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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ PROGRAMA DE MESTRADO EM SAÚDE E GESTÃO DO TRABALHO IMAÊ ALVES A CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: direcionando o olhar para um microcontexto Itajaí (SC) 2014

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

PROGRAMA DE MESTRADO EM SAÚDE E GESTÃO DO TRABALHO

IMAÊ ALVES

A CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA:

direcionando o olhar para um microcontexto

Itajaí (SC)

2014

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IMAÊ ALVES

A CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA:

direcionando o olhar para um microcontexto

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho, Centro de Ciências da Saúde, Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo

Coorientador: Prof. Me. Marcos Aurélio Maeyama

Itajaí (SC)

2014

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IMAÊ ALVES

A CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA:

direcionando o olhar para um microcontexto

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em

Saúde e Gestão do Trabalho e aprovada pelo Curso de Mestrado Profissional em

Saúde e Gestão do Trabalho.

Itajaí (SC),16 de dezembro de 2014.

Comissão Examinadora

Prof. Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo

Presidente/Orientador

UNIVALI

Prof. Me. Marcos Aurélio Maeyama

Coorientador

UNIVALI

Prof. Dr. Marco Aurelio Da Ros

Membro Interno

UNIVALI

Prof. Dr. Douglas Francisco Kovaleski

Membro Externo

UFSC

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Aos profissionais de saúde e gestores que

trabalham para o fortalecimento do SUS, por

constituir-se em um dos meios de produzir uma

sociedade mais justa e menos desigual, uma

vez que concebe a saúde como um direito de

cidadania e não como mercadoria com valor de

troca. E aos que um dia possam compreendê-

lo dessa forma.

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AGRADECIMENTOS

À Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí por me conceder a oportunidade de

realizar a pesquisa tanto pela anuência quanto pelo tempo disponibilizado aos

estudos e pela bolsa de estudos que viabilizaram o meu processo de mestrado.

Agradeço sobremedida à Ana e ao Aldo, da coordenação de odontologia que

sempre me ajudaram o quanto puderam.

À Jessica, Nice, Ilse, Márcia dos Santos, Mara, Bel, Isa, Adri, Chris Algauer, Feh,

Tainá, Cecília, Grazi, Janice, Ale Espezim, Tati, Karina, Scheilla, Mariana, Jussara,

Jane, Ale Brandão, Rosilda, Antônio Pereira Filho, Tiago, Danúbia, Alexandre, Ane,

Gisele, Márcia Paulo, Cris Santana, Dona Araci, Cláudia, Márcia da Silva, Antônio

Tavares, Eduardo e Andrise, colegas de trabalho com quem aprendo sempre, com a

singularidade de cada um, na soma, na troca, na contradição.

Ao Santiago, professor e amigo, que despertou em mim o gosto pelo conhecimento,

minha gratidão, carinho e admiração.

Ao Marcão, criatura incrível, indescritível, eterno otimista, agradeço a todos os

momentos de convívio, de estímulo, de sensibilização, de luta. Agradeço pelo apoio

na qualificação, pelo olhar cuidadoso e pelo resgate amoroso em momento de

dificuldade. Enfim, pela amizade.

Ao Marquinhos, espírito evoluído que trabalha muito para melhorar o mundo e a vida

das pessoas, tanto das mais distantes, desconhecidas, quanto das mais próximas,

de seu convívio. É um exemplo, a quem devo muitas das minhas oportunidades de

estar nesse meio de discussões, reflexões, aprendizados e práticas. Agradeço

também pelas constantes contribuições no meu processo de formação e de escrita.

Sinto-me honrada de poder conviver um pouco com uma pessoa tão especial.

Ao Cutolo, que com sua paciência e sensibilidade sem tamanho me acolheu com

minhas inseguranças e angústias e respeitou minhas limitações, foi companheiro até

o último instante, sempre com seu olhar cuidadoso sobre o meu trabalho,

transformando todas as orientações em momentos felizes de muito aprendizado. É

um professor exemplar, uma pessoa exemplar e um amigo querido.

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À Lucrécia (Lu), pela amizade, pelo apoio, pela paciência em responder às minhas

perguntas repetidas, pelos livros, pelas dicas cuidadosas para minha dissertação,

pelas palavras de incentivo, pelas conversas, cafés, almoços e jantas. Foram bons

encontros. Sinto-me feliz por abrires para mim “um cantinho” do teu espaço.

À Stella, professora querida que contribuiu para a qualificação do projeto e dizia

pelos corredores “E aí? Vamos, Imaê!”.

À Rita, por me dizer: “escrever é difícil, mesmo! Vai no teu ritmo, no teu tempo. Tu

vais conseguir!”.

À tia Néri, “tia coruja”, pelo cuidado, pelos telefonemas cheios de zelo nas minhas

longas ausências, pelas conversas, pela amizade, por ser um exemplo de

profissional, de esforço e dedicação.

À mãe, por me apoiar sempre, da maneira que pode, mesmo sem entender minhas

escolhas e meus sonhos.

À Jana, irmã e amiga, pelos cantinhos de estudo organizados para mim na casa da

mãe e pelas comidinhas deliciosas que alimentam inclusive e, sobretudo a alma, na

fase de escrita do projeto.

À Cris, à Carin e à Beth, pela amizade verdadeira, que suporta ausências.

À Jessica, novamente e agora em especial, anjinho que cuida de mim, amiga e

companheira, colega de trabalho que assumiu várias responsabilidades nas minhas

ausências decorrentes do mestrado, e assume sempre, inclusive na minha

presença; o trabalho fica mais leve com tua parceria. Obrigada por suportar as

lamentações decorrentes das angústias do processo da escrita. Obrigada

principalmente pelo teu interesse pelo meu trabalho e por se aventurar comigo na

discussão sobre a integralidade e a clínica ampliada e repensar o nosso trabalho no

desafio cotidiano. Nossos olhares se transformaram juntos nesse processo, e nossa

prática também, em alguma medida.

Ao Jader, amor, companheiro e amigo, que me incentivou do início ao fim, que

acreditou sempre que eu conseguiria, que é o motivo pelo qual não desisti. Zygmunt

Baumann, filósofo polonês, ao se referir à ambivalência da vida, diz que há dois

valores essenciais que são absolutamente indispensáveis para uma vida satisfatória,

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recompensadora e relativamente feliz: um é a segurança e o outro é a liberdade.

Segundo ele, cada vez que você tem mais de um, perde um pouco do outro, e

chama de “mistura perfeita”, “magia de ouro” o equilíbrio entre eles. Obrigada por me

deixar voar, com liberdade e segurança. Obrigada por suportar as dificuldades dessa

fase comigo, pelas muitas viagens que fizeste nesse período, por respeitar minhas

escolhas, por me incentivar na realização dos meus sonhos.

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Vamos

[...] Colher as flores que nascerem no asfalto

Vamos todo mundo... tudo que se possa imaginar

Vamos duvidar de tudo que é certo

[...] E se não for possível, a gente tenta

Vamos velejar no mar de lama

Se faltar o vento a gente inventa

Vamos remar contra a corrente

Desafinar do coro dos contentes.

Pose – Humberto Gessinger/Engenheiros do

Hawaii

Sempre que a alma se agranda, a estrada fica pequena.

Filosofia de andejo – Jaime Caetano Braun/Luiz Marenco

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A CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA:

direcionando o olhar para um microcontexto

RESUMO

A integralidade em saúde é um dos princípios doutrinários do Sistema Único de

Saúde, que apareceu nos debates do movimento da reforma sanitária e se

concretizou constitucionalmente enquanto o desenvolvimento das ações integradas

à saúde: promoção de saúde, prevenção de doenças, tratamento e reabilitação. A

evolução da discussão em torno do termo lhe proporcionou uma polissemia de

sentidos. Um deles é a organização do sistema, instituições e práticas de saúde

cujas configurações sejam desejáveis para melhor apreender e responder às

necessidades de saúde dos usuários, visando à superação do modelo biomédico de

atenção à saúde. Sendo que o Sistema Único de Saúde tem como principal porta de

entrada dos usuários a Atenção Básica da Saúde e a Estratégia Saúde da Família é

a forma de operacionalização desta, as concepções e práticas de saúde dos

profissionais envolvidos são fundamentais para a construção da integralidade.

Muitos aspectos do trabalho em saúde influenciam essa construção e no presente

trabalho foram analisados o acolhimento, a coordenação do cuidado e a clínica

ampliada. A pesquisa foi realizada em uma unidade básica de saúde de um

município do sul do Brasil, com os profissionais de duas equipes de Estratégia

Saúde da Família e uma Equipe de Saúde Bucal e buscou analisar como se

configuram esses aspectos. Para a coleta de dados realizou-se entrevistas e

oficinas. A partir da análise dos dados constatou-se que o processo de trabalho em

saúde mantém-se organizado na lógica do modelo biomédico, com centralidade na

doença e no médico, com a consequente fragmentação das práticas, dificultando a

integralidade do cuidado em saúde. As pesquisas qualitativas de caráter

microinstitucional são importantes na medida em que o olhar singular para cada

contexto pode provocar discussões sobre o tema e incitar mudanças no processo de

trabalho com vistas à atenção integral à saúde.

Palavras-chave: Assistência Integral à Saúde; Estratégia Saúde da Família;

Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde.

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STRUCTURING COMPREHENSIVE CARE IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY:

looking towards a micro-context

ABSTRACT

Comprehensive Health Care is one of the doctrinal principles of the Unified Health

System, which featured in the debates on the health reform movement and has been

embodied in the constitution, along with the development of comprehensive health

care actions: health promotion, prevention of sickness, treatment and rehabilitation.

The progress of discussions related to the term has given it a polysemy of meanings.

One of these is the organization of the system, institutions and health care practices,

whose configurations are desirable for better learning and responding to the health

needs of users, seeking to overcome the biomedical model of health care. Given that

the main point of entry of users to Primary Health Care is the Unified Health System

(known in Brazil known as the SUS, Sistema Único de Saúde), and that it is

implemented through the Family Health Strategy, the health concepts and practices

of the healthcare workers involved are essential for structuring a comprehensive

health care. Many aspects of health work have influenced this process. This study

analyzes user embracement, health-care management, and the expanded clinic. This

research was carried out at a Primary Health Centre in a municipality in the South of

Brazil, with workers from two Family Health Strategy teams and one Oral Health

team, seeking to analyze how these concepts are shaped. Data were collected

through interviews and workshops. Based on the data analysis, it was found that the

work process in healthcare remains organized in the biomedical model standards,

centered on sickness and the physician, consequently fragmenting practices and

making it difficult to perform comprehensive health care. Qualitative micro-

institutional research is relevant, based on the knowledge that a closer look at each

context can promote discussion on the theme and lead to changes in the work

process, aiming at comprehensive Health Care.

Keywords: Comprehensive Health Care; Family Health Strategy; Primary Health

Care; Unified Health System.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA............................................................................12

2 MARCO TEÓRICO.................................................................................................17

2.1 Políticas públicas de saúde no Brasil: breve histórico e algumas

consequências............................................................................................................17

2.2 Sistema Único de Saúde: princípios doutrinários e diretrizes organizativas......24

2.3 Atenção Básica de Saúde e Estratégia Saúde da Família.................................27

2.4 Integralidade.......................................................................................................30

2.5 Acolhimento........................................................................................................34

2.6 Coordenação do cuidado...................................................................................36

2.7 Clínica Ampliada.................................................................................................37

3 PERSPECTIVA METODOLÓGICA E PERCURSO METODOLÓGICO.................40

3.1 Abordagem metodológica...................................................................................40

3.2 Local e contexto da pesquisa.............................................................................40

3.3 Sujeitos da pesquisa..........................................................................................41

3.4 Coleta dos dados................................................................................................41

3.5 Procedimentos éticos.........................................................................................51

3.6 Análise dos dados..............................................................................................53

4 DADOS DE PESQUISA..........................................................................................57

4.1 Acolhimento (ARTIGO).......................................................................................58

4.2 Coordenação do Cuidado...................................................................................77

4.3 Clínica Ampliada.................................................................................................82

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................89

REFERÊNCIAS..........................................................................................................93

APÊNDICE.................................................................................................................97

Apêndice 01..............................................................................................................98

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ANEXOS....................................................................................................................99

ANEXO A...............................................................................................................100

ANEXO B...............................................................................................................104

ANEXO C...............................................................................................................105

ANEXO D...............................................................................................................107

ANEXO E...............................................................................................................109

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1 INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA

Com a graduação em Odontologia concluída em 2003, ingressei no mesmo

ano no Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Itajaí. Trabalhando na maior

parte do tempo em uma unidade odontológica móvel na área rural do município,

comecei a questionar-me sobre a organização do processo de trabalho na área da

saúde.

Realizava procedimentos odontológicos e atividades preventivas e educativas

pontuais, sem nenhum planejamento conjunto com outros profissionais da educação

e da saúde. O trabalho individual, descontextualizado e solitário me causava

desconforto.

A insatisfação no trabalho levou-me a ingressar no curso de Educação Física,

em 2005, vontade que me acompanhava ainda antes de cursar Odontologia.

Durante a segunda graduação, que apresentava uma proposta curricular bastante

diferente da primeira, tive a oportunidade de estudar sobre epistemologia da

educação e assim, de discutir alguns pontos sobre a formação em saúde.

Esses novos conhecimentos possibilitaram uma reflexão sobre as grandes

limitações da minha formação em odontologia, reconhecendo-a então enquanto uma

formação biomédica: estritamente centrada na visão biologicista do ser humano, nas

doenças bucais e nas técnicas utilizadas nos procedimentos clínicos, circunscritas

ao consultório odontológico.

Apesar da inserção de um clichê no discurso acadêmico - “ver o paciente

como um todo” - e de uma aula no último período da graduação sobre um tal de

SUS e um tal de Programa Saúde da Família (PSF) na disciplina de Odontologia

Social, a aproximação com a comunidade se resumiu a duas ou três visitas a uma

creche na periferia da cidade. As discussões aprofundadas sobre as concepções

saúde-doença e a saúde coletiva inexistiram.

O interesse pelo Sistema Único de Saúde, mais especificamente a Atenção

Básica emergiu quando da oportunidade de um aperfeiçoamento no então Programa

Saúde da Família através dos pólos de educação permanente incentivados pelo

Ministério da Saúde, que aconteceu pouco antes do ingresso no curso de Educação

Física.

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Após terminar a graduação como licenciada em Educação Física optei por

integrar a Estratégia Saúde da Família (ESF) e trabalho como dentista da Equipe de

Saúde Bucal (ESB), desde maio de 2012, em uma Unidade Básica de Saúde (UBS).

No cotidiano da Unidade Básica de Saúde (UBS) me deparo com inúmeras

situações que despertam sentimentos diversos: realização profissional, satisfação,

insatisfação, preocupações e angústias.

Por um lado, a Estratégia Saúde da Família proporciona um vínculo

diferenciado com os usuários do Sistema Único de Saúde que antes não me era

possível vivenciar. Ainda, o trabalho com vários outros profissionais de saúde

possibilita trocas importantes para o processo terapêutico dos pacientes.

A insatisfação1 se mostra por diversos motivos, sendo o principal deles a

redução do trabalho em saúde à clínica centrada na queixa-conduta, dentro do

modelo biomédico.

Ao ouvir um médico da ESF dizer que necessita muita concentração durante

a sua consulta porque seu trabalho de diagnóstico é um cálculo de probabilidades

que fará a partir dos sinais e sintomas referidos pelo paciente e por isso, se o

paciente quiser conversar muito, a consulta deverá ser com a psicóloga; ao ouvir a

atendente da UBS dizer à pessoa que busca o serviço de saúde que as “vagas de

acolhimento” já foram preenchidas e que deve retornar no dia seguinte às sete

horas; ao escutar de uma colega de trabalho que deveriam contratar um médico

para “atender os acolhimentos”, para que os médicos da ESF tenham mais tempo

para atender os pacientes prioritários; ao ver os profissionais de saúde descontentes

quando os pacientes não seguem suas orientações, o que no prontuário se traduz,

muitas vezes em “Oriento MEV (Mudança no Estilo de Vida)” e abaixo: “Não aderiu à

MEV”; ao ler nos cartazes expostos em um dos consutórios da UBS: “Doutor

Pediatra: de criança é ele que entende. Para todas as fases, a melhor opinião é

sempre do Pediatra”; ao ouvir de um médico especialista que “esse PSF é coisa

para ter só no interior, onde é longe para as pessoas irem à Unidade, na cidade não

precisa”, sinto incomodamente confirmada a tese que Ruben Araujo de Mattos

apresentou em sua fala em um curso de especialização em Redes de Atenção aos

1A palavra insatisfação foi escolhida para substituir frustração (primeiramente usada), por concordar

com MEDINA (1990, p. 84) que aponta que entre essas duas palavras “existe uma diferença sutil e decisiva. A primeira pode nos empurrar para frente, a outra pode nos paralisar indefinidamente”.

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profissionais da ESF: estamos muito mal no arranjo das práticas de cuidado em

saúde! Como disse ele, mesmo que não seja tudo desastroso, pois existem coisas

muito interessantes acontecendo, ainda não estamos ganhando o jogo (na melhor

das hipóteses).

Às percepções equivocadas acerca do trabalho na ESF e às constantes

referências culpabilizadoras aos usuários do SUS, soma-se o discurso estéril de

indicações de outros culpados: a gestão, o Ministério, que “fazem as leis, mas não

entendem da prática”. Nota-se nesse ponto que muitos trabalhadores da saúde não

se reconhecem como atores sociais capazes de discutir e mudar seu processo de

trabalho, mantendo uma posição passiva diante do estabelecido.

Para não cair no lugar comum das culpabilizações - nesse caso, dos

profissionais de saúde - faz-se necessária a busca pela compreensão do contexto

atual. Por que o processo terapêutico se limita à relação queixa-conduta? Por que os

profissionais de saúde tendem a considerar tudo que não diz respeito às doenças

como uma demanda “excessiva”, que não condiz com seu papel profissional

(BRASIL, 2009)? Por que trabalhadores e usuários não se reconhecem como atores

sociais, sujeitos políticos produtores de ações em saúde?

Nesse sentido a Política Nacional de Humanização (PNH) aponta que

[...] Há poucos dispositivos de fomento à cogestão, à valorização e à inclusão dos trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde, com forte desrespeito aos seus direitos. Um processo de gestão com tais características é acompanhado dos modos de atenção baseados – a grande parte das vezes – na relação queixa-conduta, automatizando-se o contato entre trabalhadores e usuários, fortalecendo um olhar sobre a doença e, sobretudo, não estabelecendo o vínculo fundamental que permite, efetivamente, a responsabilidade sanitária que constitui o ato de saúde. (BRASIL, 2004, p. 5)

As aulas do Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho e a participação em

oficinas sobre Atenção Básica enquanto preceptora na Integração ensino-

serviço/Pró-saúde2 me aproximaram das discussões sobre a integralidade em saúde

e, juntamente com a incipiente experiência na ESF e tantas inquietações e

desconfortos, reconheci a importância do tema e a iminente necessidade de

introduzir e/ou ampliar tais discussões e práticas no contexto do trabalho em saúde

coletiva. Para analisar as práticas de cuidado em saúde e os diversos aspectos que

2Pró-saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde

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as conformam, a discussão sobre integralidade é crucial e configura-se no escopo

desse trabalho.

O movimento da reforma sanitária busca, desde a década de 1970, a

superação do modelo de atenção à saúde centrado nas doenças, chamado de

modelo biomédico, em direção ao modelo da integralidade, que entende o processo

saúde-doença como determinado socialmente e a saúde como um direito de

cidadania. Para tanto, são necessárias complexas mudanças em diversos setores

sociais. No âmbito da formação e da implementação de políticas de saúde, a

pesquisa social na área exerce papel importante.

Ainda que exista um grande número de estudos na área, são necessárias

mais pesquisas que busquem compreender as reais consequências das mudanças

nas políticas públicas de saúde e também de formação em saúde no cotidiano dos

serviços de saúde. Corroborando com essa ideia, Pinheiro e Luz (2007, p. 19)

compreendem o agir cotidiano nas instituições de saúde enquanto situs privilegiado

de estudos e de construção da integralidade em saúde, surgindo

[...] como um espaço não de verificação de ideias, mas de construção de práticas de novas formas de agir social, nas quais a integralidade pode se materializar como princípio, direito e serviço na atenção e no cuidado em saúde.

Esses autores atentam para a tradição de estudos macroinstitucionais e para

a notoriedade e pertinência de estudos no âmbito microinstitucional, sobre atores e

suas práticas no cumprimento do princípio da integralidade nos espaços onde ela

deveria se materializar, no contexto de reforma do sistema, para o campo da saúde

coletiva (PINHEIRO; LUZ, 2007).

Nesse sentido, essa dissertação pretende apresentar os resultados de

pesquisa realizada no cerne das práticas de saúde de duas equipes de estratégia

saúde da família e uma equipe de saúde bucal em uma unidade de saúde.

Considerando que toda ação em saúde deriva de uma concepção saúde-doença

(MAEYAMA; CUTOLO, 2010), a identificação e problematização das concepções

dos profissionais de saúde acerca do tema foi considerada importante. Juntamente

com a discussão acerca do acolhimento, da coordenação do cuidado, da clínica

ampliada e da participação social, considerados elementos importantes para a

construção da integralidade das práticas, buscou-se identificar potencialidades e

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dificuldades do trabalho em saúde na consolidação da integralidade enquanto

princípio doutrinário do Sistema Único de Saúde.

Para a compreensão da realidade da qual parte este estudo, fez-se uma

breve análise do percurso histórico das políticas públicas de saúde, com alguns

fatos do contexto mundial que influenciaram a situação da saúde no Brasil, bem

como algumas características do Sistema Único de Saúde, da Atenção Básica da

Saúde e Estratégia Saúde da Família. O princípio doutrinário da integralidade em

saúde foi aprofundado, e alguns elementos relacionados ao trabalho em saúde

considerados importantes foram apresentados: o acolhimento, a coordenação do

cuidado e a clínica ampliada. Esses assuntos foram abordados no segundo capítulo

deste trabalho.

O terceiro capítulo trata da abordagem metodológica que orientou o presente

estudo, bem como o percurso metodológico, com seus avanços e recuos, próprios

da pesquisa qualitativa, além dos procedimentos éticos nela envolvidos. Os dados

foram apresentados e analisados no quarto capítulo, sendo que parte dele constitui-

se por um artigo científico. No quinto e último capítulo foram desenvolvidas as

considerações finais do estudo.

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2 MARCO TEÓRICO

2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: breve histórico e algumas

consequências

Para compreender as políticas públicas de saúde no Brasil faz-se necessário

revisitar alguns momentos da história em diferentes contextos do mundo.

Da Ros (2006) afirma que um referencial importante para refletir sobre o tema

e, consequentemente, sobre a formação em saúde, é o movimento da medicina

social europeu do século XIX. A exacerbação do movimento capitalista na Europa

provocou uma forte mudança nas condições socioeconômicas. O modo de produção

capitalista, ilustrada pela crescente industrialização e o acúmulo de capital através

dela, mudou consideravelmente a organização da sociedade, as relações de

trabalho e, consequentemente, as condições de saúde da população.

O trabalho nas fábricas dava-se a partir de grandes jornadas de trabalho, em

ambientes fechados, sem banheiros e o trabalho infantil era uma realidade. A

aglomeração de pessoas nas cidades e as precárias condições de trabalho e

saneamento resultaram em grandes epidemias, e o papel dos médicos se fez

necessário. Nesse cenário apareceram os elaboradores do movimento da medicina

social, e entre eles o prussiano Rudolf Ludwig Karl Virchow, considerado o pai da

medicina social (DA ROS, 2006).

A dinâmica do processo saúde-doença, bem como sua relação com a

estrutura de atenção médica e com a sociedade é estudada pela medicina social,

com vistas a obter níveis máximos possíveis de saúde e bem-estar. Tal movimento

postulava a participação política como principal estratégia de transformação da

realidade de saúde, na expectativa de que as revoluções populares assegurassem

justiça, igualdade e cidadania (MENEGHEL, 2004).

Estava claro que o fim das epidemias e a melhoria da saúde da população só

se dariam com drásticas mudanças na sociedade. Naquela época era nítida e

preponderante a ideia de que o processo saúde-doença é determinado socialmente

(DA ROS, 2006).

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Juntamente com Neumann, em 1847 Virchow consegue aprovar a lei da

saúde pública prussiana, que pode ser sintetizada com a ideia da saúde como direito

de todos e dever do Estado. Segundo eles, para resolver os problemas de saúde

seriam necessárias melhores condições de trabalho: redução da jornada de

trabalho, erradicação do trabalho infantil, lazer, melhores salários, saneamento nas

fábricas e nas cidades (DA ROS, 2006).

Essas medidas não condiziam com as pretensões do poder dominante da

época, os donos do capital, interessados nos lucros da revolução industrial. Não

havia motivos para que os mesmos se preocupassem com as condições sociais,

uma vez que havia um exército de reserva para substituir os trabalhadores

incapacitados pelas doenças.

Qualquer semelhança com o contexto atual não é mera coincidência! E as

semelhanças não param por aí...

A negação da determinação social do processo saúde-doença foi, e ainda é,

extremamente e impiedosamente conveniente ao capital. O modelo capitalista teve

como forte aliada a descoberta de Pasteur: a bactéria.

Diferentes explicações para o processo saúde-doença haviam percorrido a

história: mística, higienista e social. Com a descoberta da bactéria, a possível

compreensão ampliada do processo saúde-doença foi propositalmente substituída

pela explicação unicausal, pela visão biológica. Ao concentrar os olhos no “micro”,

esqueceram-se do “macro”. Como consequência, uma teoria que poderia ampliar o

pensamento médico já existente, acabou por tornar-se reducionista (CUTOLO,

2001).

Corroborando com essa ideia, Meneghel (2004, p. 2) afirma que a

[...] chamada “revolução científica”, proporcionada pelas descobertas da bacteriologia, faria com que o foco causal se deslocasse das condições sociais para os microorganismos. Assim, o ideal preconizado era o de encontrar uma vacina para cada tipo de agente infeccioso e implementar medidas de controle das doenças sem questionar o ambiente socioeconômico e cultural.

Dessa forma, o modelo hegemônico a partir do final do século XIX, início do

século XX passou a ser o unicausal, aquele que nega a determinação social do

processo saúde-doença (DA ROS, 2006).

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Para a compreensão de como se desenvolveu e se solidificou o modelo de

atenção à saúde no Brasil, é necessário conhecer o modelo médico norte-

americano, que foi em grande medida influenciado por uma investigação sobre a

educação médica nos Estados Unidos e no Canadá, financiada pela Carnegie

Fundation e realizada por Abraham Flexner, cujos resultados foram publicados em

1910, no chamado Relatório Flexner. Tal relatório induziu a mais importante reforma

nas escolas médicas norte-americanas, com profundas implicações para a formação

médica e a medicina mundial (PAGLIOSA; DA ROS, 2008).

Ainda que as compreensões sobre as potencialidades, limitações e

influências do Relatório Flexner ocupem posições extremas, com exímios

defensores e críticos ferrenhos, o fato é que o mesmo buscou certa uniformização

do ensino médico, em uma época em que a situação das escolas médicas nos

Estados Unidos era caótica (ALMEIDA FILHO, 2010; PAGLIOSA; DA ROS, 2008).

No extremo da crítica ferrenha, Da Ros (2006), aponta que, como a John’s

Hopkin’s University tinha um modelo de ensino unicausal, biologicista,

hospitalocêntrico, fragmentador, detentor da verdade científica e positivista, era

conveniente à Fundação Rockefeller, mantenedora da John’s Hopkin’s, a

uniformização desse modelo de ensino no país, e no mundo. Assim seria mais fácil a

formação de médicos acríticos, com suas condutas centradas na doença, na relação

queixa-conduta, que estimulassem o consumo de exames e medicamentos

produzidos pelo complexo médico-industrial.

O Relatório Flexner acabou por induzir o fechamento de 50 faculdades de

medicina nos Estados Unidos, das 131 faculdades avaliadas no país. Muitas

faculdades que continham as atualmente chamadas “terapias alternativas” nos seus

currículos, que enfatizavam a saúde coletiva, que aceitavam negros e mulheres

foram fechadas (PAGLIOSA; DA ROS, 2008).

Como consequência da supremacia do enfoque biomédico na formação dos

médicos, e posteriormente de todos os profissionais de saúde, a medicina

especializada ganhou destaque. As práticas médicas ficaram cada vez mais

fragmentadas e menos integrais. Os chamados “clínicos gerais” foram cada vez

menos valorizados e começou então a supervalorização das especialidades

médicas.

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Não podemos afirmar com veemência que esse era o real objetivo de Flexner

ao propor a reforma no ensino médico norte-amerciano, mas tais consequências e

desdobramentos foram reais. E qualquer semelhança com nossos dias também não

é mera coincidência. A Fundação Kellogs foi a financiadora do projeto de expansão

do modelo flexneriano de ensino médico na Amércia Latina. No Brasil, em meados

dos anos 1950, a Fundação Kellogs financiou a abertura da Faculdade de Medicina

na Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, com estrutura curricular já nos

moldes do modelo de ensino flexneriano, com vistas ao modelo biomédico de

atenção à saúde.

O complexo médico-industrial ganhou mais espaço e força no país com o

golpe militar, em 1964, financiado pelos Estados Unidos e articulado com os

militares brasileiros. O objetivo era reprimir organizações populares e políticas que

contestassem a exploração capitalista. Com isso, nosso país tornou-se um grande

consumidor de equipamentos hospitalares, exames e medicamentos. Os recursos

para prevenção de doenças e epidemias diminuiu consideravelmente e a reforma

universitária, em 1968, alterou o currículo dos cursos de medicina, adaptando-o ao

modelo flexneriano (DA ROS, 2006).

Considerando o contexto já apresentado, está claro que “o discurso científico,

a especialidade e a organização institucional das práticas em saúde circunscrevem-

se a partir de conceitos objetivos não de saúde, mas de doença” (CZERESNIA,

2009, p. 45).

Enquanto o modelo flexneriano se solidificava no Brasil, no cenário mundial

as expectativas em relação à medicina bacteriana já diminuíam desde os anos 1930,

em um momento de crise ocasionada pelos crescentes custos da medicina científica

sem reduzir os níveis de doenças (MENEGHEL, 2004).

A crise política e social que acompanhou a crise econômica mundial no final

da década de sessenta trouxe o reaparecimento de lutas populares, não somente

nos países capitalistas avançados, mas também nos dependentes, que colocavam

sob suspeita o modo dominante de resolver a satisfação das necessidades da

massa trabalhadora. Buscava-se a formulação de uma compreensão diferente dos

problemas, dessa vez de acordo com os interesses populares e a capacidade de

originar práticas sociais novas. Nesse contexto, origina-se o questionamento do

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paradigma médico-biológico na medida em que a medicina clínica não oferecia

solução satisfatória para a melhoria nas condições de saúde na coletividade

(LAURELL, 1982).

Com a primeira crise do petróleo, o governo militar brasileiro também entra

em crise. Começam a emergir no país os resultados de dez anos de ditadura. Na

saúde, eclodem epidemias antes controladas. Surge então um movimento contra-

hegemônico, em oposição ao complexo médico-industrial, conhecido como

movimento da reforma sanitária, acompanhado de vários outros movimentos, na

busca pelo fim da ditadura militar, por um sistema único de saúde e contra o

complexo médico-industrial (DA ROS, 2006).

Pode-se afirmar que as políticas de saúde no Brasil foram construídas na

tensão entre duas forças: a do complexo médico-industrial e a do movimento da

reforma sanitária. Até o final da ditadura, com o complexo médico-industrial vitorioso,

e a partir de então, com certo equilíbrio entre essas forças. (DA ROS, 2006).

Referindo-se às décadas de 70 e 80, Giovanella e Fleury (1996, p. 180)

apontam que

[...] se por um lado a conjuntura de crise econômica nesse período tornou as políticas governamentais permeáveis a mudanças de efeito racionalizador, por outro o processo de democratização colocava em cena novos atores sociais pressionando o Estado por políticas sociais mais equitativas.

Muitos desses novos atores sociais participaram do movimento de reforma

sanitária que, na busca por mudanças consistentes nas práticas de saúde provocou

importantes discussões no que diz respeito às concepções de saúde/doença no

Brasil. Este movimento não foi isolado. Diversas conferências internacionais

movimentaram tal debate: Alma-Ata (1978); Ottawa (1986); Adelaide (1988);

Sundsval (1991); Jacarta (1997); Cidade do México (2000); Bangkok (2005).

O modelo de explicação para a saúde/doença, alternativo ao centrado

exclusivamente nos aspectos biológicos era fundamentado na história natural das

doenças e nos pressupostos de prevenção à saúde, inaugurando então a chamada

medicina preventiva. Esse modelo, conhecido como da multicausalidade da

enfermidade, sofreu críticas ferrenhas de estudiosos da área, inclusive do

movimento da reforma sanitária brasileiro, principalmente pela superficialidade da

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proposta e pela homogeneização dos fatores determinantes da saúde/doença, numa

interpretação do social como um simples fator atuante em nível individual. Colocou-

se em um mesmo nível de determinação, fatores hierarquicamente distintos,

legitimando, assim, o social como natural, ou seja, unidimensional, homogêneo,

desprovido de historicidade. (MENEGHEL, 2004).

Os debates mundiais em torno desses problemas embasaram-se em alguma

medida no avanço da epidemiologia social nos países latino-americanos a partir de

1970. Em contraposição à epidemiologia clássica, cujo referencial teórico é o

positivismo, transformada em quase dogma, a epidemiologia social representou uma

proposta alternativa ao modelo da multicausalidade, reconhecendo a determinação

social do processo saúde/doença e buscando criar categorias que permitissem

estudar a doença socialmente dimensionada, num movimento de fuga do mundo da

pseudoconcreção estatística, onde as relações causais entre saúde e doença

aparecem como esquemas formais de associações empíricas entre variáveis

(MENEGHEL, 2004).

Em resposta à crítica de que a denominação “epidemiologia social” é uma

redundância, optou-se chamar de epidemiologia crítica a vertente mais politizada da

disciplina, que torna as desigualdades em saúde temas centrais, estas

compreendidas como resultantes da injustiça produzida pela estrutura social,

diferenciando-se da epidemiologia menos politizada que trabalha as desigualdades

enquanto diferenciais em saúde destituídos de suas conotações político-sociais

(MENEGHEL, 2004).

Apesar da epidemiologia crítica ser considerada contra-hegemônica ainda

hoje, não haver consenso na área e os incentivos às pesquisas privilegiarem a

vertente menos politizada, esses embates enriqueceram e continuam a enriquecer a

produção científica no que tange à saúde coletiva. Com relação aos conceitos de

saúde não é diferente. Segundo Czeresnia (2009, p. 49-50), a

[...] constatação de que os principais determinantes da saúde são exteriores ao sistema de tratamento não é novidade. Oficialmente, contudo, é bem recente a formulação de um discurso sanitário que afirme a saúde em sua positividade. A Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa (1986), postula a ideia da saúde como qualidade de vida resultante de complexo processo condicionado por diversos fatores, tais como, entre outros, alimentação, justiça social, ecossistema, renda e educação.

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No Brasil, a ampliação do conceito de saúde teve destaque no mesmo ano, e

foi incorporado ao relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde

(CZERESNIA, 2009). No Tema 1, que trata da saúde como direito, em seu primeiro

item aponta que

[...] Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986, p. 4).

Trata da saúde como conceito não abstrato, definida no contexto histórico e

social e que deve ser conquistada em lutas cotidianas pela população; e da saúde

enquanto direito, que significa que o Estado deve garantir

[...] condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade. (BRASIL, 1986, p. 4).

Para a materialização da saúde como direito, a formalização em texto

constitucional não é suficiente, sendo necessário que o Estado assuma de forma

explícita “uma política de saúde consequente e integrada às demais políticas

econômicas e sociais”, assegurando os meios para sua efetivação, e para tal, o

controle da população de todo o processo é condição essencial (BRASIL, 1986, p.

4).

Essas discussões, que assumem que a saúde é determinada socialmente,

apresentaram muitas contradições e algumas perdas fundamentais em suas

formulações no decorrer do seu percurso histórico, uma vez que emergiram do

embate entre as lutas do movimento da reforma sanitária e os interesses neoliberais

nacionais e internacionais vigentes.

Dois pontos muito importantes para a concepção ampliada de saúde e para a

garantia dela enquanto direito, que constaram nos debates da VIII Conferência e

foram omitidos na Carta Constitucional foram o acesso e posse da terra e o

entendimento da saúde como consequente às formas de organização social.

Ainda que a tensão entre as forças do movimento da reforma sanitária e do

conservadorismo político aliado aos interesses do complexo médico-industrial tenha

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resultado em concessões importantes, essas lutas impulsionaram mudanças

políticas importantes ao longo do tempo, que culminaram com a criação do Sistema

Único de Saúde a partir da Constituição Federal de 1988.

2.2 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: princípios doutrinários e diretrizes

organizativas

A VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986 e o processo político

constituinte, em 1988 destacam-se como fatos centrais para a proposição de novas

bases políticas para a estruturação do Estado e das relações de solidariedade entre

os setores sociais, indispensáveis ao enfrentamento das desigualdades sociais e de

saúde. Essa trajetória possibilitou o lançamento das diretrizes e dos princípios do

SUS através da reestruturação da política social na qual a saúde se inscreve como

direito de todos e dever do Estado (HEIMANN; MENDONÇA, 2005).

Os princípios doutrinários e as diretrizes organizativas representam o

estabelecimento, de forma inequívoca, da direcionalidade do SUS pela sociedade

brasileira. Estes se apresentam como regras pétreas do sistema, linhas de base às

proposições de reorganização do mesmo, dos serviços e das práticas de saúde. Os

princípios doutrinários são a universalidade, a integralidade e a equidade

(VASCONCELOS; PASCHE, 2012).

A universalidade “assegura o direito à saúde a todos os cidadãos e o acesso

sem discriminação ao conjunto das ações e serviços de saúde ofertados pelo

sistema”, alterando a diferenciação do acesso entre os brasileiros com e sem

vínculos previdenciários anteriormente presente (VASCONCELOS; PASCHE, 2012,

p. 565). Como contraponto, pode-se alertar para a diferenciação entre a

universalidade do direito sanitário, garantida pela Constituição Federal de 1988 e a

universalização do acesso à saúde, claramente defendida na VIII Conferência

Nacional de Saúde. O primeiro não redunda necessariamente no segundo, uma vez

que a acessibilidade somente pode ser garantida pela ampla reforma do sistema de

saúde.

A integralidade pressupõe a consideração das várias dimensões do processo

saúde-doença que afetam os indivíduos e as coletividades. Pressupõe também a

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prestação continuada do conjunto de ações e serviços que visem a garantir a

promoção, a proteção, a cura e a reabilitação individuais e coletivos. Na perspectiva

individual, a integralidade busca a superação da abordagem restrita à dimensão

biológica do adoecimento para uma abordagem que considere também as

dimensões social e psicoafetivas (VASCONCELOS; PASCHE, 2012). O princípio

doutrinário da integralidade será desenvolvido com maior aprofundamento por ser o

objetivo principal desse trabalho.

A Constituição Federal aponta para a garantia de igualdade no acesso aos

serviços de saúde, entretanto, reconhecendo que a sociedade brasileira apresenta

desigualdades sociais gritantes, por ser extremamente estratificada e hierarquizada,

tem-se que assumir que o princípio da equidade faz-se necessário por ser o meio, o

processo que tem como finalidade, como imagem objetivo a igualdade social,

inclusive no direito sanitário e no acesso aos serviços de saúde.

A equidade no acesso às ações e serviços de saúde justifica a prioridade da

oferta destes aos segmentos populacionais que enfrentam maiores riscos de

adoecer e morrer em decorrência da desigualdade na distribuição de renda, bens e

serviços e nos condicionamentos culturais e subjetivos de ordem familiar e pessoal,

incluindo-se à lógica do SUS o princípio de discriminação positiva para com os

grupos sociais mais vulneráveis, ao considerar as desigualdades de condições como

decorrentes da organização da sociedade capitalista (VASCONCELOS; PASCHE,

2012).

As diretrizes organizativas do sistema de saúde têm como objetivo dar

racionalidade e efetividade ao seu funcionamento, sendo as mais relevantes a

descentralização, a regionalização e a hierarquização dos serviços, a participação

comunitária e a integração das ações e recursos, com base no planejamento

ascendente (VASCONCELOS; PASCHE, 2012).

A descentralização tem ênfase na municipalização da gestão dos serviços e

ações de saúde, constituindo-se na mudança mais significativa no aspecto político-

administrativo do SUS, atribuindo ao município a responsabilidade pela prestação

direta da maioria dos serviços (VASCONCELOS; PASCHE, 2012).

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A gestão do cuidado em saúde pode ser facilitada pela descentralização, uma

vez que será desenvolvida conforme as demandas e prioridades de cada município,

considerando suas particularidades, superando os limites das ações programáticas

verticais.

Como limite da descentralização pode-se apontar, entre outros, certa

precarização do trabalho em saúde na medida em que coube aos municípios a

contratação de pessoal que trabalha na atenção direta às pessoas enquanto as

regras do ajuste econômico e da responsabilidade fiscal não são compatíveis com

todo o aumento de volume de atribuições e responsabilidades determinadas às

cidades (CAMPOS, 2005).

A regionalização busca distribuir de forma mais racionalizada e equânime os

recursos assistenciais no território, tendo como base a distribuição da população,

promovendo a integração das ações e das redes assistenciais, de forma a garantir

acesso, continuidade do cuidado e economia de escala (VASCONCELOS; PASCHE,

2012).

A hierarquização é uma diretriz organizativa que já sofre crítica na direção da

necessidade de superação do modelo piramidal por modelos mais flexíveis, onde

existam portas de entrada variadas e fluxos reversos entre os diferentes serviços.

Em suma, o modelo hierarquizado busca o ordenamento do sistema por níveis de

complexidade na atenção e o estabelecimento de fluxos assistenciais entre os

serviços, com base na atenção primária à saúde, devendo essa ser a porta principal

do sistema de saúde e a referência para a regulação do acesso aos serviços de

atenção especializada. (VASCONCELOS; PASCHE, 2012).

O modelo piramidal, tendo a atenção primária à saúde como a sua base larga,

aponta para o objetivo de que esta represente o “filtro” do sistema de atenção à

saúde e apresente resolubilidade de 80% a 90% das necessidades de saúde dos

usuários. Os questionamentos sobre esse modelo são principalmente relacionados à

ideia equivocada de que a atenção primária à saúde apresenta grau de

complexidade inferior aos serviços especializados e hospitalares (as chamadas

atenção secundária e atenção terciária) e a suposição de fluxos lineares

ascendentes nessa conformação piramidal, que geram rigidez nesses fluxos com

consequente perda de resolubilidade.

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Dessa forma, as Redes de Atenção à Saúde (RAS) foram pensadas com o

reconhecimento da grande heterogeneidade de serviços de saúde e outros serviços

e instituições sociais necessários para a atenção integral à saúde dos usuários,

caracterizando os diversos pontos dessa rede, que se situam em relação de

horizontalidade, não mais de forma vertical como supõe a pirâmide; da dinamicidade

de fluxos entre esses diversos pontos; e da grande complexidade do trabalho da

atenção primária à saúde, que continua sendo a principal porta de entrada do

sistema, porém não a única, e que é responsável pela coordenação do cuidado dos

usuários em seus trajetos terapêuticos.

A integração das ações entre os subsistemas que conformam o sistema de

saúde, bem como dos serviços em redes assistenciais integradas é condicional para

a garantia da continuidade do cuidado, viabilizando a integralidade do cuidado

(VASCONCELOS; PASCHE, 2012).

A participação comunitária ocorre através das Conferências e dos Conselhos

de Saúde nas três esferas de governo, com a organização dos segmentos sociais, e

através da participação nos conselhos locais de saúde, onde há a influência decisiva

dos cidadãos na definição e execução da política de saúde a partir da democracia

participativa (VASCONCELOS; PASCHE, 2012).

2.3 Atenção Básica da Saúde e Estratégia Saúde da Família

A Atenção Primária à Saúde (APS) vem sendo adotada, por muitos países,

para organizar e ordenar os recursos do sistema de saúde para que estes

respondam de maneira apropriada às necessidades de suas populações.

Tal iniciativa apareceu nos debates sobre os rumos das políticas de saúde no

mundo, que reafirmavam a saúde como direito humano fundamental, como uma

resposta à crise no setor, uma vez que a crescente elevação dos gastos em saúde

gerou dificuldades que tornaram necessárias reformas nos sistemas de saúde de

diversos países. Essas reformas abarcavam desde mudanças do modelo

assistencial até melhor alocação, racionalização e utilização dos recursos. O modelo

médico hegemônico configurou-se como um dos importantes vetores da crise, por

ser altamente eficiente na elevação dos gastos em saúde, por um lado e, por outro,

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mostrar-se insuficiente quando se trata de impactar na melhoria da qualidade de

vida e saúde da população e da otimização dos recursos (GIL, 2006).

Conforme a Declaração de Alma-Ata, APS é a assistência sanitária essencial,

baseada em métodos e tecnologias práticas, cientificamente fundados e socialmente

aceitáveis, postos ao alcance de todos os indivíduos e famílias da comunidade

mediante a sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam

suportar, em todas e cada etapa do seu desenvolvimento, com um espírito de

autorresponsabilidade e autodeterminação (WHO, 1978).

Conforme Cutolo et al (2010) existem indicativos de que os indicadores

sanitários são melhores em países que possuem um sistema nacional de saúde

baseado na atenção primária à saúde, mesmo que apresentem desenvolvimento

econômico aproximado a outros países. Isto evidencia a grande importância do

trabalho na atenção primária à saúde.

Segundo Starfield (2002) ela é, em sua forma mais altamente desenvolvida, a

porta de entrada no sistema dos serviços de saúde e o locus da responsabilização

pela atenção aos pacientes e populações ao longo do tempo. A autora sustenta que

nada está mais longe da verdade do que a crença ainda predominante de que a

essência da atenção primária é fundamentalmente simples. Assim, afirma

categoricamente que a atenção primária é complexa, e que seus desafios exigem

esforços conjuntos tanto na pesquisa quanto na tradução sistemática dos

conhecimentos produzidos em políticas. Aponta que, para dimensionar tal

complexidade basta lembrarmos que a mesma deve adequar-se às mudanças no

perfil epidemiológico da população, aos crescentes avanços tecnocientíficos e às

necessidades cambiantes dessa população, além da reafirmação constante da

equidade enquanto um dos princípios éticos de maior importância para qualquer

sistema ou política de saúde. Por isso, Starfield apresenta outra afirmação

categórica: “Uma atenção primária forte é essencial para um sistema de saúde forte”

(p. 12, 2002).

A organização dos sistemas de saúde a partir da atenção primária à saúde foi

influenciada pela proposta contida no Relatório Dawson, desenvolvido no Reino

Unido em 1920. O documento preconizava a organização do sistema de saúde em

três níveis: os centros primários de atenção à saúde, compostos por generalistas em

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comunidades, os centros secundários de atenção à saúde, com especialistas

atuando em ambulatórios, e os hospitais de ensino, caracterizando a atenção

hospitalar como o nível terciário. A proposta era baseada na regionalização dos

serviços de saúde (MENDES, 2002; STARFIELD, 2002; CUTOLO et al, 2010).

Afirmado por Cutolo et al (2010) e apresentado pela portaria ministerial 2.488

(BRASIL, 2011), segundo suas diretrizes a atenção primária à saúde deve ser:

orientada para a comunidade, sendo essa e seu território expressões da

sociedade organizada; o primeiro contato, a porta de entrada do usuário no

sistema de saúde; longitudinal, implicando em uma relação pessoal de

corresponsabilização de atenção aos indivíduos em seus ciclos de vida, ao longo do

tempo, gerando vínculo, responsabilização, confiança e otimização da

resolubilidade; desenvolvida a partir da integralidade, que pressupõe a

complexidade do entendimento saúde-doença; coordenadora do cuidado, através

da gestão do processo de trabalho da equipe, otimizando os demais atributos,

dentro da perspectiva de gestão da vigilância em saúde.

No Brasil, o Ministério da Saúde optou por chamar a atenção primária à saúde

de atenção básica da saúde (ABS). Cutolo et al (2010) explicam por que também

preferem a nomenclatura atenção básica da saúde à atenção primária à saúde.

Segundo eles, a palavra tem dom, propriedade, peso, gera fluxos. Nesse sentido,

lembra que o termo atenção primária à saúde é uma tradução de primary care, onde

primary significa primordial, principal, fundamental, essencial e care significa

cuidado. No Brasil, primário significa elementar, rudimentar, acanhado, limitado,

medíocre, enquanto básico significa o que serve de base, essencial, principal,

fundamental. Assim, entre os dois termos, consideramos preferível atenção básica

da saúde.

A estratégia saúde da família é a forma de operacionalizar a implantação e

consolidação da atenção básica da saúde e tem como princípios norteadores a

estratégia de reorganização do modelo assistencial, a universalidade, a

territorialização e adscrição, a integralidade como princípio eixo, a promoção da

saúde como ação nuclear, a resposta à determinação social do processo saúde-

doença, a interdisciplinaridade na relação de equipe, a intersetorialidade e a

participação social (CUTOLO et al, 2010).

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Tem-se então o grande desafio lançado aos profissionais do SUS: romper

com o modelo biomédico, compreender a saúde a partir de sua determinação social,

promover saúde, integrar ações, cuidar, empoderar, construir cidadania, reduzir

iniquidades (CUTOLO et al, 2010).

2.4 Integralidade

A integralidade é reconhecida no meio acadêmico não como um conceito,

mas como um termo de caráter polissêmico. Segundo Camargo Jr. (2007, p. 38-39)

é forçoso reconhecer que integralidade é uma palavra que não pode nem ao menos ser chamada de conceito. Na melhor das hipóteses, é uma rubrica conveniente para o agrupamento de um conjunto de tendências cognitivas e políticas com alguma imbricação entre si, mas não completamente articuladas. Pode-se identificar, grosso modo, um conjunto de tradições argumentativas que desembocam nesse agregado semântico: por um lado, um discurso propagado por organismos internacionais, ligados à ideia da atenção primária e de promoção de saúde; por outro, a própria demarcação de princípios identificada em pontos esparços da documentação oficial das propostas de programas mais recentes do Ministério da Saúde em nosso país; por fim, nas críticas e proposições sobre a assistência à saúde de alguns autores acadêmicos em nosso meio.

No dicionário Houaiss, os significados de integralidade são: 1. Qualidade do

que é integral; 2. Reunião de todas as partes que formam o todo; 3. Totalidade; 4.

Completude.

Reconhecendo-o como um termo polissêmico, com apropriações diversas e,

muitas vezes errôneas, atenta-se logo para o cuidado de não se curvar a essa ideia

sedutora de entendê-la como totalidade. Muito se ouve que integralidade é “ver o

paciente como um todo”. Juntamente com Camargo Jr (2007), nos perguntamos se

é possível e até, se é desejável esse intento. Antecipamos que não. Se a produção

de conhecimento e o trabalho em saúde visarem a um tipo de atenção que se dirija à

totalidade das necessidades de um ser humano, “a contrapartida é o risco de um

grau de controle sem precedentes, de perda de autonomia, uma medicalização

também integral” (CAMARGO JR., 2007, p. 39).

CUTOLO et al (2010) também apontam que integralidade não é totalidade,

não é produto, é processo, uma vez que um pressuposto da integralidade é o da

complexidade do entendimento saúde-doença. Entendem que seria purismo inferir

que a malha de complexidade que envolve o entendimento de saúde possa ser

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compreendida em sua íntegra e que as necessidades do usuário possam ser

satisfeitas em sua totalidade. Assim, sai-se do risco de conceber a integralidade

como algo não palpável. A totalidade não é palpável, mas a integralidade o é. E se

constroi no cotidiano das práticas de saúde.

No Tema 2 do relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde, que trata

da reformulação do sistema nacional de saúde, o item 3 aponta sobre os princípios

pelos quais o mesmo deve reger-se, e no que se refere à organização dos serviços,

inclui a integralização das ações, para a superação da dicotomia preventivo-curativo

(BRASIL, 1986, p. 10).

Concordamos com Camargo Jr (2007, p. 42) quando este aponta que o que

parece mais adequado é tomar o termo integralidade [...]

[...] não como um conceito, mas como um ideal regulador, um devir. Algo como o ideal de objetividade para a investigação científica, impossível de ser plenamente atingido, mas do qual constantemente buscamos nos aproximar [...] a integralidade é a um tempo inalcançável e indispensável.

Em contraposição ao entendimento da integralidade como algo inalcançável,

reconhecemos que a totalidade seja, mas a integralidade não, pois esta se

concretiza no cerne das práticas de saúde, é materializável no trabalho em saúde,

palpável, como já expresso, seja na relação profissional de saúde-usuário, seja nas

formas de gestão, seja no desenvolvimento de políticas públicas de saúde. Enfim,

tem caráter espectral.

Mattos (2001) concebe a integralidade não como uma diretriz do SUS,

apenas, mas como uma “bandeira de luta”, uma “imagem objetivo”, um conjunto de

valores pelos quais é válido lutar, na busca de uma sociedade mais justa e solidária.

Como toda imagem objetivo, a integralidade também tem caráter polissêmico. Entre

os muitos sentidos relacionados ao termo, o autor ressalta três: a integralidade como

um traço da boa medicina, em direção à superação das práticas que privilegiavam

as especialidades médicas fragmentadoras, redutoras de suas ações em saúde às

dimensões exclusivamente biológicas em detrimento dos aspectos psicológicos e

sociais; a integralidade como princípio de organização contínua do processo de

trabalho nos serviços de saúde com a ampliação da possibilidade de apreensão das

necessidades de saúde; e a integralidade como desenvolvimento de políticas

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públicas enquanto respostas governamentais a certos problemas de saúde, ou às

necessidades de certos grupos específicos.

Da Ros (2006), ao discutir as políticas públicas na formação em saúde no

Brasil, aponta que importantes discussões intersetoriais sobre integralidade

acabaram por deflagrá-la enquanto eixo para as mudanças curriculares em todo o

país. O autor entende a mesma como a premissa menos trabalhada do SUS. Ainda,

que a polissemia do termo parece atender às necessidades urgentes da educação

superior. Apresenta que entre os sentidos de integralidade há o de que é promover

saúde, prevenir e atender doenças, de forma simultânea; que se deve entender o

corpo não como um somatório de fragmentos anatômicos; que se deve perceber a

saúde como, ao mesmo tempo, social, biológica e psicológica; que se deve

reconhecer que as necessidades da população vão além das geralmente referidas

necessidades epidemiológicas; que apenas podemos fazê-la com o pensamento

interdisciplinar (o que excluiu a ideia de que uma profissão pode comandar as

outras) e de forma intersetorial, caso houver abertura à pluralidade, reconhecendo

que o outro tem verdades diferentes das nossas.

Um sentido de integralidade que nos parece importante de ser discutido é

enquanto ações em saúde desenvolvidas a partir das necessidades do sujeito.

Como propõe Mattos (2001), as necessidades dos que buscam serviços de saúde

não se reduzem à abolição do sofrimento ou a evitar o sofrimento gerado por uma

doença. Para o autor a busca da compreensão do conjunto de necessidades de

ações e serviços de saúde que um paciente apresenta seria a marca maior desse

sentido de integralidade.

Na mesma direção, Cutolo et al (2010) apresentam que o reconhecimento da

necessidade do outro é o sentido nuclear e primordial da integralidade.

A integralidade aparece como proposta de ruptura de várias dicotomias, como

saúde-doença, corpo-mente, teoria-prática, sujeito-coletivo, clínica-saúde coletiva e,

para tanto, necessita de uma visão ampliada de saúde, de sujeito e de mundo, para

direcionar o entendimento do processo saúde-doença e do indivíduo em sua

complexidade. Essas dicotomias têm direcionado em grande medida a organização

e desenvolvimento das práticas em saúde, que seguem a lógica do trabalho em

saúde voltado para os aspectos biológicos, para a doença, para os tratamentos

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fragmentadores que supervalorizam as especialidades médicas, ou seja, respondem

à lógica medicalizante e pouco resolutiva do complexo médico-industrial, que se

constitui enquanto um grande desafio a ser superado, pois

[...] no interior dos elementos constituintes do CMI (Complexo médico-industrial), há importantes obstáculos a propostas de integralidade. O modelo teórico-conceitual que o articula – o da biomedicina – é um obstáculo epistemológico claro. A ênfase nos aspectos biológicos, a perspectiva fragmentada e fragmentadora, a hierarquização implícita de saberes são quase que programaticamente opostas às ideias agregadas sob o rótulo “integralidade”. Além deste, há também obstáculos sociais e institucionais. Médicos, por exemplo, têm uma formação profissional que ainda supõe a prática liberal individual, privada, como horizonte maior. O trabalho nas áreas ambulatoriais não especializadas e/ou nos programas de saúde da família é visto como tarefa menor, que é desvalorizado pela corporação. Práticas concretas, portanto, também se opõem aos modelos ideais da integralidade. (CAMARGO JR., 2007, p. 40)

Assim, a busca de práticas de cuidado em saúde que tratem de pessoas, e

não apenas de doenças é uma das buscas primordiais da integralidade. Apesar da

doença ser um conceito útil a ser discutido na área da saúde, a ideia da

integralidade na prática se constitui enquanto uma recusa da redução do sujeito à

doença. Tal redução opera a partir da racionalidade médica quando esta expressa

que o propósito da prática é a identificação das doenças apenas, ou seja, centra-se

no diagnóstico ou invés de centrar-se no cuidado à pessoa.

Dessa forma, um sentido importante da integralidade é a concepção ampliada

do processo saúde-doença, onde se considere a saúde como resultante das

condições de vida, que são determinadas pela forma como a sociedade se organiza.

Consequente a uma concepção ampliada de saúde, está a prática que busca

apreender as necessidade das pessoas, considerando-as igualmente ampliadas,

superando então o binômio queixa/conduta, que não é capaz de responder a tais

necessidades.

A forma de apreensão dessas necessidades é a clínica ampliada, que vai

considerar outros aspectos do indivíduo e da comunidade além do biológico. As

ações integradas em saúde são uma forma de responder a tais necessidades. São

elas: a promoção da saúde, a prevenção de doenças, recuperação e reabilitação.

Cada caso é considerado singular, seja ele individual ou coletivo, e as respostas

necessárias podem demandar ações individuais de um profissional, trabalho em

equipe ou inclusive ações intersetoriais, envolvendo outras instituições que não

somente as relacionadas diretamente aos serviços de saúde.

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Fica claro que essa é uma luta contra-hegemônica, na medida em que a

formação em saúde de um modo geral ainda opera em grande medida circunscrita

às doenças, o mercado no sistema capitalista induz à supervalorização dos

profissionais que trabalham nessa lógica e organização do trabalho em saúde,

incluindo o Sistema Único de Saúde, ainda fragmentado e reproduzindo a lógica

produtivista, centrado nos procedimentos. Embora a integralidade seja uma bandeira

de luta antiga, as forças hegemônicas mantêm-se fortes.

O fato das questões sobre integralidade serem discutidas e defendidas há

tempo não garante que sua construção prática perdure, tampouco se efetive. Assim,

é necessário que profissionais de saúde e intelectuais da área não se distanciem

deste princípio doutrinário norteador das práticas de cuidado em saúde. Para tanto,

o “pensar sobre o que se faz”, com o devido aporte teórico que permita transcender

as percepções do senso comum, ou seja, o conhecimento produzido na práxis, nas

imersões nas práticas cotidianas dos serviços de saúde e nas reflexões teóricas

críticas, será o propulsor para os avanços desejados.

Este trabalho tem como proposta discutir alguns temas considerados

relevantes no desenvolvimento das práticas cotidianas de saúde e que são

fundamentais para a construção da integralidade que são: acolhimento,

coordenação do cuidado e clínica ampliada.

2.5 Acolhimento

A Política Nacional de Humanização propõe o desenvolvimento do

acolhimento como fundamental em todos os serviços do sistema, e em especial na

Atenção Básica (BRASIL, 2004), uma vez que esta deve apresentar alto grau de

resolubilidade das demandas de saúde da população (BRASIL, 2011).

A proposição principal do acolhimento é a reorganização do serviço de forma

a garantir acesso universal, resolubilidade e atendimento humanizado. Enquanto

uma diretriz operacional, a tradução de sua ideia básica é oferecer sempre uma

resposta positiva ao problema de saúde apresentado pelo usuário. Por isso, visa à

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inversão do modelo tecnoassistencial de serviços de saúde com centralidade na

doença e na figura do médico para um modelo centrado na pessoa, no usuário, e

com trabalho desenvolvido por equipe multiprofissional (FRANCO et al, 1999). Este

é o modelo da integralidade, que consideramos ser o que melhor responde às

necessidades ampliadas de saúde das pessoas.

Em todo lugar que ocorre um encontro entre trabalhador de saúde e usuário

operam-se processos tecnológicos, chamados intercessores, que são trabalho vivo

em ato - neste caso, chamados de tecnologias leves - e objetivam estabelecer

relações de escuta e responsabilizações, em articulação com a constituição de

vínculos e compromissos em projetos de intervenção. Estes projetos visam a

responder às necessidades dos usuários a partir da produção de algo que

represente a conquista de controle do sofrimento, no caso da doença, e/ou produção

de saúde (FRANCO et al, 1999).

Nesse mesmo sentido Carvalho e Cunha (2012) apontam que o acolhimento

depende de atitude que garanta a escuta qualificada das demandas objetivando a

oferta do máximo de tecnologias para a produção de saúde individual e coletiva,

devendo traduzir-se na abertura da unidade e na maleabilidade do projeto de

atenção prestado, garantindo a humanização da relação instituição/usuário. Além de

facilitar o acesso do usuário aos serviços, também é finalidade do acolhimento

desencadear processos que apontem para mudanças nos modelos assistenciais e

de gestão.

Sem acolhimento e vínculo não há produção de responsabilização, tampouco

da otimização tecnológica das resolutividades que realmente impactem de forma

efetiva os processos sociais de produção de saúde e de doença (FRANCO et al,

1999).

Segundo Carvalho e Cunha (2012) a ideia de acolhimento já acumula farta

experiência nos serviços de saúde no Brasil e, assim como o próprio SUS constitui-

se por experiências heterogêneas, com acúmulos positivos e negativos. Os autores

assumem que grande parte do que se sabe hoje sobre o assunto se deve a esse

acúmulo prático. Também, atentam para qual “acolhimento” se referem, uma vez

que o termo é usado, muitas vezes, para exprimir significados dos quais não

compartilham: formulações e práticas

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[...] que sob a alcunha de “acolhimento” trabalham com arranjos que no melhor dos casos se incumbem de realizar triagens sob uma lógica biomédica em que está ausente o trabalho em equipe embora aumentem quantitativamente o acesso dos usuários (CARVALHO; CUNHA, 2012, p. 925).

Acrescentam que esse acesso pode não garantir a qualidade do cuidado, na

medida em que os atos de saúde obedecem à lógica da “queixa/conduta”, de forma

a consolidar os modelos tecnoassistenciais centrados na produção de

procedimentos e prática de uma Clínica degradada (CARVALHO; CUNHA, 2012).

Apesar de muito debatido na área acadêmica e mesmo no âmbito do serviço,

diversas realidades no desenvolvimento de propostas de acolhimento fazem parte

de diferentes contextos do trabalho em saúde no SUS. Por isso, olhares singulares

para cada espaço de produção de saúde são importantes, pois

[...] encontros e desencontros nessa etapa podem, ao gerar ruídos e estranhamentos para um olhar analisador (em produção no interior da equipe de trabalhadores) revelar uma dinâmica instituidora que se abre a novas linhas de possibilidades, no desenho do modo de se trabalhar em saúde, permitindo a introdução de modificações no cotidiano do serviço em torno de um processo usuário-centrado, mais comprometido com a defesa da vida individual e coletiva (FRANCO et al, 1999).

A condição básica para um bom acolhimento é a centralidade no usuário, na

pessoa que procura o serviço ou, mesmo sem procurá-lo, tem as suas necessidades

identificadas pelas equipes de saúde. Assim, parte-se da premissa de que o

[...] acolhimento deve partir de um ponto inicial, no qual gestão, trabalhadores, usuários devem se despir de seus interesses individuais e corporativos, e operar a mudança pautada em princípios humanitários, na busca do objetivo de um bem comum, porém o foco sempre deverá estar voltado para o usuário, afinal os serviços de saúde só existem por causa deles. Isso requer abrir para novas formas de pensar e principalmente de fazer, mas sem dúvida nenhuma a cooperação deve ser o ponto chave deste encontro (MAEYAMA, 2007, p. 31).

2.6 Coordenação do cuidado

A coordenação do cuidado em saúde é um dos atributos considerados

essenciais da Atenção Básica, pois visa promover a integração das ações dos

diversos setores e níveis de atenção à saúde, promovendo respostas adequadas às

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necessidades de saúde das pessoas, evitando a fragmentação, as iatrogenias com

tratamentos concorrentes e a falta de resolubilidade do sistema.

Segundo Almeida et al (2011), o incremento do papel de filtro dos médicos da

Atenção Básica, relacionado à gestão e à responsabilização pelo caminho

terapêutico do usuário, está entre os fatores que têm impactado sobre a

coordenação dos cuidados.

A literatura refere dissenso quanto a essa nomenclatura, variando entre

coordenação entre os níveis assistenciais e coordenação dos cuidados, juntamente

com dificuldades teóricas para compreender e operacionalizar o conceito. Adotou-se

em maior medida o termo coordenação dos cuidados, para definir a articulação entre

os diversos serviços e ações relacionados à atenção em saúde de maneira que

estes estejam sincronizados e voltados ao alcance de um objetivo comum,

independentemente do local onde sejam prestados (ALMEIDA et al, 2012).

Quando se fala na complexa missão de coordenar uma resposta integral à

saúde, certamente a referência se dá a uma Atenção Básica fortalecida em seus

atributos essenciais, que seja capaz de mobilizar apoios, assim como recursos

políticos, econômicos, financeiros e humanos. Ou seja, uma Atenção Básica seletiva

não é capaz desse intento (ALMEIDA et al, 2012).

2.7 Clínica Ampliada

Conforme Brasil (2004, p. 7), a tarefa da Política Nacional de Humanização

(PNH)

[...] se apresenta dupla e inequívoca, qual seja, a da produção de saúde e a da produção de sujeitos. É nesse ponto indissociável que a Humanização se define: aumentar o grau de corresponsabilidade dos diferentes atores que constituem a rede SUS, na produção da saúde, implica mudança na cultura da atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho.

Nesse sentido, busca-se consolidar a Rede de Humanização em Saúde

(RHS) “comprometida com a defesa da vida. Uma rede humanizada porque lidando

com a complexidade sempre diferenciadora do viver. Nessa rede estão todos os

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sujeitos: gestores, trabalhadores de saúde, usuários, todos os cidadãos.” (BRASIL,

2004, p. 9).

[...] Por humanização compreendemos a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção da saúde. Os valores que norteiam essa política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, os vínculos solidários e a participação coletiva nas práticas de saúde (BRASIL, 2009, p. 6).

Uma das nove diretrizes gerais para a implementação da PNH nos diferentes

níveis de atenção é “Reforçar o conceito de clínica ampliada: compromisso com o

sujeito e seu coletivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas e

corresponsabilidade de gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção

de saúde” (BRASIL, 2004, p. 12).

Compreende-se a clínica ampliada enquanto a possibilidade prática de

desenvolver ações integrais, superando a clínica biomédica. Há três grandes

enfoques no trabalho em saúde: o biomédico, o social e o psicológico, e a Clínica

Ampliada é reconhecida enquanto uma ferramenta de articulação e inclusão dos

diferentes enfoques e disciplinas:

[...] a Clínica Ampliada reconhece que, em um dado momento e situação singular, pode existir uma predominância, uma escolha, ou a emergência de um enfoque ou de um tema, sem que isso signifique a negação de outros enfoques e possibilidades de ação (BRASIL, 2009, p. 9).

Nesse mesmo sentido, Campos (2012, p. 52) defende a importância do

desenvolvimento de projeto terapêutico singular para cada sujeito, que “é, partindo

de um esquema analítico da coprodução, sugerir intervenções sobre o social, o

subjetivo e o orgânico conforme a necessidade e a possibilidade de cada caso”.

Para tanto, o contexto da ESF se constitui enquanto lócus privilegiado para o

desenvolvimento da coprodução da saúde e corresponsabilização a partir da clínica

ampliada, uma vez que, conforme anuncia Cunha (2005, p. 86)

[...] Seguramente se não houver um laço de confiança, de vínculo terapêutico construído sobre outros problemas resolvidos, essa dissonância com expectativas redentoras de intervenção é difícil de ser enfrentada. [...] A competência do profissional em lidar com Sujeitos e não apenas com doenças se faz necessária. Os modelos de atenção também induzem fortemente um ou outro caminho, na medida em que é mais fácil o vínculo terapêutico (e consequentemente, o diálogo e a confiança em uma conduta não medicamentosa) com uma clientela adscrita do que em um Pronto-atendimento.

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Concordamos com esse autor, uma vez que no modelo de atenção à saúde

que propomos, a responsabilidade assumida pela clínica é muito maior do que o

tratamento do doente e não somente da doença.

Trata-se de reconhecer um compromisso com o Sujeito e a sua capacidade de produção da sua própria vida. Trata-se de uma clínica que se abre para perceber e ajudar o Sujeito doente a construir sua percepção, sobre a vida e o adoecimento. Para isso, a própria clínica tem que se reconhecer enquanto instrumento de uma instituição muito forte (instituição médica), manipulando saberes e classificações diagnósticas de grande repercussão para os Sujeitos que se submetem a ela, e deve desenvolver a competência de utilizar os poderes que possui e desenvolve na relação terapêutica a favor da autonomia dos Sujeitos. (CUNHA, 2005, p. 64-65)

Na mesma direção, Starfield (2002) afirma que a atenção médica eficaz não

se limita ao tratamento da enfermidade em si, devendo assim considerar o contexto

no qual a doença ocorre e no qual o paciente vive.

As práticas de saúde dentro da proposta de integralidade e da clínica

ampliada compreendem a doença enquanto representação social de fenômenos que

se materializam de formas singulares para sujeitos também singulares, e apoiam-se

na ideia de que, a partir do que existe para além da doença, identifique-se os

elementos que tornem possível a adequação da proposta terapêutica à vida na sua

complexidade-singularidade.

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3 PERSPECTIVA METODOLÓGICA E PERCURSO METODOLÓGICO

3.1 Abordagem metodológica:

A pesquisa teve como objetivo a compreensão e transformação das

concepções que norteiam as práticas desenvolvidas pelos profissionais de saúde

enquanto atores sociais, bem como dos diversos fatores intervenientes nesse

processo. Para tanto, o foco do estudo esteve direcionado às significações dos

sujeitos envolvidos nessa realidade sobre o tema de pesquisa.

Como afirma Minayo (2010) o objeto das Ciências Sociais é qualitativo por

essência, e a realidade social configura-se enquanto a cena e o seio do dinamismo

da vida individual e coletiva, com toda a riqueza de significados que dela transborda.

Assim, a abordagem qualitativa foi a indicada para o desenvolvimento deste estudo,

uma vez que

[...] A pesquisa qualitativa é própria das ciências humanas. [...] Seus pressupostos metodológicos são, em geral, considerados apropriados para captar as contradições históricas e sociais, a especificidade (e não a generalidade) e a singularidade (e não a universalidade) da realidade social. (ALEXANDRE, 2009, p. 95)

Nesse mesmo sentido, Leopardi (2002) afirma que a pesquisa qualitativa

permite a compreensão de um problema a partir da perspectiva dos sujeitos e do

pesquisador que o vivenciam.

O tipo de pesquisa elencado foi o da pesquisa-participante, na qual, segundo

Schmidt (2008, p. 394)

[...] o termo participante remete à controvertida presença de um pesquisador num campo de investigação formado pela vida cotidiana de indivíduos, grupos, comunidades ou instituições próximos ou distantes. Esta presença do pesquisador no campo encontra sua complementação no convite ou convocação do outro – indivíduo, grupo, comunidade ou instituição – para participar da investigação como informante, colaborador ou interlocutor.

Dessa forma, segundo a autora, na pesquisa-participante os pesquisados

saem da posição de “objetos” para a de sujeitos qualificados capazes de construir

conhecimento sobre fenômenos sociais e humanos (SCHMIDT, 2008).

3.2 Local e contexto da pesquisa:

A pesquisa foi realizada em uma unidade de saúde, situada em um bairro na

periferia do município de Itajaí, Santa Catarina.

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Segundo censo demográfico no ano de 2010, da Fundação Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE), o município de Itajaí possuía uma população de

183.373 habitantes, distribuída em uma área total de 304 km² (ITAJAÍ, 2014).

Seu território está dividido em 49 áreas de Estratégia Saúde da Família,

correspondendo a uma cobertura superior a 70% da população (ITAJAÍ, 2014).

A unidade de saúde pesquisada apresenta uma população adscrita de 8299

pessoas, com 2277 famílias cadastradas (ITAJAÍ, 2014). Nela atuam os profissionais

de duas equipes de Estratégia Saúde da Família e uma Equipe de Saúde Bucal da

Estratégia Saúde da Família, além de uma psicóloga, um médico ginecologista, um

médico pediatra, uma dentista, quatro técnicos de enfermagem, duas recepcionistas,

uma enfermeira coordenadora e três auxiliares para serviços gerais.

O médico ginecologista e a psicóloga atendem aos usuários das duas áreas

de abrangência das equipes de ESF além de usuários de áreas de abrangência de

outras unidades de saúde; a segunda dentista atende aos usuários das duas áreas

de abrangência em apoio à equipe de ESB e o médico pediatra atende aos usuários

das duas áreas.

3.3 Sujeitos da pesquisa:

Os sujeitos pesquisados foram os profissionais das duas equipes de

Estratégia Saúde da Família e da Equipe de Saúde Bucal (ESB) que aceitaram

participar da pesquisa: nove agentes comunitárias de saúde, duas técnicas de

enfermagem, duas enfermeiras, dois médicos, uma auxiliar de saúde bucal e uma

técnica em saúde bucal.

3.4 Coleta dos dados:

A coleta de dados foi desenvolvida em duas etapas: primeiramente com

entrevistas semiestruturadas e posteriormente com oficinas, cujo processo será

descrito no decorrer do texto.

Conforme Campos (2012), a primazia por determinada técnica em detrimento

de outras acontece em função de opções ideológicas envolvidas. A opção por dois

instrumentos de pesquisa se justificou pelo fato da temática pressupor possibilidades

de perspectivas diferentes e/ou mesmo contraditórias dos sujeitos envolvidos.

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Considerando isso, reconhece-se que a oficina, enquanto uma técnica que prima por

um produto coletivo, objetivando a transformação da realidade, poderia não

caracterizar um espaço onde todos os participantes se sentissem plenamente à

vontade para exporem suas concepções acerca do tema. Em contrapartida, somente

as entrevistas anulariam ou, pelo menos reduziriam o caráter interventivo desse

trabalho de pesquisa.

As oficinas foram a prioridade de escolha. Porém, havia restrição de tempo

para a coleta de dados, na medida em que seriam realizadas durante as reuniões de

planejamento de cada equipe de estratégia saúde da família e seria inviável o

afastamento dos profissionais de suas funções por um longo período de tempo.

Dessa forma, a associação de entrevistas e oficinas foi considerada importante para

obtenção de maior riqueza de dados para a pesquisa.

Assim, pretendeu-se com as entrevistas semiestruturadas dar voz aos

sujeitos envolvidos, de forma individual, na busca da compreensão de algumas

concepções que norteiam as práticas em saúde desses sujeitos e de como se

configuram tais práticas.

A pesquisa foi realizada, então, em uma fase mais descritiva, a partir das

entrevistas, e uma fase com intencionalidade mais interventiva, com a proposição de

oficinas. Entretanto, reconhece-se que as entrevistas foram desenvolvidas já

objetivando a problematização do tema em questão, embora não seriam os

instrumentos principais para isso.

Os sujeitos entrevistados foram: dois médicos, duas enfermeiras, duas

técnicas de enfermagem e três agentes comunitárias de saúde. No caso dos

médicos e enfermeiras, os entrevistados totalizam o número de profissionais dessas

categorias. Entre os técnicos (de enfermagem e odontologia) e os agentes

comunitários de saúde, o primeiro critério foi a concordância com a participação na

pesquisa. Não houve mais profissionais de cada categoria em concordância do que

o número de entrevistados previamente proposto, não sendo necessário realizar o

sorteio, que seria o segundo critério para definição dos sujeitos pesquisados.

A entrevista foi composta por uma parte estruturada, visando à obtenção de

informações precisas sobre o entrevistado no que se refere a sexo, idade,

formação/profissão e uma parte semiestruturada. Esta apresentava um roteiro para

que a entrevista fosse desenvolvida em conformidade com os objetivos pretendidos,

sem, no entanto, limitar a pesquisadora às questões previamente concebidas como

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importantes. Dessa forma, os dados apresentados pelo entrevistado poderiam

também ser norteadores de diferentes perguntas que a pesquisadora julgasse

pertinentes à compreensão do objeto pesquisado.

As entrevistas foram desenvolvidas, gravadas e transcritas pela pesquisadora

e foram desenvolvidas em profundidade, ou seja, transcritas e entregues aos

entrevistados, que as leram e decidiram se mantinham ou não as informações

cedidas, com a possibilidade de suprimirem ou complementarem seu conteúdo. Um

sujeito pesquisado optou por complementar a pesquisa, acrescentando percepções

e reflexões sobre diversos assuntos após a leitura da entrevista transcrita, e os

dados obtidos foram incluídos na análise.

O roteiro da entrevista encontra-se no Apêndice 01.

Após as entrevistas iniciou-se a realização das oficinas, uma com cada

equipe. Cada oficina seria desenvolvida em quatro etapas, totalizando oito etapas.

Cada etapa teria duração de noventa minutos, aproximadamente.

Considera-se importante apresentar como foram planejadas as oficinas para

possibilitar a compreensão das dificuldades e limitações no desenvolvimento desta

segunda etapa da coleta de dados, no percurso metodológico.

As oficinas foram planejadas baseadas na Metodologia da Problematização,

na qual existe a participação ativa e o diálogo constante entre os sujeitos envolvidos

no processo educativo. Essa metodologia aparece na perspectiva da transformação,

ou seja, “na ideia de que deseja ultrapassar a forma já existente de se tratar as

questões do conhecimento e da vida em sociedade, através de uma nova ação,

subsidiada pela reflexão metódica e informada cientificamente”. (BERBEL, 1995, p.

13)

Optou-se pelo “Método do Arco” proposto inicialmente por Charles Maguerez,

na década de 70. O chamado Arco de Maguerez é composto por cinco etapas,

conforme referem Berbel e Gamboa (2012):

1. Observação da realidade (Problema)

Nesta etapa os sujeitos envolvidos são orientados a “olhar atentamente e

registrar sistematicamente o que percebem sobre a parcela da realidade em que

aquele tema está sendo vivido ou acontecendo” (BERBEL, 1998, p. 142). Essa

observação permite a identificação de carências e discrepâncias que são

transformadas em problemas (problematização). Esse(s) problema(s) são a síntese

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dessa primeira etapa, que passa a ser referência para todas as outras etapas do

estudo.

2. Pontos-chave

Na segunda etapa é realizado o levantamento dos pontos-chave, a partir da

reflexão sobre as possíveis causas da existência do problema. Isso permite a

percepção de que os problemas de ordem social são complexos e

multideterminados e, ainda, a posterior identificação de variáveis menos diretas,

menos evidentes, mais distantes, mas que interferem na existência daquele

problema. “Tal complexidade sugere um estudo mais atento, mais criterioso, mais

crítico e mais abrangente do problema, em busca de sua solução.” (BERBEL, 1998,

p. 143). Segundo a autora, essa análise reflexiva permite a “elaboração dos pontos

essenciais que deverão ser estudados sobre o problema, para compreendê-lo mais

profundamente e encontrar formas de intervir na realidade para solucioná-lo ou

desencadear passos nessa direção” (BERBEL, 1998, p. 143).

3. Teorização

A teorização é a etapa investigativa, de estudo. Os sujeitos envolvidos

buscam informações, conhecimentos em diversas fontes. “As informações obtidas

são tratadas, analisadas e avaliadas quanto a suas contribuições para resolver o

problema. Tudo isso é registrado, possibilitando algumas conclusões, que permitem

o desenvolvimento da etapa seguinte” (BERBEL, 1998, p. 144).

4. Hipóteses de solução

Nesta etapa os conhecimentos desenvolvidos com a realização do estudo são

a base para que os sujeitos apontem hipóteses de solução para o problema, com

criticidade e criatividade. “Nesta metodologia, as hipóteses são construídas após o

estudo, como fruto da compreensão profunda que se obteve sobre o problema,

investigando-o de todos os ângulos possíveis” (BERBEL, 1998, p. 144).

5. Aplicação à realidade (prática)

É nessa etapa que se extrapola o aspecto intelectual. Os sujeitos, com uma

melhor e mais abrangente compreensão da realidade e com hipóteses de solução

sugeridas, voltam ao meio e, a partir de um compromisso com o mesmo, visam à

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sua transformação em algum grau. Segundo Berbel (1998) os componentes social e

político estão mais presentes nesse momento.

De outra forma, até em certa contraposição, pode-se dizer que os

componentes social e político estão muito presentes em todo o processo. Entretanto,

é na última etapa que eles ficam mais evidenciados, palpáveis, uma vez que a

Metodologia da Problematização tem por objetivo a práxis social, ou seja, o exercício

da “cadeia dialética de ação-reflexão-ação, ou dito de outra maneira, a relação

prática-teoria-prática, tendo como ponto de partida e de chegada do processo de

ensino e aprendizagem, a realidade social” (BERBEL, 1998, p. 144).

A figura ilustra as etapas descritas:

Figura 1 – Arco de Maguerez

A metodologia da problematização e o Método do Arco de Maguerez são

muito utilizados em processos de ensino-aprendizagem no âmbito educacional,

inclusive na área da saúde, tanto na graduação, quanto em formações permanentes

e também no contexto dos serviços de saúde, principalmente na educação popular

em saúde.

O uso do Método do Arco de Maguerez para a pesquisa-ação no mestrado

profissionalizante requer algumas adaptações que limitam em alguma medida o seu

Observação da

realidade

(problematização)

Pontos-chave

Teorização

REALIDADE

Hipóteses de solução

Aplicação à realidade

(prática)

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potencial educacional/transformador, porém não o inviabilizam enquanto instrumento

de coleta de dados.

Esse método tem como diferencial a participação ativa dos sujeitos no

processo de ensino-aprendizagem, como já referido. A construção de conhecimento

é mediada por um professor, e não centrada neste. O protagonismo dos sujeitos, o

desenvolvimento da autonomia dos mesmos nesse processo, o “aprender a

aprender”, e a mudança da realidade a partir do conhecimento produzido são os

objetivos fundamentais. Fica claro que não é um processo simples, tampouco

rápido.

Tendo em vista que o processo de pesquisa no mestrado carece de seu

desenvolvimento em tempo hábil predeterminado, e que o período de coleta de

dados é relativamente reduzido em relação à complexidade da produção de

conhecimento e transformação da realidade com base na educação

problematizadora, apontamos as limitações reconhecidas ainda no projeto de

pesquisa:

- redução do protagonismo dos sujeitos participantes no que condiz às etapas de

observação da realidade/problematização, levantamento dos pontos-chave e

teorização, sendo em maior medida direcionadas pelo pesquisador no intuito de

alcançar os objetivos da pesquisa;

- inviabilidade de acompanhamento da etapa de aplicação à realidade, uma vez que

para acompanhar as mudanças nas práticas de saúde resultantes desse processo

seria necessário um longo período de imersão no campo de pesquisa, incompatível

com o tempo de duração do programa de mestrado, mas certamente possível em

um programa de doutorado.

Apesar disso, mantivemos o Método do Arco como recurso metodológico

eleito por reconhecermos urgente maiores impactos sociais através da produção

científica, não podendo assim restringirmos as pesquisas sociais apenas à

construção descritiva da realidade.

Valendo-se de Adorno e Castro (1994, p. 182)

[...] Acreditamos na hipótese de que a pesquisa, tal qual é demandada e situada nos cursos de pós-graduação de saúde pública, parece uma busca de comunicação, de entendimento das coisas; uma forma de agir interagindo sobre elas, associada à crença de que antes é preciso conhecer e que conhecer é uma forma de estar atuando.

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Com isso, apostamos na metodologia problematizadora por entendermos que,

mesmo sem acompanhar as repercussões de longo prazo, a pesquisa tem grande

potencial de problematizar a realidade e propor alternativas a partir de uma

discussão teórica consistente sobre o tema. Tal metodologia incentiva o

protagonismo dos profissionais de saúde para que estes se reconheçam enquanto

atores sociais capazes de promover mudanças.

As oficinas foram organizadas conforme segue:

Etapa 1:

Contempla as duas primeiras etapas do Arco: Observação da

realidade/problematização e levantamento dos pontos-chave.

Foram intencionalmente apontadas situações-problema da realidade da

Atenção Básica, consideradas relevantes por estarem relacionadas ao

desenvolvimento de práticas integrais:

- dificuldade/facilidade do acesso à Atenção Básica: dias de agendamento,

“distribuição de fichas”, acolhimento;

- critérios de organização da agenda dos profissionais;

- referência e contrarreferência – coordenação do cuidado;

- participação popular – Conselho Local de Saúde;

- situações clínico-comunitárias.

Tendo como base os aspectos da realidade encontrada, foram

problematizadas também as concepções do processo saúde-doença dos

profissionais de saúde e gestores que norteiam as práticas em saúde e a formação

em saúde.

Dessas colocações apresentadas, pretendeu-se identificar os pontos-chave,

ou seja, o que os profissionais considerassem como nós críticos no que se refere às

questões levantadas.

Foram entregues dois textos para cada um dos participantes da pesquisa:

CUTOLO, L. R. A.; DA ROS, M. A.; VERDI. M. I. M.; Atenção primária da saúde,

atenção básica da saúde e a estratégia saúde da família. In: UNIVERSIDADE

ABERTA DO SUS; CUTOLO, L. R. A.; DA ROS, M. A.; VERDI. M. I. M. Saúde e

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Sociedade [Recurso eletrônico] / Universidade Aberta do SUS Florianópolis: UFSC,

2010, p. 55-75.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de

Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Clínica Ampliada e compartilhada.

Brasília: Ministério da Saúde, 2009.

Etapas 2 e 3:

Terceira etapa do Arco: Teorização

Planejou-se a discussão teórica acerca dos textos lidos pelos participantes e

apresentados pela pesquisadora e discussão de outros três textos:

CUTOLO, L. R. A. Concepções saúde-doença. In: Estilo de pensamento em

educação médica: um estudo do currículo do curso de graduação em medicina

da UFSC. Tese de doutorado. Florianópolis: UFSC, 2001, p. 64-94.

MATTOS, R. A. Os sentidos da Integralidade: algumas reflexões acerca de valores

que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO. R.; MATTOS, R. A. Os sentidos da

integralidade na atenção e cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS,

ABRASCO, 2001. p. 39-64.

CUNHA, G. T. Diretrizes simplificadas para a Clínica Ampliada. In: A construção da

clínica ampliada na atenção básica. São Paulo: Hucitec, 2005, p. 167-171.

O último texto foi entregue em cópia para os participantes, ao final da etapa.

Os principais objetivos desta etapa eram a discussão acerca da concepção

ampliada de saúde e a concepção de clínica ampliada, bem como a compreensão

da última enquanto derivação da primeira e enquanto algo possível, viável, passível

de desenvolvimento no cotidiano das práticas de saúde, em detrimento da visão da

mesma como apenas uma erudição.

A proposta objetivou a aproximação dos profissionais com tais discussões e a

sensibilização dos mesmos a partir da ampliação do conhecimento acerca desses

temas, sem o objetivo de esgotar o assunto, considerando sua complexidade e a

restrição do tempo de desenvolvimento do trabalho.

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Etapa 4:

Quarta etapa do Arco: Elaboração de hipóteses de solução/construção de

síntese propositiva coletiva

A partir das situações-problema apresentadas na primeira etapa, os

participantes de cada equipe desenvolveriam, em plenária, propostas de práticas

concretas em saúde tendo como base todos os aspectos teóricos desenvolvidos na

segunda e terceira etapas.

No percurso entre o desenvolvimento do projeto de pesquisa à execução das

oficinas, deparamos-nos com diversas limitações. As mais relevantes foram: o

planejamento de uma discussão sobre diversos assuntos abrangentes em um

período curto de tempo na etapa de problematização; o excesso de material didático

proposto para o desenvolvimento da etapa de teorização; a inadequada relação

entre a heterogeneidade de perfis dos sujeitos pesquisados e a complexidade do

material didático; a incipiente experiência da pesquisadora no desenvolvimento de

metodologias coletivas de coleta de dados. Certamente outras limitações

permearam a pesquisa, porém somente essas serão detalhadas.

Com uma das equipes de ESF, onde participava também a equipe de saúde

bucal foram realizados quatro encontros nos quais foi desenvolvida somente a

primeira etapa, sendo abordados os temas concepção saúde-doença, acolhimento,

coordenação do cuidado e participação social. Para a etapa de teorização apenas

um dos participantes havia lido o material proposto e este não se pronunciou sobre

os temas. A coleta de dados foi encerrada quando a maioria dos sujeitos de

pesquisa da equipe em questão propôs o encerramento da oficina, uma vez que o

espaço da reunião de planejamento semanal da equipe deveria ser aproveitado para

o planejamento das ações que a equipe deveria desenvolver conforme as datas

comemorativas relacionadas à saúde, como, por exemplo, o mês do combate ao

câncer de mama, o mês da saúde do homem, o dia mundial do combate à AIDS, o

dia da luta contra o tabagismo, etc. Assim, as etapas de teorização e elaboração de

hipóteses de solução/construção de síntese propositiva coletiva não ocorreram.

Na outra equipe, ocorreram quatro encontros nos quais foram discutidos os

temas concepção saúde-doença, acolhimento, coordenação do cuidado e clínica

ampliada. Para a etapa de teorização, ainda no quarto e último encontro, apenas um

sujeito de pesquisa havia lido o material proposto, fazendo algumas considerações

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sobre os temas. Este último encontro foi em maior medida desenvolvido com o

seguimento de discussões referentes aos temas propostos para a primeira etapa.

Nesta equipe, as etapas de teorização e elaboração de hipóteses de

solução/construção de síntese propositiva coletiva também não ocorreram.

Acerca da inviabilidade de teorização, uma análise prévia do contexto mais

adequada apontaria para a necessidade de desenvolvimento desta etapa com uma

melhor adequação dos recursos metodológicos, além da redução considerável da

quantidade de material selecionado, adequando-a ao tempo disponível. A restrição

desta pesquisa ao aspecto descritivo da realidade acabou por acontecer, embora

não era a intenção dos pesquisadores.

Considerando que todos os materiais propostos para leitura foram

desenvolvidos pelos autores tendo como público-alvo principalmente os profissionais

da atenção básica, não podemos reconhecê-los como inadequados. Arriscamos

assumir que nos “pegamos” diante da emersão de uma situação que pode não ser

somente local: o trabalho intelectual dos profissionais de saúde para além do

necessário à execução das tarefas corriqueiras pode não fazer parte do cotidiano do

trabalho em saúde.

Assim, a etapa coletiva de coletas de dados restringiu-se à discussão de

temas previamente propostos, sem o desenvolvimento de síntese propositiva

coletiva.

Após a última etapa da coleta de dados em uma das equipes, alguns sujeitos

de pesquisa relataram que começaram a ler o material sobre as Diretrizes

simplificadas para a Clínica Ampliada, do autor Gustavo Tenório Cunha e, ao

encontrarem dificuldades para entender o assunto, pediram ajuda para o colega de

equipe que havia lido o material, que explicou alguns pontos sobre o assunto.

Relataram ainda que, pela primeira vez na história daquela equipe, haviam estudado

juntos algum assunto. Assim, apesar da etapa de teorização não ter se concretizado

da forma planejada, uma inédita iniciativa de discussão teórica em grupo ocorreu,

ainda que de forma incipiente.

Após algum tempo, já com a coleta de dados definida como concluída, os

mesmos sujeitos, em encontro na unidade de saúde, relataram que, durante

processo de capacitação sobre trabalho com usuários em uso de álcool e drogas,

chamada “Caminhos do Cuidado”, concluíram que a abordagem proposta pela

profissional responsável pela capacitação era o que chamaram de “a Clínica

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Ampliada da Imaê, só que não exatamente com esse nome”. Percebe-se que,

mesmo sem um processo de teorização consistente, foi possível correlações entre

alguns assuntos discutidos na oficina com outros aspectos da vida prática e de

formação no trabalho em saúde.

Essas situações se configuram, na verdade, enquanto dados de pesquisa,

entretanto não serão aprofundadas na análise dos dados.

3.5 Procedimentos éticos:

Esta pesquisa foi desenvolvida em conformidade às diretrizes e normas

regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, atendendo à

Resolução 466/12. Esta incorpora, em suas disposições preliminares, sob a ótica

dos indivíduos e coletividades, referenciais da bioética, tais como autonomia, não

maleficiência, beneficência, justiça e equidade, e visa a assegurar os direitos e

deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e

ao Estado.

A pesquisa foi encaminhada ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da

Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) para apreciação e foi aprovada sob

Parecer nº 489.385, no dia 11/12/2013 (ANEXO A); contando também com a

anuência da Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí para seu desenvolvimento

(ANEXO B).

Todos os sujeitos convidados a participar da pesquisa são maiores e

legalmente capazes. Nenhum deles encontrava-se em situação de vulnerabilidade

que, conforme o item II. 25 da Resolução 466/12 é o “estado de pessoas ou grupos

que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de

autodeterminação reduzida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos

de opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e

esclarecido”.

Não houve necessidade de provimento material prévio, tampouco

ressarcimento, uma vez que a pesquisa foi realizada no ambiente de trabalho dos

participantes, no período coincidente com o de desenvolvimento de suas funções.

A presente pesquisa foi realizada com recursos próprios da pesquisadora.

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Com o devido respeito à dignidade humana, a pesquisa foi processada com o

consentimento livre e esclarecido dos participantes, que manifestaram através deste

as suas anuências à participação na pesquisa.

Todas as etapas do Processo de Consentimento Livre e Esclarecido foram

observadas, para que o participante da pesquisa pudesse se manifestar, de forma

autônoma, consciente, livre e esclarecida. Assim, no momento do convite à

participação da pesquisa a pesquisadora buscou o momento, condição e local mais

adequados, considerando as peculiaridades do convidado e sua privacidade;

prestou informações em linguagem clara e acessível, utilizando-se das estratégias

mais apropriadas à cultura, faixa etária, condição socioeconômica e autonomia dos

convidados; concedeu o tempo adequado para que o convidado pudesse refletir,

consultando, se necessário, seus familiares ou outras pessoas que pudessem ajudá-

los na tomada de decisão livre e esclarecida.

Após essa etapa inicial, a pesquisadora apresentou o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexos C, D e E) para que fosse lido e

compreendido pelo participante, antes da concessão do seu consentimento livre e

esclarecido.

O TCLE foi elaborado em duas vias, rubricadas em todas as suas páginas e

assinadas, ao seu término, pelo convidado a participar da pesquisa e pela

pesquisadora responsável.

A pesquisa não dependeu da restrição de informações aos seus participantes.

Considerando-se que toda pesquisa com seres humanos envolve risco em

tipos e gradações variados, reconhece-se como nulo do que diz respeito aos

aspectos físicos/biológicos dos participantes.

Tratando de uma pesquisa na área das Ciências Sociais que teve um método

de coleta de dados coletivo, os riscos possíveis nas dimensões psíquica, moral,

intelectual, social, cultural e espiritual eram os inerentes a tais metodologias

coletivas, que prescindem da exposição de opiniões e valores através do diálogo, da

discussão entre os participantes.

Coube à pesquisadora minimizar tais riscos enquanto mediadora do processo,

de forma tal que o foco do processo fosse sempre a discussão sobre os temas

propostos, sem que nenhum dos sujeitos ficasse exposto a situações

constrangedoras.

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Os sujeitos da pesquisa foram informados sobre a possibilidade de desistirem

da participação da pesquisa a qualquer tempo, se assim desejarem, sem a

necessidade de expressarem os motivos da desistência, e sobre a garantia do

anonimato e sigilo das informações colhidas, além do acesso aos resultados do

estudo. Os dados serão apresentados aos sujeitos da pesquisa e à instituição. Os

relatos obtidos são confidenciais e por isso não foram utilizados os nomes dos

participantes em nenhum momento.

Os benefícios do processo de pesquisa foram relevantes na medida em que a

pesquisa pôs em pauta questões importantes do processo de trabalho na Estratégia

Saúde da Família e proporcionou um espaço de discussão nem sempre presente no

cotidiano das práticas em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.

3.6 Análise dos dados:

A análise dos dados foi feita a partir do pensamento hermenêutico- dialético,

concebendo-o enquanto uma opção epistemológica.

Para a ciência hermenêutica, compreender é sempre compreender melhor o dado inserido num contexto histórico. A compreensão hermenêutica marca a história. A compreensão é sempre compreensão histórica, no tempo. Por conseguinte, o círculo investigativo está permanentemente em construção: toda compreensão é sempre uma nova compreensão. (ALEXANDRE, 2009, p. 110-111)

Segundo Campos et al (2012), a fundamentação do terreno da hermenêutica,

onde também se encontra a hermenêutica dialética, tem seu foco na compreensão

dos significados das informações qualitativas oriundas do empírico, sendo possível,

assim, sua categorização enquanto percursos metodológicos que primam pela

interpretação.

Concebendo as Ciências Sociais como um dos três pilares da Saúde Coletiva

(juntamente com a Epidemiologia e a Gestão/Planejamento), e o pensamento

hermenêutico-dialético inserido na perspectiva interpretativa das metodologias

qualitativas, apontam este último como uma ferramenta de entendimento, crítica e

transformação social, nas investigações em Saúde Coletiva.

Conforme esses autores, o pensamento hermenêutico-dialético nasceu do

debate teórico entre Gadamer e Habermas, forjado no idealismo-interpretativo do

primeiro e aperfeiçoado com o debate e a crítica à ideologia pelo segundo.

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O pensamento hermenêutico-dialético fundamenta-se nos conceitos gadamerianos sobre a interpretação. No entanto, parte de postura que pensa a crítica como fundamental dentro do processo de compreensão, conforme preconizado por Habermas. (CAMPOS et al, 2012)

Nesse sentido, um ponto que Habermas não nega, ao criticar o positivismo

científico, é que a interpretação é contextual: dinâmica e modulada por forças e

interesses sociais, políticos e econômicos, imergindo no campo das relações de

poder. Por isso faz-se necessário um saber crítico-reflexivo por parte da

hermenêutica.

O pensamento hermenêutico-dialético traz perspectivas potenciais para a pesquisa em Saúde Coletiva. O viver humano e sua interface no processo saúde-doença podem ser abordados cientificamente como fenômenos de caráter complexo. (CAMPOS et al, 2012)

CAMPOS et al (2012) complementam ainda que referem-se à “complexidade”

não como adjetivação de determinado fenômeno de aspectos múltiplos, mas sim

enquanto referencial teórico-filosófico e epistemológico.

A possibilidade de interpretação dialética dos fenômenos não desobriga o uso

da hermenêutica dialética de procedimentos metodológicos. Por isso, algumas

recomendações para o uso do pensamento hermenêutico-dialético nas pesquisas

qualitativas em Saúde Coletiva foram consideradas neste trabalho, conforme segue:

o objeto não deve dobrar-se ao método, mas sim o método ao objeto; o empírico não deve dobrar-se ao pesquisador, mas sim o pesquisador ao empírico; a interpretação é um ato relacional entre empírea e pesquisador, mediado pela comunicação; o produto da pesquisa é a interpretação, que não é a verdade em si, mas uma leitura da interação entre pesquisador e informações da empírea; modulando o explícito, há componentes implícitos tão ou mais importantes que os primeiros; há historicidade e dialogicidade em todos os atos humanos. (CAMPOS et al, 2012)

Além de reconhecer a Saúde Coletiva como um objeto complexo, os autores

pressupõem também que existe um componente importante de determinação social

dos fenômenos de interesse e que o pensamento dialético tem potencial como

instrumento para desvelar esse campo de pesquisa, contribuindo para a mudança e

transformação. A partir disso, desenvolveram um modelo de abordagem para a

compreensão do fenômeno que envolve três aspectos importantes: texto/informação

(obtidos, por exemplo, através de entrevistas individuais e/ou grupo focal); contexto

histórico (que pode ser considerado, por exemplo, a partir da observação

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participante e/ou análise documental) e interpretação (a partir das interações e

ideologias do pesquisador) (CAMPOS et al, 2012).

A sugestão de percurso metodológico proposta pelos autores foi seguida.

Esta ocorre em três etapas: preparação epistemológica, imersão na empírea e

emersão da empírea.

1. Preparação epistemológica:

a) Fundamentação teórica: investigação exaustiva das implicações teóricas

do estudo pretendido, não apenas com a literatura científica em Saúde, mas

principalmente com bases sociológico-antropológicas e históricas que se refiram à

temática.

b) Adequação temática: questionamento se o fenômeno é passível de

interpretação e crítica histórico-dialética e se há potencial para transformação social

em Saúde Coletiva. Deve-se ter cuidado para que a ideologia do pesquisador não

subjugue o fenômeno investigado à tradição do primeiro.

c) Eleição de instrumentos: a opção pelos instrumentos deve fundamentar-se

na busca das técnicas que emirjam no maior número de perspectivas sobre o

fenômeno investigado.

2. Imersão na empírea:

a) Determinação dos atores sociais: é interessante determinar os atores

sociais que emblematizam as contradições, tomando como base as forças

ideológicas e de interesses que permeiam/constroem/modulam o fenômeno em

Saúde Coletiva.

b) Dar voz às perspectivas contraditórias: ressalta-se a necessidade de

cuidado de não dar voz apenas a uma tradição/ideologia. Para isso, quanto maior o

número de técnicas envolvidas, mais amplo será o produto para interpretação, o que

permitirá uma imersão mais profunda na temática e em suas perspectivas.

c) Imergir na empírea, não “dobrá-la” à razão: deve-se levar em conta que, já

que a pesquisa qualitativa levanta perspectivas, há forte possibilidade de que o

fenômeno se manifeste de maneira mais ampla, antagônica ou distinta do que o

pesquisador presume anteriormente à imersão.

3. Emersão da empírea:

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a) Substrato para o tratamento: a comunicação e seu registro é a fonte para o

tratamento hermenêutico-dialético. Nesse momento é imprescindível a análise crítica

das técnicas empregadas uma vez que problemas de delimitação epistemológica

podem ocorrer na interpretação, caso não se tome cuidado em apontar as

potencialidades e limitações das técnicas empregadas.

Para o tratamento dos dados empíricos e síntese do processo de pesquisa,

foi utilizada a matriz interpretativa crítico-reflexiva (CAMPOS et al, 2012):

1. Etapa Hermenêutica:

a) Legitimação: dado recortado (fala com maior significado dentro do material

empírico acerca da intencionalidade de pesquisa e transformação social visada pelo

pesquisador).

b) Interpretação: interpretar o dado recortado, buscando a raiz do que está

sendo dito.

c) Saturação: indícios oriundos do material empírico, que existe recorrência

de significados no fenômeno pesquisado.

2. Etapa Dialética:

a) Questionamentos emergentes: contextualização histórico-social e crítico-

reflexiva da manifestação que emerge no fenômeno após a interpretação.

b) Dialética: articular o produto do processo com a fundamentação teórica, na

busca de contradições histórico-sociais do fenômeno pesquisado.

3. Síntese hermenêutica-dialética:

a) Síntese e superação: fusão das principais interpretações do produto do

processo, questionamentos emergentes, dos silêncios (significados não explícitos,

mas que permeiam o objeto) e das contradições sócio-históricas implicadas no

fenômeno/interpretação. É importante ressaltar que nesta etapa o pesquisador deve

ter vista na melhora social do contexto investigado.

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4 DADOS DE PESQUISA

A análise dos dados foi realizada sobre três categorias principais:

acolhimento, coordenação do cuidado e clínica ampliada. O acolhimento será

discutido de forma mais aprofundada, apresentado em forma de artigo, e a

coordenação do cuidado e a clínica ampliada de forma mais superficial, na

sequência.

O artigo está apresentado de acordo com as normas de formatação da revista

científica à qual foi submetido para apreciação, visando à sua publicação.

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4.1 Acolhimento (ARTIGO)

O Acolhimento na Estratégia Saúde da Família: desafios cotidianos em uma unidade

básica de saúde3

The user embracement in Family Health Strategy: day-to-day challenges in a primary

health centre

Imaê Alves

Mestranda em Saúde e Gestão do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí. Cirurgiã-

dentista. Endereço: Rua Hercílio Luz, 616, apartamento 202, Centro, CEP: 88301-001,

Itajaí/SC. E-mail: [email protected]

Luiz Roberto Agea Cutolo

Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor permanente do

Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí. Endereço: Rua

Desembargador Urbano Salles, 175, apartamento 1302, Centro, CEP: 88015-430,

Florianópolis/SC. E-mail: [email protected]

Resumo

O acolhimento é uma das diretrizes da Política Nacional de Humanização e se caracteriza

como uma ferramenta para a reorganização do processo de trabalho com o objetivo de

reorientação do modelo de atenção à saúde. Sendo que o Sistema Único de Saúde tem como

principal porta de entrada dos usuários a Atenção Básica da Saúde e a Estratégia Saúde da

Família é a forma de operacionalização desta, as concepções e práticas de saúde dos

profissionais envolvidos acerca do acolhimento são fundamentais para a construção de

respostas concretas às necessidades de saúde da população. A pesquisa foi realizada em uma

unidade básica de saúde de um município do sul do Brasil, com os profissionais de duas

equipes de Estratégia Saúde da Família e uma Equipe de Saúde Bucal e buscou analisar como

se configuram tais concepções e práticas. Para a coleta de dados realizou-se entrevistas e

oficinas. A partir da análise dos dados constatou-se que, embora o termo acolhimento seja

constantemente usado pelos profissionais, o processo de trabalho em saúde está organizado na

3 Este estudo foi realizado com recursos próprios dos pesquisadores.

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lógica do modelo biomédico, com centralidade na doença e no médico em detrimento da

centralidade na pessoa, como propõe essa diretriz. As pesquisas qualitativas de caráter

microinstitucional são importantes na medida em que o olhar singular para cada contexto

pode provocar discussões sobre o tema e incitar mudanças no processo de trabalho com vistas

à atenção integral à saúde.

Palavras-chave: Acolhimento, Assistência Integral à Saúde, Estratégia Saúde da Família,

Sistema Único de Saúde.

Abstract

The user embracement is a guideline of the National Policy of Humanization and it is defined

as a tool for reorganizing the work process, with the aim of reshaping the model of Health

Care. Since the Primary Health Care is held as the users‟ main access to the Brazilian Unified

Health System (in Brazil known as SUS, Sistema Único de Saúde), and Family Health

Strategy is the way it is operated, concepts and practices of healthcare workers involved in the

reception are essential to formulate solid answers to the population‟s needs in healthcare. This

research was carried out within a Primary Health Centre of a municipality in the South of

Brazil, with workers of two staves of the Family Health Strategy and one staff of Oral Health,

and sought to analyse how this concepts and practices are shaped. Data were collected

through interviews and workshops. From the data analysis it has been verified that, although

the term “user embracement” is often used by the healthcare workers, the work process in

healthcare is organised in the principles of the biomedical model, centered in the illness and

the physician rather than the person, as this model suggests. Qualitative research in reduced

institutions are relevant based on the knowledge that a close look in each context may incite

discussion on this subject and impel changes on the work process, aiming for a

comprehensive Health Care.

Keywords: User Embracement, Comprehensive Health Care, Family Health Strategy,

Unified Health System

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Introdução

Os modelos de atenção à saúde que conformam os serviços e as práticas de saúde são

idealizados e desenvolvidos a partir das concepções acerca do processo saúde-doença. Toda e

qualquer ação em saúde deriva dessas concepções (Maeyama e Cutolo, 2010).

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi resultado de um amplo movimento, chamado

movimento da reforma sanitária, que compreende a saúde como um direito de cidadania e

enquanto um dever do Estado e defende que o processo saúde-doença é determinado pela

forma como a sociedade se organiza e as condições de vida que nela são produzidas. Esse

movimento é permanente e pretende a inversão do modelo de atenção à saúde. Busca superar

o modelo biomédico, que está centrado nos aspectos biológicos dos indivíduos, nos

procedimentos clínicos e nas especialidades médicas, fragmentando o trabalho em saúde,

tornando-o ineficiente e conveniente ao complexo médico-industrial (Da Ros, 2006), para

solidificar o modelo da integralidade que, a partir de uma compreensão ampliada de saúde,

busca apreender as necessidades do sujeito social em sua complexidade e responder a elas de

forma responsável com o melhor cuidado em saúde possível.

A Atenção Básica de Saúde é considerada a principal porta de entrada do usuário no

SUS, e é operacionalizada em maior medida pela Estratégia Saúde da Família no intuito de

que as equipes de saúde estejam próximas da população adscrita a cada unidade de saúde e

através do fortalecimento do vínculo com a comunidade, garantam acesso a todos e produzam

práticas de saúde mais equânimes e integrais.

Para tanto, a Política Nacional de Humanização propõe o desenvolvimento do

acolhimento como fundamental em todos os serviços do sistema, e em especial na Atenção

Básica (Brasil, 2004), uma vez que esta deve apresentar alto grau de resolubilidade das

demandas de saúde da população (Brasil, 2011).

A proposição principal do acolhimento é a reorganização do serviço de forma a

garantir acesso universal, resolubilidade e atendimento humanizado. Enquanto uma diretriz

operacional, a tradução de sua ideia básica é oferecer sempre uma resposta positiva ao

problema de saúde apresentado pelo usuário. Por isso, visa à inversão do modelo tecno-

assistencial de serviços de saúde com centralidade na doença e na figura do médico para um

modelo centrado na pessoa, no usuário, e com trabalho desenvolvido por equipe

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multiprofissional (Franco e col., 1999). Este é modelo da integralidade, que melhor responde

às necessidades ampliadas de saúde das pessoas.

Em todo lugar que ocorre um encontro entre trabalhador de saúde e usuário operam-se

processos tecnológicos, chamados intercessores, que são trabalho vivo em ato - neste caso,

chamados de tecnologias leves - e objetivam estabelecer relações de escuta e

responsabilizações, em articulação com a constituição de vínculos e compromissos em

projetos de intervenção. Estes projetos visam a responder às necessidades dos usuários a partir

da produção de algo que represente a conquista de controle do sofrimento, no caso da doença,

e/ou produção de saúde (Franco e col., 1999).

Sem acolhimento e vínculo não há produção de responsabilização, tampouco da

otimização tecnológica das resolutividades que realmente impactem de forma efetiva os

processos sociais de produção de saúde e de doença (Franco e col., 1999).

Nesse mesmo sentido Carvalho e Cunha (2012) apontam que o acolhimento depende

de atitude que garanta a escuta qualificada das demandas objetivando a oferta do máximo de

tecnologias para a produção de saúde individual e coletiva, devendo traduzir-se na abertura da

unidade e na maleabilidade do projeto de atenção prestado, garantindo a humanização da

relação instituição/usuário. Além de facilitar o acesso do usuário aos serviços, também é

finalidade do acolhimento desencadear processos que apontem para mudanças nos modelos

assistenciais e de gestão.

Metodologia

Este estudo faz parte de uma pesquisa que objetivou problematizar algumas categorias

importantes na concretização da integralidade nas práticas cotidianas de saúde, entre as quais

se encontra o acolhimento, desenvolvida no presente artigo. Trata-se de uma pesquisa

qualitativa realizada com os profissionais de duas equipes de Estratégia Saúde da Família e

uma Equipe de Saúde Bucal de uma unidade básica de saúde de um município de médio porte

do sul do Brasil. Dentre os sujeitos pesquisados estão duas enfermeiras, duas técnicas de

enfermagem, uma auxiliar de enfermagem, nove agentes comunitárias de saúde, uma auxiliar

de saúde bucal, uma técnica em saúde bucal e dois médicos.

Nesta unidade de saúde trabalham, além dos profissionais das duas equipes de

Estratégia Saúde da Família e da Equipe de Saúde Bucal, um médico pediatra, um médico

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ginecologista, uma psicóloga, quatro técnicos de enfermagem, uma enfermeira coordenadora

da unidade, duas recepcionistas e três auxiliares de serviços gerais.

Por ser a Saúde Coletiva uma área de conhecimento que tem como um de seus pilares

a Ciência Social, a abordagem qualitativa em pesquisa foi indicada uma vez que, conforme

Minayo (2010), o objeto das Ciências Sociais é qualitativo por essência, e a realidade social

configura-se enquanto a cena e o seio do dinamismo da vida individual e coletiva, com toda a

riqueza de significados que dela transborda.

A coleta de dados deu-se através de entrevistas e oficinas realizadas no período de

dezembro de 2013 a maio de 2014. Os entrevistados foram três agentes comunitárias de

saúde, duas técnicas de enfermagem, duas enfermeiras e dois médicos. As oficinas foram

desenvolvidas com a participação de todos os profissionais da ESF, com cada equipe

separadamente. Os dados foram gravados e transcritos e após, analisados a partir do

pensamento hermenêutico-dialético.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale

do Itajaí (UNIVALI), sob parecer nº 489.385, tendo cumprido todas as exigências

estabelecidas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Os nomes dos sujeitos da pesquisa foram substituídos por nomes fictícios e as oficinas

foram numeradas conforme as equipes e a ordem cronológica em que ocorreram, sendo para

uma delas 1.1 a 1.4 e para a outra equipe 2.1 a 2.4.

Resultados e discussão

Ainda que alguns profissionais entendam que fazem acolhimento o tempo todo e que

dizer que não existe acolhimento na unidade se configura como exagero, pois já houve certa

qualificação nesse processo, a maioria dos sujeitos pesquisados entende que existe apenas

uma “estampa” de acolhimento, que o que é feito é apenas uma triagem e que, em grande

medida, o acolhimento foi transformado em “vaga de urgência”, “ficha de porta”,

erroneamente chamado de “vaga de acolhimento”.

A agenda dos médicos da unidade de saúde é organizada de forma que a demanda

espontânea deve agendar consultas em dias específicos, ocorrendo uma vez por mês. O

agendamento para dentista acontece quinzenalmente. Nesses dias, para agendar consulta para

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alguns profissionais, ocorre uma grande fila, que podemos comparar com as filas madrugantes

ilustradas por Carvalho e Cunha (2012), onde pessoas aflitas disputam sem critério algum,

exceto a hora de chegada, algumas vagas. Os autores expõem a necessidade de dizer que

“estes serviços atendem sobretudo os „mais fortes‟ e não quem mais deles necessita”

(Carvalho; Cunha, 2012, p. 926).

Além do agendamento da demanda espontânea em dias específicos, existem as

consultas programadas, destinadas aos chamados “prioritários”: idosos, gestantes, crianças até

dois anos, hipertensos, diabéticos e, para um dos médicos existem consultas específicas de

“saúde mental”, que em grande medida são consultas para o acompanhamento de pacientes

que fazem uso de medicamentos controlados.

Para as pessoas com problemas agudos, existem quatro “vagas de acolhimento” por

manhã, inconstantes no período da tarde, no caso dos médicos. A avaliação das necessidades

desses usuários está concentrada nos técnicos e na auxiliar de enfermagem, que fazem a

primeira escuta, com uma espécie de triagem, definindo a necessidade ou não de uma consulta

médica naquele momento, uma das quatro “vagas de acolhimento”, ou o agendamento para

consulta em outro momento, as chamadas “consultas de enfermagem”. Para a dentista existem

duas vagas de urgência por turno e o critério de atendimento é a ordem de chegada dos

usuários. Essa organização não está situada na direção do princípio básico do acolhimento

preconizado pela Política Nacional de Humanização, na medida em que este deve possibilitar

o atendimento a todos, com respostas positivas às suas necessidades.

As dificuldades apontadas para a realização de um acolhimento adequado são a falta

de profissionais, a estrutura física inadequada, a centralização em poucos profissionais, a falta

de capacitação dos profissionais, a inexistência de protocolo para estratificação de risco, a

falta de tempo disponível para escuta qualificada, a discordância de informações prestadas aos

usuários, pela desinformação dos próprios profissionais e o número excessivo de usuários

cadastrados em cada área de abrangência.

O espaço utilizado para a primeira escuta do paciente é principalmente o balcão da

recepção e a sala de pré-consulta, mas também ocorre nos corredores e na sala de

coordenação, onde trabalham as duas enfermeiras da ESF e a enfermeira responsável pela

coordenação da unidade de saúde (ainda que as três profissionais desenvolvam ações de saúde

em diversos espaços da UBS).

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A dificuldade de realização de escuta qualificada por falta de espaço adequado é relato

recorrente, uma vez que não há disponibilidade de espaço reservado para o usuário expor suas

necessidades de saúde, conforme se identifica nas falas dos profissionais:

Aqui a gente não tem uma sala própria para acolhimento [...] aí tem um nebulizando, daí tu

tá fazendo o acolhimento aqui, daí daqui a pouco vem outro e te interrompe [...] Acolhimento

tem que ser feito numa sala, tipo um consultório, assim, sozinho [...] – Sofia (entrevista)

[...] a sala de acolhimento deveria ser um lugar reservado, aonde o paciente tivesse assim

toda aquela certeza de que ele estaria sendo ouvido, que fora da sala não teria ninguém

ouvindo ele, então aquela coisa do sigilo tem que ser mantida. – Henrique (entrevista)

[...] eu também não acho que a mulher tem que tá ali no balcão como já aconteceu muitas

vezes na nossa unidade, que eu me sentia constrangida, perguntar [...] Eu já atendi coisas

absurdas ali que no balcão eu captei. – Luana (oficina 2.1)

Tinha que ter sala das enfermeiras. [...] Porque tudo lá para elas é dentro da coordenação.

[...] Aí a gente entra, eles estão falando coisa, tu sai, fica sem graça. – Lúcia (oficina 2.1)

Um lugar apropriado para a primeira escuta é muito importante. Entretanto, o

acolhimento pode ocorrer na diversidade de espaços onde existam encontros entre

profissionais de saúde e usuários, nos quais se concretizam as práticas de saúde, inclusive nos

espaços fora da unidade de saúde, como as visitas domiciliares, as reuniões de conselhos de

saúde, encontros de grupos operativos, ou mesmo na própria consulta com um profissional de

saúde. Pode-se dizer que o acolhimento deve ocorrer em todos os espaços de encontro.

A compreensão da escuta qualificada como primordial para o acolhimento, bem como

certa fragilidade nesse aspecto são apresentadas em diversas falas:

[...] em primeiro lugar, ouvir o que o paciente quer. Ouvir o que o paciente quer! – Kátia

(oficina 2.1)

O paciente chega ali e fala assim, ó: “Eu queria marcar ficha.”, “Que rua tu mora?”, “Na

rua tal.”, “Ah, não tem. Dia vinte é o agendamento”. Nem falou o que o paciente quer. –

Marlene (oficina 2.1)

É comum que o usuário defina o profissional que responderá à sua demanda segundo a

própria avaliação, que é socialmente construída, e sem a escuta qualificada prévia acaba por

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agendar consulta com um profissional que não exatamente aquele que daria melhor

resolubilidade em mais curto prazo, como exemplifica o caso relatado:

Provavelmente essa consulta (para o ginecologista) foi agendada no último dia vinte, a guria

tá em atraso menstrual [...] E aí eu peguei e falei assim: “Tá, mas você agendou uma

consulta com o ginecologista para vir pedir um exame de Beta?”. “É.”. [...] ela não sabe

que a enfermeira pode pedir Beta, e ela não sabe que a consulta de pré-natal também é com o

enfermeiro. – Luana (oficina 2.1)

Já podia tá com o Beta pronto. – Marlene (oficina 2.1)

Começar o pré-natal já com a Luana. [...] Não precisa passar por ele (ginecologista) [...] Aí

queimou uma vaga. – Sofia (oficina 2.1)

Essa situação, apontada como comum na unidade de saúde está relacionada inclusive

com a questão da boa comunicação entre os profissionais de saúde e entre estes e os usuários.

Alguns relatos expõem esse ponto:

[...] a capacitação dos profissionais, assim, sabe, acho que todo mundo falar a mesma língua

[...] a informação deveria ser repassada para todos, principalmente para aqueles que

trabalham lá na ponta, né, lá na rua, na recepção, principalmente, eu acho que está faltando

isso – Paula (entrevista)

Qualquer assunto [...] que é feito em todo o município ou em toda a unidade de saúde deveria

ser uma reunião com toda a unidade de saúde. Isso facilitaria justamente essas dificuldades,

de passar informação para todas as pessoas e unificar o processo de trabalho. [...] Nós

fazemos a coisa como a gente acha que deve ser feita [...] Dá margem à confusão, dá

margem a procedimentos diferentes, das pessoas, né, cada um faz uma coisa, e aí no final

disso tudo, acaba o paciente às vezes fica bravo, porque era para ser de um jeito, acaba

sendo de outro. – Sandro (oficina 2.1)

A boa comunicação na equipe deve transcender o sentido das informações a

conhecimento de todos, para alcançar o sentido das trocas de saberes, discussões de casos,

tomadas de decisões conjuntas, educação permanente e reavaliações constantes do processo

de trabalho em equipe. Para isso, a organização do trabalho deve incluir espaços e tempo

disponíveis para a interação entre os profissionais da equipe e entre todos os profissionais da

unidade de saúde, nos quais não estejam apenas diversos profissionais agrupados para

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obterem as mesmas informações, mas sim profissionais que produzam conhecimento e

práticas em equipe como respostas às necessidades das pessoas.

Os profissionais reclamam veementemente que a dificuldade maior para o acolhimento

está no fato de que os usuários querem somente consultas médicas e remédios:

Eu acho que aqui a gente não faz acolhimento, aqui é um pronto atendimento, que eu acho

que é o que a população quer, aqui, na verdade. Eles não gostam de acolhimento. Tu vai

tentar conversar mais a fundo, tentar ver o problema [...] Eles não querem. Eles querem

passar pelo médico. Para eles é tudo o médico. Aí eles ficam brabos se tu não passa [...] Não

tem acolhimento. Não tem. – Sofia (entrevista)

[...] eles não querem acolhimento, às vezes. Eles querem o médico. Então muitas vezes a

falha não é porque a gente não quer, é porque o paciente não quer. [...] Porque eles querem

o remédio, né. E a gente não pode fornecer remédio [...] querem encaminhamento [...] se ele

sair daqui sem o agendamento para o médico com certeza [...] ele vai reclamar na secretaria,

ou no 0800 [...] infelizmente a visão de que o médico é a cura, entre aspas, isso ainda existe,

né. – Cristina (entrevista)

A demanda por consultas médicas, exclusivamente, é apontada por Tesser e

colaboradores (2010), como o resultado do processo de medicalização social, e o acolhimento

pode tanto potencializar esse processo como incentivar a desmedicalização, dependendo de

como é concebido e estruturado.

Parece imperativo que os profissionais de saúde compreendam a busca por consultas

médicas e remédios por parte dos usuários não como uma opção individual neutra, mas sim

como resultado do longo e complexo processo de medicalização social, processo esse que vai

na “contramão” do movimento pró-integralidade. Tesser e colaboradores (2010) afirmam que

boa parte da demanda não programada se caracteriza por problemas de saúde medicalizados,

chegando aos serviços de saúde em consequência da mídia, da cultura do consumismo, do

medo e da insegurança. Essa situação é reconhecida e apontada como uma dificuldade por um

dos profissionais:

[...] os indivíduos estão focados na doença, em ter ou não doença, e isso é fomentado por

tudo, pela cultura nossa, pela mídia, pela televisão, pela reportagem sensacionalista do

jornal, então tudo isso influencia culturalmente as pessoas para se focarem na doença, e se a

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gente ousar não focar na doença e você focar na prevenção você corre um sério risco de ser

desmoralizado, parar na capa de algum jornal aí, exagerando [...] – Sandro (oficina 2.1)

É importante reconhecer que a organização dos serviços de saúde ao longo da história,

bem como a compreensão acerca do processo saúde-doença que a conduziu carregam grande

responsabilidade sobre a atual configuração da demanda em saúde. Dessa forma,

[...] a procura exacerbada por serviços de urgência e especializados (com todas as

consequências aí advindas), apesar de ser explicada pelo imaginário social e pelas

influências do complexo médico-industrial, é também modulada pelas ofertas e pela

capacidade de cuidado da atenção básica (Brasil, 2011, p. 14).

No mesmo sentido, Franco e Mehry (2005) chamam de “produção imaginária da

demanda” todo esse processo que faz com que as pessoas busquem nos serviços de saúde

procedimentos ao invés de cuidado, como se houvesse equivalência entre eles.

Segundo Carvalho e Cunha (2012), a maioria das funções do acolhimento vem sendo

exercida por auxiliares de enfermagem, com supervisão e parceria das enfermeiras. O

contexto pesquisado parece seguir essa lógica:

[...] qualquer pessoa da equipe pode fazer o acolhimento [...] deveria, eu acho, né, na nossa

unidade retirar só, exclusivamente das duas pessoas (referindo-se à auxiliar e à técnica de

enfermagem que, à época da entrevista eram as responsáveis diretas pelo que se chama

acolhimento) e se criar um ambiente para fazer o acolhimento, e aí todo mundo vai fazer o

acolhimento – Henrique (entrevista)

Não é só a Sofia e a Camila. É a unidade toda. – Sofia (oficina 2.1)

Identifica-se aí, inclusive, a concepção de acolhimento somente como a primeira

escuta, o que acaba por reduzi-lo, uma vez que perpassa todo o trajeto do indivíduo na

complexa rede de atenção à saúde.

A incorporação ativa dos profissionais médicos segue sendo um desafio, pois estes

resistem às mudanças de seu processo de trabalho (Carvalho; Cunha, 2012). Existem alguns

indicativos de que essa situação se materializa na unidade de saúde:

[...] ele tem tempo de sobra, só que eles limitam, é tantas consultas é tantas consultas [...] às

vezes [...] tem tempo de sobra, às vezes vem um paciente [...] se tá com dor não custa

atender, se tá ali sentado sem fazer nada ou conversando, batendo papo, então que atenda. –

Sirlene (entrevista)

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Toda mudança gera dificuldade, gera um período de adaptação, mas a pior coisa é você lidar

com aquela questão: quando você tá tirando alguém da zona de conforto. O médico ele quer

sair do consultório? Ele pega o prontuário tudo prontinho, bonitinho, com a triagem pronta,

consulta, tá... Qual que é a zona de conforto dele? [...] O ACS, ele quer sair daquela rotina?

A enfermeira [...]? O técnico, o auxiliar? [...] chega final do mês o ganho é igual [...] às

vezes é isso que acontece, na questão geral, das agendas, do planejamento, das reuniões de

equipe, do acolhimento. – Luana (entrevista)

Ainda que a categoria médica apresente grande resistência em assumir

responsabilidades para além das consultas em número predeterminado, parece que o fato não

se restringe aos médicos, como aponta a fala supracitada. Esta fala ilustra inclusive a

tendência dos profissionais a trabalharem de forma rotinizada, o que é um fator dificultador

do processo de trabalho com vistas ao acolhimento e à integralidade, por esse se caracterizar

enquanto dinâmico, dependente da interação entre os diversos profissionais, da abertura dos

mesmos ao diálogo, à troca de saberes, à flexibilização das regras que geralmente são criadas

e solidificadas de forma tácita e duradoura nos microcontextos sem, no entanto serem as que

mais qualificam o trabalho em saúde.

Uma mudança na dinâmica da unidade de saúde apontada como positiva foi a

disponibilização de consultas médicas que podem ser agendadas pelas agentes comunitárias

de saúde, conforme necessidades identificadas por elas nas visitas domiciliares, embora haja

relato de que muitas delas não “utilizam” tais consultas disponíveis.

Tesser e colaboradores (2012) defendem que a organização do acolhimento por área

de abrangência permite transformá-lo em mais um momento de cuidado, na medida em que o

vínculo existente entre o profissional de saúde e o usuário facilita a resolubilidade das

necessidades de saúde de quem procura o serviço. Esse foi outro ponto do trabalho das

equipes apontado por alguns profissionais como positivo: o chamado “acolhimento” realizado

pela auxiliar e pelas técnicas de enfermagem foi organizado de forma que cada profissional é

responsável pelo atendimento dos usuários da sua área de abrangência. Entretanto, uma nova

escala, incluindo técnicos da enfermagem que não são da ESF foi organizada pela

coordenadora da unidade de saúde para realizarem a primeira escuta dos usuários, alterando a

dinâmica anterior.

Uma ideia importante a ser discutida, apesar de não ser unívoca entre os profissionais

de saúde, é a de que, para facilitar o acesso dos usuários, uma vez que a demanda é muito

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grande para as equipes, a gestão deve contratar mais médicos para que estes atendam aos

usuários que procuram o serviço com caráter de urgência, aumentando assim o número de

fichas de porta (para tocar ficha, como alguns dizem), de forma que o trabalho dos médicos

da Estratégia Saúde da Família possa focar mais no atendimento dos usuários considerados

prioritários:

[...] a agenda tá bem organizada, eu acho. Só que o Henrique não dá conta da demanda, isso

é óbvio [...] o Henrique atendendo como um PSF, com prevenção, ele ter o clínico, entendeu?

A agenda normal, que tem que ter, e ficha na porta, todo dia dez fichinhas ia resolver o

problema [...] ter um bom número de mais acolhimentos [...] Mais uns cinco acolhimentos já

tava tranquilo por dia, já dava uma quebrada. – Sirlene (entrevista)

[...] um clínico geral para ajudar, porque o Henrique não dá conta. – Giovana (oficina 1.3)

Ressalta-se novamente que não há consenso nessa percepção, e uma profissional alerta

para o perigo dessas afirmações:

Se entrar clínico geral, o PSF vai dissolver. – Sônia (oficina 1.3)

Reconhece-se que a atenção integral à saúde enquanto objetivo do Sistema Único de

Saúde e particularmente da Estratégia Saúde da Família é desarticulada quando da separação

dos profissionais de saúde para atendimento dos usuários que buscam o serviço de saúde

enquanto demanda espontânea e para o atendimento da demanda programada.

Essa compreensão pode ser consequente ao processo histórico de configuração do

sistema de saúde, uma vez que, após os anos 30 os Institutos de Aposentadorias e Pensões

eram responsáveis pela assistência médica dos segurados de cada categoria e seus

dependentes e o Ministério da Saúde era o responsável, desde a sua origem, pelas ações

preventivas através das campanhas sanitárias e pela criação e manutenção de grandes

hospitais para as enfermidades crônicas (Giovanella; Fleury, 1996). Assim, criou-se uma

dicotomia entre assistência médica e medidas preventivas e, no caso da Estratégia Saúde da

Família, cristalizou-se no imaginário social que a mesma tem como escopo primordial as

ações preventivas. A fala a seguir ilustra claramente essa compreensão:

Quando foi montada a questão da Estratégia para trabalhar na prevenção, já existia um

grande número de pessoas doentes, só que como é que tu vai fazer só prevenção e não

olhando a doença? - Luana (oficina 2.1)

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A compreensão de que a Estratégia Saúde da Família tem como um de seus atributos a

atenção integral à saúde é fundamental. Também o é o reconhecimento da importância da

longitudinalidade do cuidado da população adscrita, sendo este outro atributo essencial para o

vínculo, a resolubilidade e a atenção integral à saúde. A longitudinalidade representa o

acompanhamento dos indivíduos não somente em todos os ciclos de suas vidas, mas inclui as

respostas às suas necessidades ampliadas de saúde, que podem incluir situações de saúde, de

doenças e agravos com caráter crônico e de problemas agudos, com a responsabilização dos

profissionais pelo melhor cuidado possível em cada situação.

A capacidade de respostas positivas às necessidades ampliadas de saúde presume o

desenvolvimento das ações integradas, que são de promoção de saúde, de prevenção de

doenças, tratamento das enfermidades e reabilitação, e a articulação das mesmas tem por

objetivo a mudança do modelo tecno-assistencial. Parece que o discurso dos profissionais

encontra-se com o foco nas ações preventivas e as ações concentram-se no tratamento das

enfermidades, estas com fragilidades nos casos agudos. Identificam-se então diferentes graus

de atuação da ESF em cada tipo de ação, ficando a promoção de saúde e principalmente a

reabilitação em grande descompasso com relação às outras.

A compreensão de que cabe ao médico da ESF a focalização nas medidas preventivas

e no atendimento dos pacientes com condições crônicas de saúde, enquanto outro médico

deve atender aos casos de urgência, em situações agudas é questionável. A equipe de ESF tem

responsabilidade sanitária com caráter integral e longitudinal pelos usuários adscritos.

A referência da necessidade de contratação de mais médicos para “ajudar” no

acolhimento acaba por desvelar mais uma vez a compreensão do mesmo de forma reduzida,

como atendimento aos casos agudos, como vemos ainda:

Aqui na nossa unidade se confunde um pouco o acolhimento com consultas de urgência, e

pronto atendimento. Então, a consulta de pronto atendimento e urgência seria um dos itens

do acolhimento da forma geral, então, um pequeno item. – Sandro (entrevista)

Ainda assim, fica explícito que muitos usuários que procuram o serviço de saúde

ficam sem resposta às suas necessidades:

[...] tem muita gente que chega aqui realmente sofrendo [...] e que é mandado simplesmente

embora porque acabou o acolhimento. Como acabou o acolhimento? – Katarina (oficina 2.1)

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No geral, na unidade não tem o acolhimento. Tem os quatro primeiros que chegarem. Isso

não é acolhimento. [...] a vaga do acolhimento não tem que virar ficha de porta e virou ficha

de porta. [...] se o acolhimento ele começa a virar ficha de porta e quem chega para ser

acolhido, virar uma batata quente, não tem como fazer acolhimento. E o acolhimento, para

mim, não tem quantidade. – Luana (entrevista)

[...] na nossa unidade a gente tem essa estampa de acolhimento, mas na verdade não é um

acolhimento [...] fazem uma triagem de todos os pacientes que vêm e mais ou menos os mais

graves [...] encaixam na consulta do médico [...] é como se fosse uma classificação de risco,

mas sem protocolo, sem nada, muito subjetivo. – Henrique (entrevista)

Quando os profissionais da unidade acompanham regularmente os usuários nas ações

programáticas e não os acolhem em momentos de agudização de seus quadros clínicos, que

geralmente são os de maior fragilidade, é comum a perda da legitimidade do trabalho na

unidade frente aos usuários. Essas situações constroem a imagem social de que a unidade

básica só serve para atender a pessoas saudáveis e conduzem a pensar a Atenção Básica

enquanto um serviço de menor relevância (Brasil, 2011).

Outra dificuldade apontada no que se refere ao acolhimento é o número de pessoas

cadastradas na área de abrangência:

Às vezes a demanda é maior do que a oferta [...] no dia vinte, se tu chega oito, oito e meia,

não tem mais para agendar, né, aí a pessoa tem que esperar o mês todo, é complicado, né,

por mais que tenha aqueles acolhimentos, mas... – Paula (entrevista)

Talvez se a nossa área fosse um pouquinho menor em relação ao número de famílias por

equipe ficaria muito próximo do ideal. – Sandro (entrevista)

[...] a nossa população é maior do que realmente está no SIAB. [...] De certeza que é mais de

dez mil pessoas (considerando a população adscrita às duas equipes). [...] Então, né, a gente

deveria ter mais uma equipe. – Henrique (entrevista)

O Henrique, só ele de médico atende mais de quatro mil pessoas, ele nunca que vai dar

conta. – Sirlene (entrevista)

A população adscrita nas duas áreas de abrangência realmente é maior do que a

preconizada pelo Ministério da Saúde que, na portaria Nº 2.355/2013, altera a fórmula de

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cálculo do teto máximo das Equipes de Estratégia Saúde da Família para 2000 pessoas

(Brasil, 2013).

Um estudo comparativo sobre sistemas de saúde de diversos países aponta que no

National Health Service (NHS) da Inglaterra, em 2011, o número médio de pacientes inscritos

por médico clínico geral era de 1567. Na Espanha esse número fica entre 1300 e 2000 pessoas

(Connil, 2012). Mesmo que os pacientes sejam inscritos para um profissional, e não para uma

equipe multiprofissional, o grau de resolubilidade pode ser maior nessas condições.

O aumento do número de equipes de ESF certamente resolveria em grande medida o

desenvolvimento do acolhimento ideal. Considera-se que o desenvolvimento dos atributos da

ESF, incluindo o acolhimento, seja realmente viável na medida em que a população adscrita

seja em torno de 1200 pessoas e, em uma situação limite, não devendo ultrapassar 2200

pessoas. Considerando que populações de diferentes contextos socioculturais e geográficos

apresentam necessidades de saúde diversas e necessidade de diferentes formas de organização

dos serviços, consequentemente a definição da adscrição de cada equipe de ESF também deve

ocorrer de forma diferenciada.

Além da questão da adscrição, é importante o reconhecimento das características da

demanda espontânea nas suas singularidades e semelhanças, na medida em que, ao atendê-la

“as equipes podem se deparar com a não efetividade de algumas condutas e projetos

terapêuticos prévios, ou com situações novas que requerem invenção de novas estratégias de

cuidado e de reorganização do serviço” (Brasil, 2011, p. 20). Dentre as estratégias podem

estar atividades educativas individuais e coletivas, projetos terapêuticos singulares com

equipe multiprofissional, trabalho com apoio matricial, formação de grupos operativos, entre

outras.

Quando os trabalhadores propõem em maior medida o aumento do número de médicos

como solução para as dificuldades existentes identifica-se a centralização do trabalho em

saúde na figura desta categoria profissional também pelos profissionais, e não somente pelos

usuários. Apesar da primeira escuta estar centralizada nos técnicos e na auxiliar de

enfermagem, a expectativa da resolução dos casos encontra-se no médico. Esse acaba sendo

um fator complicador do desenvolvimento do acolhimento, e do trabalho em geral, na medida

em que os profissionais não assumem a diversidade de fatores envolvidos nesse aspecto do

trabalho que certamente estão sob a sua governabilidade.

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E na hora de dar a resolução, a gente tem deixado muito centrado no médico. A visita é a

visita do médico, a consulta é a consulta do médico, o que o médico disser tá falado [...]

acaba voltado para o atendimento médico. Isso é cultural, também, eu acho, mas enfim... –

Henrique (entrevista)

É importante o reconhecimento de que o “cultural” faz parte de uma construção social

e histórica e, portanto, não deve ser naturalizado nem concebido enquanto imutável, uma vez

que tal concepção pode levar à ausência de responsabilização pelas mudanças necessárias, e a

transformação das práticas para a lógica da integralidade inclui uma forte mudança cultural no

que concerne à saúde.

É possível compreender que a responsabilização pelos usuários e o trabalho

multiprofissional, em equipe, ainda é um desafio no contexto pesquisado, o que certamente

reflete na dificuldade de consolidação do acolhimento no seu sentido mais abrangente e,

consequentemente na integralidade da atenção à saúde.

Considerações finais

Segundo Carvalho e Cunha (2012) a ideia de acolhimento já acumula farta experiência

nos serviços de saúde no Brasil e, assim como o próprio SUS constitui-se por experiências

heterogêneas, com acúmulos positivos e negativos. Os autores assumem que grande parte do

que se sabe hoje sobre o assunto se deve a esse acúmulo prático. Também, atentam para qual

“acolhimento” se referem, uma vez que o termo é usado, muitas vezes, para exprimir

significados dos quais não compartilham: formulações e práticas

[...] que sob a alcunha de “acolhimento” trabalham com arranjos que no melhor dos

casos se incumbem de realizar triagens sob uma lógica biomédica em que está

ausente o trabalho em equipe embora aumentem quantitativamente o acesso dos

usuários (Carvalho; Cunha, 2012, p. 925).

Acrescentam que esse acesso pode não garantir a qualidade do cuidado, na medida em

que os atos de saúde obedecem à lógica da “queixa/conduta”, de forma a consolidar os

modelos tecnoassistenciais centrados na produção de procedimentos e prática de uma Clínica

degradada (Carvalho; Cunha, 2012).

A organização do processo de trabalho em saúde em diversos contextos acaba por

induzir a uma atenção à saúde fragmentadora condizente com o modelo biomédico e

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excludente, ainda que tenhamos a universalidade do acesso como uma das bandeiras de luta

do SUS.

Como exemplo pode-se citar a organização das agendas dos profissionais tendo como

critério as doenças ou ciclos de vida (hipertensos/diabéticos, pré-natal, puericultura, idosos,

etc). Isso acontece, muitas vezes, como forma de minimizar as consequências de diversas

fragilidades do sistema de saúde, como a estrutura física inadequada e insuficiente para o

desenvolvimento do trabalho de todos os profissionais, que devem se revezar nos espaços

disponíveis, e a demanda excessiva pelo elevado número de pessoas adscritas na área de

abrangência, o que inviabiliza o acesso a todos e cria a necessidade de espaços específicos nas

agendas para o atendimento dos chamados pacientes prioritários.

A persistência da centralidade do trabalho em saúde nos procedimentos clínicos,

deslocado das necessidades singulares dos sujeitos que procuram os serviços (que muitas

vezes estão implícitas e que são as reais geradoras do cuidado em saúde) aponta também para

uma possível manutenção da organização do processo de trabalho a partir dos interesses

institucionais e comodismos dos trabalhadores. A responsabilidade dos mesmos permanece

sendo mais com suas atribuições laborais clínicas e menos com as pessoas.

Para a construção do acolhimento enquanto uma ferramenta que conduz à

integralidade do cuidado em saúde é importante a compreensão de que o mesmo

[...] deve partir de um ponto inicial, no qual gestão, trabalhadores, usuários devem se

despir de seus interesses individuais e corporativos, e operar a mudança pautada em

princípios humanitários, na busca do objetivo de um bem comum, porém o foco

sempre deverá estar voltado para o usuário, afinal os serviços de saúde só existem

por causa deles. Isso requer abrir para novas formas de pensar e principalmente de

fazer, mas sem dúvida nenhuma a cooperação deve ser o ponto chave deste encontro

(Maeyama, 2007, p. 31).

Para isso, a reorientação da formação profissional em saúde também é um ponto

importante a ser considerado. Diversos movimentos têm aparecido nessa direção, na busca

pela aproximação e coerência entre a formação dos profissionais, tanto inicial como

permanente, e as necessidades de saúde da população brasileira, nas suas diversidades e

complexidade. Dessa forma, tenta-se minimizar a forte influência da lógica de mercado nos

rumos das condições de saúde do país.

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Tanto no que concerne ao acolhimento, quanto aos serviços de saúde de uma forma

geral, pode haver realidades bem distintas inclusive em espaços geográficos próximos, uma

vez que o agir em saúde depende também dos atores sociais envolvidos nos níveis

microinstitucionais, que são sujeitos históricos e sociais, cada um com seu processo de

formação e trajetória de vida que interferem diretamente em suas práticas profissionais.

O acolhimento enquanto uma diretriz operacional para melhoria do acesso, da

humanização e da integralidade deve continuar sendo objeto de análises críticas que

considerem cada contexto em sua singularidade, pois

[...] Os encontros e desencontros nessa etapa podem, ao gerar ruídos e

estranhamentos para um olhar analisador (em produção no interior da equipe de

trabalhadores) revelar uma dinâmica instituidora que se abre a novas linhas de

possibilidades, no desenho do modo de se trabalhar em saúde, permitindo a

introdução de modificações no cotidiano do serviço em torno de um processo

usuário-centrado, mais comprometido com a defesa da vida individual e coletiva

(Franco e col., 1999).

Apesar das pesquisas sobre o acolhimento na Atenção Básica não representarem

ineditismo na área, permanecem enquanto uma necessidade para que, a partir delas, sejam

desenvolvidas estratégias que disparem processos de mudança em diversos âmbitos para a

reconfiguração e qualificação dos processos de trabalho conforme as especificidades de cada

contexto.

Colaboradores

Imaê Alves foi a responsável pela concepção e redação inicial do artigo e participou, junto

com Luiz Roberto Agea Cutolo, das revisões críticas, formatação e redação final.

Referências

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<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2355_10_10_2013.html>, acesso em

04 dez 2014.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção

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4.2 COORDENAÇÃO DO CUIDADO

A coordenação do cuidado, sendo um dos atributos da Estratégia Saúde da

Família, deve ocorrer tanto no contexto restrito da Atenção Básica como também no

itinerário terapêutico dos usuários na rede de atenção à saúde e reflete

sobremaneira na resolubilidade das necessidades de saúde da população.

Pretende-se que a Atenção Básica resolva de 80% a 90% dessas necessidades.

Segundo os profissionais pesquisados, esse intento é possível naquele contexto:

[...] a gente consegue resolver, vamos dizer assim, é, mais que oitenta por cento da

demanda que chega até a gente, que é mais ou menos o que o Ministério pede. – Sandro

(entrevista)

[...] geralmente eu encaminho para o especialista em torno de seis, sete por cento dos meus

pacientes, [...] sem contar encaminhamento para oftalmologista – Henrique (entrevista)

Uma lacuna identificada que dificulta a resolubilidade é a proporção entre o

número de primeiras consultas e número de consultas de retorno:

Eu acho que retornos tem que ter, sim. É, deveria ter mais retorno do que primeira consulta,

ao meu ver, né, porque você acaba só fazendo primeira consulta, primeira consulta, primeira

consulta e aí você muitas vezes acaba não tendo retorno daquela primeira consulta para ver

o que que aconteceu, como é que tá, se melhorou, se não melhorou, e se tem que mudar a

forma de orientar ou tratar. – Luana (entrevista)

Além do menor número de consultas de retorno, o reduzido acesso a exames

de saúde, principalmente os necessários para as especialidades médicas, também é

apontado como uma dificuldade:

O que a gente vê mais dificuldade mesmo é a questão de exames, né, não tanto aqui na

Atenção Básica [...] de especialidades, que daí não dá uma continuidade – Paula

(entrevista)

A configuração da unidade básica de saúde, com profissionais da ESF

juntamente com profissionais especialistas em um espaço físico reduzido também é

outro entrave:

Mas é isso que atrapalha o trabalho das equipes [...] as especialidades dentro das unidades

da Estratégia. – Luana (oficina 2.1)

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Atropelado, embolado e empacado. [...] Que nem às terças-feiras, né, a Sônia agora tem o

pré-natal e tem o gineco. [...] Ela fica na pré-consulta. Meu Deus, isso é um absurdo. – Lúcia

(oficina 2.1)

Nos relatos apresentados, a preocupação maior é com a dificuldade de

estrutura física suficiente para o desenvolvimento do trabalho de todos os

profissionais. Entretanto, essa não é a única dificuldade, sendo também citada a

questão da inespecificidade do trabalho da Atenção Básica e das especialidades:

Enquanto não trabalhar Estratégia como Estratégia, nunca vai funcionar mesmo. – Kátia

(oficina 2.1)

[...] no Conselho Municipal de Saúde se levantou a reivindicação de que as unidades de

saúde de PSF deveriam ter somente PSF [...] Na realidade atual eu discordo. Tem que ter o

especialista aqui, porque você imagina se não tivesse [...] Você subitamente tirar isso e

achar que nós vamos dar conta de todo esse serviço. Não vamos dar conta. [...] O ideal, eu

concordo que não seria ter, mas dentro da nossa realidade hoje, com a estrutura que tá aí...

– Sandro (oficina 2.1)

Para este profissional, o que justifica a manutenção dessa situação é a

grande demanda de pacientes, mesmo que esta seja caracterizada em grande

medida por queixas simples resolvíveis pelas equipes de ESF. Sua preocupação

principal é a ausência dos profissionais especialistas sem o aumento do número de

equipes de ESF naquela unidade de saúde, o que aumentaria um problema comum

não só nesse contexto, que é a dificuldade da ESF responder às necessidades de

saúde não programadas, ou seja, a chamada demanda espontânea.

Embora a estrutura física limitada dificulte o trabalho dos profissionais de

saúde na unidade, a questão que mais interfere de forma positiva ou negativa no

que condiz à coordenação dos cuidados e resolubilidade é a forma de organização

do processo de trabalho desses profissionais.

Se o papel da ESF e das especialidades estiverem bem definidos, a

proximidade física entre os profissionais pode facilitar muito o trabalho em equipe, os

encaminhamentos, com as devidas referências e contrarreferências, o acesso da

população aos diferentes serviços, as respostas às suas necessidades, e inclusive o

desenvolvimento do apoio matricial como rotina da Atenção Básica.

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Em contrapartida, se os papeis se confundem e a comunicação entre os

profissionais for limitada, apesar da proximidade física, essa configuração pode

atravancar o processo de coordenação dos cuidados, a resolubilidade e a

integralidade da atenção.

Em uma pesquisa sobre estratégias para potencializar a coordenação do

cuidado com vistas ao fortalecimento da Atenção Básica, realizada em quatro

municípios brasileiros de grande porte, Almeida et al (2011, p. 90) apontam que

[...] A presença de ginecologistas, clínicos e pediatras em algumas das USF (Unidade de Saúde da Família), segundo os gestores, é uma das medidas que pode contribuir para a resolutividade e atender ao conjunto de necessidades da população de forma mais adequada. Entretanto, como destacaram alguns entrevistados, definir o papel desses profissionais dentro da USF ainda representa um grande desafio.

Segundo as autoras, essas novas configurações merecem acompanhamento,

pois, em alguns casos “os profissionais assumem o atendimento de grupos

específicos, comprometendo a integralidade da atenção e, de certa forma,

reproduzindo o modelo de atendimento de unidades tradicionais” (Almeida et al,

2011, p. 93). Nesse sentido, indicam os processos de supervisão com

desenvolvimento de discussão de casos clínicos, interconsultas com participação de

profissionais de apoio e equipes matriciais como possibilitadores da qualificação da

atenção primária, com o aumento de sua resolutividade, sem o comprometimento do

vínculo e da integralidade dos cuidados.

Naquele estudo, o matriciamento destacou-se entre as inovações

mencionadas para a qualificação das ações da ESF, pois prevê que os especialistas

apoiem os profissionais da Atenção Básica através de interconsultas, discussão de

casos clínicos e capacitações, além do trabalho de referência. As autoras

apresentam o matriciamento como uma estratégia para a promoção da interlocução

entre os distintos equipamentos da rede de serviços de saúde a fim de organizar o

processo de trabalho e aumentar a resolubilidade das equipes de ESF (Almeida et

al, 2011).

Na unidade básica de saúde onde foi realizado o presente estudo, apesar de

trabalharem profissionais de Atenção Básica junto com médico pediatra, médico

ginecologista e psicóloga no mesmo espaço físico, não há o desenvolvimento do

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apoio matricial. Ao discutir o assunto, um dos profissionais assumiu que em outro

local de trabalho onde já atuou

[...] teve alguns ensaios, teve algumas tentativas, mas nunca aconteceu de acordo com que

a teoria propõe. – Sandro (oficina 2.3)

Esses dados demonstram que tais práticas são muito incipientes na maioria

dos contextos, sendo que a prática de supervisão das equipes ainda não está

institucionalizada de forma plena e a interconsulta com especialistas ainda não é

uma prática frequente (Almeida et al 2011).

As referências e contrarreferências, que devem ser desenvolvidas através de

guias que circulam “em mãos” entre profissionais e usuários, mesmo parecendo um

meio simples de comunicação entre os profissionais dos diversos pontos da rede de

atenção, é claramente apontada como um desafio a ser superado no município:

[...] tem eu acho que talvez uns duzentos, trezentos especialistas na rede, são dois ou três

que te devolvem alguma coisa. – Henrique (entrevista)

Não existe uma boa contrarreferência nem referência, né. É, mas isso não é um problema

exclusivo do nosso município, é um problema generalizado. [...] nenhum local onde eu já

trabalhei se sentou com os diversos níveis [...] para programar ou combinar essa referência

e essa contrarreferência. Alguma coisa que dificilmente é tocado no assunto ou sentado

para conversar e traçar a rede. É uma coisa que vai, essa rede ela vai meio que se criando

de uma forma meio que subjetiva [...] a unidade de saúde ela, em teoria é quem faz a

coordenação do cuidado, do encaminhamento, mas não tem o respaldo para ir [...] lá e

organizar essa rede de uma forma mais efetiva com os diversos níveis das especialidades. –

Sandro (entrevista)

Este profissional reconhece que cabe à Atenção Básica a função de

coordenar o cuidado em saúde e que são necessárias discussões entre os

profissionais dos diversos pontos de atenção à saúde para a melhor organização da

rede de atenção. Apresenta como possível solução para superar a dificuldade de

realização das referências e contrarreferências a informatização dos prontuários:

Uma das coisas que iria melhorar um pouquinho essa questão [...] seria a informatização do

sistema de prontuários. Não haveria tanta necessidade nós termos a contrarreferência

escrita, mas nós olhamos o prontuário eletrônico a gente saberia o que que o colega fez,

isso ajudaria um monte, porque iria poupar o paciente de voltar várias vezes no mesmo

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lugar, como acontece, isso traz ineficiência para o sistema, quando o paciente vai para o

mesmo especialista várias vezes porque a gente não tem uma contrarreferência. – Sandro

(entrevista)

Apesar do reconhecimento do real potencial dessa ferramenta, cabe aqui o

questionamento sobre a maneira que a mesma seria utilizada, uma vez que a

exploração desse recurso disponível em prol da melhor resolubilidade está na

dependência direta das concepções de todos os profissionais envolvidos no cuidado

em saúde acerca do papel de cada ponto de atenção, do trabalho interdisciplinar e

multiprofissional, da clínica ampliada e compartilhada, da coordenação do cuidado,

dos projetos terapêuticos singulares, da importância do vínculo no processo

terapêutico e da longitudinalidade. Assim, ainda que os prontuários eletrônicos

possam constituir um grande avanço, eles, por si só, não garantem a coordenação

do cuidado pela ESF, tampouco o aumento da resolubilidade por todo o sistema de

saúde.

A dificuldade de acesso aos serviços especializados tem como uma de suas

causas a indefinição das competências referentes à Atenção Básica e às

especialidades médicas. A fala a seguir ilustra essa situação:

[...] o profissional da Atenção Básica deveria receber uma contrarreferência [...] porque a

gente consegue fazer a manutenção do tratamento aqui [...] Aí o endocrinologista tem esse

paciente diabético tipo I ou tipo II dependente de insulina bem compensadinho lá no

laboratório de endocrinologia e não manda de volta para a Atenção Primária [...] todos eles

(os médicos de família da rede municipal de saúde) falam que tem muitos especialistas que

mantêm pacientes com queixas simples, queixas básicas, já compensados [...] Por isso que

eu acho que às vezes a agenda do especialista ela não é muito aberta. [...] A nossa fila aqui

para algumas especialidades é de seis meses, um ano, assim, uma coisa gigantesca.–

Henrique (entrevista)

Outro ponto que dificulta a resolubilidade da ESF são os tipos de exames

diagnósticos que podem ser solicitados pelos profissionais:

[...] nódulo de tireoide, em Itajaí eu não posso pedir punção aspirativa, eu como clínico da

unidade, pelo menos foi a recomendação que eu tive, eu tenho que encaminhar para o

endocrinologista – Henrique (entrevista)

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Em estudo supracitado, Almeida et al (2011) mostram que, segundo os

gestores e gerentes entrevistados, a ampliação do catálogo de provas diagnósticas

que podem ser solicitadas diretamente pelo médico de família foi uma das principais

medidas para aumentar a resolubilidade da Atenção Básica.

4.3 CLÍNICA AMPLIADA

Tendo em vista que a finalidade da ampliação da clínica é, em maior medida

a apreensão das necessidades de saúde com vistas à superação da fragmentação

do trabalho em saúde, com o compartilhamento de saberes entre os diversos

profissionais e o deslocamento do enfoque puramente biológico das práticas de

saúde através do reconhecimento do sujeito histórico e social que sofre, a análise do

fazer saúde no contexto pesquisado sob esse enfoque é primordial.

A importância do reconhecimento do contexto onde as pessoas se inserem na

compreensão do processo saúde-doença, além dos conhecimentos técnicos, é

apontada pelos profissionais:

A questão não é só a teoria, e adquirir prática, a questão [...] você conseguir associar da

maneira que vive a sua população, o contexto geral que ela está inserida, é muito melhor, é

muito mais fácil você aplicar as coisas que o SUS nos norteia para trabalhar na Estratégia

Saúde da Família [...] muitas vezes a técnica (de enfermagem) consegue ter uma visão mais

ampla ainda do que a minha, porque ela vai mais vezes na casa. O ACS consegue ter uma

visão mais ampla que eu, porque eles estão todo dia lá na área. – Luana (entrevista)

[...] e aí aqui a gente conhece o pai, o filho, a esposa, o avô, a avó, o cunhado, o sogro,

conhece toda a família, a gente sabe como é que são as relações familiares aqui, e de certa

forma [...] em algumas situações a gente consegue antecipar algum problema que pode vir a

acontecer [...] eu sendo amigo do paciente, eu me aproximando dos meus pacientes, eu vou

conseguir entender mais fácil o que eles estão querendo dizer, é, me colocando, me

projetando na realidade deles eu também vou poder tentar colocar algum tipo de, sei lá,

conselho, não é conselho, mas enfim. – Henrique (entrevista)

A aproximação e o vínculo com a população adscrita no território permite que

a equipe de Estratégia Saúde da Família responda melhor às necessidades dos

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usuários, uma vez que permite o reconhecimento do contexto familiar e social a que

estão inseridos.

Ao elogiar a prática profissional de um colega com quem trabalhou em outro

município, Sofia conta que o mesmo “olhava a família no geral, olhava tudo, era um

médico bem PSF”, e ao explicar o que considera um “médico bem PSF” afirma: “que

brinque, que toque, que faz a pessoa se abrir, que não olhe só a doença”.

Essa fala expõe diversas características essenciais aos profissionais de

saúde para que desenvolvam uma boa clínica: o vínculo/proximidade entre

profissional–usuário, com a horizontalização dessas relações, a boa anamnese e o

bom exame clínico da pessoa, através de conversa com escuta qualificada e do

contato físico, e a ampliação do olhar para além da doença.

O questionamento da extrema valorização dos exames para o diagnóstico,

em detrimento da semiologia clínica e da aproximação entre profissional de saúde e

usuário é um importante aspecto a ser considerado:

Enquanto o médico tiver mão, ouvido e olho, ele não precisa de exames. O que que é

clínica: escutar a queixa, usar a ponta de seus dedos, palpar o paciente e olhar o que o

paciente tem. Depois ver o que pede. - Luana (entrevista)

Sem, no entanto, negar a importância, ainda que às vezes relativa, dos

exames diagnósticos, relata experiência positiva com colega em outro ambiente de

trabalho:

O cara tinha clínica, ele não se apegava a exame, só. Então era muito dez. – Luana

(entrevista)

A concepção cartesiana dualista que separa corpo e mente e que fundamenta

o modelo biomédico de atenção à saúde e aposta que a atuação profissional do

médico centra-se no corpo (físico) e a do psicólogo na mente (emocional), pode ser

identificado em alguma medida na seguinte fala:

O paciente que está fingindo, ele tem um problema de saúde ou não? Algum problema de

saúde, alguma coisa. Se a gente for na definição lá de doença, a gente vai ver que ela

depende dos fatores sociais e familiares, enfim, de tudo basicamente, então algum problema

aquela pessoa tem, e qual seria assim uma pessoa que tá fingindo, que você

aparentemente vê que ela não tem uma doença física, mas tem uma doença emocional,

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para qual tipo de profissional poderia ajudar aquele paciente que tá fingindo, teoricamente?

[...] Eu pensaria num psicólogo. – Sandro (oficina 2.1)

A maioria dos profissionais da equipe de ESF presentes na oficina concorda

com essa posição. Identifica-se que, mesmo com um discurso que contextualiza a

doença, de alguma forma, para além dos aspectos físicos, claramente fragmenta o

trabalho em saúde. Além de negar a explícita fragilidade a que são submetidos os

sujeitos no mundo do trabalho contemporâneo, que os fazem procurar um

profissional de saúde para se ausentarem do ambiente laboral, isenta outros

profissionais de saúde, que não psicólogos, da responsabilidade de abordar as

questões emocionais, a subjetividade da pessoa em sofrimento e o contexto

sociocultural que determina seu processo saúde e adoecimento.

Em contrapartida, há aspectos da atuação profissional no contexto da unidade

de saúde que vão em direção à ampliação do olhar sobre o sujeito para além dos

aspectos físicos:

[...] muitas vezes os pacientes eles têm só uma carência afetiva, assim, ele está precisando

na verdade desabafar o problema que ele tem. [...] Aí eu comecei a conversar com o guri,

comecei a perguntar sobre a história dele [...] aquela dor no peito, aquela angústia [...] não é

uma dor cardíaca [...] mudou totalmente a consulta. [...]. Aí o guri começou a chorar,

começou a desabafar, começou a falar dos problemas [...] mudou totalmente o foco da

consulta. Se eu tivesse talvez seguido uma linha técnica [...] ia encher o paciente de

medicalização [...] ia entupir ele de ansiolítico, ia dar diazepam para ele [...] foi uma

conversa que eu conversei, o guri pensou, se planejou, fez algumas coisas. Não vai mudar

agora, mas um mês, dois meses, seis meses pensando, um ano, tentando trabalhar

diferente ele vai mudando aos poucos. – Henrique (entrevista)

E às vezes a resolução do problema é só ter um ouvido para escutar, para o cara desabafar

e tu falar assim: “O que que tu acha da gente fazer um coisa assim, na vida”, tentar dar

alguma luz, alguma coisa. Nem sempre, né, o acolhimento deveria se acabar na consulta do

médico, com medicação, com prescrição e tal. Eu acho que no mínimo aí em torno de

sessenta a setenta por cento das queixas que vêm no acolhimento poderiam ser resolvidas

[...] sem medicação, simplesmente com algum tipo de orientação. – Henrique (entrevista)

A fragmentação do trabalho parece exacerbar-se no âmbito das especialidades

médicas. No intuito de diminuir esse aspecto negativo, um dos profissionais procura

aumentar sua resolubilidade e diminuir os encaminhamentos:

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[...] eu tento evitar encaminhar o paciente para o cardiologista. O paciente hipertenso, tá

com dor no peito. Vai para o cardiologista. Pô. Eu acho que não. Calma. Espera aí. [...] eu

tento resolver a maioria dos problemas aqui na Unidade, porque eu tento ver o paciente

como um todo [...] O cardiologista vai ver a parte cardíaca, vai esquecer o diabetes, vai

esquecer o hipotireoidismo, vai esquecer a parte psicológica do paciente [...] então eu tento

resolver tudo aqui porque eu estou vendo o paciente inteiro [...] eu não estou vendo só o

coração, eu estou vendo tudo, eu estou me preocupando com todas as coisas dele,

inclusive eu me preocupo com a renda do paciente, eu me preocupo com o que ele vai fazer

[...] qual é a perspectiva para o (paciente) – Henrique (entrevista)

A centralização do trabalho em saúde em consultas médicas continua sendo

reclamação frequente e é uma situação que certamente impede o bom

desenvolvimento da clínica ampliada e compartilhada, e consequentemente a

resolubilidade na atenção integral à saúde:

[...] a coisa é tudo medicocêntrico, é tudo baseado no atendimento médico. Se o paciente

não é atendido aqui pelo médico, ele é encaminhado para o P.A., para lá ser atendido pelo

médico, ou então “volta amanhã, que vai ter vaga de acolhimento para o médico” ou então

“venha dia vinte para marcar consulta para o médico.”, entendeu? É tudo médico, médico,

médico. – Henrique (oficina 1.2)

Por outro lado, a focalização do trabalho dos enfermeiros em questões de

ordem burocrática parece distanciá-los em alguma medida do que consideram seu

papel, o que indica, juntamente com o aspecto apresentado anteriormente, que

existe certa divisão de tarefas dos profissionais da equipe, que vai na contramão do

trabalho multiprofissional e interdisciplinar:

Eu acho que as burocracias elas deveriam ser mais distribuídas, né, por isso que a gente

acaba não conseguindo tocar as atividades que deveriam ser tocadas. – Luana (oficina 2.1)

Tá centralizada tipo numa pessoa só (fala apontando para a enfermeira). – Sofia (oficina

2.1)

Papelada é com o enfermeiro. – Lúcia (oficina 2.1)

Além da centralização do trabalho em consultas médicas, parece que a

responsabilização desses profissionais pode limitar-se ao diagnóstico e prescrição

de tratamento, o que ilustra um característico descompromisso profissional com os

processos terapêuticos singulares de cada sujeito no modelo de atenção tradicional:

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[...] veio uma guria que era a terceira consulta dela. Ela veio comigo, depois ela procurou

uma cardiologista na rede privada, fez um monte, vários exames, e aí ela veio comigo [...]

Daí eu perguntei para ela “Tu já começou a fazer alguma coisa, tu já botou em prática

alguma dessas coisas que a gente te orientou?”, daí ela falou assim: “Não, mas eu quero te

explicar.”, eu falei “Não, tu não me deve explicação nenhuma. Não sou um pai para ficar te

cobrando coisa [...] Eu sou um consultor de saúde. Tu vem e me pergunta. Tu vem com

um problema. Eu analiso o problema que tu me trouxe, tento entender o teu contexto

todo e baseado naquilo que eu aprendi na vivência que eu tenho, eu tento te dar uma

resposta. Agora cabe a ti fazer, seguir o meu conselho ou não”. E aí eu tentei não

culpabilizar ela por isso, mas tentar fazer com que ela entendesse que “cara, vamos mexer

esse corpo”. – Henrique (oficina 1.2)

Muitas vezes, sob a égide da ideia de corresponsabilização vive a

culpabilização e o apassivamento dos profissionais de saúde frente às dificuldades

na relação com o usuário e na resolução dos casos:

[...] porque o pessoal não faz atividade física: pessoa tá acomodada, em casa, tu vai ter que

tirar ela de uma certa zona de conforto. Outra coisa, dependendo, ela só quer remédio, só

medicação, medicação porque assim, ó, a responsabilidade da saúde dela é do remédio que

o médico prescreveu. Então a responsabilidade dela se manter saudável é do médico, e não

é dela, entendeu? [...] eu acho que a gente tem que trabalhar em cima disso, tem que pegar

e responsabilizar o paciente pelo cuidado da saúde dele, também. – Henrique (oficinal 1.2)

Há o reconhecimento da complexidade do trabalho em saúde, porém a

abordagem comportamentalista se mantém:

[...] como que a gente vai mudar a cabeça, lá, o âmago daquela pessoa para que ela olhe

para o corpo dela e cuide do corpo dela como deveria ser feito? Como falar para a Luana

que ela tem que parar de fumar? Como? Como abordar essa pessoa e influenciar ela [...]

Então é muito complexo. – Sandro (oficina 2.2)

[...] e aquele paciente que entende as coisas, o paciente que está no mesmo nível (de

conhecimento). Ele entende que ele é hipertenso, ele entende que ele é diabético, ele sabe

quais são os problemas que ele pode ter, ele sabe o uso correto das medicações, e ele não

coloca nada em prática, nem o uso das medicações e muito menos os hábitos. [...] Tudo

bem, mudar os hábitos é um pouco mais difícil, mas e a medicação, que é só tomar

conforme o horário? O médico já prescreveu só um comprimido por dia, tem que tomar uma

losartana e um atenolol de manhã para controlar a hipertensão, e mesmo assim ele não

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toma as medicações. Nem a medicação que é o mais fácil. Por que que ele faz isso? –

Henrique (oficina 1.1)

[...] chega uma paciente lá, né, para consultar comigo, que quer o bendito exame de rotina.

Ela acha que existe e tal e quer o exame de rotina. Muito bem, a gente examina, a princípio

não tem nada, né, a gente fala para ela: “Não, na verdade o que a senhora precisa é

começar uma atividade física, uma hora por dia, cinco vezes por semana, no seu café da

manhã come um pão integral, alimentação seis vezes ao dia, no meio do café da manhã

comer uma fruta, uma coisa integral, tal, tal, tal. E é isso que a senhora tem que fazer, e

seus exames são desnecessários e até podem gerar uma iatrogenia, alguma coisa. E aí? O

que que vocês acham que essa pessoa vai sair [...] Eu sou um péssimo médico,

exatamente. Pior que isso [...] Então realmente é complicadíssimo você atuar nos

determinantes desse processo aí, tendo uma cultura impregnada na doença. – Sandro

(oficina 2.1)

Apesar de certas contradições nas reflexões acerca da postura

comportamentalista e medicalizante dos profissionais de saúde, houve a

identificação inicial de algumas fragilidades na conduta médica e da necessidade de

mudança:

[...] o doutor Cláudio no consultório cardiológico dele: ele coloca “Tu vai caminhar uma hora

por dia, cinco vezes por semana, porque senão tu vai voltar a infartar.”. A saúde como um

todo, é o foco na doença, entendeu. Então, de repente nós, como Estratégia, como Atenção

Básica, como porta de entrada, temos que ter uma visão mais ampla do negócio todo, para

facilitar para nós e para os nossos pacientes também, a gente tem que tentar abordar de

outra forma a mesma coisa. – Henrique (oficina 1.1)

A compreensão de que fatores que vão além das mudanças comportamentais

influenciam de forma positiva na saúde das pessoas, como o convívio social, por

exemplo, é ilustrada nas falas seguintes:

Teve caso de pacientes que deixaram de tomar remédio para depressão, a partir do Itajaí

Ativo, remédio para pressão... [...] É o convívio. – Kátia (oficina 2.3)

Pessoas que eram isoladas e conseguiram sair de casa, passear. Tem gente que nem no

mercado conseguia ir, para tu ver, de tão sozinho que era, de tão desmotivado, e a partir do

momento que começaram a usar o Itajaí Ativo como instrumento, meu Deus, é outra vida, tu

vai ali, tu se sente até com vergonha da disposição que eles têm [...] – Luiza (oficina 2.3)

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Embora o termo “Clínica Ampliada” não seja conhecido pelos profissionais, há

o apontamento de aproximação com os conhecimentos referentes ao assunto:

Quando você falou em clínica ampliada, inicialmente eu estranhei esse termo, nunca ouvi

falar na minha vida inteira, mas lendo todo aquele material sobre clínica ampliada, “Ah, mas

isso daqui é o que eu já sabia que deve ser feito.”; parece que foi dado ênfase em dar um

nome de todas aquelas ações como sendo clínica ampliada. [...] é você tirar lá da questão

biológica e médica e dar uma visão ampliada [...] já é discutido há muito tempo na teoria,

mas praticamente, a gente tá arraigado ainda na questão biomédica, tanto por parte dos

pacientes até alguns profissionais dentro da saúde. A teoria é uma, mas na prática o médico

acaba sendo o centralizador mesmo. Mesmo tendo toda essa teoria já há alguns anos, mas

na prática parece que se você chegar e falar para algum paciente que “Não, você não

precisa de um atendimento do médico, pode ter uma conversa com a enfermeira, pode ter

uma conversa com o educador físico”, ele provavelmente não vai aceitar, ou alguns vão

aceitar, outros não. – Sandro (oficina 2.3)

A partir dos dados analisados, considera-se que o desenvolvimento na clínica

ampliada para a construção da integralidade ainda é um desafio no cotidiano das

práticas de saúde.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os intensos e antigos debates no âmbito acadêmico sobre os

temas abordados reconhece-se a ausência de originalidade do trabalho. Entretanto,

a pesquisa qualitativa, ao olhar a singularidade dá bases à discussão dos contextos

microinstitucionais, e pode servir de instrumento para repensar o processo do

trabalho, repensar o sentido do trabalho em saúde e analisar a realidade de forma

mais qualificada e cuidadosa para então redefinir caminhos, para não navegar à

deriva, ou pior, em conformidade com os interesses daqueles que não pretendem o

fortalecimento do SUS, que usam as fragilidades do sistema público de saúde para

enriquecer sua retórica, e tacitamente impõem o curso da história.

Como limitações, pode-se citar que o presente estudo não é passível de

generalização, na medida em que direciona o olhar para um contexto específico.

Ainda, aborda apenas alguns poucos aspectos do trabalho na Atenção Básica,

incompatíveis com a análise mais abrangente necessária para aprofundar as

discussões sobre a complexidade do assunto.

Cada contexto do serviço de saúde é único, uma vez que constituído pelo

encontro e convívio de sujeitos sociais e históricos, cada um com uma trajetória

profissional e história de vida singular. Da mesma forma, o olhar de pesquisadora

também foi construído cultural, histórico e socialmente, e a falácia da neutralidade

científica se desmancha na evidência de que os conhecimentos são produções

subjetivas atravessadas pelo emaranhado de signos e significados constitutivos da

teia social. Assim, trata-se de um olhar específico sobre um contexto singular.

A construção da integralidade, tema central deste trabalho prescinde de

ações micro e macropolíticas. Intenções em nível macropolítico não se solidificam se

não houver a permeabilidade a discussões consistentes que resultem em ações a

nível microinstitucional. Em contrapartida, a vontade de mudanças em nível

microinstitucional não se sustenta sem uma estrutura macropolítica que lhe dê

suporte.

Já em 1986, na VIII Conferência apontou-se como evidente que modificações

necessárias no setor saúde transcendem aos limites de uma reforma administrativa

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e financeira, sendo necessária uma reformulação mais profunda, incluindo a

ampliação do conceito de saúde e a ação institucional correspondente. Para tanto,

indicou-se como necessário a revisão da legislação no que diz respeito à promoção,

proteção e recuperação da saúde e convencionou-se chamar todo esse processo de

reforma sanitária (BRASIL, 1986).

Assim, considera-se a importância de reconhecer que a reforma sanitária é

um movimento atual, em que cada ator social envolvido no processo deve assumir

responsabilidades para com a consolidação do sistema de saúde de forma que este

responda cada vez melhor às necessidades de saúde da população brasileira.

Um passo importante é o reconhecimento por todos os profissionais, tanto da

assistência quanto da gestão, de que a saúde é um conceito amplo e que devemos

entendê-la na sua complexidade, em sua determinação social, pois

[...] não são poucas as situações em que o adoecimento é causado ou agravado por situações de dominação e injustiça social. [...] O compromisso ético com o usuário deve levar o serviço a ajudá-lo a enfrentar, ou a menos perceber, estas causalidades externas e as influências no seu quadro de saúde das teias de poderes e micropoderes em que ele está imerso. (CARVALHO; CUNHA, 2012, p. 911)

A partir dos dados apresentados no presente estudo, considera-se que a

compreensão ampliada sobre saúde, o acolhimento, a coordenação do cuidado, a

clínica ampliada constituem-se ainda em grandes desafios e, consequentemente a

integralidade do cuidado em saúde ainda é uma construção lenta e frágil, que

depende de permanentes reorientações.

A consolidação de um sistema de saúde com vistas à atenção integral à

saúde depende inclusive da reorientação da formação em saúde, para que a

compreensão sobre Estratégica Saúde da Família, Atenção Básica e Sistema Único

de Saúde alcance além dos aspectos técnicos e se estruture a partir de bases

epistemológicas. Essa lacuna ainda existente gera fragilidades em concepções

fundamentais para a transformação das práticas em um sentido mais amplo e mais

profundo.

A manutenção do setor privado como forte ator na assistência à saúde no

âmbito do SUS gera ruídos importantes inclusive para a coordenação do cuidado e a

integralidade da atenção, pois uma rede de atenção à saúde que se constitui por

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pontos de atenção com diferentes objetivos norteadores do seu trabalho, como

acontece na dicotomia público-privado, dificulta o consonância necessária para o

desenvolvimento de práticas verdadeiramente integrais.

No contexto brasileiro, a Atenção Básica traz consigo as sequelas do debate

travado nos anos 70, decorrentes do caráter racionalizador defendido por alguns

atores das agências financeiras que preconizavam a redução do financiamento e

gastos em saúde, em detrimento das reais necessidades de saúde das populações

dos países periféricos (GIL, 2006).

Ainda que muitos formuladores das políticas de saúde da época não tenham

tido essa racionalidade, e defendiam, inclusive, o aumento de recursos para o setor,

a Atenção Básica, por ter sido implementada num contexto no qual a expansão da

cobertura veio acompanhada das propostas de contenção do financiamento, teve

seus pressupostos estruturantes de um novo modelo (universal, equânime, inclusivo,

integral) obscurecidos pelo ideário neoliberal racionalizador (focalização, baixo

custo, pacote básico, excludente). Ainda assim, esse debate tem sido salutar por

manter alerta e vigilante os diferentes segmentos sociais da reforma sanitária

brasileira em relação aos rumos da política de saúde, do próprio SUS e da

concepção de política setorial que se quer imprimir no país (GIL, 2006).

Segundo a autora, embora a Estratégia Saúde da Família tenha crescido

muito no país, seu maior desafio atualmente para viabilizar-se como estratégia

estruturante dos sistemas municipais é a sua consolidação nos centros urbanos.

Com isso, vive um paradoxo: cresce ao mesmo tempo que se fragiliza em função de

processos de mudança.

Em relação às práticas profissionais, estas não conseguem atender adequadamente as novas necessidades de prestação dos cuidados de saúde (integralidade, visão ampliada do processo saúde-doença, formação de vínculos, abordagem familiar, trabalho em equipe). O mesmo ocorre em relação à gestão do sistema (lógica quantitativa da produção, rigidez nos processos de trabalho, fixação das equipes, normatização excessiva, baixa capacidade de inovação gerencial, grande dependência dos serviços secundários, referência e contrarreferência) (GIL, 2006, p. 1179).

Apesar de todas as dificuldades, o reconhecimento da integralidade como

algo construído inclusive no cerne das práticas de saúde, no cotidiano, no dia-a-dia

é fundamental para que a discussão não se mantenha somente em pontos que

estão fora da governabilidade dos profissionais e gestores locais. As práticas

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integrais se solidificam de formas diversas, diferenciadas, penetradas nos

microcontextos e, muitas vezes, sua riqueza passa despercebida. Como lembra

Mattos (2005, p. 122)

[...] Infelizmente, parece que ainda não conseguimos nos libertar plenamente dos nossos próprios modelos ideais (como devem ser as práticas, a organização dos serviços ou mesmo as configurações das políticas) para apreender a riqueza dessas múltiplas experiências e aprender com elas sobre integralidade.

A identificação dos avanços e dos entraves gera a formulação de críticas e a

partir delas, o engajamento na luta por mudanças. Aqui se situa este trabalho, pois,

como afirma Meneghel (2004), o papel atribuído à medicina social como instrumento

de denúncia das desigualdades e das iniquidades em saúde é apontamento comum

entre autores da área. A autora reconhece como reconfortante a observação de que

as diferentes propostas confluem em relação ao entendimento da medicina social

como um campo de conhecimento complexo, ao resgate da solidariedade e da ética,

à inclusão das metáforas da vida e à importância de incluir a

subjetividade/subjetivações na busca da utopia da saúde coletiva.

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MENDES, E. V. Atenção Primária à Saúde no SUS. Fortaleza: Escola de Saúde Pública do Ceará, 2002, 89p. MENEGHEL, S. N. Medicina Social: um instrumento para denúncia. Caderno IHU Ideias, ano 2, n. 15, 2004, Porto Alegre: UNISINOS, 21p.

MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2010, 108p.

PAGLIOSA, F. L.; DA ROS, M. A. O Relatório Flexner: para o bem e para o mal. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, v. 32, n. 4, p. 492-499, 2008.

PINHEIRO, R.; LUZ, M. T. Práticas Eficazes x Modelos Ideais: Ação e Pensamento na Construção da Integralidade. In: MATTOS, R. A.; PINHEIRO. R. (Orgs.). Construção da Integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO, 2007, p. 9-36.

SCHMIDT, M. L. S. Pesquisa participante e formação ética do pesquisador na área da saúde. Ciência e saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 391-396.

STARFIELD, B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde, 2002, 726p.

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APÊNDICE

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Apêndice 01

Roteiro de entrevista semi-estruturada

1.Nome (iniciais):_____________ 2.Idade:________________________

3. Formação: ___________________ 4. Tempo de atuação na profissão: _________

5. Função/cargo:_________________6. Tempo de atuação na UBS: ___________

7. Outras atividades profissionais/áreas de atuação já exercidas:________________

8. Exerce outra função/cargo concomitante? ( ) Não ( ) Sim Qual? _____________

9. O que você considera importante para que seja realizado um bom acolhimento

dos usuários e um atendimento humanizado?

10. Como você acha que deve ser a organização da agenda dos profissionais para

um bom atendimento dos usuários?

11. Qual a sua opinião sobre a resolubilidade do atendimento dado pela ESF aos

usuários?

12. São desenvolvidas ações de promoção de saúde pelos profissionais da ESF?

Quais? Quais ações você considera importantes para promover saúde aos

usuários?

13. Existe a participação dos profissionais e dos usuários nas decisões sobre o

trabalho na ESF? Como você acha que isso deveria acontecer?

14. Como você percebe a interação entre os profissionais para desenvolver as

ações em saúde na UBS?

15. Como são as reuniões de equipe? Qual a sua opinião acerca da importância das

reuniões de equipe?

16. O que você entende que seja o papel principal da ESF no SUS? E o papel do

SUS?

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B

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ANEXO C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a) em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, rubrique a primeira página e assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.

Título do Projeto: A CLÍNICA AMPLIADA ENQUANTO PRÁTICA DA INTEGRALIDADE: o desafio na Estratégia Saúde da Família.

Pesquisadores responsáveis: Imaê Alves e Luiz Roberto Agea Cutolo

Telefone para contato: (47) 9946-8252

E-mail para contato: [email protected]

Telefone do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UNIVALI: (47) 3341-7738

Considerando-se a necessidade de consolidação do Sistema Único de Saúde, através da Atenção Primária à Saúde enquanto coordenadora do cuidado em saúde, operacionalizada pela Estratégia Saúde da Família (ESF), este projeto tem como objetivo propor práticas concretas em saúde a partir de situações-problema tendo como base as concepções de clínica ampliada e integralidade, com os profissionais de duas equipes de ESF. Para tanto, será utilizada uma abordagem qualitativa de pesquisa. Sua contribuição para a pesquisa será através da participação em entrevista e oficina, sendo a última desenvolvida em quatro etapas de noventa minutos cada, durante as reuniões de equipe, conforme agenda da Unidade Básica de Saúde. As entrevistas serão registradas por meio de gravação de áudio e as oficinas por meio de gravação de áudio e vídeo. As informações serão analisadas à luz de referenciais teóricos da área.

Os riscos possíveis são os inerentes às metodologias coletivas, que prescindem da exposição de opiniões e valores através do diálogo, da discussão entre os participantes, cabendo ao pesquisador minimizar tais riscos enquanto mediador do processo de ensino-aprendizagem, de forma tal que o foco do processo seja sempre a produção de conhecimento para o benefício de todos os sujeitos envolvidos na pesquisa, sem que nenhum deles seja exposto a situações constrangedoras.

Os benefícios da pesquisa são relevantes na medida em que esta põe em pauta questões importantes do processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e proporciona um espaço de produção de conhecimento no cotidiano das práticas em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Apesar de não participarem diretamente da pesquisa, os usuários da área de abrangência da Unidade Básica de Saúde podem ser beneficiados com a qualificação do trabalho dos profissionais pesquisados, no que diz respeito ao atendimento integral à saúde.

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Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o parecer ________ e garante o caráter sigiloso de identidade, bemcomo o direito de retirar o consentimento de participação e uso de informações concedidas a qualquer tempo. O participante poderá entrar em contato com os pesquisadores a qualquer tempo para solicitar esclarecimentos, dar sugestões e fazer contribuições. Os resultados da pesquisa serão divulgados e informados aos participantes bem como à Secretaria Municipal de Saúde do município.

Nome do pesquisador: Imaê Alves

Assinatura do pesquisador: _____________________________________________

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu, ________________________________, RG ___________, CPF ____________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes da minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento/assistência/tratamento.

Local e data:_________________________________________________________

Nome:______________________________________________________________

Assinatura do Sujeito ou Responsável: ____________________________________

Telefone para contato:_________________________________________________

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ANEXO D

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a) em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, rubrique a primeira página e assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.

Título do Projeto: A CLÍNICA AMPLIADA ENQUANTO PRÁTICA DA INTEGRALIDADE: o desafio na Estratégia Saúde da Família.

Pesquisadores responsáveis: Imaê Alves e Luiz Roberto Agea Cutolo

Telefone para contato: (47) 9946-8252

E-mail para contato: [email protected]

Telefone do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UNIVALI: (47) 3341-7738

Considerando-se a necessidade de consolidação do Sistema Único de Saúde, através da Atenção Primária à Saúde enquanto coordenadora do cuidado em saúde, operacionalizada pela Estratégia Saúde da Família (ESF), este projeto tem como objetivo propor práticas concretas em saúde a partir de situações-problema tendo como base as concepções de clínica ampliada e integralidade, com os profissionais de duas equipes de ESF. Para tanto, será utilizada uma abordagem qualitativa de pesquisa. Sua contribuição para a pesquisa será através da participação ementrevista, sendo a última desenvolvida em quatro etapas de noventa minutos cada, durante as reuniões de equipe, conforme agenda da Unidade Básica de Saúde. As entrevistas serão registradas por meio de gravação de áudio e as oficinas por meio de gravação de áudio e vídeo. As informações serão analisadas à luz de referenciais teóricos da área.

Os riscos possíveis são os inerentes às metodologias coletivas, que prescindem da exposição de opiniões e valores através do diálogo, da discussão entre os participantes, cabendo ao pesquisador minimizar tais riscos enquanto mediador do processo de ensino-aprendizagem, de forma tal que o foco do processo seja sempre a produção de conhecimento para o benefício de todos os sujeitos envolvidos na pesquisa, sem que nenhum deles seja exposto a situações constrangedoras.

Os benefícios da pesquisa são relevantes na medida em que esta põe em pauta questões importantes do processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e proporciona um espaço de produção de conhecimento no cotidiano das práticas em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Apesar de não participarem diretamente da pesquisa, os usuários da área de abrangência da Unidade Básica de Saúde podem ser beneficiados com a qualificação do trabalho dos profissionais pesquisados, no que diz respeito ao atendimento integral à saúde.

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Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o parecer ________ e garante o caráter sigiloso de identidade, bem como o direito de retirar o consentimento de participação e uso de informações concedidas a qualquer tempo. O participante poderá entrar em contato com os pesquisadores a qualquer tempo para solicitar esclarecimentos, dar sugestões e fazer contribuições. Os resultados da pesquisa serão divulgados e informados aos participantes bem como à Secretaria Municipal de Saúde do município.

Nome do pesquisador: Imaê Alves

Assinatura do pesquisador: _____________________________________________

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu, ________________________________, RG ___________, CPF ____________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes da minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento/assistência/tratamento.

Local e data:_________________________________________________________

Nome:______________________________________________________________

Assinatura do Sujeito ou Responsável: ____________________________________

Telefone para contato:_________________________________________________

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ANEXO E

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a) em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, rubrique a primeira página e assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.

Título do Projeto: A CLÍNICA AMPLIADA ENQUANTO PRÁTICA DA INTEGRALIDADE: o desafio na Estratégia Saúde da Família.

Pesquisadores responsáveis: Imaê Alves e Luiz Roberto Agea Cutolo

Telefone para contato: (47) 9946-8252

E-mail para contato: [email protected]

Telefone do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UNIVALI: (47) 3341-7738

Considerando-se a necessidade de consolidação do Sistema Único de Saúde, através da Atenção Primária à Saúde enquanto coordenadora do cuidado em saúde, operacionalizada pela Estratégia Saúde da Família (ESF), este projeto tem como objetivo propor práticas concretas em saúde a partir de situações-problema tendo como base as concepções de clínica ampliada e integralidade, com os profissionais de duas equipes de ESF. Para tanto, será utilizada uma abordagem qualitativa de pesquisa. Sua contribuição para a pesquisa será através da participação em oficina, sendo a última desenvolvida em quatro etapas de noventa minutos cada, durante as reuniões de equipe, conforme agenda da Unidade Básica de Saúde. As entrevistas serão registradas por meio de gravação de áudio e as oficinas por meio de gravação de áudio e vídeo. As informações serão analisadas à luz de referenciais teóricos da área.

Os riscos possíveis são os inerentes às metodologias coletivas, que prescindem da exposição de opiniões e valores através do diálogo, da discussão entre os participantes, cabendo ao pesquisador minimizar tais riscos enquanto mediador do processo de ensino-aprendizagem, de forma tal que o foco do processo seja sempre a produção de conhecimento para o benefício de todos os sujeitos envolvidos na pesquisa, sem que nenhum deles seja exposto a situações constrangedoras.

Os benefícios da pesquisa são relevantes na medida em que esta põe em pauta questões importantes do processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e proporciona um espaço de produção de conhecimento no cotidiano das práticas em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Apesar de não participarem diretamente da pesquisa, os usuários da área de abrangência da Unidade Básica de Saúde podem ser beneficiados com a qualificação do trabalho dos profissionais pesquisados, no que diz respeito ao atendimento integral à saúde.

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Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o parecer ________ e garante o caráter sigiloso de identidade, bem como o direito de retirar o consentimento de participação e uso de informações concedidas a qualquer tempo. O participante poderá entrar em contato com os pesquisadores a qualquer tempo para solicitar esclarecimentos, dar sugestões e fazer contribuições. Os resultados da pesquisa serão divulgados e informados aos participantes bem como à Secretaria Municipal de Saúde do município.

Nome do pesquisador: Imaê Alves

Assinatura do pesquisador: _____________________________________________

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu, ________________________________, RG ___________, CPF ____________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes da minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento/assistência/tratamento.

Local e data:_________________________________________________________

Nome:______________________________________________________________

Assinatura do Sujeito ou Responsável: ____________________________________

Telefone para contato:_________________________________________________