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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica
COMPARAÇÃO DA ACURÁCIA DA CITOLOGIA CONVENCIONAL E CITOLOGIA
EM BASE LÍQUIDA PARA DIAGNÓSTICO MORFOLÓGICO E
MICROBIOLÓGICO
Beatriz Silva Ibrahim
Trabalho de Conclusão do Curso de
Farmácia-Bioquímica da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo.
Orientador(a): Prof. Dra. Silvya Stucchi
Maria-Engler
Co-orientador(a): Prof. Dra. Michelle
Garcia Discacciati de Carvalho
São Paulo
2017
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela vida e pelo sustento diário.
À minha mãe, pelo suporte em todos os momentos, e ao meu pai, presente
mesmo à distância. Aos demais familiares, pelas orações e carinho.
Ao Calvin, pelo amor, principalmente nas horas mais difíceis.
A todos os meus amigos de curso e de intercâmbio, que trilharam comigo
esse complexo caminho da graduação, por toda vida compartilhada dentro e fora
da Universidade. Aos demais amigos, sem os quais a vida não seria completa.
À Dra. Silvya Stucchi, à Dra. Adriana Lino, à Dra. Leanne Stokes, à Dra.
Dominique Fischer e a todos os demais docentes com quem tive contato, por
compartilharem essa preciosidade que é o conhecimento, em aulas, em
orientações, em laboratórios, em monitorias, no Brasil e na Inglaterra. À Dra
Michelle Garcia, sem a qual este Trabalho de Conclusão de Curso não seria
possível, pela orientação e por toda a ajuda.
A todos os funcionários da Universidades de São Paulo e da University of
East Anglia, por possibilitarem a conclusão dessa jornada.
“We ourselves feel that what we are doing is just a drop in
the ocean. But the ocean would be less because of that missing
drop.” Mother Teresa
1
SUMÁRIO
Pág.
Lista de Abreviações 2
Lista de Figuras e Tabelas 4
RESUMO 5
1. INTRODUÇÃO 7
2. OBJETIVOS 11
3. MATERIAIS E MÉTODOS 11
4. RESULTADOS 15
5. DISCUSSÃO 23
6. CONCLUSÃO 26
7. BIBLIOGRAFIA 27
8. ANEXOS 30
2
LISTA DE ABREVIAÇÕES
Abreviação Definição
AGC Células Glandulares Atípicas (Atypical Glandular Cells)
ASC-US Células Escamosas Atípicas de Significado Indeterminado
(Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance)
ASC-H Células Escamosas Atípicas de Significado Indeterminado em que
não se pode excluir HSIL (Atypical Squamous Cells, Cannot Rule
out HSIL)
CBL Citologia em Base Líquida
CC Citologia Convencional
CCE Carcinoma de Células Escamosas
CO Citologia Oncótica
HPV Papilomavirus Humano
HSIL Lesão escamosa intraepitelial de alto grau (High-grade Squamous
Intraepitelial Lesion)
JEC Junção Escamo-Colunar
LLETZ Excisão da zona de transformação por alça diatérmica (Large
Loop Excision of the Transformation Zone)
LSIL Lesão escamosa intraepitelial de baixo grau (Low-grade
Squamous Intraepitelial Lesion)
NIC Neoplasia Intraepitelial Cervical
PBS Tampão Fosfato-Salino (Phosphate buffered saline)
PCR Reação de Cadeia de Polimerase (Polimerase Chain Reaction)
SUS Sistema Único de Saúde
3
TBS Sistema de Bethesda (The Bethesda System)
VB Vaginose Bacteriana
UEM Universidade Estadual de Maringá
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
USP Universidade de São Paulo
VPN Valor Preditivo Negativo
VPP Valor Preditivo Positivo
WHO Organização Mundial de Saúde (World Health Organization)
4
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figura/Tabela Descrição
Figura 1 A - Citologia Convencional e B – Citologia em Base Líquida. A1
e B1: diagnóstico concordante para negativo para lesões
intraepiteliais e microbiota lactobacilar. A2 e B2: diagnóstico
discordante, mostrando LSIL na CBL e HSIL na CC. A3 e B3:
diagnóstico concordante de HSIL/NIC2. Nikon ACT-1 1.200C
DXM, aumento de 400x
Figura 2 A - Citologia Convencional e B - Citologia em Base Líquida. A1 e
B1: diagnóstico concordante de HSIL/NIC2. A2 e B2: diagnóstico
concordante de HSIL/NIC3 com comprometimento glandular. A3
e B3: diagnóstico concordante de carcinoma escamoso invasor.
Nikon ACT-1 1.200C DXM, aumento de 400x
Figura 3 A - Citologia Convencional mostrando Alteração em Célula
Glandular, com artefato de fixação. B - Citologia em Base Líquida
mostrando Alteração em Célula Glandular e grupamento de
HSIL. O diagnóstico histológico foi NIC 3 com comprometimento
glandular. Nikon ACT-1 1.200C DXM, aumento de 400x.
Figura 4 A- Citologia Convencional e B- Citologia em Base Líquida.
Ambos mostrando diagnóstico de vaginose bacteriana. Nikon
ACT-1 1.200C DXM, aumento de 400x.
Figura 5 Citologia Convencional mostrando células metaplásica sugestiva
de Chlamydia trachomatis. Nikon ACT-1 1.200C DXM, aumento
de 400x.
Tabela 1
Desempenho da CBL e CC para diagnóstico de lesões cervicais
de acordo com a biópsia obtida por conização.
Tabela 2 Desempenho da CBL e CC para diagnóstico de vaginose
bacteriana tendo a bacterioscopia de Nugent como padrão ouro.
5
RESUMO
IBRAHIM, BS. Comparação da acurácia da citologia convencional e citologia em
base líquida para diagnóstico morfológico e microbiológico. 2017. no. f. Trabalho de
Conclusão de Curso de Farmácia-Bioquímica – Faculdade de Ciências
Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
Palavras-chave: Citologia, Papanicolaou, diagnóstico, acurácia
INTRODUÇÃO: O câncer de colo de útero é a terceira neoplasia mais incidente em
mulheres brasileiras. No Brasil, Exame de Papanicolaou ou Exame de Citologia
Oncológica (CO) é o exame de rotina para o rastreamento deste câncer na rede
pública e privada, utilizando a Citologia Convencional (CC). O rastreamento
citológico também pode ser realizado pela Citologia em Base Líquida (CBL), e
desde o surgimento da mesma, existe um extenso debate sobre qual das duas
técnicas seria mais eficiente. A literatura é controversa sobre a superioridade da
CBL em relação à CC, tanto para diagnóstico morfológico quanto microbiológico.
OBJETIVO: Através de um estudo tipo “validação de teste diagnóstico”, determinar
a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo negativo (VPP), valor preditivo
positivo (VPN) e kappa das técnicas de CC e CBL para diagnóstico morfológico e
microbiológico.
MATERIAIS E MÉTODOS: Amostras cervicais de 100 participantes foram
coletadas. Após preparação das lâminas e leitura, foram calculados os indicadores.
RESULTADOS: A sensibilidade encontrada para CBL foi superior à CC para
diagnóstico morfológico, sendo os valores encontrados para os demais indicadores
similares para ambas as citologias. O grau de concordância entre as duas citologias
é proporcional ao grau da lesão, sendo considerada boa para os cut-offs HSIL/NIC2-
3 e carcinoma invasor. Os desempenhos da CBL e da CC para diagnóstico
microbiológico também foram semelhantes, com ótima concordância para o
diagnóstico de vaginose bacteriana.
6
CONCLUSÃO: A acurácia encontrada para a CBL foi maior no diagnóstico
morfológico, sendo neste estudo a técnica superior à CC.
7
1. INTRODUÇÃO
1.1 Câncer de colo de útero e o Papilomavirus humano (HPV)
O câncer de colo de útero (ou câncer cervical) é a terceira neoplasia mais
incidente em mulheres brasileiras. Para o ano de 2016, foram estimados 16.340
novos casos no Brasil (INCA, 2015). De acordo com a World Health Organization
(WHO), em 2014 a mortalidade no sexo feminino por câncer de colo de útero
correspondeu a 8,6% do total de 104.100 mortes por câncer no país (WHO, 2014).
A infecção persistente por genotipos de Papilomavirus humano (HPV) de alto
grau oncogênico é necessária para o desenvolvimento do câncer do colo do útero
(Schiffman et al, 2007). O HPV é transmitido através de relações sexuais, e a
maioria das infecções é resolvida dentro do período de 1 a 2 anos da exposição
pelo próprio sistema imunológico (Schiffman et al, 2007; Voltaggio et al, 2016).
Entretanto, parte destas infecções é persistente e pode evoluir para estados pré-
cancerosos, e isto está majoritariamente relacionado ao tipo de HPV, embora outros
fatores como a multiparidade, o hábito de fumar e o uso de anticoncepcionais
possam influenciar (Schiffman et al, 2007). O intervalo de tempo entre a detecção
de uma lesão cervical pré-neoplásica e o desenvolvimento de um carcinoma
escamoso invasivo pode ser de até 2 décadas (Voltaggio et al, 2016).
Um estudo conduzido pelo nosso grupo, que contou com a inclusão de
mulheres de Campinas e região que apresentavam neoplasias intraepiteliais
cervicais e/ou carcinoma escamoso invasor, mostrou um o HPV 16 é o tipo mais
prevalente (34%), seguido de HPV31 (8%), HPV52 (7%), HPV33 (6,5%), HPV58
(6%), HPV35 (5,5%) e HPV62 (4%). HPV18 representou 2,6% de todos os casos.
(Discacciati et al, 2015).
A detecção precoce das lesões cervicais precursoras do câncer do colo de
útero, que tem como método principal de rastreamento o exame de Papanicolaou,
é capaz de prevenir o carcinoma invasor, promovendo a cura em 100% dos casos
diagnosticados e tratados precocemente (Diretrizes INCA, 2016;).
8
1.2 Exame de Citologia Oncótica
No Brasil, o exame de Papanicolaou ou exame de Citologia Oncológica (CO)
é o exame de rotina para o rastreamento do câncer de colo de útero na rede pública
e privada (INCA, 2015). O exame de Papanicolaou foi elaborado por George
Nicholas Papanicolaou em 1920, com o objetivo de estudar as células vaginais e do
colo uterino para diagnóstico de anormalidades. (Diretrizes INCA, 2016)
Atualmente, o rastreamento é realizado no Sistema Único de Saúde (SUS)
dentro de um padrão oportunístico, ou seja, é realizado quando as mulheres
brasileiras procuram o SUS por outras razões que não ginecológicas. (Diretrizes
INCA, 2016). A recomendação geral pelo Ministério da Saúde é que o rastreamento
seja feito uma vez por ano e após dois resultados seguidos negativos, a cada três
anos, na faixa etária de 25 a 64 anos. Esta diretriz é válida para mulheres sem
complicações ou casos específicos, sendo outros intervalos requeridos para
situações particulares (Diretrizes INCA, 2016).
O exame de Papanicolaou pode ser realizado por duas técnicas: a Citologia
Convencional (CC) e a Citologia em Base Líquida (CBL). Existem vários
interferentes que podem prejudicar a visualização de células neoplásicas durante o
exame de CO, como, por exemplo, presença de hemácias e infiltrado inflamatório
intenso (Schiffman et al, 2007). A CO realizada em lâminas de CC possui alta taxa
de falso negativo, que varia de 20 a 40%, como consequência de processos
reparativos, inflamatórios e atróficos (Stabile et al, 2012), falhas na coleta e
preparação das lâminas (Anschau e Gonçalves, 2006) e baixa sensibilidade para
detecção de lesões de alto grau (50%) (Stabile et al, 2012).
A CBL foi desenvolvida para tentar minimizar as falhas da CC, e ganhou
aprovação em 1996 pelo Food and Drug Administration (Stabile et al, 2012). A CBL
tem como características uma ótima fixação, dispersão homogênea do material de
análise em uma única camada sem sobreposição de células e a existência de um
fundo limpo, proporcionando maior nitidez dos detalhes celulares (Takei et al, 2006;
Strander et al, 2007; Stabile et al, 2012). Nesta técnica, as amostras são coletadas
e dispostas em um meio preservativo, que em seguida é homogeneizado por
9
centrifugação, permitindo a separação de acordo com diferentes densidades,
removendo muco, sangue e debris celulares (Takei et al, 2006). A CBL substituiu a
CC no rastreamento do câncer de colo de útero em países como o Reino Unido e o
Canadá (Strander et al, 2007).
1.3 Sistema de Bethesda (TBS)
O Sistema de Bethesda (The Bethesda System, TBS) teve origem em um
workshop no ano de 1988, sendo modificado posteriormente por mais três reuniões
em 1991, 2001 e 2014, e tendo como objetivo a padronização da terminologia entre
diferentes patologistas e laboratórios, facilitando a interpretação dos resultados do
exame de CO para outros profissionais da saúde (Nayar e Wilbur, 2015). O TBS
também padronizou os critérios de adequabilidade das amostras e indiretamente
levou à criação de diretrizes de manejo clínico através de pesquisas clínicas e
pesquisas sobre o vírus HPV. A terminologia do TBS é atualmente recomendada
pela WHO e por outras organizações dedicadas à patologia para o reporte citológico
de lesões associadas ao HPV (Nayar e Wilbur, 2015).
As lesões pré-cancerosas escamosas são classificadas em lesão
intraepitelial de baixo grau (do inglês Low-grade Squamous Intraephitelial Lesion,
LSIL) e lesão intraepitelial de alto grau (do inglês High-grade Squamous
Intraepithelial Lesion, HSIL) (Nayar e Wilbur, 2015).
1.4 Classificação de Richart
A nomenclatura de Richart surgiu dos esforços de Ralph Richart, em meados
da década de 1960, para compreensão do desenvolvimento dos diferentes estágios
celulares sequenciais que precedem o câncer cervical, uma vez que seus estudos
concluíram que a displasia acentuada e o carcinoma in situ eram próximos.
(Diretrizes INCA, 2016). O espectro de lesões pré-cancerosas levou à criação do
termo Neoplasia Intraepitelial Cervical (NIC), o qual é dividido em NIC 1, 2 e 3. NIC
1 refere-se à displasia leve, NIC 2 displasia moderada e NIC 3 displasia severa.
10
Após a criação da terminologia de Bethesda, NIC 2 e 3 têm como correspondente
HSIL, e NIC 1 tem como correspondente LSIL. (Voltaggio et al, 2016). Atualmente,
a classificação de Richart é usada para diagnóstico histológico, enquanto a TBS é
utilizada para o diagnóstico de CO.
1.5 TBS e presença de micro-organismos
Embora não seja o foco principal do rastreamento, para uma avaliação
completa do estado cervicovaginal, são incluídos no exame reportes referentes à
presença de micro-organismos. O TBS de 2001 incluiu na categoria “Organismos”
o rastreio de 5 micro-organismos, como parte dos achados não-neoplásicos, sendo
esses: Trichomonas vaginalis, Candida spp., alterações no padrão bacteriano ou
vaginose bacteriana (VB), Actinomyces ssp., e Herpes simplex (Takei et al, 2006;
Nayar e Wilbur, 2015).
1.6 Discussão sobre a eficiência das técnicas
Desde o surgimento da CBL, na década de 1990, existe um extenso debate
sobre qual das duas técnicas seria mais eficiente. A CBL mostra-se superior à CC
pela facilidade de transporte, durabilidade das amostras, número de células
epiteliais visíveis por lâmina, embora seja uma técnica mais cara e de execução
mais demorada (Sykes et al, 2008). A CBL tem ainda a vantagem de fornecer
material para diagnóstico molecular de infecções não diagnosticas por morfologia,
como por exemplo, Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhea e o próprio HPV.
Isso pode ser feito utilizando a mesma amostra coletada para o diagnóstico
morfológico, sem necessidade de coleta adicional. (Discacciati et al, 2015).
A literatura é controversa sobre a superioridade da CBL em relação à CC. A
escolha entre o método de CC e CBL depende da avaliação de diversas variáveis
relacionadas à acurácia, desenvolvimento tecnológico e custo. Assim, estudos que
comparem a eficácia destas duas tecnologias poderão fornecer subsídios para
melhor decisão sobre o método utilizado para diagnóstico das alterações cervicais.
11
2. OBJETIVOS
Determinar a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo negativo
(VPN), valor preditivo positivo (VPP) e kappa de Cohen das técnicas de CC e CBL
para diagnóstico morfológico e microbiológico, utilizando como padrão ouro: biópsia
para diagnóstico morfológico, GRAM e reação de cadeia de polimerase (PCR)
Multiplex como diagnóstico de infecções genitais.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Coleta das Amostras:
As participantes foram referidas ao Caism - Hospital da Mulher Prof. Dr. José
Aristodemo Pinotti da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) para
realização da excisão da zona de transformação por alça diatérmica (LLETZ), por
apresentarem diagnóstico de lesões cervicais de alto grau em exames anteriores
de Papanicolaou e/ou biópsia. As participantes foram incluídas entre agosto de 2013
e agosto de 2014.
Após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, as
participantes foram submetidas ao exame especular para coleta de amostras
cervicais. As amostras foram conservadas em meio SurePath® e salina estéril.
Também foram coletados esfregaços da parede do terço superior da vagina para
realização de bacterioscopia corada pelo GRAM e esfregaço cervicovagonal para a
realização da CC.
3.2 Preparo das lâminas para estudo citológico:
As amostras foram analisadas no Laboratório de Citopatologia da Faculdade
de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP). Foram analisadas
as lâminas preparadas da seguinte maneira:
12
a.) Citologia Convencional: esfregaço cervicovaginal feito por aposição da
amostra diretamente na lâmina de vidro, com auxílio de espátula cervical e
escovinha endocervical e posterior fixação com álcool 95°.
b.) Citologia em Base Líquida: Foram aspirados 8mL das amostras
cervicovaginais armazenadas no meio conservador Surepath® e a este volume,
adicionou-se 4mL de tampão gradiente. As amostras foram centrifugadas (1400 rpm
por 10 minutos). O sobrenadante foi descartado e o pellet foi ressuspendido em
tampão fosfato-salino (PBS) para uma segunda centrifugação (2.900 rpm por 10
minutos). Após novo descarte do sobrenadante, um volume de 200 a 300 µL do
pellet foi colocado em uma lâmina com auxílio de um delimitador de campo.
As lâminas, tanto de CBL quanto de CC, foram então coradas através da
técnica de coloração de Papanicolaou, conforme o protocolo abaixo:
Etapa Substância para coloração Número de Imersões ou
tempo
1 Álcool a 80% 15 imersões
2 Álcool a 70% 15 imersões
3 Álcool a 50% 15 imersões
4 Água Destilada 15 imersões
5 Hematoxilina de Harris Imersão durante 2 minutos
6 Água destilada 15 imersões
7 Álcool a 50% 15 imersões
8 Álcool a 80% 15 imersões
9 Álcool a 95% 15 imersões
10 Orange G Imersão durante 1 minuto
11 Álcool a 95% 15 imersões
12 EA36 (verde luz, eosina e pardo de Bismard) Imersão durante 1 minuto
13 Xilol I 15 imersões
14 Xilol II 15 imersões
15 Montagem da lâmina com lamínula utilizando
Entellan®.
Não se aplica
13
3.3 Leitura das lâminas:
A leitura de cada uma das lâminas foi realizada por uma citopatologista que
não tinha conhecimento dos resultados dos exames considerados padrão ouro para
diagnóstico morfológico e microbiológico.
As lâminas foram analisadas em aumento de 100x para escrutínio
panorâmico e em aumento de 400x para interpretação morfológica das alterações
celulares, em microscópio Nikon.
Os diagnósticos citológicos e microbiológicos foram registrados
individualmente na ficha elaborada para o presente trabalho (Instrumento de Coleta
de Dados, Anexo 2).
3.4 Diagnóstico Morfológico e Citológico:
Quanto ao diagnóstico citológico, a classificação foi feita em uma das
seguintes categorias: ausência de lesões intraepiteliais/malignidade (negativo),
lesão escamosa intraepitelial de baixo grau (LSIL), lesão intraepitelial escamosa de
alto grau (HSIL), carcinoma de células escamosas (CCE), células escamosas
atípicas (ASC-US e ASC-H) e células glandulares atípicas (AGC), de acordo com
os critérios do Sistema de Bethesda 2014.
A respeito do diagnóstico microbiológico, foram avaliadas as seguintes
infecções cervicais e condições clínicas: vaginose bacteriana (VB), Candida spp,
Trichomonas vaginalis, Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoea e
Actinomyces spp. Além disso, foram consideradas na avaliação as microbiotas
lactobacilar ou escassa. O diagnóstico de vaginose bacteriana no esfregaço de
Papanicolaou foi baseado na observação de pelo menos 20% de clue cells de
acordo com critérios definidos por Discacciati et al, 2006.
3.5 Diagnóstico das Lesões por Biópsia (padrão ouro):
14
O diagnóstico histológico das biópsias obtidas pelo LLETZ foi realizado por
um anatomopatologista no Laboratório de Patologia do Hospital das Clínicas da
UNICAMP como parte da rotina do ambulatório, e as amostras foram classificadas
como NIC1, NIC2, NIC3 ou carcinoma de células escamosas. Este diagnóstico foi
considerado o padrão ouro para o diagnóstico das lesões cervicais.
3.6 Diagnóstico de infecções genitais (padrão ouro):
Os diagnósticos de Chlamydia spp., Neisseria gonorrhoeae e Trichomonas
vaginalis foi realizado por PCR multiplex, a partir da amostra endocervical coletada
em salina estéril, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade
Estadual de Maringá (UEM), conforme protocolo padronizado nesta instituição.
Estas avaliações ocorreram dentro do estudo do qual este trabalho faz parte.
Os diagnósticos de vaginose bacteriana, Candida spp. e Actinomyces spp.
foram realizados a partir de lâminas coradas pela técnica de GRAM utilizando o
score de Nugent (Nugent et al, 1991). Para o diagnóstico de vaginose bacteriana,
uma pontuação de 0 a 3 foi considerada normal, uma pontuação 4 a 6 foi
classificada como intermediária e uma pontuação ≥ 7 foi considerada positiva para
VB.
3.6 Análise estatística:
Foram analisadas amostras cervicais de 100 mulheres. Este tamanho
amostral partiu do número de amostras disponíveis a partir do projeto no qual este
trabalho está inserido.
Os diagnósticos feitos tanto pela CC quanto pela CBL foram comparados aos
testes utilizados como padrão ouro para lesões cervicais (biópsia de colo uterino
obtido por LLETZ) ou infecções genitais (bacterioscopia pelo método de Nugent e
PCR multiplex). No caso das lesões intraepiteliais de alto grau (HSIL), além de
consideramos em conjunto as lesões de NIC 2 e NIC 3, conforme preconiza o TBS,
nós também realizamos uma análise separadamente destes dois graus de lesão.
15
Foram então calculados a sensibilidade, a especificidade, o VPP, VPN e
Kappa de Cohen da CBL e CC.
3.7 Aspectos éticos:
O presente estudo foi do tipo validação de teste diagnóstico, e faz parte de
um estudo anterior aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da USP no parecer consubstanciado número 346.238 de
2013 (Anexo 1). Todas as participantes assinaram termo de consentimento livre e
esclarecido.
4. RESULTADOS
4.1 Desempenho da CC e da CBL para diagnóstico de lesões cervicais
A Tabela 1 apresenta os valores encontrados de sensibilidade,
especificidade, VPP, VPN e acurácia de acordo com o grau de lesão citológica para
a CC e a CBL, comparando com a biópsia padrão ouro. Nesta tabela também está
descrito o valor Kappa de concordância entre CBL e CC.
Nota-se que os valores de sensibilidade aumentam proporcionalmente de
acordo com o grau da lesão, tanto para CC quanto para CBL. A concordância entre
a CC e CBL também aumenta de acordo com o aumento do grau da lesão.
Os valores encontrados de especificidade, entretanto, se mantêm similares,
diminuindo discretamente com o grau da lesão.
Para o VPP, encontra-se ligeira superioridade da CBL sobre a CC para
lesões LSIL/NIC1 e HSIL/NIC2, superioridade da CC para a HSIL/NIC 3 e igualdade
de valores para as outras lesões.
Para o VPN, observa-se discreta superioridade da CC em relação à CBL nas
lesões LSIL/NIC 1, HSIL/NIC 2 e carcinoma invasor, e superioridade da CBL em
relação à CC nas demais lesões.
16
Em termos de acurácia, encontramos proximidade de valores para as duas
citologias, com a CC sendo superior apenas em LSIL/NIC 1 e carcinoma invasor.
Quando se trata de concordância de diagnóstico entre as duas técnicas,
obteve-se um valor kappa crescente de acordo com o grau de lesão, sendo a
concordância considerada melhor para HSIL/NIC2-3 e carcinoma invasor.
Quanto à adequabilidade da amostra, observou-se que a CC apresentou
maior frequência de amostras sem representação de células da junção escamo-
colunar (JEC) (4 casos), de amostras mal fixadas (8 casos) e de esfregaços
obscurecidos por hemácias e neutrófilos (5 casos). Na CBL encontramos apenas
uma lâmina com ausência de células da JEC e nenhum caso com ausência de
células da JEC ou limitações por hemácias ou neutrófilos.
A Figura 1 mostra imagens das lâminas de CC e CBL cujos diagnósticos
citológicos foram concordantes para negativo para lesões intraepiteliais ou
malignidade (Figura 1 - A1 e B1), discordância para diagnóstico de HSIL na CC
(Figura 1 - A2), e LSIL (Figura 1 - B2) na CBL; e concordância para diagnóstico de
HSIL/NIC 2 (Figura 1 - A3 e B3).
A Figura 2 representa casos concordantes de HSIL/NIC2 (Figura 2 - A1 e
B1), HSIL/NIC3 com comprometimento glandular (Figura 2 - A2 e B2) e carcinoma
escamoso invasor (Figura 2 - A3 e B3). Nota-se que o caso de NIC 2 diagnosticado
na CC mostra limitações de fixação.
Foram encontrados dois casos em que o diagnóstico da biópsia foi de NIC 3
com comprometimento glandular, mas em ambas a citologias o diagnóstico foi de
células glandulares atípicas (AGC), como mostrado na Figura 3, onde podemos
observar também limitação de fixação na CC.
Tabela 1: Desempenho da CBL e da CC para diagnóstico de lesões cervicais de acordo com a biópsia obtida por conização
Teste
Lesão citológica
LSIL/NIC1 HSIL/NIC 2 HSIL/NIC 3 HSIL/NIC2-3 Carcinoma
invasor
Cit
olo
gia
em
Bas
e
Líq
uid
a
Sensibilidade % (IC95%) 10 (9-29) 21 (3-39) 71 (59-83) 81 (71-91) 54 (25-84)
Especificidade % (IC95%) 96 (91-100) 96 (92-99) 88 (81-95) 86 (60-100) 100 (100-100)
VPP % 25 50 79 98 100
VPN % 89 86 83 35 94
Acurácia % 86 83 82 81 95
Cit
olo
gia
Co
nv
en
cio
na
l
Sensibilidade % (IC95%) 0 (0-0) 12 (4-27) 62 (48-75) 75 (64-86) 64 (35-92)
Especificidade % (IC95%) 100 (100-100) 95 (90-100) 86 (76-96) 86 (59-100) 100 (100-100)
VPP % 50 33 84 98 100
VPN % 91 83 65 30 95
Acurácia % 90 81 73 76 96
Kappa entre CC e CBL 0,03 0,16 0,45 0,68 0,75
Figura 1: A - Citologia Convencional e B – Citologia em Base Líquida. A1 e B1:
diagnóstico concordante para negativo para lesões intraepiteliais e microbiota
lactobacilar. A2 e B2: diagnóstico discordante, mostrando LSIL na CBL e HSIL na
CC. A3 e B3: diagnóstico concordante de HSIL/NIC2. Nikon ACT-1 1.200C DXM,
aumento de 400x.
19
Figura 2: A - Citologia Convencional e B - Citologia em Base Líquida. A1 e B1:
diagnóstico concordante de HSIL/NIC2. A2 e B2: diagnóstico concordante de
HSIL/NIC3 com comprometimento glandular. A3 e B3: diagnóstico concordante de
carcinoma escamoso invasor. Nikon ACT-1 1.200C DXM, aumento de 400x.
20
Figura 3: A - Citologia Convencional mostrando Alteração em Célula Glandular,
com artefato de fixação. B - Citologia em Base Líquida mostrando Alteração em
Célula Glandular e grupamento de HSIL. O diagnóstico histológico foi NIC 3 com
comprometimento glandular. Nikon ACT-1 1.200C DXM, aumento de 400x.
4.2 Desempenho da CC e da CBL para diagnóstico microbiológico
4.2.1 Diagnóstico de Vaginose Bacteriana
A Tabela 2 apresenta os valores encontrados de sensibilidade,
especificidade, VPP, VPN e acurácia para o diagnóstico de vaginose bacteriana
para a CC e a CBL, em comparação ao teste de Nugent, considerado padrão ouro.
Também está descrito o valor kappa para concordância entre CC e CBL.
Nota-se que quanto à sensibilidade e ao VPP, a CC se mostrou superior. Já
quanto à especificidade, VPN e acurácia, ambas apresentam praticamente o
mesmo desempenho.
A Figura 4 ilustra um caso de VB diagnosticada na CC e na CBL.
21
Tabela 2: Desempenho da CBL e CC para diagnóstico de vaginose bacteriana tendo a
bacterioscopia de Nugent com padrão ouro
Citologia em Base
Líquida Citologia Convencional
Sensibilidade % (IC95%) 63 (46-81) 70 (54-86)
Especificidade % (IC95%) 99 (97-100) 100 (100-100)
VPP % 95 100
VPN % 89 88
Acurácia 90 91
Kappa entre CC e CBL 0,90
Figura 4: A- Citologia Convencional e B- Citologia em Base Líquida. Ambos
mostrando diagnóstico de vaginose bacteriana. Nikon ACT-1 1.200C DXM, aumento
de 400x.
4.2.2 Diagnóstico de outras infecções
Devido ao pequeno número de amostras em que foram detectadas infecções
por Chlamydia trachomatis, Candida spp. e Trichomonas vaginalis, os dados
encontrados serão expressos de maneira descritiva.
22
a.) Chlamydia trachomatis: Foram diagnosticados oito casos de Chlamydia
trachomatis pelo PCR multiplex. Porém, esta infecção não foi encontrada na CBL
ou CC. Entretanto, uma lâmina de CC cujo diagnóstico molecular foi positivo para
Chlamydia trachomatis apresentou vacúolos citoplasmáticos em células
metaplásicas com inclusões, que são sugestivas mas não conclusivas desta
infecção, como mostrado na Figura 5.
b.) Trichomonas vaginais: Foram diagnosticados dois casos de Trichomonas
vaginalis pelo PCR multiplex, mas este protozoário não foi visualizado tanto na CBL
quanto na CC.
c.) Candida sp: Foram diagnosticados dois casos de infecção por Candida sp
pelo PCR multiplex, com 100% de concordância pela CBL e 50% de concordância
pela CC.
Figura 5: Citologia Convencional mostrando células metaplásica sugestiva de
Chlamydia trachomatis. Nikon ACT-1 1.200C DXM, aumento de 400x.
23
5. DISCUSSÃO
Os resultados encontrados para diagnóstico morfológico sugerem que a CBL
é superior à CC quanto aos valores de acurácia. Ou seja, a probabilidade de que
um diagnóstico realizado por CBL esteja correto, frente à comparação com o padrão
ouro, é maior do que um realizado por CC, principalmente nas lesões de alto grau.
Para ambas as técnicas, a sensibilidade do teste aumenta de acordo com o
aumento do grau da lesão, isto é, baixa sensibilidade em lesões de baixo grau e
maior sensibilidade em lesões de alto grau.
As especificidades encontradas no presente trabalho para as duas técnicas
são similares. A capacidade de detecção de indivíduos verdadeiramente sadios é
semelhante para a CC e a CBL, não importando o grau da lesão, em concordância
com estudos randomizado e transversal tipo direct-to-vial de 2004 e 2005,
respectivamente (Ferraz et al, 2004; Taylor et al, 2005). Entretanto, esta ausência
de diferença significativa é contraditória aos dados encontrados em outros estudos
na literatura. As especificidades encontradas por Karimi-Zarchi e grupo, tanto para
LSIL quando para HSIL, são maiores na CC do que na CBL, sendo a diferença ainda
mais expressiva em quando se analisa HSIL (92,5% para CC versus 7,94% para
CBL) (Karimi-Zarchi et al, 2013). Outro artigo cita a especificidade geral de 97,3%
para a CBL e 90% para a CC (Fei et al, 2011).
O VPP encontrado para a CBL neste estudo aponta que ela tem a maior
probabilidade de um diagnóstico de lesão de baixo grau estar correto em relação à
CC. Entretanto, para lesões de alto grau não há diferença. Já o VPN para CBL é
um pouco maior para alto grau. Este último dado é concordante com Karimi-Zarchi
e colegas, que encontraram 97,2% contra 90,7% para CBL e para CC
respectivamente (Karimi-Zarchi et al, 2013).
A literatura traz estudos com resultados contraditórios quanto à acurácia e
valores de sensibilidade e especificidade das duas técnicas. É interessante frisar
que alguns autores propõem que os resultados dependem do delineamento do
estudo e, em populações com alta incidência de lesões, a diferença entre as
acurácias da CBL e da CC geralmente não é significativa (Strander et al, 2007). Os
24
estudos com design mais adequado, em que não se encontram diferenças
significativas, seriam estudos prospectivos, com grande número de amostras e
randomizados (Strander et al, 2007). Alguns estudos falham pois não têm como
comparação os testes padrões ouro (Anschau e Gonçalves, 2006). Quanto melhor
a qualidade do estudo, menos diferenças são encontradas entre as técnicas (Simion
et al, 2014; Taylor et al, 2006).
A maior sensibilidade encontrada neste estudo para CBL para o diagnóstico
de lesões pré-neoplásicas pode ser explicada pela adequabilidade da amostra e
pelo fato de que algumas amostras da CC foram limitadas por lâminas dessecadas
e ausência de células da junção escamo-colunar (JEC) nos esfregaços. Neste
último caso, a citologia foi negativa para lesões, apesar do diagnóstico da biopsia
ser positivo. A presença de células da JEC indica boa qualidade da amostra, pois é
nesta região que se inicia a maior parte das lesões pré-neoplásicas, sendo a
detecção de lesões até dez vezes mais alta em amostras que apresentam estas
células (Diretrizes INCA, 2016). Amostras de qualidade superior por boa coleta e
processamento causam menor dificuldade de interpretação, levando a menos casos
de falsos positivos (Ilter et al, 2012), inclusive para as atipias de significado
indeterminado e lesões glandulares (Simion et al, 2014).
Para que uma amostra seja classificada com satisfatória, ela deve apresentar
células em quantidade representativa, com distribuição, fixação e coragem
adequadas (Anschau e Gonçalves, 2006; Diretrizes INCA, 2016). Porém, uma
amostra pode ser analisada mesmo que não seja plenamente satisfatória, sendo
denominada como “limitada”, pois 50 a 70% de suas células epiteliais terão uma
interpretação dificultosa. Este tipo de amostra pode apresentar ausência ou
escassez de células endocervicais ou metaplásicas representativas (JEC),
espessamento, dessecamento, áreas cobertas ou escurecidas por pus ou sangue
(Diretrizes INCA, 2016). No presente estudo, encontramos amostras limitadas por
dessecamento e ausência das células da JEC na CC.
A literatura traz diversos estudos que defendem que a CBL provê um menor
número de amostras insatisfatórias, mas também traz vários estudos que relatam
que não há diferença entre a CC e a CBL (Anschau e Gonçalves, 2006). Singh e
25
colegas, num estudo tipo split sample descrevem um menor número de amostras
insatisfatórias para a CBL em relação à CC, e os motivos mais comuns são baixa
celularidade e excesso de sangue para CC, e baixa celularidade para CBL (Singh
et al, 2015). Autores que procederam com estudos randomizados também reportam
um menor número de amostras insatisfatórias com a CBL (Strander et al, 2007; Ilter
et al, 2016; Sykes et al, 2006).
Foram encontrados dois casos em que o diagnóstico da biópsia foi de NIC 3
com comprometimento glandular, mas em ambas a citologias o diagnóstico foi de
células glandulares atípicas (AGC). Isto é compatível com os resultados de De-
Oliveira et al, que mostraram que os achados de AGC ou AGC + HSIL na citologia
não têm um correspondente histológico claro, sendo muitas vezes associados a NIC
3 na histologia (De-Oliveira et al, 2006).
Quanto aos valores de kappa encontrados no presente estudo, temos que a
concordância entre as duas técnicas foi satisfatória para HSIL/NIC2-3 e carcinoma
invasor, e moderada para HSIL/NIC-3. A concordância foi baixa nos outros tipos de
lesão. Outros estudos na literatura trazem uma variabilidade de valores de
concordância encontrados, como por exemplo concordância percentual de 75%
entre CC e CBL (Simion et al, 2014), e de 89% reportada em revisão de literatura
entre os métodos para estudos que classificam os resultados de citologia em
negativa, alterações atípicas LSIL, HSIL e carcinoma. Este valor sobe para 92%
caso a classificação seja “com ou sem alteração” (Anschau e Gonçalves, 2006). É
importante apontar que, apesar da concordância percentual e do kappa
expressarem consenso entre dois valores, o kappa é um indicador ajustado, o qual
leva em consideração a probabilidade do acaso na concordância, sendo, portanto,
mais relevante (Stemler, 2004).
Quanto à detecção de microbiota alterada, temos que os desempenhos de
CC e CBL são muito similares, sendo a CC mais sensível que a CBL na detecção
de VB, com uma boa concordância entre as técnicas. Os resultados encontrados
por Singh e colegas mostram que uma microbiota alterada e casos de VB são
detectados com mais frequência pela CC. O mesmo ocorre para Candida spp.,
apesar da visualização das hifas serem muito mais facilmente vistas na CBL.
26
Entretanto, a detecção de Trichomonas vaginalis é facilitada na CC (Singh et al,
2015). Takei e colaboradores (2006) relatam que a detecção de determinados
microorganismos da flora cervicovaginal varia de acordo com a técnica utilizada,
sendo Trichomonas sp e VB detectadas mais frequentemente pela CC enquando a
Candida spp. pela CBL (Takei et al, 2006). Sharma e colaboradores reportam que
CC é melhor para observação tanto de espécies patogênicas quanto de comensais
(Sharma et al, 2016).
Os resultados encontrados neste estudo apontam que a CBL é ligeiramente
superior caso consideremos as sensibilidades dos testes. Entretanto, esta
superioridade encontrada não justificaria a troca da CC pela CBL no contexto do
rastreamento no Brasil ou em outros países em desenvolvimento, uma vez que a
CBL, apesar de prover um maior número de amostras adequadas, proporcionar
maior facilidade de leitura, menor área para análise, dar possibilidade de realização
de testes adicionais (Singh et al, 2015) e reduzir o tempo de leitura por lâmina (Singh
et al, 2015; Sharma et al, 2016); causou um aumento de custo de até 60% nos
países que adotaram esta forma de citologia, sendo o custo de análise oito vezes
maior por lâmina (Ilter et al, 2012; Anschau e Gonçalves, 2006). Adicionalmente, à
despeito destas vantagens da CBL, não existem fortes evidências na literatura de
que seja vantajosa a substituição da CC pela CBL em países nos quais o
rastreamento não inclui rotineiramente o teste de detecção de DNA do HPV como
co-teste ou teste “reflexo”, e nos quais o rastreamento é oportunístico (Taylor et al,
2006; Vesco et al, 2011).
6. CONCLUSÃO
Os resultados encontrados neste estudo apontaram para sensibilidade e
acurácia superiores da CBL para diagnóstico morfológico das lesões cervicais.
Entretanto, para o diagnóstico de vaginose bacteriana e outras infecções, a CC se
mostrou um pouco superior à CBL.
27
O estudo possui algumas limitações, como o pequeno espaço amostral.
Estudos envolvendo maior casuística são necessários para uma conclusão
inequívoca da superioridade da CBL em relação à CC para que o custo mais
elevado da CBL justifique a substituição da última no rastreamento do câncer de
colo de útero.
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8. ANEXOS
ANEXO 1: Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade
de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, número 346.238 de 01
de Agosto de 2013.
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