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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO ALESSANDRA DÖRR ÉTUDES RÍTMICOS: A AÇÃO DO ATOR NO TEMPO/ESPAÇO FLORIANÓPOLIS 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

ALESSANDRA DÖRR

ÉTUDES RÍTMICOS:

A AÇÃO DO ATOR NO TEMPO/ESPAÇO

FLORIANÓPOLIS

2012

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ALESSANDRA DÖRR

ÉTUDES RÍTMICOS: A AÇÃO DO ATOR NO TEMPO/ESPAÇO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa

Catarina, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Teatro, área de

concentração Teorias e Práticas Teatrais, na Linha de Pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e

Subjetividade.

Orientadora: Sandra Meyer Nunes

FLORIANÓPOLIS 2012

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ALESSANDRA DÖRR

ÉTUDES RÍTMICOS: A AÇÃO DO ATOR NO TEMPO/ESPAÇO

Esta dissertação foi julgada aprovada para a obtenção do Título de Mestre, área de concentração teorias e práticas teatrais, na linha de pesquisa

Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade, pelo Programa de Pós-graduação em Teatro, do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 18 de maio de 2012.

Banca Examinadora

Orientadora: _________________________________________________ Prof. Dr.ª Sandra Meyer Nunes

UDESC

Membro Interno: __________________________________________________

Prof. Dr.ª Maria Brigida de Mirada UDESC

Membro Externo: _________________________________________________

Professor Dr. Gilberto Icle UFRGS

Florianópolis, 18/05/2012

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DEDICATÓRIA

A meus pais, Sérgio e Nára, pelo amor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, em especial aos meus pais, aos meus irmãos

Amanda, Ana Luiza e Sérgio, e às minhas avós Hedi e Lora, pela amizade

eterna, pelo respeito às minhas escolhas, pelo apoio, pelos colos e carinhos e

por me ensinarem as belezas da vida.

Aos atores Antônio, Cândice, Djefri, Gabriele e Gelton, pela

cumplicidade, pelas risadas, pela dedicação e por fazerem a pesquisa ter

sentido.

À Sandra, pelos ensinamentos, pela paciência e por ter me guiado na

escrita dessa dissertação.

Ao Cauã, meu melhor amigo, pelo companheirismo.

Aos professores do curso de Artes Cênicas da UFSM, por terem me

apresentado ao teatro e, com isso, fazer o teatro ser, para mim, mais

necessário que a vida. Em especial à Adriana, pelos cafés que me iluminavam

para a prática.

Aos meus amigos, por compreenderem algumas ausências, por me

esperarem sempre com um abraço caloroso, por secarem minhas lágrimas e

por dividirem comigo seus anseios.

A todos aqueles que participaram de alguma forma do processo prático,

tirando fotos e filmando os encontros da pesquisa e conseguindo salas para os

encontros do grupo.

Aos membros do PPGT. Aos amigos-colegas queridos, que ficarão

guardados no coração. Às disciplinas e aos professores por me instigarem, por

me auxi liarem a questionar.

Aos membros da banca, Brígida e Gilberto pelo incentivo e pelos

apontamentos na banca de qualificação.

Aos autores dos livros, dos artigos e dos conceitos que colaboraram

para a pesquisa.

Aos sonhadores, que vivem o sonho.

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EPÍGRAFE

“Existe vida mais vivida que as

imagens dos teus sonhos?” (Rainer Maria Rilke)

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RESUMO

Dörr, Alessandra. Études Rítmicos: A Ação do ator no tempo/espaço. 2012.

146 f. Dissertação (Mestrado em Teatro – Área: área de concentração teorias e

práticas teatrais, na linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-

Graduação em Teatro, Florianópolis, 2012.

Essa dissertação propõe a descrição de estudos sobre o ritmo, denominados études rítmicos, elaborados para serem experienciados como exercícios de

variação tempo-espacial. Ao longo da escrita serão analisadas as experiências compartilhadas com um grupo de atores na criação dos études. A ideia de uma articulação da ação física no espaço e no tempo vincula-se a uma ação que

não se dá a priori, mas se organiza no momento de sua feitura, levando em conta as dinâmicas variáveis provenientes do jogo entre os atores e os

elementos rítmicos trabalhados. A escuta de si mesmo e do outro é considerada, na medida em que propicia aos atores o compartilhamento de aspectos rítmicos e o despertar de imagens e dinâmicas diferenciadas na

construção de ações físicas no espaço/tempo. Palavras-chave:

Ritmo, Étude, Tempo, Espaço, Ação Física.

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ABSTRACT

Dörr, Alessandra. Rhythmic Études: The Actor Action in Time/Space. 2012.

146 f. Dissertation (Mestrado em Teatro – Área: área de concentração teorias e

práticas teatrais, na linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-

Graduação em Teatro, Florianópolis, 2012.

This paper proposes the description of studies about the rhythm, denominated rhythmic études, elaborated to be experienced as time-space variation

exercises. Throughout the writing the experiences shared with a group of actors in the creation of études will be analyzed. The idea of an articulation of a physical action in space and time is connected to an action that does not

happen a priori, but that organizes itself at the moment of its making, taking into account the variables dynamics originated from the interaction between the

actors and the worked rhythmic elements. Listening to oneself and to the other is considered, in that it provides to the actors the sharing of rhythmic aspects and the awakening of images and differentiated dynamics in the construction of

physical actions in space/time

Keywords:

Rhythm, Étude, Time, Space, Physical Action.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotografia 1

Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no

Ensaio Aberto.

26

Fotografia 2

Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no

Ensaio Aberto.

26

Fotografia 3

Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no

Ensaio Aberto.

27

Fotografia 4

Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no Ensaio Aberto.

27

Fotografia 5

Atores improvisando com os elementos rítmicos.

50

Fotografia 6

Djefri jogando com as sombras de seu corpo.

55

Fotografia 7

Atores testando os études rítmicos “Redescobrir do Espaço”, “Canções” e “Das Palavras” concomitantemente.

60

Fotografia 8

Atores em fluxo dado pelo jogo.

64

Fotografia 9

A

es Atores em fluxo dado pelo jogo.

65

Fotografia 10

Gelton recombinando sua partitura em uma nova

sequência.

75

Fotografias

11 a 16

Gabriele recombinando sua partitura em uma nova

sequência.

76

Fotografia 17

Antônio, Cândice, Djefri e Gelton recombinando suas

partituras individuais em uma nova sequência.

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Fotografia 18

Primeiro encontro em que foi testado o étude de

redescobrir do Espaço.

79

Fotografia 19

Antônio, Gabriele e Djefri improvisando com o ventilador

de teto.

80

Fotografia 20

Ensaio na Praça Saldanha Marinho, no centro de Santa

Maria (RS).

86

Fotografia 21

Gelton, Djefri e Cândice no étude “Redescobrir do

Espaço”.

87

Fotografia 22

Depois de empilharem as mesas e as cadeiras, os atores

improvisaram com novas possibilidades de níveis.

88

Fotografia 23

Antônio e Gelton dividindo o mesmo espaço diminuído –

uma caixa de papelão que impedia movimentos com

tamanhos e com velocidades mais rápidas e maior

variação de nível. Cândice com os olhos vendados. Djefri

com os movimentos modificados graças ao seu corpo

amarrado por roupas e tecidos. Gabriele com sapato de

salto alto em um só pé.

88

Fotografia 24

Djefri, com o corpo firmemente enrolado, arrastava-se no

espaço e usava a boca para pegar os objetos.

89

Fotografia 25

Cândice e Gabriele fazendo a mesma partitura.

96

Fotografia 26 Atores experimentando o oposto de algum dos elementos

rítmicos em suas partituras.

97

Fotografia 27 Antônio, Cândice e Gelton experimentando o oposto do

elemento rítmico “nível”.

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Fotografia 28

Antônio testando diferenças de tensão e relaxamento.

Cândice experimentando direções opostas, Gabriele

experimentando diferentes níveis e Gelton explorando

expansão e recolhimento.

98

Fotografia 29

Antônio, Cândice, Djefri e Gelton testando palavras

diversas nas suas partituras individuais.

110

Fotografia 30

Cândice e Gabriele experimentando, de olhos fechados,

as sensações causadas pelas palavras.

111

Fotografia 31

Antônio, Cândice, Djefri e Gabriele experimentando

estímulos dados pelas palavras.

111

Fotografia 32

Antônio e Djefri experimentando novas palavras em sua

partitura.

112

Fotografia 33

Cândice e Gelton experimentando o étude “Para Além do

Ver”.

121

Fotografia 34

Antônio, Cândice, Djefri e Gabriele tocando nas mãos

uns dos outros com os olhos fechados.

122

Fotografia 35

Os atores reagindo aos elementos rítmicos invisíveis e

explorando os sentidos.

122

Fotografia 36

Cândice com os olhos vendados, tocando a parede,

sentindo as temperaturas e texturas.

123

Fotografia 37

Antônio, com os olhos fechados, percebendo a sensação

de tocar e ser tocado por si mesmo.

123

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Fotografia 38

Cândice cantando uma canção de ninar para Antônio e

Djefri enquanto os dois reagem vocalmente com outros

sons.

129

Fotografia 39

Os atores testando uma canção em uníssono.

130

Fotografia 40

Com os estímulos vocais, os atores influenciavam a ação

do outro.

130

Fotografia 41

Experimentação da influência da voz nos elementos

rítmicos.

131

Fotografia 42

Cândice testando novas maneiras de trazer a canção,

com interjeições, gritos e sussurros.

131

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................14

2 O SURGIMENTO DOS ÉTUDES RÍTMICOS ................................................39

3 ÉTUDES 1: DIFERENTES COMBINAÇÕES ................................................70

4 ÉTUDES 2: REDESCOBRIR DO ESPAÇO ..................................................79

5 ÉTUDES 3: OPOSTO E CIRCUNSTÂNCIA .................................................91

6 ÉTUDES 4: DAS PALAVRAS .....................................................................100

7 ÉTUDES 5: PARA ALÉM DO VER .............................................................113

8 ÉTUDES 6: CANÇÕES ...............................................................................124

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................131

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................136

ANEXO ...........................................................................................................142

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1 INTRODUÇÃO

Nesta dissertação, descrevo experiências acerca do ritmo relacionadas

às noções de espaço e de tempo na elaboração de estudos improvisacionais,

aqui nomeados études [estudos]. Analiso a experiência prática compartilhada

entre um grupo de atores sob minha orientação, em que o trabalho

experimental com o ritmo foi dado pela percepção da ação física no tempo e no

espaço. O foco desta pesquisa é a descrição e a análise dos études rítmicos,

que servem de mote para refletir sobre o ritmo na ação do ator.

Na prática experimental, buscamos relacionar exercícios rítmicos à ação

física no trabalho do ator, à imaginação e à criação de partituras e

circunstâncias cênicas. A prática foi realizada em Santa Maria, Rio Grande do

Sul, de março a dezembro de 2011, na Universidade Federal de Santa Maria

(UFSM) e contou com a participação dos atores Antônio Orellana, ator e diretor

formado pela UFSM, Cândice Lorenzoni, professora do Curso de Artes Cênicas

da UFSM e dos graduandos de Artes Cênicas Djefri Ramon, Gabriele Schillo e

Gelton Quadros.

O interesse em tal pesquisa vem da minha formação no Bacharelado em

Artes Cênicas da UFSM, no qual desenvolvi trabalhos teatrais como O Tempo-

Ritmo na Construção Cênica do Texto O Defunto de René de Obaldia1 e A

Ação Física e o Realismo Fantástico na Construção de um Espetáculo Solo2 -

que resultou no espetáculo O Mar do Tempo Perdido e A Musicalidade do

Espetáculo pelo Ritmo da Ação do Ator3 - que norteou meu trabalho de

conclusão de curso e gerou o espetáculo À Margem da Vida, baseado no texto

homônimo de Tennessee Williams, com direção de Adriana Dal Forno. No

primeiro trabalho citado, dirigi duas atrizes; no segundo, criei e atuei em um 1 Projeto orientado pela professora Michele Zaltron, como parte integrante da disciplina de

Encenação IV, no segundo semestre de 2007. 2 Projeto de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvido em Técnicas de Representação V e VI

2 Projeto de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvido em Técnicas de Representação V e VI

e Laboratório de Orientação I e II, orientado pela professora Michele Zaltron, no decorrer do ano de 2008, que resultou no monólogo O Mar do Tempo Perdido, baseado no texto homônimo

de Gabriel Garc ía Márquez. 3 Projeto de extensão desenvolvido em Técnicas de Representação VII e VIII e Laboratório de

Orientação III e IV, com orientação da professora Adriana Dal Forno, no decorrer do ano de

2009.

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espetáculo solo; e, no terceiro, foi criado um espetáculo contracenado de

formatura em Interpretação Teatral. Nesses trabalhos, percebi que o ritmo pode

ser resultado e metodologia do estabelecimento da ação física no espaço e no

tempo. O projeto apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Teatro da

Universidade do Estado de Santa Catarina, que culminou nesta dissertação,

levou em conta as experiências pedagógicas e artísticas vividas no Curso de

Artes Cênicas da UFSM, no sentido de buscar aprofundar algumas questões

advindas dessa prática e problematizá-las segundo a noção de ação física e de

ritmo no trabalho do ator. A linha de pesquisa escolhida para desenvolvimento

do projeto foi “Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade”, pois essa linha

reúne pesquisadores que investigam a teoria e a prática da produção cênica

com ênfase no trabalho criativo e na pedagogia do ator.

Tive contato com a obra de Constantin Stanislávski (1863-1938) na

UFSM, onde se tem uma visão particular do diretor russo. Seus escritos eram

lidos, e ainda são, apenas na língua espanhola por meio das edições da

Editorial Quetzal4, por se tratarem de traduções diretas do russo - e não da

versão americana, como são as brasileiras5 que contém muitas modificações e

cortes em relação ao original - e apresentarem trechos inéditos de manuscritos

que não constam na tradução americana e, consequentemente, na brasileira 6.

4 Tivemos acesso às obras El trabajo sobre si mesmo en el proceso creador de la encarnacion

(Buenos Aires: Domingo Cortizo – Editorial Quetzal S.A., 1983), realizada por Salomón Merener da edição russa do Editorial Estatal Arte, do Instituto Estatal de Investigações Cient íficas de Teatro e Música Maximo Gorki, de Moscou e El trabajo del actor sobre si mesmo.

El trabajo del actor sobre si mesmo. El trabajo del actor sobre si mismo en el proceso creador de las vivencias (Buenos Aires: Domingo Cortizo – Editorial Quetzal S.A., 1980) – realizada por Salomón Merener da edição russa do Editorial Estatal Arte, do Instituto Estatal de

Investigações Científicas de Teatro e Música Maximo Gorki, de Moscou. El Trabajo del Actor Sobre Su Papel. Tradução para o espanhol de Salomón Merener. Buenos Aires: Editorial Quetzal, 1977. Mi Vida en el Arte. Tradução para o espanhol de Porfírio Miranda Marshall.

Habana: Editorial Arte y Literatura, 1985. 5 Uma ressalva importante: todas as edições brasileiras que existem até o presente momento

das obras de Stanislávski foram feitas a partir da tradução americana, mas há uma exceção –

Minha Vida na Arte, de Paulo Bezerra, pela Civilização Brasileira, em 1989, feita diretamente do russo. 6 Recomendo a leitura da dissertação “Análise Ativa: Uma Abordagem do Método das Ações

Físicas na Perspectiva do Curso de Direção Teatral da Universidade Federal de Santa Maria/RS”, de Laédio José Martins, mestre em Teatro pelo programa de Pós Graduação em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina. Nesse trabalho, o autor se debruça no

processo de formação artística em Direção Teatral no curso de Artes Cênicas da UFSM, na perspectiva do Método da Análise Ativa desenvolvido na Rússia por Stanislávski e transmitido por um de seus alunos, Gueorgui Tovstonógov (1915-1989) à Nair Dagostini. No subcapítulo

“Publicação Americana x Publicação Russa”, Laédio t rata de explicitar as divergências entre as

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Um dos principais enfoques das disciplinas práticas e teóricas do curso de

Artes Cênicas – como Encenação Teatral, Técnicas de Representação, Ética e

Estética Teatral, Expressão Corporal e Vocal - era na ação física, a partir da

perspectiva de Stanislávski, que pressupõe o trabalho do ator sobre si mesmo,

objetivando a ação que não é somente mecânica, mas sim, integral – uma

percepção da união entre corpo e mente pelo pensamento vinculado ao

movimento.

Durante meu período como aluna do Bacharelado em Artes Cênicas –

opção Interpretação Teatral, compreendido entre os anos de 2005 e 2009, tive

contato com professores, disciplinas e leituras que me atentaram para o ritmo

da ação do ator, mais precisamente a partir de uma leitura stanislaviskiana

acerca do ritmo aliado às circunstâncias dadas e como desencadeador da ação

física pela imaginação, que não dissocia corpo e mente, físico e espiritual.

A prática proposta ao grupo de pesquisa por mim coordenado

direcionou-se à vivência do ator em relação às ações físicas, com enfoque no

ritmo, a partir de alguns princípios provenientes dos Viewpoints [Pontos de

Vista], elaborado pela diretora americana Anne Bogart (1951), juntamente ao

treino das velocidades – prática recorrente no curso de Artes Cênicas da UFSM

que foi criada pela diretora brasileira Nair D’Agostini (19??). A experiência da

escuta de si mesmo e do outro, é fator relevante para a construção de ações

no espaço/tempo de forma mais pessoal e, ao mesmo tempo, compartilhada.

Os dois métodos escolhidos para esta pesquisa enfatizam a questão da

percepção do espaço/tempo como componente primordial para o trabalho do

ator. Ao falar da escuta do ator no tempo/espaço, refiro-me à percepção do

ritmo de sua ação. A ideia de “extraordinary listening” (escuta extraordinária)

trazida por Bogart, bem como o trabalho inicial com alguns elementos do

Viewpoints7, foram importantes para desenvolver a noção de ritmo nos atores.

Essa relevância se deu pela compreensão de que a escuta extraordinária é

responsável por aguçar a atenção dos atores para o espaço/tempo. Mas é

necessário compreender que não utilizamos o termo escuta extraordinária,

duas publicações, apresentando exemplos e inserindo o leitor na visão que o curso da UFSM tem do diretor russo. 7 Optamos por não traduzir o termo Viewpoints entendendo que no Brasil esta prática tem sido

utilizada por artistas e pesquisadores conservando a língua original, o inglês.

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como na concepção colocada por Bogart. Por escuta entendemos, na prática, a

percepção do outro e de si mesmo no espaço e no tempo, na relação que se

tem com esse espaço e esse tempo, pelas modificações que surgem quando o

ator se relaciona com algo que está em si mesmo ou que o circunda e

atravessa e lhe afeta pela relação atenta com os objetos de atenção – o corpo

do colega, o que é visível e o que é invisível e o que toca cada ator. No treino

das velocidades, na aplicação feita no curso de Artes Cênicas da UFSM e

transmitida por mim aos atores, sempre recomendei que os atores

percebessem a sua relação com cada uma das velocidades e com as imagens

que elas provocavam, ou seja, que ouvissem a si mesmo e ao espaço/tempo,

Creio que o grande ponto de convergência entre os dois procedimentos

metodológicos seja a percepção do espaço e do tempo para a ação do ator.

Dentro das particularidades de cada método, é possível notar um discurso

semelhante em relação à percepção das variações do corpo no tempo e no

espaço. Nessa dissertação, bem como na prática com os atores na pesquisa

prática, a variação no espaço/tempo é chamada ritmo.

No dicionário Aurélio (2008), ritmo é descrito da seguinte forma:

Rit.mo sm. 1. Movimento ou ruído que se repete, no tempo, a

intervalos regulares, alternados (como o vaivém do pêndulo, as ondas na praia, etc.). 2. Sucessão periódica e regular de fases ou variações, no curso de algum processo: ritmo das marés, das fases da lua. 3.

Fisiol. Repetição, em intervalos regulares, de uma função: ritmo cardíaco. 4. Mús. ordenamento de sons musicais, percebido ou considerado segundo as diferenças de acentuação (intensidade maior

ou menor do som) e de duração de cada um deles. 5. Mús. Qualquer padrão desse ordenamento, característico de um tipo ou gênero de música: ritmo de valsa (FERREIRA, 2008, p. 711).

A noção usual de ritmo descrita acima aponta para a regularidade,

contudo, a noção que trabalhamos com os atores na pesquisa, embora possa

repetir certos ordenamentos, abriga, sobretudo, variações, que são

engendradas no momento presente, nas dinâmicas do espaço e do tempo da

ação.

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Para Stanislávski, o tempo-ritmo é referente à dinâmica da ação do ator

em um determinado espaço de tempo. Segundo ele, “o tempo é rapidez ou

lentidão. O tempo encurta ou prolonga a ação, acelera ou retarda a linguagem.

Para cumprir a ação, para pronunciar as palavras, necessita-se tempo” 8

(STANISLÁVSKI, 1983, p. 138, tradução nossa).

O tempo é a rapidez com que se alternam períodos iguais, de uma medida qualquer, que por convenção se tomam como unidades. Ritmo é a relação quantitativa dos períodos efetivos (de movimento e

de som) em relação aos períodos estabelecidos por convenção como unidades em um tempo e medida determinados

9 (STANISLÁVSKI,

1983, p. 137, tradução nossa).

Ele considera que a repercussão interna dessa dinâmica temporal seja a

principal função do tempo-ritmo. Para ele, o tempo-ritmo é interno e externo. O

interno diz respeito à imaginação e o externo refere-se aos movimentos do

corpo e às circunstâncias do espaço. O tempo-ritmo interno e o tempo-ritmo

externo podem estar em variações diferentes em um mesmo momento, o

trabalho do ator é semelhante ao pintor que combina as cores, no caso do ator,

ele combina ritmos.

Com o tempo-ritmo, atuamos como o pintor com as cores,

combinando as mais diversas velocidades e medidas [...] os diversos tempos e ritmos se encontram simultaneamente não apenas em muitos atores de uma mesma cena, como também em um só ator

10

(STANISLÁVSKI, 1983, p.152, tradução nossa).

Na abordagem de Stanislávski, o elemento tempo-ritmo se refere à

dinâmica da ação executada pelo ator, em determinado espaço de tempo. Para 8 El tempo es rapidez o lenitud. El tempo acorta o prolonga la acción, acelera o retarda el

lenguaje. Para cumplir la acción, para pronunciar las palabras, se necesita tiempo.

9 El tempo es la rapidez con que se alternan períodos iguales, de una medida cualquiera, que

por convención se toman como unidades. Ritmo es la relación cuantitativa de los periodos efectivos (de movimiento, sonido) respecto de los periodos estabelecidos por convención como unidades en un tiempo y medida determinada.

10 Con el tempo-ritmo, actuamos como el pintor con los colores, combinando las más diversas

velocidades e medidas [...] los diversos tempos y ritmos se encuentran simultáneamente no

sólo em muchos intérpretes de una misma escena, sino en un solo actor.

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ele, essa dinâmica é capaz de provocar repercussão interna, e não influencia

apenas o aparato muscular, mas os sentimentos. O corpo não dissociado da

mente possui variação de estados de ânimo e pode estimular diferentes

qualidades da ação física. É o tempo-ritmo um dos grandes responsáveis pelo

incitar da imaginação, “com frequência se fala do voo do pensamento e da

imaginação. Isso quer dizer que possuem movimento e, por conseguinte, há

neles tempo e ritmo” 11 (STANISLÁVSKI, 1983, p. 80, tradução nossa).

Stanislávski começou seus experimentos com o tempo-ritmo em 1918 no

Estúdio de Ópera Bolshoi de Moscou, com um grupo formado de cantores do

Bolshoi e de atores do Teatro de Arte de Moscou. Experimentava com os

atores o uso de metrônomos para marcação dos tempos e ritmos da ação e

notou que:

Em um ponto podemos tornar a ação mais rápida, em outro reforçá -

la, em uma terceira etapa a podemos acelerar, retardar, deter, interromper, agregar um acento rítmico, e, por fim, coordenar nosso movimento com a ênfase do tempo e do ritmo

12 (STANISLÁVSKI,

1983, p. 49, tradução nossa).

O diretor percebe então a necessidade de um trabalho sobre o tempo-

ritmo e esse elemento vira um dos pontos principais da sua pesquisa. A

variação do tempo-ritmo na execução dos movimentos, fosse a partir da

marcação de compassos, fosse por meio da música ou ainda partindo da

justificativa da linha de ação física, produziria sensações e imagens que

poderiam estimular novas variações rítmicas e renovação do fluxo de energia.

Também Rudolf Laban (1879-1958) 13 traz uma noção de tempo-ritmo.

Para ele, o tempo-ritmo é dado por uma série de movimentos e “consiste na

11

Con frecuencia se habla del vuelo del pensamiento y de la imaginación. Eso quiere decir que poseen movimiento y, por supuesto, hay en ellos tempo e ritmo. 12

En un punto podemos aligerar la acción, en otro reforzarla, en una tercera etapa la podemos acelerar, retardar, detener, interrumpir, agregar un acento rítmico, y, por fin, coordinar nuestro movimiento con el énfasis del tempo y el ritmo. 13

Rudolf (Jean-Baptiste Attila) Laban, foi Bailarino e Coreógrafo Austro-Húngaro e é considerado um dos maiores teóricos da Dança do Século XX. Em 1915, criou o Instituto Coreográfico de Zurique, na Suíça, trabalhando suas concepções corporais no espaço e

estruturando geometricamente seu método. Sua Teoria sobre o movimento baseia-se na

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combinação de durações iguais ou diferentes de unidades de tempo. Estas

podem ser representadas pelas notações musicais de valores de tempo”

(LABAN, 1978, p. 74). Segundo Lenira Rengel, em Cadernos de Corpo e

Dança, o ritmo labaniano pode ser métrico ou não métrico:

Ritmo métrico é o ritmo executado em conformidade a unidades de tempo mensuráveis. É o ritmo medido, quantificado, restringido a

medidas e contagens. Ritmo não-métrico é executado em conformidade com o ritmo interno ou biológico: a pulsação cardíaca, o ritmo respiratório, o fluir da corrente sanguínea (RENGEL, 2006, p.

31)

Segundo Rengel (2006), Laban apresenta uma série de conceituações

de ritmo: o ritmo corporal, o ritmo do esforço, o ritmo do espaço, o ritmo

métrico, o ritmo não métrico, o ritmo tempo e o ritmo peso. O ritmo corporal não

se processa com regularidade absoluta, embora constitua um conjunto fluente

no tempo, auxilia na adaptação ao ritmo externo. O ritmo do esforço é

manifestado nas mudanças de qualidades de ação (peso, tempo, espaço e

fluência), acontece sem uma organização de tempo. O ritmo-espaço é a forma

de estruturar o tempo no espaço em volta do corpo, para criar uma esfera

pessoal à sua volta. O ritmo métrico é o ritmo medido, quantificado. Já o ritmo

não métrico é executado em conformidade com o ritmo interno (como a

pulsação sanguínea). O ritmo-peso é a forma como o ator usa os acentos

rítmicos. E, por último, o ritmo-tempo é a maneira como o ator lida com o fluxo

contínuo do movimento. Essas são as divisões e conceitos labanianos de ritmo.

Ao buscar compreender, também, os conceitos de ritmo que Bogart

utiliza, encontrei palavras suas sobre o trabalho com músicas com ritmo, ou

seja, “forte, com batida repetitiva” 14, ou sem ritmo, quando sugere que o leitor

“Escolha uma peça de música que é relativamente abstrata ou atmosférica,

algo com muita textura e não com muito ritmo (por exemplo, música ambiente

composição dos elementos do movimento no espaço e suas combinações, a qual deu o nome de Coreutica, que se desdobra na criação dos ritmos e dinâmicas coreográficas, a Eukinética.

http://www.cursodehistoriadaarte.com.br/lopreto/index.php/arte -danca-rudolf-laban. (LOPRETO, Luiz Roberto, 2010). Acesso em 07/04/2012. 14

Exercise 4: Open Viewpoints with rhythm – Choose a piece of music similar to that used in

Exercise 1: a strong, repetitive beat.

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ou New Age)”15 (BOGART, 2005, p. 99). Não há muito material sobre ritmo na

visão de Bogart, impossibilitando um diálogo maior com o tema. Creio que a

colaboração da leitura de Bogart para esta pesquisa é no sentido de escuta:

escuta de si e do outro. Também é possível compreender que Viewpoints são

pontos de vista no tempo e no espaço e isso está presente nos exercícios de

Viewpoints citados no segundo capítulo desta dissertação.

Por considerar, nessa pesquisa, ritmo como variação no tempo e no

espaço, o trabalho prático com ritmo trouxe reflexos dos Viewpoints e de

exercícios de experimentação no tempo e no espaço do curso de Artes

Cênicas. Sobre a relação do ritmo com o tempo e o espaço, escreveu Pavis,

O ritmo, no sentido de se perceber corpos falantes deslocando-se em cena no tempo e no espaço, possibilita pensar na dialética do tempo

e do espaço no teatro. [...] O ritmo impede basear uma semiologia em unidades fixas e congeladas de uma vez por todas em unidades mínimas. É ele que constitui e destitui as unidades, opera

aproximações e distorções entre os sistemas cênicos, dinamiza as relações entre as unidades variáveis da representação, insere o tempo no espaço e o espaço no tempo (PAVIS, 2005, p. 345).

Nos encontros práticos com o grupo envolvido nesta pesquisa, o recorte

dado ao ritmo foi o da percepção pessoal, vibracional e reverberativa do tempo

e do espaço pela ação do ator. Não se pretendia a delimitação dada apenas

por comandos externos, mas a expressão própria e sensível de cada ator. A

percepção se deu pelo reconhecimento de ritmos espontâneos, na escuta de si

e do outro. O ritmo era manifestado no movimento visível, na imobilidade

externa, na fala e no si lêncio.

A palavra ritmo é originada do grego ρυθμός [rhythmós], e entre seus

vários significados está a palavra “fluir”. Relacionarei aqui ritmo a fluxo, pois

entendo ser esse o significado mais próximo da experiência descrita. O fluxo

está ligado à ação dos atores e o considero como ininterrupto, pois mesmo que

tenha diferentes qualidades e oscilações, ainda é um fluxo humano. Onde há

vida – seja na imobilidade ou nos movimentos estanques e nas mudanças 15

Choose a piece of music that is relatively abstract or atmospheric, something with a lot of

rhythm (for example, ambient or New Age)

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bruscas – há fluxo, pois ele se mantém para além da continuidade ou

descontinuidade. Sobre fluxo do movimento, o Dicionário Laban, de Lenira

Rengel, explica que para Laban, ele “é um aspecto do fator de movimento –

fluência. O fluxo é continuação normal do movimento, como de uma corrente

fluente, podendo ser mais ou menos controlado” (RENGEL, 2005, p. 88).

Segundo Laban, em Domínio do Movimento (1978),

o fluxo tem principalmente a ver com o grau de liberação produzido

no movimento, não importando se este é considerado do ponto de vista de sua dualidade subjetiva-objetiva ou dos contrastes de ser “livre na” – “livre da” fluência do movimento. Ao descrevermos a

fluência incluímos na sua caracterização a sua negativa total: a parada ou pausa. A fluência ainda comporta os movimentos de resistência e contra-movimento; cada um destes é diferente em

estado de espírito, e em significado, não se referindo ambos nem à direção, nem à velocidade, nem à força (LABAN, 1978, p. 124).

A ideia de fluxo esteve presente na elaboração dos études rítmicos.

Elaborei seis études rítmicos, que são exercícios experienciais dos elementos

rítmicos (Velocidades, Duração, Níveis, Direções possíveis, Tensão e

relaxamento, Expansão e recolhimento, Distâncias, Tamanhos, Relação com o

objeto de atenção visível e Relação com objeto de atenção invisível), para que

pudéssemos (os atores e eu) perceber a capacidade de variação de ritmo no

movimento e estabelecer a linha de ação física do ator. Stanislávski usava esse

termo para definir seus exercícios/experimentos. Utilizaremos a noção de

étude, mantendo a grafia no original, em francês, por entender que esse

conceito se aplica a esta pesquisa. De acordo com o Dicionário Le Robert

(1998) o termo étude se reporta a uma série ordenada de trabalho e de

exercícios necessários à instrução, ou ação de adquirir conhecimento,

orientado para a percepção e compreensão das coisas. A grafia em francês foi

logo incorporada pelo grupo, o que me fez manter o termo original, contudo,

hoje penso que poderíamos ter uti lizado o termo “estudos”, em português.

Para Maria Knébel, seguidora de Stanislávski, os études, como usados

pelo mestre russo, eram estudos com texto improvisado. Segundo ela,

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a finalidade perseguida pelos études é conduzir o ator até o texto do

autor. Por isso, quando traz um ensaio com études, o ator se volta novamente ao texto, absorve avidamente as palavras com que o autor refletiu suas ideias. Ao comparar o léxico do autor com o seu

próprio, começa a compreender que isto vai contra a forma que o autor expressa sua ideia

16 (KNÉBEL, 1996, p. 75, tradução nossa).

Primeiramente, deveria ser realizado um estudo do texto que permitisse

conhecer as ações e acontecimentos que envolviam as personagens, a análise

ativa. Depois, Stanislávski iniciava o trabalho com os études, que eram

improvisações com palavras do texto dramatúrgico. De acordo com Knébel,

“não têm a menor importância, as palavras nas quais o ator se apoia. O

importante é que essas palavras estejam ditadas pelos pensamentos que o

autor colocou no fragmento executado no étude” 17 (KNÉBEL, 1996, p. 72,

tradução nossa). Depois da realização do étude, os atores e o diretor reliam o

texto para verificar a correspondência entre o étude e as ideias do autor, “o que

é importante é que compreenda que o que engendra a agitação poética do

autor, o que é que serve de alimento à vida da personagem quando fala” 18

(KNÉBEL, 1996, p. 74, tradução nossa).

A partir dos apontamentos de Knébel, em El Ultimo Stanislavski, e de

Gueorgui Tovstonógov, em La Profesion de Director de Escena (1980),

observei a utilização dos études por Stanislávski, pois o termo étude é raro em

seus escritos (os études estiveram presentes mais na sua prática). Em 1912, a

criação de études já era utilizada no Primeiro Estúdio do TAM – Teatro de Arte

de Moscou, tendo sido amplamente trabalhada no Estúdio de Ópera Dramática,

nos últimos anos de vida de Stanislávski como meio de experimentação prática

do método das ações físicas. A palavra em russo é etiud (этюд) e consistia na

improvisação sobre uma cena provinda de um texto, que seria trabalhado a

partir do desenvolvimento de um acontecimento pelo progresso de uma linha

16

El fin perseguido por los estudios es conducir al actor hacia el texto del autor. Por eso, cuando tras un ensayo con estudios, el actor se vuelva de nuevo hacia el texto, absorbe ávidamente las palabras con que el autor ha reflejado sus ideas. Al comparar el léxico del autor

con el suyo propio, comienza a comprender que esto va contra la forma que tiene el autor de expresar su idea. 17

No tienen la menor importancia las palabras en que se apoye el intérprete. Lo importante es

que esas palabras estén dictadas por los pensamientos que el autor ha colocado en el fragmento ejecutado en el estúdio. 18

Lo importante es que comprenda qué es lo que engendra la agitación poética del autor, qué

es lo que sirve de alimento a la vida del personaje cuando habla en verso.

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de ação, desde o seu início até o final. Assim, o conhecimento da obra se dava

pela prática e não em ensaios de mesa, como era feito anteriormente por

Stanislávski. Havia a criação de études/cenas que não constavam no texto

dramatúrgico, mas eram sugeridas por ele, enriquecendo a relação do ator com

a personagem e a obra. No período final de suas pesquisas, Stanislávski

trabalhava a criação de études sem uma obra escrita e para isso experimentou

a criação realizada em conjunto, entre ator, diretor e autor. Pela repetição do

étude, eram propostas novas circunstâncias que permitiam o desenvolvimento

da criação.

Na lógica de trabalho de Stanislávski, seguida pelos membros da

GITIS19, o trabalho com os études é um processo prático de investigação da

ação pela improvisação de acontecimentos da obra ou de acontecimentos que

surgem dela. Eles contêm a estrutura de um acontecimento, como se fossem

pequenos espetáculos que trazem à tona as características e relações das

personagens.

No trabalho prático descrito nesta dissertação, trabalhamos com os

études no sentido de elaborar estudos do ritmo. Esses études ocorriam tanto

antes quanto depois da criação de partituras. A criação de études se deu pelo

improviso com o ritmo, esses études passaram a ser seguidos e repetidos, e

isso configurou uma prática específica no trabalho dos atores, pela

aprendizagem. Os études não estavam relacionados a um texto dramático,

como ocorria com o mestre russo. As propostas trazidas nos études visavam

estabelecer uma correspondência entre a vivência rítmica e a abertura do

corpo para a imaginação, bem como perceber o ritmo como fenômeno dado

pela adaptação dos atores ao ambiente que os cercava.

Ao final do processo, no dia 19 de dezembro de 2011, apresentamos

publicamente a experiência, através de um “ensaio aberto” 20 à comunidade

geral, em que foram experimentados todos os seis études pelos atores e houve

um debate com a participação de público e atores. Esse debate aconteceu ao

19

GITIS é a sigla do Instituto Estatal de Arte Teatral de Moscou. Em 1991 o nome passou a ser

RATI (Academia Russa de Arte Teatral) 20

O nome “Ensaio Aberto da Pesquisa ‘Études Rítmicos: A Ação do Ator no tempo/Espaço’”, foi escolhido por trazer o nome completo da pesquisa de mestrado e por ser mais convencional

para o público o termo “ensaio aberto”.

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final do ensaio e foi filmado. Nele, o público relatou que as cenas pareciam

estar estruturadas anteriormente, pois os atores reagiam em perfeita conexão,

como se fosse ensaiado que deveriam fazer determinada ação em determinado

momento. Para alguns do que assistiram ao ensaio aberto, eram marcantes os

trabalhos com a escuta com o corpo todo e com as imagens – cada pequena

ação já trazia em si imagens diversas.

Ao final do último encontro da pesquisa prática, os atores colocaram

suas visões gerais sobre a experiência, de forma escrita. Para Antônio,

Durante o processo de pesquisa um dos fatores interessantes foi a sintonia que esses estudos possibilitaram aos atores. Sintonia que

possibilitou o jogo, a percepção, de uma forma harmônica e sem qualquer tipo de marcação ao que deveria acontecer durante os ensaios. Muitas vezes parecia que tudo já estava combinado e

marcado do que tinha que acontecer, com início, meio e fim já determinados. Mas isso foi fruto do nível de sintonia que os ensaios permitiram e deixaram os atores conectados de uma tal forma que

muitas vezes facilitava a compreensão do objetivo da pesquisa. Essa pesquisa possibilitou inúmeras percepções referentes ao trabalho rítmico e de como isso pode influenciar uma determinada estrutura. Ao trabalhar os elementos rítmicos, observei como esses elementos

afetavam a estrutura criada e como poderíamos adequar os elementos rítmicos e como isso afetava nossa percepção. Observei como esses fatores podem possibilitar uma metodologia de trabalho

tanto de procedimento de pesquisa como de construção de uma cena. Outro fator instigante dentro do processo foi o de se deixar afetar, ser afetado, mais do que propor. Como isso foi capaz de

mostrar algumas características individuais de cada colega de trabalho. A cada instante que participava em um jogo direto ou indireto com alguém notava e percebia características particulares de

movimentação, de ritmo, de nível que eram singulares em cada um. Essas características particulares foi uma forma dentro da pesquisa de sair da minha própria movimentação, do meu ritmo e entre outros

fatores. Comecei a perceber como eu me movimentava e quanto tempo ficava em cada velocidade ou em cada nível para posteriormente experimentar formas completamente distintas a que

eu estava habituado a usar.

Cândice disse:

Para mim foi interessante perceber o quão amplo e passível de

possibilidades é este trabalho com os études rítmicos. Perceber que eles se alimentam, se complementam e que abrem muitas possibilidades de criação para o t rabalho do ator. Vivenciar os études

rítmicos durante o processo foi enriquecedor para meu trabalho de

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atriz. Muito foi criado, transformado, explorado. A pesquisa permitiu

viver a experiência criativa e refletir, examinar, cavocar para muitas vezes não ter uma resposta final, e ficar aberto para cada vez mais experimentar, por que as questões que inquietavam, ficavam mais

instigantes. Um exemplo disto foi o trabalho com as velocidades. Para a minha prática foi importante a forma como os études me deslocaram da zona de conforto que muitas vezes me colocava. A

autoproteção construída ao longo da nossa trajetória que nos impede muitas vezes de revistar sensações, de permitir ao corpo, à voz, criar no tempo e no espaço ou até mesmo repetir, reelaborar a criação.

Essa pesquisa foi influente também no meu trabalho de docente. O que acho mais mágico é se permitir afetar pelo outro, agíamos em relação o tempo todo. Perceber que estar parado já é agir, já é afetar,

já influencia na relação que tenho com o outro e que o outro tem comigo no espaço-tempo.

Para Djefri,

Os études mudavam completamente a partitura e as imagens, fazendo-nos improvisar na partitura e pesquisar as possibilidades de transformação da mesma. Com o passar do ano, repassar partituras,

repetir para ver o que sugere, como pode ser, no que pode ser transformada, se tornou hábito. Como o foco da pesquisa estava na elaboração e uma certa formalização, dos études, a cada ensaio

eram criadas partituras, com base nos études, sem preocupar-se com a montagem de um espetáculo. A cada ensaio surgia um novo jogo, novos improvisos e novas sensações, o que me mostrou um grande

leque de possibilidades de criação conjunta e individual, e essa experiência já faz parte do meu t rabalho em outros processos. Os ètudes t rabalham a imaginação, o corpo, a atenção à tudo e a todos,

possibilitando ao ator responder ao colega de cena, mesmo estando de costas, ou seja, desenvolvemos o tal “olho na nuca” que os professores tanto nos dizem no curso. Desenvolvemos a capacidade

de saber onde o outro está e responder a isso, sendo usando a voz, objetos, explorando sons do corpo ou externos como o bater de objetos, por exemplo. Embora, talvez, eu não saiba explicar

claramente ou da melhor forma, percebo as mudanças que ocorreram no meu t rabalho como ator, por exemplo, a expansão da atenção. Consigo , agora manter minha atenção não só em meu próprio corpo

mas como também expandir minha atenção para o espaço de trabalho, objetos, sons e principalmente aos outros colegas de jogo, isto é, o trabalho de um ano de pesquisa trouxe ao meu corpo a

capacidade de reagir a ação dos outros atores. Sentia muita dificuldade em “soltar a voz”, ou seja, de explorar esta ferramenta que o corpo dispõe não só com textos e falas de personagens mas como

ruídos, sons não cotidianos, etc. este étude, especialmente, aproxima ainda mais os atores, pois havia em mim muita timidez com o trabalho vocal, que, com o passar do tempo, através dos ensaios, percebo que

fui perdendo esse receio ao trabalho vocal. O étude para além do ver sempre me fez lembrar todos os outros sentidos do corpo, mas principalmente a audição e o tato. Esta parte do trabalho também

suscitava a atenção aos outros colegas de trabalho, despertando o cuidado com o outro e comigo mesmo. Mais um aspecto melhorado com esta prática, foi a memorização e percepção de movimentos que

faço durante o jogo, sendo mais fácil “montar” uma partitura de

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movimento e memorizá-la. Quanto às dúvidas há uma que me intriga,

tanto como ator quanto como diretor de teatro, e me faz pensar muito sobre o “pós-pesquisa”: Como será montar uma peça teatral utilizando a pesquisa referida? Tenho minhas impressões sobre isso,

mas fica para uma outra pesquisa. Percebi que a pesquisa me trouxe mudanças percept íveis na atuação além de me esclarecer sobre várias dúvidas que tinha, e tenho, enquanto ator. é o entendimento do

valor que a pesquisa tem para o teatro.

Nas palavras de Gabriele:

Antes, eu acreditava que houvesse limites que deviam ser

rigidamente respeitados durante o processo de criação. Digo isso não porque na pesquisa não existissem determinadas regras a serem seguidas, mas porque ela nos permitia c riar além daquilo que

acreditávamos ser possível. Éramos capazes de criar um pequeno mundo novo dentro de uma sala com poucos objetos que eram capazes de se transformarem em qualquer coisa que achássemos

necessário. A forma como éramos orientados, o processo que se estabeleceu durante os ensaios e o trabalho com os Études Rítmicos abriu uma vasta lista de possibilidades de criação. Ao final de vários

ensaios, nós, atores, nos percebíamos exaustos, cansados, como se tivéssemos realizado esforços físicos indescritíveis. No entanto, concluíamos que aquele cansaço era resultado de um processo de

criação que parecia não ter fim. Ficávamos horas na sala de ensaio sem muitas vezes percebermos o tempo decorrido. Por mais que houvesse uma ordem de etapas a serem cumpridas dentro daquilo

que a Alessandra propunha, cada ensaio era diferente, instigante, interessante e tentador. Cada ensaio novas ideias surgiam, novos jogos eram estabelecidos e, certas vezes, também repetíamos

determinadas ações, mas sempre com um olhar diferente, um sentimento diferente. Podíamos ser qualquer coisa e, o mais importante, criar qualquer coisa. E o tratamento que dou à palavra

'coisa' adjetivando-a como 'qualquer' não é de forma alguma para minimizar e desmerecer o trabalho. Criar 'qualquer coisa' era p oder criar tudo que a nossa mente era capaz de imaginar.

Para Gelton,

A forma como tu [Alessandra] colocas o trabalho para a gente, é muito interessante. Perceber através do corpo as coisas, as memórias. Cada vez que a pessoa percebe a sensação que sente

com determinado movimento, com cada exercício, o que o corpo sente, sinto e tenho a consciência. É pra isso que esse trabalho serve: para cada um se descobrir dentro dele. E a sujeira? E o

espírito da coisa? Não queríamos ser só precisos. O olhar para o outro, ver com o corpo todo, éramos conscientes do espaço/tempo que nos cercava. Ao repetirmos as partituras, nunca era

desagradável ou entediante a repetição, pois sempre buscávamos

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algo que a renovasse, sempre havia algum detalhe novo e

interessante de ser trabalhado, com os elementos rítmicos e com os études. Esse trabalho acabou influenciando nos espetáculos: em Bodas de Sangue, que eu dirigi, ele influenciou diretamente. Gostei

muito da ideia de não precisar chegar a um resultado, a um espetáculo, de poder me dedicar ao meu trabalho de ator sem a preocupação de um resultado.

Fotografia 1 – Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no Ensaio Aberto.

FONTE: Cauã Canilha e Patricio Orozco-Contreras.

Fotografia 2 – Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no Ensaio Aberto.

Fonte: Cauã Canilha e Patricio Orozco-Contreras.

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Fotografia 3- Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no Ensaio Aberto.

Fonte: Cauã Canilha e Patricio Orozco-Contreras.

Fotografia 4 – Atores trabalhando os elementos e études rítmicos, no Ensaio Aberto.

Fonte: Cauã Canilha e Patricio Orozco-Contreras.

O ritmo, nesta pesquisa, é compreendido como a capacidade de variação

tempo-espacial do corpo. Ritmo é variação, ritmo é tempo e ritmo é espaço.

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Considero que cada variação no tempo ocupa seu lugar no espaço e que cada

variação no espaço demanda um tempo. Tempo e espaço – apesar de terem

as suas particularidades, dialogam incessantemente e são interdependentes. A

palavra variação é aqui dada como um sinônimo de ritmo: havendo ritmo, há

variação, independente de essa variação ser sutil e quase imperceptível. O

ritmo é aqui vinculado à escuta, variação dada pela percepção do poder de agir

de um corpo no outro, de ser afetado pelo outro, de ser tocado pela relação. O

processo com os atores convidados para esta pesquisa evidenciou relações de

troca, aqui entendidos como afecções, de acordo com a acepção do filósofo

Bento de Espinosa (1632-1677). Falávamos de nos permitirmos ser afetados,

em várias de nossas discussões diárias. Busco aqui decifrar um pouco o que é

essa afecção pela experiência compartilhada com os atores, a partir das

possibilidades que Espinosa traz ao descrever as afecções. Para ele,

as afecções do corpo, que aumentam ou diminuem, ajudam ou constrangem a potência de agir deste corpo, e simultaneamente as ideias destas afecções. Portanto, se podemos ser causa adequada de uma destas afecções, então entendo afecção como uma ação; de

outro modo, uma paixão 21

(ESPINOSA, 1980, p. 124, t radução nossa).

Os atores abriram seus corpos para a afecção que foi gerada pela relação

com o grupo, ao se encontrarem em um misto de afecções de seus corpos e de

suas ideias22. Segundo Peter Pál Pelbart (2010), “somos um grau de potência,

definido por nosso poder de afetar e de ser afetado, e não sabemos o quanto

podemos afetar e ser afetados, é sempre uma questão de experimentação.

Não sabemos ainda o que pode o corpo, diz Espinosa”. (PELBART, 2010, p. 1).

Através da experimentação de contatos e afecções – poder de agir de cada

corpo – pelo jogo rítmico dos atores, pudemos perceber um pouco do que

podiam nossos corpos na criação do ritmo, variação de universo tempo-

espacial. O contato pelo jogo cênico permitiu novas possibilidades e

21

Por afectos entiendo las afecciones del cuerpo, por las cuales aumenta o disminuye, es favorecida o perjudicada, la potencia de obrar de ese mismo cuerpo, y ent iendo, al mismo

tiempo, las ideas de esas afecciones. Así pues, si podemos ser causa adecuada de alguna de esas afecciones, entonces entiendo por «afecto» una acción; en los otros casos, una pasión. 22

Segundo Damásio (2004, p. 221), Espinosa usou o termo “ideia” como sinônimo de imagem

ou representação mental. O que acontece no corpo é representado como ideias na mente.

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percepções e cada ator captou, pela sensação, aquilo que o afetava e o

tocava, e as variações foram dadas pela percepção dessas afecções. Gilles

Deleuze (1925-1995), filósofo francês, explica a diferença entre afecção e

afeto:

Tínhamos determinado o afeto [affectus] como a variação da potência de agir. E uma afecção, o que é? Numa primeira determinação, a

afecção é isto: é o estado de um corpo considerado como sofrendo a ação de um outro corpo. O que isso quer dizer? "Eu sinto o sol sobre mim", ou então, "um raio de sol pousa sobre você": é uma afecção do

seu corpo. O que é uma afecção do seu corpo? Não o sol, mas a ação do sol ou o efeito do sol sobre você. Em outros termos, um efeito, ou a ação que um corpo produz sobre outro - note-se que

Spinoza, por razões decorrentes de sua física, não acredita em uma ação à distância: a ação implica sempre um contato - é uma mistura de corpos. A afecção [affectio] é uma mistura de dois corpos, um

corpo que se diz agir sobre outro, e um corpo que recolhe o traço do primeiro. Toda mistura de corpos será chamada de afecção. (DELEUZE, 1978)

Afecção é, portanto, o estado de um corpo sofrendo a ação de outro

corpo, é a ação que um corpo produz em outro, mistura de corpos, que agem

um sobre o outro e reagem; natureza de um corpo

afeccionado/afetado/modificado. Para que as afecções ocorridas nos nossos

encontros fossem percebidas, foi importante o trabalho atento dos atores às

mudanças no tempo e no espaço, e isso se deu, no nosso trabalho, através da

escuta aberta ao que ocorria no ambiente. Essa escuta aberta, ou

extraordinária, foi essencial ao trabalho compreendido como experiência, pois o

que mais tocou os atores foi o que interferiu na sua relação tempo-espacial, e

não apenas as informações premeditadas pela minha condução. A expressão

“escuta extraordinária”, é utilizada por Bogart para descrever o ato da escuta

como “ouvir com o todo do corpo sem uma ideia de resultado. Quando alguma

coisa acontece na sala, todos presenciam e podem responder

instantaneamente, transitando pelo lóbulo racional, cerebral com o instintivo e

intuitivo, sem a mediação do pensamento” 23 (BOGART, p. 28, 2005, tradução

nossa). Seguindo esse princípio, no nosso trabalho, não se premeditava a

23

Extraordinary listening means listening with the whole body without an idea of the result. When something happens in the room, everybody present can respond instantly, bypassing the

frontal lobe of the brain in order to act upon instinct and intuition.

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ação, mas se permitia que ela surgisse no pensar com o corpo no aqui e no

agora. Era preciso escutar-se para perceber o ritmo em si mesmo, nas

pequenas modificações dadas, principalmente, pelo contato com o grupo.

O ritmo podia ser redescoberto na rotina de trabalho, através da

variação dos elementos rítmicos e dos études rítmicos, pela relação atenta e

aberta que tínhamos – devir e escuta de si e do outro. Os encontros eram

inicialmente organizados para que os atores percebessem algumas questões

trazidas pelo Viewpoints e pelo treino das velocidades. Durante esses

procedimentos, iniciamos a fixação de alguns elementos rítmicos. Esses

elementos percorreram todos os dias de prática e surgiam tanto antes do jogo

entre os atores quanto após o estabelecimento do jogo, sendo uma

necessidade surgida do mesmo. Algumas partituras eram fixadas e retomadas

e nesse momento também eram trabalhados os elementos rítmicos.

A ação física, numa concepção mais próxima de Stanislávski, esteve

presente através de movimentos conscientes envolvidos de atenção,

pensamento e sensação. Nesse sentido, o trabalho imaginativo foi instigado

para que os atores compreendessem as “circunstâncias espaço-temporais” e

se permitissem abrir seus corpos para as “afecções” do que os “atravessava”.

A imaginação corporificava as afecções, ou seja, o que acontecia no espaço e

no tempo era assimilado pelo corpo através de um envolvimento atento na

percepção e na reverberação do estado do corpo concatenado ao pensamento.

Pelo jogo e improvisação dos atores e pela relação atenta aos

elementos rítmicos (Velocidades, Duração, Níveis, Direções possíveis, Tensão

e relaxamento, Expansão e recolhimento, Distâncias, Tamanhos, Relação com

o objeto de atenção visível e Relação com objeto de atenção invisível), ao

tempo e ao espaço, dados pela escuta e pela variação, alguns études surgiram

e foram assim nomeados: “Études 1: Diferentes Combinações”, “Études 2:

Redescobrir do Espaço”, “Études 3: Oposto e Circunstância”, “Études 4: Das

Palavras”, “Études 5: Para Além do ‘Ver’” e “Études 6: Canções”. Os études

citados surgiram do jogo dos atores com os elementos rítmicos. Alguns études

eram bem definidos e ocorriam quase que somente no trabalho com partituras,

como “Études 1: Diferentes Combinações”, “Études 3: Oposto e Circunstância”,

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“Études 4: Das Palavras”; outros études eram mais livres de definição e eram

mais independentes das partituras, como “Études 2: Redescobrir do Espaço”,

“Études 5: Para Além do ‘Ver’” e “Études 6: Canções”. Todos os études,

porém, foram aplicados tanto na partitura quanto no jogo improvisacional

anterior à criação de partituras.

Com os estudos, configurou-se um modo de organizar a experiência

prática com os atores, uma pedagogia da experiência com o ritmo, pela relação

do ator com a ação física. Nesta dissertação buscarei compreender o caminho

compartilhado com os atores no estudo prático do ritmo; esse caminho fez

surgir alguns exercícios (estudos) que foram repetidos, reelaborados e

estruturados, mas, por terem feito parte de uma experiência que sempre se

modificava pelas circunstâncias espaço-temporais, não permitiram

fechamentos em si mesmos, não determinaram o percurso da ação de cada

ator, pois novas possibilidades emergiam a cada encontro através dos

exercícios e das conversas entre mim e os atores.

Ao final de cada encontro, conversávamos sobre as experiências e

percepções ocorridas – tudo era filmado. Eu fazia muitas anotações nos diários

do processo de trabalho, desde os exercícios, até as observações minhas e

dos atores, uma vez que eles colocavam suas percepções sobre as

experimentações em cada dia. Fotos e filmagens foram feitas por mim, para

que o material visual – além da memória e das anotações, ajudasse na escrita

da dissertação. Durante a leitura dessa dissertação, muitas frases ditas pelos

atores aparecerão – todas foram proferidas nos encontros da pesquisa, durante

e ao final da prática, e foram transcritas por mim. As datas serão indicadas

antes de cada frase.

Para Antônio, em encontro realizado no dia 17 de novembro de 2011, os

études não são fechados porque “criam um jogo que é novo a cada momento,

cada indicação propõe novas descobertas”. Para Gabriele, no mesmo dia 17, o

trabalho priorizava também “um hoje que é diferente de ontem que será

diferente do encontro de amanhã”. Para Antônio, em agosto de 2011: “A partir

do quinto encontro comecei a remeter a prática a uma palavra: variação. Variar

com o jogo em tudo que está a tua volta. Essa palavra denominava o trabalho.

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Vou levar isso para o resto da vida em qualquer trabalho que eu fizer.” Pela

variação consciente e atenta se percebia o ritmo, pois as variações eram

intencionais e perceptivas, eram moldadas pelos atores. Assim eles

compreendiam o ritmo e podiam jogar com ele, relembrando aqui que ritmo

nessa pesquisa é a variação no tempo/espaço da ação do ator. Para Djefri, em

conversa ao final do último encontro: “As conversas ao final dos encontros

eram as minhas sensações sobre a prática”.

A participação de Antônio, Cândice, Djefri, Gabriele e Gelton foi

essencial para o desenvolvimento dessa pesquisa, pela forma com que eles se

posicionaram e pela presença de suas ações físicas e indagações. Sempre

disse aos atores o quão importante era a percepção de cada um deles dos

exercícios trabalhados na pesquisa. Inicialmente, eles tinham um pouco de

dificuldade para comentarem os exercícios, mas, aos poucos, eles foram se

sentindo livres para comentar sobre as práticas.

O trabalho é autorreferencial e coloca uma peculiaridade ao mesmo

tempo prazerosa e amedrontadora: escrever sobre um trabalho que envolve

dificuldades, dores e prazeres da percepção de si e do outro; e que contém em

si a busca pela honestidade em questões que envolvem um mergulho adentro.

É a pesquisa da Alessandra – eu que escrevo a dissertação, eu que propus o

trabalho e era eu que falava e dava as orientações – mas ao mesmo tempo é

uma experiência comparti lhada e, por isso, traz algumas percepções dos

atores.

Gilberto Icle fala sobre a autorreferencialidade na pesquisa em Artes

Cênicas – mais especificamente em Estudos da Presença, em seu texto

Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas

performativas (2011). A autorreferencialidade inicia-se, segundo ele, “na

análise e reflexão do trabalho artístico do próprio pesquisador sem que isso

seja um impeditivo para uma suposta objetividade científica a ser perseguida”

(ICLE, 2011, p. 11). Icle é um artista pesquisador que relaciona seus escritos

às práticas investigativas com o grupo “Usina do Trabalho do Ator”, do qual faz

parte. Para ele, “existe um eu pesquisador que se confunde com um eu

pesquisa. Nesse caminho, não pode ser estranho dizer que é do meu próprio

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trabalho que se nutre a pesquisa que realizo”. (ICLE, 2011, p. 12). Através das

palavras de Icle, percebo que há uma proximidade delas com o discurso

proposto nessa dissertação, pois refletirei sobre a prática que conduzi com o

grupo, portanto, há a Alessandra pesquisadora e a Alessandra pesquisa.

Na pesquisa prática, desejava perceber o ritmo da ação do ator e,

inicialmente, pensei em realizar um monólogo e descrever sobre o processo de

criação focado no ritmo. Depois, pensei em elaborar um treinamento a partir da

minha experiência pessoal com o ritmo. Descartei ambas as ideias porque

queria ver diferentes maneiras de perceber o ritmo e queria estar observando e

conduzindo e não trabalhando a mim mesma como atriz. Então, pensei em

convidar alguns atores com os quais eu já tinha trabalhado , e chamei Antônio,

que foi meu colega de elenco no espetáculo À Margem da Vida. Já em Santa

Maria, pois eu estava anteriormente morando em Florianópolis no ano de 2010,

resolvi trabalhar com atores que eu nunca tinha trabalhado – Cândice e Gelton,

os quais eu já havia assistido em cena de espetáculos – e Djefri e Gabriele, os

quais eu não conhecia até então. Coloquei a todos que era um trabalho prático

vinculado ao mestrado do PPGT/UDESC e que a dissertação refletiria sobre a

prática realizada. No início eu não sabia muito bem o que seria a prática, sabia

apenas que ia testar alguns exercícios que envolviam diretamente questões de

tempo e de espaço na ação física, para desenvolver a percepção rítmica dos

atores. Durante os dois primeiros meses da prática, pensei em montar um

espetáculo a partir das partituras que sempre surgiam nos ensaios, o

espetáculo seria uma desconstrução do livro Crime e Castigo, de Fiódor

Dostoiévski ou uma adaptação de alguns poemas de Federico García Lorca,

contidos no livro Antologia Poética. No terceiro mês, percebi que a prática

estava nos levando para a elaboração de alguns exercícios e que era isso que

eu queria colocar no papel, era sobre isso que eu queria escrever. Então,

comecei a formalizar alguns elementos de ritmo que envolviam muitas práticas

testadas na UFSM (como as noções de velocidades, direções, níveis) e

também a escuta extraordinária de Bogart e alguns exercícios de Viewpoints

(duração, relação espacial). Mas eu ainda estava insegura quanto à

formalização dos études, que, para mim e para o grupo, eram nossos estudos,

nossas improvisações no espaço e no tempo. Nos meses de julho e agosto

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resolvi me dedicar a escrever sobre isso e a trazer cada vez mais isso para o

grupo, deixando a ideia de espetáculo de lado. Foi a partir do contato com os

membros da minha banca de qualificação, Maria Brígida de Miranda e Gilberto

Icle, e Sandra Meyer, minha orientadora, que tomei a decisão de optar pelo

incentivo deles de me dedicar a formalizar os études e a discorrer sobre eles

ao longo da dissertação. No primeiro encontro com o grupo após a banca,

coloquei-os a par de tudo que aconteceu na banca e pedi a opinião deles. A

decisão pelos études, ao invés da elaboração de um espetáculo ou de qualquer

outra opção possível, foi unânime. A partir desse momento, nossos encontros

práticos foram dedicados à fixação dos elementos rítmicos e à elaboração do

études rítmicos. Optei por deixar bem claro a eles que o trabalho era sobre algo

que estaria sendo construído, que seria sempre transitório, em processo, que

eles poderiam modificar como quisessem em suas experiências futuras e que a

dissertação seria a partir de algumas visões que já haviam surgido, mas que

não seria algo fechado, finalizado.

A prática foi conduzida de 16 de março a 19 de dezembro de 2011 e, em

geral, fazíamos dois encontros por semana. Todos os encontros eram

realizados durante o dia (manhã ou tarde), houve dias chuvosos, dias de

temperatura abaixo de zero grau Celsius e dias com a temperatura próxima dos

40 graus Celsius. Os atores participaram de todo o processo e era incomum

que algum deles faltasse. Gabriele teve alguns problemas de saúde e ficou

afastada de qualquer trabalho prático por dois meses, ela não conseguia

caminhar. Quando ela voltou, já havíamos definido os seis études. Ela já tinha

testado alguns deles antes de adoecer, mas eles não estavam formalizados

ainda como études. Quando voltou a participar dos encontros da nossa

pesquisa, estava ansiosa por dois motivos: dissera que sentira uma saudade

imensa da pesquisa, que queria retornar o quanto antes e, ao mesmo tempo,

estava com medo de o grupo estar distante dela, tanto nos études quanto na

cumplicidade. Foi feliz para ela o momento do primeiro encontro de volta – ela

ainda era o grupo, era como se ela estivesse sempre ali, como cúmplice; e ela

compreendeu rapidamente os études na prática.

O discurso dos atores foi importante para a elaboração da escrita. A

coleta desses dados também foi feita a partir de fotos e filmagens diárias. Tudo

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era filmado, quando eu chegava em casa, assistia o material filmado,

transcrevia as conversas ao final dos encontros, em que os atores colocavam

suas visões sobre o trabalho. Eles optaram por não fazer diários dos encontros,

disseram que se sentiriam mais livres em falar sobre a abordagem e sobre o

encontro logo no final da realização do mesmo. Eu escrevia minhas

observações, minhas percepções e as frases ditas pelos atores, além de filmar.

Também organizava anteriormente o encontro, programando como ele

começaria e quais études eu trabalharia naquele dia, mas isso sempre mudava

quando a prática iniciava, os atores iam apontando outros caminhos e eu

modificava a pré-organização no aqui e no agora do encontro.

Durante a prática, havia uma pesquisa voltada para ela, na escrita, há a

presença de uma nova etapa, de uma nova pesquisa: a descrição dessa

experimentação. Trata-se da minha percepção do processo de criação de

études. Em conversas diárias ao final de cada encontro, os atores faziam

sugestões para a prática e falavam sobre como tinha sido cada etapa do

encontro daquele dia.

Cada étude apresenta uma questão a ser estudada, um olhar sobre uma

problemática e como trabalhar os aspectos que geram questionamento para

que não seja uma dificuldade. O foco de todos os études é a variação.

Variação no tempo e no espaço, que, nesta pesquisa é o mesmo que ritmo.

No primeiro capítulo, apresento o percurso que levou ao surgimento dos

études rítmicos: a maneira como utili zamos o treino das velocidades, o

Viewpoints e algumas concepções de Laban, para que deles emergissem os

elementos rítmicos e, a partir do uso desses elementos em consonância com o

jogo teatral, os études rítmicos. Nos demais capítulos, abordo os études um a

um, coloco temas centrais como o ritmo, a ação física, as afecções, a

experiência, as noções de tempo e espaço empregadas e, também, as

observações e reflexões dos atores. No segundo capítulo, “Études 1:

Diferentes Combinações”, discuto o ritmo a partir do procedimento de escuta

de si mesmo e do ambiente, entendo essa noção como um estado de

percepção ampliada, e, para isso, considero os escritos e os processos

presentes na obra de Stanislávski e Bogart. No capítulo terceiro, em que

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descrevo “Études 2: Redescobrir do Espaço”, trago algumas visões de tempo e

espaço elaboradas pelo pesquisador do movimento Laban; pelo cineasta russo

Andrei Tarkovski (1932-1986) e pelo filósofo francês Henri Bergson (1859-

1941). No quarto capítulo, “Études 3: Oposto e Circunstância”, há a visão do

psicólogo francês, Théodule Ribot (1839-1916), sobre as emoções e a sua

influência para a concepção de Stanislávski acerca dos processos emocionais,

bem como o pensamento desse último acerca da vivência e da ação física. No

quinto capítulo, “Études 4: Das Palavras”, relaciono a imaginação ao trabalho

com o ritmo, a partir de Stanislávski e do contato com a obra do neurocientista

português António Damásio (1944), que fala sobre a construção de imagens

mentais nos seres humanos. No capítulo sexto, “Études 5: Para Além do ‘Ver’”,

relaciono ritmo à experiência e para isso utilizo as reflexões de Bergson,

Virginia Kastrup, Jorge Larrosa Bondía e, também, Stanislávski. No capítulo

final, “Études 6: Canções”, reflito sobre a ideia de sensação no trabalho do ator

relacionada aos afetos/afecções e dialogo, para tal, com Espinosa.

Os études guiaram, nesta pesquisa, o jogo do ator, sendo uma

metodologia da experiência, pela relação do ator com a ação física. No

decorrer da escrita dialoguei com os métodos utilizados, com o discurso sobre

a prática das referências citadas e com a experiência vivida na elaboração dos

études rítmicos. A surpresa e as novidades foram caras a nossa experiência e,

por se tratar de experiência, os études foram percepções de improvisos com os

elementos rítmicos, não foi um método fechado, mas questões pensadas na

prática. Com os études, coloquei uma lente de aumento em algumas questões

do ritmo. Há um procedimento, mas cada ator tem a sua abordagem dentro

dele. A intenção era trabalhar a escuta também de minha parte, dando espaço

para os atores desenvolverem sua própria vivência e experiência a partir dos

exercícios trabalhados e não de levar os atores a um lugar específico ou a um

resultado em comum ou pré-estabelecido. Ao refletir sobre o trabalho, nós

mesmos (os atores e eu) poderemos compreender algo, bem como outras

pessoas que também se interessam pelo tema e talvez possam aproveitar algo

dos études para seu próprio trabalho ou apenas para conhecer os pontos de

vista, de acordo com sua experiência, fazendo o conhecimento e a arte,

circularem.

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2 O SURGIMENTO DOS ÉTUDES RÍTMICOS

O trabalho que desenvolvi junto ao grupo de atores vinculados a esta

pesquisa foi uma aprendizagem sobre cada um e sobre mim mesma em

relação aos elementos rítmicos. Desde o princípio do processo, em março de

2011, não pretendíamos com a prática chegar a algum lugar específico, pois

cada encontro nos abria para outro nível de aprendizagem. O processo

consistiu numa experiência prática, por mim coordenada, de elaboração de

exercícios improvisacionais no espaço e no tempo articulados na ação física.

Trabalhamos quatro horas por dia, duas vezes por semana, durante oito meses

(de março a dezembro). Iniciávamos com uma rápida corrida inicial, em círculo,

mudando a direção dessa corrida e saltando ao sinal de “rãp” (falado para que

saltassem) ou ao sinal das minhas palmas (para que mudassem a direção).

Depois disso, os atores aqueciam as articulações da forma que preferissem,

por quinze a vinte minutos. Iniciávamos, então, o trabalho com as pulsações de

Thomas Leabhart, para que eles percebessem a respiração e a coluna

vertebral e, também, relaxassem algumas tensões e trouxessem a atenção

para o corpo.

Thomas Leabhart (1944), nascido na Pensilvânia (EUA), é um mímico

que estudou na Ecole de Mime Etienne Decroux, em Paris, tendo sido aluno,

ator e assistente de Decroux de 1968 a 1972. Leabhart desenvolve pesquisas

sobre Mimo Corpóreo e em seu curso “Mímica Corporal”, que ocorreu entre os

dias 23 e 31 de agosto de 2010, na Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, ele passou seus ensinamentos a um grupo de atores, no qual eu estava

presente. As pulsações, chamadas por Leabhart de Back Exercises são uma

combinação de exercícios desenvolvidos a partir de seu conhecimento em

yoga, técnicas de Alexander, Pilates e Feldenkrais. Os Back Exercises foram

desenvolvidos por ele ao longo de trinta anos e servem de aquecimento e

preparação para a prática da mímica corporal. Os atores ficam deitados, com a

coluna no chão e as pernas paralelas e dobradas, com os joelhos apontando

para o teto e os pés ancorados no chão, os atores vibram a coluna, ao esfregar

as costas no chão, pulsando de cima para baixo, percebendo toda a extensão

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da coluna e ativando a consciência do corpo, da respiração e do centro do

corpo. A partir desse trabalho, os atores desenvolvem os trabalhos posteriores

com mais consciência corporal. Depois do aquecimento, Leabhart iniciava-me

nas técnicas da Mímica Corporal a partir do trabalho com articulações,

contrapesos, dínamo/ritmo (combinações de diferentes intensidades,

velocidades e desenhos do movimento), figuras de esti lo e caminhadas, para

depois compormos movimentos em uma partitura. Durante o período de

pesquisa com o grupo, utilizamos alguns princípios dos Back Exercises, os

atores, logo após o alongamento das partes do corpo, deitavam-se no chão e

começavam a fazer as pulsações e a desenhar o número oito ou moedas de

diferentes tamanhos com o quadri l, no chão.

Os encontros eram realizados em salas diferentes, dependendo do dia

da semana: a Sala Preta, do Centro de Educação da UFSM – o menor dos

espaços, paredes pretas, um quadro branco, canetão para escrever no

quadro24 e muitos objetos (sombrinhas, cordas, malas, bolinhas); a sala da

Filosofia do Centro de Ciências Sociais e Humanas da UFSM, com cerca de

setenta mesas escolares e cadeiras, que exigiam que sempre arrumássemos o

espaço no início e no final de cada encontro, com um quadro negro e giz –

onde eu escrevi a letra de uma canção, e os atores fizeram desenhos em suas

improvisações; um salão de festas do SESC, a maior das salas, com a metade

das paredes de vidro de onde se viam as árvores mais altas, o céu e a

sensação que os atores relatavam era a de que o espaço parecia infinito; e

duas salas do Centro de Artes e Letras da UFSM, as únicas que já

conhecíamos antes dessa pesquisa, pois ali são dadas as disciplinas do Curso

de Artes Cênicas.

Nas primeiras semanas de trabalho, após o aquecimento e o exercício

de pulsação de Leabhart, utilizamos Viewpoints, treino de velocidades e

exercícios de Laban, assim, familiarizamo-nos um com o outro e com as bases

da pesquisa: ritmo, variação, tempo e espaço, pois esse era o foco dado na

assimilação dos exercícios. Sempre havia o momento de jogo sem a minha

24

Os atores utilizaram o quadro durante algumas improvisações, sem que eu pedisse, pois não fazia muitas interferências durante esse tipo de improvisação, faziam desenhos de si mesmos

e de mim e escreviam palavras como “vida”, “oi” e seus nomes.

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interrupção e, desde o primeiro encontro, algumas partituras surgiam e eram

repetidas com variações. Todos os dias de trabalho eram finalizados meia hora

antes para que pudéssemos conversar sobre as percepções de cada um de

nós, mas com o passar do tempo, observações também surgiam no meio do

trabalho. Em determinado momento, comecei a organizar elementos/exercícios

que trabalhavam questões tempo-espaciais, alguns eram utilizados de forma

quase igual às bases que os geraram (como “Velocidades” e “Duração”) e

outros foram percepções de vários fatores e não têm só uma influência (como

“Objetos de Atenção Visíveis e Invisíveis” e “Tamanhos”). Simultaneamente

alguns estudos foram surgindo, como as possibilidades de trabalhar a

influência da palavra na variação rítmica. A esses estudos nomeei études

rítmicos. A ideia de uma articulação no espaço e no tempo vincula-se a uma

ação que não se dá a priori, mas se organiza no momento de sua feitura,

levando em conta as dinâmicas variáveis provenientes do jogo entre os atores

e o que os cerca.

No decorrer dos encontros, utilizamos o treino que exercita as diferentes

velocidades nos movimentos, utilizado no Curso de Artes Cênicas da UFSM e

criado por Nair D’Agostini. Esse treino busca evidenciar os princípios e

elementos agregados na prática do elemento tempo-ritmo. O contato que

D’Agostini teve com Gueorgui Tovstonógov e Arkádi Katzman – discípulos de

María Knébel, discípula direta de Stanislávski – a partir da experiência que ela

vivenciou em seu período de estudos (durante os anos de 1978 a 1981) no

GITIS – Instituto Estatal de Teatro, Música e Cinema de Leningrado (hoje, a

atual São Petersburgo), na Rússia, fez com que a diretora e pesquisadora

brasileira atentasse para o trabalho com tempo-ritmo.

Essas velocidades foram divididas no período de tempo de cinco

segundos, aumentando-se o número de passos dados nesses cinco segundos

de uma velocidade a outra. Conheci esse processo durante os cinco anos em

que fui aluna do Bacharelado em Artes Cênicas da UFSM. A metodologia é a

mesma, mas a aplicação dela é variável de acordo com as opções de cada

professor do curso – o que se mantém é a divisão em períodos de tempo de

cinco segundos, mas o número de passos dados é variável. A opção que usei

com os atores nesta pesquisa é a mais recorrente no curso, mas, depois de

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meio ano utilizando-a, modificamos um pouco o número de passos dados,

como será percebido quando eu falar do elemento rítmico “Velocidade”. Abaixo ,

o treino e os nomes que remetem a imagens e foram dados por D’Agostini:

1. Contemplativa (velocidade um): um

passo a cada cinco segundos.

2. Ritual (velocidade dois): dois passos a

cada cinco segundos.

3. Passeio (velocidade três): quatro

passos a cada cinco segundos.

4. Cotidiano (velocidade quatro): sete

passos a cada cinco segundos.

5. Objetivo (velocidade cinco): nove

passos a cada cinco segundos.

6. Pressa (velocidade seis): onze passos

a cada cinco segundos.

7. Super-pressa (velocidade sete): treze

passos a cada cinco segundos.

8. Voo (velocidade oito): o maior número

de passos possíveis dados a cada cinco

segundos.

Pela marcação do número de passos, os atores não se fixam em uma

velocidade pouco variável, como é possível que ocorra. No início, eu indicava

aos atores a passagem dos segundos em voz alta, a partir do marcador de

tempo da música dos aparelhos de som. Após alguns encontros, os atores já

haviam assimilado as velocidades e eu não mais contava os segundos, apenas

indicava a velocidade a ser executada. Mas isso sempre se deu nos primeiros

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minutos desse exercício, depois os atores variam de acordo com suas

necessidades. O exercício começa com o caminhar, observando que esse

movimento seja realizado colocando primeiro o calcanhar e depois a ponta do

pé em contato com o chão. O ator deve alcançar o fluxo contínuo do

movimento e experimentar outras ações, como sentar, levantar, deitar, e rolar.

Cada uma dessas ações deve ser realizada dentro da velocidade estabelecida

mantendo o controle muscular na ação. As velocidades geram, no ator,

sensações e estados de ânimo que remetem a associações imagéticas que

variam de acordo com o ritmo que é experienciado. Vale ressaltar que não é

somente a velocidade e o tempo que variam, mas outros elementos que podem

compor o ritmo, como a fluência do movimento, o peso/leveza e o espaço.

Laban (1978) apresenta quatro categorias de Esforço da ação: o Peso, o

Tempo, o Espaço e a Fluência. O Peso pode ser firme ou suave. Tem a ver

com a sensação do movimento, com “o que” o ator está fazendo. Diz respeito à

resistência forte ou à leveza leve. O Tempo pode ser súbito ou sustentado,

com velocidade rápida ou lenta. Relaciona-se com a intuição e com a duração

e tem a ver com o “quando” da ação e a palavra vinculada é “decisão”. O

Espaço é direto ou flexível, com direção direta ou expansão flexível. Vincula-se

ao “onde” da ação e com a atenção e o pensamento. A Fluência pode ser

controlada ou livre, com controle parado ou fluência fluída. Diz o “como” da

ação. Relaciona-se com a precisão/progressão e com o sentimento. Segundo,

Regina Miranda, no seu livro Corpo-espaço (2008):

As teorias de Laban, inspiradas na ilusão modernista de se criar uma

linguagem absoluta, objetiva, cientifica e capaz de acessar diretamente o objeto, e em abordagens psicanalítica, que consideravam a subjetividade como fonte da verdade, tentaram fazer

a ponte entre abordagens objetivas e subjetivas, pela construção de um sistema complexo que, embora enraizado na geometria euclidiana como representação espacial já apontava outras intensidades

espaciais e integrava o corpo, mente, sensação e tensão espacial pelo movimento (LABAN, 2008, p. 12-13).

O corpo para Laban é, então, entendido por Miranda em seus padrões

rítmico-espaciais e variações de intensidade interno/externas:

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Estabelecendo percursos e associações entre as diversas tensões

corpo-dinâmico-espaciais, Laban criou uma filosofia na qual o movimento constitui a imagem do pensamento, das emoções e da vida, e uma gramática que dá acesso à observação, análise e

compreensão das redes de intensidades em movimento, enquanto encarnadas num corpo que integra Esforço, Forma e Espaço, um corpo que ele chamou de “corpo-vivo-em-movimento” (MIRANDA,

2008, p. 26).

Além dos princípios labanianos, nossa prática também foi norteada pelas

ideias de Bogart. Na busca pela escuta do outro, utilizei alguns princípios e

exercícios propostos no Viewpoints, método que tive contato no grupo de

pesquisa “O Corpomente em Cena: as ações físicas do ator/bailarino” 25,

durante o primeiro semestre de 2010 e em oficina realizada pelo grupo. Sobre

escuta, Bogart escreve que,

o trabalho efetivo no teatro, uma área que demanda intensa

colaboração, requer a habilidade de ouvir, o que se torna primordial ingrediente. E ainda, é muito difícil ouvir, realmente ouvir. Ao pensar o Treinamento Viewpoints, aprendemos a ouvir com o corpo inteiro. Até

você experienciar ouvir com o corpo todo, você não percebe o que um raro acontecimento realmente é

26 (BOGART, 2005, p. 32,

Tradução nossa).

Bogart (2005) retrata o Viewpoints como um processo aberto ao invés de

uma técnica fechada. Em 1979, na Universidade de Nova Iorque, Bogart

conheceu Mary Overlie, que havia inventado o “Six Viewpoints” (espaço, forma,

tempo, emoção, movimento e história), uma maneira de estruturar o tempo e o

espaço na improvisação em dança. Em 1987, Bogart e Tina Landau

expandiram os Viewpoints para nove Viewpoints Físicos (Relação Espacial,

Resposta Cinestésica, Forma, Gesto, Repetição, Arquitetura, Tempo, Duração

25

Grupo de Pesquisa coordenado por Sandra Meyer Nunes, na Universidade do Estado de Santa Catarina. 26

To work effectively in the theatre, a field that demands intense collaboration, the ability to

listen is the defining ingredient. And yet, it is very difficult to listen – to really listen. Through Viewpoints training, we learn to listen with the whole body, with the entire being. Until you experience listening with the whole body, you do not realize what a rare occurrence it actually

is.

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e Topografia)27 e cinco Viewpoints Vocais (Altura, Dinâmica,

Aceleração/Desaceleração, Silêncio e Timbre). As autoras se referem a essa

elaboração pedagógica como uma articulação feita a partir de coisas que já

existiam e sempre são feitas com maior ou menor grau de consciência no

trabalho dos atores. São pontos de consciência no tempo e no espaço dados

pela relação com o outro. Na prática com os atores, utilizei apenas os

Viewpoints Físicos.

Os Viewpoints de tempo descritos no Viewpoints Book (2005) são:

1. Tempo/Andamento: a velocidade em que um movimento

acontece, ou seja, o quão rápido ou lento ocorre.

2. Duração: o quanto dura um movimento, uma ação.

3. Resposta Cinestésica: reações aos eventos que ocorrem fora do

próprio corpo, o foco está no “quando” o ator se move, e isso é

dado em resposta à presença do outro. As paradas e inícios, o

desencadear dos movimentos, tudo é realizado em função das

afecções que os atores causam uns nos outros, ao passarem, ao

pararem e ao se moverem. Um dos exercícios para se trabalhar a

resposta cinestésica é o fluxo, pela resposta à necessidade de

abrir portas entre dois colegas, cada vez que se passa por eles,

desencadeando variação de velocidade, de direção e paradas e

inícios. O exercício Flow, proposto por Bogart, que trabalha o

fluxo do movimento, foi uti lizado da seguinte maneira: um ator

passa entre outros dois, como se fossem portas se abrindo. Muda

a velocidade a cada passagem. Podem parar, mas a necessidade

vem de um motivo externo. Segue alguém. Quando abrir uma

porta, muda de direção. A partir das coordenadas de Bogart

(2005) criamos outros procedimentos, como a mudança de

direção, seguir alguém e mudar de velocidade, ou mudar também

de plano/nível. Respeitando o fluxo natural, fazer uma diagonal no

espaço. Voltar para o espaço todo. Pensar em linhas no espaço.

27

Spatial Relation, Kinesthetic Response, Shape, Gesture, Repetition, Architecture, Tempo, Duration, Topography

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Enquanto dois estão de pé, três estão no chão. Enquanto três

estão em velocidade lenta, outros dois estão correndo.

4. Repetição: pode ser interna – repetir algo que ocorreu em si

mesmo, ou externa – repetir algo que acontece fora do seu corpo.

Aqui, a Resposta Cinestésica, o Andamento e a Duração são

determinados pela Repetição.

E os Viewpoints de Espaço:

5. Forma: Contorno ou desenho que os corpos fazem no espaço.

Podem ser linhas, curvas ou a combinação de linhas e curvas.

Existem as fixas e as em movimento e são feitas de três

maneiras: o corpo no espaço, o corpo em relação à arquitetura ou

em relação a outros corpos. Deve ser explorado com todas as

partes do corpo e de maneira espontânea e fluída. Bogart indica

ao ator que “tente manter o movimento fluído, para que uma

Forma leve a outra, para que o processo seja uma Forma

evoluindo para outra. Deixe a Forma em si liderar você, em vez

de você liderar a Forma” 28 (BOGART, 2005, p. 48 – tradução

nossa).

6. Gesto: É um movimento envolvendo uma ou mais partes do

corpo. É dividido em dois, o Comportamental (pertence ao mundo

concreto do comportamento humano como observado na

realidade cotidiana, é considerado prosaico) e o Expressivo (é

abstrato, poético, expressa um desejo ou uma ideia, não é

comumente visto no cotidiano). Devem ser definidos, refinados e

re-significados. Todos os nove Viewpoints podem servir como um

indicador de PH pessoal, um método para determinar onde as

forças e fraquezas do indivíduo estão, que hábitos são repetidos e

que territórios são inexplorados29 (BOGART, 2005, p. 49,

28

Try to keep the movement fluid, so one shape leads to the next, so the process is of one shape evolving into another. Let the shape itself lead you, rather than you leading the shape. 29

All nine Viewpoints can serve as a personal litmus test, a method for gauging where the individual’s strengths and weaknesses lie, what habits are repeated and what territory is

unexplored.

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tradução nossa).

7. Topografia: O desenho que criamos em movimento pelo espaço

como paisagem multidimensional, em todas as possibilidades de

dimensão do corpo, como os padrões de chão. Aqui se insere o

trabalho com as raias, grades, círculos, zigue-zagues. É como se

o chão tivesse como única possibilidade cada um desses padrões

por vez, para que o ator explorasse tendências que nunca

experimentou, realizando seus movimentos somente em relação a

preencher a grade (sem diagonais), por exemplo. As raias são

como as raias de uma piscina de natação, em que cada um só

pode se mover naquela linha e os incentivos para que o ator se

mexa são externos. A grade é o cruzamento de várias linhas no

chão, como se as raias se cruzassem. Em nossa pesquisa, mais

tarde, o ator combinava esses padrões de chão, que não deviam

ser explorados apenas no chão.

8. Relação Espacial: A distância de um corpo para outro, de um

corpo para um grupo de corpos e de um corpo para a arquitetura.

Nós tendemos a operar em um espaço que é muito no-meio-do-caminho, sem extremos, com muita segurança e conforto. Na Relação Espacial isso se traduz em uma consistência da distância

entre os corpos, usualmente de dois a cinco pés. Esta é a distância dos outros em que nós passamos a maior parte da nossa vida. É a distância que temos enquanto conversamos, quando apertamos as

mãos, quando comemos uma refeição. Nós tendemos a manter este amortecedor de espaço como proteção, e quando começamos a aumentar ou diminuir este espaço, nós começamos a criar dinâmica,

evento, relacionamento30

(BOGART, 2005, p. 44, tradução nossa).

9. Arquitetura: O ambiente físico e o quanto a consciência desse

ambiente afeta os movimentos. É dada pelas paredes, portas,

janelas e suas texturas e pela luz, cor e som.

30

We tend to operate in a space which is very middle-of-the-road, without extremes, with great safety and comfort. In Spatial Relationship this is translates to a consistency of distance

between bodies, usually two to five feet. This is the distance from others in which we spend most of our lives. It’s the distance we have while chatting, when shaking hands, when eating a meal. We tend to keep this cushion of space as protection, and when we start to increase or

decrease this space, we start to create dynamic, event, relationship.

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Para Bogart (2005) com os Viewpoints os atores sentem-se mais livres,

sem a necessidade de ter que inventar tudo por si mesmos, pois eles passam

“a confiar em deixar algo acontecer no palco, ao invés de fazer acontecer. A

fonte para a ação e invenção vem até nós a partir dos outros e a partir do

mundo físico ao redor de nós” 31 (BOGART, 2005, p. 19, tradução nossa). A

diretora também critica a tendência de dividirmos as possibilidades em boas ou

más, certas ou erradas. Ela espera que os atores simplesmente abracem as

possibilidades que serão mais tarde desenvolvidas a partir de escolhas, que

guiarão para uma maior liberdade pela diminuição do julgamento. Essas

escolhas não se dão a priori, mas a posteriori, pois

uma vez que você está ciente de todo um espectro, você não precisa escolher todos eles ao mesmo tempo, mas você está livre para, e não está mais limitado à inconsciência. A escala aumenta. Você pode

começar a pintar com maior variedade e domínio 32

(BOGART, 2005, p. 19, tradução nossa).

No nosso trabalho prático, utilizei esses exercícios com algumas

indicações de Bogart como: “Note quando você fica entediado”. “O que você

precisa fazer para se surpreender?”. “Perceba se há variações que você evita

ou resiste.” Eu enfatizava que eles possivelmente estivessem mudando de

forma regular, com o mesmo ritmo de mudança. Pedia que devorassem o

espaço sem medo e que vissem com as costas. Todas essas indicações foram

pesquisadas na obra The Viewpoints Book (2005), de Bogart e Landau.

No primeiro momento da prática, trabalhamos a fim de apreender alguns

exercícios sistematizados. O aprendizado ocorreu aos poucos, como no

entendimento de Kastrup, “passo a passo, mas que nem por isso pode ser dito

sequencial ou quantificável. No processo de treino utilizam-se rotinas e

algumas regras básicas” (KASTRUP, 2004, p. 11). A ideia era que os atores se

31

Viewpoints helps us trust in letting something occur onstage, rather than making it occur. The source for action and invention comes to us from others and from the physical world around us. 32

Once you are aware of a full spectrum, you do not need to choose all of it all the time, but you are free to, and you are no longer bound by unconsciousness. Range increases. You can begin

to paint with greater variety and mastery.

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familiarizassem com essas rotinas e agissem de forma mais atenta aos

elementos de ritmo que eram trazidos.

Os Viewpoints, o treino das velocidades e outras experiências com o

ritmo de experiências que tive como aluna do curso de Artes Cênicas e que

foram inspiradas em Laban, possibilitaram a fixação de elementos rítmicos que

foram usados no primeiro momento de praticamente todos os enco ntros.

Primeiro utilizei com os atores os métodos citados um de cada vez e depois

eles passaram a se apropriar deles e modificá-los pela prática e a jogar com

todos os elementos, sem ordem de ocorrência, com a orientação de variar os

elementos rítmicos (Velocidades, Duração, Níveis, Direções possíveis, Tensão

e relaxamento, Expansão e recolhimento, Distâncias, Tamanhos, Relação com

o objeto de atenção visível e Relação com objeto de atenção invisível).

A experiência do aprendizado aparece em Kastrup, da seguinte forma:

“partindo da suspensão, o aprendizado estabiliza um tônus atencional singular

que envolve a ativação de uma atenção a si e de uma atenção aberta ao

encontro de experiências pré-egóicas” (KASTRUP, 2004, p. 13). O “eu” é

valorizado, mas em relação ao “outro”, ao colega que me afeta e divide a

experiência comigo, isso gera uma experiência individual e coletiva sobre nós

mesmos em relação ao outro. Por se tratar de algo pessoal e próprio, e que

possui um tipo organização que ocorre no momento presente, numa espécie de

auto-organização, teço relações com o conceito de autopoiese33, proveniente

da biologia e que se alastrou para outras áreas. O conceito designa a “auto-

criação sem instância criadora, sem finalidade que lhe dirija a trajetória e sem

destino previsível” (KASTRUP, 1995, p. 90, tradução nossa).

Estávamos, no decorrer da pesquisa, abertos para o imprevisível, que,

quando percebido, era assimilado. A metodologia foi criada enquanto

pesquisávamos, os estudos serviram de mote para pensar o ritmo, tanto na

prática quanto na escrita, e esses études não estão definidos de uma vez por

33

Este conceito que Kastrup trabalha deve-se aos cientistas Maturana e Varela, uma nova visão biológica chamada autopoiese. “O termo autopoiese vem do grego autós = próprio e

poiein = fazer. O sentido literal é, portanto (auto-fazer-se) ou produzir-se a si mesmo (autofazimento). (…) os seres humanos se caracterizam por literalmente, produzirem -se continuamente a si mesmos – o que indicamos ao chamarmos a organização que os define de

organização autopoiética” (MATURANA e VARELA, 1995, p. 84).

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todas. O foco da escrita desta dissertação é a configuração desses estudos.

Preferi escutar os atores a definir aspectos e focos a priori, embora as práticas

partissem de alguns enunciados por mim elencados (como o trabalho com as

velocidades), que postos no tempo/espaço ganhavam singularidades. A

experiência me trouxe a necessidade de estar dentro dela como observadora

da prática. Esta experiência foi mais voltada à escuta do que eles me

mostravam pelo improviso e jogo com os elementos do espaço e do tempo,

mas também se deu de forma ativa em mim pelas orientações que eu dava aos

atores. Nesse sentido, a escuta também se deu em mim, pelo ouvido atento ao

que os atores faziam, a troca se dava no sentido de eu propor orientações a

eles e eles me proporem novos caminhos para essa orientação.

Houve a opção de trabalhar com um grupo de atores, para que eu

pudesse perceber como observadora e parceira da experiência e para ter mais

de uma visão sobre a experiência conjunta e a individual, pelas reações deles

quando experienciavam e relatavam a experiência. Espero, dessa forma,

ultrapassar a minha experiência individual com esses atores, aos trazer

questões que também são deles, nossas. A proposta é dividir uma experiência.

A prática com os atores, pelo compartilhamento de experiências relacionadas

às noções de espaço e de tempo na elaboração de ações físicas, possibilitou o

surgimento de estudos improvisacionais aqui nomeados études rítmicos, pelo

jogo dos atores com os elementos rítmicos que são utilizados em todos os

encontros desde o seu surgimento e que estão presentes em todos os études.

Ao longo do texto, sempre que aparecer a expressão “elementos rítmicos”,

estarei me referindo a todos os elementos rítmicos, sem exceção, pois todos

eles eram colocados na improvisação e podiam gerar partituras ou não.

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Fotografia 5 – Atores improvisando com os elementos rítmicos.

Fonte: Rafael de Pádua

Alguns dos elementos utilizados e elaborados no trabalho para colaborar

com a consciência da variação no tempo e no espaço, qualificando o fluxo da

ação do ator, foram:

1. Velocidades:

Decidi readaptar as velocidades para que, durante o trabalho com os

elementos rítmicos, todas as velocidades fossem usadas pelos atores, para

que eles realmente vivenciassem todas elas. Coloquei a questão a eles em um

dos dias de trabalho, pedi que opinassem e que me dissessem quais estavam

mais incorporadas e quais não eram tão efetivas. Percebemos que as

velocidades que tinham o número de passos em nove, onze e treze, eram

muito semelhantes e só se percebia uma diferença entre elas quando os atores

caminhavam e contavam o número de passos. Essa diferença não era

percebida por eles quando desempenhavam as ações. Além disso, decidimos

colocar uma velocidade menor ainda do que a primeira do treino.

Então, modificamos essas velocidades de acordo com a nossa

necessidade e elas ficaram assim determinadas:

1. o menor número de passos que pode ser dado.

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2. um passo a cada cinco segundos.

3. dois passos a cada cinco segundos.

4. quatro passos a cada cinco segundos.

5. sete passos a cada cinco segundos.

6. dez passos a cada cinco segundos.

7. o maior número de passos que pode ser dado sem correr.

8. corrida.

A maior mudança para eles foi a nova velocidade um e as velocidades

mais rápidas. Pedia para eles voltarem na 1 de outrora (um passo a cada cinco

segundos) e a comparassem com a nova 1 (o menor número de passos

possível). Algumas adaptações foram feitas nas velocidades até que elas

fizessem mais sentido para a experimentação dos atores. Por exemplo: os

atores não acharam muito sentido na minha tentativa de uso de dez passos,

treze passos e maior número de passos. Então, usamos apenas as

velocidades de dez passos e de maior número de passos. Discutimos se a

velocidade deveria ter treze passos ou o maior número de passos, mas

optamos por maior número de passos para que fosse mais pessoal, podendo

ser quantos passos fossem a partir de dez. Antônio comentou que as

velocidades de cada um eram diferentes da dos outros e eu disse que isso era

caro para a pesquisa, porque as pernas tinham comprimento diferente, por

exemplo, pois há a possibilidade de ser diferente, de ser próprio. Interessava

mais como essas velocidades iriam ser dadas em ação do que em número de

passos ou caminhada, por isso é importante que todo o corpo esteja na mesma

velocidade. Gelton disse que, nas velocidades mais lentas, conseguia perceber

mais os estados de seu corpo do que nas velocidades mais rápidas. Cândice

falou que o treino das velocidades exigia muita concentração, pois percebeu

que, às vezes, estava na velocidade 2, ao invés da 1. Segundo Antônio, era

preciso equilíbrio na troca de velocidades e nos movimentos em velocidade

mais lenta. Eu percebia que eles tinham certa dificuldade em trocar as

velocidades rapidamente, quando eu indicava a mudança, na troca da

velocidade 2 para a 1, por vezes, aceleravam até a 5 por um segundo e depois

realizavam a 1. Em alguns momentos, havia aceleração nas curvas.

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É importante ressaltar que trabalhávamos com pequenas alterações de

velocidade dentro de cada velocidade, ou seja, mesmo que a velocidade fosse

a 1, explorávamos oscilações de velocidades 6, 5 ou as que os atores

preferissem. Dessa forma, a mudança de velocidades era bastante perceptiva

e propunha uma música pessoal.

2. Duração:

É a percepção não cronometrada do tempo em que o ator fica em cada

velocidade antes de variar, o quanto ele fica em cada nível, o tempo que dura a

sua tensão e o seu relaxamento em cada uma das vezes que ele desempenhar

as ações. É o tempo que dura, que é perceptível pelo ator e pelo espectador. A

partir disso, percebem-se os padrões de variação, a continuidade e

descontinuidade de cada ação e o tempo que é captado pelo ator e como ele o

modela, percebe e recria. Pedia aos atores que percebessem os padrões de

variação de nível. Em qual dos outros elementos rítmicos ficavam mais tempo,

qual a frequência de variação. Quanto tempo durava a ação no chão. Quanto

tempo durava cada um dos níveis trabalhados (baixo, médio, alto, super -alto).

Durante o ensaio, Antônio disse que percebia mais a duração quando estava

jogando com os colegas, pelas reações das ações.

A duração é baseada nos Viewpoints, no Treino das Velocidades e nos

estudos de Stanislávski acerca do tempo-ritmo e que serão expostos ao longo

da escrita.

3. Níveis:

São usados os níveis baixo, médio, alto e super-alto. O nível super-alto

foi criado nesse trabalho para designar o momento em que o ator fica na ponta

dos pés com o corpo todo esticado, tentando alcançar o teto, mas que não

envolve necessariamente saltos. O nível alto é quando o ator está de pé. No

nível baixo, o ator fica o mais próximo do chão possível, e o nível médio é o

nível intermediário entre esses dois (baixo e alto).

4. Direções possíveis:

Se os níveis dizem da relação vertical do ator com o espaço, as direções

retratam a relação horizontal. O ator movimenta-se para todas as direções que

o corpo permitir, como para frente, de costas, nas laterais e nas diagonais.

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5. Tensão e Relaxamento:

O contrair e posterior descontrair do corpo permite ao ator experimentar

diferenças de tônus – que é o estado de relativa tensão em que se encontra

permanentemente um músculo em repouso. As alterações de tônus podem ser

de aumento ou diminuição, ou seja, mais tenso ou mais relaxado. A partir do

tensionar e relaxar do corpo ou de partes específicas do corpo (como apenas

as pernas ou apenas as mãos), o ator experimenta variações temporais e

espaciais. Tensão e relaxamento são diretamente relacionados a peso e

leveza, nessa pesquisa. Em Domínio do Movimento, Laban traz o peso como

um elemento, da mesma forma que o espaço e o tempo. Aqui, faz parte dos

elementos rítmicos, ou seja, peso é uma decorrência da experimentação do

espaço/tempo.

6. Expansão e Recolhimento:

Pedia que percebessem o quão agradável era relaxar depois que se

estava contraído. Diferenças de peso eram percebidas pelo expandir e

recolher. Eu pedia que, cada vez mais, a expansão e o recolhimento fossem

modificados de forma fluída.

7. Distância:

O espaço que se coloca entre o ator e seu colega ou entre o ator e

determinado objeto de atenção. Atentar-se para as distâncias permite aos

atores que eles as recriem e as reestabeleçam. Também permite a percepção

de padrões de distância, convencionalismos de distância entre os corpos e

variações de espaço e de posicionamento nesse espaço.

8. Tamanhos:

A percepção do tamanho que cada ação possui e que ela pode ser feita

maior ou menor, modificando, assim, o uso do espaço. Por exemplo, pode-se

abraçar com o corpo todo muito amplo e aberto ou com um leve abrir de

braços.

9. Relação com o objeto de atenção visível:

O objeto de atenção visível é tudo aquilo que se encontra no espaço e

que eu posso ver, como a presença do outro, os objetos da sala, a parede, o

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chão, a luz que chega à sala e que faz sombras do corpo dos atores na parede

e no chão. Ao estabelecer relação com determinado objeto, ou seja, ao permitir

que esse afete a ação, o ator provoca mudança no espaço/tempo.

Fotografia 6 - Djefri jogando com as sombras de seu corpo.

Fonte: Cauã Canilha e Patricio Orozco-Contreras.

O “abrir portas” referido por Bogart na resposta cinestésica colaborou

para a origem do objeto de atenção. Na nossa pesquisa, cada vez que um ator

passava entre dois colegas, como no exercício Fluxo [Flow], ele tinha que

mudar algum dos outros elementos rítmicos, a ação era dada por uma reação

ao que o colega fazia. O colega passou a ser, então, um objeto de atenção.

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10. Relação com objeto de atenção invisível:

É a relação que cada ator mantém com tudo que existe no

espaço/tempo, mas que não é visível, como a música tocada, os cheiros, o

calor e o frio, o tato, a audição, enfim, a relação com todos os sentidos além da

visão. A ideia é tirar a predominância da visão, pois ela era o sentido mais

usado pelos atores e os outros sentidos eram menos aguçados até se colocar

esse elemento. O elemento “objeto de atenção invisível” era percebido

principalmente quando os atores fechavam os olhos, mas estava presente

durante todos os encontros.

Para os atores, se havia música sendo reproduzida no aparelho de som,

essa era a relação que eles sempre priorizavam, mesmo que não

intencionalmente. Quando a música era conhecida por eles, ela gerava mais

mudança rítmica no corpo do que uma música que lhes era desconhecida. As

músicas com padrões de repetição constante e as minimalistas eram sempre

as preferidas pelo grupo para o jogo, independente das preferências musicais.

A música tocada quase sempre dava o ritmo da ação e isso às vezes era

limitador, eu, então, pedia que contrapusessem o ritmo imposto pela música ou

que a usassem apenas de estímulo, e não com a finalidade de repetir o ritmo

da música no corpo. O respirar dos colegas também era um objeto de atenção

invisível e perceptível mesmo com os olhos fechados. A relação com a

temperatura da sala, com o vento que entra pela janela, com a energia emitida

pelo outro, provocavam mudanças. O étude “Para Além do Ver” deriva desse

elemento.

No decorrer de todos os encontros, focamos no trabalho vocal

concomitante com o trabalho corporal, considerando que voz também é corpo.

Por vezes, eu solicitava à Cândice para coordenar o aquecimento vocal, pois

ela leciona, no curso de Artes Cênicas da UFSM, uma disciplina de voz34. Os

atores deveriam imaginar a voz como um vento que fosse emanado da

respiração, não projetada, sem altura e articulação num primeiro momento.

Essa voz vinha do movimento do respirar, os atores não deviam segurar o som,

deixando que a voz fluísse de acordo com a própria necessidade. A região da

34

Disciplina Complementar de Graduação “Canção e Expressão Vocal”.

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barriga é massageada pelas próprias mãos, ficava mais relaxada para que a

voz fosse liberada mais fluidamente, sem tensão exagerada. A partir do décimo

encontro, passamos a aquecer o corpo e a voz concomitantemente, sem

dissociá-las, no início de todos os encontros. Durante o aquecimento corporal,

pedia que permitissem que a voz estivesse sempre presente, através de sons,

suspiros, bocejos. Quando o jogo surgia, principalmente no “Étude de Canção”,

a voz/corpo era elemento de jogo e causava reações. A partir da metade dos

encontros, após fixarmos os elementos rítmicos, passamos a experimentá-los

com o uso da voz, ou seja, o nome dos elementos rítmicos vocais são os

mesmos nomes dos elementos rítmicos, pois foram organizados a partir deles

e em consonância. Os elementos rítmicos vocais, equivalentes na voz dos

elementos rítmicos citados anteriormente, eram:

1. Velocidades: falar mais rápido ao mais lento.

2. Nível: alteração de volume, ora muito baixo, ora muito alto.

3. Direções: do mais agudo ao mais grave. Aproximar a direção da voz do

peito, tornando-a mais grave e afastá-la do peito, deixando-a mais

aguda.

4. Distância: alargamento ou diminuição de sílabas. Uma sílaba mais curta,

uma vogal mais esticada.

5. Expansão e recolhimento: na expansão, a fala deve ocupar todo o

espaço e ser ouvida em todos os cantos da sala. No recolhimento, ela

deve ser mais contida, mais sussurrada ou quase inaudível para os

demais colegas.

6. Tensão e relaxamento: com o corpo mais tensionado e mais relaxado,

ela deve estar mais tensa ou mais relaxada.

7. Objeto de atenção visível e invisível: a voz reage ao colega, ao vento

que entra na sala, ao som dos pássaros da rua. A voz afeta e provoca

variação nos outros elementos citados.

O trabalho com a voz se dava da seguinte forma: iniciávamos um

aquecimento do corpo e da voz em consonância, em que buscávamos

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trabalhar os elementos rítmicos inseridos no trabalho com a voz. Abordávamos

a voz pelo nosso trabalho com os elementos rítmicos. O mesmo foco com

equivalências: como é trabalhar esses elementos na voz? Como é trabalhar as

velocidades na voz? E as distâncias? Os atores respondiam a esses

questionamentos com ações físicas e vocais.

O ambiente influenciava os elementos rítmicos, pois algumas salas

tinham o chão mais liso, fazendo com que os atores não conseguissem correr

sem escorregar. Outras eram salas menores e o grupo precisava fazer mais

curvas. Pedia que eles percebessem como se dava a transição de um

elemento ao outro, todos concordaram que cada mudança de elementos lhes

provocava uma sensação, imagem e estado. Em determinados encontros eu

pedi que me falassem quais eram as sensações e para cada um, as variações

dos elementos provocavam uma imagem diferente e isso também variava de

um dia para o outro. Abaixo temos o exemplo da percepção das variações de

velocidade em dois dias diferentes:

Dia 24 de setembro:

Vel. 1 Vel. 2 Vel. 3 Vel. 4 Vel. 5 Vel. 6 Vel.7 Vel. 8

Antônio Concentrar Pavão Filme Calma Objetivo Máquina Cansaço Não

desiste

Cândice Barro

Sonho Algodão Embalar Tempo Cotidiano Muito Vendaval

Djefri Século Água Preguiça Observar Objetivo Confusão Atraso Vai

Gelton Abandono Penitencia Descoberta Acalmar Equilíbrio Imprensa Não

para

Reino

louco

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59

Dia 30 de setembro:

Vel. 1 Vel.2 Vel. 3 Vel. 4 Vel. 5 Vel. 6 Vel. 7 Vel. 8

Antônio Concentra

ção

Tranquilida

de

Solidão Espera Comprom

isso

marcado

Trânsito Regra Afoito

Cândice Anestesia Noiva Sorrateiro Anestesia Ratoeira Ventania Ambulâ

ncia

Labirinto

Djefri Discrição Nostalgia Multidão Liberdade Confusão Desesper

o

Atraso Arte de

criança

Gelton Sossego Aproveitar Loucura Dor de

barriga

Balada Briga Não

para

saindo

Mesmo que as velocidades fossem executadas da mesma forma, elas

vinculavam-se à imaginação, ao dar espaço para a percepção do estado do

corpo. Dessa forma, percebo que a sensação provocada por cada velocidade,

e, num sentido maior, por cada elemento rítmico e pela união deles, provocava

sensações diferentes pela imaginação dos atores. Isso remete à frase escrita

por Laban, em Domínio do Movimento, no momento em que ele refletia sobre a

capacidade imaginativa.

É importante não apenas tornar-se ciente das várias articulações do

corpo e de seu uso na criação de padrões espaciais e rítmicos, como também aperceber-se do estado de espírito e da atitude interna produzidas pela ação corporal. [...] O leitor que se der ao t rabalho de

refinar e experienciar os movimentos descritos através de uma execução corporal, no entanto, descobrirá que sua imaginação é estimulada pela atividade (LABAN, 1978, p. 53-54).

Laban referia-se ao trabalho com suas formulações espaço-rítmicas que

despertavam a imaginação, assim, na minha leitura, ele vinculava o trabalho

que era mais geométrico e definido ao sentido mais humano, mais particular. A

imaginação, para ele, era estimulada pela atividade.

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Os elementos rítmicos, assim como os études estão intimamente ligados

uns aos outros. Para Gelton, em declaração ao final do encontro do dia 23 de

outubro de 2011: “Os elementos rítmicos e os études dialogavam o tempo todo,

desde o início da utilização deles no encontro de hoje e assim tem sido nos

encontros anteriores”. Foi muito interessante ouvir os atores falarem as suas

percepções e perceber que havia uma sincronia entre aquilo que me

mostravam – que eu percebia pela minha recepção do que eles faziam – e

aquilo que eles sentiam/percebiam/observavam. Quando percebidas as

dinâmicas e variações e quando realizado a partir de uma escuta de si, dos

elementos e dos colegas, o ritmo proporciona a cada ator a vivência, o “tempo-

em-vida”, pelo esculpir do tempo, como nos diz Barba (1995, p. 211).

Fotografia 7 – Atores testando os études rítmicos “Redescobrir do Espaço”, “Canções”

e “Das Palavras” concomitantemente.

Fonte: Cauã Canilha.

Utilizamos trechos da Obra Poética Completa, reunião de poesias de

Federico García Lorca, A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera e

Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, com o intuito de explorar possibilidades

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de se trabalhar com o texto, mas vinculado ao ritmo da ação dos atores, pelos

elementos rítmicos. Também foram criadas partituras a partir de canções. É

importante frisar que a percepção e variação de ritmos estiveram presentes em

todo o processo, bem como o jogo teatral, para colaborar com o

desenvolvimento das relações entre os atores.

Atentar-se para essas relações, aqui chamadas afecções, bem como

para as diferenças entre os ritmos interno e externo do corpo, ocasionou novos

estados para o estabelecimento da ação física pela emergência de imagens

psicofísicas. Aproximo a noção de experiência/vivência do termo russo usado

por Stanislávski, perezhivanie, e percebo o intento dele de que essa

experiência fosse compartilhada e vivenciada. Segundo Carnicke, Stanislavski

adapta a palavra de “O que é arte?” (1897), de Lev Tolstói, em que o autor diz

que a arte é uma experiência sentida: “A raiz russa de ‘experienciando’

transmite muitas nuances diferentes: ‘experienciar’, ‘sentir’, ‘viver através’,

‘sobreviver’” 35 (CARNICKE, 1998, p. 217, tradução nossa).

Uma das maneiras de se desenvolver a vivência/experiência do ator é a

percepção do aqui e do agora pela relação consigo mesmo e com o outro. Para

isso, o jogo teve uma importância fundamental, pois evitou a utilização pré-

determinada dos elementos rítmicos e fez com que surgissem études de tempo

e de espaço, por isso, rítmicos. Durante o jogo, os atores se encontravam no

aqui e no agora e estavam em contato com o outro. Pelo trabalho rítmico,

esperava que eles buscassem entrar em um estado que não mais precisassem

interpretar um ao outro, mas deixassem o outro causar impressões nos seus

corpos, para só depois compreender essa impressão, essa sensação que o

coletivo (o espaço, o tempo, os colegas) causava. Os atores em geral, segundo

Spolin,

devem estar prontos para livre relação, comunicação, resposta, experienciação, experimentação e fluência para novos horizontes do

eu. A direção não vem de fora, mas das necessidades dos jogadores

e das necessidades teatrais do momento. (SPOLIN, 2004, p. 19).

35

The actor “infects” the audience when a performance stirs the spectators’ affective memories. The Russian root of “experiencing” conveys many different nuances: “to experience”, “to feel”,

“to live through”, “to survive”.

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Durante o jogo, a relação é dada mais pelo próprio jogo e pela

orientação das possibilidades de experimentação, e menos por uma orientação

constante que vem de fora, de uma direção que organiza, questiona e exige

resultados o tempo todo. Pelo próprio jogo já se desenvolvem as necessidades

e as habilidades do ator, mas por uma via conjunta, graças ao envolvimento do

grupo. Citando novamente Spolin,

O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a

liberdade pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar. As habilidades são

desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está jogando, divertindo-se ao máximo e recebendo toda estimulação que o jogo tem para oferecer – e este o exato momento em que ela está

verdadeiramente aberta para recebê-las. [...] Qualquer jogo digno de ser jogado propõe intrinsecament e um problema a ser solucionado – um ponto objetivo com o qual cada indivíduo deve se envolver [...] A

energia liberada para resolver o problema, sendo restringida pelas regras do jogo e estabelecida pela decisão grupal, cria uma explosão - ou espontaneidade – e, como é comum nas explosões, tudo é

destruído, rearranjado, desbloqueado (SPOLIN, 1987, p. 4).

A capacidade de jogo é aqui colocada como o desenvolvimento do

engajamento no aqui e no agora. Jean-Pierre Ryngaert (1945), diretor e

professor da Universidade de Paris III fala sobre o jogo, em seu livro Jogar,

Representar, dizendo que,

a capacidade de jogo de um indivíduo se define por sua aptidão de levar em conta o movimento em curso, de assumir totalmente sua

presença real a cada instante da representação, sem memória aparente daquilo que se passou antes e sem antecipação vis ível do que irá ocorrer no instante seguinte. Essa capacidade se apoia na

disponibilidade e no potencial de reação a qualquer modificação, ainda que ligeira, da situação (RYNGAERT, 2009, p. 54-55).

Os atores, na pesquisa prática, deveriam estar totalmente receptivos ao

outro, mesmo sem contato visual. A receptividade se dava pela escuta no

espaço e no tempo e guiava o jogo entre os atores. O jogo que aconteceu

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durante a pesquisa foi dado, portanto, pela escuta do outro. Aproximamo-nos

do discurso sobre o jogo de Ryngaert, que escreve,

o entendimento entre os jogadores, a mobilização das capacidades de escuta e de reação criam um estado particular de cumplicidade

que é uma das dimensões do prazer do jogo. Nessa relação de comunicação privilegiada, os jogadores disponíveis no espaço, atentos às invenções repentinas, compreendem com facilidade

propostas que enriquecem o jogo e asseguram resposta da mesma natureza (RYNGAERT, 2009, p. 59).

Os atores experimentavam a si mesmos, ao outro e ao espaço, e

desenvolviam novas formas de se relacionarem com o que os cercava, através

do jogo. Não se esperava um resultado, mas se analisava o processo. Esta

dissertação é a análise desse processo, que acabou tendo como um resultado

a criação de études rítmicos, ou seja, de estudos no espaço e no tempo. Os

atores diziam não se sentirem obrigados a realizar nada de definitivo, de

resultado, apenas iam para o ensaio para experimentar o ritmo de suas ações.

O nosso interesse pela improvisação é bem próximo ao que Ryngaert escreve,

[a improvisação] representa uma experiência para o sujeito, relativizada pela sua frequência e pelo exame atento de seu desenrolar. Uma vez que não se espera a aparição mágica de um

produto excepcional, o interesse se desloca em relação à soma de processos que poderiam eventualmente levar a um produto provisório, também questionado (RYNGAERT, 2009, p. 92).

O objetivo geral do jogo ao longo dos encontros da pesquisa por mim

orientados foi dilatar a escuta e perceber o tempo e o espaço que nos

envolviam e que podiam ser variáveis pela relação. Surgidos dessas

“explosões”, os études deviam ser em si mesmos destruídos e reinventados.

Surgiram de improvisações, mas foram fixados. Os études vieram a

proporcionar a experimentação do movimento e geraram respostas não

esperadas para as relações entre movimento, tempo e espaço que estavam em

constante transformação, em constante fluxo.

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Havia uma via dupla: o jogo provocava variação dos elementos rítmicos

e os elementos rítmicos provocavam o jogo. Pude observar que os atores

percebiam os outros objetos de atenção, a sensação de tocar no chão, de tocar

na parede, a luz que chegava à sala, as sombras que o corpo fazia, a

temperatura da sala, do corpo, os sons, tudo o que surgia no tempo e no

espaço – cada pequeno movimento do colega. Percebiam o padrão de

variação, se sempre mudavam da mesma forma, se ficavam mais em

determinado nível ou velocidade. O abrir portas do Viewpoints (exercício Fluxo)

foi mantido e toda vez que eles abriam uma porta, havia uma variação, uma

transformação no tempo e no espaço – no nível, na direção, na expansão ou

em qualquer elemento rítmico. Eu lhes chamava a atenção de que “o super-alto

do Djefri e o do Gelton são diferentes pela própria altura deles”. As

características do corpo de cada um influenciavam na ocupação espaço-

temporal.

Fotografia 8 – Atores em fluxo dado pelo jogo.

Fonte: Alessandra Dörr.

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Fotografia 9 – Atores em fluxo dado pelo jogo.

Fonte: Alessandra Dörr

Uma ação fluída depende de um corpo que escuta o que estiver ao seu

redor e estabelece relação com isso, com a afecção que pode ser

desencadeada pelo corpo do outro, pelos objetos, cenário ou alguma questão

sensorial do seu próprio corpo. Podemos escutar e estabelecer relação com o

que está nas nossas costas, com o que não vemos, com tudo que está no

espaço/tempo. Eis o objeto de atenção: tudo aquilo que atravessa o ator no

tempo e no espaço e que recebe um direcionamento de atenção em

determinado momento e lugar.

O objeto de atenção, seja visível ou invisível, provoca mudança e

movimento pela relação que se cria para com ele, pode mudar constantemente

ou não e pode provocar novas intenções e percepções no corpo. Os atores

tinham a possibilidade, também, de não entrarem em determinada relação com

um objeto de atenção, pois os orientei a não entrarem em um jogo apenas

porque todos estavam focados num mesmo objeto de atenção. Eles tinham o

direito de não jogar, de não fazerem, assim, apontaram sentirem-se mais

envolvidos com aquilo que realmente lhes aguçasse a percepção. Era uma

relação mais de acordo e menos de confronto com as particularidades do eu e

da improvisação. Cândice disse, no encontro de 22 de agosto de 2011: “hoje

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não estava querendo participar do jogo com os outros, daí, ao invés de me

culpar por isso, pensei ‘vou focar em outro objeto de atenção, porque minha

profissão é trabalhar a mim mesma, então isso seria uma obrigação, mas aqui

não me sinto obrigada a fazer”. Dessa forma, os atores procuravam relações

mais experienciais e menos normativas, o que não desencadeava uma

necessidade de fazer coisas o tempo inteiro, pelo contrário, um seguia jogando

apenas com seus suspiros enquanto todos os outros estivessem envolvidos em

uma dança proposta por eles mesmos, por exemplo. Eles passaram a se

ouvirem mais e ouvirem o outro, pois ainda assim estariam em contato. Os

encontros da pesquisa foram, dessa forma, bastante livres, abertos às

circunstâncias que surgiam. Em geral, eu selecionava temas e organizava-os

em casa, mas quando iniciávamos a prática, tudo poderia ser modificado, por

ser essa a minha proposta para a emergência dos études: permitir que eles

surgissem.

No nosso trabalho, foi mais importante perceber o que foi surgindo e o

jogo dos atores com o ritmo a partir dos elementos rítmicos e dos études

rítmicos do que propor a confirmação de leituras, princípios ou definições.

Ouvimos muito um ao outro. Não propus um resultado, isso surgiu do nosso

jogo. A prática com os études não era fechada em si mesma, deveria ser

constantemente recriada. A palavra significa “estudos” e aqui se dará para

definir os estudos acerca das possibilidades rítmicas de caráter improvisacional

e experimental. Sharon Marie Carnicke escreve, em “Stanislavski in Focus”,

que, étude era, para Stanislávski, sinônimo de improvisação.

Stanislávski usa a palavra francesa étude para referir-se a uma cena não roteirizada realizada por atores, o que no uso americano é chamado improvisação. Ele pedia aos atores para executar études

em suas próprias palavras a partir de cenários que ele inventava, ou parafrasear cenas de um texto. Ele também empregou "études silenciosos", em que cenas se desenrolam em silêncio, at ravés do

intercâmbio de raios de energia e gesto físico expressivo36

(CARNICKE, 1998, p 217, tradução nossa)

36

Stanislavski uses the French word “étude” refer to a non -scripted scene performed by actors,

what in American usage is called “improvisation.” He asked actors to perform études in their own words from scenarios that he would devise, or to paraphrase scenes from a text. He also employed “silent études”, in which scenes unfold silently, through the kind of action exchange of

energy rays and expressive physical gesture.

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Os études aqui propostos têm o ritmo como eixo central, em suas

variações. A partir dessas variações, as ações podem criar uma linha

ininterrupta37 de momentos de ritmo próprio, sendo através da ação física, que

isso se torna visível ao olhar. É o fluir da sequência dos movimentos

preenchidos de intenção do ator no espaço que constitui sua linha contínua de

concentração e de ação. Ao desenvolver no corpo o sentido rítmico de

equilíbrio, de distâncias e de adaptação no tempo/espaço, os atores podiam

desenvolver estratégias contra o conformismo, aperfeiçoando suas

possibilidades de ação. Assim, era possível subverter o ritmo do dia-a-dia de

cada um.

Percebi em cada ator, uma correspondência particular da percepção do

ritmo no corpo, a partir da relação pessoal com as variações de ve locidade, de

distância, de nível, de direção, de duração. Os études aqui elencados

pretendem atentar para o que é latente no cotidiano dos atores, e é por isso

que acredito que diferenças de possibilidades rítmicas são sempre possíveis.

Eles surgiram a partir do improviso com os elementos e exercícios. Em quase

todos os études utilizamos partituras. Segundo Patrice Pavis, no seu Dicionário

de Teatro (2005), o primeiro diretor a utilizar tal noção de partitura foi

Stanislávski, que a utilizava em seus estudos sobre a linha geral das ações

físicas: a ação do ator destinada à construção da personagem e da linha

dramatúrgica deveria ser fixada e repetida numa partitura, conseguindo-se com

tal procedimento a verossimilhança da ação física em termos de organicidade e

sequência lógica. A repetição era solicitada por mim com uma abertura à

variação e à transformação, dando espaço ao fluxo. Esse fluxo, esse fluido

rítmico é redescoberto a cada instante por ser efêmero, bem como a

imaginação. De acordo com Franco Ruffini, “uma imaginação precisa não é

uma imaginação fixada de uma vez por todas, ao contrário, é a imagem

sensível às condições que a definiram e variável na variação da condição” 38

(RUFFINI, 2003, p. 44, tradução nossa). Para Djefri, em 19 de dezembro de

37

Devemos dispor de uma linha ininterrupta de visões internas em relação com as circunstâncias, de forma que essas sejam ilustradas por nós. Debemos disponer de uma línea

ininterrumpida de visiones internas en relación con esas circunstancias, de manera que éstas queden ilustradas por nosotros (STANISLÁVSKI 1980, p. 110). 38

Precisa non è l’immagine fissata una volta per tutte; al contrario, è l’immagine sensibile alle

condizioni che la definiscono, e dunque variabile al variare delle condizione.

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2011, “a pesquisa tinha uma forte relação com a repetição, pois usávamos

vários exercícios rítmicos e études rítmicos sobre uma mesma partitura e isso

fazia com que transformássemos as partituras pela repetição”.

Na elaboração das partituras, eu pedia que eles fizessem o que mais

gostavam de fazer, o que mais fazia sentido para eles. Mesmo que a partitura

fosse individual o colega podia servir de estímulo para mudar. Sempre estava

inserido o reagir, independente de estarem fazendo uma partitura individual.

Pedia que percebessem os movimentos que gostavam de fazer ou que lhes

causava algo, então eles repetiam o que quisessem; às vezes eu dava uma

hora para que pesquisassem ou propunha que elaborassem partituras em um

minuto ou em dois minutos, depois de já haverem pesquisado e jogado com os

elementos rítmicos. Isso também colocava a interferência do tempo na ação

física de cada um deles. É importante ressaltar que em todos os études há o

improviso e jogo com os elementos rítmicos e sempre que eu os cito, estou me

referindo a todos eles. Primeiro inseríamos um a um - independente de qual

seria o inicial, pois não há uma ordem no uso desses elementos – e logo todos

os elementos estavam envolvidos. Começávamos, por vezes, em círculo – os

atores corriam tentando manter a mesma distância entre um e outro, mudavam

a direção ao meu sinal ou juntos por conta do jogo. Pedia que diminuíssem a

velocidade juntos até pararem e que depois acelerassem a velocidade também

juntos. Percebo que eles mantinham um grande estado de concentração.

Iniciávamos o treino das novas velocidades e eu solicitava que atentassem

para as sensações. Ao manter o elemento rítmico “velocidade”, inseríamos

outros. Começavam a variar níveis e direções. Os atores seguiam variando

expansão e recolhimento e tensão e relaxamento. Pedia que atentassem para

a duração que ficavam em cada elemento e inseria a distância. Ao inserir a

distância, eles passavam a perceber mais o colega no espaço/tempo e então

pedia para que eles jogassem com os objetos de atenção visíveis e invisíveis.

Em certos momentos, paravam onde e como estivessem para perceber

o estado do corpo, as sensações, como era estar naquela sala, como cada um

dos elementos os afetava naquele momento. Assumiam a imagem que vinha,

sempre em processo, sempre em transformação, deixando o fluxo de variação

os levar. Cada variação mudava o estado do corpo e causava sensação, esse

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estado era revelado pelo próprio corpo. Buscavam necessidade de variação –

de pequenas variações.

Cada ator elaborava uma nova partitura a cada encontro e a usava para

pelo menos três dos études (de palavra, de diferentes combinações e de

oposto e circunstância), então, somados à partitura inicial, fazíamos com que

uma mesma partitura tivesse, pelo menos, quatro possibilidades.

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3 ÉTUDE 1: DIFERENTES COMBINAÇÕES

Esse étude foi formalizado durante o ano de 2011, mas surgiu em

algumas experimentações que fiz no meu monólogo, O Mar do Tempo Perdido,

no ano de 2008, em que buscava novas possibilidades de combinar as

partituras que eu já tinha, invertendo o final da partitura para o começo e o

início para a metade. Comecei a trazer essa ideia para eles nas práticas do

mês de julho de 2011.

No étude “Diferentes Combinações,” definem-se algumas ações pela

exploração do espaço-tempo, elas são organizadas em uma partitura com

início, meio e final definidos. Os movimentos são contados um a um de acordo

com a opção de cada ator, ou seja, o ator é que decide se uma partitura tem 5

ou 10 movimentos e onde começa e termina cada um desses movimentos.

Como se fosse um quebra-cabeça, as ações são combinadas de diferentes

formas. As diferentes combinações surgem então para que o ator perceba,

pelas diferentes sequências, novas possibilidades de significado. A relação

entre nova combinação e novo significado é dada pelo ritmo.

Dúvidas surgiram nesse étude quanto à contagem dos movimentos, pois

cada um tinha uma contagem diferente e eu não queria decidir por eles qual

deveria ser a contagem. A contagem é própria. Alguns atores gostavam de

contar cada micro movimento, mas em geral pensavam em movimentos

maiores. Para Cândice “A mesma partitura pode dar diferentes possibilidades

quando se pensa nesse étude”. Antônio percebeu que se ele ficasse num

número de cinco movimentos, não os esquecia quando fosse trabalhar esse

étude, pois ele tinha a tendência a selecionar dez movimentos e isso lhe dava

uma confusão maior do que quando estipulava apenas cinco.

Esse étude me deu muito trabalho no sentido de reorganizar meus pensamentos sobre a partitura, porém, pelo fato de ter que numerar e reorganizar a partitura me exigia conhecê-la muito bem, repetindo-a

até “encontrar a numeração” dos movimentos. Este trabalho trazia-me imagens e sensações diferentes apenas por mudar a ordem da numeração definida por mim.

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Esse étude propõe uma montagem de diferentes sequências, uma

recombinação. Para os atores era claro que cada nova combinação modificava

a circunstância criada pela ação que surgia. Algumas alterações podiam ser

necessárias nos elementos rítmicos (como na velocidade, por exemplo), isso

era assimilado e modificado conforme a necessidade, mas em geral, buscava-

se o movimento exatamente como ele era na primeira partitura, eram os

mesmos movimentos em outras sequências.

O fluxo é contínuo e desencadeia a sensação de fluir do movimento, há

mudança, podendo ser atenuada a sensação da continuidade do fluir, ela pode

ser controlada, mas ainda é contínua. Sobre isso escreveu Rengel: “a fluência

pode ter um fluxo controlado, isto é, mesmo que mais contida não deixa de ser

fluência [...] O que fazemos é manifestá-la de forma mais ou menos livre e/ou

contida. Sempre há fluência” (RENGEL, 2006, p. 45-46).

A fluência é aqui intimamente ligada ao ritmo e ambos possuem

diferentes maneiras de serem manifestados. Sobre as possibilidades do ritmo,

Stanislávski, em seus estudos, entendeu que lhe era possível perceber e

apontar os diferentes ritmos em cada uma de suas ações e na de seus

colegas. Para ele seria como se tivéssemos metrônomos próprios ocultos

dentro de nós.

As ações formam-se de movimentos, componentes maiores ou menores de diferentes medidas e durações, e a linguagem forma -se de letras, sílabas, palavras, curtas ou compridas, acentuadas ou sem

acentuação. São elas que marcam o ritmo. Realizamos nossos atos e pronunciamos as palavras do papel a partir da contagem mental de nosso próprio “metrônomo”, como se o levássemos oculto dentro de

nós. Que as sílabas acentuadas que diferenciamos e os movimentos vão criando consciente ou inconscientemente, a linha ininterrupta dos momentos de coincidência com a conta interior

39 (STANISLÁVSKI,

1983, p. 148, tradução nossa).

39

Las acciones se forman de movimientos, componentes mayores o menores de diferentes medidas y duraciones, y el lenguaje se forma de letras, sílabas, palabras, cortas o largas,

acentuadas o sin acentuar. Ellas son las que marcan el ritmo. Realizamos nuestros actos y pronunciamos las palabras del papel bajo la cuenta mental de nuestro propio “metrónomo”, como si lo lleváramos oculto dentro de nosotros. Que las sílabas acentuadas que hemos

diferenciado, y los movimientos, vayan creando consciente ou inconscientemente la línea ininterrumpida de los momentos de coincidencia con la cuenta interior.

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Portanto, ele coloca a percepção rítmica como possibilidade de

percepção da linha contínua da ação do ator e de pensamento vinculado ao

corpo. Quando um ator está em cena, é possível perceber, em cada ação que

ele faz, em cada frase e até no silêncio, que há um ritmo presente. E a

consciência para com ele permite que o ator experimente diferentes ritmos em

uma mesma ação, não só entre diferentes atores, mas também, em um só ator,

descobrindo “dentro de nós mesmos, e ao mesmo tempo, um tempo ritmo

interno e um externo diferentes” (ICHINCA, 1991, p. 259-260).

Para o nosso trabalho, consideramos que o ritmo era dado a partir de

uma percepção sensorial do corpo, e era manifestado pelas ações físicas, por

isso, era sensível ao olhar do outro. Para Stanislávski, o ritmo é vinculado às

imagens e é nesse ponto que se encontra a chave para a questão de imagens

e imaginação em consonância com o ritmo, uma vez que o ritmo é percebido

pelas sensações das ações, pela correspondência entre imaginação e variação

rítmica.

[...] o tempo-ritmo não pode ser relembrado e sentido sem ter criado as imagens correspondentes, sem representarem-se mentalmente as

circunstâncias dadas e sem ter a sensação dos objetivos e ações. Encontram-se tão relacionados entre si, que um origina o outro, ou seja, que as circunstâncias dadas evocam o tempo-ritmo, e esse faz

pensar nas circunstâncias correspondentes. [...] Necessitamos o tempo-ritmo não só em si e para si, mas também em relação com as circunstâncias dadas, que criam o estado de ânimo, em relação com

sua própria essência interior40

(STANISLASKI, 1983, p. 146).

Ou seja, o tempo-ritmo, não é mera reprodução nos ossos e músculos

do ator de uma ocupação no espaço e no tempo, é ligado à atenção dos

atores, por isso é adaptável e perceptivo. Apesar de Stanislávski relacionar

essas circunstâncias dadas muitas vezes em consonância com um texto e aqui

não nos utilizarmos de um trabalho com o texto nesse sentido, creio que seja

40

[...] el tempo-ritmo no se puede recordar ni sentir sin haber creado las imágenes correspondientes, sin representarse mentalmente las circunstancias dadas y sin tener la sensación de los objetivos y acciones. Se encuentran tan relacionadas entre sí, que lo uno

origina lo outro, o sea, que las circunstancias dadas evocan el tempo-ritmo, y éste hace pensar en las circunstancias correspondientes. [...] Necesitamos el tempo-ritmo no a solas, em sí y para sí, sino em relacíon com las circunstancias dadas, que crean el estado de ánimo, em

relación com su propia esencia interior.

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válido ressaltar a importância das circunstâncias criadas na minha prática com

os atores. As circunstâncias não eram dadas por um texto literário, mas

surgiam no tempo e no espaço pelo jogo dos atores entre si e com os

elementos rítmicos. As circunstâncias criadas eram dadas nos próprios études

e vinculavam-se ao ritmo. O ritmo influenciava a elaboração de circunstâncias

que, por sua vez, influenciavam o ritmo.

As demonstrações e as concepções de Meyerhold41 sobre o ritmo e a

musicalidade foram um grande passo para compreender o trabalho do ator

para além de um reprodutor do texto. Piccon Vallin escreve que, para ele, “o

trabalho do corpo é capaz de dar ao ator seu próprio texto, constituído de

olhares, pausas, movimentos cênicos, gestos e procedimentos que lhe

permitam dar de seu corpo perspectivas visuais diferentes” (PICON-VALIN,

2006, p. 28). O foco de Meyerhold era a elaboração de esquemas rítmicos

harmônicos e determinados, que partissem do diretor. Sobre isso, Juan Antonio

Hormigon, no prefácio de Meyerhold e o trabalho teatral, escreve que,

Meyerhold, em muitas passagens de seus escritos, fala da partitura da encenação na qual se harmonizam, com seus ritmos concretos, os

elementos que configuram o espetáculo. Os atores se convertem, desse modo, em intérpretes da partitura, servindo-se da palavra, do gesto e do jogo para sua execução. A esse esquema harmônico

induzido pelo diretor, são acrescidas as demais séries de signos cênicos espaço-visuais e sonoros, em um esquema rítmico determinado. Os diferentes elementos ou grupos de signos se

combinam segundo leis musicais42

(HORMIGON, 1971, p. 389-390, tradução nossa).

Meyerhold, dessa forma, esperava uma atuação que fosse elaborada

pelos princípios da música, mesmo que fosse apresentada ao público sem ela,

41

Vsevolod Emilievic Meyerhold, diretor russo, nascido em 1874, foi ator de Stanislávski até

abandonar o Teatro de Arte de Moscou, em 1902. É o criador da biomecânica e desenvolveu muitos exercícios metodológicos para o ator, focando também na encenação teatral. 42

Meyerhold, em muchos passajes de sus escritos, hable de la partitura de la puesta em

escena em la cual se armonizan, com sus ritmos concretos, los elementos que configuran el espectáculo. Los actores se convierten de este modo em intérpretes de la partitura, sirviéndose

de la palavra, el gesto y el juego para su ejecución. A este esquema armónico inducido por el realizador, éste añade las demás series de signos escénicos: espacio-visuales y sonoros, em un esquema rítmico determinado. Los diferentes elementos o grupos sígnicos se combinan

según leyes musicales.

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como se estivesse rigorosamente presente nos corpos. No trabalho prático

realizado nesta pesquisa, a música tocada é essencial, mas como gerador de

imagens, de universos de atuação, e não apenas por reprodução de linhas

melódicas pelos movimentos, numa coordenação perfeita, apesar de termos

experimentado isso em alguns encontros.

Atentar-se para as possibilidades de sustentação, suspensão, silêncio e

pausas na ação é imprescindível para compreender as possibilidades rítmicas,

uma vez que a ação do ator também é formada de energias não manifestadas

exteriormente, tanto na fala, quanto na imobilidade exterior do ator, pois

mesmo o corpo imóvel, age.

O ritmo é aqui colocado como a escuta de si mesmo no tempo e no

espaço. Cada movimento no espaço – lembrando que, mesmo parados,

estamos em movimento – desenvolve-se no tempo. Como retrata Marta

Ichinca, “cada movimento vive no espaço e no tempo; não é um mesmo

movimento repetido: a cada vez, nasce uma nova energia” (ICHINCA, 1991, p.

108).

E esse movimento no espaço e no tempo ocorre também quando o ator

não está se movimentando exteriormente, quando ele percebe sua ação e seu

ritmo interno. É natural que os atores queiram produzir, “agir”, serem eficientes

– o problema é que o medo de não serem eficientes pode desconectar a

atenção do “agir”, que passa a ser uma informação como as tantas que nos

saltam aos olhos cotidianamente nos meios de comunicação, impossibilitando

a experiência, Tentamos, desde o começo do processo, através da própria

prática e de conversas abertas, modificar essa percepção. Muitas vezes, eu

pedia aos atores que só fizessem algo se fosse resposta a algo que os

afetasse. E os tranquilizava de que isso poderia levar muito tempo, que não

tivessem a obrigação de agir, de mostrar coisas, mas de escutar a si mesmos e

aos colegas. É importante ressaltar que eu não tenho como saber se os atores

foram ou não afetados, as afecções não podiam ser medidas, mas puderam

gerar mudanças significativas para cada ator, as quais eu – como espectadora

e participante do processo de variação – reconhecia. Inspirada pela escrita de

Bogart, pedia a eles que apenas recebessem e reagissem.

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Lembre-os de escutar e deixar tudo o que eles fazem ir até eles ao invés de forçar isso. Algumas vezes isso significa que um grupo pode

somente ficar parado por muitos segundos ou até um minuto, antes que o movimento ocorra. Tudo bem. O objeto deste exercício é mais praticar a escuta do que criar eventos no palco

43 (BOGART, 2005, p.

69, tradução nossa).

No nosso trabalho, demos espaço cada vez maior às percepções, ao

jogo dos atores e ao improviso, nos quais a regra mantida foi: escutar, abrir-se

às afecções. A questão que se coloca aqui e que conversávamos nos nossos

encontros era: como se permitir ser tocado? Enquanto eu toco o outro, percebo

realmente que o outro também me toca? Permito-me ser tocado? Cada ator

buscava responder a esses questionamentos pela prática, no trabalho sobre si

mesmo em relação ao outro. Para isso, os eventos não eram meramente

coisas que estavam lá e que aconteciam, mas eram, em sua maioria,

percebidos. A luz que chegava à sala, as sombras que o corpo fazia no chão, a

textura da parede, o olhar do colega, o movimento que ele fazia e como isso

chegava a cada um, as músicas, o som da voz e do suspiro. Dessa forma, os

ritmos eram mais percebidos, atentava-se para eles de forma sutil e natural,

não obrigatória, mas sempre sugestionada. E então podíamos jogar com esses

ritmos, testar possibilidades sem a necessidade de resultado, pois era o

processo que nos dava as noções de ritmo. Mais sensíveis do que os tocava,

por escutarem com o corpo todo, os atores conseguiam apreender o ritmo.

Unindo-se as partituras criadas pelos atores, utilizando-se dos mesmos

princípios rítmicos de construção da ação, pode-se perceber o ritmo geral de

um espetáculo, ou seja, o tecido criado no espaço e tempo que é provedor de

sentidos da poética cênica. O ritmo pode vir a ser o elo entre a pulsação do

espetáculo e a pulsação do espectador. Dessa forma, podemos concluir que o

ritmo pode também ser critério de organização de espetáculo e de comunhão

entre o espetáculo e o espectador. O ritmo materializa a duração de uma ação

por meio de uma linha de tensões variadas. Ele cria uma esfera, uma

43

Remind them to listen and let everything they do come to them, rather than forcing it. Sometimes this means a group might just stand still for several seconds, or even a minute, before movement occurs. This is okay. The object of this exercise is to practice listening rather

than to create events onstage.

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expectativa. Os espectadores, sensorialmente, experimentam uma espécie de

pulsação, uma projeção de algo que eles nem sempre percebem, que também

é escuta e experiência.

Fotografia 10 - Gelton recombinando sua partitura em uma nova sequência.

Fonte: Alessandra Dörr

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Fotografias 11-16: Gabriele recombinando sua partitura em uma nova sequência.

11 12

13 14

15 16

Fonte: Alessandra Dörr

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Fotografia 17 – Antônio, Cândice, Djefri e Gelton recombinando suas partituras individuais

em uma nova sequência.

Fonte: Alessandra Dörr

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4 ÉTUDE 2: REDESCOBRIR DO ESPAÇO

Esse étude surgiu em um ensaio com a improvisação dos elementos

rítmicos, no dia 5 de junho. Desde o surgimento, a orientação sempre foi:

façam o que quiserem no espaço e com os objetos que estão nele, recriem

esse espaço. Fizemos pela primeira vez esse étude no mês de maio, na sala

da Filosofia – a sala que possuía um grande número de mesas e cadeiras.

Orientei que olhassem atentamente para o espaço e tudo o que estava nele,

objetos, colegas, cortinas, paredes. Pedi que fechassem os olhos e fiz

perguntas sobre o que haviam observado, como “qual é a cor da parede?”,

“quantos ventiladores e ar condicionados há na sala?”, “que roupa o Gelton

está vestindo?”, “qual a cor da calça da Gabriele?”. Depois de um tempo, eles

abriram os olhos e conferiram se suas respostas estavam de acordo com o que

a memória do espaço tinha lhes afirmado. Em todos os encontros em que

realizamos esse étude a partir desse dia, eu lhes disse para caminharem pelo

espaço e iniciamos o jogo com todos os elementos rítmicos (Velocidades,

Duração, Níveis, Direções possíveis, Tensão e relaxamento, Expansão e

recolhimento, Distâncias, Tamanhos, Relação com o objeto de atenção visível

e Relação com objeto de atenção invisível) até que lhes dava a orientação já

citada: “façam o que quiserem com o espaço e os objetos que estão nele,

recriem esse espaço”.

Eles começavam a jogar com as cadeiras ou com outros objetos do

espaço, num jogo mais individual no início. Começavam a reagir uns aos outros

e com os objetos. Eu falava muito pouco nesse étude, não disse para que

atentassem para isso ou aquilo, mas para tudo o que quisessem, sem se

preocuparem em serem “limpos”. Ao contrário disso, eu disse: “façam bagunça

se quiserem, nenhuma mãe vai xingar”. Eles jogaram segundo seus impulsos e

desejos, reagindo aos outros e ao ambiente por duas horas.

Nos ensaios na sala citada, a da filosofia, eles traziam as cadeiras ao

centro, formando um enorme “castelo”. Empilhavam até três classes com uma

cadeira em cima e subiam nela, alcançando o teto e o ventilador. Eles riscaram

meu caderno de anotações e meu braço, caminharam nas janelas, fizeram

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bonecos de neve com as cadeiras, colocando suas roupas nelas como se

vestissem uma pessoa, mexeram nas músicas que estavam sendo tocadas. Às

vezes, alguns resolviam que só caminhariam passando de uma classe a outra,

como se fosse uma ponte que iam construindo ao passarem, fizeram desenhos

no quadro. Relacionaram-se com o espaço com curiosidade e empolgação

visível e na nossa conversa ao final do encontro diziam (todos os cinco) que

aquilo era uma das coisas que “sempre sonhamos fazer, mas nunca nos

deixaram”.

Fotografia 18 – Primeiro encontro em que foi testado o étude “Redescobrir do Espaço”.

Fonte: Alessandra Dörr.

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Fotografia 19 – Antônio, Gabriele e Djefri improvisando com o ventilador de teto.

Fonte: Alessandra Dörr.

Focávamos no elemento rítmico “objeto de atenção visível”: as lâmpadas

da sala, as cadeiras, as mesas, as cortinas. Pedia que os atores

redescobrissem esse espaço, recriassem-no, jogassem com ele, podendo fazer

tudo o que quisessem. Jogavam com as marcas do chão, com as madeiras do

piso. Pedia que aproveitassem as sensações, que sentissem o quente e o frio e

a luz. As mochilas, roupas, lixeiras, quadro negro, lâmpadas, tudo poderia ser

reinventado. Deixavam que a imaginação os levasse e podiam fazer o que

quisessem, podendo ser o que quisessem. Aqui também exploravam a voz, o

jogo com a música e os mesmos fatores que existiam no étude “Para além do

ver”, mas agora com os olhos abertos.

Às vezes, selecionavam algumas ações e iam explorando-as das mais

variadas formas nesse redescobrir do espaço, esses movimentos podiam ser

organizados em partituras para que fossem trabalhados em outros études –

como o “oposto e circunstância”, o “das palavras” ou o “diferentes

combinações”. Pedia que não se preocupassem em ser interessantes, mas em

aproveitar esse momento para fazerem o que quisessem a partir do que as

circunstâncias do espaço e do tempo lhes permitisse. Esse querer vinha da

relação com o outro, da escuta aberta e atenta ao que os cercava e que lhes

desencadeava opções, quereres.

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Esse étude foi repetido em muitos encontros da pesquisa e sempre

trouxe um aumento de percepção do espaço e do tempo. Aqui se relacionavam

ritmo, imaginação e ação física pelo uso de objetos e elementos que podiam

ganhar inúmeros significados e construções no espaço e no tempo. Novos

níveis de consciência eram experimentados pelo uso de diferentes ações com

um mesmo objeto, com um mesmo espaço, que se tornavam muitos. A

pluralidade de aspectos que são dados a um objeto e ao espaço passa pelo

corpo do ator, ou melhor, são construídos pelo corpo do ator. A imaginação

recria possibilidades e dá sentido a todo e qualquer elemento rítmico em

consonância com os elementos existentes no espaço (atores, objetos).

Nesta pesquisa, parto de alguns princípios de Bergson; a escolha desse

filósofo – ainda que ciente da complexidade de seus enunciados – deve-se aos

seus discursos acerca do tempo e da sua visão da duração e instantaneidade.

Pois, para ele o tempo da vida é a duração do presente, que "consiste na

consciência que tenho de meu corpo" (BERGSON, 1999, p. 161-162). O

espaço é a extensão. "A verdade é que o espaço não está mais fora de nós do

que em nós, e que ele não pertence a um grupo privilegiado de sensações.

Todas as sensações participam da extensão” (BERGSON, 1999, p. 254).

Segundo Jorge Luiz Veschi, em seu artigo O Tempo na Vivência

Anímica (2008), os gregos viam o tempo de três maneiras diferentes, para eles,

havia Chronos, o Deus criador do universo, que representa um tempo que se

repete – como a retomada das estações, mas que estabelece pequenas

modificações, dando a ideia de que o tempo é inexorável. É um tempo que

pode ser medido. Kairos é outra maneira de ver o tempo, é a experiência do

momento oportuno, é o tempo existencial, sua fluidez é apreendida pela

experiência, por ser relativo à maneira como cada pessoa se entrega a

determinados acontecimentos. E Aion, o instante que altera uma existência.

Percebe-se como um tempo dilatado de um acontecimento que muda a vida de

alguém. No trabalho prático, buscamos nos relacionar com essas três visões

de tempo: Chronos está no nosso trabalho medido pelas três horas de ensaio e

pelo marcar dos passos em segundos no elemento rítmico, velocidade. Kairos

era a busca incessante: o tempo experienciado. Aion é o mais pessoal e por

isso não cabe aqui descrever se houve ou não na experiência de cada um dos

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atores. Para mim, na experiência com o grupo, Aion resumiria bons momentos

que passei com o grupo e que viso resgatar através da escrita desta

dissertação. Não dividimos o tempo necessariamente dessa forma no cotidiano

do trabalho prático, apesar de ser possível traçar essas relações.

Em acordo com o russo Andrei Tarkovski, no livro que é ao mesmo

tempo uma autobiografia e um estudo sobre a arte de fazer cinema – “Esculpir

o Tempo”, “o tempo por nós vivido fixa-se em nossa alma como uma

experiência situada no interior do tempo” (TARKOVSKI, 2002, p. 66). Ele cita

diferentes percepções temporais endógenas como “regato, torrente, rio,

catarata e oceano”, dando a ideia de movimento e ritmo (TARKOVSKI, 2002, p.

144).

No nosso trabalho, o tempo se vinculava mais perceptivamente ao

movimento e à palavra dos atores. Para além de lento/retardado e

rápido/acelerado, ele tinha a capacidade de transformação pela

criação/recriação, era potência pelo trato do instante. O instante era para os

atores o “agora”, o momento da experiência. A instantaneidade era dada no

espaço. Para Bergson, a instantaneidade implicaria em “uma continuidade de

tempo real, ou seja, de duração, e um tempo espacializado, ou seja, uma linha

que, descrita por um movimento, tornou-se por isso simbólica do tempo: esse

tempo espacializado, que comporta pontos, ricocheteia no tempo real e faz

surgir dele o instante” (BERGSON, 2006, p. 62). A ideia é de transformação, de

coisas que duram em constante processo de mudança de estados.

H. Bergson (1934/1962) tem como importante contribuição apontar a existência de uma atenção à duração, que é como uma atenção suplementar, que não se confunde com aquela voltada para a vida

prática e para os imperativos da ação. A atenção à vida prática está envolvida nas atividades ordinárias da vida cotidiana, sendo, portanto utilitária. Já a atenção suplementar caracteriza um mergulho na

duração, sendo evidenciada, sobretudo, na arte e na filosofia (KASTRUP, 2004, p. 7).

A duração é a percepção do tempo que vivemos, a busca pelo instante.

Quando conscientes da duração de nossas ações, estamos atentos à

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experiência. Pois, “tanto nossa duração como uma certa participação sentida,

vivida, de nosso ambiente material nessa duração interior são fatos da

experiência” (BERGSON, 2006, p. 53).

O tempo era apreendido pelo movimento – no desenvolvimento da ação

dos atores da pesquisa, e era percebido visualmente e sensorialmente, tanto

para quem apenas assistia essas ações como para quem agia, elas (as ações)

ocupavam um espaço e um tempo. O tempo era apreendido porque

espacializado.

A visão ocidental do espaço permaneceu a mesma por muitos anos,

desde que Euclides escreveu Os Elementos, cerca de 300 a.C. A chamada

geometria euclidiana apresentava uma visão única do espaço e é definida de

forma fixa, com medições de áreas, distâncias e ângulos. O russo Nikolai

Ivanovich Lobachevskii (1792-1856) publicou trabalhos em que enfocava a

percepção de novas geometrias que não se encaixavam nas geometrias

euclidianas, foi o estopim para que novas ideias surgissem e o espaço tem sido

desdobrado em múltiplas dimensões, essas são as chamadas geometrias não

euclidianas.

Após vários séculos de reinado absoluto da visão de um alguém que habita alguma coisa separada dele entre um corpo e um espaço vazio, destacado dele, e por sua vez, ocupado pelo corpo, esta

perspectiva passou a ser intensamente discutida e ampliada. A descoberta, em 1820, de novas geometrias que não mais utilizavam a perspectiva euclidiana como modelo único de representação do

espaço tornou as relações entre corpo e espaço mais complexas e foi fator determinante para o surgimento de novas questões matemáticas e filosóficas. Vários campos de saber oferecem visões singulares

sobre essas relações, visão que operam conexões entre imaginação, sensação, pensamento e escrituras diversas e que encontram novos sentidos e formulam novos conceitos para o corpo (MIRANDA, 2008,

p. 11).

Miranda afirma que Laban deu preferência, em suas representações

gráficas espaciais, aos modelos geométricos euclidianos:

É interessante notar que, entre inúmeras afinidades, analistas Laban de Movimento e topólogos observam componentes, conexões e graus

de complexidades dos campos de estudo, percebendo-os em suas

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dinâmicas e processos de transformação. Interrogações sobre a

extensão mínima e máxima de um objeto, sem que ele desapareça, relembram questões labanianas em relação ao Fator Fluxo – quando se indaga sobre quais as possíveis gradações entre contido e livre

até a implosão ou dissipação aparente do movimento. Enquanto topólogos se perguntam sobre as fronteiras e os limites de um objeto, analistas Laban se indagam sobre a flexibilidade das fronteiras entre

a k inesfera individual de movimento e o “espaço global”, aquele que pertencia ao para além do ser movente (Miranda, 2008, p. 56).

Em Domínio do Movimento, Laban fala de uma esfera pessoal de

movimento, a cinesfera/kinesfera que é definida pelo espaço que o corpo

ocupa em sua extensão máxima de braços e pernas, é o uso do espaço por

cada ator. No nosso trabalho prático não utilizamos a noção de cinesfera,

embora estivéssemos o tempo todo envolvidos nela em nossa prática, mas

acredito ser importante citá-la para compreender a visão de Laban acerca do

espaço. Para Laban, o espaço tem a tarefa de comunicar, pela relação entre os

atores, é o espaço que informa o “onde” do movimento e reflete em atenção.

Segundo Jean Newlove, no livro Laban for Actors and Dancers (2009),

a velocidade com que um movimento viaja espacialmente é um

contínuo desde muito rápido ou muito devagar. Precisamos lembrar q ue, enquanto a velocidade de movimento de objetos inanimados é constante e calculável, os movimentos humanos diários não são. Não

somos mecânicos. A velocidade com que passamos a realizar um propósito tenderá a acelerar e desacelerar dependendo das circunstâncias, contribuindo para um mais livre e irregular ritmo

orientado pelo nosso sentido cinestésico. As qualidades dinâmicas resultantes levam-nos para o nosso cont ínuo de rapidez ou lentidão

44

(NEWLOVE, 2009, p. 58-59, tradução nossa).

No espaço, trabalhávamos a articulação do nosso olhar, nossas

percepções do tempo. Qualquer estrutura explorada era transformada pela

própria exploração, o que tornava as relações muito mais instáveis e o espaço

permanentemente incorporado, mesmo que esta materialização escapasse à

44

The speed with which a movement travels spatially is on a continuum from very fast to very slow. We need to remember that whereas the speed of motion of inanimate objects is constant

and calculable, everyday human movements are neither. We are not mechanical. The speed with which we move to accomplish a purpose will tend to accelerate and decelerate depending on circumstance, making for a freer, irregular rhythm guided by our kinesthetic sense. The

resulting dynamic qualities lead us to our continuum of suddenness and sustained.

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nossa percepção imediata. Transformações não cessavam de acontecer no

espaço e essas transformações o reconfiguravam. O espaço, percebido e

transformado pelo corpo, modificava-se constantemente.

Nossa memória, consciência e atenção estão estritamente vinculadas ao

tempo. Essa relação se dá de forma pessoal/particular em cada indivíduo e é

diferente em cada cultura. Para Veschi,

a vivência do tempo não é unívoca nas diversidades culturais, nem na diversidade de registros dentro de uma subjetividade. Dalai Lama

chegou a afirmar o fato do ocidente jamais conseguir compreender a experiência do oriente devido à diferença quanto a experiência com o tempo (VESCHI, 2008, p. 153).

Uma sala de encontro/ensaio/laboratório adquire uma nova

singularidade no espaço pela ação, pelos corpos sendo afetados uns pelos

outros, afetando esse espaço, em uma relação contínua, escoando num sem

fim de possibilidades. Para Bergson, a vida é feita de um escoamento sem fim

de incidentes que contrastam entre si, que modificam os estados de cada

pessoa, mas esses estados não se findam, necessariamente, eles podem

continuar uns nos outros. Ao aproximar a noção de “escoamento sem fim” de

Bergson (2006, p. 3) ao nosso trabalho, comparamo-la, numa licença poética, à

linha contínua de ação referenciada em Stanislávski que, apesar de rupturas,

estanques e desconexões, apresenta uma fluidez que se relaciona com o

dentro e fora, ou seja, corpo e espaço. Isso pode se dar pelo fluir dos

acontecimentos, da ação dos atores nesse tempo, através de repentinas

mudanças que desestruturavam uma ordem linear e passível de ser definida. A

linha de ação era apreendida na experiência. A partir da mudança dos ritmos,

ou seja, da variação de espaço-tempo, as ações podiam criar uma linha de

ação física ininterrupta, que investigava e experimentava – a ação ininterrupta -

possibilidades de lógicas pelo movimento.

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Fotografia 20 – Ensaio na Praça Saldanha Marinho, no centro de Santa Maria (RS).

Fonte: Débora Dalla Pozza

Experimentamos diferentes espaços, como ensaios na rua, com pessoas

passando e assistindo. No início, havia um estranhamento por partes dos

atores, mas eles logo se habituavam à presença de outras pessoas, como

quando Adriana Dal Forno e outros amigos foram assistir aos encontros para

filmarem ou comentarem sobre o trabalho. Os encontros eram filmados por

mim, exceto alguns em que eu pedia colaboração para amigos por não

conseguir, ao mesmo tempo, filmar e tirar fotos para registro, trocar músicas no

aparelho de som e dar as indicações necessárias para o encontro. Em geral,

eu fazia isso sozinha e acabava sendo interessante para meu trabalho

desdobrar-me em duas ou três. Os primeiros ensaios com filmagem geraram

um leve constrangimento, mas, aos poucos, a câmera passou a fazer parte do

processo.

A mudança dos estados era incessante e, por vezes, não percebida,

pois era mais fácil torná-la consciente quando desencadeava um movimento.

Essa mudança já ocorria no corpo, mas é quando ganha movimento e espaço

que se torna mais compreensível ao próprio corpo. O que pude perceber a

partir de todos os études, é que, pelo fato do corpo estar ininterruptamente

alterando de estado, percebia-se uma espécie de linha contínua de ação, pois

uma ação levava à outra pela relação do ator com o espaço/tempo. Nesse

étude, a mudança de estados e de espaço e de tempo era muito perceptível, os

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atores percebiam novas possibilidades no espaço, não tinham tempo

estipulado para realizar o étude, criavam níveis novos com os objetos e com o

corpo, porque colocavam as cadeiras e mesas empilhadas e desconstruíam o

espaço da sua organização habitual.

Fotografia 21 – Gelton, Djefri e Cândice no étude “Redescobrir do Espaço”.

Fonte: Alessandra Dörr

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Fotografia 22 – Depois de empilharem as mesas e as cadeiras, os atores improvisaram

com novas possibilidades de níveis.

Fonte: Alessandra Dörr.

Fotografia 23 - Antônio e Gelton dividindo o mesmo espaço diminuído – uma caixa de

papelão que impedia movimentos com tamanhos maiores e com velocidades mais rápidas e maior variação de nível. Cândice com os olhos vendados. Djefri com os movimentos modificados graças ao seu corpo amarrado por roupas e tecidos. Gabriele

com sapato de salto alto em um só pé.

Fonte: Alessandra Dörr.

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Fotografia 24 – Djefri, com o corpo firmemente enrolado, arrastava-se no espaço e usava a boca para pegar os objetos.

Fonte: Alessandra Dörr.

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5 ÉTUDE 3: OPOSTO E CIRCUNSTÂNCIA

Esse étude provém de uma curiosidade minha a respeito das variações

de velocidades e experimentações feitas a partir disso no ano de 2009, durante

a criação do espetáculo de formatura, À Margem da Vida. Sempre quis

experimentar novas possibilidades nesse sentido. Depois que surgiram os

elementos rítmicos e que eles foram fixados, no mês de maio, esse foi o

primeiro étude a ser experimentado.

Para ser trabalhado esse étude, uma partitura de ações era estabelecida

pelo improviso com todos os elementos rítmicos que foram anteriormente

apresentados. Depois de fixada a partitura, os atores a executavam com a

modificação de um dos elementos rítmicos. Essa modificação era dada pelo

oposto, por exemplo: um movimento estava sendo feito em velocidade rápida,

e deveria ser feito em velocidade lenta, o movimento seguinte que era

cotidiano, deveria rápido, até que todos os movimentos tivessem suas

velocidades no oposto da primeira execução. Aqui se tomou como referência a

velocidade lenta, cotidiana e rápida. Os níveis também podiam ser modificados,

bem como as direções, a partir de indicação dada aos atores. Ao comparar as

duas partituras - a primeira e a oposta, os atores percebiam que, apenas pela

modificação de um dos elementos já se tornava possível o estabelecimento de

duas circunstâncias diferentes.

Questionava os atores: O que modificava quando se fazia o movimento

muito lento ou em outro nível? Eu ficava atenta para que eles percebessem a

modificação no corpo. Eles testavam os opostos, improvisavam com isso e

percebiam a diferença. Os atores, após realizarem esse étude e também

assistirem às partituras feitas pelos colegas, diziam que novas circunstâncias

eram criadas.

Em geral eu orientava qual elemento cada um devia variar, mas isso

também se dava pelo desejo dos atores. Focávamos em um elemento e

trabalhávamos, em geral, o oposto dele. Por exemplo: quais momentos de

velocidade rápida que podem ser mais lentos e vice-versa. Faziam tudo no

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nível alto e depois no nível baixo. Geralmente cada um ganhava um elemento

diferente e esse elemento surgia da necessidade da própria partitura, quando

algum elemento tinha menos destaque ou quando a partitura era muito

recolhida, com movimentos pequenos – então, eu pedia que fizessem os

movimentos expandidos ou o contrário. Pedia que modificassem a direção da

ação, ou que experimentassem o que aconteceria se explorassem mais tensão

ou mais relaxamento. O que a mudança causava era percebido por cada um

deles. Esse étude influenciava a variação da ação vocal, pois, como ela estava

concatenada ao movimento, ela acabava sendo variada também. Percebíamos

que, mesmo que apenas um elemento devesse ser variado, algum outro

acabava sendo variado sem intenção. Por exemplo , no ensaio de dez de

setembro, Antônio escolheu variar a direção de sua partitura e comentou que a

velocidade acabava sendo alterada por ele também, era difícil, para ele, não

variar a velocidade nessa partitura, também percebeu que ficou quase só no

nível alto.

No trabalho desenvolvido por mim junto aos cinco atores, não

pretendíamos chegar a uma perfeição que nos conviesse, mas experienciar a

nós mesmos, pela percepção de nosso corpo vinculado ao pensamento atento.

Para descrever tal relação entre corpo e pensamento, usaremos a noção de

ação física como proposta por Stanislávski 45, que nos diz que, através dela,

“sobre a base da indissolúvel relação que existe entre a vida física e a

espiritual, e de sua ação recíproca, criamos a linha do corpo humano, para que

através dela, espontaneamente possamos evocar a linha do ‘espírito humano’ ”

(STANISLÁVSKI, 1977, p. 334, tradução nossa) 46.

Segundo a pesquisadora Carnicke,

45

Segundo Adriana Dal Forno, “foi at ravés da ação física que Stanislávski fez convergir suas primeiras experiências, calcadas na abordagem direta dos sentimentos pela da análise da obra

dramática eminentemente intelectual e pela memória emocional do ator, com suas experiências posteriores, centradas na criação da linha física do papel pelo ator. O princípio da ação física resume, deste modo, a base operacional e concreta sob o qual o trabalho do ator é

encaminhado em sua pedagogia. [...]. (Esse trabalho) acontece pela psicotécnica, baseada nas leis orgânicas da ação. Essas leis ou elementos são: a atenção, a imaginação, os músculos livres, o tempo-ritmo, as circunstâncias, as situações, a relação, a avaliação (que inclui a

adaptação) e a comunicação” (DAL FORNO, 2002, p. 8). 46

Sobre la base de la indisoluble relación que existe entre la vida física y espiritual, y de su acción rec íproca, creamos la línea del “cuerpo humano”, para que a través de ella,

espontaneamente podamos evocar la l ínea del “espiritu humano” del papel.

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Ação denota o que o ator faz para solucionar o problema,

determinado pelas circunstâncias dadas da peça e da produção. Assim, a ação visa à realização de alguma coisa: convencer um oponente, escalar a escada do sucesso, vingar a morte do pai.

Expressa por um verbo de ação, a ação é tanto “mental/interior” quanto “física/exterior”; deve estar adequada em relação às circunstâncias dadas

47 (CARNICKE, 2000, p. 24, tradução nossa).

A compreensão de corpo não separado da mente não é sempre

percebida no cotidiano. Estamos acostumados a dissociar nossos movimentos

de nosso pensamento. Além de muitas vezes acreditarmos em uma separação,

essa crença passa a fazer parte de nossa forma de lidar no mundo, ou seja,

agimos, dissociando corpo e mente, razão e ação, razão e emoção. Mas nem

por isso nossa mente se afasta de nós, ela se mantém corporificada, a atenção

é que está desfocada. Nosso pensamento não está vinculado à ação que

estamos realizando, mas em outra coisa qualquer.

Para buscar soluções para o pensamento ligado ao movimento,

Stanislávski nos traz a noção de ação física e fala de uma linha ininterrupta de

ações físicas que provoca a ação interna e nos traz a vivência, pois, para ele,

as ações físicas deveriam ser justificadas pela vivência:

Se essas são autênticas, férteis e perseguem um fim, se estão justificadas interiormente por uma sincera vivência humana, entre a vida externa e interna se forma um laço inseparável. É precisamente

o que eu utilizo para meus propósitos de criação [...] Em vez do caprichoso e impalpável sentimento, recorro às ações físicas que estão ao meu alcance, busco em meus impulsos internos, extraio a

informação que necessito de minha experiência vital como ser humano, que tenho ao meu alcance

48 (STANISLÁVSKI, 1983, p.187,

tradução nossa).

47

In the System, action denotes what the actor does to solve the problem, set before the

character by the given circumstances of the play and production. Thus, action seeks to accomplish something: to persuade an opponent, to climb the ladder of success, to revenge one’s father’s death. Expressed as an active verb, action is both ‘mental’/’inner’ and

‘physical’/’outer’; it must be ‘apt’ in relationship to the circumstance. (CARNICKE, 2000: 24) 48

Si estas son auténticas, fértiles y persiguen un fin, si están justificad as interiormente por una sincera vivencia humana, entre la vida externa e interna se forma un lazo indisoluble. Es

precisamente el que utilizo para mis propósitos de creación. [...] En vez del caprichoso e impalpable sentimiento, recurro a las acciones fís icas que están a mi alcance, busco en mis impulsos internos, extraigo la información que necesito de mi experiencia vital como ser

humano, que tengo a mi alcance.

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A partir disso, percebe-se a negação de Stanislávski a sua chamada

primeira fase, a da memória emotiva sem o trabalho a partir das ações físicas

que envolvem o interior. Ele passa a focar na ação física justificada pela

vivência humana, ou seja, o movimento do corpo ligado à emoção. Em um

espetáculo ou na prática investigativa com um texto, delineia-se pelas

respostas do ator às circunstâncias dadas.

Assim, pois, a linha da análise do reconhecimento vai desde o aspecto exterior da obra, que foi transmitida pelo texto do escritor em

forma verbal e acessível a nossa consciência, até a essência espiritual. [...] Dessa maneira se conhecem (se sentem) a circunstâncias dadas pelo escritor para poder sentir (conhecer) logo,

em meio de circunstâncias animadas, a verdade das paixões ou, pelo menos, a verossimilhança das emoções, desde as circunstâncias fictícias até o sentimento autêntico, vivo de alguém

49

(STANISLÁVSKI, 1977, p. 64-65, tradução nossa).

Dessa forma, o ator age em seu nome em circunstâncias ficcionais que

criam o instante cênico pela ação. Mas o trabalho com as ações físicas não se

relaciona apenas com um texto ou um personagem, pois é agir através de

impulsos próprios: a ação é vivida em cada ator.

Na nossa pesquisa, a ação física não era fechada em si mesma, pois

era mutável de acordo com as poéticas do corpo no tempo e no espaço,

adquirindo uma linha pelo envolvimento de cada ação do ator que configura va

o instante cênico. A ação é formada de fluxo e sensação, é sempre singular e

não necessariamente representativa, uma vez que não visa à criação de

personagem a priori, pois é dada pela relação do ator com as circunstâncias,

sejam elas dadas por um texto ou criadas no jogo do ator com os elementos,

que foi a opção usada no nosso trabalho. O ator permite, dessa forma, que em

si coexistam sensações, emoções e afecções no fazer teatral, frente a um

público ou numa sala de ensaio e de pesquisa:

49

Así, pues, la l ínea del análisis del reconocimiento va desde el aspecto exterior de la obra,

que fue trasmitida por el texto del escritor en forma verbal y accesible a nuestra conciencia, hasta la esencia espiritual. [...] De esta manera se conecen (se sienten) las circunstancias dadas por el escritor para poder sentir (conocer) luego, em médio de circunstancias animadas,

la verdade de las pasiones o, por lo menos, la verosimilitud de las emociones, desde las circunstancias ajenas y ficticias hasta el sentimiento auténtico, vivo, de uno mismo.

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O principal, no trabalho sobre as particularidades da ação física, é

agir fisicamente, a partir de impulsos próprios, autenticamente, e não em nome de algum personagem e onde o pensamento intervém só na medida em que possa reforçar essa ação. Não pensar o

sentimento e a sensação, mas agir (DAL FORNO, 2002, p. 37).

Na prática com os atores, não trabalhei com circunstâncias ficcionais

dadas por um texto, nem com personagens. Os atores se dedicavam à

assimilação corporal do ritmo das circunstâncias que eram criadas no espaço e

no tempo, não utilizamos circunstâncias do texto, apenas trechos de forma livre

para o trabalho vocal, também não visamos à construção de um espetáculo

teatral. O foco foi dado no trabalho de ator, na pedagogia e na vivência. A

busca pela vivência era perseguida através do trabalho do ator sobre si mesmo

e da busca por experienciações, pelo estado desperto, atento, do ator a seu

corpo.

Stanislávski se referia a uma unidade corpo e mente, mas via

divergências na prática dos atores, para isso, buscava um processo que se

desse por meio de ações físicas. Ele escreve que “onde há vida, há também

ação; onde há ação há também movimento; onde há movimento também há

tempo, onde há tempo também há ritmo” 50 (STANISLÁVSKI, 1983, p. 147,

tradução nossa). Como salienta Carnicke, para Stanislávski,

[...] mente e corpo representam um continuum psicofísico. Ele rejeita a concepção ocidental que separa a mente do corpo, pegando a

deixa do psicólogo francês Théodule Ribot, que acreditava que a emoção nunca existe sem uma consequência física. Repetindo a afirmação de Ribot que ‘uma emoção desencarnada é uma emoção

inexistente’ (Ribot 1897: 95), Stanislávski insiste que: ‘Em cada ação física há algo psicológico, e no psicológico, algo de físico’ (Stanislavskii [sic] 1989: 258)

51 (CARNICKE, 2000, p. 16-17,

tradução nossa).

50

“Y donde hay vida hay también acción; donde hay acción hay también movimiento; donde hay movimiento también hay tempo; donde hay tempo también hay ritmo”. 51

The first, most pervasive of these is Stanislavsky’s holistic belief that mind and body represent a psychophysical continuum. He rejects the Western conception that divides mind from body, taking his cue from French psychologist Théodule Ribot, who believed that emotion

never exists without physical consequence. Echoing Ribot’s assertion that ‘a disembodied emotion is a non-existent one’ (Ribot 1897: 95), Stanislavsky insists that: ‘In every physical action there is something psychological, and in the psychological, something physical’

Stanislavskii1989: 258)

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A influência de Ribot foi significativa nas concepções de Stanislávski

para o trabalho do ator. Para Ribot, cada uma das emoções era um sistema

complexo composto por elementos que as diferem e que têm particularidades.

As emoções são “eventos organizados da vida afetiva; são as reações do

indivíduo por tudo que o toca na sua conservação ou no seu aperfeiçoamento,

o seu existir ou a seu bem-estar” (RIBOT, 1896, p. 94). Essas reações eram

dadas no corpo.

A observação interna, por mais sutil que seja não pode descrever o

fato (acontecimento) interno e notar as nuances, ela permanece em silêncio sobre as condições e a gênese da emoção, ela não se rá mais do que uma emoção sem corpo, uma abstração. Não há nenhuma

manifestação da vida psíquica, sem excluir as percepções, que depende mais estreitamente das condições biológicas que as emoções (RIBOT, 1896, p. 94).

Nesta pesquisa, considerando os preceitos de Ribot, compreendemos

emoções como reações particulares do corpo ao espaço/tempo. Notei, em

cada um dos cinco atores, uma correspondência particular da percepção do

ritmo em seu corpo, através da ação física. Um mesmo movimento, quando foi

realizado pelas duas atrizes, Cândice e Gabriele, mostrou-me que - mesmo

estruturado com um suposto mesmo desenho espaço-temporal - não era

idêntico, pois, por se tratar de humano, de homens e mulheres com tamanhos

diferentes, experiências diferentes e particularidades, era impossível que não

existissem diferenças de percepção por aqueles que executassem o

movimento e por aqueles que o assistissem.

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Figura 25 – Cândice e Gabriele fazendo a mesma partitura.

Fonte: Alessandra Dörr.

Considero o ritmo da ação, particular a cada um dos atores, pois

dependia da relação pessoal dos atores com as suas variações. A verdade da

ação e do sentido do ritmo em si mesmo não estava fora deles, superior e

absoluta. Ela era também ritmo, era circunstância. Tratava-se do ator naquele

momento, naquele espaço agindo. Como ele faz, como é para ele, como ele vai

sentir, pode ser sempre diferente.

Pela reverberação dada na variação corporal dos atores no

espaço/tempo, sensações eram provocadas e desencadeavam percepções das

afecções. Essas percepções surgiam da conexão entre o pensamento e os

estados do corpo e provocavam a ação. Variação, modificação, mutação –

necessidade de adaptar-se às situações. A ação não era fixada para sempre,

ela era redescoberta a cada ato. O ator pensava com o corpo em fluxo, sendo

que o fluxo era dado pelas sensações. Ao apreender o instante e ao

redescobrir o espaço, pela ação física, os atores descobriam a si mesmos no

aqui e no agora.

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Fotografia 26 – Atores experimentando o oposto de algum dos elementos rítmicos em suas

partituras.

Fonte: Alessandra Dörr

Fotografia 27 - Antônio, Cândice e Gelton experimentando o oposto do elemento rítmico “nível”.

Fonte: Alessandra Dörr.

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Fotografia 28 – Antônio testando diferenças de tensão e relaxamento. Cândice experimentando direções opostas, Gabriele experimentando diferentes níveis e Gelton explorando expansão e recolhimento.

Fonte: Alessandra Dörr.

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6 ÉTUDE 4: DAS PALAVRAS

Esse étude ocorria tanto na improvisação quanto no trabalho com as

partituras e começou a surgir no segundo mês de processo, sendo organizado

como étude a partir do mês de agosto. Na improvisação, lancei palavras que

incitavam imagens e situações, como por exemplo: “procurar”, “preparação”,

“ritual”, “chão pegando fogo”, “pisando em nuvens”, “borboleta”, “cimento que

está líquido e vai endurecendo”, “esgrima”, “chuva”, “vento norte”, “ondas do

mar”. Na maior parte do tempo, os atores improvisavam com os elementos com

os olhos fechados, assim disseram se sentirem mais livres e sem medo de

experimentar correspondências para as palavras-imagens, no corpo. Pedi que

atentassem para a mudança que o improviso gerava no corpo, para que

percebessem a variação dos elementos rítmicos. A improvisação se dava pela

escuta do outro, do espaço e do tempo.

Uma partitura era estabelecida, com início, meio e final definidos. Essa

partitura surgia do jogo dos atores com todos os elementos rítmicos. Ressalto

aqui que não existe um elemento a ser trabalhado primeiro do que outro, não

existe uma sequência de utilização desses elementos, eles eram utilizados em

uma sequência livre. Em cada encontro começávamos com um elemento

diferente, ou seja, na quarta-feira começávamos com o elemento “Objeto de

atenção visível e invisível” e seguíamos para o elemento “Velocidades”, mas na

quinta-feira o trabalho iniciava com “Expansão e Recolhimento” e seguíamos

com “Distâncias”. Eles reagiam uns aos outros e aos elementos e repetiam os

movimentos que quisessem, colocando os movimentos em uma sequência.

Nessa primeira partitura eles percebiam por si sós uma palavra e me diziam

qual era, por exemplo: voar. O ator tinha que executar essa partitura com o

mesmo percurso, mas a partir da indicação de diferentes palavras dadas por

mim ou por outro membro do grupo, como: onça pintada, melado. Havia

verbos, atividades, frases, circunstâncias, expressões e universos, enfim, todo

tipo de palavra, que surgia do jogo ou da minha indicação.

O que, o onde e o como eram mostrados pelos atores a partir da

palavra. No início, pensei em dois études: um de verbo de ação e outro de

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imagem. Surgiram questionamentos dos próprios atores, pois eles os achavam

semelhantes e eu já vinha tentando resolver essa questão. Então, resolvi juntá-

los em um étude só: o de palavra.

Orientava que percebessem se esse étude variava algo no ritmo e eles

atestaram que variava muito. Realizavam exatamente a mesma partitura, mas

se deixavam influenciar pela imagem que a palavra causava. Por exemplo:

“preparando o ritual”, “pescaria”, “caça”, “medo”, “armadilha”. Perguntava:

Como é a “pescaria” a partir das ações que você tem? Quais as modificações

que a palavra causa? A palavra era “tourada”, por exemplo, então, como a

palavra tourada muda a ação no tempo e no espaço de todos que estão

agindo. Como eu não preciso somente ilustrar uma tourada? Como esta

palavra pode me levar para outras coisas? Como “procurar”, em seguida da

instauração do universo de uma da tourada, muda a minha ação? Essas eram

questões que surgiam dos atores nos encontros práticos do grupo e que eu

também colocava a eles durante a utilização do estudo. Dessa forma , eles iam

permitindo-se embarcar no universo proposto pela palavra, mas esse universo

não era pré-determinado, apesar da palavra, pois ele a transgredia.

Eu solicitava aos atores que permitissem que os outros percebessem as

imagens e como era esse “procurar”. “Armadilha” é uma palavra que

direcionava para o mais óbvio, para elaborar uma armadilha ou estar sofrendo

uma armadilha. Mas isso não causava um prejuízo à ação, pois a pessoa pode

fazer disso uma necessidade no tempo e no espaço. Importante ressaltar que

quando falo em transgredir a palavra, falo que ela pode permitir muitas outras

possibilidades. Se o azul era gelado para o ator, isso refletiria no que ele fazia.

Por exemplo: “procurar” para Djefri, enquanto ele mexia com cordas de lã e

criava relação com essas cordas, podia colaborar com essa relação, ora as

cordas estavam impedindo que ele procurasse, ora a procura era dada nas

próprias cordas. Quando a palavra era “pescaria”, Djefri não pensou no ato de

pescar, de jogar o anzol, mas a ação que já existia somada à palavra, fez com

que relembrasse do marasmo e tédio que sentia quando seu pai o levava para

pescar.

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Gabriele perguntou: “a partitura pode mudar conforme a imagem?”.

Respondi que mudanças sempre acontecem, mas que a ideia é que a estrutura

fosse mais próxima da anterior possível e que a forma de fazer, aguçada pela

imaginação desencadeada pela palavra seria totalmente diferente.

Em determinado encontro da pesquisa, Gelton disse que sua partitura

lhe remetia às brincadeiras de infância, segundo ele, quando não tinha noção

do perigo. Já Antônio, assistindo a partitura de Gelton disse que parecia que

Gelton estava se preparando para um dia de trabalho, correndo contra o relógio

para se arrumar, escovar os dentes, vestir-se. A ideia era justamente essa -

mostrar que uma partitura tem um milhão de possibilidades de palavras, de

imagens e que cada um recebe ela de acordo com as suas particularidades e

imaginário. Varia de pessoa a pessoa, cada um tem um tempo e ritmo para

desencadear a palavra, para trazer ela no corpo. A palavra dá a circunstância,

a ação se remete às circunstâncias criadas. A palavra é só o início de algo, ela

pode levar o ator a muitas outras possibilidades. É um étude que precisa de

tempo para ser experimentado, pois quando o fazíamos muito rapidamente

gerava complexidade, os atores ficavam mais confusos, pediam mais tempo

para experimentar. Os próprios atores tinham que descobrir os mecanismos de

permitir que a imagem emergisse – não era eu que dava a imagem, pois a

palavra gerava imagem particular, a palavra direcionava a atenção deles, mas

a imagem fazia sentido quando ela era própria de cada ator.

Percebíamos que uma nova palavra mudava o movimento, ela era

percebida no corpo todo. A palavra transparecia em cada jogo com os

elementos rítmicos. Não havia certo e errado, a palavra poderia sugerir

qualquer coisa e isso poderia ser utilizado. Por exemplo, havia várias maneiras

de se experimentar o ritmo das palavras “ovo da serpente”, e isso gerava

experimentações no espaço e no tempo, através de novas possibilidades de

peso, de velocidades, de níveis, etc. Eu os questionava: “Quais são as imagens

que essa palavra provoca? Quais as sensações que essa movimentação

somada a essa indicação provoca?” E a resposta para esses questionamentos

se dava na ação de cada um deles – percebiam a gama de possibilidades que

as sensações provocavam nas partituras compostas. Outro étude pode

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provocar o surgimento de uma nova palavra. Por exemplo, ao realizar o étude

“Diferentes Combinações”, novas palavras aparecem.

No étude “Das Palavras”, foram percebidas novas possibilidades de

ação física pelo estabelecimento da imaginação concatenada ao movimento.

No nosso trabalho prático, buscávamos compreender a imaginação não como

a percepção dos estados do corpo, mas a percepção dos estados do corpo em

concordância com a percepção dos pensamentos que lhe despertam a

emoção. Aí pode se situar o trabalho do ator sobre a imaginação: criar sentidos

emocionais pela percepção do pensamento desencadeado pelo estado do

corpo. Esses significados se dão por visualizações/imagens, como nos fala

Carnicke. Segundo ela, as

visualizações são imagens no olho da mente que energizam a imaginação do ator. A assistente de Stanislavski, Maria Knébel, lembra os atores que eles devem sempre ver as imagens mentais

assim como eles falam. [...] Stanislávski sugere que o ator desenvolva um ‘filme’ de imagens para acompanhar o desempenho de cada performance. Ele treina a "visão interior" através de exercícios de

imaginação e meditação. A ciência cognitiva contemporânea confirma a ênfase de Stanislávski nas imagens da consciência

52 (CARNICKE,

1998, p. 227, tradução nossa).

O trabalho imaginativo proposto nos études buscava a atenção e

consciência do ator, pois não se tratava de apenas perceber estímulos e de

reagir de forma aleatória, mas de deixar que esses estímulos externos

trouxessem sensações, situações e estados, fazendo com que o ator se

comprometesse integralmente com as pequenas circunstâncias do

espaço/tempo em que se encontrava. Tratava-se de uma corporificação destes

estados de imaginação.

Com os études “De Palavras” jogávamos com as inúmeras

possibilidades de sentidos para uma mesma partitura, pois os movimentos do

52

Visualizations are images in the mind’s eye that energize the actor’s imagination. Stanislavski’s assistant, Maria Knébel, reminds actors that they must always see mental images

as they speak. […] Stanislavski suggests that the actor develop a “filmstrip” of images to accompany the performance of every role. He trains “inner vision” through exerc ises on imagination and meditation. Contemporary cognitive science supports Stanislavski’s emphasis

on imagery in consciousness.

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ator no espaço podiam até estar fixados anteriormente, contudo a cada

repetição, era a imaginação que, proveniente de percepções, organizava as

ações, ao vincular pensamento e movimento. Para Djefri, em conversa após a

prática do dia 19 de novembro “a palavra é mais interna, dá sentido, objetivo. A

gente percebe a ação, parece que ela fica maior, a gente vê tudo mais

detalhado”. Seguimos na prática a imaginação como possibilidade de

concatenação entre pensamento e movimento. Dal Forno escreve que a

imaginação ativa a ação. Para ela,

a imaginação mantém o nexo do pensamento com o concreto, que se

refere ao percebido pelos sentidos na relação com o objeto de atenção. Agindo através de visões interiores, imagens em uma linha ininterrupta, ela ativa a ação e, consequentemente, as sensações e

vivência, configurando ainda o jogo com os demais atores (DAL FORNO, 2002, p. 22).

Stanislávski coloca ao ator a autoria de si mesmo e do papel. O trabalho

imaginativo é tão próprio quanto o é a particularidade de cada ator.

Quanto mais profunda é a apreciação que é feita dos feitos e acontecimentos, e quanto mais claras surgirem as circunstâncias

interiores e exteriores da vida, da obra e do personagem devido ao trabalho diário e sistemático da imaginação sobre o mesmo tema, dentro dessas mesmas circunstâncias dadas se vai criando uma

identificação com a vida imaginária. Em algum momento, o hábito dá origem a uma segunda natureza, a uma segunda realidade imaginária

53 (STANISLÁVSKI, 1977, p. 97, tradução nossa).

Essa segunda natureza, que vai sendo descoberta pelo ator no trabalho

sobre si mesmo no espaço/tempo, não necessariamente a partir de um texto ou

personagem, é uma realidade, mas não é a realidade do cotidiano, e é por isso

que ela tem que ser cuidadosamente criada. O “se mágico” e a imaginação

colocam o ator em situações de recriação desse espaço/tempo e tornar o

53

Tanto más profunda es la apreciación que él hace de los hechos y acontecimientos, y tanto más claras surgen las circunstancias interiores y exteriores de la vida de la obra y del

personaje debido al trabajo diario y sistematico de la imaginación sobre el mismo tema. Dentro nõade esas mismas circunstancias dadas se va creando uma identificación com la vida imaginaria. A su vez, la costumbre da origen a una segunda naturaleza, a una segunda

realidad imaginaria.

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trabalho mais perceptivo/atento para além de estabelecimento de personagem.

Para Nair D’Agostini, uma das maneiras de aguçar a imaginação é formular

perguntas como “quem?”, “o quê?”, “por quê?”, “quando?”, “onde?”, “como?”, “o

que faz?”, “o que vê?”, “de que é feito?”, “como é?” que quando “feitas sobre o

objeto pesquisado, ajudam a despertar a imaginação e levam a criar imagens

vivas definidas e claras” (D’AGOSTINI, 2007, p. 69). As respostas a essas

perguntas, dadas diretamente no corpo do ator, colaboram para gerar novas

possibilidades no tempo e no espaço, pois, dessa forma, o ator percebe onde,

quando e o que vê, reconfigurando esse espaço/tempo.

O neurologista português António Damásio, através de seus estudos na

área das neurociências, nos fala de imagens como processos biológicos que

têm fisicalidade, para a percepção e resposta a objetos e situações que

ocorrem no interior ou no exterior do organismo. A relação entre as atividades

do corpo propriamente dito e as imagens é dinâmica, pois é mapeada à medida

que ocorre por “regiões cerebrais específicas que utilizam vários circuitos

nervosos para construir padrões neurais dinâmicos e contínuos” (DAMÁSIO,

2004, p. 206). A imagem, para Damásio, é representação de mundo, ou seja,

as imagens são padrões mentais que englobam o visual, o sonoro, o

cinestésico, e que permite a ocorrência do pensamento. Dessa forma, imagens

permitem os processos de imaginação (conscientes e inconscientes), que

podem assim ser ampliados. Sobre as imagens conscientes e inconscientes,

ele escreve que

quando emprego o termo imagem, refiro-me sempre a imagem

mental. Um sinônimo de imagem é padrão mental. [...] As imagens podem ser conscientes e inconscientes. As imagens inconscientes nunca são acessíveis diretamente. As imagens conscientes podem

ser acessadas somente da perspectiva de primeira pessoa (minhas imagens, suas imagens) (DAMÁSIO, 2000, p. 402).

As imagens conscientes, que se dão em primeira pessoa, por serem

conscientes, podem, por vezes, colaborar para a formulação do pensamento

em relação a um estado de corpo. Nem todas as imagens podem ser

manipuladas por uma pessoa que atente para elas, mas Damásio, ao trazer os

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princípios de constituição de imagens na neurociência, acende para essa

pesquisa a questão teatral anteriormente trazida por Stanislávski acerca do

trabalho do ator sobre si mesmo.

Stanislávski nos prova com a experiência e com a efetivação prática de

seus escritos que é possível que o ator manipule imagens mentais para o

surgimento das ações físicas, pois para o mestre russo, a imaginação é a

vanguarda que guia o artista. Para Damásio, “Os seres humanos conscientes

da relação entre certos objetivos e certas emoções podem esforçar-se de livre

e espontânea vontade, para controlar as suas emoções, pelo menos em parte.

Podemos decidir quais os objetos e quais as situações nos quais queremos

investir tempo e atenção” (DAMÁSIO, 2004, p. 59). Segundo Michele Zaltron,

em sua dissertação de mestrado intitulada Imaginação e Desconstrução em K.

Stanislávski,

Damásio, ao responder a pergunta “de que maneira a memória influencia a criatividade e a inventividade”, acaba por entrar nos domínios da imaginação. Em palavras simples, esclarece o que seria

a imaginação, ressaltando a sua intrínseca relação com a criatividade e o fazer artístico; as imagens produzidas pelos nossos sentidos, captadas do ambiente em dado momento e guardadas na memória; o

papel da emoção na seleção e organização dessas imagens em nossa mente e a influência da emoção no trabalho do artista ou inventor (ZALTRON, 2011, p. 57).

O ator deve permitir que a sua imaginação, ou seja, a sua possibilidade de

formar imagens, reaja a tudo a seu redor, para que, dessa forma, possa

descobrir os seus impulsos internos, o que o move a agir. O papel da

concentração na imaginação é ressaltado por Zaltron.

A imaginação aliada à concentração tem papel fundamental nessa reconstituição da ligação orgânica de pensamento e movimento, possibilitando um processo de criação em que o ator precisa lutar

constantemente contra a sua dispersão, criando focos de atenção, imagens, em cada momento de sua existência cênica, relacionando esses focos entre si para não agir de forma desconectada. É

necessário precisão no agir e atenção no que está acontecendo no aqui e no agora (ZALTRON, 2011, p. 59).

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Para Stanislávski (1986, p. 84, tradução nossa) a imaginação que não

reage às sugestões cria um problema, pois o ator recebe as sugestões de um

modo apenas exterior e formal. Para ele, toda ação realizada em cena deve ser

resultado da imaginação atenta54. É necessário que o ator reconheça o que se

oferece a ele, como por exemplo, as pequenas mudanças de foco, de ritmos,

de espaço e de tempo, pois “se o ator toma do que se mostra só o lado

externo, formal, é porque falta a imaginação, e por consequência, não pode

haver arte” 55 (STANISLÁVSKI, 1980, p. 101, tradução nossa).

Pensamos, na nossa prática, o trabalho do ator a partir das imagens

como espécies de afecções – afecções no sentido atribuído por Espinosa, de

forma a perceber as infinitas possibilidades que elas nos apresentam por meio

da imaginação. Consideramos, a partir de Damásio, que sentimentos são

imagens. Ao refletir sobre o fenômeno do sentimento, Damásio descreve:

Em muitas circunstâncias, especialmente quando há pouco ou nenhum tempo para reflexão, os sentimentos são de fato constituídos pela percepção de um certo estado do corpo. Noutras circunstâncias,

contudo, os sentimentos envolvem a percepção de um certo estado do corpo e a percepção de um certo estado de espírito. Temos imagens não só de um certo estado do corpo mas também, em

paralelo, imagens de uma certa forma de pensar. [...] Para além das imagens do corpo que dão ao sentimento o seu conteúdo distinto, temos que incluir a representação da forma de pensar que

acompanha a percepção do corpo, bem como a percepção dos pensamentos que concordam, em matéria de tema, com o tipo de emoção que estamos sentindo (DAMÁSIO, 2004, p. 96).

Ou seja, o sentimento, para Damásio, é um estado que envolve uma

instância reflexiva sobre o estado emocional, pois sentir a tristeza, por

exemplo, “não diz respeito apenas ao mal-estar, mas também a um modo de

pensar, relacionado a ‘ideias’ de perda” (DAMÁSIO, 2004, p. 96). Nesse

sentido, proponho que entendamos a criação de imagens e,

consequentemente, a imaginação, no trabalho do ator como análogo ao que se

54

Todos y cada uno de los movimientos que realizáis em la escena, y cada palabra que decís, debe ser resultado directo de la vida normal de la imaginación (STANISLÁVSKI, 1986, p. 84). 55

Si el actor toma de lo que se le muestra sólo el lado externo, formal, es porque falta la imaginación, y por consiguiente no puede haber arte.

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refere à relação imagem/emoção/sentimento descrita por Damásio. O ator não

apenas percebe um estado do seu corpo, mas a percepção de um estado do

seu corpo em concordância com a percepção dos pensamentos que lhe

afetam. Pois como sugere Damásio, “temos imagens não só de um certo

estado do corpo mas também, em paralelo, imagens de uma certa forma de

pensar” (DAMÁSIO, 2004, p. 96).

Na prática com os atores, buscamos criar sentido pela percepção do

estado do pensamento desencadeado pelo estado do corpo. O trabalho

imaginativo era consciente, não se tratava de apenas perceber estímulos, mas

de deixar que esses estímulos externos trouxessem sensações, situações e

estados que pudessem ser organizados como ação física. Os atores buscaram

criar uma linha de ação que se desenvolvesse pela imaginação, através da

percepção das mudanças ocorridas no corpo ao longo do jogo cênico. Sobre o

papel da imaginação Stanislávski salienta que: “[...] cada movimento que vocês

fazem em cena, cada palavra que dizem, é resultado da vida certa das suas

imaginações” 56 (STANISLÁVSKI, 1986, p. 96, tradução nossa).

Devemos dispor de uma linha ininterrupta de visões internas em relação com essas circunstâncias, de maneira que estas sejam representadas por nós mesmos [...]. Devemos permanecer atentos

tanto às circunstâncias externas que nos rodei am (a montagem material que constitui a produção) como a cadeia de circunstâncias internas que imaginamos para fisicalizar nossas ações. Desses

momentos deverá se formar uma linha cont ínua de imagens, uma espécie de filme. E conquanto atuemos de maneira criativa, esse filme deverá projetar-se dentro de nós mesmos na tela de nossa

visão interna, fazendo vivas as circunstâncias em meio as quais nos movemos. Além disso, as imagens internas, ao criar uma disposição de ânimo correlata, despertam emoções que nos mantém dentro dos

limites da obra57

(STANISLÁVSKI, 1980, p. 110, tradução nossa).

56

Todos y cada uno de los movimientos que realizáis em la escena, y cada palabra que decís, debe ser resultado directo de la vida normal de la imaginación. 57

Debemos disponer de uma línea ininterrumpida de visiones internas en relación con esas circunstancias, de manera que éstas queden ilustradas por nosotros. [...] Debemos permanecer atentos tanto a las circuntancias externas que nos rodean (el montage material que constituye

la producción) como a la cadena de circunstancias internas que hemos imaginado nosotros mismos para ilustrar nuestras partes. De esos momentos se deberá formar uma línea continuada de imágenes, uma especie de filme. Y mientras actuemos de manera creativa, ese

filme deberá proyectarse dentro de nosotros mismos, em la pantalla de nuestra visión interna, haciendo vivas las circunstancias en médio de las cuales nos movemos. Además, las imágenes internas, al crear una disposición da ánimo correlativa, despiertan emociones que nos

mantienen dentro de los límites de la obra.

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Constrói-se uma linha de imagens, um filme de si mesmo, em que o ator

é o filme, isso dará ao ator a percepção de sua linha de ação. Porém, não se

trata de um fi lme finalizado, pois a película é criada no momento em que os

fatos vão surgindo, é dinâmico. De acordo com Carnicke,

Stanislávski ensina que o ator não deve falar sem uma imagem em mente e sugere o desenvolvimento de uma ‘sequência fílmica’ de

imagens para acompanhar o desempenho de cada papel (Stanislavskii [sic] 1989: 130). Essas visualizações abastecem a imaginação

58 (CARNICKE, 2000, p. 20, tradução nossa).

Para Stanislávski, os fatos que constituem o filme englobam todo o

complexo de sensações imaginárias sensoriais de forma ativa. Os movimentos

e a fala do ator devem ser resultado da interação do corpo com as imagens

conscientes e passíveis de variação, pela atenção, possibilitando a emergência

de ações físicas. Stanislávski escreve ao ator: “Todos e cada um dos

movimentos que realizar em cena e cada palavra que disser, deve ser

resultado direto da atividade normal da imaginação” 59 (STANISLÁVSKI, 1980,

p. 118, tradução nossa) 60.

Ruffini nos fala que a atenção é necessária para despertar a imaginação,

pois “se para um objeto real se trata de prestar atenção para cada detalhe,

para um objeto real da ficção se trata de criar os detalhes, mediante a atenção

que se dá a eles” 61 (RUFFINI, 2003, p. 48, tradução nossa). Os atores da

pesquisa trabalhavam para desenvolver relação interior com os objetos de

atenção. Na tentativa de desenvolver a relação interior, recorriam às

58

Stanislavsky taught that an actor should not speak without an image in the mind’s eye and suggests developing a ‘filmstrip’ of images to accompany the performance of every role.

(Stanislavskii [sic] 1989: 130). 59

Todos y cada uno de los movimientos que realizáis em la escena, y cada palabra que decís, debe ser resultado directo de la vida normal de la imaginación. 60

É curioso pensar que Damásio usa como metáfora da mente a ideia de um “filme no cérebro”, que é formado por um fluxo cont ínuo de imagens que avança no tempo (2011). 61

Se per un oggeto reale si tratta di prestare attenzione a ogni dettaglio, per un oggetto della

finzione si tratta di creare i dettagli, mediante l'attenzione che vi si porta.

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faculdades internas para perceber o mundo dos objetos materiais, podendo

mudar também sua lógica da conduta pela interferência ativa da imaginação.

Dessa forma, os atores buscavam atuar com os impulsos criativos

gerados pelo estado desperto da imaginação. A improvisação a partir dos

elementos rítmicos foi uma das estratégias para buscar tanto a criação de

novas partituras quanto o recriar de partituras antigas a cada dia, e desenvolver

o potencial imaginativo. Em nossos experimentos nos études, ficou perceptível

o quanto a imaginação é vinculada ao fluxo da ação do ator, ao ritmo. Uma

imaginação atenta não é determinada de uma vez por todas, mas é fluídica.

Zaltron fala sobre essa característica mutante da imaginação: “A imaginação,

mesmo tornada concreta e visível no corpo/mente do ator, consiste em uma

matéria intangível, mutante. O que podemos tocar é o processo de fazer nascer

essa imaginação” (ZALTRON, 2011, p. 18).

A imaginação e a atenção podem colaborar para a intuição e para o

despertar dos sentimentos e das emoções. A imaginação era estimulada com

os objetos de atenção e gerava ações físicas, o trabalho dos atores consistiu

em realizar isso de forma ativa e perceptiva, num trabalho próprio e singular.

Percebíamos a relação atenta com o corpo do colega, com as variações

rítmicas, com a sensação do pé tocando o chão, com a reverberação no corpo

dos atores de uma música que estava tocando ou era cantada. Foi

estabelecida uma via concreta para o direcionamento da imaginação no tempo

e no espaço, pela consciência do fluxo, da fluidez da imaginação, vinculada ao

ritmo. A imaginação colaborou para a concretização de ações em situações e

para o desenvolvimento da sonoridade da voz até a concretização de imagem

na palavra, a ação vocal.

Mesmo em uma estrutura já criada, a imaginação esteve presente e se

renovava, pela percepção do já criado e a sua contínua recriação pela escuta

do instante. Dada por uma busca que não acontece através de respostas

prontas ou dadas, mas de descobertas constantes, a imaginação corporificada

colocava o foco sobre a experiência, no sentido de que era a experiência de

cada sensação e percepção atenta do instante que desencadeava a

imaginação. A escuta do instante, e esse instante como imagem na ação,

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fundamentou a proposta do trabalho do ator sobre si mesmo que desenvolvi

junto ao grupo de atores.

Fotografia 29 – Antônio, Cândice, Djefri e Gelton testando palavras diversas nas suas partituras individuais.

Fonte: Alessandra Dörr.

Fotografia 30 – Cândice e Gabriele experimentando, de olhos fechados,

as sensações causadas pelas palavras.

Fonte: Alessandra Dörr.

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Fotografia 31 – Antônio, Cândice, Djefri e Gabriele experimentando estímulos dados por

palavra.

Fonte: Alessandra Dörr.

Fotografia 32 - Antônio e Djefri experimentando novas palavras em sua partitura.

Fonte: Alessandra Dörr.

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7 ÉTUDE 5: PARA ALÉM DO VER

Esse étude começou a se fazer presente a partir do elemento rítmico

“Objeto de Atenção Invisível”, em meados de maio, mas só foi organizado e

nomeado como um étude no mês de julho. Os atores iniciavam o jogo com os

elementos rítmicos e eu pedia a eles que fechassem os olhos e reagissem ao

outro sem o contato visual. Depois, eles abriam os olhos por um curto período

e voltavam a fechar, para perceberem a mudança nos sentidos. A percepção

foi dilatada pelos outros sentidos, para que eles se localizassem no espaço e

localizassem o outro.

Com os olhos fechados, por vezes os atores passavam a arrastar os pés

no chão, dando dicas de sua posição no espaço, depois começaram a bater

fortemente os pés no chão e a dar palmadas nas pernas. Usaram isso para

reação em movimentações e, às vezes, só ficavam parados, ouvindo o barulho

que causavam. Quando eu pedia que eles cessassem a emissão de sons (pois

assoviavam e davam suspiros), as palmadas e batidas com os pés no chão,

eles levaram um tempo muito maior para desenvolver qualquer reação e se

mostraram intrigados com a situação, isso era perceptível durante o trabalho.

Eles também relataram ao final dos primeiros encontros em que uti lizamos

esse étude, que sentiam medo de um contato brusco com o corpo do colega,

então evitavam fazer muitos movimentos, mas ao mesmo tempo, tinham medo

de não estarem fazendo nada, de não estarem agindo o tempo todo. Cândice

disse ter lembrado então, da fala em que eu dizia que o fato de perceberem a

situação, atentando para as sutilezas, já era um aspecto da escuta tão válido

para a prática como as palmas, assovios e reações incessantes de antes.

Eu solicitava que percebessem os cheiros do colega, da sala, para os

sons que vinham da rua e do corpo do colega, para o respirar, os toques, a

música. Como era tocar no corpo do colega, sentir a pele, e o toque em si

mesmo - como era tocar no próprio pé, por exemplo. O que era afetado pelo

som que o outro fazia. Qual era a sensação do abraço e do aperto de mão, de

sentir as pontas dos dedos do colega. A temperatura da sala, da parede, do

chão. Eu perguntava como era a sensação de não enxergar nesse momento.

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Pedia que fosse muito simples, muito respirado, para que desse tempo para

que eles percebessem o estado do corpo. Antônio, em texto escrito a mim em

janeiro de 2012, diz:

Quando eu estava em estado de jogo com os demais colegas, mas com os olhos fechados, percebi que outros sentidos como audição, olfato são aguçados de tal modo que tentam suprir a ausência da

visão. Observei que sem a visão havia uma alteração da percepção, da noção espacial, do equilíbrio corporal e da distribuição no espaço. Em compensação a audição é aguçada de forma a possibilitar

alguma noção de onde se encontram os colegas de pesquisa, os objetos, as paredes. Mas a principal mudança que observei foi a dificuldade de se usar velocidades mais rápidas quando se está de

olhos fechados. Parece que o corpo adquire uma defesa própria que impossibilita o deslocamento com uma velocidade alta. Essa impossibilidade pode estar relacionada ao medo do desconhecido, ao

medo de poder machucar alguém, medo do imprevisto. A percepção que tive quando estava sem a visão foi de estar mais estático e quando me movimentava era com muita cautela para não ultrapassar

o limite espacial do colega. Mas ao mesmo instante que se estava sem a visão a jogo com o colega era muito mais auditivo. A resposta era muito mais a partir de algum ruído produzido por alguém na sala

ou por alguma coisa externa, um carro ou um pássaro por exemplo.

Quando encontravam algo novo, ou quando percebiam a presença do

outro, reagiam. A chegada de uma nova música provocava algo no corpo

deles, por exemplo. Disseram que, com os olhos fechados, percebiam cores e

desenhos se formavam. Aguçando os outros sentidos para além da visão,

provocavam variação no ritmo da ação. Mesmo que tivessem já criado a

partitura, faziam ela de olhos fechados e percebiam quais os outros recursos

que usavam quando estavam de olhos fechados, deixando isso modificar a

partitura.

Nos études, principalmente nesse, “Para além do ver”, era muito

importante a utilização de músicas. Em alguns encontros, eu alterava diversas

vezes as músicas. Eles relataram que percebiam que a música influenciava

muito e que cada mudança de música impunha um novo ritmo. Pedia que

percebessem o ritmo que a própria música tinha, que embarcassem nesse

ritmo, imitassem, contrapusessem, não ficassem alheios à música e

buscassem equivalentes da música nos seus corpos e no movimento do outro,

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também utilizavam a música como geradora de imagens e como

desencadeadora de universo e circunstâncias.

No nosso trabalho, quando os atores fechavam os olhos, era difícil de

realizarem as velocidades mais rápidas, pois eles tinham medo de bater uns

nos outros, variavam mais os outros elementos rítmicos, como os níveis e as

direções. A distância dos corpos era percebida pelos sons, através da audição

e pelos cheiros, pelo olfato. Para Cândice, o cheiro dos colegas era bem claro,

ela conseguia identificar um a um através do sentido do olfato. Percebiam

quando paravam no sol e perto da parede, sentiam o gelado da parede mesmo

antes de tocá-la. A audição era o recurso que Djefri disse perceber primeiro

quando parava de usar a visão.

A visão, a audição, o tato, o olfato, o paladar eram percebidos e ativados

pela própria pele e pela pele do outro, pela textura do chão e das paredes,

pelos cheiros dos colegas, do chão, pela música das caixas de som, pelas

palavras exploradas a partir da sonoridade, significado ou melodia, pelo som

dos ventiladores, dos carros da rua, dos pássaros, pelo outro, pelo próprio

corpo, pelos objetos, pela sala. Trabalhamos a partir do princípio de que a

propriocepção é também um sentido, o sentido de si mesmo. Para os atores da

pesquisa o olhar era o mais perceptível e que mais despertava a relação com

as afecções/objetos de atenção, mas no momento em que se tirava o recurso

do olhar, os atores se viam obrigados a exercer mais ativamente os outros

sentidos. Sobre propriocepção falou Hubert Godard em entrevista concedida a

Suely Rolnik (2004):

O significado habitual do termo propriocepção, é o conhecimento que temos dos movimentos de nosso próprio corpo no contexto. Eu o

traduzo por “sentimento de si”, pois sem essa sensibilidade particular os outros sentidos não poderiam funcionar em referência a um si constante. Como para o trem que se põe em movimento em frente ao

nosso, não conseguimos saber se é o contexto ou nós mesmos que se move. O mesmo vale para o tato que depende de nossa atividade palpatória, portanto de nossa proprioceptividade. E se costuma

esquecer que esta sensibilidade refere-se ao contexto, pelo jogo da orelha interna que nos informa acerca de nossa relação com a gravidade, única força constante nesse mundo em perpétuo

movimento que nos rodeia (GODARD, 2004, p. 23).

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A propriocepção é, então, considerada por Godard como o “sentimento de

si”, o conhecimento do próprio corpo em relação com o meio. Na pesquisa, os

atores percebiam a proprioceptividade pelo conhecimento de deus corpos em

relação com o espaço/tempo. O espaço/tempo que estava em nós e que ao

mesmo nos atravessava era dado pela forma como lidávamos com ele, pela

percepção da forma com que ele nos afetava. Ao falar de uma ação do ator

nesse tempo/espaço, estou me referindo ao ritmo de sua ação. Mesmo que

dois atores recebam os mesmos estímulos, estejam vivenciando uma mesma

situação, a particularidade de cada um deles em relação com o objeto

desencadeará experiências diferentes. Como nos diz o filósofo da educação,

Jorge Larrosa Bondía, “O acontecimento é comum, mas a experiência é para

cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O

saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo

concreto em quem encarna” (BONDÍA, 2002, p. 27).

O ritmo está presente e é palpável nas relações do homem, mas não de

forma atenta. Talvez não o percebamos em nosso cotidiano por não lançarmos

um olhar sobre ele. Por isso, o ritmo na ação do ator necessita de experiência.

Precisamos recriar o ritmo em nós mesmos através da construção dessa

experiência. Para relacionar ritmo à experiência, utilizarei o artigo Experiência e

Saber da Experiência, de Bondía, que traz reflexões a partir da percepção do

mundo atual como repleto de acontecimentos e busca de sensações, onde

pouca coisa toca as pessoas. A experiência é pessoal, singular e não necessita

de consenso, possibilitando divergências e pontos de vista daqueles que a

vivenciam, por isso heterogênea:

Se o experimento é genérico, a experiência é singular. Se a lógica do

experimento produz acordo, consenso ou homogeneidade entre os sujeitos, a lógica da experiência produz diferença, heterogeneidade e pluralidade. [...] Além disso, posto que não se pode antecipar o

resultado, a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem

“pré-dizer” (BONDÍA, 2002, p. 28).

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A experiência - possibilidade de que algo nos aconteça - requer um

posicionamento desafiador de nós mesmos e da forma como nos relacionamos

com o que está no espaço/tempo em que nos encontramos. Dessa forma, a

experiência necessita do ritmo como esse necessita da experiência. Em meio a

um turbilhão de informações e a necessidade de posicionamento, de atitude e

de movimento, é preciso que paremos para olhar, para perceber, pois a

experiência,

[...] requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,

parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,

suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte

do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BONDÍA, 2002, p. 24).

Na pesquisa, não buscamos confirmar hipóteses, mas nos atentarmos

para as possibilidades dadas pelo improviso e pelo jogo, pela lógica da

subjetividade e singularidade de cada um dos atores. O ritmo teve papel

fundamental no estabelecimento da ação física e a experiência dele dependeu

do olhar dos atores acerca do espaço e o tempo que ocupavam. Para que isso

ocorresse, era essencial modificar a percepção que temos do ritmo geral dos

acontecimentos que nos cercavam no cotidiano em um mundo acelerado,

repleto de informações que muitas vezes não nos tocam. Segundo Bondía, a

velocidade acelerada constante e a falta de silêncio são inimigas da

experiência, pois:

tudo o que se passa, passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz a estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação

igualmente fugaz e efêmera. [...] A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa

entre acontecimentos (BONDÍA, 2002, p. 23).

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É difícil definir o que é experiência, o que toca realmente o outro. Na

prática com os atores, pedia que eles atentassem para as ocorrências no

espaço e no tempo que modificavam a ação física. A manifestação da ação era

perceptiva e relacional – por ser reflexo da interação com o espaço/tempo.

Os atores envolvidos nesta pesquisa dedicaram-se à variação rítmica

dos movimentos e se colocaram em estado de jogo com os objetos de atenção,

aguçando a atenção para um novo estabelecimento rítmico do instante cênico.

A relação com o ritmo deveria ser – da mesma forma como a relação com a

ação física – um fenômeno da experiência, não apenas da análise intelectual

da precisão do ritmo e de possibilidades de variação, tais como acelerar ou

ralentar determinado movimento, ir do nível alto para o baixo, relacionar-se

com a distância entre os corpos dos colegas. Os atores precisavam lançar um

novo olhar para aquilo que realizavam no espaço/tempo para desencadear a

ação física, percebendo como se posicionavam frente a cada nova

circunstância. Podemos dizer, então, que o nosso trabalho com as ações

físicas referiu-se à busca por experiência no sentido comentado por Bondía,

quando ele diz que “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o

que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, o que toca. A cada dia

se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”

(BONDÍA, 2002, p. 21). Na condução da prática, a experiência foi dada pela

transformação no tempo.

Sobre o tempo e a experiência, Bergson coloca que a experiência é

vivenciada por um tempo qualitativo, na consciência de quem experiencia. Não

é um tempo quantitativo, não visa a simples soma de momentos que surgem

na trajetória e não são experienciados. Independente da quantidade de minutos

que ocorreram, na experiência, a duração do tempo pode ser sentida como

lenta ou rápida e diz da sensação experienciada. O tempo é a duração de

cada experiência, e essa duração existe no presente e possui fronteiras com o

passado, nas lembranças recentes, e com o futuro, na ação que se desenrola.

Ele nos escreve que “é do presente que parte o apelo ao qual a lembrança

responde, e é dos elementos sócio-motores da ação presente que a lembrança

retira o calor que lhe confere vida” (BERGSON, 1999, p. 179).

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A relação entre o “eu” e a experiência, em Bergson, é dada pela duração

e pela mudança – um continnum em si mesmo que tem em si heterogeneidade.

A experiência faz com que vivenciemos algo que difere de nós mesmos, mas

ao mesmo tempo diz que somos nós que estamos vivenciando essas

sensações. A consciência está sempre presente, não nos abandona enquanto

“algo” toma seu lugar. O que acontece é que a atenção pode não incidir sobre

um foco específico. Kastrup afirma que

a consciência não se reduz ao foco da atenção, mas possui uma organização tridimensional, comportando tema, campo temático e margem. O tema corresponde ao foco da atenção, àquilo que é

dotado de interesse; o campo temático diz respeito àquilo que está relacionado ao tema e que se encontra ligado a ele numa unidade de relevância; a margem é formada por tudo aquilo que se apresenta

como irrelevante para o tema em questão (KASTRUP, 2004, p. 11).

Coloquei essa ideia de consciência e atenção para os atores para que

eles compreendessem que não precisariam estar focados em um mesmo tema

o tempo todo, que a consciência poderia andar por outros caminhos, mas que

era para eles perceberem isso e buscar expandir os momentos de atentividade

no aqui e no agora do encontro – aqui a atentividade é colocada como

possibilidade de manter a consciência mais tempo sobre o tema e o campo

temático, distanciando-se, mas não negando e nem lutando contra a margem

da consciência. Para tal, tornou-se essencial a percepção das afecções a partir

dos objetos de atenção (como o corpo do colega, a sensação causada pelo

chão e pela luz da sala, as sombras dos corpos), que poderiam ser qualquer

elemento no espaço e no tempo, como os parceiros de jogo, as cadeiras, as

cortinas, o chão, a parede. Dessa forma, buscávamos uma atenção mais

sensível, por ser resultado mais de escuta/resposta e menos de agir/propor,

trazendo a atenção e a consciência na construção da experiência.

Dessa forma, trabalhávamos com o “deixar vir”, para que os atores

fossem tocados por objetos de atenção que não fossem anteriormente visados

por uma intencionalidade da consciência. Depraz, Varela e Vermersch

propõem o conceito “devir-consciente” que é “o ato de tornar explícito, claro e

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intuitivo algo que nos habitava de modo pré-reflexivo, opaco e afetivo. Trata-se

de conhecer a experiência humana em seu caráter de atividade, de prática,

ressaltando seu caráter mutável e fluido” (KASTRUP, 2004, p. 12). Pelas

mudanças provocadas pelo contato, pelo jogo com as afecções percebidas,

encontrávamos o outro e a própria experiência. A ideia era deixar-se

contaminar por esses objetos de atenção e não de guiá-los o tempo todo.

Stanislávski fala de “experienciação”, que é dada por “estados de

consciência que parecem mais familiares: ‘inspiração’, ‘disposição criativa’, a

ativação do ‘subconsciente’. Ele compara-a à sensação de existência plena no

momento imediato – o que ele denomina ‘Eu sou/estou’”62 (CARNICKE, 2000,

p. 15, tradução nossa). Carnicke ressalta que a palavra russa usada por

Stanislávski para designar “experienciações”, pode ser traduzida como

“‘experimentar’, ‘sentir’, ‘tornar-se consciente’, ‘ficar desperto’, ‘ir de uma

extremidade à outra’”.

Importante ressaltar a busca de Stanislávski pela atenção na ação física,

uma não existindo sem a outra, pois a ação física é dada pela atenção do ator

aos objetos de atenção, sendo, dessa forma, a busca por um estado desperto e

sentido no corpo vivido, experienciado e com a imaginação ativa. Os objetos de

atenção eram colocados, na pesquisa, como a percepção de algumas

afecções, como o cheiro, o corpo do colega, o som – tudo o que causasse

alguma sensação nos atores. A atenção, assim, surgia das impressões do

tempo e do espaço que envolvia os atores, pela emergência da imaginação,

que advém da memória do corpo - das sensações, sensibilidades, afetividades

e emoções. A atenção foi, em nossa pesquisa, essencial à imaginação dos

atores.

Os atores necessitaram de um trabalho contínuo sobre eles mesmos

para que pudessem manter a atenção ativa no aqui e no agora (espaço e

tempo) alerta a todas as circunstâncias que surgiam pelo jogo com os objetos

afetivos. Aguçavam, então, sua atenção para novos estabelecimentos rítmicos

62

[...] states of mind that seem more familiar: ‘inspiration’, ‘creative moods’, the activation of the

‘subconscious’. He compares it to the sensation of existing fully within the immediate moment –

what he calls ‘I am.

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dos instantes cênicos e dedicavam-se, para tanto, à variação rítmica pelo

contato com o outro, liberando-se, por vezes, de padrões apenas intelectuais e

intencionais a priori.

O desenvolvimento da faculdade de observação e percepção exige uma mente flex ível e aberta, capaz de concentração absoluta, que possibilite o domínio consciente e voluntário da atenção, levando o

ator a concentrar todo o seu aparato psicofísico ativamente numa única direção, no objeto escolhido. A ação de concentrar a atenção num objeto aguça a capacidade de percepção e de observação e leva

à essência das coisas (D’AGOSTINI, 2007, p. 62)

Para que os atores apreendessem impressões dos objetos de atenção,

pedi que trabalhassem sobre a concentração, a partir do aguçamento dos

sentidos pela observação.

Fotografia 33 – Cândice e Gelton experimentando o étude “Para Além do Ver”.

Fonte: Alessandra Dörr.

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Fotografia 34 – Antônio, Cândice, Djefri e Gabriele tocando nas mãos uns dos outros com os olhos fechados.

Fonte: Alessandra Dörr.

Fotografia 35 – Os atores reagindo aos elementos rítmicos invis íveis e explorando os sentidos

Fonte: Cauã Canilha e Patricio Orozco-Contreras.

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Fotografia 36 – Cândice com os olhos vendados, tocando a

parede, sentindo as temperaturas e texturas.

Fonte: Alessandra Dörr.

Fotografia 37 – Antônio, com os olhos fechados, percebendo a sensação de tocar e ser tocado por si mesmo.

Fonte: Alessandra Dörr.

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8 ÉTUDE 6: CANÇÕES

Esse étude foi experienciado desde o início dos encontros, a partir de

exercícios de aquecimento vocal e do jogo com músicas, cantos e

experimentações de texto. Com o passar do tempo, fomos configurando-o e ele

finalmente foi formalizado como étude no mês de julho.

Depois de realizado o aquecimento vocal/corporal, inseríamos canções

de ninar, nos primeiros encontros com esse étude, que eram cantadas por

todos os atores em uníssono, em um primeiro momento. Passamos a jogar

com todos os elementos rítmicos, permitindo que eles provocassem mudança

na ação vocal. A partir desse momento, o corpo/voz de cada ator respondia

com a variação própria, não mais em uníssono. Eram encontros sem o uso de

nenhuma música tocada nas caixas de som, apenas com as canções de ninar

dos atores, que iam perdendo o caráter de canção e dando lugar às novas

sonoridades que surgiam, os atores jogavam com isso, descobrindo, segundo

eles, possibilidades que a memória ainda não tinha fixado antes, isso deu a

eles um senso de novidade.

Mesmo que a voz estivesse sendo utilizada durante grande parte do

encontro, nesse étude ela era o principal objeto de atenção que causava

afecção. Ela influenciava no movimento do próprio ator e no do colega. E criava

modulação do corpo/voz no espaço e no tempo, o que me fez em momentos de

condução do processo pedir que percebessem a conexão entre o corpo e a

voz.

Às vezes também usávamos uma canção em conjunto, para que todos a

cantassem em uníssono. Improvisavam com essa voz, com o suspiro, com

cochichos e sussurros e com gritos a partir das canções . Pedia que

percebessem os momentos de silêncio. Antônio disse que “era muito

interessante quando os sons cessavam e o silêncio predominava e também

quando eram retomados, a sensação causada era peculiar”. O caos de vozes,

os silêncios e cada variação da voz gerava algo no espaço e no tempo.

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Quanto às canções escolhidas, dependia de cada encontro, cada vez eu

fazia um pedido diferente – que fosse uma música da infância; uma música que

não gostassem; a música preferida; a primeira que lhes viesse à memória, ou a

música surgia pelo próprio jogo. Às vezes, quando era uma única canção, eles

começavam a cantar em uníssono e passavam a variar sozinhos. Podiam

trazer novas músicas durante o étude ou seguirem com a mesma, pedia que

saíssem do formato da música e brincassem com ela. Podia ser com os olhos

abertos ou fechados, como preferissem, era comum que ficassem com os

olhos fechados no começo, pois todos disseram se sentir mais seguros e com

mais possibilidade de sentirem a música ressoando assim. Brincavam com

pequenas frases das músicas, trechinhos repetidos. Às vezes, transformavam

em gramelô - palavras e falas improvisadas que não têm necessariamente um

sentido definido. Percebiam a canção ou o gramelô do outro e diálogos eram

criados. Isso provocava algo no jogo com o outro.

Cândice comentou que ali não havia nenhuma vergonha em se descobrir

a própria voz e brincar com ela de inúmeras formas, fazendo vozes diferentes e

as experimentando. Ela relatou na conversa ao término do trabalho do dia 15

de setembro: “Acho que é cultural esse medo de trabalha r com a voz, medo de

exposição. A voz sempre fica protegida.”.

Nos poucos encontros da pesquisa em que utilizamos texto (como os de

Lorca e Dostoiévski), os atores disseram que não se preocuparam em contar a

história do texto escolhido, pois ela estava sendo contada naturalmente. Gelton

disse, logo após, “Olha quantos detalhes a gente modificou na voz hoje! E às

vezes a gente tem uma dificuldade enorme em dar um texto e se preocupa com

o modo como o personagem fala”. Para Cândice: “algumas vezes se vai pra

psicologia para estudar o modo do personagem de um texto, por exemplo, e

aqui a gente vê que não precisa”. Djefri complementou: “acho isso muito

necessário: não bloquear o movimento para, por exemplo, quando surgir um

texto, pare tudo para dar foco só nesse texto. Como a gente fez em um dos

encontros, o texto já surgiu nessa experimentação. Acho difícil começar o

trabalho com o texto, mas com essa abordagem, quando eu percebi já

estávamos no caminho”.

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Quando usávamos os elementos rítmicos corporais (Velocidades,

Duração, Níveis, Direções possíveis, Tensão e relaxamento, Expansão e

recolhimento, Distâncias, Tamanhos, Relação com o objeto de atenção visível

e Relação com objeto de atenção invisível) em consonância com os elementos

rítmicos vocais (Velocidades, Níveis, Direções possíveis, Tensão e

relaxamento, Expansão e recolhimento, Distâncias, Relação com o objeto de

atenção visível e invisível), os atores diziam perceber muito o ritmo no corpo e

na voz. Do início ao fim, eu chamava a atenção deles para que não perdessem

os movimentos ao usar a voz, para que a experimentação com os elementos

rítmicos na voz não fizesse com que eles só caminhassem e explorassem essa

variação dissociada dos movimentos de variações rítmicas. Questionados

sobre o que achavam dos elementos rítmicos vocais, Gelton disse que estava

com muita vontade de testar os elementos rítmicos na voz e que “deu muito

jogo” a partir desse trabalho. Gabriele falou que atentou para os bloqueios e

achou muito legal superar isso. Cândice citou que “às vezes eu estava

explorando uma sonoridade, mas não estava fazendo muito movimento, estava

parada, mas não apática, não com o corpo anestesiado, pois é impossível,

conseguia ver como aquilo retumbava, mesmo sem me movimentar muito;”

Para ela: “esse trabalho abre um campo imenso de pesquisa, dentro das

particularidades de cada um, a gente vai descobrindo as possibilidades dessa

voz e do ritmo. Porque retumba, pois era algo do próprio corpo”. Antônio falou

que experimentou o corpo lento e a voz rápida e disse que “ao usar esses

elementos rítmicos vocais, um mesmo fragmento pode mudar totalmente”.

Durante o processo, pedia aos atores que percebessem o que se

apresentava a eles, para que eles ouvissem mais, respondessem aos objetos

de atenção e se permitissem serem afetados, para que se abrissem às

experiências dos colegas, àquilo que surgia e que lhes era apresentado. Para

que sentissem os cheiros, os pés descalços tocando o piso (quente, frio, de

madeira, de concreto), para que tocassem as paredes, cortinas, olhassem com

“outros olhos”. A necessidade de se investigar as afecções, ou seja, o que os

tocava, tornou-se essencial graças à prática.

Ao relacionar a noção de afecção em Espinosa à nossa pesquisa, os

atores se encontravam em um misto de afecções de seus corpos e de suas

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ideias. No jogo cênico, essas afecções receberam um olhar sobre elas, e

permitiram novas possibilidades, aguçaram novas percepções, pois o corpo

humano pode ser afetado de muitas maneiras e isso causa variação, não fica

intocado, pois é constantemente afetado por estados, variações ou

modificações. As afecções são um ir e vir delas mesmas - ideias, sentimentos,

percepções - gerando comunicação entre os seres.

É necessário ressaltar a importância da sensação no processo de afecção

consciente dos atores nos études. Eles relatavam que já estavam conscientes

da presença um do outro desde o início do encontro – do aquecimento, a partir

de determinada fase do trabalho. Eles se colocavam em relação e captavam,

pela sensação, aquilo que os afetava e os tocava. Assim os atores geravam

mudança, pela percepção da afecção neles causada. Percebi que os atores

improvisavam com o jogo direto com os colegas, mas, por vezes, eu pedia para

que mantivessem o jogo, sem relação direta, percebi, então, que ainda havia a

presença dos outros atores, mesmo que eles não mais estivessem do lado do

ator que seguia sua ação.

A ação pode ser repetida e receber ressignificação por novas afecções,

mas isso não necessariamente excluirá a presença da primeira afecção sofrida

pelo ator. Isso se deu, em nosso trabalho, pela capacidade de adaptação dos

atores, do ajustamento de cada um deles às condições e às circunstâncias

criadas e da percepção do aqui e agora, das possibilidades do espaço e do

tempo. Gelton disse: “graças ao nosso trabalho de meses, eu já estava

conectado e sendo afetado pelos meus colegas desde que entrava na sala”.

Espinosa fala de uma potência de agir e uma força de existir, que são

favorecidos ou desfavorecidos em relação aos encontros, afecções, que seriam

estados de um corpo sofrendo a ação de outro corpo. Ou seja, não podemos

conhecer a nós mesmos e aos corpos exteriores senão pela afecção que se

produz nos encontros. O corpo é, para ele, uma relação composta ou complexa

de movimento e repouso que se altera conforme as mudanças que afetam

estas partes. Pode-se considerar que filósofo vê o corpo como relação, e não

somente como matéria extensa.

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Para Espinosa, imagens das coisas são “as afecções do corpo humano

cujas ideias nos representam os corpos exteriores como se nos estivessem

presentes, ainda que não reproduzam as figuras das coisas” 63 (ESPINOSA,

1980, p. 91, tradução nossa). Ou seja, imagens são representações daquilo

que não necessariamente está presente como visualização exterior do olho,

mas como visualização mental, sensorial e perceptiva. Tal conceito foi

trabalhado na prática com os atores envolvidos nessa pesquisa desde o início

do processo.

Nós somos afetados constantemente no tempo e no espaço, o que

possibilita inúmeras maneiras para essas afecções e é isso que nos dá

individualidade, pela comunicação entre o que nos compõe, o que se opõe a

nós e o que nos é indiferente, o que é igual a qualquer indivíduo. Isso é o que

faz com que cada ser seja singular.

Fotografia 38 – Cândice cantando uma canção de ninar para Antônio e Djefri enquanto os dois reagem vocalmente com outros sons.

Fonte: Alessandra Dörr.

63

llamaremos «imágenes» de las cosas a las afecciones del cuerpo humano cuyas ideas nos representan los cuerpos exteriores como si nos estuvieran presentes, aunque no reproduzcan

las figuras de las cosas.

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Fotografia 39 – Os atores testando uma canção em uníssono.

Fonte: Alessandra Dörr.

Fotografia 40 – Com os estímulos vocais, os atores influenciavam a ação do outro.

Fonte: Alessandra Dörr.

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Fotografia 41 – Experimentação da influência da voz nos elementos rítmicos.

Fonte: Rafael Pádua.

Fotografia 42 – Cândice testando novas maneiras de trazer a canção, com interjeições, gritos e sussurros.

Fonte: Cauã Canilha e Patrício Orozco-Contreras.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa dissertação reflete sobre a criação dos études rítmicos, que são

estudos da ação do ator no tempo/espaço. Esses études surgiram durante o

ano de 2011, com o grupo de pesquisa formado por mim e pelos atores Antônio

Orellana, Cândice Lorenzoni, Djefri Ramon Pereira, Gabriele Schillo e Gelton

Quadros. A experiência colocou questões de ordem prática que fizeram

florescer questões de ordem bibliográfica. A leitura de obras sobre o ritmo,

afecção, imaginação, tempo, espaço e experiência, trouxe aspectos que foram

incorporados na prática e na escrita da dissertação. O ritmo compreendido por

mim como variação no tempo e no espaço da ação foi colocado de forma

perceptiva para os atores. A dissertação analisa a prática compartilhada e as

experiências rítmicas das noções de espaço e de tempo. A ação física no

trabalho dos atores foi percebida graças ao trabalho com a imaginação por

parte dos atores. Uma visão diferente surgiu da proposta de ritmo como

variação no tempo e no espaço: pela experienciação, defini que utilizaríamos a

expressão ritmo para compreender que não era possível, no nosso trabalho,

separar tempo e espaço na ação do ator. O ritmo apresenta um formato

fluídico, por ser reflexo de variação e transformação.

Os seis études rítmicos que surgiram foram: “Études 1: Diferentes

Combinações”, “Études 2: Redescobrir do Espaço”, “Études 3: Oposto e

Circunstância”, “Études 4: Das Palavras”, “Études 5: Para Além do ‘Ver’” e

“Études 6: Canções”. Cada um deles contempla novas possibilidades de

variação rítmica. Todos foram experimentados durante o trabalho com

partituras e, também, durante o jogo entre os atores antes do surgimento de

partituras.

Durante todo o processo de pesquisa prática, foram utilizados diferentes

elementos rítmicos. Os elementos rítmicos foram organizados nessa pesquisa

para contemplarem diferentes experimentações espaço-temporais. Todos os

elementos rítmicos – Velocidades, Duração, Níveis, Direções possíveis,

Tensão e relaxamento, Expansão e recolhimento, Distâncias, Tamanhos,

Relação com o objeto de atenção visível e Relação com objeto de atenção

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invisível – são também internos, não só totalmente apreendidos por quem

assiste, mas percebidos por quem os vive. Eu solicitava que os atores dessem

tempo para as coisas acontecerem, que elas levassem à transformação das

ações pela variação. As ações começavam a se revelar pela variação, pela

música de cada um – aqui entendendo essa música como pessoal e dada no

corpo, na ação física. Sempre dizia que cada um tinha o seu “jeitinho” de

começar, de variar, cada um tinha uma particularidade dada por diferentes

necessidades. E que percebessem o que desencadeava essa necessidade, o

que provocava a variação em cada momento. Como se dava o aqui e o agora,

esse tempo e esse espaço de sensações. Não queria que apenas me

mostrassem variações, a ideia não era improvisar nos études para mostrar,

mas para transformar. Não havia a necessidade de criarem, pedia que

houvesse mais entrega e menos querer, mais reação ao outro do que

imposição ao outro. Quando eles estavam se movimentando muito, sem parar,

sem perceber muito do que estava à sua volta, eu pedia que parassem onde

estivessem, olhassem para o espaço em que estavam, percebessem o tempo e

a respiração, daí o jogo continuava diferente, ficava mais perceptivo, mais

reativo, havia um jogo que era percebido também por mim.

Mudança, variação e transformação eram palavras utilizadas nos

encontros para designar ritmo. Os atores logo atentaram para a importância do

meu discurso diário sobre a variação, a ideia de transformação. Um movimento

concatenado ao outro, em um fluxo constante de transformação, de variação. A

cada novo encontro, a cada nova afecção: variação. Era importante que eles se

percebessem naquele momento, naquele dia: “Como eu estou nesse momento,

nessa sala?”. Também precisei aprender a ouvir e a atentar-me para o que os

atores me mostravam com as suas percepções, variações e sensações que

eram expressas no corpo. As conversas que ocorriam ao final de cada

encontro com o grupo colaboraram para que eu compreendesse o que eles

sentiam, seus questionamentos e descobertas. Para Cândice, “uma partitura

pode virar trinta quando se usa os études”.

Eu orientava o processo, dizendo aos atores que fizessem o que os

motivava, que sentissem o prazer disso, o prazer do jogo com os elementos

rítmicos e com os études. Percebiam que cada passada de mão no cabelo já

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era algo que acontecia, atentavam para as pequenas coisas e permitiam-se

serem afetados pelo som do colega, pelo respirar dele. Deixavam que isso

provocasse mudança no ritmo, atentavam para a sensação e percebiam que

alguma coisa acontecia sempre, não era necessário que fizessem coisas o

tempo todo. Escutavam o outro, o que o outro fazia, não só propunham,

percebiam mais do que faziam coisas o tempo todo. A ação física revelava o

humano. Eles percebiam o que lhes afetava mais a cada momento e também o

que não os afetava tanto, a atenção dedicava-se a determinados objetos de

atenção, que aqui são o mesmo que objetos “afectantes”. Assim, também

percebiam o que não queriam fazer. Nesse sentido, eles tinham a opção de

não reagirem a nada que não lhes motivasse naquele momento e podiam ficar

mais quietos, parados e centrados em si mesmos, até que algo os motivasse a

nova variação. Se estivessem muito cansados ou dispersos, pedia que

tentassem perceber isso, sentir isso, e tentassem perceber novos objetos e a

respiração própria. Deixavam que a variação fosse dada mais pela relação com

os objetos de atenção e percebiam onde estavam os seus pensamentos, para

depois tentar trazê-los para o corpo e para o espaço/tempo.

Logo após a banca de qualificação, tivemos um encontro para decidir os

rumos da pesquisa prática, para que eles colocassem suas opiniões sobre o

trabalho. Na conversa, no dia dois de agosto de 2011, Gabriele disse: “Acho

interessante quando você diz que quer elaborar études, mas que isso não

significa que eles vão servir para qualquer pessoa, que vai ser uma verdade,

mas sim, que esse sistema funcionou com esse grupo nesse momento”.

Perguntei se faltava algo que trabalhávamos anteriormente, se teriam ideias

para outros études, e Gelton respondeu: “tudo o que a gente está trabalhando

é coerente ao trabalho que se deu durante o ano”. Antônio disse, em novembro

de 2011, que, como eram muitos elementos propostos ao mesmo tempo, não

se criava uma ordem nem uma obrigatoriedade de lidar com determinado

elemento. Para Gelton tinha uma coisa maior ainda, que era o jogo com as

afecções e objetos de atenção, então nunca se sabia o que ia acontecer,

mesmo nos études mais rígidos.

Eu solicitava que atentassem para como o movimento do outro os

afetava. Jogavam, imitavam, contrapunham os movimentos. O que o outro

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fazia, mudava a movimentação de cada um dos atores. O outro era um “’objeto’

de atenção visível e invisível”, mas também era parte do corpo de cada ator,

era percebido no outro. Sempre havia mudança, mas isso podia ser sutil. Eles

reagiam à entrada de alguém estranho na sala, respondiam um ao outro só

com pequenos toques do pé no chão, pequenas batidas, só com o olhar, com

as mãos, com o quadril, ou determinada parte do corpo. Por vezes, respiravam

juntos, percebendo essa sincronia - uma sincronia que podia ser feita também

de oposição. Perguntava-lhes durante o jogo qual era o prazer de fazer isso e a

resposta se dava no próprio jogo.

Nos últimos encontros, eles relataram sobre o desejo de experimentar

fazer um espetáculo teatral com três partituras coletivas experimentadas dentro

de cada étude. Havia um desejo muito grande por parte de todos de

continuarem a pesquisa, os études rítmicos. Todos se questionam se uma

segunda parte da pesquisa não poderia ser relacionada à criação de um

espetáculo a partir dos études rítmicos. Cândice vem utilizando os études para

sua disciplina de Canção e Expressão Vocal, no curso de Artes Cênicas da

UFSM. Gelton utilizou a metodologia durante o ano de 2011 no espetáculo que

dirigiu, Bodas de Sangue, de Federico García Lorca, sendo que eu era a atriz

do mesmo. Foi especialmente interessante testar os elementos rítmicos e

alguns études (Para Além do Ver e Canções) sob outra condução,

experimentar em outro processo um procedimento criado por mim mesma junto

aos atores, perceber as dificuldades e as facilidades colocadas em cada um

deles e ver outra pessoa usar esse trabalho para modificar o próprio trabalho,

para experimentar. Djefri usou do procedimento de trabalho dos études e

elementos rítmicos para a elaboração de sua encenação IV, “Pela Noite”, ele

disse perceber que os atores de sua encenação passaram a responder mais

uns aos outros. Djefri tem usado a pesquisa para desenvolver trabalhos em

outras disciplinas do curso de Artes Cênicas, como Técnicas de Representação

III e pretende vincular a pesquisa no processo de criação de seu monólogo no

curso de Artes Cênicas, com o título provisório de “A Criação de um Espetáculo

Solo a partir dos Études Rítmicos”.

Os études rítmicos surgiram em encontros de experimentação da ação

física no tempo e no espaço; eles foram organizados em seis e cada um

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aborda de uma maneira, as possibilidades rítmicas do corpo do ator.

Inicialmente, foram experienciados Viewpoints, Treino das Velocidades e

exercícios labanianos para que deles emergissem os elementos rítmicos. Do

jogo dos atores com os elementos rítmicos, foram sendo organizados os

études rítmicos. O processo de criação, pela descrição e pela análise dos

études foi o fundamento dessa dissertação. Espero, com a escrita, resgatar os

momentos vividos na prática proposta, repensá-los e compreendê-los, para que

sirvam de inspiração para novas experiências artísticas e novas escritas.

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