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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
FABIANA HARTMANN
O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O REQUISITO DE
ADMISSIBILIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL
Tijucas
2008
FABIANA HARTMANN
O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O REQUISITO DE
ADMISSIBILIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL
Monografia apresentada como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito, pela
Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Sociais e Jurídicas, campus de Tijucas.
Orientadora: Profa. MSc. Marta Elizabeth Deligdisch
Tijucas
2008
FABIANA HARTMANN
O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O REQUISITO DE
ADMISSIBILIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, Campus Tijucas.
Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/Direito Processual Civil
Tijucas, 3 de dezembro de 2008.
Profa. MSc. Marta Elizabeth Deligdisch
Orientadora
Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas
Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
Dedico este trabalho ao meu querido Éderson, maravilhoso
companheiro, que com sua paciência e bondade não mediu esforços
para a realização deste objetivo e carinhosamente me ensinou a
acreditar na beleza dos nossos sonhos.
Os meus sinceros agradecimentos:
À minha linda família, meu suporte e minha energia, pelo apoio, pela confiança e pelos
ensinamentos sempre alicerçados no amor, no respeito e na responsabilidade.
Ao meu companheiro Éderson, meu amor maior, por ser meu porto seguro, por me incentivar
e acreditar no meu esforço.
À Professora Orientadora, Marta Elizabeth Deligdisch, pelo exemplo e pela atenção,
prontidão e carinho em atender meu pedido e acompanhar minuciosa e incansavelmente este
trabalho.
Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Campus Tijucas, que
muito contribuíram para a minha formação jurídica, em especial ao Professor Adilor Antônio
Borges, pela amizade sincera e alegria contagiante.
À minha “super fantástica” amiga Gabriella Cabral, pela força, pela companhia, pelas risadas,
pela cumplicidade, pela compreensão e pelo carinho.
Aos grandes amigos, Karla Francieli Dalsasso, Leonardo Borba e Tony Serpa, por serem tão
especiais, pelo companheirismo e diversão em cada encontro, em cada aula, em cada
momento destes cinco anos.
Às funcionárias da Biblioteca, Campus Tijucas, Vanessa e Maria da Conceição, pela atenção,
paciência e prestatividade.
Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e pelas experiências trocadas.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.
E, principalmente, a Deus, por abençoar meu caminho com pessoas tão maravilhosas.
O mais importante para o homem é crer em si mesmo. Sem esta
confiança em seus recursos, em sua inteligência, em sua energia,
ninguém alcança o triunfo a que aspira.
Thomas Wittlam Atkinson
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, a Banca Examinadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Tijucas, 3 de dezembro de 2008.
Fabiana Hartmann
Graduanda
RESUMO
O presente trabalho consiste em um estudo sobre o Recurso Extraordinário e o requisito de admissibilidade da Repercussão Geral inserido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, e regulamentado pela Lei n. 11.418/2006 e pela Emenda Regimental n. 21 do STF. Objetivando identificar os elementos que configuram a Repercussão Geral para fins de interposição do Recurso Extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, analisam-se os aspectos relativos aos recursos cíveis, suas características gerais e princípios norteadores. O estudo da teoria geral dos recursos cíveis ainda exige a compreensão do Juízo de Admissibilidade dos recursos, bem como dos requisitos que deverão ser preenchidos para que um recurso seja conhecido. Sobre os pressupostos de admissibilidade dos recursos, pontua-se a divisão em intrínsecos, que correspondem ao cabimento do recurso, à legitimação e ao interesse para recorrer e, ainda, à inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito; e extrínsecos, no que tange à tempestividade, regularidade formal e preparo. Apontam-se os efeitos e a classificação dos recursos. Concentra-se o estudo na análise do Recurso Extraordinário, seus pressupostos específicos e hipóteses de cabimento, enfatizando-se a condição de Repercussão Geral como requisito intrínseco de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Busca-se a compreensão dos elementos considerados para a configuração da Repercussão Geral na legislação infraconstitucional, especificamente nas disposições do artigo 543-A do Código de Processo Civil. Finalmente, analisa-se o procedimento de apreciação do requisito da Repercussão Geral, bem como a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, e a eficácia do reconhecimento ou não da Repercussão Geral.
Palavras-chave: Recurso Extraordinário Juízo de Admissibilidade Repercussão Geral
RESUMEN
El presente trabajo consiste en un estúdio sobre el Recurso Extraordinário y el presupuesto de admisibilidad de la Repercusión General, inserido por el Aditivo Constitucional n. 45/2004 y reglamentado por la Lei n. 11.418/2006 y por el Aditivo Regimental n. 21 del STF. Objetivando identificar los elementos que configuran la Repercusión General para fines de interposición del Recurso Extraordinário perante el Supremo Tribunal Federal, se analisan los aspectos relativos a los recursos civiles, sus características generales y los princípios norteadores. El estúdio de la teoria general de los recursos civiles exige, todavia, la compreensión del Juício de Admissibilidad de los recursos, asi como de los requisitos que deberán ser atendidos para que un recurso sea conocido. Sobre los presupuestos de admissibilidad de los recursos, se dividieron en intrínsecos, que corresponden al cabimiento del recurso, a la legitimidad y al interés para recurrir y, todavia, a la inexistência de hecho impeditivo o extintivo del derecho; y extrínsecos, que se refieren a la tempestividad, regularidad formal y pago. Apúntanse los efectos y la clasificación de los recursos. Concéntrase el estúdio em el análise del Recurso Extraordinário, sus pressupuestos específicos e hipótesis de cabimiento, enfatizándose la condición de Repercusión General como requisito intrínseco de admissibilidad del Recurso Extraordinário. Búscase la compreensión de los elementos considerados para la configuración de la Repercusión General en la legislación infraconstitucional, especificamente en las disposiciones del artículo 543-A del Código Procesual Civil. Finalmente, analísase el procedimento de apreciación del requisito de la Repercusión Genera, bien como la competência exclusiva del Supremo Tribunal Federal y la eficácia del reconocimiento o no de la Repercusión General.
Palabras-clave: Recurso Extraordinário Juício de Admisibilidad Repercusión General
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. artigo
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CPC Código de Processo Civil
EC 45/2004 Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004.
n. número
p. página
p. ex. por exemplo
RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
RE Recurso Extraordinário
STF Supremo Tribunal Federal
§ parágrafo
LISTA DE CATEGORIAS1 E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS2
Argüição de Relevância
Instituto que visava a possibilitar o conhecimento de recurso extraordinário a priori incabível, por apresentar questão federal relevante pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa3.
Causa
É a lide ou questão agitada entre os litigantes em juízo4.
Controle de Constitucionalidade
Sistema dotado de mecanismos através dos quais se controlam os atos normativos, verificando sua adequação aos preceitos previstos na Lei Maior5.
Duplo Grau de Jurisdição
Princípio que consiste na possibilidade de submeter-se a lide a exames sucessivos, por juízes diferentes, ‘como garantia da boa solução6.
Efeito Devolutivo
Efeito dos recursos segundo o qual é devolvida ao conhecimento do órgão ad quem toda a matéria impugnada, objeto, portanto, do recurso7.
1 Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31. 2 Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do presente trabalho. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43. 3 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 30-32. 4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 72 5 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2005, p. 83. 6 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 614.
Efeito Suspensivo
Efeito dos recursos destinado a provocar a suspensão da imediata executividade da decisão impugnada, de modo a só lhe dar cumprimento após o julgamento do recurso8.
Juízo a quo
É o juízo de onde o recurso procede9.
Juízo ad quem
É o juízo para onde o processo será remetido, quando em grau de recurso10.
Juízo de Admissibilidade
É o exame das condições de admissibilidade que necessitam estar presentes para que o juízo ad quem possa proferir o julgamento do mérito do recurso11.
Princípio da Ampla Defesa
Assegura à parte o direito de alegar fatos e propor provas, em defesa de seus interesses, fazendo-o com plena liberdade, nada podendo limitar o teor das alegações defensivas12.
Princípio da Economia Processual
Preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais13.
Princípio do Contraditório
Consiste na necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo14.
7 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 181. 8 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 182. 9 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 794. 10 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 794. 11 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 222. 12 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 125. 13 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 73 14 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 30.
Processo
É o método de que se servem as partes para buscar a solução do direito para os conflitos de interesses (especificamente, para aquela parcela do conflito levada a juízo, ou seja, para a lide)15.
Procedimento
É o mecanismo pelo qual se desenvolvem os processos diante dos órgãos da jurisdição16.
Questão Constitucional
É uma controvérsia em torno da aplicação da Constituição da República17.
Recurso
É o meio ou remédio impugnativo apto para provocar, dentro da relação processual ainda em curso, o reexame da decisão judicial, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter-lhe a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração18.
Recurso Extraordinário
Trata-se de um recurso excepcional, admissível em hipóteses restritas, previstas na Constituição com o fito específico de tutelar a autoridade e aplicação da Carta Magna19.
Repercussão Geral
Requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário que considera a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa20.
15 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 155. 16 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 156. 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 683. 18 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 606. 19 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 682. 20 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, art. 543-A, §1º, p. 441.
Requisitos de Admissibilidade
Compõem o objeto do juízo de admissibilidade, ou seja, a matéria que deve ser decidida na fase de admissibilidade do recurso, a fim de que se lhe possa julgar o mérito, dando-lhe ou negando-lhe provimento21.
Supremo Tribunal Federal
Órgão superior que compõe a cúpula do Poder Judiciário nacional, encarregado da matéria constitucional, cabendo-lhe revisar, em princípio, não os fatos controvertidos, nem tampouco as provas existentes no processo, nem mesmo a justiça ou injustiça do julgado recorrido, mas apenas e tão-somente as teses jurídicas federais envolvidas no julgamento impugnado22.
21 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 240. 22 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 681.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................. 7
RESUMEN ........................................................................................................................... 8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .......................................................................... 9
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS........................... 10
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 16
2 RECURSOS CÍVEIS: CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS.................... 20
2.1 CONCEITO ................................................................................................................... 20
2.2 NATUREZA JURÍDICA ............................................................................................... 22
2.3 PRINCÍPIOS GERAIS DOS RECURSOS ..................................................................... 24
2.3.1 Princípio do Devido Processo Legal ............................................................................ 25
2.3.2 Princípio da Razoável Duração do Processo ................................................................ 27
2.3.3 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição ........................................................................ 29
2.3.4 Princípio da Taxatividade............................................................................................ 34
2.3.5 Princípio da Singularidade........................................................................................... 36
2.3.6 Princípio da Fungibilidade........................................................................................... 37
2.3.7 Princípio da Dialeticidade ........................................................................................... 41
3 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE E EFEITOS DOS RECURSOS................... 43
3.1 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS ......................................... 47
3.1.1 Pressupostos Intrínsecos.............................................................................................. 49
3.1.1.1 Cabimento do recurso .............................................................................................. 49
3.1.1.2 Legitimação para recorrer ....................................................................................... 51
3.1.1.3 Interesse para recorrer............................................................................................. 54
3.1.1.4 Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito .............................................. 56
3.1.2 Pressupostos Extrínsecos............................................................................................. 58
3.1.2.1 Tempestividade......................................................................................................... 58
3.1.2.2 Regularidade Formal ............................................................................................... 60
3.1.2.3 Preparo.................................................................................................................... 61
3.2 EFEITOS DOS RECURSOS.......................................................................................... 63
3.2.1 Efeito Devolutivo ........................................................................................................ 63
3.2.2 Efeito Suspensivo........................................................................................................ 66
3.2.3 Efeito Expansivo ......................................................................................................... 67
3.2.4 Efeito Translativo........................................................................................................ 68
3.2.5 Efeito Substitutivo....................................................................................................... 70
3.3 CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS........................................................................... 71
4 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DA
REPERCUSSÃO GERAL................................................................................................. 74
4.1 CARACTERÍSTICAS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO....................................... 74
4.2 PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.......................................................................................................... 76
4.2.1 Existência de uma causa decidida e prequestionamento ............................................... 77
4.2.2 Esgotamento das instâncias inferiores.......................................................................... 79
4.2.3 Impossibilidade de revisão da matéria de fato.............................................................. 81
4.3 HIPÓTESES CONSTITUCIONAIS DE CABIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.......................................................................................................... 82
4.3.1 Decisão contrária a dispositivo da Constituição ........................................................... 82
4.3.2 Decisão que declara a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal........................... 84
4.3.3 Decisão que julga válido ato normativo local contestado em face da Constituição ....... 86
4.3.4 Decisão que julga válida lei local contestada em face de lei federal ............................. 87
4.4 A CONDIÇÃO DE “REPERCUSSÃO GERAL” COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.............................................. 88
4.4.1 Natureza Jurídica......................................................................................................... 89
4.4.2 Conceito de Repercussão Geral ................................................................................... 91
4.4.3 A Repercussão Geral e a Argüição de Relevância........................................................ 97
4.4.4 O juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário e o requisito da Repercussão Geral.................................................................................................................................... 98
4.4.4.1 A demonstração da Repercussão Geral como preliminar das razões recursais ....... 100
4.4.4.2 Competência para apreciação da Repercussão Geral............................................. 100
4.4.4.3 O “amicus curiae” ................................................................................................. 103
4.4.4.4 O reconhecimento ou afastamento da Repercussão Geral ...................................... 104
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 113
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objeto o estudo do Requisito de Admissibilidade da
Repercussão Geral para fins de interposição do Recurso Extraordinário perante o Supremo
Tribunal Federal.
A importância do estudo deste tema reside no fato de que, apesar de o requisito da
Repercussão Geral ter sido inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda
Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, sua aplicação no âmbito prático só ocorreu
após a regulamentação pela Lei n. 11.418/2006 e pela Emenda Regimental n. 21/2007 do
Supremo Tribunal Federal, conforme determinava o §3º do artigo 102 da Constituição da
República Federativa do Brasil. No entanto, tal regulamentação apresentou certa vagueza
conceitual, especialmente quanto aos elementos que configuram o Requisito de
Admissibilidade da Repercussão Geral, motivo que ensejou a presente pesquisa.
Ressalta-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito
na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem
colaborar para o conhecimento de um tema que ainda pode ser tratado como elemento novo e
repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.
O presente tema, na atualidade, encontra-se às voltas com as mais críticas
interpretações e estudos jurídicos, na tentativa de elucidar o que pretendeu o legislador
quando inseriu o requisito da Repercussão Geral para fins de interposição do Recurso
Extraordinário e que elementos seriam considerados na composição desta condição.
A escolha do tema é fruto do interesse pessoal da pesquisadora em analisar e
compreender em que consiste o Requisito de Admissibilidade da Repercussão Geral, sua
função e seus principais efeitos no acesso ao julgamento do Recurso Extraordinário pelo
Supremo Tribunal Federal, assim como para instigar novas contribuições para estes direitos
na compreensão dos fenômenos jurídico-políticos, especialmente no âmbito de atuação do
Direito Processual Civil.
17
Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho
estudar o requisito de admissibilidade da Repercussão Geral para fins de interposição do
Recurso Extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal.
O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel
em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Jurídicas, Políticas e
Sociais, Campus Tijucas.
Como objetivos específicos, têm-se: a) analisar os aspectos relativos aos recursos
cíveis, suas características gerais e princípios norteadores; b) compreender as questões
atinentes ao Juízo de Admissibilidade dos recursos e seus efeitos; e, c) investigar as nuances
da Repercussão Geral para fins de interposição do Recurso Extraordinário.
A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas
por Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, na obra Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário, Rodolfo de Camargo Mancuso, na obra Recurso Extraordinário e Recurso
Especial, Humberto Theodoro Júnior, no artigo Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário (Lei n. 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei n.
11.417), e José Rogério Cruz e Tucci, no artigo Anotações sobre a repercussão geral como
pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Este será, pois, o marco teórico
que norteará a reflexão a ser realizada sobre o tema escolhido. Sob sua luz, pretende-se
investigar os deslocamentos percebidos pelo objeto central da pesquisa, especialmente na
literatura jurídica contemporânea, colmatando seu significado na atualidade.
Não é o propósito deste trabalho esgotar as dúvidas e os questionamentos acerca da
configuração do Requisito de Admissibilidade da Repercussão Geral para fins de interposição
do Recurso Extraordinário. Por certo não se estabelecerá um ponto final em referida
discussão. Pretende-se, tão-somente, aclarar o pensamento existente sobre o tema,
contribuindo-se com esta singela parcela ao imenso campo do Direito Processual Civil.
Para o desenvolvimento da presente pesquisa foi formulado o seguinte
questionamento:
a) É possível identificar elementos teóricos e práticos para a configuração do requisito
de Repercussão Geral de modo a viabilizar a interposição do Recurso Extraordinário?
Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:
18
a) Os elementos teóricos e práticos para a configuração do requisito da Repercussão
Geral encontram sua delimitação na legislação infraconstitucional, em razão do disposto no
artigo 543-A, do Código de Processo Civil;
b) Os elementos teóricos para a configuração da Repercussão Geral dividem-se em
objetivos e subjetivos; do primeiro trata o artigo 543-A, parágrafo 3º, do Código de Processo
Civil e os demais deverão ser classificados por interpretação exclusiva do Supremo Tribunal
Federal;
c) A depender da hipótese de cabimento em que se fundar o Recurso Extraordinário,
pode-se presumir configurado o requisito da Repercussão Geral.
O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,
delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente aos Recursos
Cíveis, analisando-se suas características gerais e princípios norteadores; a segunda,
observando-se os Requisitos de Admissibilidade dos recursos, pontuando-se sua divisão em
pressupostos intrínsecos, ligados à possibilidade de recorrer, quais sejam o cabimento, a
legitimação, o interesse e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito, e
pressupostos extrínsecos, relacionados ao exercício do poder de recorrer, que são a
tempestividade, a regularidade formal e o preparo, além de analisar os efeitos dos recursos; e,
por derradeiro, abordou-se acerca do Recurso Extraordinário e o Requisito de
Admissibilidade da Repercussão Geral, discorrendo-se sobre os pressupostos constitucionais
de admissibilidade e as hipóteses constitucionais de cabimento do Recurso Extraordinário,
para, ao final, observar a condição de Repercussão Geral como Requisito de Admissibilidade
do Recurso Extraordinário e os principais aspectos atinentes à sua configuração e exame .
Quanto à metodologia empregada, registra-se que na fase de investigação foi utilizado
o método dedutivo e o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto
na base lógica dedutiva, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se
posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a
prevalência, ou não, das hipóteses listadas.
Nas diversas fases da pesquisa foram acionadas as técnicas do referente, da categoria,
do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica.
19
É conveniente ressaltar, enfim, que, seguindo as diretrizes metodológicas do Curso de
Direito da Universidade do Vale do Itajaí, as categorias fundamentais e seus conceitos
operacionais são apresentados em Lista, ao início do trabalho.
Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa
e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias e
seus Conceitos Operacionais, conforme sugestão apresentada por Cesar Luiz Pasold, muito
embora algumas delas tenham seus conceitos mais aprofundados no corpo da pesquisa.
Ressalte-se que a estrutura metodológica e as técnicas aplicadas neste relatório estão
em conformidade com as propostas apresentadas no Caderno de Ensino: formação
continuada, ano 2, número 4, assim como nas obras de Cesar Luiz Pasold, Prática da
pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco
Colzani, Guia para redação do trabalho científico.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais
são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos
estudos e das reflexões sobre o tema abordado.
Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este
estudo.
2 RECURSOS CÍVEIS: CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS
O estudo da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário exige, a priori, uma análise
da teoria geral dos recursos cíveis, de modo a estabelecer o que se entende por recurso e suas
principais características.
Neste primeiro capítulo abordar-se-á o conceito de recurso, sua natureza jurídica, bem
como os princípios gerais a eles atinentes, passando, no segundo capítulo, a se estudar o juízo
de admissibilidade e o juízo de mérito dos recursos, além dos seus efeitos e sua classificação,
no intuito de compor a base geral deste estudo que levará à análise específica do requisito da
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário, no terceiro e último capítulo.
2.1 CONCEITO
Toda pesquisa está alicerçada em uma série de conceitos e definições, que dão
sustentabilidade ao desenvolvimento do conteúdo abordado. Deste modo, em busca de um
melhor resultado no presente trabalho, e iniciando o estudo da teoria geral dos recursos, faz-se
necessário analisar o instituto “recurso”, delimitando seu conceito e sua abrangência.
Quando se analisa a palavra “recurso”, utilizando o senso comum, e até mesmo ao se
consultar um dicionário, observa-se que ela está diretamente relacionada às palavras
“auxílio”, “socorro”, “proteção”23. Da mesma forma, o verbo “recorrer” pode ser entendido
como “tornar a correr”, “pedir socorro”, “solicitar auxílio ou proteção” 24.
Transportando este raciocínio para a esfera jurídica, mais especificamente para o
campo do Direito Processual Civil, a idéia central de recurso continua a mesma: busca-se o
auxílio de uma outra instância (regra geral), para uma reanálise da questão e uma possível
satisfação da pretensão até o momento não atendida.
23 Michaelis: dicionário escolar língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2002, p. 663. 24 BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário escolar da língua portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1986, p. 964.
21
Neste sentido, Theodoro Júnior conceitua recurso como
[...] o meio ou remédio impugnativo apto para provocar, dentro da relação processual ainda em curso, o reexame da decisão judicial, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter-lhe a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração25.
Segundo o referido autor, essa é uma “acepção técnica e restrita” do que vem a ser o
recurso na esfera processual, pois em sentido amplo traduz-se na idéia, já mencionada, de
pedir socorro na defesa de seu direito26.
Para Santos, o conceito de recurso também é mais abrangente, afirmando,
simplesmente, ser “o meio específico para impugnar decisões judiciais”27.
Silva, por sua vez, detalha um pouco mais seu entendimento e afirma ser o recurso
[...] o procedimento através do qual a parte, ou quem esteja legitimado a intervir na causa, provoca o reexame das decisões judiciais, a fim de que elas sejam invalidadas ou reformadas pelo próprio magistrado que as proferiu, ou por algum órgão de jurisdição superior28.
Ainda, Nery Júnior aponta que existem remédios processuais, postos à disposição dos
interessados, cujos objetivos podem ser “a eliminação do vício do ato processual” ou
“adequar a legalidade do ato à sua conveniência e à sua justiça”, sendo que dentre esses
remédios, os recursos têm principal destaque29.
Nesse contexto, não há como deixar de apresentar a definição de recurso dada por
Moreira, muito repetida e ensinada na doutrina30, conceituando-o como “[...] o remédio
25 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 606. 26 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 606. 27 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 649. 28 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 302. 29 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 175. 30 Citam-se os doutrinadores Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 606), Nathaly Campitelli Roque (Processo civil: recursos e execução. São Paulo: Primeira Impressão, 2007, p. 28 e 29) e Ovídio Araújo Baptista da Silva (Teoria geral do processo civil, p. 302).
22
voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o
esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna”31.
Em síntese, frente aos conceitos acima, pode-se dizer que o recurso é a busca da
proteção ao direito de qualquer das partes que se sentir lesada pela decisão proferida,
objetivando uma nova análise e a conseqüente anulação ou modificação dessa decisão.
Dada a importância de se estabelecer a definição de recurso e de não confundi-la com
sua natureza jurídica, esta será analisada a seguir.
2.2 NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica revela a essência, a substância, a compleição32 de determinado
instituto, tornando-se, deste modo, oportuno entender de que maneira se constitui o recurso.
Theodoro Júnior destaca que o recurso é caracterizado pelo ensejamento do reexame
da decisão dentro da mesma relação jurídica processual, antes da composição da coisa
julgada33. Esclarece que, se não for levada em conta a reanálise da decisão dentro do mesmo
processo, não se está falando de recurso e sim de outra medida para atacar um decisum, a
exemplo da Ação Rescisória34.
Da mesma forma, Wambier:
Os recursos podem ser considerados como uma extensão do próprio direito de ação. Só se interpõem recursos de decisões proferidas em processos vivos. No direito brasileiro, decisões proferidas em processos findos são impugnáveis por meio de ações impugnativas autônomas, que são a ação rescisória, a ação anulatória, a ação declaratória de inexistência jurídica e o mandado de segurança, estes últimos em casos excepcionalíssimos35.
31 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 231. 32 Por analogia ao conceito da expressão “natureza”, in SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 944. 33 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 606. 34 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 731. 35 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 532.
23
Corroborando essa idéia de prosseguimento, que reveste a natureza jurídica do
recurso, Santos também afirma que este, apesar de ter um procedimento específico, não é uma
ação autônoma, mas uma possibilidade de socorro para aqueles interessados em defender seu
direito no processo36.
Apoiando tais considerações, Moreira aduz que, ao se analisar as figuras relacionadas
à definição de recurso, pode-se observar que o uso deste não permite a “instauração de um
novo processo”, mas sim “produz a extensão do mesmo processo até então fluente”37.
Montenegro Filho, assim discorre sobre tal natureza jurídica:
O traço marcante dos recursos é o de que a revisão do pronunciamento judicial opera-se no âmbito do próprio processo, sem ensejar a formação de nova relação jurídica. N’outro dizer, não se forma um novo processo com o objetivo de a decisão ser revista; a relação é endoprocessual, no curso da ação que envolve o autor, o réu e o magistrado que criou a decisão objeto da irresignação, quando muito sendo tratada como incidente processual, como ocorre na hipótese do recurso de agravo de instrumento, que forma autos no tribunal competente para dele conhecer.38
No mesmo sentido, aponta Greco Filho:
O recurso se desenvolve no mesmo processo. O recurso faz parte de um todo, que é o desenvolvimento da ação, desde sua propositura até o esgotamento de todos os meios que levam ao exame do pedido do autor. Ao recorrer, a parte não propõe nova ação, mas dá continuidade, em nova fase, à ação anteriormente proposta e em andamento. É nisso que o recurso se distingue de outros meios de impugnação de decisões judiciais que são ações, instaurando-se novo processo39.
Note-se que, além de ter natureza jurídica de extensão do próprio direito de ação, na
visão de Santos, o recurso, para a parte sucumbente, torna-se um ônus processual, na medida
em que, se não for interposto, resulta a preclusão da oportunidade de rever a decisão que não
36 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento, p. 649. 37 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 230. 38 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 8. 39 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v. 2. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 266.
24
lhe foi favorável, bem como a conseqüente formação da coisa julgada40. Em outras palavras, o
vencido (ou parcialmente vencido) terá de recorrer se quiser, talvez, ter seu direito atendido.
Esse também é o entendimento de Moreira, ao afirmar que:
Trata-se, com efeito – ressalvados os casos de sujeição obrigatória da matéria à revisão pelo órgão superior (art. 475) -, de ato que alguém precisa praticar para tornar possível a obtenção de uma vantagem ou para afastar a consumação de uma desvantagem. Está presente aí o traço essencial porque o ônus se estrema do dever, ordenado este à satisfação de interesse alheio, aquele à de interesse próprio.41
Ademais, ressalta Marinoni, acompanhando as observações acima expostas, que esse
ônus processual tem caráter voluntário, “já que colocado à disposição dos interessados”, e
complementa: “Nesse sentido, cumpre ao interessado provocar o reexame da decisão
insatisfatória, sob pena de ver-se ela válida e eficaz, diante da preclusão eventualmente
operada.”42.
Destarte, acatando a opinião predominante na doutrina pesquisada, tem-se que a
natureza jurídica do recurso é de continuidade do processo, de prolongamento da relação
processual, apresentando-se como um ônus processual ao sucumbente na defesa de seu
direito. Assim, definida a essência do recurso, passar-se-á à análise de seus princípios
norteadores.
2.3 PRINCÍPIOS GERAIS DOS RECURSOS
Como qualquer instituto jurídico, os recursos também são informados por princípios
que justificam sua razão de existir e norteiam o seu procedimento43. São os princípios gerais
(ou fundamentais) dos recursos que, no dizer de Cintra, são “próprios e específicos”44 de cada
sistema processual, neste caso, do sistema recursal.
40 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento, p. 649. 41 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 235. 42 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 518. 43 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 518. 44 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, p. 50.
25
Para Nery Júnior,
[...] os princípios fundamentais são aqueles sobre os quais o sistema jurídico pode fazer opção, considerando aspectos políticos e ideológicos. Por essa razão, admitem que em contrário se oponham outros, de conteúdo diverso, dependendo do alvedrio do sistema que os está adotando.45
Para Montenegro Filho, os princípios processuais qualificam-se “[...] como premissas
básicas, em torno das quais gravita todo o sistema jurídico, servindo de norte na edificação de
normas – que devem respeitá-los -, e para orientação da dinâmica do processo.”46. O autor
ainda ressalta que tais princípios podem não se apresentar na forma escrita, o que não impede
que sejam respeitados e que direcionem o sistema processual, já que aplicados conforme
entendimento doutrinário e jurisprudencial. E arremata:
[...] podemos construir a premissa de que os princípios são normas
qualificadas, embora não escritas em algumas situações, servindo de orientação ao legislador e ao aplicador do direito, encontrando-se postados em plano superior no nosso ordenamento jurídico.47
Desta forma, sendo os recursos “[...] regidos por princípios específicos, que orientam
tanto o legislador, ao normatizá-los, quanto o julgador, ao apreciá-los”48, destacam-se os mais
relevantes para este estudo.
2.3.1 Princípio do Devido Processo Legal
Embora a maioria dos autores, no âmbito do sistema recursal, não trate
especificamente do princípio do devido processo legal, é necessário apontar, dentro dos
princípios gerais dos recursos, sua definição e importância para fins da compreensão deste
trabalho.
Na visão de Nery Júnior, o princípio do devido processo legal é “[...] a base sobre a
qual todos os outros se sustentam”49. Está expresso na Constituição da República Federativa
45 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 35. 46 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 16-17. 47 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 17. 48 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva, atual. v. 2. 2.ed. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 120.
26
do Brasil de 1988 (CRFB/88), em seu artigo 5°, inciso LIV, que dispõe: “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”50. “É, por assim dizer, o
gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies”51.
Portanova define o devido processo legal como uma “garantia constitucionalmente
prevista que assegura tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como o
desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas.”52. Assim,
aplicando tal definição aos recursos, pode-se entender que todos terão acesso a uma revisão de
decisão que lhes foi desfavorável (“acesso ao Poder Judiciário”), cujos trâmites específicos
para cada recurso estarão previamente estabelecidos na legislação (“desenvolvimento
processual de acordo com normas previamente estabelecidas”).
No entanto, o referido autor explica que o princípio do devido processo legal não pode
ser confundido com o princípio da legalidade, pois seu significado não é estático, não se
prende exclusivamente à lei, nem pode ser visto
[...] como um valor absoluto e abstrato, para justificar as devastações concretas que a injustiça de um decreto de nulidade, de uma falsa preclusão, da frieza de uma presunção processual desumana causam à parte inerte. Não é isto fazer justiça. Não é para isto que existe o processo53.
No mesmo sentido, afirma Theodoro Júnior:
A garantia do devido processo legal, [...] não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF, art. 5°, inc. XXXVII) e do juiz competente (CF, art. 5°, inc. LIII), a garantia de acesso à justiça (CF, art. 5°, inc. XXXV), de ampla defesa e contraditório (CF, art. 5°, inc. LV) e, ainda, a de fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX)54.
49 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 60. 50 BRASIL. Constituição (1988). Lex: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, art. 5°, inc. LIV, p. 10. 51 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 60. 52 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, p. 145. 53 LACERDA apud PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, p. 146. 54 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 28.
27
Diante disso, é possível visualizar a estreita relação do princípio do devido processo
legal com os demais princípios do direito processual civil e, especialmente, com os
diretamente ligados ao sistema recursal, um completando o outro. Na óptica de Portanova,
“[...] o princípio do devido processo justifica-se como verdadeiro princípio informativo de
todos os princípios ligados ao processo e ao procedimento”55, e é com este entendimento que
se abordarão os demais princípios fundamentais dos recursos.
2.3.2 Princípio da Razoável Duração do Processo
Antes de discorrer exatamente sobre os princípios específicos do sistema recursal,
salienta-se a relevância do princípio da razoável duração do processo para a melhor
compreensão deste estudo.
Trata-se de inovação no direito processual brasileiro, introduzida pela Emenda
Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, que acrescentou o inciso LXXVIII ao art.
5° da CRFB/88, e assim determina: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.”56.
Esta ênfase à “razoável duração do processo” tem origem na já conhecida morosidade
dos trâmites judiciários, o que, por muitas vezes, acaba ferindo a efetividade da prestação da
tutela jurisdicional57. Nas palavras de Bedaque apud Lenza, “em algumas situações, [...] a
demora, causada pela duração do processo e sistemática dos procedimentos, pode gerar total
inutilidade ou ineficácia do provimento requerido”58.
Theodoro Júnior, ao discorrer sobre o princípio do devido processo legal, aponta-o
intimamente ligado à idéia de um “processo justo”, e esclarece, citando Trocker, que justo
[...] é o processo que se desenvolve respeitando os parâmetros fixados pelas normas constitucionais e pelos valores consagrados pela coletividade. E tal é o processo que se desenvolve perante um juiz imparcial, em contraditório
55 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, p. 147. 56 BRASIL. Constituição (1988). Lex: obra coletiva (vade mecum). 3. Art. 5°, inc. LXXVIII, p. 10. 57 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 35. 58 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 495.
28
entre todos os interessados, em tempo razoável, como a propósito estabelece o art. 111 da Constituição (italiana)59.
Este entendimento confirma o que fora anteriormente descrito: um princípio completa
o outro. Neste caso, o princípio da razoável duração do processo completa o princípio do
devido processo legal, no sentido de que, se um processo se arrasta pelo tempo, por mais que
siga o que a lei previamente estabeleceu, não se revela um “processo justo”, já que não é
realmente efetivo. Sob este aspecto, opina Theodoro Júnior:
É evidente que sem efetividade, no concernente ao resultado processual cotejado com o direito material ofendido, não se pode pensar em processo justo. E não sendo rápida a resposta do juízo para a pacificação do litígio, a tutela não se revela efetiva. Ainda que afinal se reconheça e proteja o direito violado, o longo tempo em que o titular, no aguardo do provimento judicial, permaneceu privado de seu bem jurídico, sem razão plausível, somente pode ser visto como uma grande injustiça. Daí porque, sem necessidade de maiores explicações, se compreende que o Estado não pode deixar de combater a morosidade judicial e que, realmente, é um dever primário e fundamental assegurar a todos quantos dependam da tutela da Justiça uma duração razoável para o processo e um empenho efetivo para garantir a celeridade da respectiva tramitação60.
A garantia da celeridade da tramitação do processo, da mesma forma enfatizada no
inc. LXXVIII, do art. 5°, da CRFB/88, também traduz um princípio, chamado de princípio da
celeridade ou da brevidade. Segundo este, “o processo deve ter andamento o mais célere
possível”61. Por sua vez, ele complementa o princípio em questão, uma vez que se não
existirem meios que garantam uma rápida tramitação, não haverá como se obedecer a uma
razoável duração do processo.
Frente a estas considerações, pode-se entender que o princípio da razoável duração do
processo, bem como o princípio da celeridade, e, conseqüentemente, o devido processo legal,
são aplicáveis aos recursos, já que estes últimos são tidos como uma continuidade do
processo, ou seja, a continuidade da busca pela efetiva prestação da tutela jurisdicional.
59 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 29. 60 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 35-36. 61 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, p. 171.
29
No entanto, a efetiva prestação da tutela jurisdicional, em âmbito recursal, ainda
necessita do amparo de outros princípios, já anunciados anteriormente como os fundamentais
para este sistema, que serão a seguir expostos.
2.3.3 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição
Existe uma estreita relação entre o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição e o sistema
recursal, podendo, até mesmo, serem confundidos entre si. Isto porque o duplo grau de
jurisdição é conditio sine qua non62 para que o recurso exista.
Tal semelhança pode ser observada no seguinte estudo de Marinoni, sobre o princípio
em tela:
[...] à noção de duplo grau de jurisdição impõe que qualquer decisão judicial, da qual possa resultar algum prejuízo jurídico para alguém, admita revisão judicial por outro órgão pertencente também ao Poder Judiciário (não necessariamente por órgão de maior hierarquia em relação àquele que proferiu, inicialmente, à decisão)63.
Pode-se dizer que parte do conceito de recurso encontra-se na definição do princípio
do duplo grau de jurisdição, pois se o recurso é a busca da proteção ao direito de qualquer das
partes que se sentir lesada pela decisão proferida, objetivando uma nova análise e a
conseqüente anulação ou modificação dessa decisão, é o princípio do duplo grau de jurisdição
que assim o permite.
Do mesmo modo que ao se discutir o conceito de recurso, há quem defenda ser uma
revisão por órgão hierarquicamente superior, também ao definir o princípio do duplo grau de
jurisdição, alguns autores enfatizam esta característica, por ser a regra, e, até mesmo, por
razões ligadas à origem deste princípio.
62 Significa “condição indispensável”. Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. v. 1. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 906. 63 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 518-519.
30
Segundo Santos, o princípio do duplo grau de jurisdição “[...] consiste em admitir-se,
como regra, o conhecimento e decisão das causas por dois órgãos jurisdicionais
sucessivamente, o segundo de grau hierárquico superior ao primeiro”64.
Da mesma forma, Moreira entende que do referido princípio, “[...] decorre a
necessidade de permitir-se nova apreciação da causa, por órgão situado em nível superior na
hierarquia judiciária, mediante a interposição de recurso ou expediente análogo”65.
No mesmo sentido, salientando que a regra é a análise por órgão hierarquicamente
superior, Cintra assim afirma quanto ao princípio do duplo grau de jurisdição:
Esse princípio indica a possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior. Garante, assim, um novo julgamento, por parte dos órgãos da “jurisdição superior”, ou de segundo grau (também denominada de segunda instância)66.
Em outras palavras, mas com a mesma idéia, Schlichting aponta que o princípio do
duplo grau de jurisdição
se fundamenta na possibilidade de que a decisão judicial prolatada em um juízo inferior – a quo – seja considerada injusta ou errada pela parte atingida pela mesma, garantindo a possibilidade de sua revisão e/ou reforma em um juízo hierarquicamente superior – ad quem – visando o restabelecimento do direito lesado na decisão, pela sua revisão e/ou reforma.67
Montenegro Filho, ao discorrer sobre o princípio em exame, ressalta a exceção quanto
à análise por órgão de mesma hierarquia, entendendo tal princípio como “[...] a possibilidade
de a decisão ser novamente analisada pela mesma autoridade que a proferiu (como exceção,
na hipótese específica que envolve o recurso de embargos de declaração) ou pela instância
superior (como regra)”68.
64 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 3. 21. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 85. 65 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 236-237. 66 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, p. 74. 67 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva, atual, p. 120. 68 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 19.
31
A razão pela qual muitos autores (como os acima citados) salientam que a nova análise
deverá ser feita por órgão hierarquicamente superior ao que proferiu a decisão desfavorável,
reside na idéia de “controle da atividade do juiz”69, como “garantia fundamental de boa
justiça”70.
Santos assim justifica tal entendimento:
O princípio do duplo grau de jurisdição estabelece a regra pela qual o reexame da causa se faça por órgão jurisdicional de categoria superior ao que proferiu a sentença recorrida. A possibilidade do reexame recomenda ao juiz inferior maior cuidado na elaboração da sentença e o estímulo ao aprimoramento de suas aptidões funcionais, como título para sua ascensão nos quadros da magistratura. O órgão de grau superior, pela sua maior experiência, acha-se mais habilitado para reexaminar a causa e apreciar a sentença anterior, a qual, por sua vez, funciona como elemento e freio à nova decisão que se vier a proferir.71
Da mesma forma, cujo argumento é favorável à revisão por órgão hierarquicamente
superior, Greco Filho assevera que:
A existência de um sistema recursal adequado atende aos princípios da pluralidade dos graus de jurisdição e aos ideais de justiça. Como diz Chiovenda, basta que o juiz saiba que sua sentença pode ser reexaminada e modificada por um tribunal superior para que seja mais cuidadosa e mais justa. Os vários graus de jurisdição existem não apenas porque os superiores têm mais conhecimento ou sabedoria, pois, se assim fosse, as ações deveriam ser julgadas todas diretamente por eles, mas porque, em cada grau, o órgão jurisdicional vê o caso concreto de maneira própria: o primeiro, mais próximo ao fato, pode apreciar todos os seus pormenores, inclusive os fatores de difícil transcrição para o papel, por exemplo, a sinceridade de uma testemunha; o segundo grau, exatamente porque está mais adiante dos fatos, pode ter uma visão adequada do contexto dos acontecimentos e de outros casos análogos, bem como aperfeiçoar, em termos gerais, a interpretação do direito.72
Nery Júnior também salienta a importância da aplicação do princípio do duplo grau de
jurisdição como meio de prevenir ou combater uma possível arbitrariedade do juiz, e afirma:
O princípio do duplo grau de jurisdição tem íntima relação com a preocupação dos ordenamentos jurídicos em evitar a possibilidade de haver
69 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 505. 70 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 39. 71 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 86. 72 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 267.
32
abuso de poder por parte do juiz, o que poderia em tese ocorrer se não estivesse a decisão sujeita à revisão por outro órgão do Poder Judiciário.73
No entanto, em sentido contrário à idéia de controle da atividade do juiz, que
justificaria o duplo grau de jurisdição, cuja revisão seria por órgão hierarquicamente superior,
é a manifestação de Marinoni:
Não há que se falar em controle da atividade do juiz quando se está discutindo sobre a oportunidade de dar ao vencido o direito à revisão da decisão que lhe foi contrária. [...] Trata-se, como é evidente, de grande equívoco, pois não se pode dizer que o juiz mais antigo, que não teve qualquer contato com as partes e com a prova, é necessariamente aquele que está em melhores condições de decidir74.
A discussão acerca do princípio do duplo grau de jurisdição também envolve sua
relação com a CRFB/88, procurando esclarecer se esta o garante, seja implícita ou
explicitamente.
A atual Carta de 1988, no dizer de Nery Júnior, limitou-se “[...] a apenas mencionar a
existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal”, o que significa apontar,
implicitamente, a “[...] previsão para a existência de recurso. Mas, frise-se, não garantia
absoluta ao duplo grau de jurisdição”75.
Um dos dispositivos a que se refere tal posicionamento de Nery Júnior é o artigo 5°,
inciso LV, da CRFB/88, que dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”76.
Assim, o referido autor entende que o fato de estar prevista na CRFB/88 a existência
de um sistema recursal, não significa que tal disposição garanta a absoluta aplicação do
princípio do duplo grau de jurisdição em qualquer situação, o que justificaria uma permissão
dada ao legislador para limitar o direito de recurso.
73 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 37. 74 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 506. 75 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 211. 76 BRASIL. Constituição (1988). Lex: obra coletiva (vade mecum). Art. 5°, inc. LV, p. 10.
33
Marinoni, da mesma forma, entendendo que o princípio do duplo grau de jurisdição
não precisa, necessariamente, ser aplicado a todo tipo de processo, e que tal situação não
caracteriza uma inconstitucionalidade, aduz:
Quando a Constituição Federal afirma que estão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, ela não está dizendo que e qualquer demanda em que é assegurada a ampla defesa deva sujeitar-se a uma revisão ou a um duplo juízo. Os recursos nem sempre são inerentes à
ampla defesa. Nos casos em que não é razoável a previsão de um duplo juízo
sobre o mérito, como nas hipóteses das causas denominadas de “menor
complexidade” – que sofrem os efeitos benéficos da oralidade –, ou em
outras, assim não definidas, mas que também possam justificar,
racionalmente, uma única decisão, não há inconstitucionalidade na
dispensa do duplo juízo77.
No entanto, Sá é categórica ao entender o princípio do duplo grau de jurisdição como
garantia constitucional, fundamentando sua compreensão na relação deste princípio com o
devido processo legal. Para a autora, por ser o devido processo legal “[...] uma garantia
constitucional fundamental, [...] contra qualquer forma de arbítrio”78, cujo objetivo é garantir
“um processo regular, adequado e justo, que permita atingir o desiderato da efetivação dos
direitos através da prestação jurisdicional”79, não há como dissociá-lo do duplo grau de
jurisdição, uma vez que este permite uma nova análise da decisão desfavorável, procurando
garantir a segurança e a boa justiça.
Para fins deste estudo, adotar-se-á o entendimento da autora supracitada, ao afirmar
que “a razão de ser do princípio do duplo grau de jurisdição encontra-se na persecução da
segurança como elemento ínsito da Justiça, que se concretiza por meio do pronunciamento do
órgão jurisdicional”80.
Pode-se afirmar, então, que o princípio do duplo grau de jurisdição tem por essência
“[...] assegurar que o Estado bem se desincumba do dever de solucionar os conflitos de
interesses, considerando a possibilidade de o magistrado ou do tribunal se equivocar na
apreciação de uma causa, mal sopesando a verdade formal que dela emana, ou de praticar ato
77 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 512. 78 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: conteúdo e alcance constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 99. 79 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: conteúdo e alcance constitucional, p. 100. 80 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: conteúdo e alcance constitucional, p. 86.
34
marcado pela presença de vício formal”81, possibilitando o reexame da decisão desfavorável,
seja pelo mesmo órgão que a proferiu, ou por outro hierarquicamente superior, como meio de
buscar a segurança e a boa justiça.
Visto o princípio do duplo grau de jurisdição, tido como o princípio base do sistema
recursal, passa-se ao estudo de outro princípio inerente aos recursos: o princípio da
taxatividade.
2.3.4 Princípio da Taxatividade
Verificou-se que os recursos viabilizam uma reanálise de decisão desfavorável, com o
objetivo de modificá-la ou invalidá-la. Sabe-se, também, que essa possibilidade de revisão é
decorrência do princípio do duplo grau de jurisdição, como meio de garantir a segurança e a
boa justiça. No entanto, aquele que se sentir lesado com alguma decisão não pode,
simplesmente, interpor recurso que não esteja previamente estabelecido em lei. Eis o que
determina o princípio da taxatividade.
Segundo Nery Júnior, o princípio da taxatividade revela que somente são considerados
recursos aqueles como tais designados, “[...] em numerus clausus[82], pela lei federal”83.
Montenegro Filho, em outras palavras, mas com o mesmo entendimento, afirma: “O
princípio indica que somente se qualificam como recursos as espécies elencadas de forma
expressa na lei, numa previsão fechada, ou seja, em numerus clausus, não podendo a parte
manejar irresignação que se encontra contemplada na norma positivada”84.
Para Schlichting, o princípio da taxatividade denota que
[...] são reconhecidos como recursos apenas aqueles taxativamente enumerados pela legislação. Legislação que, ao enumerá-los, indica serem
81 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 19. 82 A expressão numerus clausus corresponde a “número limitado, que não admite acréscimos”. Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. v. 3. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005, p.448. 83 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 48. 84 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 29.
35
cabíveis apenas aqueles por ela assim identificados, cada qual cumprindo sua função de dupla jurisdição nas decisões às quais se aplicam85.
Alguns doutrinadores como Marinoni86, Nery Júnior87, Wambier88, Montenegro
Filho89 e Portanova90, procuram salientar que não são somente os recursos listados no Código
de Processo Civil (CPC) que atendem ao princípio da taxatividade, mas todos os que a
legislação federal assim estabelecer.
Neste sentido, Marinoni afirma: “Tratando-se de matéria processual, somente a lei
federal é que pode criar recursos, ficando vedada a outra instância legislativa (ou mesmo
administrativa) conceber figuras recursais”91.
Sobre a competência para legislar a respeito dos recursos, Nery Júnior explica:
O art. 22, I, da CF estabelece a competência exclusiva da União Federal para legislar sobre direito processual. Quando o texto constitucional menciona União Federal, quer referir-se, por óbvio, ao Poder Legislativo da União Federal, formado pelas duas casas: a Câmara dos Deputados (câmara baixa) e o Senado Federal (câmara alta). Os estados federados não têm, via de conseqüência, competência concorrente ou residual para legislar sobre processo. Em virtude dessa proibição, não podem os estados criar novos recursos, ou restringir os já existentes, afrontando o texto da lei emanada do poder legislativo federal. Como o legislador federal tem atribuição para regulamentar o direito processual, integra essa competência a possibilidade de, por intermédio de leis extravagantes situadas fora do corpo do CPC, criar novos recursos, complementando o sistema recursal deste, e, até, se for o caso, alterando os já existentes e previstos naquele código92.
Em síntese, segundo o princípio da taxatividade, só pode ser considerado recurso
aquele que lei federal assim determinar, ou seja, os recursos possíveis, para socorrer quem que
se sentir lesado com decisão desfavorável, deverão ser taxativamente estabelecidos por lei
federal. A este princípio liga-se o princípio da singularidade, a seguir abordado.
85 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva, atual, p. 120. 86 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 520. 87 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 54-56. 88 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 539-540. 89 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 29. 90 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, p. 269-270. 91 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 520. 92 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 54-55.
36
2.3.5 Princípio da Singularidade
Sabendo-se que os recursos existentes para atender aquele que obteve uma decisão
desfavorável devem ser estabelecidos em lei, conforme indica o princípio da taxatividade, no
entanto, não pode o prejudicado “utilizar-se discricionariamente”93 de qualquer destes
recursos. Tal vedação é decorrência do princípio da singularidade, também chamado de
princípio da unicidade ou da unirrecorribilidade94.
Nery Júnior explica que, segundo o princípio da singularidade, “[...] para cada ato
judicial recorrível há um único recurso previsto pelo ordenamento, sendo vedada a
interposição simultânea ou cumulativa de mais outro visando a impugnação do mesmo ato
judicial”95.
Sinteticamente, Wambier define o princípio da singularidade como aquele que “[...]
consiste na regra de que contra uma decisão só deve caber um recurso ou, pelo menos, um por
vez”96. Todavia, o autor ressalta a existência de uma exceção a este princípio nos casos em
que, contra uma mesma decisão, podem ser interpostos recurso especial e Recurso
Extraordinário97.
A referida exceção também é lembrada por Montenegro Filho, discorrendo sobre o
princípio da singularidade, assim expondo:
Pelo princípio em análise, em decorrência do sistema desenhado pelo CPC, contra a decisão judicial é cabível a interposição de um só recurso, realidade que não se apresenta de forma absoluta na Lei de Procedimentos, devendo ser destacada a hipótese que envolve a interposição concomitante do recurso especial e do recurso extraordinário98.
93 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 48. 94 Sinonímia apresentada por autores como: NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 93; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 540; PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, p. 271. 95 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 93. 96 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 540. 97 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 540. 98 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 29.
37
Marinoni, por sua vez, define o princípio da singularidade como aquele indicativo de
“[...] que para cada espécie de ato judicial a ser recorrido, deve ser cabível um único
recurso”99. No entanto, categoricamente, o autor enfatiza que as situações acima descritas, não
se tratam necessariamente de exceções, devendo-se observar que “[...] cada um dos recursos
cabíveis contra tais decisões tem função específica, que não se confunde com a finalidade
prevista para a outra espécie recursal”100. E conclui: “Assim, contra determinado ato judicial,
e para certa finalidade específica – não abrangida pela finalidade de outro meio recursal –
deve ser cabível um único recurso”101.
Em suma: de acordo com o princípio da singularidade, só existe um recurso
específico, e somente um, para atacar determinada decisão, levando-se em conta a finalidade
que se quer atingir. Deste modo, mesmo que dois recursos possam ser interpostos diante de
uma mesma decisão, cada um terá finalidade específica a alcançar, pois são destinados a
situações diferentes.
2.3.6 Princípio da Fungibilidade
Frente à especificidade de cada recurso, a opção por um dentre os estabelecidos em lei
exige atenção, de modo a não cometer equívocos. No entanto, o princípio da fungibilidade
proporciona certa flexibilidade ao sistema recursal, uma vez que aceita a interposição de um
recurso por outro, observadas determinadas condições.
Montenegro Filho assim justifica tal flexibilização:
O desprezo ao formalismo exacerbado, sem que isto importe numa despreocupação com a segurança jurídica, tem sido realidade na dinâmica forense, tratando a jurisprudência de recepcionar atos que se revestem de forma imprópria, visualizando o processo como um meio, não como um fim, nele se encerrando normas que objetivam o alcance da finalidade maior, qual seja, a entrega da prestação jurisdicional no menor espaço de tempo possível102.
99 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 521. 100 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 521. 101 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 521. 102 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 25.
38
Doutrinadores como Nery Júnior103, Marinoni104, Wambier105 e Montenegro Filho106
apontam os seguintes requisitos para que haja a aplicação do princípio da fungibilidade: a
existência de dúvida objetiva a respeito do recurso cabível; a inexistência de erro grosseiro; e
o atendimento do prazo adequado para o recurso correto. No que se refere a este último
requisito, não concordam os três primeiros doutrinadores acima citados, apenas aceitando-o
como condição Montenegro Filho.
Quanto à presença de dúvida objetiva a respeito do recurso cabível, Marinoni explica:
[...] é preciso que haja dúvida fundada e objetiva, capaz de autorizar a interpretação inadequada do sistema processual e o seu uso equivocado. A
dúvida deve ser objetiva, e não subjetiva. Deseja-se dizer, com isto, que a dúvida não pode ter origem na insegurança pessoal do profissional que deve
interpor o recurso ou mesmo sua falta de preparo intelectual, mas sim no
próprio sistema recursal107.
Tal dúvida pode ser, nas palavras de Nery Júnior, de três ordens:
a) o próprio código designa uma decisão interlocutória como sentença ou vice-versa, fazendo-o obscura ou impropriamente; b) a doutrina e/ou jurisprudência divergem quanto à classificação de determinados atos judiciais e, conseqüentemente, quanto à adequação do respectivo recurso para atacá-los; c) o juiz profere um pronunciamento em lugar de outro108.
Marinoni cita as mesmas hipóteses, afirmando que elas levam o recorrente a cometer
enganos quanto ao recurso adequado, o que denotaria “[...] a ausência de má-fé, na
interposição do recurso equivocado”109, e justificaria a aplicação do princípio da
fungibilidade.
103 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 118-144. 104 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 522-524. 105 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 540-541. 106 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 25-28. 107 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 522. 108 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 119. 109 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 523.
39
No que tange à inexistência de erro grosseiro, Marinoni observa que “não se pode
aplicar o princípio em exame quando o recurso interposto evidentemente não tiver
cabimento”110, e exemplifica:
[...] embora em certas circunstâncias seja possível admitir a dúvida objetiva entre algumas espécies recursais (como o agravo e a apelação), não se pode admitir a incidência da fungibilidade, se o interessado se vale de recurso completamente incabível na espécie, como seria o caso de algum recurso constitucional111.
Segundo Nery Júnior, “[...] configura erro grosseiro a interposição do recurso errado,
quando o correto se encontra indicado expressamente no texto da lei”112.
Tanto Marinoni113 como Wambier114 entendem que o erro, desde que não grosseiro, é
decorrência da dúvida objetiva gerada em torno do recurso cabível, justificando, da mesma
forma, a aplicabilidade do princípio da fungibilidade.
No mesmo sentido, Montenegro Filho considera que:
O erro não é grosseiro, e, portanto, escusável (que se pode desculpar, segundo ensinamento enciclopédico), quando a doutrina e a jurisprudência divergem a respeito do recurso cabível para a impugnação de determinado pronunciamento, exatamente por não se conseguir qualificar de forma pacífica, a natureza jurídica da decisão, se interlocutória ou terminativa115.
Por último, quanto ao requisito do prazo ser adequado para o recurso correto, existe
certa divergência doutrinária, como já citado. A referida condição exige do interessado que
interponha o recurso equivocado no prazo do recurso correto116.
110 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 523. 111 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 523. 112 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 135. 113 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 523. 114 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 541. 115 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 27. 116 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 26.
40
Na compreensão de Nery Júnior, não há sentido em exigir do recorrente que em razão
de dúvida objetiva quanto ao recurso cabível, cometa um equívoco interpondo outro recurso,
mas que, no entanto, deva atender o prazo do recurso correto. E assim justifica:
A regra da fungibilidade é ditada no interesse da parte, que não será prejudicada pela interposição errônea de um recurso por outro, quando houver fundada dúvida sobre o cabimento do meio de impugnação. Se o recorrente, convicto de que o recurso correto seria o de apelação, o interpõe no 15° dia, por que retirar-lhe o direito de assim proceder, subtraindo-se-lhe um terço do prazo, a pretexto de que o recurso correto seria o de agravo? Em havendo os pressupostos para a aferição da dúvida objetiva, ou, da inexistência do erro grosseiro, o prazo se nos afigura absolutamente irrelevante. O recorrente deve, isto sim, observar o prazo do recurso
efetivamente interposto, havido por ele como o correto para a espécie117.
No mesmo sentido, Marinoni discorda da exigência do prazo adequado para o recurso
correto e considera:
[...] se é razoável que, em face do caso concreto, o interessado utilize o
recurso errado imaginando ser o correto, exigir a adequação do prazo
(para o recurso correto) não tem sentido algum. [...] se a dúvida objetiva é
requisito para a aplicação da fungibilidade, não há como se pensar que o
recorrente pode interpor o recurso errado, porém no prazo do correto118.
Wambier, da mesma forma, entende ser inadmissível tal exigência, em razão do
seguinte:
a) não se proporcionaria à parte a garantia constitucional do due process of
law[119], abreviando-se o prazo do recurso; b) não se estaria aplicando
realmente o princípio da fungibilidade recursal, pois, se havia dúvida, e se a parte optou por um dos recursos, a opção deveria ter sido feita integralmente120.
Por sua vez, Montenegro Filho discorda dos posicionamentos expostos e entende ser
necessário observar o prazo do recurso adequado, justificando se tratar de questão de “[...]
segurança jurídica, evitando que a má-fé processual do recorrente e/ou do seu procurador
117 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 142. 118 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 523-524. 119 A cláusula procedural due process of law refere-se ao Princípio do Devido Processo Legal e significa “[...] a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível”. Cf. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 70. 120 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 541.
41
possa garantir a tramitação do recurso equivocado, uma vez esgotado o prazo para a
interposição da espécie correta”121.
Diante de tais considerações, para fins deste estudo, salienta-se a importância do
princípio da fungibilidade no âmbito do sistema recursal, no sentido de se aceitar um recurso
por outro quando preenchidas as condições acima discutidas, devendo-se analisar com cautela
aquelas que traduzem maior polêmica.
2.3.7 Princípio da Dialeticidade
Mesmo entendendo o recurso como a continuidade do processo, e não como uma ação
autônoma, a petição de interposição do recurso deve se revestir de um caráter mais elaborado,
assemelhando-se à petição inicial de uma ação civil122.
O princípio da dialeticidade, segundo Nery Júnior, denota que “[...] o recurso deverá
ser dialético, isto é, discursivo. O recorrente deverá declinar o porquê do pedido de reexame
da decisão. Só assim a parte contrária poderá contra-arrazoá-lo, formando-se o imprescindível
contraditório em sede recursal”123.
No mesmo sentido, é o entendimento de Jorge:
Pelo princípio da dialeticidade se deve entender que todo o recurso deve ser discursivo, argumentativo, dialético. A mera insurgência contra a decisão não é suficiente. Não basta apenas manifestar a vontade de recorrer. Deverá também o recorrente demonstrar o porquê de estar recorrendo, alinhando as razões de fato e de direito pelas quais entende que a decisão está errada, bem como o pedido de nova decisão124.
Portanova assim explica o princípio em foco: “A petição do recurso deve conter os
fundamentos de fato e de direito que embasam o inconformismo do recorrente”125,
121 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 26. 122 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 149. 123 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 149. 124 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 166. 125 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, p. 275.
42
proporcionando a formação do contraditório e limitando a aplicação da jurisdição em grau de
recurso126.
O referido autor entende ser obrigatória a apresentação das razões do recurso, uma vez
que são requisitos essenciais de admissibilidade do recurso127. Quanto a tais pressupostos,
apontar-se-ão as devidas considerações no tópico referente ao juízo de admissibilidade.
Em síntese, pode-se entender como princípio da dialeticidade aquele que exige do
interessado a discursividade na apresentação da petição de interposição do recurso, expondo
todas as razões que o levaram a recorrer, de modo a proporcionar a formação do contraditório
e a dar limites ao juízo ad quem para julgar o recurso.
Encerra-se, assim, o estudo do que foi proposto para este primeiro capítulo,
compreendendo a análise do conceito e natureza jurídica dos recursos, e, por fim, a
observação dos princípios relacionados à matéria recursal, importantes para a compreensão do
Recurso Extraordinário e, especificamente, da Repercussão Geral, objeto deste trabalho
monográfico.
126 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 150. 127 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 150-151.
3 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE E EFEITOS DOS RECURSOS
Como visto, o recurso é a continuidade do processo e não uma nova ação. No entanto,
para que seja interposto e apreciado, além de respeitar os princípios fundamentais, como o da
dialeticidade, deve cumprir alguns requisitos de admissibilidade, da mesma forma que uma
ação, ao ser ajuizada, deve conter as condições necessárias para tal fim. A comparação entre o
preenchimento dos pressupostos recursais e a apresentação das condições da ação é suscitada
por Nery Júnior128, Jorge129 e Montenegro Filho130, ao discorrerem sobre o tema.
À análise destes pressupostos recursais dá-se o nome de juízo de admissibilidade, e
este possibilitará ao juízo ad quem, em caso positivo, que aprecie o mérito do recurso
interposto131.
Nas palavras de Jorge, “a essência do juízo de admissibilidade reside [...] na
verificação da existência ou inexistência dos requisitos necessários para que o órgão
competente possa legitimamente exercer sua atividade cognitiva, no tocante ao mérito do
recurso”132.
Souza ressalta, ainda, que a observação quanto ao preenchimento das condições
necessárias à interposição do recurso deve ser feita sem que seja necessário o requerimento de
qualquer interessado, assim expondo:
À averiguação do cumprimento dos pressupostos necessários à apreciação do mérito recursal dá-se o nome de juízo de admissibilidade, o qual é obrigatório e anterior ao juízo de mérito, e deve ser proferido de ofício,
128 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 221-222. 129 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 53. 130 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 34. 131 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 222. 132 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 54.
44
independentemente de provocação da parte recorrida ou do Ministério Público133.
No mesmo sentido, Jorge assevera: “[...] insta lembrar que essas questões preliminares
são também consideradas de ordem pública, podendo ser conhecidas de ofício pelo órgão
julgador, independentemente de alegação da parte”134.
Observa-se, entretanto, que o juízo de admissibilidade ocorre em dois momentos,
chamado, por isso, de juízo de admissibilidade duplo, pois como o recurso, em regra, é
interposto perante o juízo prolator da decisão recorrida, para depois ser remetido ao órgão
hierarquicamente superior, tanto o juízo a quo como o ad quem procederão à verificação da
admissibilidade do recurso.
Neste sentido, afirma Silva:
[...] o juízo de admissibilidade tem lugar nos dois graus de jurisdição, naquele do qual se recorre (juízo a quo) e no juízo recursal (ad quem). Sempre que isto aconteça, a admissibilidade do recurso pelo órgão jurisdicional inferior não passa de um simples juízo de encaminhamento, portanto provisório, que não vincula o Tribunal Superior135.
Salienta-se a ressalva feita acima quanto à admissibilidade analisada pelo juízo a quo,
que, segundo o referido autor, é mero “encaminhamento”, ou seja, o juízo ad quem não está
adstrito ao juízo de admissibilidade do juízo a quo. Neste caso, pode muito bem verificar a
inexistência de algum requisito, concluindo pela admissibilidade negativa, não conhecendo o
recurso interposto.
Assim também corrobora Souza:
Positivo o juízo de admissibilidade no órgão de interposição, o recurso é recebido, admitido. A admissão do recurso na origem ocasiona a remessa dos autos ao órgão julgador, o qual proferirá outro juízo de admissibilidade. Ausente algum dos pressupostos de admissibilidade, o recurso não é conhecido, com o encerramento da prestação jurisdicional pelo órgão julgador, sem julgamento do mérito do inconformismo136.
133 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.28. 134 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 56. 135 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 311. 136 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 30.
45
Da mesma forma, pontua Jorge:
[...] o juízo de admissibilidade exercido pelo juízo a quo é provisório. Isso quer dizer que o órgão ad quem não fica vinculado ao resultado do julgamento dos requisitos de admissibilidade proferido pelo órgão a quo. Fica livre para apreciar os requisitos, inclusive, para, se for o caso, declarar insatisfeito algum requisito já tido como preenchido pelo órgão a quo
137.
Nery Júnior, ao discorrer sobre o assunto, justifica a independência entre os juízos de
admissibilidade em razão de ser o juízo ad quem o competente para tal fim, que, no entanto,
em obediência à economia processual, tem a colaboração do juízo a quo. E explica:
A competência para o juízo de admissibilidade dos recursos é do órgão ad
quem. Ao tribunal destinatário cabe, portanto, o exame definitivo sobre a admissibilidade do recurso. Ocorre que, para facilitar os trâmites procedimentais, em atendimento ao princípio da economia processual, o juízo de admissibilidade é normalmente diferido ao juízo a quo para, num primeiro momento, decidir provisoriamente sobre a admissibilidade do recurso. De qualquer sorte, essa decisão do juízo a quo poderá ser modificada pelo tribunal, a quem compete, definitivamente, proferir o juízo de admissibilidade recursal, não se lhe podendo retirar essa competência138.
Justificando a análise feita pelo juízo a quo, embora esta não determine a
admissibilidade verificada pelo juízo ad quem, Jorge complementa:
Evita-se, através dessa sistemática, mediante um controle prévio, o funcionamento desnecessário do Tribunal respectivo. Se o pedido de novo julgamento reveste-se de características tais, que tornam, manifestamente, inviável o exame da decisão impugnada, tudo aconselha a que se corte na raiz a pretendida extensão do processo139.
Da análise dos requisitos de admissibilidade do recurso, duas alternativas se seguem:
ou a admissibilidade é negativa, impossibilitando a apreciação do mérito, ou ela é positiva, e o
órgão ad quem poderá analisar as razões que fundamentam o recurso140.
Porém, antes de estudar o juízo de mérito, torna-se importante apontar as expressões
utilizadas quando um recurso é admitido ou não, bem como quando o mérito é tido como
procedente ou não. Neste sentido, Souza ensina: “[...] no primeiro juízo de admissibilidade o
137 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 57. 138 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 225. 139 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 57. 140 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 56.
46
recurso é admitido, ou seja, recebido, ou não. Já no juízo de admissibilidade do órgão
julgador o inconformismo é conhecido, ou não. Por fim, quanto ao juízo de mérito, o recurso
é provido, ou não”141 (sem grifo no original).
No que tange ao juízo de mérito, Jorge afirma que “o mérito do recurso normalmente
está ligado ao defeito apresentado pela decisão que faz com que o recorrente utilize-se desse
meio de impugnação”142. Tal defeito pode ser classificado em duas espécies: o error in
procedendo e o error in judicando. O primeiro corresponde ao vício de atividade e o segundo
ao vício de juízo143. Sobre o assunto, com Liebman, assevera Jorge:
[...] haverá erro de juízo quando o juiz avaliar mal o fato (equívoca valoração do fato), quando aplicar erroneamente o direito (equívoco na incidência da norma sobre o fato) ou, ainda, quando interpretar erroneamente a norma abstrata. Por outro lado, existirá error in procedendo (ou vício de atividade), quando, [...], não existir observância (ou mesmo descumprimento) às normas que regulamentam a forma e a modalidade do ofício prestado pelo juiz144.
Moreira, pontua os dois vícios acima expostos, relacionando-os, quando necessário, ao
conteúdo e ao julgamento da ação que tramitou no primeiro grau de jurisdição. Assim
discorre:
Quando nela [decisão recorrida] se denuncia o vício de juízo (error in
judicando, resultante de má apreciação da questão de direito, ou da questão de fato, ou de ambas), pedindo-se em conseqüência a reforma da decisão, acoimada de injusta, o objeto do juízo de mérito, no recurso, identifica-se (ao menos qualitativamente) com o objeto da atividade cognitiva no grau inferior de jurisdição, com a matéria neste julgada. Quando se denuncia vício de atividade (error in procedendo), e por isso se pleiteia a invalidação da decisão, averbada de ilegal, o objeto do juízo de mérito, no recurso, é o julgamento mesmo proferido no grau inferior. Ao examinar o mérito do recurso, verifica o órgão ad quem se a impugnação é ou não fundada (procedente) e, portanto, se lhe deve ou não dar provimento, para reformar ou anular, conforme o caso, a decisão recorrida145.
Por fim, Nery Júnior pontua quanto à distinção entre o error in procedendo e o error
in judicando. Primeiro pontua o erro de procedimento:
141 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 30. 142 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 64. 143 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 264-265. 144 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 65. 145 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 264-265.
47
O vício de atividade ocorre quando o juiz desrespeita norma de procedimento provocando gravame à parte. Esta norma de procedimento é aquela determinada pelo ordenamento jurídico como um todo. Não é preciso viole o juiz texto expresso de lei para caracterizar-se o erro no procedimento; basta que descumpra a regra jurídica aplicável ao caso concreto. O vício é de natureza formal, invalidando o ato judicial, não dizendo respeito ao conteúdo desse mesmo ato146.
Em seguida, comenta sobre os vícios do juiz:
Consistem em “um erro na declaração dos efeitos jurídicos substanciais e processuais: erro pelo qual o juiz desconhece efeitos jurídicos que a lei determina para a espécie em julgamento ou, ao contrário, reconhece existentes efeitos jurídicos diversos daqueles”. O vício é de natureza substancial, de conteúdo, provocando a injustiça do ato judicial. Não se trata de vício de forma, mas sim de fundo147.
Deste modo, entendida a necessidade de se analisar o preenchimento dos requisitos de
admissibilidade, para que posteriormente o recurso tenha o mérito analisado, e sendo esta
verificação uma dupla etapa, primeiro no juízo a quo e depois no juízo ad quem, cabe
observar quais são estes pressupostos necessários à referida admissibilidade.
3.1 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS
O recurso, ao ser interposto, passa pelo juízo de admissibilidade e pelo juízo de
mérito, conforme exposto acima. O primeiro desenvolve-se em duas etapas: uma no juízo a
quo, onde ele pode ser recebido ou não, e outra no juízo ad quem, onde o recurso pode ser
conhecido ou não, conforme expressões utilizadas por Souza148. Enfatizam-se, neste
momento, os aspectos relacionados ao juízo de admissibilidade, cuja referida análise
observará o preenchimento de determinados requisitos, também chamados de pressupostos ou
condições de admissibilidade dos recursos149.
146 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 217-218. 147 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 219-220. 148 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 30. 149 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 40.
48
Souza define os requisitos de admissibilidade dos recursos como “[...] as exigências
legais que devem estar satisfeitas para que o órgão julgador possa ingressar no juízo de mérito
do recurso”150.
No dizer de Montenegro Filho, os requisitos de admissibilidade são as “[...] exigências
formais, que devem ser observadas pelo recorrente como forma de garantir a apreciação do
mérito da irresignação [...]”151.
Em síntese, da mesma forma que uma ação deve preencher determinadas condições
permitindo, assim, o “pronunciamento de mérito”152, também o recurso, para que suas razões
sejam analisadas, deve cumprir alguns pressupostos. Tais requisitos dividem-se em
intrínsecos e extrínsecos, conforme classificação adotada por Souza153, Jorge154, Silva155,
Marinoni156 e Nery Júnior157. Ressalta-se que existem algumas divergências entre os referidos
doutrinadores, especialmente os dois últimos em relação aos demais, quanto ao
enquadramento de algum requisito como intrínseco ou extrínseco, que serão pontuadas em
momento oportuno.
Observa-se que alguns doutrinadores preferem a divisão dos pressupostos em
objetivos e subjetivos, todavia, para fins deste estudo, apresentar-se-á a classificação acima
exposta. Na seqüência, pontuar-se-ão os requisitos intrínsecos de admissibilidade dos
recursos.
150 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 40. 151 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 35. 152 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 34. 153 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 40-41. 154 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 78-79. 155 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 310. 156 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 525. 157 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 240-241.
49
3.1.1 Pressupostos Intrínsecos
Os pressupostos intrínsecos, no dizer de Souza158, Jorge159 e Marinoni160, são aqueles
relacionados à existência do direito de recorrer.
Nery Júnior assim os define:
Os pressupostos intrínsecos são aqueles que dizem respeito à decisão recorrida em si mesma considerada. Para serem aferidos, leva-se em consideração o conteúdo e a forma da decisão impugnada. De tal modo que, para proferir-se o juízo de admissibilidade, toma-se o ato judicial impugnado no momento e da maneira como foi prolatado161.
Assim, os requisitos intrínsecos estão intimamente ligados à decisão da qual se
recorre, dividindo-se em quatro: cabimento do recurso, legitimação para recorrer, interesse
para recorrer e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito162, adiante analisados.
A título de esclarecimento, salienta-se que Nery Júnior considera a inexistência de fato
extintivo ou impeditivo do direito como um requisito extrínseco, por não ter relação direta
com a decisão recorrida163. No entanto, para fins deste estudo, adotar-se-á a classificação
apresentada por parte da doutrina pesquisada, mantendo o citado requisito no campo dos
pressupostos intrínsecos.
3.1.1.1 Cabimento do recurso
Em atendimento aos princípios da taxatividade e da singularidade164 é que existe o
requisito do cabimento do recurso. Se de acordo com os referidos princípios, é necessário que
o recurso deva estar expresso em lei, e que só cabe um recurso contra decisão judicial,
totalmente imprescindível é que exista um requisito que permita averiguar a aplicação destes
princípios.
158 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 41. 159 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 79. 160 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 525. 161 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 240. 162 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 310. 163 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 335. 164 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 41.
50
Na definição de Souza,
O requisito de admissibilidade do cabimento do recurso consiste na exigência de que o recorrente utilize, entre as espécies recursais existentes na Constituição Federal ou na legislação federal vigente, aquela adequada para impugnar a decisão jurisdicional causadora da insatisfação165.
Por sua vez, Marinoni afirma que:
[...] um recurso somente é cabível quando a lei processual indicar-lhe – diante de determinada finalidade específica e certo ato judicial – como o adequado para extravasar a insurgência. Poderia este pressuposto ser tomado, por analogia, como a adequação da via, elemento da condição da ação denominado “interesse de agir”166.
Ainda Greco Filho discorre sobre o assunto: “O cabimento do recurso significa a
existência no sistema processual brasileiro do tipo de recurso que se pretende utilizar e sua
adequação, ou seja, sua aplicabilidade à reforma da decisão impugnada, e também que a
decisão seja recorrível”167.
Jorge aponta duas circunstâncias, também citadas por Greco Filho e Nery Junior168,
ligadas ao cabimento:
A primeira circunstância é denominada pela doutrina de recorribilidade. Por ela é imprescindível que a decisão que se pretende impugnar seja passível de ser atacada por algum recurso. A segunda é a denominada adequação ou propriedade. Esta significa que o recurso interposto para aquela decisão, que em tese é recorrível, seja o recurso certo, adequado e próprio. Isto é, que o recurso seja o indicado pela lei para impugnar determinada decisão169.
No entanto, embora seja imprescindível a existência da recorribilidade e da adequação
para que o recurso seja cabível, e conseqüentemente admitido, Silva aponta um
“abrandamento na prática judiciária brasileira”170, com a aplicação do princípio da
fungibilidade.
165 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 41. 166 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 525. 167 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 275. 168 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 242. 169 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 80. 170 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 312.
51
Em suma, pode-se utilizar, para concluir este tópico, a afirmação de Santos sobre o
requisito do cabimento do recurso. Segundo o referido autor, “o recurso deve ser o adequado
para impugnar o ato decisório, isto é, cabível à espécie deste. Como regra, não se admitirá
recurso inadequado, incabível”171. Em outras palavras, o requisito intrínseco do cabimento do
recurso será preenchido quando este último for o correspondente ao que a lei indica, contra
decisão necessariamente recorrível, observando-se, como exceção, a possível aplicação do
princípio da fungibilidade.
Analisado o primeiro requisito intrínseco de admissibilidade do recurso, passa-se ao
estudo da necessidade de legitimação para recorrer.
3.1.1.2 Legitimação para recorrer
A legitimação para recorrer está intimamente ligada à decisão recorrida, pois só pode
recorrer aquele que tem o poder para tal, ou seja, via de regra, aqueles que participaram da
ação como partes e foram, de certo modo, atingidos pela decisão impugnada.
Neste sentido, Schlichting afirma: “O recurso não terá seguimento se interposto por
quem não tenha legitimidade para interpô-lo. De maneira geral, só podem recorrer os sujeitos
que participaram do processo e que tiveram seu direito lesado com a prolatação da
decisão”172.
Sobre o assunto, Jorge assevera:
A legitimidade para recorrer nada mais é do que um requisito para que se possa, legitimamente, exercer o poder de recorrer. Esse requisito tem o condão, pois, de qualificar determinadas pessoas para a utilização dos recursos. Inexistente esse requisito, o recurso não deverá ser admitido (conhecido)173.
A legitimação para recorrer é definida por lei, conforme o caput do artigo 499 do CPC,
que dispõe: “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo
Ministério Público”174.
171 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 90. 172 SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria geral do processo: concreta, objetiva, atual, p. 125. 173 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 81. 174 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 499, p. 437.
52
Diante de tal determinação, cabe dividir a análise deste requisito em três pontos: a
legitimidades das partes, a legitimidade do terceiro prejudicado e a legitimidade do Ministério
Público.
Quanto à legitimidade das partes, Greco Filho expõe:
A legitimidade das partes é natural e ordinária. Tendo atuado no processo, às partes, de regra, cabe recorrer. É preciso entender, porém, que parte, para fins de recurso, não é apenas o autor e o réu, mas todos os que tenham participado, ainda que limitadamente, de uma parcela do contraditório175.
Complementando este entendimento, Nery Júnior afirma:
É parte aquele que interveio no feito como autor ou réu, nele permanecendo até a sentença, na qual se encontra incluído. O litisconsorte é evidentemente parte, pois integra a relação processual em um dos pólos. São partes com legitimidade para recorrer os intervenientes que ingressaram no processo como opoentes, denunciados da lide ou chamados ao processo. Quando a nomeação à autoria é aceita pelo autor e pelo nomeado, este se torna réu, de sorte que tem legitimidade para recorrer como parte. O assistente qualificado (art. 54, CPC) é considerado litisconsorte do assistido, parte principal, de modo que tem legitimidade para recorrer de forma autônoma e independente, pois a lide discutida em juízo é dele também. O assistente simples, que ingressa em lide alheia porque tem interesse na vitória de uma das partes, tem atividade subordinada à atividade do assistido, de sorte que somente poderá interpor recurso se o assistido assim o permitir ou não vedar176.
Montenegro Filho, de modo resumido, também define quem são as partes da relação
processual:
As partes da relação processual encontram-se bem identificadas na demanda, não apenas as principais (autor e réu), mas também os que assumiram essa condição por terem ingressado no feito em determinado momento processual, na condição de intervenientes, seja por meio da assistência, da oposição, da nomeação à autoria, da denunciação da lide ou do chamamento ao processo177.
Em síntese, além do autor e do réu, que são as partes principais do processo, “[...]
todos os litisconsortes têm legitimidade recursal individual na qualidade de parte”178. Em
175 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 278. 176 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 260-261. 177 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 80. 178 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 45.
53
outras palavras, a legitimidade das partes envolve autor, réu e todos aqueles que participaram
do processo e que, de alguma forma, foram prejudicados pela decisão recorrida.
No que se refere à legitimidade do terceiro, esta corresponde à possibilidade de
intervenção de “[...] quem até então não tinha sido parte no feito”179, desde que este terceiro
demonstre “[...] o liame existente entre a decisão e o prejuízo que esta lhe causou”180,
conforme determina o §1° do artigo 499 do CPC181.
Nas palavras de Jorge, “[...] terceiro prejudicado é aquele que não é parte no processo,
mas que, por possuir uma relação jurídica ligada àquela discutida em juízo, tem interesse
jurídico na solução do litígio, eis que a decisão proferida atingirá reflexamente aquela de que
faz parte”182.
Por sua vez, Silva assim define o terceiro prejudicado de que trata o artigo 499, §1°,
do CPC:
[...] é, exclusivamente, o terceiro estranho ao processo que nele ingresse pela primeira vez para intervir na condição de assistente simples ou como litisconsorte, e não o tenha feito em algum estágio anterior do procedimento, ficando, no entanto, apesar de estranho à relação processual, sujeito a sofrer algum efeito reflexo do julgado183.
Deste modo, pode-se entender como legítimo a recorrer, também, aquele terceiro que
possui alguma ligação com a relação jurídica em discussão, e que, embora não tenha
participado do processo até o momento, possa sofrer algum prejuízo em decorrência da
decisão impugnada.
Por último, cabe analisar a legitimidade do Ministério Público para recorrer. Neste
sentido, aduz o §2° do artigo 499 do CPC: “O Ministério Público tem legitimidade para
179 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 278. 180 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 262. 181 Art. 499 [...] §1°. Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial. Cf. BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 499, §1°, p. 437. 182 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 87. 183 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 313.
54
recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da
lei”184.
Diante deste dispositivo, denota-se a ampla legitimidade recursal do Ministério
Público, pois “é irrelevante se a atuação ministerial no processo foi como parte ou como fiscal
da lei”185, ou seja, de um modo ou de outro o Ministério Público poderá recorrer.
O Ministério Público também tem legitimidade para recorrer inclusive se a própria
parte assim não o fizer, conforme dispõe a Súmula 99 do Superior Tribunal de Justiça: “O
Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da
lei, ainda que não haja recurso da parte”186.
Greco Filho amplia um pouco mais a possibilidade de recorrer do órgão ministerial
quando afirma: “Tem também legitimidade para recorrer o Ministério Público, nos processos
que intervém como parte ou como fiscal da lei e também nos processos em que deveria
intervir e não participou, com o fim de pleitear a nulidade da sentença. [...]187”
Além de preencherem o requisito da legitimidade, aqueles a quem a lei legitima para
recorrer, também devem demonstrar seu interesse para tal, tópico a ser analisado a seguir.
3.1.1.3 Interesse para recorrer
Mesmo utilizando-se de um recurso cabível e tendo legitimidade para recorrer, não
terá seu recurso conhecido aquele que não tiver interesse recursal. Este interesse está
diretamente relacionado ao prejuízo que a parte sofrerá com a decisão prolatada188.
Montenegro Filho, ao discorrer sobre o interesse para recorrer, aponta o que seria este
prejuízo necessário ao preenchimento deste pressuposto:
No plano recursal, tem interesse para interpor a espécie a parte, o Ministério Público e o terceiro que suportou prejuízo em decorrência da decisão prolatada, encontrando-se em qualquer pólo da relação processual. O
184 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 499, §2°, p. 437. 185 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 48. 186 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 99. In ______. Súmulas: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1717. 187 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 281. 188 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 100.
55
prejuízo decorre da perda parcial ou total daquilo que foi pleiteado na peça inicial ou na contestação, ou por o terceiro ter sido afetado em processo judicial no qual não figurou como parte principal189.
Destarte, para que se tenha interesse recursal, necessário se faz que o recorrente tenha
sofrido algum tipo de gravame com a decisão prolatada. Este prejuízo integra o campo da
utilidade, que deve estar presente para que o requisito em tela seja preenchido.
Nas palavras de Souza, “o recurso é útil se, em tese, puder trazer alguma vantagem sob
o ponto de vista prático ao legitimado”190. No mesmo sentido, Jorge afirma que a utilidade
corresponde “[...] à circunstância do recorrente poder esperar da interposição do recurso, uma
situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a advinda da decisão recorrida”191.
Para que o interesse recursal seja evidenciado, além da utilidade do recurso, também é
preciso demonstrar a necessidade em recorrer, compondo o binômio necessidade-utilidade,
integrante do requisito interesse para recorrer.
De acordo com Nery Júnior, “deve o recorrente ter necessidade de interpor o recurso,
como único meio para obter, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada.
Se ele puder obter a vantagem sem a interposição do recurso, não estará presente o requisito
do interesse recursal”192.
Resumidamente, na definição de Souza, o recurso “é necessário se for a única via
processual hábil à obtenção, no mesmo processo, do benefício prático almejado pelo
legitimado”193.
Desta feita, entende-se preenchido o requisito do interesse para recorrer sempre que o
recurso se mostrar útil e necessário ao recorrente, ou seja, sendo a única maneira de obter a
vantagem pretendida e que fora prejudicada pela decisão impugnada.
189 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 77. 190 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 50. 191 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 100-101. 192 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 265. 193 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 50.
56
3.1.1.4 Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito
Até agora, ao se analisar os requisitos intrínsecos de admissibilidade dos recursos,
percebe-se que tanto o cabimento quanto a legitimidade e, ainda, o interesse para recorrer
devem estar presentes para que o recurso seja conhecido, sendo, portanto, requisitos positivos
de admissibilidade. No entanto, também é pressuposto intrínseco a inexistência de fato
impeditivo ou extintivo do direito, caracterizando-se, por sua vez, em um requisito negativo
de admissibilidade194.
Quanto aos fatos extintivos e impeditivos do direito, Nery Júnior assim os define:
Os fatos extintivos do poder de recorrer são a renúncia ao recurso e a aquiescência à decisão; os impeditivos do mesmo poder são a desistência do recurso ou da ação, o reconhecimento jurídico do pedido, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação. Do ponto de vista prático, a presença de qualquer deles no processo faz com que o recurso seja inadmissível, não conhecível. Daí porque são chamados de pressupostos negativos de admissibilidade dos recursos195.
Souza ainda acrescenta ao rol dos fatos impeditivos do direito “a ausência do depósito
de multa processual de pagamento imediato”196.
Na seqüência far-se-á uma breve análise de alguns dos fatos extintivos e impeditivos
do direito mais comentados pela doutrina pesquisada.
A renúncia, no dizer de Jorge, “é negócio jurídico-processual, de disponibilidade do
exercício de interpor o recurso contra determinada decisão. Pode ser total ou parcial e,
também, pode ser expressa ou tácita”197. Por outras palavras, a parte demonstra, de modo
expresso ou tácito, sua vontade de não recorrer.
A renúncia expressa, segundo Souza, “[...] está consubstanciada na explícita
declaração de vontade de não exercer o direito de recorrer”198. Tal declaração pode ser por
escrito ou oralmente199.
194 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 54. 195 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 335. 196 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 54. 197 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 114. 198 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 54.
57
Já a renúncia tácita ocorre de modo implícito, quando a parte vencida deixa transcorrer
o prazo recursal, não interpondo o recurso200.
Quanto à aceitação, Santos assim a descreve:
Pode a parte ainda que vencida conformar-se com a decisão, a sentença ou o acórdão, manifestando-se nesse sentido, expressamente ou por meio da prática de ato incompatível com o direito de recorrer. Configura-se, nesses casos, a chamada aceitação do julgado ou aquiescência a ele201.
Na aceitação deste modo, a parte demonstra que está conformada com a decisão
desfavorável, total ou parcialmente, podendo ser de maneira expressa (explícita declaração)
ou tácita (atos incompatíveis com a vontade de recorrer)202.
No que tange aos fatos impeditivos, a desistência, no dizer de Jorge, “[...] é o ato
unilateral pelo qual a parte, após a interposição do recurso, manifesta ao juiz sua vontade de
que o recurso não seja mais julgado”203. Também pode ser parcial ou total, e, ainda, expressa
ou tácita.
Neste sentido, Souza explica: “Há desistência expressa quando o recorrente declara
explicitamente a ausência de vontade em ver o objeto do recurso julgado. Há desistência tácita
quando o recorrente deixa de praticar ato essencial à subsistência do inconformismo”204.
Montenegro Filho destaca:
A desistência do recurso pode ocorrer a qualquer tempo dentro do processo, desde a sua interposição, não se admitindo, contudo, seja manifestada após o julgamento da espécie, em face da impossibilidade de desconstituir um ato judicial plenamente válido e eficaz205.
Diante das considerações acima expostas, reitera-se o entendimento de que para que o
recurso seja conhecido, além de ser cabível, de ter o recorrente legitimidade e interesse
199 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 54-55. 200 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 55. 201 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 93. 202 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 55. 203 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 119. 204 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 57. 205 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 88.
58
recursal, também deve ausentar-se qualquer fato que implique a extinção ou o impedimento
do direito de recorrer, preenchendo, desta forma, os pressupostos intrínsecos de
admissibilidade dos recursos.
3.1.2 Pressupostos Extrínsecos
Para que o juízo de admissibilidade do recurso seja positivo, além de cumprir os
requisitos intrínsecos anteriormente analisados, faz-se necessário o preenchimento dos
pressupostos extrínsecos que, no entendimento de Jorge206, Souza207 e Marinoni208, dizem
respeito ao exercício do direito de recorrer, não tendo relação direta com a decisão
impugnada.
Na definição de Nery Júnior:
Os pressupostos extrínsecos respeitam aos fatores externos à decisão judicial que se pretende impugnar, sendo normalmente posteriores a ela. Neste sentido, para serem aferidos não são relevantes os dados que compõem o conteúdo da decisão recorrida, mas sim fatos a esta supervenientes209.
Desta feita, por serem requisitos relacionados ao exercício do direito de recorrer, são
pressupostos extrínsecos: a tempestividade, a regularidade formal e o preparo210, a seguir
apresentados.
3.1.2.1 Tempestividade
A tempestividade é pressuposto diretamente ligado ao prazo para recorrer, que é
estabelecido com o objetivo de promover a segurança jurídica211.
Nas palavras de Souza, “o requisito de admissibilidade da tempestividade repousa na
exigência de que o recurso seja interposto dentro do prazo peremptório estabelecido em lei,
206 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 78-79. 207 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 40-41. 208 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 525. 209 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 241. 210 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 310. 211 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 121.
59
sob pena de operar-se a preclusão temporal e, caso o mérito da causa tenha sido solucionado,
formar-se a coisa julgada material”212.
Quanto ao prazo recursal, Greco Filho afirma ser “[...] próprio, fatal, improrrogável,
ou seja, prazo que, se descumprido, determina a perda do direito de recorrer, com a preclusão
ou o trânsito em julgado da decisão, conforme o caso”213.
O início da contagem do prazo para interpor o recurso é determinado pelo artigo 506
do CPC214. No entanto, tal prazo pode ser suspenso ou interrompido dependendo de algumas
circunstâncias.
No dizer de Souza, “a suspensão ocasiona a paralisação do curso do prazo, sendo, no
entanto, o lapso decorrido computado na contagem final do prazo. Os dias anteriores ao
advento da suspensão são levados em consideração após o retorno da contagem do prazo”215.
E ocorre nas seguintes situações:
a) em razão da superveniência de férias forenses nos tribunais superiores; b) em decorrência de obstáculo ao exercício do direito de recorrer; c) em virtude da perda da capacidade processual; d) em razão do oferecimento de exceção de incompetência relativa, de suspeição ou de impedimento216.
Quanto à interrupção, segundo Marinoni, “[...] tem-se causa que, uma vez finda,
devolve ao interessado o prazo integral para a prática do ato processual”217. E ocorre nos
seguintes casos: “a) pelo falecimento da parte vencida; b) pelo falecimento de seu advogado;
c) pela ocorrência de força maior, que suspenda o curso do processo”218.
Assim, encerrando este tópico sobre a tempestividade, entende-se por tempestivo
aquele recurso interposto dentro do prazo estabelecido por lei, podendo este ser suspenso ou
212 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 59. 213 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 276. 214 Art. 506. O prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos os casos o disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-á da data: I - da leitura da sentença em audiência; II - da intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência; III - da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial. Parágrafo único - No prazo para a interposição do recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária, ressalvado o disposto no § 2º do art. 525 desta Lei. Cf. BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 506, p. 438. 215 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 80. 216 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 80. 217 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 528. 218 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 89.
60
interrompido diante de determinadas situações. Passa-se à análise do segundo pressuposto
extrínseco de admissibilidade do recurso: a regularidade formal.
3.1.2.2 Regularidade Formal
O segundo requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos diz respeito à
obediência a certas formalidades estabelecidas por lei.
Conforme Greco Filho, “para que o recurso seja conhecido, é necessário, também, que
seja interposto formalmente em ordem e assim se desenvolva. Entre os requisitos
procedimentais estão a exigência de ser o recurso interposto por petição, contendo motivação
e pedido de nova decisão [...]”219.
No mesmo sentido, Silva afirma que “o recurso, salvo raras exceções, deve ser
interposto mediante petição escrita, dirigida à autoridade judiciária prolatora da decisão
recorrida, devidamente fundamentada com as razões de fato e de direito em que o recorrente
se baseia para pedir a modificação do julgado”220.
Embora a lei exija a observância de alguns requisitos, ora de maneira mais explícita,
ora de modo mais sucinto, conforme explica Nery Júnior, “a constante, porém, é que há
exigência de que o recurso seja motivado, isto é, de que o recorrente leve ao órgão ad quem as
razões de seu inconformismo”221.
Sobre a motivação do recurso, Souza assevera que “em respeito a tal exigência, a
petição deve ser acompanhada das razões recursais, que devem indicar os vícios que
contaminam a decisão impugnada, com a demonstração dos motivos que justificam a
cassação, a reforma ou a integração do julgado recorrido”222.
Por sua vez, Theodoro Júnior justifica a exigência de motivação:
É que sem explicitar os motivos da impugnação, o Tribunal não tem sobre o que decidir e a parte contrária não terá de que se defender. Por isso é que
219 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 277. 220 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 315. 221 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 314. 222 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 94.
61
todo o pedido, seja inicial seja recursal, é sempre apreciado, discutido e solucionado a partir da causa de pedir (isto é, de sua motivação)223.
Além de ser interposto por meio de petição escrita, via de regra, e de apresentar a
devida motivação, o recurso deverá, sob pena de inadmissibilidade, conter o pedido de nova
decisão224. Sobre esta exigência, Jorge afirma:
É que o mérito do recurso, isto é, o seu objeto, corresponde à anulação ou à reforma da decisão recorrida. Inexistindo pedido de reforma ou anulação da decisão, não há que se falar na existência de mérito recursal, razão pela qual o mesmo não pode ser admitido, pela falta de regularidade formal225.
Destarte, o requisito da regularidade formal exige que o recurso obedeça a certas
formalidades, que podem ser específicas para cada espécie recursal, mas que, de modo geral,
concentram-se na exigência de interposição por petição escrita, motivada e que contenha o
pedido de nova decisão.
Preenchidos os requisitos extrínsecos da tempestividade e da regularidade formal,
analisar-se-á o preparo, último requisito necessário à admissibilidade do recurso.
3.1.2.3 Preparo
Para que o recurso seja conhecido, este também deve obedecer ao requisito do
preparo, que consiste no “[...] pagamento prévio das despesas com o seu procedimento”226.
De acordo com Theodoro Júnior,
Consiste o preparo no pagamento, na época certa, das despesas processuais correspondentes ao processamento do recurso interposto, que compreenderão, além das custas (quando exigíveis), os gastos do porte de remessa e de retorno se se fizer necessário o deslocamento dos autos [...]227.
223 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 623. 224 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 143. 225 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 143-144. 226 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 91. 227 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 622.
62
Marinoni ressalta que “[...] a lei exige a prova do preparo do recurso no ato de sua
interposição”228, nos termos do caput do artigo 511 do CPC229. Não sendo comprovado o
preparo, aplica-se a pena de deserção, que implicará a inadmissão do recurso230.
Em regra geral, o recurso não será conhecido se não for comprovado seu preparo. No
entanto, alguns recursos estão isentos deste, como os embargos de declaração e o agravo
retido231. Todavia, para fins deste estudo, cabe entender o preparo como requisito extrínseco
de admissibilidade dos recursos, correspondente à comprovação do pagamento das despesas
relativas ao procedimento recursal.
Mancuso232 observa que para a interposição dos recursos excepcionais, caso do
Recurso Extraordinário e do Recurso Especial, há também imposição de recolhimento do
porte de remessa e de retorno233, que compõem o requisito do preparo, em atendimento ao que
dispõe o art. 511 do CPC.
Por fim, encerrando o estudo dos requisitos de admissibilidade dos recursos, ressalta-
se que as especificidades de cada um, quanto ao Recurso Extraordinário, objeto deste
trabalho, serão apreciadas no próximo capítulo. Porém, antes de ingressar na análise do
Recurso Extraordinário, observar-se-ão, ainda, os efeitos dos recursos bem como sua
classificação.
228 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 528. 229 Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. Cf. BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 511, p. 438. 230 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 366. 231 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 149. 232 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com as leis 11.417 e 11.418/2006 e a emenda regimental STF 21/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 64. 233 Os portes de remessa e de retorno correspondem aos valores necessários a promover o envio e o posterior retorno do recurso (ou mesmo dos autos) ao tribunal. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 528.
63
3.2 EFEITOS DOS RECURSOS
Pese a que o recurso é um prolongamento do direito de ação, esta continuidade do
processo produz determinados efeitos. Conforme Jorge, “são efeitos jurídicos diversos
advindos da existência desse novo ato processual”234.
O primeiro efeito observado pelos doutrinadores, embora não tenha tanto destaque
quanto os outros, é o chamado efeito obstativo235 que, segundo Wambier, “[...] consiste em
obstar a ocorrência da preclusão e a formação da coisa julgada, pelo menos com relação à
parte da decisão de que se está recorrendo”236.
Sobre o efeito obstativo, Moreira assim discorre: “Todos os recursos admissíveis
produzem, no direito pátrio, um efeito constante e comum, que é o de obstar, uma vez
interpostos, ao trânsito em julgado da decisão impugnada”237.
Marinoni ainda esclarece que tal efeito se apresenta não só no caso de interposição do
recurso, mas também durante o prazo para recorrer, ou seja, tendo a parte manifestado ou não
sua vontade de recorrer, durante o prazo de interposição não se opera a preclusão ou a coisa
julgada sobre a decisão recorrida238.
Analisado este primeiro efeito, concernente a “todos os recursos previstos no direito
brasileiro”239, parte-se para o estudo dos demais, a saber: o efeito devolutivo, o suspensivo, o
expansivo, o translativo e o substitutivo.
3.2.1 Efeito Devolutivo
O efeito devolutivo, no dizer de Marinoni, é um dos “[...] mais característicos do
sistema recursal”240.
234 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 221. 235 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 15. 236 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 542. 237 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 254. 238 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 530. 239 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 530. 240 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 530.
64
Parte da doutrina, como Greco Filho241, Amaral Santos242, Silva243, Moreira244, Nery
Júnior245, Souza246, Marinoni247 e Montenegro Filho248 apontam o efeito devolutivo como a
transferência ao órgão hierarquicamente superior da matéria examinada pelo juízo inferior.
Wambier249, no entanto, ressalva que o efeito devolutivo também existe quando a
matéria é devolvida ao órgão que prolatou a decisão, como é o caso dos embargos de
declaração250.
No mesmo sentido, Jorge afirma que “o efeito devolutivo deve ser compreendido
como a obtenção de outro pronunciamento do Poder Judiciário por intermédio do órgão
competente. Esse órgão, normalmente, não é o mesmo que prolatou a decisão recorrida, mas
nada impede que também o seja”251.
Todavia, para fins deste estudo, compreendidos os esclarecimentos acima, adotar-se-á
a idéia de que o efeito devolutivo corresponde à apreciação pelo órgão ad quem da matéria
analisada primeiramente pelo juízo a quo. Tal definição tem por base os conceitos seguintes.
Na visão de Silva,
Chama-se efeito devolutivo a transferência, a um órgão de jurisdição superior, do conhecimento da matéria decidida pelo magistrado de grau inferior, [...] o que importa necessariamente em confiar a um órgão ou
241 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 283. 242 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 100. 243 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 306. 244 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 256. 245 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 369. 246 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 16-17. 247 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 530. 248 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 89. 249 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 542. 250 “Dá-se o nome de embargos de declaração ao recurso destinado a pedir ao juiz ou tribunal prolator da decisão que afaste obscuridade, supra omissão ou elimine contradição existente no julgado”. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 669. 251 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 232.
65
Tribunal, diferente daquele que proferiu a decisão impugnada, a competência para o reexame da causa252.
De acordo com Souza, o efeito devolutivo “[...] consiste na transferência da matéria
impugnada do órgão judiciário a quo para o colegiado ad quem”253.
Conforme Santos, “consiste o efeito devolutivo na transferência, para o juízo ad quem,
do ato decisório recorrido a fim de que, reexaminando-o, profira, nos limites do recurso
interposto, novo julgamento”254.
Sucintamente, Greco Filho entende ser o efeito devolutivo aquele que submete a
matéria ao tribunal ad quem255.
Da mesma forma, é o que dispõe Marinoni sobre o efeito devolutivo, sendo aquele
“[...] que atribui ao juízo recursal o exame da matéria analisada pelo órgão jurisdicional
recorrido (juízo a quo)”256.
Por último, ressalta-se, de acordo com Marinoni257, que ao tribunal só caberá
reanalisar a matéria impugnada, nada mais, observada a máxima tantum devolutum quantum
appellatum258, exceção feita somente à matéria de ordem pública, por força do efeito
translativo – adiante examinado.
Deste modo, entendido o efeito devolutivo como aquele que transfere ao juízo ad
quem a questão apreciada pelo juízo a quo, para que seja reanalisada nos termos do recurso
interposto, passa-se ao estudo do efeito suspensivo.
252 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 306. 253 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 16-17. 254 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 100. 255 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 283. 256 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 530. 257 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 531. 258 Segundo o referido brocardo jurídico, “devolve-se o conhecimento da causa tanto quanto for apelado”. Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. v. 4. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005, p.600.
66
3.2.2 Efeito Suspensivo
Embora haja certa discussão doutrinária259 quanto à questão de ser o efeito suspensivo
um efeito do recurso ou da decisão recorrida, manter-se-á o entendimento de que é relativo ao
recurso, ou, no dizer de Nery Júnior:
O efeito suspensivo é uma qualidade do recurso que adia a produção dos efeitos da decisão impugnada assim que interposto o recurso, qualidade essa que perdura até que transite em julgado a decisão sobre o recurso. Pelo efeito suspensivo, a execução do comando emergente da decisão impugnada não pode ser efetivada até que seja julgado o recurso260.
No mesmo sentido, afirma Theodoro Júnior que, pelo efeito suspensivo, “[...] impede-
se ao decisório impugnado produzir seus naturais efeitos enquanto não solucionado o recurso
interposto”261.
Marinoni, no entanto, esclarece que embora se fale em efeito suspensivo, não há
propriamente a suspensão dos efeitos da decisão recorrida, já que estes ainda não foram
gerados, mas sim o impedimento de que a decisão produza efeitos até o julgamento do
recurso262.
Assim também é o posicionamento de Wambier263, ao afirmar que “[...] o efeito
suspensivo é aquele que tem o condão não de suspender (pois, na verdade, nada haverá em
curso), mas de obstar o início da execução[264]”.
259 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 253-254. 260 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 383. 261 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 623. 262 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 532-533. 263 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 542. 264 Sobre o conceito de execução forçada, aponta-se: “Com a tutela jurisdicional executiva, pretende-se a exigência concreta da satisfação da prestação, estabelecida em sentença judicial ou em outro documento idôneo, diante do inadimplemento culposo do devedor. O Estado é compelido a agir em favor do credor, afim de entregar a este o resultado mais próximo do exato cumprimento voluntário da prestação. A execução forçada pode ser obtida por meio de processo autônomo (processo de execução) ou no bojo da própria ação de conhecimento conforme o caso (cumprimento de sentença)”. Cf. ROQUE, Nathaly Campitelli. Processo civil – recursos e execução, p. 75-76.
67
Já, Moreira critica a idéia de que o efeito suspensivo é simplesmente aquele que
impede a execução pois, segundo o autor, “[...] a suspensão é de toda a eficácia da decisão,
não apenas de sua possível eficácia como título executivo”265.
Silva, por sua vez, consegue estabelecer um conceito para o efeito suspensivo,
englobando as observações acima expostas. Segundo o autor, “diz-se que determinado recurso
possui efeito suspensivo quando sua interposição impede que os efeitos da sentença
impugnada se produzam desde logo, prolongando, assim, o estado de ineficácia peculiar à
sentença sujeita a recurso”266.
Desta feita, analisado o significado do efeito suspensivo como aquele que obsta a
produção dos efeitos da sentença recorrida até que seja julgado o recurso interposto, cumpre
analisar ainda os efeitos menos comentados pela doutrina, porém, da mesma forma
importantes para este trabalho.
3.2.3 Efeito Expansivo
Considerando a idéia de que só cabe ao órgão ad quem reapreciar a matéria que lhe foi
devolvida, o efeito expansivo apresenta-se como uma exceção a este entendimento, pois
amplia o alcance da decisão do juízo recursal, podendo ultrapassar os limites do recurso
interposto.
Também chamado de efeito extensivo, como afirma Souza, o efeito expansivo “[...]
consiste na ampliação do julgamento além da decisão recorrida e do recorrente, para
beneficiar outras pessoas e atingir outros atos processuais”267.
Ou ainda, no apontar de Nery Júnior, “o julgamento do recurso pode ensejar decisão
mais abrangente do que o reexame da matéria impugnada, que é o mérito do recurso”268,
correspondendo então ao efeito expansivo do recurso.
265 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 255. 266 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil, p. 307. 267 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 18. 268 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 410.
68
Justificando tal ampliação no julgamento do órgão ad quem, embora entenda que não
se trata de mais um efeito dos recursos e sim de uma “[...] circunstância decorrente da
interposição destes”, Jorge explica:
[...] no que diz respeito à expansão, o alcance do recurso às decisões que não forem objeto de impugnação ou mesmo atribuição de um benefício a um litisconsorte que não recorreu, não advém do conteúdo dos recursos. [...] A existência de atos concatenados no processo é que faz com que os recursos projetem reflexos e atinjam a todos os subseqüentes que deles dependam ou que a eles estejam intimamente relacionados269.
É o que também entende Marinoni ao afirmar que por ser o ato processual
interdependente de outro, é que “[...] todos os atos judiciais que dependam do ato judicial
atacado no recurso (e que tenha sido modificado ou anulado em decorrência desse recurso)
podem ter sua eficácia também cassada ou ao menos alterada”270.
O efeito expansivo pode ser:
a) objetivo, fazendo-se sentir no plano processual (interno quando tal efeito modificar decisões proferidas no mesmo processo, e externo quando os efeitos se darão em outro processo, mas dependente do impugnado) e b) subjetivo, quando as conseqüências do provimento do recurso dizem respeito aos sujeitos e não aos atos processuais (o recurso interposto por um só dos litisconsortes aproveita aos demais)271 (sem grifo no original).
Destarte, considera-se como efeito expansivo aquele provocado pela ampliação do
alcance da decisão do recurso, ultrapassando os limites da matéria impugnada, em decorrência
da interdependência dos atos processuais.
3.2.4 Efeito Translativo
Existem matérias ditas de ordem pública272, que exigem o conhecimento de ofício do
julgador, como, por exemplo, a ausência de pressupostos de constituição e de
269 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 225-227. 270 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 534-535. 271 ROSINHA, Martha Novo de Oliveira. PORTO, Sérgio Gilberto. Efeitos dos recursos: análise técnica e doutrinária das peculiaridades no sistema processual civil brasileiro. In III MOSTRA DE PESQUISAS DA PÓS-GRADUAÇÃO PUCRS, 2008, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: PUCRS, 2008. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/online/IIImostra/Direito/62707%20%20MARTHA%20NOVO%20DE%20OLIVEIRA%20ROSINHA.pdf>. Acesso em 14 out. 2008. 272 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 415.
69
desenvolvimento válido e regular do processo273; a alegação de perempção274,
litispendência275 ou de coisa julgada276; o não preenchimento das condições da ação277; a
inexistência ou nulidade da citação278 e a incompetência absoluta279, entre outros280.
O efeito translativo corresponde à análise destas questões de ordem pública, sem que o
recorrente as tenha suscitado na matéria de impugnação.
No dizer de Souza, o efeito translativo “[...] está consubstanciado na apreciação oficial
pelo órgão julgador do recurso de questões cujo exame é obrigatório ex vi legis[281], sendo
irrelevante a ausência de impugnação específica pelo recorrente”282.
273 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 267, IV, p. 418. No dizer de Theodoro Júnior “os pressupostos processuais são aquelas exigências legais sem cujo atendimento o processo, como relação jurídica, não se estabelece ou não se desenvolve validamente”. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 68. 274 Perempção é a perda do direito de renovar a propositura da mesma ação quando o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo pelo fundamento do art. 267, III, do CPC (não promover os atos e diligências que lhe competir, abandonando a causa por mais de trinta dias). Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 344. 275 Ocorre litispendência quando uma mesma lide é objeto de mais de um processo simultaneamente, ou seja, quando verificada a identidade de partes, de objeto e de causa de pedir entre dois processos em andamento. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 344. 276 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 267, V, p. 418. Conforme Theodoro Júnior, a coisa julgada material, definida pelo CPC, é “[...] a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (art. 467)”, sendo vedado o seu reexame em outro processo. Também existe a coisa julgada formal, que “[...] decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida, [...] sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo”. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 574 e 577. 277 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 267, VI, p. 419. As condições da ação são requisitos de ordem processual (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade de parte) que existem para se verificar se a ação deverá ser admitida ou não. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 63 e 65. 278 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 301, I, p. 422. A nulidade da citação ocorre quando o “[...] ato de comunicação processual é feito sem observância dos preceitos legais”. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 319. 279 A incompetência absoluta ocorre “quando a causa é proposta perante juiz absolutamente incompetente”, podendo ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 214. A incompetência é “[...] a falta de poder da autoridade ou do juiz ou tribunal para tomar conhecimento de uma causa ou de questão submetida à sua decisão”. Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 725. 280 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 301, II, p. 422. 281 Significa “por determinação de lei”. Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 569. 282 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 17.
70
Neste sentido, Marinoni afirma que “o efeito translativo é ligado à matéria que
compete ao Judiciário conhecer em qualquer tempo ou grau de jurisdição, ainda que sem
expressa manifestação das partes [...]”283.
Pode-se afirmar, deste modo, que o efeito translativo é aquele que opera quando o
juízo recursal aprecia questões de ordem pública, por ser obrigação imposta por lei, sem, no
entanto, que as partes as impugnem na matéria levada a recurso.
A seguir, analisar-se-á o último efeito estudado.
3.2.5 Efeito Substitutivo
Sabe-se, até o momento, que o recurso pode surtir alguns efeitos como o obstativo, o
devolutivo, o suspensivo, o expansivo, o translativo e, ainda, o substitutivo. Este, por sua vez,
“[...] faz com que a decisão do juízo ad quem, qualquer que seja ela, substitua a decisão
recorrida”284.
Conforme assevera Souza, “o efeito substitutivo está previsto no artigo 512285 do
Código de Processo Civil: a decisão recorrida geralmente é substituída pela proferida no
julgamento do recurso – salvo quando não há o ingresso no mérito do inconformismo ou é
constatada a ocorrência de error in procedendo [...]”.
Para Theodoro Júnior, o efeito substitutivo “consiste [...] na força do julgamento de
qualquer recurso de substituir, para todos os efeitos, a decisão recorrida, nos limites da
impugnação”286.
Observa-se que a substituição da decisão recorrida pela decisão do juízo recursal só
ocorrerá se for analisado o mérito do recurso, ou seja, se esse, por falta de preenchimento de
algum requisito de admissibilidade, não for conhecido pelo tribunal ad quem, não haverá
efeito substitutivo em razão de não ter sido apreciado o mérito.
Neste sentido, aponta Nery Júnior:
283 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 533. 284 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 534. 285 Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso. Cf. BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 512, p. 438. 286 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 624.
71
Segundo o art. 512 do CPC, a decisão a respeito do mérito do recurso substitui integralmente a decisão recorrida. Assim, somente se poderá cogitar de efeito substitutivo do recurso quando este for conhecido e julgado pelo mérito, pois do contrário não terá havido pronunciamento da instância recursal sobre o acerto ou desacerto da decisão recorrida. Conhecido o recurso, pelo juízo de admissibilidade positivo, passando-se ao exame do mérito recursal, haverá efeito substitutivo do recurso quando: a) em qualquer hipótese (error in judicando ou error in procedendo) for negado provimento ao recurso; b) em caso de error in judicando, for dado provimento ao recurso287.
Desta feita, entende-se como efeito substitutivo aquele que provoca a substituição da
decisão recorrida pela decisão do órgão ad quem, desde que se tenha analisado o mérito do
recurso. Com tais considerações, encerra-se a análise sobre os efeitos dos recursos, passando-
se à classificação destes no ordenamento jurídico brasileiro.
3.3 CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS
Analisando a doutrina, percebem-se os mais variados tipos de classificação dos
recursos. Todavia, para fins deste trabalho, adotar-se-á a classificação apresentada por autores
como Moreira288, Wambier289, Jorge290 e Roque291, observada como a “mais comum”292.
A primeira classificação a ser analisada corresponde, no dizer de Roque, ao
“âmbito”293 dos recursos, dividindo-os em totais e parciais.
Sinteticamente, Moreira entende como recurso total aquele “[...] que abrange todo o
conteúdo impugnável da decisão recorrida (não necessariamente o seu conteúdo integral)”294,
e como recurso parcial, “[...] o recurso que, em virtude de limitação voluntária, não
compreenda a totalidade do conteúdo impugnável da decisão”295.
287 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 421. 288 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 249-254. 289 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 542-543. 290 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 32-37. 291 ROQUE, Nathaly Campitelli. Processo civil – recursos e execução, p. 29-30. 292 ROQUE, Nathaly Campitelli. Processo civil – recursos e execução, p. 29. 293 ROQUE, Nathaly Campitelli. Processo civil – recursos e execução, p. 30. 294 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 249. 295 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil: arts. 476 a 565, p. 250.
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Jorge, no entanto, critica tal classificação, uma vez que “[...] todos os recursos podem
ser totais ou parciais, bastando apenas a opção, em concreto, tomada pelo recorrente quanto à
sua vontade de se insurgir contra a decisão”296. Diante desta situação, não haveria como
definir quais recursos são totais e quais são parciais.
Outra classificação observada refere-se ao “objeto tutelado pelos recursos”297,
dividindo-os em recursos ordinários e extraordinários.
Os recursos ordinários, também chamados de recursos comuns298,
[...] visam imediatamente à tutela do direito subjetivo das partes. A correção da decisão, no que tange, especificamente à incidência correta da lei em questão, somente é alcançada mediatamente. Basta, para o cabimento desses recursos, que seja alegada a injustiça da decisão. De um modo geral, é também permitida uma ampla revisão da matéria fática e probatória, sem que haja exigência da necessidade de se demonstrar a aplicação específica de um determinado texto legal. São exemplos dessa categoria, os recursos de apelação, agravo, embargos de declaração, embargos infringentes e o ordinário299.
Já os recursos extraordinários, “[...] por tutelarem o direito objetivo, são considerados
recursos de estrito direito ou mesmo excepcionais. Não buscam a correção da injustiça da
decisão. Visam, tão-somente, averiguar se a lei foi corretamente aplicada ao caso vertente”300.
São assim considerados:
[...] o recurso extraordinário, destinado a corrigir afronta à Constituição Federal (art. 102, III, da CF/88); o recurso especial, que tem cabimento para os casos de ofensa à lei infraconstitucional (art. 105, III, da CF); e os embargos de divergência, destinados a obter do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o seu real entendimento (art. 546 do CPC)301.
296 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 32. 297 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 542. 298 ROQUE, Nathaly Campitelli. Processo civil – recursos e execução, p. 29. 299 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 33. 300 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 33. 301 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 33.
73
Em síntese, são recursos ordinários aqueles que visem proteger os direitos subjetivos
do recorrente e, em contrapartida, são extraordinários os recursos que tutelem os direitos
objetivos, em decorrência de afronta à legislação federal ou constitucional.
Por último, acrescenta-se a classificação dos recursos quanto à sua fundamentação,
podendo ser de fundamentação livre ou de fundamentação vinculada.
Nas palavras de Wambier, “os recursos de fundamentação livre são aqueles em que a
parte pode alegar, respeitadas as preclusões, uma série infinita de razões, para provocar a
alteração da decisão que lhe desfavoreceu [...]”302. Já os recursos de fundamentação vinculada
são “[...] aqueles em que a lei só permite que seja baseado em determinados fundamentos a
respeito dos quais dispõe expressamente”303.
Neste sentido, segundo Jorge, são considerados recursos de fundamentação livre, “[...]
a apelação, o agravo, os embargos de declaração, o recurso ordinário e os embargos de
divergência”304. E como recursos de fundamentação vinculada, têm-se: “[...] o especial, o
extraordinário e os embargos infringentes”305.
Desta feita, analisados os principais aspectos atinentes aos recursos, encerra-se este
segundo capítulo, passando-se ao estudo do Recurso Extraordinário, para, ao final, destacar a
relevância da Repercussão Geral como seu requisito de admissibilidade.
302 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 543. 303 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 543. 304 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 35. 305 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 34.
4 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O REQUISITO DE
ADMISSIBILIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL
O Recurso Extraordinário, conforme já comentado, é recurso excepcional que visa
tutelar o direito objetivo diante de afronta à norma constitucional. Como qualquer outro
recurso, o extraordinário também deve preencher determinados requisitos de admissibilidade,
respeitando, da mesma forma, os princípios norteadores mencionados no primeiro capítulo
deste trabalho.
A Repercussão Geral apresenta-se como um destes requisitos, trazida pela Emenda
Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, e regulamentada pela Lei n. 11.418, de 19 de
dezembro de 2006 e pela Emenda regimental n. 21 do STF.
Abordar-se-ão, na seqüência, os principais aspectos do Recurso Extraordinário,
enfatizando as suas hipóteses de cabimento e o seu procedimento, a fim de possibilitar a
compreensão da Repercussão Geral como seu requisito de admissibilidade, bem como dos
elementos que a configuram.
4.1 CARACTERÍSTICAS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
A definição de Recurso Extraordinário pode ser elaborada a partir de suas principais
características. Sobre os recursos excepcionais, como é o caso do extraordinário, Mancuso
afirma que “[...] apresentam uma rigidez formal de procedibilidade; são restritos às
quaestiones juris; dirigem-se aos Tribunais da cúpula judiciária; [e] não são vocacionados à
correção da mera “injustiça” da decisão”306.
306 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, p. 125-126.
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Referindo-se ao Recurso Extraordinário propriamente, Theodoro Júnior anota que:
“Trata-se de um recurso excepcional, admissível apenas em hipóteses restritas, previstas na
Constituição com o fito específico de tutelar a autoridade e aplicação da Carta Magna”307.
Em outras palavras, é denominado extraordinário em razão das suas hipóteses de
cabimento, que se restringem a situações especiais descritas na CRFB/88, por isso também
dito como um recurso constitucional308, criado pelo próprio Direito Constitucional
brasileiro309, e que será apreciado pelo Supremo Tribunal Federal conforme dispõe o art. 102,
inciso III, da CRFB/88, a saber:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – [...];
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal310.
Conforme se depreende deste dispositivo, a CRFB/88 determina as hipóteses de
cabimento de Recurso Extraordinário. Porém, antes de observá-las individualmente, analisar-
se-ão os pressupostos de admissibilidade anteriores a estas hipóteses.
307 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 682. 308 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento, p. 688. 309 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 682. 310 BRASIL. Constituição (1988). Lex: obra coletiva (vade mecum). Art. 102, inc. III, p. 38.
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4.2 PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
O simples fato de ter uma decisão desfavorável à sua pretensão não permite ao
sucumbente interpor o Recurso Extraordinário311, mesmo presentes os pressupostos
intrínsecos e extrínsecos, estes examinados no capítulo anterior. Por ser um recurso
excepcional, o Recurso Extraordinário exige o preenchimento de outros pressupostos
estabelecidos pela própria CRFB/88.
O art. 102 da CRFB/88 atribui ao Supremo Tribunal Federal - STF a guarda da
Constituição. Tal atribuição, no entanto, não configura uma terceira ou quarta instância para
apreciação de uma lide, pois não cabe ao STF corrigir “[...] julgamentos prolatados pelas
instâncias inferiores”312. Sua função é “[...] tutelar a autoridade e a integridade da lei magna
federal”313. Apesar do interesse inteiramente no direito objetivo, fazendo valer os preceitos
constitucionais, o STF, ao julgar um Recurso Extraordinário, também acaba por decidir o caso
concreto. Nesse sentido, afirma Theodoro Júnior:
Tem, assim, o recurso extraordinário uma finalidade “eminentemente política”. Mas, nada obstante, essa função especial não lhe retira o “caráter de instituto processual destinado à impugnação de decisões judiciárias, a fim de se obter a sua reforma”. Isto porque, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, a Suprema Corte, a um só tempo, terá tutelado a autoridade e unidade de lei federal (especificamente das normas constitucionais) bem como proferido nova decisão sobre o caso concreto314.
Entendida a função do Recurso Extraordinário como a provocação do “[...] reexame de
decisões em que se controverte uma questão constitucional”315, cabe analisar agora quais as
exigências impostas para que se efetive esta reapreciação da causa pelo STF.
311 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 316. 312 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 315. 313 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 683. 314 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 683. 315 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 169.
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4.2.1 Existência de uma causa decidida e prequestionamento
O inciso III, do art. 102 da CRFB/88, menciona a necessidade de “causas decididas”
para que o STF possa julgar mediante Recurso Extraordinário.
No dizer de Santos, “[...] causa é qualquer questão sujeita à decisão judicial, tanto em
processos de jurisdição contenciosa como em processos de jurisdição voluntária”316.
Sobre o significado do verbete “causa”, expresso no referido dispositivo, Nunes apud
Tavares entende que:
O texto constitucional emprega a palavra causa (‘causas decididas pelas justiças locais’) no seu sentido mais amplo e compreensivo. É todo procedimento em que se decida do direito da parte. Não é preciso que seja, formalmente, uma ação. Qualquer processo, seja de que natureza for, se nele for proferida decisão de que resulte comprometida uma lei federal, é uma causa para os efeitos do recurso extraordinário. Aliás, é essa acepção que corresponde à palavra causas na terminologia forense – ‘processos judiciários’, seja qual for sua natureza, ou fim317.
Também sobre a expressão “causas decididas”, Castilho entende ser “[...] uma lide
regularmente deduzida perante a autoridade judiciária competente”318, e acrescenta que:
A expressão tem significado especial, pois se a decisão não resolver uma lide, isto é, se a controvérsia não constituir uma causa, por mais relevante ou complexa que se apresente a disputa, não há espaço constitucional para o recurso extraordinário319.
Desta forma, compreende-se que o enunciado no inciso III do art. 102 da CRFB/88
condiciona a admissão do Recurso Extraordinário à existência de uma decisão judicial de uma
demanda levada à apreciação.
316 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 163. 317 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 317. 318 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 151, p. 99 – 119, set. 2007, p. 102. 319 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 102.
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Outro aspecto a ser observado neste tópico é o posicionamento de doutrinadores como
Marinoni320, Wambier321 e Souza322, no que tange à exigência de “prequestionamento” da
questão constitucional na causa decidida. Para estes autores, não basta a decisão judicial de
uma causa para o julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário. A exigência, sob o ponto
de vista deles, inclui que a causa decidida aprecie a questão constitucional controvertida ou
ofendida, configurando o necessário prequestionamento. Transcreve-se o entendimento de
Marinoni, quando discorre sobre o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial, acerca da
exigência do prequestionamento:
Também se exige, para a interposição de ambos os recursos, a existência de prequestionamento. A fim de que seja cabível, seja o recurso especial, seja o extraordinário, é necessário que a questão legal ou constitucional já esteja presente nos autos, tendo sido decidida pelo tribunal (ou juízo, no caso de recurso extraordinário) a quo, ou ao menos debatida pelas partes e submetida ao crivo judicial anteriormente à interposição do recurso323.
No mesmo sentido, entendendo ser necessário o prequestionamento da questão
constitucional na decisão recorrida, Wambier afirma que “se a questão constitucional ou
federal, embora viesse sendo discutida no processo, não for apreciada no acórdão, a parte
interessada em recorrer precisará antes interpor embargos de declaração, buscando suprir essa
omissão”324. Em outras palavras, não havendo o prequestionamento, o recorrente, para que
tenha seu Recurso Extraordinário admitido, deverá suscitar a questão constitucional por meio
de Embargos de Declaração.
As súmulas 282 e 356 do STF, comentadas por Marinoni325 e Souza326, confirmam a
referida exigência, dispondo: “Súmula 282. É inadmissível o recurso extraordinário quando
não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”327 e “Súmula 356. O ponto
320 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 572. 321 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 600. 322 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 444-445. 323 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 572. 324 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 600. 325 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 572. 326 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 444 e 447. 327 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 282. In ______. Súmulas: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1702.
79
omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser
objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”328.
Em síntese, para que o Recurso Extraordinário seja admitido para julgamento, deverá
cumprir o pressuposto constitucional que remete à existência de uma causa decidida, que,
segundo os autores acima, deverá apreciar a questão constitucional debatida no caso concreto.
4.2.2 Esgotamento das instâncias inferiores
Da mesma forma que o inciso III do art. 102 da CRFB/88 exige a existência de uma
causa decidida para que o Recurso Extraordinário possa ser admitido, é necessário, ainda, que
esta causa tenha sido decidida em “única ou última instância”, ou seja, “[...] que tenha havido
prévio esgotamento dos recursos ordinários”329.
Sobre este pressuposto, Tavares afirma que:
A nenhuma das partes é lícito abandonar os recursos ordinários para aproveitar, desde logo, os de caráter excepcional (renúncia). O recurso excepcional só se admite quando totalmente esgotado, pela parte interessada, o conjunto recursal comum colocado a sua disposição para alcançar uma decisão justa. É preciso, pois, exercitar o direito aos recursos ordinários para, posteriormente, utilizar a via recursal anômala. Frise-se, neste passo, que a Constituição fala em decisão de única ou última instância, daí decorrendo a exigência mencionada330.
Theodoro Júnior ressalta que “a Constituição não condiciona o cabimento do
extraordinário à ocorrência de julgamento final de tribunal. Exige apenas que se trate de causa
decidida em única ou última instância”331, ou seja, não se exige a apreciação por tribunal,
necessariamente, para que o STF possa apreciar o Recurso Extraordinário, desde que, todas as
outras vias de recursos cabíveis à situação já tenham sido esgotadas.
328 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 356. In ______. Súmulas: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1703. 329 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 599. 330 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 319. 331 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 683.
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Montenegro Filho332, analisando essa questão, cita como exemplo as decisões dos
Colégios Recursais dos Juizados Especiais Cíveis que, não se tratando de tribunal, e não
havendo outro recurso a ser interposto, podem ser levadas à apreciação pelo STF, em sede de
Recurso Extraordinário, com a condição de que contenham questão constitucional ofendida.
Segundo Castilho, essa situação corresponde ao que o inciso III do art. 102 da
CRFB/88 apontou como “única instância”, confirmando o exemplo acima, e encerrando que
“[...] a sentença do juiz de primeiro grau embora não suscetível de recurso ordinário ou
especial poderá ser objeto de recurso extraordinário acaso presente a questão
constitucional”333.
Neste sentido é a Súmula 640 do STF, que dispõe: “É cabível recurso extraordinário
contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal
de juizado especial cível e criminal”334.
Souza acompanha este entendimento ao afirmar que:
[...] para o cabimento de recurso extraordinário é irrelevante se o julgado impugnado foi proferido por tribunal. O que importa é a prévia interposição de todos os recursos processuais cabíveis perante o próprio juiz de primeiro grau, algum órgão judiciário coletivo, ou qualquer outro tribunal. Esgotados os recursos juridicamente possíveis, pode ser acionado o extraordinário, sendo totalmente irrelevante se a decisão recorrida é de tribunal, ou não335.
O Recurso Extraordinário, portanto, para que seja conhecido, deverá preencher
também o pressuposto do esgotamento das vias recursais, apresentando decisão final sem
qualquer possibilidade de outro recurso nas instâncias inferiores336.
332 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 193. 333 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 104. 334 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 640. In ______. Súmulas: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1710. 335 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 448. 336 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 163.
81
4.2.3 Impossibilidade de revisão da matéria de fato
Conforme capítulo anterior, quanto à classificação dos recursos, os excepcionais são
assim denominados porque se destinam a apreciar estritamente o direito objetivo, ou seja, as
questões atinentes ao direito e não a matéria de fato relativa ao caso concreto.
A tarefa de rever a matéria fática cabe às instâncias inferiores337. Ao STF, em sede de
Recurso Extraordinário, cabe analisar as questões jurídicas, visando tutelar a autoridade e
unidade da Constituição. Segundo Marinoni, “o âmbito de discussão aqui se limita,
exclusivamente, à aplicação dos direitos sobre os fatos, sem mais se discutir se o fato
efetivamente existiu ou não”338.
Sobre o assunto, ao analisar os recursos excepcionais, Mancuso assim expõe:
Um dos motivos por que se têm os recursos extraordinário e especial como pertencentes à classe dos excepcionais reside em que o espectro de sua cognição não é amplo, ilimitado, como nos recursos comuns (máxime a apelação), mas, ao invés, é restrito aos lindes da matéria jurídica. Assim, eles não se prestam para o reexame da matéria de fato, presumindo-se ter esta sido dirimida pelas instâncias ordinárias, quando procederam à subsunção do fato à norma de regência. Se ainda nesse ponto fossem cabíveis o extraordinário e o especial, teríamos o STF e o STJ convertidos em novas instâncias ordinárias, e teríamos despojado aqueles recursos de sua característica de excepcionalidade, vocacionados que são à preservação do império do direito federal, constitucional ou comum339.
Tavares, para complementar o entendimento acerca deste pressuposto, cita a Súmula
279, que dispõe: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”340; e a
Súmula 454: “Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso
extraordinário”341, confirmando que só haverá apreciação do direito objetivo.
Deste modo, o Recurso Extraordinário, por ser recurso excepcional, não é meio
adequado para se analisar a matéria de fato, pois tal tarefa é de competência das instâncias
337 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 320. 338 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 569. 339 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, p. 161-162. 340 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 279. In ______. Súmulas: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1702. 341 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 454. In ______. Súmulas: obra coletiva (vade mecum). 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1705.
82
inferiores e, sendo o STF o guardião da Constituição, a ele só caberá apreciar as questões
jurídicas, não sendo, por isso, entendido como uma terceira ou quarta instância recursal.
Analisados os pressupostos constitucionais de admissibilidade do Recurso
Extraordinário, ou seja, a existência de causa decidida, o esgotamento das vias recursais e o
impedimento de revisão da matéria fática, como aspectos genéricos ao cabimento deste
recurso excepcional, apresentar-se-ão, na seqüência, as hipóteses de cabimento deste recurso
de acordo com a Constituição, para, ao final deste trabalho, enfatizar o requisito da
Repercussão Geral.
4.3 HIPÓTESES CONSTITUCIONAIS DE CABIMENTO DO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
Atendidos os pressupostos constitucionais analisados acima, o cabimento do Recurso
Extraordinário prescinde da incidência de uma das hipóteses do art. 102, inciso III, alíneas “a”
a “d”, da CRFB/88, na decisão recorrida342.
Nesta linha, Castilho confirma que o STF só examinará o Recurso Extraordinário
quando a decisão recorrida incidir nas hipóteses previstas na CRFB/88, com a exigência de
que o recorrente explicite “[...] a exata definição do objeto das respectivas causas, tanto
quanto das questões que suscitam a sua contrariedade ou a sua inconstitucionalidade, bem
assim a invalidade das leis em face da Constituição”343.
Para melhor compreensão desta exigência, as hipóteses constitucionais de cabimento
serão analisadas a seguir.
4.3.1 Decisão contrária a dispositivo da Constituição
Prevê a alínea “a”, do inciso III, do art. 102, da CRFB/88, que caberá Recurso
Extraordinário quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição.
De acordo com Santos,
342 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 165. 343 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 101.
83
A decisão estará a contrariar dispositivo da Constituição quando, de qualquer forma, direta ou indiretamente, o viole ou o ofenda, tanto na sua letra como no seu espírito. Se a decisão se apresenta inconciliável com a norma constitucional ou com princípio que a suporta ou dela decorre, contraria a Constituição, que insta seja preservada na sua unidade e autoridade.
Analisando a abrangência da expressão “contrariar dispositivo desta Constituição”,
Castilho aponta que:
Contrariar significa desatender, ir a sentido contrário, e então é preciso demonstrar que a decisão foi concreta e efetivamente contra dispositivo da Constituição, tal qual entendido dentro do sistema constitucional e concebido na interpretação e jurisprudência conforme as suas linhas fundantes344.
Em outras palavras, por ser função do STF assegurar a supremacia da Constituição,
caberá Recurso Extraordinário toda vez que uma decisão recorrida for de encontro ao que
dispõe o texto constitucional.
No dizer de Tavares,
A contradição ocorre quando há incompatibilidade, identificando-se uma afronta entre a decisão (recorrível) e a norma-parâmetro (Constituição), e geralmente surge de uma interpretação equivocada por parte do Tribunal sobre o conteúdo ou significado do preceituado pela legislação, colocando a decisão em rota de choque com comandos constitucionais345.
Montenegro Filho alerta que a análise desta hipótese de cabimento do Recurso
Extraordinário é prerrogativa conferida exclusivamente ao STF, não cabendo ao juízo a quo
assim proceder346.
Por último, destaca-se a ressalva de Souza quanto à interpretação da alínea “a”, no
sentido de entender obrigatória a contrariedade à Constituição na decisão recorrida para que o
344 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 105. 345 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 330. 346 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 196.
84
Recurso Extraordinário tenha cabimento. Para o autor, é necessária apenas a alegação desta
contrariedade, sendo que sua confirmação ou não caberá à análise do mérito do recurso347.
Em suma, a hipótese de cabimento em apreço autoriza a interposição do Recurso
Extraordinário sempre que a decisão recorrida não observe preceito constitucional,
contrariando-o equivocadamente.
4.3.2 Decisão que declara a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal
O Recurso Extraordinário também encontra cabimento quando a decisão recorrida
“declarar a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal”, nos termos da alínea “b” do
inciso III, do art. 102, da CRFB/88.
A hipótese refere-se à não aplicação, pelo tribunal, de tratado ou lei federal ao
fundamento de inconstitucionalidade destes348, em decorrência do controle difuso de
constitucionalidade realizado pelos tribunais conforme o art. 97 da CRFB/88: “Art. 97.
Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão
especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
Poder Público” 349.
Ainda, se o controle de constitucionalidade for exercido sem o atendimento do quorum
especial determinado pelo artigo supra, a decisão prolatada declarando a inconstitucionalidade
possibilita a interposição de Recurso Extraordinário350.
Sobre a questão, aduz Castilho:
O sentido da referência “declarar a inconstitucionalidade” de tratado ou lei federal é [...] o de declaração pela decisão recorrida para afastá-los e não aplicá-los, daí porque essa disposição deve ser compreendida juntamente
347 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 460. 348 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 460. 349 BRASIL. Constituição (1988). Lex: obra coletiva (vade mecum). Art. 97, p. 37. 350 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 107.
85
com a regra do art. 97 da CF/88 que exige quorum e competência especial para essa deliberação declaratória pelos tribunais inferiores351.
Ressalta-se a discussão acerca da equiparação ou diferenciação entre tratado e lei
federal. Para Santos “[...] os tratados e as leis se equiparam; [...] são conteúdo integrante de
lei”352.
Neste sentido, observa Tavares:
Embora a Constituição se tenha referido expressamente a tratado e a lei federal, admite-se que todo o tratado incorpora-se ao Direito brasileiro por meio de lei (decreto legislativo), tendo o mesmo tratamento jurídico dispensado a esta353.
No entanto, percebe-se que a intenção do legislador constituinte foi a de distinguir lei
(em sentido amplo) de tratado, objetivando evitar qualquer dúvida a respeito de sua aptidão
para fundamentar recurso excepcional, considerada a complexidade de sua inserção no
ordenamento jurídico brasileiro354.
Sobre lei federal, afirma Tavares:
Como lei federal há de se compreender aquela aprovada pela União, na matéria que lhe compete legislar nos termos do arts. 22, 23 e 24 da C.F. Enquadram-se na expressão os atos normativos federais, como leis, decretos, regulamentos e outros textos jurídicos editados no interesse da União (art. 21)355.
Deste modo, com relação à hipótese da alínea “b”, do inciso III, do art. 102, da
CRFB/88, observada a vontade constitucional em diferenciar tratado e lei federal, “[...] basta a
afirmação no acórdão de que a lei ou tratado federal seja incompatível com a Carta Política
para autorizar a admissão do RE”356.
351 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 107. 352 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 165. 353 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 331. 354 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 331. 355 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 332. 356 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. A repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, Porto Alegre: Síntese, v. 6, n. 34, p. 140-169, mar./abr. 2005, p. 142.
86
4.3.3 Decisão que julga válido ato normativo local contestado em face da Constituição
A alínea “c”, do inciso III, do art. 102, da CRFB/88, prevê a interposição de Recurso
Extraordinário quando a decisão recorrida “julgar válida lei ou ato de governo local
contestado em face desta Constituição”.
Por atos de governo local entendem-se “[...] todos os atos normativos, como leis,
decretos, portarias, regulamentos, ordens, expedidos por força de competência estadual e
municipal”357. Quanto à expressão “governo local”, esta abrange os poderes locais: Executivo,
Judiciário e Legislativo358.
Na hipótese em tela, conforme afirma Santos,
O acórdão recorrido julga válida lei ou ato do governo local, que haja sido impugnado de inconstitucional ou ofensivo à Constituição. Caberá recurso extraordinário daquele acórdão, sob o pressuposto de que teria violado o princípio da hierarquia das leis, visando-se com o recurso à tutela da autoridade da Constituição359.
Assim, a hipótese da alínea “c” preocupa-se com a ofensa à Constituição, suscitada no
decorrer da causa que, mesmo assim, obteve decisão que julgou válida lei ou ato do qual foi
alegada a inconstitucionalidade.
Neste sentido, esclarece Tavares:
A aplicação de lei ou de ato de governo local não deveria, teoricamente, ensejar o cabimento de um recurso excepcional para um tribunal da federação, já que o tema esgotar-se-ia no âmbito local. Na verdade, é a alegação de afronta à Constituição que desloca o tema para o âmbito nacional, permitindo a utilização do recurso360.
Desta forma, mais uma vez demonstrada a função do STF em tutelar a autoridade e
unidade da Constituição, caberá Recurso Extraordinário toda vez que uma decisão julgue
válida lei ou ato de governo local, em causa que alegou ofensa à Constituição, cuja alegação
não foi acatada na decisão a ser recorrida.
357 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 335. 358 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 335. 359 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 166. 360 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 334.
87
4.3.4 Decisão que julga válida lei local contestada em face de lei federal
Trata-se de hipótese inserida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, que enseja o
cabimento de Recurso Extraordinário quando a decisão recorrida “julgar válida lei local
contestada em face de lei federal”.
Por “lei local”,361 deve-se entender, segundo Souza, aquela que abrange as leis
estaduais, distritais e municipais.
Castilho observa que, em dissonância às demais hipóteses, a apresentada na alínea “d”
não se refere diretamente à questão constitucional, e sim à lei federal362, o que implicaria
interposição de Recurso Especial e não Extraordinário. Tavares, no entanto, justifica a
inserção desta situação entre as hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário, uma vez
que “[...] envolve problema de divisão de competências, logo, questão constitucional”363. E
acrescenta:
Não havia [...] como negar, mesmo sob o regime anterior, a questão constitucional, pois quando a decisão judicial delibera sobre a prevalência de lei local, quando divergente de lei federal, implicitamente estará deliberando acerca de qual entidade federativa será a competência legislativa sobre a referida matéria objeto de disciplina diversa entre as leis364.
Outra observação a ser feita envolve o questionamento da possibilidade de
interposição de Recurso Extraordinário se a decisão recorrida julgar “inválida” lei local
contestada em face de lei federal365. Sobre o não cabimento de RE frente a esta situação,
justifica Souza: “O julgamento contrário à validade da legislação local não enseja o recurso,
como bem revela o enunciado n. 280 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ‘Por ofensa a
direito local não cabe recurso extraordinário’”366.
361 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 462. 362 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 109. 363 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 336. 364 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 336. 365 Apresentam este questionamento: CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista de Processo, p. 110, e SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 462. 366 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 462.
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Deste modo, entende-se cabível o Recurso Extraordinário na hipótese de decisão que
julgar válida lei local contestada em face de lei federal, pois atinge a questão da divisão de
competências, razão pela qual também constitui questão constitucional a ser apreciada pelo
STF.
4.4 A CONDIÇÃO DE “REPERCUSSÃO GERAL” COMO REQUISITO DE
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
A condição de Repercussão Geral, trazida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, e
regulamentada pela Lei n. 11.418/2006 e pela Emenda Regimental n. 21 do STF, traduz-se em
um requisito específico para a admissibilidade do Recurso Extraordinário. Tal inovação
relaciona-se diretamente com a atual situação do STF frente ao grande número de recursos à
espera de apreciação.
No entanto, mesmo cabendo ao STF a tarefa de Tribunal Constitucional367, ou seja, de
guardião da Constituição, assim não acontece em razão do excesso de recursos interpostos
para a sua apreciação. Esse exagero de processos é explicado por Theodoro Júnior:
Foi a falta de filtragem da relevância do recurso extraordinário que levou o Supremo Tribunal Federal a acumular milhares e milhares de processos, desnaturando por completo seu verdadeiro papel institucional e impedindo que as questões de verdadeira dimensão pública pudessem merecer a apreciação detida e ponderada exigível de uma autêntica corte constitucional368.
Destarte, estando o STF em crise, abarrotado de processos que, muitas vezes,
pretendiam uma revisão da decisão em nível de terceira ou quarta instância, do que
propriamente salvaguardar uma disposição constitucional, fazia-se necessária a determinação
de um requisito que filtrasse estas demandas, admitindo apenas aquelas que continham
essencialmente questões que transcendessem os interesses subjetivos da causa.
367 ALVES E SILVA, Ticiano. Apreciação pelo juízo a quo da existência de alegação de repercussão geral. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 33, n. 161, p. 135-153, jul. 2008, p. 136. 368 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, Porto Alegre: Síntese, v. 8, n. 48, p. 100-127, jul./ago. 2007, p. 102.
89
Com este propósito, afirma Araújo, “[...] objetivou a EC 45/2004, e posteriormente a
Lei 11.418/2006, a criação de um filtro restritivo de acesso ao STF, deixando aquele Tribunal
com a competência apenas para apreciação dos casos com maior repercussão coletiva”369.
Deste modo, para minorar a “crise do STF”370 ou “crise do Recurso Extraordinário”371,
a Emenda Constitucional n. 45/2004 acrescentou ao art. 102, da CRFRB/88, o §3º, que assim
dispõe:
§3.º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros372.
Para melhor compreender o instituto da Repercussão Geral, analisar-se-á,
primeiramente, sua natureza jurídica, para depois verificar quais os elementos que a
compõem, na tentativa de elaborar sua definição, e também sua diferenciação do instituto da
argüição de relevância, para, por último, apreciar o procedimento de admissibilidade do
Recurso Extraordinário a partir da sua demonstração, com as conseqüências de sua aceitação
ou recusa.
4.4.1 Natureza Jurídica
Conforme já exposto, a demonstração da Repercussão Geral da questão constitucional
no caso concreto, exigida pelo §3º do art. 102 da CRFB/88, constitui requisito de
admissibilidade específico para interposição do Recurso Extraordinário perante o STF373.
Assim, além do preenchimento dos demais requisitos de admissibilidade, como o interesse
369 ARAÚJO, José Henrique Mouta. A eficácia da decisão envolvendo a repercussão geral e os novos poderes dos relatores e dos tribunais locais. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 152, p. 181-194, out. 2007, p. 182. 370 Utilizam esta expressão: ALVES E SILVA, Ticiano. Apreciação pelo juízo a quo da existência de alegação de repercussão geral. Revista de Processo, p. 136. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, p. 73. 371 Utiliza esta expressão: BARBOSA, Rafael Vinheiro Monteiro. Reflexos da repercussão geral no sistema de interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial e a sugestão para o problema. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 33, n. 158, p. 161-188, abril. 2008, p. 165. 372 BRASIL. Constituição (1988). Lex: obra coletiva (vade mecum). Art. 102, inc. III, §3º, p. 38. 373 AURELLI, Arlete Inês. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 151, p. 140-149, set. 2007, p. 141.
90
recursal, a legitimidade e a tempestividade, por exemplo, também a Repercussão Geral deverá
ser demonstrada sob pena de não conhecimento do Recurso Extraordinário374.
Relembrando o que já foi estudado, Marinoni e Mitidiero afirmam que “os
pressupostos de admissibilidade recursal reputam-se intrínsecos quando concernem à
existência, ou não do poder de recorrer. São considerados extrínsecos, ao contrário, quando
atinem ao modo de exercer esse poder”375. Nesta linha, a Repercussão Geral é “[...] requisito
intrínseco de admissibilidade recursal: não havendo repercussão geral, não existe poder de
recorrer ao Supremo Tribunal Federal”376.
A natureza jurídica da Repercussão Geral, como se pode notar, é de requisito de
admissibilidade e não de recurso, pois “[...] não tem o condão de obter a reforma ou
invalidação do julgado”377.
Da mesma forma, Aurelli entende que a Repercussão Geral não pode ser considerada
como fundamento do Recurso Extraordinário, pois:
[...] ela se situa no plano da admissibilidade, sendo que a sua presença não gera, somente por isso, a procedência da questão de mérito discutida no recurso extraordinário. A repercussão geral não influencia nem vincula o juízo de admissibilidade sobre os demais requisitos genéricos e específicos de admissibilidade do RE, muito menos o juízo de mérito378.
Outrossim, desvinculando a Repercussão Geral dos pressupostos constitucionais de
admissibilidade e enfatizando o seu caráter específico, afirma Marinoni:
Trata-se de mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, com a diferença de que não se coloca no mesmo plano daqueles requisitos elencados nas letras do inciso III do art. 102, pois o recorrente, a partir de agora, além de ter que fundamentar o extraordinário em uma dessas letras,
374 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução, p. 193. 375 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p.32. 376 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 33. 377 AURELLI, Arlete Inês. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 142. 378 AURELLI, Arlete Inês. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 142.
91
terá que demonstrar a “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”379.
Em suma, a Repercussão Geral tem natureza jurídica de requisito específico de
admissibilidade do Recurso Extraordinário, de caráter intrínseco, não estando relacionada às
hipóteses de cabimento previstas pelas alíneas “a” a “d” do inciso III do art. 102 da CRFB/88,
nem com os demais requisitos de admissibilidade, antecedendo qualquer análise do mérito do
RE, por isso não se constituindo no próprio recurso.
4.4.2 Conceito de Repercussão Geral
Existe certa dificuldade em delimitar o conceito de Repercussão Geral, pois de acordo
com Schlosser e Wickert380, a CRFB/88, a Lei n. 11.418/2006 e a Emenda Regimental n.
21/2007 do STF mencionam uma definição um tanto flexível deste instituto, cuja intenção do
legislador seria respeitar as mais variadas situações que possam surgir e confrontar o texto
constitucional, autorizando então a apreciação do RE pelo STF.
As referidas autoras assim expõem:
A lei pode regulamentar o que realmente repercute, mas não é possível ter um significado fechado, inflexível, porque na prática ocorrem situações diversas que não podem ser previstas pelo legislador previamente. O que é possível fixar são critérios a serem utilizados, como é o caso dos valores sociais, jurídicos, econômicos e políticos381.
Neste sentido, afirma Aurelli:
[...] a função do conceito vago não é outra senão a de driblar a complexidade das relações sociais do mundo contemporâneo e a de fazer com que haja certa flexibilização adaptativa na construção e aplicação da norma jurídica. Eles se constituem na resposta adequada à permanente e freqüentíssima mobilidade da realidade objetiva abrangida pela previsão normativa, permitindo uma ‘aplicação atualista e individualizada da norma, ajustada às peculiaridades de cada situação concreta’. Uma das mais relevantes funções do conceito vago é a de fazer com que a norma dure mais tempo, fixar
379 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, p. 573. 380 SCHLOSSER, Lizelote Minéia. WICKERT, Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 33, n. 161, p. 115-134, jul. 2008, p. 122. 381 SCHLOSSER, Lizelote Minéia. WICKERT, Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 122.
92
flexivelmente os limites de abrangência da norma, fazê-la incidir em função das peculiaridades de casos específicos382.
No dizer de Souza, a Repercussão Geral também tem uma definição em sentido
amplo:
A repercussão geral é o requisito de admissibilidade consubstanciado na exigência de que o recorrente demonstre a relevância da questão constitucional veiculada no recurso extraordinário, sob o prisma econômico, político, social ou jurídico, a fim de ensejar o conhecimento do recurso pelo Supremo Tribunal Federal, em razão do superior interesse da preservação do direito objetivo383.
Borges, genericamente, conceitua Repercussão Geral como “[...] o resultado de um
proceder que pela sua importância e extensão atinge um número razoável e indeterminado de
pessoas, versando sobre questões constitucionais relevantes”384.
Para Gomes Júnior:
[...] haverá repercussão, em determinada causa/questão, quando os reflexos da decisão a ser prolatada não se limitarem apenas aos litigantes, mas, também, a toda uma coletividade. Não necessariamente a toda coletividade (país), mas de uma forma não individual385.
A EC 45/2004 trouxe o instituto da Repercussão Geral, mas foi a Lei n. 11.418/2006
que a regulamentou, inserindo os artigos 543-A e 543-B no CPC. Por conseguinte, é no §1º do
art. 543-A que se assenta o conceito de Repercussão Geral, e assim dispõe:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§1.º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
382 AURELLI, Arlete Inês. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 144. 383 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 453. 384 BORGES, Marcos Afonso. O recurso extraordinário e a repercussão geral. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 33, n. 156, p. 36-44, fev. 2008, p. 41. 385 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. A repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 148.
93
[...]386
Necessária, mas ainda não efetivada, é a caracterização desses elementos econômicos,
políticos, sociais ou jurídicos que tornam a questão relevante e de repercussão geral, pois o
legislador não os definiu. Nesta tentativa, Schlosser e Wickert assim os exemplificam:
A repercussão geral jurídica no sentido estrito existiria, por exemplo, quando estivesse em jogo o conceito ou a noção de um instituto básico do nosso direito, de modo que aquela decisão, se subsistisse, pudesse significar perigoso e relevante precedente, como a de direito adquirido. Relevância social haveria, numa ação em que se discutissem problemas relativos à escola, à moradia ou mesmo à legitimidade do Ministério Público para a propositura de certas ações. [...] Repercussão econômica haveria em ações que discutissem, por exemplo, o sistema financeiro da habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais, como a telefonia, o saneamento básico, a infra-estrutura, etc. Repercussão política haveria, quando, por exemplo, de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com Estados estrangeiros ou organismos internacionais387.
No mesmo sentido, exemplifica Gomes Júnior:
a) reflexos econômicos: quando a decisão possuir potencial de criar um precedente outorgando um direito que pode ser reivindicado por um número considerável de pessoas (alteração nos critérios para se considerar a correção monetária dos salários de determinada categoria, p. ex. ).
b) quando presente relevante interesse social: que tem uma vinculação ao conceito de interesse público, em seu sentido lato, ligado à uma noção de bem comum.
c) reflexos políticos: na hipótese de decisão que altere a política econômica ou alguma diretriz governamental de qualquer das esferas de governo (Municipal, Estadual ou Federal).
d) reflexos sociais: existirão quando a decisão deferir um direito ou indeferi-lo e essa mesma decisão vir a alterar a situação fática de várias pessoas. Nas ações coletivas, a regra é que sempre, em princípio, haverá repercussão geral a justificar o acesso ao STF, considerando a amplitude da decisão, claro, se a questão possuir natureza constitucional.
e) reflexos jurídicos: este é um requisito relevante, sob vários aspectos. Será relevante a matéria deduzida no recurso extraordinário todas as
386 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 543-A, §1º, p. 441. 387 SCHLOSSER, Lizelote Minéia. WICKERT, Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 123.
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vezes que for contrária ao que já decidido pelo STF ou estiver em desacordo com a jurisprudência dominante ou sumulada. Se o papel do STF é uniformizar a interpretação da CF, decisões contrárias ao seu entendimento não podem ser mantidas388.
Ainda afirma Gomes Júnior: “Deve ser, também, considerado juridicamente relevante,
com repercussão, quando a interpretação adotada pela decisão recorrida for aberrante ou
absurda, por exemplo, quando evidentemente contrária ao texto constitucional”389.
Desta feita, não existindo uma definição específica, ou até mesmo um rol taxativo, das
questões relevantes sob o ponto de vista econômico, político, jurídico ou social, caberá ao
STF, por ser competência exclusiva390, analisar tais questões, decidindo sobre a existência ou
não de Repercussão Geral.
Para Araújo, trata-se de aspecto subjetivo da questão constitucional com Repercussão
Geral, que deverá ser demonstrado pelo recorrente, cuja interpretação e conclusão acerca de
sua presença são tarefas do STF, que, por meio de decisão fundamentada, reconhecerá ou
afastará o requisito391.
Theodoro Júnior entende que não se trata de um poder discricionário392 atribuído ao
STF, quando decidir sobre a existência ou não de Repercussão Geral, pois
Mesmo que a regra legislativa utilize termos vagos ou conceitos indeterminados, há parâmetros e valores que se impõem ao julgador de maneira cogente. O que se exige do aplicador é uma obra de interpretação que procure traduzir o sentido da vontade da lei diante das particularidades
388 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. A repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 148-149. 389 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. A repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 149. 390 De acordo com o §2º, do art. 543-A, do CPC, que dispõe: §2.º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência de repercussão geral. Cf. BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 543-A, §2º, p. 441. 391 ARAÚJO, José Henrique Mouta. A eficácia da decisão envolvendo a repercussão geral e os novos poderes dos relatores e dos tribunais locais. Revista de Processo, p. 185-186. 392 O conceito de “poder discricionário”, no âmbito do Direito Administrativo, revela “a idéia de prerrogativa, uma vez que a lei, ao atribuir determinada competência, deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela Administração diante do caso concreto; ela implica liberdade a ser exercida nos limites fixados na lei”. Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 78.
95
do caso concreto. Jamais estará ele livre para optar por uma deliberação que seja indiferente aos parâmetros e valores proclamados pela norma393.
No mesmo sentido, afirmam Marinoni e Mitidiero:
Os conceitos jurídicos indeterminados são compostos de um “núcleo conceitual” (certeza do que é ou não é) e por um “halo conceitual” (dúvida do que pode ser). No que concerne especificamente à repercussão geral, a dúvida inerente à caracterização desse halo de modo nenhum pode ser dissipada partindo-se tão somente de determinado ponto de vista individual; não há, em outras palavras, discricionariedade no preenchimento desse conceito. Há de se empreender um esforço de objetivação nessa tarefa. E, uma vez caracterizada a relevância e a transcendência da controvérsia, o Supremo Tribunal Federal encontra-se obrigado a conhecer do recurso extraordinário. Não há, aí, espaço para livre apreciação e escolha entre duas alternativas igualmente atendíveis. Não há de se cogitar aí, igualmente, discricionariedade no recebimento do recurso extraordinário. Configurada a repercussão geral, tem o Supremo de admitir o recurso e apreciá-lo no mérito394.
Também pode-se observar que o §3.º do art. 543-A, do CPC, apontou duas situações
em que a Repercussão Geral encontra-se “categoricamente assentada”395:
Art. 543-A. [...]
§3.º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal396.
Para Gomes Júnior, a definição destas duas situações revela o aspecto objetivo da
questão constitucional com Repercussão Geral397.
Segundo Theodoro Júnior,
A súmula, in casu, não precisa ser a vinculante, mas apenas a que retrate jurisprudência assentada, pois, mesmo sem súmula, a repercussão geral
393 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 105. 394 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 34. 395 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 104. 396 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 543-A, §3º, p. 441. 397 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. A repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 186.
96
estará configurada em qualquer julgamento que afronte “jurisprudência dominante” do STF. Por jurisprudência dominante, deve-se ter a que resulta de posição pacífica, seja porque não há acórdãos divergentes, seja porque as eventuais divergências já tenham se pacificado no seio do STF398.
Trata-se de “presunção legal da existência de repercussão geral”399, pois sempre que a
decisão recorrida for contrária à súmula ou jurisprudência do STF, haverá Repercussão Geral,
que pode ser caracterizada sob o ponto de vista jurídico, uma vez que o dispositivo acima,
segundo Araújo, “[...] objetiva servir de estímulo ao atendimento dos pronunciamentos da
Corte Máxima”400.
Assim, a definição do requisito da Repercussão Geral encontra suporte no §1º do art.
543-A do CPC, não importando em discricionariedade do STF ao decidir pela existência ou
não da relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, pois, segundo
Theodoro Júnior401,
Por mais vaga que possa ser a exigência do requisito da repercussão geral no juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, nunca estará o STF livre para rejeitar arbitrariamente um recurso sobre a lacônica e imotivada alegação de ausência de tal requisito. Sempre terá de proceder ao esforço dialético de demonstrar, analiticamente, como se chegou ao juízo determinante da falta de repercussão geral, submetendo o caso concreto às exigências da razoabilidade402.
Reitera-se, por fim, que o legislador, mesmo não definindo categoricamente o que
seria entendido como Repercussão Geral, apontou taxativamente duas situações, no §3º do art.
543-A, em que o requisito sempre estará presente, de modo a cumprir uma de suas
398 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 105-106. 399 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, Brasília, n. 2, maio/jun. 2008. Disponível em: < http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1211289535174218181901.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2008. 400 ARAÚJO, José Henrique Mouta. A eficácia da decisão envolvendo a repercussão geral e os novos poderes dos relatores e dos tribunais locais. Revista de Processo, p. 187. 401 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 106. 402 Por razoabilidade entende-se o critério aplicado após a interpretação ou consoante a mesma para valorar a melhor maneira de concretizar a vontade da lei desde que afastado ideologias ou critérios subjetivos. Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 72.
97
finalidades: “fazer com que o STF decida uma única vez cada questão constitucional, não se
pronunciando em outros processos com idêntica matéria”403.
A seguir, apontam-se as diferenças e similitudes entre a Repercussão Geral e a
Argüição de Relevância, para depois analisar o procedimento de exame do requisito da
Repercussão Geral.
4.4.3 A Repercussão Geral e a Argüição de Relevância
A atual condição de Repercussão Geral exigida para o Recurso Extraordinário é
diferente do instituto da Argüição de Relevância que vigorou de 1975 a 1988 no ordenamento
jurídico brasileiro404.
No dizer de Marinoni e Mitidiero,
Nada obstante tenham a mesma função de “filtragem recursal”, a argüição de relevância de outrora e a repercussão geral não se confundem. A começar pelo desiderato: enquanto a argüição de relevância funcionava como um instituto que visava a possibilitar o conhecimento deste ou daquele recurso extraordinário a priori incabível, funcionando como um instituto com característica central inclusiva, a repercussão geral visa a excluir do conhecimento do Supremo Tribunal Federal controvérsias que assim não se caracterizem. [...] Os próprios conceitos de repercussão geral e argüição de relevância não se confundem. Enquanto este está focado fundamentalmente no conceito de “relevância”, aquele exige, para além da relevância da controvérsia constitucional, a transcendência da questão debatida. Quanto ao formalismo processual, os institutos também não guardam maiores semelhanças: a argüição de relevância era apreciada em sessão secreta, dispensando fundamentação; a análise da repercussão geral, ao contrário, tem evidentemente de ser examinada em sessão pública, com julgamento motivado (art. 93, IX, da CF)405 .
São institutos diferentes, pois sendo a Repercussão Geral uma “argüição com sinal
trocado”406, a primeira objetiva a exclusão da apreciação do STF daquelas situações que não
403 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão geral no recurso extraordinário. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/arquivo/estudoRepercussaoGeral.pdf>. Acesso em 10 dez. 2007. 404 SCHLOSSER, Lizelote Minéia. WICKERT, Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 123. 405 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 30-31. 406 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, p. 202.
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transcendam os interesses subjetivos da causa, enquanto que a argüição de relevância
objetivava incluir à apreciação do STF as questões que demonstrassem “[...] a preponderância
do interesse público, bem como [que] o reflexo da solução dada ao problema extravasava o
exclusivo interesse das partes”407.
No entanto, Mancuso aponta semelhanças entre os referidos institutos:
Em contraponto, impende reconhecer que entre a atual repercussão geral e a antiga argüição de relevância existe um núcleo comum: por um lado, ambas configuram elementos de contenção do volume excessivo de causas dirigidas ao STF, e, de outro lado, na argüição de relevância a avaliação positiva não implicava, necessariamente, a subseqüente admissibilidade do RE, que ficava ainda a depender do atendimento dos demais requisitos (EC 1/69, art. 119, III e alíneas); pois também a avaliação positiva sobre a repercussão geral (basta que 4 Ministros a atestem) não significa, necessariamente, que o RE vá ser conhecido (e muito menos provido!), mas na verdade ela opera como um salvo-conduto para o seqüencial exame dos fundamentos indicados nas alíneas do art. 102, III, da CF408.
Assim, considerando-se as diferenças acima expostas, tanto a Repercussão Geral
quanto a antiga Argüição de Relevância se assemelham no tocante a sua função de filtro
recursal409, ressaltando-se que apesar de não ser o retorno da Argüição de Relevância, a atual
condição de Repercussão Geral, analisada pelo STF, “[...] veio com o intuito de otimizar o
funcionamento e evitar que, num futuro próximo, seja inviabilizado o funcionamento deste
Tribunal”410.
4.4.4 O juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário e o requisito da Repercussão
Geral
O juízo de admissibilidade, como visto, consiste na verificação dos requisitos que
permitirão ao órgão julgador a análise do mérito do recurso. No caso do Recurso
Extraordinário, já se comentou sobre a existência de requisitos de admissibilidade específicos,
enfatizando-se a condição de Repercussão Geral, objeto central deste trabalho monográfico.
407 BARBOSA, Rafael Vinheiro Monteiro. Reflexos da repercussão geral no sistema de interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial e a sugestão para o problema. Revista de Processo, p. 167-168. 408 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, p. 202-203. 409 ALVES E SILVA, Ticiano. Apreciação pelo juízo a quo da existência de alegação de repercussão geral. Revista de Processo, p. 141. 410 SCHLOSSER, Lizelote Minéia. WICKERT, Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 124.
99
O procedimento de interposição, admissibilidade e julgamento do Recurso
Extraordinário está disciplinado nos artigos 541 a 546 do CPC, sendo que a análise do
requisito da Repercussão Geral está descrita nos artigos 543-A e 543-B do mesmo diploma.
No que se refere ao procedimento de interposição do RE, resume Borges:
Ajuizado o recurso perante o Tribunal a quo, deverá o presidente ou vice-presidente determinar a intimação do recorrido para, querendo, apresentar as suas contra-razões. Feito isso, esgotado o prazo estabelecido para a manifestação do recorrido, os autos serão conclusos para que o presidente ou o vice-presidente do Tribunal profira sua decisão acerca da admissibilidade ou não do remédio, calcada em matéria alheia à repercussão geral, visto que essa matéria é competência exclusiva do Pretório Excelso411.
Entende-se, desta forma, que o Tribunal a quo analisará os requisitos de
admissibilidade do RE, não lhe cabendo apreciar a existência ou não de Repercussão Geral na
questão debatida, uma vez que esta tarefa compete exclusivamente ao STF por força do que
dispõe o artigo 543-A, §2º do CPC. Contudo, compete-lhe verificar objetivamente se o
recorrente atendeu à demonstração da Repercussão Geral.
Sobre os requisitos de admissibilidade gerais para a interposição do Recurso
Extraordinário, quanto à tempestividade, aponta-se o prazo de 15 dias, bem como para as
contra-razões, conforme o art. 508 do CPC412. Quanto ao preparo, afirma Souza,
[...] o recorrente deve instruir a petição recursal com a guia de recolhimento, sob pena de deserção. É o que se infere da inteligência do artigo 511 do Código de Processo Civil, do artigo 65 do regimento Interno da Corte Suprema, do artigo 41-B da Lei n. 8.038, de 1990, acrescentado pela Lei n. 9.756, de 1998, e do item II da Tabela de Custas do Supremo Tribunal413.
Pontuar-se-á em tópico separado o requisito da regularidade formal, dada a
importância do seu exato cumprimento para a admissibilidade do Recurso Extraordinário.
411 BORGES, Marcos Afonso. O recurso extraordinário e a repercussão geral. Revista de Processo, p. 42. 412 Art. 508. Na apelação, nos embargos infringentes, no recurso ordinário, no recurso especial, no recurso extraordinário e nos embargos de divergência, o prazo para interpor e para responder é de 15 (quinze) dias. [...] Cf. BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 508, p. 438. 413 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 470.
100
4.4.4.1 A demonstração da Repercussão Geral como preliminar das razões recursais
O requisito da regularidade formal do RE implica a interposição por petição escrita414,
observado o disposto no §2º do art. 543-A do CPC, que determina: “O recorrente deverá
demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal
Federal, a existência de repercussão geral”415. Desta feita, a petição recursal deverá alegar,
preliminarmente, a existência de Repercussão Geral na questão debatida, de modo a cumprir
mais este requisito de admissibilidade.
Sobre a presença da preliminar de Repercussão Geral e a apreciação desta alegação
pelo juízo a quo, afirma Santos:
A novidade que traz o novo requisito de admissibilidade do recurso é a de que o recorrente, em preliminar, deverá apresentar fundamentação específica que demonstre a repercussão geral. Nesta hipótese, a ausência da preliminar introdutória será motivo de não-recebimento do recurso, inclusive no juízo de origem, com possibilidade do reexame do Supremo Tribunal Federal, seja no caso de não-recebimento, por agravo de instrumento, seja no caso de reexame prévio no próprio Juízo “ad quem”416.
No mesmo sentido, Silva afirma ser possível a apreciação, pelo tribunal de origem, da
preliminar de alegação da existência de Repercussão Geral. Segundo o autor, não constatada a
referida alegação, pode o juízo de origem não remeter o recurso ao STF, o que não
configuraria, no seu dizer, “usurpação de competência”, pois o tribunal a quo não teria
reconhecido ou afastado o requisito da Repercussão Geral, apenas analisado a alegação417.
4.4.4.2 Competência para apreciação da Repercussão Geral
Sendo o recurso Extraordinário interposto perante o juízo recorrido, cabe a este a
verificação do preenchimento dos requisitos de admissibilidade, excluída de sua alçada a
manifestação sobre a existência ou não da Repercussão Geral na questão debatida, pois,
conforme dispõe o §2º do art. 543-A, do CPC, esta compete exclusivamente ao STF.
414 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, p. 466. 415 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 543-A, §2º, p. 441. 416 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento, p. 690. 417 ALVES E SILVA, Ticiano. Apreciação pelo juízo a quo da existência de alegação de repercussão geral. Revista de Processo, p. 145-146.
101
Remetido o RE ao STF pelo Juízo a quo, o relator procederá, previamente, ao exame
de sua admissibilidade, podendo valer-se do art. 557418, do CPC, para não admitir o recurso
por não preenchimento dos requisitos gerais de admissibilidade (tempestividade, preparo,
cabimento etc.)419. No entanto, afirmam Marinoni e Mitidiero:
Não sendo esse o caso, levará à Turma para apreciação da existência ou não da repercussão geral da controvérsia constitucional. Decidindo esse órgão fracionário pela existência de repercussão geral por, no mínimo, quatro votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário (art. 543-A, §4º, do CPC). Não exige a legislação, portanto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal analise, prioritária e isoladamente, o requisito da repercussão geral420.
Desta forma, composta a Turma por cinco membros421, e decidindo quatro deles pela
existência de Repercussão Geral na questão controvertida, o RE nem será remetido ao
Plenário, por razões de economia processual422. Assim, no dizer de Tucci, se
[...] na própria turma houver 4 votos no sentido de que há repercussão geral, o recurso extraordinário será conhecido, lavrando-se o respectivo acórdão. Em seguida, os autos voltam ao Ministro relator, para o exame e subseqüente pronunciamento sobre o mérito do recurso. As duas sucessivas decisões – a precedente acerca da repercussão geral e a ulterior atinente ao objeto do recurso – formarão, assim, um provimento subjetivamente complexo423.
Santos ressalta que “não há formalização de acórdão sobre o julgamento da
repercussão geral, devendo a súmula da decisão constar de ata que será publicada no Diário
Oficial, valendo como acórdão (art. 543-A, §7º)”424.
418 Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. [...] Cf. BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 557, p. 443. 419 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 46. 420 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 46. 421 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento, p. 690. 422 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 602. 423 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, p. 10. 424 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento, p. 690.
102
Todavia, se a Turma não reconhecer a existência de Repercussão Geral, a questão
deverá ser submetida ao Tribunal Pleno, conforme dispõe o §3º, do art. 102, da CRFB/88425.
Destarte, aduz Tucci,
Se pelo menos 8 Ministros votarem pela ausência de repercussão geral, o recurso não será conhecido, lavrando-se o respectivo acórdão. Se, pelo contrário, não atingir aquela maioria, o recurso é admitido, com acórdão, e, em seguida, os autos serão remetidos à conclusão do Ministro relator para o devido exame do mérito [...]426.
Marinoni e Mitidiero observam que “[...] existe verdadeira presunção de repercussão
geral das questões levadas ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pela via do recurso
extraordinário”427, pois somente com a manifestação de dois terços (que corresponde a 8
Ministros, já que são 11 no total) é que a Repercussão Geral é afastada da questão debatida,
conforme §3º, do art. 102, da CRFB/88.
Sobre a fundamentação da decisão a respeito da existência ou não de Repercussão
Geral, reitera-se que deve ser pública e fundamentada428, em atendimento ao art. 93, IX, da
CRFB/88429, o que justifica o argumento da não-discricionariedade do STF ao analisar a
condição de Repercussão Geral.
Salienta-se, outrossim, o caráter irrecorrível da decisão do STF que não reconhece a
Repercussão Geral, conforme o caput do art. 543-A, do CPC. Marinoni e Mitidiero ressalvam
que
[...] essa previsão não exclui o cabimento dos embargos de declaração (art. 535 do CPC), que poderão ser opostos pela parte com o fito de ver aclarada eventual obscuridade, desfeita certa contradição ou suprida determinada omissão. É absolutamente necessário que a tutela jurisdicional seja prestada de forma clara, coerente e completa e a tanto se presta o recurso de embargos
425 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, p. 10. 426 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, p. 10. 427 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 45. 428 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 46. 429 Art. 93. [...] IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou a somente estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à motivação. Cf. BRASIL. Constituição (1988). Lex: obra coletiva (vade mecum), p. 36.
103
de declaração, acaso à decisão se impute vício de obscuridade, contradição ou omissão430.
Conclui-se, no que tange ao juízo de admissibilidade do RE, que, embora haja a dupla
análise dos requisitos de admissibilidade, tanto pelo Juízo a quo quanto pelo Juízo ad quem, a
condição de mérito da Repercussão Geral deverá ser apreciada exclusivamente pelo STF, em
decisão irrecorrível.
4.4.4.3 O “amicus curiae”
O §6º do art. 543-A do CPC autoriza ao Relator admitir a manifestação de terceiros
sobre a análise da Repercussão Geral. Assim trata o dispositivo: “O Relator poderá admitir, na
análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado,
nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”431.
No mesmo sentido, a Emenda Regimental n. 21 do STF prevê no §2º do art. 323 do
RISTF que “mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a
requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador
habilitado, sobre a questão da repercussão geral”432.
Trata-se, no dizer de Marinoni e Mitidiero433, Theodoro Júnior434, Tucci435, e
Schlosser e Wickert436, da possibilidade de intervenção do amicus curiae, que pode ser
entendido como
[...] um amigo do juiz, [...] um colaborador do juiz, que deve agir no sentido de que o Poder Judiciário, ao decidir, leve em conta, de algum modo, por
430 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 53-54. 431 BRASIL. Código de processo civil: obra coletiva (vade mecum), art. 543-A, §6º, p.441. 432 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007. Lex. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/imprensa/PDF/EmendaReg.pdf>. Acesso em 11 out. 2008. 433 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 40. 434 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 110. 435 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, p. 11. 436 SCHLOSSER, Lizelote Minéia. WICKERT, Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 126.
104
exemplo, como vetor interpretativo, os valores adotados pela sociedade, representada pelas suas instituições437.
Conforme Marinoni e Mitidiero, a manifestação do amicus curiae se justifica “a fim
de que se concretize o ideal de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição [...]a fim
de que se dê um amplo debate a respeito da existência ou não de relevância da questão
debatida”438.
Tucci, ressaltando a importância do amicus curiae, assevera:
A previsão de eficácia futura para casos idênticos da decisão que reconhece a inexistência de repercussão geral, constitui fator suficiente para que o maior número possível de “interessados” possa manifestar-se perante aquela Corte em busca da mais adequada definição do que se amolda e daquilo que não se amolda naquela expressão439.
Deste modo, é salutar a participação de terceiro na análise da Repercussão Geral,
como meio de garantir maior qualidade no debate da questão controvertida, para estabelecer
as situações que refletem ou não o requisito da Repercussão Geral de uma forma clara e
objetiva.
4.4.4.4 O reconhecimento ou afastamento da Repercussão Geral
Como visto, a condição de Repercussão Geral pode ser reconhecida (inclusive pelo
órgão fracionário do STF conforme o §4º, do art. 543-A, do CPC) ou negada pelo Pleno do
STF (pois só este tem tal competência, mediante a manifestação de dois terços de seus
membros, conforme o §3º, do art. 102, da CRFB/88).
O art. 543-B, caput e §1º do CPC determinam que ao Juízo a quo caberá, no momento
da análise do preenchimento dos requisitos de admissibilidade, verificar se entre os recursos
interpostos existe fundamento em idêntica controvérsia, devendo selecionar e remeter ao STF
437 SCHLOSSER, Lizelote Minéia. WICKERT, Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo, p. 126. 438 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 39-40. 439 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, p. 11.
105
parte deles, de forma representativa, detendo o restante até o pronunciamento definitivo do
Juízo ad quem sobre a existência ou não de Repercussão Geral440.
Neste sentido, pontua Theodoro Júnior: “Duas situações distintas podem ocorrer no
pronunciamento do STF: a) pode ser negada a repercussão geral; ou b)pode ser reconhecida.
Na primeira, o extraordinário não será apreciado; na segunda, será julgado pelo mérito”441.
Quanto à primeira situação (que remete ao §2º, do art. 543-B, do CPC), afirma Santos:
[...] negada a repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, os recursos sobrestados, apenas com tal julgamento, considerar-se-ão não admitidos, mas, evidentemente, poderá haver agravo de instrumento para o Supremo Tribunal Federal com fundamento na não-identificação da controvérsia442.
Theodoro Júnior justifica o julgamento de múltiplos recursos com idêntica
controvérsia afirmando que:
A falta de repercussão geral não é do recurso individualmente proposto; é da questão constitucional nele tratada. Se, de tal sorte, a questão não teve repercussão que ultrapasse os limites subjetivos daquela causa, também não terá semelhante repercussão em qualquer outro processo em que volte a ser discutida443.
Ainda no que tange ao afastamento da Repercussão Geral,
Ao Tribunal de origem cumprirá noticiar nos autos de cada recurso paralisado o julgamento do Supremo Tribunal Federal, declarando-os não admitidos. Não lhe é dado remeter recurso com controvérsia já decidida pelo Supremo como de não repercussão geral, estando vinculado verticalmente à decisão do Supremo Tribunal Federal. Em atenção à necessidade de fundamentação das decisões judiciais, tem o Tribunal de origem de acostar
440 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 603. 441 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 112. 442 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1: processo de conhecimento, p. 691. 443 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, p. 112.
106
aos autos dos recursos represados cópia da decisão do Supremo atinente à inexistência de repercussão geral444.
Em síntese, negada a existência de Repercussão Geral, tal decisão terá reflexo direto
nos recursos sobrestados, importando a inadmissão destes. Sentindo-se o recorrente
prejudicado por não ter seu recurso admitido e, entendendo não haver identificação de
controvérsia entre o seu recurso e o recurso julgado pelo STF, poderá interpor Agravo de
Instrumento (com fundamento no art. 544, do CPC) neste sentido.
Sobre a segunda situação, asseveram Marinoni e Mitidiero:
Tendo sido reconhecida a repercussão geral da questão debatida e julgado o mérito recursal, os recursos sobrestados poderão ser apreciados imediatamente pelo Tribunal de origem, pelas Turmas de Uniformização ou pelas Turmas Recursais. Nesse caso, poderão retratar-se de suas decisões, adequando-se à orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo-lhes facultado, ainda, declará-los “prejudicados”, porque manejados em sentido contrário à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (art. 543-B, §3º, do CPC)445.
No entanto, em decorrência do reconhecimento da Repercussão Geral, pode surgir
outra situação, descrita no §4º, do art. 543-B, do CPC, em que o órgão local não se retrata
nem julga prejudicado o recurso sobrestado, mantendo sua decisão e remetendo o recurso
detido, mesmo assim, ao STF. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal poderá cassar ou
reformar liminarmente o acórdão recorrido que contrarie a orientação firmada na decisão do
primeiro recurso, dito “representativo da controvérsia”446.
Ressalta-se que o STF já tem se manifestado acerca do afastamento ou
reconhecimento da Repercussão Geral em vários casos, que podem ser observados via
internet, na página do Tribunal447.
444 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 71-72. 445 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 61. 446 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 604. 447 Matérias com Repercussão Geral podem ser observadas no endereço eletrônico: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/listarRepercussao.asp?tipo=S>. Acesso em: 25. nov. 2008. Já matérias sem Repercussão Geral podem ser observadas no endereço eletrônico: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/listarRepercussao.asp?tipo=N>. Acesso em: 25. nov. 2008.
107
Destarte, constata-se que ao juízo de origem, quando analisar a admissibilidade do RE,
é determinada a tarefa de modificar sua decisão ou declarar prejudicado o recurso com
semelhante controvérsia daquele em que foi reconhecida a Repercussão Geral pelo STF, em
atendimento ao Princípio da Economia Processual, e para que o requisito trazido pela EC
45/2004 cumpra sua função de filtro recursal, aliviando a carga de processos que aguardam
apreciação do Supremo Tribunal Federal.
Frisa-se, a partir do apresentado neste trabalho monográfico, que a condição de
Repercussão Geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, na
qualidade de pressuposto intrínseco, deverá ser observada por ambos os juízos, tanto o
prolator da decisão recorrida como pelo STF, competindo exclusivamente a este último a
manifestação acerca da presença ou não do referido requisito. A tarefa do órgão a quo terá
comparável importância na medida em que efetive a função de filtro recursal atribuída ao
instituto da Repercussão Geral, fazendo com que o Supremo Tribunal Federal aprecie apenas
questões atinentes à tutela da unidade e autoridade da Constituição, relevantes do ponto de
vista econômico, político, social ou jurídico, que transcendam os interesses subjetivos da
causa.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevante modificação no Juízo de Admissibilidade do Recurso Extraordinário
gerada pela inserção do requisito da Repercussão Geral no §3º do artigo 102 da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004,
provocou a curiosidade quanto à configuração da nova condição exigida. Com a
regulamentação sobre o requisito da Repercussão Geral, através da Lei n. 11.418/2006 e da
Emenda Regimental n. 21 do Supremo Tribunal Federal, surgiram muitos questionamentos
acerca dos elementos que configurariam o dito requisito, já que a própria lei não
disponibilizou conceito claro e objetivo sobre o assunto.
O presente trabalho buscou esclarecer esse entendimento, mas em nenhum momento
intencionou colocar um ponto final na questão. Deste modo, traçam-se considerações finais
acerca do que se propôs a estudar.
Para que o objetivo desta pesquisa fosse atingido, partiu-se da análise da Teoria Geral
dos Recursos, passando pela observação dos Requisitos de Admissibilidade dos recursos, até
chegar especificamente ao Recurso Extraordinário e seus pressupostos de admissibilidade,
enfatizando o requisito da Repercussão Geral.
Compreendeu-se, num primeiro momento, que o recurso é a busca da proteção ao
direito de qualquer das partes que se sentir lesada pela decisão proferida, objetivando uma
nova análise e a conseqüente anulação ou modificação dessa decisão. Sua natureza jurídica é
de continuidade do processo, de prolongamento da relação processual, apresentando-se como
um ônus processual ao sucumbente na defesa de seu direito.
Os recursos são regidos por princípios específicos que orientam tanto o legislador, ao
normatizá-los, quanto o julgador, ao apreciá-los. O Princípio do Devido Processo Legal é a
base sobre a qual todos os demais se sustentam, garantindo o direito de acesso ao Poder
Judiciário e o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas.
Completando-o, o Princípio da Razoável Duração do Processo visa garantir maior efetividade
e menos morosidade no andamento e julgamento dos processos.
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Também de relevante importância foi a análise do Princípio do Duplo Grau de
Jurisdição, enfatizando-se o seu caráter de princípio basilar do sistema recursal, que
possibilita o reexame da decisão desfavorável, seja pelo mesmo órgão que a proferiu, ou por
outro hierarquicamente superior, como meio de buscar a segurança e a boa justiça. Ainda,
aquele que pretende recorrer, segundo o Princípio da Taxatividade, poderá socorrer-se
somente por meio dos recursos designados pela lei, além de ter que atender ao Princípio da
Singularidade utilizando-se do recurso específico para atacar determinada situação.
Porém, se um recurso for interposto equivocadamente por outro, o Princípio da
Fungibilidade permite a aceitação daquele, desde que não reflita erro grosseiro e se atenda o
prazo adequado para a interposição do recurso correto. Por último, o Princípio da
Dialeticidade exige do interessado a discursividade na apresentação da petição de interposição
do recurso, expondo todas as razões que o levaram a recorrer, de modo a proporcionar a
formação do contraditório e dar limites ao Juízo ad quem para julgar o recurso.
No segundo momento desta pesquisa, observou-se o Juízo de Admissibilidade dos
Recursos, consistindo este na análise dos Requisitos de Admissibilidade realizado tanto pelo
Juízo a quo como pelo Juízo ad quem, para que o recurso seja conhecido e, assim, analisado o
seu mérito.
Da mesma forma que uma ação precisa preencher determinadas condições para o
pronunciamento do mérito, também os recursos devem cumprir alguns pressupostos,
denominados Requisitos de Admissibilidade. Eles dividem-se em Intrínsecos, relacionados à
existência do direito de recorrer, e Extrínsecos, relativos ao exercício desse direito. Os
primeiros correspondem ao cabimento do recurso, que significa ser o recurso interposto o
adequado para impugnar o ato decisório; à legitimação para recorrer, segundo a qual existem
determinadas pessoas qualificadas para a utilização dos recursos, cabendo a estas,
unicamente, figurar como recorrentes; ao interesse processual que deve ser evidenciado, de
modo que o recurso se mostre útil e necessário ao recorrente; e, ainda, à inexistência de fato
impeditivo ou extintivo do direito, essencial para a prolação do juízo positivo de
admissibilidade do recurso. Os pressupostos extrínsecos são: a tempestividade, devendo o
recurso ser interposto no prazo estabelecido por lei; a regularidade formal, que exige que o
recurso seja interposto por petição, contendo motivação e pedido de nova decisão; e o
preparo, correspondendo ao pagamento prévio das despesas com o procedimento do recurso.
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Abordou-se, também, os efeitos dos recursos, identificando-os em Obstativo, Devolutivo,
Suspensivo, Expansivo, Translativo e Substitutivo.
No último momento deste trabalho, direcionou-se o estudo para as principais
características do Recurso Extraordinário e seus pressupostos de admissibilidade.
O Recurso Extraordinário é um recurso excepcional, destinado a corrigir afronta à
Constituição, visando tutelar direito objetivo. Sua interposição é feita perante o órgão prolator
da decisão recorrida que analisará o preenchimento dos Requisitos de Admissibilidade e, em
caso positivo, o encaminhará ao Supremo Tribunal Federal para apreciação e julgamento do
mérito.
Só será admitido o Recurso Extraordinário que se baseie em causa decidida, ou seja,
em que tenha sido resolvida a lide, e desde que todas as demais vias recursais tenham sido
esgotadas, não cabendo, desta forma, nenhum outro tipo de recurso. Tampouco não cabe ao
Recurso Extraordinário ensejar a revisão de matéria de fato pelo STF, cuja tarefa é remetida
às instâncias inferiores.
O Recurso Extraordinário deve-se fundar nas hipóteses do artigo 102, inciso III, da
CRFB/88. Assim, nos casos de decisão contrária a dispositivo da Constituição, ou que declare
a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou que julgue válido ato normativo local
contestado em face da Constituição, ou, ainda, que julgue válida lei local em face de lei
federal, nestes casos caberá Recurso Extraordinário ao STF.
Porém, o cerne desta pesquisa encontra-se no requisito de Repercussão Geral exigido
para a admissibilidade do Recurso Extraordinário, que corresponde à existência de questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os
interesses subjetivos da causa.
Sendo um requisito intrínseco de admissibilidade do Recurso Extraordinário,
verificou-se que a Repercussão Geral tem a função de filtrar o excesso de recursos levados ao
STF, que muitas vezes, apesar de alegarem controvérsia à Constituição, não transcendem aos
interesses subjetivos das partes, o que acaba convertendo aquele tribunal em uma terceira ou
quarta instância de julgamentos, atrapalhando o cumprimento de sua real função como
garantidor da unidade e autoridade da Constituição.
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A doutrina entende que o Supremo Tribunal Federal não age com discricionariedade
quando determina o reconhecimento ou afastamento da Repercussão Geral, pois sua decisão
deverá ser fundamentada de acordo com as próprias exigências da Constituição. A partir do
momento que uma causa revela questão de Repercussão Geral, esta servirá como parâmetro
para as de idêntica controvérsia, que ficaram sobrestadas no Juízo a quo quando realizou o
primeiro exame de admissibilidade do Recurso Extraordinário.
Embora haja este entendimento, há que se pontuar que existe sim uma
discricionariedade na decisão do STF quando reconhece ou afasta a Repercussão Geral, uma
vez que não existem situações determinadas (além das apresentadas no §3º do art. 543-A do
CPC) sobre os aspectos econômicos, políticos, sociais ou jurídicos, cabendo ao mencionado
Tribunal analisar cada caso, decidindo pela existência ou não da Repercussão Geral. A
discricionariedade não se trata de ampla e irrestrita liberdade para decidir se a questão é
relevante ou não sob os aspectos citados, mas de uma liberdade limitada pela lei. Assim,
mesmo limitada ela permite ao Supremo Tribunal Federal certa flexibilidade ao enquadrar as
situações como de Repercussão Geral ou não, que pode variar, até mesmo, de acordo com o
momento político vivido pelo país, desde que por decisão devidamente fundamentada.
A análise da Repercussão Geral é de competência exclusiva do Supremo Tribunal
Federal, cabendo ao órgão de origem da decisão recorrida apenas analisar a alegação de
Repercussão Geral que deverá ser feita em preliminar das razões recursais. Sobre o
reconhecimento e o afastamento da Repercussão Geral somente o STF poderá se manifestar.
A partir do problema elaborado para esta pesquisa e diante das hipóteses listadas, com
base no que foi estudado e apresentado, conclui-se que há elementos teóricos e práticos que
devem ser considerados para a configuração do requisito da Repercussão Geral para fins de
interposição do Recurso Extraordinário, os quais encontram sua delimitação na legislação
infraconstitucional, em razão do disposto no artigo 543-A do Código de Processo Civil, o que
faz com que a primeira hipótese seja confirmada.
A segunda hipótese também restou ratificada pois, conforme o pesquisado, estes
elementos dividem-se em objetivos e subjetivos. Ao primeiro aspecto correspondem as
situações descritas no §3º do art. 543-A do CPC, ou seja, toda vez que uma decisão recorrida
contrariar súmula ou jurisprudência dominante do STF estará presente o requisito da
Repercussão Geral. Ao segundo correspondem as questões relevantes do ponto de vista
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econômico, político, social ou jurídico (art. 543-A, §1º do CPC), cuja presença ou não de
Repercussão Geral, nestes casos, será definida por interpretação exclusiva do Supremo
Tribunal Federal. O STF, utilizando-se de discricionariedade, nos termos já comentados,
analisará caso a caso e, por meio de decisão fundamentada, reconhecerá a existência ou não
de Repercussão Geral.
Quanto à terceira hipótese considerada, esta é refutada pois a Repercussão Geral é
Requisito de Admissibilidade a ser analisado e configurado de acordo com o que dispõe o art.
543-A do CPC, independentemente das hipóteses de cabimento em que se fundar o Recurso
Extraordinário. Desta forma, não interfere no Juízo de Admissibilidade da Repercussão Geral
se o Recurso Extraordinário impugna decisão que contrarie a Constituição, ou declare a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgue válida lei ou ato de governo local
contestada em face da Constituição, ou, ainda, julgue válida lei local contestada em face de lei
federal.
Por fim, considera-se que o objetivo proposto para este trabalho foi atingido, cuja
intenção foi aprimorar os conhecimentos sobre o tema, esclarecendo alguns tópicos
pertinentes, na certeza de que uma pequena contribuição para o mundo jurídico foi lançada,
visando provocar novas pesquisas e com isso o engrandecimento do debate na seara do
Direito Processual Civil.
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