universidade estadual de...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
MICHELE PEREIRA DA SILVA
AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS DO MÉDIO VALE DO PARAÍBA
FLUMINENSE: A INSERÇÃO DO MUNICÍPIO DE VALENÇA NO CONTEXTO DA
REDE URBANA REGIONAL
CAMPINAS
2016
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MICHELE PEREIRA DA SILVA
AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS DO MÉDIO VALE DO PARAÍBA
FLUMINENSE: A INSERÇÃO DO MUNICÍPIO DE VALENÇA NO CONTEXTO DA
REDE URBANA REGIONAL
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO INSTITUTO
DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE
ESTADUALDE CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO
TÍTULO DE MESTRA EM GEOGRAFIA NA ÁREA
DE ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA
TERRITORIAL
ORIENTADOR: PRF. DR. VICENTE EUDES LEMOS ALVESW
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA
DISSERTAÇÃO/TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MICHELE
PEREIRA DA SILVA ORIENTADA PELO PROF. DR.VICENTE
EUDES LEMOS ALVES
CAMPINAS
2016
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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de GeociênciasCássia Raquel da Silva - CRB 8/5752
Silva, Michele Pereira da, 1978- Si38t SilAs transformações sociospaciais do Médio Vale do Paraíba Fluminense : a
inserção do município de Valença no contexto da rede urbana regional /Michele Pereira da Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.
SilOrientador: Vicente Eudes Lemos Alves. SilDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Geociências.
Sil1. Socialismo. 2. Geografia urbana. 3. Políticas públicas. I. Alves, Vicente
Eudes Lemos,1967-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto deGeociências. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Les transformations socio-spatiale du Milieu Atteint du ParaíbaFluminense : insertion la municipalité de Valença dans le contexte du réseau urbain regionalPalavras-chave em inglês:SocialismUrban geographyPublic policyÁrea de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica TerritorialTitulação: Mestra em GeografiaBanca examinadora:Vicente Eudes Lemos Alves [Orientador]Regina Célia Bega dos SantosClerisnaldo Rodrigues de CarvalhoData de defesa: 25-04-2016Programa de Pós-Graduação: Geografia
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL
AUTORA: Michele Pereira Silva Carvalho
O Município de Valença no Contexto das Transformações Socioespaciais do
Médio Vale do Paraíba Fluminense
ORIENTADOR: Prof. Dr. Vicente Eudes Lemos Alves
Aprovado em: 25 / 04 / 2016
EXAMINADORES:
Prof. Dr. Vicente Eudes Lemos Alves – Presidente
Profa. Dra. Regina Célia Bega dos Santos
Prof. Dr. Clerisnaldo Rodrigues de Carvalho
A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora,
consta no processo de vida acadêmica do aluno.
Campinas, 25 de abril de 2016.
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À MINHA FAMÍLIA PELA PRESENÇA E APOIO AO LONGO DO PERÍODO DE
ELABORAÇÃO DESTE TRABALHO E, EM ESPECIAL, AO MEU FILHO THÉO,
AO MEU COMPANHEIRO ANDRÉ E ÀS MINHAS QUERIDAS AVÓS QUE ME
INSPIRARAM A REALIZAR ESTE TRABALHO: DONA MARIINHA E
TEREZINHA TAVARES (IN MEMORIAM)
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Vicente Eudes Lemos Alves pelo conhecimento transmitido, paciência,
compreensão e comprometimento.
Ao Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas pela oportunidade de
realização do curso de mestrado e pelo apoio financeiro através de seu Programa de Bolsas de
Estudo.
À Profa. Dra. Regina Célia Bega dos Santos e ao Prof. Dr. Clerisnaldo Rodrigues de Carvalho
pelos apontamentos feitos durante o exame de qualificação, também fundamentais para a
revisão e desenvolvimento do presente trabalho.
Ao meu companheiro e amigo André Luiz de Carvalho, que contribuiu para a elaboração
deste trabalho.
Ao Prof. MS Rinaldo Gomes Pinho pela assessoria na organização do material cartográfico.
Ao meu irmão William e família pela acolhida durante a realização dos trabalhos de campo e
aos entrevistados e instituições consultados no município de Valença – RJ, que também
contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.
Aos meus pais, que jamais deixaram de mostrar a importância que o estudo tem em nossa
vida.
À Val e Gorete do Instituto de geociências, por toda a atenção e esclarecimentos prestados
durante o curso.
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“Há um tempo em que
é preciso abandonar as roupas usadas, que já
tem a forma do nosso corpo, e esquecer os
nossos caminhos, que nos levam sempre aos
mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se
não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para
sempre, à margem de nós mesmos”.
Fernando Pessoa
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RESUMO
AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS DO MÉDIO VALE DO PARAÍBA
FLUMINENSE: A INSERÇÃO DO MUNICÍPIO DE VALENÇA NO CONTEXTO DA
REDE URBANA REGIONAL
Ao estudar as transformações socioespaciais de Valença, município do Médio Vale do Paraíba
Fluminense, foi utilizado o conceito de antivalor, de Francisco de Oliveira, para discutir o
papel dos fundos públicos na reprodução do capital, principalmente a partir de sua relação
com as corporações econômicas instaladas na região. A reprodução do capital assim
caracterizada leva a uma constante realocação dos investimentos públicos e privados. Essa
combinação vem provocando profundas transformações na rede urbana do Médio Vale do
Paraíba Fluminense, da qual Valença faz parte. Se na primeira metade do século XIX, a
produção cafeeira dava lugar de destaque a esse município, atualmente o mesmo não
apresenta a condição de atrair capital com a mesma intensidade de outros centros urbanos da
região, a despeito tanto da aprovação de leis tentando reforçar aí a participação de fundos
públicos, quanto de sua inserção numa região que vem apresentando importante crescimento
industrial.
Palavras-chave: Cidades médias, guerras dos lugares, antivalor e transformações
socioespaciais.
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ABSTRACT
THE SOCIO-SPATIAL TRANSFORMATIONS OF THE MIDDLE VALLEY OF THE
PARAÍBA FLUMINENSE: VALÊNCIA COUNTY INSERTION TO THE CONTEXT
OF REGIONAL URBAN NETWORK
By studying the socio-spatial transformations of Valencia, muncipality located in the Middle
Valley of Paraíba Fluminense, we used the concept of anti-value, according Francisco de
Oliveira, to discuss the role of public funds in the reproduction of capital, mainly from its
relationship with the installed corporations in the region. Reproduction of well characterized
capital leads to a constant reallocation of public and private investments. This combination
has led to profound changes in the urban network of Middle Valley of Paraíba Fluminense,
which is part of Valencia. If, in the first half of the nineteenth century, coffee production gave
prominent place to the municipality, currently it has no condition to attract capital with the
same intensity as other urban centers in the region, despite both the passage of laws trying to
strengthen there the participation of public funds, as its insertion in a region that has shown
significant industrial growth.
Key words: medium-sized cities, war places, anti-value, socio-spatial transformations.
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RÉSUMÉ
LES TRANSFORMATIONS SOCIO-SPATIALE DU MILIEU ATTEINT DU PARAÍBA
FLUMINENSE : INSERTION LA MUNICIPALITÉ DE VALENÇA DANS LE
CONTEXTE DU RÉSEAU URBAIN REGIONAL
En étudiant les transformations socio-spatiales du Valença, municipalité au Moyen-Valée du
Paraíba Fluminense, nous avons utilisé le concept de l'anti-valeur, par Francisco de Oliveira,
pour discuter du rôle des fonds publics dans la reproduction du capital, principalement de ses
relations avec les sociétés économiques établis dans la région. Reproduction du capital bien
caractérisé conduit à une réaffectation constante des investissements publics et privés. Cette
combinaison a conduit à de profonds changements dans le réseau urbain de la Vallée du
Paraíba Fluminense, qui fait partie Valença. Si la première moitié du XIXe siècle, la
production de café a donné une place de choix à la municipalité, actuellement, il n'a pas la
condition pour attirer des capitaux au même degré dans d'autres centres urbains de la région,
malgré la fois l'adoption de lois qui tentent de renforcer puis la participation de fonds publics,
que son insertion dans une région qui a connu une croissance industrielle significative.
Mots-clés: villes moyennes, guerre de sièges, anti-valeur et les transformations sócio-
spatiales.
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1– Unidades Têxteis de Valença: Número de operários e produção anual. ........... 59
Tabela 2- Valor da transformação industrial do Vale do Paraíba do Sul- Principais
municípios: 1940 (em % ...................................................................................................... 62
Tabela 3- Número de estabelecimentos industriais por classe e gênero de indústria nos
municípios de Valença, Volta Redonda e Barra Mansa- 1959 ............................................ 66
Tabela 4- Distribuição do produto industrial brasileiro em estados selecionados- em % . 69
Tabela 5- Distritos de Valença: população absoluta e percentual em relação ao total dos
municípios (exceto sede...................................................................................................... .99
Tabela 6- Porto Real, Resende, Valença e Volta Redonda: População estimada, 2014 .. 115
Tabela 7- PIB per capita das quatro cidades selecionadas ao Médio Vale do Paraíba
Fluminense-2011 .............................................................................................................. 115
Tabela 8- Porto Real, Resende, Valença e Volta Redonda: PIB por setores da economia-2011
.......................................................................................................................................... .115
Tabela 9- Resultados da variável Educação e IFDM dos municípios de Porto Real, Resende,
Valença e Volta Redonda ................................................................................................. 117
Tabela 10- Resultados da variável Saúde do IFDM dos municípios de Porto Real, Resende,
Valença e Volta Redonda ................................................................................................. 117
Tabela 11- Resultados da variável Emprego e Renda do IFDM dos municípios de Porto Real,
Resende, Valença e Volta Redonda ................................................................................. .117
Tabela 12- Resultados do IFDM dos municípios de Porto Real, Resende, Valença e Volta
Redonda ............................................................................................................................ 118
Tabela 13- CAGED- Perfil dos municípios. Setor: indústria de transformação janeiro/2010 a
janeiro 2015 (em números absolutos) ................................................................................ 119
Tabela 14-CAGED- Perfil dos municípios. Setor: serviços janeiro/2010 a janeiro 2015 (em
números absolutos) ........................................................................................................... 120
Tabela 15- CAGED- Perfil dos municípios. Setor: comércio janeiro/2010 a janeiro 2015 (em
números absolutos) ............................................................................................................ 120
Tabela 16-CAGED- Perfil dos municípios. Setor: agropecuária, extração vegetal, caça e
pesca janeiro/2010 a janeiro 2015 (em números absolutos) .............................................. 121
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1-Estado do Rio de Janeiro: Região do Médio Vale do Paraíba Fluminense .......... 29
Mapa 2- Estado do Rio de Janeiro. Divisão por regiões administrativas ........................... 34
Mapa3- Região do Médio Vale do Paraíba Fluminense ................................................... 104
Mapa 4- Região do Médio Vale do Paraíba Fluminense. Empresas do setor automotivo 108
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Relação de empresas instaladas no Distrito Industrial ..................................... 91
Quadro 2-Cidades do Médio Vale do Paraíba Fluminense e respectivas corporações do setor
automotivo nelas instaladas ............................................................................................... 106
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LISTA DE FOTOS
Foto 1- Aspecto da antiga fábrica de tecidos em Valença (RJ) .......................................... 60
Foto 2- Aspecto da antiga fábrica de tecidos em Valença (RJ) ......................................... .61
Foto 3- Aspecto do Distrito industrial de Valença (RJ) ...................................................... 92
Foto 4- Aspecto do Distrito industrial de Valença (RJ) ..................................................... 92
Foto 5- Aspecto da estação ferroviária de Barão de Juparanã-Valença (RJ) .................... 100
Foto 6- Aspecto de ocupação irregular no distrito de Barão de Juparanã-Valença (RJ) .. 102
Foto 7-Aspecto do centro do município de Valença (RJ) ................................................. 124
Foto 8- Aspecto do Centro do município de Valença (RJ) com destaque para o comércio de
confecções ........................................................................................................................ 125
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
CAPÍTULO I - O CICLO DO CAFÉ NO MÉDIO VALE DO PARAÍBA E EM VALENÇA:
DO AUGE À DECADÊNCIA ............................................................................................ 31
1.1 A introdução da produção cafeeira no Médio Vale do Paraíba e em Valença ......... 35
1.1.1 importância do café em Valença e seu papel na rede urbana da época ................ 37
1.1.2 A crise do café no Médio Vale do Paraíba e em Valença: decadência econômica?40
CAPÍTULO II - O MÉDIO VALE DO PARAÍBA FLUMINENSE APÓS A DECADÊNCIA
DA PRODUÇÃO CAFEEIRA ............................................................................................ 50
2.1 A decadência do café e o desenvolvimento econômico do Médio Vale do Paraíba
Fluminense e do Interior de São Paulo ........................................................................... 51
2.2 De 1909 a 1980: auge e declínio da indústria têxtil em Valença ............................. 55
2.3 O papel de Valença no contexto da construção da CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional) ........................................................................................................................ 63
CAPÍTULO III - A RENÚNCIA FISCAL, O ANTIVALOR E AS TRANSFORMAÇÕES
SOCIOESPACIAIS EM VALENÇA .................................................................................. 72
3.1 A teoria marxista do valor: compreendendo o antivalor em Valença ...................... 77
3.2. O fundo público e o Médio Vale do Paraíba Fluminense.................................... 83
CAPÍTULO IV - REDE URBANA, CIDADES MÉDIAS E CORPORAÇÕES: VALENÇA
NO ATUAL CONTEXTO DO MÉDIO VALE DO PARAÍBA FLUMINENSE. ............. 98
4.1 - Rede urbana no Médio Vale do Paraíba Fluminense ........................................... 109
4.2 - Cidade média e região no contexto do Médio Vale do Paraíba Fluminense........ 126
Considerações Finais ......................................................................................................... 134
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 140
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INTRODUÇÃO
O fato de a cidade do Rio de Janeiro ser o centro do poder no Brasil Império e,
continuar sendo após a proclamação da República até meados do século XX, contribuiu para
que o desenvolvimento econômico ocorresse muito mais na capital fluminense do que em
outras regiões do estado. Apesar de a presença do poder político favorecer o desenvolvimento
econômico, baseado principalmente na atividade administrativa e industrial, a cidade do Rio
de Janeiro e, por extensão o seu estado, foram perdendo posição para o crescimento
econômico que passou a ocorrer no estado de São Paulo, principalmente a partir da segunda
metade do século XIX.
Sendo assim, o objetivo principal aqui é discutir as transformações socioespaciais
ocorridas no Médio Vale do Paraíba Fluminense com atenção especial para a cidade de
Valença. A hipótese aqui discutida é que, no curso das várias transformações socioespaciais aí
verificadas, as mais recentes (principalmente as ocorridas a partir da década de 1990) vêm
tendo como principal motor a participação de fundos públicos junto ao desenvolvimento
econômico que, na atual etapa do modo de produção capitalista, seriam imprescindíveis para a
continuidade desse sistema, gerando o que Francisco de Oliveira chamou de antivalor.
A condição do município de Valença é peculiar, já que o mesmo está inserido numa
rede de cidades próximas consideradas importantes pelo seu poder de polarização econômica,
como Volta Redonda e, do ponto de vista do território nacional, fazendo parte do principal
eixo econômico do país, o que envolve os estados de São Paulo e Rio de Janeiro1.
A metodologia aqui utilizada procedeu à revisão bibliográfica que teve como ponto de
partida as discussões pertinentes às transformações socioespaciais ocorridas no Médio Vale
do Paraíba e em Valença, bem como aquelas referentes à discussão sobre o antivalor acima
citado, e como o mesmo se insere na atual fase de reprodução do capitalismo. Procedeu-se a
entrevistas qualitativas junto a alguns moradores do distrito de Juparanã, no
município de Valença, no sentido de entender como tais transformações impactam ou não o
referido distrito, bem como o próprio município. Foram levantados dados estatísticos de
diferentes fontes para subsidiar de maneira mais consistente a discussão aqui proposta.
Levando-se em conta as contradições inerentes aos desdobramentos do modo de produção
1 O mapa 1 destaca a região do Médio Vale do Paraíba Fluminense, onde localiza-se o município de Valença, e
sua localização estratégica.
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capitalista, deu-se especial atenção às questões referentes à participação (mais aprofundada)
do Estado junto à economia.Tratando do avanço da cultura do café no Brasil e, em especial,
no Médio Vale do Paraíba Fluminense, principalmente no que respeita à projeção que tal
cultura ganha enquanto principal atividade de exportação brasileira, importantes pesquisas
foram realizadas tornando-se referências para posteriores estudos. Pode ser citada como
exemplo de estudos que tratam dessa questão a obra de Dean (1971), que logo de início de seu
estudo cita a importância da expansão do mercado de café, no final do século XIX, a partir da
maior procura por parte dos Estados Unidos e da Europa, período esse que ultrapassou o auge
da produção cafeeira ocorrida no Médio Vale do Paraíba Fluminense.
Já Silva (1976) destaca que o final do século XIX foi o momento de surgimento de
necessidades historicamente determinadas pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil,
combinado com a sua inserção na economia mundial capitalista, resultando na necessidade de
rompimento com a economia colonial baseada no trabalho escravo. Conforme será discutido
ao longo desta pesquisa, a manutenção do trabalho escravo, no Médio Vale do Paraíba
Fluminense, apresentou resistência mesmo com a aproximação de seu fim, enquanto que no
estado de São Paulo, nas regiões em que crescia a cultura do café, o trabalho livre e outros
aspectos relacionados ao capitalismo considerados mais adiantados2, apresentavam avanços
significativos. A título de exemplo, podem ser apontados os trabalho de Stein (1961), Martins
(1979), dentre outros.
Conforme já amplamente discutido em vasta literatura, uma importante parte do
crescimento econômico paulista está associada à expansão, naquela região, da cultura do café,
ao menos levando-se em conta o curto período que vai do final do século XIX até a primeira
década do século XX. O início dessa expansão está diretamente associado a uma combinação
de fatores, também apontados por Dean (1971), como o aumento da demanda de café na
Europa e nos Estados Unidos acima citado, em específico de café de baixa qualidade, como
era o produzido no Brasil, a crise na produção de países concorrentes, como o antigo Ceilão
(atual Sri Lanka), a abolição da escravidão, a proclamação da República. Tais fatores
influenciaram o surgimento de uma estrutura política e econômica descentralizada.
Comentando o surgimento de fábricas que transformavam algodão em tecido, Dean (1971, p.
11) escreve que:
2 No final do século XIX, inicia-se a introdução do trabalho livre nas fazendas cafeicultoras no estado de São
Paulo.
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… Por volta de 1875, as vendas do café começavam a proporcionar
dinheiro para comprar o pano e desestimular e emprego de escravos
em ofícios manuais.
Com o advento de mão de obra livre, o uso do dinheiro difundiu-se
pela massa da população…
Em São Paulo, os plantadores descobriram ser impossível atrair
trabalhadores da Europa sem lhes pagar o salário em dinheiro...
Esse processo contribuiu decisivamente para que a atividade industrial encontrasse
condições favoráveis para o seu crescimento em São Paulo, que já no final do século XIX
ultrapassaria o estado do Rio de Janeiro em termos de resultados econômicos, a despeito de
esse último ser o centro político e administrativo do país, pois “... esses súbitos progressos na
região de São Paulo nas décadas de 1880 e 1890 foram, em sentido mais profundo, a causa da
industrialização” (1971, p. 15)
A decadência da produção cafeeira no Médio Vale do Paraíba Fluminense, motivada
por diferentes fatores aqui tratados (como a continuidade da aplicação do trabalho escravo e a
perda de fertilidade do solo), impactou diretamente a economia da cidade de Valença, que
junto com Vassouras eram os grandes centros produtores de café do Brasil na primeira metade
do século XIX, chegando a responder, juntas, por 80% da produção nacional (STEIN, 1961).
Este foi um motivo para que, nas décadas seguintes, viessem a ocorrer importantes
transformações socioespaciais em Valença, como a instalação das indústrias têxtil e química.
Nesse sentido, Ferraz (2006, p. 1) assinala que:
A possibilidade da presença de uma indústria em Valença já era
discutida desde o final do século XIX, quando os sinais de crise
econômica começaram a se tornar evidentes. Examinando as Atas da
Câmara constatamos que na década de 1880 alguns membros do
poder local já solicitavam incentivos para pequenas fábricas dos
mais variados produtos, destacando-se a confecção e chapéus. Em
29 de julho de 1903 foi deferido um pedido de isenção dos impostos
municipais feito por Avelino Augusto Guimarães para montagem de
uma fábrica de meias e camisas, que seria instalada no largo da
Estação.
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Na sequência, Ferraz (2006) aponta que a referida fábrica só não foi anteriormente
instalada devido à crise do Encilhamento3, já que em outubro de 1891 a Câmara Municipal
concedeu a área para a instalação da mesma, fato que se concretizaria em 1906 com a
inauguração da Cia Industrial Valença de Tecelagem.
Esse movimento inicial de surgimento da atividade industrial no município de Valença
ganhou algum fôlego com as políticas de defesa dos interesses dos cafeicultores, já que, aí,
formou-se um núcleo urbano que permitia um movimento inicial de transferência de renda do
meio rural para as áreas que se tornariam urbanizadas, favorecendo a industrialização. É o que
aponta Furtado (1964, p. 113) ao escrever que “... como subproduto do realismo na defesa dos
interesses dos cafeicultores, criaram-se condições extremamente favoráveis aos investimentos
ligados ao mercado interno. Parte daí o processo de industrialização que permitirá a definitiva
superação da economia colonial em crise”.
Já a passagem da primeira para a segunda metade do século XX apresentou, como fato
relevante para a economia do estado do Rio de Janeiro a fundação da CSN - Companhia
Siderúrgica Nacional, na cidade de Volta Redonda, também pertencente ao Médio Vale do
Paraíba Fluminense. A presença desta siderúrgica intensificou o fluxo de transporte
ferroviário a partir da antiga Central do Brasil, cujos trilhos passam por Valença, onde hoje
ainda existe o prédio da antiga estação da referida ferrovia. Além disso, a CSN explorava no
mesmo município a calcita, mineral empregado em diferentes atividades econômicas, com
destaque para a produção de calcário para a correção de solos considerados com elevado teor
de acidez. Apesar de o município de Valença distanciar aproximadamente 65 quilômetros do
município de Volta Redonda, e a despeito de sua relação com a CSN principalmente em
função da exploração do calcário, sua atividade econômica continuou apresentando
desempenho pouco expressivo, principalmente do ponto de vista da ausência de uma atividade
industrial de maior vulto.
A segunda metade do século XX, ao menos até os anos 1970, é abordada nesta
pesquisa a partir de duas situações: uma que leva em conta o desempenho geral da atividade
econômica, focando principalmente a atividade industrial em função de seu crescimento no
país e; outra, focando especificamente a situação do estado do Rio de Janeiro nesse contexto
3Crise financeira ocorrida no Brasil a partir de 1890 decorrente da política de governo provisório do Marechal
Deodoro da Fonseca.
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e, por extensão seus desdobramentos sobre o Médio Vale do Paraíba Fluminense, mais
especificamente, sobre o município de Valença.
Quando nos voltamos para o caso de Valença, é também importante citar uma
marcante característica de sua elite agrícola, destacada em diferentes passagens da obra de
Stein (1961): a resistência em relação às modernizações trazidas pelo avanço das relações
capitalistas no Brasil que, como visto, pode ser exemplificada através da tentativa de
manutenção da mão de obra escrava. Essa manutenção é também consequência de uma
atividade industrial mais frágil, já que essa elite agrícola não sofreu pressões do setor
industrial no sentido de adotar a tecnificação e o uso de mão de obra especializada, que seriam
fornecidos por essa mesma atividade industrial, caso ocorresse aí um maior dinamismo.
O contrário pôde ser observado no estado de São Paulo: a absorção mais rápida de
relações capitalistas por parte da atividade agrícola foi considerada importante para o próprio
avanço da atividade industrial.
É importante assinalar que todas essas transformações ocorridas no município de
Valença e na região na qual o mesmo se insere, têm também relação direta com a reprodução
do capital em nível mundial. Por exemplo, a produção cafeeira de Valença e Vassouras
atendia principalmente o mercado externo e, utilizando-se de mão de obra cativa, tinha que
recorrer ao tráfico internacional de escravos (embora também recrutasse escravos que já se
encontravam no Brasil). Stein (1961) destaca a presença de uma combinação de fatores para
explicar a queda da produção cafeeira nesta região, situação que gera crise produtiva de
enormes proporções: problemas com o recrutamento de mão de obra escrava, perda da
fertilidade dos solos, permanência de uma mentalidade favorável à manutenção do
escravismo, por parte dos grandes fazendeiros que atuavam nesta região, dentre outros.
Conforme anteriormente apontado, o processo de industrialização no Brasil ganhou
fôlego primeiramente com as transferências de renda da zona rural e, na sequência, com a
capacidade de importar insumos. A partir daí ocorre o esgotamento desse mecanismo,
levando, internamente, ao aumento da inflação devido à ascensão dos preços de produtos
industrializados. Mesmo assim, Furtado (1964, p.116) entende que o processo inflacionário
ocorrido nas décadas de 1940 e 1950 não representaram, nesse período, um “prejuízo” para o
desempenho da atividade industrial no Brasil. Para ele:
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… Em face da insuficiência da capacidade para importar, a simples
manutenção do nível de emprego acarretava a criação de
desequilíbrios internos que se manifestavam na elevação do nível dos
preços. Contudo, a economia estava operando a um nível de atividade
bem superior ao que existiria na ausência da inflação. O incremento
da renda decorrente era em boa parte concentrado pela inflação em
benefício do setor industrial.
Ainda para Furtado, (1964) esse quadro teria se tornado possível em função da
estabilização da taxa de câmbio, acarretando num controle seletivo das importações e
elevando com consistência o nível interno dos preços. Seriam estas as condições para que
ocorressem as transferências de renda para o setor industrial no período pós Segunda Guerra.
Porém, esse mecanismo parece não ter favorecido a atividade industrial do estado do
Rio de Janeiro e, muito menos, do município de Valença, embora neste último tivessem
ocorrido iniciativas pontuais vinculadas principalmente à indústria têxtil. O desempenho da
atividade industrial do estado do Rio de Janeiro apresentava-se decadente a partir dos anos de
1940, ao passo que a dinâmica da atividade industrial do estado de São Paulo se valia cada
vez mais do próprio processo inflacionário, ao menos no sentido do mecanismo que promovia
a transferência de recursos favorecendo setores mais dinâmicos (Furtado, 1964 p. 119).
Chegando aos anos 1960, a capacidade de importar alcança a condição de saturação, o
que, para Furtado (1964 p. 115), só seria superada através de uma autonomia do ponto de
vista do desenvolvimento tecnológico, que não era o caso do Brasil:
… Quando se alcança este ponto de relativa saturação, a substituição
deixa de ser um fator dinâmico para tornar-se sério empecilho à
acumulação. Cria-se uma barreira ao desenvolvimento, cuja
superação exige uma autonomia tecnológica e uma independência no
que respeita à oferta de equipamentos que são característicos do pleno
desenvolvimento econômico.
Se, para o conjunto do Brasil, o desempenho da atividade industrial já apresentava
problemas na segunda metade do século XX, no estado do Rio de Janeiro a situação era ainda
pior. Santos (2002),apresentando dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e
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Estatística, a respeito da distribuição do Produto Industrial Brasileiro, mostra que os
percentuais referentes ao estado do Rio de Janeiro decrescem de 1940 a 1980: 1940: 25%;
1950: 20,3%; 1960: 17,5%; 1970: 15,6%; 1980: 11,8%.
Ainda para Santos, o quadro acima exposto teria sido agravado pela peculiaridade de o
estado do Rio de Janeiro abrigar, então, a capital do país, além da posterior coexistência dos
estados da Guanabara e do Rio de Janeiro4, inviabilizando iniciativas que incentivassem a
atividade industrial no interior do Rio de Janeiro já que “... a Guanabara implementou
políticas conducentes à expansão econômica, porém restritas ao seu próprio território; no
interior fluminense, o governo do antigo Estado do Rio de Janeiro pecou por falta de
iniciativa” (2002, p. 39). É de se deduzir que esse conjunto de fatores impactou
negativamente a economia do município de Valença.
Já Oliveira (2003) discute a dinâmica brasileira de transformações no campo
econômico como que resultante da combinação entre modos de dominação política, modos de
acumulação de capital e modos de distribuição de renda e de riqueza. Para tanto, Oliveira trata
dos conceitos de revolução e contra-revolução, associando à primeira as formas capitalistas
mais modernas, que no período pós 1930, no Brasil, estão ligadas à classe industrial que tende
a se fortalecer e, à segunda, a influência de grupos sociais considerados conservadores devido
à sua postura em relação à manutenção do trabalho escravo, frente à expansão capitalista
industrial registrada então no país. No entanto, o autor considera que a sua presença, antes de
inibir o avanço de formas capitalistas consideradas mais modernas, contribui para elevar as
taxas de lucros destas. Partindo desse raciocínio de Oliveira, é curioso observar que, em
Valença, o choque envolvendo revolução e contra-revolução acontece antes da década de
1930, pois, como será visto, havia em Valença uma oligarquia ligada à produção cafeeira que
também queria a manutenção do trabalho escravo, mas que entrara em decadência já na
segunda metade do século XIX. No início do século XX, surgem algumas iniciativas
empreendedoras vinculadas à atividade industrial que, no entanto, não parecem configurar
uma situação de transferência de renda da atividade agrícola para a industrial conforme
interpretada por Oliveira no período pós 1930. E isso em função dessa decadência mais
4 A transferência do governo federal para a nova capital, Brasília, gerou uma situação de desconforto junto à
classe política do então distrito federal, localizado no estado do Rio de Janeiro. No sentido de compensar a perda
de verbas públicas, houve a mobilização no sentido de criar o estado da Guanabara, garantindo assim verbas
municipais e estaduais que compensassem as verbas antes recebidas na condição de distrito federal. A
coexistência dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro durou de 1960 a 1975, ano em que ocorre a fusão de
ambos. Recentemente (2004 e 2008) ocorreram movimentos que tentaram recriar o estado da Guanabara (Santos,
2002).
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precoce da oligarquia cafeeira valenciana, associada, evidentemente, a outra conjuntura de
expansão capitalista mundial (pós 1930) na qual o Brasil ingressa como uma espécie de nova
fronteira da expansão industrial.
Em outro trabalho, Oliveira (1998) discute uma questão que, para a presente pesquisa
é central: a participação dos fundos públicos, em suas mais diversas formas, no processo atual
de reprodução do capital. Segundo o autor, essa expressiva participação dos fundos públicos
na composição dos salários - segundo o mesmo, cerca de um terço do salário total - tornou-se
a “... brecha para a inovação técnica, desparametrizada do salário real total...” resultando num
“... processo de inovações tecnológicas sem paralelo” (1998, p. 30 - 31). Esse fato contribuiu
para aprofundar a participação dos fundos públicos no processo de reprodução do capital,
principalmente quando o mesmo se relaciona à intensificação da guerra dos lugares no sentido
exposto por Santos (1996). Para Oliveira, há aí uma contradição, pois se registra uma
elevação da rentabilidade ou das taxas de retorno dos capitais, enquanto que o fundo público
“... dá visível mostra de exaustão como padrão privilegiado da forma de expansão capitalista
desde os fins da II Guerra Mundial” (1998, p. 31).
As oscilações da economia mundial, nas décadas de 1960 e 1970, novamente
apresentam situações que, em muitos casos, trarão diferenças entre o estágio de
desenvolvimento econômico e industrial do Brasil em comparação com o do estado do Rio de
Janeiro. O curto período do chamado “milagre econômico” brasileiro também é marcado pelo
início de uma relativa descentralização da atividade industrial localizada majoritariamente no
estado de São Paulo. Porém, conforme os dados de Santos (2002) anteriormente apontados,
não representam ganhos para a atividade industrial do estado do Rio de Janeiro.
Já as chamadas “décadas perdidas” de 1980 e 1990 coincidem com o avanço das
políticas neoliberais e com o que Oliveira (2003) chamou de dialética do processo de
expansão industrial, já que, o moderno (por exemplo, a presença mais forte de corporações na
atividade industrial) e o arcaico (o inchaço do terciário, principalmente nos grandes centros
urbanos, gerando várias “atividades por conta própria”), são, na verdade, um conjunto
coerente, capitaneados pelo setor secundário.
A partir do ano de 2003 ascende ao poder político no Brasil um governo de orientação
distinta da identificada nos dois governos anteriores, estes claramente afinados com as
orientações de caráter neoliberal.
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Os avanços na área social registrados nos últimos doze anos, como a diminuição da
parcela da população que se encontrava na condição de pobreza absoluta, são reconhecidos
internacionalmente, inclusive por organismos internacionais que defendem as políticas
neoliberais, como o Banco Mundial.
O aumento relativo da renda dos brasileiros significou um fortalecimento do mercado
interno, fato que também contribuiu para que os investimentos estrangeiros diretos
crescessem no país, condição esta, aliás, discutida por Furtado (1964) em relação à conjuntura
brasileira durante o governo de Juscelino Kubitschek, em que este destaca a vinda de
empresas multinacionais do setor automotivo que, segundo ele, devia-se ao fortalecimento do
mercado interno brasileiro naquela época.
Por outro lado, os diferentes investimentos governamentais, baseados também na
utilização de fundos públicos, acabaram por favorecer as corporações, conforme verificado
em relação ao próprio setor automotivo, no que respeita à redução do IPI - Imposto sobre
Produtos Industriais para venda de veículos novos e à adoção do Programa INOVAR-AUTO5.
Tais iniciativas incentivaram a recente vinda de novas montadoras do setor automotivo para o
Brasil e, no que interessa a essa pesquisa, mais especificamente para o Médio Vale do Paraíba
Fluminense.
É nesse contexto que o presente trabalho discute as iniciativas de renúncia fiscal
tentando atrair investimentos, como o caso do município de Valença aqui estudado, bem
como sua comparação com outros municípios do Médio Vale do Paraíba Fluminense. Se, o
estado do Rio de Janeiro ficou, por um longo período, em situação desvantajosa em relação ao
desenvolvimento da atividade industrial no Brasil, atualmente, com o processo de
globalização escorado pela ampla participação de fundos públicos na economia, abrem-se
novas possibilidades de ampliação da privatização dos lucros.
Essa possibilidade de ampliação da privatização dos lucros, ancorada no amplo
processo de desregulamentação da economia, e associada à autonomia ganha pelos
municípios brasileiros, a partir da promulgação da Constituição de 1988, vem levando a um
acirramento da chamada “guerra dos lugares” exposta por Santos (2006) conforme
anteriormente citado. Nesses termos, identificam-se pressões políticas (inclusive no Médio
5 Segundo o site do MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o referido programa possui
validade do ano de 2013 a 2017, sendo algumas de suas metas a produção de veículos mais econômicos e o
aumento da segurança dos veículos produzidos. Dentre os benefícios estão o crédito presumido de IPI de até
30% e o crédito presumido de IPI referente a gastos em pesquisa e desenvolvimento. Disponível em
www.desenvolvimento.gov.br, acesso em 27/06/2014.
http://www.desenvolvimento.gov.br/
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Vale do Paraíba Fluminense) no sentido de alcançar a emancipação de determinados
territórios, com o objetivo de formar novos municípios. Por detrás dessa estratégia encontram-
se interesses que beneficiarão basicamente determinados grupos políticos locais, bem como as
próprias corporações, que se beneficiarão da disputa por seus investimentos, podendo assim
exigir e obter mais vantagens dos chamados fatores locacionais.
Além dessa questão, será discutida também, como outro desdobramento de tal
processo, afetando diretamente o Médio Vale do Paraíba Fluminense, o fato de ocorrerem
desequilíbrios do ponto de vista da oferta de serviços públicos, já que municípios com menor
população podem ganhar mais investimentos (inclusive públicos, como o FPM - Fundo de
Participação dos Municípios) do que outros municípios com população maior e que, portanto,
deveriam investir mais em serviços públicos.
Por fim, as discussões acima expostas, além das entrevistas realizadas nos trabalhos de
campo, com especial destaque para o distrito de Juparanã, município de Valença, chamaram a
atenção também para questões do cotidiano das pessoas que vivem neste lugar.
As entrevistas qualitativas foram realizadas com moradores da região que pudessem
apresentar diferentes visões acerca do município de Valença em relação à sua história.
A importância dessa abordagem está na necessidade de associar os diferentes
processos decisórios, ocorrendo em diferentes escalas, como pode ser observado na análise de
Santos (2006), por exemplo, com os vários desdobramentos que podem ser identificados no
nível dos lugares. Com base nos depoimentos dados por moradores do distrito de Juparanã,
foi possível identificar e discutir questões relacionadas ao urbano e suas áreas periféricas, à
expectativa de modernização do lugar, à dificuldade de acesso a serviços públicos, levando à
necessidade de busca dos mesmos em outras localidades6.
A desregulamentação da economia, posta em prática na escala planetária, associada à
fragmentação da produção industrial, colocam hoje o estado do Rio de Janeiro numa situação
peculiar: o seu setor secundário rapidamente saiu da condição de hegemonia para tornar-se
decadente, tentando, nesse momento, retomar uma posição de maior destaque no cenário
nacional. Essa tentativa de retomada dá-se num contexto em que há disputa mais acirrada por
investimentos, principalmente estrangeiros, envolvendo diferentes lugares do território
nacional. Esse cenário associa-se a uma conjuntura mais ampla, relacionada a uma nova
6 Os moradores do distrito de Barão de Juparanã recorrem, muitas vezes, aos serviços públicos de saúde e
educação do município vizinho de Vassouras, conforme será melhor discutido no capítulo 4.
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realidade de reprodução do capital, que é a da participação dos fundos públicos como que
sendo um dado inerente para que essa mesma reprodução se realize. Ou seja, sem essa
participação, e levando-se em conta a atual realidade do capitalismo – o alto grau de sua
financeirização, apoiada num processo especulativo sem precedentes, fazendo com que o
processo produtivo em si tenha sua participação nessa reprodução diminuída - essa
reprodução fica simplesmente inviabilizada.
Foi dessa maneira que achamos pertinente discutir o município de Valença, inserido
na rede de cidades que compõem o Médio Vale do Paraíba Fluminense, num contexto em que
estes e o próprio estado do Rio de Janeiro vêm presenciando transformações socioespaciais
até chegar ao recorte atual em que a reprodução ampliada do capital, em específico a
atividade industrial com suas recentes transformações tecnológicas, exige dos lugares
vantagens em quantidade cada vez maiores na forma dos chamados fatores locacionais.
O papel atribuído ao Estado (pensando-se na lógica do capital), nessa nova conjuntura,
deve ser visto a partir de sua participação ativa na atual etapa de reprodução do capital, no
qual o mesmo organiza o seu território, muitas vezes beneficiando o capital monopolista,
tanto indireta quanto diretamente. As diferentes maneiras de atuação de fundos públicos junto
à reprodução do capital forçam esse mesmo Estado (levando-se em conta suas diferentes
esferas) a privilegiar uns lugares em detrimento de outros, muitas vezes aprofundando as
diferenças socioespaciais entre eles, a despeito de, como no caso aqui estudado, as distâncias
geográficas serem ínfimas.
Centrando-se na análise proposta por Oliveira (1998, 2003) e buscando-se uma maior
equidade do ponto de vista socioespacial, fica evidenciada a incompatibilidade entre os
interesses postos na reprodução do capital (em especial a partir da atuação das corporações),
contando com a efetiva participação dos fundos públicos, por um lado, e avanços
socioeconômicos em lugares como o município de Valença, por outro.
Portanto, no capítulo 1 discute-se a expansão da cultura cafeeira nos municípios de
Valença e Vassouras, no início do século XIX, situação que fez com que os mesmos
ganhassem grande projeção, principalmente no âmbito nacional. Também são abordados os
diferentes fenômenos que levaram à decadência aí da produção cafeeira, afetando
sobremaneira a economia local, contribuindo assim para transformações socioespaciais
importantes, a serem registradas no período subsequente.
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No capítulo 2 discute-se o processo de industrialização registrado no município de
Valença. Esse processo ganha força na primeira metade do século XX, decorrente da queda de
produção cafeeira associada aos primeiros investimentos na atividade industrial, ligada
principalmente ao setor têxtil. A primeira metade do século XX registrou, no Brasil, tanto a
primeira etapa do processo de industrialização, ainda sem a presença da indústria de base,
como a etapa seguinte, na qual diferentes governos no Brasil adotam a política de substituição
de importações.
No capítulo 3 são avaliadas tanto as transformações na escala planetária influenciadas
pela Revolução Técnico-Científica, quanto seus desdobramentos no Brasil e, em específico,
no modelo de desenvolvimento industrial pautado, até então, na substituição de importações.
Decorre daí o debate em torno do conceito de antivalor, estudado por Francisco de Oliveira,
implicando na adoção de políticas de renúncia fiscal a partir dos diferentes níveis de governo
(municipal, estadual e federal) que, segundo o autor, torna-se condição para a reprodução
ampliada do capital. Esses acontecimentos recentes favorecem o surgimento de outra etapa de
transformações socioespaciais, tanto no Médio Vale do Paraíba Fluminense, quanto no
município de Valença.
O capítulo 4 discute os conceitos de rede urbana, cidade média e cidade de porte
médio, relacionando-os à chegada recente,em algumas cidades do Médio Vale do Paraíba
Fluminense, de corporações ligadas ao setor automotivo, influenciando no acirramento da
disputa por investimentos (provocando, inclusive, movimentos de emancipação, que
resultaram na formação de novos municípios na região), além de nova divisão territorial do
trabalho, situando-se nesta, o município de Valença. Essa nova conjuntura é entendida aqui
como uma reafirmação da ideia de antivalor, pois o Estado, em suas diferentes esferas, lança
mão de fundos públicos para aplicá-los de maneira a favorecer principalmente as grandes
empresas do setor privado.
As cidades interioranas do estado do Rio de Janeiro passaram por diferentes etapas no
que concerne ao seu processo de industrialização. Primeiramente, houve expansão da
atividade industrial para, em seguida, a mesma ser concentrada na capital do estado. A
primazia do estado de São Paulo no que respeita à concentração da maior parte da atividade
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industrial no Brasil7, além da mudança da capital para Brasília, enfraqueceu, inclusive, a
atividade industrial da própria capital fluminense.
Foi somente há pouco mais de uma década, aproximadamente, que investimentos
(públicos e privados) em maior volume passaram a ser alocados na atividade industrial, tanto
na capital fluminense, quanto em algumas regiões do interior do estado do Rio de Janeiro.
No entanto, essa retomada parece se dar sob a condição de participação efetiva de
fundos públicos enquanto garantia de lucros para o setor privado, em especial, para as
corporações. Acreditamos que esse seja um ponto que também contribua para discutir-se a
atual conjuntura vivenciada no Brasil que, porém, não é uma conjuntura exclusivamente
“brasileira” e, sim, muito mais uma crise sistêmica.
7 Vale lembrar, no entanto, que essa primazia vem apresentando sucessivas quedas em relação ao conjunto
nacional a partir da década de 1970.
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CAPÍTULO I - O CICLO DO CAFÉ NO MÉDIO VALE DO
PARAÍBA E EM VALENÇA: DO AUGE À DECADÊNCIA
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CAPÍTULO I - O CICLO DO CAFÉ NO MÉDIO VALE DO PARAÍBA E EM
VALENÇA: DO AUGE À DECADÊNCIA
O estudo sobre o período áureo e a decadência do café no Médio Vale do Paraíba
Fluminense e em Valença tem como objetivo compreender as transformações ocorridas nessas
localidades, com especial atenção para a gênese da industrialização da região que, com o
passar dos anos, trará nova configuração a sua rede urbana.
Durante o período áureo do café nesta região, que correspondeu principalmente à
primeira metade do século XIX, Valença e Vassouras chegaram a responder por mais de 80%
de toda produção cafeeira brasileira8. No entanto, não se verificou nestas a situação que
ocorreu em vários municípios paulistas que acolheram a etapa posterior de prosperidade do
café: a dinamização econômica apoiada na herança da economia cafeeira. Ao contrário destes,
Valença e Vassouras apresentaram uma expansão econômica relativamente fraca quando se
leva em conta o seu anterior status de principais áreas produtoras de café do Brasil9.
Ademais, outros municípios do Médio Vale do Paraíba Fluminense registraram
crescimento econômico muito mais significativo muito em função de decisões do ponto de
vista do planejamento governamental que, nesse caso, passa a ter como um de seus focos o
desenvolvimento da indústria de base objetivando dar suporte para o incremento da atividade
industrial no país, em especial na Região Sudeste. É o caso da fundação da CSN - Companhia
Siderúrgica Nacional, na cidade de Volta Redonda, inaugurada em 1946.
Do ponto de vista das regras estabelecidas pelo capital, o maior desenvolvimento
industrial na Região Sudeste, evidentemente contando com o apoio de políticas públicas,
deveria ser beneficiado pela formação de um exército de reserva que possibilitasse a maior
extração de mais valia possível, otimizando o acúmulo de capital e a continuidade de
expansão dessa atividade industrial.
Posteriormente, serão analisados os casos de outras cidades do Médio Vale do Paraíba
Fluminense, como Resende e Itatiaia, que, em um outro contexto da reprodução do capital,
em período mais recente, também registraram expansão de sua atividade industrial.
8 De acordo com Stein, 1961, op cit.
9 Diferentes trabalhos citados anteriormente tratam da maior dinâmica econômica proporcionada pela produção
cafeeira no interior paulista, no período que abrange o final do século XIX até o início do século XX, em
oposição à simultânea decadência da produção cafeeira em Vassouras e Valença, no estado do Rio de Janeiro:
Dean (1971), Monbeig (1984), Martins (1979), Stein (1961), Santos (2002), dentre outros.
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O mesmo não ocorreu com o município de Valença, onde recentemente se verificou a
adoção de leis de incentivos fiscais na tentativa de melhorar seu desempenho econômico.
Aliás, essa não é uma iniciativa isolada, já que, conforme será analisado adiante se trata de um
fator presente também em outros municípios que compõem a rede de cidades do Médio Vale
do Paraíba Fluminense (ver mapa 1). Daí a importância em se analisar os fatores que
propiciaram e propiciam a ocorrência de diferentes transformações socioespaciais.
O município de Valença pertence à região do Médio Vale do Paraíba do Sul,
localizado a 148 km da capital Rio de janeiro possui uma área administrativa de 1.305 Km2,
contando atualmente com 71.843 habitantes10
. No mapa 2, que apresenta as regiões
administrativas do estado do Rio de Janeiro, é possível observar a localização estratégica do
Médio Vale do Paraíba Fluminense.
A chegada do café e sua posterior expansão contribuíram sobremaneira para o
crescimento populacional da região do Médio Vale do Paraíba. Diferentes autores associam a
ocupação do Médio Vale à produção cafeeira. Segundo Muaze (2010, p.306):
(....), a ocupação do Médio Paraíba se deu a partir da decadência da
mineração. Com a decadência, as estradas da Polícia e do Comércio,
localizadas na região, serviram de rota para o escoamento da produção
agrícola para a capital. Nas margens dessas estradas surgiram as primeiras
culturas dos cafeeiros.
Stein (1961) também assinala que o café era plantado à beira das estradas já utilizadas
pelas tropas que viajavam entre os centros da mineração de Minas Gerais e a Capital, e mais
tarde, ao longo do Vale do Paraíba. Ainda de acordo com Stein, a concessão de sesmarias e a
posse de terras por conta da mineração, foram fatores
importantes para a ocupação de terras da região, proporcionando inclusive a concentração das
mesmas.
Quanto às sesmarias, Stein informa que estas foram concedidas pela Coroa portuguesa
àqueles que a pleiteavam por terem prestado algum serviço considerado relevante, por
exemplo, contribuído para a construção de uma estrada. Com relação à posse de terras, o
referido autor aponta que: “atraídos pelo movimento comercial proporcionado pelas tropas, os
10
Conforme o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2010.
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posseiros construíam ranchos para os tropeiros, e formavam pastagens para os animais, assim
como pequenas roças de milho, feijão e cana-de-açúcar.” (1961, p. 13).
A constituição do território de Valença tem origem no conflito de interesses que
envolvia os colonizadores e os índios Coroados. Por conta do esgotamento do ouro em Minas
Gerais, houve a necessidade de ocupação de terras virgens do Vale do Paraíba do Sul.
Entretanto, estas terras eram ocupadas pelos índios Coroados que, inicialmente, ofereceram
resistência ao colonizador. Valença possuía uma importância econômica ímpar nesse
contexto, pois conforme aponta Lemos (2004), havia aí muitas terras férteis e virgens, sendo
as mesmas uma área de passagem para o sul de Minas e um dos principais centros de
abastecimento do Rio de Janeiro. Objetivando o controle destas terras, os colonizadores
iniciaram o processo de aldeamento dos índios que aí viviam buscando sua transferência para
outras localidades.
Após o processo de aldeamento, Valença passou à condição de vila no ano de 1823.
Mais tarde, no ano de 1857, através da Lei 961 da Assembléia Provincial, Valença alcançou a
condição de cidade.
Stein (1961) destaca a questão referente à eliminação dos índios Coroados na região
que corresponde atualmente ao município de Valença, e julga tal fator como importante para
completar o povoamento da região, especialmente do município de Vassouras.
Cabe observar que a prática do aldeamento era comum durante o período colonial e
permitia ao colonizador, conforme aponta Petrone (1995), abrigar uma população indígena em
fase de assimilação, ou seja, o aldeamento era uma espécie de aglomerado criado pelo
colonizador, com as mais diversas finalidades, diferente de uma aldeia, na qual o índio não
sofre a influência de outras culturas. Nas palavras de Petrone, “aldeia é o termo trazido pelo
colono português que aqui se instalou. Vê-se utilizado para indicar uma forma particular de
habitat rural concentrado; corresponde ao villaggio italiano, village francês, dorf alemão”
(1995, p. 103). Com relação ao aldeamento, Petrone assinala ainda que, no tocante aos
núcleos de origem religiosa ou leiga, a expressão aldeamento “serve para distinguir tais
aglomerados ‘criados’, daqueles outros, tipicamente ‘espontâneos’ (...). Aldeamento, por
outro lado, implica a própria noção do processo de criação de núcleos aglomerados, portanto,
inclusive, a ideia de núcleo criado conscientemente, fruto de uma intenção objetiva” (1995, p.
103)
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1.1 A introdução da produção cafeeira no Médio Vale do Paraíba e em Valença
Há diferentes versões a respeito da introdução do café na região do Médio Vale do
Paraíba, que apresentou importância econômica principalmente na primeira metade do século
XIX, em virtude de sua destacada produção. Valverde (1967) aponta que o caminho
percorrido pela rubiácea, em território brasileiro, começa ao norte, pelo atual estado do Pará.
Posteriormente, alcança o Amazonas e o Maranhão, para então seguir em direção ao estado do
Rio de Janeiro, onde, nos primórdios do século XVIII, passa a ser cultivado em quintais e
chácaras do território que, atualmente, corresponde ao atual município de Niterói.
O café, assim como a cana-de-açúcar, foi importante para a economia agroexportadora
do Brasil a partir do Século XIX, sendo sua cultura introduzida no Brasil no século XVII com
a conhecida estrutura colonial: dependência dos produtos primários, subordinação ao mercado
externo e utilização de mão de obra escrava.
A literatura atinente à cultura do café no Rio de Janeiro e especialmente no Vale do
Paraíba apresenta os fatores que concorreram para sua introdução nesta região.
Becker e Egler (1994, p. 107) abordam a questão do café no Vale do Paraíba da
seguinte maneira:
Foram os capitais acumulados com a intermediação comercial da zona
mineradora, que financiaram o surgimento da atividade econômica que se
transformou na marca registrada do Império no Brasil: a ‘plantation’
escravista cafeeira. O café brasileiro nasceu da combinação do capital
acumulado (...) aliado ao trabalho escravo disponível com a decadência das
minas e a disponibilidade de terras florestadas nas vizinhanças do Rio de
Janeiro, excelentes para a produção cafeeira.
Sendo o Rio de Janeiro capital do Império e Distrito Federal, houve, portanto no
estado uma maior concentração de atividades de importação e exportação, gerando, como nos
aponta Santos (2002), uma maior circulação de capitais e população que foram decisivos para
a exploração da economia cafeicultora do país. Para a autora “sem esses recursos, dificilmente
essa cultura teria sido implantada no Rio de Janeiro, pois a província não contava com
condições de solo especialmente favoráveis ao café”. (2002, p. 33)
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Para Cano (1975), havia procura pelo café e o preço era convidativo, portanto, o
aumento da demanda e dos preços estimulou um grande plantio de cafeeiros na primeira
metade da década de 1830.
De acordo com Stein (1961), no início do século XIX, o cafeeiro era um arbusto
exótico, plantado em hortas nas encostas dos morros das vizinhanças de áreas baixas como
São Gonçalo, Niterói e Jacarepaguá. Com seu advento em escala comercial, a produção do
café passou a se alastrar pelo estado do Rio de Janeiro. Inicialmente, o café era plantado ao
longo das estradas que ligavam o Rio de Janeiro a Minas Gerais. Mais tarde a produção foi se
espalhando ao longo do Vale do Paraíba.
Whately (1987) assinala que o município de Resende, pertencente à Região do Médio
Vale do Paraíba Fluminense foi o precursor na implantação da cultura cafeeira na região. De
acordo com a autora, com o fim da mineração, parte da população que se dedicava a essa
atividade se deslocou para o Médio Vale e passa a cultivar, por exemplo, milho, feijão entre
outros. No início do século XIX o café passa a ser plantado em Resende.
Para Taunay (1945, p. 39), inicialmente o café era plantado no Distrito Federal,
entretanto, posteriormente espalhou-se pelo interior fluminense, que se tornou a mais
importante área de cultivo de café. O autor destaca ainda que:
Dois rumos notáveis e principais tomou a invasão cafeeira em terras
fluminenses, nos primeiros anos da disseminação da rubiácea: o do
noroeste, com os núcleos importantíssimos de S. João Marcos e Rezende, e
o do norte, de que decorreriam as grandes lavouras de Vassouras, Valença e
Paraíba do Sul.
Há um consenso dentre todos os autores aqui consultados que se ocuparam em pesquisar a
produção cafeeira no Médio Vale do Paraíba Fluminense: o que aponta essa região como
sendo a principal área produtora de café do Brasil na primeira metade do século XIX. Foi essa
condição que conferiu a Valença, juntamente com Vassouras, um importante papel
polarizador dentre os outros aglomerados aí existentes naquela época. Conforme se poderá
observar, esse papel será reforçado pela instalação do transporte ferroviário, embora a sua
chegada tenha ocorrido no período (1865) em que a produção cafeeira da região começava a
apresentar problemas, tais como a perda de fertilidade dos solos.
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1.1.1 importância do café em Valença e seu papel na rede urbana da época
A cultura do café foi de grande importância para a região do Médio Vale do Paraíba
Fluminense, visto que sua introdução contribuiu para intensificar o povoamento da mesma,
além de gerar uma importante infraestrutura local, especialmente por conta da instalação de
linhas férreas, que foram construídas com a finalidade de facilitar o escoamento do produto.
Diferentes obras atestam a importância econômica do café sob vários aspectos. De
acordo com Marafon et alli (2005, p. 35),a importância da produção cafeeira e o fato de boa
parte dessa ser exportada, possibilitou a forte integração entre o interior e a cidade do Rio de
Janeiro, por conta da presença do porto:
O café foi, portanto, um importante dinamizador no processo de ocupação e
estruturação do território fluminense, permitindo que se desenvolvesse uma
rede de circulação que, de certa forma integrou o referido território. Nesse
sentido, cabe destacar o papel desempenhado pelo porto do Rio de Janeiro,
o qual possibilitou que o interior fluminense se articulasse com a cidade
carioca.
Já para Ferraz (2006) a produção de café foi decisiva para a instalação do primeiro
ramal ferroviário em Valença para o escoamento do produto, fazendo com que a cidade se
tornasse numa das mais importantes do Vale do Paraíba Fluminense no século XIX, com
grande comércio e residências de importantes fazendeiros.
No ano de 1865 foi inaugurada no distrito valenciano de Barão de Juparanã, a estação
ferroviária Desengano (antigo nome deste mesmo distrito), que atendia a linha Centro e ao
ramal Jacutinga. Atualmente a estação Desengano está desativada e tornou-se a única do
ramal Centro no município de Valença, sendo seus trilhos utilizados apenas para transporte de
cargas.
Em 1871, foi inaugurada a Estrada Ferroviária Valenciana, também ligando Valença a
Barão de Juparanã, No ano de 1880 o ramal Jacutinga, que teve sua origem na Cia Estrada
Ferroviária Valenciana, foi prolongado até Rio Preto-RJ.
Além das linhas férreas, que dinamizaram a economia da região, atividades
complementares ao café também se destacaram na mesma, fortalecendo assim a economia
daquela localidade além de seus arredores. Conforme nos aponta Valverde (1967, p.17) “a
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clássica fazenda de café poderia ser comparada a uma cidade em miniatura, possuindo
capelas, sapatarias, alfaiatarias, chaveiros entre outros”.
Um importante comércio varejista, que supria as necessidades dos fazendeiros foi
constituído na região do Médio Vale do Paraíba Fluminense. No caso de Vassouras havia um
importante comércio local que supria o pequeno fazendeiro e prosperava com as tropas que
percorriam a Estrada da Polícia, a mais importante do Brasil na época (STEIN, 1961).
Ainda no que respeita à constituição de importantes redes envolvendo diferentes
povoados, gerando riquezas vinculadas à produção cafeeira, Valverde (1967, p.57) destaca
que:
Uma dessas grandes fortunas era a do comendador Joaquim José de
Souza Breves. Possuía ele mais de vinte fazendas, situadas nos
municípios de São João Marcos, Piraí e Rio Claro nas quais
colhiam200 a 300 mil arrobas anuais de café… Mangaratiba era um
porto quase todo seu. Entre o porto e suas fazendas circulavam
diariamente setenta diligências…
Joaquim José de Souza Breves não correspondia exatamente à figura de um
aristocrata, visto que ele era considerado uma pessoa simples, com poucos requintes de
cultura (VALVERDE, 1967).
No entanto, uma parcela considerável dos fazendeiros de café à época se enquadrava
nesta condição. Fora isso, predominava no Médio Vale do Paraíba Fluminense a postura do
aristocrata que vivia na própria fazenda acompanhando de perto seus negócios, situação que
passa a se modificar com o avanço do café em território paulista (MONBEIG, 1984).De
acordo com Muaze (2010), concomitante a essa presença aristocrática, famílias se
fortaleceram através de sua posição de grande prestígio e influência política, controlando
vastas extensões de terras da região, resultando em expressiva concentração fundiária.
Se, por um lado, se atribui importante dinamização da economia em território paulista
em função da diversidade de capitais relacionados direta e indiretamente com a produção
cafeeira que aí se desenvolvia (MONBEIG, 1984), por outro lado, torna-se importante
assinalar que, em Vassouras, surgiram iniciativas de diversificação do capital que se
apoiavam simultaneamente na produção cafeeira e em empréstimos junto às Casas
Comissárias do Rio de Janeiro, cujos capitais voltavam para o município de Vassouras na
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forma de empréstimos para a mesma produção cafeeira que aí ocorria. A família Teixeira
Leite cumpriu esse duplo papel (STEIN, 1961).
A estrutura fundiária altamente concentrada vigente na produção cafeeira do Médio
Vale do Paraíba Fluminense, acabava por favorecer a criação de vilas e, portanto, de novos
cargos políticos que estariam sob o controle destas mesmas influentes famílias. Além dos
casos acima, podem ser citados ainda os de Ribeiro de Avellar, os de Werneck e os de
Rodrigues da Cruz. As duas últimas famílias foram fundadoras da Vila de Valença (MUAZE,
2010).
Manuel Jacinto Nogueira da Gama, o Marquês de Baependi, foi proprietário de
diversas fazendas valencianas. Um de seus filhos, Manuel Jacinto Carneiro da Costa e Gama,
o Barão de Juparanã, foi um dos responsáveis pela construção da estação Desengano,
inaugurada no ano de 1871.
A chegada da estrada de ferro, a partir dos interesses postos por essa estrutura
patriarcal-patrimonialista-coronelista, acabou por exercer forte influência na formação de uma
rede de aglomerados apoiada na produção cafeeira. Valença passou a ser o elo entre o sul de
Minas Gerais e o porto do Rio de Janeiro. Sediando importantes fazendas de café da época,
Valença também fomentava o comércio envolvendo estas duas “pontas”: do sul de Minas de
onde vinham importantes gêneros alimentícios, enquanto que do porto do Rio de Janeiro
chegavam variados produtos importados, principalmente da Europa11
.
11
Stein (1961) e Valverde (1967), por exemplo, explicam esses fluxos.
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1.1.2A crise do café no Médio Vale do Paraíba e em Valença: decadência econômica?
Conforme apontado, podemos observar que o café foi de suma importância para a
região do Médio Vale do Paraíba fluminense e, em particular, para o município de Valença.
Entretanto, no terceiro quartel do século XIX a produção cafeeira entrou em decadência,
ocasionando profundas transformações nessas localidades.
Há um consenso entre diversos autores que discutem a questão da crise e decadência
do café no Vale do Paraíba Fluminense em função, principalmente da manutenção do trabalho
escravo num período em que este já começava a ser extinto. Referindo-se a Joaquim José de
Souza Breves, proprietário de mais de vinte fazendas na região, Valverde anota que o mesmo
passou por enormes dificuldades econômicas em função da abolição visto que “o alicerce
disso tudo era, porém, mais que o de nenhum outro, o trabalho escravo. a abolição trouxe-lhe
o colapso financeiro. Morreu endividado” (1967, p. 58). A perda de fertilidade dos solos da
região; a ocorrência de algumas pragas na lavoura cafeeira; em alguns períodos, a ocorrência
de quantidades de chuvas consideradas excessivas e, portanto, prejudiciais à lavoura cafeeira,
bem como aos solos. São estes alguns fatores também apontados como que concorrendo para
a crise na cafeicultura do Médio Vale do Paraíba Fluminense. Todos, porém, considerados
menos relevantes do que a abolição (STEIN, 1961).
Conforme aponta Whately, a crise do café em Resende acentua-se a partir de 1870,
quando mesmo com o fim do tráfico de escravos, não houve a extinção imediata do trabalho
cativo. Essa questão seria percebida depois, quando começou a ocorrer falta de braços (por
exemplo, quando escravos envelheciam e/ou morriam e sentia-se a dificuldade para sua
reposição) e consequente inflação de seu preço. É possível observar que mesmo extinto o
tráfico de escravos em 1850, não se cogitava ainda a vinda de imigrantes para Resende,
diferente do que ocorreu nas fazendas de café paulistas. A autora cita a Ata da Câmara de
1874, na qual foi registrada uma discussão a respeito da falta de braços para a produção
cafeeira:
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Diminui o braço escravo dia a dia ao passo que a produção tende a aumentar
pelo grande número de cafezais novos que estão se formando. Daí o pânico
que reina entre os lavradores, o qual não poderá ser dissipado senão pela
introdução de braços úteis. (1987, p. 45)
Ainda de acordo com a mencionada autora, para suprir a falta de mão de obra e
contornar a crise do café, houve em Resende, a tentativa de implantação de engenhos centrais,
como nas experiências de cana-de-açúcar. Essa tentativa teve como objetivo centralizar o
beneficiamento do café em alguns engenhos, enquanto que a maior parte dos fazendeiros se
encarregaria do plantio do café.
Essa tentativa de estabelecimento de uma nova divisão do trabalho na produção
cafeeira do Médio Vale do Paraíba Fluminense foi seguida de outras tentativas que tinha
como objetivo modernizar para baratear essa produção, ainda que se mantendo o trabalho
cativo. Entretanto, iniciativas dessa natureza não eram generalizadas; conforme Stein, “já em
1852 certo fazendeiro de Vassouras possuía em sua fazenda uma máquina a vapor (...). Eram
indícios isolados de tentativa de modernização” (1961, p. 45).
Ao que parece, entretanto, predominava uma visão mais conservadora no que respeita
à possibilidade de substituição, ainda que restrita, de escravos por máquinas. Nesse sentido,
Stein aponta que “empeçados pela arraigada dependência do braço escravo, os fazendeiros
não estavam dispostos em geral a gastar livremente na aquisição de maquinaria dispendiosa“
(1961, p. 284).
Reforçando essa dependência do braço escravo, existia ainda uma visão marcadamente
patrimonialista por parte dos fazendeiros da região do Médio Vale do Paraíba Fluminense
que, portanto, não se restringia ao controle da terra, incluindo também a força de trabalho
escravo. Citando Couty, Stein (1961, p. 274-275) assinala que este:
Acusou fazendeiros do Rio e de São Paulo de nada terem feito na mudança
do trabalho escravo para o trabalho livre ou para o trabalho de colonos,
culpando suas “características sociais, seus hábitos mentais e intelectuais”.
Relatava que ouviria um inveterado senhor dizer: “Meus filhos, que
herdarão minhas propriedades, farão como quiserem; porém, quanto a mim,
não posso habituar-me a trabalhos que não sejam escravos”.
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Para entender a forte resistência dos fazendeiros de café do Médio Vale Fluminense
quanto à manutenção do trabalho cativo, torna-se necessário fazer algumas observações em
relação à renda capitalizada.
Para Martins (1979, p. 16)a renda capitalizada é “a parcela do excedente que o escravo
pode produzir e que é antecipadamente paga ao mercador de escravo”. O escravo constituía-se
como renda capitalizada pelo fato de ao mesmo tempo constituir-se como mão-de-obra e
mercadoria, além de ser penhor do pagamento de empréstimos.
Com o fim do trabalho escravo, que começa a ocorrer a partir do momento em que foi
promulgada a Lei Eusébio de Queiros (1845)12
, que proibia o tráfico de escravos para o
Brasil, houve um aumento significativo do preço do cativo. Como o escravo era o fundamento
das hipotecas, de acordo com Martins “isso representou desde logo um grande aumento no
capital disponível para os fazendeiros, renegociado pelas casas comissárias junto aos bancos”
(1979, p. 27).
Ainda de acordo com Martins:
Tudo indica que essa expansão de oferta de capitais é o que explica a
intensificação do avanço dos cafezais do Rio de Janeiro sobre os municípios
paulistas limítrofes à província fluminense, no Vale do Paraíba, já que um
dispositivo legal circunscrevia os empréstimos hipotecários à região do Rio,
de Minas, Espírito Santo e áreas próximas. (idem, p. 27)
No ano de 1850, ocorreram dois fatos importantes: o primeiro seria a promulgação da
Lei de Terras13
e o outro a política de imigração de colonos estrangeiros. Antes da
promulgação da Lei de Terras, as áreas não ocupadas, em sua maioria, eram consideradas
terras devolutas, havendo acesso facilitado às mesmas. Entretanto, a promulgação da referida
lei se constituiu num mecanismo para disponibilizar mão-de-obra livre para o fazendeiro de
café, muito embora tal condição somente viesse a ocorrer a partir de outras etapas que a
antecederam, como o colonato (MARTINS, 1979).
Um dos fatores também citado por Martins para direcionar os novos cafezais para São
Paulo foram os novos créditos hipotecários impulsionados pelo governo que incluíam a
12
Legislação brasileira que, no Segundo Reinado proibiu o tráfico de escravos. 13
Lei sancionada em 1850, que determinou parâmetros normas sobre s posse, manutenção, uso e
comercialização de terras no período do Segundo Reinado.
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fazenda (terra), deixando de centrar-se na figura do escravo. Nesse sentido, cabe a
comparação, já que “fazenda significava o conjunto dos bens, a riqueza acumulada;
significava, sobretudo os bens produzidos pelo trabalho personificado no escravo”. (idem, p.
23)
A partir de 1873, o crédito hipotecário passa a ser oferecido aos estados de São Paulo,
Paraná e Santa Catarina, porém, tendo como base, a fazenda entendida como o conjunto
formado por plantações e instalações (MARTINS, 1979).
Limonad (1996, p.96) também discute a questão referente ao aumento dos preços dos
escravos e a importância dos mesmos enquanto condição para a obtenção de empréstimos por
parte dos fazendeiros do Vale do Paraíba. Entretanto, a autora informa que “o aumento do
valor das garantias bancárias assegurou aos grandes proprietários fluminenses, por certo
tempo, um fluxo contínuo de recursos, que resistiram a adotar o trabalho assalariado”.
É possível observar, tanto em Limonad quanto em Martins, que houve no Vale do
Paraíba Fluminense a manutenção do trabalho escravo, especialmente por conta da elevação
do preço do cativo que ocorreu com o fim do tráfico do mesmo. Levando-se em conta a
análise dos autores supracitados, é possível deduzir que os fazendeiros do Vale do Paraíba
Fluminense, além de manterem uma visão patrimonialista, quiseram jogar com a sorte em
relação ao futuro próximo. Nesse sentido, Martins (1979, p. 27) aponta que:
Ao mesmo tempo, porém, os fazendeiros e os comissários sabiam do caráter
conjuntural dessa situação favorável. A possibilidade de crescimento da
oferta de mão-de-obra era visivelmente limitada e a curto prazo e, por isso
desproporcional, ao crescimento da economia cafeeira .
Já para Limonad (1996), os fazendeiros também apostavam nos empréstimos advindos
através da elevação do preço do cativo, e por conta disso acabaram resistindo em adotar o
trabalho assalariado.
No tocante à crise do trabalho escravo, Stein também relata que o fim do mesmo
possibilitou a expansão do crédito no Rio de Janeiro, incentivando a prosperidade e opulência
das grandes fazendas. De acordo com o autor, os fazendeiros de Vassouras e do Médio Vale
contraíram dívidas para a aquisição de muitos escravos no período em que seu preço era
relativamente mais baixo.
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Além da crise do trabalho escravo, outros autores apresentam diferentes teses para
explicar a queda da produção cafeeira no Rio de Janeiro e no Médio Vale do Paraíba.
Segundo Cano (1975), as causas para a decadência do café estão relacionadas à baixa
produtividade física dada pela idade dos cafezais, que era superior a 45 anos. O autor aponta
também a crise de superprodução de 1897 e a política deflacionista que pioraram o quadro
econômico já caótico.
Cano (idem, p. 13) ainda destaca fatores de ordem geográfica que também
contribuíram para a crise da produção cafeeira. Para ele:
Os rotineiros processos agrícolas empregados e as próprias condições do
solo e da topografia fariam que, à restrição ditada pela disponibilidade
potencial de terras, fosse adicionada outra, gerada pela sua erosão e
exaustão, diminuindo assim, a oferta de terras para o café, acelerando novo
deslocamento, agora em direção ao “Oeste Paulista”
Stein (1961, p. 29) também assinala que as técnicas utilizadas para o plantio de café
eram rudimentares, além de o relevo da região ser também considerado um fator negativo
para o desenvolvimento mais apropriado da rubiácea. Praticava-se a queimada, bem como não
se levava em conta aspectos importantes para a lavoura do café, como a análise química do
solo. Segundo o autor:
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O plantio do café foi experimentado em diversos tipos de solo e de terreno,
sendo que no início, foi provavelmente plantado em roças de milho ou de
cana até que a experiência lhes ensinasse que o solo virgem e bem drenado
era essencial ao êxito de sua cultura. Essas experiências produziam muitas
terras desperdiçadas e esgotadas prematuramente ou cafezais improdutivos
O quadro da produção cafeeira do Médio Vale do Paraíba Fluminense se agravaria
ainda mais em função da ocorrência das chamadas pragas naturais, além de condições
climáticas adversas. Ainda de acordo com Stein (idem, p.260):
Os danos causados pela saúva acrescentando-se ao efeito de pragas
inesperadas de gafanhotos, de passarinhos, de ferrugem, das intempestivas
chuvas torrenciais, incitou um fazendeiro sofredor, em 1876, a condoer-se
dos vizinhos: ‘Ninguém pode imaginar as perdas incalculáveis... que essas
pragas acrescentam à produção cafeeira já sobrecarregada e que se vê a
braços com tantas dificuldades’
Whately (1987) e Taunay (1945) apontam que o declínio da produção cafeeira no
Médio Vale do Paraíba Fluminense também ocorreu por conta de pragas que assolaram a
região. Whately aponta que em Resende o problema atinente à crise no plantio de café
começou a ocorrer na década de 1850, atingida por uma praga, que segundo a autora, era
provocada pelos ovos depositados nas folhas dos cafeeiros por uma borboleta branca. Taunay
(idem, p. 52) descreve a situação da seguinte forma: “A praga da borboletinha dos cafezais,
bicho de folha ou bicho de café, produziu notável decréscimo da produção fluminense, como
era de se esperar. Caiu, em 1862, a 5.136.564 arrobas e no ano seguinte, para 4.869.152”.
Além de relacionar a crise da produção cafeeira no Médio Vale Fluminense com as
pragas que se abateram sobre a região, Taunay também cita a questão referente ao tipo relevo
da região como um dos fatores que teria contribuído para a crise da produção cafeeira. Esse
fator aumentaria a perda de solos com a erosão (TAUNAY, 1945).
A queda do regime imperial brasileiro é considerada um fator - de ordem política - a
relacionar-se também com a crise da produção cafeeira do Médio Vale Fluminense. Segundo
Muaze (2010, p. 38) a relação estreita entre os fazendeiros e o imperador favoreceu a
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continuidade do tráfico de escravos mesmo num momento em que, no âmbito mundial, ele
cessara:
Em se tratando dos grandes fazendeiros da bacia do Paraíba
Fluminense, é possível afirmar que, sem uma política de estado
permissiva com a ilegalidade do tráfico transatlântico de escravos
(1831-1850), não teria sido possível a contagem do complexo
produtivo que permitiu que o Brasil dominasse o mercado mundial de
café durante praticamente todo o século XIX
É importante destacar, que num primeiro momento houve realmente uma aproximação
entre os fazendeiros e o imperador. Entretanto, com a aproximação da promulgação da Lei
Áurea14
, os fazendeiros passaram a fazer oposição ao governo, exigindo uma indenização por
conta do fim da escravidão.
Outro fator que também pode ter contribuído para a queda da produção cafeeira nessa
região foi a construção e manutenção das vias de comunicação que gerou um choque de
interesses na região de Res