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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA LÍGIA SOUZA PETRINI Da situação geográfica à situação jurídica Estudo de caso na quadra 46 da Comunidade de Paraisópolis / SP TRABALHO DE GRADUAÇÃO INDIVIDUAL SÃO PAULO 2013

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

LÍGIA SOUZA PETRINI

Da situação geográfica à situação jurídica Estudo de caso na quadra 46 da Comunidade de Paraisópolis /

SP

TRABALHO DE GRADUAÇÃO INDIVIDUAL

SÃO PAULO 2013

LÍGIA SOUZA PETRINI

Da situação geográfica à situação jurídica Estudo de caso na quadra 46 da Comunidade de Paraisópolis /

SP

TRABALHO DE GRADUAÇÃO INDIVIDUAL (TGI)

APRESENTADO AO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA SOB A ORIENTAÇÃODO PROFESSOR DOUTOR RICARDO MENDES ANTAS JR.

SÃO PAULO 2013

DEDICATÓRIA

Ao Núcleo de Direito à Cidade onde, como e quando o trabalho coletivo, a

organização, a disciplina, o saberes popular e acadêmico entraram em sintonia na busca incansável por uma cidade mais justa e por uma sociedade em que a

exploração do homem pelo homem não seja naturalizada.

AGRADECIMENTOS

Iniciando meu 7º ano na Universidade, aos meus pais, Elisabete e Sérgio, por acreditarem que o ensino superior público, a Geografia e a Educação, para os menos favorecidos, é uma realidade que gera frutos, traz alegria e é capaz de mudar o mundo, aqui estou eu. Lucas, meu irmão, por ter me dado alegria, com piadas e diversão, sobre a minha demora na graduação, aqui o fruto dessa demora. Leila, companheira, camarada, lutadora, amiga, minha irmã. A você, o trabalho que tanto nos move por caminhos tortuosos, rumo a uma cidade justa, rumo à moradia digna, rumo à socialização dos bens. Essa é a materialização de que as mudanças estão apenas esperando nossa movimentação para acontecerem. Meus amigos, que em tantas noites de Diversão me fizeram desligar um pouco da ansiedade da graduação: Gilga – Bruno, Tia Feia – Danilo, Roska - Rodrigo, JV - João Vitor e todos da ETESP, minha alegria em compartilhar toda a juventude e passar para a vida profissional com vocês, nesses 10 anos de amizade, não tem palavras. À Prasseta. Aos camaradas, Saudações! Certamente a luta por outra sociedade não seria a mesma se não os tivesse encontrado. As reuniões, as eleições, as urnas, as assembleias, as plenárias não seriam as mesmas se não tivesse com vocês toda a vivência militante desses 7 anos. Lucas Rosa, Flávio Petracioli, Júlio Fonseca, Ana Marília, só a Geografia poderia nos proporcionar tanta clareza sobre as tarefas colocadas no dia a dia. Apoena Cosenza, Bruno M. Theodosio, Juliano - Xu, que a história, a economia e a biologia nunca sejam as mesmas. E a todos que com o passar dos anos aumentaram as fileiras do Movimento Estudantil consequente e pautado na realidade, em luta por outro projeto de Universidade, estarei sempre à disposição! Xu, obrigada em particular por aguentar minhas lágrimas, por ouvir minhas bobagens, por fazer loucuras comigo, pelo ombro amigo que estes 6 anos só me fizeram bem. A luta LGBT precisa de você e de mais gente como você! Flávia Ferrari, mãe, mulher, trabalhadora, minha comadre! Que a vida do Bernardo seja cheia de alegrias, que ele seja o motivo de felicidades. Obrigada pela oportunidade em participar da vida de uma criança! Aos amigos que nessa trajetória de academia e militância fizeram da graduação um momento único: Caetano Patta - Caê, Gabriel Lourenço - Gabs, Thales Marreti, Renan Pena, Luiz Barros, Janaína de Moraes, Bruno Dantas. Por último e com o fôlego de sempre, ao Núcleo e ao Departamento Jurídico XI de Agosto – DJ, o advogado orientador sempre presente, Rodrigo Ribeiro de Sousa e ao Professor Doutor Celso Fernandes Campilongo. Esse trabalho não existiria sem vocês. Os militantes disciplinados, divertidos, comprometidos e amorosos que eu pude ter a oportunidade de conviver e acreditar que uma nova sociedade tem que existir e é possível. A luta por uma cidade para todos, a luta por moradia e

condições de vida digna na cidade de São Paulo, a possibilidade de um novo modelo educacional, as discussões sobre as táticas e estratégias do movimento popular, da extensão universitária, da militância no movimento estudantil, o Direito, a Geografia, não são os mesmos com vocês! Gabi Machado, que a luta feminista não seja em vão, que o trabalho de formiguinha seja um passo para a conquista de nossos direitos. Ana Marília, que a clonagem esteja acessível em breve, para você realmente poder ser mais que uma nessa batalha diária. Stacy, (Ana) Navarrete, Rafael (Tatemoto)! Que esse mundão de dificuldades, injustiças e contratempos só sirva pra mostrar quanto trabalho temos pela frente, obrigada pelos desafios que vocês me colocaram e por me fazer ver que o Direito vai para além dos muros da Faculdade de Direito – SanFran. Em especial, meu carinho, admiração e felicidade em poder encontrar o melhor companheiro, amigo e camarada, na Universidade: Zé, que este trabalho signifique tanto para mim quanto para você, o fruto de anos de discussões, brigas e alegrias que compartilhamos. Sou muito grata na concretização de uma verdadeira amizade, pela cumplicidade e pela militância que lhe é peculiar. Que esses anos de amizade se multipliquem, revivam a cada conversa, a cada momento. Obrigada pelos puxões de orelha, pelas palavras duras, pelas mensagens desafiadoras e pela vontade de sempre em me ver feliz. A você, a admiração por ser quem é. E por ser quem eu sou hoje. Aos moradores sempre carinhosos, alegres, preocupados conosco, com os nossos domingos e nossas famílias, Glorinha, Josi e Seu Francisco. Com certeza o saber de vocês vale muito mais que muitos livros; a vida de vocês, muito mais que uma simples história e nossos domingos muito mais que meras reuniões. Obrigada por seguirem confiando no Núcleo. À Pró Reitoria de Cultura e Extensão Universitária quando, enquanto Representante Discente e bolsista de extensão, militei pela necessidade na mudança de estrutura das políticas de cultura e extensão, no fomento às iniciativas extensionistas verdadeiramente ditas, populares, que a Universidade de São Paulo cumpra um dia seu papel, ser Universal. Obrigada por apoiar e financiar as atividades do Núcleo de Direito à Cidade, para além de ajudas financeiras, levamos a Faculdade de Direito, a Faculdade de Filosofia e a Geografia para o Brasil e América Latina afora. Ao professor sempre paciente Ricardo Mendes. É com grande alegria, que depois de dois anos, posso apresentar esse trabalho com a maturidade que lhe é necessária. Obrigada pela orientação.

Prepare o seu coração Pras coisas

Que eu vou contar Eu venho lá do sertão Eu venho lá do sertão Eu venho lá do sertão

E posso não lhe agradar...

Aprendi a dizer não Ver a morte sem chorar

E a morte, o destino, tudo A morte e o destino, tudo

Estava fora do lugar Eu vivo prá consertar...

Na boiada já fui boi Mas um dia me montei

Não por um motivo meu Ou de quem comigo houvesse

Que qualquer querer tivesse Porém por necessidade Do dono de uma boiada Cujo vaqueiro morreu...

Boiadeiro muito tempo Laço firme e braço forte Muito gado, muita gente

Pela vida segurei Seguia como num sonho E boiadeiro era um rei...

Mas o mundo foi rodando Nas patas do meu cavalo

E nos sonhos Que fui sonhando

As visões se clareando As visões se clareando Até que um dia acordei...

Então não pude seguir Valente em lugar tenente E dono de gado e gente Porque gado a gente marca Tange, ferra, engorda e mata Mas com gente é diferente...

Se você não concordar Não posso me desculpar Não canto prá enganar Vou pegar minha viola Vou deixar você de lado Vou cantar noutro lugar

Na boiada já fui boi Boiadeiro já fui rei Não por mim nem por ninguém Que junto comigo houvesse Que quisesse ou que pudesse Por qualquer coisa de seu Por qualquer coisa de seu Querer ir mais longe Do que eu...

Mas o mundo foi rodando Nas patas do meu cavalo E já que um dia montei Agora sou cavaleiro Laço firme e braço forte Num reino que não tem rei

Geraldo Vandré, Disparada, 1966

7

Resumo

O presente trabalho tem como finalidade estudar, através dos métodos geográficos

de observação e conceitos para a análise da realidade como situação geográfica

para o estudo de caso sobre a situação de moradia e a regularização da habitação

de moradores da favela de Paraisópolis em São Paulo.

Os instrumentos jurídicos utilizados para a perspectiva geográfica a fim de encontrar

na sua convergência para explicações sobre a o espaço geográfico, são

fundamentais para compreender como processos judiciais podem garantir o direito à

moradia digna e o acesso à habitação para as camadas marginalizadas que ocupam

as periferias das metrópoles.

Aliando, portanto os métodos geográficos e a perspectiva da sociologia do direito,

este trabalho apresenta-se como um esforço em ultrapassar as categorias

geográficas e jurídicas, para estabelecer assim formas renovadas de interpretação

da realidade.

Palavras-chave: favela, Paraisópolis, situação geográfica, sociologia do direito,

movimentos sociais, planejamento urbano.

A reprodução total ou parcial desta monografia é autorizada desde que citada a fonte e

comunicada à autora.

8

SUMÁRIO

Introdução 9

Capítulo 1 | A urbanização desigual da Vila Andrade: Paraisópolis e Morumbi 13

O Morumbi e as Cidades-Jardim 15

Paraisópolis 23

A consolidação das periferias e o atendimento às demandas populares

26

Capítulo 2 | Situação geográfica: os elementos espaciais para a abordagem

jurídica na quadra 46 29

Capítulo 3 | As teorias do Direito e o respaldo acadêmico na atuação com os moradores 35

O Pluralismo Jurídico 35

A organização dos moradores na favela: mecanismos regulatórios 40

Capítulo 4 | A Faculdade de Direito, a regularização fundiária e o Estatuto da Cidade 44

A extensão universitária e o papel da Universidade e dos estudantes na consolidação do direito à moradia 46

Transdiciplinaridade: para além das disciplinas na atuação e no estudo de caso 49

Capítulo 5 | Políticas públicas, urbanização, regulação e normatização do território 54

Da situação geográfica à situação jurídica 60

Da situação jurídica à situação geográfica 61

Considerações Finais | O Plano de Urbanização, a Regularização Fundiária e a especulação imobiliária na quadra 46 65

Bibliografia 70

9

Da situação geográfica à situação jurídica – Estudo de caso na quadra 46 da

Comunidade de Paraisópolis / SP

Introdução

O histórico de ocupação de terras sem fins sociais nos grandes centros

urbanos provoca frequentemente, inúmeras questões sobre a maneira como ocorre

o ordenamento urbano, o planejamento territorial e ainda, como se dão os

programas e o acesso à moradia popular, digna e adequada.

Paraisópolis não é uma exceção a este processo. Encravada entre dois dos

bairros mais elitizados da cidade de São Paulo, se constituiu, desde sua ocupação

nos anos 60, na maior favela de São Paulo, e em seguida aparece a favela de

Heliópolis.

O processo de ocupação de um terreno abandonado pelos seus proprietários

na década de 60, e que deu origem à que chamamos hoje de Paraisópolis, é

produto da ocupação do bairro do Morumbi, enquanto este também era promovido

através de construtoras no surgimento de grandes casas e edifícios de alto padrão,

e se tornava um dos bairros com alta concentração de serviços administrativos, de

empresas e corporações brasileiras e estrangeiras, aliando o crescimento da

indústria de construção civil e posteriormente, a prestação e serviços domésticos, de

segurança e limpeza. Paraisópolis cresceu e cresce sob a ótica perversa da

segregação espacial em uma das maiores metrópoles do mundo.

A ocupação dos lotes do terreno onde hoje se localiza Paraisópolis se

configurou conforme as necessidades da população que ali chegava. No início,

casas de madeira, os famosos “barracos”, foram tomando o lugar de grandes

loteamentos endividados onde se localizava a Fazenda Morumbi, loteada em

seguida pela União Mútua Companhia Construtora e Crédito S.A. e abandonadas

por famílias japonesas, caracterizadas como posseiras dessas terras, que por elas

foram transformadas em chácaras. Mesmo sem infraestrutura elétrica, rede de

esgoto, luz, serviço básicos como saúde, educação e transporte, as pessoas dali a

pouco tempo consolidaram a Comunidade Paraisópolis no bairro Vila Andrade.

Os “barracos” do início dos anos 60 deram lugar às casas de alvenaria já em

meados dos anos 70, os serviços básicos chegaram à população na década de 80 e

a necessidade de consolidar seu direito à moradia se tornou imperativa.

10

A administração da cidade de São Paulo, na figura das instituições de

planejamento municipal, tentava ao mesmo tempo em que a ocupação se

consolidava, concluir um planejamento e ordenamento territorial que regulasse o uso

do solo em cada um dos seus bairros. A dificuldade em planejar e ordenar se

tornava tão grande quanto à complexidade em lidar com as ocupações, tanto em

terrenos públicos quanto privados, que aconteciam por todas as áreas periféricas na

cidade.

Os empecilhos eram de variadas ordens: a inexistência de um projeto

abrangente de planejamento nas grandes capitais do país, que fosse capaz de

referenciar o ordenamento territorial em uma cidade como São Paulo; a formulação

sobre o tema nas grandes esferas de formação político-acadêmica ainda

embrionários; e a dificuldade de transposição de modelos europeus de planejamento

urbano para a realidade brasileira. Sobre este ponto, Santos (2003 [1979] p.187,188)

explicita a importação de formas para a mudança de estruturas sociais em países

em desenvolvimento que creditam a necessidade de técnicas advindas destes

países para o planejamento das cidades.

Sob a custa do insucesso do planejamento urbano nas cidades europeias,

observados em meados do século XX, as técnicas por eles utilizadas não teriam no

Brasil, ou na América Latina, os resultados procurados, ou seja, para o

desenvolvimento da cidade nos países em desenvolvimento e em termos

capitalistas, na década de 1950, era necessário rever as formas para que o urbano

cumprisse a função que lhe era assim destinada: desenhar novas relações

espaciais.

O planejamento passa a ser um instrumento de modificação ou de inovação

do espaço onde, por sua vez, se manifestam as transações do capital: “A nova

forma chega junto com um conteúdo importado. A incorporação de uma nova forma

à formação socioeconômica significa a incorporação de seu conteúdo à mesma

formação socioeconômica.” (Santos, 2003 [1979] p. 201).

A resposta para os problemas da ocupação e uso do solo na cidade de São

Paulo e, particularmente, a regularização dos terrenos já ocupados pela população

11

carente, só vieram muito tempo depois que as ocupações aconteceram e que, por

sua vez, estavam já consolidadas.

Em 2002, com a aprovação do Plano Diretor Estratégico da cidade, que

recorre ao Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001) finalizada e votada em 2001, a

gestão municipal é responsável por, entre outros assuntos, a regular e ordenar as

moradias por instrumentos de participação coletiva, além de instrumentos jurídicos

que avançam na perspectiva da conquista do título de propriedade nas áreas

ocupadas por moradias precárias.

O Estatuto da Cidade, por sua vez, propõe instrumentos urbanísticos que

avançam na conquista do título de propriedade de casas em áreas particulares

ocupadas, com destaque ao instrumento de Usucapião Coletivo, que prevê o título

de posse para um conjunto de moradores, que comprovem sua moradia no mesmo

local por pelo menos cinco anos e, ainda, que não possua nenhuma outra

propriedade em seu nome em território nacional.

Tal instrumento é usado para a regularização fundiária de uma quadra da

Comunidade de Paraisópolis.

Para a efetivação de tal processo, que vem acontecendo desde 2002, foi

firmado um convênio com a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na

figura do Centro Acadêmico XI de Agosto e a gestão municipal da época, que além

de dar apoio técnico, arcaria com os custos dos estudantes que se envolveriam no

processo.

O usucapião coletivo é um instrumento que efetiva o direito à moradia,

dividindo igualmente – a partir da chamada “fração ideal” – o terreno entre todos os

moradores que constituem o processo.

Hoje, o processo envolve esferas que vão além do Direito. Baseado nas

leituras de Paulo Freire (1967; 1970; 1971; 1996), o grupo se estrutura de maneira

multidisciplinar e agrega outras áreas do conhecimento como arquitetura, turismo,

ciências sociais, políticas públicas e geografia. Para que entendamos o processo

para além de um número no fórum, também nos formamos com leituras de

urbanistas, geógrafos e cientistas sociais. Isso porque a concepção de Direito

ultrapassa o simples registro de uma propriedade, e revela inúmeras características

dos moradores e da área em questão.

O fato de existir um grupo universitário com um processo de usucapião

coletivo nesta quadra em Paraisópolis provoca, entre os moradores envolvidos, as

12

mais diversas reações, levando em consideração as maneiras como o grupo se

coloca junto a eles.

Elementos como o aprendizado a partir de Paulo Freire em educação popular,

a participação dos moradores nos processos decisórios e políticos da quadra onde

moram e da comunidade como um todo, o domínio de elementos jurídicos

importantes para a segurança no andamento do processo e ainda, a possibilidade

de integração e interação dos moradores com o grupo e o processo de usucapião

são as principais características do trabalho realizado na comunidade.

O processo de usucapião coletivo é o ponto que chama atenção ao escrever

este trabalho. Após 24 meses participando ativamente do grupo de extensão

universitária que orienta o processo e atua na comunidade de Paraisópolis,

podemos perceber como algumas características espaciais se aproximam e se

sobrepõem com o processo em si, de maneira a modificar a configuração e a

organização da área em questão somente com a presença de um processo jurídico.

Um processo jurídico coletivo como este, esboça para a comunidade envolvida e

para o poder público, uma espécie de segurança que é garantida pela existência de

um mecanismo jurídico, normativo do Estado, que incorpora aos moradores o direito

à moradia digna.

O objetivo desta monografia é tratar de diversos aspectos socioespaciais que

configuram uma dada situação geográfica (Silveira, 1999) frente ao mecanismo

jurídico colocado em prática. Para tanto, é necessário destacar a maneira como

situações, não como um conjunto de fatos ou fatos analisados isoladamente, mas

enquanto um processo de análise da realidade, partindo de premissas do passado,

sendo entendidos no presente, na configuração do espaço e sua construção, bem

como na consolidação de uma perspectiva do Direito para além da mera

funcionalidade ou somente enquanto uma técnica jurídica, a importância da

interdisciplinaridade do grupo de extensão universitária envolvido, o

comprometimento dos moradores da quadra nas ações pela consolidação de sua

moradia e de seu direito à habitação, as mudanças ocorridas ao longo dos anos na

configuração da quadra, destacando a segurança jurídica frente às características

espaciais, e ainda, a valorização de suas moradias pela presença de um processo

que se baseia em uma das leis mais progressistas em termos de ordenamento

territorial no Brasil e a segurança perante o poder publico, de não efetivação de

despejos sem o devido conhecimento do caso que se estabelece na quadra.

13

Capítulo 1

A urbanização desigual da Vila Andrade: Paraisópolis e Morumbi

O bairro do Morumbi é produto de um loteamento realizado nos anos 20, que

deu origem a 2200 lotes, onde se localizava a antiga Fazenda Morumbi. Esta, por

sua vez, tinha uma das maiores plantações de chá da Índia, a partir da chegada do

inglês John Rudge em 1825, e era pioneira dessa cultura em São Paulo, lugar onde

se encontram hoje as favelas que compõem o Complexo Paraisópolis, entre elas a

favela de Paraisópolis, localizada no distrito de Vila Andrade, vizinha do Distrito

Morumbi.

O processo de loteamento não foi completamente regularizado, e tampouco

foi finalizado, tornando o Morumbi uma região abandonada, alvo de ocupações

informais ao longo das décadas que se seguiram. Dado o tamanho dos loteamentos

e a distância considerável do centro da cidade, grandes personalidades passaram a

ocupar alguns dos grandes terrenos, sendo a primeira casa construída após o

loteamento de autoria da arquiteta Lina Bo Bardi, a Casa de Vidro (fig.1), na década

de 1950. Cabe salientar que estes terrenos ocupados por personalidades e famílias

tradicionais da elite paulistana, como Oscar Americano, Maria Mesquita da Motta e

Silva, Ribeiro Macedo e Duarte, Chibata Miyakoshi, Oagy Kalile, José Gustavo Bush

e Armando Trompowsky, as chamadas famílias quatrocentonas (levando este nome

em 1954, em razão da comemoração de quatrocentos anos da cidade de São

Paulo), estavam em posse da então construtora responsável, a União Mútua

Companhia Construtora e Crédito Popular S.A. e seus proprietários estavam

caracterizados enquanto compromissados1.

1 De acordo com relatos da época, a concessão de uso dos lotes era feita em forma de “compromissados”. É

provável que estes proprietários pagassem por pequenas parcelas à União Mútua – Cia Construtora e Crédito Popular S.A. para fins de uso e construção nos lotes.

14

. Figura 1 (Fonte: http://arqdobrasil.blogspot.com.br/2010/09/lina-bo-bardi-masp.html em jan-2013)

A Vila Andrade, localizada na Subprefeitura de Campo Limpo, é hoje um dos

bairros que possui elevados IDH (0,853) 2 e concentração de renda na cidade de

São Paulo, mesmo levando em consideração as favelas que compõem o Complexo

de Paraisópolis, revelando disparidades econômicas latentes e espacialmente

estruturadas. Os bairros nobres que circundam o Complexo estão entre os bairros

da cidade que possuem domicílios com renda média mensal entre 10-20 salários

mínimos, enquanto Paraisópolis aparece com renda média mensal per capita de

R$558,283 em um universo de 20 mil domicílios4. Por conta da quantidade de

terrenos vazios e a transferência da sede do governo do Estado e da construção do

estádio Cícero Pompeu de Toledo – o Morumbi – para a região, a ocupação de tais

terrenos se deram de maneira desenfreada, dando origem a um conjunto de

complexos de moradias precárias, que se tornaram hoje como conhecemos as

favelas de Real Parque, Jardim Panorama, Jardim Colombo, Porto Seguro e

Paraisópolis, fazendo limite com esta última.

2 Atlas do Trabalho de Desenvolvimento da Cidade de São Paulo, 2007.

3 HABISP, 2012. 4 CENSO, 2010.

Casa de Vidro da Arquiteta Lina Bo Bardi nos mostra em segundo plano a área ainda não ocupada no bairro do Morumbi

15

O Morumbi e as Cidades-Jardim

O projeto de Cidade-Jardim foi concebido por Ebenezer Howard em seu livro

publicado em 1898 e republicado em 19025, e tinha como objetivo estruturar uma

relação socioespacial das cidades no Reino Unido que, na época, estavam

crescendo em decorrência da industrialização que atingia toda Europa, e

aumentando vertiginosamente sua população, principalmente de ex-camponeses,

que passaram a ser empregados nas fábricas que incrementavam sua produção.

Neste momento, devido ao aumento na produção industrial, as cidades começavam

a crescer a partir dos seus centros urbanos, se organizando de maneira

“espontânea”, as grandes cidades se transformaram em metrópoles em que as

finalidades de seus espaços não eram definidos, fazendo com que o projeto de

Howard encontrasse respaldo dentro da possibilidade do planejamento urbano.

Percebendo que o crescimento populacional nas cidades trazia consigo uma

série de problemas que comprometiam a qualidade de vida de seus moradores,

Howard sugeriu em sua obra que o ordenamento territorial e espacial fosse feito de

maneira a aglomerar todos os aspectos citadinos quanto campestres em um só

ambiente, contribuindo para a manutenção da qualidade de vida de todos.

Neste sentido, planejou então, a partir das especificidades do terreno, uma

espécie de cidade que contivesse elementos do campo e da cidade, e que ainda,

mantivesse cada ambiente, suas características fundamentais. Isso condizia com a

fórmula que guiou seus desenhos: as cidades com muitas oportunidades de

emprego e socialização careciam de espaços livres, devido o seu aumento

populacional, já o campo, com sua farta produção de alimentos e ainda seu contato

estreito com a natureza, carecia de oportunidades de emprego e infraestrutura.

Assim, o que se convencionou em caracterizar como ímãs as duas áreas com

as suas características, campo e cidade, seriam contrabalanceadas entre si e

complementares. Dessa forma, Howard acreditava que os aspectos positivos das

duas vivências estariam contemplados no projeto, o que ele chamou de Town-

Country (Campo-Cidade).

No Brasil, e particularmente na cidade de São Paulo, a Cia City, empresa que

nasceu a partir de investidores brasileiros, ingleses e franceses em Londres, trouxe

5 HOWARD, E. Tomorrow: A peaceful path to real reform, 1898 / Garden cities of To-Morrow. Londres, Faber and Faber, 1946 [1902].

16

da Europa o conhecido conceito de cidade-jardim. A Cia City comprou em São Paulo

15 milhões de metros quadrados, se estabeleceu na cidade em 1912, e com projetos

baseados na concepção de Howard, respeitando os declives e as áreas verdes,

dizendo também associar a falta de áreas verdes e o calor que era insuportável na

cidade com projetos que consorciavam aspectos da cidade e do campo para uma

melhor qualidade de vida.

Os arredores de Paraisópolis, na Vila Andrade e o bairro do Morumbi são

rodeados por bairros como Butantã, Caxingui e Jardim Guedala, moldados a partir

da concepção da Cia City e a ideia de cidades-jardim. Segundo a própria Cia City,

sua missão se define enquanto construtora de bairros com “qualidade de vida que

proporciona, dotados de segurança, respeitando a sociedade, os conceitos de

cidadania, o meio ambiente e remunerando seus acionistas.” 6

Não irei me concentrar aqui sobre a questão conceitual da arquitetura das

cidades-jardim, porém, não é difícil de perceber, através de fotos aéreas, que os

arruamentos no entorno da Favela de Paraisópolis não escapam aos conceitos

promovidos pela Cia City na região e sua concepção de urbanização, salientando

ainda, que a urbanização do bairro não fora feito pela Cia. Ao mesmo tempo em que

a incorporadora reivindica os conceitos de Howard, termos como urbanização e a

sua entrada no mercado das incorporadoras imobiliárias, demonstra que as ideias

originais do urbanista-culturalista inglês, a partir do estudo da superpopulação da

cidade e a vinda dessa população dos campos, na procura de equacionar sua

ocupação a partir de novos desenhos para a configuração da produção e da vida

nas cidades, foram modificadas a fim de criar ambientes e, acima de tudo, espaços

de segregação social a partir da produção espacial direcionada a uma determinada,

e diminuta, parcela da população. Haja visto o que Hall7, na interpretação de Renato

Saboya, diz sobre as ideias de Howard:

“Segundo ele, os autores costumam descrevê-la como um espaço urbano isolado em uma grande área rural. Hall argumenta que Howard propôs, ao contrário, que um sistema de cidades fosse construído dentro de distâncias não muito grandes. Assim, tão logo a população da primeira cidade-jardim atingisse seu máximo, outra cidade seria construída em local próximo, cuidando, entretanto para que uma área rural fosse mantida entre as duas. Estas seriam

6 http://www.ciacity.com.br/novo/index.php#/missao em 2013. 7 Sir Peter Geoffrey Hall, urbanista e geógrafo britânico (1932- ).

17

conectadas por estradas de ferro, que se encarregariam de possibilitar o intercâmbio de mercadorias.” (Saboya, R. Ebenezer Howard e a Cidade-Jardim). 8

Dessa maneira, o bairro Morumbi concentra uma classe alta paulistana, com

projetos de arborização baseadas no estilo cidade-jardim, não conforme a proposta

original de Ebenezer Howard e sim enquanto a proposta de valorização das terras,

partilhadas em loteamentos vendidos e financiados particularmente pelos futuros

proprietários em nome da Cia City, se transformando no que conhecemos hoje como

cidade verde (Bovo, 2011) 9 e que nessa apropriação, as áreas verdes fazem parte

do cotidiano dos moradores, não os afastando da dinâmica de uma cidade em plena

atividade econômica crescente como São Paulo, e também agregando elementos da

vida campestre como a tranquilidade transmitida por aspectos como a natureza.

Podemos notar a diferença a partir da análise que Saboya faz sobre a obra de

Howard:

“Howard concebeu um mecanismo engenhoso para viabilizar a criação e a manutenção de uma Cidade-Jardim. Inicialmente, um terreno localizado em área rural deveria ser comprado por um grupo de pessoas, para abrigar a futura cidade. Esse terreno seria comprado por um preço baixo, compatível com o preço de terras rurais, a partir de um financiamento. O aumento do número de habitantes nessas terras seria capaz de diluir os juros do financiamento e de constituir um fundo para ir quitando aos poucos o principal. Assim, a partir de pagamentos relativamente pequenos, os habitantes da Cidade-Jardim poderiam quitar a dívida assumida e ainda obter recursos para as ações coletivas necessárias (construção de edificações públicas, manutenção dos espaços abertos, etc.). Na área rural, a competição natural entre os produtores, as culturas e os modos de produção deveriam indicar quais produtos seriam cultivados. Aqueles que conseguissem gerar mais renda se estabeleceriam nos arredores da Cidade-Jardim. A renda, entretanto, não seria apropriada por um único indivíduo, já que a terra teria sido adquirida coletivamente. Os benefícios obtidos em termos financeiros pelo aumento do valor da terra e, como consequência, pelo incremento da renda fundiária, seriam convertidos em menores impostos e mais investimentos coletivos (Saboya, R.; Ebenezer Howard e a Cidade-Jardim)”. 10

A ideia inicial de Howard portanto, não se objetivava estabelecer um padrão de

planejamento de bairros de alto padrão, mas sim em resolver problemas novos que 8 http://urbanidades.arq.br/2008/10/ebenezer-howard-e-a-cidade-jardim/ em 2012.

9 Maringá: uma (re) leitura da imagem da cidade verde. Bovo, M. C.; Amorim, M. C. C. T., 2011.

10 http://urbanidades.arq.br/2008/10/ebenezer-howard-e-a-cidade-jardim/ acesso em 2012.

18

começavam a aparecer em cidades que estavam crescendo, como a insalubridade,

pobreza e poluição, aliando elementos da vida urbana que estava se iniciando, e

rural, experiência esta que é chamada por ele de ecologia humana. Ao fazer seus

desenhos urbanísticos que tiveram a primeira experiência concreta no Reino Unido,

a Cidade Jardim Letchworth em Hertfordshire (fig. 2), em 1903, Howard inovou a

percepção de cidade, respeitando sua topografia e criando ambientes com

características da cidade e do campo em um só lugar.

Figura 2 (Tratamento da foto: Petrini, L. S.)

Seus projetos tiveram eco em alguns países como Estados Unidos, França e

Brasil, sendo aqui capitaneado pelas empresas de construção de casas de alto

padrão e na implementação de um planejamento territorial da cidade, mostrando a

possibilidade de ordenamento da cidade baseado em conceitos verdes e não mais,

como na sua proposta inicial, de conciliar aspectos da vida rural e urbana em uma

determinada região da cidade.

Em seu livro Morte e vida nas grandes cidades11 (p. 449-468), Jane Jacobs

critica o planejamento da cidade enquanto mecanismos funcionais para cada área

de ocupação. Sob o argumento que as cidades tem uma vida própria e suas áreas

se configuram de maneira autônoma para o desenvolvimento dela mesma, vai de

encontro aos ideais de urbanistas como Howard, que estabelecem para cada área

11 Muerte y vida de las grandes ciudades, Barcelona, 1973 [1967], Edicions 62 s|a.

O polígono nos mostra uma imagem de 2009 a partir do Google Earth. Esta área é onde se localiza a cidade jardim em Hertfordshire, no Reino Unido

19

da cidade uma função, tirando a sua mobilidade e consequentemente a sua vida. A

relação das atividades desenvolvidas pelos habitantes da cidade com a sua

construção possui sua importância à medida que esta contempla a forma de vida de

seus moradores e expressa no espaço suas atividades.

O planejamento das cidades não pode, dessa forma, sob seu ponto de vista,

estar atrelada à variáveis como moradias e empregos, pois assim, a cidade perderia

seu dinamismo.

Com essa perspectiva é que os distritos de Vila Andrade e Morumbi são

caracterizados como bairros de alto padrão e como um conceito de bairro verde, e

não de convivência próxima, com estilo cooperativo, proposto por Howard. Segundo

ele, a ideia com os projetos cidade-jardim era de resolver problemas provenientes da

urbanização e das cidades que estavam crescendo e se consolidando, unindo as

oportunidades e beleza destas cidades com os prazeres do campo. Por outras

características como estruturação espacial das zonas funcionais em residencial,

comercial, industrial, médico-hospitalar e administrativa, previamente estabelecidas

entre si, os distritos de Vila Andrade e Morumbi, o primeiro onde está localizada

Paraisópolis e o segundo enquanto vizinho próximo, não podemos dizer que ambos

são expressões do conceito cidade jardim de Howard, e sim de um projeto

capitaneado no plano das ideias e da técnica pelas construtoras e empreiteiras, se

tornando então uma ideia de cidade verde.

Tal mudança de concepção na consolidação do que podemos chamar de

bairros nobres, pode ser enfatizada pela presença da Cia City em São Paulo, que

idealizou os bairros onde hoje se concentra a classe alta paulistana, como Alto de

Pinheiros, Alto da Lapa, Butantã, Caxingui e Jardim Guedala, além dos projetos de

paisagismo como o Anhangabaú.

As terras onde se localiza hoje a Vila Andrade eram de propriedade da

Fazenda do Morumbi nos anos 20. Com o passar dos anos, a família Pignatari se

tornou proprietária de uma chácara, loteamento da própria Fazenda. Indiferente das

famílias que compraram terras da antiga Fazenda Morumbi, os Pignatari tinham um

alto poder aquisito. O proprietário da chácara, o banqueiro Agostinho Martins de

Andrade, da Casa Bancária Andrade e Filhos, que deu origem ao nome do bairro,

tinha naquele espaço um local de veraneio para sua família, como uma área de

lazer, entre os anos 30 e 40, sua família, residia no bairro Paraíso, próximo à atual

Avenida Paulista. Falecido em 1945, seus filhos venderam a chácara, com mais de

20

600mil pés de eucalipto e cujo jardim se tornou o que conhecemos hoje como o

Parque Burle Marx, nos anos 50. Essa terra foi comprada por uma empreendedora,

sócia da empresa que conhecemos hoje como Camargo Correa, na figura Sebastião

Camargo, então dono da construtora. A aceleração no crescimento do bairro se deu

a partir dos anos 70, a partir de um tímido loteamento da área nos anos 60.12,13.

Dessa maneira, a Vila Andrade, que se localiza na Zona Sul da cidade, é

muitas vezes e comumente chamada de Novo Morumbi, explicitando interesses do

mercado imobiliário em fazer referência ao bairro nobre que se localiza na Zona

Oeste da cidade, o Morumbi. Paraisópolis é caracterizado como um bairro distinto da

Vila Andrade ou mesmo do Morumbi, por conta de seus moradores de baixa renda e

pouca instrução formal, e se insere numa lógica de planejamento urbano da cidade

que não contemplou elementos originais de projetos oriundos da concepção de

Howard, mas incorporou em alguns espaços, concepções europeias de paisagismo

e da arquitetura moderna, como dito anteriormente, na presença do Parque Burle

Marx e nas construções de Niemeyer dentro do Parque. O planejamento da cidade

ainda carecia de um modelo que contemplasse suas particularidades, e neste

momento, se explicitava os primeiros desenhos e influências político-espaciais que

teriam relevância neste projeto.

Nos anos 50 o Morumbi e região já eram alvo de loteamentos comerciais. O

projeto de retificação do Rio Pinheiros avançava na popularização da outra margem

do Rio, e a família Matarazzo, entre outras, vendia seus terrenos para imobiliárias,

entre outras justificativas, para a quitação de dívidas e de impostos com o Estado.

No momento das vendas, a Imobiliária Aricanduva se torna proprietária de uma

vasta área no Morumbi, e logo começa o seu loteamento. O São Paulo Futebol

Clube (SPFC), à mesma época, fez duas solicitações sem sucesso, para a

construção do seu estádio na cidade, a primeira seria na área pantanosa, vizinha do

Parque Ibirapuera, projeto vetado pela Prefeitura, a segunda, seria nas áreas da

Light, fruto da retificação do Rio Pinheiros, sem sucesso também, devido o interesse

da Light em dar ao local um caráter empresarial. Com a venda de lotes pela

Aricanduva, o SPFC viu a grande oportunidade em instalar o estádio. A partir de

empréstimos com a Caixa Econômica Estadual, após os empréstimos também

cedidos a clubes como o Corinthians e o Palmeiras para o mesmo fim, o Clube inicia

12 Bairros Paulistanos de A a Z, Levino Ponciano, SENAC, 2001. 13 http://www.policeneto.com.br/bairro-vivo/distritos/vila-andrade/distrito/ em 2013.

21

enfim a escolha do projeto de construção do estádio, onde o vencedor se torna o

renomado arquiteto Vilanova Artigas14.

A construção do estádio foi o ponto de partida para a ocupação irregular das

áreas em torno, como os loteamentos ao redor e que constituíram os bairros que

fazem parte do Complexo de Paraisópolis. Migrantes nordestinos atraídos pela

possibilidade de trabalho na crescente indústria da construção civil viabilizaram a

construção do estádio enquanto mão de obra, que demorou 18 anos para ser

concluído.

No mesmo momento do início das obras do estádio do Morumbi, começou a

construção que veio a ser o Palácio do Governo, que surgiu inicialmente como

projeto da família Matarazzo em fundar uma Universidade. As obras tiveram início

em 1954 na propriedade dos Matarazzo. Em 1955 as obras foram paradas por conta

de problemas financeiros, e os anos que se seguiram foram de tentativa de

arrecadação de fundos, via fundações para a conclusão da obra, como Fundações

Getúlio Vargas e Fundação São Paulo. Mesmo com esses incentivos, a obra não

findou, o que levou a negociação junto ao Governo do Estado, e em 1964 a sua

sede sai dos campos Elíseos e vai até o Morumbi, batizado de Bandeirantes por

conta da relevância dos pioneiros que expandiram as fronteiras brasileiras15.

Esta obra também empregou uma vasta mão de obra que se alocava nos

loteamentos próximos, assim como na construção do estádio, o Palácio do Governo

também foi construído a partir de migrantes que tinham na construção civil a

oportunidade de se estabelecer na cidade.

Nos anos 70, aliado à urbanização dessa área e à retificação do Rio

Pinheiros, surge o projeto de construção do Centro Empresarial São Paulo

(CENESP), se caracterizando como uma construção pioneira que reuniria

posteriormente indústrias de crescimento acelerado tais como Tintas Coral e Moinho

Santista.

Idealizado pelo Grupo Bunge y Born, a ideia foi centralizar as atividades das

empresas de maneira a concretizar a proposta de um centro empresarial na capital.

Em 1977 as obras de cinco, dos sete blocos previstos, foram concluídas e contaram

com a mão de obra de quatro mil pessoas.

14 http://www.saopaulofc.net/spfcpedia/a-historia-do-spfc/morumbi/ em 2013. 15 http://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/turismo_pontos-turisticos_palacio-dos-bandeirantes em 2013.

22

Nas décadas de 80 e 90, as obras continuaram para a construção dos dois

blocos restantes, consolidando o CENESP no mercado imobiliário como referência

de projeto inovador e tecnologia avançada16.

Os projetos de urbanização e planejamento da cidade de São Paulo em áreas

de novos assentamentos urbanos, comerciais e residenciais são ditados a partir dos

ideais econômicos liberais baseados nas teorias de desenvolvimento dos anos 50

até meados dos anos 80, conforme assinalou Milton Santos (2009 [1994], p.114):

“(...) a prática da modernização cria, no território como um todo e em particular nas cidades, os equipamentos, mas também as normas indispensáveis à operação racional vitoriosa das grandes firmas, em detrimento das empresas menores e da população como um todo”.

Usando da localização privilegiada, principalmente com relação ao seu

acesso, atrelado à retificação do rio Pinheiros e à construção das vias marginais,

para a consolidação de empreendimentos comerciais e empresariais de alto padrão,

aliando ainda, a ocupação desenfreada e sem infraestrutura nos lotes da Vila

Andrade e Morumbi, os trabalhadores da construção civil e moradores são

chamados para compor a frente de trabalho, a partir da localização de suas

moradias, que se caracterizam pelo fácil acesso aos canteiros de obra da CENESP.

Fica claro, mais uma vez, que a ocupação dessas glebas por famílias de baixa renda

se inserem na lógica de construções de grande porte na região, empregando mão

de obra barata e de baixa instrução, como pedreiros nas obras e, posteriormente,

como prestadoras de serviço nesses mesmos locais.

Podemos caracterizar a ocupação de grande parte dos moradores da favela

de Paraisópolis, em particular, na prestação de serviço nesses empreendimentos e

também nas casas de alto padrão que circunvizinham o bairro, como copeiras,

faxineiras, babás, seguranças, garçons.

Retomando as ideias do projeto de cidade-jardim de Howard, e entendendo

que ele não foi aplicado na área em questão, mas sim enquanto um instrumento

para a consolidação de bairro verde, esses conceitos sofrem uma ressignificação

por parte do mercado imobiliário no bairro. Os antigos casarões da década de 60 e

70 passaram a dar lugar a projetos novos de habitação para a camada média alta de

16 http://www.centroempresarial.com.br/pt-br/o-complexo/historia.asp em 2013.

23

maneira a criar novos e inovadores prédios de alto padrão no bairro, caracterizando-

o como “novo” Morumbi (GONH, 2010) 17.

Os prédios de alto padrão passaram a ser um conceito de vida de padrão

elevado na região do Morumbi em um momento em que o zoneamento da cidade

não previa limites para as construções verticalizadas, as áreas verdes numerosas

passaram a ser objeto de disputa na concepção de um bairro de alto padrão: em

alguns lugares, a Mata Atlântica foi derrubada e deu lugar aos grandes edifícios

comerciais e residenciais, em outros, a combinação e a mercantilização das áreas

verdes deram lugar aos condomínios com ampla área de lazer e de descanso,

preservando alguma parcela da mata original para valorização do empreendimento.

A partir da década de 80 temos a densa ocupação de terrenos ociosos,

abandonados e baratos para a construção de prédios para moradia, também de alto

padrão e de uso comercial.

Em contraposição a essa situação, as ocupações de terrenos ociosos,

também no Morumbi, nas encostas de morros e terrenos com declividade, passaram

a ser ocupados por famílias que prestavam serviço na área da construção civil e

também tinham como foco o trabalho no centro da cidade, afirmando também o

sentido de crescimento da cidade – centro/periferia – onde a periferia muitas vezes

concentra os moradores e funciona como um bairro dormitório dentro da metrópole.

Paraisópolis

O terreno da favela de Paraisópolis é localizado entre as ruas Doutor

Francisco Tomás de Carvalho ao Norte, Rua Doutor José Augusto de Sousa e Silva

ao Sul, Rua Silveira Sampaio a Leste e Rua Doutor Laerte Setúbal a Oeste no bairro

de Vila Andrade na zona Sul da Cidade de São Paulo. Ali se localizam cerca de 100

mil moradores em 20 mil domicílios, cinco setores (Grotão ao Sul, Grotinho à

Sudoeste, Antonico à Oeste, Brejo à Nordeste e Centro), e 73 quadras, totalizando

de 798.695 m², conforme as figuras 3 e 4 a seguir.

17

Morumbi: O contraditório bairro-região de São Paulo, Caderno CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 267-281,

Maio/Ago. 2010.

24

Fig. 3

Fig. 4 – Mapa da densidade de domicílios em Paraisópolis.

A ocupação irregular das glebas da Vila Andrade que deu origem à favela de

Paraisópolis aconteceu por volta dos anos 60 e 70 por migrantes vindos

principalmente da região nordeste do país que, à época, se dirigiam para a cidade

de São Paulo na busca por empregos, em sua maioria no setor da construção civil.

Ao lado a divisão em setores de

Paraisópolis, a partir da Prefeitura da

cidade de São Paulo. A divisão ajuda

na concepção do Programa de

Urbanização de Favelas.

(sem escala) Fonte: PMSP

25

Particularmente nessa área da cidade, o grande atrativo foi a construção do estádio

do Morumbi, o Palácio dos Bandeirantes e o Centro Empresarial. Antes dessa

ocupação, se localizava ali a Fazenda Morumbi, cujos loteamentos foram vendidos e

comprados pela família Pignatari, que por sua vez a vendeu aos sócios da, hoje

construtora, Camargo Correa ainda nos anos 50.

O terreno abandonado e loteado nos anos 50 teve a sua primeira ocupação

por posseiros, principalmente de origem japonesa18 quando a área estava dividida

em 2200 lotes com dimensões de 10mx50m, com ruas de 10m de largura, sendo

abandonada em meados dos anos 60, e com o tempo passou a não ser utilizada.

Aliando o esquecimento do poder público com as irregularidades na posse das

terras, agregou os primeiros ocupantes. Um terreno semirrural, contava na década

de 70, com os primeiros moradores e as primeiras habitações, ainda em estado

precário; os lotes eram ocupados irregularmente, dada a dificuldade de sua

regularização e devido à falta de uma política de planejamento territorial que

contemplasse, à época, terrenos abandonados.

Após algumas investigações, pudemos identificar que alguns lotes ainda

pertencem à União Mútua Cia Construtora e Crédito Popular S.A., porém precisar as

datas de compra, de ocupação e desocupação dos posseiros, bem como a

ocupação dos moradores que compõem hoje a Favela de Paraisópolis é muito difícil,

já que os dados são bastante conflitantes. As datas colocadas anteriormente são

baseadas nas fontes da Prefeitura de São Paulo, que por sua vez conta com

informações escassas sobre todo o processo de ocupação da área, dada a falta de

documentos que comprovem as versões.

Hoje, após a aprovação do Plano Diretor Estratégico (PDE) em 2002 e dos

Planos Regionais Estratégicos em 2004, o complexo de Paraisópolis passou a ser

denominado como Zona Especial de Interesse Social, ou seja, são regiões

estabelecidas pelo PDE em que “porções do território destinadas, prioritariamente, à

recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de Habitações de

Interesse Social – HIS ou Habitação do Mercado Popular – HMP”.19 Assim, o terreno

onde se localiza a favela de Paraisópolis possui particularidades com relação às

ocupações de lotes que comumente se transformam em bairros de baixa renda nas

18

http://www.Prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/paraisopolis/historia/index.php?p=4385 em 2013. 19 PDE, 2002, Capítulo II, Seção III, Subseção IV, artigo 171.

26

áreas periféricas da cidade. Sendo uma área particular, as ações do município em

garantir o direito à moradia de seus moradores, os instrumentos de urbanização

utilizados são diferenciados, conforme a disposição do PDE, descrita acima.

Os herdeiros e donos do terreno, por sua vez, tentaram em alguns momentos

reclamar seus direitos sobre a área mas desistiram, em boa medida tendo em vista

as custas processuais e o desgaste que seria gerado com os moradores alocados

há décadas no local, dada a falta de um plano de habitação por parte do poder

público, atrelado à falta do planejamento da cidade que estabelecesse diretrizes

para a ocupação residencial em novas áreas de adensamento populacional.

Um mecanismo gerado pela Prefeitura de São Paulo em 2006 aumentou a

garantia de permanência de seus moradores na favela. A partir da doação dos

terrenos, as dívidas com impostos seriam amortizadas, ou ainda, a doação dos lotes

à municipalidade se converteriam em potencial construtivo20 para os proprietários e

o poder público passaria a ser gestor das áreas ocupadas. Na favela de

Paraisópolis, nem todos os herdeiros e proprietários dos lotes e terrenos usufruíram

de tal mecanismo e, por isso, o processo de usucapião coletivo, previsto no Estatuto

da Cidade e no Plano Diretor é válido e é usado na garantia da população ao Direito

à moradia digna.

A consolidação das periferias e o atendimento às demandas populares

As grandes cidades ou metrópoles do Brasil são caracterizadas pela carência

de serviços públicos, especialmente nas áreas periféricas, voltados para a maioria

de sua população e sua disponibilidade para ampla parcela que dela é dependente.

Particularmente em São Paulo, podemos dizer que um grande avanço no

estabelecimento de políticas públicas de saúde, educação, lazer e habitação estão

ordenados no PDE, conforme dito anteriormente. O planejamento da cidade, que se

dá nos marcos do capitalismo, oferece elementos contraditórios que explicam a

existência de aglomerações em áreas distantes do grande centro econômico da

20

PDE, 2002, Capítulo II, Seção I, Artigo 146 – XVII: Potencial Construtivo de um lote é o produto resultante da multiplicação de sua área pelo coeficiente de aproveitamento. Coeficiente de Aproveitamento é a relação entre a área edificada, excluída a área não computável, e a área do lote podendo ser: a) básico, que resulta do potencial construtivo gratuito inerente aos lotes e glebas urbanos; b) máximo, que não pode ser ultrapassado; c) mínimo, abaixo do qual o imóvel poderá ser considerado subutilizado. PDE, 2002, Capítulo II, Seção I Artigo 146 – IX.

27

cidade, caracterizadas enquanto periferias, carentes no acesso a mecanismos de

infraestrutura básicos e ainda, convivendo em um ambiente de extrema

desigualdade de acordo com estes elementos.

As empresas privadas que executam obras urbanas tem uma relação

fundamental com o poder público, e este por sua vez, dita as prioridades na

construção do espaço na cidade. Se por um lado, o planejamento favorece o

estabelecimento e o acesso às infraestruturas urbanas como transporte, saúde,

educação e habitação para a população, por outro lado, a sua execução depende

única e exclusivamente dos interesses expressos pelas empresas construtoras e de

prestação de serviços. Torna-se claro que a fixação da população pobre da cidade

nas periferias favorece a grande gama de empresas privadas que promovem as

infraestruturas para a qualidade de vida dessas pessoas. Assim, promover

habitações em locais distantes do centro da cidade, ou ainda, resultando em locais

distantes do ambiente de trabalho, favorece um conjunto de empresas na

consolidação de consórcios de transporte, instalação de energia elétrica e

encanamento de água e esgotos. Ainda nesse sentido, as regiões que antes eram

desvalorizadas, por não conterem todos esses mecanismos, passam a ser

valorizadas e seus entornos seguem lógicas senão iguais, bastante semelhantes.

Não foi diferente o que ocorreu em Paraisópolis. Em um terreno barato e

abandonado pelos donos, migrantes de diversos locais do país viram ali uma

possibilidade de se instalarem e, na indústria da construção civil, viram sua

afirmação econômica e social. Ao longo dos tempos, os reclamos por uma melhor

condição de moradia, que incluía entre outros aspectos, a questão da habitação, o

fornecimento regular de água e energia além da pavimentação dos arruamentos,

aparecem em Paraisópolis. Os barracos passaram a se firmar na estrutura de

alvenaria, e adquiriam valor de uso maior. Localizada em um dos bairros com maior

oferta de prestação de serviços com exigência de escolaridade fundamental (para

muitos empregos é necessário apenas dominar a leitura e a escrita) a possibilidade

de transportes que levem os moradores para os locais de trabalho também faz parte

da valorização do local.

Vemos em Paraisópolis um caso exemplar não somente da especulação

imobiliária, mas da relação contraditória do Estado e das empresas privadas na

consolidação de demandas por novos instrumentos urbanos que por sua vez, cria

28

para os próprios reivindicantes um entrave na organização popular, à medida que as

demandas estão sendo atendidas, por mais que criando desigualdades imensas.

29

Capítulo 2

Situação geográfica: os elementos espaciais para a abordagem jurídica

na quadra 46

Paraisópolis é a primeira maior favela de São Paulo em números de

habitantes, conforme o Censo IBGE 2012. Composta por cerca de 70 quadras, todas

elas ocupadas irregularmente, a favela dispõe de serviços básicos e estruturas de

lazer para toda a comunidade, além de ações sociais por parte do terceiro setor e

ainda por instituições privadas, como projetos de capacitação para jovens e adultos.

Conta ainda com projetos itinerantes de grandes empresas brasileiras e

multinacionais.

A organização de Paraisópolis corresponde às nomenclaturas de seus

setores, estando a quadra 46 localizada no setor Centro, o que revela não somente

sua localização geográfica, mas também as condições de habitação de seus

moradores, que usufruem de maior facilidade de acesso às linhas de transporte

coletivo e proximidade com as vias de acesso principais, com a Avenida Giovani

Gronchi e Rua Doutor Flávio Américo Mourano.

Esta quadra foi seleciona pela Prefeitura de São Paulo, em 2003 para fazer

parte do projeto piloto de regularização fundiária a partir dos instrumentos

normativos aprovados com o Estatuto da Cidade em 2001, a fim de colocar em

prática a proposta de Usucapião Coletivo para o registro das casas para os

moradores desta quadra.

Tomando como ponto de partida o conceito de situação geográfica, enquanto

vinculada a noção de evento,

“O evento é um veículo de uma ou algumas das possibilidades existentes no mundo, na formação socioespacial, na região, que se depositam, isto é, se geografizam no lugar. (...) uma situação geográfica supõe uma localização material e relacional (...).” (Santos, 1996: 115 apud Silveira, 1999)

Sendo o espaço geográfico “um conjunto indissociável, solidário e também

contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações” (Santos, 1991; 1996:51

apud Silveira, 1999), podemos analisar o caso da urbanização de São Paulo, a

produção de periferias e, por fim, a configuração espacial da quadra 46, encravada

na maior Favela de São Paulo, enquanto um sistema que confluem a materialização

30

de diversos atores, entre eles empresas, organizações não governamentais e

grupos reivindicatórios em sistemas de ações e de objetos que apresentam, em

cada momento histórico, determinada configuração espacial.

Não se pretende aqui fazer a conexão direta e simplista entre as

particularidades espaciais e sociais construídas ao longo do tempo para caracterizar

o estudo de caso, mas sim espacializar uma das manifestações urbanas, presentes

na metrópole de São Paulo, como é o caso da habitação, a partir de uma situação

extremamente contemporânea: a regulação do território a partir de normas jurídicas

inovadoras e também, consequentemente, a produção do espaço a partir de uma

situação localizada em determinado período histórico.

Entender a sucessão de eventos e os eventos ocorridos de maneira

simultânea tanto localmente, no caso da quadra 46, mas também abrangendo as

políticas regionais, da cidade de São Paulo, levando em consideração seu aspecto

amplo, normatizado a partir do PDE, torna-se imprescindível para que a o recorte da

quadra em questão ganhe importância e responsabilidade na análise espacial e na

constituição de normas jurídicas.

A análise a partir de casos abrangentes, como o planejamento da cidade, seu

histórico, bem como o histórico do desenvolvimento da teoria jurídica, nos dá

arcabouço necessário para contemplar o estudo de caso com alguma profundidade,

a partir de detalhes expostos, não fragmentando assim a análise geral da específica,

a área de estudo dessa monografia.

A partir de aspectos e características colocadas anteriormente na descrição

do objeto de estudo e da problemática apresentada na quadra 46 de Paraisópolis

das grandes cidades, se torna imprescindível a abordagem geográfica na

configuração espacial das moradias das pessoas envolvidas no processo de

usucapião.

A configuração atual das grandes cidades e ainda, sua manifestação na

consolidação de um espaço desigual e hegemônico por parte das grandes

empresas, podemos traçar uma breve análise sobre como estas grandes empresas

atreladas ao poder público conformam o atendimento à demanda da classe

majoritária, porém diminuta numericamente, e ainda, como ocorre no atendimento

das demandas populares, não somente em termos de infraestrutura e equipamentos

para a cidade, mas também na sua expressão e organização.

31

Os objetos técnicos, concebidos a partir de uma lógica com uma

intencionalidade de localização e fabricação, são o que identificam e caracterizam o

espaço geográfico. O espaço geográfico é desigual e se expressam nele objetos e

ações modernas de forma desigual. (Santos, 2008 [2004], p.166). Os objetos

técnicos são capazes de criar mudanças estruturais e funcionais, ou seja, criam

estruturas e funções diferenciadas em cada espaço que é construído, criando

também diferenciações na manifestação popular por melhorias e, porque não, na

intervenção da iniciativa privada (e com aval do poder público) na cidade e na

criação de novos e modernos objetos de intervenção.

O espaço não é apenas um mero palco onde as coisas acontecem. Ele é,

segundo Milton Santos (1979)21, uma instância da sociedade. Os acontecimentos

em um determinado local não são dados de maneira aleatória, mas são

dependentes da formação social a das características desse local. A realização da

produção é determinada pelo momento histórico e nele, tem uma especificidade

particular. Não se pode entender, porém, que as mudanças locais no espaço sejam

dadas de forma isolada, mas sim enquanto uma modificação dentro de um contexto

global. O local se realiza sempre enquanto uma relação intrínseca do global. O

espaço é, portanto, o fruto da produção intencional que cumpre assim, uma

funcionalidade intencionalmente localizada; a sua ordem então é intencional

também.

Dessa forma, a cidade necessita de mecanismos e estruturas que possibilitem

sua reprodução e a reprodução da produção enquanto circulação tanto de agentes

quanto de produtos.

Milton Santos (2009 [1994]) e David Harvey (2005) 22 encaram as cidades

como um conjunto complexo, dialeticamente conformado no capitalismo, em que se

dá prioridade a investimentos do capital geral, de interesse de poucas empresas, ao

invés de sanar as reivindicações sociais por melhoria nas condições de vida. Sobre

esse ponto de vista, os autores afirmam que existe um deslocamento ao longo do

tempo, na administração dos recursos utilizados pela federação para o governo

federal. Tal deslocamento de administração dos recursos revela a organização

espacial das grandes cidades ou das metrópoles, uma vez que a autonomia na

aplicação dos recursos passa a ser centralizados, ou seja, saem de domínio da

21 Por uma geografia nova, 1978.

22 A produção capitalista do espaço, 2005.

32

federação para serem administrados por governos locais por intermédio do governo

federal. Esta alteração revela uma modificação na produção espacial dessas

cidades. Milton Santos23 afirma que se passou então a privilegiar as grandes

empresas em detrimento das pequenas firmas, consolidando uma geração de

riquezas concentradas tanto espacialmente como corporativamente, enquanto a

produção de pobreza é potencializada, criando uma “classe média” cada vez mais

espessa. Fica claro portanto, a escolha feita pela administração das metrópoles, de

maneira não isolada, mas organizada pelos recursos do governo federal para a sua

aplicação local, favorecendo a instalação e a prosperidade das grandes empresas

em detrimento das demandas populares.

Neste aspecto, pode-se falar de uma urbanização corporativa das cidades,

uma vez que as grandes empresas passam a dominar a produção, a circulação e o

consumo com aval do poder público, no papel da divisão dos recursos para a

instalação de infraestruturas que favoreçam estes aspectos e não os reclamos da

maioria da população e seus anseios na melhoria da qualidade de vida.

Grupos minoritários e fragmentados passam a se organizar de maneira

difusa, muitas vezes dependendo dos lobbies das grandes empresas para garantir

uma parcela bem pequena de sua produção. No que tange aos movimentos sociais,

tanto os reivindicatórios quanto aqueles que buscam sua identidade, também se

aproveitam deste momento que algumas empresas se encontram, e que estão

atreladas ao poder público, para conseguir vitórias jurídicas. Em outras palavras, as

cidades corporativas ganham poder e fazem com que os grupos reivindicatórios que

estão à margem da produção e da conquista de seus anseios sociais se atrelem em

maior ou menor grau à oportunidade de terem mais visibilidade ou ainda que sejam

capazes de pressionarem o poder público em troca do atendimento de alguma

reivindicação, sejam elas pontuais ou ainda na possibilidade de concretizá-la

enquanto demanda da própria cidade, que agora está em uma aliança bastante

consolidada entre o poder público e as empresas de grande porte.

A divisão dos movimentos reivindicatórios e populares, se dando a partir da

abrangência e da influência no poder público para a consolidação de demandas

próprias também criam uma divisão na organização espacial, em particular dos

próprios movimentos, que passam, em certa medida, a se tornarem corporativos. Em

23 A urbanização brasileira, 2009 (1993).

33

um exemplo simples, o movimento por moradia passa a se desatrelar do movimento

por transporte gratuito, entendendo assim que as reclamações seguem por

caminhos diversos: o primeiro é focado nas construtoras e nas empresas atreladas à

construção civil e sua relação com o poder público; o segundo se estabelece

enquanto uma relação com as empresas e concessionárias de transporte coletivo,

que muitas vezes não tem uma ligação direta e explícita com as construtoras e a

indústria de construção civil.

Tal divisão na reclamação por melhorias na qualidade de vida nas cidades

também mostram a fraqueza dos movimentos populares e seu “sentimento de

comunidade” (Santos, 2009 [1993]: 121) não são fortalecidos e sim dissipados.

Sem dúvida, as obras feitas pelas grandes empresas hegemônicas nas

metrópoles favorecem uma parcela grande da população, porém não é nesta lógica

que o trabalho das empresas é realizado. As obras e infraestruturas localizadas nas

periferias e em bairros distantes do centro econômico das cidades conformam o

poder dessas empresas, estando preocupadas em não perder sua posição e ainda,

aniquilar as pequenas firmas, controlando a execução de projetos e obras que só as

grandes empresas são capazes de consolidar. Assim, a cidade se afirma enquanto a

contradição materializada onde, através de mecanismos de infraestrutura para a

população, se divide à mesma medida na reivindicação de melhorias, atrelando as

demandas populares às empresas e a alguns setores do poder público.

Da mesma forma podemos analisar a criação de infraestruturas urbanas

guiadas pela lógica das grandes empresas e, particularmente no tocante à

habitação: o poder público apresenta as demandas de moradia, e as empreiteiras e

construtoras são responsáveis por elencar o local onde serão instaladas. O

argumento se torna plausível à medida que os terrenos apresentados para a

consolidação do acesso à moradia para a população se encontra em áreas

periféricas, sob o julgo de serem terrenos mais baratos e acessíveis, mas que

também, perversamente se ligam às demandas das próprias empresas, que terão

nova oportunidade de instalar mecanismos públicos de melhoria de qualidade de

vida como rede de água e esgoto, energia elétrica e pavimentação, demonstrando o

interesse privado na gestão pública da cidade, uma vez que as obras são

determinadas pela administração local e executadas por empresas particulares.

Assim, nas palavras de Santos (2009, p.123),

34

“o próprio poder público torna-se criador privilegiado de escassez;

estimula a especulação e fomenta a produção de vazios dentro das

cidades; incapaz de resolver o problema da habitação empurra a

maioria da população para as periferias; e empobrece ainda mais os

mais pobres (...)”.

Mesmo na promessa de resolver os problemas das cidades e, ainda

resolvendo-os, o poder público é o agente principal na construção de cidades

desiguais e de oportunidades e criação de diferenças espaciais, “nessas condições,

cada solução se impõe como um problema” (Santos, 2009, p. 125).

O planejamento urbano, tais quais os tecnocratas o delimitavam, era tido

como uma forma de aplicar, localmente, sugestões de melhorias para as condições

de vida nas cidades considerando, sobretudo a sua funcionalidade. O predomínio de

espaços hegemonicamente voltados para atividades economicamente ativas, a

criação de espaços a serem valorizados, longe dos centros urbanos, compõem a

sua lógica. A planificação em termos de desenvolvimento econômico pode ser

entendida enquanto técnica, ou seja, a cidade cumpre os papéis estabelecidos pelas

grandes empresas em consórcio com o poder público. A necessidade primordial se

aloca na formação de recursos sociais para as camadas pobres e um plano diretor

não se configura, até então, enquanto um desenho de crescimento econômico ou

oportunidade de prestação de serviços.

O planejamento das cidades deve compreender as dinâmicas da cidade,

orientando-a para a maioria da população e de seus anseios para melhor qualidade

de vida, acesso aos equipamentos sociais de cultura, saúde e educação. Nesse

aspecto, o planejamento tem sido instrumento fundamental das empresas de

construção civil a fim de delimitar quais áreas são melhores para o estabelecimento

das camadas menos favorecidas dentro das cidades. Com altos custos com

transporte e muito tempo gasto no trajeto casa-trabalho-casa, as empresas, junto ao

poder público se mostram intimamente relacionadas na fixação de um

desenvolvimento urbano que se pauta pela desigualdade de acesso da maioria da

população aos mecanismos públicos de infraestrutura.

35

Capítulo 3

As teorias do Direito e o respaldo acadêmico na atuação com os

moradores

Dentro dos estudos de teoria do Direito, conseguimos embasar os métodos

utilizados pelo Núcleo de Direito à Cidade (NDC) no processo de usucapião coletivo

enquanto uma consolidação dos passos dados junto à comunidade e a construção

de um saber coletivo dentro do Núcleo de Direito à Cidade com os moradores.

Todas as intervenções que são passíveis de demonstração da concepção do grupo

enquanto acesso à justiça gratuita e, mais ainda, enquanto a efetivação do direito à

moradia digna e o direito à cidade, o grupo, junto com o advogado orientador e o

professor coordenador24, elabora questionamentos e manifestações no processo de

maneira a corroborar com a lógica estabelecida entre os quatro atores do processo

(comunidade – Núcleo de Direito à Cidade – Judiciário - Academia).

Dentre as correntes da filosofia do Direito, destacarei aqui aquela que mais se

aproxima da forma com que podemos lidar com o processo dentro dos aspectos

teóricos pertinentes às suas características.

O pluralismo jurídico

No começo do século XXI se inicia um processo de pensamento dentro das

diretrizes acadêmicas formais, que leva em consideração os aspectos em que ela

própria foi elaborada, devido à existência de uma descrença no modelo tradicional

de Direito e o início de um pensamento e construção de um projeto baseado na

realidade em que se vive “supuestos que parten de las condiciones históricas

actuales y de las prácticas reales.” (WOLKMER, 2003).

Tendo como ponto de partida que, na América Latina, as particularidades das

formações econômico sociais impuseram determinadas barreiras à implementação

do Direito moderno e tendo em vista que sua concepção se deu em um ambiente

diferente das contradições sociais e de funcionamento da justiça com relação à

Europa, terei aqui uma leitura da situação social, econômica e política breve,

24 Rodrigo Ribeiro de Sousa, advogado orientador. Professor Doutor Celso Fernandes Campilongo, professor coordenador do Projeto do NDC.

36

desenhada na América Latina para caracterizar então o processo histórico em que

inserimos as teorias da filosofia do Direito.

A partir do entendimento das particularidades das lutas sociais que a América

Latina enfrentava, o processo de elaboração de novas propostas dentro do Direito

para novas concepções de linhas teóricas que sejam capazes de abarcar a solução

de conflitos a partir de uma nova definição de legalidade se tornaram imperativas. É

necessário, a partir do início do século XXI, entender que a concepção de legalidade

para as áreas onde os conflitos sociais se dão, no sentido de reconhecer e legitimar

as normas que começaram a surgir a partir da carência na solução de problemas

judiciais pela própria lei formalizada, ou ainda pelas novas organizações sociais que

surgem num contexto de mudança social, desde o momento em que passam a ter

uma função reivindicatória, configurando, portanto o que se chama de pluralismo

jurídico participativo e democrático, que leva em consideração as demandas

apontadas pelos coletivos e também pela necessidade cotidiana dos atores

envolvidos.

O Pluralismo Jurídico tem, em diversos momentos da história, diferentes

concepções. Na idade média, o pluralismo jurídico era tido como a simples

representação formal das diferentes camadas sociais, tendo em vista a existência de

quatro tipos de Direito: o senhorial relacionado ao poderio militar; o canônico

relacionado à cristandade; o burguês, jus mercatorum, relacionado com o poder

econômico e por fim o real, relacionado ao poder político. A descentralização do

território e consequentemente, a existência de diversos centros de poder na Europa,

fez com que diversas concepções de normas e definições de Direito fossem dados

de acordo com as regiões, costumes culturas e hábitos da população local.

(WOLKMER, 2003).

A partir da estatização do Direito na Inglaterra, caracterizada pela

centralização política e subordinação da justiça com a instauração do período

absolutista, a ascensão de uma burguesia culminando na uniformização da

burocracia e, posteriormente, com a vitória de Napoleão Bonaparte, que solidificou e

nacionalizou o sistema legal francês, por meio da codificação e foi seguido pelos

demais países europeus do continente, o Direito passa a ser um único código civil, e

o pluralismo existente anteriormente estaria eliminado da estrutura jurídica. Passa a

predominar a partir deste momento, até meados do século XX, o código civil

unificado. Nas primeiras décadas do século XX, entre filósofos e sociólogos do

37

Direito, ressurge a ideia de estudar as possibilidades do pluralismo jurídico, como

multiplicidade de práticas existentes num espaço sociopolítico, que inclusive pode

ser extrajudicial. Esta tendência se consolida nos anos 50 e 60 na área da

antropologia do Direito.

A partir daí, pluralismo jurídico passa a ter uma nova descrição:

“a multiplicidade de práticas existentes em um mesmo espaço sociopolítico,

que interagem por conflitos ou consensos, que podem ser ou não oficiais e

que tem sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e

culturais”.25

(WOLKMER, 2001)

O pluralismo jurídico na América Latina, segundo Boaventura (1988), teve

origens em países que dominaram, através da colonização, as então Metrópoles

fazendo as colônias aceitarem normas jurídicas vindas da Europa. Em outro

momento podemos destacar o pluralismo jurídico das colônias em três situações: a

primeira diz respeito aos países que adotam o Direito europeu apesar de terem

cultura e tradições normativas diferentes; o segundo se referem aos países que

passaram por alguma revolução político-social-econômica e continuam por algum

tempo usando o antigo Direito, por mais que tenha sido abolido pelo novo ‘Direito

revolucionário’; e uma terceira situação se refere às populações nativas não

dizimadas, que não se subjulgam à ordem jurídica e às normas impostas pelo

colonizador, conservando seu Direito tradicional.

As características do capitalismo periférico, presente nos países da América

Latina pode levar o pluralismo jurídico a duas abordagens distintas: pluralismo

jurídico estatal e pluralismo jurídico comunitário, sendo o primeiro reconhecido,

permitido e controlado pelo Estado, o segundo a partir dos espaços formados pelos

movimentos sociais e organizações coletivas com autonomia e identidade próprias,

existindo para além do Estado (WOLKMER, 2003).

Para Wolkmer, o pluralismo jurídico comunitário se dá a partir da perspectiva

de superação das próprias denominações do pluralismo, como o estatal, e com a

construção de um projeto que resulte das necessidades de satisfação das

necessidades essenciais.

25 Wolkmer, 2001.

38

Dessa maneira o pluralismo jurídico propriamente dito não se encontra nos

tribunais, nas assembleias legislativas ou nas Faculdades de Direito, mas aparecem

a partir da aplicação e práticas sociais comunitárias e coletivas, principalmente dos

agentes sociais excluídos.

Podemos, atualmente, destacar o pluralismo jurídico como parte de um

sistema jurídico próprio dos setores sociais que não se sentem contemplados pelo

sistema jurídico formal. Com suas normas, as formas de contenção de conflitos e a

sua própria resolução se dão de maneira independente do Direito formal. Não se

trata aqui de um uso alternativo do Direito, mas sim de um processo de construção

de outras formas jurídicas.

No Brasil, podemos abordar o pluralismo jurídico em duas esferas: a cultural e

a sociológica. O pluralismo jurídico cultural se restringe às normas criadas por

populações tradicionais, tomando como o exemplo proposto por Luciano Oliveira,

(2003) pode-se dizer que os agrupamentos indígenas, que ainda não tiveram

contato com a estrutura econômica de produção capitalista, podem ser considerados

regidos por normas culturais, ou seja, habilitadas e formuladas por aqueles que

vivem em conjunto sob as mesmas condições de convivência social. O pluralismo

jurídico sociológico, eixo abordado para este trabalho, parte do princípio da criação

de normas que operam ora acima das normas jurídicas oficiais, ora em consórcio

com estas, ora não existem e são usadas as leis “do asfalto” (BOAVENTURA, 1988).

As normas elaboradas por moradores em áreas periféricas, centro da

perspectiva do pluralismo jurídico, tendem a ser mais libertadoras e menos

opressivas do que as normas oficiais, regidas pelo Estado. Este fato se evidencia

quando tais normas são feitas de forma consensual entre os moradores ou ainda

entre os acordos feitos com os vizinhos que entram em conflito em uma

comunidade.

De forma contraditória, e dialética, podemos observar, porém que as normas

referendadas entre moradores da periferia, não tendem a serem normas que

extrapolem o poder local e a rigidez colocada pelo Estado em esferas maiores de

atuação. Um exemplo: as normas locais podem definir os horários para a ocorrência

de festas na rua, mas não tem condições de “competir” com a norma oficial quando

algum vizinho, por reclamar do barulho, liga para a Prefeitura e pede que o barulho

acabe. Neste caso, o horário da festa na rua será alterado de acordo com as normas

oficiais colocadas pelo Estado. Ainda assim, em nenhum momento, mesmo com o

39

método diferenciado de estabelecimento das normas entre os moradores, tais

critérios são colocados como forma de resistência entre eles e o Estado, o que se

pretende, ao contrário, é que sua norma seja tão legítima quanto àquelas colocadas

em vigor pelo Direito formal. Neste ponto, podemos cair na armadilha já avisada

pelos sociólogos do Direito, em não nomear a criação de normas não oficiais

enquanto um poder paraestatal, mas sim enquanto normas que disputam espaço no

Direito formal para que vigorem oficialmente.

Da mesma forma, podemos entender que a necessidade de estabelecer a

propriedade em cartório das casas da quadra 46, não se constitui como uma

contraposição ao Direito formal, muito menos enquanto uma resistência à

propriedade privada, mas sim reforça, dentro do sistema econômico vigente, a

necessidade e a possibilidade de moradores em áreas periféricas da cidade em

possuir o título de posse de sua casa em seu nome, inserindo-se na dinâmica já

colocada para todos os donos de propriedade na cidade.

Neste histórico sobre o pluralismo jurídico, podemos destacar as formas de

organização dos moradores da favela de Paraisópolis e, generalizando, dos

movimentos populares de moradia na cidade de São Paulo, dentro da dicotomia

apresentada. Nos últimos anos, vê-se boa parte dos movimentos sociais se

referenciando na solução de conflitos a partir do Direito Alternativo, ao mesmo

tempo em que os movimentos populares e os movimentos de bairro, também

conhecidos como movimentos pela melhoria da qualidade de vida, reivindicam pelas

vias do Direito formal as melhorias nas condições de vida na cidade. Com as

recentes formas de se organizar coletivamente e resolver as dificuldades das

comunidades carentes a partir do coletivo e das normas estabelecidas entre os

próprios moradores, antes de reivindicarem ao Estado as melhorias de sua

qualidade de vida, se mostraram em muitos casos, o caminho para a conquista de

alguns avanços.

Em Paraisópolis, as formas de intervenção jurídica se dão em diversos fóruns

temáticos participativos, com eleição de representante tanto dos moradores da

própria favela quanto com a nomeação de funcionário do setor público e, em

algumas ocasiões a presença de representantes das ONGs que atuam na favela

como um todo.

40

Na atuação da quadra junto ao processo de usucapião coletivo, as formas de

mediação dos conflitos seguem uma lógica que se aproximam, de certa maneira, do

pluralismo jurídico, descrito por Boaventura e seu relato sobre Pasárgada (1988).

No contato com a comunidade e nas reuniões mensais com os moradores da

quadra 46, procuramos sempre estabelecer o diálogo a partir das premissas sobre

os últimos acontecimentos na própria quadra e nas quadras dos arredores, para

além dos moradores contemplados no processo. Entendendo que a quadra se

insere na lógica da consolidação histórica da comunidade e que este faz fronteira

com um dos bairros que concentram as camadas com maior poder aquisitivo da

cidade, fatos importantes que ocorrem na área se confrontam com a vida simples

que os moradores da comunidade possuem.

Exemplos para a resolução de conflitos de maneira a não seguir as formas

jurídicas tradicionais impostas pelo Estado são, em cada uma das reuniões,

falarmos de problemas inerentes às características de vida da quadra e estabelecer

uma maneira com a qual todos se sintam confortáveis em resolver o problema. Em

muitas oportunidades o problema não se resolve pelo fato de esbarrar em alguma lei

do próprio Estado, que prevê a modificação da situação ou ainda, ao esbarrar em

normas de algum grupo majoritário da comunidade, estabelecido há mais tempo,

com poderio econômico ou até mesmo armados.

A organização dos moradores na favela: mecanismos regulatórios

A favela de Paraisópolis conta hoje com diversos instrumentos que garantem

a urbanização da área e a sua transformação em bairro residencial de baixa renda.

Para isso, diversas organizações foram criadas a fim de garantir direitos elementares

para a consolidação de uma vida digna para a favela.

Existem ali organizações não governamentais e sem fins lucrativos com as

mais diversas finalidades, e também espaços de organização popular referenciadas

nas disposições do PDE, que garantem, ou deveriam garantir, a participação dos

moradores nos rumos do Programa de Urbanização da favela.

A União dos Moradores de Paraisópolis, criada em 1983 junto ao boom de

organização dos movimentos reivindicatórios dos anos 60 a 80 - salientando o papel

da ditadura militar no Brasil que reforçou a necessidade de organização popular, a

partir da perspectiva do campo oposicionista que lutava por democracia e liberdade

41

de organização e foi aprofundada ainda mais a partir do Ato Institucional número 5,

em 1968, quando as iniciativas de organização popular foram completamente

cerceadas, inclusive nos bairros periféricos da cidade (KOWARICK e BONDUKI,

1994). – tomou corpo as ações afirmativas que compõem os fóruns de planejamento

e reurbanização das quadras junto à Prefeitura de São Paulo.

O planejamento urbano enquanto uma ferramenta de organização do espaço

na cidade de São Paulo acaba por fragmentar também as movimentações

populares, de forma a cada um dos grupos reivindicatórios lutarem por demandas

específicas e isoladas de todas as outras formas de intervenção coletiva.

Claramente o planejamento não é único e principal culpado na desarticulação

dos movimentos reivindicatórios urbanos em São Paulo, mas podemos observar, à

medida que as demandas de determinados setores são ouvidas, sua luta não é

solidária com a luta de outros setores também movimentados, demonstrando

também que a proposta de um planejamento tecnicista, atrelado às empresas

privadas e o Estado, enquanto se afirma na solução de alguns problemas também

cria outros igualmente problemáticos para a participação popular nos rumos da

cidade.

A Prefeitura, por sua vez, criou junto à proposta de reurbanização,

consolidada a partir de 2004 com a aprovação dos Planos Regionais Estratégicos

das Subprefeituras, que por sua vez desenharam as Zonas Especiais de Interesse

Social (ZEIS) de Paraisópolis, o Conselho Gestor, espaço onde o Plano de

Urbanização é idealizado e apresentado aos representantes da comunidade em um

espaço não deliberativo e sim consultivo.

Sendo um instrumento específico da ZEIS, o Conselho Gestor conta com a

participação de órgãos diretamente ligados ao Plano de Urbanização (PDE 2002,

Art. 178): Organizações Locais (ONGs), Proprietário de imóveis, vizinhança, SEHAB,

SIURB, SEMPLA, SME, SMT, SJ, SMADS, SEME, SMS, SABESP, LIMPURB,

SVMA, CDHU, ELETROPAULO - Secretaria de Habitação / Secretaria Municipal de

Infraestrutura urbana e obras / Secretaria Municipal de Planejamento Urbano /

Secretaria Municipal Educação / Secretaria Municipal dos Transportes / Secretaria

Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social / Secretaria Municipal de

Esporte, Lazer e Recreação / Secretaria Municipal Saúde / Secretaria do Verde e

Meio Ambiente / Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano - e

42

moradores representantes dos setores que compõem a favela eleitos diretamente a

cada dois anos.

Paraisópolis é organizada hoje com um conjunto de assistências sociais de

políticas públicas de caráter filantrópico (Organizações Não Governamentais –

ONGs) chamado Multi Entidades. Este conjunto de assistências se reúne a cada

dois meses para discutir temas específicos de demandas dos moradores para a

melhoria do bairro. O Multi Entidades, por sua vez, entra como um dos

representantes da comunidade com cadeira cativa no Conselho Gestor de

Paraisópolis.

As ONGs que compõem o Multi Entidades têm diversas finalidades, desde

cursinho comunitário até assistência de saúde, lazer e profissionalização.

O Plano Diretor Estratégico (PDE) - Lei 13430/02 - prevê em seus textos a

regularização da cidade e sua administração em Subprefeituras (artigo 8º; inciso

XIV) e, além disso, políticas habitacionais, de saúde, educação, cultura, transporte,

habitação, serviços públicos e infraestrutura (artigo 8º; inciso II).

A política habitacional de São Paulo é definida pelo PDE em conjunto com a

Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Urbano (SMDU) e Secretaria Municipal de Planejamento

(SEMPLA). O PDE determina em quais áreas da cidade prevalecerão o uso para fins

habitacionais, a chamada Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) – artigo 81;

inciso VII - com o instrumento da Habitação de Interesse Social (HIS) – artigo 12º;

inciso VIII - que é comportada no zoneamento da cidade, na qual se caracteriza pela

presença de habitação de baixa renda, favelas, que se pretenda a recuperação

urbanística e ainda a regularização fundiária e a manutenção das Habitações de

Interesse Social, incluindo equipamentos sociais e culturais e serviços e comércios

locais (artigo 171; inciso I).

Paraisópolis está enquadrada na ZEIS-1 e, portanto, o interesse construtivo

naquela área abarca somente as habitações e pequenos comércios locais, os quais

estejam diretamente ligados aos moradores da favela.

Uma vez que, entre outras características, as habitações são irregulares, não

possuem registro em cartório pois, foram ocupadas em um momento que não existia

um planejamento na cidade que contemplasse as ocupações de baixa renda em

terrenos ociosos, e ainda, o ordenamento territorial estava apenas interessado em

delimitar os usos em áreas de interesse de uma parcela da população com alto

43

poder aquisitivo e que, portanto, ditavam as políticas de uso do solo inexistindo uma

política habitacional consolidada nas periferias da cidade, com o surgimento do PDE

passou-se a garantir aos seus moradores o direito de moradia devido ao tempo

transcorrido de fixação daquelas pessoas naquele local, bem como a quantidade de

instrumentos de mobilidade, saneamento básico, saúde e educação que estavam à

disposição dos moradores.

Tudo isso é justificado legalmente, pois o PDE é baseado nos elementos do

Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001) que garante a permanência dos moradores nas

favelas e ocupações precárias, uma vez que aqueles terrenos cumprem enfim, sua

função social da propriedade urbana definida nos termos dessa lei e, que o mesmo

não é requerido por seus donos ou herdeiros.

O que não é dado pelo PDE é que, obras de interesse público, como a

construção de infraestruturas de uso coletivo, conformem a permanência dos

moradores em suas casas, uma vez que não está garantido seu direito à

propriedade em termos jurídicos – a partir de escritura em cartório de suas moradias

– e o próprio PDE, com subsídio do Estatuto da Cidade, estabelece ainda as

Operações Urbanas Consorciadas (OUC),

“conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público

municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários

permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma

área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a

valorização ambiental”. 26

As Áreas de Intervenção Urbana (AIU) são áreas que compreendem obras

das OUC, Parques Lineares, Eixos e Polos de Centralidade, Redes Viárias e o

Rodoanel, e os Projetos Urbanísticos Estratégicos (PUE) – são instrumentos que

enfatizam a melhoria urbanística do local a partir de estruturas de uso público e,

beneficiam o bairro como um todo, dentro da ideia de Planos Urbanos,

desenvolvidos pelas Secretarias anteriormente citadas.

Dessa forma, qualquer intervenção urbana proveniente de um dos Planos de

Urbanização acima citados, colocam em risco a permanência dos moradores em

suas casas.

26 PDE, 2002, Art. 32; parágrafo 1º.

44

Capítulo 4

A Faculdade de Direito, a Regularização Fundiária e o Estatuto da Cidade

O convênio firmado na semana de 18 de agosto de 2003 na Faculdade de

Direito da USP junto ao Centro Acadêmico XI de Agosto (CA XI de Agosto), o

Departamento Jurídico (DJ), a Ordem dos Advogados do Brasil – SP (OAB/SP) e a

Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) marcou um importante passo na

concretização das disposições descritas e aprovadas no estatuto da Cidade, lei

federal aprovada em 2001.

Na ocasião, a Prefeita Marta Suplicy visitou a Faculdade de Direito na

comemoração de seus 176 anos e assinou um convênio importante que garantia a

“assessoria a 200 famílias da favela Paraisópolis” 27 e envolvia a assessoria jurídica

gratuita a uma quadra da favela de Paraisópolis a fim de lhes garantir, através do

instrumento de Usucapião Coletivo, o direito à moradia e ao título de propriedade

aos moradores na favela de Paraisópolis.

A então prefeita visitou a favela e firmou entre as entidades, em cerimônia

onde estava presente o ministro das Cidades, na época Olívio Dutra, a necessidade

do título à propriedade à parte da população como início de um projeto mais amplo

de reurbanização de favelas, e segundo o ministro da Justiça à época, Marcio

Thomaz Bastos, o título de propriedade do imóvel "dá cidadania aos moradores".

Para a prefeita de São Paulo, o projeto de regularização fundiária permitia que os

serviços públicos chegassem enfim, à população.28

De acordo com um convênio firmado no ano anterior com a OAB-SP29, a

proposta é que a população de baixa renda usufrua dos instrumentos legais

disponíveis, particularmente o Estatuto da Cidade, e até então não assimilados pela

justiça, bem como o acesso à justiça, à assistência jurídica e técnica nos casos de

habitação popular. Este convênio visa atender a cidade de São Paulo e o acordo

firmado com a Faculdade de Direito estaria disponível apenas para uma quadra da

favela de Paraisópolis.

O Estatuto da Cidade regulamenta e descreve detalhadamente a política da

função social da propriedade urbana, ou seja, um imóvel desocupado pode ser alvo

27

http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp654/pag1011.htm – em 23-05-2012. 28 http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/assistencia/noticias/pop_ntc18.asp – em 23-05-2012. 29 http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/assistencia/conveniopge/pop02.htm – em 23-05-2012.

45

de desapropriação para posteriormente cumprir seu uso para moradia popular. O

mesmo vale para terrenos particulares ociosos ou com dívidas não amortizadas ou

não negociadas. De acordo com os artigos 182 § 2º: “A propriedade urbana cumpre

sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da

cidade expressas no plano diretor” - e 183 da Constituição30, que estabelecem a

política urbana e que define, por sua vez, o que é a função social de propriedade, e

dos Planos Diretores, ligado intimamente com a função e uso de acordo com o

zoneamento da cidade, e estabelece, assim, as políticas públicas urbanas

garantindo direitos essenciais para a vida digna nas grandes cidades e metrópoles.

Uma vez que, é de competência dos municípios a definição dos terrenos e

propriedades que cumprem sua função social, e contando que em muitas cidades o

Plano Diretor não sai do papel, quando ele existe, duas alternativas são possíveis: a

definição segundo a lei federal do termo ou ainda, o auxílio aos municípios via

governo federal para a aplicabilidade da lei.

O Estatuto da Cidade tramitou durante 10 anos até ser aprovado no

Congresso Nacional e é obrigatória sua utilização nas cidades com mais de 20 mil

habitantes, número necessário também na elaboração e aplicabilidade do Plano

Diretor Estratégico. Segundo a Conferência das Cidades, fórum organizado pelos

movimentos populares e representantes do poder público, o pedido popular para o

auxílio na elaboração de um Plano Diretor em cidades com menos de 20mil

habitantes, seja com recurso técnico ou financeiro, vem desde sua 3ª edição,

ocorrida em 2007, na qual, a resolução deixa explícita a necessidade de elaboração

de Planos Diretores para estes municípios: “14 - Incentivar a elaboração de Plano

Diretor Territorial participativo para municípios com menos de 20 mil habitantes,

assim como Planos de Mobilidade em cidades com menos de 500 mil habitantes.” 31.

Tendo em vista que cerca de 70% dos municípios brasileiros possuem até 20

mil habitantes, segundo o IBGE (2006), na edição posterior, em 2010, também foi

ressaltada tal necessidade:

“8) Que o SNDU (Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano) garanta recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano, considerando a realidade dos municípios com menos de 20 mil habitantes, para a elaboração dos Planos Setoriais de habitação de

30 Constituição Federal, 1988. 31 Caderno de Propostas Aprovadas na 3ª Conferência Nacional das Cidades, 2007.

46

interesse social, saneamento ambiental, regularização fundiária, trânsito (...)32”.

Quando da aprovação do Estatuto da Cidade, o planejamento de São Paulo e

em particular, a política habitacional, deram um salto qualitativo. Isso ocorreu porque

o Estatuto garante o acesso à moradia digna, mobilidade urbana, à educação e à

saúde de maneira a normatizar e regular todas as funções das políticas públicas na

cidade.

É a partir dessa lei que o processo de usucapião coletivo – usucapião

especial de imóvel urbano - se dá na quadra 46 de Paraisópolis:

“As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural” 33.

A extensão universitária e o papel da Universidade e dos estudantes na

consolidação do Direito à Moradia

O estudo de caso dessa monografia, a quadra 46 da favela de Paraisópolis, é

identificado a partir da numeração dada pela Prefeitura de São Paulo como quadra

46, pertence ao setor centro da Comunidade de Paraisópolis, dentro do Complexo

Paraisópolis, que é composta pelas comunidades do Jardim Colombo e Porto

Seguro. A quadra possui uma escola estadual (E.E.), uma escola municipal (E. M.)

e uma unidade básica de saúde (U.B.S.). Temos algumas divisões para fins

processuais dadas pelo processo judicial, e são denominados de setores A, B e C

(figura 5), setores este que definem a quadra de acordo com o processo,

compreendendo três numerações: no setor A compreende a numeração processual

0064.382-32.2005.8.25.0000, no setor B a numeração processual 0123.991-

63.2007.8.26.0100 e no setor C a numeração processual 0166.749-

91.2006.8.26.0100.

32 Caderno de Propostas Aprovadas na 3ª Conferência Nacional das Cidades, 2010. 33 Estatuto da Cidade, Capítulo II, Seção V, Artigo 10.

47

Figura 5: limite espacial do objeto de estudo e limites internos processuais.

Dentro dessa organização, conseguimos acompanhar os processos no Fórum

em que foram abertos e ainda, cadastrar todas as famílias envolvidas, através de

fichas de cadastro feitas pelos próprios estudantes do grupo (figura 6), onde

constam as informações sobre o núcleo familiar e, principalmente, a trajetória de

compra e venda das casas inclusas na quadra e, portanto, integrantes dos

processos, uma vez que só terão direito ao registro da moradia aqueles que

estiverem, no momento da sentença, morando na casa em questão e conseguirmos

provar, por meio dos documentos de cessão de posse, o histórico de compra e

venda da casa.

48

Figura 6: Fichas de cadastro dos moradores da Quadra 46. Fonte: Núcleo de Direito à Cidade, 2003.

O grupo de extensão Núcleo de Direito à Cidade (NDC), atua em diversas

frentes junto à quadra, mesmo tendo um objetivo comum muito claro: o acesso à

moradia digna. Desde o início do processo em 2003, os estudantes vão à quadra se

reunir com os moradores, obrigatoriamente uma vez por mês, com a intenção de

acompanhar de perto as transformações ocorridas na comunidade como um todo, e

particularmente na quadra onde o processo se localiza. Esporadicamente o grupo se

organiza e também se envolve em momentos relevantes da comunidade, como as

obras do Plano de urbanização, reuniões do Conselho Gestor, reuniões das

entidades ativas no complexo de Paraisópolis – Multi Entidades, eleições para os

conselheiros e ainda em momentos de resistência junto aos moradores da favela

frente às ações de cunho policialesco, como a que ocorreu em 2009 e em 2012, nas

chamadas Operação Saturação Paraisópolis, articulada pela Polícia Militar e o

Governo do Estado.

O Núcleo de Direito à Cidade se organiza dentro da Universidade de São

Paulo (USP), na Faculdade de Direito (FD) e, uma vez por semana, durante três

horas, discute textos e elabora métodos baseados na concepção de Paulo Freire

sobre Educação Popular para um contato com a comunidade que prevê a

interlocução dos atores envolvidos, não somente a troca de saberes, mas a

interação dos conhecimentos na busca pela emancipação dos envolvidos para uma

real intervenção na realidade, de maneira crítica e autônoma.

49

A Faculdade de Direito é a instituição dentro da USP que nos fornece um

aporte teórico em termos jurídicos para o bom andamento do processo e ainda, para

o crescimento do Núcleo de Direito à Cidade em termos acadêmicos. Sendo um

grupo interdisciplinar, o processo de socialização dos conhecimentos segue a

mesma proposta que usamos na quadra, com os moradores. Como o grupo é

composto por estudantes de diversas áreas de conhecimento, a proposta de Paulo

Freire e a concepção de educação popular também são aplicadas na dinâmica das

reuniões, ao tratarmos de assuntos pertinentes e frequentes nas áreas de

conhecimentos delimitadas academicamente. Dessa maneira, quando falamos sobre

o andamento dos processos, todos os integrantes tem a oportunidade de

compreender cada um dos passos dados e ainda, participar ativamente da

concepção jurídica de todos esses andamentos.

Todo o processo de aprendizagem da comunidade com o Núcleo de Direito à

Cidade é pensado de maneira a não estabelecer um patamar entre as vivências de

cada um dos atores. Dessa forma, é possível elaborar de maneira rica e sólida o

vínculo entre as necessidades reais e pontuais dos moradores da quadra com o

saber acadêmico construído dentro da universidade.

Quando falamos de educação popular e extensão universitária, não se pode

esquecer o vínculo estreito que essas duas concepções tem, ou deveriam ter, ao

pensarmos no papel da universidade e do ensino público. A extensão universitária

enquanto um tripé da universidade só tem sentido em seu aspecto acadêmico,

quando a interação com a comunidade se efetiva e supera as diferenças entre os

tipos de conhecimentos acumulados em cada um dos locais vividos.

Transdisciplinaridade: para além das disciplinas na atuação e no estudo de

caso

Levando em conta uma característica intrínseca deste estudo, levantada pela

particularidade do processo jurídico, a quadra 46 se apresenta enquanto um dos

poucos casos a ser analisado da perspectiva transdisciplinar, superando as barreiras

entre o Direito e a Geografia enquanto disciplinas universitárias.

A perspectiva transdisciplinar é uma concepção originada a partir de estudos

sobre educação popular e tem como objetivo caracterizar o ensino de maneira que

este abarque muito mais que temas pré-determinados em ambientes formais de

50

educação. Este conceito nos permite dizer que a perspectiva de atuação do grupo

junto à comunidade ultrapassa os limites colocados pelas disciplinas na

Universidade e em cada um dos cursos, e também quer dizer que os conhecimentos

de cada estudante que compõe o grupo, bem como dos moradores, são igualmente

importantes e necessários na consolidação do processo de autonomia daqueles que

fazem parte do processo judicial e concretização de um saber popular, um saber

produzido para o atendimento das demandas populares, sendo inclusive uma das

tarefas elencadas pelo Núcleo de Direito à Cidade enquanto ator na consolidação do

direito à moradia. Esta perspectiva também vem da conceitualização e atuação do

educador Paulo Freire a partir de suas experiências de alfabetização em pequenas

cidades e vilas do Nordeste do Brasil.

Nas palavras de Paulo Freire, podemos sintetizar o que a educação popular

contribui na autonomia dos homens, em particular, a educação popular e seus

elementos como uma forma de transformação na relação entre os saberes:

“(...) E, se ele [o diálogo] é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes.” 34

Dessa forma, a descrição processual, o histórico legal das tentativas de

ordenamento territorial da cidade, a formação das periferias e logo, a configuração

espacial decorrente do mecanismo legal aplicado, o Estatuto da Cidade e o PDE,

além dos mecanismos normativos estabelecidos pela própria favela deve ser

explorada de forma conjunta, entendendo a perspectiva transdisciplinar, na tentativa

de superação das áreas de conhecimento, estabelecendo um saber que seja

assimilável pelos moradores, levando-os à autonomia na condução do processo de

organização da quadra, na garantia de seus direitos.

Freire identifica na possibilidade do diálogo as formas de transformação da

relação entre os personagens ativos dentro de uma perspectiva de mudança social.

Procuramos, durante todo o tempo de atuação junto à comunidade, estabelecer,

através de palavras, que significam as noções de ação e práxis por meio da relação

que estabelecemos com o mundo, “O diálogo é este encontro dos homens,

34 Pedagogia do oprimido, Paulo Freire, p. 109, 2011.

51

mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto a relação

eu-tu.” 35

O diálogo se tornou portanto, a ferramenta fundamental no estabelecimento

de uma relação de confiança, a partir do momento que as visões de mundo se

aproximaram e as palavras foram capazes de exprimir sua tarefa verdadeira. As

reuniões mensais na comunidade passaram a fluir de maneira a concretizar ações e

práticas fundamentais no acesso ao direito à moradia.

Além disso, este mecanismo utilizado na educação popular se tornou

fundamental para que temas relacionados a determinadas áreas do conhecimento

formal não se sobressaíssem em favor das demanda colocadas pelos próprios

moradores. Para isso um processo intenso de aprendizado vem sendo realizado por

ambas as partes envolvidas: por um lado, o Núcleo de Direito à Cidade aprende a

cada reunião e a cada intervenção coletiva junto aos moradores, a dinâmica da

comunidade a partir de sua forma de interação com ela, por outro, os moradores

passam a dominar as nomenclaturas e termos específicos e necessários para a

qualificação de suas intervenções nos ambientes formais de atuação política. Assim,

sabermos os termos utilizados nas denominações de cada lugar e de cada ação

dentro da comunidade, nos facilita no entendimento e nas necessidades dos

moradores, bem como o entendimento e a apropriação de termos e palavras pelos

próprios moradores nos permite uma ação que é consequente na ação comunitária

real e modificadora desta.

“A palavra inautêntica, por outro lado, com que não se pode transformar a realidade, resulta da dicotomia que se estabelece entre seus elementos constituintes. Assim é que, esgotada a palavra da sua dimensão de ação, sacrificada, automaticamente, a reflexão também, se transforma em palavreria, verbalismo, blá-blá-blá. Por tudo isto alienada e alienante. É uma palavra oca, da qual não se pode esperar a denúncia do mundo, por que não há denúncia verdadeira sem compromisso de transformação, nem este sem ação” 36.

Neste sentido, a palavra se torna o principal instrumento de modificação da

realidade, a principal forma de comunicação que se transforma em ação

modificadora da realidade. A reunião mensal, as relações estabelecidas entre os

moradores e o grupo de estudos não são, portanto descarregados de prática e de

35 Pedagogia do oprimido, Paulo Freire, p. 109, 2011. 36 Pedagogia do oprimido, Paulo Freire, p. 109, 2011.

52

autonomia, muito menos são meras reuniões de conversas e relatos de

acontecimentos.

Na Universidade, a transdisciplinaridade ainda encontra resistência em ser

debatida, ao lado da interdisciplinaridade, divide os profissionais de diversas áreas

do conhecimento em estabelecer dentro do ambiente de formação de opinião e

ainda, na formação de pessoas que intervenham na realidade com perspectivas de

modificá-la para além de sua área de atuação.

A Universidade é um ambiente privilegiado na formação de profissionais que

tratem a realidade, sua leitura e sua atuação na sociedade de maneira distinta aos

convencionalmente adotados. Usando do diálogo e do poder das palavras e suas

importâncias intrínsecas, a Universidade tem como papel fundamental realçar esses

aspectos na tentativa de superar o ensino fechado em disciplinas. Tal superação

porém, não tira da perspectiva do estudante, a necessidade de dominar as técnicas

de seu campo de estudo, a transdisciplinaridade e a interdisciplinaridade enquanto

etapa para a formação de um conhecimento universal, são essenciais para o

entendimento da técnica como um todo e a serviço de quem ela está presente.

Nas palavras de Rosemary Roggero:

“a realidade da universidade brasileira apresenta uma diversidade de formas em variados campos que permitem levar a experiência prática para a sala de aula, entretanto, é comum que isso ocorra de forma fragmentada e pouco sistematizada no que diz respeito aos fundamentos da experiência. A fim de que a diversidade presente no ambiente universitário possa contribuir efetivamente à formação dos estudantes de forma prática, ainda que necessariamente com base em sólidos fundamentos teóricos, faz-se importante conferir unidade à perspectiva da formação oferecida pela instituição” 37.

Dessa forma, a universidade é detentora de todos os elementos necessários

para que a experiência e a realidade sejam tratadas dentro de cada uma das

disciplinas ao mesmo tempo extrapolando-as e criando um saber universal,

seguindo o termo Universidade stricto sensu.

Levá-las para a sala de aula, atrelar o conhecimento teórico e aprimorar a

formação dos universitários seria tarefa fundamental da instituição e ainda, seria

alcançável a partir da discussão de métodos e práticas dentro do ambiente de

aprendizado formal.

37 O interdisciplinar – olhares contemporâneos, Ana Zahira Bassit (org.), p.145, 2010.

53

As reuniões semanais do Núcleo de Direito à Cidade procuram atrelar todo o

conhecimento adquirido junto à comunidade, com os ensinamentos teóricos que

temos em sala de aula, e a aplicabilidade desses conhecimentos na prática cotidiana

e nas relações estabelecidas com os moradores da quadra. Para além das leituras

de texto e artigos, da reflexão dada dentro dos limites impostos pela produção

acadêmica, o aprendizado na prática, na atuação, nas palavras de Freire, mediados

pelo mundo, o grupo consolida uma forma de lidar com situações comuns e com o

senso comum presente nas reuniões com os moradores de maneira a salientar o

potencial do diálogo e das palavras enquanto formas modificadoras da relação com

os problemas que vivem e além disso, empoderando-os na perspectiva de mudança

de sua realidade, com o domínio não só das palavras enquanto signos ou elementos

de comunicação, mas carregadas de ação modificadora.

54

Capítulo 5

Políticas públicas, urbanização, regulação e normatização do território

Atualmente, o Complexo de Paraisópolis está inserido e contemplado no

Programa de Reurbanização proposta pela Prefeitura, a partir de disposições

previstas no PDE.

As características de tal Programa preveem as particularidades dos bairros

que compõem o Complexo, e que são, em geral, demandas comuns a todos eles.

Para que o Programa obtenha sucesso, os bairros que compõem o

Complexo, a saber, Jardim Colombo, Porto Seguro e Paraisópolis, foram divididos

na possibilidade de abarcar suas particularidades, mas mais que isso, podemos

elencar outros propósitos, do ponto de vista da organização e movimentação

popular.

É interessante descrever o processo desejado pela Prefeitura em tal

Programa e após isso, discorrer sobre as implicações e desdobramentos aos

moradores e lideranças locais.

O Plano de Urbanização de Paraisópolis se iniciou em 2004/2005 e é

nomeado pela Prefeitura como Programa Paraisópolis – Regularização Fundiária.

Este Plano está apoiado nas disposições do PDE, como a definição sobre moradia

digna:

“Entende-se por moradia digna aquela que dispõe de instalações sanitárias adequadas, que garanta as condições de habitabilidade, e que seja atendida por serviços públicos essenciais, entre eles: água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo, pavimentação e transporte coletivo, com acesso aos equipamentos sociais básicos”. 38

O Programa estabelece, a partir daí, diretrizes para a implementação das

políticas públicas de maneira a inserir o morador da Favela enquanto agente

fundamental no cumprimento de sua finalidade, isso significa na prática, na eleição

de representantes em urna, organizada pela Prefeitura em conjunto com

representantes do setor público e privados atuantes na comunidade, que também

por sua vez, compõem os fóruns temáticos deliberativos sobre as políticas públicas

e em esfera geral o Conselho Gestor de Paraisópolis.

38 PDE, 2002, Capítulo III, Seção II, Subseção II, Parágrafo Único.

55

O Programa desenha uma regularização fundiária e urbanística e é descrito

da seguinte da maneira:

“Objetiva promover a regularização urbanística das áreas públicas municipais ocupadas por população de baixa renda, através da outorga de termos de Concessão de Uso para Fins de Moradia; segurança da posse: posse legalizada, através da outorga de termos de concessão ou autorização de uso; registro das áreas e dos termos de concessão ou autorização nos CRIs (Cartórios de Registro de Imóveis); integração formal das áreas na cidade: endereço oficial; IPTU; facilitação do acesso oficial a serviços públicos (água, esgoto, etc.)”.39

A partir do documento apresentado pela Prefeitura, o Plano de Urbanização

tem a seguinte definição:

“O Plano de Urbanização consiste de um plano de massas que define as diretrizes e os usos pretendidos, os índices urbanísticos, as intervenções necessárias, áreas verdes e institucionais, e áreas destinadas a reassentamento de famílias”. 40

Dessa forma, o Plano tem a possibilidade de refazer o traçado interno das

quadras, usando instrumentos variados de intervenção em Paraisópolis e assim,

constituir nela uma série de melhorias que são decididas em conjunto com a

população na figura de seus representantes, bem como com o poder público e

iniciativas privadas e do terceiro setor.

Considerando a particularidade de Paraisópolis nos termos territoriais

previstos no PDE, isto é, fazendo valer a área delimitada pelo Complexo e

particularmente pela Favela como Zona Especial de Interesse Social – ZEIS – é

obrigação do Programa contemplar a participação da população moradora local na

elaboração e aprovação das intervenções. Estas intervenções têm reflexo direto e

bastante claro no tocante às habitações, significando para os moradores a

possibilidade de alteração do endereço da sua moradia, característica do processo

de remoção para fins de reformulações urbanísticas.

Dessa maneira, fica estabelecido aos moradores, pela Prefeitura, que todos

os instrumentos jurídicos formais estão à disposição, na possibilidade de efetivação

da propriedade em seu nome. Podem-se citar esses instrumentos e suas

características e descrições conforme a definição da assessoria jurídica da

39 Apresentação Programa de Regularização Fundiária – PMSP – Conselho Gestor de Paraisópolis. 40 Apresentação Programa de Regularização Fundiária – PMSP – Conselho Gestor de Paraisópolis.

56

Prefeitura através do decreto 47272/06: Decreto de Doação com Transferência do

Direito de Construir; LEI 14.062/05 - DECRETO 47.144/06: Remissão das Dívidas e

Anistia das Multas incidentes no imóvel doado.

As normas citadas referem-se à regularização da situação jurídica dos antigos

proprietários dos lotes onde hoje estão localizados os moradores de Paraisópolis.

Ambos ditam a maneira como se dão a doação e a amortização ou execução da

dívida acumulada nos terrenos onde hoje estão ocupadas por moradias em situação

precária e, segundo as normas jurídicas formais, irregulares.

Após a identificação das maneiras e medidas a serem tomadas pelos

proprietários na regularização de sua situação jurídica em relação aos terrenos,

temos a apresentação dos instrumentos legais na regularização fundiária dos

moradores já alocados nos terrenos:

“É Direito subjetivo de todo aquele que atenda aos requisitos do artigo 1º da MP, sendo gratuito e por prazo indeterminado. REQUISITOS: posse ininterrupta de área pública por cinco anos, até o dia 30 de junho de 2001; posse sem oposição; área de até 250 m²; situada em área urbana; utilizada para sua moradia ou de sua família; não ser proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural; Decreto-Lei 271/67 - É uma faculdade do Poder Público, mediante a existência de utilidade pública ou interesse social, através de autorização legislativa. Pode ser gratuita ou onerosa, por prazo determinado ou indeterminado” sendo disposta em duas possibilidades: “CONCESSÃO DE USO ESPECIAL - Direito Subjetivo; Prazo Indeterminado; Gratuita, Finalidade: moradia, Transmissão por ato inter vivos ou sucessão e CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO - Faculdade do Poder Público, Prazo Determinado ou Indeterminado, Gratuita ou Onerosa, Finalidade: Utilidade Pública ou Interesse Social, Transmissão por ato inter vivos ou sucessão” ; Usucapião Especial Plúrima: ajuizada por um grupo de pessoas, mas não deixa de ter como objeto o Direito individual de cada autor; vários autores contra um mesmo proprietário; cada requerente apresenta documento que comprove a sua ocupação por 5 anos, bem como descrição e croqui da área que ocupa, com limites e confrontações “41

E, finalmente, a norma mais atual, usada pelos movimentos de moradia

instalados em terrenos ocupados urbanos e, em particular pelo Núcleo de Direito à

Cidade,

“Requisitos: posse de 5 anos de área urbana com até 250 m²; posse ininterrupta e sem oposição; utilização para sua moradia ou de sua família; não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.” 42

41 Medida Provisória 2.220/01 42 Estatuto da Cidade - Lei 10.257/01 – artigos 9º a 14º

57

Na figura do Usucapião Especial Coletivo:

“Requisitos: para população de baixa renda; quando não é possível identificar individualmente o lote ocupado por cada morador. Características: igual fração ideal de terreno a cada possuidor, salvo acordo escrito entre os condôminos; o condomínio é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável de dois terços dos condôminos, no caso de urbanização posterior à sua constituição; as deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes”. 43

As características dos instrumentos à disposição dos moradores, apesar de

natureza de origem diversa, estabelecem elementos comuns na efetivação do seu

direito à moradia. Podemos observar que o tempo de estabelecimento no mesmo

local, em geral, deve ser igual ou superior a cinco anos. Além disso, pode-se

destacar o papel do proprietário como premissa fundamental na efetivação dos

moradores no local que se instalaram.

De posse dos dispostos pelas normas jurídicas formais, pode-se agora

apresentar com maior nível de detalhe as consequências e as características de tal

Plano, na organização dos moradores, na efetivação das lideranças populares, na

consolidação das normas jurídicas formais e aquelas criadas pelos moradores e

agora, particularizando, na consolidação das formas e alteração espacial da quadra

em questão, objeto dessa monografia.

Como dito anteriormente, a Favela de Paraisópolis tem uma organização

popular bastante ativa desde os primeiros assentamentos na década de 70 e tomou

força nos anos 2000, com a aprovação do Plano Diretor e a aprovação do Estatuto

da Cidade.

A partir da consolidação de estratégias de urbanização e regularização

citadas acima, os moradores foram se reorganizando ao longo do tempo, se

atualizando sobre as novas normas legais, de maneira a dar legitimidade às suas

demandas e assim, se fazerem ouvidos pelo poder público.

A União de Moradores de Paraisópolis é a entidade geral que representa os

moradores da Favela. A eleição de sua diretoria é bianual, conta com um presidente,

diretores e secretários e é eleita de forma direta, com voto em urna. Para que tal

43 Código Civil - artigo 1240.

58

processo seja efetivado, o morador deve possuir uma conta (energia, água, telefone)

em seu nome, comprovando a residência. Os locais de votação são decididos

previamente, sendo, normalmente, lugares conhecidos pelos moradores e de grande

circulação.

É sabido, porém, que os movimentos populares no Brasil sofreram nos

últimos anos um refluxo organizativo, uma vez que as pautas reivindicatórias

latentes para a população de baixa renda foram atendidas por políticas

governamentais incisivas no sentido de garantir o acesso ao crédito e,

consequentemente, no acesso à aquisição e financiamento de bens como casa, e

automóvel, além da recente estabilidade da moeda nacional e a abertura de novos

postos de emprego.

No caso da União de Moradores, tal refluxo organizativo não foi diferente. À

medida que Paraisópolis tomou forma de bairro, recebeu infraestruturas como

transporte público, postos de saúde e escolas, os moradores passaram a não mais

intervir com constância na vida política da organização que os representa. Hoje

podemos caracterizar a União como um espaço político a ser disputado, inclusive

por setores que compõem a oposição à diretoria que, por mais de três mandatos,

está à frente da entidade.

Essa disputa é colocada abertamente pelos e moradores e para eles, de

maneira a demonstrar a não identificação das últimas diretorias da União com as

demandas dos moradores. O espaço político aberto para a inserção da comunidade

com o fim de explicitar as suas demandas se mostra inerente ao processo de

garantia de melhorias em suas condições de vida. Ressaltar aqui a influencia desse

grupo na direção da União é de extrema importância à medida que, a partir da

consolidação do Plano de Urbanização da Favela, a União de Moradores tem se

apresentado com um papel ativo nas determinações das políticas públicas

delineadas para a Favela, e que muitas vezes geram conflitos com as reais

necessidades dos moradores, estes, observando o caráter conciliador e bastante

próximo aos funcionários da Prefeitura, responsáveis pela elaboração de tais

políticas.

Ultimamente, podemos citar a contrariedade entre os dois grupos, aqueles

que se estabelecem na União há três mandatos, e sua oposição, em decisões

fundamentais na Favela, a saber, o traçado da via Perimetral, uma avenida larga e

de grande circulação que contornará a Favela, as remoções para a construção de

59

um parque linear e canalização de córregos e, mais recentemente, a decisão pela

construção de um monotrilho – transporte leve de passageiros – em contraposição à

possibilidade de construção de uma linha subterrânea do metrô, com maior conforto,

maior capacidade, segurança e velocidade, sendo este último um projeto largamente

defendido pelo grupo que se opõe à atual diretoria, baseada em enunciados de

técnicos em urbanismo e construção civil consultados por ela.

É perceptível, portanto, que a construção coletiva de políticas voltadas para a

própria Favela e seus moradores tem sido permeadas e direcionadas conforme as

normas estabelecidas pelo poder público. Uma vez que a representação dos

moradores não cumpre o papel de apresentar suas demandas, há poucas maneiras

de contrapor a lógica formal jurídica apresentada, de acordo com a realidade que

vivem os próprios moradores.

O resultado de tal cenário é diverso, em raríssimas ocasiões pode-se

desenhar algum sucesso, tanto no campo jurídico formal, como no tocante às

normas estabelecidas dentre os próprios moradores, em contraposição às medidas

tomadas pela Prefeitura.

A fim de exemplificar o exposto, tomaremos como base alguns casos de

dentro da própria Favela, acompanhado pelo Núcleo de Direito à Cidade.

Em 2009, começaram as primeiras obras de canalização do córrego do Brejo,

pavimentação e construção de uma avenida que envolverá Paraisópolis e ligará a

Avenida Doutor Flávio Américo Maurano à Avenida Giovani Gronchi. Tais obras

removeram e ainda vão remover cerca de 1000 pessoas, equivalente a 200 famílias,

e não previam a realocação desses moradores, recorrendo então ao aluguel social

(R$300,00) e à indenização padrão, não levando em consideração o valor declarado

pelos removidos do imóvel. Neste cenário já podemos delinear alguns problemas de

ordem prática: 1. A implementação das obras, obrigatoriamente foi aprovada no

Conselho Gestor, que é composto por diversas entidades e órgãos privados,

públicos e do terceiro setor; 2. O número de famílias e pessoas foi um cálculo

estimado; 3. O aluguel social não atende à demanda de moradia na cidade de São

Paulo, seja no centro, seja na periferia, no pagamento do aluguel de uma casa; 4. O

valor pago pela indenização do imóvel também é padrão e estimado, já que as

moradias ali situadas não possuem registro me cartório para a comprovação real do

seu valor.

60

Um dos moradores da área a ser removida possuía, em sua casa, um salão

de beleza, atividade esta que garantia sua renda mensal. Alguns moradores,

percebendo a falta de preparo do poder público em lhes garantir um local com as

mesmas ou melhores condições de habitabilidade, pressionaram a Prefeitura,

pleiteando apartamentos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano

(CDHU) uma vez que a prefeitura é a representação do poder de mais fácil alcance

para os movimentos de moradia, em troca da remoção da sua casa. O apartamento

de cerca de 45m² porém, não era suficiente para o referido morador continuar

exercendo sua atividade, e a partir desse momento passou a pressionar também a

Prefeitura por uma indenização que fosse suficiente para comprar uma casa nas

mesmas condições em Paraisópolis e assim continuar a exercer sua profissão. Após

muitas discussões e negociações, salientando neste ponto a inexistência de um

processo jurídico formal, e sem que sua casa fosse removida, a Prefeitura o

indenizou no mesmo valor de uma casa apontada pelo morador como ideal para a

sua moradia e sua atividade.

Podemos observar que, mesmo em momentos de tensão e de projetos de alto

impacto em bairros de moradores de baixa renda como moradia precária, o

processo formal de resolução de conflitos é substituído pelo processo informal e de

características ditadas pela realidade concreta do principal envolvido e atingido pela

Política de reurbanização e regularização fundiária.

Em determinado momento podemos citar iniciativas em que o poder público

não possui arbítrio, mesmo na figura da União de Moradores. Dois casos

particulares são exemplos de situações geográficas que implicam na conformação

de uma nova situação jurídica (e vice-versa) em que observamos as normas

informais criadas e respeitadas dentro da Favela.

Da situação geográfica à situação jurídica

Na Rua Hebert Spencer, rua esta que faz frente à quadra estudada, há, aos

sábados uma feira livre, que começa por volta das 8h e termina por volta das 18h.

Oficialmente, o horário das feiras livres na cidade de São Paulo é das 5h às 14h. Tal

horário não é cumprido na Favela pela necessidade dos moradores em fazer suas

compras e tendo em vista que muitos deles têm uma jornada de trabalho que inclui

um período do sábado. Durante muitos sábados, o caminhão de limpeza urbana da

61

Prefeitura chegava à rua às 14h para finalizar a feira e fazer a limpeza do local.

Porém a feira neste momento não estava desmontada, e os feirantes se recusavam

a fechar suas barracas. Durante muito tempo, a limpeza da rua não era realizada até

o horário oficial de encerramento das atividades. Após alguns meses, os próprios

funcionários da empresa de limpeza deixaram de aparecer na feira, pois sabiam que

a mesma não acabaria no horário estipulado. Hoje, as ruas continuam sujas até que

os varredores da Prefeitura limpem-na a partir de segunda-feira.

Outro caso bastante emblemático e não mais citado em reuniões são os

abusos policiais cometidos em operação chamadas de Saturação por parte do

Governo do Estado em épocas de alta da criminalidade na cidade. Sobre isso, há de

explicitar o caráter discriminatório e pejorativo que as comunidades e favelas

carregam, a cada onda de violência com alto índice de mortalidade, especialmente

quando se trata de policiais militares, as favelas são os primeiros espaços sitiados

pelas forças policiais. Abusos nas abordagens dos passantes e moradores são

relatados de maneira superficial e é pedido que não fosse levado as instâncias, por

entender que aquele assunto não diz respeito à moradores, mas sim à outros grupo

organizados dentro da própria favela, inclusive a polícia militar. Dessa forma todos

os abusos e todas as abordagens suspeitas são relatados nas reuniões, porém é

pedido que não interferisse nessas questões, inclusive entre os moradores esse

entendimento é implícito.

O outro exemplo é o que nos levará para uma reflexão mais centrada na

questão do espaço e sua configuração regulada pela norma jurídica formal.

Da situação jurídica à situação geográfica

A quadra 46, objeto de estudo dessa monografia e objeto do Projeto de

Regularização Fundiária do Núcleo de Direito à Cidade, conforme já dito

anteriormente, se caracteriza por uma quadra com aspectos particulares para além

do projeto que envolve os moradores e os estudantes da USP. A partir do momento

em que foi anunciada a proposta de regularização das moradias da quadra, com o

preenchimento da ficha de cadastro, o grupo teve contato com os moradores e suas

realidades. A partir daí, as particularidades de cada família e de cada morador se

tornaram objetos de discussão no campo do Direito.

62

O processo de usucapião coletivo, quando consumado, exige dos moradores

da quadra uma série de normas para que a quadra se configure enquanto um

condomínio. Isso porque, no momento do veredicto, a quadra será parcelada para

todos os moradores em frações ideais, isso sugere então, que tal como um

condomínio, onde cada morador é proprietário de uma fração dele, na forma de

apartamento, os moradores serão proprietários de uma parcela da quadra, também

correspondente ao terreno de sua moradia.

Conforme a apresentação do processo de usucapião, a Associação de

Moradores é responsável legal pelo processo, ou seja, todos os moradores da

quadra 46 são representados pela Associação, o que garante coletivamente a

existência do parcelamento do solo no momento da sentença do juiz.

Para que a gestão da quadra se dê de forma coletiva e pelos moradores, o

estatuto da Associação deverá continuar a ser respeito, suas eleições e suas

reuniões periódicas bem como todas as decisões relativas à quadra deverão ser

tomadas pelos moradores, tendo em vista a concretização do disposto no estatuto

da cidade, a garantia da função social da propriedade.

Dessa forma, o estatuto da associação de moradores da quadra 46, se

conforma como norma jurídica mais importante na garantia ao Direito de moradia

daquele grupo de pessoas. Calcado nas disposições legais previstas em leis para a

consolidação de uma organização sem fins lucrativos, ela dispõe de mecanismos

democráticos para a gestão da quadra, seja durante o andamento do processo seja

posteriormente, para a sua manutenção de acordo com o disposto no Estatuto da

Cidade.

* * *

Como forma de concretizar as disposições previstas, o Núcleo de Direito à

Cidade auxilia a comunidade a se organizar e estimula que ações deste tipo sejam

tomadas pelos próprios moradores. No decorrer do processo, os estudantes

envolvidos no projeto organizam as reuniões e chamam os moradores a participar

delas, bem como dão as principais notícias sobre o processo. Além disso, incentiva

os moradores a compartilhar entre si as novidades, os problemas e os entraves que

tem acontecido nas últimas semanas na comunidade e, como forma de resolução de

problemas a curto prazo, orienta a reunião e as demandas para instâncias

responsáveis por cada reclamação.

63

Também está temporariamente sob responsabilidade do Núcleo de Direito à

Cidade a mobilização junto às lideranças públicas da própria comunidade em casos

extremos como operações policiais e obras urbanas viárias e de habitação, por

exemplo.

Dessa forma o que está colocado no momento da concretização e finalização

do caso é uma normatização da quadra seguindo o disposto no estatuto da

associação de moradores, mas ainda vale a interpretação e a forma com que as

ações desde 2003 decorrem, com a participação ampla da comunidade moradora na

socialização dos conflitos e encaminhamentos para as instâncias referidas, quem vai

conduzir as formas que isso vai acontecer são os próprios moradores envolvidos.

Normas de conduta nas reuniões, a sua periodicidade, a importância das

deliberações nela tiradas e as formas de encaminhamento são e serão seguidas de

acordo com a maneira que os próprios moradores a quiserem conduzir.

Neste aspecto, é importante ressaltar a importância da presença de outras

normas que fogem do entendimento completo tanto dos estudantes quanto da

maioria dos moradores, e diz respeito às normas criadas para a vivência na própria

comunidade e que não são violadas nem contestadas, sejam elas publicamente

colocadas, no momento das reuniões, sejam elas estabelecidas ao longo do tempo.

Podemos esclarecer com casos específicos, como a feira livre que ocorre para além

dos horários estipulados pela Prefeitura e cumprido pelos feirantes durante todos os

sábados do mês. Dada a situação de sujeira deixada pela feira comumente, ela não

é encerrada no horário estabelecido pela administração local, dessa forma, a

varrição da mesma não é feita, e assim vira alvo constante de reclamação dos

moradores que fazem frente com a rua da feira. Esta reclamação é levada à reunião

diversas vezes ao ano, porém a decisão de não dar consequência a ela e sua

resolução esbarra e não entra em conflito com a real situação do horário

descumprido da feira, um deles é bastante entendido dos moradores, o fato da

jornada de trabalho da maioria dos moradores ir além das 14h durante o sábado e

outro, escuso e não explicitado, é o controle dos feirantes, através de pagamentos

semanais para a extensão do horário de vendas, contribuindo também para uma

suposta varrição da rua, e a garantia de um período maior de vendas.

Tais situações colocam em evidência a existência de outra forma de

regulação do território que foge à alçada do Direito formal, e dizem respeito ao

cotidiano da comunidade, seus moradores e às formas explícitas de poderio dentro

64

da comunidade. Mesmo o processo de usucapião tratar de maneira completamente

judicializada, a resolução de conflitos se dá de forma extrajudicial, ou seja, de

maneira a não ser solucionada pelos métodos formais do Direito.

Dessa maneira, as demandas jurídicas colocadas pela comunidade

ultrapassam os limites colocados pelo Direito formal e ainda, não são resolvidas por

ele.

A maior parte dos moradores de Paraisópolis é migrante de estados do

Nordeste do país que, na busca de uma condição de vida melhor além da

possibilidade de um emprego com maior salário, se instalaram na cidade de São

Paulo e, em particular me Paraisópolis.

Muitos desses migrantes, vindos de outras partes do país, tinham em sua

cidade natal, a escritura de seu imóvel, seja ele registrado em cartório ou um termo

de posse legitimado entre as partes.

No momento de cadastro das moradias e suas famílias, conforme um aspecto

do Estatuto da Cidade, o morador não pode ter outro imóvel urbano ou rural em seu

nome, pois caracteriza a perda de direitos no processo de usucapião coletivo.

Orientado pelo advogado do caso, e vendo que tal característica era

recorrente dentre os moradores, nos documentos que balizarão o juiz na sentença e

os cartórios, no registro dos imóveis terão que constar o nome de algum parente

com o mesmo sobrenome que more ou que tenha contato e relações amistosas com

os moradores que se apresentarem nesta situação.

Esta solução só pode ser dada aos casos da Favela, da quadra e das

moradias que são de domínio do grupo como um todo, uma vez que a realidade de

cada um dos moradores está intrinsecamente ligada desde o advogado do caso,

passando pelos alunos, com o aporte acadêmico do professor orientador do projeto.

A partir daí pode-se dar início à descrição do processo jurídico assessorado

pelo Núcleo de Direito à Cidade, tomando como centro um dos inúmeros aspectos

particulares que tal iniciativa levanta no campo do Direito e da Geografia.

65

Considerações Finais

O Plano de Urbanização, a Regularização Fundiária e a especulação

imobiliária na quadra 46

A maior parte dos terrenos irregulares ocupados por moradores de baixa

renda na cidade de São Paulo são terrenos públicos, que tem uma característica

processual diferente daquela dada em Paraisópolis, já que esta é uma ocupação em

terreno privado.

Segundo a HABISP – Secretaria de Habitação da Prefeitura de São Paulo –

existem registradas hoje 1621 favelas, urbanizadas e não urbanizadas, 291 estão

localizadas em terrenos particulares e de classificação mista, de propriedade do

município, do estado e da federação e particulares, enquanto 1136 são localizadas

em terrenos públicos, municipais, estaduais e federais, além daqueles em Zona

Especial de Interesse Social – ZEIS (HABISP 2012). 44

A existência de proprietários do terreno ocupado pelas famílias em

Paraisópolis dá ao pedido de posse a facilidade em responsabilizar uma pessoa ou

um conjunto de pessoas pela irresponsabilidade fiscal, nos termos dos impostos

devidos ao Estado, colocando o local à disposição para outro uso.

A formação de Paraisópolis, a sua ocupação por trabalhadores de outras

regiões do país para as obras no Morumbi se justifica, em seu início, sem aportes

judiciais, na consolidação da função social da propriedade, ou seja, o uso de um

terreno ocioso para fins de moradia. Na figura 7 temos fotos aéreas que registram 6

momentos da intensificação da ocupação de Paraisópolis:

44 http://www.habisp.inf.br/ em 2012.

66

1948 1968

1977 1987

1996 2000

Figura 7: Paraisópolis e a intensificação da urbanização. (Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo:

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/paraisopolis/historia/index.php?p=4385

em 2013).

Enquanto terreno particular, os donos são os responsáveis diretos pela

cobrança e pagamento pelo uso e permanência em sua propriedade.

Como foi dito anteriormente, os terrenos que compõem o Complexo de

Paraisópolis se caracterizava como uma antiga fazenda loteada em 2.200 unidades

com 500m ² cada uma, ocupados lentamente por trabalhadores nos fins dos anos 70

e início dos 80.

A partir dos anos 60, ainda com loteamentos parcamente delimitados, inicia-

se a regularização dos arruamentos e dos lotes, conforme a Lei 7.180 (ARR 2514) -

lei de arruamento da cidade de São Paulo, que anistiou todos os arruamentos

67

clandestinos e particulares da cidade de São Paulo e assim permitiu legalmente que,

principalmente a periferia, contasse com infraestrutura urbana como linhas de

transporte coletivo, saneamento básico, escolas e postos de saúde, uma vez que as

ruas passam a ter nome e localização para correspondências. Segue enquanto

incumbência do Estado a instalação de equipamentos coletivos. A aprovação da Lei

de Zoneamento me 1972, que determina a ocupação da habitação unifamiliar por

lote, e ainda nos anos 80, temos a consolidação da ocupação em Paraisópolis com

barracos de madeira e posteriormente, já nos anos 90, se dá início aos processos

isolados de usucapião individual, na necessidade de regularização da casa em

cartório, casas estas que já contavam com estruturas de alvenaria.

Esse histórico jurídico de zoneamento e ordenamento territorial nos leva ao

que temos hoje, no que tange às leis de regularização fundiária, citadas e

comentadas anteriormente. As famílias da quadra 46, autoras do processo de

regularização fundiária enquanto pertencentes à Associação de Moradores da

quadra, com o instrumento de usucapião coletivo previsto no Estatuto da Cidade, Lei

de 2001, e aportes regionais como o Plano Diretor, deixa claro que os moradores

que requerem o título de propriedade devem possuir apenas uma propriedade em

seu nome e as dimensões do lote a ser regularizado deve somar 250 m², portanto

área menor do que a regularização dos lotes promovidos pela Lei 7.180.

Fazendo o recorte temporal das leis que regulamentam e ordenam a

ocupação em Paraisópolis, podem-se observar duas características de conformação

das normas jurídicas formais e informais. A primeira delas é a consolidação a partir

das ocupações anteriores às leis da configuração inicial da Favela; a segunda diz

respeito às ações das políticas públicas atuais que também levam em consideração

as características e a localização das moradias para o levantamento de áreas que

serão removidas e alvo de melhorias com instrumentos públicos, obras viárias,

ambientais, na área da saúde, educação e lazer.

A partir desse diagnóstico geral da Favela, particularizar o caso para a

Quadra 46 torna o raciocínio lógico de transformação do espaço a partir da

confluência de normas jurídicas formais e normas informais dos moradores em um

caminho a exemplificar as transformações espaciais ali observadas.

A Quadra 46 é uma das regiões mais antigas ocupadas no Complexo

Paraisópolis. Com uma localização privilegiada, próxima à principal via de acesso

aos escritórios comerciais, residenciais de alto padrão, palácio do governo e

68

comércio da região, no bairro do Morumbi, é hoje incluída pela Prefeitura no

denominado Setor Centro de Paraisópolis. Assim como as denominações dos outros

setores, que levam características relevantes em seu nome, o Centro não se localiza

exatamente no centro geográfico de Paraisópolis. Certamente tal denominação

revela seu caráter comercial e de prestação de serviço, diferente e potencializado

com relação aos outros setores que compõem a Favela.

A maior parte dos seus moradores se instalou ali com seus barracos de

madeira e com o tempo foram construindo suas moradias de alvenaria, e é comum

escutar de muitos dali que “viram a Paraisópolis crescer” e que não saem de lá “por

nada”, ou ainda que seus filhos foram todos criados ali e se depender deles os netos

também ficam. A identidade do local, a participação no crescimento do bairro e

ainda, o “sucesso de vida” em continuar ali, com sua casa, seu emprego e sua

família faz de aglomerados de moradias construídas em terrenos ocupados uma

particularidade de convivência e, além disso, particularidades expressas na

configuração do espaço.

Não se pode negar que o instrumento jurídico utilizado, o Estatuto da Cidade,

é bastante progressista, levando em consideração as formas jurídicas recorrentes na

regularização de propriedades ocupadas no país.

De toda forma, mesmo sendo progressista, ele consolida a lógica colocada

pelo mercado imobiliário e reproduzido pelos moradores da quadra, salientado que

não é de domínio dos moradores, a nomenclatura que damos enquanto especulação

imobiliária.

As casas que estão situadas dentro da quadra, participantes do processo de

usucapião coletivo e que por sua vez serão o “condomínio” dentro de Paraisópolis,

receberão, no momento do julgamento pelo juiz e posterior inscrição das casas em

cartório um título de propriedade. Ora, a contradição está aí colocada: ao mesmo

tempo em que a lei é progressista, no sentido de garantir o direito à moradia digna e

adequada para os ocupantes de terras particulares e cria a possibilidade da

propriedade privada ratificada em cartório, a escritura passa a ser a “carta branca”

para as melhorias nas condições de habitabilidade dos moradores. Porém, da

mesma forma que a escritura garante o direito a moradia, é importante lembrar que

todos os moradores terão, nessa escritura, o direito à mesma porção de terra, uma

área igualmente distribuída para cada um dos proprietários. A gestão deste terreno

também deverá ser feita de forma coletiva, e intervenções do Estado com obras, por

69

exemplo, deverão ser discutidas pelos moradores na figura da Associação de

Moradores.

Sendo a única quadra que contará com casas regularizadas e registradas em

cartório, é natural avaliarmos que o processo de valorização dessas casas passará

pela existência de escritura e da regularização da moradia no cartório.

É comumente perguntado e visto na quadra, um aumento da verticalização

das casas e o “pedido” dos moradores para a nossa “vistoria”, certificando que a

construção não estará ilegal ou prejudicará o andamento do processo.

Além disso, é visível que as ações de urbanização do Plano de Urbanização

possui ressalvas na intervenção da quadra. Quando se fala em obras ou melhorias,

a quadra 46 é sempre lembrada no Conselho Gestor, enquanto local onde se

apresenta um processo de regularização e, portanto, a intervenção nela é bastante

reduzida, ou nula.

Assim, pode-se apresentar a verticalização das casas e os instrumentos de

políticas públicas presente na verticalização da favela como, por exemplo, o

abastecimento de água e esgoto, o fornecimento de energia elétrica regular e a

presença do próprio processo de usucapião como elementos que caracterizam a

especulação imobiliária da quadra, quando comparada a outras.

Em muitos casos de comparação entre o preço cobrado na compra de um

imóvel na quadra 46 e em outras quadras vizinhas temos o seu preço sensivelmente

elevado. O mesmo ocorre com o preço do aluguel, fator determinante para a

permanência de muito moradores da quadra, mesmo tendo em vista as dificuldades

em morar em Paraisópolis.

Diante desses aspectos, a caracterização sócio espacial da quadra 46 pode

ser apresentada a partir da interface do direito urbanístico e situação geográfica. O

Direito garante em seu campo de atuação e dentro dos aspectos legais o acesso e a

garantia de moradia digna, como um resultado e um avanço das lutas sociais dos

moradores de Paraisópolis.

A Geografia, a partir da análise da transformação espacial na quadra,

contribui com o conceito de situação geográfica apresenta o estudo de caso em

Paraisópolis enquanto uma realidade a ser estudada inserida na lógica de

reprodução do espaço.

A partir dessas abordagens aprofundamos o estudo empírico e as teorias

jurídicas para uma contribuição no campo da Geografia Urbana.

70

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