interessa o imóvel só pela relação que este mantém, por sua situação particular, com um perímetro merecedor de proteção. GP-1 – Proteção direta – Monumentos que devem ser conservados integralmente; GP-2- Proteção direta – Monumentos que sofreram sucessivas transformações, muitas vezes impróprias, e só algumas partes justificam a proteção, enquanto o resto pode ser modificado sob o controle da autoridade competente; G-3- Proteção de referência - Edifícios que podem ser eventualmente demolidos e substituídos por novas construções, desde que estas não contrastem com o ambiente que as circunda; G-4- Proteção com referência - Edifícios cuja demolição seria auspiciosa, sem reconstrução, porquanto é reconhecido seu caráter de enxerto supérfulo. (INVENTÁRIO DE PROTEÇÃO DO ACERVO CULTURAL DA BAHIA, 1975)
A realização do inventário possibilita uma análise geral acerca do bem, onde
consta aspectos históricos, constitutivos, estado de preservação e a realização de
intervenções ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que direciona e orienta
possibilidades de restauração e preservação do legado cultural, através de ações
sistêmicas capazes de intervir de forma positiva sobre o patrimônio histórico cultural.
Nessa perspectiva, a existência de um inventário dos bens patrimoniais de
Morro de São Paulo apresenta-se como uma base para elaboração de estratégias
de intervenção nesses bens visando a sua preservação e sua possível inserção no
desenvolvimento turístico, como forma de garantir a sua sobrevivência no tempo e
no espaço.
Quadro 1 – Inventário da Fortaleza de Morro de São Paulo
DENOMINAÇÃO FORTALEZA DE MORRO DE SÃO PAULO CATEGORIA Arquitetura Militar LOCALIZAÇÃO Morro de São Paulo – Município de Cairu -BA PROTEÇÃO EXISTENTE
Bem tombado
REGISTRO IPHAN Tombado pela SPHAN sob o nº 46 do Livro de História, fl. 9, em 24/05/1939 e sob o nº 91 do Livro de
Belas Artes, fl. 17, em 24/05/1936. REGISTRO IPAC BR: 32201-1.1-F002 PERÍODO Início do século XVII ESTADO DE CONSERVAÇÃO
Ruim
DESCRIÇÃO FÍSICA Conjunto de relevante interesse arquitetônico, conhecido como Fortaleza ou Presídio do Morro de São Paulo. O sistema é constituído por uma cortina poligonal com 678 m de extensão, disposta no rumo SW - NE, ao longo do canal de Tinharé. Na extremidade SW fica o Portaló, a entrada ao recinto fortificado. À sua frente existe um edifício abobadado, que servia de corpo de guarda, armazém de armamentos, tulha de farinha e cômodo dos oficiais. Cerca de 157 m adiante, tendo ao meio uma guarita, encontra-se o Forte Velho, ou Bateria da Conceição, uma "flecha" com quatro torneiras e uma guarita. A meia encosta localizava-se a bateria de Santo Antônio. Seguindo a cortina, numa extensão de 263 m, onde se encontram dois grupos de torneiras, chega-se à Fortaleza de São Paulo, ou da Ponta. Aí se conserva um quartel com placa de fundação, datada de 1730. A cavaleiro do Forte de São Paulo, no alto do morro, ficava o Forte do Zimbeiro e, na meia encosta, na direção sul, flanqueando a Prainha, o Forte de São Luiz (No cume, onde hoje existe o farol, ficava a primitiva capela, a casa do capelão, o paiol e um trecho de muralha, tudo destruído.
DESCRIÇÃO HISTÓRICA
1630 - São iniciadas as obras do Forte Velho, ou da Conceição, por ordem do Governador Diogo Luíz de Oliveira. 1652 - O forte já estava em funcionamento, sendo designado capitão. Em 1664, ganha guarnição fixa . 1728/32 - O Conde de Sabugosa manda construir o novo Forte da Ponta e cortina ao longo do canal. 1739 - O Vice-Rei André de Melo e Castro começa a construir um pano de muralha sobre o morro, para integrar o conjunto das fortificações, obras ainda em andamento em 1759. 1774 - Temporal destrói dois trechos da muralha do Forte da Ponta, que assim permanece até o final do século. 1779 - O Sargento-mor Domingos Álvares Branco Muniz Barreto assinala o estado de ruína das fortificações, com os redutos da Conceição, S. Luiz, Santo Antônio e Zimbeiro quase caídos. Constrói cortina no Forte da Ponta, recomenda a reedificação do presídio segundo a arte da castrametação e a volta da companhia de artilheiros. 1823 - Lord Cockrane estabelece ali a base da
primeira esquadra nacional, donde saía para fustigar a frota lusa (2). 1859 - D. Pedro II visita a fortificação e povoado (5).
DADOS TIPOLÓGICOS
A Fortaleza do Morro de São Paulo cumpria duas funções. A primeira era a de proteger o canal de Tinharé, por onde escoava a produção de importantes centros de abastecimento da capital, como as vilas de Cairu, Camamu, Boipeba e a atual Itacaré. Estas vilas, durante um século, sustentaram de farinha a guarnição do forte. Ali também podiam refugiar-se corsários e barcos inimigos. Sua outra função era evitar que embarcações inimigas, provenientes do sul, pudessem penetrar na chamada barra falsa da Baía de Todos os Santos, ganhando o canal de Itaparica e evitando, desta forma, o fogo do Forte de Santo Antônio, atual Farol da Barra, em Salvador. Algumas de suas fortificações cumpriam claramente a dupla função de proteger o canal e atirar para o mar aberto, como os fortes de São Paulo e a Bateria do Zimbeiro, esta última situada a uma altura de cerca de 60 m. O Forte de São Luiz protegia em particular a Prainha, onde era fácil um desembarque inimigo. O conjunto de fortificações não foi edificado de uma só vez, senão em etapas, como está descrito na cronologia. A Fortaleza de Morro de São Paulo constitui o mais extenso sistema defensivo do Estado e, provavelmente, do País.
FONTE IPAC-BA: Inventário de Proteção ao Acervo Cultural; monumentos e sítios do Litoral Sul. Salvador: 1988, v. 5. Bahia: Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo da Bahia.
FIGURA 2 - Portaló, porta de ingresso à Fortaleza. FONTE: MELO, fev. 2004
FIGURA 3 – Vista da parte esquerda da fortaleza e da muralha. FONTE: MELO, fev. 2004
FIGURA 4 - Vista de frente da Fortaleza. FONTE: MELO, fev. 2004
FIGURA 5 – Forte Velho FONTE: MELO, fev. 2004
Quadro 2 – Inventário do Forte da Ponta
DENOMINAÇÃO FORTE DA PONTA CATEGORIA Arquitetura Militar LOCALIZAÇÃO Morro de São Paulo – Município de Cairu -BA PROTEÇÃO EXISTENTE
Bem tombado
REGISTRO IPHAN Tombado pela SPHAN sob o nº 46 do Livro de História, fl. 9, em 24/05/1939 e sob o nº 91 do Livro de Belas Artes, fl. 17, em 24/05/1936.
REGISTRO IPAC BR: 32201-1.1-F002 PERÍODO Início do século XVII (19...) ESTADO DE CONSERVAÇÃO
Ruim
DESCRIÇÃO FÍSICA Forte, de relevante interesse arquitetônico, constituído de um terrapleno, em forma trapezoidal, com seis troneiras e duas guaritas, uma das quais já destruída pelo mar; quartel em ruína e um segundo terrapleno a barbeta, situado junto à fachada leste do quartel. No lado oposto, o quartel, uma construção retangular, medindo cerca de 14,50 x 28,0 m, é recoberto por telhado de quatro águas e apóia-se sobre uma das cortinas do terrapleno. Penetra-se no forte através de portada com cercadura de arenito, sobre cujo frontão semicircular existe inscrição comemorativa da sua fundação, reproduzida na cronologia. Um pequeno corredor, flanqueado pelo corpo-de-guarda e prisão, conduz a um átrio coberto, aberto para o terrapleno através de três grandes arcos plenos. Neste átrio localiza-se a cisterna. Em duas faixas laterais localizava-se, à direita, a casa do oficial e, à esquerda, o paiol e as cloacas. A fachada oeste é inteiramente cega e a leste vazada apenas por seteiras. Todo o conjunto está tomado pelo mato. No chão, um canhão datado de 1695.
DESCRIÇÃO HISTÓRICA
1730 - "O excelentíssimo senhor Vasco Fernandes Cesar de Meneses, conde de Sabugosa, do conselho de S. M. que Deus guarde, alferes-mor do Reino, alcaide-mor da vila de Alenquer, comendador da Ordem de Cristo, das comendas de São Pedro de Lomar e de São João de Rio Frio, capitão-geral de mar e terra do estado do Brasil, mandou fazer esta fortaleza no ano de 1730", assim reza uma placa existente na entrada do forte. Não obstante isto, afirmam os historiadores que a obra foi construída entre 1728 e 1732. Ao mesmo Vice-rei deve-se, também, a construção da cortina que corre em uma extensão de 678 m.
1774 - Em junho deste ano, um temporal rompe dois trechos da muralha de seu terrapleno (4). Vide planta reproduzida por Vilhena 1787 - Em ofício, o Governador D. Rodrigo José de Menezes dirige-se a D. Martinho de Mello e Castro, assinalando as obras necessárias para evitar a total ruína da fortaleza. 1797 - O terrapleno, já muito erodido pelo mar, é reduzido em tamanho e restaurado pelo sargento-mor Domigos Álvares Branco Muniz Barreto que, na mesma oportunidade, constrói uma nova casa de pólvora.
DADOS TIPOLÓGICOS
O primitivo Forte da Ponta possuía terrapleno com 70 m de extensão e 19 torneiras, como pode ser observado em gravura reproduzida por Vilhena. Sua atual configuração resulta das obras realizadas na última década do século XVIII pelo Sargento-mor Domingos Álvares Branco Muniz Barreto, comandante do presídio, em reparação aos danos causados pelo temporal de junho de 1774. Sua forma atual foi descrita pelo Coronel de Engenheiros Henrique Beaurepaire Rohan, em 1863, como "... hexágono irregular, com três faces à barbeta e três (faces) canhoneiras, que formam quatro (ângulos) salientes e um reintrante". O mesmo oficial assinala a necessidade de uma plataforma geral e do rejuntamento das muralhas. Sua função era proteger não só o canal de Tinharé, evitando o refúgio de barcos inimigos, e guardando a rota de abastecimento de farinha da capital, que se processava por aquela via, como evitar a entrada de barcos inimigos na Baía de Todos os Santos, através da sua barra falsa.
FONTE IPAC-BA: Inventário de Proteção ao Acervo Cultural; monumentos e sítios do Litoral Sul. Salvador: 1988, v. 5. Bahia: Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo da Bahia.
Quadro 3 – Inventário da Fonte Grande DENOMINAÇÃO FONTE GRANDE CATEGORIA Arquitetura civil de função pública LOCALIZAÇÃO Morro de São Paulo – Município de Cairu -BA PROTEÇÃO EXISTENTE
Bem tombado
REGISTRO IPHAN Tombada pela SPHAN sob o nº 216 do Livro de História, fl. 36, em 08/08/1943 e sob o nº 283-A do Livro de Belas Artes, fl. 60, em 08/08/1943.
REGISTRO IPAC BR: 32201-1.2-F003
FIGURA 6 – Entrada do Forte da Ponta FONTE: MELO, fev. 2004
FIGURA 7 – Forte da Ponta FONTE: MELO, fev. 2004
PERÍODO Meados do século XVIII ESTADO DE PRESERVAÇÃO
Ruim
DESCRIÇÃO FÍSICA Equipamento urbano de relevante interesse arquitetônico e urbanístico. O sistema compreende riacho de alimentação; cisterna circular, recoberta por cúpula em meia-laranja; galeria abobadada de adução; fonte, constituída por um chafariz e bacia de captação das águas servidas; sistema de drenagem. A fonte, situada em nível inferior à rua, tem planta retangular e frontispício coroado por frontão barroco, em arenito, com cartela central, onde se lê: "O Ilmº. e Exmº. André de Melo de Castro Conde das Galveas Virei e Cap.ªm Gen.ªl De Mar e Terra Estado do Brazil mandou fazer esta fonte 1746". Uma escadaria com piso em mármore cinza e branco desce até a fonte, onde a água jorra por uma calha de ferro.
DESCRIÇÃO HISTÓRICA
Séc. XVII Início - Conta a tradição que a fonte foi descoberta por Simão Barreto, quando construía a Igreja de N. Sra. da Luz. Necessitando de água para as obras, obteve a graça da Virgem, achando o manancial de água subterrânea. 1746 - O vice-rei André de Melo e Castro mandou fazer uma fonte de três bicas para serventia do Presídio. A fonte foi construída pela Coroa "com boa, abóbada nos canais e passagem do caminho, correndo perenemente". Dado confirmado em inscrição existente na cartela do monumento. 1859 - D. Pedro II, em viagem à Morro de S. Paulo, assinala "Há uma fonte pública de 3 bicas...".
DADOS TIPOLÓGICOS
Merecidamente chamada de Fonte Grande, este é o mais notável exemplar de equipamento urbano de abastecimento d'água da Bahia, do período colonial. Segundo a tradição, a fonte existe desde o século XVII, mas a sua feição atual data de 1746. Em Salvador existem fontes semelhantes a esta, situadas em vales e no sopé da Montanha. O sistema, genericamente, consiste numa galeria subterrânea de captação do lençol d'água, cisterna de decantação e regularização do fluxo; chafariz; bacia de captação de águas servidas e galeria de drenagem. Neste caso, em especial, além do lençol subterrâneo é captada, também, a água superficial de um riacho. Outra particularidade desta fonte: entre a cisterna e o chafariz existe uma galeria de adução com 6 m de extensão
FONTE IPAC-BA: Inventário de Proteção ao Acervo Cultural; monumentos e sítios do Litoral Sul. Salvador: 1988, v. 5. Bahia: Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo da Bahia.
Quadro 4 – Inventário da Igreja de Nossa Senhora da Luz
FIGURA 8 – Vista frontal da Fonte Grande. Ao fundo a cisterna circular. FONTE: MELO, fev. 2004
DENOMINAÇÃO IGREJA DE NOSSA SENHORA DA LUZ CATEGORIA Arquitetura Religiosa LOCALIZAÇÃO Morro de São Paulo – Município de Cairu -BA PROTEÇÃO EXISTENTE
Bem Inventariado
REGISTRO IPHAN
Não tem
REGISTRO IPAC 32201-1.0-I007 PERÍODO Século XVIII ESTADO DE PRESERVAÇÃO
Bom
DESCRIÇÃO FÍSICA
Edifício de relevante interesse arquitetônico. Possui nave, capela-mor, sacristia e torre em lados opostos. O corpo central é recoberto por telhado de duas águas; a sacristia, por meia-água. A torre tem terminação piramidal, revestida de azulejos, com faces côncavas, à maneira de telhado oriental. A fachada, emoldurada por cunhais e cornija, é vazada por três portas em arco pleno, no térreo, e três janelas de coro, em guilhotina, com molduras estilo D. Maria I. A torre possui janela, no nível do coro, guarnecida de veneziana e, ao nível do frontão, sineira em arco pleno. O frontão do corpo central é também estilo D. Maria I, com jarrões a meia altura. O interior conserva excelente talha neoclássica, com pintura verde e dourada sobre fundo branco. Os forros da nave e da capela-mor são ornados com pinturas religiosas adulteradas por restaurações inadequadas. As imagens são boas, destacando-se as de N. S. da Luz, São Paulo, Nossa Senhora da Penha e Santo Antônio. Possui alfaias e alguns móveis, como um arcaz com seis gavetas na sacristia. Merecem referência, ainda, púlpito com bacia de cantaria e nicho da sacristia.
DESCRIÇÃO HISTÓRICA
Séc. XVII (início) - Segundo Silva Campos, a primitiva igreja foi construída no 1º quartel do séc. XVII, às expensas de Lucas da Fonseca Saraiva, proprietário de terras no distrito. Simão Barreto foi o encarregado de dirigir a construção do templo e de velar por ele, depois de construído (1). 1628 - O almirante holandês Pieter Pieterzoon Hiyn destacou navios para saquear a localidade, especialmente a Igreja de Nossa Senhora da Luz, que lhe informaram ser rica em ouro e prata. A ação não chegou a termo, por terem tido os holandeses a ilusão de ver numerosa força defendendo a ilha, o que se atribui a um milagre de Nossa Senhora da Luz.
DADOS TIPOLÓGICOS
Embora existisse no local capela de igual invocação, desde o início do século XVII, o atual templo deve datar do começo do século XIX. Atestam isto a harmoniosa talha neoclássica, típica daquele período, e a decoração D. Maria I, usada na fachada. Esta decoração foi introduzida na Bahia com a reconstrução da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Salvador, nos últimos anos do século XVIII, cuja fachada só foi concluída em meados do século XIX. Pode-se afirmar que o ano de 1845, assinalado no frontispício, refere-se à conclusão das obras da igreja. A sacristia parece ter sido construída posteriormente
FONTE IPAC-BA: Inventário de Proteção ao Acervo Cultural; monumentos e sítios do Litoral Sul.
Quadro 5- Inventário do Farol
FIGURA 9 – Vista Frontal da Igreja de Nossa Senhora da Luz FONTE: FEITOSA, 2006
DENOMINAÇÃO FAROL CATEGORIA Arquitetura civil com função pública LOCALIZAÇÃO Morro de São Paulo – Município de Cairu -BA PROTEÇÃO EXISTENTE
Não tem
REGISTRO IPHAN Não foi encontrado REGISTRO IPAC Não foi encontrado PERÍODO Século XIX DESCRIÇÃO FÍSICA Não foram encontrados registros DESCRIÇÃO HISTÓRICA
O Farol foi projetado e construído sob a supervisão de um engenheiro denominado Carson, que chegou à região para construir a Fábrica de Tecidos de Valença, em meados do século XIX. O registro histórico de maior relevância sobre o Farol vem das anotações de D. Pedro II em seu Diário, realizadas em 1859, quando o imperador do Brasil visitou a ilha. O Farol foi construído provavelmente no ano de 1855.
DADOS TIPOLÓGICOS
Construído em alvenaria de pedra em torre de planta redonda, caiada de branco, recoberto de pastilhas brancas moduladas. Composto por um corpo retangular e uma torre central octogonal. Possui um alcance geográfico de 22 milhas náuticas, e um alcance luminoso (luz branca) de 23 milhas náuticas. Está construído em uma altitude de 89 metros e possui 26 metros de altura. Suas coordenadas geográficas são: latitude - 13º22.53’S e longitude – 038º54.92’w.
FONTE CAMPOS, Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos
Ilhéus. Rio de Janeiro: Conselho federal de Cultura, 1988. Marinha Brasileira em placa informativa localizada à
entrada do farol.
Quadro 6- Inventário do Casarão DENOMINAÇÃO SOBRADO DÀ PRAÇA AURELIANO LIMA
(CASARÃO) CATEGORIA Arquitetura civil com função privada LOCALIZAÇÃO Morro de São Paulo – Município de Cairu -BA PROTEÇÃO EXISTENTE
Bem Inventariado
REGISTRO IPHAN Não consta REGISTRO IPAC BR: 32201-1.3-I008 BA: 32201-0.4-I002. PERÍODO Século XIX ESTADO DE PRESERVAÇÃO
Bom
DESCRIÇÃO FÍSICA Sobrado de interesse arquitetônico, com planta retangular de circulação central, recoberto por telhado de três águas. O edifício está construído em terreno em aclive e o térreo se restringe a duas lojas, situadas na parte anterior do edifício. Precede o edifício um átrio. Seu frontispício, enquadrado por cunhais e cornija, é vazado por cinco portas, no térreo, sendo a central mais alta, e igual número de janelas de guilhotina, no 1º andar. Na década de 70, o edifício sofreu uma grande reforma, quando foram substituídas as divisórias internas de estuque por paredes de tijolo. Conservam-se, contudo, assoalhos originais em três quartos e tijoleira no térreo. O vestíbulo e a escada tiveram seus pisos de madeira substituídos pelo mesmo material, novo. Corredor, sala de jantar e cozinha têm piso em ladrilho hidráulico. Dois quartos e dispensa mantêm o forro original. No restante da casa, os forros são novos. Destaque para a porta torneada que fecha a escada. Nada de importância no mobiliário.
FIGURA 10 – Farol FONTE: MELO, fev. 2004
DESCRIÇÃO HISTÓRICA
Séc. XIX - Não se sabe a data nem o responsável pela construção deste sobrado, cujas características são do meado deste século. 1930 - Eufrosina Porto Rosas adquire o imóvel em mãos de Joaquim Soares Senna, casado com Eleonora de Souza Senna. Dois anos mais tarde, o imóvel é vendido a Merícia Ratis de Carvalho. 1947 - Manoel José compra o sobrado de Merícia Ratis de Carvalho. 1960 - Nildo Cayres da Costa, atual proprietário, adquire o imóvel em mãos de Manoel José e sua mulher, Maria Augusta José.
DADOS TIPOLÓGICOS
Sobrado com escada e circulação central, provavelmente de meados do século XIX. As casas e sobrados de circulação longitudinal constituíram a tipologia mais freqüente de residência urbana, durante o período colonial e século XIX, não só na Bahia, como em todo o Brasil. Nos casos mais modestos a circulação é lateral. Nas residências maiores o corredor se transforma na espinha dorçal do edifício. O sobrado em análise integra um subgrupo especial - os sobrados com escada no mesmo eixo do corredor e conduzindo o visitante diretamente da rua ao pavimento nobre. Na região, foram identificados outros sobrados do mesmo tipo, localizados à Rua Ramiro Monteiro, 40, em Camamu, e Praça da Bandeira, nº 12, em Taperoá.
FONTE IPAC-BA: Inventário de Proteção ao Acervo Cultural; monumentos e sítios do Litoral Sul. Salvador: 1988, v. 5. Bahia: Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo da Bahia.
4 -CULTURA E TURISMO EM MORRO DE SÃO PAULO: realidade e
possibilidades
4.1 – Turismo Cultural: patrimônio histórico, comunidade local e turistas
Os bens de representatividade da cultura local, por ser uma produção
humana que reflete um fazer diário e cotidiano acumulado ao longo dos tempos,
configura-se no patrimônio que esse grupo construiu durante a sua trajetória
histórica e social. Reflete não apenas um tempo passado, mas um tempo que
continua em construção permanente, conjugando em si também o presente e o
futuro. O termo histórico, que no decorrer dessa pesquisa esteve diretamente
relacionado ao patrimônio cultural, reflete essa dinâmica do tempo e mostra uma
sociedade em constituição, que não está presa aos tempo idos, mas que se realiza
também naquilo que ela virá a ser:
Quanto ao termo histórico e à sua utilização junto ao patrimônio, embora seja senso comum uma referência ao passado remoto, ele traduz, além do passado, o vir-a-ser, um permanente estado de gestação de situações e coisas que são também históricas, não apenas porque se referem ao passado, mas porque são, também no presente, produzidas por sociedades humanas num determinado tempo-espaço (CAMARGO, 2005 p.1)
Essa construção diária, síntese da cultura de um povo, tem despertado desde
muito tempo a curiosidade de pessoas, que motivadas pelo desejo de conhecer in
loco essas manifestações culturais, deslocam-se do seu lugar de origem em busca
de um enriquecimento cultural que só se torna possível em contato com outros
grupos sociais.
E assim, o que começou como um anseio dos jovens da aristocracia européia
do século XVII, em suas viagens em busca pelos vestígios das civilizações greco-
romanas que passaram a conhecer através da literatura clássica, ganha o mercado
mundial a partir da segunda metade do século XX, com a afirmação do turismo
enquanto importante atividade econômica, social e cultural.
Na busca por atender a diversidade de motivações que se apresentava à
atividade turística a partir do aumento da procura por viagens, foi desenvolvida a
estratégia de segmentação de mercado, visando agrupar consumidores com
desejos específicos, na tentativa de delinear produtos que pudessem satisfazer aos
mais variados anseios desses turistas.
Nesse processo de segmentação do mercado turístico, o Turismo Cultural
apresenta-se como umas mais importantes motivações que atraem os turistas a uma
determinada localidade:
Seja Chamado de turismo cultural, turismo de patrimônio ou turismo de patrimônio cultural, o fenômeno de viajantes em busca de encontros excitantes e educativos com as pessoas, as tradições, a história e a arte dos povos é uma tendência emergente na indústria do turismo. É uma maneira de atrair mais visitantes de outras nações, assim como satisfazer a crescente demanda do turismo doméstico por cobrir nossas próprias raízes e identidades. Mais que isso, exemplos de todo o mundo demonstram que um sistema de turismo cultural no qual as próprias comunidades investem na preservação, no desenvolvimento e na promoção de seus principais sítios históricos e tradições, pode constituir-se em parte de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento sustentável. (LUCAS, 2003, p.2)
No Brasil, pesquisa realizada pelo governo federal sobre a caracterização e
dimensionamento do turismo doméstico no país revela que o turismo cultural
encontra-se em 3º lugar nas motivações das viagens domésticas, como mostra a
tabela a seguir:
TABELA 2: Motivação de viagem turismo doméstico
FONTE: Embratur/Dados e Fatos – Pesquisa de demanda turismo doméstico 2006.
A análise dos dados demonstra que apesar do baixo percentual na escala de
motivação em relação às viagens impulsionadas por visitas a parentes e amigos e
sol e praia (menos de 50% de cada um desses itens citados), o Turismo Cultural
representa um importante segmento para o turismo doméstico, senão como atrativo
principal, mas como atrativo auxiliar no processo de dinamização e otimização de
um destino turístico.
O fato de atrair a atenção de um número significativo de turistas, faz do
turismo cultural uma importante ferramenta a ser utilizada na configuração de
atrativos para a atividade, tendo como diferencial maior a capacidade de valorização
da cultura e da identidade local proporcionadas por esse tipo de segmento.
Assim, o olhar sobre o desenvolvimento do Turismo Cultural em uma
localidade deve ser direcionado pelo viés preservacionista do legado cultural de
diversos grupos humanos para ser utilizado como atrativo pela atividade, ao mesmo
tempo que incentiva o resgate dos aspectos culturais pela própria comunidade, a
partir de uma dinâmica de integração entre esse patrimônio, comunidade local e
turismo:
A preservação do patrimônio histórico tem sido na contemporaneidade um fator imprescindível para a manutenção da memória e fortalecimento das identidades locais. Dentro deste contexto, o turismo cultural se apresenta como uma atividade que gera condições para a valorização, preservação e revitalização deste legado. No entanto, o mesmo deve ser realizado levando em consideração as bases reais de sustentabilidade da atividade, respeitando os aspectos endêmicos de cada sociedade enfocada. A partir desta ótica se pode erigir uma referência identitária que se apóia na construção histórica e que funciona como vetor de fomento da memória, cristalizado de forma material neste patrimônio social herdado. (VINHAS, 2006, p.51)
Dessa forma, o turismo deve atuar no âmbito de valorização das culturas
locais em todos os seus sentidos, através da utilização sustentável dos bens
históricos e culturais, contribuindo para a preservação e manutenção desses
recursos.
A relação cultura e turismo na contemporaneidade tem dado grande enfoque
aos aspectos preservacionistas inerente a essa congregação de interesses, e é sob
esse prisma que esse segmento deve ser inserido no desenvolvimento turístico do
Povoado de Morro de São Paulo, tendo como ponto de partida os monumentos
existentes na localidade, que retratam a trajetória constitutiva da história local e
nacional, e encontram-se em processo gradativo de destruição por falta de ações
públicas e privadas de preservação desses bens.
Esse seria um fator de inserção efetiva da comunidade local no
empreendimento turístico, partindo-se da valorização dos vestígios do passado
ainda presentes na localidade, e de fortalecimento da identidade e da relação entre
turistas e moradores do povoado, levando também ao estreitamento dos laços
afetivos com o lugar, que deve acontecer não apenas por parte dos habitantes
locais, mas também dos seus visitantes, premissa fundamental para o despertar de
uma consciência preservacionista que dá sentido à preservação do patrimônio.
A dinâmica do tempo impede o congelamento do espaço, fazendo com que
elementos de tempos distintos convivam harmonicamente, desde que inserido no
processo de desenvolvimento. A falta de ações preservacionistas para a
conservação do patrimônio de Morro de São Paulo pode comprometer essa
harmonia quando, além da ausência de ações preservacionistas, interesses diversos
se sobrepõem ao direito de preservação da memória de um povo. Por estarem
localizados em espaços que conjugam uma exuberante beleza natural, a
sobrevivência desse patrimônio pode estar comprometida por interesses meramente
capitalistas, levando a sua destruição para a construção de instalações
economicamente mais viáveis.
Ao pensar o turismo como possibilidade de preservação do patrimônio
histórico-cultural, tem que se pensar as dimensões em que essa relação deve se
estabelecer, para que o direito de acesso aos bens culturais e a memória coletiva
não sejam subjugados em prol dos rendimentos econômicos que uma atividade
pode gerar. Firmado sobre essa vertente, há uma tendência de esvaziar esses
lugares de memória de qualquer sentido, acarretando em uma perda de significado
tanto para a comunidade quanto para os visitantes, que ao invés de encontrar uma
cultura viva e dinâmica, capaz de revelar a si mesma através do legado que
construiu no passado e que permanece no presente, poderão se deparar com
simulacros de cultura:
Hoje, numa tentativa extrema para recuperar seu patrimônio cultural destruído, um atrativo a mais para a promissora indústria do turismo, alguns municípios ensaiam a construção de simulacros da própria história e da própria identidade perdidas. Multiplicam-se processos de ressemantização de estruturas vazias com os novos ícones da florescente indústria de cultura de massa, bem como a construção de cenários às vezes até animados com personagens, mas isolados de qualquer contaminação com a realidade, espaços esvaziados de vida e conteúdo cultural que, no máximo, poderiam ser identificados como parques temáticos, todos iguais entre si. A justificativa é sempre a "criação de empregos", quando deveria ser o exercício pleno da cidadania, ou a "abertura para o mercado", quando deveria ser a abertura para a sociedade. (SANTOS, 2001, p.9)
Nessa dimensão, a inserção do patrimônio na atividade turística não deve se
pautar apenas na perspectiva mercadológica, mas antes e acima de tudo, na
possibilidade de recuperar e preservar um legado com grande representatividade
histórica não apenas local, mas também nacional. Nesse sentido, o turismo deve
viabilizar que o patrimônio seja um espaço de democratização da memória coletiva,
onde comunidade local e turistas possam compartilhar, a partir das relações de
troca, vivências, momentos, histórias que possam enriquecer todas as partes
envolvidas nesse processo.
Por reconhecer que o desenvolvimento deve-se pautar na preocupação com o
ser em todas as suas dimensões – econômica, social, cultural - que se justifica, na
contemporaneidade, a necessária relação entre cultura e turismo.
4.2- Morro de São Paulo: comunidade local e sua relação com o patrimônio
A questão concernente à preservação do patrimônio histórico-cultural
perpassa, em primeira instância, pela inserção da comunidade local a partir do
reconhecimento do patrimônio enquanto referência de memória e identidade.
Essa premissa é considerada não apenas para garantir o aspecto cultural e
social da preservação, mas também seu aspecto físico, uma vez que tendo a
capacidade de referenciar um grupo de indivíduos, sua sobrevivência no tempo e no
espaço passa a ser uma necessidade reivindicada por esse grupo.
Dessa forma, as ações voltadas à problemática, percebendo a relevância do
estabelecimento dessa relação, passou a considerar o envolvimento da comunidade
como pressuposto básico para as políticas de preservação do legado de distintas
sociedades.
A Carta Internacional para a Conservação das Cidades Históricas de 1986,
ressaltou sobre a importância da adesão dos habitantes locais nas políticas e ações
preservacionistas:
A participação e o comprometimento dos habitantes da cidade são indispensáveis ao êxito da salvaguarda e devem ser estimulados. Não se deve, jamais esquecer que a salvaguarda das cidades e bairros históricos diz respeito primeiramente a seus habitantes. (CARTA INTERNACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DAS CIDADES HISTÓRICAS, 1986, p.2)
Desde que se consagrou como importante pólo turístico, Morro de São Paulo
viveu, a partir da implantação efetiva do turismo, ocorrida na década de 90, um
processo de transformação do espaço físico, social e cultural, impulsionado pelo
intenso fluxo de pessoas que atraiu para o local, formado não apenas pela
população flutuante - composta pelos turistas - mas também por uma população fixa
que adotou o lugar como espaço de moradia e trabalho, incorporando-se à
comunidade autóctone.
Assim, a constituição social atual do povoado abrange universos distintos de
percepção do espaço, em que o desenvolvimento de uma relação afetiva com o
lugar se dá em níveis diferenciados, a partir de uma vinculação temporal ou
permanente, definindo assim o processo de socialização, delineando as relações
dos indivíduos entre si e com o meio em que vivem. Dentro dessa perspectiva,
tentou-se perceber a interação entre a comunidade local de Morro de São Paulo e
os elementos constitutivos da sua história, cultura e memória.
Essa análise teve como pressuposto inicial perceber se os elementos
históricos-culturais ainda existentes na localidade possuem alguma
representatividade para os habitantes do povoado, e sua relevância para a
constituição de uma identidade cultural que possibilite um vínculo significativo entre
os habitantes e o lugar, compreendendo que as identidades são dinâmicas e se
constroem a partir do momento em que os fragmentos do passado são revestidos
por um valor simbólico que dá significado e estabelece laços entre o indivíduo e o
seu grupo social:
A identidade cultural não é jamais uma essência física que se mantenha, imutável fora da história e da cultura. Nem é, dentro de nós, algum espírito transcendental e universal no qual a história não fez marcas fundamentais. Também não é “de uma vez para sempre”. Não é uma origem fixa ao qual podemos fazer um retorno final e absoluto. [...] Mas é alguma coisa – não um mero artifício da imaginação. Tem suas histórias – e as história por sua vez tem seus efeitos reais, materiais e simbólicos. O passado continua a nos falar. [...] As identidades culturais são os pontos de identificação, os pontos instáveis de identificação ou sutura, feitos no interior nos discursos da cultura e da história. Não uma essência, mas um posicionamento. (HALL, 2001, p.70)
Essa identidade cultural em construção se reconhece não apenas em seu
espaço de origem, mas também nos novos espaços que são capazes de lhe
outorgar uma referência - muitas vezes fundamentada nos resquícios de história -
dando suporte para o despertar de um sentimento de pertencimento ao território,
constituindo-se o ponto de identificação entre sujeito, sociedade e lugar.
A conformação de uma identidade cultural capaz de referenciar não apenas a
comunidade autóctone, mas todos os membros que passam a constituir a
sociedade, torna-se fundamental para as discussões acerca do sentimento de
pertencimento, conceito fundamental para se estabelecer alternativas de
preservação do patrimônio histórico- cultural.
Na busca por perceber a relação da comunidade local de Morro de São Paulo
com os resquícios do passado representado pelos monumentos históricos e o
significado simbólico desse patrimônio para os habitantes do povoado, foram
realizadas entrevistas orais e coletados depoimentos escritos com pessoas de
diferentes grupos da sociedade.
A análise dos dados coletados mostrou que há um distanciamento entre a
comunidade em geral e esses vestígios históricos, revelando um frágil vínculo de
pertencimento com o patrimônio cultural. Dos doze entrevistados, apenas quatro
compreendem a importância histórica da localidade, tendo consciência da presença
de elementos que remetem a tempos anteriores, em que o povoado atuou
ativamente no processo de construção da história da Bahia e do Brasil. Dos
entrevistados que demonstraram essa relação com o patrimônio, dois são nativos de
Morro de São Paulo, um adquiriu residência fixa na localidade a cerca de 20 anos e
outro reside no local por volta de 3 anos.
A relação de memória e identidade evocada por esse legado material não
está pautada nos sentimentos de pertencimento, fazendo com que os atores sociais
que ocupam o mesmo espaço no qual se encontram esses bens reivindiquem,
através de ações concretas, a preservação desse patrimônio como documento de
história, portanto, merecedor de ser salvaguardado para ser transmitido às gerações
futuras.
Apesar de constituírem elementos visíveis de história e cultura incorporados à
paisagem do local, os monumentos de Morro de São Paulo são vistos pelos seus
habitantes, mas não são reconhecidos como lugar de memória e testemunho do
passado. A relevância desse patrimônio é reconhecida apenas por uma pequena
parcela da população, que compreende a necessidade de salvaguarda desses bens
e acredita que compete ao poder público a elaboração de ações preservacionistas
efetivas para a restauração e conservação desse legado:
O patrimônio está todo abandonado, não tem conservação de nada porque as autoridades não têm interesse. Você olha e vê aí o forte, aquela fortaleza, está caindo tudo. Não sei até quando vai ficar assim [...] A gente aqui não tem recurso, não tem força. Deveria ser puxado por quem? Pelo Prefeito, pelo Secretário de Turismo.8
Questionado sobre a responsabilidade da comunidade sobre o patrimônio
ainda existente na localidade, outro entrevistado declarou: “Ela [comunidade local]
não tem pra onde correr, está de pé e mão amarrados, porque isso aí cabe ao
patrimônio da União [...]. O governo tinha que investir mais nisso aí.” 9
A importância da participação do poder público nas políticas e nas ações
preservacionistas é uma prerrogativa que encontra-se presente na própria
Constituição Brasileira. No entanto, essa mesma Constituição ressalta a importância
da comunidade atuando junto ao processo, até pela necessidade de reconhecimento
do legado cultural pelos grupos sociais, auxiliando nos mecanismos de proteção
legalmente estabelecidos:
8 Entrevista oral realizada com a senhora Delza Silva Luz em 10 de setembro de 2004 9 Entrevista oral realizada com o senhor Cecílio Machado da Hora em 10 de setembro de 2004.
O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA 1988, art.216)
Ulpiando Meneses (2000) afirma que o elo de ligação entre comunidade e
legado histórico-cultural acontece a partir do re-conhecimento desse patrimônio
pelos membros dessa comunidade, ou seja, conhecendo esse legado ao mesmo
tempo que o reconhece como elemento constitutivo da sua história, portanto
referência de memória e identidade. Esse processo só se torna efetivo quando o
patrimônio tem a capacidade de oferecer um sentido identitário à comunidade local:
Se essa comunidade pára por qualquer motivo de estabelecer os laços históricos necessários e passa a não se identificar com os seus lugares de memória, os significados são perdidos e o seu patrimônio deixa de cumprir uma função social essencial que é a manutenção da identidade do local. (MARTINS, et al.[s.d] p.08)
O patrimônio encontra-se no cotidiano dos habitantes de Morro de São Paulo
como algo comum incorporado à paisagem do lugar. Para se transformar em
documento de história e cultura, ele precisa ser reconhecido por essa comunidade
como vestígio de um tempo que marca a trajetória histórica do povoado,
congregando em si o passado e o presente, revelando as transformações e
evoluções ocorridas não apenas nas paisagens, mas também na vida social e
cultural.
Dessa forma, pode-se perceber que a falta de conhecimento da comunidade
acerca dos bens patrimoniais pode acarretar no seu desaparecimento no tempo e no
espaço, ao mesmo tempo que desvincula os membros dessa sociedade ao seu
passado histórico representado por esse legado, fragilizando o processo de
constituição e fortalecimento de uma identidade e das relações dos indivíduos com o
lugar: Percebe-se também que no caso de Morro de São Paulo o conhecimento
acerca desse legado, para grande parte da população, está pautado em uma
narrativa mnemônica baseada no saber popular, derivado da oralidade passada de
geração em geração. Mas esse elo também encontra-se fragilizado, por ser o
povoado um espaço de transitoriedade, onde a maioria das pessoas que habitam o
local têm um vínculo ainda muito recente, e a ligação com o lugar está muito
relacionada ao espaço turístico.
Alguns moradores reconhecem esse distanciamento da maioria das pessoas
que hoje vivem em Morro de São Paulo com a história local e com os testemunhos
dessa história ainda presentes no povoado: “Poucas das pessoas que moram aqui
conhecem a história de Morro de São Paulo, porque hoje a maioria das pessoas que
moram aqui não são nativos.” 10
Esse fato pode ser analisado a partir da quebra de transmissão através da
oralidade que muitas vezes garante a sobrevivência da memória e subsidia a
história, quando no âmbito familiar as narrativas são passadas de geração a
geração, garantindo o seu revivamento constante na memória. Poucas são as
famílias nativas que ainda vivem hoje em Morro de São Paulo por força do
crescimento turístico e da especulação imobiliária, que fez com que muitos
moradores vendessem suas casas e suas terras e se mudassem da localidade:
Muitas das pessoas que moravam aqui, aquelas pessoas do tempo da minha infância quando não tinha nada por aqui, tudo que você vê hoje aqui não existia, isso aqui era um lugar de pescador. Então começou a chegar gente e querer comprar as casas dos pescadores. Eles venderam e foram embora, nunca tinham visto o dinheiro que ofereceram pra eles. Mas outros ficaram, poucos ficaram. Eu fiquei com toda a minha família. Nós éramos pobres sim, mas não tinha interesse no dinheiro por aqui era o nosso lugar,
10 Entrevista oral realizada com a senhora Delza Silva Luz em 10 de setembro de 2004
nós crescemos e vivemos aqui, minha mãe e meu pai não, porque eles vieram de outros lugares, mas não vieram por dinheiro, vieram porque meu avó veio e isso aqui ainda não era nada. Mas agora, depois dos filhos isso aqui era o nosso lugar, o lugar do meu avó, que cuidava lá do farol, do meu pai e da minha mãe, como assim de querer dar dinheiro pra gente sair da nossa casa e vender tudo? Não vendemos nada, compramos foi mais. Agora me diga, pra que serve dinheiro pra um homem analfabeto como eu em outro lugar, lá em São Paulo, Rio de Janeiro, serve pra nada, serve pras pessoas me enganarem e tirar tudo de mim. 11
Ao compreender que esse processo de transformação vivido por Morro de
São Paulo a partir de sua afirmação como importante destino turístico afetou não só
o espaço físico mas também o social e cultural, percebe-se que as relações com o
lugar também foram transformadas. Os sentimentos de identidade, evocados a partir
dos lugares de memória, ficaram presos a uma geração nativa que diminui com o
passar do tempo, enquanto que as novas gerações não vêm desenvolvendo esse
elo de pertencimento ligado à trajetória histórica do povoado:
O lugar é, em sua essência, produção humana, visto que se produz na relação entre espaço e sociedade, o que significa criação, estabelecimento de uma identidade entre comunidade e lugar, identidade essa que se dá por meio de formas e apropriação para vida. (CARLOS, 1996, p. 28).
Dessa forma, a constituição de uma identidade cultural que vincula os
indivíduos ao seu território fica fragilizada por falta de referenciais identitários,
existindo assim, a produção de espaços vazios, sem sentido e significado para
grande parte de seus habitantes por não se configurar como lugar de produção
humana, construído ao longo do tempo pela relação homem-espaço, e perceptível
através dos vestígios dessa relação ainda existentes na localidade que dão a idéia
de continuidade: o presente que revela o passado e reflete um futuro.
11 Entrevista oral realizada com o senhor Renival Luz Batista em 24 de julho de 2005.
Percebe-se na maioria das vezes que isso ocorre pelo fato de
desconhecerem o passado histórico de Morro de São Paulo ou por não se sentirem
parte do processo constitutivo do povoado, o que acaba comprometendo a
conformação de uma identidade cultural por não existirem espaços de referência
capazes de desenvolver e aguçar o sentimento de pertencimento ao lugar.
Assim, outro fator de garantia de sobrevivência do sentimento de pertença
com o grupo social e a localidade, e portanto, elo que liga os indivíduos ao seu
passado histórico, é a educação. Sobre esse aspecto, Dona Else Moutinho,
moradora nativa e pertencente a uma das famílias tradicionais que ainda vivem em
Morro de São Paulo declarou:
A escola se descuidou muito. De uns anos pra cá que começamos a trabalhar em cima disso. Inclusive os rapazes, os jovens que trabalham com o turismo, nós lutamos muito para que eles tomassem conhecimento, fizemos resumo da História que a gente sabia, desde a chegada dos primeiros colonizadores. Mas como eles ganhavam dinheiro fácil eles não tinham interesse de estudar, nem de aprender nada. Houve assim uma lacuna muito grande deixada muitas vezes pela própria escola. A própria educação deixou de lado, ela não se preocupou e hoje a gente está tentando resgatar tudo isso. 12
Esse fato revela a percepção de alguns moradores acerca da importância do
conhecimento da história local pelos habitantes do lugar, e a tentativa de aproximar
as novas gerações ao seu passado histórico por meio da educação, como também
capacitar essa comunidade a interagir com os turistas através da divulgação acerca
da história e do legado cultural existente no povoado.
A análise dos depoimentos e da observação in loco revelaram que os
monumentos arquitetônicos de Morro de São Paulo perderam sua funcionalidade
social, ficando presos a um passado, não sendo ressignificado para o presente.
Sendo assim, os vestígios do passado não foram apropriados pela comunidade
12 Entrevista oral realizada em 03 de outubro de 2005.
como marcas que revelam a sua trajetória história , deixando de fazer parte da
memória coletiva do lugar:
A memória é um dos caminhos para o conhecimento do passado, ela tem várias funções: toda nossa consciência do passado está fundada na memória; através das lembranças recuperamos acontecimentos anteriores, distinguimos o ontem de hoje e confirmamos que já vivemos um passado. Esta confirmação, por sua vez, nos confere um sentido de identidade, pois saber o que fomos, confirma o que somos. Ao conhecer o passado nos ligamos aos homens que viveram antes de nós, construindo uma noção de continuidade.(MARIUZZO, 2004, p.1)
A perda do valor de uso dos monumentos quebrou o elo de continuidade que
tem a memória como fio condutor para a afirmação das identidades.
Entretanto, esse distanciamento entre comunidade e história local, bem
como alguns vestígios dessa história caracterizado pelo patrimônio arquitetônico da
localidade ganha uma outra dimensão em relação a um patrimônio específico: A
Igreja de Nossa Senhora da Luz.
4.3 – Sentimentos de identidade e pertencimento: restauração e preservação
da Igreja de Nossa Senhora da Luz
Construída no século XIX, a Igreja de Nossa Senhora da Luz se manteve viva
na memória do povoado de Morro de São Paulo porque não perdeu, ao longo do
tempo, a sua função de uso, estando inserida na vivência cotidiana da comunidade
local.
Por reconhecer a importância desse patrimônio e do significado que ainda
representa à localidade atuando como um sistema vivo de representação simbólica,
o frei Elias Feitosa - responsável pela paróquia do povoado desde fevereiro de 2004
– juntamente com membros da comunidade local, iniciou uma campanha, sem
recursos públicos, para a restauração do templo através de ações empreendidas
pelos moradores para a recuperação da Igreja, que encontrava-se em estado
avançado de degradação.
Através do incentivo do Frei Elias Feitosa, que é formado em Restauração
pelo Ateliê Pietá em Salvador – Bahia, a comunidade mobilizou-se para a
recuperação da Igreja e de algumas imagens dos séculos XVII, XVIII e XIX que
encontravam-se no seu interior.
Inicialmente solicitou-se um apoio técnico ao IPHAN, que visitou a localidade
e deu alguns suportes científicos para que os trabalhos fossem realizados. A partir
de estudos realizados junto ao IPHAN que se pôde, por exemplo, chegar a cor
original da fachada externa da igreja. Em seguida os trabalhos prosseguiram sob a
coordenação do frei. Os trabalhos de recuperação tiveram início em outubro de
2004:
Começamos com o trabalho externo da Igreja de Nossa Senhora da Luz, começamos com a fachada principal. A fachada principal da Igreja de Nossa Senhora da Luz, que é uma fachada histórica de acordo com a data que tem no frontispício, é de 1885, estava toda rachada, rachaduras profundas [...] Então, com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional começamos a remoção do reboco e daí por diante fizemos todo um trabalho de reboco à maneira antiga, ou seja, utilizando todo o material adequado para a região, e ao mesmo tempo como primitivamente fora feito. Reconstituímos todos os detalhes nas janelas e em outras áreas da fachada.(ELIAS FEITOSA)
FOTOS DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DA LUZ ANTES E DEPOIS DA
RESTAURAÇÃO
Enquanto os trabalhos de recuperação das laterais e da fachada principal
eram realizados, o Frei Elias ficava na sacristia fazendo a restauração de objetos e
artefatos pertencentes a Igreja, como a imagem sacra de Nossa Senhora da Luz
(século XVIII) - que foi devolvida à comunidade totalmente restaurada em setembro
de 2005 durante a realização da Festa da padroeira de Morro de São Paulo que
ocorre anualmente no dia 08 de setembro.
O processo de restauração interna da Igreja iniciou-se com os trabalhos de
restauro dos dois retábulos13 laterais, que segundo análise do frei Elias são peças
híbridas que conjugam elementos neoclássicos com ornamentação e arremates em
estilo rococó14, devendo datar do fim do século XIX. A atividade de recuperação foi
gradual, iniciando com a imunização das peças, seguida da dècapage15,
reconstrução das partes faltantes e dos retoques ilusionistas.
13 Peça de madeira ou pedra trabalhada em motivos religiosos na qual se encontra o altar. 14 Movimento artístico que advém de uma vertente do barroco que se caracteriza pelo excesso de detalhes e adornos, a maioria folheada a ouro. 15 Processo de retirada de camadas sobrepostas para se chegar a composição original da peça.
FIGURA 13: Igreja após a restauração FONTE: FEITOSA, 2006
FIGURA 12: Igreja antes da restauração FONTE: MELO, 2004
No desenvolver dos trabalhos foram descobertos elementos artísticos no
interior dos nichos16, caracterizados por desenhos florais e que tinham
desaparecidos no trabalho anterior de restauração. Esses detalhes foram
restaurados em seus aspectos originais, utilizando-se o mesmo material realizado na
confecção inicial da peça. Durante todo o processo de restauração das peças e da
Igreja, manteve-se o cuidado em seguir as normas de restauração, buscando
recuperar as características originais do monumento e dos artefatos.
As peças foram devolvidas à comunidade totalmente recuperadas: o primeiro
retábulo em 07 de janeiro de 2005 e o segundo, em 13 de maio de 2006.
16 Reentrâncias feitas nas peças para abrigar as imagens.
FIGURA 14: Parte frontal de umretábulo antes da restauração FONTE: FEITOSA, 2004
FIGURA 15: Detalhe do retábulo antes da restauração FONTE: FEITOSA, 2004
Em julho de 2006 havia sido concluída a restauração da parte central e
lateral da Igreja, dos dois retábulos laterais da parte interna, da imagem de Nossa
Senhora da Luz e algumas peças pequenas de reconhecido valor histórico e cultural.
Os trabalhos de recuperação do retábulo principal e das imagens de São Benedito
(século XVIII) e São Paulo (século XIX) foram iniciados e encontram-se em fase de
andamento.
Essa iniciativa da comunidade local só foi possível por ter a Igreja de Nossa
Senhora da Luz um significado vivo para os moradores do povoado, onde os
sentimentos que o patrimônio evoca são transcendentes, ao mesmo tempo
em que sua materialidade povoa o cotidiano e referencia fortemente a vida
das pessoas da comunidade.
Conjugando em si o histórico, o cultural e o sagrado, a Igreja
permaneceu no exercício de sua função religiosa, mantendo vivo no grupo os
ritos e preceitos reconhecíveis e aceitáveis à maioria dos moradores,
tornando-se espaço onde a cultura, através das manifestações religiosas, é
frequentemente vivida e a memória evocada, fazendo com que o grupo social
FIGURA 16: Retábulo localizado à direita da entrada da Igreja restaurado em suas características originais FONTE: FEITOSA, 2004
reconheça na Igreja, enquanto patrimônio material (estrutura física) e imaterial
(crença), uma referência de identidade, reivindicando e empreendendo ações
para sua salvaguarda:
El Patrimonio es la síntesis simbólica de los valores identitarios de una sociedad que los reconoce como propios (Iniesta, 1990: 2). Ello implica un proceso de reconocimiento, generalmente intergeneracional, de unos elementos (desde el territorio a la ruina) como parte del bagaje cultural y su vinculación a un sentimiento de grupo. Reconocida en él, la comunidad se presenta a otros. En ese instante el bien concreto estará a salvo momentáneamente. Si bien su conservación no estará garantizada, al menos su destrucción y pérdida será sentida como propia. (SANTANA, 1998, p.1)
A Igreja de Nossa Senhora da Luz despertou, antes de tudo, o sentimento de
grupo na comunidade de Morro de São Paulo. Sua restauração e preservação
representa uma possibilidade de afirmação desse grupo perante outras culturas,
revelando o que lhe é peculiar através da sua história, seus resquícios do passado
ainda vivos no presente, e a garantia da sua sobrevivência para as gerações futuras
que ocuparão esse mesmo espaço.
A restauração da Igreja só se tornou possível porque a comunidade a
reivindicou e se mobilizou para que ela se concretizasse. Diferentemente de outros
monumentos existentes na localidade, a Igreja é um dos bens que não está tombado
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, revelando assim que o
tombamento não pode levar a uma ação restauradora e preservacionista se a
comunidade não estiver envolvida no processo, reconhecendo no seu patrimônio
uma evidência de sua história e sua cultura.
O que caracteriza um patrimônio é a capacidade intrínseca de referenciar, de
remeter os atores sociais de um determinada localidade a um passado
compartilhado, porque relata, através de vestígios, um momento anterior de
construção de um lugar comum para todos que fizeram, fazem ou farão parte da
trajetória histórica dessa sociedade em todos os seus âmbitos.
Após ser reconhecida pela comunidade como um espaço comum,
compartilhado pelos seus membros no uso específico para os atos religiosos, a
Igreja de Nossa Senhora da Luz, durante o processo de restauração encontrou uma
nova função de uso, passando a ser compartilhada também com os turistas que
visitavam o povoado, incorporando-se ao desenvolvimento do turismo local, e
aberta à visitação pública:
A Igreja de Nossa Senhora da Luz era uma Igreja que só vivia sempre fechada, infelizmente. Mas a partir do momento que assumimos aqui nós vimos que os turistas sempre adentram a Igreja e ficam encantados com as talhas neo-clássicas, com as imagens, com tudo que temos aqui. (Frei Elias Feitosa)
O próprio processo de restauração da Igreja, em si, já foi um atrativo para
visitantes de Morro de São Paulo, que puderam acompanhar as diferentes etapas
dos trabalhos. Concluída algumas fases desse processo e estando a Igreja aberta
para a visitação pública, ela passou a incorporar a lista de atrativos turísticos
efetivos do povoado.
4.4- O destino turístico Morro de São Paulo: atrativos efetivos e potenciais
Na composição de um destino turístico, os recursos ou atrativos
desempenham um papel de grande relevância, pois atuam como fator primordial
para a configuração de uma destinação. No mercado atual, marcado por grande
competitividade, a diversidade desses atrativos torna-se um diferencial capaz de
agregar mais valor ao destino.
Para isso, faz-se necessário o reconhecimento desses atrativos e a
elaboração de um planejamento turístico que direcione o desenvolvimento da
atividade como um todo, reconhecendo não só os recursos efetivos de uma
localidade, ou seja, aqueles que possuem uma estrutura adequada para o
desenvolvimento turístico, como também os atrativos potenciais, que possuem uma
vocação para ser inserido à atividade, necessitando primeiramente de uma
adequação para atingir a esse fim.
No Brasil, desde a década de 90 o governo federal tem incentivado a
elaboração de planos locais de organização da atividade, que direcionem o seu
desenvolvimento ao mesmo tempo que definam estratégias de otimização do
empreendimento turístico no país, através da implantação de programas e projetos
para o Turismo.
Assim, a partir do final dessa mesma década, as diretrizes para o
empreendimento do turismo na Bahia passaram a fazer parte do Programa de
Desenvolvimento Turístico do Nordeste, o PRODETUR – NE, que estabeleceu
metas, direcionamentos e objetivos para a afirmação da atividade como fator de
desenvolvimento econômico e social da região.
Resultado de uma parceria entre o Banco do Nordeste do Brasil – BNB e o
Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, o projeto delineou como objetivo
principal o aumento das receitas provenientes da atividade turística, bem como a
melhoria de vida da população inserida em áreas onde o turismo se desenvolve.
Para isso, o programa foi dividido em duas fases específicas. A primeira, já
concluída, teve como objetivo a melhoria da infra-estrutura de apoio turístico, e a
segunda etapa, que se encontra em andamento, tem como objetivo principal
melhorar a qualidade de vida das comunidades que compõem os Pólos de
Desenvolvimento Integrado do Turismo.
Esses pólos de desenvolvimento foram constituídos a partir das zonas
turísticas do estado. Morro de São Paulo, pertencente ao município de Cairu,
compõe o Pólo Litoral Sul, formado pela Costa do Dendê e Costa do Cacau,
conforme identificado no mapa a seguir:
FIGURA 17: Zonas Turísticas da Bahia - Pólo Litoral Sul
Durante a primeira fase do programa, que visava à melhoria de infra-estrutura
básica e de apoio ao empreendimento turístico, o povoado foi contemplado com a
ampliação dos sistemas de esgotamento sanitário e com ações voltadas à melhoria
de acesso ao local: construção do aeroporto de Valença, manutenção das vias de
acesso já existentes, construção de flutuantes para transbordo em Cairu e Ilha de
Tinharé e construção do atracadouro da Ponta do Curral, que encurtou a viagem
marítima até a localidade.
Para a segunda etapa, foi realizado um estudo sobre os produtos e atrativos
de cada pólo turístico da Bahia, com o objetivo de evidenciar as potencialidades das
regiões específicas, através da identificação e classificação desses atrativos. Nesse
estudo, os atrativos foram divididos em categorias, separando-os em cinco grupos
específicos, conforme apresentado no quadro abaixo:
QUADRO 7 : Atrativos turísticos por categoria
Naturais Consistem em montanhas (picos / cumes, serras, montes / morros / colinas,etc); planaltos e planícies (chapadas / tabuleiros, patamares, pedras tabulares, vales,rochedos etc); costas ou litoral (praias, restingas, mangues, baías / enseadas, sacos, cabos e pontas, falésias / barreiras, dunas etc); terras insulares (ilhas, arquipélagos, recifes /atol); hidrografia (rios, lagos / lagoas, praias fluviais / lacustres); pântanos; quedas d’água; fontes hidrominerais e / ou termais; parques e reservas de fauna e flora (nacional,estadual, municipal); grutas / cavernas / furnas; áreas de caça e pesca.
FONTE: Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia
PÓLO LITORAL SUL
Histórico-culturais Esta categoria engloba monumentos (arquitetura civil, religiosa /funerária, industrial / agrícola, militar; ruínas; esculturas; pinturas; outros legados);sítios (históricos e científicos); instituições culturais de estudo, pesquisa e lazer (museus,bibliotecas, arquivos, institutos históricos e geográficos).
Realizações Técnicas e Científicas Contemporâneas
Exploração de minério; exploração agrícola e pastoril; exploração industrial; obras de arte e técnica; centros científicos e técnicos.
Acontecimentos Programados
Congressos e convenções; feiras e exposições; realizações diversas (desportivas, artísticas / culturais, sociais / assistenciais, gastronômicas / de produtos etc).
Como marco teórico, o estudo estabeleceu a definição dos atrativos efetivos,
aqueles que já estão configurados como produtos turísticos e participam ativamente
do desenvolvimento turístico da localidade, e os atrativos potenciais, compreendidos
como aqueles que possuem um potencial de ser inserido à atividade turística,
agregando mais valor à destinação, partindo-se da seguinte definição:
Atrativos Turísticos Efetivos: são os produtos turísticos, ou seja, atrativos formatados comercialmente, com distribuição estruturada, meios de divulgação, infra-estrutura mínima de recepção dos turistas e algum grau de visitação sistemática. Atrativos Turísticos Potenciais: não possuem infra-estrutura para receber o turista, e também não possuem meios de divulgação estruturados, que permitam sua inserção no mercado, embora possuam determinado grau de atratividade. (PRODETUR NE-II PDITS – Litoral Sul 3 .8 Produtos e Atrativos Turísticos, p. 305)
Morro de São Paulo destaca-se como um dos importantes destinos turísticos
do Pólo Litoral Sul. Apresenta catorze atrativos classificados como efetivos, ou seja,
que participam ativamente do planejamento e desenvolvimento turístico da
localidade. Para a classificação desse atrativos, o estudo utilizou, inicialmente,
fontes secundárias e em seguida foram realizadas visitas técnicas para uma análise
mais aprofundada, com o preenchimento de uma ficha de avaliação pontuando cada
um desse atrativos.
FONTE: PRODETUR NE-II PDITS – Litoral Sul 3 .8 Produtos e Atrativos Turísticos, p.304
Para a realização dessa pontuação, oito itens, considerados como essenciais
para determinar a atratividade de cada um dos elementos, foram analisados:
acessibilidade, infra-estrutura, escala, beleza, características
culturais/históricas/sociais/ambientais, apoio do poder público e importância para a
comunidade, sazonalidade e condições de preservação (patrimônio histórico e
ambiente natural).
Para mensurar esses dados, o programa adotou uma metodologia específica
através de uma tabela de
pontuação que seria atribuída aos
atrativos segundo os parâmetros de
avaliação previamente
definidos. A escala de pontuação
indicava o valor mínimo de 0 ponto
e máximo de 5 pontos por atrativo identificado, e que representavam os seguintes
conceitos:
QUADRO 8: Parâmetros de avaliação de atrativo por pontuação
PONTUAÇÃO CONCEITO
0 Inexistente/vazio
1 Ruim
2 Fraco
3 Regular
4 Bom
5 Excelente
Fonte: PRODETUR NE-II PDITS – Litoral Sul 3 .8 Produtos e Atrativos Turísticos, p. 306
Entretanto, a metodologia de pontuação seguia um critério de relevância de
cada quesito analisado que atribuía um peso relativo para cada um dos oito itens
essenciais para a conformação de um atrativo turístico efetivo:
Para cada quesito acima foi estimado um peso relativo, ou seja, a sua importância perante os demais. O peso relativo dado a cada item variou de 1 a 3, de acordo com a avaliação dos pesquisadores quanto à importância de cada item na determinação da qualidade de um atrativo turístico. Dessa forma, alguns critérios foram considerados mais importantes para efeitos de classificação. A nota de um atrativo referente a cada critério foi multiplicada pelo seu respectivo peso relativo, chegando-se a um resultado parcial. A soma de todos os produtos auferidos por esse método deu origem ao resultado final, isto é, a pontuação total daquele atrativo turístico. (PRODETUR NE-II PDITS – Litoral Sul 3 .8 Produtos e Atrativos Turísticos, p. 306)
Dentro desse critério de análise e pontuação dos atrativos efetivos de cada
destino turístico, Morro de São Paulo ficaram assim classificados:
QUADRO 9: Pontuação dos atrativos turísticos de Morro de São Paulo
CATEGORIA ATRATIVO NOTA Terceira Praia 61 Segunda praia 61 Quarta Praia 61 Primeira Praia 61 Trilha da Fonte do Céu 60
Atrativo natural
Trilha Morro-Garapuá-Boipeba 53 * Pontuação máxima nessa categoria: 63 pontos
Farol e Mirante do Forte 61
Ruínas 57 Fortaleza 53
Atrativo Histórico-Cultural
Fonte Grande 50 * Pontuação máxima nessa categoria: 66 pontos
Vida Noturna-Broadway 62 Manifestações Culturais e Folclóricas Festa de Nossa Senhora da Luz 45
* Pontuação máxima nessa categoria: 62 pontos
Reveillon 50 Acontecimentos Programados Ressaca do Carnaval 50 * Pontuação máxima nessa categoria: 57 pontos
FONTE: (PRODETUR NE-II PDITS – Litoral Sul 3 .8 Produtos e Atrativos Turísticos)
Dentro dessa classificação realizada pelo PRODETUR-NE, o patrimônio
arquitetônico de Morro de São Paulo, composto pelas ruínas, Fortaleza, Farol e
Mirante do Forte e pela Fonte Grande é considerado como atrativo efetivo dentre os
atrativos histórico-culturais do povoado.
Entretanto, desde a implantação e desenvolvimento do Turismo como
importante atividade econômica na localidade, não foi empreendida nenhuma ação
de melhoria desse patrimônio que contemplasse a infra-estrutura turística, a
restauração e conservação dos monumentos a fim de serem utilizados como atrativo
turístico, capaz de garantir o seu uso pela atividade na otimização do destino, ao
mesmo tempo que permitiria a sua sobrevivência ao longo do tempo.
A inserção dos bens históricos arquitetônicos no desenvolvimento do turismo
perpassa por ações sustentadas nos aparatos físico, técnico e social, por
representarem aspectos que dizem respeito a uma cultura específica, os quais
possibilitem aos turistas um acesso real a esses atrativos através de infra-estrutura
adequada que contemple, dentre outros fatores, informação, condições de
preservação, interação com a comunidade local, apoio do poder público, aspectos
fundamentais na configuração de um atrativo turístico.
Englobando elementos que constituem o suporte para o desenvolvimento do
Turismo Cultural, o patrimônio arquitetônico - que poderia ser utilizado como
diferencial competitivo para a localidade cujo caráter turístico baseia-se nos atrativos
naturais - encontra-se em estado de degradação, sem que ações efetivas sejam
realizadas para garantir a sua preservação.
O investimento no Turismo Cultural pode atrair um público diferenciado,
estratégia importante para movimentar a atividade turística na baixa temporada, que
no caso de Morro de São Paulo está concentrada entre os meses de março até
meados de julho, além de servir de suporte para ações preservacionistas em relação
ao patrimônio local.
Para afirmar o segmento Turismo Cultural em Morro de São Paulo, faz-se
necessária a melhoria da oferta física, através da restauração dos monumentos e
da sua transformação em equipamentos turísticos, além da melhoria da prestação
de serviços diretamente ligados a esse segmento, através da capacitação de
pessoas para dar suporte ao empreendimento, bem como a formação de guias e a
qualificação de toda carga humana envolvida diretamente com a atividade, inserindo
a comunidade local em todo o processo do desenvolvimento turístico.
Estimular a comunicação através da sensibilização da comunidade local e dos
turistas sobre a importância da preservação do patrimônio histórico, bem como dos
critérios de utilização desse patrimônio como lugar de memória, espaço de cultura e
atrativo turístico, é outro aspecto que garantirá a sobrevivência dos bens
patrimoniais, bem como do uso desse segmento do turismo a longo prazo.
Alguns projetos foram desenvolvidos para o povoado de Morro de São Paulo,
visando à recuperação e preservação de monumentos históricos arquitetônicos,
contemplando, dentre outros aspectos, a melhoria do empreendimento turístico, a
partir da inserção do patrimônio no desenvolvimento do turismo na localidade, sendo
eles:
• Projeto para a criação de parques temáticos, elaborado pela Companhia de
Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (CONDER), em
novembro de 1998, que tinha como objetivo a criação do Parque do Farol do
Morro, Parque das Águas e Parque do Pôr-do-Sol;
• Projeto de Revitalização da Fortaleza do Morro de São Paulo, um convênio
entre a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e o Instituto de
Desenvolvimento Sustentável do Baixo Sul da Bahia (IDES), com a
participação do Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (IPHAN),
que tinha como objetivos transformar a fortaleza em um centro cultural com
eventos permanentes, a instalação de pontos comerciais como restaurantes
e uma sala de projeção de filmes. Esse projeto estaria incorporado ao
Programa Brasil Empreendedor Turístico, do Governo Federal.
• Projeto executivo de urbanização, arquitetura, paisagismo, infra-estrutura,
instalações, estruturas e demais equipamentos complementares para a
recuperação ambiental do povoado de Morro de São Paulo, realizado pela
CONDER em 1998.17
Vale ressaltar, que em relação ao Patrimônio Histórico, nenhum desses projetos
foi colocado em prática. A sinalização do patrimônio histórico local, através de
placas explicativas, foi um convênio firmado entre a prefeitura de Cairu e uma
empresa privada, e configura-se como única ação empreendida para a inserção do
patrimônio arquitetônico na atividade turística.
Seguindo as tendências do mercado turístico, da identificação do perfil do
turista, do posicionamento e competitividade dos produtos turísticos no mercado,
pode-se concluir que o segmento do Turismo Cultural, tem grande potencialidade
para se desenvolver no destino turístico enfocado, constituindo-se como um atrativo
diferencial na atividade turística de Morro de São Paulo.
Por possuir elementos culturais de grande relevância, o desenvolvimento do
turismo histórico-cultural no povoado revela-se como um diferencial capaz de
17 Informação extraída da dissertação: Morro de São Paulo/Cairu-Bahia: uma decodificação da paisagem através dos diferentes olhares dos agentes socioespaciais do lugar, de Luciana Cristina Teixeira de Souza, Mestrado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA.
otimizar a atividade tornando-se um segmento bastante promissor, agregando
vantagem competitiva ao destino.
Entretanto, a inserção do patrimônio na atividade turística deve orientar-se
pelo prisma do despertar de uma consciência acerca da preservação desses
monumentos, orientando o desenvolvimento inclusivo da atividade, em que a
comunidade local tenha participação atuante, e que essa inserção possa refletir
numa melhoria de vida para todos os habitantes locais envolvidos no processo,
onde haja um fomento para o desenvolvimento local com a geração de emprego,
incentivo à qualificação da mão-de-obra, conservação e proteção do patrimônio
cultural, adotando políticas participativas e de incentivo a cultura local, segmentar a
oferta turística do destino, através da formatação de novos produtos aumentando a
permanência e gastos do turista na localidade.
Para tanto, busca-se vencer o desafio de atrair novos investimentos e
pessoas comprometidas com a sustentabilidade do atrativo histórico-cultural
representado pelo patrimônio arquitetônico, a minimização dos impactos negativos e
inclusão da população local no processo de desenvolvimento turístico.
A utilização do patrimônio histórico arquitetônico como atrativo turístico, sem
que essa inserção esteja alicerçada em ações concretas que visem a
sustentabilidade dos bens, pode acarretar no seu desaparecimento, impactando
tanto sobre a atividade turística quanto sobre a comunidade local.
Nessa perspectiva, a ação empreendida pelos moradores de Morro de São
Paulo para a recuperação da Igreja de Nossa Senhora da Luz e sua conseqüente
inserção espontânea na atividade turística, torna-se um fundamento concreto da
dimensão que representa a relação entre comunidade local, cultura e turismo.
4.5 – A percepção dos turistas em relação ao turismo cultural na localidade
A escolha de um lugar enquanto destino turístico perpassa pela seleção do
viajante diante das possibilidades que se apresentam como alternativa de consumo,
composto pelos atrativos turísticos.
Segundo Beni (1998, p.221) os motivos “são as razões que levam a realizar
uma viagem, os fatores pessoais que, do nosso interior, incitam à ação”. Sobre esse
mesmo aspecto, Barreto (1995, p.64) afirma que “as motivações são as causas
subjetivas que vão fazer com que o turista decida sua viagem”, configurando assim,
na razão que impulsiona o deslocamento do turista a determinada localidade.
Dessa forma, foi realizada uma pesquisa com os turistas que visitam Morro
de São Paulo com o objetivo de identificar a motivação que leva às pessoas a
viajarem ao local, percebendo a possibilidade de desenvolvimento do turismo
cultural tendo como base o patrimônio-histórico arquitetônico a partir de uma
demanda real por esses atrativos.
O perfil do turista que visita Morro de São Paulo foi identificado pela pesquisa
como sendo na faixa etária entre 26 e 45 anos (66%), havendo um equilíbrio entre
turistas do sexo masculino (49%) e feminino (51%). Esses turistas possuem um bom
nível de escolaridade, sendo 39% com nível superior completo, 28% com superior
incompleto e 29% com o segundo grau concluído.
O turismo doméstico tem maior representatividade no local, sendo 73% dos
turistas de origem nacional e 27% internacional. As regiões que mais emitem
turistas para Morro de São Paulo é a sudeste, seguida pela região nordeste,
conforme apresentado na figura abaixo:
Figura 18 – Pólos emissivos de turistas para Morro de São Paulo
Sobre a motivação da viagem, sol e praia e atrativo natural encontram-se
como os principais motivos da visitação turística a Morro de São Paulo com 40% e
36% respectivamente. O patrimônio foi citado apenas 7 vezes pelas pessoas que
responderam ao questionário. Vale ressaltar que muitas das pessoas entrevistadas
indicaram mais de uma motivação na escolha da vila como destino turístico, num
total de 580 respostas para esse quesito, e dentre essas respostas as referências ao
patrimônio histórico como motivador apareceram sempre como segunda ou terceira
opção.
Sobre o fator ou meio de comunicação que influenciou a viagem, a
recomendação de parentes e amigos obteve um número de grande
representatividade, num total de 48%, seguida por indicação de agência de viagens
(18%) e pesquisas na internet (15%). 74% dos entrevistados organizaram a viagem
por conta própria, e apenas 26% utilizaram agência de viagens. A maioria visitava a
localidade pela primeira vez (77%), sendo que 56% viajavam com amigos, 35%
viajavam com a família, 6% sozinhos e 3%, em excursão.
Pólos emissivos
26%
29%10%7%
1%
27% Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-oeste
Norte
Internacional
Fonte: Dados da pesquisa
Na qualificação da expectativa da visita, 60% esperavam que a viagem fosse
ótima. Esse número teve uma pequena queda na qualificação da visita, sendo
considerada por apenas 58% das pessoas como ótima, recaindo 1% sobre a
qualificação regular. Em nenhum desses dois aspectos analisados a qualificação
ruim foi registrada, como destaca as figuras a seguir:
Figura 19: Expectativa da visita Figura 20: Qualificação da visita
Para identificar os fatores que despertam o desejo do turista em viajar para a
localidade, foi solicitado às pessoas entrevistadas que listassem os atrativos
turísticos de Morro de São Paulo e qualificassem em ótimo, bom ou regular. Os
atrativos ligados ao patrimônio e à histórica local apareceram 345 vezes,
representando 35% na pesquisa, os ligados aos atrativos naturais 492 vezes,
totalizando 54%, e os ligados ao lazer, 106 vezes, alcançando 11%. A qualificação
ficou assim definida:
Figura 21: Lazer
Qualificação da visita
29%
18%
3%
0%
50%
Ótima
Boa
Regular
Ruim
TOTAL:
Fonte: Dados da pesquisa
Fonte: Dados da pesquisa
Qualificação da expectativa da visita
30%
18%
2%
0%
50%
Ótima
Boa
Regular
Ruim
TOTAL:
Figura 22: Atrativos naturais
TIROLESA
87%
13% 0%Ótimo
Bom
Regular
VILA
21%
78%
1%
Ótimo
Bom
Regular
FESTA/VIDA NOTURNA
88%
12% 0%
Ótimo
Bom
Regular
Fonte: Dados da pesquisa
(a) (b)
PRAIAS
79%
20% 1%
Ótimo
Bom
Regular
ATRATIVOS NATURAIS
52%
48%
0%
Ótimo
Bom
Regular
PASSEIO A BARCO
26%0%
PISCINAS NATURAIS
23% 0%
Figura 23: Atrativos histórico-culturais
MERGULHO
60%
40%
0%
Ótimo
Bom
Regular
ARGILA
93%
7% 0%
Ótimo
Bom
Regular
Fonte: Dados da pesquisa
(a) (b)
PATRIMÔNIO HISTÓRICO
24%
48%
28%Ótimo
Bom
Regular
FAROL
43%
43%
14%Ótimo
Bom
Regular
FONTE GRANDE
33%Ótimo
Bom
FORTE/FORTALEZA
18%
39% Ótimo
Bom
Ao buscar analisar a percepção do turista sobre o patrimônio histórico
arquitetônico local, foi perguntado se o patrimônio histórico despertou o interesse
das pessoas que visitavam Morro de São Paulo. 54% respondeu que sim, e 46%,
que não. Para ratificar essa percepção, solicitou-se que fossem citados os
patrimônios que interessaram, de alguma forma, o visitante. A Igreja de Nossa
Senhora da Luz foi a mais indicada, com 37%, seguida do Forte/Fortaleza com 30%
e do Farol, com 22%. A Fonte Grande aparece com 5% das indicações, o Casarão
com 4% e o Portaló com 2%, como revela a figura abaixo:
Figura 24: Monumentos que despertaram interesse dos turistas
PATRIMONIO QUE DESPERTOU INTERESSE
IGREJA
29%
60%
11%
Ótimo
Bom
Regular
Fonte: Dados da pesquisa
Ao analisar o resultado desses dados, percebe-se que os monumentos que
tiveram percentual mais significativo estão de certa forma diretamente relacionados
à atividade turística, possuindo alguma funcionalidade para o Turismo. A Igreja,
iniciada as obras de reforma, passou a ser aberta à visitação pública, atraindo
diversos turistas motivados pelo desejo de conhecer a obra, como também todo o
seu processo de restauração. Essa possibilidade de acesso a um bem histórico em
um momento em que a comunidade local se mobilizava para salvaguardar esse
marco do seu passado, estreitou inclusive os sentimentos de responsabilidade dos
turistas com o lugar, despertando uma vontade espontânea em muitos dos visitantes
de fazerem parte das obras de restauração, contribuindo de alguma forma para que
ela se realizasse. E o papel relevante dos turistas é reconhecido pelo próprio Frei
Elias, coordenador e responsável pelo projeto de recuperação da Igreja de Nossa
Senhora da Luz:
O Turista que adentra a Igreja de Nossa Senhora da Luz, ao ver as obras que estão sendo realizadas nos procura oferecendo apoio teórico, apoio técnico, inclusive muitos técnicos passam por aqui e nos oferecem
Fonte: Dados da pesquisa
informações. Mas eles não contribuem só nesse aspecto técnico, mas principalmente no aspecto financeiro. Isso é indiscutível.18
Os outros monumentos mais citados ( Forte/Fortaleza e Farol) estão
diretamente inseridos na atividade turística não pelo seu valor histórico, mas por
estarem ligados aos atrativos naturais pela sua localização, que oferece uma vista
panorâmica do lugar, inserindo-se, nesse aspecto, na lista de atrativos turísticos da
localidade. O pôr-do-sol na Fortaleza e a descida de tirolesa do Farol são produtos
vendidos pelo turismo em Morro de São Paulo e que estão incluídos no pacote de
atrativos oferecidos pelo povoado.
Um fator relevante a ser considerado sobre os dados coletados acerca dos
monumentos que despertaram o interesse dos turistas diz respeito ao Portaló,
patrimônio menos citado pelos visitantes, passando desapercebido para a maioria
deles (98%), quando está localizado logo à entrada do povoado. O patrimônio é
visto, mas sua importância história não é percebida pelos turistas, porque o seu
significado histórico não é ressaltado.
Acerca do estado de preservação desses monumentos, 43% acharam
regular, 34% bom, 18% péssimo e 5% ótimo. Sobre informações sobre esse
patrimônio que engloba aspectos históricos, constitutivos, dentre outros, 71%
acharam que não há informação suficiente, enquanto que 29% se declararam
satisfeitos com as informações disponíveis. Vale ressaltar que o patrimônio
encontra-se sinalizado com placas explicativas, escritas em dois idiomas (português
e inglês), contendo um breve histórico sobre o monumento, bem como a planta
arquitetônica. Apenas o Farol e o Portaló não encontram-se sinalizados com as
placas explicativas. 18 Entrevista oral realizada com o Frei Elias Feitosa em 02 de outubro de 2005
A pesquisa ainda intentou perceber se o turista considera o patrimônio
histórico como o atrativo motivador da visita a Morro de São Paulo, sendo que 68%
dos entrevistados responderam que não e 32% sim. Analisando dados anteriores à
realização da coleta de dados constatou-se que os atrativos naturais são a principal
motivação da escolha da localidade como destino turístico. Assim, procurou-se
analisar se havia interesse do turista pelo patrimônio histórico enquanto atrativo
complementar. Para elucidar essa questão, buscou-se saber se o turista, sabendo
da existência desse patrimônio, ficaria mais tempo no povoado para conhecer
melhor os monumentos e a história local. O resultado desse questionamento pode
ser visualizado na figura a seguir:
Figura 25: Interesse do turista em conhecer o patrimônio histórico-cultural
AUMENTARIA A PERMANÊNCIA PARA CONHECER A HISTÓRIA LOCAL
70%
30%
Sim
Não
Fonte: Dados da pesquisa
Esses dados comprovam que mesmo não sendo o motivo principal pelo qual
as pessoas visitam Morro de São Paulo, o patrimônio histórico desperta o interesse
do turista, podendo aumentar a permanência desses visitantes na localidade, o que
implicaria um acréscimo na arrecadação pública do povoado através da entrada de
recursos na economia e aumento na circulação monetária.
Entretanto, a falta de uma formatação efetiva dos atrativos históricos-culturais
acaba excluindo a capacidade de inserção dos monumentos como fator de
dinamização da atividade, da mesma forma que exclui a capacidade do turismo de
propiciar condições de preservação dos monumentos, mecanismo dialético que
justifica a relação patrimônio e atividade turística na contemporaneidade.
CONCLUSÃO
A configuração de uma nova ordem mundial nas últimas décadas do século
XX, caracterizou-se pelo processo de integração econômica, política, social e
cultural. Paralelo a esses acontecimentos, o desenvolvimento tecnológico exerceu
um importante papel, ao encurtar os espaços, transformando o mundo naquilo que o
sociólogo canadense Marshall McLuhan chamou de “aldeia global”. Iniciou-se,
assim, a era da globalização.
No âmbito cultural, a idéia de globalização surgiu, inicialmente, como um
fenômeno de homogeneização das esferas culturais, onde as tendências
globalizantes anularia as identidades locais. Entretanto, o fenômeno seguiu por um
caminho inverso. Diante da proposta global da nova conjuntura mundial, diferentes
grupos sociais partem em defesa da valorização da diversidade cultural, através da
necessidade de identificação coletiva em âmbito local, fundamentando-se no
discurso de legitimidade das diferenças culturais. Abre-se então um novo campo de
discussão sobre o lugar da cultura nas sociedades contemporâneas.
A visão pós-moderna de cultura compreende os sistemas culturais como
sendo o resultado de um processo histórico onde as expressões criadas a partir da
vida em sociedade se acumulam, transformam e ganham novos significados e novas
formas de expressões ao longo do tempo, seja pela dinâmica natural da fruição, seja
por conflitos internos ou por influência do contato com outros povos (SANTOS,
2004).
Dessa forma, a cultura formatou elementos que constituíram a memória dos
grupos sociais que a formaram, fazendo dessa memória o suporte capaz de
referenciar esses grupos através da afirmação da identidade cultural, onde a
conformação identitária firma-se nos elementos formadores de cada cultura
específica, em sua trajetória histórica. Portanto, novas discussões sobre a
preservação de aspectos tangíveis e intangíveis de uma determinada cultura,
ganham espaço no momento histórico atual, não para “engessar um passado”, mas
para identificar um local através do sentimento de pertença alicerçado em símbolos
construídos no passado, porém, com significados contemporâneos.
Diante da necessidade de uma referência capaz de situar os indivíduos em
seu tempo e espaço, o homem buscou, em vestígios do seu passado, elementos
que pudessem lhe conferir um sentimento de continuidade, outorgando um
significado ao presente e futuro. Nessa dimensão, estratégias de preservação são
delineadas, visando a valorização das particularidades locais, representadas pelo
patrimônio histórico-cultural das distintas sociedades.
A procura por alternativas preservacionistas do legado histórico-cultural dos
grupos humanos, estabeleceu uma interface entre a cultura e uma atividade que se
consolidou na segunda metade do século XX: o turismo.
Apreender esse novo contexto mundial, em que essas concepções começam
a ganhar forma, é de fundamental importância para a compreensão do que o turismo
e a sua relação com o patrimônio histórico adquirem na contemporaneidade, onde
essa relação se torna cada vez mais fundamental pra as duas atividades.
A análise do contexto turístico nessa nova realidade tem suscitado questões
de extrema relevância que diz respeito, diretamente, aos parâmetros de
desenvolvimento da atividade. Esses questionamentos insidem sobre o próprio
conceito de desenvolvimento, que na atualidade firma-se sobre a perspectiva da
sustentabilidade, elemento fundamental de garantia da própria atividade turística,
que tem como suporte para o seu empreendimento o meio ambiente em seus
aspectos natural e cultural.
A integração entre cultura e turismo se justifica, antes e acima de tudo, como
estratégia de diferenciação do produto turístico, dinamizando o desenvolvimento da
atividade, que em contrapartida possibilita a preservação do legado cultural de uma
localidade, em sua diversidade de expressões.
Na sua inter-relação com a cultura, o turismo atua como vetor econômico, ao
transformar aspectos culturais em bens de consumo, e como vetor de preservação,
ao suscitar e valorizar as peculiaridades culturais de uma determinada localidade,
estimulando assim a auto-estima coletiva de seus membros.
Essa atuação não é dicotômica, mas complementar, por inserir a simbologia
da produção humana, em seus aspectos materiais e imateriais, em uma lógica de
mercado característica do mundo globalizado, propondo uma valorização dos
referenciais identitários das comunidades no qual esse patrimônio encontra-se
inserido.
Dentro dessa perspectiva, a análise realizada no povoado de Morro de São
Paulo, em Cairu-Bahia, propõe essa interface entre cultura e turismo a partir da
inserção do patrimônio histórico arquitetônico local no desenvolvimento turístico.
Morro de São Paulo destaca-se como um dos importantes centros turísticos
da Bahia, sendo um destino já consolidado no mercado. O foco de desenvolvimento
turístico da localidade são os atrativos naturais, composto pelas praias e pela
paisagem litorânea, com uma oferta turística pouco segmentada.
O destino possui elementos potenciais e recursos diversificados que
possibilitam uma ampla segmentação de mercado, capaz de aumentar a sua
competitividade em relação a outros destinos, apesar de ainda não explorar essa
potencialidade.
As tendências atuais do mercado turístico apontam para a grande
competitividade do setor. Assim, pode-se concluir que o segmento do Turismo
Cultural em Morro de São Paulo apresenta-se como um atrativo diferencial,
agregando vantagem competitiva ao destino, acrescentando ao produto novos
aspectos a serem aproveitados e explorados para o incremento do turismo.
Entretanto, a falta de planejamento e formatação de produtos turísticos
diversificados, pode causar uma saturação do destino, gerando um declínio do fluxo
turístico há longo prazo.
Possuindo monumentos arquitetônicos de grande relevância, o
desenvolvimento do turismo histórico-cultural no povoado revela-se como
possibilidade de otimizar a atividade turística, através do planejamento estratégico,
incluindo a cultura como atrativo, dando um novo olhar ao patrimônio histórico do
povoado, que encontra-se em estado avançado de degradação.
Se o turismo precisa do patrimônio histórico para segmentar e diversificar o
desenvolvimento da atividade, o patrimônio necessita do turismo como alternativa de
preservação e sustentabilidade, que permita a sua sobrevivência ao longo da
história, premissa reconhecida até pelo órgão mundial de preservação patrimonial –
ICOMOS, que estabeleceu em 1976 as diretrizes para a inserção do patrimônio no
desenvolvimento turístico através da elaboração da Carta de Turismo Cultural.
Nesse sentido, a inserção dos monumentos arquitetônicos no
desenvolvimento do Turismo deve orientar a atividade no sentido de preservação
desses monumentos, buscando, inclusive, uma nova alternativa econômica para a
comunidade, além de reforçar o seu referencial identitário.
Ao analisar a realidade encontrada em Morro de São Paulo, buscou-se
apreender a relação da comunidade local com o seu legado histórico-cultural,
pressuposto essencial para a viabilidade das ações preservacionistas. Os
resultados revelaram um distanciamento entre os moradores do povoado e esse
patrimônio.
O desvinculamento da população com elementos constitutivos da sua história
compromete a conformação de uma identidade cultural capaz de estabelecer laços
afetivos entre os indivíduos e o seu grupo social.
Os espaços onde se encontram esses monumentos não evocam a memória
da maioria dos habitantes, comprometendo a sobrevivência desses bens. Esse fato
justifica-se porque grande parte desse patrimônio perdeu sua função de uso, não
possuindo mais uma funcionalidade social. São apenas restos do vivido que não
fazem parte da dinâmica da vida atual porque não foram ressignificados para o
presente. Por não ser mais memória viva do grupo social, a preservação desse
patrimônio não é reivindicada como marca identitária pela comunidade local.
Entretanto, pôde-se perceber essa dinâmica de inserção da cultura na
atividade turística, tendo como base os monumentos, na própria comunidade de
Morro de São Paulo, através das ações empreendidas pelos moradores do povoado
para salvaguardar a Igreja de Nossa Senhora da Luz., que ao aliar um esforço
coletivo para preservar a memória local, iniciaram uma campanha para restaurar
esse parimônio.
A restauração da Igreja além de despertar o sentimento de identidade - por
ser um lugar de reconhecimento dos membros da sociedade de Morro de São Paulo
com o sua construção cultural – e cidadania, estreitou os laços de solidariedade
entre comunidade e turistas, uma vez que os turistas participaram ativamente do
processo para a recuperação do patrimônio através de doações espontâneas,
constituíndo-se como um dos grandes colaboradores para que as ações
preservacionistas tivessem andamento.
Em contrapartida, esse monumento pôde ser inserido no desenvolvimento
turístico tornando-se um atrativo efetivo para a atividade, ficando aberto à visitação
pública.
Vale ressaltar que esse é um fato isolado, visto que os outros monumentos
existentes no povoado estão correndo o risco de desaparecerem por falta de ações
que contemplem a salvaguarda desse legado.
Por outro lado, percebeu-se que essa movimentação interativa entre
comunidade e turistas, obteve resultados positivos e abriu um precedente para
novas iniciativas, haja vista os benefícios já relatados sobre a convivência entre o
patrimônio e a atividade turística ali desenvolvida.
Contudo, essa percepção deve estar presente nas reflexões dos setores que
planejam a atividade turística em Morro de São Paulo, constituídos basicamente
pelo poder público, sociedade civil organizada e iniciativa privada, aliados à lógica
aqui constatada, com a participação atuante e decisiva da comunidade e turistas,
numa integração capaz de formatar ainda uma nova projeção contextual, na qual se
mobiliza o sentimento identitário de pertença do patrimônio também através da
alteridade de quem o visita.
Estabelecer a relação entre cultura e turismo torna-se, portanto, estratégia
fundamental para as sociedades contemporâneas.
.
5- REFERÊNCIAS AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994. AREVALLO, M.C.M. Lugares de memória ou a prática de preservar o invisível através do concreto. Disponível em: www.anpuh.uepg.br/historia-hoje/vol3.2005. Acesso em 23 de junho de 2006. AZEVEDO, J.; IRVING, M. A. Turismo: o desafio da sustentabilidade. São Paulo: Futura, 2002.
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DEPOIMENTOS
BATISTA, Renê Luz. Pescador, morador, residente à Rua da Biquinha, 64, centro,
Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em 24/06/2005, na
residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas. Entrevista
cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
BATISTA, Renilda Luz. Micro-empresária, moradora, residente à Rua Caminho da
Praia, s/n, centro, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em
25/06/2005, na residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas.
Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
BATISTA, Renival Luz. Pescador e micro-empresário, morador, residente à Rua da
Praia, s/n, centro, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em
24/06/2005, na residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas.
Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
BATISTA, Romilce Teófila da Luz. Micro-empresária, moradora, residente à Rua
Caminho da Praia, centro, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado
em 25/06/2005, na residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos
Vinhas. Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
FEITOSA, Elias. Frei/professor/restaurador, morador, residente à Rua da Frente, 44,
Gamboa do Morro, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em
04/10/2005, na sacristia da Igreja de Nossa Senhora da Luz. Entrevistador: Thaís
dos Santos Vinhas. Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo,
UESC/UFBA.
HORA, Cecília Machado da. Autônomo, morador, residente à Rua da Fonte Grande,
22, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em 10/09/2004, na
residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas. Entrevista
cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
JESUS, Manoel de. Pescador/aposentado, morador, residente no Campo da
Mangaba, s/n, Mangaba, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em
23/06/2005, na residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas.
Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
LUZ, Dêlza Silva. Micro-empresária, moradora, residente à Rua da Fonte
Grande,158, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em
10/09/2004, na residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas.
Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
LUZ, Romenil dos Anjos. Micro-empresário, morador, residente à Rua da Fonte
Grande, 158, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em
23/06/2005, na residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas.
Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
PEREIRA, Hermes Lopes. Pescador, morador, residente na Vila São José, s/n,
Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em 12/09/2004, na Igreja
Nossa Senhora da Luz. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas. Entrevista cedida
ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
SANTOS, Sandoval Francisco dos. Marinheiro, morador, residente em Gamboa do
Morro, s/n, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em 24/06/2005,
na residência do entrevistada, na Rua Caminho da Praia, s/n, Morro de São Paulo,
Cairu-Bahia. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas. Entrevista cedida ao Mestrado
em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
WENSE, Ellze Moutinho. Professora, moradora, residente à Rua da Caminho da
Praia, s/n, centro, Morro de São Paulo, Cairu-Bahia. Depoimento coletado em
03/10/2005, na residência do entrevistado. Entrevistador: Thaís dos Santos Vinhas.
Entrevista cedida ao Mestrado em Cultura e Turismo, UESC/UFBA.
APÊNDICE A- Questionário aplicado aos turistas em Morro de São Paulo
Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
Universidade Federal da Bahia – UFBA Mestrado em Cultura e Turismo
1 - Idade .......................................
2- Sexo ( ) masculino ( ) feminino
3- Escolaridade......................................................................................................
4- Cidade de Origem ............................................................................................
5- Profissão ...........................................................................................................
6-Motivação da viagem
( ) atrativo natural ( ) sol e praia ( ) patrimônio histórico
( ) esporte e aventura ( ) visita parentes e amigos ( ) festa/vida noturna
( ) eventos ( ) outros ...................................................................
7- Que fator ou meio de comunicação influenciou na decisão de viajar a Morro de São Paulo?
( ) internet ( ) jornal e/ou revista ( ) televisão
( ) agência de viagens ( ) recomendação parentes ou amigos ( ) folhetos
( ) outros ..............................................................................................
8- Como a viagem foi organizada? ( ) por conta própria ( ) por agência de viagem
9- Como está viajando? ( ) sozinho ( ) amigos ( ) família ( ) excursão
10-É a primeira vez que visita a localidade? ( ) sim ( ) não
11- Como qualificava a expectativa da visita? ( ) ótima ( ) boa ( ) regular ( ) ruim
12- Como qualifica a visita? ( ) ótima ( ) boa ( ) regular ( ) ruim
13- Liste e qualifique em ótimo, bom ou regular, entre 3 e 5 atrativos turísticos de Morro de
São Paulo que você conhece: ...................................................................................................
...................................................................................................................................................
14-O patrimônio histórico do povoado lhe despertou algum interesse? ( ) sim ( ) não
15- Se despertou, poderia citar alguns? ....................................................................................
...................................................................................................................................................
16- Há informação suficiente a respeito do patrimônio e da história local ? ( ) sim ( ) não
17- Sobre o estado de preservação dos monumentos visitados, você considera:
( ) ótimo ( ) bom ( ) regular ( ) péssimo
18- Você considera o patrimônio histórico como elemento motivador para a visitação a Morro
de São Paulo? ( ) sim ( ) não
19- Sabendo da existência desse patrimônio, você ficaria mais tempo em Morro de São Paulo
para conhecer melhor os monumentos históricos e a história local? ( ) sim ( ) não
20 – Você pretende retornar? ( ) sim ( ) não
21- Você recomendaria Morro de São Paulo a amigos? ( ) sim ( ) não
22- Você teria sugestões para a utilização do patrimônio histórico como atrativo turístico?
.........................................................................................................................................................
.........................................................................................................................................................
.........................................................................................................................................................
........................................................................................................................................................
APÊNDICE B – Roteiro semi-estruturado para a realização das entrevistas com os
moradores locais
� Nome
� Idade
� Profissão
� Escolaridade
� Tempo de residência na localidade
� Percepção acerca de algumas mudanças ocorridas no povoado (física,
sócio-cultural, estrutura...)
� A partir de quando que essas mudanças vêm ocorrendo
� O que acha que impulsionou as mudanças
� Como vê essas mudanças
� Qual o conhecimento sobre a história do povoado
� Como ficou sabendo sobre a história de Morro de São Paulo
� Existe no povoado ainda algumas marcas da sua trajetória histórica
(monumentos, tradições...)
� Se existe, sabe identificar essas marcas
� Qual o estado de preservação do patrimônio
� Acha importante preservar esses monumentos - Por quê?
� A comunidade cuida desse patrimônio
� Saberia propor alternativas para preservação do patrimônio
� Qual a percepção do morador sobre o turismo
� O desenvolvimento turístico do povoado afetou diretamente sua vida
� Qual a reação da comunidade local frente ao desenvolvimento turístico
� O que acha que os turistas vêm ver em Morro de São Paulo
� Gostaria que o turista se interessasse pela história local
� Acha que o patrimônio e a história local poderia atrair o turista
� Acha que o turista poderia contribuir para a preservação do patrimônio
APÊNDICE C - Sugestões dos turistas para utilização do patrimônio histórico-cultural
arquitetônico como atrativo turístico
� Restauração dos monumentos;
� Criação de uma infra-estrutura turística que insira o patrimônio como atrativo,
através da restauração dos mesmos, e que se estabeleça a cobrança de
uma pequena taxa de visitação para garantir a manutenção desse
patrimônio;
� Elaboração de um folheto explicativo, com informações acerca do patrimônio
a ser vendido ou distribuído para os turistas;
� Criação de um museu que contemple a história local;
� Treinamento de guias de turismo local, habilitando-os para fornecer
informações aos turistas sobre a história dos monumentos do povoado;
� Criação de um observatório natural no Forte da Ponta;
� Maior divulgação sobre a história e a cultura de Morro de São Paulo;
� Realização de eventos culturais na Fortaleza (apresentação de orquestra,
peças de teatro);
� Criação de um acervo aberto ao público, com amostra fotográfica que mostre
as transformações históricas vividas pelo povoado;
� Formação de um coral na Igreja que realize evento cultural permanente,
aberto ao público;
� Cobrança de uma taxa para visitação do patrimônio, garantindo assim a sua
manutenção;
� Criação de um roteiro cultural, com programação de atividades definidas,
inserindo o patrimônio, a história e a cultura local na lista de atrativos do
povoado;
� Criação de um ponto de apoio e informações ao turista, que forneça
informações sobre os atrativos turísticos locais;
� Educação patrimonial para a comunidade e turistas;
� Elaboração de um documentário sobre a história de Morro de São Paulo,
para ser exibido para os turistas, como também para comercialização;
ANEXO A: Relatório de restauração dos retábulos elaborado pelo Frei Elias
Relatório dos trabalhos de restauração da Igreja nossa Senhora da Luz
Retábulos
A palavra retábulo significa “atrás da mesa”, da mesa do altar.
Retábulo em madeira recortada e entalhada de marcenaria. Composto de
várias partes encaixadas e fixas com pregos de ferro e parafusos de latão.
Ninchos com porta vazada com vidro. Superfície com pintura na técnica a
têmpera nas cores azul e dourado, contém elementos decorativos ao fundo
(flores na coloração branca).
Peça híbrida que conjuga elementos neoclássicos com ornamentação e arremates rococós. Deve datar do fim do século XIX.
DESCRIÇÃO ARTÍSITICA IDENTIFICAÇÃO: RETÁBULO ESPÉCIE: Móvel religioso NATUREZA: Mobiliário ÉPOCA: Século XIX AUTORIA: Desconhecida MATERIAL/TÉCNICA: Madeira/ Vidro/ Entalhe DIMENSÕES: (cm) ALTURA: 500 LARGURA: 224 COMPRIMENTO: 0 PROFUNDIDADE:100 DIÂMETRO: 0 CIRCUNFERÊNCIA:0 PESO (g): 0
DESCRIÇÃO
Retábulo composto de mesa de formato trapezoidal, parte frontal contornada por frisos, contendo ornato em forma de campânula. Embasamento retangular, nas quinas ornatos de folhagens; sustentando duas colunas de fuste em caneluras, capitéis com ornatos em volutas; ladeando as colunas, ornatos de flores e folhagens. Entablamento com friso em caneluras, cornija em ressalto. Coroamento, centrado por arco, ladeado por ornatos de folhagens em dourado e curvas em esses; nos cantos do arco, triângulos em caneluras. Rematando o coroamento, cornija em ressalto, com curvas com folhagens em volutas centrando florão estilizado, encimado por pequena cimalha com ornatos em curvas. Ladeando o frontão, jarros com folhagens. No centro do retábulo, nincho com porta de vidro em arco de contorno recortado em curvas e contracurvas; abriga a imagem de são Gonçalo do Amarante; o nincho superior, em maiores dimensões, apresentando a mesma decoração, abriga a imagem de Nossa Senhora da Conceição. CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS: Retábulo em madeira recortada e entalhada em trabalho de marcenaria. Composto de várias partes encaixadas e fixas com pregos de ferro e parafusos de latão. Ninchos com porta vazada com vidro. Superfície com pintura artística, rosas, folhas e ramos na coloração branca de titânio e azul real. CARACTERISTICAS ESTILISTICAS: Peça híbrida que conjuga elementos neoclássicos (com ornamentação e arremates rococós. Deve datar do fim do século XIX. CARACTERISITCAS ICONOGRÁFICA/ORNAMENTAIS: Sem características iconográficas definidas ORNAMENTAÇÃO: Campânulas, folhagens, curvas e contracurvas em volutas, esses, ornatos em jarros e motivos florais.
RESTAURAÇÃO
Retábulo nº1 Após ter sido imunizado com produto adequado, foram feitas algumas prospecções para encontrar a cor original, a qual encontramos e procuramos fazê-la na técnica adequada.
Fizemos um trabalho de decapage, e confecção de partes faltantes.
Morro de São Paulo, janeiro de 2005
Anno Domino
Retábulo nº2
O trabalho de restauração foi muito meticuloso, pois exigiu do restaurador responsável todo uma pesquisa em pedaços de tábuas que resistiram a restaurações empíricas feitas em tempos remotos. Desta forma, após ter sido imunizado com produto adequado, foram feitas algumas prospecções para encontrar a cor original, a qual encontramos e procuramos fazê-la na técnica adequada. Fizemos um trabalho de decapage, e confecção de partes faltantes, bem como confecção de flores artísticas que foram encontradas em pedaços de tábuas dos ninchos.
Morro de São Paulo, 13 de maio de 2006
Anno Domino
EQUIPE DE RESTAURO:
Elias Feitosa - Restaurador responsável Juarez Silva - Entalhador Valdir Palma - ajudante.
PROCESSO DE RESTAURAÇÃO
DECAPAGE
CONFECÇÃO DE PARTES FALTANTES
RETOQUE ILUSIONISTAS
DESCOBERTAS DE ELEMENTOS ARTÍSTICOS
CONFECÇÃO DE ELEMENTOS ARTÍSTICOS
ANEXO B: Reportagem sobre os trabalhos de restauração da Igreja FONTE: Jornal O Nativo Ano 1. nº 1- Setembro de 2005 – Morro de São Paulo, Cairu-Bahia, p.1
ANEXO C: Reportagem com o frei Elias sobre os trabalhos de restauração da Igreja
e das imagens sacras.
FONTE: Jornal O Nativo Ano 1. nº 1- Setembro de 2005 – Morro de São Paulo, Cairu-Bahia, p.2
ANEXO D: Reportagem sobre liberação de verba do governo federal para melhoria
da infra-estrutura turística de Morro de São Paulo, dentre elas, a recuperação do
patrimônio histórico local
FONTE: Informativo da Prefeitura Municipal de Cairu – Bahia, Ano 1. nº 1, 26 de junho de 2006
ANEXO E: Fotos da festa religiosa em homenagem a padroeira do povoado, Nossa
Senhora da Luz, que ocorre anualmente no dia 08 de setembro
FONTE: VINHAS, T. S. Em 08 de setembro de 2004