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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CEJURPS CURSO DE DIREITO A TEORIA JURÍDICA E SEUS DOIS MARIDOS JUSNATURALISMO E POSITIVISMO GILMARA MARTA DUNZER LEITES Itajaí, junho de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO

A TEORIA JURÍDICA E SEUS DOIS MARIDOS – JUSNATURALISMO E POSITIVISMO

GILMARA MARTA DUNZER LEITES

Itajaí, junho de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO

A TEORIA JURÍDICA E SEUS DOIS MARIDOS – JUSNATURALISMO E POSITIVISMO

GILMARA MARTA DUNZER LEITES

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Mestre Clóvis Demarchi

Itajaí, junho de 2009.

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus e a minha família.

Principalmente, meu marido, meu filho e minha

mãe, companheiros incansáveis, perseguidores

em comum de um sonho, que deixou de ser só

meu para ser nosso.

Agradeço aos Professores, aqueles que me

inquietaram pela busca de conhecimento teórico e

não só apenas o decorar leis, para enganar o

interlocutor com a empáfia daqueles que decoram

algumas leis para repeti-las em busca de platéia,

como o pastor que decora alguns salmos para

fingir conhecimento frente aos seus seguidores.

E sim, a busca pelo Direito, este que realmente

inquieta consciente de que quanto mais se busca,

mais se tem a consciência de que nada sabe.

Agradeço a estes Mestres que me ensinaram que

o Direito é muito mais do que meras leis.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho monográfico a minha família

que tanto amo.

Dedico aos grandes juristas, incansáveis

desbravadores da Teoria Jurídica no Brasil como

Miguel Reale (in memorian), Roberto Lira Filho (in

memorianI), Dalmo de Abreu Dallari, Paulo

Bonavides, Luis Alberto Warat, dos quais me

declaro extrema fã.

Dedico a minha linda irmã Gilciane Luiza Dunzer

(in memorian) a qual sei que tanto se orgulharia

do meu comprometimento com o estudo jurídico.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2009.

Gilmara Marta Dunzer Leites Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Gilmara Marta Dunzer Leites, sob

o título O Direito e seus dois maridos – Jusnaturalismo e Positivismo, foi

submetida em 18 de junho à banca examinadora composta pelo prof. MSc. Clovis

Demarchi e Lucilaine e foi aprovada com nota 10 (dez).

Itajaí, junho de 2009.

Clóvis Demarchi Orientador e Presidente da Banca

Prof. MSc. Antônio Augusto Lapa

Coordenação da Monografia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................11

CAPÍTULO 1 .....................................................................................14

JUSNATURALISMO .........................................................................14

1.1 ETIMOLOGIA ................................................................................................. 14

1.2 GNOSIOLOGIA .............................................................................................. 15 1.2.1 GRÓCIO, UMA VISÃO RACIONALISTA DO DIREITO NATURAL ................................ 23 1.2.2 JONH LOCKE E THOMAS HOBBES VERSUS O DIREITO NATURAL ......................... 26 1.3 CONCEITOS DO DIREITO NATURAL ........................................................... 28

CAPÍTULO 2 .....................................................................................37

POSITIVISMO JURÍDICO ..................................................................37

2.1 ETIMOLOGIA ................................................................................................. 37 2.2 GNOSIOLOGIA .............................................................................................. 39 2.3 A TEORIA PURA DO DIREITO ...................................................................... 40

2.4 CONCEITUAÇÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO .......................................... 50

CAPÍTULO 3 .....................................................................................54

AFINAL O QUE É O DIREITO? ........................................................54

3.1 A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO ................................................. 54 3.2 BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO CULTURALISMO JURÍDICO ....... 57 3.3 DIFERENTES VISÕES EPISTEMOLÓGICAS DA TEORIA JURÍDICA ......... 60

3.3.1 CARLOS ALBERTO BITTAR – CONCEPÇÃO DO DIREITO JUSNATURALISTA ........... 60 3.3.2 A VISÃO CRÍTICA DE PAULO NADER ACERCA DO POSITIVISMO JURÍDICO ............ 61

3.3.3 JOÃO MAURÍCIO ADEODATO E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO ENQUANTO ONTOLOGIA

.............................................................................................................................. 63

3.4 A VISÃO DIALÉTICA DA TEORIA JURÍDICA DE ROBERTO LYRA FILHO 64 3.5 VARIAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO ................................................. 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................70

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...........................................73

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ROL DE CATEGORIAS

Direito

Ciência das normas obrigatórias que disciplinam as relações dos homens em

sociedade; jurisprudência. O conjunto de conhecimentos relativos a esta ciência,

ou que tem implicações com ela, ministrados nas respectivas faculdades. O

conjunto das normas jurídicas vigentes num país. Complexo de normas não

formuladas que regem o comportamento humano; lei natural: direito universal.1

Culturalismo

Teoria jurídica que defende que “o estudo da Ciência do Direito não pode mais

aceitar a visão abstrata do fenômeno jurídico desvinculado das relações

existenciais da vida humana. A vivencia do ser humano, na relação com seu

semelhante, no contexto de qualquer organização política, implica a intercorrência

de valores espirituais, éticos, morais, políticos e de outros, de igual sentido

fenomenológico.” 2

Jusnaturalismo

“JUS NATURALE”. Entre os romanos, as expressões jus naturale e naturalis

ratio eram, por vezes empregadas para designar as instituições que

pertenciam ao Jus Gentium. Mas, em regra, indicava o Direito Natural, ou seja,

o conjunto de regras que regulam a vida animal, e que são inatas e provindas

do próprio instinto, tais como as regras que regulam a união do macho e da

fêmea, a procriação e a educação dos filhos, o direito de defesa contra o

ataque. 3

Positivismo

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 687.

2 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude, moral e razão: reflexões. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 23.

3 SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 470.

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Doutrina de Auguste Comte, caracterizada, sobretudo, pela orientação

antimetafísica e antiteológica que pretendia imprimir à filosofia, e por preconizar

como válida unicamente a admissão de conhecimentos baseados em fatos e

dados da experiência; contismo. Caráter das doutrinas inspiradas em A. Comte

que fundamentam o conhecimento em dados empíricos cujo teor subjetivo ger.

acaba por ser privilegiado (sensacionismo, intuicionismo, simbolismo, etc.), muitas

vezes, levando ao agnosticismo, ao relativismo ou ao misticismo.4

Positivismo Jurídico

Escola jurídica que tem por base o direito positivo, ou seja, aquele posto na lei.

Opõe-se ao jusnaturalismo, ou o direito natural.5

Ontologia

Parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, do ser

concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada

um dos seres: “Com Kant o universo é uma dúvida: com Locke, é dúvida o

nosso espírito: e num desses abismos vêm precipitar-se todas as ontologias.” 6

4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI. p.. 1.615.

5 SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. p. 620.

6 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI. p. 1.447.

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RESUMO

O presente trabalho monográfico foi resultado de

pesquisas realizadas em torno das teorias jurídica. Aprofundou-se a pesquisa

nas teorias jurídica do jusnaturalismo e do positivismo jurídico. No entanto não

se deixou, ainda que de forma panorâmica de averiguar outras formas de

teorias jurídica, como o culturalismo e a concepção ontologia da teoria. O

objetivo maior do presente trabalho monográfico enseja na confirmação ou não

do discurso de Roberto Lyra Filho, o qual afirma categoricamente que

nenhuma teoria poderia suplantar a antítese jusnaturalismo e positivismo,

concebendo qualquer teoria como fadadas a se não estiver em um dos

extremos, estarem pelo menos inseridas dentre estas duas grandes teorias.

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INTRODUÇÃO

Inicialmente, vale destacar que o tema, mais

apropriadamente o nome escolhido para o presente trabalho, é um pequeno

tributo ao inquieto jurista Luis Alberto Warat7, que com sua obra A Ciência

Jurídica e seus Dois Maridos, ensina a questionar as verdades dadas como

absolutas.

Embora o foco seja completamente diferente, vez que o

referido Autor, naquela Obra buscou apontar a ciência jurídica (Dona Flor) e

seus contornos com o Estado (Teodoro como mero aplicador da norma

positiva) e a aplicação do direito, sob a ótica da sociedade (Vadinho como

sendo os anseios da sociedade) .

A presente Monografia tem como objeto a apresentação

das duas grandes teorias jurídicas, quais sejam o jusnaturalismo e o

positivismo jurídico.

O seu objetivo é ilustrar se realmente qualquer teoria

impreterivelmente estará inserida entre as duas grandes correntes doutrinárias

do direito.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando-se do

Jusnaturalismo, sua etimologia, gnosiologia, e seus mais variados conceitos.

7 Advogado, doutor em Direito pela Universidade de Buenos Aires, é também pós-doutor pela Universidade pela Universidade de Brasília e Granada (Espanha). Foi professor titular de Filosofia do Direito, da Universidade de Buenos Aires, e de Introdução ao Direito e Lógica e metodologia das Ciências na Universidade de Móron e na Universidade de Belgrano-Buenos Aires.

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No Capítulo 2, tratando de explorar o Positivismo jurídico,

em seus mais variados aspectos, incluindo a teoria pura do direito de Hans

Kelsen.

No Capítulo 3, tratando do ponto culminante do presente

estudo, qual seja a comparação entre as várias concepções jurídicas, dentre

elas a dialética jurídica, a teoria tridimensional do direito, a concepção

culturalista e a ontológica do direito.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, as quais são apresentadas os pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre a multiplicidade da teoria jurídica.

Para a presente monografia foram levantadas as

seguintes hipóteses:

O Jusnaturalismo e o Positivismo são realmente os

extremos de qualquer teoria jurídica.

Estariam todas as concepções (ideologias) jurídicas

hodiernas fadadas a estarem em um dos extremos ou

dentre estes, quais sejam o jusnaturalismo e positivismo.

Confirma-se a narrativa de Roberto Lyra Filho de que na

verdade a teoria tridimensional do direito tem caráter

positivista.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo8, na Fase de Tratamento

de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na

presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

8 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

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Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente9, da Categoria

10, do Conceito Operacional

11 e da

Pesquisa Bibliográfica.

9 "explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa". PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 241.

10 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia". PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 229.

11 “definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 229.

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CAPÍTULO 1

JUSNATURALISMO

Na pesquisa acerca da teoria do Direito Natural,

investigou-se primeiramente sua etimologia, posteriormente a gnosiologia,

passando pelo processo histórico e suas subdivisões.

Fez-se ainda, referência aos doutrinadores que

contribuíram para a formação da teoria em comento, assim passando a

textualizar.

1.1 ETIMOLOGIA

Etimologicamente, Jus é palavra latina, provinda do

sânscrito ius, que conforme conceitua De Plácido e Silva12

, trás idéia de

salvação, proteção, de vínculo ou de ordem:

[...] já entre os romanos era fundamentalmente tida no mesmo

sentido em que se tem o direito: como lei (norma agendi) ou como

poder (facultas agendi).

Mas, no direito Romano, além destas acepções, é a palavra tida

numa variedade de significações. Assim, chega a designar a

sentença pronunciada pelo juiz (jus est sententia judicis fiere), o

lugar em que o magistrado exerce do fato ou discussão dele, para

aplicação do direito (in judicio), a forma por que se deve praticar o

ato jurídico (jure factum e non jure factum), a Ciência do Direito ou

a jurisprudência, além de outros.

12

SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 470.

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Destarte na terminologia jurídica tem vários sentidos

como: justificar, justiça, justo, jurista, jurisprudência, jurisdição, julgamento,

justificar, juízo jurisconsulto, etc, “em todos eles encontrar-se-á o sentido

originário de jus, em quaisquer de suas modalidades, tendentes todas, a

mostrar o que é da lei ou se funda nela” 13

.

Pondera Norberto Bobbio14

, que o termo jusnaturalismo é

reservado por antonomásia15

:

Às vezes o termo é reservado, por antonomásia, a doutrinas que

possuem algumas características específicas comuns, de que se

falará a seguir, e que defenderam as mesmas teses nos séculos

XVII e XVIII: tanto que se gerou a opinião errônea de que a

doutrina do direito natural teve a sua origem apenas nesse

período.

Ressalta o autor que Jusnaturalismo é uma expressão

perigosamente ambígua, porque o seu significado, tanto filosófico como político,

se revela extremamente diverso consoante as várias concepções do direito

natural.

O jusnaturalismo possui como significado gramatical esse

direito, ou justiça, ou juízos em seu aspecto natural independente de valorização

humana, ou qualquer outro tipo de intervenção, sendo inerente a criatura humana.

1.2 GNOSIOLOGIA

A expressão Direito Natural surge na Antiguidade, Orlando

de Almeida Secco16 textualiza que os filósofos gregos aprimoraram-na:

13

SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. p. 470.

14 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 12. ed. São Paulo: Unb, 2002. p.656.

15 Antonomásia é uma figura de linguagem caracterizada pela substituição de um nome por uma expressão que lembre uma qualidade, característica ou fato.

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Foram, porém os jurisconsultos romanos que a consagraram

quando promoveram a divisão tricotômica do Direito em: “ius

civile” (Direito Civil), “ius gentium” (Direito das Gentes) e “ius

naturale” (Direito Natural). Nessa tripartição, o “ ius civile” era o

Direito Privado dos cidadãos romanos, o “ius gentium” era

extensivo aos estrangeiros, e o “ius naturale” eram princípios

norteadores, colocados acima do arbítrio do homem, extraídos

filosoficamente da natureza das coisas, visando a solucionar ou

inspirar a solução dos casos concretos.

Eduardo C B. Bittar17 salienta que o surgimento ocorreu pela

primeira vez na história do Direito com os gregos:

Desta feita, sua grande contribuição é mostrar a ligação do Direito

com as forças da natureza. Na segunda oportunidade que vem a

tono, no século XVII, o Direito Natural aparece como reação

racionalista à situação teocêntrica na qual o Direito fora colocado

durante o medievo.

Deus deixa de ser visto como o emanador das normas jurídicas e

a natureza passa a ocupar esse lugar. Ora, com um detalhe: a

natureza não dá aos homens esse entendimento; é ele mesmo,

por meio do uso da razão, que aprende esse conhecimento e o

coloca em prática na sociedade.

Esse novo pensamento prepara as bases intelectuais da

Revolução Francesa (1.789), que rompe, de modo definitivo e

prático com a teocracia e afirma, categoricamente, os direitos

naturais.

Ainda na ceara da origem do jusnaturalismo Norberto

Bobbio18, também cita o jusnaturalismo Antigo e Medieval:

As primeiras manifestações de Jusnaturalismo se dão na antiga

Grécia. A figura de Antígona, na tragédia homônima de Sófocles,

16

SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos. S.A.,1995. p. 32.

17 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001.p. 227.

18 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 656 - 657.

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converte-se como que em símbolo disso: ela se recusa a

obedecer às ordens do rei, porque julga que, sendo ordens da

autoridade política, não podem sobrepor-se às eternas, às dos

deuses. A afirmação da existência de um "justo por natureza" que

se contrapõe ao "justo por lei" é depois completada por vários

sofistas, que já desde então entendem o "justo por natureza" de

diversas maneiras, com conseqüências políticas diferentes. Suas

posições são, aliás, típicas e se repetirão muitas vezes na história

do pensamento jurídico-político.

Destarte, Antígona recorre ao Direito Natural para garantir

seu direito de enterrar o irmão, alegando perante Creonte as leis imutáveis, as

quais seriam anteriores as leis dos homens, igualmente Paulo Nader19, menciona

a literatura Grega, sobre o diálogo de Antígona com o rei Creonte:

[...] na terceira tragédia da trilogia de Sófocles (494-406 a. C.),

expressa, de forma inequívoca, a crença no Direito Natural. No

qual Creonte havia determinado que Plinice, morto em uma

batalha, o qual não teria o direito ao sepultamento, com o que

Antígona, sua irmã, rebelando-se contra a ordem do tirano, disse-

lhe: “... tuas ordens não valem mais do que as leis não-escritas e

imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e

ninguém sabe quando nasceram.”

O jusnaturalismo esteve também presente em Platão, vez

que foi elaborado na cultura grega, principalmente pelos estóicos20, no que

concerne a doutrina divulgada por Cícero, assim textualiza Norberto Bobbio21:

Numa célebre passagem do De republica, Cícero defende a

existência de uma lei "verdadeira", conforme a razão imutável e

eterna, que não muda com os países e com os tempos e que o

homem não pode violar sem renegar a própria natureza humana.

Reproduzido e aceito por um dos padres da Igreja, Lactâncio, este

excerto influenciou poderosamente o pensamento cristão de

19

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 361.

20 O estoicismo é uma doutrina filosófica que afirma que todo o universo é corpóreo e governado por um Logos divino, tendo sua teoria base na essência do homem, em justiça natural e direito natural. Para quem toda a natureza era governada por um lei universal racional e imanente.

21 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 656.

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cultura latina, que, tal como já havia feito o de cultura grega no

século III, acolheu a idéia de um direito natural ditado pela razão.

Isto, porém, suscitou entre os padres da Igreja graves problemas

de ordem teológica, tanto pela dificuldade de explicar a

coexistência de uma lei natural com uma lei revelada, quanto

porque a aceitação da existência de uma lei moral autônoma no

homem punha em causa a necessidade da graça. Estas

dificuldades afligiram, sobretudo o pensamento de Santo

Agostinho que, em épocas diferentes, assumiu a tal respeito

atitudes muito diversas.

Orlando de Almeida Secco22, citando Miguel Reale, explica

que segundo este autor, o Direito Natural em termos de axiologia23 e diz:

A experiência histórica demonstra que há determinados valores

que, uma vez trazidos à consciência histórica, se revelam ser

constantes éticas inamovíveis que, embora ainda não percebidas

pelo intelecto, já condicionavam e davam sentido à práxis

humanas.

Desta forma, para Miguel Reale, são constantes axiologias

que formam o cerne do Direito Natural, deles se originando os Princípios Gerais

do Direito, ordinários a todos os ordenamentos jurídicos. Para ele, a axiologia não

torna o Direito Natural superado, ao contrário, dá-lhe essência.

Segundo, Orlando de Almeida Secco24, a respeito da

interpretação de Miguel Reale manifesta que:

Ao meu modo de ver, de fato, não pode ser apagada, ainda nos

dias atuais, a existência do "Direito Natural", ao menos como

sendo um complemento do "Direito Positivo", constituindo ambos

uma só unidade para integração do direito vigente.

Com efeito, é atributo do aforismo medieval a aceitação

indiscriminada do Jusnaturalismo em todas as suas versões, sem se darem conta

22

SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. 3. ed. Livraria Freitas Bastos. S.A.: Rio de Janeiro, 1995. p. 34.

23 Axiologia ou teoria do valor.

24 SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. p. 34.

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da diversidade dentro da teoria do direito natural, Norberto Bobbio25, citando a

versão naturalista de Ulpiano e a racionalista de Cícero:

[...] a Idade Média desenvolveu a doutrina de um direito natural

que se identificava com a lei revelada por Deus a Moisés e com o

Evangelho foi obra sobretudo de Graciano (século XII) e dos seus

comentaristas. Quem pôs fim a esta confusão de idéias foi Santo

Tomás de Aquino (século XIII) que entendeu como "lei natural"

aquela fração da ordem imposta pela mente de Deus, governador

do universo, que se acha presente na razão do homem: uma

norma, portanto, racional.

Alexandre Groppali26, ressalva que desde o inicio do

pensamento grego, como em todas as teorias do direito natural, “pode-se reduzir-

se fundamentalmente a isto: acima e independentemente do direito positivo,

decretado pelo poder do Estado, está um direito que deriva das supremas

exigências da natureza.”

Discorre Orlando de Almeida Secco27 que “o Direito Natural,

sem dúvida, foi um fator essencial ao progresso das instituições jurídicas da velha

Roma”, observando ainda que:

Posteriormente, sob a influência da Igreja e permanecendo

durante toda a Idade Média, prevaleceu a idéia de que os

princípios componentes do Direito Natural decorriam da

inteligência e vontade divinas (Teoria Jusnaturalista do

Teologismo). Assim, passou-se a admitir serem princípios

atribuídos a Deus, com base na concepção de Santo Tomás de

Aquino acerca da existência de uma “Lei Eterna”, a própria de

conhecimento de Deus, através da qual foi ordenado o Universo.

Deste modo, do Jusnaturalismo de Santo Tomás tem sido

muitas vezes invocado o princípio o qual prevê que uma lei positiva, diversa do

direito natural e, por isso, ela seria injusta, não seria uma verdadeira lei, assim

25

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 656–657.

26 GROPPALI, Alexandre, tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Filosofia do direito. Campinas: LZN, 2003. p. 77.

27 SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. p. 32.

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não poderia obrigar ninguém a ela.

Paulo Nader28, explica que o direito natural está centrado no

próprio homem:

A origem do Direito Natural se localiza no próprio homem, em sua

dimensão social, e o seu conhecimento se faz pela conjugação da

experiência com a razão. É observando a natureza humana,

verificando o que lhe é peculiar e essencial, que a razão induz aos

princípios do Direito Natural. Durante muito tempo o pensamento

jusnaturalista esteve mergulhado na Religião e concebido como

de origem divina. Assim aceito, o Direito Natural seria uma

revelação feita por Deus aos homens. Coube ao jurisconsulto

holandês, Hugo Grócio, considerado “o pai do Direito Natural”,

laicização desse Direito. A sua famosa frase ressoa até os dias

atuais: “O Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse

ou que, existindo, não cuidasse dos assuntos humanos.”

Norberto Bobbio29 relata que em seu primeiro escrito sobre o

os direitos do homem em 1951, o qual nascera em virtude de uma aula ministrada

em referencia a tal assunto, que nela já estavam contidas as teses das quais

nunca mais se afastou, sendo elas:

a) os direitos naturais são direitos históricos;

b) nascem no início da era moderna, juntamente o a concepção

individualista da sociedade;

c) tornam-se um dos princípios indicadores do progresso histórico.

A filosofia escolástica exaltava a existência de uma lei

divina, com princípios morais imutáveis, do qual o centro sobre-humano que

emanava uma força que vinha de Deus. Justamente para colocar um novo centro

nessa concepção é que surgiu o Direito Natural.

28

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 362.

29 BOBBIO, Norberto; tradução de Carlos Nelson Coutinho. A era dos direitos. 17. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 2.

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Como explica Eduardo C. B. Bittar30:

Marcado profundamente pela idéias, que predominava no século

XVI, de que a verdade das ciências estava confiada à razão

matemática e geométrica, o jusnaturalismo moderno elege a reta

razão como guia das ações humanas. (...)

Essa mudança de centro, verdadeira revolução coperniana na

esfera do Direito, indica um novo caminho a ser percorrido pela

Ciência Jurídica, que deixa de estar ligada a concepções mítico-

religiosas, para buscar seu fundamento último na razão.

Machado Neto31 salienta acerca da longa tradição do

jusnaturalismo:

Desde as representações primitivas de uma ordem legal de

origem divina, até a moderna filosofia do direito natural de

Stammler e Del Vecchio, passando pelos sofistas, estóicos,

padres, escolásticos, ilustrados e racionalistas dos séculos XVII e

XVIII, a longa tradição do jusnaturalismo se vem desenvolvendo,

com uma insistência e um domínio ideológico que somente as

idéias grandiosas e os pensamentos caucionados pelas

motivações mais exigentes poderiam alcançar.

Paulo Nader32 descreve ainda mais alguns pontos em

comum entre os doutrinadores do jusnaturalismo, quais sejam que o direito é algo

mais que tão apenas um Direito escrito, havendo uma ordem a priori:

Há diversas matizes, que implicam a existência de correntes

distintas, mas que guardam entre si um denominador comum de

pensamento: a convicção de que, além do Direito escrito, há uma

outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo.

É o Direito perfeito e por isso deve servir de modelo para o

legislador. É o direito ideal, mas ideal não no sentido utópico, mas

um ideal alcançável. A divergência mais conceituação do Direito

Natural esta centralizada na origem e fundamentação desse

Direito. Para o estoicismo helênico, localizava-se na natureza

30

BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 221.

31 MACHADO NETO, Antônio Luiz. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 82.

32 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito.. p. 360.

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cósmica. No pensamento teológico medieval, o Direito Natural se

fundamenta na natureza humana.

A doutrina tomística da lei natural tão apenas repetia, em

moldes teleológicos a doutrina estóico-ciceroniana, assim definido por Norberto

Bobbio33:

[..] da lei "verdadeira" enquanto racional. E, mesmo que em lugar

comum historiográfico demasiado difuso afirme o contrário, vai

prevalecendo hoje a opinião de que o jusnaturalismo moderno

(que assumiu, principalmente no século XVIII, características

acentuadamente laicas e, no campo político, liberais) procede, em

grande parte, da doutrina estóico-ciceroniana do direito natural,

propagada justamente graças à acolhida que lhe dispensou o

tomismo. Isso se deu sobretudo na medida em que a corrente

tomista se opôs energicamente, a partir do século XIV, mas

principalmente no século XVI, no tempo da Reforma, ao

voluntarismo teológico inspirado nas teses de Guilherme de

Occam, que punha como fonte primeira de toda norma de conduta

e como fonte de legitimidade da autoridade política a vontade

divina e, conseqüentemente, a Sagrada Escritura. Entre o

voluntarismo e o Jusnaturalismo de inspiração tomística, os

teólogos juristas espanhóis do século XVI (entre eles, o maior de

todos, Francisco Suárez), que tratavam amplamente do direito

natural, tentaram, em geral, uma mediação.

Desta forma aclara o autor que somente uma teoria

extremamente consistente é capaz de transcender ao longo dos tempos, como

ocorrera com a teoria do Direito Natural, passa-se ao jusnaturalismo marcado

pelas mudanças trazidas pela interpretação de Grócio.

33

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 657-658.

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1.2.1 Grócio, uma visão racionalista do Direito Natural

O jusnaturalista Hugo Grócio34 demonstrou em sua doutrina

um desejo de autonomia, que de modo inicial se manifestou em relação à

Teocracia, como textualiza Eduardo Bittar35, comentando a doutrina de Grócio:

Não é mais Deus ou a ordem divina o substrato do Direito, mas a

natureza humana e a natureza das coisas. Não há possibilidade

de uma sanção religiosa. O direito Natural não mudaria seus

ditames na hipótese da inexistência de Deus, nem poderia ser

modificado.

Maria Helena Diniz textualiza que os princípios referem-se

aos deveres diretamente impostos pela natureza humana, os quais são relativos

às tendências naturais do homem que são:

a) Deveres do homem para consigo mesmo, como “o homem

deve conservar-se, deve preservar-se no ser, não deve destruir-

se”; b) deveres do homem para com o primeiro grupo social dentro

do qual vive, isto é, para com a família: “ o homem deve unir-se a

uma mulher, procriar e educar seus filhos”; c) dever de respeitar

sua racionalidade, ou seja, sua inteligência: “ o homem deve

procurar a verdade”, isto é, deve buscar o conhecimento da

realidade: d) deveres do homem para com a sociedade: “o homem

deve praticar a justiça, dando a cada um o que e seu”; “o homem

não deve lesar o próximo.”36

Destarte verifica-se que Grócio “libertou” a teoria do Direito

Natural dos fundamentos teleológicos, tendo assim apregoado Eduardo B. C.

Bittar37:

Deus deixa de ser visto como o emanador das normas jurídicas,

ou como última justificação para a existência das mesmas, e a

natureza passa a ocupar esse lugar. Trata-se da acentuada

34

Nascido na Holanda, no ano de 1583, filho de pai protestante e mãe católica, Sua primeira obra com fundamento do Direito Natural foi De Jure Belli AC Pacis, publicada no ano de 1.625.

35 BITTAR, Eduardo. Curso de filosofia do direito. p. 223.

36 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 37.

37 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 234.

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passagem do pensamento teocêntrico ao antropocêntrico. Ora,

com um detalhe: a natureza não dá aos homens esse

entendimento; é ele mesmo, por meio do uso da razão, que

apreende esse conhecimento e o coloca em prática na sociedade.

Destarte a doutrina do holandês Hugo Grócio (Huig-de

Groot), enunciada no De iure belli ac pacis de 1625, assim definida por Norberto

Bobbio38:

Nesta obra, ao pôr o direito natural como fundamento de um

direito que pudesse ser reconhecido como válido por todos os

povos (aquilo que virá a ser o direito internacional), Grócio afirmou

que tal direito é ditado pela razão, sendo independente não só da

vontade Deus como da sua própria existência. Esta afirmação.

tornada famosíssima, surgiu na época iluminista como

revolucionária e precursora da nova cultura laica e antiteológica, a

que o Jusnaturalismo de Grócio teria aberto o caminho no campo

da moral, do direito e da política. Com efeito, a doutrina de Grócio

atuou historicamente em tal sentido, embora a tese da

independência da lei natural em relação a Deus repetisse velhas

fórmulas escolásticas ligadas à polêmica entre o Jusnaturalismo

racionalista e o voluntarismo e remontasse nada menos que ao

imperador romano Marco Aurélio, seguidor da filosofia estóica.

Maria Helena Diniz39 aponta que os primeiros princípios da

moralidade referem-se ao que há de universal na natureza humana, e desta forma

são imediatos à razão comum da generalidade dos homens, independentemente

de sua cultura ou civilização. Assinala ainda que tais princípios sejam aqueles

cujos deveres são do homem para consigo mesmo e para com Deus, na qual a

máxima é “o bem deve ser feito”, e conseqüentemente o mal evitado.

Assim, o bem deve ser almejado pelo homem de forma

natural, impulsionada pela razão.

Eduardo C. B. Bittar40 explana que o iluminismo e

38

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 658.

39 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 37.

40 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 235.

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racionalismo, causaram a ruptura com a teocracia, assim expondo:

A filosofia escolástica exaltava a existência de uma lei divina.

Dentro desta concepção, tal lei não possuiria nenhuma espécie de

erro ou falha, em função de sua natureza trascendente; dessa

forma, além de perfeita, seria imutável. Essa concepção surge, de

modo cristalino, nas concepções de santo Agostinho e Santo

Tomás de Aquino. A Cidade de Deus é o lugar regido pela lei

divina que contrasta com a cidade dos homens, regida pela lei

humana. A tarefa de incorporar a lei divina no âmbito da lei

humana é o que deve ser realizado pelo Direito. Ressalte-se que

se trata de uma tarefa dificílima. Na concepção tomista ordem

cósmica (céu, estrelas, constelações, etc.) e a lei natural é

decorrente desta lei eterna. Fica claro nas duas concepções,

sinteticamente resenhadas anteriormente, que a lei superior (a

divina, para santo Agostinho, e a eterna, para Santo Tomás de

Aquino) emana de uma força sobre-humana, qual seja: Deus.

Para colocar um novo centro nessa concepção é que surge

o Direito Natural, marcado intensamente pela idéia, que imperava no século XVI,

de que a verdade das ciências estava confiada à razão da matemática e

geométrica, desta forma o jusnaturalismo moderno elege a reta razão como guia

das ações humanas.

Eduardo C. B. Bittar41, explicando a teoria de Grócio, aclara

que tanto as relações entre os indivíduos, tão-somente, como as relações entre

os indivíduos e os governos, e, por ainda, as relações entre os diversos Estado

soberanos baseiam-se na idéia de um contrato:

Tais pactos são de cumprimento obrigatório, porque impostos

pelas próprias partes que o assinaram. É dessa posição que surge

a famosa máxima do direito Internacional: pacta sunt servanda

(“os pactos existem para serem cumpridos”). Salienta-se que os

contratos eram feitos pela reta razão que, por meio do uso do

raciocínio dedutivo, aquilatava os princípios do Direito Natural

pertinentes ao caso em tela.

41

BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 230.

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Como elucida Pufendorf42, usam-se o método dos

matemáticos para a descoberta de um princípio imutável, fazendo deste um

direito natural imutável, completamente perene as transformações históricas e

não suscetível aos diversos costumes e tradições dos diferentes povos.

Compartilhando das teses acerca da mutabilidade do Direito

Natural, com Grotius e Pufendorf, o filósofo inglês John Locke edifica obra sobre o

Direito Natural.

1.2.2 Jonh Locke e Thomas Hobbes versus o Direito Natural

Eduardo C. B. Bittar43 menciona a interessante obra de Jonh

Locke sobre o Direito Natural:

A obra mais famosa de John Locke (1632-1704) é o ensaio sobre

o entendimento humano. É uma obra dedicada à pesquisa das

fontes de nossas idéias e pensamento, na qual Locke faz uma

crítica severa ao inatismo44 e apresenta sua tese de que a força

motriz do conhecimento é a experiência.

Locke, diferentemente de Hobbes, não possui uma visão

pessimista do estado de natureza. Este não seria um estado de

guerra, (...) mas um estado de paz. Esta paz seria quebrada pela

ausência de um tertius que julgasse os conflitos. Assim o

surgimento do contrato que dá origem à vida social esta ligado à

idéia de que é imprescindível um “terceiro” para a decisão das

lides surgidas na vida social.

O autor arrazoa ainda outra peculiaridade do pensamento de

Locke, qual seja sua posição favorável ao direito de resistência, tendo o filósofo

em comento, baseado sua posição na impossibilidade dos magistrados, cujo

comando funda-se na proteção dos direitos naturais, desobedecerem a “lei

natural”, e uma vez ocorrendo tal situação a oposição dos cidadãos é legitima.

42

Samuel Pufendorf (1632-1694), jusfilósofo alemão, discípulo de Grócio, lecionou na Universidade de Heidelbrg, na qual foi o primeiro professor de Direito Natural e das Gentes.

43 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 231.

44 Idéia segundo a qual o ser humano já viria com todo conhecimento dentro de si, e a tarefa da filosofia seria apenas desperta-la.

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Maria Lúcia de Arruda Aranha45, explicando a teoria de

Hobbes, ensina que no estado de natureza entendido por este filósofo, os

interesses egoístas dos homens predominariam e o homem se tornaria um lobo

para outro homem (homo homini lupus). Desta forma as disputas gerariam a

guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes), cuja implicação

seria o prejuízo para a indústria, a agricultura, a navegação, e para a ciência e o

conforto dos homens:

Na seqüência do raciocínio, Hobbes pondera que o homem

reconhece a necessidade de “renunciar a seu direito a todas as

coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a

mesma liberdade que os outros homens permitem em relação a si

mesmo”.

A nova ordem é celebrada mediante um contrato, um pacto, pelo

qual todos abdicam de sua vontade em favor de “um homem ou

de uma assembléia de homens, como representantes de suas

pessoas”. O homem, não sendo sociável por natureza, o será por

artifício. É o medo e o desejo de paz que o levam a fundar um

estado social e a autoridade política, abdicando dos seus direitos

em favor do soberano.

Assim, Thomas Hobbes (1.588 – 1679) é reconhecido, entre

os pensadores do jusnaturalismo racional, como o teórico do poder soberano

como expõe Eduardo C. B. Bittar46:

Para Hobbes, o estado de natureza humano propicia o amplo uso

da liberdade, que passa a ser irrestrito, a ponto de uns lesarem,

invadirem, usurparem, prejudicarem aos outros. Não há controle

racional do homem no estado de natureza, como afirmava Locke.

[...] Nesse sentido, a ditadura de um é preferível à ditadura de

todos, e, instaurado o estado de guerra em condições naturais de

convívio, é do estado violento que Hobbes mais procura se

afastar, defendendo um modelo segundo o qual o jusnaturalismo

corresponde a obedecer às leis civis emanadas do soberano, e a

45

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires Martins. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. p. 210.

46 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 234.

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ele se submeter de modo irrestrito, alienando-lhe todos os direitos

e liberdades.

Pondera Maria Lucia de Arruda Aranha47 que assim como

Hobbes e posteriormente Rousseau, Locke parte da compreensão individualista,

pela qual os homens isolados no estado de natureza se uniram mediante contrato

social para compor a sociedade civil, porém concebendo o estado de natureza

deforma diferente a de Hobbes:

[...] diferentemente de Hobbes, não vê no estado de natureza uma

situação de guerra e egoísmo, o que nos leva a indagar por que

os homens abandonariam essa situação delegando o poder a

outrem. Para Locke, no estado natural cada um é juiz em causa

própria; portanto os riscos das paixões e da parcialidade são

muito grandes e podem desestabilizar as relações entre os

homens. Por isso, visando a segurança e a tranqüilidade

necessárias ao gozo da propriedade, as pessoas consentem em

instituir o corpo político.

Destarte, a busca dos filósofos acima citados, ainda que

neste trabalho monográfico seja demonstrar o estado de natureza explicado por

cada um deles, o objetivo maior destes era explicar a legitimação do Estado,

tendo sido explicado por ambos pela ótica contratualista referida legitimidade.

1.3 CONCEITOS DO DIREITO NATURAL

Anteriormente a conceituar Direito Natural, vale uma

pequena conceituação do que seja Natureza, trazida por Cassiano Cordi48:

Os primeiros filósofos gregos criaram um novo conceito de

natureza. A natureza é um conjunto de tudo o que existe. A existência das coisas

faz com que elas sejam cognoscíveis. A natureza como um todo também é

cognoscível por si mesma. Ela se manifesta com uma evidência incontestável. É

47

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires Martins. Filosofando introdução à filosofia. p. 218.

48 CORDI, Cassiano. Para Filosofar. São Paulo: Scipione, 2000. p. 16.

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fonte de conhecimento irrefutável. Qualquer pessoa que se a isso pode conhecê-

la e interpretá-la.

A idéia central da doutrina do Direito Natural parte do

princípio de que todo ser é dotado de uma natureza e um fim.

Paulo Nader49, tratando do conceito do Jusnaturalismo

assim se manifesta:

A natureza, ou seja, as propriedades que compõem o ser, define o

fim a que este tende a realizar. Para que as potências ativas do

homem se transformem em ato com isto ele desenvolva, com

inteligência, o seu papel na ordem geral das coisas, é

indispensável que a sociedade de organize com mecanismos de

proteção à natureza humana. Este se revela assim, como a

grande condicionante do Direito Positivo. O adjetivo natural

agregado à palavra direito, indica que a ordem de princípios não é

criada pelo homem e que expressa algo espontâneo, revelado

pela natureza. A presente colocação decorre da simples

observação de fatos concretos que envolvem o homem e não de

meras abstrações ou dogmatismos. A premissa básica de nosso

raciocínio, com toda evidência, se revela verdadeira. Como

asseverou Max Weber, “não existe ciência inteiramente isenta dos

pressupostos e ciência alguma tem a condição de provar seu valor

a quem lhe rejeite os pressupostos”.

O citado Autor salienta ainda que a idéia do Direito Natural

tem sido apresentada em dois níveis: como ontológico os que defendem o Direito

Natural como ser do Direito, como Direito legítimo e como deontologia, que

admitem o Direito Natural como sendo um conjunto de valores imutáveis e

universais, mais identificado com a Ética.

Um dos maiores estoicistas, Ulpiano, como textualiza

Norberto Bobbio50, “desfigurou-a até profundamente ao definir direito natural”

como:

49

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. p. 361.

50 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 656 – 657.

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[...] aquilo que a natureza ensinou a todos os seres animados,

incluindo explicitamente entre estes também os irracionais. Isto

reduzia o direito natural, antes que a uma norma de conduta, a um

simples instinto, a uma necessidade de ordem física. Esta

definição é, de resto, extremamente importante, pois foi adotada

com frequência pelos escritores medievais juntamente com a de

Cícero, que lhe era, não obstante, antiética.

Orlando de Almeida Secco observa que nos tempos

modernos, inicialmente com Grotius e posteriormente com Kant a nova

concepção abraçada foi de fundamentos do Direito Natural, os quais não

decorriam nem da natureza das coisas, nem de Deus, mas, sim, da razão

humana. Teoria Jusnaturalista do Racionalismo.

O doutrinador Hermes Lima51, citado por Orlando Secco52,

em sua análise a existência das concepções estóica, teleológica e racional, assim

definiu o Direito Natural:

O Direito Natural são princípios que, atribuídos à Deus, à Razão

ou havidos como decorrentes da “natureza das coisas”,

independem de convenção ou legislação, e que seriam

determinantes, informativos ou condicionantes das leis positivas”.

Observou-se que com o ataque a Teoria Jusnaturalista,

principalmente da sociologia, passou de certa forma a relativizar alguns de seus

conceitos, assim os princípios que eram tidos como imutáveis, eternos e

universais, passaram a ser concebidos com dinamismo.

Assim, como apontou Orlando de Almeida Secco53:

A Ruldolf Stammler devemos a atual concepção do Direito Natural

possuindo conteúdo variável.

51

Foi presidente do Supremo Tribunal Federal, imortal da Academia Brasileira de Letras e primeiro-ministro do Brasil, durante a breve experiência parlamentarista ocorrida no governo João Goulart.

52 SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito. p. 33.

53 ECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito. p. 34.

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Em resumo, podemos dizer que o “Direito Natural” são princípios

imanentes à razão do homem, independentes da sua vontade,

atuando como fonte de inspiração, de orientação e de

complementação ao ordenamento jurídico de todos os povos e

aos seus direitos positivos.

Eduardo C. B. Bittar54 textualizou como Grócio define o

Direito Natural, comentando seu conteúdo:

O mandamento da reta razão que indica a lealdade moral ou a

necessidade moral inerente a uma ação qualquer, mediante o

acordo ou o desacordo desta com a natureza racional. “Essa

mudança de centro, verdadeira revolução copernicana na esfera

do Direito, indica um novo caminho a ser percorrido pela Ciência

Jurídica, que deixa de estar ligada a concepções mítico-religiosas,

para buscar seu fundamento último na razão. O Direito Natural

divide-se em duas fases. A primeira fase, a antiga, tem início na

Cidade-estado Grega e usa a natureza como fonte da lei que "tem

a mesma força em toda a parte e independe da diversidade das

opiniões". Grócio inaugura uma nova concepção do Direito

Natural.

Para Norberto Bobbio55, o jusnaturalismo é uma doutrina

segundo a qual se funda na existência de um Direito Natural:

[...] (ius naturale), ou seja, um sistema de normas de conduta

intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas

pelo Estado (direito positivo). Este direito natural tem validade em

si, é anterior e superior ao direito positivo e, em caso de conflito, é

ele que deve prevalecer.

O jusnaturalismo é, por isso, uma doutrina antitética à do

"positivismo jurídico", segundo á qual só há um direito, o

estabelecido pelo Estado, cuja validade independe de qualquer

referência a valores éticos.

54

BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 228.

55 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 656.

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Paulo Nader56 aponta que o jusnaturalismo como sendo a

corrente de pensamento que reúne todas as idéias que surgiram, no correr da

história, em torno do Direito Natural sob diferentes orientações.

Durante esse longo tempo, o Direito Natural passou por

fases de grande prestígio e por períodos difíceis.

Norberto Bobbio57 relacionou como característica do

jusnaturalismo, o seguinte:

[...] Está muito estendida a opinião de que entre o Jusnaturalismo

moderno antigo-medieval e o Jusnaturalismo moderno existe uma

profunda oposição: o primeiro constituiria uma teoria do direito

natural como norma objetiva, enquanto que o segundo seria

exclusivamente uma teoria de direitos subjetivos, de faculdades.

Na realidade, entre o Jusnaturalismo antigo, medieval e moderno

não existe qualquer fratura, existe antes uma substancial

continuidade. É certo, no entanto, que o Jusnaturalismo moderno

ressalta fortemente o aspecto subjetivo do direito natural, ou seja,

os direitos inatos, deixando obumdrado seu correspondente

aspecto objetivo, o da norma, em que haviam geralmente insistido

os jusnaturalistas antigos e medievais e até o próprio Grócio

daqueles que são declarados direitos inatos do indivíduo.

No que tange as características do direito natural, Paulo

Nader58 assim preleciona:

O jusnaturalismo atual concebe o Direito Natural apenas como um

conjunto de amplos princípios, a partir dos quais o legislador

deverá compor a ordem jurídica. Os princípios mais apontados

referem-se ao Direito à vida, á liberdade, à participação na vida

social, á união entre os seres para a criação da prole, á igualdade

de oportunidades. O chamado direito natural normativo, erro do

séc. XVIII, que pretendeu, more geométrico estabelecer códigos

de Direito Natural, é a idéia inteiramente abandonada.

Tradicionalmente os autores indicam três caracteres para o Direito

56

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 360.

57 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 658.

58 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 209.

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Natural: ser eterno, imutável e universal; isto porque, sendo a

natureza humana a grande fonte desses Direitos, ela é,

fundamentalmente, a mesma em todos os tempos e lugares.

O próprio Estado é considerado pelo Jusnaturalismo

moderno mais como obra voluntária dos indivíduos do que como instituição

necessária por natureza, que era o que ensinava a maior parte das doutrinas

clássicas medievais.

O ideal jusnaturalístico do século XVIII teve assim enormes resultados políticos:

[...] foi na doutrina do direito natural que se inspirou - conquanto

confluíssem também outros elementos históricos e doutrinais,

oriundos sobretudo da tradição constitucionalista inglesa - a

Declaração da Independência dos Estados Unidos da América

(1776), onde se afirma que todos os homens são possuidores de

direitos inalienáveis, como direito à vida, à liberdade e á busca da

felicidade; e é de caráter genuinamente jusnaturalista a Declração

dos direitos do homem e do cidadão (1789) que consistiu um dos

primeiros atos da Revolução Francesa e onde se proclamam

igualmente como "direitos naturais" a liberdade, a igualdade, a

propriedade, etc.59

Na metade do atual século, em virtude do positivismo

dominante, como também em virtude dos excessos de seus próprios adeptos,

reacendeu, no espírito dos juristas, o entusiasmo pelo Direito Natural, que hoje se

encontra no apogeu, na fase que a História da Filosofia do Direito registra como a

de seu Renascimento, como salienta Paulo Nader60, que assim o conceitua:

O raciocínio que nos conduz à idéia do Direito Natural parte do

pressuposto de que todo ser é dotado de uma natureza e de um

fim. A natureza, ou seja, as propriedades que compõem o ser,

define o fim a que este tende a realizar. Para que as potências

ativas do homem se transformem em ato e com isto ele

desenvolva, com inteligência, o seu papel na ordem geral das

59

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 659.

60 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 207.

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coisas, é indispensável que a sociedade se organize com

mecanismos de proteção à natureza humana. Esta se revela,

assim, como a grande condicionante do Direito Positivo. O

adjetivo natural, agregado à palavra direito, indica que a ordem de

princípios não é criada pelo homem e que expressa algo

espontâneo, revelado pela própria natureza. A presente colocação

decorre da simples observação de fatos concretos que envolvem

o homem e não de meras abstrações ou dogmatismos. A

premissa básica de nosso raciocínio, com toda evidência, se

revela verdadeira.

Para os jusnaturalistas modernos, os indivíduos abandonam

o Estado da natureza e fazem surgir o Estado politicamente organizado e dotado

de autoridade, a fim de que sejam tutelados e garantidos os seus direitos naturais,

asseverando Norberto Bobbio61:

O Estado é legítimo na medida em que e enquanto cumpre esta

função essencial, que lhe foi delegada mediante pacto estipulado

entre os cidadãos e o soberano (contrato social). Em algumas

doutrinas jusnaturalísticas modernas, o individualismo é levado

até o ponto de se considerar a própria sociedade como efeito de

um contrato social se desdobraria assim em dois momentos, pacto

de união e pacto de sujeição. Mas isto é mais raro do que

comumente se crê, porque também ente os jusnaturalisas

modernos o Estado de natureza é geralmente representado como

uma forma de sociedade; mas uma sociedade tão precária e

incerta que se torna conveniente sair dessa situação para fazer

surgir uma instituição jurídico-politica organizada. Direitos inatos,

estado de natureza e contrato social, conquanto diversamente

entendidos pelos vários escritores, são os conceitos

característicos do Jusnaturalismo moderno;

O Jusnaturalismo funda-se na teoria do Direito Natural, seus

adeptos nem sempre seguem um rito uniforme em suas teorias, porém

comungam de uma idéia comum, que o Direito vai além do que está escrito.

61

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 659.

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Pelo exposto, averigua-se que o direito natural surge pela

primeira vez com os gregos, deixando, ao longo da história, de ter a visão

eminentemente teocêntrica, para fundar-se no antropocentrismo.

Acerca das formas da doutrina do Direito Natural, Norberto

Bobbio62 estabelece as seguintes diferenças:

Na história da filosofia juridico-politica, aparecem pelo menos três

versões fundamentais, também com suas variantes: a de uma lei

estabelecida por vontade da divindade e por esta revelada aos

homens; a de uma lei "natural" em sentido estrito, fisicamente

co-natural a todos os seres animados à guisa de instinto;

finalmente, a de uma lei ditada pela razão, específica portanto

do homem que a encontra autonomamente dentro de si. São

concepções heterogêneas e, sob certos aspectos, contrastantes,

mesmo que às vezes coexistam em doutrinas particulares, como

as panteísticas, que identificam divindade, natureza física e razão.

Todas partilham, porém, da idéia comum de um sistema de

normas logicamente anteriores e eticamente superiores à do

Estado, a cujo poder fixam um limite intransponível: as normas

jurídicas e a atividade política dos Estados, das sociedades e dos

indivíduos que se oponham ao direito natural, qualquer que seja o

modo como for concebido, são consideradas pelas doutrinas

jusnaturalista como ilegítimas, podendo ser desobedecidas pelos

cidadãos.

Assim, o autor verifica três concepções do direito natural,

uma com fundamentação teocêntrica, outra de fundamento de natureza do

homem e por fim a fundamentação de cunho racional, estas duas últimas de

caráter antropocêntrico.

Eduardo C. B. Bittar fundamenta que este novo pensamento

organiza “as bases intelectuais da Revolução Francesa (1789), que rompe de

modo definitivo e prático, com a teocracia e afirma, categoricamente, os direitos

naturais.” 63

62

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 656.

63 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. p. 236.

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Exauridas as questões julgadas relevantes no que tange ao

jusnaturalismo passa-se ao estudo do Direito Positivo, o qual será abordado no

próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2

POSITIVISMO JURÍDICO

O positivismo não é termo unívoco, como aclara Maria

Helena Diniz64

, uma vez que indica tanto o positivismo sociológico da doutrina

de Augusto Comte, e as que se relacionam com esta, como o estrito

positivismo jurídico.

2.1 ETIMOLOGIA

Positivismo jurídico, segundo De Plácido e Silva65

, “é a

Escola jurídica que tem por base o direito positivo, ou seja, aquele posto na lei.

Opõe-se ao jusnaturalismo, ou direito natural.”

Maria Eliane Menezes de Farias66

textualiza que o

positivismo “pretensamente” imparcial aos valores, com a concepção do direito

centrado no direito positivo67

(do latim positivus), “dá ênfase à compreensão do

Direito como lei, e este, em última instância, como produto do estado, restando

evidente que a norma jurídica surge de um ato decisório do poder, validando-

se por si mesma.”

64

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 102.

65 SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. p. 620.

66 FARIAS, Maria Eliane Menezes de. As Ideologias e a filosofia. Direito: positivismo e jusnaturalismo. Nova ciência antidogmática do direito. (in) Curso de extensão universitária à distância. SOUZA JUNIOR, José Geraldo de. Introdução crítica ao direito. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1993. p. 15.

67 Segundo, SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. p. 620.

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Segundo Paulo Dourado de Gusmão68: “o que deve se

entender por direito positivo: sistema de normas objetivamente estabelecidas,

seja na forma legislada, seja na forma consuetudinária.”

O positivismo mantém-se afastado de qualquer possível

controvérsia. Se abnega pela problemática, julgando-a irrelevante para os fins da

ciência.

O positivismo revela-se ametafisico, como salienta Paulo

Nader69

:

Francesco Carnelutti, em seu trabalho intitulado “Balanço do

Positivismo Jurídico”, fala-nos que o positivismo jurídico é a

espécie jurídica do gênero positivismo, sendo, portanto, a

projeção do positivismo filosófico no setor do Direito. O mestre

italiano situa muito bem o positivismo, colocando-o como um

meio-termo entre dois extremos: o materialismo e o idealismo.

Para o materialismo a realidade está na matéria, rejeitando toda

abstração e assumindo uma posição antimetafísica. Para o

idealismo a realidade está além da matéria.

O direito positivo teve como expoente Hans Kelsen70

,

doutrinador que buscou a pureza do direito, ou seja, sua teoria delimitou a

ordem jurídica de forma que esta não sofresse influencias de outras áreas,

como por exemplo, a filosófica, sociológico e assim por diante, adentrar-se-á

de forma pormenorizada na teoria em epígrafe, o que se faz a seguir.

68

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Forense, 7. ed. 1976, p. 78.

69 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.369.

70 Hans Kelsen – Mestre de Viena (1881/1973) – teórico austríaco, que desenvolveu sua teoria em Viena. Lecionou em universidades (Viena, Colônia, Genebra, Harvard, Berkeley), foi Juiz da Suprema Corte Austríaca, assessorava Ministros, enfim, sua atividade estava sempre ás voltas com o universo jurídico. Quando o mundo conheceu o nazismo, Kelsen que era judeu e intelectual (dois objetos de perseguição da então força alemã) transferiu-se para os Estados Unidos, onde permaneceu até seu passamento.

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2.2 GNOSIOLOGIA

Acerca do contexto histórico em que surge a teoria

kelseniana, assim relata Maria Helena Diniz71

:

O racionalismo dogmático, ou melhor, a teoria kelseniana,

expressão máxima do estrito positivismo jurídico, é uma repercussão ideológica de sua

época, é uma conseqüência da decadência do mundo capitalista-liberal, marcada pela

Primeira Guerra Mundial.

Nesta ceara, Isaac Reis72

busca esclarecer qual era o

contexto histórico na época em que kelsen desenvolveu sua teoria:

Supondo-se, com a tradição que culmina em Kelsen, que o direito

é passível de tratamento científico, seria razoável esperar, tendo

por base o padrão de ciência vigente à época, que essa mesma

ciência promovesse, por meio de recursos construídos pela

dogmática, as possibilidades de interpretação do sistema, a busca

de seu „sentido último e único‟. No entanto, e paradoxalmente, foi

maior defensor da constituição de uma cientificidade para o direito

quem deitou por terra a possibilidade de se fixar, de um ponto de

vista interno, uma dogmática interpretação. Kelsen – e talvez aí

resida sua maior contribuição no campo da hermenêutica jurídica

– terminou por deslocar a buscar e um sentido de verdade na

norma jurídica para o impuro lócus da política, das disputas poder

da dar nome às coisas.

Miguel Reale73

ensina que na segunda década deste

século, Kelsen agitou a bandeira da Teoria do Direito, vez que a Ciência

Jurídica era uma espécie de cidade cercada por todos os lados, por

psicólogos, economistas, políticos e sociólogos:

Cada qual procurava transpor os muros da Jurisprudência, para

torná-la sua, para incluí-la em seus caminhos. Foi, dentro desse

quadro, que se manifestou o movimento de "purificação" do

71

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 116.

72 REIS, Isaac. Interpretação na Teoria Pura do Direito. in Seqüencia 45 Revista do Curso de Direito de Pós Graduação em Direito da UFSC.

73 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 455.

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Direito, que teve como centro a capital da Áustria. Kelsen chamou

sua doutrina de Teoria Pura, por querer livrá-la de elementos

metajurídicos, excluindo do campo próprio e específico do jurista

uma série de problemas, apesar de reconhecer sua legitimidade

no plano da Psicologia, da Moral, da Economia, da Sociologia, da

História ou da Política. É necessário, dizia Kelsen, conceber o

Direito com olhos de jurista, sem procurar a todo instante

elementos que a Psicologia elabora, a Economia desenvolve ou a

Sociologia nos apresenta.

Finalmente, acerca do contexto histórico do positivismo

jurídico pontua Paulo Dourado de Gusmão74

que:

[...] o direito positivo só surgiu com o jusnaturalismo, desde

quando nasceu a moda de opor ao direito natural o direito positivo.

porém, a nosso ver, tal oposição não tem sentido, por não ser

direito o direito natural, [...] mas aspiração ou ideal jurídico, com

realidade social igual à do direito positivo.

Desta forma, para o citado autor o direito natural não seja

direito e sim aspiração de direito, ou seja, “prescrição moral”, assim não

poderia estar oposto ao direito positivo.

Uma vez observada à conjuntura do surgimento do direito

positivo, passa-se a teria do direito positivo, qual seja a teoria kelseniana.

2.3 A TEORIA PURA DO DIREITO

Fábio Ulhoa Coelho75

em obra intitulada “para entender

Kelsen”, textualiza que este propõe, uma vez, comprovada a impossibilidade

de se superar cientificamente a pluralidade de sistemas morais, então o mais

adequado para a doutrina é abdicar à ponderação da justiça ou injustiça da

ordem jurídica.

74

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. p. 76.

75 COELHO, Fábio Uchoa. Para entender Kelsen. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 65.

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Kelsen pretendeu purificar o Direito, daí o termo Pura,

objetivou libertá-lo de especulações filosóficas e sociológicas.

O citado autor apregoa que, conforme a doutrina kelseniana,

se o banimento de diferenças nas interpretações da mesma norma jurídica não se

pode fazer pela ciência, mas apenas por ato de vontade, então à doutrina cabe

unicamente elencar as muitas significações atribuíveis à norma, silenciando

quanto à maior ou menor pertinência destas:

Em suma, para ele, o que não se pode falar sobre o direito

positivo, com consistência cientifica, deve-se calar. Representa, à

sua maneira, uma aprimorada manifestação do espírito

cientificista do direito. Isto é, embora Kelsen seja consciencioso no

respeito aos limites do que se pode esperar do conhecimento

cientifico, ele representa inegavelmente a crença na possibilidade

de construção de um conhecimento rigoroso, confiável e

verdadeiro acerca dos conteúdos de normas jurídicas.76

Antes de Kelsen o pensamento jurídico estava impregnado

de filosofia (axiologia) e sociologia (fato social). Com sua obra Teoria Pura do

Direito, Kelsen reduziu o Direito ao ambiente rigorosamente formal – a norma.

Para Kelsen, seriam juízos aplicáveis apenas ás condutas e

nunca as normas, logo, ela não seria (norma) nem justa, nem injusta, uma vez

que estaria acima do bem e do mal.

O Direito deveria ser justificado apenas pela teoria do direito,

ele pretendia a independência cientifica do Direito. Logo, o método e objeto da

ciência deveria ser apenas a norma.

Ronaldo Dworkin77 esquematiza algumas proposições

centrais e organizadoras do positivismo, apresentando preceitos básicos chaves

tendo-os formulado da seguinte forma:

O direito de uma comunidade é um conjunto de regras especiais

76

COELHO, Fábio Uchoa. Para entender Kelsen. p. 65.

77 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradução e notas Nelson Boeira. p. 27-28.

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utilizados direta ou indiretamente pela comunidade com o

propósito de determinar qual comportamento será punido ou

coagido pelo poder público. Essas regras especiais podem ser

identificadas e distinguidas com auxilio de critérios específicos, de

testes que não têm a ver com seu conteúdo, mas com seu

pedigree ou maneira pela qual foram adotadas ou formuladas.

Esses testes de pedigree podem ser usados para distinguir regras

jurídicas válidas de regras jurídicas espúrias (regras que

advogados e litigantes erroneamente argumentavam ser regras de

direito) e também de outros tipos de regras sociais (em geral

agrupadas como "regras morais") que a comunidade segue mas

não faz cumprir através do poder público.

Luis Alberto Warat78

explica a teoria de Kelsen de forma

despojada, em obra intitulada os quadrinhos puros do direito:

Quando Kelsen indagou sobre o que seria pensar juridicamente a

Ciência do Direito existia uma grande confusão entre os juristas

dogmáticos. Os juízes se sentiam imaculados, pelo menos era

isso que pensava Kelsen, acreditavam que não matavam a justiça

aplicando a lei como revelação divina. Acreditavam integrar, como

os super heróis das estórias em quadrinhos, um Liga da Justiça.

Os legisladores, querendo encarnar o espírito das leis, esse velho

fantasma do passado que cuida das verdades por toda

eternidade, intérpretes de aço, que descobriam os sentidos da lei,

sem a influência de seus sentimentos. O juiz neutro no mesmo

lodo: os juízos morais confundidos com os jurídicos e políticos,

confundia-se os enunciados descritivos (de verdade) com os

prescritivos (ordens sobre condutas), os que teorizavam

(dogmáticos), confundiam suas opiniões com a palavra dos juízes

e legisladores.

A contribuição de Kelsen, segundo Fábio Ulhoa Coelho79 é

paradoxal, uma vez que se, de um lado, inquestionavelmente, Kelsen levou o

projeto de formação da ciência do direito às ultimas conseqüências e o fez com

irrestrito “rigor, método, logicidade e destreza”, terminou também por

adversamente, criar as condições teóricas para a superação do mesmo projeto:

78

WARAT, Luis Alberto; CABRIADA, Gustavo Perez. Os quadrinhos puros do direito. ALMED. p. 2.

79 COELHO, Fábio Uchoa. Para entender Kelsen. p. 69.

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Ao expandir até os seus limites a afirmação da possibilidade do

conhecimento cientifico do direito, Kelsen acabou revelando tais

limites e pondo a nu as insuficiências dessa propositura e

epistemológica. O paradoxo exsurge claro em sua hermenêutica,

no desafio Kelseniano. Ora, se o conhecimento do direito somente

seria cientifico se reduzido à apresentação do elenco das

significações atribuíveis a cada norma jurídica, impondo-se total

silêncio na questão acerca de qual delas deveria prevalecer sobre

as demais, então não se pode conhecer com rigor o exato

conteúdo das normas, já que afirmar o seu sentido único é função

não cientifica.

Willis Santiago Guerra Filho80, salienta que o conceito de

norma fundamental, surge com a teoria kelseniana, tendo a ele sido atribuído,

pelo próprio Kelsen, os mais diferentes sentidos de funções, o qual, chegando à

conclusão de que se deve suprimir o uso do conceito:

Entendemos que esse é necessário ao pensamento jurídico, [...] o

que levou Kelsen a não abdicar dele definitivamente, mudando

diversas vezes de opinião sobre sua natureza e considerando na

Grundnorm, por fim, não mais como hipotética, e sim como uma

norma ficta (fingiert Norm), desprovida de positividade, por

pressuposta no pensamento, mas não como uma verdadeira

hipótese – que poderia ser verdadeira ou falsa, como toda

hipótese, quando normas jurídicas são válidas ou inválidas, jamais

verdadeira ou falsa -, e sim como uma ficção um “como-se” (Als-

ob), no sentido da filosofia vaihingeriana. Resta a dúvida sobre

como uma norma que não é positiva por não corresponder, nos

termos de Kelsen, ao sentido de um ato de vontade, enquanto

condição transcendental do conhecimento do Direito pode conferir

positividade a todo o ordenamento, que a tem como fundamento.

Acerca dos Objetivos da teoria pura do direito Miguel

Reale81, salienta que Hans Kelsen, na segunda década deste século, agitou a

bandeira da Teoria do Direito, a Ciência Jurídica era uma espécie de cidade

cercada por todos os lados, por psicólogos, economistas, políticos e sociólogos.

80

GUERRA FILHO, Willis Santiago; GRAU, Eros Roberto (org.). Princípio da proporcionalidade e teoria do direito (in) Estudos de direito constitucional: em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003.p. 273.

81 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 455.

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Cada qual buscava transpor as paredes da Jurisprudência, para torná-la sua, para

incluí-la em seus caminhos:

Foi, dentro desse quadro, que se manifestou o movimento de

"purificação" do Direito, que teve como centro a capital da Áustria.

Kelsen chamou sua doutrina de Teoria Pura, por querer livrá-la de

elementos metajurídicos, excluindo do campo próprio e específico

do jurista uma série de problemas, apesar de reconhecer sua

legitimidade no plano da Psicologia, da Moral, da Economia, da

Sociologia, da História ou da Política. É necessário, dizia Kelsen,

conceber o Direito com olhos de jurista, sem procurar a todo

instante elementos que a Psicologia elabora, a Economia

desenvolve ou a Sociologia nos apresenta.

Conforme explica o citado autor, resulta daí o caráter

basicamente instrumental e técnico que o Direito apresenta na concepção

Kelseniana, passando a ter valor secundário a norma "não mates", por exemplo,

perante a norma primária que liga uma conseqüência sancionada ao ato de

matar: "Se matares, serás condenado de tantos a tantos anos". Seria desta forma,

específica e propriamente, a norma jurídica.

Ronald Dworkin82 ilustra que se houver no caso concreto

situação que não se encaixe, então neste caso não ser decidido por autoridade

pública:

O conjunto dessas regras jurídicas é coextensivo com "o direito",

de modo que se o caso de alguma pessoa não estiver claramente

coberto por uma regra dessas (porque não existe nenhuma que

pareça apropriada ou porque as que parecem apropriadas são

vagas ou por alguma outra razão), então esse caso não pode ser

decidido por alguma autoridade pública, como um juiz, "exercendo

seu discernimento pessoal", o que significa ir além do direito na

busca por algum outro tipo de padrão que o oriente na confecção

de nova regra jurídica ou na complementação de uma regra já

existente.

82

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 28.

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Conforme observação de Paulo Nader83, a teoria pura do

direito adotou um sistema de idéias essencialmente positivista no setor jurídico,

desprezando os juízos de valor, rejeitando eminentemente a idéia do Direito

Natural, bombardeando a metafísica.

Ainda, conforme entendimento do autor em epígrafe, a teoria

que Kelsen criou refere-se exclusivamente ao Direito Positivo, sendo uma “teoria

nomológica”, vez que compreende o Direito como estrutura normativa, assim o

direito seria concebido como um grade esqueleto de normas jurídicas:

O Direito seria um grande esqueleto de normas, comportando

qualquer conteúdo fático e axiológico. Assim, o Direito brasileiro

seria tão Direito quando o dos Estados Unidos da America do

Norte ou da Rússia. Kelsen rejeitou a idéia da justiça absoluta.

Admitiu, porem, como conceito de justiça, a aplicação da norma

jurídica ao caso concreto. A justiça seria apenas uma valor

relativo. A sua teoria não pretende expressar o que o Direito deve

ser, mas sim o que é o Direito. Não expõe qual deve ser a fonte

do Direito, mas indica as fontes formais do Direito. Kelsen

abandonou, assim, a axiologia, bem como elemento sociológico.

Daí, porem, não se pode concluir, com acerto, que para ele é

Moral e a Sociologia não tivessem importância. A sua idéia,

porém, é a de que as considerações de ordem valorativa estão

fora da Ciência do Direito.

Finalmente, textualiza que o cerne de gravidade da teoria

pura localiza-se na norma jurídica, esta concernente ao “reino do sollen” (deve-

ser), enquanto que a lei da causalidade, que rege a natureza, pertence ao “reino

do sein” (ser).

Desta forma o Direito seria uma “realidade espiritual e não

natural, uma vez que no domínio da natureza forma de ligação dos fatos é a

causalidade, no mundo da norma, é a imputação”.84

83

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 374.

84 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 374.

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A norma jurídica expressa, pela variante categórica de

Kelsen, um mandamento, um imperativo. “se A é, B deve ser”, em que “A”

constituiu o suposto, e “B”, a conseqüência.

Luis Alberto Warat85 continua sua explicação sobre a teoria

kelseniana, salientando que Kelsen fora ferrenhamente atacado pelos

jusnaturalistas:

Kelsen se rebelou contra esse tipo de fantasias jurídicas, rejeitou

um ilusório arsenal de purezas e inventa sua própria pureza. No

começo a confusão aumentou. Não queriam entendê-lo não havia

condições de escutar o que Kelsen queria dizer. Por muito tempo

os advogados tiveram uma visão apocalíptica da teoria de Kelsen,

mas com o tempo as feridas cicatrizaram. Hoje tudo se superou e

Kelsen toma parte da teoria jurídica imperante. Kelsen comprou

várias brigas. Seu principal alvo foi a mentalidade jusnaturalista,

eram defensores do jusnaturalismo os que ensinavam nas

universidades assim os alunos adquiriram uma imagem diabólica

de Kelsen. Os estudantes aprendiam Kelsen pela boca de seus

inimigos os “jus-professores.”

Ainda, conforme este autor, os jusnaturalistas

apresentavam um conjunto de “clichês” que apontavam de forma

contraproducente a teoria de Kelsen, um pensamento „‟monstruoso‟‟ que

pretendia afastar o direito da moral, os jusnaturalistas diziam que Kelsen

pretendia reduzir o direito a um conjunto de normas desprovidas de todo juízo

moral.

A teoria kelseniana prevê certa amoralização lógico-técnica,

conforme aponta Maria Helena Diniz86:

[...] o positivismo jurídico parece ter alcançado a mais completa

eliminação da moral ou do direito natural. Segundo kelsen é

incontestável que a norma deve ser moralmente justa, mas essa

justiça não pode ser estudada pela ciência jurídica, que só

descreve normas. Cognoscível é apenas o valor legal, ou a

85

WARAT, Luis Alberto; CABRIADA, Gustavo Perez. Os quadrinhos puros do direito. ALMED. p. 4.

86 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 116.

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validade, que consiste na conformidade, objetivamente verificável

pela razão, de uma norma por outra que lhe é superior. Por tal

razão a ciência jurídica deve tão-somente procurar a base de uma

ordem legal, ou seja, o fundamento objetivo e racional da vaidade

legal, não num princípio metajurídico de moral ou direito natural,

mas uma hipótese de trabalho lógico-técnico-jurídica, supondo

aquela ordem legal validamente estabelecida.

A autora salienta ainda que desta forma a validade da

norma jurídica é explicada pelas normas jurídicas hierarquicamente

superiores, e virtude de que a validez da norma constitucional é justificada

pela norma hipotética fundamental.

Miguel Reale87 explicando a teoria pura ressalta que para

kelsen tanto é Direito a norma constitucional como as regras particulares contidas

em uma sentença:

Na realidade, porém, a compreensão total do Direito, na doutrina

de Kelsen, não exclui mas antes tem implícita uma tricotomia.

Como observa Kunz, essa tricotomia está na base da obra

Kelsiana, que abrange uma Teoria Pura do Direito ao lado de uma

Teoria da Justiça e de uma Sociologia Jurídica, como distintas

apreciações da experiência jurídica, respectivamente sob os

primas lógicos, filosóficos e sociológico. São três perspectivas

fundamentalmente distintas, mas, como vimos, por mais que

Kelsen pretenda ser normativista, nos domínios da Ciência do

Direito como tal, ele jamais se liberta de enfoques fáticos e

axiológicos. O mesmo ocorre quando trata dos problemas da

justiça ou do Direito como fato social. Podemos, pois, dizer que o

aspecto normativista prevalece na Teoria Pura, por ser seu

propósito dominante focalizar o momento normativo.

Ronald Dworkin salienta que a teoria kelseniana prevê que

se alguém disser que possui uma obrigação jurídica significa disser que seu caso

se enquadra em uma regra jurídica:

Dizer que alguém tem uma "obrigação jurídica" é dizer que seu

caso se enquadra em uma regra jurídica válida que exige que ele

87

REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 477.

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faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. (Dizer que ele tem um

direito jurídico, ou um poder jurídico é asseverar de maneira

taquigráfica que outras pessoas têm obrigações jurídicas reais ou

hipotéticas de agir ou não agir de determinadas maneiras que o

afetem.) Na ausência de tal regra jurídica válida não existe

obrigação jurídica, segue-se que quando o juiz decide uma

matéria controversa exercendo sua descrição, ele não está

fazendo valer um direito jurídico correspondente a essa matéria. 88

Destarte Kelsen reduziu o Direito ao ambiente rigorosamente

formal, qual seja a norma. Para Kelsen, seriam juízos aplicáveis apenas as

condutas e nunca as normas, logo, ela não seria (norma) justa ou injusta, por

estar acima do bem e do mal.

Assim o Direito deveria ser justificado apenas pela teoria do

direito, Kelsen pretendeu a independência cientifica do Direito, como objeto da

ciência apenas a norma.

Hans Kelsen desenvolveu a idéia da norma fundamental

hipotética, ou seja, o embasamento primeiro do direito, a composição “teórica”

poder precípuo, dando origem à constituição positiva que deve ser formalmente

declarada e aprovada.

A norma fundamental, não seria a primeira norma escrita,

mas sim aquela norma intentada de onde nasce a legitimação se todo um

ordenamento.

A validade do direito positivo é a norma fundamental, assim

o que não advir desta ou lhe for contraposta não existiria para o direito.

Luis Alberto Warat89:

Kelsen pensava nas condições de possibilidade de uma ciência

jurídica em sentido estrito (CJE). Kelsen nunca tentou responder à

pergunta: Que é o Direito? Ele formulou a pergunta: Que é uma

CJE? E dizer normativa; que tivesse por objeto as normas

88

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 28-29.

89 WARAT, Luis Alberto; CABRIADA, Gustavo Perez. Os quadrinhos puros do direito. p.6.

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positivas (desde um ponto de vista estritamente normativo) que

puderam interferir na formação de um CJE. O importante é a

determinação das condições sob as que o Direito pode ser

pensado cientificamente, desde um ponto de vista estritamente

normativo, considerados mediante o princípio de imputação e não

de casualidade. Por isto propunha deixar entre parênteses

considerações de tipo político, religiosas, sociológicas,

ideológicas, históricas, morais, valorativas, etc., que pudessem

interferir na formação de uma CJE. A pureza de Kelsen está na

forma de observar, não na coisa observada. Kelsen criou uma

teoria pura do saber e não uma teoria do Direito puro.

Kelsen adota o raciocínio kantiano da distinção entre ser e

dever-ser.

Nos campos do ser (natureza – ciências naturais) estão os

fatos do mundo, físico, espiritual ou social, nos campos do dever-ser estão às

normas, sendo a ciência jurídica uma ciência normativa (regras de conduta),

devendo concentrar sua atenção no estudo do que deve-ser e não do que é.

Paulo Nader 90 Critica a teoria pura do direito, observando

que são várias as restrições da doutrina de Kelsen:

Conforme expressão de Ángel Latorre, as críticas apresentam

duas vertentes. Uma delas se refere a pontos concretos de sua

doutrina, como, por exemplo, a obscuridade do conceito da norma

fundamental. Outra restrição nessa vertente é em relação à

identidade entre Direito e Estado, que se considera como

perigosa. A outra série de restrições refere-se ao sentido global de

sua doutrina, ao pretender, principalmente, isolá-lo fenômeno

jurídico de todos os demais fenômenos sociais. O Jurista, diz

Miguel Villoro Toranzo, não deve lamentar o relacionamento do

Direito com outras ciências, “pelo contrario, nisso reside a

grandeza da ciência jurídica, em oferecer uma síntese humanista,

sob o signo da justiça, sobre diversos aspectos da conduta social

humana”.

Em consonância com o pensamento crítico do citado autor,

Kelsen aboliu vários dualismos no campo jurídico: “Direito/Estado, Direito

90

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 375.

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objetivo/, Direito interno/internacional”, destarte o Estado não seria mais do que a

“personalização da ordem jurídica”, uma vez que não é mais do que uma ordem

coativa da conduta humana, ordem que é jurídica.

Kelsen nega a existência do direito subjetivo, de vez a

probabilidade de agir é apenas uma implicação da norma jurídica.

2.4 CONCEITUAÇÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO

Todo conhecimento jurídico necessita do conceito do

direito, conforme preleciona Maria Helena Diniz91

:

O conceito é um esquema prévio, munido do qual o pensamento

se dirige à realidade, desprezando seus vários setores e somente

fixando aquele correspondente às linhas ideais delineadas pelo

conceito.

Em virtude de certo delineamento da matéria que buscou-

se alguns conceitos acerca do direito positivo ou positivismo jurídico.

Segundo Paulo Dourado de Gusmão92

, o direito positivo,

ou a teoria kelseniana, “é o direito histórico e objetivamente estabelecido,

efetivamente observado, encontrado em leis, códigos, tratados internacionais,

costumes, regulamentos, decretos etc.

Assim, o direito positivo é aquele determinável na história de

uma sociedade, que conforme o citado autor possui pouca margem de erro, vez

que se encontra em documentos históricos, como códigos, jurisprudências,

tratados, etc., destacando que o direito positivo é “a garantia da certeza do direito.

Para Orlando de Almeida Secco93, o direito positivo é

bastante amplo, abrange não só o direito em vigor (direito vigente) como o já fora

91

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 239.

92 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. p. 76.

93 SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. p. 35-36.

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de vigor (direito histórico), o direito escrito (direito codificado e legislado) como o

direito não escrito (direito costumeiro ou consuetudinário).

Na concepção do citado autor, alguns autores preferem

considerar o "Direito Positivo" apenas o direito vigente e o direito legislado,

excluindo o direito histórico e o costumeiro. Partem seguramente da confusão

usual entre positividade e vigência, explicando que o direito histórico, embora não

mais estando em vigor, reconhecidamente terá vigorado em algum período.

Na referida eficácia é que estaria a positividade. Embora

interrompida a vigência, a positividade continua. A lei que não mais vigora, não

mais determina qualquer efeito. Todavia, dura como um marco histórico dentro

da conjuntura jurídica do País. Tanto isso de interpretar-se uma lei nova. Vai-

se buscar na lei já revogada o possível sentido da lei posterior. Se a

positividade não permanecesse, tal artifício comparativo seria uma inutilidade.

Paulo Dourado de Gusmão conceitua ainda o direito

positivo como sendo um direito de dimensão temporal, em virtude de ser

direito promulgado, tendo vigência, a partir de determinado momento histórico,

naufragando quando revogado em época posterior.

Segundo o citado autor o direito positivo reflete valores,

necessidades e ideais históricos, tendo ainda dimensão espacial, ou territorial,

uma vez que tem eficácia em determinado território, ou seja, em determinado

espaço geográfico, no qual impera a autoridade que o estabeleceu.

Orlando de Almeida Secco ainda conceitua o direito

positivo sob a forma costumeira:

O Direito Positivo é o direito que depende da vontade humana,

seja na forma legislada (lei, estatuto, regulamento, tratado

internacional, etc.) seja na consuetudinária (costume), em ambas,

objetivamente estabelecido, enquanto o Direito Natural é o que

independe de ato de vontade, por refletir exigências sociais, razão

pela qual o direito positivo seria histórico e válido em espaços

geográficos determinados ou determináveis, isto é, para

determinando Estado (direito brasileiro, direito norte-americano,

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etc.) ou para vários Estados (direito internacional), podendo

perder a sua validade por decisão legislativa do governo (lei,

decreto-lei,etc.), enquanto o direito natural seria válido no espaço

social(...) cuja validade não pode ser afetada por qualquer lei.94

Isaac Reis95explica que a doutrina pura do direito ensinara

que qualquer possibilidade de atribuição de sentido estaria distante de uma

verdade absoluta, mas talvez, exclusivamente, de um ato de arbítrio, produto do

poder da violência característica do intérprete como sujeito social. Pode-se dizer

mesmo que Kelsen, ao exprimir que o juiz não encarna o Geist do povo, nem

representa a soberania popular, “historicizou o sujeito da interpretação,

denunciou-lhe a humanidade e cravou um petardo de difícil cicatrização” no que

Warat chamou de o ”senso comum teórico dos juristas”:

Ao levar até as ultimas conseqüências o seu padrão de uma

cientificidade jurídica, o mestre de Viena terminou por trazer para

o mundo real do direito – o mundo as prescrições – um conjunto

entes fáticos (de poder) e axiológicos (valores) que constituíam o

calcanhar-de-aquiles e toda a fundamentação pseudo-

epistemológica do direito burguês, o que o mesmo Warat

apontaria mais de trinta anos depois.

Na concepção de Paulo Nader96 o positivismo jurídico foi fiel

aos princípios do positivismo filosófico, rejeitando todos os elementos de

abstração na área do Direito, a começar pela idéia do Direito Natural, por julgá-la

metafísica e anticientífica.

Em seu afã de enfocar exclusivamente os dados municiados

pela experiência, o positivismo rejeita os juízos de valor (axiologia), para se ater

apenas aos fatos observáveis.

Salienta ainda o citado autor que para essa corrente de

pensamento o componente da Ciência do Direito tem por encargo analisar as

normas que compõe a ordem jurídica vigente. A sua preocupação seria com o

94

SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. p. 36.

95 REIS, Isaac. Interpretação na Teoria Pura do Direito. p. 28.

96 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 370-371.

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Direito existente. Nessa tarefa o investigador de devera utilizar apenas os juízos

de constatação ou de realidade, não considerado os juízos de valor.

Em relação à justiça, a atitude positivista é a de um

cetiscimo absoluto. Por concebê-la como um ideal irracional, acessível apenas

pelas vias da emoção, o positivismo se omite em relação aos valores:

Para o positivismo só existe uma ordem jurídica: a comandada

pelo Estado e que é soberana. Eis, na opinião de Eisenmann, um

dos críticos atuais do Direito Natural, a proposição que melhor

caracteriza o positivismo jurídico: “Não há mais Direito que o

Direito Positivo”. Assumindo atitude intransigente perante o Direito

Natural, o positivismo jurídico se satisfaz plenamente com o ser do

Direito Positivo, sem cogitar sobre a forma ideal do Direito, sobre

o dever-se jurídico. Assim, para o positivista a lei assume a

condição de único valor. Como método de pesquisa e de

construção, só admite como válido o método indutivo. Que se

baseia nos fatos da experiência, recusando valor cientifico ao

método dedutivo, por julgá-lo dogmático.97

Conclusivamente constata-se que o positivismo jurídico

buscou o status de ciência para o direito, tendo por objeto a norma jurídica.

Hans kelsen, para delimitar o objeto, em sua teoria declarou a pureza da

norma, a qual estava deveria estar livre de qualquer teor valorativo, ou

influenciado por qualquer outra área, como por exemplo, a filosofia, ou

sociologia.

Vistas as questões que cercam o positivismo jurídico,

passar-se-á ao capítulo subseqüente o qual tratará das variadas concepções

do direito, elencando de forma pormenorizada a teoria tridimensional de Miguel

Reale.

97

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 371.

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CAPÍTULO 3

AFINAL O QUE É O DIREITO?

O Direito pode ser fundamentado por várias pontos de

vista, destarte são inúmeras as teorias do Direito, cada qual proclamando-se a

absoluta, a detentora da verdade absoluta, e sempre única.

A maior dificuldade na apresentação do direito, não é

segundo Roberto Lyra Filho98

, demonstrar o que ele é, mas sim dissolver as

imagens falsas ou distorcidas que muitos aceitariam como retrato fiel.

Ressalta ainda que a palavra que mais comumente é

associada a direito, veremos aparecer a lei, começando pelo inglês law a qual

designa as duas coisas. Porém, contra esta possível e comum confusão entre

direito e lei, pode-se confirmar a diferença entre os dois institutos, como por

exemplo, usando o latim que os indicam por temos distintos, quais sejam: jus e

lex.

3.1 A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

Miguel Reale, filósofo do direito ganhou proeminência

internacional com o desenvolvimento da sua Teoria Tridimensional do Direito,

foi presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia, professor titular de Filosofia

do Direito e Reitor da Universidade de São Paulo.

Segundo Paulo Nader99

a importância do Miguel Reage no

panorama jurídico brasileiro deu-se em virtude deste ter elaborado uma

98

LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 17 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.p. 7.

99 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 377.

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concepção integral do fenômeno jurídico, em sua Teoria Tridimensional do

Direito, mais especialmente na denominada fórmula Reale.

O tridimensionalismo, conforme o citado autor, apesar de

estar implícito na obra de vários autores, como a de Emil Lask, Gustav

Radbruch, Roscie Pound e em todas as concepções culturalistas do Direito, é

com Miguel Reale que se desenvolve a sua formulação ideal e que habilita

como rigorosa teoria, assim ponderando:

O fenômeno jurídico, qualquer que seja a sua forma de expressão,

requer a participação dialética do fato, valor e norma, a

originalidade do professor brasileiro está na maneira como

descreve o relacionamento entre os três componentes. Enquanto

que para as demais formulas tridimensionalistas, denominadas

por Reale genéricas ou abstratas, os três elementos se vinculam

como em uma adição, quase sempre com prevalência de algum

deles, em sua concepção, chamada especifica ou concreta, a

realidade fático-axiologica-normativa se apresenta como uma

unidade, havendo nos três fatores uma implicação dinâmica. Cada

qual se refere aos demais e por isso só alcança sentido no

conjunto. As notas dominantes do fato, valor e norma estão,

respectivamente, na eficácia, fundamento e vigência.

Miguel Reale100 explica a estrutura tridimensional do

direito, em análise profunda dos mais variados sentidos da palavra direito

tendo encontrado três aspectos básicos, discerníveis em tôo e qualquer

momento da vida jurídica, quais sejam: um aspecto normativo (o Direito como

ordenamento e sua respectiva ciência), um aspecto fático (o Direito como fato,

ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto axiológico (o Direito

como valor de Justiça).

Salienta o filósofo que nas últimas quatro décadas o

problema da tridimensionalidade do Direito tem sido objeto de estudos

sistemáticos, até culminar numa teoria, à acredita ter dado uma nova feição,

especialmente pela demonstração de que:

100

REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 64-65.

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a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, haverá, sempre e

necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico,

demográfico, de ordem técnica etc.) um valor, que confere

determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando

a ação dos homens dos homens no sentido de atingir ou preservar

certa finalidade ou objetivo, e finalmente, uma regra ou norma,

que representa a relação ou medida que integra um daqueles

elementos ao outro, o fato ao valor

b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem

separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta

c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem

reciprocamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos

que o direito é uma realidade histórica-cultural) de tal modo que a

vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três

elementos que a integram.

Orlando de Almeida Secco101

interpretando a teoria

tridimensional do direito, destaque que Miguel Reale, coloca o “Direito Natural"

em termos de axiologia e diz:

A experiência histórica demonstra que há determinados valores

que, uma vez trazidos à consciência histórica, se revelam ser

constantes éticas inamovíveis que, embora ainda não percebidas

pelo intelecto, já condicionavam e davam sentido à práxis

humanas.

Desta fora para Miguel Reale toda a experiência jurídica

pressupõe sempre três elementos, como textualiza Paulo Nader102

:

[...] fato, valor e norma, ou seja, “um elemento de fato, ordenado

valorativamente em um processo normativo”. O Direito não possui

simplesmente uma estrutura factual, como querem os sociólogos;

valorativa, como proclamam os idealistas; normativa, como

defendem os normativista. Essas visões são parciais e não

revelam toda a dimensão do fenômeno jurídico. Este congrega

aqueles componentes, mas não em uma simples adição. Juntos

101

SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. 34.

102 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 378.

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vão formar uma síntese integradora, na qual “cada fator é

explicado pelos demais e pela totalidade do processo”.

O referenciado autor explica ainda que a teoria

tridimensional elenca as Lebenverhaltnis que são as relações de vida e são a

fonte do Direito, ao disciplinar uma conduta, o ordenamento jurídico dá aos

fatos da vida social um modelo, uma formula de evidência coletiva.

O fato como uma dimensão do Direito é o evento social

aludido pelo Direito objetivo:

É o fato interindividual que envolve interesses básicos para o

homem e que por isso enquadra-se dentro dos assuntos

regulados pela ordem jurídica. No exemplo citado, o fato é a

circunstancia de alguém, possuidor de bens, desejar promover a

doação de seu patrimônio a outrem, sem reservar o suficiente

para o custeio de suas despesas. O valor é o elemento moral do

Direito, é o ponto de vista sobre a justiça. Toda obra humana é

empregada de sentido ou valor. Igualmente o Direito. No caso

analisado, a lei tutela o valor vida e pretende impedir um fato

anormal e que caracterizaria uma situação sui generis de abuso

do direito. A norma consiste no padrão de comportamento social,

que o Estado impõe aos indivíduos, que devem observá-la em

determinadas circunstâncias.103

Observadas as bases da teoria tridimensional do direito,

tendo o mesmo sendo concebido como fato, valor e norma, passa-se ao

estudo do culturalismo jurídico.

3.2 BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO CULTURALISMO JURÍDICO

Paulo Dourado de Gusmão104

ilustra a concepção de

natureza, cultura e direito, exemplificando que se chegarmos à janela de nossa

casa e olharmos o panorama, (“quando se tem sorte”), pode-se ver em frente,

103

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 378.

104 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. p. 59.

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uma montanha, e do outro lado rua, prédios. O primeiro ambiente é o natural

(a montanha), enquanto o segundo é cultural (ruas e prédios), o qual

dependeu da vontade humana, tendo distinção, sentido, é cultura.

Destarte a cultura compõe-se de obras humanas, de

transformação da natureza com o fim de suprir as necessidades humanas.

Maria Helena Diniz105

faz apontamentos à concepção

culturalista do direito. 131, textualizando que pela necessidade de se vero o

direito com um fenômeno em situações essenciais, dotado de sentido, a

ciência jurídica surge como uma ciência cultural, "não como produto metódico

de procedimentos formais, dedutivos e indutivos, mas como um conhecimento

que constitui uma unidade imanente, de base concreta e real, que repousa

sobre valorações":

Por isso as mais recentes conquistas no campo da epistemologia

jurídica situam-se no culturalismo jurídico, que concebe o direito

como um objeto criado pelo homem, dotado de um sentido de

conteúdo valorativo, sendo, portanto, pertencente ao campo da

cultura. Cultura é tudo que o ser humano acrescenta às coisas

(homo additus naturae, diziam os clássicos) com a intenção de

aperfeiçoá-las. Abrange tudo que é construído pelo homem em

razão de um sistema de valores. O espírito humano projeta-se

sobre a natureza, dando-lhe uma nova dimensão que é o valor.

Cultura é a natureza transformada ou ordenada pela pessoa

humana com o escopo de atender aos seus interesses. As obras

humanas, como nos ensina Golfredo Telles Jr., não são criações

no sentido rigoroso deste vocábulo; não são tiradas do nada.

Realmente, o homem não cria jamais: só Deus cria ex nihilo; ele,

tão somente, fabrica algo que já lhe é dado.

Paulo Nader106

ressalta que para Miguel Reale o direito é

fruto da experiência e localiza-se no mundo da cultura.

105

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 131.

106 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 378.

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59

Paulo Dourado De Gusmão107

ressalva que o direito não é

um pedaço de natureza, e assim sendo estaria inserido no contexto cultural e

não natural:

O direito depende da vontade humana, tem significação,

destinação, finalidades, sendo prescrito tendo em vista fatos

sociais segundo tradições e valores. Não é assim produto da

Natureza. Pertence ao mundo do humano, ou seja, ao mundo

construído pelo Homem. Não é puro valor nem fato

exclusivamente, mesmo porque do fato não pode surgir o valor e

nem a norma. Encontra-se nessa realidade que está além daquela

que existe independente da vontade humana (Natureza), dessa

realidade que se encontra diante de nós por estar, mas que o

Homem pode vencê-la e transformá-la para o bem ou para a

destruição própria e da Civilização. Encontra-se, pois, no mundo

da Cultura, é objeto cultural. Tem, como objeto cultural, mais de

um componente. Compõem-se de substrato e de sentido.

Enfim para este autor o direito, como fenômeno ou objeto

cultural, participa de mais de uma realidade: tem “plano ou componente

material (conduta, papel, bloco de pedra, etc.) e plano ou componente

imaterial da intencionalidade superposto ao plano material, dando-lhe sentido”.

Desta forma o direito, para o ator em referencia pertence

ao reino da cultura, acompanha a sorte da Cultura, em que se encontra

integrado, e uma vez que a o a cultura não é imortal, porque nasce se

desenvolve acabando por entrar em crise para posteriormente desaparecer.

Assim, ao desaparecer a sociedade que o criou pode o

direito emigrar para outra, como ocorreu com o direito babilônico ou o direito

romano.

Concluindo o ator em epígrafe que a consideração do

direito como cultura elimina a insolúvel questão: o direito é fato, como pensam

os sociólogos, é norma, como dizem os normativistas, ou valor, como pensam

os idealistas e, em certos casos, utopistas.

107

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. p. 60-61.

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3.3 DIFERENTES VISÕES EPISTEMOLÓGICAS DA TEORIA JURÍDICA

3.3.1 Carlos Alberto Bittar – Concepção do Direito Jusnaturalista

Carlos A. Bittar108

situa-se entre os naturalistas.

Entendendo que os direitos da personalidade constituem direitos inatos,

salientando que hodiernamente a maioria dos escritores ora atesta tal origem

dos direitos da personalidade.

Segundo o autor em comento cabe ao Estado apenas

reconhecer e sancionar referidos direitos (inatos) em um ou outro plano do

direito positivo , em nível constitucional ou em nível legislação ordinária,

munindo-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se

volte, a saber: contra o arbítrio do poder publico ou as invasões de

particulares.

Para este autor os direitos da personalidade existem antes

e involuntariamente ao direito positivo, como se fossem inerentes ao próprio

homem, respeitado em si e em suas manifestações.

Defesa dessa tese:

Não se pode, pois, limitar, como se vê em alguns autores, esses

direitos ao ordenamento positivo, sobretudo depois de apresentá-

los como inerentes ao homem. Isso significa, em primeiro lugar,

reduzir o direito a normas positivas. Ora, inobstante constitua a

sua mais importante forma de expressão a norma escrita – a lei -,

o direito não se cinge a normas e, muito menos, a normas

positivas. O direito compreende – como se sabe – o costume, a

jurisprudência e outras inúmeras formas. Uma tal posição importa,

ainda, em cingir o Estado como único definidor dos direitos. Ao

Estado compete, na verdade, reconhecer os direitos que a

consciência popular e o direito natural mostram. Ademais, a noção

de Estado é recente. O direito existe antes do Estado e pela

própria natureza do homem. Já Aristóteles apontava a existência

do direito natural.

108

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 07-08.

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Finalmente, pondera o Carlos Alberto Bittar109

que

ordenamento positivo existe em função do homem em sociedade e esquecer-

se isso é olvidar as conquistas de pensamento moderno, desde os filósofos

políticos, como Locke Rousseau, Montesquieu, até os filósofos do direito:

Em nosso entender, pois os direitos da personalidade devem ser

compreendidos como: a) os próprios da pessoa em si(ou

originários), existentes por sua natureza, como ente humano, com

o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo

exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu

relacionamento com a sociedade).

3.3.2 A Visão Crítica de Paulo Nader acerca do Positivismo Jurídico

Relata o autor Paulo Nader110

que o positivismo jurídico

atingiu o seu auge no inicio deste século, passando a ser hoje uma teoria em

franca decadência.

Segundo este autor, surgiu em um período critico da

história do Direito Natural, durou enquanto foi novidade e entrou em

decadência quanto ficou conhecido em toda a sua extensão e conseqüências:

Com a ótica das ciências da natureza, ao limitar o seu campo de

observação e analise aos fatos concretos, o positivismo reduziu o

significado humano. O ente complexo, que é o homem, foi

abordado como prodígio da Física, sujeito ao principio da

causalidade. Em relação à justiça, a atitude positivista é a de um

ceticismo absoluto. Por considerá-la um ideal irracional, acessível

apenas pelas vias da emoção, o positivismo se omite em relação

aos valores. Sua atenção se converge apenas para o ser do

Direito, para a lei, independentemente de seu conteúdo.

Identificando o Direito com a lei, o positivismo é uma porta aberta

aos regimes totalitários, seja na fórmula comunista, fascista ou

nazista.

109

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 10.

110 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 371-372.

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62

Destarte na concepção do autor em comento o positivismo

jurídico é uma doutrina que não satisfaz as exigências sociais de justiça, uma

vez que se, de um lado, favorece o valor segurança, por outro, ao defender a

filiação do Direito a determinação do Estado, mostrar-se-ia alheio à sorte dos

homens.

Avalia então que o Direito não se compõe exclusivamente

de normas, como pretende essa corrente, as regras jurídicas teriam sempre

um significado, um sentido, um valor a realizar.

Desta forma critica os positivistas por não se

“sensibilizaram pelas diretrizes do Direito”:

Apegaram-se tão-somente ao concreto, ao materializado. Os

limites concedidos ao Direito foram muito estreitos, acanhados,

para conterem toda a grandeza e importância que encerra. A lei

não pode abarcar todo o jus. A lei, sem condicionantes, é uma

arma para o bem ou para o mal. Como sabiamente salientou

Carnelutti, assim como não há verdades sem germes de erro, não

há erros sem alguma parcela de verdade. O mérito que Carnelutti

vê no positivismo é o de conduzir a atenção do analista para a

descoberta do Direito Natural: “a observação daquilo que se vê o

ponto de partida para chegar àquilo que se não vê.”

Assim Paulo Nader111

defende a o jusnaturalismo como

teoria hábil a explicar de forma convincente a teoria geral do direito,

salientando que a idéia do Direito Natural é o eixo em torno do qual gira toda a

Filosofia do Direito.

O jusfilósofo ou é partidário dessa idéia ou é defensor de

um monismo jurídico, visão que reduz o Direito apenas à ordem jurídica

positiva, qual seja o positivismo jurídico de Hans Kelsen:

Conforme expõe Benjamim de Oliveira Filho, há dois

posicionamentos básicos, a rigor, na Filosofia do Direito: o do

positivismo jurídico, que é uma concepção realitivista do Direito, e

111

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 359.

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o da velha Escola do Direito Natural. O mais, diz o eminente autor,

“não passa de tentativas efêmeras de inovação, logo apagadas no

curso do tempo”.

Exauridas as questões críticas do autor, bem como sua

defesa em pro o jusnaturalismo jurídico, passa-se a uma explanação

ontológica acerca da construção do direito.

3.3.3 João Maurício Adeodato e a construção do direito enquanto

ontologia

João Maurício Adeodato112

apresenta um exame do direito

por um víeis ontológico:

[...] em sentido ontológico, é o direito construído por porções não-

neutras que preenchem o arcabouço levantado pela descrição.

Paradoxalmente, ainda que fujam á dimensão ontológico-

descritiva, sem essa opções não se completa a realidade jurídica.

A ética e o direito que nela se insere consistem precisamente na

escolha entre duas ou mais alternativas igualmente possíveis e

mutuamente excludentes, na fixação de critérios para dirimir

conflitos que em geral já ocorreram e provavelmente voltarão a

ocorrer.

Destarte na concepção do autor em referencia a

“perspectiva antropológica que vê o homem como um ser biologicamente

carente leva obviamente a uma visão dos problemas práticos diversa daquela

advogada pelos diversos tipos de essencialismo”. 113

Finaliza o ator que os retóricos têm sido em geral

associados a uma idéia contraproducente de apatia quanto às questões

práticas que afligem a humanidade. Nada poderia, sendo ele, ser mais inexato.

Ainda que o ceticismo quanto a uma instância externa que possa legitimar o

conhecimento leva também à dúvida quanto à possibilidade de encontrar

112

ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 213.

113 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito. p. 213.

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parâmetros de referências semelhantes para as questões morais, jurídicas,

políticas.

Assim, defender esta forma de auto-referência do discurso

prático, nada vetante, não implica “subir à torre de marfim”.

3.4 A VISÃO DIALÉTICA DA TEORIA JURÍDICA DE ROBERTO LYRA

FILHO

Como nenhuma das duas teorias, tanto o jusnaturalismo

quanto o juspositivismo, respondiam com inteireza a indagação fundamental,

segundo Maria Eliane Menezes de Farias114

:

– O que é o direito? exatamente porque insuficientes para

explicar o fenômeno jurídico na sua totalidade, os juristas

passaram a fundamentar a eficácia das normas na própria

experiência da sociedade, dentro do processo histórico,

inaugurando uma visão concreta, aglutinadora e totalizante do

fenômeno jurídico – a concepção dialética.

Desta forma a autora salienta que a concepção dialética é

inevitável para explicar a teoria jurídica, uma vez que, nem o jusnaturalismo,

nem o positivismo forma capazes de responder todas as indagações acerca do

instituto.

Roberto Lyra Filho influenciado por Hegel e Marx

desenvolveu as teoria do “humanismo dialético”, ou filosofia da práxis115

jurídica.

114

FARIAS, Maria Eliane Menezes de. As ideologias e filosofia do Direito: positivismo e jusnaturalismo. Nova ciência antidogmática do Direito. Enfim, o que é Direito? In: Introdução crítica ao Direito. Brasília: Editora da Unb, 1993.p.16.

115 Práxis é o processo pelo qual uma teoria, lição ou habilidade é executada ou praticada, se convertendo em parte da experiência vivida. Na Sociologia pode ser resumida como as atividades materiais e intelectuais exercidas pelo homem que contribuem à transformação da realidade social. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Práxis

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Este teórico adotou o materialismo histórico como método,

observa o direito como um processo e não pura e simplesmente como lei.

Assinala em sua teoria que o homem, as classes e os

grupos espoliados e oprimidos acabam tendo uma conduta reivindicatória e

libertária, neste contexto concebe o Direito como sendo essencialmente

contraditório em virtude de que enseja normas de dominantes e de dominados

em permanente conflito.

Destarte em sua obra intitulada o que é direito, Roberto

Lyra Filho116

textualiza que fundamentalmente, qualquer ideologia jurídica

situa-se entre o direito natural e o direito positivo.

Desta forma pelo conceito deste doutrinador qualquer

ideologia jurídica já apresentada, ou que virá estaria fadada a inserir-se em

uma ou outra corrente, ou ainda situar-se entre estas.

Aponta que “muitos autores tradicionais não se julgariam

corretamente enquadrados numa dessas duas posições”, porém se

observados os alicerces de suas teses impreterivelmente apareceria li a

mesma proposição.

Assim Roberto Lyra Filho indica o jusnaturalismo e

positivismo como sendo as duas grandes cisões da ideologia jurídica, estando

de um lado a o Direito como ordem estabelecida através do positivismo e, de

outro, como ordem justa qual seja o jusnaturalismo.

O autor analisa a teoria tridimensional de Miguel Reale,

salientando que este se recusaria a ver sua teoria classificada como

positivista.

Porém, assevera que para este filosofo do Direito, é na

ordem que se encontra a raiz de toda a elaboração jurídica: "em toda a 116

LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 17 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 25.

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comunidade, é mister que uma ordem jurídica declare, em última instancia, o

que é lícito ou ilícito".

Referencia de forma efusiva que a teoria tridimensional

possui caráter positivista:

[...] E para mais enfatizar este posicionamento, o mesmo

destacado pensador da direita repete e endossa uma frase de

Hauriu, no sentido de que "a ordem social representa o minimun

de existência e a justiça social é um luxo, até certo ponto

dispensável...". Não se poderia fixar mais claramente a opção

positiva.

Depois disto, qualquer acréscimo ou matizamento é secundário:

permanece, no âmago, o compromisso com a ordem estabelecida

e as barreiras que ela opõe ao Direito justo não seriam

transponíveis, porque, na verdade, para o positivista, a ordem é a

"justiça".

Roberto Lyra Filho analisa também o teórico alemão Hans

Welzel o qual se afirma ser jusnaturalista:

[...] afirma expressamente que não é jurisnaturalista e, no entanto,

admitem certos princípios fixos, inalteráveis, anteriores e

superiores às leis e que nenhum legislador pode modificar

validamente. Por isso mesmo é, comumente, classificados como

um adepto do direito natural.

Finalmente narra que apenas uma nova teoria realmente

dialética do Direito evitaria a queda numa das pontas da antítese117 entre

direito positivo e direito natural, assim textualizando:

Isto é claro, como em toda superação dialética, importa em

conservar os aspectos válidos de ambas as posições, rejeitando

os demais e readequando os primeiros numa visão superior.

Assim, veremos que a positividade do Direito não conduz

fatalmente ao positivismo e que o direito justo integra a dialética

jurídica, sem voar para nuvens metafísicas, isto é, sem desligar-se

117

Antíteses são teses radicalmente opostas.

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das lutas sociais, no seu desenvolvimento histórico, entre

espoliados e oprimidos, de um lado, e espoliadores e opressores,

do outro.

O conceito de direito para o doutrinador em comento é

que este “é um processo dentro do processo histórico, não é uma coisa feita,

perfeita e acabada.”

3.5 VARIAÇÃO DOS CONCEITOS DE DIREITO

Como assevera Paulo Nader118

, a ampla divergência entre

os juristas quanto a definição do direito, levou Kant a afirmar, no século XVIII,

que “os juristas ainda estão à procura de uma definição para o direito”.

Obviamente não havendo uma simetria nas teorias

jurídicas não poderia haver um conceito único para o direito.

Destarte observar-se-ão alguns conceitos, Alexandre

Groppali119

aponta diferentes doutrinadores e seus conceitos:

Segundo Grotius, o direito é determinado pelo “conjunto das

regras ditadas por uma razão humana e sugeridas pelo appettus

societatis”: mas, como todos compreendem, além de não se

esclarecer a diferença especifica do direito, porque esta poderia

entender mito em as normas da moralidade.

Kant disse ser o direito "o conjunto das condições que permitem a

coexistência entre os indivíduos, segundo uma lei universal de

razão", limitando deste modo exageradamente, como já

observamos, a função do direito.[...]

Hegel dá do direito uma definição muito ampla e que tem o defeito

de não circunscrever claramente o que define, quando estabelece

118

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 71.

119 GROPPALI, Alexandre. Filosofia do direito. p. 176 -178.

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o princípio de que o direito é: “a existência de livre arbítrio, a

liberdade como idéia”. [...]

O mesmo exatamente se pode atribui à definição de Rosmini, pela

qual o direito é determinado pela "faculdade de praticar aquilo que

nos apraz protegidos pela lei moral, que impõe o respeito aos

outros”. [...]

Para o citado autor o direito deve ser conceituado como

um conjunto de normas:

[...] irrefragavelmente obrigatórias, que, munidas de sanção e

feitas valer pela autoridade do Estado, regulam as ações dos

indivíduos e dos grupos sociais, com o fim de assegurar o

respeito, a retribuição, o socorro mútuo e a subordinação das

pessoas nas relações mais importantes da vida social.

Paulo Nader120

trás algumas definições históricas do

direito, s quais se tornaram clássicas:

Celso, jurisconsulto romano do século I: Direito é a arte do bom e

do justo.

Dante Alighieri, escritor italiano do século XIII, em sua e

Monarchia: Direito é a proporção real e pessoal o homem para

hoem que, conservada a sociedade e que, destruída, a destrói.

Acerca do conceito de Dante Alighieri, Paulo Nader

classifica três importantes méritos: a distinção entre os direitos reais e os

pessoais; a alteridade, qualidade que detêm o direito de vincular sempre e

apenas pessoas, expressas a palavra de homem par homem e a fundamental

importância do direito como sendo sustentáculo da sociedade.

Sege o autor citando o conceito de Rudolf von Ihering,

jurisconsulto alemão do século XIX: “o direito é a soma das condições de

120

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 74.

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existência social, no seu amplo sentido, assegurada pelo estado através da

coação.”

Conclusivamente verifica-se que as problematizações

acerca da teoria jurídica são inúmeras, bem como de um conceito definitivo,

verificam-se longe de chegarem a um denominativo comum.

Referida “falta” de um consenso doutrinário ao contrário

de empobrecer a teoria jurídica, a enaltece, vez que o campo para estudos e

pesquisas torna-se dos mais fartos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Primeiramente em relação ao Direito natural, conclui-se

que a evolução histórica demonstra três momentos da referida teoria, quais

sejam: a fundamentação teocêntrica, outra de fundamento de natureza do

homem e por fim a fundamentação de cunho racional, estas duas últimas de

caráter antropocêntrico.

O jusnaturalismo concebe o direito natural como sendo

imutável, eterno e universal, em qualquer das diferentes concepções dentro do

jusnaturalismo, seja ele teocêntrico ou antropocêntrico, racional ou não, tais

características lhes são comuns.

O positivismo jurídico este tem como ícone Hans Kelsen,

o qual descarta qualquer forma metafísica de concepção de direito. Opondo-se

totalmente a teoria jusnaturalista.

Baseia sua concepção do direito “livre” de qualquer

influência axiológica, em Noé da segurança jurídica.

Finalmente Acerca da Teoria Tridimensional do direito,

observou-se que este se pauta na assertiva que o direito esta em três

momentos, ou três “mundos”, primeiramente no mundo fático (fato),

posteriormente no mundo valorativo (axiológico) e finalmente torna-se norma

jurídica, resultando assim em fato, valor e norma.

Em relação à primeira hipótese, qual seja, se o

Jusnaturalismo e o Positivismo são realmente os extremos de qualquer teoria

jurídica, esta não pode ser confirmada.

O próprio Roberto Lyra Filho, o qual destaca que qualquer

teoria estaria fadada a estar em um dos extremos da antítese ou inserida entre

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elas, salienta que uma nova teoria dialética seria capaz de suplantar tais

extremos.

Destarte o próprio autor excetua a máxima de que

qualquer teoria estaria condenada a estar em um dos extremos teóricos do

direito ou inseridos dentre estes, quando narra que apenas uma nova teoria

verdadeiramente dialética do Direito impediria a propensão numa das pontas

da antítese entre direito positivo e direito natural, porém ainda a que surgir tal

teoria que enseja a suplantação de referidas teorias.

A segunda hipótese a qual indaga se estariam todas as

concepções (ideologias) jurídicas hodiernas fadadas a estarem inseridas ou

dentre estas duas correntes.

Contemporaneamente se confirmaria tal hipótese, uma

vez que como o doutrinador Roberto Lyra Filho apregoa qualquer teoria

analisada de forma profunda encontra bases em uma das duas grandes

correntes teóricas.

A terceira hipótese a qual trás a interrogação acerca da

narrativa de Roberto Lyra Filho de que na verdade a teoria tridimensional do

direito tem caráter positivista: esta não se confirma.

Não tendo podido ser confirmada, uma vez que pela

pesquisa realmente se observa alguma base positivista na fórmula Reale,

estritamente no que tange a concepção do direito enquanto norma, porém

seria mais apropriado inserir a teoria de Miguel Reale dentre as duas correntes

doutrinarias e não somente com bases positivistas.

Finalmente conclui-se que o presente trabalho

monográfico atingiu seu objetivo, vez que, aprofundaram-se as pesquisas nas

teorias jurídicas, as quais são riquíssimas em suas fundamentações.

Salienta-se conclusivamente que não havia a procura por

uma verdade pronta e acabada, e sim a busca de várias verdades, respeitando

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as mais variadas e amplas teorias e suas argumentações, mesmo porque

omne definitio periculosa est.

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