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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR GIOVANA BENEDITA JÁBER ROSSINI RAMOS A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO: responsabilidade do Estado e da empresa brasileira MARÍLIA 2006

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR

GIOVANA BENEDITA JÁBER ROSSINI RAMOS

A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:

responsabilidade do Estado e da empresa brasileira

MARÍLIA

2006

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GIOVANA BENEDITA JÁBER ROSSINI RAMOS

A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:

responsabilidade do Estado e da empresa brasileira

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado

em Direito da Faculdade de Direito - Universidade

de Marília, como exigência parcial para obtenção do

grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof.

Dr. Lourival José de Oliveira.

MARILIA

2006

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Autor: GIOVANA BENEDITA JÁBER ROSSINI RAMOS

Título: A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:

responsabilidade do Estado e da empresa b rasileira

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação do Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.

Aprovado pela Comissão Examinadora em ____/____/_____

_____________________________________ Prof. Dr. Lourival José de Oliveira

_____________________________________ Profa. Dra. Miriam Fecchio Chueiri

_____________________________________

Profa. Dra. Marlene Kempfer Bassoli

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Dedico este estudo a meu marido, Galdino, que com amor me ensinou a enfrentar todos os desafios do cotidiano, fazendo-me ser uma pessoa corajosa e ousada. Além disso, agradeço-lhe pelo amor sem medida com a nossa filha nas horas em que estive ausente.

Dedico, também este trabalho, a minha filha Maria Luiza, que com seu jeitinho de ser, me deu a paz, esperança, vivacidade e o amor que precisei para conquistar esse objetivo que ora se materializa. Dedico, ainda, a meus pais, que são duas pessoas especiais, que cultivei, em silêncio como modelos de vida.

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Agradeço a Deus por me dar um coração e uma vontade forte de concluir mais uma tarefa em minha vida. Registro a gratidão pela confiança depositada e aval didático de imensa valia, externados pelo professor orientador, Dr. Lourival José de Oliveira. Agradeço ainda, a gentileza e o apoio, obtidos nos momentos decisivos. Agradeço, também, a todos os meus professores do curso de mestrado, que abdicaram do convívio familiar em inúmeros finais de semana, em cumprimento da sagrada missão do magistério. Agradeço por fim, a todos que eu amo: meus sogros Galdino e Heloísa; meus avós Dilma e Sérgio; e, aos meus amigos: Juliana Mendes Ramos e José Luiz Rufino Júnior, pela amizade e paciência durante esta jornada.

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A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:

RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DA EMPRESA BRASILEIRA

Resumo: Este estudo baseia-se no papel da empresa brasileira moderna na efetivação do valor social do trabalho. Apresentar-se-á, primeiramente, o Estado e os direitos sociais, passando pelo estudo do Estado Intervencionista e suas bases e o Estado Social de Direito. Propõe-se à análise das transformações ocorridas no mundo do trabalho frente ao ritmo acelerado dos avanços tecnológicos e da flexibilização das leis trabalhistas. Esboçar-se-á as características da empresa moderna brasileira dotada de responsabilidade social, passando agir na sociedade e receber os anseios sociais. A mudança na forma de gestão da empresa moderna, incluindo-se a participação do trabalhador, é um fator decisivo para a consecução dos seus objetivos sociais. Faz-se uma qualificação das políticas de emprego centrando-se a atenção nas mudanças ocorridas a partir dos anos 80 no Brasil, suas principais limitações e avanços. Parte-se para uma exposição das políticas sociais adotadas pelo atual governo brasileiro para redução da desigualdade e exclusão social.

Palavras-chave: 1. Valorizaçao do trabalho. 2. Responsabilidade da empresa

moderna. 3.Dignidade do trabalhador.

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THE EFFECTIVENESS OF THE SOCIAL VALUE OF THE WORK: RESPONSIBILITY OF THE STATE END OF THE BRAZILIAN COMPANY Summary: This study bases on the paper of the modern Brazilian company in the effective of the social value of the work. He will come, firstly, the State and the social rights, going by State Intervencionista's study and your bases and the Social State of Right. He intends to the analysis of the transformations happened in the world of the work front to the accelerated rhythm of the technological progresses and of the flexible of the labor laws. It will be sketched the characteristics of the Brazilian modern company endowed with social responsibility, passing to act in the society and to receive the social longings. The change in the form of administration of the modern company, being included the worker's participation, it is a decisive factor for the attainment of your social objectives. A qualification of the employment politics is made being centered the attention in the changes happened starting from the eighties in Brazil, your principal limitations and progresses. He breaks for an exhibition of the social politics adopted by the current Brazilian government for reduction of the inequality and social exclusion. Wordkey: 1. valorization of the work. 2. responsibility of the company modern. 3.dignity of the worker.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 – O ESTADO E OS DIREITOS SOCIAIS ........................................ 12

1.1 DO LIBERALISMO CLÁSSICO AO INTERVENCIONISMO............................. 12 1.2 O ESTADO SOCIAL...................................................... 16

1.2.1 O Estado Social de Direito 18 1.2.2 Os Direitos Sociais e sua Natureza Jurídica ................................................. 22

1.2.3 A Constituição Socioeconômica e os Direitos Sociais 29

1.3 ESTADO NEOLIBERAL ................................................................................... 30 1.3.1 Os Princípios da Ordem Econômica da Constituição Federal de 1988 face ao Neoliberalismo......................................................................... 33

CAPÍTULO 2 - DA CRISE DO ESTADO E A FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS.............................................................................................. 35 2.1 A GLOBALIZAÇÃO .......................................................................................... 35

2.2 A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS.......... 43

2.3 A CONSTITUIÇÃO SOCIOECONÔMICA E A

FLEXIBILIZAÇÃO...................................................................................................

.................................................................................................................. 50

2.3.1 Formas Constitucionais e Infraconstitucionais de

Flexibilização de Direitos

Trabalhistas............................................................... 56

2.4 A FLEXIBILIZAÇÃO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL ............. 63 2.5 FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO DIREITO ALIENÍGENA................................................................................................... 71

CAPÍTULO 3 – DO DISCURSO NEOLIBERAL E O PAPEL DA E MPRESA....... 77 3.1 DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS DENTRO DA EMPRESA. .................... 77

3.2 DAS FINALIDADES SOCIAIS DA EMPRESA ................................................. 81

3.3 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS ................ 86

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3.4 DA CONSTITUIÇÃO SOCIOECONÔMICA E SEUS PARADIGMAS

EMPRESARIAIS 94

3.5 A DIFERENCIAÇÃO DO MODO DE PROCESSO DE FLEXIBILIZAÇÃO E A DEMOCRACIA NA EMPRESA......................................................................... 95 3.6 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ........................................................................................................ 100 3.7 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES NO BRASIL – PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..................................... 103

3.8 ADOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PROPICIAR OS MEIOS

DE EXISTÊNCIA DIGNA AOS TRABALHADORES........................................ 106

3.8.1 Programas Sociais do Atual Governo Federal .............................................. 113

CONCLUSÕES ...................................................................................................... 118

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 122

INTRODUÇÃO

Este trabalho desenvolve-se tendo como enfoque a efetivação do valor social

do trabalho pela empresa brasileira dos dias atuais. A dignidade do trabalhador

consagra-se como valor e ponto fundamental, tendo-se em vista o caráter humanista

do Direito do Trabalho, na garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores e na

proibição de todo e qualquer retrocesso social.

No Brasil, mesmo com a revolução dos avanços tecnológicos a partir da

década de 90, o Direito do Trabalho positivado mantém-se inerte, aguardando

aprovação do Projeto de Lei nº 5.483/2001, que contém propostas de flexibilização

das normas trabalhistas fundamentadas no fato de que o Direito é reflexo da

sociedade e deve acompanhar a evolução desta para regular as novas relações de

trabalho.

O fenômeno da globalização ganha notoriedade ao propor a liberalização das

economias nacionais e a expansão de mercados, com repercussões nas relações de

trabalho. Poder-se-á verificar como os países estrangeiros, que já adotaram o

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sistema de flexibilização trabalhista, estão avaliando os benefícios e os malefícios

que esta adaptação está causando-lhes na prática.

A empresa contemporânea tem um papel significativo na efetivação dos

trabalhadores no mercado de trabalho. Necessário se faz que as empresas se

organizem para se adaptarem aos métodos de competição econômica no cenário de

livre fluxo de mercados, com intuito de reduzir os seus custos e melhorar a qualidade

de sua produção. Em vista disso, a nova organização empresarial vem utilizando-se

de estratégias para conseguir maximização de resultados, investindo em capital

humano, introduzindo novas formas de gestão. Verificar-se-á que a intelectualidade

do trabalho vivo e cooperante passou a ser o centro dos interesses empresariais. As

reestruturações produtivas exigem a efetiva participação de trabalhadores na gestão

da empresa, implicando a democratização empresarial para resgate da cidadania.

Busca-se, com este trabalho, compreender o papel da empresa brasileira a

partir da década de 90, sua parceria com o Estado nos programas sociais na busca

da minimização das desigualdades sociais e exclusão social, para valorizar o

trabalho humano e a dignidade da pessoa.

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CAPÍTULO 1 – O ESTADO E OS DIREITOS SOCIAIS

1.1 DO LIBERALISMO CLÁSSICO AO INTERVENCIONISMO

O Estado Liberal constituía-se antítese do absolutista, pois, com a ascensão

da burguesia ao poder político, passaram a viger os seus princípios e valores.

Caracterizam o Estado Liberal o princípio da legalidade, a separação de

poderes, o voto censitário, a liberdade contratual, a propriedade privada dos meios

de produção, o fator "trabalho" e, ainda a separação entre os trabalhadores e os

meios de produção.1

Os elementos essenciais do liberalismo clássico são principalmente, o

individualismo, a limitação do poder político, as funções do mercado e a liberdade.

Dentre os liberais clássicos destacam-se três figuras que representam momentos

distintos e sintetizam a era liberal: John Locke, Adam Smith e Stuart Mill.

1 SCAFF, Fernando. Responsabilidade do Estado intervencionista. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 26-32.

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Em Locke encontra-se o liberalismo no que tange ao direito natural e ao

contratualismo. Esse autor participa da formação do liberalismo, cujos pontos

principais eram a reivindicação de direitos religiosos, políticos e econômicos e a

tentativa de controlar o poder político.

Locke moderniza a idéia de direito natural, como decorrente do conceito

medieval de direitos subjetivos, para o qual os homens possuem o domínio sobre

suas vidas ou bens, não como um corolário do direito civil ou do intercurso social,

mas da própria natureza das pessoas como seres humanos. Dessa idéia de direito

natural surge o contratualismo.

O contratualismo defende a valorização do indivíduo, atendendo a dois

princípios: a legitimidade de autopreservação e a ilegalidade do dano arbitrário feito

aos outros. A autoridade legítima passou a ser encarada como coisa fundada em

pactos voluntários feitos pelos súditos do Estado. Percebe-se, então, a principal

contribuição de Locke para o contratualismo: a noção de consentimento, que deveria

ser tácito, periódico e condicional. Segundo Merquior, "Locke encarou os

governantes como curadores da cidadania e, de forma memorável, imaginou um

direito à resistência e mesmo à revolução. Dessa maneira, o consentimento tornou-

se a base do controle político”. 2

Merquior assim explicita seu raciocínio sobre o contratualismo de Locke:

Hobbes, antes dele, e Rosseau, depois, imaginaram contratos sociais em que os indivíduos alienariam por inteiro seu poder em favor do rei ou da assembléia. Por contraposição, em Locke os direitos pessoais provêm da natureza, como dádiva de Deus, e estão longe de dissolverem-se no pacto; no caso de Hobbes, abandonam todos os seus direitos, exceto um - suas vidas-, já os indivíduos de Locke só abandonam um direito - o direito de fazer justiça com as próprias mãos - e conservam todos os outros. Ao sacralizar a propriedade como direito natural anterior à associação civil e política, Locke realçou uma tendência que já tinha quinhentos anos de idade: a fusão pós-clássica de ius e dominium, de direito e

2 MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo: antigo e moderno. São Paulo: Nova Fronteira, 1991, p. 45.

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propriedade. Entronizando o direito de resistência, ele ampliou o princípio individualista de vontade e consentimento. E consentimento, em lugar de tradição, é a principal característica da legitimidade em política liberal.3

A contribuição de Adam Smith está no âmbito do pensamento econômico,

pois elabora o texto básico da economia clássica - A Riqueza das Nações - em que

estudou detalhadamente os mecanismos de mercado e a divisão do trabalho como

fator subjacente da prosperidade moderna.

Merquior também analisa a figura do liberal Adam Smith:

[...] verdadeiro iluminista, Adam Smith conferiu ao tema do progresso sua profundidade socioeconômica. Promotor do pensamento liberal, Smith introduziu a idéia do progresso na defesa do liberalismo. Não espanta que ele tenha sido um crítico persistente do privilégio e da proteção. Como pilares encadeados da sociedade pré-moderna, o privilégio e a proteção não foram muito atingidos pelos porta-vozes da virtude cívica. Mas tornaram-se alvos naturais do liberalismo enquanto a voz da modernidade.4

Stuart Mill, por sua vez, produz um ensaio que é tido como o ABC do

liberalismo, intitulado On Liberty. Neste ensaio, Mill entrelaça vários ramos do

pensamento liberal: liberdade política, autonomia negativa, autodesenvolvimento,

liberdade como intitulamento, liberdade de opinião, liberdade como autogoverno,

liberdade como privacidade e independência. Mill expressa, ainda, a necessidade de

antepor limites ao poder, mesmo quando este poder é o da maioria, louva a

fecundidade do conflito, elogia a diversidade e condena o conformismo.

O Estado para ele não deve apenas proteger um indivíduo do outro, mas

também todos os indivíduos em seu conjunto, enquanto grupo, de um outro Estado.

Mill, para assegurar tal conjunto, introduz um princípio de Justiça distributiva, embora

não sabendo ao certo o que distribuir.

3 MERQUIOR, op. cit., p. 45. 4 MERQUIOR, ob. p. 58.

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Daí conclui-se que o liberalismo clássico nasce assentado no primado da

liberdade individual com seus consectários, no princípio da liberdade de empresa e

da livre concorrência de mercado. Ao Estado cabiam apenas os assuntos políticos,

não os econômicos. A intervenção do Estado nesse domínio era considerada

prejudicial ao da concorrência perfeita. Evidentemente que tal modelo liberal nunca

chegou a se realizar.5

Scaff e autores como Moreira, Nusdeo, Bonavides, Silva e Vidigal apontam as

causas da transformação do Estado Liberal em Intervencionista: o surgimento do

capitalismo em sua fase monopolista, as crises cíclicas do capital, as exigências

sociais advindas da produção, o ideário socialista em conjunto com o planejamento

econômico, a transformação da força de trabalho em mercadoria e, por fim, as

guerras mundiais.6

Como se percebeu, então, que as forças livres do mercado (a "mão invisível")

não seriam só por si garantidoras da realização do interesse geral sobre o interesse

individual, como supunha a ideologia liberal, reaparece a idéia de ser necessário que

o Estado, elemento político, interferisse no mercado para discipliná-lo.

Os neoliberais Hayek e Mises foram os que mais criticaram a intervenção do

Estado na economia. Mises considerava que a existência de duas ordens de

organização social com divisão do trabalho - a ordem da propriedade pública e a da

propriedade privada, mas não presumiria uma terceira ordem, qual seja, a da

propriedade privada regulamentada pelo governo, conforme suas palavras,

[...] incidentalmente, devemos distinguir, cuidadosamente, entre a questão de o governo ser ou não necessário e a questão de em que casos a autoridade do governo é admissível. O fato de a vida social não poder prescindir dos instrumentos de coerção do governo não pode ser usado para se concluir, também, que o controle da consciência, a censura e medidas semelhantes sejam desejáveis, ou que certas medidas de economia sejam necessárias, úteis, ou apenas exequíveis. 7

5 SCAFF, op. cit., p. 38. 6 Ibid., p. 33- 37. 7 MISES, Ludwig Von. Uma crítica ao intervencionismo. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1987, p. 16.

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Hayek se opunha ao intervencionismo, justificando que essa forma de

atuação do Estado fora a grande culpada pelas crises econômicas do séc. XX, pois

não se tratava de uma aceitação voluntária do cidadão e sim de regras instituídas.

Intervenção do Estado x Sistema de Mercado.8

Para Hayek e seus companheiros, as raízes da crise decorriam do poder

excessivo dos sindicatos e do movimento operário, por suas pressões reivindicativas

sobre os salários e por forçar o Estado a aumentar os gastos sociais.9

Esses dois processos abalaram os níveis necessários de lucro das empresas

e desencadearam processos inflacionários que terminaram numa crise generalizada

das economias de mercado.

A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno.

1.2 O ESTADO SOCIAL

A ideologia liberal se encerra com a Grande Depressão (1929-1933), que

desencadeia uma crise mundial na economia, a partir da quebra das Bolsa de

Valores de Nova York.

Sandroni explica esta situação:

A Grande Depressão – assim designada a crise econômica mundial de 1929/1933, ocorrida nos Estados Unidos em razão da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, alastrou-se mundo afora, causando retração econômica e falência de bancos e empresas. O desemprego atinge trinta milhões de pessoas, ocorrência que influi na formação do consenso da necessidade de intervenção ao liberalismo.10

8 Confrontando HAYEK e OLSON. Direito, Estado e Sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Depto. Ciências Jurídicas, n. 1, 1991. p. 13- 29. 9 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 10. 10 SANDRONI, Paulo (Org.). Novo Dicionário de economia. São Paulo: Beste Seller, 1994, p. 154.

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O Estado Social ganha mais espaço. A “liberdade e a igualdade já não se

contradizem com a veemência do passado”. 11

Nas ações do Estado passam a convergir o poder e o cidadão, com a

finalidade de concretizar direitos, princípios, valores que fazem o Homem acreditar

que pode ser livre, igualitário e fraterno. Surgia, na acepção de Paulo Bonavides:

[...] um Estado, pois, para debelar as crises e recessões da ordem capitalista, sem fechamento, porém, do sistema político, que permanecia pluralista e aberto. Um Estado, certamente, da economia de mercado, embora debaixo de alguma tutela ou dirigismo, que pouco ou nada lhe afetava as estruturas, posto que interditasse determinados espaços da ordem econômica, subtraídos ao livre jogo das forças produtivas.12

Conforme Passos: “O Estado Social configura-se para alguns como o realce

da sociedade em face do indivíduo e, para outros, a busca da compatibilização do

valor liberdade com o valor igualdade [...]”.13

O Estado Social – Estado do Bem-Estar – caracteriza-se pela intervenção do

Estado nas relações de trabalho, implementando assistência previdenciária,

intervindo na economia, entre outras formas de intervenção. Bonavides destaca:

“estende a sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em

grande parte, à área de iniciativa individual [...]”.14

Ainda dissertando sobre o assunto, Bonavides descreve que, os

acontecimentos que fizeram surgir e crescer o Estado de Bem-Estar tornaram o

11 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 33. 12 BONAVIDES, op. cit., p.33. 13 PASSOS apud CUNHA, Carlos Roberto. Flexibilização de direitos trabalhistas à luz da Constituição Federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004, p. 42. 14 BONAVIDES, op. cit., p. 186.

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sistema capitalista ajustável às oscilações da economia, exigindo que o Estado se

adaptasse a certas condições históricas; ora recuando, ora transigindo.15

A reestruturação do sistema capitalista, consoante Siqueira Neto, pode ser

identificada pelo:

[...] redesenho de plantas industriais, desenvolvimento e incorporação produtiva de novos materiais, da microeletrônica e da informática, barateamento dos transportes, novas formas de gestão empresarial, etc. [...] não rompeu apenas com o paradigma produtivo e tecnológico anterior, como também com os mecanismos de gestão e regulação do trabalho até então consolidados. A partir daqui passou-se a viver o período de alta valorização da empresa, de racionalização e de precarização das relações de trabalho.16

A crise do petróleo dos anos setenta, a saturação dos mercados de consumo

interno devido à concorrência do Japão, debilita o Estado de Bem-Estar, provocando

uma reestruturação do sistema capitalista de produção e propicia o surgimento de

uma nova fase de acumulação.

Beltran destaca que “tal período representou um marco divisor entre o grande

desenvolvimento do Direito do Trabalho, até então patrocinado pelo Estado de Bem-

Estar e o retrocesso: o direito laboral entra em crise”.17

1.2.1 O Estado Social de Direito

Após a Primeira Guerra Mundial, que se instalou em 1914, as normas de

tutela do trabalho haviam-se fortalecido, insculpidas em Constituições, a exemplo da

Constituição do México, de 1917, e de Weimar, de 1919, sendo certo também que a

força da Doutrina Social da Igreja colabora decisivamente para o início da

15 Ibid., p. 183. 16 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho. Revista Direito Mackenzie. São Paulo: Mackenzie, n. 1, p. 53-55, jan./jun. 2000, p. 55. 17 BELTRAN, Ari Possidônio. Flexibilização, globalização, terceirização e seus impactos nas relações de trabalho. In Revista LTr. São Paulo, v. 61, p. 61-04/490, abr. 1997.

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implementação de normas legais de tutela e proteção dos direitos dos

trabalhadores.18

A Doutrina Social da Igreja dignifica o trabalho, justificando que o homem

trabalha por ser pessoa, diferentemente dos outros seres vivos. Guerra Filho

comenta com muita propriedade o assunto:

O trabalho humano se distingue do trabalho animal precisamente porque depende de uma ideação prévia, como atividade propriamente humana, tal como demonstra o filósofo Ernest Cassirer, ao ressaltar, em seu ensaio em busca de uma definição do homem, que a característica notável, a marca que o distingue, não é a sua natureza metafísica ou física – mas o seu trabalho. É este trabalho, o sistema das atividades humanas, que define e determina o círculo da humanidade (...), ou seja, das qualidades específicas do ser humano. Assim, é decisivo no trabalho humano a anteposição do seu objeto, situado idealmente, como condição primeira e ultima. Então, a alteração efetuada pelo processo mecânico de intercambio entre o organismo e o meio está subordinada à teologia. No término do processo de trabalho surge um resultado que já estava presente idealmente desde o início da representação do trabalhador.”19

Gomes relata como surgiu esse movimento da Igreja no desenvolvimento do

trabalho:

A firme atuação da Igreja somente ocorreu após o desenvolvimento do trabalho de uma pluralidade de grupos nas diversas comunidades européias: na Itália, com a União Católica, fundada em 1889; na Alemanha, onde as vigorosas análises do Mons. Ketteler preconizavam a formação de organizações profissionais para atenderem as exigências da justiça social; foram decisivos igualmente os trabalhos da Union catholique d´études sociales, em Friburgo, Suíça, sob a presidência do Mons. Mermillod.20

Leão XIII na encíclica Rerum Novarum, reconhece o trabalho como um modo

de expressão direta da pessoa, não como uma mercadoria, pois é a única fonte dos

18 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito doTrabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 87. 19 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Política do Direito: uma introdução política ao Direito. Brasília. Brasílica Jurídica, 2000, p. 47-48 apud GOMES, p. 34. 20 CHENU, Marie Dominique. La Dottrina Sociale della Chiesa – origine e sviluppo ( 1891-1971).Bréscia: Queriniana, 1977, p. 12-13 (tradução livre) apud GOMES, op.cit. p. 34.

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meios de subsistência para a maioria das pessoas, defendendo que, por esse

motivo, a remuneração deve ser justa, não podendo ser determinada exclusivamente

pelas leis do mercado.21

O Sumo Pontífice afirma que as classes trabalhistas dependem uma da outra,

porque não poder haver trabalho sem capital; nem capital sem trabalho.

Gomes avalia:

A encíclica Rerum Novarum, além de acelerar a multiplicação das leis sociais-trabalhistas [...] retomando o alto sentido de valorização do homem ao valorizar o trabalho, eis que, por meio deste, se eleva o homem a uma posição de dignidade. Ao condenar a influência da riqueza nas mãos de pequeno número de pessoas, diante da indigência da multidão, conclama a atuação do Estado nas relações de trabalho, a enfatizar a impossibilidade de solução do problema social, se mantida a insaciável ambição provocada pelas anacrônicas concepções do liberalismo econômico.22

A Encíclica Quadragésimo Anno foi publicada em 1931, em homenagem aos

quarenta anos da Rerum Novarum. Pio XI destaca nesta a importância da

participação dos operários na propriedade, ou na gestão, ou, em certa medida, nos

lucros obtidos.23

A Encíclica Quadragésimo Anno teve por base os ideais da justiça social, no

desejo de se obter uma sociedade bem constituída mediante a realização do bem

comum.

Gomes, relata como se deu o surgimento da lei trabalhista:

21 ALVES, Cleber Francisco. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: o Enfoque da Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 31. 22 GOMES, op. cit. p.36. 23 Idem, p. 36.

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[...] A ação da Igreja fez despertar o interesse dos governantes pela tutela das classes trabalhadoras por meio de uma intervenção direta, materializada em normas jurídicas de natureza imperativa, com natural tendência à uniformização e à universalização. Nesse quadro, inicia-se a nova era social: emerge a legislação trabalhista com notável expansão e desenvolvimento.24

Russomano relata o surgimento das leis trabalhistas:

As primeiras leis trabalhistas surgiram bem antes, como, por exemplo, na Inglaterra, em 1824, com o reconhecimento dos sindicatos; na França, em 1864, com a garantia do exercício do direito de greve; na Alemanha, em 1881, com os seguros sociais; na Itália, em 1883, com a previsão de tutela dos acidentados do trabalho, que se estendeu para a Alemanha, em 1884.25

O Papa João XXIII escreveu a encíclica Pacem in Terris, em 1963, na qual

proclama que as pessoas devem ser livres para escolher sua profissão, mas, acima

de tudo, deve ter o direito ao trabalho. Defende ainda que as mulheres precisam

trabalhar em condições adequadas às suas necessidades e deveres de esposas e

mães.26

Gomes, novamente, comenta que: “Na mesma encíclica, o pontífice ressalta,

ainda, o direito a uma remuneração do trabalho, conforme aos preceitos da justiça;

remuneração que, em proporção dos recursos disponíveis, permita ao trabalhador e

à sua família um teor de vida condizente com a dignidade humana”.27

O sumo pontífice João Paulo II, trata do trabalho e da dignidade da pessoa

humana na encíclica Laborem Exercens, de 14 de setembro de 1981, proclamando

que o trabalho é um bem do homem, pois, por meio dele, o homem não somente

transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas realiza a si

mesmo.28

24 Ibidem, p. 37 25 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: José Konfino, 1972, p. 17. 26 GOMES , op. cit. p. 37-38. 27 Idem, p. 38 28 In: João Paulo II, Encíclica – Edição Comemorativa do jubileu de Prata do pontificado do Papa João Paulo II – 1978/2003. Organizadores Armando Casimiro Costa e Ives Gandra da Silva Martins Filho. 3ª. Ed., São Paulo. LTr, 2003, p. 114 apud GOMES, op. cit. p. 39.

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30

O mesmo pontífice, em sua encíclica Centesimus Annus, de 5 de maio de

1991, ressalta que: “o lucro não é o único indicador das condições da empresa.

Pode acontecer que a contabilidade esteja em ordem e, simultaneamente, os

homens, que constituem o patrimônio mais precioso da empresa, sejam humilhados

e ofendidos em sua dignidade”.29

Conclui-se, então, que a empresa não deve visar simplesmente ao lucro, deve

se conscientizar de que ela é formada por homens que buscam a satisfação das

suas necessidades fundamentais. Portanto, todos os homens, devem seguir os

mandamentos dessas encíclicas na busca da valorização do trabalho e do próprio

trabalhador para não ficarem presos apenas aos critérios do sistema econômico.

Com as encíclicas verificou-se a multiplicação das leis trabalhistas. Mas,

Nunes salienta que:

[...] à medida que os trabalhadores foram conquistando o direito ao sufrágio universal e a generalidade dos direitos civis e políticos (liberdade de expressão, direito de associação, liberdade sindical, etc), o laissez-faire começou a experimentar dificuldades crescentes, que culminaram com a Grande Depressão dos anos 1929-1933 e o risco de um colapso iminente do próprio capitalismo.30

Nesse sentido, relevante influência mostra o Tratado de Versalhes, de 28 de

junho de 1919, ao instituir a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

1.2.2 Os Direitos Sociais e sua Natureza Jurídica

Hoje há uma forte tendência de predominância do capitalismo que reduz a

dignidade do empregado. Far-se-á um breve relato das conquistas sociais, tendo

29 Idem, p. 39 30 NUNES, Antonio José Avelãs. Neoliberalismo e direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 23.

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31

sempre em foco a valorização do trabalho humano e sua influência nos direitos do

trabalhador.

Bigo ensina que na Idade Média a produção para fora dos círculos familiares,

voltada aos interesses da cidade. O primado do serviço sobre o lucro prevalecia, ou

seja, o ganho só se justifica se o trabalho tivesse sido realizado, condenando assim,

o ganho sem limite. Os operários tinham que ser hábeis para prestar um serviço com

qualidade. Não há normas que estabeleça uma jornada de trabalho, só havendo

limitações quanto ao trabalho noturno, por não ser benéfico à qualidade do serviço,

exigência neste período.31

Segundo Gomes:

[...] As corporações, que nada mais eram que associações de produtores, ditam suas próprias regras profissionais, sendo ainda beneficiárias de privilégios concedidos pelos reis no intuito de enfraquecer, cada vez mais, o poderio dos nobres senhores da terra. Mais tarde, esse quadro muda, quando os próprios reis sentem a necessidade de restringir a atuação diretiva das corporações, talvez no interesse de amenizar as condições dos aprendizes e companheiros, sob o forte domínio dos mestres.32

Gomes ainda comentando sobre o assunto, relata um fato que ilustra uma

intervenção no direito regulamentar das corporações:

Os conflitos, no âmbito das corporações iniciaram-se quando foi introduzido o

numerus clausus, ou seja, as vagas que poderiam até então ser ocupadas pelos

companheiros dos mestres que eram capazes passaram a pertencer exclusivamente

aos filhos dos mestres. A partir daí, os excluídos começaram a lutar pela liberdade

de trabalho, tendo como conseqüência o aparecimento dos sindicatos ou

31 GOMES, op. cit., p. 74-75. 32 Ibid., p. 75.

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32

associações de operários no século XIV para, constituir “o marco divisório entre a

economia cooperativa e a economia capitalista”, nas palavras de Russomano.33

Gomes relata como o regime das corporações chegou ao fim:

A Inglaterra pôs fim ao regime das corporações a partir do século XVI, quando lhes proibiu a posse de bens de qualquer natureza e, no século XVIII, aparece como o país da eclosão do capitalismo – desenvolvia-se a indústria têxtil, resultante das primeiras invenções: máquinas de fiar e fio de seda. A máquina a vapor, inventada em 1769, passava a fornecer a energia à nova indústria e liberá-la da energia hidráulica. Essas invenções, aliadas a outras como a conquista da energia atômica, fazem com que as pequenas empresas sejam absorvidas pelas grandes oficinas e indústrias, o que ajuda para desencadear a miséria moral e material de toda a classe trabalhadora, mormente diante do Estado Liberal que não intervém nas relações de trabalho decorrentes. 34

Importante trazer os relatos feitos por Marx e Engels a respeito da expansão

da indústria:

Desenvolvendo-se irresistivelmente no século XVII, a concentração do comércio e da manufatura em um país, a Inglaterra foi criando para este país um relativo mercado mundial e, com ele, uma procura dos produtos manufaturados que já não podia ser satisfeita pelas forças produtivas até aí existentes na indústria. Esta procura, que crescera mais do que as forças de produção, foi a força motora que deu origem ao terceiro período da propriedade privada desde a Idade Média com a criação da grande indústria – a aplicação de forças elementares para fins industriais, a maquinaria e a mais extensa divisão do trabalho [...] A concorrência universal obrigou todos os indivíduos à mais intensa aplicação de sua energia. Aniquilou, tanto quanto lhe era possível, a ideologia, a religião, a moral, etc., e no qual não o conseguiu fez delas uma mentira palpável. Foi ela que, pela primeira vez, criou a história universal, na medida em que tornou dependentes de todo o mundo, todas as nações civilizadas e todos os indivíduos nela existentes para a satisfação de suas necessidades, e aniquilou a exclusividade até ai natural de cada uma das nações. Subordinou ao capital a ciência da natureza e retirou da divisão do trabalho a última aparência de naturalidade [...].35

33 RUSSUMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 6. 34 BIGO apud GOMES, op.cit., p. 76. 35 MARX; ENGELS apud GOMES, op.cit., p. 76-77.

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33

O contratualismo, em conformidade com o princípio da igualdade coloca o

empregado e empregador no mesmo nível, como seres livres, dando-lhes liberdade

para negociar as condições de trabalho. Contudo, os empregadores continuavam a

decidir as condições de trabalho impondo aos trabalhadores tais normas só restando

a estes se sujeitarem para não enfrentarem o desemprego que amedrontava os

grandes centros, em face da tecnologia - a máquina – que, até nos dias atuais,

assusta os trabalhadores por poder substituir a execução do trabalho humano.

Assim como acontece atualmente, o homem tornou-se individualista

proporcionando a exploração do homem pelo homem.

Bresciani narra a situação decadente desse último grupo, em Londres, na

metade do século XIX:

[...] tem em si qualquer coisa de repugnante que revolta a natureza humana [...] A desagregação da humanidade em mônadas, no qual cada um possui um princípio e uma finalidade de vida particulares, essa atomização do mundo, foi aqui levada em conta ao extremo. Resulta disso que a guerra social, a guerra de todos contra todos, aqui, está abertamente declarada.36

E continua a historiadora a contar o que Engels relatara sobre os bairros ruins

de Londres:

[...] A massa de casas de três a quatro andares, construídas sem planejamento, em ruas estreitas, sinuosas e sujas, abriga parte da população operária [...]. O cheiro é nauseante. A cena torna-se mais espantosa no interior das moradias, nos pátios e nas ruelas transversais: ‘não há um único vidro de janela intacto, os muros são leprosos, os batentes das portas e janelas estão quebrados, e as portas, quando existem, são feitas de pranchas pregadas’. Nas casas até os porões são usados como lugar de moradia e em toda parte acumulam-se detritos e água suja. ‘Aí moram os mais pobres dentre os mais pobres, os trabalhadores mal pagos misturados aos ladrões, aos escroques e às vítimas da prostituição’.37

36 BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 23-24 apud GOMES, Dinaura p.24-30. 37 Ibid., apud GOMES, p. 24-25.

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Em 1860, os filhos dos tecelões de seda de Londres perambulavam pela

cidade dizendo não terem emprego e terem suas tentativas de obtê-lo sido frustadas

até no exército, dada sua compleição física débil e a pouca altura.38

O cidadão-trabalhador, sem o amparo do Estado liberal e então visto apenas

como um meio de produção, competia diretamente com a máquina, sendo obrigado

a trabalhar em sobre jornada, ou seja, além do suportado pela sua própria

resistência física para, ao final, receber um salário aviltante, devido à grande oferta

de mão-de-obra que enfrentava a massa de desempregados.

Ianni compara a situação do trabalhador de hoje com aquele do final do

século XVII:

Se, globalmente, pode-se definir a revolução industrial do século XVIII pela passagem da ferramenta à máquina-ferramenta, a automação designaria a passagem da máquina-ferramenta ao sistema de máquinas auto-reguladas – o que implica a capacidade das instalações automatizadas de substituir não somente a mão humana mas também as funções cerebrais requisitadas pela vigilância das máquinas ferramenta. Poder-se-ia, definir, pois, a automação pela auto-regulação das máquinas em circuito fechado. Noutras palavras, a máquina se vigia e se regula a si mesma.39

Bercovici tece comentários sobre a liberdade estabelecida pelo Estado

Liberal:

O Estado Liberal garantia assim uma liberdade de ação praticamente sem limites para as forças econômicas. A não intervenção do Estado não passa de uma ideologia encobridora, pois o verdadeiro princípio da sociedade civil capitalista não é a ausência de intervenção estatal, mas a mobilização privada do poder estatal para uma poderosa intervenção no domínio econômico a serviço dos interesses particulares da classe dominante. [...] O Estado de Direito Liberal delega a organização do trabalho e da economia para os agentes econômicos, prevalecendo, nestes setores, o poder econômico.40

38 ibidem, op. cit., GOMES, p. 25-30. 39 IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 126.

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As fábricas e as indústrias só tinham como objetivo auferir o maior lucro, pois

neste período o valor econômico predominava.

Nunes entende que:

O liberalismo econômico funcionou nas condições dos séculos XVIII e XIX, em uma época em que a tecnologia industrial era relativamente rudimentar e adaptada a empresas de pequena dimensão; em que era inexistente ou pouco relevante a concentração capitalista; em que trabalhadores não estavam organizados (ou dispunham de organizações de classe de existência precária, débeis e inexperientes) e não gozavam da totalidade dos direitos civis e políticos [...] O capitalismo era então, sem disfarces, um sistema em que os que não podiam trabalhar também não podiam comer.41

O Direito apenas garantia a riqueza patrimonial do homem, esquecido de que

este, além dos bens materiais, tinha direitos morais que necessitavam ser

protegidos, e que a própria dignidade humana estava rebaixada diante da opressão

econômica.

Segadas Vianna salienta que:

[...] em nome da liberdade, não podia haver restrições sob o pretexto da autonomia contratual. Abstinha-se o legislador de tomar medidas para garantir a igualdade jurídica que desaparecia diante da desigualdade econômica. Reporta-se ainda às lições de Joaquim Pimenta, extraídas de sua obra Sociologia Jurídica do Trabalho, para destacar, em que se defrontavam operário e patrão, ambos iguais porque ambos soberanos no seu direito, cedia e se tornava ficção com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do segundo. Se a categoria de cidadão colocava os dois no mesmo plano de igualdade, não impediria essa igualdade, como alguém observou, que o cidadão-proletário, politicamente soberano no Estado, acabasse economicamente escravo na fábrica.42

40 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2.004, p.130. 41 NUNES apud GOMES, op. cit., p. 82. 42 VIANNA, op. cit., p. 37.

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Com o sufrágio universal, o operário passa a representar em número a parte

mais significativa da população. Passa a ser a massa, então, mais valorizada pelos

políticos, pois o voto dele possui o mesmo valor daquele do patrão. Os partidos

políticos percebem a necessidade de elaboração de leis trabalhistas.

A primeira lei social surgiu em 1841, proibindo empregar-se na indústria,

crianças com menos de 8 anos e ocupar, por mais de oito horas por dia, as crianças

de 8 a 12 anos.43

O direito de associação surge em 1848, quando, também na França, a

jornada é reduzida para 10 horas, para os adultos, em Paris, e em 11 horas, na

província, sendo certo que, também lá, em 1864, torna-se reconhecido o direito de

greve.44

Marx, funda a primeira Associação Internacional de Trabalhadores. Em 1881,

na Alemanha, são previstos os seguros sociais; em 1883, na Itália, há previsão de

tutela aos acidentados do trabalho que se estende para a Alemanha, em 1884.45

Gomes relata a luta de Karl Marx na defesa do trabalhador e do trabalho:

O início da materialização dos anseios como primeiras conquistas do trabalhador foi consubstanciado na pregação de Marx, com seu “Manifesto Comunista” em prol da união dos trabalhadores.[...] Não se tratava mais de restabelecer o primado do trabalho sobre o capital privado, mas, sim, de abolir radicalmente este último para considerar o trabalho a única causa legítima de renda. É desse modo que se propaga a doutrina marxista tendente a instaurar a ditadura do proletariado.[...] A proposta marxista visava, pois, a uma mudança dos fundamentos econômicos de toda nação, colocando a luta de classes como um elemento determinante em prol da nacionalização integral dos meios de produção.[...] Destarte, não é somente o primado do trabalho sobre a propriedade que Marx afirma. É mais que isso: invoca a destruição da propriedade como meio de produção, ou seja, o capital, com o qual se choca o trabalho. E, incisivamente, assim proclama: o proletariado utilizará o seu domínio político para ir arrancando todo o capital das mãos da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do

43 BIGO apud GOMES, op. cit., p. 84. 44 BERNARDES, Hugo Gueiros. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1989, p. 26-27. 45 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: José Konfino, 1972, p.17 apud GOMES, op. cit., p. 84.

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Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar o mais rápido possível a massa das forças produtivas [...].46

O poder político configura-se como o poder organizado de uma classe para a

opressão de outra. Em lugar da velha sociedade burguesa, com as suas classes e

antagonismos de classes, surge uma associação em que o livre desenvolvimento de

cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.

Diante do exposto, o Estado, como reação a estas idéias, passa a intervir nas

relações de emprego, ditando normas de proteção ao trabalhador. Inegavelmente, é

assim que o Estado Social de Direito sai em busca de um capitalismo social, de

raízes solidaristas, como forma de evitar a ruptura da ordem capitalista.

1.2.3 A Constituição Socioeconômica e os Direitos S ociais

A era do constitucionalismo social se firma e avança mundo afora, inaugurada

pela Constituição mexicana de 1917.

A notoriedade, entretanto, é lograda pela Constituição alemã de 1919

(Constituição de Weimar), que “trouxe vários preceitos trabalhistas, ficando

conhecida pelo mundo como a base das novas democracias sociais”.47

A Constituição de Weimar buscava uma nação que fosse social-democrata,

procurando conciliar princípios liberais e socialistas. Cunha salienta: “A Constituição

brasileira de 1934 foi a primeira a dispor sobre os direitos sociais dos trabalhadores,

elencando dispositivos que foram mantidos na Constituição de 1937, 1946 e 1967”.48

Vaz da Silva explica que a partir daí, “passou a ser retrocesso dificilmente

imaginável o desaparecimento, em nosso universo jurídico e social, das normas

46 MARX apud GOMES, op. cit., p. 86. 47 ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito Constitucional do Trabalho: sua eficácia e impacto do modelo neoliberal. São Paulo: LTr, 1998, p. 29. 48 CUNHA, op. cit., p.37.

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básicas da vida social e da vida econômica, seja com uma ou outra orientação

ideológica e política”.49

Na vigência da Constituição de 1937 – período do Estado Novo (1937-1945) -

foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo Decreto-Lei n.

5.452/43.50

No âmbito das relações de trabalho, a Constituição de 1946 inseriu alguns

direitos, como o de greve, salário noturno diferenciado, previsão de participação nos

lucros.

A Constituição de 1967 surpreendeu ao substituir a estabilidade no emprego,

pelo instituto do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o salário-família,

além de restringir o direito de greve. É na Constituição de 1988 que a dignidade da

pessoa humana e os valores sociais do trabalho, são proclamados como bases do

Estado, que tem como objetivos o combate às desigualdades sociais, promover o

bem de todos, de modo a atingir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 1º, III e IV

e art. 3º, I, III e IV, ambos da CF/88). A participação dos trabalhadores só é

regulamentada pela Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000, dependendo de

negociação entre empregados e empresas, com participação sindical.51

Conclui-se que rol dos direitos trabalhistas foi ampliado. O art. 7º da CF/88

repete o elenco constante da Carta anterior e se desdobra em trinta e quatro incisos,

contendo direitos como, por exemplo, aviso prévio, férias e adicional, décimo terceiro

salário, adicional de horas extras, estabelecendo tratamento isonômico ao

trabalhador urbano e rural, dentre outros.

1.3 O ESTADO NEOLIBERAL

49 SILVA, Floriano Corrêa Vaz da. Constitucionalismo social. In: ROMITA, Arion Sayão (Org.). Curso de direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, 1991. v. 1, p. 35-71. 50 CUNHA, op. cit., p.37. 51 Idem, p.38.

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O neoliberalismo nasce logo depois da II Guerra Mundial, nas regiões da

Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo, configurando-se como

uma reação teórica e política veemente contra o Estado Intervencionista e do Bem-

estar. Seu texto básico de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek,

escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos

mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciado-a como uma ameaça letal

à liberdade, não somente econômica, mas também política.52

Com o advento da crise do Estado intervencionista, a contar de 1973, a

doutrina ganha prestígio. As pressões do movimento sindical e conseqüente

elevação de salário e melhores condições de trabalho, segundo os neoliberais, eram

os fatores responsáveis pela alta da inflação, crise e ruptura das bases de

acumulação capitalista. Era preciso desarticular os movimentos reivindicativos,

reduzir vantagens e flexibilizar as relações de emprego.53

Da Inglaterra, pelas mãos da dama de ferro, Margareth Thatcher, implantado

em 1979, o neoliberalismo chegou aos Estados Unidos, no governo de Ronald

Reagan, em 1980, sendo em seguida adotado pelos países europeus, alastrando-se

aos poucos para outros continentes. Por derradeiro, soçobra o socialismo com a

queda do muro de Berlim e do regime político soviético, avantajando seu triunfo

sobre ideologias rivais.

Trata-se, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, das antigas “idéias

liberais agora ‘recauchutadas’ com o rótulo de ‘neo’, propondo liminarmente a

eliminação ou sangramento das conquistas trabalhistas e direitos sociais, ao mesmo

passo em que revive o imperialismo pleno e incontestado, sob a designação

aparentemente técnica de ‘globalização’”. Antevê o jurista “um retorno ao mesmo

esquema de poder, nos planos interno e internacional, vigente no final do século

52 HAYEK, F. A. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Globo, 1946, p. 33. 53 ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. Trad. Luís Fernandes e Emir Sader. IN SADER, Emir, GENTILI, Pablo (Orgs). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 9-11.

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passado e início deste, sob aplausos praticamente unânimes em ambas as

frentes”.54

A constituição do receituário, aviada em reunião ocorrida em 1979, conhecida

por Consenso de Washington, cuja expressão máxima – com força cogente e rigor

absoluto para os países periféricos –, está centrada na redução de déficits fiscais,

diminuição de gastos sociais, liberalização do sistema financeiro com o fito de tornar

fácil a volatibilidade – livre entrada e saída de capitais especulativos, além de outros.

A retórica de menor intervenção estatal encerra um paradoxo: os paladinos da

fórmula neoliberal, apregoam liberdade de mercado, livre comércio, mas adotam as

teses, movidos por interesses e conveniência exclusiva, centrados na obtenção de

dividendos lucrativos.

O discurso ideológico neoliberal consegue, pois, grande proeza teórica, uma

verdadeira revolução epistemológica ao transformar tudo em coisa, em objeto, enfim,

em mercadoria, sendo que, inclusive a terra, o trabalho e a pessoa humana passam

a ser considerados e reduzidos a uma mera mercadoria. Tudo é mercadoria. Isso

significa que o trabalho não tem direito.

A globalização, sob o signo da ideologia neoliberal, tem rendido um banquete

para poucos: a riqueza está sob o império de algumas pessoas, dos grandes

escritórios de corretoras, conglomerados financeiros, grandes transnacionais e de

alguns países hegemônicos. Ampliam-se, cada vez mais, as desigualdades sociais.

Lembra Bonavides que “socialmente, o Brasil é o País mais injusto do mundo;

por um paradoxo, sua riqueza fez seu povo mais pobre e suas elites mais ricas

numa proporção de desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todos

os países”.55.

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo a

revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o

54 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 212, abr./jun. 1998, p. 70. 55 BONAVIDES, op. cit., p. 30.

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neoliberalismo conseguiu atingir muitos dos seus objetivos, criando sociedades

marcadamente desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e

ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus

fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que

não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou

negando, têm de adaptar-se a suas normas.

Em decorrência dos ajustes neoliberais capitaneados pelas forças operantes

transnacionais, pode-se afirmar, frente ao receituário do FMI para os países

periféricos, especialmente no caso brasileiro, a idéia de que as condições são

dadas, não existindo outra saída que não esta ou aquela, determinada

exclusivamente pelo mercado e por sua lógica.

A globalização e o neoliberalismo esgarçam o tecido social, em face da

prioridade absoluta do capital sobre o trabalho. As políticas neoliberais têm como

meta o absenteísmo do Estado, a adoção de políticas de desregulamentação, na

revisão de direitos trabalhistas e reformas fiscais pró-empresa. Essa política só

contribui para aumentar a concentração da renda e as desigualdades sociais.

Segundo Silva:

A resposta a essas problemáticas tem sido trazida pelos governos diariamente, pelos meios de comunicação, resultando no caso brasileiro, a descaracterização do Estado Democrático de Direito dezessete anos depois de promulgada a constituição cidadã.56

1.3.1 Os Princípios da Ordem Econômica da Constitui ção Federal de 1988

face ao Neoliberalismo

Partindo de um referencial teórico que admite que o neoliberalismo

anacroniza os pilares do paradigma liberal-legal, sobre o qual está erigido o

56 SILVA, Karine de Souza. O custo social da globalização na América Latina. 1998. 181f (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. p. 108.

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ordenamento jurídico brasileiro, convém fazer uma breve análise de como a ordem

econômica brasileira e seus princípios estatuídos na Constituição sentem a

repercussão do ideário neoliberal.

Alguns desses princípios são amplamente receptivos ao neoliberalismo, tais

como a propriedade privada (inciso II do art. 170 da Constituição Federal de 1988) e

a livre concorrência (inciso IV do art. 170 da Constituição Federal de 1988), outros,

porém, chocam-se com a perspectiva neoliberal, como a busca do pleno emprego

(inciso VIII do art. 170 da Constituição Federal de 1988), uma meta de teor

keynesiano, a quem o neoliberalismo é antípoda; a função social da propriedade e a

redução das desigualdades regionais e sociais (incisos III e VII do art.170 da

Constituição Federal de 1988), perfazendo um princípio de justiça distributiva

correlato da justiça social; além da soberania nacional (inciso I do art. 170 da

Constituição Federal de 1988), desprezada pelo capital monopolista e

internacionalista.

O quadro constitucional brasileiro, diante do neoliberalismo, é de clara

indeterminação, pois diante do conflito entre princípios antagônicos no que tange a

seu arcabouço ideológico, reitera-se a idéia inicial deste tópico de que o

neoliberalismo anacroniza o paradigma liberal-legal sob o qual está erigido o

ordenamento jurídico.

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CAPÍTULO 2 – DA CRISE DO ESTADO E A FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS.

2.1 GLOBALIZAÇÃO – Principal causa da crise do Estado.

A globalização - novo modo de produção – ganhar ênfase com a grande

revolução tecnológica e tem como proposta a liberalização das economias nacionais

e a expansão dos mercados.

Esse processo de globalização, na seara econômica, nada mais é que a

integração entre os Estados pela formação de blocos econômicos, com ajuste entre

as políticas econômicas de cada Estado a fim de que as barreiras alfandegárias

sejam eliminadas e ocorra a expansão dos mercados por meio da troca de produtos.

Dallegrave Neto explica, com clareza, o real sentido da chamada integração

entre os Estados:

O objetivo destes blocos regionais nada tem a ver com a idéia de globalização em seu sentido de integração ou abertura

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indiscriminada de mercados nacionais. Não passa de uma estratégia de integração regional e autocentrada com o objetivo de se tornar mais forte no selvagem mercado competitivo. Não é à toa que os blocos regionais estão sempre centrados nas grandes potências: USA, Alemanha e Japão.57

Essa política de integração gera crescimento mais rápido, criação de

emprego, trocas comerciais e de mão-de-obra, acarretando mudanças, inclusive no

campo do trabalho.

Ianni fala sobre as influências da globalização no mercado mundial do

trabalho:

O movimento do trabalho internacionalizou-se até certo ponto, muito embora ainda regulamentado em cada país pela ação governamental na tentativa de conformá-lo às necessidades nacionais do capital. Assim, a Europa ocidental e os Estados Unidos agora dispõem de um vasto reservatório que se estende por ampla região da Índia e do Paquistão no Leste, passando pelo norte da África e extremo sul da Europa, por todo o Caribe e outras partes da América latina no Ocidente. Trabalhadores hindus, paquistaneses, turcos, gregos, italianos, africanos, espanhóis, das Índias Orientais e outros suplementam a subclasse indígena da Europa setentrional e constituem seus estratos mais baixos. Nos Estados Unidos, o mesmo papel é desempenhado pelos trabalhadores porto-riquenhos, mexicanos e outros da América latina, que foram acrescentados ao reservatório de trabalho mais mal pago, constituído sobretudo de negros.58

O fenômeno da globalização tem levado os governos a uma revisão daquele

modelo estatal que se corporificou, a partir do início do séc. XX, com intervenções

flagrantes na economia ao lado da extensiva atividade regulamentadora, mormente

no âmbito das relações de emprego. Fala-se muito em flexibilização ou até mesmo

em desregulamentação das leis trabalhistas, assunto do próximo capítulo deste

trabalho.

A fase de transição, principalmente na economia, atinge também a área

empresarial que, dentre vários fatores, sente a necessidade de se adequarem a

57 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Transformações das relações de trabalho à luz do neoliberalismo. In: Transformações do Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 2002, p. 59. 58 IANNI, op. cit., p. 131.

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métodos eficientes de competição econômica em um cenário de livre fluxo de

mercados. As empresas tentam reduzir seus custos - pela substituição da mão-de-

obra humana pelas máquinas - e melhorar a qualidade de sua produção, reduzindo,

portanto, o número de empregos.

A exportação continua a desempenhar o papel de variável principal na

dinâmica do crescimento, porém seu efeito final dependerá cada vez mais da

capacidade da economia para diversificar sua estrutura produtiva ligada ao mercado

interno, ou seja, a industrialização.

Outra forma de globalização é a globalização financeira. Para Vigevani:

[...] a globalização do capital financeiro debilita as instituições nacionais que o deveriam controlar (como é o caso dos Bancos Centrais); e ao mesmo tempo incide sobre as estratégias de investimento das grandes empresas multinacionais nos países em desenvolvimento. 59

A globalização política está caracterizada ao se verificarem os processos

decisórios nos Estados, que adotam padrões semelhantes, com base nas regras

ditadas pelas organizações internacionais. As decisões econômicas influenciam

diretamente as decisões políticas e vice-versa. Um fato que dificulta o processo de

globalização é que cada país tem objetivos próprios e fixados de acordo com a

necessidade e com o seu contexto sócio-político.

As regressões políticas verificadas em países em desenvolvimento ou da

periferia e os crescentes conflitos sociais que aparecem com mais intensidade em

todo o mundo, decorrentes, por um lado, do aumento de grupos excluídos e, por

outro, da crise do Estado que não tem mais capacidade de atuar como amortecedor

das tensões sociais, leva à reflexão sobre suas conseqüências nas sociedades

contemporâneas.

59 VIGEVANI, Tulio; LORENZETTI, Jorge. Globalização e integração regional: atitudes sindicais e impactos sociais. São Paulo: LTr, 1998, p. 19.

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Como conseqüência desse processo globalizador, tem-se a globalização

cultural, representada pelo avanço da rapidez das telecomunicações, outros

avanços tecnológicos e a ocidentalização do mundo. O desenvolvimento da

automação, por meio da robotização e computadorização, revolucionou não só o

mercado de trabalho e da indústria, mas a sociedade como um todo. A facilidade na

circulação de informações e de produtos tem sido a principal forma de expressão

cultural, transformando o modo de pensar e agir das pessoas.

Até mesmo a mão-de-obra tornou-se globalizada. Como as grandes

empresas têm como prioridade a diminuição de custos sociais, procuram a mão-de-

obra mais barata. Um exemplo é a empresa NIKE, uma das maiores produtoras de

calçados esportivos do mundo, que não produz sequer um cadarço. Terceirizam sua

produção, habilitando fornecedores da Indonésia à Polônia, ou mesmo no México e

Estados Unidos, dependendo de onde encontrar os menores custos.60

O mercado mundializado traz conseqüências ampliadas, já que exige altos

investimentos das empresas em tecnologia. Segundo Fernando Passos:

[...] o impacto desta revolução tecnológica está acentuado pela globalização, pelo simples fato de esta última haver instituído a competitividade de forma avassaladora, sendo que as empresas somente conseguem competir na medida exigida com enormes concentrações em desenvolvimento tecnológico. Neste sentido aquilo que era meramente estrutural, localizado, passou a ser exigência.61

Com todas as modificações que vêm ocorrendo no processo produtivo,

assinala-se uma nova crise social no cenário internacional e nacional: o

desemprego.

60 MARTIN, Hans-Peter, SCHUMANN, Harald. A armadilha da globalização. Trad. Waldtraut U. E. Rose. 5. ed. São Paulo: Globo, 1999 apud DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Transformações das relações de trabalho à luz do neoliberalismo. In: Transformações do Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 2002, p. 56. 61 PASSOS, Fernando. O impacto da globalização da economia nas relações individuais e coletivas de trabalho. In: Revista LTr. São Paulo, v. 62, n. 03, mar. 1998, p. 341.

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Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa

Mensal do Emprego (PME) realizada em seis regiões metropolitanas do país para

medir o desemprego aberto (pessoa que trabalhava, foi demitida ou se demitiu e

continua procurando emprego, porém não encontra), existia, em junho de 1999, uma

população de 1.401.074 desempregados. A pesquisa levava em conta apenas as

pessoas acima de 15 anos.62

O desemprego se estabelece, segundo alguns autores, por dois grandes

motivos: a globalização da economia aliada à política neoliberal e, por outro lado, o

avanço tecnológico que exige do homem trabalhador maiores habilidades,

conhecimentos diversificados e muita criatividade para colocar-se apto a concorrer

nesse novo mercado de trabalho.

Acredita-se que, somente com o investimento em educação e em formação

profissional aliado a uma política de desenvolvimento econômico sustentável,

poderão ser traçados novos contornos para o atual quadro de desemprego, bem

como das demais questões sociais no país.

Por fim, cumpre advertir que o processo de globalização, além de não ser

uniforme, não atinge todos os países do mesmo modo. Ou melhor, até o momento a

globalização só tem ido em direção das grandes potências, que dominam os

processos de renovação tecnológica, e que estão criando regras do jogo cada vez

mais favoráveis a elas mesmas.

Atualmente, diante do fenômeno da globalização econômica, o Estado-nação,

ao promulgar suas leis, cada vez mais tem de levar em conta o cenário internacional,

para saber o que pode regular realmente e quais serão as normas efetivamente

respeitadas.

A globalização tem sido apontada como uma das principais causas da crise

do Estado provocando, segundo Dunn, quatro rupturas com a ordem mundial

passada: a capacidade estatal de garantir a segurança dos cidadãos e a integridade

62 Disponível em: http:< www.ibge.org.br.> Acesso em 28.03.06.

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territorial; a mundialização da economia; a internacionalização do Estado e o direito

internacional.63

Importantes acontecimentos marcaram o avanço da globalização: a queda do

muro de Berlim, em 1989, com a unificação da Alemanha; a crise do socialismo no

Leste Europeu e o fim da Guerra Fria.

Com o fim da bipolarização mundial entre capitalismo e socialismo, surge uma

nova ordem mundial fundada no ideário neoliberal, inicialmente implementado pelo

governo de Margaret Thatcher (1979) e, posteriormente, por Ronald Reagan (1981).

Esse projeto de governo abrange âmbito mundial, tornando-se parte integrante do

processo de mundialização do capital.

Este ideário neoliberal consiste em políticas voltadas à desestatização da

economia, com a minimização da interferência do Estado; abertura de mercado ao

comércio internacional, com o objetivo de estimular a concorrência com os produtos

nacionais e propiciar a modernização e desenvolvimento da estrutura produtiva

nacional; estabilização monetária, a fim de atrair investimentos estrangeiros e amplo

processo de privatização, com objetivo de diminuir as dívidas internas e externas.

Diante disso, o Estado, em vez de ofertar serviços, passa a fiscalizar e avaliar

a oferta pela iniciativa privada. O processo de privatização é exemplo disso - tem

intuito de o Estado interferir o mínimo possível no mercado e investir mais recursos

na área social.

O mundo passa a vivenciar uma nova etapa da economia mundial, construída

pelos blocos econômicos, transferindo-se o poder para a seara do capital com a

hegemonia das empresas transnacionais.64

63 DUNN, J. Political Science Political Theory and Policy – Marking in na Interdependent World, “Government and Opposition”, v. 28, n.2, London, p. 242-260, 1993 apud ROTH, André. O Direito em Crise: fim do Estado Moderno. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996, p.18.

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As chamadas comunidades supranacionais – Comunidade Econômica Européia CEE/União Européia, NAFTA, MERCOSUL, etc. – particularmente a primeira, impuseram uma nova lógica às relações internacionais e, conseqüentemente atingiram profundamente as pretensões de uma soberania descolada de qualquer vínculo ou limitação.65

Assim, o desenvolvimento dos modos de produção, o crescimento dos

intercâmbios e a internacionalização das empresas limitam o Estado em suas

políticas fiscais e intervencionistas, razão pela qual a participação dos Estados em

organizações internacionais está em progressão e influi sobre os processos políticos

internos.

O desenvolvimento do Direito Internacional, tornado princípio normativo

superior, permitindo aos indivíduos reivindicar sua aplicação ou denunciar sua

violação pelo Estado, demonstra uma das formas de ruptura com a ordem mundial

passada.

O crescimento da interferência da sociedade civil por meio das ONGs

(Organizações Não-Governamentais), em questões sobre a regulamentação do

mercado de trabalho e na universalização dos direitos humanos e valores éticos, ou

seja, a prática da chamada cidadania global, tem contribuído para o aumento da

crise da soberania do poder político do Estado. A atuação dessas organizações em

nível internacional acaba se sobrepondo ao poder do Estado, visto que acordos

internacionais estão de certa forma condicionados aos relatórios dessas entidades,

no que diz respeito à atuação estatal.66

Todas as rupturas trouxeram para os Estados perda de soberania e de

autonomia na formulação de políticas internas. O Estado torna-se impotente diante

destas mudanças trazidas pela globalização, não conseguindo mais regular a

sociedade civil nacional de maneira soberana, pois tem de compartilhar o mundo, o

64 GUERRA, Sidney. Soberania: antigos e novos paradigmas. Rio de Janeiro: [s.n.], 2004, p. 332-334. 65 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan. Ciência Política eTeoria Geral do Estado. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 132. 66 FERRER, Walkiria Martinez Heinrich; SILVA, Jacqueline Dias da. A soberania segundo os clássicos e a crise conceitual na atualidade. In: Argumentum – Revista de Direito: Unimar. Marília, n. 3, 2003, p. 121.

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poder com outras forças hierarquicamente em posição melhor, que transcendem o

nível nacional.

O Professor Bonavides afirma que o conceito de soberania está passando por

uma “crise contemporânea”, reconhecendo que a concepção clássica da soberania

popular engloba centenas ou milhares de partes da soberania unidas em um único

corpo e, com a soberania nacional, esse corpo transforma-se em uma “pessoa

privilegiadamente soberana: a Nação, em que povo e Nação formam uma só

entidade, compreendida organicamente como ser novo, distinto e abstratamente

personificado, dotado de vontade própria, superior às vontades individuais que o

compõem. A Nação, assim constituída, apresenta-se nessa doutrina como um corpo

político vivo, real, atuante, que detém a soberania e a exerce através de seus

representantes”.67

Daí entende-se que o Estado é também uma sociedade, porém, com um

poder que abrange todo o território. Constitui-se de um povo que desenvolve suas

relações econômicas, sociais, entre outras, baseadas em normas jurídicas impostas

por esse mesmo Estado, para a organização de sociedades que têm como objetivo a

obtenção do bem-comum.

Tanto o Estado como o ordenamento jurídico que limita o poder de cada

sociedade devem ser soberanos. Mas o que está acontecendo na atualidade é que

este poder soberano tem enfraquecido em virtude de tratados internacionais e

pluralismo de ordenamentos soberanos. Acaba-se concordando com Streck e

Morais quando afirmam que a crise atual do conceito de soberania do Estado se dá

em virtude da proliferação de ordenamentos soberanos transnacionais,

paralelamente aos do Estado.68

Entretanto, não se pode falar que o Estado perdeu a soberania. Do ponto de

vista interno, a soberania deve ser considerada um elemento constitutivo do Estado

67 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 131-132. 68 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.157.

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e base para que cada sociedade se organize e obtenha o bem-comum. Neste

âmbito, a soberania mantém-se um poder incontestável.

Do ponto de vista externo, a soberania é considerada um elemento

característico do Estado, pois, apesar de estar enfraquecida na atualidade, não se

modifica a constituição do mesmo.

Como bem salienta a Constituição da República Federativa do Brasil, de

1988, a soberania é um dos fundamentos da República, ou seja, ela é base

sustentadora do nosso ordenamento jurídico. Sem ela os outros fundamentos, os

princípios da independência nacional, prevalência dos direitos humanos,

autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa

da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo,

cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo

político (art. 1º e 4º) não existirão.

Diante disso, se percebe que a soberania permanece, de fato, como o atributo

fundamental do Estado, cuja a independência não está, de modo algum,

comprometida, nem a sua soberania violada pela existência de obrigações

internacionais.

2.2 FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS.

O Direito do Trabalho se originou da disputa de classes no período da

Revolução Industrial (século XIX) e se firmou como ramo do Direito dotado de

princípios norteadores da legislação laboral. O sistema capitalista cedeu espaço

para o nascimento das primeiras leis protetoras do trabalhador.

Pode-se constatar que as soluções adotadas naquela época pós-Revolução

Industrial efetivaram várias medidas protetoras ao trabalhador, como a adoção de

leis para jornada de trabalho, proteção ao menor e proteção à mulher trabalhadora.

Estava, enfim, regulamentado o Direito do Trabalho.

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Hoje, o Estado adota uma postura de produção, organização e acumulação,

que já era notada desde o fordismo. A crise do petróleo nos anos 70 pôs em dúvida

o Estado de Bem-Estar, desregulou o modelo econômico social-democrático

construído no pós-guerra, provocando enorme recessão nos países desenvolvidos e

abrindo caminho para revolução tecnológica desencadeada com o objetivo de

reduzir o impacto do custo da energia e do trabalho no preço final dos bens e

serviços.

Cunha informa que para pôr fim com a crise, devem ser adotadas novas

experiências na seara da organização industrial - a passagem do fordismo para o

sistema que Harvey denomina de acumulação flexível.69

Conforme esclarece Sandroni: “o fordismo, método desenvolvido pelo

americano Henry Ford para a linha de produção de automóveis, significa a

especialização empresarial num só produto e cada operário realizando determinada

tarefa”.70

Rudiger salienta a existência de rigoroso controle de tempo e hierarquia

funcional que garantia a separação entre a concepção e a execução das tarefas.71

O fordismo permaneceu nos períodos entre 1910-1.960. Sua produção

consistia na divisão de tarefas dos operários, separando a mão-de-obra gerencial,

dotada de um núcleo de trabalhadores especializados e uma grande massa de

operários sem qualificação. O regime de acumulação fordista está centrado na

produção em massa, por uma linha de montagem em que o trabalho é fragmentado,

assegurando unidade do processo de produção.

Segundo Cunha:

A relação de emprego típica no modelo fordista denota um trabalhador submetido a um poder hierárquico, em regime de jornada

69 CUNHA, op. cit., p. 46. 70 SANDRONI, Paulo (Org.). Novo Dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 1994, p.144. 71 RUDIGER, Dorothee Susanne. Globalização econômica, descentralização produtiva e direitos fundamentais dos trabalhadores. In: RUDIGER, Dorothee Susanne (Org.). Tendências do Direito do Trabalho para o século XXI. São Paulo: LTr, 2000, p. 22.

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de trabalho completa, contratado por prazo indeterminado, na linha de produção em massa e reunido em categorias homogêneas, integrante de sindicatos com poder de reivindicação, dada a representatidade ampla.72

Um conjunto de profundas transformações foram operadas em oposição ao

fordismo, desenrolando um período de reestruturação econômica e de

reajustamento social e político. Segundo David Harvey:

O formato das novas experiências denomina-se sistema de acumulação flexível e tem, como ponto de apoio, a flexibilidade dos métodos e dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. É caracterizado “pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados”.73

Harvey continua seu raciocínio:

O mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis.74

Por conseqüência, as relações de trabalho tornaram-se instáveis, pois as

empresas passam a ter facilidade para dispensa e utilização de trabalhadores

eventuais, bem como para adotar outros meios de redução dos custos do trabalho.

Nas últimas décadas, a revolução tecnológica, somada ao processo de

globalização, assume proporções homéricas. As transformações advindas da soma

desses dois fatores mudam radicalmente a natureza do trabalho humano, que

requer com urgência a definição de novos paradigmas, para, no âmbito nacional

concatenar o Estado com a realidade vigente e, no internacional, impedir a reificação

72 CUNHA, op. cit., p. 47. 73 HARVEY, David. Condição Pós-moderna. Trad. Adail Ubirajara Sobra e Maria Stela Gonçalves. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998. p.140. 74 Ibid., p. 143-144.

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do trabalho humano pelos imperialistas da era do conhecimento, por meio da

institucionalização de uma nova ordem, legitimada pelos direitos humanos

internacionais.

Vários são os reflexos causados pela acelerada revolução tecnológica e a

globalização: necessidade de mão-de-obra qualificada para que se possa implantar

e dirigir esse novo aparato tecnológico; o surgimento de novas formas de trabalho

para se amoldarem às necessidades decorrentes do novo perfil do empresariado e a

diminuição da necessidade de mão-de-obra desqualificada ou com pouca

qualificação.

Nesta nova economia, o sistema de proteção ao trabalho vem cada vez mais

sendo apontado como obstáculo ao livre desenvolvimento do país. Por esse motivo,

a tese da flexibilização ganha espaço no ordenamento jurídico.

Pastore comenta:

As normas trabalhistas precisam passar por mudanças que possibilitem a abertura do diálogo entre o trabalhador e o empregador, tendo-se como instrumento o contrato. Este se baseia no princípio da negociação, o que permite a flexibilização para se ajustar essa negociação às necessidades da revolução tecnológica. Assim, a forma de contratação do trabalho no Brasil tende a renovar-se, na busca de adaptar-se às necessidades do mercado. Por outro lado, a questão do trabalho nesse país, nas últimas décadas, tem refletido efeitos perversos, tais como baixo crescimento, educação insuficiente e a resistência de uma legislação inflexível.75

O Brasil, não sendo a exceção perante a organização mundial, sofre

alterações no mercado de trabalho pós-guerra e no nível de desemprego e

desestabilização da economia, propiciando o surgimento do chamado "mercado

informal" de trabalho que, em regra, é constituído pela força de trabalho dita

excedente, em função da pequena oferta de empregos. Dados estatísticos apontam

índice altíssimo da população economicamente ativa, que integra este setor

produtivo.

75 PASTORE, José. Flexibilização dos mercados de trabalho: a resposta moderna para aumento da

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A idéia, doutrina ou princípio da flexibilização surge na Europa dos anos 60.

Na Itália, a flexibilização das normas trabalhistas evoluiu muito na segunda metade

da década de 70, devido à excessiva rigidez da legislação italiana sobre salários.

Àquela época, eram negociados diversos acordos tripartites (entre Estado,

sindicatos e empregadores), com o objetivo de diminuir o desemprego.

A flexibilização pode se referir ao mercado de trabalho, ao salário, à jornada

de trabalho ou às contribuições sociais. Trata-se de uma adaptabilidade das normas

trabalhistas face às mudanças ou às dificuldades econômicas, sob a alegação de

que a rigidez traz aumento do desemprego.

Na prática, a flexibilização das leis trabalhistas é vista pelos Tribunais como

uma forma de se evitar o desemprego, sendo o contrato de trabalho disciplinado de

forma diversa. A princípio, pode parecer que fere o princípio tutelar do Direito do

Trabalho, deixando de assegurar direitos já conquistados pelos trabalhadores.

Contudo, a flexibilização vem, na verdade, reforçar aquele princípio, uma vez que

pode significar a continuidade do próprio emprego. Acórdão n. 6876, de 23.10.96,

proferido pela Segunda Turma do TST em Recurso de R evista. Redator Min.

José Luciano da Castilho Pereira. Recorrente: Ferti sul S/A. Recorrido: Morency

Goulart Gonçalves.

A decisão proferida pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST

em 15.04.97, Acórdão n. 448, Relator Min. Antônio Ribeiro aponta uma vantagem

obtida pela flexibilização:

[...] os princípios da flexibilização e da autonomia privada consagrados pela Constituição da República conferem aos Sindicatos maior liberdade para negociar com as entidades patronais, valorizando, assim, a atuação dos segmentos econômicos e profissionais na elaboração das normas que regerão as respectivas relações, cuja dinâmica torna impossível ao Poder Legislativo editar Leis que atendam à multiplicidade das situações delas decorrentes. Desta forma, não podemos desestimular essas negociações, avaliando as cláusulas de um Acordo de forma individual, com um enfoque sectário, sem considerar a totalidade do instrumento normativo, porquanto as condições mais restritivas para os trabalhadores foram por eles acordadas em prol de outros

competição. Revista LTr, São Paulo, v. 4, n.58, p.401-408, dez, 1994.

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dispositivos, que instituem vantagens ou benefícios além dos patamares legalmente fixados".

Com efeito, uma maior liberdade de negociação poderá trazer como

conseqüência o fortalecimento dos sindicatos, mesmo que a longo prazo.

Há, contudo, autores que criticam as idéias de flexibilização das leis

trabalhistas por entenderem que o objetivo é o enfraquecimento dos direitos

trabalhistas duramente conquistados.

Carvalho, defensor do direito alternativo, é um dos opositores, entendendo

que a flexibilização admite a possibilidade de restrição em decorrência de

dificuldades econômicas. Segundo ele “flexibilizar" representa, na ótica alternativa,

um retrocesso, posto que busca restringir direitos já conquistados pela classe

trabalhadora".76

Não é bem assim. Embora pertinente e justificável sua preocupação com a

possibilidade de restrição de direitos conquistados, cabe lembrar o Acórdão n. 4310

da Subseção I Especializada em Dissídios Individuai s do TST, o qual relata,

quanto ao salário, que, embora a flexibilização autorize o sindicato a acordar sua

redução, não haverá prejuízo ao trabalhador se, em negociação coletiva, for

estabelecida compensação por meio de garantias quaisquer que, em determinada

circunstância, sejam ainda mais vantajosas para a totalidade da categoria. Para os

casos apresentados, sempre se deve atentar para que aquilo que for acordado no

instrumento coletivo, na sua integralidade, não possa causar prejuízo aos

empregados. Acórdão n. 4310 da Subseção I Especializada em Diss ídios

Individuais do TST, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817. Embargo em

Recurso de Revista. Embargante: Mineração Morro Vel ho Ltda. Embargados:

Valdir Margarido dos Santos e outros. Relator: Min. Rider Nogueira de Brito.

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O que se deve perquirir é se, considerando a integralidade dos direitos e

garantias, houve ou não redução. Assim, dependendo das circunstâncias do caso

concreto, o afastamento de algum direito pode em última instância, beneficiar o

trabalhador e o empregador, e ser conveniente para ambos.

Essa flexibilização dos direitos trabalhistas no Brasil está prevista a partir da

alteração do artigo 618 da CLT, conforme Projeto de Lei nº 5.483/2001, o qual

estabelece que os acordos celebrados entre os sindicatos de empregados e

empregadores passam a prevalecer sobre a legislação:

As mudanças previstas no Projeto de Lei 5.483/01 passam a surtir efeitos a partir da data de publicação da lei no "Diário Oficial" da União. A lei teria prazo de vigência determinado de dois anos uma vez que, após esse período, a mesma se extingue. Durante os dois anos em que estiver em vigor, a medida pode ser alterada por uma lei ordinária. Esse projeto tem como foco principal a negociação de direitos realizada por acordo ou convenção coletiva entre os sindicatos de empregados e sindicatos patronais. O trabalhador não pode pedir ao patrão a flexibilização de direitos. O sindicato profissional que o representa é que tem legitimidade para participar das negociações. Para o empregado que pertence a uma categoria que não está representada por um sindicato, a negociação pode ocorrer entre as federações ou as confederações de trabalhadores e os empresários ou sindicatos patronais. O sindicato dos empregados não pode negociar sem consultar os trabalhadores, pois para haver flexibilização das leis trabalhistas, o primeiro tem que fazer uma assembléia e colocar a mudança em votação. Se a mudança for aprovada pela maioria dos trabalhadores, a votação tem de ser registrada em uma ata. Os empregados também devem assinar uma lista de presença. Após essas etapas, o acordo tem de ser registrado na Delegacia Regional do Trabalho ou no Ministério do Trabalho, como já ocorre hoje com os acordos coletivos ou convenções negociados na data-base dos trabalhadores. .77

O Projeto estabelece que deverão prevalecer as condições de trabalho

ajustadas em convenção ou acordo, respeitados os direitos sociais definidos na

Constituição, as matérias reservadas à lei complementar, as normas de segurança e

76 CARVALHO, Amílton Bueno de. "Flexibilização x Direito Alternativo". In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo e AGUIAR, Roberto (org.).Introdução crítica ao Direito doTrabalho. Brasília, UnB, 1993, p.97-102.

77 Notícias. Câmara aprova flexibilização da CLT. Disponível no site: http//www.datamace.com.br/index.cfm?conteúdo-id=4. Acesso em 31 de março de 2.006.

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saúde do trabalho e o FGTS. Não poderão ser objeto de negociação as parcelas

integrantes da remuneração do trabalhador. Também estão excluídas as normas

previdenciárias e tributárias.

O Projeto de Lei 5.483/01 foi aprovado na Câmara dos Deputados e, ao ser

encaminhado ao Senado Federal, para revisão, teve sua tramitação suspensa pelo

atual Presidente da República que justificou tal decisão afirmando que a matéria

será submetida a um processo de discussão prévia em encontros relacionados à

área trabalhista.

Embora represente uma necessidade real, a flexibilização das normas

trabalhistas deve ser implementada gradativamente e sem prejuízo ao trabalhador, a

quem se deve garantir um mínimo de direitos inegociáveis, alicerce para uma vida

condigna.

Não se pode deixar que essa mudança nas leis trabalhistas resulte na

prevalência da vontade dos detentores do poder econômico sobre as necessidades

do trabalhador. Corresse o risco de não haver, de fato, negociação entre sindicatos,

mas sim, imposições de condições de trabalho aos trabalhadores, incapazes de

sustentar qualquer resistência ou esboçar a mínima reação diante da necessidade

do trabalho e da absoluta ausência de garantias legais de manutenção do emprego.

2.3 A CONSTITUIÇÃO SOCIOECONÔMICA E A FLEXIBILIZAÇÃ O

A flexibilização já está prevista na Constituição Federal – art. 7º, incisos VI,

XIII e XIV, embora seja permitida, apenas, para possibilitar a alteração daqueles

direitos dos trabalhadores que não sejam básicos nem irrenunciáveis, mediante

compensação, ou, ainda, em situações especiais e, sempre, com a assistência

sindical. Deve ser aplicada, portanto, no sentido de favorecer a adaptação das

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condições de trabalho – já regulamentadas por lei ou norma coletiva mais favorável

– à dinâmica da realidade empresarial, a ensejar a diversificação das mesmas, com

observância dos direitos essenciais que não podem ser eliminados, em sintonia com

os princípios que informam a proteção ao emprego.

Com efeito, se as normas legais que regem as relações de trabalho devem se

adequar à realidade, urge não perder de vista seu papel ético-cultural de referência

às conquistas históricas da humanidade.

O trabalho é um princípio constitucional fundamental do Estado democrático

do Direito (art. 1º, IV da Constituição Federal de 1988). Além disso, a mesma Lei

Maior proclama que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do

trabalho (art. 170 da Constituição Federal de 1988) e que a ordem social tem por

base o primado do trabalho (art. 193 da Constituição Federal de 1988).

Gomes diz ser conveniente não se esquecer dos direitos no âmbito

internacional, ressaltando que:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, igualmente proclama, entre outros, os seguintes direitos: o direito ao trabalho e à livre escolha do emprego (art. 23); o direito ao repouso e ao lazer (art. 24); o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos: o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice(art.25); o direito à instrução (art.26). Insta realçar, também, ter o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e culturais ampliado e aperfeiçoado tal catálogo de direitos, o que foi observado, igualmente, no âmbito do sistema regional, pelo Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador, assinalado em 17 de novembro de 1988, ratificado pelo Brasil em 21 de agosto de 1996.78

Nesse contexto, o trabalhador brasileiro encontra-se sob o manto protetor das

normas expressas nos arts. 7º e 8º da Constituição Federal de 1988. Conclui-se que,

78 GOMES, op. cit, p. 95.

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mesmo sendo inevitáveis as mudanças impostas pelas leis do mercado, nas

relações de trabalho, importante preservar a figura do ser humano.

Processa-se ampla discussão a respeito da crise da Constituição

Socioeconômica identificada como uma Constituição cuja previsão de direitos sociais

apresenta contornos jurídicos rígidos.

Melgar por flexibilidade dos direitos sociais: “se traduz tanto uma debilitação

da presença estatal – protetora – no sistema das relações de trabalho, como uma

redução dos direitos dos trabalhadores”.79

O renomado Bobbio não se surpreende com o que a doutrina liberal escreve,

[...] com plena convicção e certa de não causar escândalos, que o liberalismo é contra a igualdade e é, ao contrário, tolerante para com a disparidade de rendas e riqueza. Os liberais, esclarece, jamais consideram a desigualdade de riqueza um mal em si, um mal social intolerável, pois a consideram efeito colateral da economia produtiva. 80

Neste sentido, é possível relacionar, em caráter provisório, a flexibilidade à

adaptabilidade constitucional dos direitos sociais às variantes do mercado de

trabalho e às exigências de competitividade econômica e de modernização

tecnológica das empresas privadas.

Novamente Malhadas explica que:

Flexibilidade é elasticidade, facilidade de manuseio, adaptabilidade; e flexibilização é dar flexibilidade a [...] Nesse passo, a “flexibilidade de

79 MELGAR, Alfredo Montoya. Tendências actuales del derecho del trabajo em Espana. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Curitiba, v.16, n. 1, jan./jun. 1991. 80 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: UNESP, 1995, p. 127.

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direitos há de ser a adaptabilidade das normas, a sua facilidade do manuseio, e flexibilização de direitos, tornar adaptáveis e de fácil manuseio as normas, ou fazer normas apropriadas e facilmente manejáveis.81

A Constituição Federal não estabelece, expressa e exaustivamente, todos os

princípios informadores do Direito do Trabalho, tal como procede com outros títulos,

mas confere, como um dos fundamentos da República, os valores sociais do

trabalho e a dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, a Constituição estabelece, em seus princípios maiores, a

proteção do trabalho, elencando-o como direito social, pugnando pelo respeito à

dignidade do trabalhador e o constitui como um dos direitos supraestatais inerentes

ao ser humano.

Forte nessa premissa, ao relacionar os princípios gerais da atividade

econômica, a Constituição atual consolida a proteção ao trabalho e ao trabalhador,

mormente no artigo 170 quando observa que, como norte na exploração da

atividade econômica nacional, devem ser respeitadas a valorização do trabalho

humano, a justiça social, a função social da propriedade e a busca do pleno

emprego e, ainda, no artigo 193, dispõe que a ordem social tem como base o

primado do trabalho.

O direito social ao trabalho, é condição da efetividade da existência digna,

fundamento também da República Federativa do Brasil, assim como os direitos

individuais ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito

social ao trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e

formação profissional, à livre escolha do trabalho, assim como o direito à relação de

emprego e o seguro-desemprego, visando à melhoria das condições sociais dos

trabalhadores.

81 MALHADAS, Júlio Assunpção. Flexibilização de direitos. In: Relações Coletivas de Trabalho. Estudos em homenagem ao Ministro Arnaldo Sussekind. São Paulo, LTr, 1989, p. 378.

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Apesar de a Constituição não conferir a garantia absoluta do emprego,

assegura que a relação de emprego seja protegida contra despedida arbitrária ou

sem justa causa e prevê lei complementar que regulamentará os demais direitos

trabalhistas dele inerentes.

Da análise constitucional, pode-se, ainda, partindo-se do princípio da proteção

ao trabalhador, observar outros princípios relacionados ao direito do trabalhador que

são dele defluentes, como o princípio da irrenunciabilidade, segundo o qual os

direitos trabalhistas não podem ser renunciados pelas partes do contrato de

trabalho, diferente do contrato civil, em que há liberdade total em discutir as

cláusulas contratuais e o princípio protetor, pelo qual o Estado deve proteger as

relações de trabalho, acolhendo o trabalhador como parte hipossuficiente da relação

de trabalho, tratando-o de modo diferente e dando-lhe maiores vantagens e direitos.

No mundo do Direito do Trabalho, como em toda ciência, existem também

princípios peculiares à sua essência. Dentre vários, tem-se:

a) o princípio “in dúbio pro operário”, que leva o intérprete legal a escolher

sempre a norma mais favorável ao trabalhador, desde que não seja contra a idéia

principal do legislador, nem se trate de matéria probatória;

b) o princípio da norma mais favorável, pela qual, independentemente da sua

colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, se aplica, sempre, no caso

concreto, a norma que for mais favorável ao trabalhador;

c) o princípio da condição mais benéfica, que determina a prevalência das

condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou

resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma

jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção ao trabalhador e que não

sejam com ela incompatíveis;

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d) o princípio da primazia da realidade, aquele no qual a relação objetiva

demonstrada pelas provas demonstre que a verdadeira relação jurídica estipulada

pelos contratantes não correspondente à realidade;

e) os princípios da integralidade e da intangibilidade do salário, que visa à

proteção do salário quanto a descontos abusivos, preservando sua

impenhorabilidade, assegurando uma posição privilegiada em caso de insolvência

do empregador.

A Carta Magna, no tocante ao Direito do Trabalho, indica, mais precisamente,

o princípio da não-discriminação em seu art. 7º, XXX, que proíbe diferença de

critério de admissão, de exercício de funções e de salário por motivo de sexo, idade,

cor ou estado civil, ou de critério de admissão e de salário em razão de deficiência

física, no artigo 7º, XXXI e, ainda, no artigo 7º, XXXII, que se distinga, na aplicação

das normas gerais, entre o trabalho manual, o técnico e o intelectual ou entre os

respectivos profissionais.

Informa, também, o princípio da continuidade da relação de emprego, o qual,

embora flexível, uma vez que a Constituição não tendencia para estabilidade

absoluta do trabalhador no emprego, emana normas sobre a indenização devida nas

despedidas arbitrárias, independentemente do levantamento do Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço, no artigo 7º, I, e do aviso prévio para a denúncia do contrato

de trabalho proporcional à antiguidade do empregado (art. 7º, XXI).

No art. 7º, VI, traz o princípio da irredutibilidade do salário, já embutido na

regra da inalterabilidade salarial decorrente do princípio protetor, o qual, somente em

casos especiais, explicitamente mencionados, pode ser afetado pelos instrumentos

da negociação coletiva e flexibilização sob tutela sindical.

Por final, o princípio da boa-fé também tem sua aplicação nas relações de

trabalho embora se trate de um princípio geral de Direito, devendo constar das

relações de emprego em virtude do intenso e permanente relacionamento entre o

trabalhador e o empregador, ou seus prepostos, assim como entre as partes

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envolvidas na negociação coletiva, posto que, numa execução de contrato de

trabalho, é de suma importância que o empregado procure, de boa-fé, cumprir as

obrigações pactuadas, visando ao melhor atendimento e rendimento no trabalho,

enquanto o empregador deve cumprir, por si ou pelos seus prepostos, com lealdade

e boa-fé, as obrigações que lhe são cabíveis.

Portanto, mesmo diante do fenômeno da globalização, a Constituição Federal

sustenta a atuação do Estado, no sentido de poder e dever regular e fazer respeitar

as normas mínimas de proteção ao trabalho, ainda que os interesses econômicos

queiram conduzir, por meio de processos de programas de privatizações, a um

esfacelamento da máquina pública de controle e de efetividade dos Direitos Sociais.

2.3.1 Formas Constitucionais e Infraconstitucionais de Flexibilização de

Direitos Trabalhistas

No Brasil, a flexibilização de direitos trabalhistas despontou há mais de três

décadas e avança em ritmo irrefreável, à medida que se propala a necessidade de

submissão da força de mão-de-obra às leis de mercado.

A Constituição Federal de 1988, ao permitir a flexibilidade, autoriza a

aplicação do direito tutelar, em virtude de crises econômicas que se sucedem na

economia enfrentada por uma empresa. Autoriza o Constituinte a realização de

alterações contratuais, tais como a redução de salários e da jornada de trabalho, por

meio de negociação coletiva (art. 7º, inc. VI), além da compensação de horários e

ampliação da jornada de seis horas, nos casos de turnos ininterruptos de

revezamento (art. 7º, inc. XIV).

A quebra do princípio da irredutibilidade salarial só é válida sob a tutela

sindical. Sussekind adverte que “poderá – obviamente em situações excepcionais –

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formalizar essa redução, com as condições em que ela perdurará, no instrumento

pertinente da negociação coletiva”.82

Mas, só será lícita a redução salarial se o empregado auferir em troca a

garantia de emprego. Assim, a redução pura e simplesmente, sem a contrapartida

do emprego garantido, padece de juridicidade.

A flexibilidade dos salários – escreve Nassar :

[...] é obtida, freqüentemente, por meio de congelamento ou embate livre entre preços e salários, sem imposição de uma política salarial por parte do Estado, que deixa para o mercado a fixação livre, de acordo com a convenção dos contratantes.83

Reforçada pela fixação de salário misto, que nada mais é que uma parte fixa

e outra variável, relacionada com a performance da empresa. Os encargos são

reduzidos e os riscos da atividade econômica são partilhados com o trabalhador.

Entende-se que essa flexibilidade é uma forma de se evitar a dispensa de

trabalhadores e conseqüente aumento de desemprego.

Outro instituto manifestamente flexível é a compensação de horários,

conhecida por banco de horas, que protege o trabalho em sobrejornada, até o limite

de dez horas num determinado dia e redução correspondente, noutro dia, sem o

pagamento de horas extras.

O art. 6º da Lei 9.601/98 deu nova redação ao § 2º do art. 59 da Consolidação

das Leis do Trabalho (CLT), instituindo o banco de horas, autorizando a

compensação de horas num espaço de 120 (cento e vinte) dias. A Medida Provisória

82 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.150-151. 83 NASSAR apud CUNHA, op. cit., p. 267.

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nº 1.779/98, amplia esse prazo para um ano. A nova redação do § 2º do art. 59

ficou, então, assim:

Art. 59, §2º. poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado limite máximo de dez horas diárias.

Vieira considera o banco de horas um elemento, que sem dúvida, é de grande

interesse para os empregadores, à medida em que permite o aproveitamento da

mão-de-obra, de acordo com as necessidades e demanda de serviços. Além disso,

“o banco de horas é sinônimo de mais trabalho e este esforço adicional pode gerar

tensão mental, especialmente porque o convívio social é diminuído, causando um

aumento do risco dos acidentes de trabalho”.84

Esta carga horária mais extensa pode, certamente, afetar a saúde física do

trabalhador, pois tal jornada pode se estender por semanas e meses. Por

conseqüência, o trabalhador fica cansado e pode cometer alguns acidentes, pondo

em risco a sua própria vida.

Se a análise do banco de horas for feita com uma visão mais ampliada, ver-

se-á que este instituto tem um efeito social perverso. Ele comprime o mercado de

trabalho, explorando a mão-de-obra que já possui, sem ônus.

Salienta Dorneles sobre o banco de horas:

[...] longe de representar uma medida efetiva de combate ao desemprego, constitui-se em um artifício para se possibilitar o incremento da produtividade empresarial com menores custos, de

84 VIEIRA, Maria Margareth Garcia. A globalização e as relações de trabalho. Curitiba: Juruá, 2000, p. 107-108.

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acordo com os novos paradigmas de organização produtiva flexíveis, dispensando o pagamento das horas extras. 85

Nos casos de turnos ininterruptos de revezamento, a jornada pode, também,

ser ampliada para além das seis horas fixadas pela Constituição Federal em seu art.

7º, inciso XIV.

O indivíduo que trabalha na jornada de seis horas ininterruptas, mediante

revezamento dos empregados, ora de dia, ora de noite, tem uma desregulagem

completa no seu relógio biológico, o que resulta em danos à saúde. Além disso, esta

alternância de horários é obstáculo para outras ocupações, como estudar ou para o

próprio convívio social e familiar.

Carrion atenta que a jornada especial reduzida – seis horas – “não se aplica

aos turnos fixos, porque o sentido consagrado da expressão trabalho em

revezamento sempre implicou a permanente alteração em rodízio da prestação

laboral”. 86 A flexibilização da jornada reduzida, estipulada em seis horas diárias,

pode ser, entretanto, contornada por negociação coletiva, como autoriza a

Constituição Federal, e pelo uso do poder diretivo empresarial.

A instituição das férias anuais remuneradas tem como objetivo possibilitar ao

trabalhador um período de descanso, longe do seu ambiente de trabalho, para que

ele volte a se equilibrar tanto mentalmente como fisicamente.87

Gomes entende que este instituto das férias:

Não se trata, pois, de um prêmio, mas de um direito cujo exercício vem assegurado pelo Estado por motivo de higiene social, atestado pela ciência, no sentido de propiciar a necessária restauração do equilíbrio orgânico e mental do trabalhador. Destarte, a pretensão de se reduzirem as férias a quinze dias, por meio de uma norma coletiva de trabalho, diferentemente do que prevê a lei, que estabelece um

85 DORNELES, Leandro do Amaral D. A transformação do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 151. 86 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 22. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 99. 87 GOMES, op.cit., p.106.

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período corrido de trinta dias, sujeito apenas à conversão de um terço em dinheiro, justamente para propiciar ao trabalhador meios financeiros para, efetivamente, gozar as férias, implicará a anulação desse direito, mediante o desvirtuamento de sua finalidade, sendo manifesto o desrespeito a seu fundamento e à sua natureza jurídica.88

O décimo terceiro salário, tem por objetivo proporcionar ao trabalhador, meios

financeiros de festejar com sua família as festas natalinas. Desse modo, não se

pode permitir a negociação coletiva tendente ao recebimento parcelado dessa

gratificação no decorrer do ano que precede as festas natalinas, em doze parcelas,

pois desse modo, estaria possibilitando manobras patronais para suplantar

majorações ou reajustes salariais, suprimindo o direito.89

Existem, também, várias formas infraconstitucionais de flexibilização, tais

como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), novo contrato por prazo

determinado, terceirização, cooperativas de trabalho, entre outras.

Pode-se afirmar que a grande flexibilização ocorrida no ordenamento jurídico

trabalhista brasileiro foi a troca da estabilidade no emprego pelo Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço (FGTS), criado pela Lei nº 5.107 de 13 de setembro de 1966,

modificada pelo Decreto-Lei nº 20, de 14.09.66, regulamentados pelos Decretos nº

59.820 de 20.12.66 e 61.405 de 28.09.67, respectivamente. Atualmente, é regido

pela Lei 8.036 de 11.05.90, regulamentada pelo Decreto 99.684 de 08.11.90.90

A Constituição Federal de 1988 faz menção ao FGTS (Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço) no art. 7º, inciso III, como direito dos trabalhadores urbanos e

rurais. O FGTS resulta da contribuição compulsória por parte do empregador,

equivalente a 8% (oito por cento) da remuneração mensal do empregado, levada a

depósito numa conta vinculada, aberta em nome deste, junto à Caixa Econômica

Federal (art. 7º e 15 da Lei 8.036/90).

88 Idem, p.106. 89 RUSSOMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no Direito Brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 377-378. 90 CUNHA, op. cit., p. 199.

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O art. 7º, inciso I, da Constituição brasileira, autoriza, ainda, o legislador

ordinário a editar lei complementar em proteção à relação de emprego, prevendo

uma indenização compensatória, em caso de despedida arbitrária ou sem justa

causa, sem prejuízo de outros direitos. Entende-se que, com este inciso, o legislador

tenha tido a intenção de dificultar a despedida do empregado, tornando-a mais

onerosa, em vez de proibi-la, mesmo sendo arbitrária. De acordo com Arnaldo

Sussekind, “A Constituição Federal de 1988, por isso mesmo, prima pela efetividade

do trabalhador no emprego”.91

Antes da criação do instituto do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

(FGTS), a Consolidação das Leis de Trabalho assegurava em seu artigo 492:

Art. 492. O empregado que contar com mais de dez anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.

As empresas estrangeiras exigiram o fim da estabilidade porque a entendiam

prejudicial aos seus interesses de investimentos aqui no Brasil. E os militares da

época defenderam o fim desta garantia, fazendo apologia às conveniências da

política econômica, inclusive à necessidade de atração, para o território nacional, de

capitais privados estrangeiros.92

A partir deste momento, o regime jurídico do Fundo de Garantia por Tempo

de Serviço (FGTS) passou a ser adotado pelas empresas como condição básica

para admissão do trabalhador. O empregado antigo também teve que adotá-lo sob

pena de perder o emprego.

Martins tece comentários sobre a natureza jurídica deste instituto:

91 SUSSEKIND, op. cit., p. 104-123. 92 RUSSOMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no Direito Brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 428.

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[...] a natureza jurídica desse Fundo é, em relação ao trabalhador, um modo de poupança forçada; já para o empregador, constitui obrigação compulsória de recolhimento, porque a Constituição Federal de 1988 o trata como uma contribuição social, nos termos do seu art. 149, por tratar-se de uma contribuição de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais, principalmente.93

Outra modalidade infraconstitucional de flexibilização é a flexibilização

ocorrida no contrato de trabalho por prazo determinado que, até o advento da Lei

9.601, de 21 de janeiro de 1998, só era permitido para atender serviços de cuja

natureza ou transitoriedade justificasse a predeterminação do prazo, atividades

empresariais de caráter transitório e, em caso de contrato de experiência, nos

termos do art. 443, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Pela Lei 9.601, de 21 de janeiro de 1998, o ajuste do contrato por prazo

determinado só se dará por meio sindical, através de acordo ou convenção coletiva

de trabalho. Além disso, com esta lei, ampliou-se o prazo de contratação,

permitindo-se múltiplas prorrogações, até o limite de dois anos (§ 2º do art. 1º desta

Lei) e para os casos de rescisão antecipada, a indenização será aquela estabelecida

por negociação coletiva (§ 1º, do art. 1º da Lei).94

A referida Lei trouxe prejuízo aos trabalhadores. Admitiu-se a redução dos

depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), de 8% (oito por

cento) para 2% (dois por cento) da remuneração mensal, destinados à conta

vinculada do trabalhador. (inciso II, do art. 2º da Lei supra mencionada)95

Outro prejuízo ao trabalhador foi a desobrigação do empregador ao

pagamento da multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS) e aviso prévio, ao término da relação de emprego. 96

93 MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000, p. 74. 94 DANTAS, Raimundo. Contrato de emprego por prazo determinado – a nova realidade. Revista Síntese Trabalhista, v. 120, jun./99, p.33. Porto Alegre: Editora Síntese, 1999. 95 CUNHA, ob. cit., p. 236. 96 Idem.

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A Consolidação das Leis do Trabalho impõe limites qualitativos para a

contratação a prazo certo. Já a Lei 9.601/98 traça parâmetros quantitativos, só

permitindo contratações da espécie até um certo número, segundo percentual

estabelecido no art. 3º da referida Lei.

Assim, essa lei reduz claramente as vantagens trabalhistas dos empregados,

margeando para a instabilidade e potencial perda do emprego sem maiores

empecilhos legais e ônus financeiros para o empregador.

2.4. A FLEXIBILIZAÇÃO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL

O mercado de trabalho passa, aos poucos, a ser orientado por trabalhadores

de núcleo ou de centro e periféricos. Aqueles, com tempo integral, fruindo de maior

segurança no emprego, perspectivas de carreira e portadores de vantagens

relativamente boas, enquanto os últimos, descartáveis, realizam serviços rotineiros,

não-especializados, sem oportunidades de ascender profissionalmente,

submetendo-se toda essa categoria significativa a empregos por tempo determinado

e mesmo por tempo parcial.

Guerra esclarece:

Retorna, assim, com todo vigor, no final do século XX, a mais valia absoluta, como forma mais adequada de obter ‘mais trabalho’, e agora sem sofrer grande resistência por parte do movimento sindical, pois os trabalhadores têm o ‘seu próprio negócio’, se confundem com

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seus antigos patrões, com quem passaram a ter uma relação ‘puramente mercantil’.97

Nesse contexto, os sindicatos foram afetados substancialmente e se viram

engessados, sem capacidade de organização e de resposta que pudesse frenar o

avanço da reestruturação capitalista, in pejus, de precarização das condições de

trabalho.

Do ponto de vista das organizações empresariais, a globalização da

economia, a necessidade e a competitividade exigem que a própria empresa se

flexibilize. Assim, o trabalhador que se mantém produtivo no emprego, deixa de ser

tratado como de custo variável, descartável, executante de tarefas simples e

repetitivas. Diminuem, então, paulatinamente as elevadas diferenças de status que

antes eram proporcionadas por pesadas hierarquias.

Esse novo modelo organizacional tem focalizado a equipe como unidade

responsável pelo desempenho empresarial. O que importa é o conhecimento de

cada um, não mais o cargo, sendo assim determinada sua influência sobre os

demais, de tal forma que os empregados desse nível cultural e profissional mais

elevado têm sido cada vez mais chamados a participar da gestão, por meio de

comissões e grupos de trabalho, para, efetivamente, discutir metas, objetivos,

participações em produtividade e resultados e, em alguns casos, até com

participação acionária.

Diante da necessidade de participação do trabalhador, trazida por esse novo

modelo, deu-se ensejo a uma forma efetiva de democratização empresarial. Com

isso, a tutela legal do trabalho subordinado garantiu ao cidadão o direito de

participar, afastando-o, por conseguinte, da exclusão social.

Essa possibilidade de participação configura manifestamente o resgate da

cidadania, exercida por meio do acesso ao trabalho subordinado, sendo uma das

97 GUERRA FILHO, Georgeonor de Souza Franco (Org.). Presente e futuro das relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p. 78.

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bandeiras da justiça econômica, haja vista que o Direito ao Trabalho está

intimamente ligado ao direito de ganhar.

O processo produtivo fragmenta-se, repassando para outras empresas partes

do processo, sem perder o domínio sobre o produto final – operando-se a

descentralização produtiva.

O sistema produtivo se renova. Transfere-se o grosso do serviço para outras

empresas muitas vezes situadas em regiões geográficas em que o trabalho é menos

especializado, menos remunerado e menos organizado em termos sindicais,

condições propícias à oferta de um produto mais barato.

Chesnais afirma que:

[...] os grupos industriais tendem a se reorganizar como ‘empresa-rede’. As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se de complexas modalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes grupos a reconciliar a centralização do capital e a descentralização das operações, explorando as possibilidades proporcionais pela teleinformática e pela automatização.98

Um quadro funcional enxuto é composto de trabalhadores de núcleo,

especializados e trabalhadores periféricos, não especializados.

Para os trabalhadores, especialmente os não especializados, o que se

pretende é restringir-lhes a proteção “mediante o afrouxamento das legislações

trabalhistas e das leis sociais”, culminando numa maior liberdade para contratações

e dispensas, diminuindo, dessarte, ainda mais os custos da produção.

Ao racionalizar os custos do trabalho e acelerar a produtividade, a automação

gera um grande excedente de mão-de-obra. Então, o trabalhador da pós-

modernidade se vê numa verdadeira encruzilhada: os não qualificados são expulsos

98 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Tradução de Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996, p. 33.

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do mercado de trabalho e os que se qualificarem não têm a mínima garantia

assegurada de ingressar neste comprimido espaço.

Oliveira entende que a chamada flexibilização das normas trabalhistas

equivale a:

Ajustar as leis a uma nova ordem de produção, de maneira a fazer com que essa legislação atenda concretamente os anseios sociais propiciando o incremento da geração de emprego, sem, contudo, deixar de atender os princípios constitucionais maiores.99

Importante é que haja uma adaptação das normas e da política do trabalho às

realidades nacionais e que as normas sejam efetivamente cumpridas, incentivando o

desenvolvimento econômico para que se tenha um progresso nacional.

A flexibilização deve ocorrer verificando-se sempre se os princípios

constitucionais atualmente vigentes estão sendo respeitados. Pois se assim não for,

estará ocorrendo a sobreposição dos interesses econômicos sobre os sociais,

resultado contrário dos objetivos perseguidos pelo Estado Democrático de Direito.

O mercado de trabalho, no Brasil e no mundo, compreende, guardando as

devidas proporções, três modelos de relação de trabalho: a) o modelo típico, que

congrega os trabalhadores do setor formal da economia e cujos atributos essenciais

da relação de trabalho são o contrato de duração indeterminada, a jornada de tempo

completo, a vinculação a um único empregador e a proteção contra a dispensa

desmotivada; b) o modelo quase-típico, que abrange os trabalhadores de empresas

subcontratadas mediante a terceirização, tendo, regra geral, salários e condições de

trabalho muito mais precários do que os trabalhadores contratados no modelo típico;

e c) o modelo atípico, ou o modelo dos excluídos, concernente aos subempregados

no setor informal da economia. Os desempregados, enquanto excluídos, também se

inserem neste último modelo. O slogan dos direitos sociais propõe-se a rever o

99 OLIVEIRA, Lourival José de. Os princípios do Direito do Trabalho frente ao avanço tecnológico. In: Argumentum – Revista de Direito: Unimar. Marília, n. 2, 2002, p. 87.

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“modelo típico de relação de trabalho”. Empresas flexíveis exigem um mercado de

trabalho igualmente flexível.

Segundo o Prof. Lampreia:

No Brasil, durante a década de 90, e, mais acentuadamente nos anos mais recentes, houve grande aumento do grau de informalidade das relações de trabalho. Houve, também, significativo aumento do número de trabalhadores por conta própria, como o caso do comércio ambulante, cujo grau de competitividade não se compara a nenhum setor econômico. Importante esclarecer que o emprego no setor informal significa que o contrato do trabalho se dá à margem da legislação trabalhista, podendo, portanto, ser rompido mais facilmente; ao mesmo tempo, o trabalhador não tem assegurado os direitos sociais previstos naquela legislação nem os benefícios vinculados à Previdência Social.100

O Professor Lampreia, fala sobre um dos determinantes do aumento do setor

informal da economia. Segundo relatório do governo federal, “é o descrédito do

empresariado no poder de fiscalização do Estado”. Nos termos da Constituição

Liberal, a realidade brasileira atual demonstra, ao mesmo tempo, “evidente

fragilização das relações trabalhistas” e o “decorrente agravamento das

características da pobreza”.101

Silva descreve as diversas formas de trabalho flexíveis:

Dentre as diversas formas de trabalho mais flexíveis e distintas do modelo típico, propugnam-se como hipóteses atípicas: 1- O contrato de trabalho de duração determinada e desmotivado, nos moldes do contrato temporário de trabalho introduzido no Brasil por iniciativa do Poder Executivo, e o contrato de trabalho temporário; 2- o chamado trabalho “extranumerário”, em contrato de trabalho em tempo parcial e o contrato de trabalho a ser executado em dias alternados da semana (exemplos em contraste com a jornada de tempo complexo); 3- a disseminação do trabalho eventual e o incentivo ao fortalecimento do sistema de sociedades cooperativas (propostas em dissonância com a vinculação a um único empregador); e 4- a abolição das formas do contrato de trabalho em domicílio em regime de exploração familiar e do “teletrabalho”(iniciativas avessas à

100 LAMPREIA, Luiz Felipe. Relatório brasileiro sobre desenvolvimento social. In: Estudos Avançados. São Paulo: USP, v. 9, n. 24, maio/ago. 1995, p. 29. 101 LAMPREIA, Luiz Felipe. Relatório brasileiro sobre desenvolvimento social. In: Estudos Avançados. São Paulo: USP, v. 9, n. 24, maio/ago. 1995, p. 29-30.

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proteção contra a dispensa desmotivada e aos gastos empresariais com pessoal).102

A Consolidação das Leis do Trabalho em seu art 224, § 1º, “considera-se

extranumerário o empregado não efetivo, candidato à efetivação que se apresentar

normalmente ao serviço, embora só trabalhe quando for necessário. O

“extranumerário” só receberá os dias de trabalho efetivo”. Além disso, a mesma

define em seu art. 442, § único, a relação de trabalho da sociedade de cooperativa:

“Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe

vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre esses e os tomadores

de serviço daquela”.

Silva acrescenta:

A Constituição Federal de 1988 é muito clara quando inclui a atividade legislativa em matéria de direito social (inclusive a previsão de flexibilidade negocial) com o intento de promover a melhoria da condição de vida do trabalhador (artigo 7º, caput), não se pode deixar de constatar o vício de inconstitucionalidade material de que padece a lei do contrato temporário de trabalho, haja vista a sua falsa justificação no plano dos fatos. Com efeito, sem outro propósito senão “reduzir direitos trabalhistas e eliminar quaisquer garantias no emprego”, a lei do contrato temporário não possui talento para enfrentar o problema do desemprego.103

Pastore entende que:

Em razão da dinâmica da economia a flexibilidade acaba sendo apontada como verdadeira panacéia para todos os males da empresa e também para certos males sociais como o desemprego. Tanto é assim que se costuma divulgar que, “quando as relações trabalhistas dependem muito da legislação, as adaptações são lentas, as empresas perdem a competição e os trabalhadores ficam sem emprego”.104

102 SILVA, Reinaldo Pereira. O mercado de trabalho humano: a globalização econômica, as políticas neoliberais e a flexibilidade dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr, 1998, p. 79-80. 103 SILVA, Reinaldo Pereira. O mercado de trabalho humano: a globalização econômica, as políticas neoliberais e a flexibilidade dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr, 1998. p. 81. 104 PASTORE, José. Flexibilização dos mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr, 1994, p. 14.

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A defesa da flexibilidade dos direitos sociais é também exigência de um ajuste

empresarial mais eficiente e mais justo com relação aos trabalhadores em geral, pois

pretende favorecer, “eqüitativamente”, também aqueles hoje não protegidos. E não

se trata do emprego de uma pretensa crise para impor a lei do mais forte.105

Alguns estudiosos acham que as normas trabalhistas protegem em excesso

os trabalhadores, dificultando tanto a adaptação das empresas às exigências do

mercado internacionalizado e aos câmbios tecnológicos, quanto a criação de novos

postos de ocupação. Contraditoriamente, sustenta-se que essas mesmas normas

asseguram modestíssima proteção, dado o número cada vez maior de trabalhadores

que se encontram à margem da sua incidência.

Robortella entende que:

[...] “se a moderação da proteção ao emprego e o advento de formas atípicas, como expressão jurídica da flexibilidade, puderem ensejar maior distribuição de postos de trabalho, não se pode descartá-los de plano, ao argumento de que constituem um retrocesso ou uma involução da técnica trabalhista”. 106

Pastore comenta as mudanças que estão acontecendo com o surgimento da

flexibilização, inclusive no campo empresarial:

[...] ninguém detém os movimentos de capitais. ... No campo da mão-de-obra, eles procuram baixo custo, alta qualidade e, sobretudo, a mais ampla flexibilidade para contratar, descontratar e remunerar a força de trabalho. Para evitar sua fuga, os países desenvolvidos estão sendo obrigados a promover inúmeras mudanças para proteger os capitais. Os capitais só ficam no seu país de origem na medida em que os mercados de trabalho garantam as condições de flexibilidade demandadas para a corrida tecnológica e pelo aumento da competição. Do contrário, eles voam mesmo.107

105 MOLINA apud SILVA, Reinaldo Pereira. O mercado de trabalho humano: a globalização econômica, as políticas neoliberais e a flexibilidade dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr, 1998. p. 83 106 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno Direito doTrabalho. São Paulo: LTr. 1994, p. 101. 107 PASTORE, op. cit., p. 402-403.

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Necessário redefinir os requisitos da relação de emprego, que se encontram

nos artigos 2º e 3º da CLT, tais como: trabalho prestado por uma pessoa física; de

forma não-eventual; com pessoalidade; mediante subordinação e, recebimento de

salário.

Quanto ao requisito da não-eventualidade, como nos casos dos contratos

com cláusula de intermitência, a sua amplitude deve ser aumentada. Esta cláusula

prevê o revezamento de períodos de trabalho e de inatividade, sendo o empregado

retribuído em função do tempo e volume de trabalho efetivamente prestado.

Com relação à prestação intuitu personae do empregado, o conceito deve ser

flexibilizado para alcançar os casos job-sharing - partilha de emprego. É a repartição

de um posto de trabalho a tempo completo e de um só salário por dois ou mais

trabalhadores, que dividem tarefas, responsabilidades e benefícios sociais segundo

um cálculo proporcional.

Também ocorrem modificações no requisito salário. Uma mudança é que a

regra geral de pagamento por tempo à disposição passa a ser exceção e a antiga

exceção de forma de pagamento por unidade de obra ou tarefa transforma-se em

regra. Outra alteração significativa atinge o caráter de persistência do salário em

situações em que não há trabalho por motivos independentes da vontade do

empregado. O vínculo empregatício continua existindo.

A hierarquia e a fiscalização que antes eram rígidas, hoje, no quadrante da

produção flexível, são vistas muitas vezes à distância, como é caso do tele trabalho.

Além dessas modificações, o operador do Direito do Trabalho, para averiguar

a existência da relação empregatícia tem de observar o requisito da alteridade, ou

seja, a relação de emprego deve se caracterizar pelo trabalho prestado por conta

alheia. É a força de trabalho de uma pessoa para outra, mediante retribuição.

Katz analisa o processo de flexibilização trabalhista, afirmando que tal

processo tem como objetivo reforçar o exército de desempregados e desvalorizar a

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força de trabalho, pela atomização da classe operária, aumentando o controle do

capital sobre o processo de trabalho. Esta estratégia faz parte das metas das

corporações ou da organização patronal e pouco tem a ver, segundo o autor, com a

inovação tecnológica.108

Já Malhadas conceitua positivamente este fenômeno da flexibilização:

Flexibilização, no Direito do Trabalho, significa a possibilidade de as partes – trabalhador e empresa – estabelecerem, diretamente ou através de suas entidades sindicais, a regulamentação de suas relações sem total subordinação ao Estado, procurando regulá-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando-se recíprocas concessões.109

Entretanto, mais uma vez, ressalta-se que sempre se deve utilizar a

Constituição Federal Brasileira como guia maior, por atribuir a importância devida à

valorização do trabalho humano e por assegurar não só direitos trabalhistas (arts. 7º

a 11º) mas direito ao trabalho (arts. 6º, 170 e 193), além de classificar a valorização

do trabalho humano como um fundamento da República Federativa Brasileira (art.1º,

inciso IV).

2.5 FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO DIRE ITO

ALIENÍGENA

A doutrina sobre flexibilização do trabalho tem dado uma grande ênfase aos

países da Europa. De fato, nos últimos dez anos, eles deram passos decisivos

nesse campo.

108KATZ, Cláudio. Sete teses sobre as novas tecnologias da informação. In: COGGIOLA, O.; KATZ, C. Neoliberalismo ou crise do capital? São Paulo: Xamã, 1995b, p. 113. 109 MALHADAS, Julio Assunpção. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr, 1991, p. 143.

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Na Europa, no "berço do Estado de Bem-Estar Social" haveria mais de 2

milhões de menores trabalhando, logo após a revogação da lei de 1919 que proibia

o trabalho de menores. A flexibilização trabalhista, ao mesmo tempo em que atrairia

os investimentos para a periferia, pressionaria o nível de vida dos trabalhadores

europeus e norte-americanos para baixo.110

A constatação da existência de níveis sociais e salariais baixos, no Terceiro

Mundo, torna inconsistentes as queixas patronais acerca dos "custos salariais" e

"excesso de gastos" da previdência social. O argumento empresarial de que a

desregulamentação trabalhista diminuiria o desemprego também é facilmente

refutado. A Espanha liderou a introdução da legislação flexível e tem 33% da força

de trabalho precarizada. Segundo Katz, a desocupação é estrutural, ocasionada pelo

baixo nível da produção e do consumo em relação à produtividade ou, em outras

palavras, ocasionada pela não absorção das inovações pelo capitalismo.111

Siqueira Neto salienta que:

[...] Na Europa Ocidental a flexibilização viabilizou-se com a consagração da ampla liberdade de contratação coletiva assegurada pelos respectivos ordenamentos jurídicos, devidamente sustentada por legislações de garantia da liberdade sindical e da representação de trabalhadores nos locais de trabalho, por amplo processo de negociação setorial e por empresas e diversificados meios voluntários de composição de conflitos de trabalho.112

Verifica-se, então, que nestes países ainda existe equilíbrio de forças entre o

capital e o trabalho, e a flexibilidade laboral tem sido usada com freqüência para

adaptar o Direito do Trabalho aos novos tempos.

Porém, a partir da análise da flexibilização dos direitos trabalhistas em alguns

países, poder-se-á perceber a conseqüência que tal medida acarreta no sistema das

relações de trabalho; tornam-se nítidos os métodos de exploração da mão-de-obra

110 KATZ, Cláudio. Tecnologia e capitalismo na década de 90. In: COGGIOLA, O.; KATZ, C. Neoliberalismo ou crise do capital? São Paulo: Xamã, 1995a, p.228-229. 111 KATZ, 1995a, op.cit., p. 231. 112 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho. Revista Direito Mackenzie. São Paulo: Mackenzie, n. 1, jan./jun. 2000. p. 53.

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quebrando a supremacia do modelo clássico de emprego, tumultuando, assim, o

mundo do trabalho.

Nos Estados Unidos vige a doutrina do employment at will, desde 1.870

quando os tribunais estaduais adotaram a liberdade ampla do empregador na

fixação das condições do contrato de trabalho.

As limitações provêm da negociação coletiva ou da política adotada por

algumas empresas no trato dos empregados. O tomador de serviços possui

incontestáveis poderes para contratações, dispensas e fixação da duração do

trabalho, de acordo com suas necessidades. O empregado pode ser despedido por

justa causa e corte de pessoal por extrema necessidade, por negociação coletiva.

Quanto à organização empresarial, os acordos coletivos seguem suas

próprias regras no que tange à possibilidade de remoção de trabalhadores por

motivo de criação de novas unidades de produção e negociação dos limites

salariais.113

Aquino explica as alterações nas leis:

As leis do trabalho não são codificadas seguindo a tradição anglo-saxônica. A Lei Wagner de 1.935 estabelece as normas de proteção dos trabalhadores quanto à organização e negociação coletiva, disciplinando as práticas desleais dos empregadores. Tal Lei passou por alterações em 1.947 e 1.959, mas conservou seus princípios de reconhecimento da dissimilaridade do poder de negociação entre os empregados que não granjeiam liberdade de associação ou de contratação, bem como declarando-se que os EUA têm por missão eliminar as causas que obstruem o comércio, estimulando a prática da negociação coletiva, assegurando-se aos trabalhadores a organização em prol de um entendimento satisfatório, de mútua proteção entre os parceiros sociais.114

113 BARROS JUNIOR, Cássio de Mesquita. Flexibilização do Direito do Trabalho. In: Revista LTr. São Paulo, v. 59, n. 8, p. 59-08/1040. 1995. 114 AQUINO, Sonia Aparecida Menegaz Tomaz de. Flexibilização, desemprego e o Direito do Trabalho. 1999. 254 f. (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999, p. 152.

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A negociação coletiva nos Estados Unidos não é centralizada, mas firmada no

local e por empresas, estabelecimentos e até mesmo por departamentos.

Descentralizados assim, os acordos contratuais atingiram alto grau de flexibilização.

Pastore ressalta que:

De modo geral, o declínio da sindicalização americana foi acompanhado por um aumento da produtividade e participação dos trabalhadores. Hoje, os sindicatos estão sendo desafiados a ajudar na preparação dos recursos humanos para um sistema de produção que coloca mais ênfase na administração descentralizada, na produção sob medida e no desenvolvimento da carreira pela via da especialização.115

Aquele país, entretanto, apresenta conseqüências sociais negativas advindas

do seu sistema de relações de trabalho extremamente flexibilizado e em decorrência

da falta de legislação social, falta essa que contribui para a formação de

subproletariado urbano em muitas cidades americanas, onde têm surgido unidades

de produção não mecanizada, que se utilizam de trabalho manual em condições

precárias.

O Direito do Trabalho espanhol, por sua vez, revela uma importante

experiência em termos de flexibilização de direitos trabalhistas. Com seu Estatuto

dos Trabalhadores (Lei n. 8 de 10.03.80) tentou-se combater o desemprego. Embora

o modelo-tipo da relação de emprego fosse por tempo indeterminado (art. 15.1 do

Estatuto dos Trabalhadores), eram permitidas contratações excepcionais para

atender situações transitórias.116

Permitia-se, pois, o contrato parcial, trabalho em domicílio e contratação a

termo para pessoas idosas e jovens, aspirantes ao mercado de trabalho (arts. 12,

13.1, 17.3 do Estatuto dos Trabalhadores) e, ainda, a flexibilidade da jornada capaz

de ser reescalonada em módulos anuais (banco de horas).117

115 PASTORE, op. cit., p. 39-40. 116 CUNHA, op. cit., p. 163. 117 ROBOREDO apud CUNHA, op. cit., p. 163.

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A partir de 1994, o contrato de trabalho por tempo determinado tornou-se

regra imperativa, surgindo o chamado sistema conjuntural de contratação a prazo,118

com as seguintes modalidades contratuais instituídas contrato eventual em razão da

produção; contrato para substituição de trabalhadores com direito à reserva do posto

de trabalho; contrato para lançamento de nova atividade; contrato de formação;

contrato de aprendizagem e outros da mesma natureza para a esfera pública,

conforme nova redação do art. 15 do Estatuto dos Trabalhadores.119

Por meio da Lei nº 14, de 01.06.94, foi alterado o art.43.1 do Estatuto dos

Trabalhadores, legalizando as contratações de trabalhadores por empresas de

trabalho temporário, antes só permitidas para estivadores.120

O afrouxamento da legislação do trabalho não surtiu os efeitos esperados.

Reduziram-se os custos dos encargos sociais, previdenciários e indenizatórios em

benefício dos empresários, mas nenhuma vantagem se obteve no terreno das

relações de trabalho. Os contratos temporários, de curta duração, fomentaram a

substituição continuada da força de trabalho e, além dessa alta rotatividade de mão-

de-obra, o consumo interno decaiu, as empresas deixaram de investir em

aperfeiçoamento profissional e a situação se agravou ainda mais.

Conforme dados divulgados em veículo eletrônico, o índice de desemprego

na Espanha alcançou mais de dois milhões de trabalhadores, equivalente a quase

13% (treze por cento) da população economicamente ativa. É o maior índice de

desocupação da União Européia (7,8%).121

Pelo Decreto-lei nº 8 e nº 9 de 16.05.97, a Espanha abandonou a flexibilidade

maximizada. Restringiram-se os contratos a termo para períodos não inferiores a

seis meses e não superiores a dois anos. O estímulo de conversão dos contratos a

termo para prazo indeterminado alcançou até os contratos de aprendizagem, de

estagiários. Para os contratos em vigor, a migração para o novo sistema – prazo

118 VIEIRA, op. cit., p. 69-70. 119 CUNHA, op. cit., p. 164. 120MARTINS, op. cit., p. 30. 121 Conforme dados divulgados pelo Jornal do Brasil de 12.11.01, versão eletrônica, www.jonline.com.br, sob o título “Espanha tem mais de 2 milhões de desempregados”.

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indeterminado – a lei ofereceu redução de 40% (quarenta por cento) e até 50%

(cinqüenta por cento) das contribuições previdenciárias.122

Os experimentos de flexibilidade de direitos trabalhistas na Argentina iniciou-

se pela Lei nº 24.013/91 – Ley Nacional de Empleo, que objetivava a redução do

emprego informal, prevenção das dispensas coletivas e favorecimento do ingresso

de trabalhadores no mercado de trabalho.

Vieira ressalta que:

[...] as previsões legais para o novo modelo de contrato de trabalho introduzido na Argentina através da Lei nº 24.013/91 buscavam, sob o argumento de fomentar o emprego, tal qual acontece hoje no Brasil com a Lei 9.601/98 possibilita essa forma de contratação apenas para ampliação dos quadros de empregados nas empresas”.123

As Leis nº 24.465/95 e 24.467/95, editadas posteriormente, favorecem a

desregulamentação por ampliar as hipóteses de contratação por tempo determinado.

Acabou-se por fustigar a precariedade das relações de trabalho. As mulheres,

por exemplo, foram equiparadas aos trabalhadores incapacitados e, em prol do

ingresso e reinserção destes no mercado de trabalho, foi-lhes permitida a

contratação por tempo determinado, sem qualquer direito à indenização.

Em 1995 foi editada a Ley Pymes (Lei 24.467/95) que possibilita a

contratação a termo, sem necessidade de prévia negociação coletiva, em condições

favoráveis para as pequenas empresas.

Todas estas experiências vivenciadas pela Argentina tiveram como resultado

a precariedade, as condições socioeconômicas deploráveis, o aumento de

122Ibid., p.112.

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rotatividade de mão-de-obra e o desemprego, favorecendo a miséria e a exclusão

social.

Nos países que optaram pela flexibilização da legislação trabalhista, constata-

se a diminuição da massa salarial na renda nacional e conseqüente aumento de

renda e de riqueza em favor dos detentores do capital.

Adverte-se, porém, que a flexibilização dos direitos trabalhistas, embora seja

para alguns países uma destruição das conquistas sociais, para países

desenvolvidos, como é o caso de alguns países europeus, é uma solução para

modelar as relações de trabalho, idéia formada pelo fato de esses países europeus

terem a participação de atores sociais com maturidade cultural, política, econômica e

social, diferentemente dos países em desenvolvimento.

CAPÍTULO 3 – DO DISCURSO NEOLIBERAL E O PAPEL DA EM PRESA

3.1 DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS DENTRO DA EMPRESA.

Pode-se dizer que a empresa é, atualmente, o elemento central da economia

moderna. Atua como entidade econômica, por ser centro de produção ou de

circulação de bens, desenvolvendo uma verdadeira parceria entre capital e trabalho.

A empresa possui tal complexo de direitos e de obrigações que mereceu um

tratamento próprio no Código Civil. A empresa ganhou, então, novo conceito e nova

contextualização, surgindo um novo modo de produção.

Em artigo publicado em 1.943, intitulado “Perfis da empresa” e traduzido por

Fábio Konder Comparato, o jurista italiano Alberto Asquini considerou que a

empresa deveria ser, pela sua importância na realidade socioeconômica, examinada

não de modo linear, mas como fenômeno econômico que, no plano jurídico, teria

123 VIEIRA, op. cit., p. 77.

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diversos perfis, como o perfil subjetivo (a empresa como empresário), o perfil

funcional (a empresa como atividade empresarial), o perfil objetivo (a empresa como

estabelecimento) e o perfil corporativo (a empresa como instituição).124

Segundo Coelho:

A atividade econômica organizada na empresa possui atualmente quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. Pode-se dizer que a atividade empresarial é considerada como profissão voltada à atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, sendo uma instituição fundamental da ordem socioeconômica.125

Em vista disso, o trabalho, o desemprego e a forma de o homem produzir sua

vida também mudaram. Enquanto a empresa se fortalece e se transforma, o Estado

perde uma parte do seu poder em decorrência da falta de meios financeiros para

atender as necessidades da sociedade e/ou pela criação de grupos regionais de

comércio, como o Mercosul, o Nafta e a União Européia. Alguns doutrinadores

entendem que essa crise do Estado se dê em virtude da descentralização

administrativa e maior autonomia dada às regiões ou às federações que as

compõem.

No decorrer do século XX, empregados e executivos passaram a participar

mais ativamente da empresa, estabelecendo-se um certo equilíbrio de poderes entre

os acionistas controladores, minoritários, administradores e empregados.

A gestão empresarial assume novas características e, por meio de novas

técnicas de produção e robotização, mudam-se os níveis educacional, social e

econômico dos trabalhadores das empresas mais modernizadas e,

conseqüentemente, suas relações com os detentores do capital.

124 ASQUINI, Alberto.“Perfis da empresa”, trad. Fábio Konder Comparato. In Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, ano XXXV, nº 104, outubro- dezembro/1.966, p.109-126. 125 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.002. p.

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As formas participativas ou co-gestionárias reduzem os poderes patronais

mediante repartição ou maior controle da gestão pelos trabalhadores. Democratizou-

se e flexibilizou-se a empresa, em virtude da pulverização do capital e do surgimento

de novas tecnologias.

A empresa não mais se identifica exclusivamente com o seu proprietário ou

controlador, mas também com seus diretores, executivos, técnicos e trabalhadores.

De tal fato decorre que o capital e o trabalho deixam de ser os únicos fatores de

produção, incluindo-se entre eles, o saber e a tecnologia que assegura a

produtividade da empresa. Nos tempos modernos, os fatores mais importantes de

crescimento econômico são a organização, o conhecimento e a tecnologia. Entende-

se que está ocorrendo uma reestruturação da empresa.

Segundo Robortella: “Cabe ao Direito do Trabalho não só proteger o

empregado, vinculado ao contrato clássico, mas também outras formas de trabalho

conhecidas como atípicas”.126

É criação do Direito alemão pós-guerra e foi adotada, parcialmente, também

pelo Direito Francês.127

E, por ser um elemento do poder social, proclamada nos mais modernos

documentos políticos, deriva da influência da organização da sociedade, com a

formação dos grupos que se manifestam e atuam em defesa de liberdades, como os

grupos que defendem a ecologia. Robortella afirma que essas formas de

organização da sociedade criaram o desejo de participação nas relações entre o

capital e o trabalho, no âmbito da empresa.128

Deve-se entender que esta participação dos trabalhadores parte de sua

condição de fornecedores de trabalho, não se confundindo com o acionariado. Os

empregados não adquirem ações da sociedade. Não se trata de ações de capital,

126 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Relações de trabalho na integração regional. In: Relações de Trabalho na Integração Regional. São Paulo: Observador Legal, 2002, p. 126. 127 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 232. 128 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 1994, p.271.

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mas sim, da circunstância do trabalhador colocar sua força de trabalho no interesse

dos objetivos da empresa.

Grau lembra que:

No Brasil, a Constituição Federal em vigor consagra o regime de mercado organizado, ao ter optado pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de qualquer interferência, quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação do monopólio de lucros – mas sua posição corresponde à do neoliberalismo ou social-liberalismo, com a defesa da livre iniciativa.129

A Lei Maior assegura aos trabalhadores, a participação na gestão da empresa

no seu art. 7º, inciso XI. Assim, o trabalho é visto de modo valorizado, como

irradiação da própria dignidade humana.

Tem-se percebido que as empresas vêm utilizando de estratégias em vista da

maximização de resultados, investindo em capital humano, tendente à introdução de

novas formas de gestão. Pode-se dizer que a revolução tecnológica transformou o

setor produtivo, colocando o conhecimento do homem trabalhador no centro dos

interesses empresariais.

Os empresários estão redescobrindo o interesse pela pessoa do empregado

como elemento-chave da rentabilidade e competitividade da empresa, convencidos

de que sem sua cooperação e compromisso é impossível aumentar a produtividade

e melhorar a qualidade.130

A classe trabalhadora – mais qualificada – passa a se envolver na tomada de

decisões relativas à produção e, com isso, compromete-se com os interesses da

empresa e com os resultados objetivados. A polivalência e plurifuncionalidade dos

129 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 216.

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trabalhadores passam a ser condições essenciais para introduzir e fomentar as

inovações tendentes a assegurar a produtividade e a rentabilidade da empresa.

Para se adequar as exigências neoliberais, as leis de mercado impuseram

outras formas de gerir e de organizar o trabalho, tal como a terceirização, sem a

preocupação maior voltada à valorização do trabalho e à dignidade da pessoa.

Gomes entende que:

Há necessidade de se democratizar a regularização das relações individuais de trabalho, no âmbito das empresas, com a valorização do trabalhador engajado nessas novas formas de organização produtiva que dependem dos êxitos (e conseqüências) da crescente expansão da informática e da telecomunicação. A efetiva participação de trabalhadores na gestão da empresa, como vêm exigindo as reestruturações produtivas, implica a democratização empresarial, por propiciar o resgate da cidadania. Daí entende-se que a dignidade do trabalhador está acima da ideologia neoliberal, da globalização decorrente e do interesse em aumentar a eficiência produtiva com a redução de custos. O trabalhador exercita sua liberdade e inteligência em sintonia com o dinamismo que se exige da sociedade pós-industrial, para alcançar não só a finalidade de crescimento econômico e financeiro da empresa, da qual faz parte, mas para manter a própria sobrevivência desta.131

Por fim, é dever do Estado, em parceria com a sociedade civil, implementar

sólidos programas de formação profissional, treinamento e requalificação da força de

trabalho para atender as novas exigências do mercado global. Trata-se, pois, de

investimentos a criarem necessárias qualificações para o trabalho.

De fato, o artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal atual, ao prescrever

que a propriedade atenderá sua função social, que a empresa, como expressão

econômica da livre iniciativa e da livre concorrência, tem também sua função social

(art. 170, III, da CF/88).

Para Barroso, a função social da empresa na articulação participativa da mão-

de-obra na gestão empresarial tornou-se princípio contido na Constituição Federal

130 SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinariedade: o currículo integrado. Tradução Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 18. 131 GOMES, op. cit., p. 142.

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de 1.988, em seus artigos 7º, inciso XI, na condição de direito social e, portanto,

direito fundamental.132

3.2 DAS FINALIDADES SOCIAIS DA EMPRESA

O tema “papel social das empresas” vem sendo amplamente discutido e

divulgado pela mídia no Brasil nos últimos anos. Entre os diversos fatores que

podem explicar a repentina valorização desse assunto no ambiente está o fato de

que, ao assumirem uma responsabilidade mais ampla sobre o conjunto da

sociedade, as empresas suprem necessidades comunitárias que até então não

estavam satisfatoriamente atendidas. Nesse sentido, pode-se afirmar que as ações

de responsabilidade das empresas representam uma das formas da iniciativa

privada atuar com finalidade pública.

Sabe-se que as empresas são agentes de transformações e suas atividades

provocam mudanças no meio em que atuam. É fundamental, portanto, para o

desenvolvimento da sociedade como um todo, que as empresas tenham consciência

do seu papel. Em vista disso, apesar de todas as dificuldades que enfrenta no seu

dia-a-dia, o empresariado nacional tem percebido sua função de protagonista no

contexto das mudanças sociais. Como o Estado não tem condições de oferecer

respostas tão ágeis e rápidas aos problemas da população como as empresas que,

em tempos de competitividade, estão aptas a atuarem com mais eficiência. Desse

modo, o setor privado vê a importância de sua participação no ambiente social,

promovendo uma verdadeira revolução cívica. É inegável, portanto, que a

organização empresarial, independentemente de qualquer ramo ou tamanho, pode

contribuir para melhoria da qualidade de vida, da promoção dos direitos humanos,

da divulgação do conhecimento e da cultura, e para a preservação do meio

ambiente. Enfim, a empresa deve lutar por um mundo melhor. Esse é papel da

empresa. Isso é cidadania empresarial.

132 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição . 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.004 apud ALMEIDA, Renato Rua de. A teoria da empresa e a regulação da relação de emprego no contexto da empresa. In Revista do Advogado , ano XXV, junho/2005, nº 82, p.104 -113.

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Cabe esclarecer que, nesse contexto, a palavra função se traduz em poder-

dever ou dever-poder. Importa salientar que, segundo Grau, “[...] não é a coisa

objeto da propriedade que tem a função, mas sim o titular da propriedade. Em outros

termos, quem cumpre ou deve cumprir a função social é o proprietário da coisa”.133

Grau entende a função social como mero poder de polícia, por meio da

imposição de limites negativos ao proprietário e configura-se como mera projeção

ideológica do Estado Liberal. Ela deve ser interpretada numa concepção positiva,

geradora de comportamentos positivos do proprietário.134

No mais, quanto à inclusão do princípio da garantia da propriedade privada entre os princípios da ordem econômica, tem o condão de não apenas afetá-los pela função social – canúbio entre os incisos II e III do art. 170 – mas além disso, de subordinar o exercício dessa propriedade aos ditames da justiça social e de transformar esse mesmo exercício em instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna.135

A empresa precisa, em primeiro lugar, inserir o sujeito no mercado,

assumindo, dessa forma, sua finalidade pública de inserção do direito ao trabalho.

Urge centralizar interesses no restabelecimento da primazia do trabalho como

expressão da dignidade da pessoa humana, jungida ao fortalecimento da concepção

institucional e comunitária de empresa, ou seja, a volta da tendência de

investimentos em recursos humanos que remete à valorização do trabalho, porque,

diante das regras de competitividade sem fronteiras, as empresas são obrigadas a

revisar e modificar os processos de produção e comercialização.

Gomes explica:

[...] O que se busca no âmbito empresarial é desenvolver o regime de participação em que a valorização do trabalho se impõe, por força de maior produtividade e competitividade no mercado global, a dispersar

133 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 219. 134 Ibid., p. 220-221. 135 I GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 223.

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a esfera de produção, em face da velocidade das mudanças científicas, tecnológicas e dos meios de informação.136

O incremento da concorrência comercial, decorrente dessa globalização, vem

exigindo maior produtividade, melhor qualidade de produtos e serviços, além da

redução dos custos.137

Sabe-se que o Estado é incapaz de oferecer soluções definitivas aos

problemas de desemprego, dentre outros que assola o país. Para suprir esta

deficiência, o Estado transfere sua função às empresas privadas pois devido ao seu

caráter institucional coloca-se, segundo Gomes, “como uma comunidade que

congrega empreendedores e empregados não só voltados aos interesses de cada

um, mas, e principalmente, à satisfação de interesses direcionados à promoção

social de toda a comunidade que dela depende direta e indiretamente”.138

A Constituição Federal Brasileira de 1.988 adota o sistema econômico

fundado na iniciativa privada e não só reconhece o direito de propriedade como

inscreve a propriedade privada e sua função social da propriedade como princípios

da ordem econômica, conforme art 170, II e III. Silva esclarece que os princípios da

ordem econômica são pré-ordenados, à vista da realização de um fim: assegurar a

todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. Provém daí a

assertiva de toda e qualquer propriedade privada, aí incluída aquela dos meios de

produção, só se legitimar se cumprir uma função dirigida à justiça social.139

No mundo globalizado, não se pode mais reservar unicamente ao Estado a

responsabilidade pela solução dos problemas sociais. É preciso que haja a

participação dos cidadãos para que a sociedade civil se sinta fortalecida.

É nesse contexto que se revela a importância do papel da empresa ao se

assumir como uma comunidade capaz de realizar plenamente sua destinação

econômica e social.

136 GOMES, op. cit., p.124. 137 SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito doTrabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 51-52. 138 GOMES, op. cit., p. 124.

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Mesquita disserta que:

Deve, pois, acima dos interesses particulares dos que nela estão integrados, predominar os interesses sociais, assim como o bem comum da empresa deve subordinar-se ao bem comum de toda a coletividade civil [...] A necessidade de se combinar o desenvolvimento econômico dos povos e Nações com a implementação, cada vez mais plena, dos direitos sociais, tem como ponto central a empresa como verdadeira instituição social que assim se transforma em um grupo constitucional e democrático, condição necessária para se poder alcançar uma economia verdadeiramente humana e justa.140

Não se pode deixar de considerar atualíssimas as lições do mestre italiano

Alberto Asquini, ao enfatizar que:

Na empresa como organização de pessoas, compreendendo o empresário e os seus colaboradores, concentram-se todos os elementos característicos da instituição; o fim comum, isto é, a conquista de um resultado positivo, socialmente útil, que supera os fins individuais do empresário (intermediação, lucro) e dos empregados (salário); o poder ordenatório do empresário em relação aos trabalhadores subordinados; a relação de cooperação entre esses; a conseqüente formação de um ordenamento interno da empresa, que confere às relações de trabalho, além do aspecto contratual e patrimonial, um particular aspecto institucional [...].141

O fordismo manteve-se durante décadas. A produção em massa e em série

apoiava-se nas linhas de montagem, com o intuito de diminuir os períodos ociosos

da força de trabalho, nas diversas operações de transformação das matérias-primas.

Segundo Maria Margareth Garcia Vieira, nesse modelo “Há estrita separação entre o

trabalho braçal e intelectual; que serviu de paradigma para as grandes empresas do

século passado”.142

139 SILVA, José Afonso da. Propriedade dos meios de produção e propriedade socializada. In: Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 786. 140 MESQUITA, Luiz José. Direito Disciplinar do Trabalho. São Paulo: LTr, 1991, p. 25. 141 ASQUINI, op.cit, p. 123-124. 142 VIEIRA, op. cit., p. 52.

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Gomes explica que uma das grandes causas da frgamentação e

diversificação dos mercados está no processo de globalização, que impôs a

desconcentração e a descentralização da produção.143

A Constituição Federal de 1.988 adota o sistema econômico, fundado na

iniciativa privada, ao reconhecer o direito de propriedade como um dos princípios da

ordem econômica. Por outro lado, estabelece que toda propriedade – inclusive a

empresa – não pode se afastar de sua função social, ou seja, assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social. Tanto é assim que Silva

observa - “A Constituição teve o objetivo maior de criar, no mínimo, um capitalismo

social, por meio da estruturação de uma ordem social intensamente preocupada com

a justiça social e a dignidade da pessoa humana”. 144

O trabalhador não pode estar a serviço de interesses econômicos de

empresas e pessoas físicas que só se preocupam com o aumento de lucros e a

redução de gastos. Porém há casos previstos na Lei Maior, art. &º, inciso I, em que

as leis de mercado são notadas por meio de decisões unilaterais como as

despedidas abusivas. Nesta situação, além deste ato privar o indivíduo de um

trabalho impede a empresa de cumprir sua função social. Outra situação ocorre

quando despede empregado que se encontra sob a proteção do instituto da

estabilidade provisória, como as gestantes, os dirigentes sindicais, dentre outros.

A livre iniciativa deve ser exercida por meio de conduta que atinja um fim,

sempre tomando por base a justiça social. Assim, a empresa deve se organizar para

formar uma comunidade de trabalhadores, de modo a relacionar a dignidade da

pessoa humana à liberdade de iniciativa, bem como à valorização do trabalho

humano.

Gomes conclui:

143 GOMES, op. cit., p. 131.

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A atividade empresarial, nessa conjuntura, necessita muito mais da colaboração econômico-social entre as partes envolvidas, patrão e empregados, que manter a clássica relação de trabalho, voltada à mera prestação de serviços, em vista de uma contraprestação salarial que não leva em conta a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, sem os quais nunca será possível construir uma sociedade livre, justa e solidária.145

3.3 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESA S

O tema “papel social da empresa” tem sido utilizado, reiterada e recentemente

no Brasil, tanto nos meios de comunicação quanto nos meios acadêmicos, ainda

que haja pouca convergência de opiniões sobre o conceito e sobre as formas

adequadas de avaliá-lo. Nesse enfoque, as obrigações vão mais longe e interagem

com vários outros conceitos, incluindo tributação, concorrência, emprego, meio

ambiente, etc. Em decorrência disso, algumas instituições procuram definir o

conceito social das empresas. De acordo com a FIESP/CIESP (Federação e Centro

das Indústrias do Estado de São Paulo), que, por seu Núcleo de Ação Social, forma

conceitos éticos que devem fazer parte do dia-a-dia das empresas associadas,

fornecedores e prestadores de serviços, “ter responsabilidade social é incorporar

valores éticos ao processo de decisões de negócios, cumprir a legislação e respeitar

as pessoas, as comunidades e o meio ambiente”.146

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma associação

de empresas que pretende discutir meios de propagar a cidadania empresarial no

país e conta atualmente com mais de 240 associados. O Instituto afirma que a

empresa é socialmente responsável quando “vai além da obrigação de respeitar as

leis, pagar impostos e observar as condições adequadas de segurança e saúde dos

trabalhadores, e faz isso por acreditar que assim será uma empresa melhor e estará

contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa”. Contudo, o Instituto

não oferece uma extensiva definição do que seja a função social da empresa em

144 SILVA, José Afonso da. Dos meios de produção e propriedade socializada. In: Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 786. 145 GOMES, op. cit., p. 135.

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termos conceituais e não fundamenta teoricamente a origem dos indicadores que

propõe.147

Atualmente, muitos consumidores preferem marcas e produtos envolvidos

com algum tipo de ação social, desde que esses tenham preço e qualidade

competitivos. Esta é uma forte constatação de que o consumidor começa a

desenvolver uma consciência social e cobrar mais das empresas, fazendo com que

criem uma nova postura, que é a de tornar-se uma empresa-cidadã.

Como foi visto, o conceito da função social da empresa é muito amplo

envolvendo dimensões econômicas, legais e éticas.

A dimensão econômica visa garantir a lucratividade, a sustentabilidade, o

impacto na geração de empregos e o aumento do nível de renda da comunidade. A

responsabilidade propicia condições ideais de trabalho para os seus colaboradores,

além de remuneração justa, capacitação profissional, realização pessoal e estímulo

ao diálogo e a participação no processo de tomada de decisões. A ética passa a se

constituir num atributo fundamental, tomando o interesse coletivo como a referência

maior na condução dos negócios.

Na dimensão legal, espera-se que a empresa cumpra com seus deveres de

tributação, encargos e regulamentações legais que regem o seu negócio. Um dos

instrumentos de política econômica, que tradicionalmente vem sendo acionado com

maior intensidade pelo governo federal, é a concessão de incentivo fiscal.Por meio

da desoneração tributária, o Estado procura atingir objetivos de desenvolvimento

econômico e social. É por meio da dedução do Imposto de renda, da diferenciação

das alíquotas do Imposto de Importação ou de isenções dos Impostos sobre

Produtos Industrializados, que a União tem permitido a redução das incertezas e dos

riscos privados, assim como dos custos e da implantação de determinados projetos

que visam a atingir, de maneira, mais eficaz, os objetivos de desenvolvimento do

País, geralmente colocados em planos ou programas governamentais.

146 Disponível em: <http://www.fiesp.org.br/foco/social/social.htm>. Acesso em 13 jun. 2004. 147 Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em 13 jun. 2004.

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Esses incentivos fiscais podem ser percebidos pelas empresas como uma

forma indireta de uso de recursos próprios, principalmente quando têm origem em

impostos gerados por suas próprias organizações produtivas. Na realidade, esses

recursos precisam ser tratados como uma despesa implícita realizada pelo Estado.

Assim estes incentivos não devem ser vistos como uma doação ou transferência do

setor público para o privado, mas como instrumentos que visam a induzir os

empresários a direcionarem seus esforços para objetivos de relevante interesse

público ou como meio que dispões o Estado para aumentar as despesas de

investimentos em determinadas atividades, atribuindo à iniciativa privada a liderança

dos projetos em resposta aos incentivos concedidos.

O Estado tem o direito de se valer desta estratégia como forma de buscar

benefício para o desenvolvimento social da comunicada que administra. Entetanto,

para tanto, deve buscar também uma alternativa que vise a restaurar o equilíbrio

fiscal perdido, por meio de otimização da arrecadação, de forma que esta ocorra

pelo menos nos mesmos níveis da receita renunciada, no mesmo exercício e nos

dois seguintes, sob pena de o incentivo fiscal ser considerado ilegal.

Em se tratando de isenções de caráter geral, o seu cerne teleológico reside

na redução do preço final ao consumidor. Logo, se uma empresa é beneficiada com

um incentivo fiscal, pressupõe-se que o consumidor de seus produtos pagará menos

por estes, porque estarão desonerados, parcial ou totalmente, da carga tributária.

Ganha o consumidor, porque economiza; ganha a empresa, porque contabiliza

maiores lucros; ganham seus acionistas/cotistas, porque auferem maiores

dividendos; ganham os empregados, porque se fortalece o nível de oferta de

empregos diretos e indiretos; ganha a comunidade, porque produz a natural redução

das tensões sociais, como decorrência do incremento das atividades econômicas;

ganha o Estado, porque, se de um lado “perde arrecadação”(em decorrência dom

incentivo fiscal), de outro lado percebe receita tributária maior em decorrência do

incremento de vendas em escala mais elevada.

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A renúncia fiscal tem o condão de incentivar o empresário a aplicar o seu

capital em atividade lucrativa de cunho empresarial. Logo, gera mais empregos

diretos e indiretos, ativa a economia, promove a comunidade e gera tributos para o

Estado.

Claro que sempre existirá o risco de manipulação perpetrada por empresários

individualistas. Por isso, defende-se a tese de que as empresas – todas as médias e

grandes empresas, inclusive aquelas que não foram beneficiadas com incentivos

fiscais – deveriam ser sensibilizadas a publicar anualmente o seu balanço social, por

se constituir num importante instrumento de gestão, que tem o poder de dar

transparência à performance financeira e econômica da empresa, em relação ao

cumprimento de sua função social. Não cremos que essa publicação deva ser

obrigatória, pois quando há uma imposição legal aumentam-se os riscos de se

apresentarem peças maquiadas, que nenhum valor têm. O mais adequado, embora

se reconheça ser mais difícil, é sensibilizar o empresariado para essa nova realidade

empresarial, pois não mais se admitem empresas de perfil tradicional, que pugnam

pelo lucro, pura e simplesmente.

Por meio da publicação de seu balanço social, uma empresa que revela estar

efetivamente comprometida com a preservação do meio ambiente, por exemplo, tem

mais condição de conquistar novos investidores e novos clientes sensíveis a essa

causa.

Mister se faz ressaltar que a empresa não deve cumprir tão somente a sua

função social, mas tem, uma responsabilidade social corporativa que não se limita

tão somente à instalação de creches para os filhos de seus funcionários ou oferecer

empregos para um contingente de profissionais portadores de deficiência física, por

exemplo. Na verdade, a responsabilidade social é uma atitude concreta que

ultrapassa a fronteira dos muros físicos da empresa, como forma de retribuição pelo

fato de ser brindada com a preferência de seus clientes, fornecedores, investidores e

comunidade.

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Sabe-se que não é tarefa fácil compatibilizar interesses dos acionistas,

concorrência de mercado e responsabilidade social, porque muitas vezes ocorre um

notável conflito entre eles. O acionista cobra dos administradores das empresas a

maximização de seus dividendos; o consumidor exige a minimização dos preços dos

produtos e dos serviços; a sociedade clama por investimentos da empresa para ao

menos arrefecer os problemas sociais! A fórmula que muitas empresas têm adotado

para digerir, pelo menos parcialmente, esse imbróglio é a de não – assumir uma

postura de responsabilidade social, empregando crianças de tenra idade (e algumas

vezes em trabalho insalubre ou perigoso), poluindo o meio ambiente, criando

embaraços para a atuação de sindicatos, robotizando suas atividades sem se

preocupar com a reinserção de seus ex-funcionários no mercado de trabalho.

Diante desse quadro, é de se concluir que a concessão de incentivos fiscais é

apenas uma das inúmeras estratégias de que dispõe o Estado para dinamizar as

ações de responsabilidade social das empresas, uma vez que toda renúncia fiscal

contribui para com a redução do custo e, conseqüentemente, do preço de venda

final do produto ou serviço, fato esse que beneficia a comunidade como um todo,

direta e indiretamente. Mesmo que o incentivo fiscal não influencie a formação do

custo do produto, a comunidade como um todo também é beneficiada pela

concessão dos incentivos fiscais, porque, na pior das hipóteses, esse benefício

tributário irá resultar na ampliação da oferta do trabalho, na ativação da economia,

na geração de novos tributos, tudo isso concentrado no respeito à dignidade da

pessoa humana.

E, finalmente, na dimensão ética, busca-se fazer o que é certo, correto e

justo. Além dos projetos sociais, esta dimensão engloba programas de valorização

de talentos e qualidade de vida no trabalho, entre outros. A responsabilidade social

implica a preservação do meio ambiente, privilegiando a gestão de recursos com a

oferta de produtos não-agressivos à natureza, com a fabricação e a prestação de

serviços que respeitem efetivamente os interesses e as demandas dos

consumidores.

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Atender a estas dimensões de maneira efetiva significa inserir a lógica da

responsabilidade social à gestão de negócios como um todo, integrando-a ao

planejamento estratégico da organização.

A responsabilidade deve estar associada a uma filosofia de negócios que

contempla aspectos que extrapolam a mera relação comercial e financeira das

empresas.

Assim, as empresas têm tomado consciência da interação entre seus

negócios e a sua imagem, na sociedade contemporânea, construída a partir de sua

ação socialmente responsável. O cerne não é apenas a divulgação do trabalho feito

em prol da comunidade, que deve ser realizado com competência, de modo a

estimular novas iniciativas e a posicionar a empresa ou entidade como socialmente

responsável, mas coloca-lá de forma transparente para a avaliação dos públicos de

interesse e da sociedade.

Em vista disso, as empresas precisam definir exatamente quais são seus

públicos de interesse e conhecer mais precisamente o perfil dos mesmos, de modo a

atender adequadamente às demandas e expectativas. Precisam, ainda, avaliar o

impacto que seus produtos e serviços e o seu próprio patrimônio físico (fábricas,

lojas, etc) provocam junto a esses públicos. Devem ter em mente uma perspectiva

de longo prazo, discutindo internamente os seus valores, princípios e a razão de sua

própria existência, ou seja, saber o papel que pretendem desempenhar no mercado

e na sociedade.

Constata-se, pelos estudos realizados, que as empresas no Brasil começam a

despertar para o seu papel social, buscando uma nova estratégia para potencializar

seu desenvolvimento, fortalecer sua imagem no mercado e aumentar seus lucros.

Para a sociedade, o grande ganho é a transparência da atuação de cada

empresa. Exemplo de empresa que se preocupa com e, a sociedade e ao mesmo

tempo, fortalece seus lucros é a Colgate-Palmolive.148

148 Disponível em:<http: www.colgate.com.br/app/Colgate/br> Acesso em 22 de fevereiro de 2006.

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Possui um programa global - Sorriso Saudável, Futuro Brilhante, com o propósito de proporcionar educação e melhoria na qualidade de vida das crianças, ressaltando aspectos preventivos e práticos da higiene bucal. No Brasil, desde 1995, quase 38 milhões de crianças foram beneficiadas com este programa que atua em 27 estados brasileiros, abrangendo de maneira eficaz escolas e comunidades de cada região do País. O Programa é dividido em diversos subprojetos, o que otimiza a cobertura do Sorriso Saudável, Futuro Brilhante e atende crianças do país inteiro, até mesmo em comunidades indígenas. O Sorriso Saudável, Futuro Brilhante distribui informações sobre prevenção e manutenção da saúde bucal, além de prover diagnósticos e tratamentos. O projeto visa a sensibilizar a criança quanto aos cuidados com a saúde bucal, ensinando o uso adequado da escova de dentes, creme dental e fio dental e a importância da higienização bucal para a saúde. O ideal é que as crianças se tornem agentes mirins e repassem o aprendizado para toda a família e amigos. O projeto foi reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e Associação Brasileira de Odontologia. Com o reconhecimento da comunidade é vencedor do Prêmio Eco 99 – Câmara Americana do Comércio e Top Social 2000 – Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil. As parcerias entre a Colgate-Palmolive, associações odontológicas, secretarias educacionais e de saúde, prefeituras e entidades primam pela qualidade de vida, conquistando resultados importantes na propagação de informações sobre a higiene bucal. Este esforço coletivo junto às atividades em congresso garantiram a entrega de 3 milhões e novecentos kits de produtos em eventos comunitários.

Pode-se dizer que essa empresa é socialmente responsável, pois, além da

obrigação de respeitar as leis, pagar impostos e observar as condições adequadas

de segurança e saúde dos trabalhadores, proporciona educação e melhoria na

qualidade de vida de pessoas, ressaltando aspectos preventivos e práticos da

higiene bucal.

Por meio de estudo realizado pelo IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada, intitulado Pesquisa Ação Social das Empresas -, analisou-se a atuação

social das empresas privadas nas regiões Sudeste e Nordeste em 2.004. O estudo

considerou desde pequenas doações eventuais a pessoas ou instituições até

grandes projetos mais estruturados.pelas empresas. O resultado:

A pesquisa identificou que, de 1999 até o final de 2003, observou-se um crescimento generalizado do percentual de empresas que atuam na área social (por região, estado, porte e setor de atividade econômica) e também revelou uma surpresa. No Sudeste, a atuação

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social empresarial praticamente estagnou, crescendo apenas 6%; já nos estados do Nordeste, há um expressivo crescimento do ativismo social das empresas entre os anos de 1999 e 2003, cuja atuação foi ampliada em 35%, passando de 55% em 1999 para 74% em 2003. No Sudeste, esse incremento foi apenas de 67% para 71% no mesmo período. Verificou-se que as ações sociais foram em sua maioria voltadas ao combate à fome. Os resultados apontam que 100 mil empresas das duas regiões deram sua contribuição e a maior parte delas (70%) doou alimentos. Pelos números, percebe-se na atuação dos empresários nordestinos um maior envolvimento com a causa já que as iniciativas de combate à fome aconteceram de maneira mais homogênea e envolveram 31% das empresas. No Sudeste, 28% colaboraram de alguma forma, mas o comportamento variou conforme o setor de atividade, porte e Estado. 149

Constata-se, por esta pesquisa, que necessário se faz que as empresas, o

governo e a sociedade tenham consciência de que não há solução definitiva para os

problemas se não houver a cooperação de todos.

Não se pode deixar passar despercebido o fato de que muitas empresas

realizam ações sociais junto à comunidade, mas não consideram suas relações

internas de trabalho no mesmo nível, estabelecendo uma situação de trabalho semi-

escravo, exemplo este de processos que influenciam e alimentam a pobreza,

exclusão social e a fome no Brasil.

3.4 DA CONSTITUIÇÃO SOCIOECONÔMICA E SEUS PARADIGMA S

EMPRESARIAIS

Várias mudanças caracterizam uma revolução empresarial. As novas formas

de prestação de serviços, a presença feminina na fábrica, os novos hábitos e locais

de trabalho contribuíram para que o Estado fosse reconstruindo a sua atual forma de

participação na relação de trabalho. A empresa não mais se identifica

exclusivamente com o seu proprietário ou controlador, mas representa também a

sua diretoria, seus executivos, seus técnicos e seus trabalhadores. O capital e o

trabalho não são mais os únicos fatores de produção. Inclui-se nesses a tecnologia,

que garante a produtividade. Hoje, os fatores mais importantes do crescimento

econômico são a organização, o conhecimento e a aquisição da tecnologia. Houve

149Disponível em: <http://jc.uol.com.br/2004/12/30/not_80396.php. Crescimento não é desenvolvimento//acaodacidadania.infolink.com.br/templates/acao/novo/publicacao/publicacao.asp?c

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também a reestruturação da empresa e, por isso, deve ser reestruturado o direito

que incide sobre a empresa.

Em virtude da globalização, a função do empresário também mudou. Ele

precisa ser o líder de sua equipe, conhecedor da realidade do seu tempo,

organizador da produção e da comercialização, sabendo exatamente quais são os

interesses da empresa, dos seus empregados e das necessidades tanto do mercado

externo como interno.

O planejamento empresarial deve admitir a ocorrência de futuros desafios,

prevendo a necessidade de reciclagem contínua. Hoje, cabe adequar este

planejamento ao mundo externo que é marcado por uma nova fase surgida com o

desaparecimento das distâncias e com a presença marcante das multinacionais.

As próprias qualidades básicas do empresário sofreram modificações. Não

lhe basta ser racional e audacioso. Agora o empresário precisa ter intuição e

ponderação. Exige-se que seja administrador eficiente e hábil negociador,

dominando as técnicas da informação e da comunicação.

A evolução da empresa constitui um elemento básico para a compreensão do

mundo contemporâneo. A empresa passa a ser o quinto pilar do direito privado, ao

lado da propriedade, da família, do contrato e da responsabilidade, tornando-se o

centro da atividade econômica.

A atual passagem para uma economia global permite a emergência de um

conjunto ainda maior de novas empresas globais. Compra global, produção global e

vendas globais estão todas combinadas numa impecável cadeia global de

suprimento.

Diante dos avanços tecnológicos, da concorrência entre as empresas e da

busca pelo lucro, os empresários são impulsionados a construir uma nova empresa

od_Canal=6&cod_Publicacao=913 Acesso em 27 de março 2006.

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adaptada a este novo cenário mundial em virtude de sua própria sobrevivência. São

mudanças exigidas para que elas se relacionem entre si e com a sociedade.

Surgem novos contextos empresariais, tais como terceirização,

quarteirização, o trabalho a domicílio, entre outros que trazem como conseqüências

a produção de postos de trabalho com baixos salários, quadro de demissões

crescentes, inclusive de trabalhadores mais experientes.

Além dos novos contextos empresariais, a nova organização empresarial tem

de ser eficiente. Hoje, a empresa faz parte de um ambiente “aberto” de organização,

ou seja, a empresa que não se adaptar ao novo ambiente surgido ou às mutações

desse ambiente onde está inserida perecerá. As que conseguirem acompanhar os

processos de transformação poderá sobreviver.

3.5 A DIFERENCIAÇÃO DO MODO DE PROCESSO DE FLEXIBIL IZAÇÃO E A

DEMOCRACIA NA EMPRESA

Também tem havido exigência de que a flexibilização se faça acompanhar da

democracia na empresa. Se este entendimento não for o correto, pode-se pressupor

que o discurso da flexibilidade está voltado a fortalecer, nas relações de trabalho, a

ditadura do empregador, em detrimento dos direitos dos empregado.

A boa relação entre trabalhadores e empregadores é condição para que se

tenha a modernização da empresa. Um novo conceito de empresa, participativa e

preocupada com o homem é o que mais interessa no debate em torno dos direitos

sociais.

Uma empresa autoritária, que não é democrática, pode até tentar impor um

modelo de flexibilidade, conciliando o trabalhador com o trabalho, mas não será uma

solução para as contradições e, sim, uma nova manipulação.

O progresso econômico da sociedade cada vez mais depende da livre

iniciativa e, portanto, da empresa e dos empreendedores. Fica realçada a função

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social da empresa com a valorização de suas atividades e iniciativas na

comunidade.

Em momento algum a exigência de democracia na empresa ingressa no

âmbito do sistema capitalista: a acumulação de capital. Se o trabalhador tivesse voz

sobre o objetivo e o desenvolvimento do processo de trabalho, a acumulação do

capital cessaria de ser a finalidade dominante da produção; ela seria contraposta a

outros objetivos, tais como a satisfação e o interesse pelo trabalho, sua utilidade, o

valor de uso dos produtos, o aumento de tempo livre, etc.

No Brasil falta um padrão de proteção social, como os valores da fraternidade,

liberdade e igualdade, o meio para combater-se a autofagia da sociedade capitalista

do final do milênio.

A luta pela manutenção do emprego, a grande reivindicação social da

atualidade, evidencia a completa ausência de fraternidade entre os indivíduos. É

preciso que seja criado algum mecanismo de proteção, como um sindicato para os

trabalhadores que realizam o trabalho de forma atípica e os desempregados, pois os

trabalhadores com carteiras assinadas já possuem um sindicato organizado por

categoria.

A Central Única dos Trabalhadores – CUT – visando a ampliar o número de

postos de trabalho nos “serviços rotineiros de produção”, defende a “jornada

contínua com redução da duração de trabalho”.150

Gomes tece comentários:

Esta proposta de redução de jornada reforça o modelo de produção capitalista, pois incentiva o lucro das empresas. Ela deve estar vinculada à idéia de construir uma nova sociedade com base no tempo livre de cada trabalhador. Seria uma forma de proporcionar ao trabalhador maior valorização da sua própria existência, da vida de seus semelhantes e da cultura e não só uma iniciativa para criar novos empregos. Mesmo sob o domínio da ideologia neoliberal, a

150 SILVA, op. cit., p. 104.

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cidadania no Estado Democrático Brasileiro do século XXI pressupõe uma participação política apta a fazer valer reivindicações, perante os governantes, em sintonia com a evolução dos instrumentos protetores dos direitos humanos que visam a garantir o aprimoramento da ordem jurídica, voltada à formação de uma sociedade cada vez mais livre, justa e solidária. Como a Constituição é posta não apenas como limite, mas, sobretudo, como fundamento da ordem jurídica, o processo de sua concretização depende da capacidade de participação e controle dos cidadãos junto às instituições políticas.151

A mesma autora observa que:

Ainda são poucos os resultados da adoção da concepção da cidadania, no âmbito local, regional e global, diante da desigualdade social, aliada à deficiente possibilidade de acesso ao ensino de qualidade em seus diversos níveis, ou seja, do ensino básico e fundamental até o ensino superior. Esses fatores sociais impedem o exercício de uma cidadania ativa, nos moldes delineados por uma sociedade que se diz democrática e participativa.152

Somente há uma década e meia, o Brasil ratificou os tratados internacionais

de proteção dos direitos humanos, tanto no âmbito global quanto no regional, depois

que o modelo de Estado Democrático de Direito veio a ser instaurado. Será que se

pode dizer que é por esse motivo que os governantes ainda não se conscientizaram

a respeito da necessidade de dar mais ênfase e efetividade aos direitos sociais já

consagrados?

Uma das possibilidades, por meio do diálogo e do debate, é trazer para o

centro dos interesses políticos da vida democrática – de forma concreta e menos

populista – a implementação dos direitos sociais, lembrando-se sempre do princípio

da fraternidade, e, assim, chegar a uma sociedade mais justa, mesmo ciente da

impossibilidade de se abolirem todas as desigualdades.

Gomes oferece em sua obra dados publicados pela Folha de São Paulo,

151 GOMES, op. cit., p. 149. 152 Idem, p. 150.

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[...] a ONU (Organização das Nações Unidas) passou a estimular ações das empresas contra a pobreza. Tem estabelecido metas, desde o ano 2000, além de criar uma comissão de notáveis para focar seu trabalho em ações e exemplos que estimulem o surgimento de pequenos e médios empresários, traçando recomendações de política macroeconômica, regras de comércio, idéias de legislação e caminhos para atração de investimento estrangeiro direto. Essa ação da ONU assinala um novo rumo para a entidade em direção ao setor privado. Os problemas para o cumprimento das Metas do Milênio ficaram evidentes nos números levantados pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). A redução da pobreza, por exemplo, primeiro dos objetivos traçados, pouco avançou, salvo a China que tirou 150 milhões da pobreza. A ONU, por meio de seus dirigentes, percebeu que não se pode atingir as metas (do Milênio) sem um setor privado forte em países em desenvolvimento, “para criar empregos e construir prosperidade.153

Se todas as pessoas tiverem igualdade de oportunidades e os que não

possuem as mesmas condições que os mais favorecidos começarem a ter a mesma

oportunidade que aqueles, a comunidade é se beneficiaria com o resultado. Assim,

se as pessoas almejassem o bem comum, com certeza, ensejariam o crescimento

econômico pela diminuição das desigualdades.154

O que falta no Brasil é maior possibilidade de acesso à educação. Tal direito é

consagrado como fundamental pela Constituição Federal de 1.988 em seus artigos

23, inc. V; arts. 205 a 214, que prevêem o acesso à educação primária obrigatória e

gratuita. Só com a efetiva implementação desse direito, de forma satisfatória, haverá

a real possibilidade de se obter maior participação social no processo de tomada de

decisões que afetam o desenvolvimento do País.

Santos opina sobre este assunto:

Não se pode mais retardar a tomada de firmes posições governamentais, no sentido de reorientar o gasto público para os setores sociais. Devem ser consideradas como prioridades a educação básica de qualidade, a construção de escolas, a formação de professores de Primeiro e Segundo graus, a níveis satisfatórios,

153 Folha de São Paulo, 29 de julho de 2004, p. A 13 apud GOMES, op. cit., p. 154. 154 GOMES, op. cit., p.155.

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além do desenvolvimento da pesquisa, para se produzirem inovações necessárias em sintonia com os parâmetros da economia mundial.155

As empresas devem ser colocadas em condições que estimulem a

competição econômica para a melhor satisfação das exigências do consumidor, e a

renda dos empregados deve depender dos resultados finais da produção dos lucros.

As empresas devem estar prontas a mudar tanto a área de sua atuação,

como o mercado no qual funcionam, o que exige do empresário moderno e de suas

equipes com agilidade e rapidez na obtenção e assimilação das informações, assim

como no procedimento decisório. Devido a essas exigências, as empresas são

obrigadas a se reorganizar para ter uma estrutura além de mais democrática e

participativa, eficiente e com poderes amplos de gestão.

Como já foi apresentado, é grande o número de empresas no Brasil que

começam a despertar para o seu papel social, buscando nova estratégia para

potencializar seu desenvolvimento, fortalecer sua imagem no mercado e aumentar

seus lucros, ainda que se observe pouco consenso sobre a definição do conceito do

papel social da empresa.

A sociedade civil vem assumindo uma clara posição ao enfrentar os

problemas sociais ao invés de deixá-los para o Estado. Impõe-se, desse modo, às

organizações empresariais uma transformação no processo de condução desses

temas, que assumem uma posição mais estratégica na medida em que afetam a

imagem corporativa. O povo parece estar mais predisposto a punir empresas que

não sejam socialmente responsáveis.

3.6 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO NA VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO HUMANO

155 SANTOS, Theotonio dos. Economia mundial, Integração regional e, desenvolvimento sustentável: as novas tendências da economia mundial e a integração latino-americana. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 96.

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Uma falha se detecta na atual teoria da empresa. Com vista à competição,

pouca importância é dada à localização do homem neste contexto empresarial.

Diante desta situação, o homem deve encontrar meios para retornar ao trabalho. O

homem tem de voltar a se sentir útil.

Conforme já afirmado, o avanço tecnológico é realmente um dos principais

fatores que contribuiu para as mudanças ocorridas no meio empresarial, e, por

conseqüência, também nas formas de prestação de trabalho. O trabalho, dentro da

nova reorganização produtiva, foi incorporado à atividade empresarial.

A constituição das redes de empresas, os controles exercidos através de

empresas financeiras sobre os países pobres, os acordos internacionais apoiados

por grandes organismos (Organização Mundial do Comércio) contribuíram para a

chamada “tendência de hierarquização do trabalho”, esclarecida por Ladislau

Dawbor:

Constatamos assim que o processo de avanço tecnológico sem as transformações institucionais correspondentes, leva a uma nova hierarquização do trabalho característica do subdesenvolvimento tecnificado. No topo da pirâmide, o emprego nobre no setor formal, com salários relativamente elevados e normas de trabalho relativamente respeitadas, mas envolvendo um segmento minoritário da população [...] Mais abaixo, o conjunto de atividades terceirizadas mais ou menos instáveis, onde a precariedade leva a uma grande insegurança, e gera um volume elevado de pequenas e médias empresas de elevadíssima taxa de mortalidade. Em torno deste espaço formal, desenvolve-se um amplo sistema de economia informal, que hoje ocupa freqüentemente um terço da totalidade de mão-de-obra, e onde os níveis salariais, respeito a normas de trabalho e preservação ambiental são cada vez mais baixos. Finalmente, uma massa hoje muito significativa da mão-de-obra opta pela economia ilegal [...] como tem sido constatado, por exemplo, desde as favelas do Rio de Janeiro até a produção popular de coca na Colômbia [...].156

156 DAWBOR, Ladislau. O que aconteceu com o trabalho? Disponível em: <http://ppbr.com/ld/actrab.asp.> Acesso em 23 set. 2004.

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Para os empresários pós-fordistas, interessante é ter trabalhadores não

dependentes entre si. Hoje, o modelo de organização produtiva centralizada,

hierarquizada e fundado na distribuição rígida de tarefas cedeu lugar a um novo

modelo baseado no processo de coordenação horizontal e de exteriorização de

fases do ciclo produtivo.

Os trabalhadores do século XXI possuem um patrimônio de conhecimento, de

especialização profissional, que os torna capazes de fornecerem um resultado, um

serviço, sem a necessidade da rigorosa direção que tipifica o trabalho subordinado.

Esses trabalhadores necessitam coordenar-se de modo estável e continuado com as

empresas para desenvolver suas atividades pessoais.

Em face da reestruturação produtiva por que passam as economias, surge,

como significativa mudança no trabalho, o trabalho informal, que deixou de ser

marca dos países pobres e começou a penetrar nas economias mais desenvolvidas.

Pode-se considerar, nesse processo de reificação, que a mão-de-obra não

passa de mera mercadoria perante as leis de mercado. Acontece que a

informalidade é também um produto da modernidade em consonância com a

reorganização empresarial.

O trabalho informal é uma forma variável, descontínua e desburocratizada do

trabalho, como exige o atual modo organizacional de uma empresa moderna. Hoje,

pode-se dizer, que metade do mercado brasileiro remunerado, é composto por

trabalhadores nesta situação.

Diante de todas as transformações no mundo do trabalho, devidas à

reorganização empresarial, o trabalhador deve lutar para manter-se no emprego

frente à ideologia de que o mundo do trabalho foi feito para os fortes e não para os

fracos, entendendo-se como fortes aqueles que enfrentam as dificuldades

apresentadas e produzem dentro de uma certa perspectiva racional. Os fracos

seriam aqueles que se opõem a esse tipo de trabalho, criam espírito de corpo entre

os empregados, debatem as idéias, não primando assim pelo bem-estar da empresa

na sua luta pela concorrência. O trabalhador atual está sendo remunerado de acordo

com o seu desempenho, assim como os setores que mais faturam no mercado.

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Desse modo, este medo que os trabalhadores sentem de perder o emprego

acaba fazendo-os perder direitos historicamente conquistados - descanso semanal

remunerado, férias, entre outros – dando lugar a doenças profissionais, sofrimento

do trabalhador, por conta de que o “espírito operário” estará preso à conservação do

emprego. Premido, assim, pelas circunstâncias, o trabalhador está se tornando cada

vez mais individualista, contribuindo para sua própria exploração.

Uma distinção importante, aparentemente simples, está associada à relação entre desemprego e a falta de qualificação do trabalhador. Segundo a educadora Azuete Fogaça, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), existe de fato uma população de baixa escolaridade que, na maioria dos casos, não apresenta qualificação formal adequada para as funções e atividades produtivas que eventualmente venham a exercer. No entanto, ela ressalta que "políticas de qualificação profissional não são políticas de geração de emprego". Já Remi Castioni, economista e consultor de programas e projetos educacionais, é um pouco mais enfático. Para ele, essa questão envolve um problema maior: "Em parte, esse discurso, “falta de educação” subsidiou as explicações para responder à crise do emprego. Os indivíduos foram nomeados como responsáveis por não terem esse atributo - mais escolaridade - ao mesmo tempo em que se tirou a responsabilidade da sociedade e do Estado e, por conseqüência, da política econômica”.157

Ao que parece, o desenvolvimento tecnológico é considerado o verdadeiro

“culpado” pela perda dos postos de trabalho e exclusão dos trabalhadores com baixa

escolaridade. Realmente as máquinas têm ficado muito baratas e inteligentes e, as

empresas para manter-se na competição do mercado, utilizam-nas para produzir

cada vez mais com menos trabalhadores. No entanto, José Pastore diz que este

tema é controvertido, explicando:

A simples coincidência de avanços tecnológicos com aumento de desemprego não é suficiente para se concluir que as inovações tecnológicas são destruidoras de empregos. Tudo depende em que ambiente elas caem. Quando são usadas para baixar os preços, criar novos produtos, inventar processos e instigar a demanda por bens e serviços, os benefícios são enormes. Quando caem no meio de uma

157“ Apenas qualificação não garante emprego” [s.n]. Disponível no site <http://www.comciencia.com.br>. Acesso em 18 fevereiro 2005.

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população educada e de legislação trabalhista adequada, elas geram muitos empregos.158

Não se pode tratar o avanço tecnológico como a grande causa do

desemprego e má valorização do trabalho que atinge os países menos

desenvolvidos, inclusive o Brasil, pois se assim fosse, os países desenvolvidos como

os Estados Unidos e Japão, por exemplo, apresentariam os mais altos índices de

desemprego. E, na realidade, o percentual de desemprego nestes países causa

inveja ao restante do mundo.

3.7 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES NO BRASIL –

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

No contexto brasileiro, nem todos os direitos do Título II da Constituição

Federal são materialmente fundamentais. O art. 5º, caput, da Constituição tem como

direitos fundamentais básicos: direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e

propriedade, que são considerados fundamentos de todos os outros direitos.

Torna-se necessária a concretização imediata desses direitos, que não pode

ser relegada pelo Estado, sendo a exeqüibilidade plena desses direitos uma barreira

jurídica para impedir que o Estado se converta em fim de si mesmo.

É neste cenário que se destaca o direito ao trabalho como meio de uma

existência digna: alimentação, moradia, vestuário e transporte. Juntamente com o

direito à saúde e à educação, o direito do trabalho constitui o núcleo fundamental

dos direitos econômicos sociais.

No que tange à dignidade da pessoa humana como valor fundamental da

ordem jurídica, não se pode aludir ao direito à vida sem o direito ao trabalho, porque

por meio deste último se obtêm as condições mínimas de uma existência digna.

158 PASTORE, José. “Flores, tecnologia e emprego- Publicado no Jornal da Tarde em 18/02/2004. Disponível no site <http;// www.josé pastore.com.br/artigos>. Acesso em 18 fevereiro 2005.

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Para que isso ocorra é preciso que o governo adote políticas públicas que

impulsionem o crescimento econômico com a finalidade de realçar a valorização do

trabalho como expressão da pessoa humana.

Existe um número enorme de trabalhadores que não detêm emprego fixo,

submetido a contratos temporários, entre outros. Muitos trabalhadores encontram-se

desempregados, acabando por se sujeitar ao trabalho informal, sem garantias legais.

Por isso necessário se faz buscar os meios para que haja a concretização dos

direitos fundamentais dos trabalhadores não só para proteger os empregados

vinculados ao contrato clássico, mas, também, para cuidar de todos os tipos de

trabalhadores, ameaçados pela competitividade decorrente da globalização.

Os direitos fundamentais sociais, que estão vinculados ao mínimo existencial,

passam a integrar o núcleo básico de todo ordenamento constitucional.

Embora o princípio da dignidade humana esteja vinculado ao pensamento

clássico, está também ligado ao pensamento cristão. Por isso, este princípio não é

uma criação puramente constitucional.

Reale salienta que “O homem é o valor fundamental, algo que vale por si

mesmo, identificando seu ser com sua valia. De todos os seres, só o homem é

capaz de valores, e as ciências dos homens são inseparáveis de estimativas”.159

Os movimentos políticos do final do século XIX, início do XX, transformaram o

velho e formal Estado de Direito num Estado Democrático, onde além da mera

submissão à lei deveria haver a submissão à vontade popular e aos fins propostos

pelos cidadãos.

Desse modo, o conceito de Estado democrático não é um conceito formal,

técnico, onde se dispõe um conjunto de regras relativas à escolha dos dirigentes

políticos. Daí, o entendimento do constitucionalista português Canotilho:

159 REALE apud GOMES, op.cit., p. 21.

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Da mesma forma que o princípio do Estado de direito, também o princípio democrático é um princípio jurídico-constitucional com dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais. O princípio democrático, constitucionalmente consagrado, é mais do que um método ou técnica de os governados escolherem os governantes. Como princípio normativo, considerado nos seus vários aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, ele aspira a tornar-se impulso dirigente de uma sociedade.160. (Grifos no original)

A partir deste esclarecimento entende-se que a democracia é algo dinâmico,

em constante aperfeiçoamento, sendo válido dizer que nunca foi plenamente

alcançada. O Estado de Direito é o direito bem ordenado.

Utilizando-se, mais uma vez, do saber de Canotilho, agora juntamente com

Vital Moreira percebe-se que:

Este conceito é bastante complexo, e as suas duas componentes- ou seja, a componente do Estado de direito e do Estado democrático – não podem ser separadas uma da outra. O Estado de direito é democrático e só sendo-o é que é de direito; o Estado democrático é Estado de direito e só sendo-o é que é Estado de direito.161

O Estado Democrático de Direito surge regulado por meio de um sistema de

princípios e regras voltado a limitar e controlar o poder estatal, concretizando o

postulado da dignidade da pessoa humana. Tem como finalidade a busca constante

de uma interação expansionista dos valores da liberdade e da igualdade baseados

na dignidade humana. A democracia é o reconhecimento de uma igual dignidade em

todas as pessoas, individualmente, a ser acatada no convívio social.

O princípio da dignidade da pessoa humana é, então, um dos fundamentos do

Estado Democrático de Direito, tornando-se o elemento referencial para a

160CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional, 6ª ed. revista, Coimbra: Almedina, 1993, p.360 e 414. 161 Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª edição, Coimbra Ed., 1984, v. 1, p.73.

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interpretação e aplicação das normas jurídicas, além de se tornar o epicentro do

grande elenco de direitos civis, políticos, econômicos e culturais. O ser humano não

pode ser tratado como um mero objeto, principalmente na condição de trabalhador,

ainda que muitas vezes o homem seja assim tratado quando está a serviço da

economia, servindo como apenas uma coisa que a faz se desenvolver.

Esse princípio acabou tornando-se um dos fundamentos da organização

nacional, mediante a adoção de instrumentos direcionados à realização de justiça

participativa. A participação ativa do cidadão concede uma qualidade a cada pessoa

de ter direito a ter direitos. Esta participação ativa passa a ser um dos fundamentos

da sociedade contemporânea organizada nos moldes do Estado Democrático de

Direito, que tem como objetivo fazer valer os direitos à pessoa humana.

3.8. ADOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PROPICIAR OS MEIOS DE

EXISTÊNCIA DIGNA AOS TRABALHADORES

O princípio da dignidade da pessoa humana como valor fundamental da

ordem jurídica é de suma importância, pois a vida tem valor mínimo se não existir o

direito ao trabalho, porque conforme proclamado na Encíclica Centesimus Annus,

escrita por João Paulo II, é por meio deste que o Homem vem obtendo as condições

mínimas de uma existência digna.

Mas a realidade brasileira mostra um número significativo de trabalhadores

que não têm esse direito ao trabalho, não possuem emprego fixo, se submetendo a

contratos precários, temporários, por prazo determinado, entre outras condições.

Além disso, grande parte da população ativa encontra-se desempregada, sujeitando-

se ao trabalho informal, sem as garantias legais.

Gomes apresenta importantes dados colhidos publicados em veículo

jornalístico: “No Brasil, segundo economistas, 2,118 milhões de pessoas

encontravam-se desempregadas nas seis regiões metropolitanas, conforme

pesquisa mensal de emprego do IBGE, de dezembro de 2.002. No mundo, 180

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116

milhões é o número de desempregados, segundo estudo da OIT (Organização

Internacional do Trabalho)”.162

Ressalta a mesma autora que é oportuno destacar o índice de exclusão social

no Brasil, que é o mais recente dos muitos indicadores que se propõem a medir o

grau de desenvolvimento humano da população. Segundo uma matéria publicada

constatou-se que:

[...] 42% das cidades têm alta exclusão social, ou seja, dos 5.507 municípios presentes no Censo de 2.000, 42% registravam um alto índice de exclusão social. De outro lado, apenas 200 municípios, que somam 25% da população, possuíam índice considerado satisfatório [...] Esses números flutuam em um quadro de extrema desigualdade regional, por 86% dos municípios, com maior exclusão social, estarem no Norte e no Nordeste [...]163.

Informa, ainda, a mesma índices de desemprego publicados na imprensa:

54 milhões de pessoas, no Brasil, ou seja, 32,1% da população, vivem com menos de meio salário mínimo por mês, segundo dados divulgados no dia 03.12.02, pelo IBGE e pelo Fundo de População das Nações Unidas. O panorama da atualidade indica que, diante da recessão que “freia o consumo”, a tendência é aumentar drasticamente o índice de desemprego e a economia informal, sendo certo que a General Motors, no dia 22.07.03, decidiu demitir 450 trabalhadores, e a Volkswagen anunciou que 3.933 de seus empregados no país estão ociosos.164

A necessidade de uma política governamental que atue diretamente sobre o

mercado de trabalho, visando maximizar a oferta de emprego, dada a restrição

macroeconômica e o contexto institucional (salário-mínimo, relações capital-trabalho,

etc.), foi uma tendência em todo o mundo desenvolvido a partir da década passada,

e nos países periféricos nos anos 90. Essa política estruturou-se no que se

convencionou denominar de Sistema Público de Emprego, que associa assistência

ao desempregado, intermediação, formação e reciclagem profissional.

162 Tais índices estão publicados na Folha de S. Paulo, de 16.02.03, p. B 6, sob o título “Lula enfrenta maior desemprego da história” apud GOMES, op. cit.,p. 215. 163 Folha de S. Paulo, 23.01.03, p. A 7 apud GOMES, op. cit., p. 215. 164 Folha de S. Paulo, 23.07.03, p. B 1. apud GOMES, ob. Cit. p. 215.

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117

As primeiras medidas de combate ao desemprego deram-se através do

Sistema Nacional de Emprego - SINE (1970) e do Seguro-Desemprego, bem como

dos primeiros programas de geração de emprego e renda estabelecidos por

iniciativas de instituições internacionais. Mas é, precisamente, a partir de 1994 que

vem sendo realizada uma ação efetiva de âmbito nacional, coordenada pelo

Ministério do Trabalho em quatro principais programas: 1) Seguro-Desemprego; 2)

Intermediação da Mão-de-Obra; 3) Qualificação Profissional e 4) Programa de

Geração e Renda.

Em fevereiro de 1986, por ocasião do lançamento do Plano Cruzado, foi

instituído um Programa de Seguro-Desemprego. Tratava-se de medida há muito

reclamada, em face da extrema precariedade do auxílio-desemprego vigente e da

necessidade de complementar o sistema de proteção social do país com um

mecanismo de proteção financeira ao trabalhador no momento do desemprego.165

Azeredo e Ramos fazem alguns apontamentos de extrema importância sobre o

Programa Seguro-Desemprego:

A Lei n 7 998, de janeiro de 1990, representou um avanço significativo em relação ao antigo programa de seguro-desemprego. Os novos critérios de acesso ao benefício permitiram um significativo aumento da cobertura do programa, que passou de 16% para 43% dos desligados no mercado de trabalho formal. As mudanças efetuadas no valor dos benefícios, por sua vez, tiveram por objetivo principal favorecer os trabalhadores de mais baixa renda, que são aqueles, tradicionalmente, com maior instabilidade no mercado de trabalho e os primeiros a serem atingidos nas fases de recessão. Enquanto o antigo programa pagava, para os que recebiam até três salários-mínimos, apenas a metade do último salário, as novas regras possibilitaram um benefício de cerca de 80% do último salário. Já aqueles que recebiam entre três e cinco salários-mínimos, cujo benefício era de 1,5 salário-mínimo, passaram a ter direito a um seguro de, pelo menos, 68% do seu salário.166

165 AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso em 17.04.06.

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A nova lei do seguro-desemprego, não se restringiu somente em dar

assistência financeira ao trabalhador desempregado. Incluiu outras funções, tais

como: a ajuda na recolocação do trabalhador no mercado de trabalho e a sua

reciclagem profissional.

Azeredo e Ramos analisa esta situação:

Dessa forma, o seguro revestiu-se de um caráter mais amplo, possibilitando um avanço na direção de um sistema público de emprego, nos moldes das experiências dos países desenvolvidos, nos quais conjugam-se políticas ativas e passivas voltadas para o mercado de trabalho. Quanto à forma de financiamento, a lei do seguro-desemprego inovou ao criar o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), integrado, principalmente, pela arrecadação do PIS-PASEP. De acordo com a Constituição, 40% dos recursos são transferidos ao BNDES, que pode aplicar, também, os recursos que não são utilizados de imediato no custeio do seguro-desemprego e do abono salarial. O BNDES, por sua vez, tem por obrigação a garantia da remuneração mínima prevista em lei, a transferência ao FAT dos rendimentos das aplicações dos recursos, bem como, em caso de necessidade para o custeio do programa de seguro-desemprego e do abono salarial, a devolução de parcelas dos saldos de recursos transferidos ao banco.167

Essa forma de financiamento representa uma clara distinção em relação aos

países desenvolvidos, cujos programas de seguro-desemprego são tradicionalmente

financiados por receitas orçamentárias, na maior parte das vezes provenientes de

contribuições sobre a folha de salários. Com o FAT, o seguro passa a ser financiado

com receitas provenientes, principalmente, do faturamento das empresas, e por um

instrumento claramente compensatório face aos movimentos cíclicos da economia.

Nos anos de elevado nível de atividade, o fundo tende a crescer, com o aumento

das aplicações, em virtude do incremento da arrecadação do PIS-PASEP e da

diminuição do desemprego, minimizando os desembolsos para atender aos

desempregados. Já nos anos de retração cíclica, a maior acumulação observada

nos períodos de auge permite atender aos desempregados, cujo número cresce face

ao declínio da atividade econômica. Em resumo, o seguro deixa de estar atrelado às

receitas correntes do governo e pode ser ampliado e aperfeiçoado a partir do retorno

166 AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso em 17 abril 2006.

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das aplicações dos recursos. 168

A nova lei criou o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador

(CODEFAT), que segundo Azeredo e Ramos é: “órgão de representação tripartite e

paritária, tem amplas funções relativas ao seguro-desemprego e à destinação dos

recursos, possibilitando o controle social dos recursos que integram o FAT,

arrecadados pelas empresas, pagos por toda a população, e considerados

patrimônio dos trabalhadores”.169

Conclui-se, a partir de dados ofertados por Azeredo e Ramos que:

A evolução do Programa de Seguro-Desemprego nestes cinco anos, após a promulgação da lei que instituiu o FAT, apresenta avanços significativos em termos dos benefícios pagos e, principalmente, do volume de trabalha-dores beneficiados. Neste período, foram promovidas sucessivas mudanças nos critérios de acesso ao programa, permitindo um aumento de sua cobertura, que alcançou, em 1994, cerca de 40% dos trabalhadores demitidos sem justa causa. O valor médio do benefício, por sua vez, atingiu neste período o patamar de 1,5 salário-mínimo, o que representa um elevado grau de reposição da renda anterior do trabalhador para uma parcela.170

O Programa de Geração de Emprego e Renda - PROGER. Instituído em

1995, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, o PROGER

consolidou-se como um dos instrumentos de que dispõem o Governo e a sociedade

para fazer com que pequenos e microempreendedores urbanos e rurais, suas

cooperativas e formas associativas de produção e os trabalhadores autônomos

passem a ter acesso facilitado ao crédito, aliado a programas de qualificação

técnico-gerencial e profissional. Da mesma forma, o programa tem atuado no

fortalecimento da agricultura familiar, graças à alocação de recursos para a

167 Idem 168 AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso em 17 abril 2006. 169 Idem. 170 Idem.

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assistência financeira, por intermédio do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar - PRONAF, garantindo-se mais empregos no campo. 171

O PROGER e o PRONAF prestam grande contribuição ao esforço nacional de

manter e gerar ocupação e renda, promovendo igualdade de condições de acesso a

novas oportunidades. Direcionados às famílias mais carentes, numa perspectiva

não-assistencialista, esses programas oferecem apoio técnico e financeiro àqueles

que já são empreendedores e desejam ampliar seus negócios e aos que pretendem

se tornar donos de seu próprio empreendimento.172

Azeredo e Ramos descrevem o Programa Nacional de Qualificação do

Trabalhador – PLANFOR.

Foi implementado a partir de 1995, com o objetivo de mobilizar e articular, gradualmente, toda a competência e infra-estrutura de qualificação profissional existentes no País. A intenção é atender anualmente pelo menos 20% da População Economicamente Ativa - PEA. Seguindo os objetivos de uma expansão sustentada das metas anuais, o PLANFOR atingiu a marca de 1,8 milhão de trabalhadores treinados, em 1997, com a aplicação de R$ 315,8 milhões.173

O Sistema Nacional de Emprego - SINE, operado em convênio com os

Estados, tem a finalidade de integrar a concessão do seguro-desemprego com a

intermediação de mão-de-obra e o encaminhamento para cursos de reciclagem

profissional. Foram destinados R$ 59 milhões de recursos do FAT, que

possibilitaram o atendimento de 1,87 milhão de trabalhadores e representam

crescimento de 38% em relação ao ano anterior. Duzentos e dez mil trabalhadores

foram reempregados pelo SINE, em 1997.174 �

171 Disponível em em< http://www.emprego.sp.gov.br/> Acesso em 11 out. 2005. 172 Disponível em< http://www.emprego.sp.gov.br/ > Acesso em 11 out. 2005. 173 AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso 17 abril 2006. 174 AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso 17 abril 2006.

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Para dinamizar a atuação do SINE, implantou-se o projeto-piloto visando a

transformá-lo num efetivo Sistema Público de Emprego. Esse projeto experimental

desenvolve uma nova sistemática de concessão do benefício do seguro-

desemprego, para que todos os recursos materiais e humanos do SINE se voltem à

atividade nobre do sistema, que é a intermediação. As atividades burocráticas de

concessão do seguro-desemprego passarão a ser executadas exclusivamente pela

Caixa Econômica Federal - CEF. Com isso, amplia-se a capacidade do sistema para

a habilitação e para a suspensão do benefício e evita-se a fraude. O novo modelo

será implantado em vários Estados. �

Também para reduzir as fraudes no seguro-desemprego e em outras áreas

do seguro social foi instituído o novo modelo da Carteira de Trabalho, em papel

moeda e com fotografia digitalizada.

No campo da proteção dos direitos e da promoção da cidadania, um dos principais programas governamentais é o de Combate ao Trabalho Escravo, Infantil e Degradante, cuja execução é compartilhada entre vários órgãos governamentais e entidades da sociedade. O combate ao trabalho escravo, infantil e degradante é um dos principais programas do Governo Federal.175 �Merecem destaque as providências adotadas a partir de 1995 no sentido de ampliar as ações de fiscalização e de prevenção, tais como: a instituição da fiscalização móvel; a implantação do Programa de Ações Integradas - PAI, que tem como finalidade a retirada das crianças do ambiente de trabalho, principalmente das carvoarias, dos canaviais e das áreas de produção de sisal; a dinamização do Grupo Executivo de Erradicação do Trabalho Forçado - GERTRAF, instituído em 1995; e a realização do Diagnóstico dos Focos do Trabalho Infantil e do Adolescente no Brasil.

A partir dessas ações, o Brasil começou a politizar o problema da fome e da

miséria. Esse movimento, que iniciou uma parceria governo-sociedade civil no

tocante às medidas de combate à exclusão, esteve restrito, em um primeiro

175 Disponível em< http://www.emprego.sp.gov.br/ > Acesso em 11 out. 2005.

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momento, à distribuição de alimentos. Porém, à medida que essa forma de

solidariedade ganhava espaço, começaram a ser demandadas políticas que fossem

além do emergencial e compensatório.

3.8.1. Programas Sociais do atual Governo Federal

A unificação dos programas de transferência de renda do Governo Federal,

tendo como “carro-chefe” o Bolsa-Família, criado em outubro de 2.003, consolidou

no final desse mesmo ano um novo padrão de relacionamento entre os governos

federal e municipal.

Na transferência de renda, o Governo Federal repassa o recurso diretamente

aos beneficiados e faz o gerenciamento do programa. Nesse caso, o governo

verifica se as crianças se mantêm matriculadas na escola e se a saúde está em dia.

Já os municípios ficam com a tarefa de cadastrar as famílias e auxiliar na

fiscalização.

O Bolsa-Família é o maior e mais ambicioso programa de transferência de renda da história do Brasil. Nasce para enfrentar o maior desafio da sociedade brasileira, que é o de combater a fome e a miséria, e promover a emancipação das famílias mais pobres do país. Através do Bolsa Família, o governo federal concede mensalmente benefícios em dinheiro para famílias mais necessitadas. É um programa de transferência de renda destinado às famílias em situação de pobreza, com renda “per capita de até R$ 100 mensais”, que associa à transferência do benefício financeiro o acesso aos direitos sociais básicos – saúde, alimentação, educação e assistência social. Disponível em:< http://www.mds.gov.br/ascom/hot_site/livreto/lamina _pt.pdf ) Acesso em 28 março 2006

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Atende duas finalidades básicas: enfrentar o maior desafio da sociedade

brasileira, que é o de combater a miséria e a exclusão social, e também promover a

emancipação das famílias mais pobres.

Por decisão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Bolsa Família unificou

todos os benefícios sociais (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e

o Auxílio Gás) do governo federal num único programa. A medida proporcionou mais

agilidade na liberação do dinheiro a quem precisa, reduziu burocracias e criou mais

facilidade no controle dos recursos, dando assim mais transparência ao programa.

O balanço feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

constatou os seguintes investimentos neste programa:

a) foram transferidos o valor de R$ 15,4 bilhões alcançando 8,7 milhões de famílias; b) 97% das crianças dessas famílias têm freqüência escolar regular em 80% das escolas públicas e em 100% dos municípios; c) 98,1% das crianças são vacinadas regularmente, segundo informação das próprias famílias.176

O Fome Zero é outra estratégia impulsionada pelo governo federal para

assegurar o direito humano à alimentação adequada, priorizando as pessoas com

dificuldade de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da

segurança alimentar e nutricional e contribui para a erradicação da extrema pobreza

e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome.

Segundo dados fornecidos pelo Governo Federal:

Os recursos destinados ao Fome Zero cresceram de R$ 5,7 bilhões no primeiro ano do atual governo, em 2003, para R$ 9,2 bilhões em 2004. E estão fixados em mais de R$ 12,2 bilhões para 2005. A

176 Disponível em:< http://www.mds.gov.br/ascom/hot_site/livreto/lamina_pt.pdf) Acesso em 28 março 2006.

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soma desses números informa que, ao fechar deste ano, somente a União investiu, a partir de 2003, mais de R$ 27 bilhões nesta estratégia que traça, executa e impulsiona, em parcerias com governos estaduais e municipais e 104 empresas e entidades de todo o país, o combate à pobreza e à fome. Os números evidenciam não apenas a contínua reafirmação do Fome Zero como prioridade da agenda do governo, mas a evolução acentuada dos investimentos. De 2003 para 2004, a soma das dotações orçamentárias cresceu 82%. Comparada a dotação de 2003 à de 2005, a evolução chega a 113%, não apenas em conseqüência do aumento das dotações de programas e ações desenvolvidos já no primeiro ano de governo, mas também por causa da criação e execução de novos programas e ações. 177

O Fome Zero conta com o apoio de vários ministérios do governo para que

ele se desenvolva, tais como: Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome; Desenvolvimento Agrário; Educação, dentre outros. O programa envolve

várias ações, dentre elas: acesso à alimentação, fortalecimento da agricultura

familiar, promoção de processos de geração de renda e articulação, mobilização e

controle social.178

Além do Programa Fome Zero contar com o apoio dos Ministérios, também

atua em parceria com várias empresas que dão sua contribuição ao Fome Zero por

meio de ações de geração de trabalho e renda, ações complementares do programa

Bolsa Família, ações de proteção social e segurança alimentar.179

Pode-se citar algumas empresas parceira do Programa Fome Zero:

a)O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que é uma Fundação, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), é uma das empresas parceiras do Programa Fome Zero, por meio da mobilização das universidades para a solução de problemas nas comunidades de baixa renda e bolsa de iniciação ao trabalho; b) O Sistema Coca-Cola no Brasil, é outra empresa que se prontifica a implantar restaurantes populares, como forma de participar do Programa Fome Zero, dando assistência alimentar às pessoas com menos renda; c) O Grupo Pão de Açúcar, grande rede de supermercado, contribui com o Fome Zero por meio de postos de coleta de alimentos, ações de apoio à economia solidária e apoio ao Primeiro Emprego de jovens; d) A Nestlé, grande

177 Disponível em:<http://www.fomezero.gov.br/> Acesso em 28 março 2006. 178 Idem 179 Ibdem

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empresa mundial de alimentos participa do Fome Zero através dos programas de educação alimentar e política do Primeiro Emprego.180

Outro programa do governo que merece destaque é o PETI:

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é um programa de transferência direta de renda do governo federal para famílias de crianças e adolescentes envolvidos no trabalho precoce. Tem como objetivo erradicar as chamadas piores formas de trabalho infantil no País, aquelas consideradas perigosas, penosas, insalubres ou degradantes. Para isso, o PETI concede uma bolsa às famílias desses meninos e meninas em substituição à renda que traziam para casa. Em contrapartida, as famílias têm que matricular seus filhos na escola e fazê-los freqüentar a jornada ampliada. O programa abrange famílias com crianças e adolescentes na faixa etária dos 7 aos 15 anos envolvidos em atividades consideradas como as piores formas de trabalho infantil. Essas atividades foram regulamentadas pela Portaria nº 20, de 13 de setembro de 2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego. Entre elas, podem ser citadas as atividades em carvoarias, olarias, no corte de cana-de-açúcar, nas plantações de fumo e lixões. Os Estados, por intermédio dos seus órgãos gestores de Assistência Social, realizam levantamento dos casos de trabalho infantil que ocorrem em seus municípios. Esse levantamento é apresentado às Comissões Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil para validação e estabelecimento de critérios de prioridade para atendimento às situações de trabalho infantil identificadas – como, por exemplo, o atendimento preferencial dos municípios em pior situação econômica ou das atividades mais prejudiciais à saúde e segurança da criança e do adolescente. As demandas validadas pela Comissão Estadual são submetidas à Comissão Intergestora Bipartite (CIB), para pactuação. As necessidades pactuadas são informadas ao MDS, com a relação nominal das crianças e adolescentes a serem atendidos e as respectivas atividades econômicas exercidas. O MDS aprova e informa ao Estado as etapas a serem cumpridas, pelos municípios, para implantação do Programa.181

Afonso, economista, comenta sobre a aplicação destes programas na prática:

Será necessário rediscutir a coordenação entre os governos visando garantir ações que ajudem as famílias beneficiadas a saírem da situação de pobreza. Se os programas de transferência de renda forem limitados a uma função meramente assistencialista, os governos subnacionais continuarão à margem do processo e ficam dispensados de uma tarefa, que é preciso reconhecer, bastante

180 Disponível em:<http://www.mds.gov.br/programas/programas04.asp.> Acesso em 28 março 2006. 181 Idem

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árdua e complexa – formular e implantar medidas que efetivamente reduzam a pobreza.182

Além disso, a saúde e a educação devem estar aliadas a ações que levem à

indução do desenvolvimento local, inclusive com programas de qualificação

profissional.

182 Disponível no site: http://clippingplanejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=253160. Acesso em 10 maio 2006.

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CONCLUSÕES

1. Pode-se explicar as alterações do modelo de Estado, considerando o

liberalismo econômico propugnador do Estado mínimo e abstencionista como uma

resposta do Estado Absoluto e intervencionista que o antecedeu. Da mesma forma o

estado do bem-estar Social nasceu de uma reação ao Estado Liberal que, ao deixar

de intervir, propiciou exploração do capital sobre o trabalho. Por sua vez, o Estado

Neoliberal é um retorno à política do Estado mínimo, que não intervém na economia

e nas relações entre capital e trabalho.

2. O mundo do trabalho busca adaptar-se à nova realidade advinda da

revolução tecnológica e da globalização da economia que, conjugados, marcam esta

época e impõem os desafios das mudanças paradigmáticas. De fato, estes

fenômenos derrogaram as bases em que se assentavam as relações do trabalho

assalariado, tanto na dimensão institucional quanto nos campos da administração,

da economia, da sociologia, entre outras.

3. No contexto de mundialização do capital, os Estados vêm perdendo seu

poder decisório, pois quem dita as normas, atualmente, são as grandes agências

internacionais de consultorias de investimentos, num primeiro plano, e as multi e

transnacionais, num plano secundário. A soberania nacional e a democracia

cederam espaço para supremacia do capital internacional.

4. A flexibilização deve ser abordada, mantendo-se o contrato como alicerce

da relação jurídica entre o empregado e a empresa; entretanto, reprimindo a

predominância do capitalismo perverso e arrasador de qualquer mínimo da

dignidade do hipossuficiente.

A flexibilização do Direito do Trabalho deve atender os princípios

constitucionais da valorização do trabalho, da dignidade da pessoa humana, da

produção da justiça social, sempre em busca da elevação do nível de vida do

trabalhador. Portanto, defende-se a flexibilização, desde que ela não deixe que os

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interesses econômicos se sobreponham aos interesses sociais, pois estes últimos

sim, são objetivos perseguidos pelo Estado Democrático de Direito.

5. A atual realidade brasileira mostra um número significativo de

trabalhadores que não detém emprego fixo, ficando submetidos a contratos

precários, temporários, por prazo determinado, entre outras condições. Além disso,

grande parte da população ativa encontra-se desempregada, sujeitando-se ao

trabalho informal, sem as garantias legais. Diante desse quadro preocupante,

verifica-se a necessidade de se buscar os meios à efetiva concretização dos direitos

fundamentais dos trabalhadores, para não proteger só os trabalhadores vinculados

ao contrato clássico, mas também outros tipos que se encontram nas condições

acima apontadas.

6. A empresa é, atualmente, o elemento central da economia moderna. Atua

como entidade econômica, por ser centro de produção ou de circulação de bens,

desenvolvendo uma verdadeira parceria entre capital e trabalho. Nos dias atuais, o

principal capital das empresas modernas são seus recursos humanos. Sendo assim,

o elemento diferenciador que vai aparecer é o valor dos integrantes (trabalhadores)

de determinada empresa.

7. As empresas precisam dar ao homem condições de trabalho antes mesmo

de ter ele o trabalho. O objeto de proteção deixa de ser o empregado e passa a ser

o trabalho. E a função social da empresa desprende-se da função de provedora dos

seus empregados e torna-se impulsionadora da inserção do direito ao trabalho,

através do resgate da condição de trabalho para os membros que compõe a

sociedade.

8. A nova forma de organização produtiva prescinde de uma nova iniciativa

empresarial dirigida para o equilíbrio, entendendo o trabalho como parte da

comunidade regional em que o homem está inserido.

9. O Estado moderno baseia-se na livre iniciativa dos indivíduos e das

organizações privadas. Necessário valorizar o cidadão enquanto sujeito

individualmente considerado e enquanto inserido na comunidade. Por isso, o Estado

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tem que participar na proteção do trabalho por meio da edição de normas

trabalhistas protetivas, de inserção social, dentre outras.

10. O lucro destaca-se como elemento que de certa forma impossibilita que a

empresa atinja sua finalidade social. Assim, busca-se um elemento integrativo para

romper esta barreira entre capital e trabalho. A efetiva participação do empregado na

gestão de cada empresa é uma alternativa para a concretização dos ideários da

empresa com fins sociais. É uma verdadeira mudança de poder dentro da própria

empresa, que contribuirá para o surgimento de novos objetivos a serem

conquistados.

11. No Estado Democrático de Direito onde a Constituição Federal não só

reconhece a existência e a eminência da dignidade da pessoa humana, mas

transforma-a em valor supremo da ordem jurídica, não se pode dar mais atenção

aos interesses da economia que condicionam e engessam a atuação

governamental, e deixar o trabalhador vagar solitário no meio das leis do mercado.

11. O trabalho deve ser visto sempre como valor social (art. 1º, inc. IV da

Constituição Federal brasileira), sendo certo, que tanto a ordem econômica quanto a

ordem social devem ter por base o primado do trabalho humano. Diante disso, o

trabalhador não pode ser colocado apenas a serviço dos interesses econômicos de

empresas e pessoas físicas, que, preocupam-se tão só com o aumento de lucros e a

redução de gastos.

12. O Brasil, apesar da consciência generalizada da necessidade de uma

política de emprego para reduzir a precariedade da inserção no mercado de trabalho

e enfrentar os desafios do novo paradigma tecnológico e a globalização da

economia, não conta com uma estratégia definida nessa matéria. O país conta com

uma fonte de recursos sólida. Deve existir vontade política para a implementação de

programas eficazes e eficientes de emprego, combinada com estruturas

administrativas que permitam essa implementação.

13. A formação, a reciclagem e a intermediação dos trabalhadores não devem

estar restritas aos trabalhadores desempregados que recebem seguro. A força de

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trabalho ocupada, tanto no segmento formal quanto no informal, também deve fazer

parte do público-alvo das políticas de emprego, uma vez que uma das finalidades do

seguro-desemprego é a qualificação do trabalhador (independentemente de sua

condição de empregado ou desempregado, formal ou informal).

14. A baixa escolaridade do trabalhador brasileiro, que não impediu no

passado a sua integração ao mercado de trabalho, configura hoje um sério

obstáculo para o aumento da competitividade e produtividade do sistema produtivo.

A educação geral representa, hoje, um requisito essencial para a qualificação

profissional exigida pelas mudanças na base produtiva.

15. Conclui-se, assim, que o Estado é pressionado a cumprir seus fins, com a

cooperação de grupos representativos da sociedade civil, principalmente de grupos

empresariais de grande porte, nacionais e transnacionais, desenvolvendo políticas

públicas voltadas, de um lado, ao fomento da economia de forma a propiciar o

crescimento do País em seus diversos setores e, de outro, a qualificação da mão-de-

obra, à capacitação profissional dos trabalhadores e melhor distribuição de renda,

mormente diante das inovações tecnológicas, como meios de se combater as

desigualdades sociais.

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