universidade do extremo sul catarinense unesc …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/marília de...

102
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC CURSO DE DIREITO MARÍLIA DE COSTA DALMOLIM O RECALL COMO INSTRUMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2010.

Upload: phungkhanh

Post on 10-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

1

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC

CURSO DE DIREITO

MARÍLIA DE COSTA DALMOLIM

O RECALL COMO INSTRUMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.

CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2010.

Page 2: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

2

MARÍLIA DE COSTA DALMOLIM

O RECALL COMO INSTRUMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Ciências Jurídicas da

Universidade do Extremo Sul Catarinense, como

requisito essencial para obtenção do titulo de

Bacharel em Direito, elaborado sob orientação do

Professor Elton Luiz Tibes da Silva.

CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2010.

Page 3: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

3

MARÍLIA DE COSTA DALMOLIM

O RECALL COMO INSTRUMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO SOB A

ÓTICA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela

Banca Examinadora para obtenção de Grau no

Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul

Catarinense, UNESC.

Criciúma, 03 de Dezembro de 2010.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________ Prof. (º) Elton Luiz Tibes da Silva - Especialista - UNESC - Orientador

_____________________________________ Prof. (º). Dilvânio de Souza - Mestre - UNESC

_____________________________________________________ Prof. (ª) Márcia Andrea Shultz Lirio Piazza - Especialista - UNESC

Page 4: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

4

Dedico este trabalho aos meus pais Flávio e Santina que com todo amor e carinho me apoiaram em todos os momentos da minha vida, especialmente durante minha vida acadêmica, não medindo esforços para que eu chegasse até aqui.

Page 5: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

5

AGRADECIMENTOS

Nesta etapa conclusiva do meu curso, gostaria de agradecer

primeiramente a Deus, que me deu forças e coragem para concluir mais esta etapa

tão importante de minha vida.

A minha família que sempre esteve ao meu lado, apoiando-me e

auxiliando-me nas horas em que mais precisei.

De forma especial, deixo meus agradecimentos ao meu querido professor

e orientador Elton Luiz Tibes da Silva, que sempre esteve disponível para esclarecer

minhas dúvidas, oferecendo seus conhecimentos e me ajudando a desenvolver este

trabalho.

Aos professores da banca examinadora, por dispor do seu valioso tempo

para ler e corrigir a presente monografia.

A todos os meus amigos que conquistei durante este longo período

acadêmico, em especial, a minha amiga Elaine Cardoso, que contribuiu muito para a

conclusão deste trabalho.

Page 6: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

6

“O consumo é a parte indissociável do cotidiano do ser humano. È verdadeira a afirmação que todos nós somos consumidores. Independente da classe social e da faixa de renda, consumidores desde o nascimento e em todos os períodos de nossa existência. Por motivos variados, que vão desde a necessidade e da sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo pelo consumo.”

João Batista de Almeida

Page 7: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

7

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo, analisar a possibilidade da aplicação do princípio da precaução ao instituto do recall, em razão de sua importância para a segurança dos produtos nas relações de consumo. A sociedade de consumo evoluiu significativamente nas últimas décadas, em decorrência da hegemonia do sistema capitalista no mundo, fator determinante, para o surgimento de uma massa consumidora com poder de compra. Em razão disso, começaram a surgir novos riscos para os consumidores, decorrentes da produção em larga escala e da colocação de bens no mercado, com vícios de qualidade ou quantidade, em razão de falhas no controle de qualidade. Assim, surgiu a necessidade da intervenção estatal, através da previsão do instituto do recall no art. 10 da Lei 8.078/90, impondo ao fornecedor, a retirada de produtos ou serviços do mercado de consumo, quando apresentarem alto grau de periculosidade ou nocividade para o consumidor, a fim de sanar os vícios ou defeitos. Para tanto, a pesquisa, abordará o surgimento da tutela e proteção do consumidor, como também, os princípios constitucionais previstos em nossa Carta Magna, seus direitos básicos, bem como as responsabilidades do fornecedor e os aspectos gerais do recall, como também à possibilidade da aplicação do princípio da precaução ao instituto do recall, nos casos onde exista dúvida a respeito da segurança dos produtos e serviços, que já estejam sendo comercializados no mercado de consumo.

Palavras-chave: Sociedade de consumo. Direito do consumidor. Responsabilidades do fornecedor. Recall. Princípio da precaução.

Page 8: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. – Artigo

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CPC – Código de Processo Civil

DPDC– Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor

OMC– Organização Mundial do Comércio

ONU– Organização das Nações Unidas

TAC– Termo de Ajustamento de Conduta

STJ – Superior Tribunal de Justiça

Page 9: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

9

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11

2. ASPÉCTOS HISTÓRICOS SOBRE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR .......... 13

2.1 As normas de proteção ao consumidor no Brasil .......................................... 16

2.2 Direito do consumidor como direito fundamental .......................................... 17

2.3 Princípios constitucionais do direito do consumidor .................................... 21

2.3.1 Princípio da dignidade ................................................................................... 22

2.3.2 Princípio da liberdade .................................................................................... 22

2.3.3 Princípio da igualdade ................................................................................... 23

2.3.4 Princípio do acesso à justiça ........................................................................ 24

2.4.3 A relação jurídica de consumo...................................................................... 24

2.4.1 Conceito jurídico de consumidor.................................................................. 25

2.4.2 Conceito jurídico de fornecedor ................................................................... 27

2.4.3 Conceito jurídico de produto e serviço ........................................................ 28

2.5 Princípios gerais do direito consumidor ......................................................... 29

2.6 Direitos básicos do consumidor ...................................................................... 31

2.6.1 Direito à vida, à saúde e à segurança ........................................................... 31

2.6.2 Direito à Educação e à Informação ............................................................... 33

2.6.3 Direito à proteção contra práticas e cláusulas abusivas ............................ 34

2.6.4 Direito a facilitação da defesa dos seus direitos e inversão do ônus da

prova......................................................................................................................... 35

2.6.5 Direito a prevenção e reparação de danos materiais e morais .................. 36

3. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR NO MERCADO DE CONSUMO ..... 38

3.1 A Teoria do risco do negócio: A Base da responsabilidade objetiva ........... 39

3.1.1 Produção em série ......................................................................................... 41

3.2 Da Responsabilidade Civil dos Fornecedores ................................................ 43

3.3 Responsabilidades pelo vício do produto e do serviço ................................. 47

3.4 Responsabilidades pelo fato do produto e do serviço e o acidente de

consumo .................................................................................................................. 48

3.5 Responsabilidades penais e administrativas do fornecedor no recall ......... 55

3.6 Causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor .............................. 58

3.6.1 A não colocação do produto no mercado .................................................... 58

3.6.2 A inexistência do defeito ............................................................................... 59

Page 10: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

10

3.6.3 A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro ........................................ 59

3.6.4 O caso fortuito e força maior......................................................................... 60

3.6.5 Riscos de Desenvolvimento .......................................................................... 61

3.7 O contrato nas relações de consumo .............................................................. 62

4. O INSTITUTO DO RECALL E SUA APLICAÇÃO NO CDC SOB A ÓTICA DO

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO .................................................................................. 66

4.1 Aspéctos gerais sobre o recall (chamada para voltar) .................................. 66

4.1.2 Responsabilidade pós- recall ........................................................................ 72

4.2 O recall e a proteção coletiva nas relações de consumo .............................. 73

4.3 O Princípio da Precaução ................................................................................. 78

4.4 O recall e a custo para a atividade econômica ............................................... 83

4.5 O recall e o princípio da Precaução nas relações de consumo .................... 85

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 89

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 92

ANEXO...................................................................................................................... 97

Page 11: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

11

1. INTRODUÇÃO

Anteriormente a era moderna, não existia a necessidade da codificação

de normas garantidoras do direito do consumidor, eis que não se fazia presente o

consumo em massa e o direito se ocupava somente de normas singularmente

consideradas, embora já houvesse algumas normas esparsas garantidoras de

alguns direitos dos consumidores.

Após o início da Revolução Industrial na Inglaterra no Século XVIII, houve

paulatinamente o surgimento da economia de mercado, onde o consumo

desenvolveu-se de maneira extraordinária, sendo considerado o propulsor do

desenvolvimento dos países capitalistas, em razão do surgimento da sociedade de

consumo. Até então, havia uma falsa idéia de que o consumidor era favorecido pelo

sistema da livre concorrência do mercado, pela multiplicação de bens e serviços,

embora alguns estudiosos, já denunciavam tal situação.

É a partir da década de 1950, com o crescimento da produção em massa

e o surgimento de grandes corporações que a idéia da ditadura do consumidor no

mercado foi paulatinamente sendo substituído pela percepção de que ele era o elo

mais fraco do mercado de consumo, merecendo, portanto, proteção. A partir de

então, vários países passaram a editar normas de proteção aos consumidores, mas

sem uma autonomia disciplinar, que acabou acontecendo, principalmente nos

Estados Unidos, na década de 1960. No Brasil, esta proteção veio com a

Constituição Federal de 1988, que determinou a edição de um Código de Defesa do

Consumidor 120 dias após a sua promulgação, prazo este que não foi respeitado

pelo legislador, pois a Lei 8078, somente entrou em vigor em 11 de setembro de

1990.

Objetiva-se com o presente trabalho monográfico, a análise de como

funciona o instituto do recall1, bem como a possibilidade da utilização do princípio da

precaução, considerando-se a previsão no inciso XXXII do art. 5º da Constituição

Federal.

Para tanto, foi realizado pesquisa bibliográfica, visando demonstrar como

se dá a sua aplicação no âmbito consumerista.

1 Segundo o dicionário de inglês-português, português-inglês, a palavra recall significa: “chamada

para voltar; recordação; retratar-se; lembrar-se; mandar voltar.” (OLINDO, 2009, p.321). O recall está previsto no art. 10 §1º do Código de Defesa do Consumidor.

Page 12: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

12

Analisaremos no primeiro capítulo, o histórico do direito do consumidor, o

direito do consumidor como princípio fundamental reconhecido pela Constituição

Federal, assim como os princípios constitucionais e os específicos aplicáveis ao

direito do consumidor e por fim, uma análise geral dos direitos básicos do

consumidor como forma de proporcionar um conhecimento geral acerca do tema

para posteriormente se adentrar no mérito da questão.

Na abordagem se faz necessário demonstrar, que existe um desequilíbrio

nas relações de consumo, mesmo sendo o consumidor considerado o mais

vulnerável da relação, pois o fornecedor é o detentor dos meios de produção

dominando o conhecimento técnico, jurídico e econômico.

No segundo capítulo, será analisado o surgimento da necessidade da

tutela do consumidor, em vista ao surgimento do consumo em massa e

consequentemente da produção em série. Num segundo momento verificaremos a

teoria do risco do negócio jurídico e a responsabilidade do fornecedor. E por fim, os

contratos nas relações de consumo, e em especifico o contrato de adesão.

Por derradeiro, entraremos no mérito da questão. O terceiro capítulo

tratará do princípio da precaução, a possibilidade de sua aplicação ao instituto do

recall. Para tanto será feito um estudo sobre a ação civil pública como instrumento

jurídico para efetivar a realização do recall como forma de garantir a proteção a vida,

a saúde e a segurança do consumidor.

O presente trabalho monográfico visa demonstrar a necessidade de

aplicação do instituto do recall como forma de prevenção de danos potenciais ao

consumidor, principalmente, considerando a atual sociedade de consumo.

Para fins de realização deste trabalho monográfico utilizou-se o método

de pesquisa dedutivo teórico através de pesquisa bibliográfica em livros, artigos e

periódicos.

Page 13: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

13

2. ASPÉCTOS HISTÓRICOS SOBRE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

Nos primórdios, a proteção do consumidor se fundava em normas

esparsas, ou seja, eram baseadas nas crenças e costumes, já que não havia

consumo em massa, não havendo a proteção do Estado. Posteriormente com o

desenvolvimento do comércio, por via de consequência também há um aumento do

consumo, pois as indústrias passam a produzir diversidade de bens ou produtos. O

controle estatal, o comércio e a economia se manifestam, através de normas

específicas.

Já na era moderna, a partir do momento em que começou a produção em

massa, após a Revolução Industrial, a presença do Estado na regulação da

economia se torna mais efetiva, inclusive nas relações de consumo.

Neste sentido, um dos movimentos mais importante para os

consumidores foi à mensagem do Presidente Kennedy que reconheceu quatro

direitos básicos do consumidor (direito à segurança, à informação, à escolha e

direito de ser ouvido) ao Congresso dos Estados Unidos, conhecida como

“Declaração dos direitos essenciais do consumidor”, posteriormente recepcionados

pela Organização das Nações Unidas (ONU). (MARQUES, 2004, p.319).

A sistematização das normas de proteção ao consumidor é recente na

maioria dos países. Foi a partir da metade deste século que surgiu como ramo de

direito. Até o século XIX era encontrado em normas esparsas, comprovado pelos

costumes de diversos países. No entanto não era compreendida sua natureza

jurídica distinta, e também, não recebia a designação como ramo especializado do

direito.

Afirma Filomeno (2003, p.24), que já havia normas, que visavam à

proteção do consumidor no antigo Código de Hammurabi, e exercitavam o Direito do

Consumidor. Menciona que o arquiteto que viesse a construir uma casa onde as

paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las ou consolidá-

las as suas próprias expensas. E também se por ventura houvesse consequências

como o desabamento com vítimas fatais, o empreiteiro da obra era obrigado a

reparar os danos causados ao empreitador, como também recebia punição de pena

de morte, se o desabamento atingisse o chefe da família; caso morresse o filho do

dono da obra, pena de morte para o respectivo parente do empreiteiro, e assim por

diante.

Page 14: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

14

Na índia o Código de Manu também previa punição e multa, além de

ressarcimento dos danos, aqueles que adulterassem gêneros, ou entregassem coisa

de espécie inferior àquela acertada. Já na Grécia, conforme a lição extraída da

Constituição de Atenas, de Aristóteles, também havia uma preocupação referente à

defesa do consumidor. (FILOMENO, 2003, p.25).

Nesse sentido entende-se que já havia normas na idade antiga, mesmo

esparsas referentes ao consumidor, que tinham o intuito de regular as relações de

consumo. Diferentemente do período Medieval, onde o consumo era de forma

individualizada e apenas os nobres podiam consumir, sendo que o Estado

continuava inerte, sem poder intervir nas relações de consumo.

No Estado Medieval não havia consumo em massa, esse era

individualizado; apenas as cortes consumiam durante este período. O Estado não

interferia nas relações de consumo. (BITTAR, 1991, p.08).

Ainda na Idade Média, com o desenvolvimento do comércio começaram a

surgir as primeiras “Corporações de Oficio” no século XII, um sistema rígido

instituído pelos artesãos, com o intuito de fiscalizar o processo produtivo artesanal

nas cidades, permitindo assim, a proteção eficaz do consumidor. (BITTAR, 1991,

p.14).

Aqui as normas continuavam esparsas, porém o Estado já interferia nas

relações de consumo, de forma que obtinha o controle do comércio e da economia,

tendo em vista o desenvolvimento do comércio, e por consequência o aumento de

consumo nas empresas desenvolvidas que passaram a produzir mais produtos, para

poder suprir o aumento da demanda.

No século XVII, surgiu a manifestação do individualismo na sociedade

ocidental moderna, através da moda. Houve um desenvolvimento em razão de um

modelo seletivo adaptado pela burguesia. Um modelo que se equiparava com o da

corte, só que mais moderna e livres dos excessos aristocráticos. Um modismo que

correspondesse aos valores burgueses de medida, de prudência, de limpeza e de

conforto. Ocorreu uma evolução nos padrões de moradia, que tinham como

referência os padrões da nobreza, mas com baixo custo em relação ao modismo dos

nobres. (FIGUEIREDO, 2004, p.93).

Com relação ao desequilíbrio nas relações de consumo devido a

Revolução Industrial do século XVIII, Carlos Alberto Bittar menciona que:

Page 15: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

15

[...] com o desenvolvimento do comércio e a expansão obtida depois com a denominada Revolução Industrial, que, alterado profundamente o cenário econômico, começou a manifestar-se o desequilíbrio nas relações de consumo, exacerbado no século atual em função do fenômeno da concentração de grandes capitais, em empresas industriais, bancárias, de seguro, de distribuição de produtos e em outras. Polarizou-se, ademais, o conflito no setor das relações entre produtor e consumidor, atraindo-se a atenção do legislador, a nível internacional e nacional, para a edificação do regime próprio e sem prejuízo dos mecanismos normais de defesa dos contratantes. (BITTAR, 1991, p.09).

No começo do século XX, devido à aglomeração de pessoas nos grandes

centros urbanos, instaurou-se um modelo de produção denominado de modelo de

massificação, onde haveria a fabricação de produtos e oferta de serviços em série,

de forma padronizada e uniforme, com o objetivo de diminuir o custo da produção,

atingindo assim, maiores parcelas de população com o aumento de oferta. Esse

modelo se destaca nos dias atuais, onde não é mais a procura que vincula a oferta,

mas sim o contrário. (NUNES, 2009, p.173).

Ocorre que com este modelo de produção, o consumidor não compra o

que ele quer e sim o que está dentro do mercado, ou seja, o que o fornecedor pode

oferecer para determinar no seu exclusivo interesse, visando maior lucro, porém, em

virtude disso, acaba perdendo o controle da função de consumir. (NUNES, 2000,

p.70).

Tem-se como primeira real manifestação moderna da necessidade de

proteção do consumidor o “Sherman Antitrust Act de 1890”, nos Estados Unidos;

porém, foi apenas em 1962, com a mensagem do presidente Kennedy ao Congresso

dos Estados Unidos, conhecida como “Declaração dos Direitos Essenciais do

Consumidor”, pela qual se elencavam os quatro direitos básicos (direito à

segurança, à informação, à escolha e direito de ser ouvido), é que a idéia de sua

tutela foi finalmente consolidada. (MARQUES, 2004, p.319).

No ano de 1972 foi realizada a Conferência Mundial do Consumidor, em

Estocolmo. Já em 1973 a Europa começou a se manifestar em relação à proteção

ao consumidor, aprovando a resolução 543, que acabou originando a Carta

Européia de Proteção ao Consumidor. E assim vários países começaram a elaborar

e promulgar leis objetivando a proteção dos direitos do consumidor. (MIRAGEM,

2008, p.24)

A mensagem de Kennedy inspirou a Organização das Nações Unidas

(ONU), que somente em 1985 elaborou a resolução n° 39.248, na qual tratava sobre

a proteção do consumidor, e positivou o princípio da vulnerabilidade no plano

Page 16: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

16

internacional, recomendando aos Estados nacionais a adoção de direitos políticos

de proteção ao consumidor, visando regular principalmente os seguintes temas:

[...] segurança física do consumidor; proteção e promoção dos interesses econômicos do consumidor; padrões de segurança e qualidade dos bens e serviços oferecidos ao consumidor; meios de distribuição de bens e serviços essenciais; regras para a obtenção de ressarcimento pelo consumidor; programas de informação e educação do consumidor, e normas de proteção em setores específicos como de alimentos, água e medicamentos. (MIRAGEM, 2009, p.24/25).

Essa mensagem do Presidente Kennedy, conhecida como “Declaração

dos direitos essenciais do consumidor” foi à primeira manifestação no mundo voltada

exclusivamente para o reconhecimento e proteção dos direitos do consumidor.

2.1 As normas de proteção ao consumidor no Brasil

No Brasil, as primeiras normas de proteção ao consumidor foram

introduzidas com as Ordenações Filipinas (século XIX). O reconhecimento dos

direitos econômicos e sociais do homem foram, entretanto, incorporados à Carta

Magna brasileira apenas em 1934 com a Constituição decorrente da famosa

Revolução Constitucionalista de 1932. (BITTAR, 1991, p. 16).

Da década de 30 em diante, vários decretos e leis foram sendo criados,

dentre elas a Lei da Usura (decreto n° 22.626) e a Lei de Repressão ao Abuso

Econômico (Lei n° 4.137); essas foram solidificando o direito à proteção do

consumidor, até que em 1988, com a nossa notável “Constituição Cidadã” o direito

do consumidor foi finalmente inserido como direito e garantia fundamental das

pessoas. (BITTAR, 1991, p. 17).

Assim o Brasil, passou a ter previsão constitucional específica para a

proteção do consumidor expressa em seus artigos 5º, inciso XXXII2, art. 129, inciso

III3, art. 170, inciso V4, art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,

2 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL, 2010-b)

3 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

[...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e

social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (BRASIL, 2010-b)

Page 17: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

17

além dos artigos 220 e 221 da Constituição Federal, que evidencia a preocupação

do constituinte com a proteção do consumidor.

Denota-se que o Congresso Nacional aprovou a Lei 8.078 em 11 de

setembro de 1990 tardiamente, fora do prazo dos 120 (cento e vinte) dias

estabelecido no art. 48 da Constituição Federal de 1988.

Assim foram estabelecidas normas de ordem pública no artigo 1º do

Código de Defesa do Consumidor (CDC5), conferindo competência jurisdicional

cível, criminal e administrativa para diversos órgãos do Estado, como também

reconheceu o papel das sociedades civis, por meio das associações de

consumidores e as demais entidades que visam à defesa do consumidor.

(MIRAGEM, 2009, p. 25).

Denota-se, portanto que antes dos anos 90, não havia um sistema

organizado que pudesse distinguir o consumidor do fornecedor, quais princípios,

garantias, ou até sanções empregadas nessas relações de consumo.

2.2 Direito do consumidor como direito fundamental

O direito do consumidor como direito fundamental está estabelecido no

art. 5º, XXXII, da nossa Constituição Federal de 1988.

A defesa do consumidor é caracterizada como direito fundamental no

ordenamento jurídico brasileiro. Miragem (2008, p.35) declara que essa

caracterização como direito fundamental, decorre do fato de a defesa do consumidor

ter sua localização, na Constituição de 1988, no artigo 5º, XXXII, que determina

expressamente: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

(BRASIL, 2010-b).

Assim, o consumidor passou a ter proteção específica em nosso

ordenamento jurídico, em reconhecimento de sua vulnerabilidade no mercado.

4 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem

por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor. (BRASIL, 2010-b) 5 Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (BRASIL, 2010-a)

Page 18: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

18

Para Marcelo Junqueira Calixto, a figura do consumidor está inserida no

nosso sistema constitucional, sendo fundamental para o próprio sistema econômico,

pois visa assegurar a proteção e defesa do consumidor frente aos desequilíbrios

encontrados em relação aos detentores dos meios de produção. “[...] busca-se a

proteção efetiva da pessoa do consumidor, dotada de dignidade, que não deve mais

ser vista como simples peça da engrenagem de uma produção em massa”.

(CALIXTO, 2006, p.319).

Segundo Weber (2006, p.43-44), o princípio normativo constitucional de

defesa do consumidor se contempla num direito fundamental e a sua violação

acarreta na ofensa da dignidade da pessoa humana. Afirma que na sociedade

contemporânea, se faz necessário, tendo em vista a imposição dos detentores dos

meios de produção, mercado/ trabalho/ consumo, destacando que o homem pratica

uma cadeia social: - trabalho para o mercado; - produz o consumo; - que paga o

trabalhador para consumir. Assim é fundamental que se resgate a pessoa humana e

a sua dignidade, para determinar limites, realizando a proteção do consumidor para

impor o tratamento desigual às relações desiguais.

Toda norma é produzida com o objetivo de regular as relações de

consumo, de forma que devem se adequar ao princípio constitucional da defesa do

consumidor. É o que ensina José Gomes Canotilho, quando afirma que:

A constituição surge, assim como enucleação do dado originário institucional através do poder constituinte, sendo manifesto que este dado não se concebe integracionisticamente como um dado de unidade (vontade do Estado, ordem de valores), mas como aceitação dos contrastes e tensões das forças e grupos que numa sociedade antagônica e pluralista conseguem dar vida a uma lei fundamental. Mas a constituição é também conditio per quan da produção normativa, sobre um triplo ponto de vista: 1) como princípio da legislação ou normação ordinária primária e geral; 2) como conjunto de limites de forma e de substância a esta mesma legislação; 3) como parâmetro de constitucionalidade de actos legiferantes. (CANOTILHO, 2001, p.128).

O legislador buscou uma forma para equilibrar a situação entre o

fornecedor e o consumidor quando obrigou o Estado a promover a proteção do

consumidor, elevando- o como um direito fundamental.

Cabe ao legislador o dever de elaborar normas que visem à proteção do

consumidor. Aos tribunais cabe o dever de aplicar e interpretar essas normas e

outras fontes normativas, de forma como prevê a nossa Carta Magna, a sua efetiva

proteção particular do consumidor. (DUQUE, 2009, p153-157).

Page 19: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

19

Neste sentido, o artigo 5º da nossa Carta Magna, em seu inciso XXXII,

descreve a respeito dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Pode-se

notar a necessidade de se promover a defesa do consumidor, colocando como

cláusula pétrea, ao indicar o objetivo do legislador referente à matéria.

Dessa forma Sodré (2007, p. 165), menciona que a razão da existência

do inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, é que: “[...] a relação de

consumo é, por definição, desigual. As partes dessa relação – consumidor e

fornecedor – não têm o mesmo poder e conhecimento, e por isto, uma delas , o

consumidor merece a proteção do Estado”. Uma vez que não aparece nos artigos

da Constituição Federal, como deverá ser promovida a defesa da parte mais

vulnerável nesta relação.

Miragem (2008, p.35) preceitua que “a desigualdade, se encontra em

relação à posição favorecida que o fornecedor tem em relação ao consumidor”,

principalmente [...] “em razão de um pressuposto poder econômico ou técnico mais

significativo, que o corresponderá, necessariamente, a uma posição de fragilidade e

exposição do consumidor, o que se convencionou denominar de vulnerabilidade

deste em relação àquele”.

Assim, Miragem (2008, p. 35) reconhece que o direito do consumidor se

compõe como um direito à proteção do Estado contra a intervenção de terceiros, de

tal forma que a qualidade de consumidor lhe conceda alguns direitos oponíveis, em

regra, aos entes privados, e em menor grau (relação a alguns serviços públicos), ao

próprio Estado. E também destaca que a jurisprudência e doutrina brasileiras, têm

entendido que a defesa do consumidor não pode ser alvo de reforma pelo Poder

Constituinte, e isso decorre do fato de a defesa do consumidor estar localizada na

Constituição, expressamente no Capítulo I “Dos direitos e deveres individuais e

coletivos”, do Título II “Dos direitos e garantias fundamentais” parte privilegiada da

Constituição que está a salvo de qualquer reforma.

No entanto, Sodré (2007, 162-164) acredita que o Brasil é um pouco

atrasado em relação a outros países no que tange à sistematização da matéria

defesa do consumidor na Constituição Federal, já que os artigos que falam do tema

estão espalhados pela Constituição, não havendo um capítulo específico, que trate

da matéria.

Para Geiza de Assis Rodrigues, a proteção ao consumidor é um direito,

pois:

Page 20: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

20

[...] a ele correspondem deveres jurídicos do Estado de: a) obedecer em todas as suas ações legislativas e administrativas a idéia de preservar os interesses dos consumidores; b) de editar a lei específica de proteção ao consumidor. (...) Ao mesmo passo existe um dever jurídico de todas as pessoas de respeitarem os padrões de defesa do consumidor estabelecidos pelo Estado. Obviamente, que a lesão a esses deveres gera uma pretensão dos consumidores de verem seus direitos restabelecidos. (RODRIGUES, 2006, p. 86).

Preceitua Abreu (2005, p. 08), que a partir da resolução n. 39.248 de

10/04/1985 da ONU, diversos países passaram a enfrentar a questão da proteção

do consumidor. O princípio da vulnerabilidade do consumidor foi positivada no plano

internacional e diretrizes foram traçadas para proteger o consumidor, dentre elas: a)

proteção dos consumidores diante dos riscos para a sua saúde e segurança, b)

promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores, c) acesso dos

consumidores à informação adequada, d) educação do consumidor, e) possibilidade

de compensação em casos de danos, f) liberdade de formar grupos e outras

organizações de consumidores e a oportunidade de apresentar suas visões nos

processos decisórios que as afetem. “Estas diretrizes forneceram importante

conjunto de objetivos internacionalmente reconhecidos, destinados aos países em

desenvolvimento, a fim de ajudá-los a estruturar e fortalecer suas políticas de

proteção ao consumidor”. (ABREU, 2005, p.08).

Ainda podemos mencionar que a defesa do consumidor é considerada

como um dos princípios basilares da ordem constitucional econômica. Assim, o art.

170 da Constituição Federal, ao dizer:

[...] que a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observados certos princípios basilares, dentre eles destaca precisamente a defesa do consumidor (inciso V). (FILOMENO, 2003, p. 28).

No que tange à configuração da Defesa do Consumidor como Princípio da

Ordem Constitucional Econômica, Sodré (2007, p. 165) menciona que até

Constituição de 1988, não existia no capítulo da ordem econômica que fizesse

referência a proteção do consumidor. Essa ausência sempre foi interpretada como

forma de impor limites a livre iniciativa.

O legislador buscou em 1988 que a livre iniciativa deveria ser limitada, ao

fato de que o consumidor não poderia ser lesado, cabendo ao Estado, prevenir e

punir quem ultrapassasse esses limites.

Petter (2005, p. 231-233) reconhece alguns motivos pelos quais o Estado

passou a interferir nas relações privadas: a vulnerabilidade do consumidor, as

Page 21: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

21

práticas abusivas do poder econômico que são nocivas ao consumidor. Assim, o

autor declara que o CDC cumpre relevante papel para a proteção do consumidor.

Em relação à proteção do consumidor referente ao disposto ao art. 48 dos

Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, menciona que o legislador

constituinte, de maneira clara, estabeleceu um prazo para que o legislador ordinário

elaborasse o CDC. (REGO, 2007, p.65).

O legislador obrigou o Estado a promover a proteção do consumidor,

elevando a direito fundamental do cidadão e, conforme dispõe o art. 5º, XXXII, 48 e

170 da orientação de nossa Constituição Federal, sendo aprovado pelo Congresso

Nacional através da Lei 8.078, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor em

11 de setembro de 1990, fora do prazo de 120 (cento e vinte) dias estabelecido no

art. 48 da Constituição Federal.

2.3 Princípios constitucionais do direito do consumidor

Os princípios são bases para o nosso ordenamento jurídico que servem

para fundamentar alguma coisa. Tudo que é construído depende de um princípio, ou

seja, de um ponto de referência.

Segundo Plácido e Silva (2001, p. 639), os princípios são normas

essenciais ou requisitos indispensáveis que servem de base e fundamento para

alguma coisa. Seria um conjunto de regras ou conceitos que são indicados como

finalidade de norma a toda espécie e ação jurídica, detalhando desta forma, o

comportamento em relação a qualquer operação jurídica. São os aspectos básicos

que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito.

Todos os ramos de direito gozam de seus princípios próprios, porém os

princípios constitucionais são considerados hierarquicamente superiores aos

demais, tendo em vista que objetivam a função de salvaguardar os valores

fundamentais da ordem jurídica.

Nesse sentindo, Suzana Maria da Glória Ferreira (2004, p.30) conclui que

em todas as áreas do direito encontramos os princípios, no entanto, os

constitucionais são mais importantes, pois a Constituição é um documento jurídico

que contem em seu texto princípios que visam proteger os valores supremos e

superiores existentes na sociedade.

Page 22: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

22

São nos princípios constitucionais que se estabelecem bens e valores

considerados fundamentais. São os mais importantes, pois a Constituição é

soberana e se sobressai em relação as outros ramos do ordenamento jurídico.

O CDC é integrado por princípios constitucionais que são diretrizes para

interpretação da lei, com a finalidade de socializar as relações de consumo,

eliminando os abusos praticados pelos detentores dos meios de produção no

mercado de consumo. Destacam-se no presente trabalho, os princípios da

dignidade, da liberdade, da igualdade e do acesso à justiça.

2.3.1 Princípio da dignidade

O princípio da dignidade é um dos princípios mais importantes do sistema

constitucional, sendo considerado como supremo em relação aos outros por ser uma

característica própria do ser humano.

Preceitua Weber (2006, p. 44-45) “[...] temos que resgatar a pessoa

humana e a sua dignidade, para impor limites e efetivar a proteção do consumidor,

determinando o tratamento desigual às relações desiguais”, pois o ato de consumir

se apresenta relevante na vida das pessoas, tendo em vista que muitas das

necessidades do indivíduo são atendidas pelo consumo. E quando ocorre a violação

desses direitos, acaba ofendendo, por consequência, a dignidade da pessoa

humana.

Assim, não há o que se falar em dignidade, se não for assegurado às

pessoas o direito alimentação, saúde, moradia, segurança e educação, pois são

necessidades básicas do ser humano, sem as quais, dificultaria sua sobrevivência.

2.3.2 Princípio da liberdade

O princípio da liberdade se caracteriza pela forma que trata à proteção do

consumidor frente ao desequilíbrio jurídico das relações de consumo, visando

estabelecer uma liberdade real, proibindo a conduta do fornecedor em retirar a

liberdade do consumidor em relação ao entendimento e adequada disposição das

cláusulas contratuais, onde na maioria das vezes tende ao lucro exclusivo do

fornecedor, prejudicando a outra parte na relação de consumo.

Page 23: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

23

Para Bonatto e Moraes (2001, p.37), o princípio da liberdade pode ser

aplicável no CDC, porém deverá ser acrescido a outros, como o da igualdade e da

boa-fé, podendo resultar na restrição da liberdade de conduta de um dos envolvidos

na relação de consumo, caso o reconhecimento incontestável e não do princípio na

qual implique como consequência, a infração à liberdade do outro envolvido,

revelada a sua vulnerabilidade.

Demonstra o autor que, analisando a vulnerabilidade de uma das partes

na relação de consumo, acabará como conseqüência por limitar a liberdade de

conduta da outra parte envolvida na relação. (BONATTO e MORAES, 2001, p.37)

2.3.3 Princípio da igualdade

Bonatto e Moraes (2001, p. 30) asseveram sobre o princípio da igualdade

que o objetivo maior do CDC é igualar os naturalmente desiguais.

O consumidor contemporâneo foi obrigado a se curvar diante os

detentores dos meios de produção, como única forma de saciar suas necessidades

básicas. Pode-se notar a desvantagem que o consumidor sofre devido à privação de

informação, falta de qualidade, inexistência de conhecimentos específicos em

relação ao fornecedor. Há um desequilíbrio na relação, o que acaba prejudicando a

convivência harmônica entre eles, ofendendo assim a dignidade humana da parte

mais vulnerável. (BONATTO e MORAES, 2001, p.31).

O princípio da igualdade está elencado no art. 4º, III, do CDC6, onde

prevê o equilíbrio das relações entre consumidores e fornecedores. Este princípio

objetiva igualar os indivíduos da relação de consumo, concedendo ao consumidor o

devido respeito, e, por conseguinte, impondo sua vontade. (BONATTO e MORAES,

2001, p.31).

6 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (BRASIL, 2010-a)

Page 24: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

24

2.3.4 Princípio do acesso à justiça

O último princípio a ser abordado nos princípios constitucionais é o do

acesso a justiça, previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXV: “a

lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”,

(BRASIL, 2010-b), como também no CDC no art. 6º, inciso VII, no qual trata dos

direitos do consumidor em juízo: “[...] o acesso aos órgãos judiciários e

administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e

morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica,

administrativa e técnica aos necessitados. (BRASIL, 2010-a).

Roberto Lisboa (2006, p.105) assevera que não basta só a existência de

órgãos de defesa do consumidor, pois há varias obstáculos jurídicos que dificultam a

defesa dos direitos do consumidor, mencionando que há pluralidade de juízos; a

quantidade de recursos judiciais; a ausência de deliberações governamentais mais

firmes no direito de concorrência e na fixação de preços ao consumidor; a

complexidade dos negócios jurídicos; e a quantidade de cláusulas contratuais a

serem discutidas

Nesse sentido é que se torna necessária a aplicação do princípio do

acesso a justiça, proporcionando medidas de mais segurança e incentivo, para que

o consumidor, que é parte mais vulnerável nessa relação, possa recorrer à justiça

para solucionar os litígios decorrentes do consumo. Para então buscar os seus

direitos, quando estes forem violados, e assim, reequilibrar os dois pólos nas

relações de consumo. Cabe ao sistema Judiciário o dever de ser acessível

independente de classes sociais ou econômicas, mas sim produzir resultados

socialmente justos. (LISBOA, 2006, p.106).

2.4.3 A relação jurídica de consumo

O objeto do CDC é a relação jurídica de consumo. Dentro desta relação

podemos encontrar os seus sujeitos, quais sejam: o consumidor e o fornecedor,

assim como seu objeto, produto ou serviço. Todos esses elementos estão

interligados, pois não haveria consumidor sem fornecedor, e muito menos se não

existisse o objeto dessa relação.

Page 25: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

25

As relações de consumo são, na realidade, “relações jurídicas” por

excelência, e, como toda relação jurídica pressupõe também dois pólos de

interesses, quais sejam: consumidor-fornecedor, e a coisa, que é o objeto desses

interesses. E tal objeto consiste em “produtos” e “serviços.” (MORAES, 2007, p. 23-

24).

Newton de Lucca (1995, p.31/32) põe em questão a denominação direito

do consumidor, em relação a sua terminologia, quando questiona se o termo mais

correto para chamar a disciplina jurídica não seria direito de consumo. Destaca-se

essa ultima denominação, por englobar a tutela de mercado como um todo, ou seja,

a proteção do consumidor contra os fornecedores, e a proteção dos fornecedores

nas relações com terceiros. Já o termo direito do consumidor visaria mais a proteção

da pessoa consumidora, trazendo a idéia de resguardar somente os interesses dos

consumidores.

2.4.1 Conceito jurídico de consumidor

Não há uma uniformização precisa a respeito do conceito jurídico de

consumidor. No entanto podemos encontrar três interpretações que prevalecem para

seu conceito, que são: a teoria Finalista, Maximalista, e a Finalista Aprofundada.

Cláudia Lima Marques (2006, p. 83-85) assevera que a teoria Finalista

trata de defender a restrição da figura do consumidor, das normas que visem à sua

proteção para àquelas que necessitem realmente de proteção. Seria o caso de

aplicar a um grupo de sociedade que seja mais vulnerável. No entanto, a teoria

Maximalista trata de defender uma aplicação que se estenda a um número maior de

consumidores nas relações de mercado. Menciona que a repetição do art. 2º do

CDC, não se faz necessário, uma vez, que não define uma linha para a sua

interpretação. Por fim coloca que surgiu uma nova interpretação para a definição do

conceito de consumidor; a teoria Finalista aprofundada, na qual seria uma

interpretação mais madura e aprofundada dos tribunais, sendo mais finalista,

quando executa “uma interpretação do campo de aplicação e de normas do CDC, de

forma mais subjetiva quanto ao consumidor, porém, mais finalista e objetiva quanto

a atividade ou o papel do fornecedor”.

Consumidor poderia ser definido pelo que está descrito no art. 2º caput da

CDC, na qual estabelece: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire

Page 26: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

26

ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. (BRASIL, 2010-a). Aqui o

destinatário final, é mencionado no presente artigo como “o destinatário fático, ou

seja, aquele que ao realizar o ato de consumir (adquirir ou utilizar) retira o produto

ou serviço do mercado de consumo, usufruindo de modo que definitivo a sua

utilidade”. (MIRAGEM, 2008, p.81)

O CDC faz referência ao consumidor como destinatário final, aquele que

adquire ou utiliza o produto ou serviço, com a finalidade de uso pessoal, não

podendo estar sujeito a práticas comerciais.

Na concepção de Newton de Lucca (1995, p.38), o conceito de

consumidor pode ser plurívoco e plurívoco analógico. O primeiro diz respeito ao

conceito de consumidor como toda pessoa física ou jurídica, já em relação ao

segundo traz a idéia do consumidor por equiparação.

O sentido plurívoco encontra-se no artigo 2º do CDC, onde “consumidor é

toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como seu

destinatário final.” (BRASIL, 2010-a)

Já em relação ao sentido plurívoco analógico enunciados por Newton de

Lucca, podemos encontrar a definição de consumidor por equiparação no § único

art. 2º do CDC7, quando afirma a equiparação do consumidor a uma coletividade de

pessoas, mesmo que não se consiga determiná-las, mas que interfere nas relações

de consumo; b) no artigo 17 do CDC8, quando aborda a responsabilidade do

fornecedor pelo fato do produto ou do serviço e equiparando o consumidor a todas

as vítimas do acontecimento; c) no artigo 29 do CDC9, quando descreve que: para

os fins das práticas comerciais e da proteção contratual, serão equiparadas todas as

pessoas que se possa determinar ou não equiparando-as ao consumidor expostas

às práticas nele previstas. (DE LUCCA, 1995, p. 38/39).

O conceito de consumidor compreendido pela nossa legislação foi

expandido, com o intuito de proteger legalmente os indivíduos que adquirem bens e

7 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (BRASIL, 2010-a). 8 Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. (BRASIL, 2010-a). 9 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. (BRASIL, 2010-a).

Page 27: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

27

serviços em grande escala, com mais eficácia, tendo como embasamento o objetivo

de preveni-los dos prejuízos.

Assim, consumidor seria toda pessoa física ou jurídica que adquire ou

utiliza produto ou serviço como destinatário final, sendo que não será considerado

consumidor, aquele que adquire produto para revender ou comercializar.

O CDC estabeleceu três definições para o consumidor por equiparação.

Podemos encontrar dispostas nos casos do artigo 2º, § único (coletividade de

pessoas), artigo 17 (vítima de acidente de consumo) e o artigo 29 (destinatário de

práticas comerciais). Em todas essas definições pode-se notar que é desnecessário

existir o ato de consumo, ou seja, ocorrer à aquisição ou utilização direto do produto

ou serviço.

A primeira definição do consumidor equiparado encontra-se disposto no

art. 2º, § único “Equipara-se o consumidor a coletividade de pessoas, ainda que

indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.” (BRASIL, 2010-a).

Segundo Miragem, o motivo desta equiparação é o de fazer abranger

pelas normas do CDC, a universalidade de consumidores, ou seja, o conjunto de

consumidores de produto ou serviço, ou então, possa atingir também a categoria

deles. Já em relação ao consumidor do artigo 17 do CDC, o mesmo autor coloca

que trata em questão das vítimas do acidente de consumo, sem importar se houve

ou não o ato de consumo, basta só ter sofrido algum dano decorrente de acidente de

consumo (fato do produto ou serviço). Afirma ainda que o artigo 29 do CDC

estabelece o terceiro conceito de consumidor equiparado, na qual abrange todas as

pessoas, determináveis ou indetermináveis, expostas às práticas previstas nos

capítulos que tratam, respectivamente, das práticas comerciais abusivas e da

proteção contratual (2008 p. 83-85).

2.4.2 Conceito jurídico de fornecedor

O artigo 3º do CDC define o conceito de fornecedor dessa forma:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 2010-a).

Para Plácido e Silva citado por Efing (2002, p. 44), “fornecedor” derivado

do francês fournir, fouisseur, é todo comerciante ou estabelecimento que abastece,

Page 28: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

28

ou fornece, habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e

mercadorias necessários a seu consumo.

Assim, poderíamos definir como fornecedor toda e qualquer pessoa

jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, como também inclui-se nesta

definição, os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção,

montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição

ou comercialização de produtos ou prestações de serviço. (NUNES, 2000, p.92).

Neste sentido complementa Filomeno:

[...] é relevante a distinção que se deve fazer entre as várias espécies de fornecedor nos casos de responsabilização por danos causados aos consumidores, ou então para que os próprios fornecedores atuem na via regressiva e em cadeia da mesma responsabilização, visto que vital a solidariedade para a obtenção efetiva de proteção que se visa a oferecer aos mesmos consumidores. (FILOMENO,2005, p. 43).

Assim, serão considerados fornecedores todos aqueles que

proporcionarem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de forma

que possam atender às necessidades dos consumidores.

2.4.3 Conceito jurídico de produto e serviço

Ao lado das definições jurídica dos sujeitos da relação de consumo

(consumidor e fornecedor), o CDC determina objeto dessa relação, qual seja, o

produto e o serviço.

O objeto dessa relação jurídica de consumo encontra-se especificado no

art. 3º. § 1º e §2º, do CDC, respectivamente, os produtos e serviços:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial; § 2º serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 2010-a).

Segundo Miragem, a definição jurídica adotada pelo legislador de produto

é muito ampla, ao aplicar o conceito de produto a bens móveis e imóveis, material

ou imaterial; em relação a esta última definição, pode-se observar sua importância,

tendo em vista o crescimento econômico da informática e dos bens e serviços

Page 29: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

29

produzidos por este meio, abrangendo todas as formas de produtos que podem ser

objeto de uma relação de consumo. (2008, p.98/99).

Já em relação ao serviço, preceitua Efing (2002, p.51) que seria qualquer

atividade remunerada, não fornecida no mercado de consumo, englobando tanto às

de natureza pública quanto privada. Dentre os serviços de consumo podemos incluir

aquelas atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,

considerada também uma lista meramente exemplificativa, servindo, tão-somente,

para ilustrar a ampla dimensão dos serviços protegidos pelo CDC.

2.5 Princípios gerais do direito consumidor

Os princípios desempenham uma função muito importante, pois acabam

incidindo nas relações jurídicas de consumo, visando à garantia da correta

interpretação das normas e regras que regulamentam esta relação.

O direito do consumidor é dotado de uma base principiológica de muita

importância para a interpretação e compreensão de aplicação das normas. Os

princípios referentes ao direito do consumidor encontram-se expressos no CDC.

(MIRAGEM, 2008, p.61)

Analisaremos, pois os princípios do direito do consumidor estabelecidos

no CDC.

O princípio da vulnerabilidade fundamenta-se no artigo 4º, I do CDC, que

reconhece: “a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo” (BRASIL,

2010-a), ou seja, quando caracterizada a relação de consumo por força de lei, o

consumidor será considerado vulnerável.

Podemos exemplificar três tipos de vulnerabilidade, mas destaca-se nas

relações de consumo: técnica, jurídica ou contábil e fática.

A vulnerabilidade técnica acontece, em relação ao desconhecimento do

consumidor, das qualidades intrínsecas do produto, das formas empregadas em sua

produção e também dos riscos que o mesmo possa apresentar. Já na

vulnerabilidade jurídica ou contábil, trata do desconhecimento em relação ao alcance

dos termos jurídicos, ou seja, àqueles empregados em um contrato, ou até mesmo,

que impossibilite a realização de uma perícia contábil pelo consumidor. E por último

encontra-se a vulnerabilidade fática, que trata da outra parte da relação de consumo,

ou seja, o fornecedor, por deter em suas mãos o grande poder econômico em razão

Page 30: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

30

da essencialidade do serviço, tornando-se superior frente a todos àqueles que o

contratam. (CALIXTO, 2006, p. 324).

Este princípio serve como base em relação aos outros que fundamenta a

existência e aplicação do direito do Consumidor. Assim, identifica-se o princípio da

vulnerabilidade, o qual se refere à fragilidade do consumidor diante dos critérios

estabelecidos pelo fornecedor, já que está sujeito a práticas do fornecimento de

produtos e serviços no mercado de consumo. (LISBOA, 2006, p. 95).

O princípio da Hipossuficiência, que coloca o consumidor como a parte

economicamente mais fraca na ralação jurídica, visto que sua situação é de

inferioridade, e, cabe ao legislador dar a proteção especial ao consumidor. (LISBOA,

2006, p.100).

Princípio da Defesa individual e coletiva, onde o consumidor tem o direito

de se defender nas relações de consumo, extrajudicial e judicialmente (art. 81,

caput, do CPC), e poderá a defesa ser proposta individual ou coletivamente.

(LISBOA, 2006, p.113).

Princípio da Transparência, onde nas relações de consumo, prevê a

transparência mútua e recíproca, tanto do fornecedor quanto do consumidor. As

relações de consumo, estabelecidas entre fornecedor e consumidor devem projetar

o máximo de transparência, uma forma necessária para a preservação do negócio

jurídico, uma vez que as partes contratantes devem estar cientes do que contratam,

dirimindo assim, futuros conflitos diante das práticas comerciais. (LISBOA, 2006,

p.115).

Princípio da Boa-fé, è considerado o princípio máximo orientador do CDC,

visto que é um dever de conduta que se espera das pessoas em uma relação

jurídica, impedindo condutas abusivas e contrariando as normas jurídicas ou de

equidade. (MARQUES, 2005, p.799). O princípio da boa-fé busca uma maior

garantia ao consumidor, evitando os abusos, sem causar lesão a ninguém,

colaborando também para a manutenção da ordem econômica, garantindo a

legalidade entre as partes.

Princípio do Equilíbrio econômico e jurídico, onde deve haver certa

coerência e justiça nas relações de consumo, onde o vínculo entre o fornecedor e o

consumidor, seja estabelecido de maneira igualitária, promovendo o equilíbrio

econômico da equação financeira e das obrigações jurídicas contraídas ou

pactuadas por ambas as partes interessadas. (LISBOA, 2006, p.125).

Page 31: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

31

Princípio da Reparação integral pelo dano causado, que visa garantir os

direitos do consumidor lesado, da vítima, e a punição do responsável através da

sanção civil. (LISBOA, 2006, p.132).

2.6 Direitos básicos do consumidor

Os direitos básicos do consumidor encontram-se amparado no artigo 6º

do CDC como garantias fundamentais da nossa Carta Magna, sendo inalienáveis,

intransferíveis e irrenunciáveis.

O CDC estabeleceu com os direitos básicos, elaborar normas protetivas

que visem reconhecer a necessidade de impor deveres jurídicos ao fornecedor, e

que o obrigue a reparar os danos em caso de violação.

Os direitos básicos do consumidor devem ser reconhecidos, pois é uma

forma de proteger a pessoa humana na relação de consumo, em suas relações

jurídicas e econômicas, preservando os interesses fundamentais no mercado de

consumo. (MIRAGEM, 2008, p.118).

2.6.1 Direito à vida, à saúde e à segurança

O direito á proteção á vida está previsto no art. 6º, I do CDC, na qual

reconhece individualmente a proteção da vida do consumidor na relação de

consumo. Pode-se relacionar o direito a vida com a coletividade de consumidores

que acabam correndo riscos decorrentes dos vícios ou defeitos de produtos ou

serviços colocados no mercado de consumo.

É interessante destacar que o direito a vida, além de ser um direito básico

do consumidor, também está inserido como essencial da personalidade. Encontra-se

disposto no art.5º, caput da Constituição Federal de 1988, como um direito

fundamental, na qual não poderá sofrer qualquer restrição voluntária, quer seja

contratual, ou, por interposição de desistência à proteção dada pelo ordenamento

jurídico, assim sendo torna-se indisponível. Sua proteção será garantida, quando

houver conflitos de interesses. (MIRAGEM, 2008, p. 119).

Page 32: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

32

O direito a saúde e a segurança estão ligadas com o direito á vida, uma

vez, que estão previstos no art. 6º, I do CDC10.

Entende-se por direito a saúde, aquele que vise assegurar o consumidor

em relação ao fornecimento de produtos e serviços, com também a utilização e o

consumo dos mesmos, obedecendo todos os meios possíveis para a adequação a

preservação da integridade física e psíquica do consumidor. Já em relação ao direito

de segurança consiste em assegurar ao consumidor o direito a proteção contra

riscos decorrentes de produto ou serviço desde o momento que é introduzido no

mercado de consumo até a fase onde se descartam as sobras, embalagens e

demais resíduos do mesmo. (MIRAGEM, 2008 p.119).

O produto ou serviço que por seu uso, poderá vir a causar algum dano ao

consumidor, será considerado perigoso. Já o produto ou serviço que por seu uso

vier causar danos ao consumidor, será considerado nocivo. (MELLO, 1998, p.33).

Os produtos ou serviços que apresentarem algum risco a vida, a saúde e

a segurança do consumidor deverão ser retirados imediatamente de circulação, e o

fornecedor tem o dever de informar os consumidores sobre os riscos daquele

produto ou serviço que esteja sendo comercializado no mercado de consumo.

Sendo assim, quando o fornecedor tomar conhecimento da nocividade ou

periculosidade de algum produto depois de colocado no mercado de consumo, deve

imediatamente informar ao público, através de todos os meios de comunicação

disponíveis, informando os riscos decorrentes do defeito identificado e os meios de

correção, normalmente em postos ou estabelecimentos com a autorização do

fornecedor. (MIRAGEM, 2006, p. 838).

Denota-se que muitos produtos podem ser considerados perigosos ou

nocivos ao consumidor, sendo que estes deverão conter no rótulo da embalagem,

informação a respeito da periculosidade ou nocividade que o produto possa

apresentar.

Podemos considerar como perigosos produtos tais como agrotóxicos, que

são visivelmente prejudiciais a saúde e até mesmo a vida do usuário; remédios e

medicamentos, caso não sejam utilizados de modo correto, poderão causar males e

danos à saúde; dentre muitos outros. (MELLO, 1998, p.34).

10

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos. (BRASIL, 2010-a).

Page 33: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

33

Já como nocivos, citamos produtos químicos, tais como malatol, soda,

dentre outros assim como produtos ou serviços que incluam radiação sob qualquer

forma; cabendo assim ao Estado fiscalizar o controle de seus órgãos competentes,

como por exemplo, no caso dos remédios, que sofrem a classificação de acordo

com a periculosidade /nocividade da droga. Deverá o fornecedor obedecer ao que

dispõe o art. 8º e seguintes do CDC. (MELLO, 1998, p.34).

2.6.2 Direito à Educação e à Informação

O direito á educação está inserido no art, 6º. II do CDC, na qual

estabelece “[...] a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e

serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações.”

(BRASIL, 2010-a).

Preceitua José Geraldo Brito Filomeno, que o direito a educação se divide

em dois aspectos: a) a educação formal, que deve ser integrada nos diversos cursos

desde o primeiro grau de escolas públicas ou privadas; b) educação informal, de

responsabilidade desde logo dos próprios fornecedores quando já mediante a

ciência do marketing, como já acentuado noutro passo, e tendo-se em conta seus

aspectos éticos, procurando informar o consumidor sobre as características dos

produtos e serviços já colocados no mercado ou ainda os que serão colocados a

disposição do público consumidor. (2007, p.145/146).

Pode-se assim observar a necessidade de obrigar o fornecedor a informar

corretamente o consumidor, antes mesmo de sua contratação. Agindo assim como

meio de prevenção no caso do produto ou serviço que vier apresentar alguma

nocividade ou periculosidade ao consumidor, evitando desta forma os acidentes de

consumo.

Segundo Mello (1998, p. 34), a educação e a divulgação estão

intimamente ligadas com o princípio da boa-fé nas relações de consumo, uma vez

que há a necessidade de transparência nas negociações, pois o consumidor deverá

ter consciência do que está obtendo ou contratando, e sob que condições ele está

obrigado.

Já em relação ao direito de informação, também decorrente do princípio

de boa-fé, está inserido no art.6º, III do CDC, acompanha vários deveres específicos

Page 34: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

34

de informação ao consumidor, atribuídos ao fornecedor nas diversas fases de

relação de consumo.

Para Efing:

[...] a informação tem como pano de fundo a educação básica de todos os consumidores, com o fim de torná-los parte da massa crítica capaz de, ao se deparar com o mercado de consumo, distinguir seus benefícios e malefícios bem como defender seus interesses em consonância com os preceitos legais que os protegem. (2002, p.27).

Assim o direito a informação torna-se imprescindível nas relações de

consumo, pois é através das informações que os sujeitos dessa relação (consumidor

e fornecedor) realizam o negócio jurídico, dão uma maior garantia em relação à

eficácia legal aos atos do comércio.

2.6.3 Direito à proteção contra práticas e cláusulas abusivas

O direito básico do consumidor contra praticas e cláusulas abusivas

encontram-se disposto no art. 6º, IV do CDC, onde “A proteção contra publicidade

enganosa e abusiva, métodos comerciais, coercitivos ou desleais, bem como contra

práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.

(BRASIL, 2010-a). Assim torna-se importante este direito ao consumidor, como meio

de proibir a conduta abusiva dos fornecedores.

Ensina Miragem (2008, p.123) que entende-se por práticas abusivas, toda

forma de atuação, na qual o fornecedor no mercado de consumo, caracterize como

desrespeitosa aos padrões de conduta negociais, referente ao momento da oferta de

produtos e serviços , quanto na execução de contatos de consumo, como também

na fase pós-contratual.

Enfatiza Claudia Lima Marques, sobre os abusos praticados no mercado

de consumo:

A abusividade da cláusula contratual é, portanto, o desequilíbrio pós descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico; é a unilateralidade excessiva, é a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frustra os interesses básicos de partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a autorização de atuação futura contrária à boa-fé, arbitrária ou lesionaria aos interesses do outro contratante, é a autorização de abuso o exercício da posição contratual preponderante. (MARQUES, 2002, p.82).

As práticas abusivas tornam-se mais intensa, em relação à posição

dominante na relação jurídica do fornecedor, pela oposição de condutas que ele

Page 35: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

35

exerce em relação às normas de proteção que envolva a confiança do consumidor e

a boa-fé do fornecedor.

2.6.4 Direito a facilitação da defesa dos seus direitos e inversão do ônus da

prova

O direito probatório é fator importante em qualquer relação processual. O

ônus da prova organiza a atividade em relação à prova, servindo de base para o

livre convencimento do juiz. A regra estabelecida no artigo 333, inciso I do CPC

estabelece quem alega tem que provar “ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu

direito.” (BRASIL, 2010 – c).

O CDC, visando equilibrar a relação entre consumidores e fornecedores,

estabeleceu a possibilidade da inversão do ônus probatório. Neste sentido

estabelece o artigo 6º do CDC:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. (BRASIL, 2010-a).

Cabe lembrar que a expressão “a critério do juiz” no referido inciso, não

diz respeito à inversão do ônus da prova e sim, ao conhecimento da verossimilhança

da alegação. Para Ruthes (2004, p.123), “a prova destina-se a formar a convicção

do julgador, que pode estabelecer com o objeto do conhecimento uma relação de

certeza ou dúvida.”

Mais uma vez, cumpre ressaltar que também aos hipossuficientes o

legislador facultou o direito da inversão do ônus da prova, solidificando na norma do

CDC o princípio do acesso à Justiça, firmado igualmente em nossa Constituição

Federal.

Há divergências a respeito sobre o momento que o juiz deverá inverter

o ônus da prova, uma vez que não há previsão legal que ampare a questão.

Nogueira (1994, p.59) entende que o momento mais adequado para o juiz

inverter o ônus da prova seria no despacho inicial, devendo o consumidor (autor da

demanda), já na inicial requerer a inversão do ônus da prova, pois assim o juiz

poderá se manifestar sobre a questão no despacho, na qual se trata de uma decisão

Page 36: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

36

interlocutória, dando ciência ao fornecedor (réu), para que não sofra cerceamento de

sua defesa.

No entanto há doutrinadores como Moraes (1999, p. 69) que entende que

a inversão do ônus da prova deve acontecer na decisão de saneamento do

processo, pois nesta fase as partes têm a oportunidade de apresentar suas

alegações, defesa e provas, de modo a garantir os princípios constitucionais do

contraditório, ampla defesa, isonomia e devido processo legal.

E por último há uma teoria que defende a inversão do ônus da prova no

momento da sentença, pois as regras de distribuição são regras de juízo, servindo

como orientação para o juiz quando não existirem elementos suficientes que possa

provar sua convicção. É neste momento que o juiz verificará as provas produzidas e

a necessidade de recorrer às regras do julgamento para solucionar o litígio, onde se

ocorrer deficiência de provas, as regras sobre o ônus da prova serão usadas para

decidir a causa. (WATANABE, 2000, p.714).

Assim estando presente um dos requisitos, ou seja, hipossuficiência ou

verossimilhança, o juiz deverá inverter o ônus da prova.

2.6.5 Direito a prevenção e reparação de danos materiais e morais

O art. 6º, em seu inciso VI do CDC11, assegura um direito à prevenção e

reparação de danos aos consumidores, quer sejam danos patrimoniais, morais

individuais e coletivos.

Com relação ao dano moral, sua previsão no art. 6º do CDC, inovou o

direito brasileiro em 1990, já que não havia qualquer previsão legal para a sua

reparação, sendo suprida pelo Código Civil somente em 2002.

Rizzatto Nunes (2009, p.148) explica que “o adjetivo efetivo ligado à

prevenção (e depois à reparação) do dano, tem o sentido de manter estável,

permanente, fixo, o patrimônio do consumidor”.

Já a prevenção mencionada no artigo citado acima, refere-se ao dano

material ou moral, que garante ao consumidor o direito de ir ao juízo requerer

11 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (BRASIL, 2010-a).

Page 37: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

37

medidas cautelares, com pedido de liminar, objetivando assim, evitar danos.

(NUNES, 2009, p.148).

A reparação deverá ser integral, independentemente de dano material,

representado por perdas emergentes ou atinentes a lucro cessantes, ou ao dano

moral.

Assim, verificaremos no capítulo seguinte a necessidade de regularização

das responsabilidades dos fornecedores no mercado de consumo, tendo em vista o

surgimento do consumo em massa.

Page 38: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

38

3. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR NO MERCADO DE CONSUMO

Conforme estabelecido nos capítulos anteriores, o mercado de consumo

no estado medieval se caracterizava pelo consumo individualizado, visto que, não

havia consumo em massa, apenas as cortes consumiam durante este período. O

Estado tinha uma presença tênue, não intervindo nas relações de consumo.

O consumo em massa surgiu da sociedade moderna, que desenvolveu o

consumo individualmente da burguesia, através da moda, se estendendo as classes

sociais mais populares, porém menos favorecidas. (FIGUEIREDO, 2004, p.99).

A Revolução Industrial, iniciada na metade do século XVII, acabou

resultando num aumento potencial da capacidade de produção das empresas,

fazendo com que as indústrias passassem a produzir em grande escala, dando

início a fabricação em série, com o intuito de suprir as necessidades de oferta de

produtos e serviços à população que estava aumentando. (ROCHA, 2000, p. 16).

Com o crescimento da população, os meios de produção,

automaticamente tiveram que aumentar, tendo em vista que houve uma transição do

consumo individual para o consumo coletivo, e a forma de minorar essa

transformação, foi através da fabricação em série.

Contribuindo muito com o desenvolvimento econômico e social das

cidades que estavam passando por um processo de industrialização, devido à

aglomeramento dos centros urbanos, que clamavam por uma nova forma de

produção que viesse atender as necessidades da população que estava cada vez

maior. (NUNES, 2009, p170).

Denota-se que o mundo estava passando por um processo de mudanças,

principalmente com a Segunda Guerra Mundial, com os avanços tecnológicos e

científicos que fez com que o modelo de produção em massa se fortalecesse e se

expandisse a vários países, se destacando principalmente nos países capitalistas.

Mas foi a partir da Segunda Guerra Mundial, que esse modelo passou a

crescer em grande escala, através da chegada da tecnologia de ponta, dos sistemas

de automação, da robótica, da telefonia por satélite, etc., se tornou mais frequente

até meados do século XX. Após a queda dos regimes não capitalistas, que ocorreu

em 1989, esse modelo passou a se destacar mais, completando assim o seu ciclo,

atingindo quase todo o mundo. (NUNES, 2009, p. 88).

Page 39: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

39

Esse marco na história ficou conhecido como a Revolução Tecnológica,

por ter representado um enorme desenvolvimento técnico, atingindo seu potencial

primeiramente na América do Norte e depois na Europa Ocidental, provendo

modificações na sociedade. (ROCHA, 2000, p. 16).

O desenvolvimento econômico que ocorreu no pós-guerra motivou uma

grande concentração dos meios de produção e da circulação de riquezas, a

massificação das relações jurídicas, a celeridade do processamento dos negócios

econômicos e jurídicos para obtenção de bens e serviços no meio social.

A maior preocupação dos economistas da época não era mais resolver as

carências que atingiam as regiões do planeta. Pela primeira vez na história, mudou-

se o foco central das preocupações político-econômicas: não mais a falta de

produção, mas sim, a qualidade dos produtos ou mercadorias que chegavam ao

mercado. (FIGUEIREDO, 2004, p.101).

Percebe-se assim, que o consumidor deixou ser o elemento passivo no

cenário econômico, passando para o sujeito ativo, com mais notabilidade e

relevância, na esfera política. Tornando-se a peça fundamental das relações de

consumo para o sistema capitalista, já que o CDC trouxe inovações, como equilíbrio

nas relações consumeristas, estabelecendo limites a publicidade, entre outros.

Dessa forma, a defesa do consumidor não visava somente à simples

defesa dos interesses dos consumidores, mas também a proteção do sistema

capitalista. (CALDAS, 2010).

O sistema capitalista é conhecido pela propriedade privada dos meios de

produção, e também por incentivar a livre iniciativa, sendo que a produção e a

distribuição das riquezas são conduzidas pelo mercado. Os preços são

determinados pela oferta e procura de produtos e serviços.

O sistema capitalista se deu conta, de que era necessária a proteção do

consumidor, tendo em vista que quanto maior o número de consumidores maior a

produção, e consequentemente a redução de custos dos detentores dos meios de

produção. (MARTINEZ, 2010).

3.1 A Teoria do risco do negócio: A Base da responsabilidade objetiva

O risco é uma das principais características da atividade econômica, pois

os negócios envolvem riscos. Quando o empresário monta o seu negócio está

Page 40: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

40

aberto simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. Esta fase é de suma importância

para o investimento, pois o risco põe em questão a viabilidade do negócio. (NUNES,

2009, p. 171).

O art. 170 da nossa Constituição Federal de 1988 assevera a livre

iniciativa para a exploração da atividade econômica, em conformidade com o

princípio da livre concorrência, a defesa do consumidor, dentre outros:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (BRASIL, 2010-b).

Essa livre iniciativa de exploração da atividade econômica é sem dúvida,

uma característica da sociedade capitalista contemporânea. (NUNES, 2009, p.171).

O legislador se preocupou em criar normas que assegurassem o

consumidor dos riscos decorrentes de produtos ou serviços colocados no mercado

de consumo pelo fornecedor, impondo a ele a responsabilidade objetiva, em razão

de prejuízos que possam ocorrer com os consumidores.

Quando alguém desempenha uma atividade de risco, a lei cria para ele

um dever jurídico específico, que se for infringido, irá gerar a obrigação de indenizar

independente de culpa. (PASQUALATO e PFEIFFER, 2005, p.212).

Na atividade econômica pode-se encontrar o aspecto do risco, que está

ligado intimamente com o custo. Este binômio risco/custo é determinante para

analisar a viabilidade do negócio.

Ensina Rizzatto Nunes, que:

A redução da margem de risco a baixos níveis (isto é, a aplicação máxima no estudo de todas as variáveis) eleva o custo a valores astronômicos, inviabilizando o projeto econômico. Em outras palavras, o custo, para ser suportável, tem de ser definido na relação com o benefício. Esse outro binômio custo/benefício tem ser considerado. (NUNES, 2009, p. 172).

Page 41: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

41

O CDC adotou a sistemática de avaliar a qualidade do produto ou serviço,

principalmente em relação à adequação, finalidade, proteção à saúde, segurança e

durabilidade, conjuntamente com a informação que deve ser prestada pelo

fornecedor. (NUNES. 2009, p.172).

Percebe-se a preocupação do CDC em obrigar o fornecedor a retirar do

mercado, produto ou serviço que possam acarretar riscos a saúde e a segurança

dos consumidores, bem como, informá-los sobre a periculosidade e nocividade dos

mesmos.

Deve-se atentar a adoção da teoria do risco do negócio, onde os

fornecedores não poderão introduzir no mercado de consumo, produto ou serviço na

qual sabe ou deveria saber serem nocivos ou perigosos à saúde ou segurança do

consumidor. (GARCIA, 2009, p.106).

Por isso se faz necessário que as empresas realizem o recall, uma vez

que serve de instrumento de marketing de defesa do consumidor, pois funciona

através da comunicação positiva do chamado, para troca uma peça defeituosa de

determinado veículo, por exemplo, acaba contribuindo não somente para a boa

imagem da empresa, mas também para a segurança e economia do consumidor.

(FILOMENO, 2003, p.141).

O problema que surge a respeito do termo risco/custo/benefício é quando

relacionado com a qualidade do produto ou serviço, juntamente com outro aspecto

considerado pela teoria do risco, como também pelo CDC, ou seja, a produção em

série.

3.1.1 Produção em série

O século XX foi o marco crucial do aumento do modo de produção

capitalista sobre grande parte do planeta, decorrente da manutenção da tríade do

sistema, ou seja, produção, comércio e consumo. O produtor precisava produzir

para sobreviver no mercado, o comerciante vender e o consumidor consumir. A

sociedade de consumo de massa é responsável por levar o ser humano a realizar

negócios jurídicos de consumo, e a necessidade de consumir surgiu desta

sociedade que tem como característica a produção em série.

A produção em série se destacou após a Revolução Industrial quando as

pessoas começaram a se aglomerar nos grandes centros urbanos, incentivando as

Page 42: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

42

indústrias a produzir em grande escala para suprir as necessidades de oferta de

produtos e serviços à população que estava aumentando. Mas foi com Revolução

Tecnológica, oriunda da produção capitalista, ocorrida após a Segunda Guerra

Mundial, que se destacou, devido ao crescente desenvolvimento tecnológico, e a

rapidez das produções. (NUNES, 2009, p.173).

Dessa forma, a produção em série se tornou uma das principais

características das sociedades de massa.

Nas produções em série é difícil assegurar que o produto não vá

apresentar vício ou defeito no resultado final. Pois para conseguir que o produto ou

serviço saia isento de algum vício ou defeito, o fornecedor teria que elevar muito o

seu custo. Dessa forma inviabilizaria o preço final do produto e do serviço, na qual

haveria uma desqualificação na principal característica das produções em série, que

é de oferecer em grande escala o produto ou serviço para uma grande quantidade

de consumidores. (NUNES, 2009, p.174).

Para Rocha (2000, p.17) os fenômenos da produção e comercialização

em massa sujeitam as pessoas a riscos mais graves, por motivos de erros técnicos,

falhas na produção, descuido dos empregados, que de certa forma são atribuídos

aos responsáveis pelos fatores de produção.

A produção em série, decorrente dos avanços científicos e tecnológicos

do pós-guerra, acarretou muitos problemas para a sociedade de consumo, tendo em

vista, que começaram a aparecer muitas vítimas, pois os produtos não possuíam

qualidade e estavam sendo comercializados no mercado.

Miragem (2008, p.253) ensina que na sociedade de consumo de massa,

surgiram os danos de massa, devido aos produtos e serviços introduzidos no

mercado de consumo, decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos, assim

como um crescente número de vítimas , ou então de danos causados em série.

Dessa forma foi que surgiu a preocupação em tutelar a responsabilidade

do fornecedor como objetiva, como forma de controle em relação ao resultado da

produção viciosa ou defeituosa, visando à garantia de ressarcimento pelos danos

causados ao consumidor.

Page 43: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

43

3.2 Da Responsabilidade Civil dos Fornecedores

No Brasil, diferente de muitos países, onde a responsabilidade do

fornecedor é subjetiva, como caso da Argentina, o legislador imputou a

responsabilidade civil objetiva para o fornecedor, ou seja, ele responderá

independente da comprovação de culpa.

Havia duas perspectivas em relação à responsabilidade civil:

Primeiramente a contratual, que pressupõe a existência de um contrato, e a

reparação dos prejuízos decorrentes do inadimplemento da obrigação assumida. E a

outra denominada extracontratual, que tem como fatores principais para seu

fundamento: a culpa e o risco criado. (ROCHA, 2000, p.18).

A culpa, na forma de responsabilidade extracontratual, foi utilizada como

o único fundamento de responsabilidade. Centralizava na questão que o autor do

dano somente seria responsabilizado, se agisse com dolo ou culpa. Os danos

causados sem culpa, não poderiam ser reparados, cabendo a vítima a resignação, e

tendo que suportar o prejuízo como uma mera fatalidade. O dano só seria reparado

e a vítima ressarcida do prejuízo se o responsável estivesse agido com dolo ou

culpa. (ROCHA, 2000, p. 19).

Neste sentido, complementa Antônio Herman V. Benjamin:

A sociedade de consumo, com seus produtos e serviços inundados de complexidade tecnológica, não convive satisfatoriamente com um regime de responsabilidade civil baseado em culpa. Se é relativamente fácil provar o prejuízo, o mesmo já não acontece com a demonstração da culpa. A vítima tem a sua disposição todos os meios de prova, pois não há, em, relação a matéria, limitação alguma. Se, porém, fosse obrigada a provar, sempre e sempre, a culpa do responsável, raramente seria bem sucedida na sua pretensão de obter ressarcimento. (BENJAMIN, 2009, p.124).

Havia, portanto uma desigualdade entre o fornecedor e o consumidor,

pois o consumidor terminaria lesado. Se por acaso o produto introduzido no

mercado, fosse oferecido com vício/defeito, não teria como o consumidor ser

ressarcido, pois se tornaria muito difícil comprovar a culpa (negligência, imprudência

ou imperícia) do fornecedor.

Foi necessário o surgimento da imputação da responsabilidade objetiva

do fornecedor, pois em face de diversas transformações sociais, econômicas,

tecnológicas, já referidas anteriormente, fez com que o requisito de culpa para efeito

de imputação de responsabilidade civil fosse desaparecendo pouco a pouco.

Page 44: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

44

Até porque, a regra da culpa, teve seu surgimento em decorrência no

individualismo liberal do século XIX, na qual a liberdade de atuação individual só

pode ser limitada pela determinação de responsabilidade por danos, quando

imputada um ato doloso, negligente ou imprudente, passível de reprovação.

(MIRAGEM, 2008, p.254).

Foi imputada a responsabilidade objetiva ao fornecedor, tendo em vista

que o fornecedor é o detentor dos meios de produção, e cabe a ele fiscalizar cada

etapa do processo de produção.

O CDC entende que o fabricante, produtor, prestador de serviço, etc., não

podem ser considerados negligente, imprudente ou imperito no regime das

produções em série. Principalmente o produtor contemporâneo, pois, nesse tipo de

produção, trabalham profissionais que tem o dever de avaliar a qualidade dos

insumos adquiridos, controlando cada etapa do processo de produção, os

componentes utilizados, e também há engenheiros que atestam a qualidade dos

produtos fabricados. (NUNES, 2009, p.176).

Por isso, se o consumidor tivesse que comprovar a culpa do fornecedor

dificilmente conseguiria. Além do mais, também se houvesse culpa, não teria como

provar, pois o consumidor não tem acesso ao sistema de produção e também

seriam mínimas as possibilidades de comprovação por meio de da prova técnica

depois de já ter ocorrido o evento danoso.

O CDC quando se refere à figura do fornecedor, engloba de certa forma

todos os partícipes do ciclo produtivo-distributivo, ou seja, todos aqueles que

desenvolvem as atividades que estão previstas pelo seu artigo 3º. (DENARI, 2007,

p.189).

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 2010-a).

Porém, em se tratando de responsabilidade por danos, o artigo 12 do

CDC, discrimina alguns fornecedores, responsabilizando somente o fabricante, o

produtor, o construtor, com também o importador.

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela

Page 45: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

45

reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (BRASIL, 2010-a).

Segundo (Denari, 2007, p.189), o fabricante é aquele monta , fabrica e

introduz no mercado de consumo produtos industrializados. Também se encaixam

no conceito de fabricante aqueles que fabricam as peças e os componentes que

integrarão o produto final.

O construtor é o responsável por inserir produtos imobiliários no mercado

de consumo, por meio do fornecimento de bens e serviços.

Segundo Rocha (2000, p.83) a responsabilidade do construtor, se

estende aos danos causados à saúde e à segurança do construtor por defeitos na

obra.

Denari (2007, p.190) acrescenta que esse danos são decorrentes de

serviços técnicos de construção, como também, defeitos relacionados ao material

utilizado na obra, sendo que responderá solidariamente com o fabricante do produto

defeituoso, conforme § 1º do artigo 25 do CDC12.

Já o produtor é aquele, que produz produtos não industrializados, que

podem ser de origem animal ou vegetal, para o comerciante vender, e o consumidor

consumir.

O produtor seria aquele que insere no mercado de consumo produtos não

industrializados, compreendendo mais, aqueles produtos derivados de origem

vegetal ou animal. Vale lembrar que se o produto passar por um processo de

acondicionamento no Brasil será estendido o campo da responsabilidade por danos

para atingir, dessa forma o acondicionador do produto, de acordo com o §1º do

artigo 25 do CDC. (DENARI, 2007, p.190).

O importador é tratado como aquele que introduz no mercado de

consumo produtos industrializados ou naturais, oriundos de outro país. Sua

responsabilidade é conhecida como “indireta”, pois não tem participação no

processo de fabricação de bens importados. Trata-se do fornecedor presumido, pois

os fabricantes ou produtores originais encontram-se a muita distância, e assim

12

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a

obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. § 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. (BRASIL, 2010-a).

Page 46: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

46

dificulta o acesso do consumidor do produto defeituoso, e dessa forma o consumidor

sairia perdendo por não haver o devido ressarcimento. (ROCHA, 2000, p.84).

O art. 7º, § único e 25, § 2º do CDC13, dispõe a cerca da responsabilidade

dos sujeitos mencionados no artigo 12, mencionando que a vítima que sofreu o dano

poderá reclamar a qualquer um dos coobrigados a indenização como um todo,

sendo possível o direito de regresso por parte de quem arcou com toda a obrigação

diante dos responsáveis, sendo que cada um responderá na sua devida proporção

em relação à participação do fato danoso. (MIRAGEM, 2008, p.295).

Dessa forma, caso o indivíduo acionado judicialmente pelo consumidor,

não tenha condições para realizar a obrigação, a vítima pode acionar qualquer um

dos outros responsáveis solidários.

Quanto ao comerciante, é perceptível a sua exclusão em relação aos outros

agentes econômicos expressamente mencionados no artigo 12 do CPC.

Para Sílvio Luiz Ferreira da Rocha (2000, p.85/86) a figura do

comerciante é especial e eventual podendo ocorrer nas hipóteses do art. 13 do

CDC. As circunstâncias que acarretariam na responsabilidade do comerciante seria

inexistência de identificação do fabricante que impossibilita a ação direta contra o

fabricante, produtor ou importador e a hipótese de o comerciante ter agido com

negligência, deixando de conservar produtos perecíveis. Dessa forma, o

consumidor poderá propor ação contra o fabricante e o comerciante responsável

pela conservação.

A responsabilidade do comerciante é tratada como subsidiária nos

acidentes de consumo, pois os obrigados principais são aqueles que estão previstos

no artigo 12 do CDC. (DENARI, 2007, p.200).

13

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou

convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. (BRASIL, 2010-a) Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. [...] § 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação. (BRASIL, 2010-a)

Page 47: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

47

3.3 Responsabilidades pelo vício do produto e do serviço

O CDC não explicitou muito bem a distinção dos termos “defeito” e “vício”,

sendo que o Código disciplina o defeito nos arts. 12 a 14 e os vícios nos arts. 18 a

20. Primeiramente para entender o conceito de defeito, é necessário entender o

sentido do termo vício.

A responsabilidade civil do fornecedor por vícios do produto ou serviço

está prevista no art. 18 do CDC que dispõe:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (BRASIL, 2010-a).

Os vícios na qual o artigo se refere, não são aqueles causadores de

acidentes, mas sim aqueles cujas características de qualidade ou quantidade façam

com que “os produtos ou serviços se tornem impróprios ou inadequados para o

consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor”. Do mesmo jeito

são considerados os vícios decorrentes da diferença ocorrida em relação às

“indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem

publicitária”. (NUNES, 2009, p.237).

Antônio Rizzatto Nunes (2009, p.237) cita como exemplos de vício o

produto que não funcione, como um liquidificador que não gira ou um produto que

funcione de maneira insatisfatória, como um automóvel que morre toda hora, ou

produtos que, em razão de tal vício, tenham seu valor de mercado diminuído, como

um terno manchado, ou serviços que demonstrem insuficiência ou inadequação,

como o carpete que descola rapidamente, porém que não estejam afetando, assim,

a segurança e integridade física de quem os utiliza.

O vício não atinge o patrimônio jurídico, quer seja moral, e/ou material, e

muito menos é a causa de acidentes de consumo, já o defeito é aquele vício que se

expande, e que causa dano maior que simplesmente o mal funcionamento ou

diminuição do valor de mercado entre outros.

O defeito é um vício exteriorizado, vai além do produto ou serviço. Ele é a

causa dos acidentes de consumo, já que o dano causado ao consumidor é mais

Page 48: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

48

devastador, por atingir o patrimônio jurídico do consumidor, seja moral e/ou material.

(NUNES, 2009, p.238).

Exemplo disso é o consumidor que sai da concessionária, com um

automóvel que apresenta problema no sistema de freios, decorrente de problema de

fábrica, que ao se deparar com o semáforo vermelho, pisa no breque e este não

funciona, eis que então o carro passa e se choca com outro veículo, causando

danos em ambos os carros. (NUNES, 2009, p.184).

3.4 Responsabilidades pelo fato do produto e do serviço e o acidente de

consumo

A responsabilidade pelo fato corresponde aos danos acarretados por

produtos ou serviços com defeito. Neste modo, o tipo responsabilidade engloba os

danos de maior importância, que chagam a atingir a integridade física e/ou moral do

consumidor.

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço é fundada pelo

efeito de imputação ao fornecedor, sobre sua responsabilização em decorrência dos

danos causados em razão dos defeitos na concepção ou fornecimento do produto

ou serviço, impondo o dever de indenização violação ao dever geral de segurança

atribuído pela sua atuação no mercado de consumo. (MIRAGEM, 2009, p.260).

Em se tratando de responsabilidade por fato do produto ou serviço,

Vaneska Donato de Araújo discorre que:

[...] ocorre quando, por falhas de projeto e realização, insuficiência ou inadequação das instruções e advertências, divulgação errôneas de suas qualidades e características , não oferecem a segurança que razoavelmente deles se espera, causando acidentes e prejuízos de natureza variada. Trata-se do acidente de consumo. (ARAÚJO, 2008, p.255).

Porém há certa divergência em relação o termo “responsabilidade pelo

fato do produto e do serviço” e o termo “acidente de consumo.”

Há doutrinadores como Antônio Herman V. Benjamim (2007, p.114) que

acredita que a expressão responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, não

traz a exata nitidez sobe o ponto em que o direito do consumidor pretende dar ao

problema. Acredita que a expressão “responsabilidade pelos acidentes de

consumo”, encaixaria melhor, pois estaria mais ligada ao elemento humano

Page 49: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

49

consequencial, enquanto a outra destaca-se mais ao elemento material causador da

responsabilidade, e por fim conclui que [...] “o dado fundamental não é a origem do

fato (do produto ou serviço), mas sim a localização humana de seu resultado (o

acidente de consumo)”.( BENJAMIN, 2007, p. 114).

Já em relação a essa denominação, Rizzato Nunes, posiciona-se

contrariamente. Reconhece que a terminologia “acidente de consumo” é mais

utilizada, porém discorda no sentido, que haverá casos de defeito em que o termo

acidente não será apropriado. Exemplo disso seria quando ocorrer um lançamento

equivocado no cadastro de devedores do Serviço De Proteção ao Crédito, seria

defeito do serviço, o que acabaria acarretando no dever de indenizar por danos

materiais e morais e à imagem, mas não se assemelharia de alguma forma com um

“acidente”. Já em relação ao termo “fato” do produto, a própria lei menciona e

permite uma ligação com a idéia de acontecimento, que pode ser qualquer

acontecimento decorrente de algum acidente ou não, mas que ocasionou um dano

ao consumidor. (NUNES, 2009, p.177/178).

Em se tratando de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço,

não tem como imputar o dever de indenizar a vítima sem a devida comprovação da

existência do defeito.

A responsabilidade do fornecedor terá origem, quando for comprovado o

defeito do produto e o nexo de causalidade entre este e o acidente de consumo.

(ARAÚJO, 2008, p.255).

Paulo de Tarso trata o defeito do produto ou do serviço elencados pelos

artigos 12 e 14 do CDC como pressupostos da responsabilidade civil. O defeito é

colocado primeiramente, pois incide na deficiência prestada pelo produto ou pelo

serviço, que não proporcionando a devida segurança esperada por eles acabam

tornando-os perigosos, e por fim, provocadores de danos aos consumidores.

(SANSEVERINO 2002, p. 112).

Segundo artigo 12, §1º do CDC, produto defeituoso é aquele que não

oferece segurança que dele legitimamente se espera, significando assim que todos

os produtos possuem certa garantia de idoneidade que durará toda a sua vida útil.

A segurança que se espera deve ser apreciada de acordo com

perspectiva real do consumidor, mas não absoluta. De certo forma, não se pode

garantir a segurança de todos os produtos, pois nenhum produto é completamente

Page 50: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

50

seguro, porém devem ser conservados os limites de normalidade e previsibilidade.

(ARAÚJO, 2008, p.255).

Sugere Antônio Herman Benjamin (2009, p.119) no que concerne à

segurança de produtos e serviços, dividir em três grupos a periculosidade:

periculosidade inerente; periculosidade adquirida (em razão de um defeito); e

periculosidade exagerada.

No mercado de consumo, há determinados produtos e serviços que

trazem riscos intrínsecos inerentes a boa qualidade do produto e o seu modo de

funcionamento. Se diante desses riscos houver uma normalidade e previsibilidade,

não será considerado defeito, para fins de CDC, pois será caracterizado como

periculosidade inerente.

A periculosidade será considerada inerente, quando a insegurança

presente nos produtos ou serviços for normal e previsível, atendendo a perspectiva

do consumidor, cabendo ao fornecedor o dever de informação dos riscos inevitáveis.

(BENJAMIM, 2009, p.119).

Já a periculosidade adquirida, segundo o autor, torna perigosos os

produtos e serviços, devido a um defeito que se apresenta por qualquer razão, quer

seja, defeito de fabricação, concepção ou defeito de comercialização. (BENJAMIN,

2009, p.120).

Assim, o fornecedor que colocar no mercado de consumo produto ou

serviço que vier apresentar periculosidade adquirida, deverá informar as autoridades

competentes sobre os defeitos de determinado produto ou serviço, e proceder ao

recall como forma de prevenção de acidentes de consumo.

Por fim, a periculosidade exagerada, se encaixa como espécie dos bens

de consumo de periculosidade inerente (que via de regra, não possui defeito), porém

a informação prestada adequadamente não serve para minimizar os riscos.

Preceitua Benjamin (2009, p.121) que “seu potencial danoso é tamanho

que o requisito da previsibilidade não consegue ser totalmente preenchido pelas

informações prestadas pelos fornecedores.”

Dessa forma, os produtos que apresentarem periculosidade exagerada

não podem de jeito nenhum, serem introduzidos no mercado de consumo.

Em relação ao dever de segurança que é imputado ao fornecedor, inclui-

se também o dever de informar o usuário sobre a utilização do produto, como

também veda a vinculação de propaganda enganosa. (ARAÚJO, 2008, p.255).

Page 51: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

51

Segundo Bruno Miragem (2008, p.268), a doutrina brasileira com base

nos critérios elencados pelos artigos 12,§1º, I a III, e 14, §1º, I a III do CDC14 vem

sistematizando os defeitos dos produtos como: “a) defeito de projeto ou concepção;

b) defeito de execução, produção ou fabricação; c) defeitos de informação ou

comercialização”.

Os defeitos de concepção podem ser resultados de erros nos projetos

tecnológicos do produto, quanto da escolha do material inapropriado, ou então de

elementos orgânicos ou inorgânicos que prejudicam a saúde. Comprovado, o defeito

gera uma “reação em cadeia”, abrangendo todos os produtos da mesma sequência.

Contudo as modernas técnicas de controle de qualidade não são suficientes para

evitar a ocorrência de danos oriundo dos defeitos. (DENARI, 2007, p.192).

Dessa forma, o que vem ocorrendo são os chamados recalls, que faz com

que o fornecedor recolha preventivamente o produto, para evitar danos ao

consumidor.

Este recurso é muito utilizado na sociedade moderna de consumo pelas

indústrias automobilística e farmacêutica, que devem fazer a substituição do produto

defeituoso. (DENARI, 2007, p.192).

Os defeitos de produção, execução ou fabricação, segundo Bruno

Miragem (2009, p.269), são “aqueles que apresentam falhas no dever segurança

durante o processo de realização/prestação de um determinado serviço, ou de

produção ou fabricação de um determinado produto.”

14

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. (BRASIL, 2010-a). Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. (BRASIL, 2010-a).

Page 52: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

52

São defeitos que se manifestam em decorrência de falhas no processo

produtivo, mecânico ou manual, da qual sua incidência se encontra na relação

imediata com o controle de qualidade desenvolvido pela empresa. Eles surgem

como parte integrante do risco do negócio. (DENARI, 2007, p.193).

Porém, os avanços tecnológicos, contribuíram de forma positiva para

reduzir a incidência de defeitos. Tudo isso é conseqüência das produções em série,

que de certa forma, multiplicaram os riscos, e fizeram com que o CDC adotasse a

teoria da responsabilidade objetiva do fornecedor.

Por último temos os defeitos de informação ou comercialização, que são

aqueles que ocorrem devido à carência de informação por parte do fornecedor.

Está vinculada a deficiência de informações, sobretudo insuficientes ou

inadequadas sobre a utilização do produto, até mesmo, em sua embalagem, ou

acondicionamento, como também através dos meios de comunicação. (DENARI,

2007, p.193).

Afirma Zelmo Denari que esses defeitos são extrínsecos, pois estão

relacionados com as instruções que devem acompanhar os produtos adequados no

mercado de consumo, devendo ser claras e precisas, numa linguagem de fácil

compreensão para o consumidor que é o adquirente do produto. (DENARI, 2007,

p.193).

Já o serviço defeituoso está disposto no §1º do artigo 14 do CDC, como

aquele que não fornece a segurança adequada, pelo qual o consumidor deste

serviço possa esperar, devendo levar em consideração as circunstâncias

complacentes, tais como a forma de seu fornecimento, o resultado e os riscos que

dele se esperam, o tempo em que foi fornecido, etc. (DENARI, 2007, p.203).

Segundo Arnaldo Rizzardo, o serviço mal feito ou executado pode

ocasionar acidentes externos ou acontecimentos danosos aqueles para quem foi

prestado. Se o individuo junto à qual se contrata o serviço realizar com defeitos ou

imperfeições, acabará causando prejuízos, ofendendo dessa forma o dever de

segurança. (RIZZARDO, 2007, p.413).

Qualquer fornecedor de serviços irá responder objetivamente, ou seja,

independente da existência de culpa, pelos danos causados ao consumidor, salvo o

profissional liberal. Dessa forma, tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica de

direito público ou privado, que operam como fornecedores de serviços no mercado

de consumo podem vir a responder sem culpa. (LISBOA, 2006, p.276).

Page 53: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

53

A responsabilidade do fornecedor será configurada, conforme o concurso

de três pressupostos:

Primeiramente deve ser encontrado o defeito no serviço; deve este defeito

ocasionar o evento danoso; e haver uma relação de causalidade entre o defeito do

serviço e o dano. (DENARI, 2007, p.202).

A ocorrência maior que podem ser destacadas por ocasionarem acidente

de consumo estão relativamente ligadas aos serviços como, consertos de veículos,

instalações de rede elétrica e hidráulica, reparos de aparelhos eletrodomésticos,

guarda e estacionamento de veículos, movimentações bancárias, ao transporte,

cartões de crédito, seguros, hotéis, hospitais clinicas médicas e laboratórios.

(RIZZARDO, 2007, p.414).

Os prestadores de serviços também serão obrigados indenizar os

consumidores, quando o serviço não atender a sua finalidade, quer seja, através de

um contrato de prestação de serviços, como também por falhas na informação

prestada pelos meios publicitários.

O CDC, além de se preocupar em responsabilizar o fornecedor pelos

defeitos intrínsecos, também se preocupou em responsabilizar o prestador de

serviços pelos defeitos extrínsecos, ou seja, relacionados aos contratos de

prestação de serviços ou de meios publicitários que não prestaram informações

precisas e claras a respeito da fruição. (DENARI, 2007, p.202).

Em relação à prestação de serviços públicos, o artigo 22 do CDC coloca

que: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a

fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,

contínuos.” Complementa ainda o parágrafo único: “Nos casos de descumprimento,

total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas

compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste

Código”. (BRASIL, 2010-a)

Dessa forma, tendo em vista a abrangência de casos, onde os serviços

públicos ocasionam prejuízos, podemos citar os casos mais comuns, como greves,

suspensão de serviços de telefonia, interrupção do fornecimento de água, e

paralisação de atendimento médico. (RIZZARDO, 2007, p.414)

Page 54: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

54

Denota-se que o Estado também poderá sem enquadrado como

responsável por serviço defeituoso, independente se o defeito decorreu do uso da

administração direta ou indireta.

O Estado também pode ser responsabilizado, quando a atividade por ele

oferecida, for fornecida conforme pagamento de remuneração direta, e o acidente de

consumo, decorreram do uso do serviço, independente ser for administração direta

ou indireta. (LISBOA, 2006, p.277).

O CDC adotou a responsabilidade objetiva para o fornecedor de produtos,

como também, para o fornecedor de serviços. Porém há algumas exceções, onde o

fornecedor irá responder, conforme verificação da culpa. É o caso dos profissionais

liberais, que estarão sujeitos a indenizar, mediante comprovação de culpa

Por último foi disciplinado no § 4º do artigo 14 do CDC15, a

responsabilidade objetiva dos profissionais liberais, que requerem a incidência de

culpa para a imputação do dever de indenizar. Tal assunto deverá ser estudado

separadamente, pois muitas profissões não garantem o resultado, como a medicina

e a advocacia. Já em relação à arquitetura, engenharia, entre outras profissões,

onde o obrigado assegura o resultado, acarretará na responsabilidade objetiva.

(RIZZARDO, 2007, p.415)

As características do profissional liberal são enumeradas por Luiz Antônio

Rizzatto Nunes:

Autonomia profissional, com decisões tomadas por conta própria, sem subordinação; prestação de serviço feito pessoalmente, pelo menos nos seus aspectos mais relevantes e principais; feitura de suas próprias regras de atendimento profissional, o que ele repassa ao cliente, tudo dentro do permitido pelas leis e em especial da legislação se sua categoria profissional. (NUNES, 2009, p.230/231).

Assim, a relação do profissional liberal que presta serviço ao consumidor

só caberá indenização quando for comprovada a culpa dele.

Assim só será enquadrado o § 4º do artigo 14, quando a atividade for de

meio, e não de resultado. O serviço prestado, do qual o pagamento se faz pelo

15 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (BRASIL, 2010-a)

Page 55: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

55

resultado, não há como indagar a culpa do profissional, querendo responsabilizá-lo

por um mero defeito ou vício.

A compreensão se expande a todas as pessoas jurídicas quem exercem

atividades liberais. O que importa é a natureza da atividade. Como está sendo

prestado o serviço, se é por profissional autônomo, ou este profissional foi

contratado para exercer tal serviço.

3.5 Responsabilidades penais e administrativas do fornecedor no recall

A informação é sem dúvida, uma das obrigações mais importantes do

fornecedor, principalmente informar o consumidor sobre os riscos de determinados

produtos ou serviços, pois o objetivo deste dever é de evitar ao máximo os acidentes

de consumo, e assim, preservar a vida, saúde e segurança do consumidor.

O fornecedor que não cumprir o dever legal de informar sobre a

periculosidade ou nocividade de seus produtos e serviços estará violando as normas

do CDC, e ficará sujeito a sanções de natureza penal elencadas nos arts. 63, 64, 66

do CDC.

O art. 63 está relacionado com os crimes de omissão, uma vez que prevê

como criminosa a conduta de omitir diretrizes ou sinais ostensivos sobre a

nocividade ou periculosidade de produtos nas embalagens, nos invólucros,

recipientes ou publicidade, como também prevê a conduta culposa para tal crime.

(BRASIL, 2010-a).

Já no art. 66, também se prevê a conduta culposa como crime, que irá

ocorrer quando o fornecedor omitir informação referente a natureza, característica,

qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de

produtos ou serviços, como também incorrerá nas mesmas penas aquele que

patrocinar a oferta, conforme dispõe o parágrafo 1º do mesmo artigo. (BRASIL,

2010-a).

Por fim, o mais importante, que está intimamente ligado a conduta do

recall é o art. 64 do CDC:

Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.

Page 56: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

56

Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo. (BRASIL, 2010-a).

O artigo prevê como criminosa a conduta que deixar de comunicar à

autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de

produtos ou serviços, cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado

de consumo. Da mesma forma, está incorrendo na mesma pena o fornecedor que

deixar de retirar do mercado de consumo produtos nocivos ou perigosos por

determinação de autoridade competente. (BRASIL, 2010-a).

O objetivo jurídico do legislador em produzir esta redação para o art. 64

foi de proteger a vida, saúde e segurança do consumidor, como também dar

informação adequada sobre os riscos de nocividade e periculosidade que produtos

ou serviços apresentarem. Caracterizando como infração por desobedecer ao dever

legal de comunicação às autoridades competentes sobre a nocividade ou

periculosidade posterior a colocação de produto no mercado e o dever de retirá-lo

imediatamente do mercado de consumo, quando a autoridade competente

determinar. (ALMEIDA, 2006, p.166).

O sujeito ativo é o fornecedor ou fornecedores que receberam a

determinação da autoridade competente para retirar do mercado de consumo o

produto defeituoso. Podendo ser tanto o fabricante como o revendedor

(comerciante). (BENJAMIN, 1993, p.102). Já o sujeito passivo seria “o consumidor

difusamente considerado, ou a coletividade de consumidores potencialmente

afetada” (ALMEIDA, 2006, p.166).

O legislador buscou agregar dois tipos penais de omissão aos

fornecedores: a omissão de informar as autoridades competentes, e a omissão de

retirar do mercado de consumo, sob ordem da autoridade competente, os produtos

nocivos ou perigosos que já estejam sendo comercializados.

O tipo objetivo penal agrega duas formas de conduta: a primeira se refere

à omissão do fornecedor de comunicar a autoridade competente e aos

consumidores, sobre a nocividade ou periculosidade do produto ou serviço

introduzido no mercado. Já a segundo se refere à omissão do fornecedor de retirar

imediatamente o produto perigoso ou nocivo, já colocado no mercado, quando

houver determinação de autoridade competente. (ALMEIDA, 2006, p.166/167).

Page 57: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

57

Já no tipo subjetivo, não há modalidade culposa, dessa forma a conduta

do fornecedor só está sujeita de punição se for a título de dolo. (BENJAMIN, 1993,

p.104).

Importante mencionar que as sanções penais que contém no CDC, não

isentam o fornecedor de responder civilmente pelos produtos e/ou serviços que

posteriormente causarem danos aos consumidores, muito menos afasta

possibilidade de ser punido na esfera administrativa nos termos que dispõe o CDC.

Já referente à responsabilidade administrativa do fornecedor, o fato do

fornecedor realizar o recall, não o exime das sanções administrativas, quando

admissíveis, principalmente aquelas previstas nos arts. 56,58 e 59 do CDC.

Conforme preceitua Bruno Miragem, as sanções administrativas podem

ser classificadas como: a) pecuniárias; b) objetivas; e c) subjetivas. A pecuniária está

ligada a imposição de multa, já a objetiva se refere a produtos e serviços, e por

último, a subjetiva está vinculada às atividades do fornecedor. (MIRAGEM, 2008,

p.429).

As sanções que merecem destaque são aquelas previstas pelo art. 56 do

CDC:

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. (BRASIL, 2010-a).

A responsabilidade administrativa, no caso do recall se encontra na

seguinte questão: Mesmo o fornecedor tendo realizado o recall, é possível que ele

seja condenado a pagar a multa na esfera administrativa, e também estar sujeito a

aplicação de outras medidas administrativas elencadas pelo CDC?

Segundo os ensinamentos de Avelar (2008, p.113), o fornecedor não

pode ser penalizado impondo o pagamento da multa, se ele tomou todas as medidas

Page 58: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

58

previstas em lei, já que cumpriu todas as obrigações quando aprimorou o contrato,

pois a multa tem natureza de sanção. Já em relação às outras medidas

administrativas, por ter natureza de prevenção de danos aos consumidores, poderão

ser aplicadas, mesmo que o fornecedor tenha realizado o recall.

3.6 Causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor

A regra para o fornecedor se eximir da responsabilidade pelo fato do

produto ou serviço defeituoso está disposta no §3º dos artigos 12 e 14

sucessivamente do CDC16.

No que tange a responsabilidade do fornecedor, este só não será

responsabilizado pelos produtos ou serviços defeituoso colocados no mercado de

consumo, se provar que: não colocou o produto no mercado; o defeito inexiste; ou

houve culpa exclusiva do consumidor ou terceiro.

3.6.1 A não colocação do produto no mercado

O ato de introdução do produto em circulação, diz respeito no momento

que é introduzido no ciclo-produtivo-distributivo de maneira voluntária e consciente,

mesmo que seja para fins de testes ou mostruários. É estabelecido no momento em

que o produtor ou fabricante oferece o produto ao transportador para que seja

entregado ao seu destinatário final. (ARAÚJO, 2008, p.257).

Se o fornecedor provar que não colocou o produto no mercado de

consumo, será excluída sua responsabilidade registrada no CDC. No entanto,

poderá permanecer a possibilidade de ser responsabilizado por negligência,

conforme está disposto no artigo 159 do Código Civil. (BOAVENTURA, 2002, p.174).

16

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (BRASIL, 2010-a).

Page 59: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

59

Assim se o fornecedor conseguir provar que não colocou voluntariamente

o produto no mercado de consumo, não poderá responder pelos danos decorrentes

daquele produto defeituoso.

3.6.2 A inexistência do defeito

Os defeitos do produto ou serviço são pressupostos da responsabilidade

por danos nas relações de consumo. O fornecedor deverá provar que o defeito

inexiste, tendo em vista a inversão do ônus da prova, que está previsto no inciso VIII

do artigo 6º do CDC. (ARAÚJO, 2008, p.258).

De acordo com a legislação brasileira, o consumidor numa ação de

responsabilidade civil por acidente de consumo, terá apenas de provar o nexo

causal e o dano, devido ao produto ou serviço que adquiriu. Compete ao fornecedor,

logo em seguida, esclarecer que o dano, ainda que causado pelo produto ou serviço,

não foi em função de um defeito, ou então, que o dano, embora provocado pelo

bem, não contribui com ação ou omissão sua. (BENJAMIN, 2009, p.130).

Sendo assim, o fornecedor que conseguir provar que o produto colocado

no mercado de consumo não apresenta nenhum defeito, irá romper imediatamente o

nexo de causalidade que determina o momento em que ocorreu o dano, excluindo-

se assim a responsabilidade do fornecedor.

3.6.3 A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro

O dispositivo que regula este assunto está no artigo 12, §3º, III do CDC:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: [...] III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (BRASIL, 2010-a).

Compete ao fornecedor provar que houve culpa exclusiva do consumidor

ou de terceiro. No entanto a culpa exclusiva pode ser decorrente do uso inadequado

do produto, pela omissão de informações que deveriam ser dadas ao consumidor,

Page 60: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

60

instruções, ou mesmo advertências sobre o uso daquele produto. (BOAVENTURA,

2002, p.175)

Um exemplo prático da ocorrência de culpa exclusiva do consumidor

como causa excepcional do acidente de consumo, seria quando o consumidor usa o

medicamento sem a devida observância das doses adequadas ou quando contraria

a prescrição médica. (ARAÚJO, 2008, p.258).

Ainda o inciso III do artigo 12, §3º do CDC, coloca além da culpa

exclusiva do consumidor, também a culpa de terceiro. Essa culpa pode ser

verificada quando ocorrer o desempenho de qualquer pessoa que não esteja

envolvida nas relações de consumo como parte, mas que contribuiu para o evento

danoso.

Nas palavras de Benjamin (2009, p.130) terceiro é qualquer pessoa

estranha na relação que há entre o fornecedor e o lesado. Um exemplo disso seria

quando o transportador (quando não contratado pelo fornecedor); ou até mesmo

quando o Estado deixa a desejar com a má conservação das estradas, ocasionando

o rompimento de uma das rodas do automóvel, e por consequência causando um

grave acidente.

Sendo que o fornecedor só será eximido da culpa, se demonstrar que o

dano ocorrido foi em razão da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No que tange a concorrência de culpa, vale muito o comportamento do

consumidor em relação à causa do acidente, pois deve se levar em conta se o

consumidor foi o único causador do acidente de consumo, ou houve concorrência

entre o seu comportamento e o defeito do produto. Assim se for comprovada a

concorrência, não será aplicada a excludente de responsabilidade. (BENJAMIN,

2009, p.130).

3.6.4 O caso fortuito e força maior

As excludentes de responsabilidade por caso fortuito e força maior está

previsto no artigo 393 do Código Civil, porém não foram introduzidas no rol de

excludentes da responsabilidade do fornecedor. No entanto sua argumentação é

admitida, tendo em vista, que um fato inevitável rompe com o nexo de causalidade,

principalmente quando não conserva a relação com a atividade do fornecedor.

(ARAÚJO, 2008, p.258).

Page 61: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

61

Porém Nunes (2009, p.195) afirma que o caso fortuito e força maior não

excluem a responsabilidade do fornecedor, com a argumentação de que o risco do

fornecedor é integral, e como a norma deixa de estabelecer essa excludente, não

pode o agente responsável alegá-las em sua defesa.

E complementa que o CDC entendeu que a carga econômica decorrente

do defeito, recai sobre o agente que a produziu. E ainda fundamenta com o princípio

que é garantido pela Carta Magna da liberdade de empreendimento, que reflete

diretamente ao “direito legítimo ao lucro e responsabilidade integral pelo risco

assumido”, concluindo que a pessoa que exerce a livre atividade econômica, está

assumindo todo o risco integral. (NUNES, 2009, p.195).

Zelmo Denari (2007, p.199), por sua vez acredita que os acontecimentos

de forças físicas da natureza, ou de alguma forma são inevitáveis de combater, que

escapam do controle do homem, e que podem ocorrer tanto antes como depois da

colocação do produto no mercado de consumo, devam eximir a responsabilidade do

fornecedor, pois não teve ele, como prever esses acontecimentos.

3.6.5 Riscos de Desenvolvimento

Os riscos de desenvolvimento são aqueles que não podem ser

cientificamente revelados no momento em que o produto ou serviço é introduzido no

mercado de consumo, sendo que só é descoberto após um tempo de sua utilização,

impossibilitando assim que o defeito do produto ou serviço fosse identificável pelo

fornecedor. (ROCHA, 2000, p.111).

Os defeitos que surgem em decorrência dos riscos de desenvolvimento

constituem “uma espécie do gênero defeito de concepção.” Os riscos de

desenvolvimento são decorrentes da carência de informações científicas, na época

de concepção, a respeito dos riscos inerentes a adoção de uma nova tecnologia.

(BENJAMIN, 2009, p.131).

Os riscos de desenvolvimento podem servir como excludente da

responsabilidade do fornecedor, porém a de se analisar o quanto eles podem

interferir na responsabilidade do fornecedor, e de que forma devem ser suportados

os riscos no mercado de consumo.

A questão é como o fornecedor poderá ser responsabilizado por algo que

ele não pode prevê.

Page 62: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

62

Em relação à distribuição dos riscos de desenvolvimento, ROCHA (2000,

p.112), faz a seguinte indagação: quem deverá suportar os riscos de

desenvolvimento? O fornecedor ou o consumidor? Há divergências a respeito de

ambas as opções.

O mesmo autor explica que no direito português, italiano e alemão,

entendem que o risco de desenvolvimento deve ser aceito como causa de exclusão

de responsabilidade do fornecedor e assim, imputa o ônus dos riscos de

desenvolvimento aos consumidores. Já o direito brasileiro não aceita, tendo em vista

que o risco de desenvolvimento não está previsto no artigo 12, §3º do CDC, onde

encontram-se as formas de exclusão da responsabilidade do fornecedor. (ROCHA,

2000, p.112).

3.7 O contrato nas relações de consumo

A maior parte das relações de consumo que há entre consumidores e

fornecedores existem mediante contratação, quer seja ela verbal ou escrita. O que

nos importa nesta ocasião, é analisar os contratos escritos.

Primeiramente devem ser abordados alguns princípios que regem a

relação contratual, quais sejam: princípio da autonomia da vontade; da

obrigatoriedade contratual e da função social do contrato.

O principio da autonomia da vontade assegura aos indivíduos liberdade

para contratar. Esta liberdade alberga o direito de contratar ou não, escolher a

pessoa com quem quer contratar e de constituir o conteúdo do contrato.

Segundo Claudia Lima Marques (2005, p.60), o contrato de consumo,

está intimamente ligado com a idéia de autonomia da vontade, que considera a

vontade das partes uma peça essencial da obrigação contratual, e ainda completa

que a vontade humana está acima da vontade da lei.

Maria Helena Diniz (2005, p. 35) assevera que:

O principio da autonomia da vontade é o poder conferido aos contratantes de estabelecer vinculo obrigacional, desde que se submetam as normas jurídicas e seus fins não contrariem o interesse geral, de tal sorte que a ordem publica e os bons costumes constituem limites a liberdade contratual.

Dessa forma pode-se perceber que é da vontade das partes que se

origina a relação contratual. Através dela, buscam-se formas, que possam garantir

Page 63: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

63

seu cumprimento, e também garantir que a vontade daquele que o criou saia isento

de vícios ou defeitos.

O princípio da obrigatoriedade contratual faz referência à força ligada as

convenções, o que foi realmente acertado entre as partes. O contrato tem assim

força de lei entre as partes que dele participam, fazendo assim jus à expressão em

latim “pacta sunt servanda” (os pactos devem ser cumpridos).

Dessa forma, quanto à celebração do contrato, deverão ser observados

os pressupostos e requisitos de validade, bem como o contrato deve ser cumprido

pelas partes, como se as suas cláusulas fossem preceitos legais imprescindíveis,

independente do conteúdo das obrigações assumidas, já que foram aceitas de livre

e espontânea vontade. (NOVAIS, 2001, p.59).

O princípio da função social serve para limitar a autonomia da vontade

quando esta esteja confrontando o interesse social, devendo predominá-lo, mesmo

que essa limitação possa alcançar a liberdade para não contratar, como ocorre nas

hipóteses de contrato obrigatório. Serve também na questão de possibilitar terceiros

que não estejam, de certa forma envolvidos nas relações contratuais, quando

estiverem sendo atingidos, quer sejam de forma direita ou indireta, através de

cláusulas que possam prejudicá-los.(PEREIRA 2004, p. 13-14).

Humberto Teodoro Junior (2003, p. 55-56) cita alguns exemplos de

contratos que no seu entendimento não exerce a sua função social, não tendo

interesse coletivo, desmerecendo a proteção judicial, como, venda de produto ou

serviço mediante propaganda enganosa, alienação de bens fraudando credores, a

concorrência desleal, etc.

O CDC tem por objetivo promover a lealdade, a transparência e o

equilíbrio nas relações de consumo, não admitindo fraude, enganações, cláusulas

obscuras, com letras minúsculas, e contratos que ponham o consumidor em

situação desvantajosa na relação de consumo. (BESSA, 2009, p.276).

O fato do surgimento da produção em massa nas relações de consumo

imputou ao fornecedor o dever de estabelecer determinada conduta perante o

consumidor, buscando a satisfação de suas necessidades.

Os contratos de massa são conhecidos pela elaboração prévia e

unilateral, pelos fornecedores, onde as cláusulas dos contratos consente aos

empresários a liberdade de elaborar o conteúdo do contrato nas relações de

consumo,conforme lhe for mais conveniente. (MARQUES, 2002, p. 146).

Page 64: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

64

Esse tipo de contrato é chamado contrato de adesão, que está previsto e

definido no artigo 54 do CDC. As cláusulas desse contrato são estabelecidas

unilateralmente pelo fornecedor, sendo assim não há autonomia da vontade das

partes presente neste tipo de contrato.

Dessa forma as cláusulas contratuais irão refletir sobre o equilíbrio

contratual, gerando assim, um desequilíbrio nas relações de consumo no que tange

as obrigações das partes, pois o fornecedor irá sempre por a frente o seu interesse

econômico e jurídico.

Nesse tipo de contrato, o fornecedor é que tem a vantagem em relação ao

consumidor, pois é ele que elabora o contrato, minimizando os seus deveres,

dispensando-o de responsabilidades, reduzindo os prejuízos e os custos de um

futuro litígio. (MARQUES, 2002, p.147).

Antes que se conclua o contrato, é necessário analisar as cláusulas

gerais.

Essas cláusulas são firmadas pelo fornecedor antes do encerramento do

contrato de adesão, ou então, são impostas por lei. Tendo como características: a)

Pré-estabelecimento, que são feitas estipulações antes de se iniciar a contratação

e/ou a venda do produto ou serviço; b) Unilateralidade, quem estipula (fornecedor),

elabora cláusulas por sua própria decisão e vontade; c) Uniformidade, na qual as

mesmas cláusulas não sofrem variações no mercado, como serviços bancários,

planos de saúde, seguros em geral, etc.; d) Abstração são cláusulas que só vão se

concretizar no momento em que o consumidor adquirir o produto ou serviço e/ou

quando for firmado o contrato; e) Rigidez, o aderente, ou seja, o consumidor não

poderá discutir o conteúdo e aceita o contrato sem poder discuti-lo. (NUNES, 2000,

p.542).

É importante analisar as cláusulas abusivas, que estão dispostas no art.

6º, inciso IV da lei 8078/90, sendo que artigo 51 da mesma lei coloca quais cláusulas

estão sujeitas a nulidade.

Efing (2001, p.254) afirma que as cláusulas abusivas são aquelas que

correspondem a comportamentos aproveitadores da boa-fé do consumidor, ou

então, aquelas que ponham o consumidor em situação de inferioridade técnica ou

econômica perante o fornecedor. O CDC prevê em seus artigos 39, 40 e 41, um

conjunto de práticas comerciais que o legislador considera abusivas, e por tanto

Page 65: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

65

proibidas, de tal forma, que a nova redação do art. 39, já as esclarece de modo

exemplificativo.

Segundo Claudia Lima Marques, o art. 39 pode ser dividido em quatro

grupos: O primeiro grupo veda condições negociais desfavoráveis ao consumidor,

aquela na qual o fornecedor tira vantagem de seu conhecimento técnico e de sua

superioridade econômica. Já no segundo corresponde aquelas que preponderam

sobre a vulnerabilidade pessoal ou cultural do consumidor. No terceiro grupo, são

aquelas práticas de vendas, na qual o consumidor não se manifesta previamente, ou

seja, ele recebe o produto ou o serviço sem ter requisitado, não tendo como

devolver o produto, ou negar o serviço, obrigando-se assim a aceitá-los. E por último

temos o quarto grupo que é aquele voltado mais para os costumes, utilizado-os na

fase pré-contratual. São aquelas práticas consideradas abusivas perante valores

protegidos pela nossa Magna Carta, que atinjam a dignidade da pessoa humana

(art. 1º, inc. III), a igualdade de origem, raça, sexo, cor e idade (art. 3º, inc. IV), os

direitos humanos (art. 3º inc. II), a intimidade, a vida provada, a honra e a imagem

das pessoas (art. 5º, inc. X). (2002, p.686/688)

Sobre as cláusulas abusivas, afirma Nery Júnior (2007, p. 579) que

“existência de cláusula abusiva no contrato de consumo torna inválida a relação

contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes”.

Ainda complementa o autor que as cláusulas abusivas não se limitam aos

contratos de adesão, mas pertencem a todo e qualquer contrato de consumo, escrito

ou verbal, tendo em vista que o desequilíbrio contratual, com a superioridade do

fornecedor sobre o consumidor, pode acontecer em qualquer contrato, concluído por

meio de qualquer técnica contratual. O CDC tende a proteger o consumidor contra

as cláusulas abusivas tout court e não somente o adepto do contrato de adesão. Daí

porque “as cláusulas abusivas estarem tratadas pelo CDC em seção diversa do

regulamento do contrato de adesão, significando terem abrangência para além

dessa forma de contratação em massa”. (NERY JUNIOR, 2007, p.569).

O capítulo seguinte tratará dos aspectos gerais do instituto do recall, como a

necessidade do surgimento deste instituto, tendo em vista a moderna sociedade de

consumo, que acabou ocasionando num aumento de riscos potenciais aos

consumidores, bem como o princípio da precaução e a possibilidade de sua

aplicação ao instituto do recall.

Page 66: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

66

4. O INSTITUTO DO RECALL E SUA APLICAÇÃO NO CDC SOB A ÓTICA DO

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

4.1 Aspéctos gerais sobre o recall (chamada para voltar)

A sociedade de consumo tem colaborado para o surgimento de novos

riscos e por consequência novos danos, uma vez que a produção em massa e

circulação dos bens acarretou na perda do controle por parte do fornecedor em

relação à adequação referente à segurança de produtos ou serviços lançados no

mercado de consumo, ocasionando desta forma os chamados acidentes de

consumo.

Isto fez com que o legislador buscasse de certa forma, produzir normas

com a finalidade de evitar danos ao consumidor em função de algum vício ou defeito

nos produtos ou serviços que já estivessem sendo comercializados no mercado de

consumo, e assim obrigar o fornecedor a informar o consumidor sobre os riscos e

retirá-los do mercado.

Nos últimos anos, a palavra recall, de origem inglesa, que significa

“chamada para voltar”, foi introduzida no vocabulário brasileiro.

O recall surgiu com a finalidade de prevenir o consumidor dos chamados

acidentes de consumo e também como meio de sanar defeitos que possam ocorrer

no processo de produção, tendo em vista que se tornou comum na produção em

série a ocorrência de vícios e defeitos em produtos ou serviços.

Antes de ser integrado pelo direito do consumidor, este termo era utilizado

no Direito Político Norte Americano como meio de revogação na eleição de um

legislador ou funcionário eleito, com também, forma de anulação de decisões

judiciais, mediante voto do povo, na qual era negada a vigência de uma lei que era

entendida como inconstitucional. A única exceção era nos casos de decisão da

Suprema Corte. (CHEDID, 2005, p.50).

Mais tarde a palavra recall foi integrada no direito do consumidor, não

pela sua origem, mas sim pela sua definição literal devido o mesmo sentido utilizado

nos Estados Unidos da América. (AVELAR, 2008, p.108).

O recall é utilizado pelas empresas como política de redução de custos,

nos casos em que o produto ou serviço venha apresentar algum defeito após a sua

colocação no mercado, em razão da redução de seus custos para a reparação.

Page 67: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

67

O primeiro recall no Brasil registrado pelo Departamento de Proteção e

Defesa do Consumidor (DPDC) foi em 1998. A responsável foi a Mercedes Benz,

que convocou cerca de 23.800 compradores do veículo OF 620, para o conserto de

suporte na coluna de direção. Porem em 1969 a Ford, afirma ter realizado recall por

ter detectado um problema de alinhamento de rodas e suspensão no modelo Corsel

que tinha acabado de ser lançado. (AVELAR, 2008, p.111).

O conceito de recall se insere nos casos onde o fornecedor ao tomar

conhecimento da nocividade ou periculosidade do produto ou serviço introduzido no

mercado de consumo, deverá fazer a chamada dos consumidores, para poder então

retirar o produto ou serviço do mercado de consumo, restituir a quantia paga ao

consumidor; reparar, substituir em parte ou todo, ou até mesmo, se necessário,

realizar a troca deles, sem o prejuízo do dever de indenizar e das sanções

administrativas e penais.

O recall estava previsto no art. 11 do CDC:

Art. 11 - O produto ou serviço que, mesmo adequadamente utilizado ou fruído, apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade será retirado imediatamente do mercado pelo fornecedor, sempre às suas expensas, sem prejuízo da responsabilidade pela reparação de eventuais danos. (BRASIL, 2010-a).

Previa expressamente a obrigação do fornecedor em retirar o produto ou

serviço do mercado de consumo que apresentasse riscos aos consumidores. Porém

este artigo foi vetado, pois acredita-se que o dispositivo se torna contrário ao

interesse público, quando determina a retirada de produtos ou serviços que

apresentem alto grau de nocividade ou periculosidade do mercado de consumo,

mesmo aqueles que demonstrem adequação para o uso. Isto impossibilita a

produção e o comércio de bem indispensáveis a sociedade contemporânea, como

por exemplo, os materiais radioativos, produtos químicos, dentre outros, já que

outros artigos da mesma seção supriam a intenção normativa. (NUNES, 2009,

p.170).

Agora o recall encontra-se previsto no § 1º do art. 10 do CDC:

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. § 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. (BRASIL, 2010-a).

Page 68: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

68

O Código veda a colocação de produtos ou serviços no mercado de

consumo que apresentem alto grau de periculosidade ou nocividade, pois presumi-

se que o fornecedor tenha conhecimento dos riscos, já que ele “sabe ou deveria

saber” de sua existência. Não podendo assim, eximir-se da responsabilidade com

argumentos de que os desconhecia. (GARCIA, 2009, p.102).

No âmbito federal temos a portaria nº 789, de 24.08.2001, que

regulamenta a comunicação do recall, no âmbito do Departamento de Proteção e

Defesa do Consumidor, referente à periculosidade e serviços colocados no mercado

de consumo e também o Decreto 2181/97, que regulamenta o Sistema Nacional de

Defesa do Consumidor.

Através do recall o fornecedor busca impedir, ainda que tardiamente que

o consumidor sofra algum dano ou perda em função de vício ou defeito que o

produto tenha apresentado após sua comercialização. (NUNES, 2009, p. 168).

O recall possibilita o fornecedor que tenha colocado produto defeituoso no

mercado, que em razão disso ofereça risco à vida, saúde ou segurança do

consumidor, possa saná-los.

É necessário para haver um melhor entendimento a respeito do recall, um

estudo sobre a composição de seus elementos.

Segundo os ensinamentos de Veiga (2001, p.38/39), os elementos que

fazem parte do recall são:

a) Chamada dos consumidores; b) Que tenha ocorrido um consumo anteriormente, e não somente a expectativa que o

consumo poderia ter acontecido; c) Que tenham ocorrido imperfeições que ponha em risco a incolumidade física ou

econômica do consumidor; d) Que tais imperfeições possam causar danos à coletividade de consumidores; e) Que esses danos possam ser indenizáveis e sem haver excludentes; f) E principalmente a existência de problemas em produtos e serviços, e que se

encontre uma solução para esses problemas.

Uma vez que foram estabelecidos os elementos que compõe o recall,

atentamos então para sua classificação, na qual se subdivide em três tipos;

voluntário, judicial e extrajudicial ou administrativo.

O recall voluntário é que aquele exercido pelo fornecedor voluntariamente

a chamada dos consumidores para poder retirar o produto ou serviço do mercado de

consumo, ou então para sanar o vício ou defeito que apresente por eles. Já o recall

judicial, é aquele na qual o fornecedor é obrigado a realizá-lo por uma decisão

judicial, podendo ser uma sentença ou até mesmo uma decisão liminar. Por fim no

Page 69: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

69

recall extrajudicial ou administrativo é aquele na qual os órgãos do governo ficam

responsáveis pela tutela do consumidor, solicitando que o fornecedor realize a

chamada do consumidor. (AVELAR, 2008, p. 110/111).

Para realização do recall, é importante atentar-se para os procedimentos

que deverão ser tomados pelos fornecedores na realização do recall de acordo com

o que está disposto pelo Ministério da Justiça.

Primeiramente o fornecedor deverá informar ao publico sobre os defeitos

que foram detectados nos produtos ou serviços que foram introduzidos no mercado

de consumo.

Bruno Miragem (2006, p.103) destaca que a informação se fará através

de todos os meios de comunicação disponíveis, como anúncios publicitários, na

imprensa, rádio e televisão, devendo também comunicar as autoridades

competentes, informando os riscos decorrentes do defeito identificado e os meios de

correção, normalmente em postos ou estabelecimentos com a autorização do

fornecedor.

A comunicação aos consumidores serve para alertar sobre os riscos que

aquele produto ou serviço possa vir a causar, conscientizando os consumidores

sobre os cuidados que deve ser tomado na utilização, ou então, evitar quando

necessário, a compra ou utilização do mesmo. Já a comunicação as autoridades

competentes se torna essencial, para que se possa tomar medidas admissíveis,

determinando, até mesmo a retirada do produto ou serviço do mercado de consumo.

(GARCIA, 2009, p.103).

O fornecedor deve providenciar imediatamente a retirada do mercado, a

troca daqueles que já foram vendidos e a devolução paga ao consumidor. Sendo

que o mesmo deverá arcar com todas as despesas processuais, inclusive os da

campanha publicitária (MIRAGEM, 2006, p. 838).

Sendo assim, se por acaso o consumidor vier a sofrer algum prejuízo ou

dano causado pelo produto defeituoso, mesmo que o produto esteja fora do período

de garantia, ou depois no anuncio do recall, ainda assim a empresa responsável

deverá responder por isso.

O art. 2º da portaria nº 789, de 24.08.2001, disciplina a respeito dos

procedimentos do recall:

Art. 2º O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade ou nocividade que apresentem, deverá imediatamente comunicar o fato, por

Page 70: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

70

escrito, ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, da Secretaria de Direito Econômico - SDE, do Ministério da Justiça, aos PROCONs, bem como a todas as demais autoridades competentes. (BRASIL, 2010-d)

Ainda o art. 3º da mesma portaria enfatiza o dever do fornecedor de

informar os consumidores através de campanhas publicitárias previstas pelo

parágrafo 2º do art. 10 do CDC, frisando que a campanha deve ser feita em todos os

locais onde se possam encontrar consumidores de produtos ou serviços. Ainda

prevê que o fornecedor poderá empregar outros instrumentos, se necessários, como

correspondência, telefonemas, anúncios via internet, entre outros, para informar o

consumidor.

Segundo o §2º do art. 3º da portaria17,o fornecedor deverá adverte sobre

as consequências da não realização do recall. Como também o art. 4º da mesma

portaria estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias para a chamada dos

consumidores.

Por fim, deve ainda o fornecedor apresentar um relatório do chamamento

dos consumidores ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC,

Procons e às autoridades competentes. Restando à campanha insuficiente, deve-se

exigir a prorrogação do prazo ou então a ampliação da campanha, conforme

disciplina os arts. 5º e 6º da portaria18.

17

Art. 3º O fornecedor deverá, além da comunicação de que trata o artigo 2º, informar imediatamente

aos consumidores, sobre a periculosidade ou nocividade do produto ou serviço por ele colocado no mercado, mediante campanha publicitária que deverá ser feita em todos os locais onde haja consumidores deste produto ou serviço.

[...] § 2º Os anúncios publicitários deverão informar sobre o defeito que o produto ou serviço apresenta, bem como sobre os riscos decorrentes e suas implicações, as medidas preventivas e corretivas que o consumidor deve tomar e todas as demais informações que visem a resguardar a segurança dos consumidores do produto ou serviço, observado inclusive o disposto no Artigo 17 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. (BRASIL, 2010-d). 18 Art. 5º Ao término da campanha, deverá o fornecedor apresentar relatório final ao DPDC onde conste, além de outras informações que se fizerem necessárias, as seguintes: a) a quantidade de consumidores, tanto em valores numéricos quanto em percentual relativamente ao total, que foram efetivamente atingidos pelo chamamento, em termos globais e por Estados; b) a justificativa para o percentual de consumidores eventualmente não atendidos (produtos ou serviços não reparados ou trocados); c) identificação da forma pela qual os consumidores tomaram conhecimento do chamamento.

Art. 6º O DPDC poderá determinar, exclusiva ou cumulativamente, a prorrogação ou ampliação da campanha, às expensas do fornecedor, caso entenda que os resultados não foram satisfatórios.

Page 71: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

71

João Batista de Almeida afirma que há deficiência na elaboração do art.

10 e seus parágrafos no CDC, tendo em vista que só fala da comunicação, deixando

de lado a convocação para o conserto:

O processo do recall não pode contemplar apenas a comunicação, pois isso de per si não afastaria a periculosidade. Ao alerta deve seguir-se o conserto ou troca do mecanismo avariado, este sim, apto a afastar o perigo. A mera comunicação não condiz com o risco que o fornecedor criou ao colocar seu produto no mercado e com a sua responsabilidade de impedir danos à vida, saúde e segurança do consumidor. (ALMEIDA, 2009, p.97).

Cabe lembrar que o fornecedor ostenta sempre o risco do negócio, e tem

a obrigação legal de evitar, minimizar e ressarcir danos matérias e morais.

O objetivo principal desse procedimento é de proteger e preservar a vida,

a saúde, a segurança e a integridade do consumidor, bem como reduzir ao mínimo

possível a qualquer forma de prejuízo, quer seja de ordem material, ou de ordem

moral.

Deve-se ater para a gratuidade do serviço do recall, alcançando dessa

forma, todos os consumidores que estejam expostos ao risco, em decorrência dos

defeitos que os produtos ou serviços apresentarem. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA,

2010).

É necessário que o consumidor atenda ao chamado do fornecedor, e se o

for o caso de haver reparação, este deverá exigir o comprovante do serviço prestado

pelo fornecedor.

Os consumidores deverão, no caso em que houve reparação, exigirem e

guardar o comprovante do serviço realizado estendo-se até mesmo aqueles

compradores de veículos usados que deverão ter seus direitos protegidos.

(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010).

É extremamente importante que o consumidor atenda a esse

chamamento, pois visa à garantia de sua própria segurança, evitando assim os

chamados acidentes de consumo.

Se o consumidor percebeu que aconteceu algum dano decorrente do uso

de algum produto ou serviço defeituoso, anteriormente a realização do recall pelo

fornecedor, deverá pleitear perante as vias judiciais o devido ressarcimento. Tendo

alguma dificuldade no atendimento, deve o consumidor buscar ajuda nos Procons

Page 72: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

72

estaduais ou municipais, para que seja registrada sua reclamação. (MINISTÉRIO DA

JUSTIÇA, 2010).

Os recalls feitos recentemente, por causa da expansão dos mercados

internacionais, não estão essencialmente limitados a apenas um país. São comuns

recalls de caráter mundial, com milhões de unidades dos produtos sendo removidas

das prateleiras e substituídas para seus proprietários.

Como o caso da Nissan que anunciou o recall de dois milhões de veículos

no mundo, por um problema de contato elétrico no sistema de controle do motor,

conforme documentos conduzidos ao governo do Japão. (FOLHA, 2010).

A empresa informou que a medida envolve 835 mil carros no Japão, 755

mil nos Estados Unidos e 355 mil na Europa. A falha encontrada corresponde a um

problema de fabricação de um diodo integrado em um contato do sistema de

controle do motor, situação esta que pode provocar uma irregularidade no

funcionamento do carro. (FOLHA, 2010).

O fornecedor tem o dever de zelar pela segurança do consumidor,

intentando todos os meios possíveis para que haja a prevenção dos defeitos

encontrados nos produtos ou serviços, e que estes defeitos sejam sanados.

4.1.2 Responsabilidade pós- recall

Como tratado no capítulo anterior, a responsabilidade do fornecedor é

objetiva. Dessa forma, o fato do fornecedor ter realizado o recall, não exime sua

responsabilização, que se estende, até mesmo após a realização do recall.

Por ter o CDC disciplinado como objetiva a responsabilidade do

fornecedor, não deve haver questionamentos a respeito da atitude do fornecedor ser

correta ou não em realizar o recall. Havendo dano, o fornecedor responderá pela

incidência das regras disciplinadas nos arts. 12 e 14 do CDC, tendo em vista que

para esses casos, não há excludente admissível de responsabilização. (NUNES,

2009, p.169).

Sendo assim, se por acaso o consumidor vier a sofrer algum prejuízo ou

dano causado pelo produto defeituoso, mesmo que o produto esteja fora do período

de garantia, ou depois no anúncio do recall, ainda assim a empresa responsável

deverá responder por isso.

Page 73: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

73

Porém há divergências a respeito da possibilidade de culpa concorrente

do consumidor, nos casos onde ele comprovadamente recebeu o chamado e o

negligenciou.

Leonardo de Medeiros Garcia preceitua que:

[...] o consumidor que foi comprovadamente notificado do vício e informado de que deva comparecer no estabelecimento do fornecedor para possibilitar a troca, por exemplo, da peça defeituosa e, mesmo assim, se mantêm inerte, entendemos que age com negligência e, caso venha a sofrer danos posteriormente em razão da peça objeto de recall, poderá ter o quantun, da indenização reduzida em razão da culpa. (GARCIA, 2009, p.104).

Já nas palavras de Luiz Antônio Rizzatto Nunes [...] “poder-se-ia falar em

culpa concorrente do consumidor, caso ele receba o chamado e o negligencie. Mas,

nesse caso, continua o fornecedor sendo integralmente responsável”. (NUNES,

2009, p. 169/170).

O Superior Tribunal de Justiça se posicionou nesse sentido:

CIVIL. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE. RECALL. NÃO COMPARECEIMENTO DO COMPRADOR. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE.- A circunstância de o adquirente não levar o veículo para o conserto, em atenção ao recall, não isenta o fabricante da obrigação de indenizar. (BRASIL, 2010-g).

Obedecendo-se a um dos princípios basilares das relações de consumo,

princípio da boa-fé objetiva, deve o consumidor contribuir com o fornecedor, de

modo que se possam evitar danos a ambas as partes, atendendo sempre ao

chamado dos fornecedores (recall), colaborando para a segurança esperada do

produto ou serviço, evitando assim os acidentes de consumo.

4.2 O recall e a proteção coletiva nas relações de consumo

A proteção coletiva nas relações de consumo surge da preocupação do

Estado com os indivíduos e sua fragilidade diante do desequilíbrio na relação entre o

fornecedor e o consumidor no mercado de consumo de massa.

O CDC buscou através do seu art. 81, tutelar a coletividade nos seguintes

casos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

Page 74: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

74

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, 2010-a).

E, na mesma linha, o CDC, nos arts. 81 a 104 dispõe sobre o assunto no

título Da defesa do consumidor em juízo, trazendo a disciplina referente ao processo

civil coletivo, uma vez que se relaciona com à ação coletiva( ação civil pública),

dispondo sobre a definição dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos,

legitimidade para ajuizar ações coletivas, competência, limites subjetivo e objetivo da

coisa julgada, bem como, outros aspectos relevantes (BESSA, 2007, p.380).

A realização do recall é de extrema importância, uma vez, que visa à

proteção a vida, a saúde e a segurança dos indivíduos que integram as relações de

consumo. Quando fornecedor deixa de realizar o recall, automaticamente está

colocando em risco a coletividade de consumidores. Desta forma, a ação civil

pública será a medida cabível nos casos onde o produto ou serviço defeituoso

inseridos no mercado de consumo possa lesionar uma coletividade de

consumidores.

José Marcelo Menezes Vigliar (1999, p.56) conceitua a ação civil pública

como: "nada mais é que o instrumento processual criado pela Lei n.º 7.347/85 para

se postular a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais."

A proteção coletiva se torna necessária, tendo em vista a atual sociedade

que se caracteriza pela massificação do mercado de consumo e pelo conhecimento

de que há direitos que diz respeito a toda sociedade, pela necessidade de

estabelecer instrumentos processuais essenciais em relação às lesões coletivas de

direito, evitando assim, reproduções de processos idênticos e decisões

contraditórias. (BESSA, 2007, p.381).

Os requisitos para a propositura da ação civil pública será, conforme nos

termos do art. 1º da Lei de Ação Civil Pública, ou seja, aqueles se destinem a

reparar ou impedir atos ou condutas que importem em dano ou lesão contra o meio

ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, a livre concorrência, ao patrimônio

histórico, ao patrimônio turístico, ao patrimônio artístico, ao patrimônio paisagístico,

Page 75: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

75

ao patrimônio estético, bem como qualquer outro interesse difuso ou direito coletivo.

(BRASIL, 2010-d).

Os legitimados para propor ação civil pública são aqueles indicados no

art. 82 do CDC in verbis:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público, II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. (BRASIL,2010-a).

Como também mencionar como legitimados aqueles elencados no art. 5º

da Lei 7.347/85 (Lei de Ação civil Pública), com redação aferida pela Lei

11.448/2007 in verbis:

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia

mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente,

ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.(BRASIL, 2010-f)

O CDC complementando a disciplina do art. 5º da Lei 7347/85,

estabeleceu legitimação concorrente e autônomo entre Ministério Público,

Defensoria Pública, União, Estados, Municípios, autarquia, empresa pública,

fundação, sociedade de economia mista e associações civis para ajuizamento de

ação coletiva. (BESSA, 2007, p.393).

O Ministério Público vem se destacando, entre os outros entes

legitimados, por ser o mais atuante na tutela judicial dos direitos coletivos, tanto na

proteção do consumidor, como também nas outras, natureza de direitos meta-

individuais.

Cabe ao Ministério Público a defesa dos interesses coletivos dos

consumidores, uma vez que, em razão da massificação do mercado, muitas vezes,

Page 76: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

76

as condutas de alguns fornecedores acabam atingindo, um grande número de

clientes, ocasionando uma defesa coletiva (BESSA, 2007, p. 322).

Com relação a atuação do Ministério Pública na ação civil pública, reza o

art. 129, inciso III da Constituição Federal:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (BRASIL, 2010-b).

A atuação do Ministério Público na defesa dos direitos do consumidor

ocorre através da instauração de Inquérito Policial ou Procedimento de Investigação

Preliminar, podendo realizar diligências, exames, perícias, solicitar documentos e até

mesmo utilizar-se da força policial.

Após as investigações necessárias o Ministério Público poderá adotar

duas opções: a primeira é entrar em contato com a empresa e oferecer um Termo de

Ajustamento de Conduta (TAC), no qual será assinado pela respectiva empresa com

a previsão de multa em caso de descumprimento futuro. Caso a empresa não opte

por assinar o TAC, o Ministério Público poderá ajuizar ação coletiva, onde o caso

será discutido no âmbito do Poder Judiciário. Na hipótese de a ação ser julgada

precedente, o fornecedor deverá tomar as providências determinadas pelo juiz

imediatamente.

Caso o Promotor de Defesa do Consumidor, após realizar todas as

diligência e investigações necessárias, constatar que a reclamação ofende apenas

interesse individual, deverá encaminhar o ofendido ao Procon, sem prejuízo de

ajuizamento de ação individual (BENJAMIN, 2007, p.324).

Também a de mencionar a Defensoria Pública que passou a contemplar o

art. 5º da nova Lei de Ação civil Pública (Lei 11;448/2007), como um dos

legitimados.

Dispõe o art. 134 da Constituição Federal:

A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. (BRASIL, 2010-b)

Page 77: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

77

Portanto, cabe à Defensoria Pública a defesa dos direitos do consumidor

lesado que não possui renda suficiente para a contratação de advogados

particulares sem interferir no sustento próprio.

A Defensoria Pública atende tanto a interesses individuais, quanto

coletivos, ajuizando ações civis pública, reunindo em um único processo, lesões

relativas a diversos consumidores, com a mesma pretensão.

A Constituição do Estado de Santa Catarina não contemplou a criação

das defensorias públicas, atribuindo a competência das mesmas para a advocacia

dativa e assistência judiciária gratuita, sendo que a Lei Complementar n° 105, que

regulamentou a questão das Defensorias no Estado, atribuiu à OAB o encargo para

organização dos advogados a fim de atender a todos os necessitados.

Com relação à competência para o julgamento das ações coletivas, está

necessariamente disposto no art. 93 do CDC:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. (BRASIL, 2010-a).

Cabe ressaltar, conforme preceitua Aloísio Gonçalves de Castro Mendes

que deve-se levar em consideração não apenas o dano, mas também a

possibilidade de sua concretização ou então a eminência de ocorrer somente o ato

ilícito, ema vez que o cabimento da tutela inibitória coletiva ou então as demandas

simplesmente declaratórias ou constitutivas de caráter coletivo. (MENDES, 2010,

p.246).

Quando o dano for local, ou seja, não regional, a competência será da

comarca mais próxima. Se o dano (real ou potencial) atingir o Estado, a competência

é da capital do respectivo Estado; se distrital, a competência será da Justiça do

Distrito Federal.

Via de regra a capital do Estado apenas será competente se estiver

sendo atingida, como também esta regra servirá para o Distrito Federal, sendo que

neste caso, a competência será concorrente com as demais capitais que estiverem

envolvidas. (MENDES, 2010, p.247).

Page 78: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

78

Por fim, a competência para liquidação dos danos provenientes de

condenação em tutela de direito individual homogêneo em ação individual deverá

ser proposta no foro do domicílio do consumidor, conforme o art. 101. Inciso I do

CDC.

4.3 O Princípio da Precaução

O princípio da precaução veio representar uma nova fase do processo

histórico das normas sociais e jurídicas que foram estendendo-se ao longo dos

tempos e que tem por objetivo evitar danos. Tudo isso se remete a idéia da incerteza

quanto ao fato irreversível de prejuízos, na qual traduz a idéia de que é necessário,

mas do que reparar, e sim impedir danos irreparáveis.

O termo “precaução” provém do latim tardio precautio-onis, que tem por

significado cautela antecipada. (MACHADO, 2001, p. 1.083).

Teve seu surgimento no direito ambiental alemão, por volta da década de

60, como forma de imposição de medidas de restrição de atividades, nos casos

onde não houvesse conhecimento do potencial danoso, principalmente ostentando-

se na área de regulação da emissão de poluição na Alemanha Ocidental sob a

denominação de Vorsorgeprinzip (princípio da precaução). (HARTMANN, 2009,

p.175).

Tal princípio surgiu como norteador da política alemã de meio ambiente,

que estabelecia às autoridades obrigação de agir ante uma ameaça de danos

ambientais irreversíveis, ainda que os conhecimentos científicos até então

acumulados, não confirmassem tal risco. (MACHADO, 2001, p. 1.082).

O desenvolvimento do princípio da precaução se deu através do

acompanhamento do progresso científico e aumento progressivo do risco como fator

preponderante na composição da sociedade atual.

Pierpaolo Cruz Bottini (2007, p.66) explica que “A incorporação do risco

como fator nuclear da ordem social e econômica e as suas novas características

colocaram o homem e o direito diante de situações cada vez mais inusitadas.”

Consequência disso se apresenta através das tragédias de ampla magnitude, que

vem ocorrendo devido à utilização de novas tecnologias, que comprovaram que os

instrumentos que administravam os riscos habituais se tornaram inoperantes, tendo

em vista que não permitiam prever e precaver alguns danos de vasta amplitude.

Page 79: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

79

Assim, os preceitos de gestão de riscos se tornaram antiquados, tendo

em vista que partiam da premissa do risco conhecido que, aos poucos se tornaram

insuficientes, diante da incapacidade científica em desvendar a periculosidade

inerente às atividades humanas.

No âmbito internacional, o princípio da precaução apareceu pela primeira

vez expressa no Ato de Poluição do Ar em 1974, e após em 1982, na Carta Mundial

da Natureza, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas. (SANDS, 2004,

p. 29/30). A convenção de Viena de 1985, que dispõe sobre “medidas de

precaução” a nível nacional e internacional, e assim, o princípio vai aos poucos,

expandido-se no plano internacional, sendo mencionado na Declaração Ministerial

da Segunda Conferência do Mar Norte em 1987, a Convenção de Paris para a

Proteção do Meio Ambiente Marinho do Atlântico Norte de 1992 que conceitua o

principio da precaução, entre outros diplomas. (BOTTINI, 2007, p.67).

No Brasil, o princípio da precaução vem aos poucos sendo tratado na

legislação, e na construção de decisões judiciais. Sendo que se consolidou na

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

realizada no Rio de Janeiro em 1992. Ocasião esta que foi votado por unanimidade

a Declaração do Rio de Janeiro (ECO-92), com 27 (vinte e sete) princípios, onde o

princípio 15 estabelece:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (BRASIL, 2010).

Sendo que este princípio pode ser encontrado ainda em outras duas

convenções internacionais assinadas, ratificadas e promulgadas pelo Brasil, quais

sejam: a Convenção da Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto n. 2.519/98,

e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança de Clima, cuja a

promulgação se deu pelo Decreto n. 2.652/98. (LEWICK, 2006, p.366).

O mesmo autor afirma que estas Convenções assinalam igualmente, as

intenções do princípio da precaução, considerando sua aplicação nos casos [...] “de

incerteza científica diante da ameaça de redução ou de perda da diversidade

biológica ou ameaça de danos causadores de mudança climática”. (LEWICK, 2006,

p.366).

Page 80: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

80

Nota-se que antes mesmo da ratificação do princípio da precaução

aprovado na ECO-92, a Constituição Federal adotava o costume de agir para evitar

a degradação ambiental, por meio de seu art. 225, inciso IV19, onde exige o estudo

de impacto ambiental.

Lewick (2006, p.367), relaciona o a exigência do art. 225, inciso IV da

Constituição Federal, na realização do estudo de impacto ambiental com o princípio

da precaução, uma vez que se relaciona intimamente com avaliação precedente das

atividades humanas.

Por fim, foi promulgada a Lei 11.105. de 2005, denominada de Lei de

Biossegurança que faz menção expressa ao princípio da precaução em seu art. 1º,

que tem por finalidade regular de forma detalhada a gestão dos riscos conectado

com as atividades que envolvem os organismos geneticamente modificados.

Nesse sentido o princípio da precaução vem se incorporando de forma

esparsa na legislação, se destacando principalmente nas questões onde não haja

certeza científica que comprove a previsibilidade de um dano futuro e irreversível.

“O princípio da precaução surge como diretriz para a gestão de riscos”

(BOTTINI, 2007, p.69). Porém deve-se analisar a aplicação do princípio da

precaução aos casos concretos juntamente com a necessidade de estabelecer,

desenvolver ou aceitar atividade, empreendimento ou tecnologia, devendo ser

apreciada a relação custo-benefício entre os riscos e os ganhos decorrentes de

determinada atividade, empreendimento ou tecnologia. A sociedade desenvolve um

papel muito importante na tomada de decisão, devendo assim ser garantida sua

participação, tendo em vista que as escolhas envolvem a aceitação de riscos para

todos os seres humanos. (AVELAR, 2008, p.106).

Entende-se por atividade de modo geral, sobre os quais incidirá o

princípio da precaução, tanto a elaboração e distribuição de um produto no mercado,

como a utilização de uma técnica científica. (BOTTINI, 2007, p.69).

19

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

[...] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de

significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.( BRASIL, 2010-b).

Page 81: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

81

Se a decisão tomada for positiva para a realização da atividade,

empreendimento ou incorporação de tecnologia de risco, a Comunidade Européia,

estabeleceu através do comunicado do ano 2000 (documento mais importante

orientador do princípio da precaução), as seguintes etapas: [...] “identificar os

possíveis efeitos danosos gerados pela atividade; os efeitos deverão ser avaliados

por metodologia científica atual e a partir dos dados disponíveis (aplicação do

princípio da prevenção)”. (MILARÉ, 2005, p.144).

O Comunicado da União Européia estabeleceu postulados para que

efetivassem o princípio da precaução. São eles: proporcionalidade, não

discriminação, coerência, a análise das vantagens e dos encargos que podem

resultar da atuação ou da ausência de atuação e a análise de evolução científica.

(AVELAR, 2008, p.107).

Se a avaliação resultar na insuficiência para calcular os efeitos, quer

sejam um ou mais de um efeito, dirigir-se-á ao princípio da precaução, que embora

seja distinto, aplica-se subsidiariamente ao princípio da prevenção. (MILARÉ, 2005,

p.145/146).

Há que diferenciar o princípio da precaução do princípio da prevenção, eis

que o princípio da precaução se refere a riscos incertos, não podendo ser

comprovados através de estudos científicos, diferentemente da prevenção onde os

riscos podem ser comprováveis e previsíveis.

O princípio da precaução se difere do princípio da precaução pelo fato de

que o princípio da prevenção se refere aos riscos certos e comprováveis, pois na

prevenção a periculosidade já se encontra definida, o que justifica assim, maior

possibilidade de acontecer um acidente, tendo em vista que o perigo é concreto. Já

a precaução está ligada aos riscos puramente potenciais, ou seja, trata-se de em

perigo abstrato, em decorrência da imprecisão dos conhecimentos científicos

impossibilitados de mensurar o dano ou até mesmo de afirmar certeza, em relação a

ocorrência atual ou superveniente, de danos. (CALIXTO, 2004, p.117).

Segundo Garcia (2009, p.102), o princípio da prevenção se difere do

princípio da precaução, pois no princípio da prevenção se têm conhecimentos sobre

a periculosidade dos produtos ou serviços, devendo ser tomadas todas as medidas

possíveis para que não ocorram danos à saúde e a segurança dos consumidores,

enquanto o princípio da precaução, não se tem conhecimento, integral ou parcial,

dos possíveis danos que os produtos ou serviços possam vir a causar.

Page 82: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

82

Ao se falar do princípio da precaução é necessário um estudo a respeito

dos riscos, onde não é possível a sua comprovação, não existe a certeza científica a

respeitos dos danos que possam ocorrer futuramente.

Primeiramente o que deve ser analisado é a ausência da certeza

científica, pois a precaução vigora perante a incerteza científica que se caracteriza

por não reconhecer a valor de uma tese, pelas suas circunstâncias, dentre as quais

a falta de um consenso possa variar através das medidas empregadas para sua

comprovação sobre as amostras coletadas, sobre os modelos usados para sua

elaboração. (BOTTINI, 2007, p.71).

Ocorre que não existe uma certeza científica absoluta, pois o

conhecimento humano está dependente de evidências dedutivas ou indutivas, que

estarão sujeitas a falhas. Não é possível afirmar que haja situações onde inovação

técnica ou científica seja inócua ou perigosa.

Porém a ausência de certeza científica sobre os riscos de certas

atividades, não provoca a imposição automática de medidas de precaução. É

necessário que seja constatado a probabilidade de um risco. (BOTTINI, 2007, p.77).

Pois se os riscos não podem ser excluídos definitivamente, porque

continua a possibilidade de ocorrência de danos, podem eles ser minimizados.

De fato, a precaução importa na gestão de riscos, e esta tem por

finalidade:

[...] assegurar uma análise mais precisa da evolução dos riscos, incentivando pesquisa científica e tecnológica; reduzir o risco a um nível mínimo aceitável, sendo certo, entretanto, que não se alcança o risco zero; atuar com transparência na informação prestada ao público, o que está intimamente relacionado à noção de aceitabilidade do risco – aceitação supõe informação. (CALIXTO, 2004, p.118/119).

Dessa forma, entende-se que se os riscos não podem ser excluídos

definitivamente, porque continua a possibilidade de ocorrência de danos, eles

podem ser minimizados.

Por fim entende-se que o princípio da precaução deve ser utilizado diante

de ameaças de danos potenciais sérios, mesmo que não haja provas científicas que

possam comprovar o nexo de causalidade que liga certas atividades a seus

possíveis efeitos. Devendo ser tomadas todas as formas possíveis de precaução

para impedir danos futuros à humanidade e, por conseguinte, melhorar a qualidade

de vida de toda a coletividade.

Page 83: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

83

4.4 O recall e a custo para a atividade econômica

Há de ser analisado a aplicação do princípio da precaução e o custo para

a atividade econômica. É cediço que sobrepesa para as empresas, a questão do

custo/benefício, quanto ao dever de realizar o recall com base no princípio da

precaução, nos casos onde não haja a certeza científica do risco potencial que o

produto introduzido no mercado de consumo possa causar danos aos consumidores.

A questão econômica deve ser analisada e meditada, tendo em vista que

a precaução implica a gestão de recursos públicos ou privados, sendo imperativa a

fiscalização popular, resultante de um debate amplo para evitar o obscurismo.

(HARTMANN, 2009, p.187).

O mesmo autor afirma que “aplicar a precaução sem procurar pensar

todas as suas consequências, nos mais diversos ramos da vida social ou mesmo do

ambiente, é prejudicial”. (HARTMANN, 2009, p.187).

Neste sentido, verifica-se que existe uma preocupação em relação ao

recall e a suportabilidade do custo, pelos fornecedores.

O princípio da precaução busca tornar imprescindível todos os meios que

permitam, por um “custo econômico e socialmente suportável detectar e avaliar o

risco” reduzindo-o a um nível aceitável e se possível, eliminá-lo. (LEWICK, 2006,

p.361).

A questão que deve ser analisada sobre a adoção do princípio da

precaução se encontra na questão da exigência de desenvolvimento e admissão de

melhores técnicas disponíveis, independente de comprovação de possível dano

dentro do que for economicamente viável. (AVELAR, 2008, p.114).

Alguns autores afirmam que o princípio da precaução aplicado ao recall,

inviabilizaria a atividade econômica, sendo prejudicial para o fornecedor, pois o

haveria de certa forma, uma fiscalização maior quanto ao processo de montagem,

produção e fabricação de produtos, como também o dever de realizar o recall nos

casos onde haja dúvida quanto à segurança do produto ou serviço que será

colocado a disposição do consumidor no mercado de consumo.

Isso por conseqüência acarretaria num maior custo para o fornecedor, já

que as despesas referentes à comunicação do recall seriam arcadas integralmente

pelo mesmo.

Page 84: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

84

Pierpaolo Cruz Botini, afirma que há diplomas internacionais que tratam

do princípio da precaução, e sugere que as medidas adotadas pelo princípio da

precaução devem seguir a proporcionalidade, e ter por parâmetro a não

discriminação, a coerência, e principalmente a análise do custo benefício. (BOTTINI,

2007, p.81).

O legislador ao produzir o art. 170 da Constituição Federal assegurou a

livre iniciativa para a exploração da atividade econômica, desde que respeitassem

os direitos do consumidor. Por tanto, as empresas são livres para explorar a

atividade econômica, desde que respeitem os direitos do consumidor, uma vez que

deverão utilizar-se de todos os mecanismos possíveis para preservar a vida, a

saúde e a segurança de todos os consumidores.

A doutrina, conforme Hartmann (2009, p.212) já verificou a muitos anos

que a existência de uma série de riscos começaram a surgiu através da produção

em massa e dos avanços tecnológicos precipitados, acabando assim num dever

diferenciado de prudência do fornecedor.

E ainda complementa o autor que cabe ao fornecedor:

Verificar sem a época da colocação do produto no mercado, o fornecedor foi diligente e esforçou-se para obter informações acerca do estado-da-arte da ciência na ocasião, de maneira a determinar geral, na sociedade global – e não apenas em seu país ou em seu ramo – não havia suspeitas de periculosidade de determinada substância ou método utilizado na produção do bem ou na prestação de serviço. (HARTMANN, 2009, p.187).

A própria Organização Mundial do Comércio (OMC) modificou seu

posicionamento, reconhecendo preponderância no princípio da precaução, visto que

a integridade dos indivíduos está acima de certos interesses econômicos.

(HARTMANN, 2009, p.189).

Sendo que na esfera do direito do consumidor, aplicação do princípio da

precaução se faz necessária, uma vez que há muito se abandonou a idéia que a

“mão invisível do mercado” assegura um equilíbrio natural, sem fatalidades.

(HARTMANN, 2009, p.188).

Desta feita é que deve prevalecer o indubio pro consumidor, pois diante

da incerteza científica sobre a periculosidade ou nocividade de produto ou serviço

que já fora introduzido no mercado de consumo, o fornecedor terá o dever de

realizar o recall, prevalecendo sempre à proteção do consumidor.

Page 85: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

85

4.5 O recall e o princípio da Precaução nas relações de consumo

O recall é um instituto que visa à proteção do consumidor por meio da

informação ao consumidor, fazendo assim, uma chamada dos consumidores,

quando os produtos ou serviços colocados no mercado de consumo apresentarem

defeitos quanto a sua nocividade e periculosidade, após sua comercialização, assim

questiona-se: O recall deve ser realizado somente nos casos onde haja certeza da

periculosidade e nocividade do produto ou serviço, ou havendo dúvida quanto à

segurança dos mesmos deve o fornecedor realizá-lo?

O princípio da precaução é um dos princípios mais importantes do recall,

tendo em vista que não basta só prevenir o risco, mas também evitar possíveis

danos, pois se surgir alguma dúvida a respeito da segurança do produto, cabe ao

fornecedor informar os consumidores e as autoridade competentes sobre o risco e

também, retirar os produtos do mercado, ou então repará-los. (AVELAR, 2008,

p.116).

É imprescindível que o responsável pela geração de riscos concretamente

potencias adote algumas medidas necessárias para minimizar ou evitar que estes

riscos se concretizem.

Bruno Lewick, (2006, p.365), preceitua que:

[...] “as medidas vão desde o mais amplo adimplemento possível do dever de informação – sem o qual restará severamente prejudicada uma posterior sustentação de um comportamento de boa fé – até a implementação de uma série de cuidados, ainda que gerem dispêndios inesperados. É o caso do recall, em que os fabricantes (de automóveis, em geral), ao constatar problemas repetidos em determinados modelos, convocam os proprietários para efetuar a troca de peças defeituosas. (LEWICK, 2006, p.365).

Aqui se percebe claramente a possibilidade da aplicação do princípio da

precaução ao recall, nos casos onde não se possa ter a exata certeza científica

sobres os riscos que comprove que aquele produto ou serviço possa a vir apresentar

alguma nocividade ou periculosidade para o consumidor após sua comercialização.

Também deve-se atentar para a possibilidade de inversão do ônus da

prova, onde estabelece que cabe àquele que pretende exercer determinada

atividade ou desenvolver nova técnica ,comprovar que os riscos podem sem

suportáveis, desde que respeite os limites de razoabilidade. (SILVA, 2003, p.108).

Page 86: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

86

Nos casos do recall, deve o fornecedor provar que aquele produto ou

serviço, na qual se plaina a dúvida científica sobre a necessidade de se realizar o

recall não é perigoso e nem nocivo ao consumidor.

Ainda, pode-se observar uma ligação do princípio da precaução com os

princípios da informação e educação do consumidor, uma vez que há o dever do

fornecedor na promoção de estudos complexos e desenvolvimentos de investigação

científica, sobre os efeitos e riscos potenciais de determinada atividade e a

divulgação dos riscos, como também o resultado das pesquisas de estudos.

(AVELAR, 2008, p.114).

O princípio da precaução pode ser aplicado no direito do consumidor,

através da efetivação do princípio da informação, tendo em vista a redação do art. 9º

do CDC, que trata da nocividade ou periculosidade potencial, mesmo que não sejam

comprovadas, há um dever de informação ostensivo. (HARTMANN, 2009, p.221).

Principalmente a questão do risco, cuja confirmação, não foi concreta,

sobre a o seu potencial nocivo ou perigoso a saúde e a segurança do consumidor.

Esse risco é tratado pelo princípio da precaução, como o aquele que não se possa

prever danos irreversíveis ao futuro.

Dessa forma pode-se afirmar que o CDC de fato acolhe o princípio da

precaução, de forma implícita, por ampliar a informação que o direito a informação

proporciona. E também requer do fornecedor a prestação de informação

especialmente ostensiva ao consumidor nos casos de potencial periculosidade.

(HARTMANN, 2009, p.222).

A informação ostensiva da precaução requer a revisão de todos os

requisitos para informar o consumidor, qual seja: a adequação, a suficiência e a

veracidade. A adequação determina que esta informação seja difundida e atinja os

maiores números de meios possíveis, devendo conter uma linguagem capaz de

transmitir ao consumidor sobre o estado de incerteza acerca da segurança,

pertinente sobre determinado produto ou serviço. A suficiência é por ocasião, critério

que configura mais exigência quanto às situações normais, pois a informação

precauciosa deve ser mais ostensiva e ampla que as demais. A veracidade da

informação, por sua vez, sugere anunciar e educar o consumidor através dos

diversos resultados de estudo sobre aquele produto ou serviço. A afirmação que tal

produto foi “cientificamente testado”, quando pesa sobre ele estudos que apontam

Page 87: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

87

sua insegurança, não se trata apenas de informação precária, mas sim falsa, nos

casos especiais de precaução. (HARTMANN, 2009, p.222/223).

Ednara Pontes de Avelar (2008, p.115) questiona a noção de

sustentabilidade trazida do direito ambiental para ser acolhido pelo princípio

precaução no direito do consumidor, na medida em que determina a análise das

vantagens e desvantagens da colocação de algum produto ou serviço no mercado

de consumo a curto, médio e longo prazo.

Devido à conseqüência da evolução que houve nas relações de consumo,

o consumidor se tornou a parte mais vulnerável na relação consumerista, surgindo

dessa forma a necessidade de uma maior proteção, especialmente no que se refere

a responsabilização dos fornecedores de produtos e serviços em função de algum

vício ou defeito no processo de produção, que venham a acarretar danos aos

consumidores.

Tudo isso foi ocasionando pela sociedade de consumo que vem

colaborando para o surgimento de novos riscos e por consequência novos danos,

uma vez que a produção em massa e circulação dos bens acarretaram na perda do

controle, por parte do fornecedor em relação a adequação referente a qualidade e a

segurança de produtos ou serviços introduzidos no mercado de consumo.

Dessa forma o Estado, buscou através do instituto do recall, uma forma

de proteger o consumidor de possíveis danos decorrentes de defeitos no processo

de produção de produtos, e consequentemente, prevenir o consumidor dos

acidentes de consumo.

Porém, não basta somente realizar o recall nos casos onde haja certeza

da periculosidade e nocividade do produto ou serviço, mas também nos casos onde

não se tenha a certeza científica, onde paira a dúvida quanto à segurança dos

produtos ou serviços colocados no mercado de consumo.

Nestes casos caberia a aplicação do princípio da precaução no instituto

do recall, como forma de não apenas prevenir os danos imediatos, mas também

como mecanismo que poderá ser utilizado pelos futuros consumidores, pois bastaria

a dúvida em relação à segurança do produto ou serviço, para que houvesse a

obrigação do fornecedor de informar os consumidores sobre os riscos futuros,

considerando-se a sua proteção estabelecida como um direito fundamental no inciso

XXXII do art. 5º da Constituição Federal, bem como sua reconhecida vulnerabilidade

Page 88: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

88

capitulada na lei 8.078/90, e a responsabilidade profissional dos fornecedores no

mercado de consumo.

Page 89: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

89

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através das pesquisas bibliográficas realizadas, percebeu-se o

desenvolvimento do mercado de consumo, bem como o principal fator para esse

desenvolvimento, ou seja, a transição do consumo individual para o consumo em

massa, e, por conseguinte, a necessária regulação pelo Estado. Ressalta-se que a

criação dessas normas, teve por base, buscar o equilíbrio no mercado de consumo

capitalista, reconhecido pela ONU na década de 60, quando fixou os direitos básicos

de todo o consumidor, posteriormente absorvidos pelos países capitalistas em suas

constituições.

Verificou-se que as normas garantidoras do direito do consumidor, antes

da era moderna, eram esparsas, tendo em vista que não se fazia presente o

consumo em massa, eis que este era individualizado, não havendo, portanto a

proteção do Estado. Posteriormente, com o desenvolvimento do comércio, o

consumo começou a aumentar, e as indústrias passaram a produzir diversidades de

bens e serviços, fazendo com que o Estado, a economia e o comércio se

manifestassem através de normas específicas.

Foi analisado também a relação, consumidor e fornecedor, onde pode-se

constatar que em função da posição menos privilegiada do consumidor pela sua

vulnerabilidade, a legislação, Constituição Federal de 1988 e a lei 8.078/90,

adotaram um caráter protetivo em favor do mesmo.

Ao adentrarmos ao segundo capítulo observamos que devido ao

aglomeramento da população e a necessidade de consumo cada vez maior, assim

como o desenvolvimento tecnológico e científico a produção passou a ser voltada a

massa , tendo como principal característica a produção em série. Com essa

mudança na produção, acabou por ocasionar o aparecimento de novos riscos aos

quais a sociedade não conseguia mais controlar.

Desta forma, se fez necessário uma maior fiscalização e tutela nas

relações de consumo, regulando as responsabilidades do fornecedor sob o produto

ou serviço, não exigindo somente reparação do vicio ou defeito, como também a

indenização por danos morais e materiais.

No que tange os contratos, foi detectado que a regulação das cláusulas

contratuais em conformidade com o CDC se tornou uma grande aliada do

Page 90: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

90

consumidor eis que tais cláusulas devem ser redigidas nos limites impostos pelos

princípios estabelecidos na Constituição Federal e no CDC.

Por fim, ao terceiro capitulo, adentrou-se no tema em questão, foi

estudado o instituto do recall, onde pode-se perceber a obrigação do fornecedor em

realizá-lo, pois não deve deixar circulando um produto ou serviço revestido por vicio

ou defeito. Assim como o princípio da precaução deve ser válido, eis que não pode-

se colocar no mercado um produto que ponha em risco a vida, saúde e a segurança

do consumidor.

Pois foi com a evolução da sociedade de consumo que começaram a

surgir novos riscos e consequentemente novos danos, tendo em vista que a

produção em massa e circulação dos bens ocasionaram a perda do controle, por

parte do fornecedor em relação a adequação referente a qualidade e a segurança de

produtos ou serviços introduzidos no mercado de consumo.

Desta forma, o Estado, teve que intervir e buscar uma forma de proteger o

consumidor dos possíveis danos decorrentes de defeitos no processo de produção

de produtos, criando assim o instituto do recall.

Com relação ao princípio da precaução trazido do direito ambiental, se

torna mais amplo do que o da prevenção, haja vista que abrange os casos onde não

se tem conhecimento a respeito da certeza científica sobre a possibilidade de

ocorrência de dano, sendo que se tem a respeito, é somente a dúvida sobre a

segurança do produto ou serviço.

Assim, pode-se perceber que não bastaria somente imputar ao fornecedor

o dever se realizar o recall nos casos onde haja certeza da periculosidade e

nocividade do produto ou serviço, mas também nos casos onde não se tenha a

certeza científica, na qual resta dúvida quanto à segurança dos produtos ou serviços

colocados no mercado de consumo.

Desta forma, deve-se aplicar o do princípio da precaução no recall para

prevenir não somente os danos previsíveis, mas também como forma de prevenção

aos futuros consumidores, pois bastaria a dúvida em relação à segurança do

produto ou serviço, para que houvesse a obrigação do fornecedor em notificar os

consumidores sobre os riscos futuros.

Por fim, constatou-se também que a nossa Constituição Federal alberga o

princípio da precaução, uma vez que a defesa do consumidor está prevista como

direito fundamental no art. 5º, inciso XXXII, considerando o consumidor como a parte

Page 91: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

91

mais vulnerável das relações de consumo, levando-se em consideração o caráter

profissional do fornecedor, que deve intervir, mesmo que preventivamente, para

assegurar a qualidade dos produtos e serviços, sem colocar a saúde ou segurança

do consumidor em risco, no mercado de consumo.

Page 92: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

92

REFERÊNCIAS

ABREU, Paula Santos. A Globalização e a proteção do consumidor como direito Fundamental.Disponível: www.buscalegis.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=26099 Acesso: 19 set. 2009. ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed. rev. e atual.

São Paulo: Saraiva, 2009. ARAÚJO, Vaneska Donato de. GABURRI, Fernando; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008 AVELAR, Ednara Pontes de; PORTO, Rafaela Grania. A aplicação do princípio da precaução no direito do consumidor e sua direta relação com o instituto do recall. REVISTA DE DIREITO PRIVADO, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 9, n. 36, p. 93-118, out. /dez. 2008. BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. ______, Antonio Herman. Crimes de consumo no Código de Defesa do Consumidor. . Revista de Direito do Consumidor. n.05. São Paulo, RT, p. 88-123 jan./abr./1993

BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor: Código de defesa do

consumidor. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1991. BOAVENTURA, Marcelo Fonseca. A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no código brasileiro de defesa do consumidor. Revista de Direito Privado, São Paulo, RT v.9, jan. 2002, p. 157-182

BONATTO, Cláudio, MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no código de defesa do consumidor: principiologia, conceitos, contratos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. BRASIL. Lei 8078/1990. Código de defesa do consumidor, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 14 abr. 2010-a. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L3071.htm>. Acesso em: 14 abr. 2010-b. ______. Lei n. 5.869/1973. Código de Processo Civil, de 11 de janeiro de 1973.

Institui o Código de Processo Civil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm. Acesso em: 15 abr. 2010-c.

______. Portaria nº 789/2001. Regula a comunicação, no âmbito do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, relativa à periculosidade de produtos

Page 93: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

93

e serviços já introduzidos no mercado de consumo, prevista no art. 10, § 1º da Lei 8078/90. Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_lista.asp? campo=1273>. Acesso em: 22 jul. 2010-d.

______. Lei 7.347/1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por

danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7347orig.htm. Acesso em :03 nov. 2010-e. ______. Lei 11.448/2007. Altera o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985,

que disciplina a ação civil pública, legitimando para sua propositura a Defensoria Pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11448.htm. Acesso em: 03 nov. 2010-f

______. Superior Tribunal de Justiça. RE 1.010.392 – RJ. Recorrente: Fiat

Automóveis S/A. Recorrido: Gil Vicente Leite Tavares e outros. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Julgado em: 24.03.2008. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 06 nov. 2010-g. CALDAS, Andressa. Direito do consumidor: Exigência do capitalismo ou transformação social? Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Disponível:

http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/view/1878/1573. Acesso em: 03/05/2010) CALIXTO, Marcelo Junqueira. O princípio da vulnerabilidade do consumidor. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord.). Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006.

CALIXTO, Marcelo, Junqueira. A responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos de desenvolvimento. Rio de Janeiro. Renovar, 2004

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª. ed.,Coimbra- Portugal: Almedina Livraria, 2002. CHEDID, Georgers Abdmulmassih. O recall como instrumento das relações de consumo. Dissertação de mestrado apresentada a PUC/SP, 2005 DENARI, Zelmo.et al. Código Brasileiro Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 3. 21. ed. Sao Paulo,

Saraiva, 2005.

DUQUE, Marcelo Schenk. A proteção do consumidor como dever de proteção estatal de hierarquia constitucional Revista do Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 48, set/out, 2009.

EFING, Antônio Carlos (Coord.). Direito do consumo. Vol. 2. Curitiba: Juruá, 2002.

Page 94: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

94

______, Antônio Carlos (Coord.). Direito do consumo. Vol. 1. Curitiba: Juruá, 2001.

FERREIRA, Suzana Maria da Glória. O princípio da igualdade no direito de família à luz do novo Código Civil. PUC/SP. São Paulo: Biblioteca PUC, 2004. FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza, Revisão do Contrato - Pensamento Jurídico - Volume XIII, Curitiba, Juruá Editora, 2004.

FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro Defesa do Consumidor:

comentado pelos autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 6. ed São

Paulo: Atlas, 2003.

FOLHA DE SÃO PAULO. Nissan anuncia recall de 2 milhões de veículos no mundo.Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/821544-nissan-anuncia-recall-de-2-milhoes-de-veiculos-no-mundo.shtml, acesso em: 01nov.2010 a

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado,

jurisprudência, doutrina, questões, Decreto 2.181/97. 5. ed. Niterói: Impetus, 2009. HARTMANN, Ivar Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor: dever de informação. Revista de Direito do Consumidor. n.

70. São Paulo, RT, p. 172-235 abr./jun./2009 LEWICKI, Bruno. Princípio da precaução: Impressões sobre o segundo momento. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord.). Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006. LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

LUCCA, Newton de. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. O princípio da precaução e o direito ambiental. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, vol. 08, p. 1.081 – 1.094, ago. 2001. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. _________, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. MARTINES, Sérgio Rodrigo. Aspectos Jurídicos e Sociológicos do Controle da Publicidade de Consumo. Disponível: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/view/1859/1555. Acesso: 10 nov. 2010

Page 95: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

95

MELLO, Sônia Maria Vieira de. O direito do consumidor na era da globalização: a descoberta da cidadania. Rio de Janeiro: Renovar, 1998 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. . Ações coletivas: no direito comparado e

nacional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010 MILARÉ, Édis. Direitos do ambiente. Doutrina, Jurisprudência e glossário. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2005. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Chamamentos - recall. Disponível em:

<http://www.mj.gov.br/recall/>. Acesso em: 18 ago. 2010. MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008 _________, Bruno; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos; MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006. MORAES, Voltaire de Lima. Anotações sobre o ônus da prova código de processo civil e no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. n.

31, São Paulo, RT, p.63/69 jul/set .1999. NERY JR., Nelson et al. Código Brasileiro Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. NOGUEIRA, Tania Lis Tizzoni. Direitos básicos do consumidor: a facilitação da defesa dos consumidores e a Inversão do ônus da prova. Revista de Direito do Consumidor. n.10, São Paulo, RT, p.59 abr/jun.1994.

NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. Curitíba, PR: Revista dos Tribunais, 2001. NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2009. OLINDO, Antônio. Minidicionário de inglês-português, português-inglês. 7. ed.

São Paulo. Saraiva. 2009 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,2004. PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o

significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos; PASQUALOTTO, Adalberto. Código de defesa do consumidor e o código civil de 2002: convergênicias e assimetrias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

Page 96: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

96

REGO, Lúcia. A tutela administrativa do consumidor: regulamentação estadual.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 3. ed Rio de Janeiro: Forense, 2007. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. 2.ed São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. RODRIGUES, Geisa de Assis. A proteção ao consumidor como um direito fundamental. Revista de Direito do Consumidor. n. 41. Revista dos Tribunais: p.

81-95. Jan/ mar. 2002. p. 81-95. RUTHES, Astrid Maranhão de Carvalho. O Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor. Curitiba: Juruá, 2004. 194 p.

SANDS, Philippe. O princípio da precaução. Princípio da precaução. Belo

Horizonte, Del Rey, 2004 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo, Saraiva, 2002

SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001

SILVA, Enio Moraes da. Os Organismos Geneticamente Modificados e o Princípio da Precaução como Instrumento de Proteção Ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 30, ano 8, 2003

SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. TEODORO JUNIOR, Humberto Teodoro. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2003. VEIGA, Elisa Yamazaki, Recall – Conceito e pratica a partir da edição do Código de Defesa do Consumidor. Dissertação apresentada a PUC/SP, 2001. VIGLIAR. José Marcelo Menezes. 1999. Ação civil pública. 4ª edição. Editora Atlas: São Paulo. WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2000. p.714. WEBER, Ricardo H. A Defesa do Consumidor Constitucional. Revista Jurídica.

Porto Alegre. Notadez/fonte do direito. n. 346, ago/2006.

Page 97: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

97

ANEXO

Page 98: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

98

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

GABINETE DO MINISTRO

PORTARIA Nº 789, DE 24 DE AGOSTO DE 2001

Regula a comunicação, no âmbito do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, relativa à periculosidade de produtos e serviços já introduzidos no mercado de consumo, prevista no art. 10, § 1º da Lei 8078/90.

O Ministro de Estado da Justiça, no uso de suas atribuições e;

Considerando a necessidade de regulamentação, no âmbito do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, do procedimento de chamamento dos consumidores, previsto no artigo 10, § 1º da Lei nº 8.078/90, conhecido como "recall", que possibilite o acompanhamento pelos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC e pela sociedade, deste procedimento;

Considerando o disposto no art. 55 e parágrafos da Lei nº 8.078/90;

Considerando a competência do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, da Secretaria de Direito Econômico - SDE, do Ministério da Justiça - MJ, atribuída pelo artigo 106, inciso I da Lei 8078/90;

Considerando a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, resolve:

Art. 1º Regulamentar, no âmbito do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, a comunicação determinada pelo art. 10, § 1º da Lei 8078, de 11 de setembro de 1990, por parte dos fornecedores às autoridades competentes e aos consumidores, referente à periculosidade ou nocividade de produto ou serviço já introduzido no mercado de consumo.

Art. 2º O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade ou nocividade que apresentem, deverá imediatamente comunicar o fato, por escrito, ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, da Secretaria de Direito Econômico - SDE, do Ministério da Justiça, aos PROCONs, bem como a todas as demais autoridades competentes.

§ 1º A comunicação deverá conter, além de outras informações que se fizerem necessárias, as seguintes:

I - identificação do fornecedor do produto ou serviço objeto do chamamento, informando:

a) Razão Social;

b) Nome Fantasia;

Page 99: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

99

c) Ramo de Atividade; d) CNPJ/CPF; e) Inscrição Estadual; f) Endereço, telefone e endereço eletrônico se houver;

II - descrição pormenorizada do defeito detectado, acompanhado das informações técnicas que esclareçam os fatos;

III - descrição dos riscos que o produto ou serviço apresenta, especificando todas as suas implicações.

IV - quantidade de produtos e serviços sujeitos ao defeito e o universo de consumidores que deverá ser atingido pelo chamamento.

V - como estão distribuídos os produtos e serviços objeto do chamamento, colocados no mercado, pelos Estados da Federação;

VI - a data e o modo pelo qual a periculosidade do produto ou serviço foi detectada pelo fornecedor;

VII - quais foram as medidas adotadas para resolver o defeito e sanar o risco;

VIII - descrição pormenorizada do modo de realização da campanha publicitária de informação aos consumidores (Plano de Chamamento), de que trata o artigo 3º desta Portaria, sobre a periculosidade do produto ou serviço, informando:

a) data de início e de fim da campanha (duração);

b) meios de comunicação utilizados e freqüência de veiculação;

c) as mensagens veiculadas.

d) os locais disponibilizados para reparação ou troca do produto ou serviço

§ 2º Caso o fornecedor tenha conhecimento da ocorrência de acidentes decorrentes do defeito do produto ou serviço que originou o chamamento aos consumidores, com danos materiais ou à integridade física, deverá informar ainda:

a) o local e a data destes acidentes;

b) nome, endereço, telefone, endereço eletrônico e demais meios de localização das vítimas de que disponha;

c) descrição dos danos materiais e físicos ocorridos nos acidentes;

Page 100: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

100

d) existência de processos judiciais, decorrentes do acidente, especificando as ações interpostas, o nome dos autores e dos réus, as Comarcas e Varas em que tramitam e os números de cada um dos processos;

e) as providências adotadas em relação aos danos materiais e físicos sofridos pelas vítimas.

§ 3º O DPDC poderá, a qualquer tempo, expedir notificação solicitando informações adicionais ou complementares referentes à comunicação de periculosidade ou nocividade de produto ou serviço e ao Plano de Chamamento, apresentados.

Art. 3º O fornecedor deverá, além da comunicação de que trata o artigo 2º, informar imediatamente aos consumidores, sobre a periculosidade ou nocividade do produto ou serviço por ele colocado no mercado, mediante campanha publicitária que deverá ser feita em todos os locais onde haja consumidores deste produto ou serviço.

§ 1º A campanha publicitária será veiculada na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço, e dimensionada de forma suficiente a que atinja o universo de consumidores adquirentes dos produtos ou serviços objeto do chamamento.

§ 2º Os anúncios publicitários deverão informar sobre o defeito que o produto ou serviço apresenta, bem como sobre os riscos decorrentes e suas implicações, as medidas preventivas e corretivas que o consumidor deve tomar e todas as demais informações que visem a resguardar a segurança dos consumidores do produto ou serviço, observado inclusive o disposto no Artigo 17 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

§ 3º Para informar aos consumidores sobre a periculosidade ou nocividade do produto ou serviço, além dos anúncios publicitários, poderá o fornecedor utilizar-se de outros instrumentos que entender aplicáveis ao caso, como correspondência, anúncios via internet, avisos por telefone, dentre outros.

Art. 4º O fornecedor deverá apresentar ao DPDC, aos PROCONs e às demais autoridades competentes, relatórios de acompanhamento da campanha de chamamento aos consumidores, com periodicidade mínima de 60 (sessenta) dias, informando, pelo menos, o universo de consumidores atendidos (quantidade de produtos ou serviços efetivamente reparados ou trocados) até aquele momento e sua distribuição pelos Estados da Federação.

§ 1º O DPDC poderá solicitar a apresentação dos relatórios de acompanhamento em periodicidade inferior à estipulada no ¿caput¿ deste artigo.

§ 2º O DPDC poderá, a qualquer tempo, expedir notificação solicitando informações adicionais referentes à campanha de chamamento aos consumidores.

Art. 5º Ao término da campanha, deverá o fornecedor apresentar relatório final ao DPDC onde conste, além de outras informações que se fizerem necessárias, as seguintes:

Page 101: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

101

a) a quantidade de consumidores, tanto em valores numéricos quanto em percentual relativamente ao total, que foram efetivamente atingidos pelo chamamento, em termos globais e por Estados;

b) a justificativa para o percentual de consumidores eventualmente não atendidos (produtos ou serviços não reparados ou trocados);

c) identificação da forma pela qual os consumidores tomaram conhecimento do chamamento.

Art. 6º O DPDC poderá determinar, exclusiva ou cumulativamente, a prorrogação ou ampliação da campanha, às expensas do fornecedor, caso entenda que os resultados não foram satisfatórios.

Art. 7º O fornecedor não se desobriga da reparação ou substituição do produto ou serviço mesmo findo o prazo da campanha de chamamento.

Art. 8º O não cumprimento às determinações desta portaria sujeitará o fornecedor às sanções previstas na Lei nº 8078/90 e no Decreto nº 2.181/97.

Art. 9º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ GREGORI

Publicado no DO- Nº164 - Seção 1 - Brasília - DF, segunda-feira, 27 de agosto de 2001

Nota Informativa

O Ministro da Justiça assina Portaria que regula a comunicação de Recall em

âmbito federal.

O Ministério da Justiça, empenhado na promoção da defesa do consumidor e especialmente preocupado com os casos que possam representar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, está baixando uma Portaria que “Regula a comunicação, no âmbito do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, relativa à periculosidade de produtos e serviços já introduzidos no mercado de consumo, prevista no art. 10, § 1º da Lei 8078/90”. Referida Portaria tem por objetivo possibilitar melhores condições para acompanhamento dos casos de “recall” pelo DPDC, na condição de organismo de coordenação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, bem como dos demais órgãos e entidades que integram o referido Sistema, em benefício dos cidadãos consumidores.

A Portaria estabelece os parâmetros mínimos de informações que o fornecedor deve prestar ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) da Secretaria de Direito Econômico (SDE), quando da comunicação de recall, dando condições mais adequadas para os fornecedores organizarem o plano de recall, e para o seu acompanhamento pelo DPDC.

Embora o Código de Defesa do Consumidor esteja em vigor há aproximadamente dez anos, foi somente a partir de meados da década de 90 que as empresas

Page 102: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/368/1/Marília de Costa Dalmolin.pdf · sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo

102

começaram a adotar a prática do recall de forma sistemática. Desde então, tornou-se crescente a demanda do seu acompanhamento junto ao órgão federal responsável pela defesa do consumidor, o DPDC.

Em função da necessidade de acompanhar de perto os processos de recall em todas as suas fases, o Ministério da Justiça vem investindo esforços no sentido de aperfeiçoar a comunicação que é apresentada pelos fornecedores, conforme estabelecido no art. 10 do CDC, tornando-o mais efetivo. A Portaria assinada hoje pelo Ministro da Justiça é fruto desses esforços

Entre outras coisas, a Portaria estabelece o conjunto das informações básicas que devem constar da comunicação ao DPDC, tais como: a descrição pormenorizada do problema detectado; a descrição dos riscos; a quantidade de produtos e serviços sujeitos ao problema; o universo dos consumidores que deverá ser atingido pelo recall, sua distribuição regional; a data e o modo pelo qual a periculosidade foi detectada pelo fornecedor; as medidas adotadas para sanar o risco e a descrição da campanha publicitária; a ocorrência de acidentes decorrentes do defeito do produto ou serviço, com danos materiais ou à integridade física, relacionando as eventuais vítimas; entre outras. Além disso, o fornecedor deverá fornecer ao DPDC relatórios de acompanhamento do andamento do processo de recall e relatório final.

É bom lembrar que a campanha de recall refere-se apenas ao chamamento dos consumidores pela mídia, rádio, televisão e jornais, sendo que a reparação do produto ou serviço deve ser a qualquer tempo. Também é Importante ficar claro que a Portaria regulamenta o acompanhamento dos processos de “recall” no âmbito do Ministério da Justiça, em especial do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, sem prejuízo do acompanhamento ou mesmo regulamentação pelos demais órgãos oficiais de defesa do consumidor em suas áreas de atuação. Espera-se que as diretrizes estabelecidas na Portaria funcionem como parâmetros para as comunicações de recall dirigidas aos PROCONs e às demais autoridades competentes.