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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ KAREN CHRISTINA TEIXEIRA RAMOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS: aspectos destacados da lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008 Tijucas 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

KAREN CHRISTINA TEIXEIRA RAMOS

ALIMENTOS GRAVÍDICOS:

aspectos destacados da lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008

Tijucas

2010

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KAREN CHRISTINA TEIXEIRA RAMOS

ALIMENTOS GRAVÍDICOS:

aspectos destacados da lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008

Monografia apresentada como requisito parcial para a

obtenção do título de Bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências

Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Orientador: Prof. Esp. Aldo Bonatto Filho

Tijucas

2010

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KAREN CHRISTINA TEIXEIRA RAMOS

ALIMENTOS GRAVÍDICOS:

aspectos destacados de sua utilização no ordenamento jurídico brasileiro

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e

aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Privado/Direito Civil

Tijucas, 10 de dezembro de 2010.

Prof. Esp. Aldo Bonatto Filho

Orientador

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas

Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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Dedico este trabalho aos meus queridos pais, Vilson e Neusa.

Agradeço por sempre estarem ao meu lado, em todas as fazes da

minha vida, apoiando e torcendo pelo meu sucesso.

Essa conquista é nossa!

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Agradeço primeiramente à Deus, fonte suprema de todo saber, por me acompanhar e traçar

um norte seguro para minha vida. Por renovar minhas forças, para sempre continuar lutando e

alcançando meus objetivos.

Aos meus queridos pais, verdadeiros exemplos de virtude e honestidade, por todo amor,

carinho e compreensão. Pelos momentos de conforto, confiança e imensurável incentivo. Sou

eternamente grata por tudo que me ensinaram e proporcionaram.

Aos meus irmãos, Karla, Kátia e Junior, que embora longe, estão sempre me encorajando a

seguir em frente. Vocês moram no meu coração. Ao meu cunhado Jorge pelo carinho e

amizade cultivada a mais de 20 anos. Ao meu cunhado Sérgio pelos conselhos e forma

cuidadosa de revisão.

Ao Professor Orientador, Aldo Bonatto Filho, por suas orientações, sempre significativas.

Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas, que

muito contribuíram para a minha formação jurídica, em especial, ao Professor Alexandre

Botelho, por sua atenção generosa e amiga. Agradeço sua compreensão e paciência, me alegra

saber que posso contar com seu apoio.

À minha amiga Fabrini, que esteve sempre presente nas etapas mais importante da minha

vida. Agradeço a Deus por ter colocado você no meu caminho, minha querida amiga

confidente. À minha amiga Simoni, por estar sempre ao meu lado. Companheira, amorosa e

dedicada. Agradeço por todo apoio e cumplicidade. À minha amiga Gabriela pela amizade

sincera e carinhosa, Sempre prestativa e disposta. Às minhas amigas Luciana e Cristiane,

pelos momentos de alegria e descontração. Aos meus amigos Mário e Saulo, com vocês dei as

melhores risadas. Enfim, a todos os meus colegas de classe, por cada momento

compartilhado. Ao lado de vocês passei os momentos mais divertidos da faculdade. Saibam

que já sinto saudades.

Às minhas queridas amigas Débora, Geórgia, Jamaica, Jucélia e Francisca pelo carinho e por

todos os momentos inesquecíveis que passamos juntas. À minha amiga Eluza, por toda

atenção e cuidado. Por se preocupar comigo, por torcer pelo sucesso deste trabalho e

principalmente pela sensibilidade e doçura quando se refere a mim.

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Ao meu querido Bruno, pela compreensão, carinho e paciência. Por entender minhas

ausências e estar sempre me tranqüilizando. Por me apoiar e torcer pelo meu sucesso.

Obrigada pelo incentivo e por tornar minha vida mais leve e feliz.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.

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A vida é construída de sonhos e concretizada no amor.

Francisco Cândido Xavier.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Tijucas, 10 de dezembro de 2010.

Karen Christina Teixeira Ramos

Graduanda

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RESUMO

A presente monografia tem como objeto de investigação do instituto dos alimentos gravídicos

no ordenamento jurídico brasileiro, sob os auspícios da lei n. 11.804, promulgada em 05 de

novembro de 2008. O objetivo geral da pesquisa consiste em compreender o instituto dos

alimentos e, especificamente, os alimentos gravídicos, conforme permissivo constante no

novel diploma jurídico. Constituem objetivos específicos examinar o instituto dos alimentos,

com base na legislação e doutrina, bem como, os pressupostos da obrigação alimentar e os

direitos do nascituro a alimentos, compreender os aspectos inerentes à obrigação alimentar e

descrever de que forma podem ser exigidos os alimentos gravídicos e descrever as suas

principais características jurídicas. Para alcançar tais objetivos, o relatório de pesquisa foi

estruturado em três capítulos, sendo que, no primeiro capítulo foram abordados aspectos de

índole generalística acerca do instituto dos alimentos, com a apresentação de seu conceito e

espécies. Já no segundo capítulo tratou-se da obrigação alimentar, quem são as pessoas

obrigadas a prestar alimentos e quem pode solicitá-los, bem como suas principais

características. O terceiro e último capítulo analisa os alimentos gravídicos e os direitos do

nascituro, contextualizando-os aos aspectos processuais da lei n. 11.804/08. A presente

monografia se encerra com as considerações finais, nas quais são apresentados os resultados

da pesquisa, acrescido de estímulos à continuidade dos estudos sobre o instituto dos

alimentos, especialmente àqueles que a doutrina convencionou denominar de gravídicos.

Palavras-chave: Alimentos; Obrigação alimentar; Nascituro; Alimentos gravídicos.

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ABSTRACT

This monograph is an object of research of the institute of food gravidic the brazilian legal

system, under the auspices of law no. 11.804, promulgated on november 5, 2008. The

objective of the research is to understand the institute of food and, specifically, food gravidic

as newest permissive constant degree in law. Constitute specific objectives of the institute

examine the food, based on the law and doctrine as well as the assumptions of the

maintenance obligation and the rights of unborn children to food, to understand the aspects

related to maintenance and describe how the food may be required gravidic and describe their

main legal characteristics. To achieve these objectives, the research report was structured in

three chapters, which, in the first chapter were aimed at the generalist nature of the institute

about the food, the presentation of its concept and species. In the second chapter dealt with

the maintenance, who the people are obliged to provide food and who can request them, and

their main features. The third and final chapter examines the food gravidic and the rights of

the unborn, contextualizing them to procedural aspects of the law no. 11.804/08. This

monograph concludes with closing remarks, which are presented in the survey results, plus

incentives for continuation of studies on the institute of food, especially those conventionally

called the doctrine of gravidic.

Keywords: Food; Food obligation; Unborn; Food gravidic.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Lista com as abreviaturas, siglas e símbolos utilizados ao longo do relatório

monográfico:

§ Parágrafo

ago. Agosto

art. Artigo

CC Código Civil de 1916

CC/2002 Código Civil de 2002

cf. confira, conforme

coord. Coordenador

CPC Código de Processo Civil

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ed. Edição

Ed. Editor, Editora

Esp. Especialista

etc. et cetera (e assim por diante)

n. Número

org. Organizador

out. Outubro

p. Página

Prof. Professor

RT Revista dos Tribunais

set. setembro

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

v. Volume

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LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Lista de categorias1 que a autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho,

com seus respectivos conceitos operacionais2:

Alimentos

Alimentos são os recursos considerados indispensáveis ao sustento, que se devem aos

parentes até certo grau, impossibilitados de os prover, e entre os quais se incluem habitação,

vestuário, assistência médica, e, caso seja menor o alimentando auxílio para sua educação e

instrução3.

Alimentos gravídicos

Os alimentos gravídicos compreendem as despesas acrescidas, reclamadas pela gestante, no

período compreendido entre a concepção e o parto, inclusive os dispêndios referentes a

alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações,

parto, medicamentos e demais prescrições previstas e terapêuticas indispensáveis como

prescrição médica4

Concepção

È o início da gravidez, quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide. Indica o momento

em que se assinala a geração dos seres5.

Nascituro

O nascituro é o ser que já foi concebido e ainda não nasceu6.

Obrigação alimentícia

É o que a lei impõe a certas pessoas, a fim de que forneçam a outras os recursos necessários à

sua manutenção, quando não tenham meios de a prover7.

1 Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed.

Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 31. 2 Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com

o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do trabalho. Cf. PASOLD,

Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio do século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.

ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 99. 4 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 669.

5 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 26. ed. Rio de Janeiro, 2005, p. 328.

6 RACHEL, Andrea Russar. Qual a diferença entre nascituro e concepturo? Disponivel em:

<http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1822527/qual-e-a-diferenca-entre-nascituro-e-concepturo-andrea-russar-

rachel> Acesso em: 25 ago. 2010. 7 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 971.

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Poder familiar

Conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e aos bens do filho menor não

emancipado, exercido, conjuntamente e em igualdade de condições, por ambos os pais, para

que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o

interesse e a proteção do filho8.

8 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 708.

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................... 6

ABSTRACT .............................................................................................................................. 7

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................. 8

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS .............................. 9

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

2 DOS ALIMENTOS EM GERAL ....................................................................................... 16

2.1 CONCEITO DE ALIMENTOS.......................................................................................... 16

2.2 ESPÉCIES DE ALIMENTOS ............................................................................................ 19

2.2.1 Natureza jurídica.............................................................................................................. 20

2.2.2 Causa jurídica .................................................................................................................. 22

2.2.2.1 Legítimos, voluntários e indenizatórios........................................................................ 23

2.2.3 Finalidade ........................................................................................................................ 24

2.2.4 Momento em que são reclamados os alimentos .............................................................. 29

2.2.4.1 Alimentos pretéritos ..................................................................................................... 30

2.2.4.2 Alimentos atuais ........................................................................................................... 30

2.2.4.3 Alimentos futuros ......................................................................................................... 31

2.2.5 Modalidades da prestação ................................................................................................ 32

3 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ............................................................................................ 34

3.1 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ................................................ 37

3.1.1 Caráter personalíssimo .................................................................................................... 37

3.1.2 Transmissibilidade do direito aos alimentos ................................................................... 38

3.1.3 Irrenunciabilidade dos alimentos ..................................................................................... 41

3.1.4 Incompensabilidade dos alimentos .................................................................................. 43

3.1.5 Impenhorabilidade dos alimentos .................................................................................... 44

3.1.6 Imprescritibilidade ........................................................................................................... 45

3.1.7 Impossibilidade de transação dos alimentos .................................................................... 46

3.1.8 Variabilidade dos alimentos ............................................................................................ 48

3.1.9 Periodicidade ................................................................................................................... 49

3.1.10 Divisibilidade ................................................................................................................ 50

3.2 SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR .................................................................. 51

3.3 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORRENTE DO PODER FAMILIAR ....................... 53

4 ALIMENTOS GRAVÍDICOS ............................................................................................ 55

4.1 NASCITURO ..................................................................................................................... 55

4.1.1 Personalidade civil ........................................................................................................... 56

4.2 ALIMENTOS GRAVÍDICOS ........................................................................................... 61

4.3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS .................... 63

4.3.1 Tutela antecipada ............................................................................................................. 64

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4.3.2 Termo inicial ................................................................................................................... 65

4.3.3 Pólo ativo e passivo da ação de alimentos ....................................................................... 66

4.3.4 Prova de paternidade ....................................................................................................... 68

4.3.5 Quantum .......................................................................................................................... 71

4.3.6 Conversão, revisão e extinção da obrigação alimentar gravídica .................................... 73

4.3.7 Possibilidade de reembolso pelos valores pagos ............................................................. 75

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 81

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto9 uma análise processual dos alimentos gravídicos

no vigente ordenamento jurídico brasileiro, sob a visão da lei n. 11.804, de 05 de novembro

de 2008.

A importância deste tema reside na necessidade de aclarar as inovações que os

alimentos gravídicos trouxeram ao direito de família e à proteção jurídica a figura do

nascituro, com base nos dispositivos da referida lei, eis que tais apontamentos ainda possuem

aspectos indeterminados pela doutrina e jurisprudência, provocando transtornos para aqueles

que dele necessitam.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito

na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem

colaborar para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como

novidade no campo jurídico, na dimensão social-prática ainda pode ser tratado como elemento

novo e repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

O presente tema, na atualidade, encontra-se repleto de aspectos a serem revelados

pelos pesquisadores e estudiosos do direito, ante, principalmente, seu caráter de novidade

jurídica, eis que expressamente tipificado na lei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal da pesquisadora em aprofundar os

conhecimentos ante as inovações que a lei dos alimentos gravídicos trouxe ao ordenamento

jurídico brasileiro, assim como para instigar novas contribuições para estes direitos na

compreensão dos fenômenos jurídicos-políticos, especialmente no âmbito de atuação do

direito de família.

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho

analisar, com base na legislação e doutrina pátria, o instituto dos alimentos, sob a visão da lei

dos alimentos gravídicos.

9 Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e

ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.

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14

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel

em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas,

campus de Tijucas.

Como objetivo específico, pretende-se examinar o instituto dos alimentos, com base

na legislação e doutrina, bem como os pressupostos da obrigação alimentar e o direito do

nascituro ao que se convencionou denominar de alimentos gravídicos.

A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas

por Maria Berenice Dias, na obra Manual de direito das famílias, e Yussef Said Cahali, na

obra Dos alimentos. Estes serão, pois, os marcos teóricos que nortearão a reflexão a ser

realizada sobre o tema escolhido.

Não é o propósito deste trabalho fazer uma análise comparativa do instituto dos

alimentos com outras legislações, nem fazer críticas ou encontrar lacunas na nova lei dos

alimentos gravídicos, mas tão somente desenvolver um raciocínio jurídico coerente com os

novos postulados relacionados ao direito de o nascituro postular alimentos, ainda quando se

encontre no ventre materno. Sabe-se, de antemão, que não se estabelecerá um ponto final em

referida discussão, busca-se apenas aclarar o pensamento existente sobre o tema,

circunscrevendo-o ao ordenamento jurídico brasileiro.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram formulados os seguintes

questionamentos:

a) Qual a finalidade dos alimentos?

b) Qual a origem obrigacional dos alimentos?

c) A partir de que momento são devidos os alimentos?

Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:

a) Os alimentos devem suprir todas as necessidades de sobrevivência do alimentando, bem

como para manter o padrão social até então experimentado.

b) Somente os parentes possuem a obrigação de prestar alimentos aos filhos.

c) Os alimentos são devidos desde a concepção.

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15

O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,

delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente aos alimentos em

geral; a segunda, referente a obrigação alimentar; e, por derradeiro, os alimentos gravídicos.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado

o método indutivo, e, o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto

na base lógica dedutiva10

, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se

posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a

prevalência, ou não, das hipóteses elencadas.

Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria,

do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica11

. Os acordos semânticos que procuram

resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa e respectivas categorias, por opção

metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias e seus Conceitos Operacionais,

muito embora algumas delas tenham seus conceitos mais aprofundados no corpo da pesquisa.

A estrutura metodológica e as técnicas aplicadas nesta monografia estão em

conformidade com o padrão normativo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

e com as regras apresentadas no Caderno de Ensino: formação continuada, Ano 2, número 4;

assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas

úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco Colzani, Guia para redação do trabalho

científico.

A presente monografia se encerra com as Considerações Finais, nas quais são

apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos

estudos e das reflexões sobre o instituto dos alimentos gravídicos, bem como às inovações que

a legislação em comento trouxe ao direito de família, ante as mudanças ocorridas na

sociedade brasileira e, especialmente nas famílias contemporâneas.

Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este

estudo: compreender a importância dos alimentos gravídicos na atual sociedade brasileira.

10

Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz.

Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125. 11

Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e

ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 61-71, 31- 41, 45- 58, e 99-125, nesta ordem.

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2 DOS ALIMENTOS EM GERAL

Nesta monografia pretende-se tratar dos alimentos gravídicos, com fundamento na lei

n. 11.804, de 05 de novembro de 2008, cotejando-a com outros diplomas legais correlatos e

com os princípios constitucionais que dão suporte a este novo instituto jurídico, no sentido de

apresentar sob quais critérios processuais a nova lei poderá cumprir a finalidade para a qual

foi criada, isto é, assegurar o direito do nascituro em receber alimentos ainda durante a

gestação de sua genitora.

Para alcançar este desiderato, faz-se necessário neste primeiro momento da pesquisa

fazer uma abordagem generalística do instituto dos alimentos, eis que o objeto de estudo da

presente monografia é espécie deste gênero, com vistas a uma melhor compreensão do

instituto sob estudo.

2.1 CONCEITO DE ALIMENTOS

Para o senso comum, alimento pode ser entendido como tudo aquilo que o ser humano

necessita consumir para manter-se vivo e, assim, subsistir. Nesse sentido, Aurélio Buarque de

Holanda Ferreira conceitua:

Alimento é toda substância que, ingerida por um ser vivo, o alimenta ou

nutre; mantimento, sustento, alimentação; aquilo que faz subsistir, conserva

alguma coisa; aquilo que estima, fomenta alguma coisa; alento, fomento

[...]12

.

Marcos Bahena explica que, “No sentido jurídico, a expressão „alimentos‟ significa

importância em dinheiro ou in natura, que uma pessoa se obriga, por força de lei, a prestar a

outrem”13

.

12

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio do século XXI: o dicionário da língua portuguesa,

p. 99. 13

BAHENA, Marcos. Alimentos: direitos iguais entre homem e mulher. 2. ed. São Paulo: Direito, 1999, p. 29.

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17

Nesta mesma linha de raciocínio, posiciona-se Silvio de Salvo Venosa:

[...] alimentos, na linguagem jurídica, possuem significados bem mais

amplos do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação,

também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e

instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em prestações periódicas

fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua

subsistência”14

.

Dessa forma, como os alimentos possuem no âmbito do direito um sentido ainda mais

extenso do que aquele que lhe confere o senso comum, significando uma forma de prestação

para a satisfação das necessidades daqueles que não podem provê-las por si só.

Infere-se aqui oportuna lição de Maria Helena Diniz a respeito dos alimentos:

Compreende o que é imprescindível à vida da pessoa como alimentação,

vestuário, habitação, tratamento médico, transporte, diversão, e, se a pessoa

alimentada for menor de idade, ainda verbas para sua instrução e educação,

incluindo parcelas despendidas com sepultamento, por parentes legalmente

responsáveis pelos alimentos15

.

Acrescenta Caio Mário da Silva Pereira16

que os alimentos alcançam uma conotação

maior, e que se estende além da acepção fisiológica, como sendo tudo que é mais necessário à

manutenção individual, tais como, sustento, habitação, vestuário, tratamento.

Como visto acima, os alimentos têm como finalidade prover a um parente, cônjuge ou

companheiro, o necessário para sua subsistência. No entanto, de acordo com o entendimento

de Carlos Roberto Gonçalves, os alimentos “compreende não só a obrigação de prestá-los,

como também o conteúdo da obrigação a ser prestada” 17

.

Recorre-se, mais uma vez, ao ensinamento de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira

para conceituar os alimentos como sendo a solução considerada fundamental para o sustento

daqueles que carecem:

Alimentos são os recursos considerados indispensáveis ao sustento, que se

devem aos parentes até certo grau, impossibilitados de os prover, e entre os

14

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 352. 15

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008,

p. 558. 16

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 16. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006, p. 495. 17

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.

440.

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18

quais se incluem habitação, vestuário, assistência médica, e, caso seja menor

o alimentando auxílio para sua educação e instrução18

.

Acrescenta Flávio Augusto Monteiro de Barros que “alimentos são prestações

periódicas, em dinheiro ou em espécie, pagas por uma pessoa a outra, para a satisfação das

necessidades da vida”19

. Dentro desse mesmo contexto, explica Orlando Gomes que a

expressão alimentos:

Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa,

compreendendo, tão-somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a

habitação, ora abrange outras necessidades compreendidas as intelectuais e

morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada20

.

Dessa forma, entende-se que os alimentos abrangem não só o indispensável ao

sustento, mas também o necessário para manter as condições sociais e morais do alimentado,

incluindo-se às necessidades inerentes à educação, como dispõe o artigo 1694, do CC/2002,

nas seguintes palavras:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos

outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a

sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Nesse sentido, posiciona-se Yussef Said Cahali de que “constituem os alimentos uma

modalidade de assistência imposta por lei, de ministrar os recursos necessários à subsistência,

à conservação da vida, tanto física como moral e social do indivíduo [...]”21

.

Tal definição reflete a ideia de que os membros de uma mesma família devem, de

forma recíproca, amparar os demais, até que estes possam estabelecer boa condição para

suprir tudo o que for essencial para seu sustento.

A respeito desse tema, evoca-se também a lição de Maria Berenice Dias:

Todos têm direito de viver, e viver com dignidade. Surge, desse modo, o

direito a alimentos como princípio da preservação da dignidade humana (CF

18

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio do século XXI: o dicionário da língua portuguesa,

p. 99. 19

BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Manual de direito civil: família e sucessões. 2. ed. São Paulo: Método,

2006, p. 137. 20

GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 427. 21

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 16.

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19

1º, III). Por isso os alimentos têm a natureza de direito de personalidade, pois

asseguram a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física [...] .22

Outrossim, seja sob a visão de um direito especializado ou não, os alimentos devem

ser compreendidos como coisa básica, recurso elementar, responsável por propiciar a

manutenção da vida, considerada esta bem de maior grandeza, independente de qual for a sua

escala ou parâmetro23

.

Na mesma linha de raciocínio acrescenta Rolf Madaleno:

A sobrevivência está entre os fundamentais direitos da pessoa humana e o

crédito alimentar é o meio adequado para alcançar os recursos necessários à

subsistência de quem não consegue por si só prover sua manutenção pessoal,

em razão da idade, doença, incapacidade, impossibilidade ou ausência de

trabalho24

.

Assim, é possível observar que os alimentos têm sua importância diretamente ligada a

subsistência do parente, cônjuge ou companheiro, “que tem por força de lei, a obrigação de

prover o sustento uns dos outros, aliviando assim, o Estado e a sociedade desse ônus”25

sendo

um direito “com caráter especial, conteúdo patrimonial e finalidade pessoal”, de acordo com o

entendimento de Orlando Gomes26

.

Feitas essas breves considerações acerca do aspecto conceitual dos alimentos, como

recurso incipiente na manutenção da vida, passa-se a adentrar no próximo contexto tratando

sobre suas espécies.

2.2 ESPÉCIES DE ALIMENTOS

Diversas são as causas geradoras do direito a alimentos, bem como as estruturas

jurídicas internas, que as disciplinam, podendo desta forma, serem classificados pela doutrina

segundo vários critérios.

22

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2010, p.

505. 23

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo. Curitiba: Juruá,

2004, p. 21. 24

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 627. 25

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 505. 26

GOMES, Orlando. Direito de família, p. 435.

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20

Como há diferentes espécies de prestações, conforme os fins a que se destinam e o

momento do seu estabelecimento, doutrinariamente são classificados os alimentos quanto à

sua natureza, sua causa jurídica, sua finalidade, o momento em que são reclamados e as

modalidades da prestação. São todos esses, pois, métodos utilizados para definir a espécie de

alimentos de que se está tratando27

.

Como delineado acima, a diversidade de tratamento e regramento da matéria leva em

conta a obrigação alimentar, classificando os alimentos a partir da observação de critérios

básicos para uma melhor compreensão, como se passa a abordar individualmente nos

próximos itens.

2.2.1 Natureza jurídica

Quanto ao âmbito do direito das famílias a sua natureza jurídica, como bem explica

Maria Berenice Dias “decorre do poder familiar, do parentesco, da dissolução do casamento

ou da união estável”28

.

Para Arnaldo Rizzardo, “Funda-se o dever de prestar alimentos na solidariedade

humana e econômica que deve imperar entre os membros da família ou os parentes. Há um

dever legal de mútuo auxílio familiar, transformado em norma, ou mandamento jurídico”29

.

Assim, refere-se à existência de um vínculo jurídico, diretamente ligado a obrigação

alimentar, podendo ser considerados naturais e civis, quando respeitam o estritamente

necessário para a sobrevivência do alimentado, compreendendo o que for absolutamente

indispensável à vida30

.

Para Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, os alimentos naturais (côngruos) são aqueles que

podem ser entendidos como os necessários e elementares do alimentando, ao básico à

manutenção da vida da pessoa, observando os limites das carências primárias. São os

estritamente exigidos para a mantença da vida31

.

27

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 36. 28

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 506. 29

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 725. 30

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 628. 31

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 37.

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21

Nesse sentido assevera Yussef Said Cahali:

Quando se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente

necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão

somente à alimentação, à cura, o vestuário, à habitação, nos limites assim do

necessárium vitae, diz-se que são alimentos naturais32

[destaque do autor].

Recorre-se, mais uma vez a expressiva lição de Marco Aurélio Gastaldi Buzzi ao tratar

dos alimentos civis:

Assim, os alimentos civis abrangem, além das necessidades básicas,

indispensáveis, elementares, naturais, também as intelectuais e morais,

inclusive a recreação do beneficiário, e assim, o necessárium personae,

sendo estabelecidos segundo a qualidade do alimentando e os deveres da

pessoa obrigada33

.

Os alimentos naturais ou necessários, como bem descreve Carlos Roberto Gonçalves34

“restringem-se ao indispensável à satisfação das necessidades primárias da vida; os civis ou

côngruos [...], destinam-se a manter a condição social, o status da família”.

Nesta mesma linha de raciocínio, conceitua Maria Berenice Dias:

Alimentos naturais são os indispensáveis para garantir a subsistência, como

alimentação, vestuário, saúde, habitação, educação etc. Alimentos civis

destinam-se a manter a qualidade de vida do credor, de modo a preservar o

mesmo padrão e status social do alimentante35

[destaques do autor].

Assim, segundo o Código Civil de 2002, em seu artigo 1694, § 1º e 2º dispõem36

:

Art. 1.694 [...]

§ 1º. Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do

reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2º. Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a

situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Nesse passo, observa-se que os alimentos destinam-se a assegurar o padrão de vida de

que sempre desfrutaram os alimentandos. No entanto, limita a lei o valor do encargo sempre

32

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 18. 33

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 38. 34

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 442. 35

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 507. 36

BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 07 set. 2010.

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22

que detectada culpa do alimentando. Embora mesmo quando são limitados, não se exclui os

alimentos indispensáveis a sobrevivência, bem como, o mínimo razoável ao lazer e educação.

Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, no entanto, chama a atenção para o seguinte ponto:

Importante destacar, que, atualmente, diversos autores não mais utilizam esta

divisão ao tratarem da matéria em estudo, em que pese a doutrina e a

jurisprudência ainda se valerem dela quando abordam o tema, cumprindo

também ressaltar que existem julgados pátrios considerando como

elementares, e, portanto, contidos no âmbito dos alimentos naturais

(côngruos), determinadas necessidades que, anteriormente, somente eram

contempladas na hipótese dos alimentos civis37

.

Das lições trazidas à colação, extrai-se que alimentos naturais são aqueles

indispensáveis à sobrevivência, enquanto os civis são aqueles destinados a mantença do

padrão social.

Contudo, a jurisprudência, de forma mais abrangente tem atendido ou compreendido

esta forma de alimentos num único instituto, chamado alimentos elementares. Por

conseguinte, explanado sobre a natureza jurídica e suas considerações, passa-se abordar a

causa jurídica, bem como suas peculiaridades.

2.2.2 Causa jurídica

Quanto à causa jurídica, pode-se observar que o dever de prestar alimentos é regulado

por lei, pois podem ser obrigados a prestar alimentos, mesmo os indivíduos que não tenham

qualquer elo de parentesco.

Alguns doutrinadores discorrem a respeito deste prisma, intitulado também como

fonte da obrigação alimentar, conforme lição de Orlando Gomes:

A prestação de alimentos constitui objeto de obrigações jurídicas que têm

diferentes fontes. Com efeito, a obrigação alimentar pode resultar: a) da lei,

pelo fato de existir entre pessoas determinadas um vínculo familiar; b)do

testamento, mediante legado; c) da sentença judicial condenatória do

pagamento de indenização para ressarcir danos provenientes de atos ilícitos;

d) do contrato38

.

Nesse mesmo norte, assevera o doutrinador Paulo Lúcio Nogueira:

37

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 36. 38

GOMES, Orlando. Direito de família, p. 323.

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23

A dívida de alimentos provém de várias fontes, a saber: a) do parentesco

(CC, art.396); b) do casamento (CC, art.233, IV); c) de ato ilícito, em que o

causador do dano fica obrigado a pensionar a vítima (CC, art. 1,537, II); d)

da união estável (art.7º, caput, da Lei n. 9.278, de 10-5-96); e) de contrato

entre concubinos com obrigação alimentar em escritura pública39

[destaque

do autor].

No entanto, independente de tal denominação, pode-se afirmar que a obrigação de

prestar alimentos pode resultar diretamente da lei, da vontade do homem ou do delito40

,

estabelecendo-se em razão de uma atividade do homem, como se passa a tratar

individualmente nos próximos itens.

2.2.2.1 Legítimos, voluntários e indenizatórios

Dentro das premissas acima apresentadas, passa-se a formar um breve conceito desta

divisão, de acordo com o entendimento doutrinário dominante, conforme se extrai dos

ensinamentos de Marco Aurélio Gastaldi Buzzi:

Em razão da lei, são os alimentos legítimos. Assim se qualificam os devidos

em razão de uma imposição legal. São os alimentos oriundos do ius

sanguinis, face às relações de parentesco ou familiares, [...]. Em razão da

vontade, são voluntários ou convencionais, [...]. Em razão do delito temos os

alimentos devidos por força de uma infração legal ou em razão do

cometimento de um delito, não tendo estes afinidade com o instituto dos

alimentos, [...] porque apresenta uma forma de indenização de dano ex

delito, e não um dever oriundo de relações familiares41

[destaque do autor].

Nesse norte, colaciona-se da doutrina de Yussef Said Cahali que:

Legítimos, qualificam-se os alimentos devidos em virtude de uma obrigação

legal. [...] são aqueles que se devem por direito de sangue, por veículo de

parentesco ou relação de natureza familiar, [...]. Voluntários são os que se

constituem em decorrência de uma declaração de vontade, inter vivos ou

causa mortis[...] também chamados de obrigacionais, ou prometidos ou

deixados, prestam-se em razão de contrato ou disposição de última vontade

[...]42

[destaque do autor].

39

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada: doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

1998, p. 4. 40

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 20-21. 41

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 39-40. 42

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 20.

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24

A seguir, a contribuição de Carlos Roberto Gonçalves a respeito:

Os legítimos são devidos em virtude de uma obrigação legal, que pode

decorrer do parentesco, do casamento ou do companheiro. Os voluntários

emanam de uma declaração de vontade inter vivos, como na obrigação

assumida contratualmente por quem não tinha a obrigação legal de pagar

alimentos, ou causa mortis, manifestada em testamento [...] os indenizatórios

ou ressarcitórios resultam da prática de um ato ilícito e constituem forma de

indenização do dano ex delito43

[destaque do autor].

Em tempo, cabe ainda enriquecer tal conceito, com o posicionamento de Rolf

Madaleno:

São legítimos quando advém da lei e são devidos em virtude dos vínculos de

parentesco, pelo direito sanguíneo, ou por decorrência do casamento e da

união estável, [...]. Os alimentos voluntários emanam de uma declaração de

vontade, que pode ser contratual, quando a pessoa obriga a pagar

espontaneamente alimentos para outrem [...]44

[destaques do autor].

Há ainda nesta divisão, os alimentos indenizáveis, que “resultam da prática de um

ilícito e constituem forma de indenização do dano ex delicto”45

, o qual está relacionado

diretamente ao adimplemento da dívida decorrente do ato.

Feitas essas sucintas considerações acerca da fonte obrigacional dos alimentos, no

próximo contexto será abordada a finalidade dos alimentos e suas particularidades.

2.2.3 Finalidade

Quanto à finalidade, pode-se destacar que os alimentos podem ser estabelecidos e

vigentes durante o tempo em que durar uma determinada ação judicial ou definitivamente

com a conclusão da mesma.

Nesta linha de raciocínio, destaca-se o preceito de Marco Aurélio Gastaldi Buzzi:

Os alimentos quanto à finalidade, são classificados, rotineiramente, como

sendo in litem, ou seja, estabelecidos e vigentes enquanto durar uma

determinada ação judicial, no bojo da qual foram estabelecidos

43

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 443. 44

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 629. 45

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 443.

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25

provisoriamente, daí por que também denominados provisionais, ao

contrário dos regulares, estabelecidos definitivamente46

[destaques do autor].

A classificação quanto à finalidade se dá em: provisionais, provisórios - ou seja,

ambos estabelecidos no trâmite do processo -, e regulares – que são aqueles estabelecidos de

forma permanente, como será abordado a seguir.

Os alimentos provisionais são concedidos em cautelar preparatória ou incidental de

ação de separação judicial, divórcio, nulidade de casamento ou de demanda específica de

alimentos, como previsto nos artigos 852 a 854 do Código de Processo Civil, conforme

esclarece Rolf Madaleno: “Tem por função garantir a subsistência do credor de alimentos

durante a tramitação da ação principal de separação ou de alimentos” e está diretamente

ligado à presença do fumus boni júris e o periculum in mora47

.

Esse tipo de alimentos, por se tratar de cautelar, pode ser revisto ou revogado a

qualquer tempo, nos mesmos autos, independentemente de ação própria, como reza o artigo

807 do Código de Processo Civil:

Art. 807 - As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo

antecedente e na pendência do processo principal, mas podem, a qualquer

tempo, ser revogadas ou modificadas48

.

Neste sentido, conceitua Yussef Said Cahali:

Entende-se por alimentos provisionais aqueles concedidos provisoriamente

ao alimentário, antes ou no curso da lide principal. No pressuposto de que

são concedidos também para atender às despesas do processo [...]49

[destaques do autor].

Os alimentos provisórios são arbitrados liminarmente pelo juiz ao despachar a ação de

alimentos, exigindo-se prova pré-constituída do parentesco, casamento ou companheirismo50

,

e “Tem por objetivo suprir necessidades do credor enquanto espera a sentença de mérito”51

.

46

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 41. 47

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 632. 48

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 set. 2010. 49

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 613. 50

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 630. 51

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 578.

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26

A respeito dos alimentos provisórios, dispõe o art. 4º da lei dos Alimentos que, “Ao

despachar o pedido o juiz fixará desde logo os alimentos provisórios a serem pagos pelo

devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”52

.

Nesse ponto, Paulo Lúcio Nogueira tece oportuna consideração:

Alimentos provisórios são aqueles fixados liminarmente pelo juiz ao

despachar o pedido inicial e vigoram até a decisão final. Não deixam de

constituir verdadeira medida cautelar liminar que garante a subsistência do

alimentando até o julgamento final da ação.

Alguns autores procuram diferenciar provisórios de alimentos provisionais;

argumentam que aqueles são necessários para atendimento de despesas

urgentes do alimentando, enquanto estes são, também, destinados ao

sustento em geral.

Tanto os alimentos provisórios como provisionais têm caráter provisório e

nisso se confundem. Ambos são de natureza cautelar, visto que os

provisórios são fixados ao despachar o pedido e os provisionais podem ser

fixados antes da ação principal53

[destaques do autor].

Necessário destacar que há certa equivalência de significados entre alimentos

provisionais e provisórios, mas domina a parte da doutrina que ainda os diferencia. Deste

modo, veja-se o entendimento de Maria Helena Diniz:

[...] alimentos provisionais ou acautelatórios, se concedidos

concomitantemente ou antes da ação de separação judicial, de nulidade ou

anulação de casamento ou de alimentos, para manter o suplicante ou sua

prole na pendência da lide, tendo, portanto, natureza antecipatória ou

cautelar; alimentos provisórios, se fixados e incidentalmente no curso de um

processo de cognição ou liminarmente em despacho inicial, em ação de

alimentos de rito especial, após prova do parentesco, casamento, ou união

estável. Tem natureza antecipatória. [...]54

.

Extrai-se dos ensinamentos de Yussef Said Cahali:

Temos, portanto, duas medidas temporárias: os alimentos provisórios e os

provisionais. Os primeiros fixados de plano na ação de alimentos e de

alimentos provisionais, podem ser alterados em qualquer fase de uma ou

outra e devem viger até a sentença nestas proferida. Os provisionais cessam

com a sentença dada na ação principal que fixa os alimentos definitivos. [...]

os alimentos provisórios têm que ser pagos até o final da decisão, inclusive

do recurso extraordinário [...]. Os alimentos provisionais são outra coisa, não

são alimentos provisórios; se o caso for apenas de alimentos provisionais,

incidem as normas gerais relativas ao processo cautelar e, portanto essa

52

BRASIL. Lei de alimentos: Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968. Disponível em <www.planalto.gov.br>.

Acesso em: 15 set. 2010. 53

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada: doutrina e jurisprudência, p. 7-8. 54

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 435.

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27

medida pode ser revogada a qualquer tempo, diferentemente do que ocorre

com os alimentos ditos provisionais. Vale dizer, a concessão de alimentos

provisórios, na ação de alimentos, não pode ser revogada. Pode haver uma

variação, podem ser diminuídos os alimentos provisórios, mas não pode

haver revogação, por expressa disposição legal. Não os alimentos

provisionais, que não se confundem com os provisórios. Se o caso for

apenas de alimentos provisionais, incide nas normas gerais relativas ao

processo cautelar e, portanto, essa medida pode ser revogada a qualquer

tempo [...]55

[destaques do autor].

A seguir, observa-se o posicionamento de Sílvio de Salvo Venosa:

[...] denomina-se provisionais ou provisórios aqueles que precedem ou são

concomitantes a uma demanda de separação judicial, divórcio, nulidade ou

anulação de casamento, ou mesmo ação de alimentos. Sua finalidade é

proporcionar meios para que a ação seja proposta e prover a mantença do

alimentando e seus dependentes durante o curso do processo [...]56

.

No entanto, embora o posicionamento dominante diferencie estes dois aspectos, Maria

Berenice Dias, insiste na indistinção, pois acredita que, em essência, alimentos provisionais e

provisórios têm o mesmo significado e o mesmo intuito, sendo ambos fixados desde logo e

devendo ser pagos imediatamente, visto que se busca em juízo alimentos que não foram

atendidos espontaneamente, em face da urgência do direito, tendo como ponto em comum a

possibilidade de garantir em caráter temporário os recursos necessários à subsistência daquele

a ser alimentado no fluir do processo57

.

Compactua desse mesmo entendimento Sílvio de Salvo Venosa:

[...] Os alimentos provisionais são estabelecidos quando se cuida da

separação de corpos, prévia à ação de nulidade ou anulação de casamento, de

separação ou divórcio. Nesse caso, os provisionais devem perdurar até a

partilha dos bens do casal. Mas os alimentos provisórios podem ser

requeridos sempre que movida a ação de alimentos, com fixação initio litis,

desde que já haja prova pré-constituída do dever de prestá-los. Provisionais

ou provisórios, pouco importa sua denominação, sua compreensão e

finalidade são idênticas58

.

55

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 618- 619-646 56

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 357-358. 57

DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias, p. 552. 58

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 358.

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28

Ainda dentro desse contexto, recorre-se mais uma vez, a lição de Paulo Lúcio

Nogueira:

[...] os alimentos provisórios se confundem com os provisionais. Contudo,

não são a mesma coisa. Os provisionais, também chamados preventivos,

estão previstos como medida cautelar (CPC, arts. 852 e s.) e nessa ação

podem ou não ser deferidos, liminarmente, os alimentos provisórios, a

exemplo do que ocorre na ação de alimentos de rito sumário (Lei n.

5.478/68, art. 4º), o que faz perceber, desde logo, uma diferença entre essas

duas espécies de alimentos59

[destaques do autor].

Destarte, pode-se observar que esta modalidade tem cunho de natureza antecipatória e

tem por objetivo garantir a proteção do alimentado enquanto espera a sentença de mérito,

sendo percebidos até esta data, visto que a partir da decisão, passa-se a ter vigência os

alimentos de caráter definitivo o qual passo a tratar a seguir.

Nas palavras de Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, os alimentos regulares ou definitivos,

são fixados pela vontade dos interessados ou das partes, por meio de ato unilateral ou

mediante acordo, bem como por decisão judicial, com prestações periódicas de cunho

permanente, sendo admitida revisão. É estabelecido ao final da ação judicial ou dos acordos

com âmbito definitivo60

.

Os alimentos regulares ou definitivos que são de caráter permanente, “estabelecidos

em sentença pelo juiz, em acordo devidamente homologado, com prestações periódicas, de

caráter permanente”61

.

Assim, acrescenta Rolf Madaleno:

Alimentos regulares ou definitivos são aqueles estabelecidos pelo juiz na

sentença ou por homologação em acordo de alimentos firmado entre o credor

e devedor, não significando dizer se trate de alimentos definitivos e sem

possibilidade de futura revisão, se houver modificação na situação financeira

de quem os supre, ou na de quem os recebe (art.1699 do CC; arts. 15 da Lei

n. 5.478, e 471, I do CPC)62

.

59

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada: doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

1998, p. 8. 60

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 42. 61

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 578. 62

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 630.

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29

Dessa forma, os alimentos serão determinados de acordo com a necessidade e na

forma que a ocasião exigir, sendo aqueles estabelecidos pelo juiz ou mediante acordo, e

apesar de ser contínuo, ainda está sujeito a eventual revisão63

.

Cabe destacar ainda, que mesmo sendo de cunho permanente, os alimentos definitivos

podem sofrer alterações, como explica Paulo Lúcio Nogueira:

Note-se que até mesmo os alimentos definitivos, que são fixados em decisão

final, não têm propriamente o caráter de definitivos, já que podem ser

revistos a qualquer tempo, desde que mudem as condições e situação de

alimentante ou alimentado64

.

Como delineado acima, os alimentos de caráter definitivo estabelecidos em sentença

judicial, embora reconhecido o direito e fixado o quantum da obrigação a ser prestada, podem

ser modificados caso haja alteração na situação do binômio possibilidade/necessidade.

Outrossim, expostas as classificações rotineiras quanto à finalidade, passa-se a

abordar, por conseguinte, o momento em que os alimentos podem ser reclamados.

2.2.4 Momento em que são reclamados os alimentos

Distinguir os alimentos quanto à esta modalidade tem importância quando se pretende

definir a ocasião em que os alimentos podem ser estabelecidos, eis que o momento que

passam a ser devidos é essencial no plano obrigacional e econômico do instituto em apreço.

Assim, o momento em que são reclamados, como observa Carlos Roberto Gonçalves65

são divididos em pretéritos, atuais e futuros. Por vezes, são prestados através de decisão

judicial ou acordo homologado, por outros instrumentos podem ser prestados anteriormente a

esse direito.

Deste modo, para Marco Aurélio Gastaldi Buzzi66

esta classificação tem significação

ou relevância quando se pretende determinar o tempo a quo a contar do qual os alimentos

passam a ser exigíveis e, assim, se são devidos desde a sua fixação, ou seja, se será

estabelecido em tempo passado, atual ou futuro.

63

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 26. 64

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada: doutrina e jurisprudência, p. 8. 65

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 446. 66

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 42.

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30

Feitas essas considerações de caráter amplo, passa-se então, a elucidar cada um dos

momentos em que os alimentos passam a ser devidos em tópicos individualmente.

2.2.4.1 Alimentos pretéritos

Os alimentos pretéritos “são relacionados às prestações fixadas judicialmente e não

pagas pelo devedor dos alimentos, e que podem ser objeto de ação executiva, enquanto não

estejam prescritas, no prazo de dois anos (§ 2º, do art.206 do CC)” 67

.

Nas palavras de Yussef Said Cahali68

“alimenta praeterita são os anteriores a qualquer

desses momentos” (decisão judicial ou acordo).

Neste sentido, extrai-se os ensinamentos de Marco Aurélio Gastaldi Buzzi “Alimentos

pretéritos são aqueles estabelecidos em momento anterior ao acordo de vontades ou à

determinação judicial”69

.

Carlos Roberto Gonçalves acrescenta que “são pretéritos quando o pedido retroage a

período anterior ao ajuizamento da ação”70

, devendo ser cobradas em procedimento próprio.

Assim, como visto nas lições trazidas acima, os alimentos pretéritos correlacionam-se

às prestações alimentícias estabelecidas antes de formulação acordo ou proferimento de

decisão judicial, tendo efeito retroativo, ou seja, produzindo seus efeitos em situação anterior,

diferentemente dos atuais, como se nota na sequência.

2.2.4.2 Alimentos atuais

Quanto aos alimentos atuais, compactuam com o mesmo entendimento Maria Helena

Diniz71

e Carlos Roberto Gonçalves72

, discorrendo que “são os alimentos pleiteados a partir

do ajuizamento da ação.

67

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 632. 68

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 26. 69

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 42. 70

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 446-447. 71

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 579. 72

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 446.

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Neste caso, acrescenta ainda Carlos Roberto Gonçalves que:

Têm os tribunais proclamado que a prisão civil somente poderá ser imposta

para compelir o alimentante a suprir as necessidades atuais do alimentário,

representadas pelas três ultimas prestações, devendo as pretéritas ser

cobradas em procedimento próprio73

.

Assim, é atual por ser exigido no presente, pois a necessidade que justifica a prestação

é ordinariamente inadiável e, de forma imediata é determinada já no início da demanda,

conferindo a lei, por esse motivo, meios coativos ao credor para a sua cobrança74

.

Deste modo, entende-se que os alimentos atuais são aqueles percebidos no momento

em que a ação judicial é proposta, passando então a serem pagos imediatamente.

2.2.4.3 Alimentos futuros

Pode-se classificar como alimentos futuros aqueles que derivam de uma ação judicial

ou acordo e passarão a ser pagos após a decisão judicial que examinou a questão.

Doutrinariamente, Silvio de Sávio Venosa leciona que “futuros são aqueles a serem

pagos após a propositura da ação; [...] em nosso sistema jurídico, não são possíveis alimentos

anteriores à citação, por força da Lei nº 5.478/68 (art.13, § 2º)”75

.

De acordo com o entendimento de Yussef Said Cahali “Alimenta futura são os

alimentos que se prestam em virtude de decisão judicial ou de acordos” 76

.

Tem o mesmo posicionamento a respeito Marco Aurélio Gastaldi Buzzi77

, discorrendo

que “alimentos futuros são devidos a contar do estabelecimento deles em acordo, ou

determinação judicial, a partir de tais marcos”.

Nesta mesma linha de raciocínio acrescenta Maria Helena Diniz que “os alimentos

futuros são aqueles devidos a partir de decisão judicial78

, ou seja, aqueles passarão a ser

devidos. Estes são os alimentos que se prestam em virtude de sentença, transitada em julgado

ou em virtude de acordo, passando a ser obrigação a partir deste.

73

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 447. 74

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família, p. 137. 75

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 355. 76

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 26. 77

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 42. 78

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 579.

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Destarte, estabelecidos os momentos em que ocorre a prestação de alimentos,

necessário se faz elencar os aspectos que se referem às modalidades da prestação, como será

adiante discutido.

2.2.5 Modalidades da prestação

Neste campo, pode-se avultar duas modalidades de prestação alimentar, a própria, que

tem como conteúdo a prestação daquilo que reúne diretamente o que é necessário à

manutenção da pessoa; e a imprópria, que tem como conteúdo o fornecimento dos meios

idôneos à aquisição de bens necessários à subsistência79

.

Espelha entendimento sobre o mesmo prisma Marcos Bahena, assim:

A doutrina dominante denomina como própria a obrigação que tem como

conteúdo a prestação daquilo que é essencial à manutenção do credor. E a

imprópria, relaciona-se com o conteúdo das prestações dos meios de

aquisição dos bens necessários à subsistência do credor dos alimentos80

.

Como delineado acima, pode-se observar que a obrigação própria é a que custeia

diretamente a vida do alimentado, enquanto que na obrigação imprópria têm-se o

fornecimento de subsídios para se alcançar os meios indispensáveis ao sustento do indivíduo.

A este respeito, também explica Marco Aurélio Gastaldi Buzzi:

A obrigação alimentar própria é a que trata de prestação que contenha

diretamente aquilo que for necessário à mantença do alimentando. A

obrigação alimentar imprópria trata de obrigação alimentar cumprida

mediante a prestação dos meios indispensáveis a que o alimentando possa

satisfazer suas necessidades, inclusive, se for o caso, o direito a garantia do

crédito pertinente à pensão, respaldado pelo patrimônio do alimentante81

.

Desta forma, entende-se que a obrigação própria se concretiza pelo fornecimento de

alimentos imprescindíveis à mantença do indivíduo, custeando diretamente a vida do

alimentado, enquanto a obrigação imprópria é a que se destina ao provimento dos meios

adequados para adquirir os bens necessários para a subsistência.

79

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 26. 80

BAHENA, Marcos. Alimentos: direitos iguais entre homem e mulher, p. 32-33. 81

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 43.

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33

Concluída a análise dos alimentos de forma geral, na qual foram exibidos aspectos

destacados acerca dos mesmos, passa-se ao próximo capítulo, que tratará das características

específicas da obrigação alimentar.

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3 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

Desde o momento da concepção, o pequeno ser, ainda no ventre materno, ou já

recentemente fora dele, está despreparado e ainda incapaz de prover seu próprio sustento,

cabendo, portanto aos responsáveis por sua geração, a manutenção dos meios necessários para

a sua subsistência, até que este possa vir a ter condições de prover seu próprio sustento.

Em regra, o indivíduo desenvolvido procura a conservação de sua existência, com

recursos advindos de seu próprio esforço, salvo circunstâncias alheias à sua vontade. Dentro

dessas premissas, destacam-se os ensinamentos de Yussef Said Cahali:

[...] sempre se reconheceu, contudo, que certas circunstâncias, sejam

momentâneas, sejam permanentes, como a idade avançada, doenças,

inabilidade para o trabalho ou incapacidade de qualquer outra espécie,

podem colocar o adulto diante de uma impossibilidade da proteção que passa

a ser-lhe devida82

.

Carlos Roberto Gonçalves83

, com justeza afirma que “entre pais e filhos menores,

cônjuges e companheiros não existe propriamente obrigação alimentar, mas dever familiar,

respectivamente de sustento e de mútua assistência”.

Ademais, explica Paulo Lúcio Nogueira a esse respeito:

[...] a prestação de alimentos entre parentes se dá pela solidariedade existente

entre os membros de uma família, que se dispõe a prestá-la espontaneamente

sempre que necessários, e sem qualquer intervenção judicial. Mas, quando

não houver essa espontaneidade natural, deve-se exigir a obrigatoriedade

civil, através do cumprimento da lei84

.

Assim, a obrigação alimentar decorre da lei, mas é fundada no parentesco, ou seja, esta

obrigação está ligada nos laços de parentalidade, independente do tipo, podendo originar do

casamento, união estável, família monoparentais, homoafetivas, socioafetivas, entre outras85

.

82

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 30. 83

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 447. 84

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada: doutrina e jurisprudência, p. 16. 85

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 506.

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Nesse norte, colaciona-se da doutrina de Carlos Alberto Bittar:

Trata-se de dever, imposto por lei aos parentes, de auxiliar-se mutuamente

em necessidades derivadas de contingência desfavoráveis da existência. [...],

a obrigação alimentar interliga parentes necessitados e capacitados na

satisfação de exigências mínimas de subsistência digna, incluindo-se em seu

contexto não só filhos, mas também outras pessoas do circulo familiar86

.

Infere-se aqui a oportuna lição de Luiz Paulo Cotrim Guimarães:

Obrigação alimentar, assim, é aquela tratada pela legislação civil, que

consiste, pelo critério a reciprocidade, no dever de os parentes, entre si,

custearem as despesas básicas do alimentando, fixadas na proporção da

necessidade e dos recursos do alimentante87

.

No entanto, Maria Helena Diniz discorre que:

A obrigação alimentar é recíproca, dependendo das possibilidades do

devedor, e só é exigível se o credor potencial estiver necessitando, ao passo

que os deveres familiares não têm o caráter de reciprocidade por serem

unilaterais e devem ser cumpridos incondicionalmente88

.

Assim, entende-se que os laços que unem os membros de uma mesma família,

impõem um dever moral, que é convertido em obrigação jurídica como forma coercitiva às

distorções do sentimento de solidariedade que deve haver no seio familiar89

.

Neste passo, observa-se a legislação vigente:

Artigo 1695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem

bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e

aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário

ao seu sustento90

.

Dentro desse conjunto, Maria Berenice Dias faz interessante relato a respeito da

origem desta obrigação:

86

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 229. 87

GUIMARÃES, Luís Paulo Cotrim. Obrigação alimentar na justiça federal. In: CAHALI, Francisco José;

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 325. 88

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 561. 89

GOMES, Orlando. Direito de família, p. 429. 90

BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2010.

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O encargo alimentar decorrente do casamento e da união estável tem origem

no dever de mútua assistência, que existe durante a convivência e persiste

mesmo depois de rompida a união. Cessada a vida em comum, a obrigação

de assistência cristaliza-se na modalidade de pensão alimentícia91

[destaques

do autor].

Neste diapasão, infere-se o entendimento de Maria Helena Diniz a respeito dos

pressupostos essenciais da obrigação de prestar alimentos, conforme se observa a seguir: 1)

existência de companheirismo, vínculo de parentesco ou conjugal entre o alimentando e o

alimentante; 2) necessidade do alimentando; 3) possibilidade econômica do alimentante; e 4)

proporcionalidade, na sua fixação, entre as necessidades do alimentário e os recursos

econômico-financeiros do alimentante92

.

No âmbito da obrigação alimentar “há uma relação que obriga uma pessoa a prestar à

outra o necessário para a sua manutenção e, conforme o caso, para a própria instrução ou

formação”93

, portanto, estando presentes tais requisitos elencados acima, nasce o direito do

alimentando aos alimentos e a obrigação do alimentante de pagá-los, como acrescenta Paulo

Lúcio Nogueira:

A lei de alimentos exige prova, apenas, do parentesco ou da obrigação

alimentar do devedor para o pedido de alimentos, além do binômio

necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante94

.

É oportuno lembrar, que a obrigação alimentar pode deixar de existir ou até mesmo

mudar de valor, em função de mudanças nas condições econômicas, tanto do alimentante

como do alimentado, tendo em vista que a fixação desta obrigação funda-se na situação

financeira dos sujeitos do encargo95

.

O que se verifica na legislação, a seguir:

Artigo 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação

financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado

91

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 506. 92

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 563-565. 93

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 725. 94

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada: doutrina e jurisprudência, p. 14. 95

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 5, p. 199.

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37

reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou

majoração do encargo96

.

Tal mudança justifica-se, por exemplo, pelo fato do alimentando passar a ter meios

próprios de prover seu sustento, e o alimentante reduzir sua fortuna ou até mesmo ficar

impossibilitado de prestá-la. Por esta razão, sempre é admissível a ação revisional ou de

exoneração de alimentos, podendo ser concedida ou negada a qualquer tempo97

.

3.1 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A obrigação oriunda de vínculo de família distingue-se por traços característicos que a

particularizam no sistema dos alimentos e merecem um tratamento especial, pois trata da

própria vida da pessoa. Se funda num princípio de direito natural, que transcreve o ser

humano na forma instintiva98

.

Assim, a obrigação alimentar carrega diferentes características, as quais passa-se a

discorrer nos próximos tópicos.

3.1.1 Caráter personalíssimo

A característica fundamental do direito de alimentos é representada pelo fato de tratar-

se de direito personalíssimo e desta decorrem as demais.

Segundo Maria helena Diniz, o direito de alimentos é personalíssimo por versar sobre

a integridade física do indivíduo, bem como sua titularidade que não pode ser transferida à

outrem99

.

Neste sentido assevera Yussef Said Cahali:

A doutrina é uniforme sob esse aspecto, na medida em que o vincula a um

direito da personalidade, assim, representa um direito inato tendente a

assegurar a subsistência e integridade física do ser humano. [...] portanto, “a

obrigação personalíssima, devida pelo alimentante em função do parentesco

que o liga ao alimentário”. Visando preservar a vida do indivíduo, considera-

96

BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2010. 97

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 355-356. 98

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 728. 99

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 502.

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se direito pessoal no sentido de que a sua titularidade não passa a outrem,

seja por negócio jurídico, seja por fato jurídico100

.

Os alimentos são fixados, como sendo um direito estabelecido, que visa preservar

estritamente a vida do indivíduo, não podendo ser repassada a outra pessoa, como se fosse um

negócio jurídico, embora a obrigação alimentar possa ser transmitida aos herdeiros do

devedor101

.

Corrobora com o mesmo entendimento Marcos Bahena, quando ressalta que “muito

embora sendo a obrigação personalíssima, o dever de prestar alimentos se transmite aos

herdeiros do devedor, conforme estabelece o artigo 23 da Lei nº 6.515/77 (Lei do

Divórcio)”102

.

Enfatiza Carlos Roberto Gonçalves:

Como os alimentos se destinam à subsistência do alimentando, constituem

um direito pessoal, intransferível. A sua qualidade de direito da

personalidade é reconhecida pelo fato de se tratar de um direito inato

tendente a assegurar a subsistência e integridade física do ser humano. [...] É

direito personalíssimo no sentido de que a sua titularidade não passa a

outrem por negócio ou por fato jurídico103

.

Assim, entende-se que o direito de obrigação alimentar personalíssimo não pode ser

transferido, no sentido de sua titularidade, mas, poderá ser repassado, ou seja, transmitido aos

herdeiros, como passa-se a ver a seguir.

3.1.2 Transmissibilidade do direito aos alimentos

Anteriormente a obrigação alimentar era intransmissível, conforme estava previsto no

art. 402 do Código Civil de 1916, expressando a ideia de que este tipo de obrigação não

poderia ser repassada aos herdeiros do devedor, tanto o direito de havê-los, quanto à

obrigação de prestá-los, em decorrência do caráter personalíssimo.

Como leciona Marco Aurélio Gastaldi Buzzi:

A intransmissibilidade dos alimentos, conforme estava no art. 402 do Código

Civil, era havida, neste moldes, por uma decorrência do caráter

100

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 51. 101

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 635. 102

BAHENA, Marcos. Alimentos: direitos iguais entre homem e mulher, p. 30. 103

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 458.

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personalíssimo dos alimentos, não admitindo fossem transmitidos, tanto o

direito de havê-los quanto à obrigação de prestá-los, extinguindo-se, com o

óbito dos envolvidos na relação material, ou com a superveniência de causa

libertória, podendo os herdeiros apenas como parentes da pessoa que seja

obrigada, invocando, todavia, um direito próprio ou originário, e não como

sucessores do falecido104

.

Nesse norte, o art. 402 do Código Civil de 1916 imprimia a ideia de que a obrigação

de prestar alimentos não se transmitia aos herdeiros do devedor, extinguindo-se com a morte

do alimentando ou do alimentante, qualquer direito sucessório.

No entanto, a redação do artigo 23 da Lei do Divórcio (nº 6.515/77), que dispõe que a

obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, trouxe certa inovação e

esta regra tomou outro rumo, como explica Sílvio de Salvo Venosa:

O art. 402 do Código de 1916 estampava princípio tradicional do direito

alimentar ao expressar que a obrigação de prestar alimentos não se transmitia

aos herdeiros do devedor. Essa regra peremptória e tradicional de não-

transmissibilidade por herança foi colocada na berlinda com a disposição do

art.23 da Lei nº 6.515/77, Lei do Divórcio, que introduziu a polêmica

redação do art.23 [...]. Essa regra foi repetida no Código Civil de 2002, no

art.1700105

.

Veja-se o que dispõe o art. 1.700 do Código Civil de 2002: “A obrigação de prestar

alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.696106

.

Observa-se também o art. 1.696 do Código Civil de 2002:

Art. 1696/02. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns

aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível

com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua

educação107

.

Contudo, tal entendimento que envolve os alimentos devidos em razão do parentesco e

também os decorrentes do casamento e da união estável, têm gerado incertezas. Questiona-se

se é transmissível a obrigação alimentar e não apenas as prestações vencidas e não pagas, ou

104

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 55. 105

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 359. 106

BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 29 set. 2010. 107

BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 29 set. 2010.

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ainda, se essa transmissão é feita de acordo com as forças da herança, ou na proporção das

necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada108

.

Para esclarecer esse aspecto, passa-se à copiosa explanação de Yussef Said Cahali:

[...] a transmissibilidade introduzida pela reforma inovadora teria caráter

excepcional; coexistiria com aquela, aplicando-se tão-somente á situação

nela implícita. [...] chegamos a admitir, tacitamente, o entendimento de que,

efetivamente, a exceção do art.23 da LD teria sua aplicabilidade restrita aos

alimentos do cônjuge desquitado, ou separado judicialmente. [...] Não há

dúvidas de que, a teor do art.23 da Lei 6.515/1977, a obrigação alimentar

embora revestida de caráter personalíssimo, porém fungível na forma de

solvê-la, não impõe a prestação pessoal do devedor, e desse modo transmite-

se aos herdeiros do devedor no caso de se tratar de alimentos devidos por

cônjuge ao outro, eis que inserido tal dispositivo no capítulo sobre a

dissolução da sociedade conjugal. [...] Na realidade, a dúvida em torno da

aplicabilidade do art.23 da LD dizia respeito à sua extensão ao alimentário-

filho, [...] a discussão diria respeito em saber se a pretensão devia ser

exercida contra o espólio ou contra os herdeiros-filhos. Assim, desde que o

sucessor do falecido devedor, pela sua simples condição de herdeiro legítimo

ou testamentário, passa a ter, por morte daquele, “a obrigação de prestar

alimentos”, que é transmitida pelo art.1.700 do CC/2002 aos parentes ou

cônjuges do de cujus, recomenda-se que os textos legais, na deficiência de

seus enunciados, sejam interpretados e aplicados com certa racionalidade

[...]109

[destaques do autor].

Tendo em vista as dificuldades mencionadas acima, foi apresentado ao Congresso

Nacional, pelo deputado Ricardo Fiúza, o projeto de lei n. 6.920/2002, o qual propõe que o

art. 1.700 do CC/02 tenha o entendimento que a transmissibilidade da obrigação deve ser

aplicada aos herdeiros do devedor, desde que o credor da pensão alimentícia não seja herdeiro

do falecido110

.

Rolf Madaleno compactua deste mesmo entendimento, e acrescenta que “Também

deve ser afastada a hipótese de só serem transmitidos os alimentos porventura não pagos em

vida pelo sucedido, isso porque a lei se refere à transmissão da obrigação alimentar e não do

débito de alimentos do falecido”111

.

Destaca-se também a lição de Maria Berenice Dias:

Apesar de a lei falar em transmissão aos herdeiros, a obrigação ocorre

relativamente ao espólio. Os herdeiros não respondem por encargos

108

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 449. 109

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, p. 65-80. 110

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 452. 111

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 640.

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superiores às forças da herança (CC 1.792). Não havendo bens, ou sendo

insuficiente o acervo hereditário para suportar o pagamento, não há como

responsabilizar pessoalmente os herdeiros pela manutenção do encargo. Uma

vez ocorrida a partilha, não mais cabe falar em sucessores, os quais não

respondem com seu patrimônio particular pelo pagamento de obrigação

alimentar do devedor falecido. Como, em regra, o credor dos alimentos é

herdeiro, ao receber seu quinhão hereditário passa a prover a própria

subsistência. Se para isso não é suficiente a herança percebida, surge o

direito de pleitear os alimentos frente aos parentes. Mas é obrigação de

outra origem, tendo por fundamento a solidariedade familiar (CC 1.604)112

[destaques do autor].

Diante de tais considerações, pode-se perceber que embora ocorram certas

divergências de entendimentos em relação a transmissibilidade, o posicionamento dominante

versa sobre a transmissão da obrigação alimentar restrita apenas aos alimentos decorrentes do

casamento e da união estável, e sendo o alimentando herdeiro do falecido, não persiste o

direito a alimentos113

.

Destarte, abordados os aspectos relevantes em relação ao direito de transmissibilidade

da obrigação alimentar, passa-se a tratar da irrenunciabilidade desta obrigação.

3.1.3 Irrenunciabilidade dos alimentos

A ideia de irrenunciabilidade tem respaldo no interesse social do direito a alimentos,

como norma de ordem pública que representa o direito personalíssimo e indispensável,

associado ao supremo direito à vida e a subsistência da pessoa114

.

O direito de alimentos pode deixar de ser exercido, mas não pode ser renunciado,

como afirma Maria Helena Diniz:

É irrenunciável, uma vez que o Código Civil, art.1.707, primeira parte,

permite que se deixe de exercer, mas não que se renuncia o direito de

alimentos. Pode-se renunciar o exercício e não o direito; assim, o necessitado

pode deixar de pedir, mas não de renunciar esse direito115

.

112

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 514. 113

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 376. 114

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 654. 115

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 571.

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42

Ademais expõe Yussef Said Cahali que “não se admite renúncia à pensão, mas é

perfeitamente lícita a dispensa. Aquela, a renúncia, é definitiva; esta, a dispensa, é provisória,

porque a qualquer tempo poder-se-á reclamar pensão, provada a necessidade [...]”116

.

Nessa linha de raciocínio pondera Arnaldo Rizzardo que mesmo que seja reconhecida

absoluta liberdade às pessoas, e que sejam elas capazes, a renúncia a este direito não é

admitida e nem poderia ser diferente, pois os alimentos têm importância vital, significando a

própria garantia à vida117

.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves:

O direito a alimentos constitui uma modalidade do direito à vida. Por isso, o

Estado protege-se com normas de ordem pública, decorrendo daí a sua

irregularidade, que atinge, porém, somente o direito, não o seu exercício.

Não se pode assim renunciar aos alimentos futuros. A não-postulação em

juízo e interpretada apenas como falta de exercício, não significando

renúncia118

.

Dispõe o art.1.707 do Código Civil:

Art.1.707. Pode o credor não exercer, porém, lhe é vedado renunciar o

direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão,

compensação ou penhora119

.

Destaca-se que a não-postulação em juízo deste direito, é interpretada apenas como

falta de exercício, não significando renúncia. Não se pode, renunciar alimentos futuros, mas

os alimentos devidos e não prestados podem ser renunciados, sendo permitido, no entanto, o

não-exercício do direito a alimentos120

.

Washington de Barros Monteiro leciona que “Não é válida, portanto, declaração

segundo a qual um filho vem a desistir de pleitear alimentos contra o pai. Embora necessitado,

pode ele deixar de pedir alimentos, mas não se admite renuncia a tal direito”121

.

116

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 226. 117

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 728-729. 118

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 463. 119

BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 set. 2010. 120

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 2, p. 138. 121

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 38. ed. São Paulo: Saraiva:

2007, p. 372-373.

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Assim, visto que os alimentos prestados não podem ser renunciados, prossegue-se

abordando sobre a incompensabilidade dos alimentos.

3.1.4 Incompensabilidade dos alimentos

O crédito proveniente da obrigação alimentar não pode ser compensado, tendo em

vista a finalidade a que se destina, qual seja, assegurar a subsistência e mantença do

necessitado, como previsto no Código Civil de 2002, em seu art. 373, II122

.

Como já se adiantou, a dívida de alimentos não comporta compensação, pois seria um

meio indireto de extinção de duas obrigações, simultaneamente, entre credor e devedor,

acarretando em prejuízo irreparável ao alimentando123

.

Neste diapasão sustenta Maria Helena Diniz:

[...] se admitisse a extinção da obrigação por meio de compensação, privar-

se-ia o alimentando dos meios de sobrevivência, de modo que, nessas

condições, se o devedor da pensão alimentícia tornar-se credor do

alimentando, não poderá opor-lhe o crédito, quando lhe for exigida a

obrigação124

.

Segundo Yussef Said Cahali, a exclusão da compensação é uma exceção

característica, já que são sempre dividas de dinheiro e sua natureza exige o pagamento

efetivo, em mãos do credor, por serem prestações urgentes, tratando-se de direito

personalíssimo do alimentado125

.

Nesse contexto assevera Arnaldo Rizzardo:

A obrigação do pagamento repousa na necessidade em determinado

momento, tendo sido empregados para a própria subsistência. Portanto, a

pretensão em devolver equivaleria ao absurdo de se negar o direito à vida

naquele período da concessão126

.

Destarte, o princípio da não-compensação deve ser aplicado ponderadamente, tendo

entendimentos, onde se admitem a compensação com prestações de alimentos pagas a mais,

122

Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: [...] II – Se uma se originar de

comodato, depósito ou alimentos. Cf. BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2010. 123

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 460. 124

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 572. 125

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 87. 126

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 734.

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tanto para provisórios, como para os definitivos, pois nada impede que os valores pagos a

mais sejam computados nas prestações vincendas127

. Passa-se a seguir a tratar sobre a

impenhorabilidade dos alimentos.

3.1.5 Impenhorabilidade dos alimentos

Esta característica defende que nenhum credor da pessoa alimentada terá direito a

fazer incidir penhora sobre a prestação devida pelo alimentante, visando não privar o

indivíduo do mínimo indispensável à vida128

.

Nas palavras de Yussef Said Cahali:

Tratando-se de direito personalíssimo, destinado o respectivo crédito à

subsistência da pessoa alimentada, que não dispõe de recursos para viver,

nem pode prover à suas necessidades pelo próprio trabalho, não se

compreende possam ser as prestações alimentícias penhoradas; inadmissível,

assim, que qualquer credor do alimentando possa privá-lo do que é

estritamente necessário à sua subsistência129

.

Extrai-se dos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves, que a penhora pode recair

da soma das prestações atrasadas, somadas, pois não há regra que discipline tal situação,

devendo o juiz orientar-se pelo princípio de que a impenhorabilidade é garantia instituída em

função da finalidade do instituto130

.

Ademais, ensina Orlando Gomes:

Os alimentos são impenhoráveis no estado de crédito, a impenhorabilidade

não acompanha os bens em que forem convertidos. A penhora pode recair na

soma de alimentos provenientes do recebimento de prestações atrasadas.

Não há regras que disciplinem especialmente tais situações, mas o juiz deve

orientar-se pelo princípio de que a impenhorabilidade é garantia instituída

em função da finalidade do instituto131

.

Flávio Augusto Monteiro Barros pactua do mesmo entendimento acima exposto,

quando leciona que “a penhora pode recair sobre os alimentos atrasados, porque deles não

necessita o alimentado para sobreviver”132

, já que a impenhorabilidade incide apenas nos

127

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 361. 128

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família, p. 374. 129

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 86. 130

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 460. 131

GOMES, Orlando. Direito de família, p. 432. 132

BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Manual de direito civil: família e sucessões, p. 144.

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casos em que o montante for imprescindível para custear as despesas do devedor e sua

família.

Fixadas as peculiaridades sobre os alimentos destinados à sobrevivência, que não

podem ser penhorados, o contíguo elemento abordará o aspecto da imprescritibilidade.

3.1.6 Imprescritibilidade

O direito de requerer alimentos é imprescritível, podendo ser exercido a qualquer

tempo, pelo indivíduo que passar a dele carecer, visto que a obrigação alimentar se renova

diariamente, bem como, as necessidades do devedor, e como a prescrição deveria passar a ser

contada desde o momento em que o direito torna-se exigível133

.

Cabe destacar que o tipo de prescrição que dispõe o art. 206 do Código Civil/2002,

versa sobre a prestação alimentícia não paga, já fixada em sentença ou acordo estabelecido,

em que, todavia, prescreve o direito de cobrá-las em dois anos, contados a partir da data do

vencimento134

.

O que é imprescritível, todavia, é o direito de postular alimentos, sendo que a qualquer

tempo a pessoa pode vir a precisar, e essa necessidade do momento, rege o instituto e faz

surgir o direito de ação, sem ter precisamente um prazo para ser postulado135

.

Neste sentido, posiciona-se Carlos Roberto Gonçalves:

O direito aos alimentos é imprescritível, ainda que não seja exercido por

longo tempo e mesmo que já existissem os pressupostos de sua reclamação.

O que não prescreve é o direito de postular em juízo o pagamento de pensões

alimentícias, ainda que o alimentado venha passando necessidade há muitos

anos. No entanto, prescreve em dois anos o direito de cobrar as pensões já

fixadas em sentença ou estabelecidas em acordo e não pagas, a partir da data

em que se vencerem136

.

Sustenta Arnaldo Rizzardo que, “De modo que a prescrição de dois anos refere-se

unicamente à prestação periódica que está fixada em sentença ou convencionada em acordo.

133

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 648. 134

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família, p. 137. 135

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 361. 136

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 461.

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Opera-se em relação a cada prestação que se encontra vencida, mantendo direito de exigir as

demais”137

.

Assevera Maria Helena Diniz entendimento sobre o mesmo prisma:

[...] se o credor não executar dívidas alimentares atrasadas, deixando escoar

o biênio, não mais poderá exigi-las, visto que, por mais de dois anos, delas

não precisou para prover sua subsistência. Justa a solução legal, pois como

se poderia manter alimentante obrigado a um débito não executado, cujo

valor poderá tornar-se vultoso, impossibilitando seu pagamento?138

.

Orlando Gomes leciona que para se determinar a imprescritibilidade, é necessário

distinguir três situações: a) na primeira, não se cogita a prescrição quando a pessoa obrigada a

prestar alimentos não está em condições de ministrá-los; b) na segunda, a prescrição ocorre

quando a pessoa que pode exigi-los assim não o faz; e c) na terceira, também se admite a

prescrição, mas não do direito, e sim, das prestações vencidas quando não exigidas139

.

Yussef Said Cahali espelha posicionamento a este respeito, uma vez que “Considera-

se, assim, o direito de alimentos imprescritível, no sentido daquele poder de fazer surgir, em

presença de determinadas circunstâncias, uma obrigação em relação a uma ou mais pessoas

(direito potestativo)”140

.

Assim, abordadas as particularidades da característica que trata da imprescritibilidade,

passa-se a aclarar a respeito da impossibilidade de transação.

3.1.7 Impossibilidade de transação dos alimentos

Por tratar-se de direito indispensável e personalíssimo, não pode ser objeto de

transação, como regulamenta o art. 841 do Código Civil de 2002, quando diz que só se

permite transação quanto à direitos patrimoniais de caráter privado.

No entanto, essa regra aplica-se apenas ao direito de pedir alimentos, pois é passível

de transação o montante das prestações, vencidas e vincendas, como explica Maria Helena

Diniz:

137

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 741. 138

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 572. 139

GOMES, Orlando. Direito de família, p. 432. 140

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 94.

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É intransacionável, não podendo ser objeto de transação o direito de pedir

alimentos (CC, art.841), mas o quantum das prestações vencidas ou

vincendas é transacionável141

.

Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa tece oportuna consideração:

Assim como não se admite renúncia ao direito de alimentos, também não se

admite transação. O quantum dos alimentos já devidos pode ser transigido,

pois se trata de direito disponível. O direito, em si, não o é. O caráter

personalíssimo desse direito afasta a transação. O art. 841 somente admite

transação para os direitos patrimoniais de caráter privado. O direito a

alimentos é direito privado, mas de caráter pessoal e com interesse público142

[destaque do autor]

Assim, percebe-se que o direito a alimentos é indisponível e por isso não pode ser

suprimido, nem diminuído para prevenir ou extinguir outras obrigações, a não ser as

prestações em atraso, porque possuem caráter disponível143

.

Desta forma, ressalta Carlos Roberto Gonçalves que:

A regra aplica-se apenas ao direto de pedir alimentos, pois a jurisprudência

considera transacionável o quantum das prestações, tanto vencidas como

vincendas. É até comum o término da ação em acordo visando prestações

alimentícias futuras ou atrasadas. A transação celebrada nos autos de ação de

alimentos constitui título executivo judicial. Tem a mesma eficácia a

homologação do acordo extrajudicial de alimentos, que dispensa a

intervenção de advogado, mas exige a imprescindível intervenção do

Ministério Público144

[destaque do autor].

Ainda sob a óptica de Carlos Roberto Gonçalves, destaca-se que por ser direito

indispensável e personalíssimo, não pode ser objeto de juízo arbitral ou compromisso145

,

como pactua deste mesmo entendimento Yussef Said Cahali:

Tem-se pretendido que “transação (celebrada nos autos de ação de

alimentos) constitui título executivo judicial cujo cumprimento deve ser

formulado segundo as normas relativas à ação regular de execução”. [...]

Parece-nos que, não sendo transacionável o direito de alimentos, melhor

141

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 573. 142

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 361. 143

BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Manual de direito civil: família e sucessões, p. 145. 144

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 461. 145

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família, p. 137.

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48

entender-se que não pode ele ser objeto de juízo arbitral ou de

compromisso146

.

Assim, denota-se que os alimentos não são transacionáveis, a não ser quando se fala de

alimentos já vencidos, ou que ainda irão vencer, mas, no entanto, podem ser variáveis, como a

seguir será aclarado.

3.1.8 Variabilidade dos alimentos

Os alimentos podem ser variáveis, de acordo com as circunstâncias das partes

envolvidas à época do pagamento, pois são prestações que exigem o exame das condições do

credor e do devedor, podendo modificar de acordo com as mudanças econômicas de quem as

supre ou de quem as recebe147

.

Assevera Maria Helena Diniz, “É variável, por permitir, redução, majoração ou

exoneração da obrigação alimentar, conforme haja alteração da situação econômica e da

necessidade dos envolvidos (CC, art.1.699)”148

.

Conceitua Sílvio de Salvo Venosa:

Variabilidade. A pensão alimentícia é variável, segundo as circunstâncias

dos envolvidos na época do pagamento. Modificadas as situações

econômicas e as necessidades das partes, deve ser alterado o montante da

prestação, podendo ocorrer sua extinção. Daí por que o art.1.699 permite a

revisão, redução, majoração ou exoneração do encargo149

.

Para Arnaldo Rizzardo:

[...] segundo as circunstâncias vigentes na época do pagamento. A situação

econômica das pessoas modifica-se facilmente, ora aumentando os

rendimentos econômicos, ora diminuindo. As necessidades também não

permanecem estáticas. Crescem quando o filho avança nos estudos, ou

quando o alimentando, por fatores alheios à sua vontade, deixa de exercer

atividade lucrativa. Mesmo as doenças, as crises econômicas que se abatem

em determinadas ocasiões econômicas do alimentante e do alimentado150

.

146

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 92-93. 147

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 58. 148

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 573. 149

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 362. 150

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 737.

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Dessa forma, a sentença que estipula os alimentos não tem caráter definitivo, quando

relacionada ao quantum, sendo possível a alteração qualitativa, já que definitiva é apenas no

tocante à obrigação, ou ao vínculo que une o alimentante ao alimentado, não quanto ao

montante estabelecido151

.

Outrossim, explorada a variabilidade da obrigação alimentar, percebe-se que esta

dependerá da necessidade e da possibilidade dos envolvidos, devendo ser paga

periodicamente, como se verá a seguir.

3.1.9 Periodicidade

Como tem a finalidade de garantir o sustento do alimentado, esta prestação é paga de

forma periódica, podendo ser mensal ou quinzenal, nunca consistindo em pagamentos de uma

só parcela, pagos de uma só vez, ou em curtos lapsos de tempo152

.

No mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa leciona:

Periodicidade. O pagamento da obrigação alimentícia deve ser periódico,

pois assim se atende à necessidade das partes de se prover a subsistência.

Geralmente, cuida-se de prestação mensal, mas outros períodos podem ser

fixados. Porém, não se admite que um valor único seja pago, nem que o

período seja longo, anual ou semestral, porque isso não se coaduna com a

natureza da obrigação. O pagamento único poderá ocasionar novamente a

penúria do alimentando, que não tivesse condições de administrar o

numerário153

.

Por derradeiro, a fim de assegurar a mantença do alimentado, esta prestação deverá ser

paga periodicamente, visto que se por ventura este vir a gastar rapidamente a quantia e tornar

a ver-se em estado de necessidade, poderá novamente pedir alimentos, não podendo ser

negados, pois o dever alimentário se restabelece154

. Destarte, explanado sobre a periodicidade,

segue-se versando sobre sua divisibilidade.

151

GOMES, Orlando. Direito de família, p. 434. 152

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 577. 153

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 362. 154

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 738.

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3.1.10 Divisibilidade

A obrigação alimentar é divisível entre os parentes do necessitado, sendo todos

encarregados da prestação, mas não solidariamente155

.

De acordo com o art. 1.698 do Código Civil de 2002, se o parente em primeiro lugar

não puder suportar o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato, cada qual na

proporção dos respectivos recursos.

Assim, explica Carlos Roberto Gonçalves:

A obrigação alimentar é também divisível, e não solidária, porque a solidária

não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes (CC, art. 264). Não

havendo texto legal impondo a solidariedade, é ela divisível, isto é, conjunta.

Cada devedor responde por sua quota-parte. Havendo, por exemplo, quatro

filhos em condições de pensionar o ascendente, não poderá este exigir de um

só deles o cumprimento da obrigação por inteiro. Se o fizer, sujeitar-se-á às

conseqüências de sua omissão, por inexistir na hipótese litisconsórcio

passivo necessário, mas sim facultativo impróprio, isto é obterá apenas ¼ do

valor da pensão156

[destaques do autor]

Assim, fixando-se a quota de cada obrigação, na sua proporcionalidade, levando-se em

conta a capacidade econômica de cada parente, estabelece-se uma pluralidade de devedores,

pois várias pessoas estão obrigadas a pagar alimentos a um mesmo sujeito157

.

Deste modo, ocorre a obrigação alimentar divisível entre vários parentes, mas isto não

ocorre de forma solidária, como explica Marco Aurélio Gastaldi Buzzi:

Assim, se um dos devedores se achar incapacitado financeiramente será

exonerado do encargo e, muito embora se admita o rateio entre os parentes

do mesmo grau, quando os mais próximos não tiverem condições de

satisfazer à necessidade do credor, poderá este recorrer aos mais remotos,

observando-se a proporcionalidade das cotas ao patrimônio de cada um dos

obrigados e, nesta hipótese, a parcela que não seja eventualmente paga não

poderá ser exigida do devedor coobrigado, pois este não é solidário na

integridade do débito158

.

Neste ponto, cabível é a lição de Maria Berenice Dias, a qual pondera que:

155

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 574. 156

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 452-453. 157

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 742. 158

BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, p. 60.

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Mesmo havendo mais de um devedor, cada um deles não pode ser obrigado

pela dívida toda (CC 264). Quando da execução, não dispõe o credor da

faculdade de exigir o pagamento da totalidade da dívida de somente um dos

devedores, não se podendo falar em dívida comum159

[destaque do autor].

Por fim, entende-se que a obrigação é divisível, visando garantir o pagamento da

prestação, pois se o parente mais próximo não puder suportar totalmente o encargo, poderão

ser chamados a concorrer os demais parentes de grau imediato, caso os primeiros estiverem

em condições de suprir apenas parte da responsabilidade160

.

De todo modo, concluída a etapa referente às características da obrigação alimentar e

suas particularidades, passa-se a versar sobre os sujeitos da obrigação alimentar.

3.2 SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

O direito à prestação de alimentos, no âmbito do direito de família, é recíproco entre

parentes, como elencado na legislação vigente.

Neste aspecto, ensina Orlando Gomes:

Na determinação dos sujeitos, ativos e passivo, da relação, cumpre indicar as

pessoas que têm potencialmente essa situação, entendido que quem pode ser

credor também pode ser devedor, conforme as circunstâncias, em razão da

reciprocidade que caracteriza o instituto nessa faixa. Os alimentos são

devidos: 1º) pelos pais; 2º) pelos outros ascendentes; 3º) pelos descendentes;

4º) pelos irmãos; 5º) pelo cônjuge161

[destaque do autor].

Desta forma, são primeiramente chamados à prestar alimentos, os parentes em linha

reta mais próximos, preterindo os mais remotos (os pais, posteriormente os avós, filhos e

netos), não havendo estes, ou estando impossibilitados de pensionar, são chamados os irmãos,

que são os únicos obrigados a alimentar na linha colateral. Os demais parentes estão excluídos

dessa obrigação legal em nosso ordenamento jurídico162

.

Portanto, preferencialmente serão pedidos alimentos ao pai e à mãe, se estes não

suportarem o encargo, a incumbência passa aos avós, paternos ou maternos, na ausência

destes aos bisavós e assim sucessivamente. Assim, tem o dever de prestar alimentos as

159

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 510. 160

BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Manual de direito civil: família e sucessões, p. 143. 161

GOMES, Orlando. Direito de família, p. 436. 162

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 364.

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pessoas do mesmo tronco ancestral, excluindo assim os afins, tais como sogro, genro,

cunhado, entre outros, por maior que seja o grau de afinidade163

.

Dentro deste contexto, expõe Cristiano Chaves de Farias:

[...] a prestação alimentar entre colaterais a partir do terceiro grau e entre

parentes por afinidade é mera obrigação moral, fundada em dever de

consciência, não possuindo coercitividade. De qualquer maneira, uma vez

pagos, espontaneamente, os alimentos naturalmente devidos, não se pode

cogitar da restituição do valor pago, em face do caráter irrepetível da

prestação164

.

Deste modo, os alimentos devem ser prestados por aquele que os forneça sem

desfalque do necessário ao próprio sustento, pois não seria racional que o alimentário fosse

obtê-lo de parente que não tem recursos, ou que este reduza a sua condição financeira,

vivendo de forma precária, pelo fato de supri-los165

.

Necessário lembrar ainda, que o Código Civil de 2002, em seu art. 1.694, dispõe que

podem pedir alimentos não somente os parentes, mas também os cônjuges ou companheiros.

Assim, Arnaldo Rizzardo leciona:

Três pressupostos que emergem das regras acima para incidir a obrigação

alimentar: o parentesco ou o vínculo marital ou da união estável; a

necessidade e a incapacidade de se sustentar por si só; e a possibilidade de

fornecer alimentos de parte do obrigado166

.

Neste ponto, expõe Rolf Madaleno:

[...] o parentesco produz, no âmbito jurídico, efeitos básicos, pessoais e

patrimoniais, dentre eles, a geração da obrigação de prestar alimentos, tanto

na linha reta como na transversal, sendo que marido e mulher não são

parentes, mas pólos de uma relação conjugal. Também subsiste a obrigação

alimentar pela relação conjugal, proveniente do dever de mútua assistência,

consubstanciado no inciso III do artigo 1.566 do Código Civil, [...] pelo fato

de envolver não apenas a ajuda material, mas também a assistência moral167

.

163

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 580. 164

FARIAS, Cristiano Chaves de. Alimentos decorrentes do parentesco. In: CAHALI, Francisco José;

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Alimentos no código civil, p. 66. 165

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família, p. 504. 166

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 746. 167

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 697-706.

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Na percepção de Carlos Roberto Gonçalves, a obrigatoriedade da prestação de

alimentos, segue uma ordem preferencial, formando uma verdadeira hierarquia no parentesco,

bem como, o cônjuge desprovido de recursos também terá direitos à alimentos, a fim de

proporcionar-lhe um modo de vida compatível com a sua condição social168

.

Os alimentos decorrem do parentesco, como ocorre na relação entre pais e filhos

menores, ou entre cônjuges, companheiros ou conviventes. Podem decorrer também do poder

familiar, que seria o dever de sustentar os filhos menores, expresso nos art. 1.566, IV, e 1.634,

I, do Código Civil, e ainda enfatizado pelo art. 299 da CRFB/88.

Dentro dessas premissas, recorre-se mais uma vez aos ensinamentos de Carlos Roberto

Gonçalves:

Decorre do poder familiar e deve ser cumprido incondicionalmente, não

concorrendo os pressupostos da obrigação alimentar. Subsiste independente

do estado de necessidade do filho, ou seja, mesmo que este disponha de

bens, recebidos por herança ou doação. [...] Nestas hipóteses, deixa de existir

o dever alimentar decorrente do poder familiar, mas pode surgir a obrigação

alimentar, de natureza genérica, decorrente do parentesco169

.

Assim, observa-se que a obrigação alimentar também decorre do poder familiar, como

passa-se a tratar no seguinte dispositivo.

3.3 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORRENTE DO PODER FAMILIAR

A obrigação alimentar decorrente do poder familiar integra o dever de assistência e

sustento, incumbida aos pais170

. Nesta linha de raciocínio, assente que enquanto os pais

mantêm vida em comum, os deveres oriundos do poder familiar constituem obrigação de

fazer, mas cessado o vínculo conjugal entre os genitores, não se modifica os direitos e deveres

em relação ao filho, pois conferida a guarda à um deles, passa-se a existir a obrigação de

dar171

.

Destarte, leciona Yussef Said Cahali:

168

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família, p. 145. 169

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família, p. 141. 170

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 763. 171

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 554.

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A obrigação de sustento tem a sua causa no poder familiar. Para permitir aos

pais o desempenho eficaz de suas funções, a lei provê os genitores de poder

familiar, com atribuições que não se justificam senão por sua finalidade. São

direitos a eles atribuídos para lhes permitir o cumprimento de suas

obrigações em relação à prole. Não há poder familiar senão porque deles se

exigem obrigações que assim se expressem: sustento, guarda e educação dos

filhos172

.

Neste diapasão, Carlos Roberto Gonçalves tece oportuna consideração:

[...] considerando que os alimentos garantem a subsistência do alimentando

e, portanto, têm afinidade com o direito à vida, que é direito da

personalidade a todos assegurado pela Constituição Federal (art. 5º). A

constatação de que a proteção de certos direitos do nascituro encontra, na

legislação atual, pronto atendimento, antes mesmo do nascimento, leva-nos a

admitir a aquisição da personalidade desde a concepção apenas na

titularidade de direitos da personalidade, sem conteúdo patrimonial, a

exemplo do direito à vida ou a uma gestação saudável, uma vez que os

direitos patrimoniais estariam sujeitos ao nascimento com vida, ou seja, sob

condição suspensiva173

.

Diante de tal panorama, nota-se que a expressão obrigação alimentar decorrente do

poder familiar surge no momento da concepção do filho, porquanto, a lei tem por

salvaguardar este, desde o momento em que é gerado.

Fixadas tais questões, destaca-se que, até pouco tempo, o direito à alimentos ao

nascituro sofria grandes controvérsias, mas com a edição e vigência da lei n. 11.804/08, o

tema passou a ser abordado de forma diferente, como se verifica no capítulo que segue.

172

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 339. 173

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 480.

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4 ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Antes da criação da lei dos alimentos gravídicos, o Código Civil e a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 preocupavam-se com a viabilidade do nascituro e

com a dignidade da pessoa e da gestante, no entanto, não asseguravam a este ser em

desenvolvimento, o direito à percepção de alimentos, desde o momento da concepção.

Contudo, ante a falta de previsão legal, face a nova tratativa doutrinária e

jurisprudencial a respeito dos direitos do nascituro na questão alimentar, fez-se necessária a

criação de nova legislação que melhor se adaptasse ao caso em tela.

Para tanto foi criada a lei n. 11.804/08, que disciplinou o direito a alimentos gravídicos

e a forma como ele será exercido no ordenamento jurídico brasileiro, que passa a ser objeto de

estudo do deste capítulo.

Desta forma, para que o tema principal, possa ser melhor compreendido, existem

alguns aspectos que merecem ser aclarados, e por esta razão, inicia-se este terceiro capítulo

traçando os conceitos basilares relacionados ao nascituro e suas peculiaridades, para

posteriormente abordar a lei dos alimentos gravídicos.

4.1 NASCITURO

O nascituro pode ser definido como o que ainda está por vir, mas já concebido no

ventre materno, ou ainda, como aquele que há de nascer, e que ainda não iniciou sua vida

como pessoa.

Assim, Yussef Said Cahali destaca:

O nascituro é o que irá nascer; em outras palavras, o feto durante a gestação;

não é ele ser humano – não preenche ainda o primeiro dos requisitos

necessários à existência do homem, isto é, o nascimento; mas, desde a

concepção, já é protegido; no terreno patrimonial, a ordem jurídica, embora

não reconheça no nascituro um sujeito de direitos, leva em consideração o

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fato de que, futuramente, o será, e, por isso, protege, antecipadamente,

direitos que ele virá a ter quando for pessoa física174

.

Neste sentido expõem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “[...] cuida-se

do ente concebido, embora ainda não nascido. A lei Civil trata do nascituro quando, posto

não o considere pessoa, coloca a salvo os direitos desde a concepção”175

.

No entendimento de Sílvio de Salvo Venosa:

O nascituro é um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não

foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo

do nascimento, tratando-se de uma prole eventual176

.

Aduz Pontes de Miranda:

É o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um direito,

pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência de que nasça com

vida177

.

Por conseguinte, conclui-se que o nascituro é um ente concebido, que ainda não veio

ao mundo, mas é titular de direitos e pretensões, desde que nasça com vida.

Nesse mesmo norte, não obstante o nascituro ser reconhecido como ser humano e seu

inerente direito à vida, questiona-se ainda quando se inicia a personalidade civil e capacidade

jurídica, como passa-se a aclarar no tópico seguinte.

4.1.1 Personalidade civil

Quanto à personalidade civil, aponta-se a legislação vigente, prevista no art. 2º,

CC/02: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a

salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”178

.

Entende-se deste modo, que se considera o nascituro detentor de personalidade desde a

concepção, sendo reconhecida esta proteção desde aquele momento, assegurado o direito à

174

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 345. 175

GAGLIANO, Pablo Stolze, FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: parte geral. 12. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 126. 176

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 1, p. 143. 177

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2003, p. 27. 178

BRASIL. Código Civil (2002). Lei n. 10.406, de 10 de jan de 2002. Disponível em <www.planalto.gov.br>.

Acesso em: 19 out. 2010.

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vida não só como a possibilidade de existir e permanecer vivo, mas também o direito de

sobreviver com dignidade, respeito e liberdade179

.

Todavia, buscando identificar quando começa a personalidade civil do nascituro, a

doutrina divide-se em três correntes: a natalista, a da personalidade condicional e a

concepcionista, como ensina Rolf Madaleno:

A corrente natalista difunde como ponto de partida da existência humana o

nascimento com vida, não havendo como atribuir personalidade ao nascituro,

não obstante a lei proteja seus direitos desde a sua concepção. Para a teoria

concepcionalista a personalidade inicia com a própria concepção, e por isso

mesmo a lei assegura os direitos desde a concepção e, portanto, o nascituro

como sujeito de direitos deve ser considerado como pessoa. Por fim, a teoria

da personalidade condicional admite que o nascituro adquire personalidade

desde a sua concepção, mas condiciona esses direitos ao seu nascimento com

vida180

[destaques do autor].

A primeira corrente, a natalista a personalidade começa a partir do nascimento com

vida181

. Adepto desse posicionamento, leciona Sílvio de Salvo Venosa:

O fato do nascituro ter proteção legal não deve se levar a imaginar que tenha

ele personalidade como tal concebe o ordenamento. O fato de ter ele

capacidade para alguns atos não significa que o ordenamento lhe atribui

personalidade. Embora haja quem sufrague o contrário, trata-se de uma

situação que somente se aproxima da personalidade. Esta só advém do

nascimento com vida. Trata-se de uma expectativa de direito182

.

Ademais expõe Douglas Phillips Freitas:

Na Teoria natalista “o nascituro só adquire personalidade após o

nascimento com vida”, porém, conforme César Fiúza: “O nascituro não tem

direitos propriamente ditos. Aquilo a que o próprio legislador denomina

„direitos do nascituro‟ não são direitos subjetivos. São, na verdade, direitos

objetivos, isto é, regras impostas pelo legislador para proteger um ser que

tem a potencialidade de ser pessoa e que, por já existir pode ser resguardado

eventuais direitos que virá a adquirir ao nascer”183

[destaques do autor].

179

PEREIRA, Tânia da Silva. Dos direitos do nascituro e os alimentos no estatuto da criança e do adolescente.

In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Alimentos no código civil, p. 151-152. 180

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 384. 181

PEREIRA, Tânia da Silva. Dos direitos do nascituro e os alimentos no estatuto da criança e do adolescente.

In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Alimentos no código civil, p. 150. 182

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 161. 183

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008.

Florianópolis: Voxlegem, 2009, p. 50.

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Além disso, ante as novas técnicas de fertilização in vitro e do congelamento de

embriões humanos, houve o questionamento referente ao momento em que se deve considerar

juridicamente o nascituro, entendendo-se que a vida tem início naturalmente, com a

concepção no ventre materno184

.

Assim, discorre Diniz:

Na vida intra-uterina, ou mesmo in vitro. Tem personalidade jurídica formal,

relativamente aos direitos de personalidade, consagrados

constitucionalmente, adquirindo personalidade jurídica material, apenas se

nascer com vida, ocasião em que será titular de direitos patrimoniais e dos

obrigacionais que se encontravam em estado potencional185

.

Com isto, entende-se que na vida intrauterina o nascituro tem a personalidade jurídica

formal, por ter carga genética diferenciada desde a concepção, e terá personalidade jurídica

material com o nascimento com vida, ou seja, se nascer com vida terá direitos patrimoniais e

se isto não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá186

.

Contribuindo com os autores citados anteriormente, Roberto Wider aduz:

A teoria Natalista entende que o ser humano só adquire personalidade

jurídica a partir do nascimento com vida. Enquanto nascituro, o novo ser,

embora tenha proteção legal, ainda não tem personalidade, estando

subordinado à condição suspensiva do fato de nascer com vida187

.

Desse modo, possui o nascituro uma personalidade presumida, tendo em vista que é

um ente, cuja probabilidade de vir a existir é aceita para a obtenção de direitos. Não há,

portanto, a possibilidade de admitir a qualidade de pessoa natural, pelo fato de ter aptidão para

ter direitos188

.

A segunda corrente, a da personalidade condicional entende que o nascituro possui

direitos, mas estando sob a condição suspensiva, ou seja, inicia com a concepção sob a

condição do nascimento com vida, para ter eficácia189

.

184

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, 2010, p.554. 185

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das famílias, p. 580. 186

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 384. 187

WIDER, Roberto. Reprodução assistida: aspectos do biodireito e da bioética. Rio de Janeiro: Lumen Júris,

2007, p. 39. 188

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 143. 189

PEREIRA, Tânia da Silva. Dos direitos do nascituro e os alimentos no estatuto da criança e do adolescente.

In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Alimentos no código civil, p. 150.

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De tal modo, infere-se a conceituação trazida por De Plácido e Silva:

Embora o nascituro, em realidade não se tenha como nascido, porque tal se

entende aquele que se separou, para ter vida própria, do ventre materno, por

uma ficção legal é tido como nascido, para que a ele se assegurem os direitos

que lhe cabem, pela concepção. Mas, para que se tenha o nascituro como

titular dos direitos que lhe são reservados ainda em sua vida intra-uterina, é

necessário que nasça com vida190

[destaques do autor].

Neste liame, entende-se que independente de conceituação, há para o nascituro uma

esperança de vida, sendo pessoa em desenvolvimento, protegendo os direitos eventuais, como

assevera Washington de Barros Monteiro:

Mas para que este se adquira, preciso é que ocorra o nascimento com vida.

Por assim dizer, o nascituro é pessoa condicional; a aquisição da

personalidade acha-se sob dependência de condição suspensiva, o

nascimento com vida. A esta situação chama Planiol, de antecipação da

personalidade191

.

A esse respeito, Douglas Phillips Freitas tece oportuna consideração:

[...] a Teoria da Personalidade Condicional, como o próprio nome diz,

subordinam os direitos do nascituro a uma condição suspensiva que consiste

no nascimento com vida. Desse modo, havendo nascimento com vida, aí sim

o nascituro passa a ser reconhecido como pessoa192

[destaques do autor].

Assim, a constatação da existência jurídica se dá apenas através do nascimento com

vida sem qualquer exigência da viabilidade do ser e forma humana.

A terceira corrente doutrinária é a concepcionista, que defende a tese de que o

nascituro tem personalidade a partir da concepção e não com o nascimento com vida193

.

Extrai-se dos ensinamentos de Arnaldo Rizzardo:

[...] de acordo com a posição que melhor se adapta à realidade e justifica os

direitos, a proteção deve partir desde a concepção (teoria concepcionista),

pois somente desta forma se explicam inúmeros dispositivos da lei civil, que

190

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 942. 191

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.

1, p. 63. 192

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 50. 193

PEREIRA, Tânia da Silva. Dos direitos do nascituro e os alimentos no estatuto da criança e do adolescente.

In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Alimentos no código civil, p. 151.

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tratam da proteção a começar da concepção, ou têm em referência o

nascituro194

.

Diante de tal panorama, entendemos que se a lei põe a salvo os direitos do nascituro,

desde o momento da concepção, conclui-se que seu principal direito consiste no “direito à

vida” e esta poderia ser comprometida se caso fosse recusado à gestante necessitada os

recursos primários à sobrevivência do ente em formação, que ainda está em seu ventre195

.

Destarte, a lei de alimentos (Lei 5.478/68) consistia um obstáculo à concessão de

alimentos ao nascituro, tendo em vista seu artigo 2º, que exigia a comprovação do vínculo de

parentesco ou da obrigação alimentar, nos seguintes termos:

O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz

competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas,

o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e

sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto

ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe196

.

Portanto, ainda que inegável a responsabilidade parental desde a concepção, a falta de

previsão legal sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro.

No entanto, consagrando a teoria concepcionista do Código Civil e o princípio da

dignidade da pessoa humana, tal dificuldade já vinha sendo superada, pois ocorreram

inovações na legislação, e a justiça teve a oportunidade de reconhecer os direitos do nascituro

à alimentos antes do nascimento197

.

Corroboram com tal entendimento Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

dispõem que:

A despeito de toda essa profunda controvérsia, o fato é que, nos termos da

legislação em vigor, inclusive no Novo Código Civil, o nascituro, embora

não seja considerado pessoa, tem a proteção legal dos seus direitos desde a

concepção. Defendemos ainda, desde a primeira obra, o entendimento no

sentido de que o nascituro tem direitos a alimentos, por não ser justo que a

genitora suporte todos os encargos da gestação sem a colaboração

econômica do pai da criança que está por vir ao mundo. Por isso, é com bons

olhos que vislumbramos que tal matéria passou a ser objeto de legislação

194

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 768. 195

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família, p. 517. 196

BRASIL. Lei de ação de alimentos (1968). Lei n. 5.478, de 25 de jul de 1968. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2010. 197

LAMEU, Leonardo Soares. Alimentos gravídicos: aspectos da lei 11.804/08. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=467>. Acesso em: 07 set. 2010.

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expressa, através da Lei n. 11.804, de 5 de novembro de 2008, que

disciplinou o direito aos chamados “alimentos gravídicos”, que

compreendem todos os gastos necessários à proteção do feto198

[destaque dos

autores].

Dentro deste contexto, a lei n. 11.804/08, reforçou a teoria concepcionista ao

reconhecer o direito de alimentos ao nascituro, ficando garantidos desde a concepção e não

condicionada ao seu nascimento com vida, passando, esta nova modalidade alimentar a

denominar-se alimentos gravídicos.

A lei supracitada, já vinha sendo tendência jurisprudencial e doutrinária, mesmo antes

de sua vigência, porque não havia como atender ao preceito constitucional do fundamental

direito à vida, à saúde, à alimentação, quando todas as necessidades coincidem com a

concepção, não só após o nascimento com vida199

.

Outrossim, expostas tais considerações acerca da personalidade do nascituro, passa-se

a acometer a respeito da lei dos alimentos gravídicos, foco da aludida pesquisa.

4.2 ALIMENTOS GRAVÍDICOS

A lei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008, tem o objetivo de disciplinar o direito a

alimentos gravídicos, ou seja, da mulher gestante e do nascituro, e a forma como ele será

exercido200

, como elencado em seu artigo inaugural.

Os alimentos gravídicos compreendem as despesas acrescidas, reclamadas pela

gestante, no período compreendido entre a concepção e o parto, inclusive os dispêndios

referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares,

internações, parto, medicamentos e demais prescrições previstas e terapêuticas indispensáveis

como prescrição médica201

.

Dentro deste contexto, dispõe o art. 2º da lei dos alimentos gravídicos:

Art. 2º. Os alimentos de que trata esta lei compreenderão os valores

suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que

sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a

198

GAGLIANO, Pablo Stolze, FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: parte geral, p. 130-131. 199

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 669. 200

BRASIL. Lei de alimentos gravídicos (2008). Lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008. Disponível em:

<www.planalto.gov.br> Acesso em: 12 out. 2010. 201

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 669.

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alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames

complementares, internação, parto, medicamentos e demais prescrições

preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras

que o juiz considere pertinente202

.

Deste modo, a lei n. 11.804/08, busca proporcionar à mulher grávida uma espécie de

auxílio maternidade, sendo representado por uma contribuição a ser imposta ao suposto pai,

na forma de participação das despesas adicionais durante o período da gestação e que sejam

dela decorrente203

.

Necessário frisar, que os alimentos gravídicos têm por objetivo, tutelar os direitos do

nascituro, mesmo que entre a gestante e o suposto genitor não exista nenhum relacionamento,

casamento ou união estável.

Desta forma, com o advento da lei, foram garantidos ao nascituro o direito de

alimentos, protegendo assim o direito constitucional à vida, expresso no art. 5º e art. 227,

ambos da CRFB/88, que serão atendidos, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,

entre outros.

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro, protege a pessoa humana desde a

concepção, assegurando sua proteção integral. deste modo, “se a finalidade dos alimentos é

assegurar o direito à vida, com acerto agiu o legislador ao regulamentar alimentos à mulher

gestante, com a finalidade de proteger os direitos do nascituro”204

.

Nesta fase, pertinente se faz esclarecer que referida lei, busca apenas suprir as

necessidades oriundas da gravidez, e não aquelas pessoais da gestante, pois esta se vir a

carecer, poderá pleitear alimentos sob a luz do Código Civil como cônjuge ou companheira205

.

Portanto, a nova lei, positiva, no sistema brasileiro, a garantia da concessão de

alimentos à gestante, promovendo-se, desta forma, a proteção do nascituro, desde a

concepção, ônus este que anteriormente competia tão-somente à mãe.

Contudo, cabe rapidamente destacar que a redação inicial da lei n. 11.804/08 sofreu

algumas alterações e, embora o projeto original tivesse sido redigido contendo doze artigos,

202

BRASIL. Lei de alimentos gravídicos (2008). Lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008. Disponível em:

<www.planalto.gov.br> Acesso em: 12 out. 2010. 203

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 353. 204

FERST, Marklea da Cunha. Alimentos & ação de alimentos: manual do operador do direito. Curitiba: Juruá,

2009, p. 58. 205

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 529.

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atualmente seu texto normativo apresenta seis artigos, quais sejam art. 1º, 2º, 6º, 7º, 11º e 12º,

sendo que os demais foram vetados. Tais vetos foram necessários para que a lei fosse

aprovada, já que tais artigos estavam incompatíveis com a legislação brasileira.

No tocante ao tema, Suzana Oliveira Marques ensina que:

Seu texto normativo apresenta seis artigos, embora o projeto original tivesse

sido redigido com doze artigos, dos quais seis foram vetados pelo Presidente

da república, com as justificativas postas na mensagem de veto nº 853, de

5/11¹2008, que o Chefe do Executivo Federal enviou ao Presidente do

Senado206

.

No entanto, é desnecessário o exame dos artigos vetados, visto que o operador do

direito deve ater-se ao texto da lei vigente, procurando adaptar-se a ela, bem como, às suas

peculiaridades207

.

Por este motivo, passa-se a analisar a diante os aspectos processuais da lei dos

alimentos gravídicos e de que forma ele poderá ser exercido.

4.3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Quanto aos aspectos processuais da lei n. 11.804/08, tem-se que em razão dos vetos, a

redação desta norma passou a ter um texto sinóptico, o que ensejou a necessidade de serem

aplicadas as mesmas disposições da lei dos alimentos (lei n. 5.478/68) e do Código de

Processo Civil, no processo em que se postulam alimentos gravídicos.

Neste sentido pondera Suzana Oliveira Marques:

[...] a Lei nº 11.804/2008, em seu art. 11, manda aplicar supletivamente no

processo em que se postular alimentos gravídicos, as disposições do Código

de Processo Civil e da Lei nº 5.478/1968, que trata do direito à ação de

alimentos. Esta aplicação supletiva, contudo, na prática, terminará por ser

constante, pois o interprete, a todo momento, terá de se valer das disposições

do Código de Processo Civil e da Lei nº 5.478/1968, porque o texto da Lei nº

11.804/2008 é muito sintético, repleto de lacunas e omissões quando ao

processo respectivo, principalmente depois dos vetos do Presidente da

República, além de revelar algumas impropriedades técnicas208

.

206

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos. Belo Horizonte: Del

Rey, 2009, p. 75. 207

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos, p. 75. 208

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos, p. 75.

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Esta aplicação supletiva, contudo, na prática, terminará por ser constante, já que os

dispositivos da lei n. 11.804/08 são muito sintético, repleto de lacunas e omissões quanto ao

processo respectivo, principalmente depois dos vetos do Presidente da República, além de

revelar impropriedades técnicas209

.

Deste modo, tendo em vista as particularidades dos aspectos processuais desta lei,

prossegue-se analisando, de forma individual cada conjuntura, bem como, a tutela antecipada,

o termo inicial, pólo ativo e pólo passivo da demanda, a prova, quantun, conversão, revisão e

extinção e ainda, a possibilidade de reembolso pelos valores pagos indevidamente.

4.3.1 Tutela antecipada

A ação de alimentos gravídicos, segue o procedimento das cautelares, mesmo não

sendo uma, já que para a concessão da tutela antecipada, esta não depende de interposição de

qualquer ação futura.

Consoante reza Douglas Phillips Freitas:

A ação de alimentos gravídicos é um procedimento especial que adota o

procedimento das cautelares sem que seja uma, pois, além de satisfativa não

é instrumental, pois não depende de qualquer ação posterior a concessão da

tutela antecipada.210

.

Quando se trata de ação de alimentos gravídicos, pode-se dizer que a tutela antecipada

encontra amparo de forma genérica, mas satisfatória, no art. 273 do CPC, que dispõe que o

juiz poderá antecipar os efeitos da tutela, a requerimento das partes, se convencido da

verossimilhança da alegação e exista prova inequívoca211

.

Assim, uma vez preenchidos tais requisitos, basta que a situação se enquadre em

algumas das hipóteses de cabimento, para que seja concedida a antecipação de tutela, quais

sejam: as situações de emergência, existindo fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação (art.273, caput, c/c o art.273, I do CPC); caracterização de abuso de direito de

defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, c/c o art. 273, II do CPC) e

209

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos, p. 75. 210

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 106. 211

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 22 out. 2010.

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quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcelas destes, mostra-se incontroverso

(art.273, caput, c/c o art. 273, § 6 do CPC)212

.

Deste modo, as cautelares satisfativas, chamadas no direito de família de tutelas de

emergência, antecipam o direito, sem exigir a propositura de ação principal, pois não há nada

que impeça que esta antecipação ocorra na mesma ação, sem prejuízos quanto às ponderações

feitas acerca do contraditório, conforme disposto no art. 273 do CPC213

.

Extrai-se dos ensinamentos de Francisco José Cahali:

Embora omissa a lei, a fixação dos alimentos é liminar, initio litis, antes

mesmo da contestação, pela natureza cautelar e urgente do provimento.

Deverá haver, neste momento, o devido convencimento motivado do

julgador quanto à perspectiva da paternidade, como previsto na norma, bem

como quanto aos demais elementos fáticos da ação (comprovação das

necessidades especiais e possibilidades do réu)[...]214

[destaque do autor].

Destarte, o pedido de tutela antecipada, não só pode, como deve ser feito na ação de

alimentos gravídicos, tendo em vista que é um instrumento processual importante para a

solução de litígios, tornando a referida lei, muito mais eficaz e prática.

4.3.2 Termo inicial

Por tratar-se de norma específica recente, que denomina que os alimentos gravídicos

são as despesas adicionais, desde a concepção ao parto, é possível entender que o termo

inicial da obrigação se dê na concepção, mesmo antes do ajuizamento da ação215

.

Tal posicionamento poderá ser contraposto pelos processualistas, mas diante da nova

norma que proclama integral proteção à mãe e ao nascituro, por analogia, a indenização de

responsabilidade civil tem seu marco inicial no sinistro, ou seja, o fato que originou a

responsabilidade civil216

.

212

Código de Processo Civil (1973). Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 22 out. 2010. 213

DONOSO, Denis. Alimentos gravídicos. Disponível em: <www.buscalegis.ccj.ufsc.br. Acesso em:

22.out.2010. 214

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Direito de família. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 585. 215

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a lei 11.804/08: primeiros reflexos. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=468> . Acesso em: 13 out. 2010. 216

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a lei 11.804/08: primeiros reflexos. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=468> . Acesso em: 13 out. 2010.

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O art. 9º da lei dos alimentos gravídicos dispunha que o termo inicial era contado a

partir da data da citação do réu, no entanto, tal diploma legal foi vetado. Por esta razão,

entende-se que o legislador teve a intenção de que a regra não fosse aplicada.

Neste sentido leciona Maria Berenice Dias:

Agora com o nome de gravídicos, os alimentos serão garantidos desde a

concepção. A explicação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que

de há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade

alimentar com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados

os direitos do nascituro217

.

Sendo assim, serão devidos os alimentos ao nascituro, desde a concepção deste, em

que pese à excepcionalidade que isso causará nas regras de retroatividade ex tunc até a data da

citação do pleito.

No tópico que segue, tratar-se-á do pólo passivo e ativo da ação de alimentos.

4.3.3 Pólo ativo e passivo da ação de alimentos

Antes de tratar a respeito dos pólos ativo e passivo da demanda, é necessário definir

rapidamente a distinção entre capacidade e legitimidade, pois não há que se confundi-las, pois

“nem toda pessoa capaz pode estar legítima a pratica de determinado ato jurídico”218

.

Dentro deste contexto, frisa-se tal distinção, nas palavras de Gustavo Tepedino,

Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:

Da capacidade de fato distingue-se a legitimidade para a prática de

determinado ato. A capacidade de fato refere-se à aptidão para a prática em

geral de atos jurídicos, enquanto a legitimidade é específica, referindo-se a

um ato em particular. A pessoa pode então ser plenamente capaz, mas não

ter legitimidade para efetuar certos atos jurídicos. A capacidade é, assim, o

poder de exercitar um direito, e legitimidade é quem o tem219

.

Fixadas essas premissas, passa-se a discorrer sobre o pólo ativo da demanda, que no

art. 1º da lei dos alimentos gravídicos dispõe que, “Esta lei disciplina o direito de alimentos da

mulher gestante e a forma como ele será exercido.

217

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 528. 218

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: parte geral, p. 130-131. 218

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 133. 219

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil

interpretado: conforme a constituição da república. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 6.

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Em análise deste primeiro artigo verifica-se a titularidade dos alimentos gravídicos,

pois pode-se dizer que a legitimidade ativa para pleitear alimentos é da gestante, como

discorre Douglas Phillips Freitas:

Da ação de alimentos gravídicos. A mulher grávida é a legitimada para

ingresso da ação de alimentos. Gravídicos nos termos do caput do artigo 1º

da lei, podendo, se menor ou incapaz, ser assistida ou representada por

aquele que detém sua tutela ou curatela220

.

Yussef Said Cahali ensina que a autora é parte legítima para demandar a investigação

da paternidade, pois “se a criança ainda não havia nascido ao tempo da propositura da ação, a

legitimidade ativa é manifesta. Dir-se-á poder a autora, em seu nome, demandar alimentos

para o nascituro”221

.

Deste modo, entende-se que a gestante tem a legitimidade e é parte ativa da

ação de alimentos gravídicos, que promove em nome próprio, sendo o foro

competente o seu domicílio, e o rito da ação de alimentos.222

.

Já o pólo passivo desta ação, segundo os ensinamentos de Douglas Phillips Freitas é o

suposto pai, o que na referida ação foi indicado como possível genitor por conta dos indícios

da paternidade ou pela paternidade presumida223

.

No entanto, ainda no entendimento de Douglas Phillips Freitas, quando o suposto pai

não tem condições de custear com sua parte nos alimentos gravídicos ou furta-se da citação,

entre outras causas que por ventura podem ocorrer, os alimentos cabem aos avós, veja-se:

No tocante aos Alimentos Gravídicos serem pleiteados contra avós ou outros

parentes, segue-se a mesma pauta acima informada: Fato que precisa de

tutela: reconhecimento de Alimentos Gravídicos de um suposto pai ausente

ou sem condições financeiras, entre outras causas; Analogia: permissão

legislativa na matéria de alimentos para buscar a complementação ou mesmo

pagamento contra outros parentes trazidas no Código Civil; Aplicação da

analogia no caso concreto por lacuna legislativa: ampliação dos Alimentos

220

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 90. 221

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 347-350. 222

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 529. 223

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 92.

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Gravídicos em relação aos avós, entre outros parentes224

[destaques do

autor].

Destarte, é evidente, que em primeiro lugar o pai deve ser chamado para cumprir a

obrigação alimentar, mas eventualmente outras pessoas também podem ser chamadas para dar

sua contribuição, como os avós paternos, ante a imprescindibilidade da prestação225

.

Desse modo, ante a dificuldade de efetivação do crédito em face do suposto pai, este

cabe aos avós, que são os ascendentes em grau mais próximo, especialmente no tocante ao

rol de devedores de alimentos, amparados pelos artigos 1.696 ao 1.698 do CC/02.

Assim, verifica-se que via de regra, inicialmente a obrigação de prestar alimentos

gravídicos, é do suposto pai, porém, na falta deste, transmite-se os encargos aos avós do

nascituro. Feitas tais ponderações acerca dos pólos passivo e ativo da demanda de alimentos,

passa-se a aclarar sobre as provas para comprovar a paternidade, do suposto genitor.

4.3.4 Prova de paternidade

Uma das grandes dificuldades enfrentadas durante a gestação é comprovar a

paternidade, para que possa ser deferido o direito de pedir ao suposto pai, auxílio na mantença

do nascituro e assim proporcionar o desenvolvimento saudável ao ser que está por vir.

Neste passo, para que haja o deferimento dos alimentos gravídicos é necessário que o

magistrado se convença da existência de indícios da paternidade, conforme dispõe o art. 6º da

lei em questão:

Art. 6º. Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará

alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando

as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré226

.

Ressalta Sílvio de Salvo Venosa que todos os meios de prova são admitidos nas ações

de filiação, por qualquer meio admitido em direito, e que o discernimento do juiz no caso

224

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 99. 225

DONOSO, Denis. Alimentos gravídicos. Disponível em: <www.buscalegis.ccj.ufsc.br>. Acesso em: 22 out.

2010. 226

BRASIL. Lei de alimentos gravídicos (2008). Lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008. Disponível em:

<www.planaltoo.gov.br> . Acesso em: 12 out. 2010.

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concreto torna-se fundamental ao se examinarem os indícios que devem ser claros e

veementes227

.

Neste passo, Suzana Oliveira Marques faz as seguintes considerações:

[...] por primeiro, em razão da aplicação subsidiária do código de Processo

Civil, o ônus da prova em relação aos fatos constitutivos de seu direito, é da

autora [...] Em segundo lugar, a autora, na petição inicial, terá de fazer prova

documental (atestado ou relatório médico) da sua gravidez. Por terceiro, terá

que fazer prova de que a concepção decorreu de seu relacionamento sexual

com o pai228

.

Vislumbra-se que, de acordo com a norma geral do direito, em seu art. 333, I, do

CPC229

, o ônus da prova cabe ao autor, ou seja, neste caso à gestante, que deve realizar a

descrição de que tipo de relação tinha com o suposto pai e juntar aos autos todas as provas,

possíveis, até as mais remotas, tais como cartões, e-mails, mensagens de celular, recados ou

fotos em sistemas de relacionamento pela internet230

.

Faz-se necessário que haja na inicial uma conexão entre os fatos narrados e o estado

gravídico, contendo narrativas convincentes acerca do relacionamento sexual, sendo

comprovada desde o início, para robustecer o convencimento do juiz, como explica Paulo

Lúcio Nogueira:

A prova da paternidade será feita com a inicial, se consistir em documentos,

ou no correr da ação. Não há rigor probatório: basta uma demonstração

satisfatória da existência da suposta paternidade. A demonstração faz-se por

qualquer meio (indício, circunstância ou presunção)231

.

Aduz Arnaldo Rizzardo a respeito dos requisitos probatórios:

Desde que presentes os requisitos próprios, como fumus boni iuris e a

certeza de quem é o pai, mesmo os alimentos provisionais é possível

conceder, com o que se garantirá uma adequada assistência pré-natal ao

concedido. Para a prova da paternidade, admite-se toda série de documentos

demonstradores da convivência quando da concepção, bem como da época

227

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil: direito de família, p. 366. 228

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos, p. 77. 229

O ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Cf. Código de Processo Civil,

art. 333, I. BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 out. 2010. 230

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 111-112. 231

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada: doutrina e jurisprudência, p. 12.

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quando a mesma ocorreu. Com isso, infudem-se convicção e certeza sobre a

paternidade [...] Nunca cabe esquecer que essa prova é da atribuição de

quem pede os alimentos, e, em especial, de que o pretenso pai tem

conhecimento da paternidade que lhe é atribuída232

.

De acordo com Suzana Oliveira Marques, é certo que a prova pericial produzidas por

determinação judicial ou à requerimento das partes é a mais eficaz, sendo possível, apoiadas

em técnicas modernas desenvolvidas em torno da tecnologia genética, mas com ressalvas233

.

Dentro deste contexto, extrai-se dos ensinamentos de Sérgio Danilo Pena:

A nossa constituição genética, ou seja, a estrutura de nosso DNA é idêntica

em todos os tecidos do nosso corpo. [...] Isso nos permite fazer a

determinação de paternidade mesmo antes do nascimento da criança, através

do estudo de tecidos fetais obtidos pelas técnicas amniocentese genética ou

de biópcia de vilocidades coriônicas. A amniocentese genética consiste na

colheita de uma amostra de líquido amniótico, pode ser realizada a partir da

16ª semana de gravidez. O líquido amniótico contém células fetais, cujo

DNA pode ser estudado. A biópcia de Vilocidades Coriônicas consiste na

aspiração de células da placenta (que é genéticamente igual ao feto), o que

pode ser feito a partir da 9º semana de gestação. Ambos os procedimentos

são simples, confiáveis e associados a uma taxa de complicações muito

baixa. Assim, qualquer um desses métodos pode ser utilizado para a

obtenção de células fetais para a determinação de paternidade pelo estudo

direto do DNA, antes do nascimento da criança. A determinação pré-natal da

paternidade deverá ser feira apenas em casos selecionados em que ela seja

realmente esclarecedora e nos quais justificam-se os riscos, embora muito

pequenos da amniocentese genética e biópcia de vilocidades coriônicas234

.

Assim, diante da inviabilidade de fazer um exame para confirmação de paternidade,

pois colocaria a vida do feto em risco, é admitido ao juiz conceder alimentos ao nascituro,

baseando-se na presunção, já que, a lei põe a salvo o direito do nascituro desde a concepção.

Neste sentido, posiciona-se Suzana Oliveira Marques:

Sobre a presunção, deve ser lembrada a prevista no art. 232 do Código Civil,

pertinente ao tema da prova da paternidade, na hipótese em que um das

partes manifeste recusa a se submeter ao exame pericial requerido pela outra

ou determinado de ofício pelo juiz235

.

232

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 769. 233

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos, p. 80. 234

PENA, Sérgio Danilo. Determinação de paternidade pelo estudo do direto do DNA: estado da arte no Brasil.

In: TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo (Coord). Direitos de família e do menor. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

1993, p. 248-256-257. 235

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos, p. 83.

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Destarte, quando não se pode provar diretamente a paternidade, temos a paternidade

presumida, fundada em probabilidades, sendo que o juiz alcança a verdade para fixar a

sentença, diante do conjunto probatório que foi apresentado, presumindo a paternidade,236

,

como vemos nos ensinamentos de Gonçalves, “Inexistindo nos autos prova capaz de

proporcionar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco, é firme a jurisprudência no

sentido de admitir „indícios e presunções‟”237

.

Contudo, observa-se que na ação de alimentos gravídicos a prova é peça fundamental

para a obtenção desta proteção, sendo aceitos todos os meios de prova admitidos em lei, e

ainda a presunção da paternidade, visto que, ante a urgência desta modalidade de prestação, a

paternidade deve ser comprovada o mais breve possível para que possa ser fixado o valor a

ser prestado e assim, garantir o desenvolvimento saudável do nascituro.

Por fim, após a análise dos meios de prova, torna-se necessário adentrar no aspecto

que corresponde ao quantun a ser fixado na demanda de alimentos gravídicos.

4.3.5 Quantum

Para formar o valor a ser pago pelo alimentante, é importante que a requerente

gestante comprove, além do seu estado gravídico, também as despesas adicionais decorrentes

do seu estado gestacional.

Atenta-se, que o feto deve ser bem amparo pelos genitores, pondo a salvo todas as

necessidades inerentes a ele, durante toda a gestação, como ensina Arnaldo Rizzardo:

Justamente por existir um direito à personalidade, isto é, aos direitos do

nascituro, há de se pôr a salvo certas necessidades para o bom

desenvolvimento da pessoa intra-uterina do ser humano. Para tanto, todo o

ambiente propício para evoluir com normalidade o ser concebido deve

assegurar-se à mãe. A ela cabe o direito a uma adequada assistência médica

pré-natal, além de outros cuidados e providências, com o que não se poderá

furtar em colaborar o pai da criança em formação238

.

Neste ponto, o quantum a ser fixado, deve vislumbrar a adequada assistência à

gestante, durante toda a gravidez, como leciona Yussef Said Cahali:

236

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 274. 237

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, p. 322. 238

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 769.

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Tais despesas não se interessam à mãe; interessam ao concebido. Por outro

lado, há despesas para roupas e outras despesas que têm de ser feitas antes

do nascimento, dela podendo exigir a pessoa logo ao nascer. [...] pode a mãe

pedir alimentos para o nascituro, hipótese em que, na fixação, o juiz levará

em conta as despesas que se fizerem necessárias para o bom

desenvolvimento da gravidez, até o seu termo final, incluindo despesas

médicas e de medicamentos239

.

As necessidades imprescindíveis do nascituro, alcançam desde as despesas comuns,

até as espécies mais variadas, tais como: “a adequada assistência médico-cirúrgica pré-natal,

em sua intereza, que abrange as técnicas especiais (transfusão de sangue, em caso de

erritoblastose fetal, amniocontese240

, ultrasonografia) e cirurgias realizadas em fetos, cada vez

mais freqüentes, alcançando, ainda, as despesas para o parto241

.

Rolf Madaleno acrescenta que a existência de indícios da paternidade, pelas quais as

observações fáticas adquirem certo valor probatório, já é suficiente para que o magistrado fixe

os alimentos gravídicos242

.

Francisco José Cahali aduz, no entanto, que para o juiz estabelecer o valor a ser pago,

deve estar sempre presente o binômio necessidade-possibilidade, decorrente do direito de

família, sendo também adequado verificar a proporcionalidade prevista no direito positivo,

devendo cada genitor responsabilizar-se pelos valores compatíveis com sua condição social,

como reforçado na própria lei dos alimentos gravídicos, em seu art. 2º243

.

Ainda no entendimento de Francisco José Cahali:

Especificamente para esta modalidade de alimentos, há um limite legal, ou

“teto”, para a qualificação da pensão (após sopesados os elementos acima

referidos), em função da expressa previsão legal quanto às despesas

abrangidas por esta Lei: as adicionais surgidas pela gravidez e que sejam

dela decorrentes (art.2º)244

.

Neste diapasão, Douglas Phillips Freitas discorre:

239

CAHALI,Yussef Said. Dos alimentos, p. 346-347. 240

Denomina-se “amiocentese” o exame realizado para verificar a saúde do bebe durante a gravidez. Cf.

PLANEAMENTO DE UMA GRAVIDEZ. Amniocentese: versão simplificada. Disponível em:

<http://planeamento-gravidez.blogspot.com/2008/04/amniocentese-verso-simplificada.html> Acesso em: 07 set.

2010. 241

PEREIRA, Gischkonw Sérgio. Alimentos decorrentes do parentesco. In: CAHALI, Francisco José;

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Alimentos no código civil, p. 115. 242

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família, p. 670. 243

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Direito de família, p. 581-

582. 244

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Direito de família, p. 582.

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A lei dos alimentos gravídicos, permite que a mulher grávida busque o

ressarcimento e auxílio financeiro do suposto pai no rateio do custeio das

despesas adicionais decorrentes da gravidez, na proporção do rendimento de

ambos245

.

Ainda nesta linha, entende-se que o rol das despesas decorrentes da gravidez é vasto, e

que o juiz tem liberdade para considerar outras despesas a critério do médico, e ainda aquelas

que entender pertinentes, mas destaca-se que são despesas com a gravidez e não todas as

despesas da gestante246

.

Outrossim, cabe expor que outras despesas como manter padrão de vida ou sustentar

futilidades estão excluídas da abrangência desses alimentos, visto que há demarcação legal de

quais são os alimentos, que devem sempre ter relação direta com a gravidez, desde a

concepção até o parto, podendo a qualquer tempo sofrer alterações, na quantia, ou na forma

de cumprimento da obrigação247

.

Assim, por serem voláteis e casuais as despesas desta modalidade específica de

alimentos, admite-se também a possibilidade de conversão, revisão e extinção, porquanto se

trata no tópico seguinte.

4.3.6 Conversão, revisão e extinção da obrigação alimentar gravídica

Após o nascimento com vida, este tipo de prestação gravídica pode ser convertida em

pensão alimentícia em favor do menor, podendo as partes pleitearem revisão de seu valor ou

até mesmo extintos, no caso da prole não nascer com vida.

Os alimentos gravídicos, como o próprio nome já diz, perduram durante a gravidez, e

assim, como a própria lei estabelece, em seu art. 6º, § único, que o valor fixado se converte

em pensão ao filho, até que as partes solicitem revisão.

Nesta linha de raciocínio assevera Maria Berenice Dias:

Como a obrigação perdura mesmo após o nascimento, oportunidade em que

a verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho, ocorre mudança

de sua natureza. A partir deste momento passa a ser atendido ao critério da

proporcionalidade, segundo as condições econômicas do genitor. Isto porque

245

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 87. 246

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 529. 247

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Direito de família, p. 582-

583.

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o encargo decorrente do poder familiar em parâmetro diverso, pois deve

garantir o direito do credor de desfrutar da mesma condição social do

devedor (CC 1.694). Deste modo, nada impede que sejam estabelecidos

valores diferenciados, vigorando um montante para o período da gravidez e

valores outros, a título de alimentos ao filho, a partir do seu nascimento248

.

Pactua deste mesmo entendimento, Suzana Oliveira Marques:

Após, o nascimento com vida, os alimentos gravídicos inicialmente fixados

ficam convertidos em pensão alimentícia a favor do menor, podendo as

partes pleitear revisão de seu valor. Parece-nos que a conversão referida na

Lei será feita mediante sentença, no mesmo processo, após a autora requerer

e provar, em juízo, que houve o nascimento com vida ali exigido249

.

Ainda nesta linha, leciona Marklea da Cunha Ferst:

Julgado procedente o pedido de alimentos gravídicos, estes perduraram até o

nascimento da criança, sendo convertidos, em havendo nascimento com

vida, em pensão alimentícia em favor da criança, até que uma das partes

peça a sua revisão250

.

Esta conversão, apresenta-se como uma solução, prestigiando a economia processual,

pois se fará automaticamente, não havendo necessidade de requerimento das partes,

diferentemente da revisão, que deverá ser objeto de nova ação, por se fazer exclusivamente

por provocação das partes251

.

Com o nascimento com vida, a revisão dos alimentos deverá ser feita

cumulada com a investigação de paternidade caso não seja esta reconhecida,

e, com o Exame de DNA a ser realizado se verificará se são ou não devidos

os alimentos, lembrando, é claro, que não há possibilidade de retroagir os

valores já pagos se der negativo o referido exame haja vista a natureza desta

obrigação252

.

Cabe elucidar, que a revisão da obrigação alimentar gravídica poderá ocorrer durante a

gestação, mas, isto torna-se um tanto improvável, diante da morosidade do judiciário, que

dificilmente despachará o conflito antes do nascimento da criança253

.

248

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 530. 249

MARQUES, Suzana Oliveira. Princípios do direito de família e guarda dos filhos, p. 76. 250

FERST, Marklea da Cunha. Alimentos & ação de alimentos: manual do operador do direito, p.60. 251

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Direito de família, p. 586. 252

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a lei 11.804/08: primeiros reflexos. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=468>. Acesso em: 27 out. 2010. 253

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Direito de família, p. 586.

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No tocante à extinção dos alimentos gravídicos, leciona Suzana Oliveira Mendes:

A extinção dos alimentos gravídicos se dá quando, ocorre o nascimento com

vida ou no caso de aborto, possivelmente quando comprovadamente o

nascituro não é filho do suposto pai, sendo a mãe então a única a arcar com

tais despesas, porém, tendo o direto de pleitear novos alimentos para outro

suposto pai, e não mais aquele que foi reconhecidamente comprovado não

ser o pai do nascituro254

.

Ainda no entendimento de Suzana Oliveira Mendes:

Após o nascimento, com a investigação de paternidade do suposto pai é

amparado pela corrente que observa exclusivamente o critério biológico para

caracterizar o vínculo parental, e se nesses casos já se desconstitui a

obrigação do registro civil por não ser verdade a relação biológica é por

óbvio que ocorra a extinção da pensão alimentícia, alhures produto da

conversão da pensão por alimentos gravídicos, cessa de imediato255

.

Neste mesmo diapasão, Douglas Phillips Freitas explica que “a extinção se dará

automaticamente em casos de aborto e, também, após o nascimento, comprovando-seque a

paternidade não é daquele obrigado pelos alimentos gravídicos256

.

Por fim, expostas as peculiaridades em relação a conversão, revisão e extinção da

obrigação alimentar gravídica, segue-se discorrendo sobre a possibilidade de reembolso pelos

valores pagos quando injustos.

4.3.7 Possibilidade de reembolso pelos valores pagos

Embora não haja na legislação brasileira previsão expressa a respeito da possibilidade

de reembolso dos valores pagos injustamente pelo alimentante, há sólida construção

doutrinária e jurisprudencial no sentido de que o que já foi pago a título de alimentos não

poderá ser repetido257

.

254

MENDES, Fábio Maioralli Rodrigues. Lei 11.804: alimentos gravídicos. Disponível em:

<HTTP://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3400> Acesso em: 31 out. 2010. 255

MENDES, Fábio Maioralli Rodrigues. Lei 11.804: alimentos gravídicos. Disponível em:

<HTTP://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3400> Acesso em: 31 out. 2010. 256

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 96. 257

FERST, Marklea da Cunha. Alimentos & ação de alimentos: manual do operador do direito, p. 60.

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Desta forma, como já tratado no segundo capítulo desta monografia, uma das

principais características da obrigação alimentar é a irrepetibilidade dos alimentos, não

havendo deste modo, a possibilidade de devolver os valores pagos.

Há, no entanto, a possibilidade do alimentante impetrar ação de indenização por danos

matérias e morais, a fim de ser ressarcido, em razão do equívoco ocorrido, mas, esta questão

não é pacífica, como discorre Marklea da Cunha Ferst:

A opção ao réu na ação de alimentos, na hipótese, é a ação de indenização

por danos morais e materiais, a fim de ser reparado o equívoco. Todavia, a

questão não é pacífica. O projeto de Lei previa que, sendo negativo o exame

pericial de paternidade, o autor responderia pelos danos morais e materiais

causados ao réu, sendo a liquidação realizada nos próprios autos. Entretanto,

tal artigo foi vetado sob o argumento de que violaria o livre exercício do

direito de ação258

.

No que tange a indenização pelo valor pago indevidamente, Douglas Phillips Freitas

destaca duas formas, ou seja, a primeira “através de ação indenizatória contra a autora da

Ação de Alimentos Gravídicos quando provado abuso de direito” e a segunda “contra o

verdadeiro pai por locupletamento, afinal, enriqueceu-se este por não pagar os alimentos ao

filho” e desta forma deixando os encargos para outrem259

.

A propósito, ainda no entendimento de Douglas Phillips Freitas:

Da ação indenizatória por abuso de direito: nota-se que não houve

declaração de ilicitude num primeiro momento, mas do uso abusivo de um

direito, de igual forma, por este irregular exercício gerou os mesmo efeitos

decorrentes dos atos ilícitos260

[destaques do autor].

Extrai-se dos ensinamentos de Francisco José Cahali:

Pode, porém, acontecer que a paternidade venha a ser afastada, após a

instrução do feito. Mesmo sem previsão legal (que aliás é mesmo

desnecessária, salvo para prever a apuração nos próprios autos como então

proposto), a responsabilidade existe, pelo direito comum (direito civil), e

sendo a autora a gestante, em face dela deverá ser direcionada a ação (não

258

FERST, Marklea da Cunha. Alimentos & ação de alimentos: manual do operador do direito, p. 61. 259

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 135. 260

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos: comentários à lei n. 11.804 de 05 de novembro de 2008,

p. 136.

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contra o menor), pelo prejuízo causado, ainda que ausente dolo, ou mesmo

má-fé261

.

Diante disto, estando presentes os pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam,

o ato ilícito, dano, culpa e nexo da causalidade, há a possibilidade de reparação, com apoio

nos arts. 186 e 297 do CC/02.

Feitas as considerações alhures a respeito do tema, verifica-se que o intuito do

legislador, com a criação da lei dos alimentos gravídicos, foi garantir o bem-estar do

nascituro, através de sua genitora, e que cada aspecto deve ser analisado de acordo com as

suas peculiaridades, tendo em vista que diante das consecutivas mudanças que ocorrem na

família moderna, o direito está sempre aberto para futuras discussões, buscando suprir as

necessidades de quem os recorre.

261

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Direito de família, p. 588.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os alimentos gravídicos, objeto da presente pesquisa, além de ser tema novo no

ordenamento jurídico, exige, ainda, muita análise e estudo por parte daqueles que se dedicam

ao direito das famílias, portanto, ainda que o momento seja conclusivo, não há que se falar em

finalização da tarefa inicialmente colocada.

O objetivo deste estudo consistiu na pesquisa dos alimentos gravídicos, que,

obedecendo-se ao método dedutivo, permitiu vislumbrar de que forma este novo instituto

jurídico foi incorporado no ano de 2008 ao ordenamento jurídico brasileiro, com o escopo de

adequar-se às transformações da sociedade e das famílias do século XXI.

No transcorrer do primeiro capítulo foi demonstrado como se deu a formação do

direito a alimentos, assim como se apresentou seu conceito e espécies, relacionando-as e

direcionando-as ao objeto da presente pesquisa, orientando o leitor à compreensão dos

alimentos gravídicos.

Partiu-se dos diversos conceitos de alimentos fornecidos pela doutrina para se

compreender adequadamente como este instituto se aplica no conjunto das relações de índole

alimentar na sociedade brasileira contemporânea.

A pesquisa ainda analisou no primeiro capítulo cada uma das espécies de obrigação

alimentar, sua finalidade, o momento em que se tornam exigíveis e que podem ser

reclamados, assim como as modalidades de sua prestação.

No segundo capítulo tratou-se da obrigação alimentar, onde foram apresentadas as

principais características desta obrigação, de forma a permitir ao leitor contextualizar o

aspecto da necessidade de normatização dos alimentos gravídicos no âmbito mais amplo da

obrigação alimentar.

Também no segundo capítulo, cuidou-se de apresentar os sujeitos da obrigação

alimentar, esclarecendo-se sobre quem incide o dever de prestar os alimentos exigidos e o

fundamento dessa obrigação.

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Ao final do segundo capítulo foram apresentadas as principais ideias sobre a obrigação

alimentar decorrente do poder familiar e suas repercussões em relação aos alimentos

gravídicos.

No terceiro capítulo procurou-se apresentar uma conceituação acerca da categoria

nascituro, distinguindo-a de outras que por vezes são utilizadas como sinônimas. Verificou-se

que, efetivamente, deve ser compreendido por nascituro como o ser ainda não nascido mas

que, por força de disposição legal e constitucional, possui direitos a serem protegidos e

exercidos.

Na sequência foram analisados aspectos processuais relativos à aplicação da lei dos

alimentos gravídicos e sua forma de incidência pelos tribunais pátrios nas questões que já

estão sendo levadas ao seu conhecimento, bem como aquelas que certamente buscarão

guarida nas egrégias cortes de justiça do Brasil.

Diante dos questionamentos feitos ao início da presente pesquisa, tem-se que o

primeiro, que perguntava acerca da finalidade dos alimentos, teve sua resposta confirmada ao

longo da pesquisa, eis que se demonstrou que os alimentos tanto se prestam à subsistência do

alimentando como pretende assegurar-lhe seu status social.

Em relação ao segundo questionamento, viu-se que os mesmos podem ser de natureza

legítima, voluntária ou indenizatória, conforme a situação que lhe for o fundamento, podendo

inclusive a obrigação ser devida sem nenhum vínculo de parentesco.

No que diz respeito ao terceiro questionamento formulado, a pesquisa também o

respondeu, deixando claro que, quanto aos alimentos gravídicos, os alimentos são devidos

desde o momento da concepção, eis que tanto a CRFB/88 como a legislação civil correlata

assegura este direito ao nascituro.

Assim, feitas essas considerações, verificou-se que a lei 11.804/08 representa

novidade alvissareira e coerente com a dinâmica familiar e social do Brasil no século XXI, eis

que põe a salvo os direitos do nascituro desde o momento de sua concepção, assegurando-se à

gestando, os meios necessários a sua manutenção e ao do ser que transporta em seu ventre.

Aqueles que geram um novo ser, seja por ato de amor ou não, planejado ou não, têm o

dever de providenciar todos os instrumentos materiais e espirituais para assegurar que este ser

venha ao mundo de forma sadia e digna, conforme lhe assegura a Constituição da República

Federativa do Brasil e o Código Civil de 2002.

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Todo mecanismo que pretenda dar vazão a estes comandos constitucionais e legais

merecem ser recebidos de forma ampla e irrestrita pelos operadores dos direitos, eis que visa,

em seu aspecto teleológico, fazer justiça aqueles que ainda não podem reclamá-la de boca

própria, os nascituros.

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