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Universidade de Lisboa Faculdade de Medicina de Lisboa Aplicação da técnica de espectrofotometria de absorção atómica na análise de metais e metalóides em amostras biológicas. Preparação de amostras por digestão com a tecnologia microondas Carla de Jesus Grilo de Oliveira Mustra Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses 2009

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  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Medicina de Lisboa

    Aplicao da tcnica de espectrofotometria de

    absoro atmica na anlise de metais e metalides

    em amostras biolgicas.Preparao de amostras por digesto com a tecnologia microondas

    Carla de Jesus Grilo de Oliveira Mustra

    Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    2009

  • A impresso desta dissertao foi aprovada pela Comisso Coordenadora do

    Conselho Cientfico da Faculdade de Medicina de Lisboa em reunio de 2 de

    Junho de 2009.

  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Medicina de Lisboa

    Aplicao da tcnica de espectrofotometria de

    absoro atmica na anlise de metais e metalides

    em amostras biolgicas.Preparao de amostras por digesto com a tecnologia microondas

    Carla de Jesus Grilo de Oliveira Mustra

    Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Dissertao orientada e co-orientada por

    Professor Doutor Francisco Corte Real e

    Professor Doutor Jorge Costa Santos

    2

    Todas as afirmaes efectuadas no presente documento so

    da exclusiva responsabilidade do seu autor, no cabendo

    qualquer responsabilidade Faculdade de Medicina de Lisboa

    pelos contedos nele apresentados.

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    RESUMO

    A espectrofotometria de absoro atmica (EAA), apresentada por Alan Walsh h

    mais de cinquenta anos como procedimento analtico, nos dias de hoje uma tcnica

    bem estabelecida em inmeros campos da anlise instrumental (Welz e Sperling,

    1999).

    As diferentes tcnicas associadas EAA, como a chama, a cmara de grafite, a

    gerao de hidretos e o vapor frio, permitem determinar quantitativamente, com

    sensibilidade suficiente, mais de 60 elementos da tabela peridica (Skoog et al,

    1992). O metalide arsnio (As) um desses elementos, sendo a espectrofotometria

    de absoro atmica com gerao de hidretos uma das melhores tcnicas disponveis

    para a sua anlise vestigial (ATSDR, 2005; Tsalev, 1995).

    O arsnio encontra-se presente em todos os organismos vivos apesar de at agora no

    ter sido completamente esclarecido o seu papel biolgico como elemento vestigial.

    Os seus efeitos txicos, assim como de alguns dos seus compostos so amplamente

    conhecidos. Sabe-se que os compostos inorgnicos de arsnio so os mais txicos,

    sendo preferencialmente acumulados no organismo comparativamente aos compostos

    orgnicos (Welz e Sperling, 1999).

    A intoxicao pelo arsnio continua na ordem do dia, no tanto devido a casos de

    intoxicao aguda, j que essa situao mais comum em pases em vias de

    desenvolvimento (e.g. Bangladesh, ndia) mas sim devido intoxicao crnica

    originada por exposio ambiental e profissional continuada (Moffat et al, 2004). As

    notcias, quer nacionais quer internacionais, demonstram a preocupao que existe

    ao nvel ambiental e de sade pblica relativamente a esta substncia.

    A determinao do arsnio total presente numa amostra extensamente influenciada

    pelo passo crucial de pr-tratamento dessa mesma amostra. A sua correcta avaliao

    possvel se for garantida a decomposio completa dos compostos orgnicos de

    arsnio persistentes, como so exemplo as espcies dimetiladas e feniladas, o que se

    consegue mediante a aplicao de processos de digesto adequados.

    Os processos de digesto podem ser de dois tipos: digesto hmida e digesto seca,

    podendo o primeiro ser em sistema aberto ou fechado. Neste trabalho, foram

    estudados os processos de digesto hmida em sistema aberto e fechado no entanto,

    apesar de existirem vantagens na aplicao do processo de digesto hmida em vaso

    fechado (digesto hmida pressurizada com aplicao da tecnologia microondas), o

    i

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    trabalho desenvolvido no mbito desta dissertao mostra que a digesto hmida em

    vaso aberto mais eficaz na decomposio completa dos compostos de arsnio.

    Neste trabalho apresentam-se os resultados obtidos decorrentes da validao do

    mtodo analtico de determinao do arsnio total em amostras biolgicas.

    Os diferentes parmetros de validao estudados, como a especificidade, a eficincia

    e taxa de recuperao da digesto, a linearidade, limites de deteco e

    quantificao, preciso e exactido, robustez e estabilidade, mostram que o mtodo

    adequado confirmao da presena e quantificao de arsnio total em amostras

    de sangue, urina, cabelo, unhas e outras vsceras a nveis de concentrao

    fisiolgicos.

    PALAVRAS-CHAVE

    Toxicologia forense; Espectrofotometria de absoro atmica; Gerao de hidretos;

    Arsnio; Validao.

    ii

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    ABSTRACT

    Atomic absorption spectrometry (AAS) is today well established in numerous fields of

    instrumental analysis, after being proposed by Alan Walsh as an analytical procedure

    more than 50 years ago (Welz & Sperling, 1999).

    AAS and its techniques (flame, graphite furnace, hydride generation and cold vapour)

    provide a sensitive means of determining more than 60 elements (Skoog et al, 1992).

    The arsenic metalloid (As) is one of those elements and the hydride generation

    atomic absorption spectrometry (HGAAS) is among the best analytical techniques for

    trace arsenic (ATSDR, 2005; Tsalev, 1995).

    Arsenic is present ubiquitously in all organic tissues of human and animal organisms,

    although its biological significance as trace element has not been completely

    clarified. The toxicity of arsenic and some of its compounds are well known, its

    inorganic forms are the most toxic and preferentially accumulated in organisms (Welz

    & Sperling, 1999).

    Arsenic poisoning is still important among us, mainly due to chronic occupational and

    environmental exposure instead of acute poisoning, more common in undeveloped

    countries (e.g. Bangladesh and India) (Moffat et al, 2004). The national and

    international media shows the public health and environmental concern about this

    element.

    The total determination of arsenic is extensively dependent on the sample pre-

    treatment crucial step. Its correct determination is possible if the total dissolution of

    persistent organoarsenicals, like dimethylated and phenylated species, is achieved.

    This is done by applying the proper digestion procedures.

    The digestion procedure can be done in two ways: wet decompositions or dry ashing.

    Wet decompositions can be performed in open vessels or pressurized vessels like

    microwave oven systems. Two wet digestion procedures were studied during this

    work, the open vessel and pressurized microwave digestion. Although several

    advantages are presented when microwave technology digestion step is applied, the

    work developed during this master thesis showed that this kind of procedure is not

    the most efficient for total determination of arsenic in biological samples. Wet

    digestion procedures in open vessels are more efficient for the total dissolution of

    arsenic species.

    iii

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    This work presents the validation parameters of an analytical method for total

    arsenic determination in biological samples.

    The obtained results of the studied validation parameters: specificity, efficiency of

    digestion procedure, recovery, linearity, limits of detection and quantification,

    accuracy, ruggedness and stability shows that the presented method is appropriate to

    confirm and determine total arsenic in urine, blood, hair, nails and other organic

    samples at vestigial levels.

    KEYWORDS

    Forensic Toxicology; Atomic absorption spectrometry; Hydride generation; Arsenic;

    Validation.

    iv

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    AGRADECIMENTOS

    Ao Professor Doutor Francisco Corte Real, Professor da Faculdade de Medicina

    da Universidade de Coimbra e Director da Delegao do Centro do Instituto

    Nacional de Medicina Legal, I.P., o meu reconhecimento pela forma como me

    incentivou desde o primeiro momento em que prontamente aceitou orientar

    este trabalho e tornou possvel a sua realizao no Servio de Toxicologia

    Forense da Delegao do Centro. No esquecerei a confiana que depositou em

    mim e a sua constante disponibilidade que muito me honram.

    Ao Professor Doutor Jorge Costa Santos, Professor da Faculdade de Medicina da

    Universidade de Lisboa e Director da Delegao do Sul do INML, I.P., pelo

    incentivo e apoio concedido como co-orientador deste trabalho.

    Dr. Paula Monsanto, Directora do Servio de Toxicologia Forense (STF) da

    Delegao do Centro do INML, I.P., pela forma como me recebeu, apoiou e

    aconselhou, proporcionando sempre os meios necessrios realizao deste

    trabalho.

    A todos os que trabalham no STF da Delegao do Centro, pela maneira como

    fui recebida quer enquanto estudante de Mestrado, quer depois como colega

    de trabalho, por todo o apoio e disponibilidade demonstrados desde o primeiro

    momento. Um agradecimento em particular ao Fernando e Mrio pela forma

    me receberam e a abertura que demonstraram na transmisso dos

    conhecimentos tcnico-cientficos adquiridos na rea de desenvolvimento

    deste trabalho.

    Ao Professor Doutor Duarte Nuno Vieira, Presidente do INML, I.P., pelo apoio e

    incentivo concedido possibilitando a realizao deste trabalho.

    A todos que, directa ou indirectamente, me apoiaram e contriburam para que

    este trabalho fosse avante.

    Aos meus pais por todo o carinho, apoio, confiana e fora

    v

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Ao Pedro e ao Tiago por toda a pacincia e sacrifcios, pelo carinho, amor e

    coragem sempre presentes

    vi

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    NDICE GERAL

    Resumo i

    Palavras Chave ii

    Abstract iii

    Keywords iv

    Agradecimentos v

    ndice Geral vii

    ndice de Figuras/Tabelas/Quadros x

    ndice de Anexos xii

    Lista de Smbolos, Unidades e Abreviaturas xiii

    Captulo I INTRODUO 1

    1.1. Justificao do tema escolhido 2

    1.2. Objectivos 5

    1.3. mbito do estudo 6

    Captulo II REVISO DA LITERATURA 7

    2.1. Enquadramento Terico - Estado da Arte 8

    2.1.1. A Espectrofotometria de Absoro Atmica 12

    2.1.2. Determinao de Metais e Metalides Evoluo e Importncia

    toxicolgica 13

    2.1.3. O Metalide Arsnio e seus compostos 15

    2.1.3.1 Metabolismo e excreo 17

    2.1.3.2 Anlise de arsnio 17

    2.1.3.3 Determinao de arsnio por espectrofotometria de

    absoro atmica em amostras biolgicas 21

    2.1.4. A seleco das amostras 23

    2.1.4.1 A amostra de sangue 25

    2.1.4.2 A amostra de urina 25

    2.1.4.3 As amostras de cabelo e/ou unhas 26

    2.1.5. A intoxicao por arsnio alguns casos e curiosidades 28

    2.1.6. O processo de digesto das amostras 34

    vii

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    2.1.7. Estudo dos processos de digesto 35

    2.2. Validao de mtodos analticos 36

    2.2.1. Validao de mtodos de confirmao 36

    2.2.1.1 Selectividade e Especificidade 37

    2.2.1.1.1 Mtodo adio padro 39

    2.2.1.2 Modelo de calibrao 40

    2.2.1.3 Linearidade 42

    2.2.1.4 Gama de trabalho 43

    2.2.1.5 Preciso 44

    2.2.1.6 Exactido (Veracidade) 45

    2.2.1.7 Limites de Deteco e Quantificao 45

    2.2.1.8 Incerteza da medio 47

    2.2.1.9 Controlo de qualidade 47

    2.2.1.10 Apresentao de resultados 48

    2.3. Enquadramento Legal 50

    Captulo III PARTE EXPERIMENTAL 55

    3.1. Introduo 56

    3.2. Concepo experimental 56

    3.3. Material e Mtodos 57

    3.3.1. Instrumentao e material utilizado 57

    3.3.2. Reagentes, Padres e Materiais de referncia 58

    3.3.3. Tratamento do material 59

    3.3.4. Preparao de solues 60

    3.4. Condies espectrofotomtricas 61

    3.5. Tipo e origem das amostras 62

    3.6. Preparao das amostras 62

    3.6.1. Digesto aplicando a tecnologia Microondas 63

    3.6.2. Digesto hmida em vaso aberto 69

    Captulo IV Apresentao e Discusso de Resultados 75

    4.1. Introduo 76

    viii

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    4.2. Digesto em vaso aberto vs Digesto em vaso fechado 76

    4.3. Validao do mtodo analtico de determinao de arsnio 77

    4.3.1. Avaliao da especificidade 77

    4.3.1.1 Estudo da especificidade em urina 78

    4.3.1.2 Estudo da especificidade em sangue 81

    4.3.2. Limite de Deteco (LD) e Limite de Quantificao (LQ) 82

    4.3.3. Eficincia da digesto 84

    4.3.4. Taxa de recuperao da digesto 85

    4.3.5. Avaliao de arrastamento 88

    4.3.6. Preciso 89

    4.3.6.1 Preciso Intradia (Intra-ensaio) 90

    4.3.6.2 Preciso Intermdia, repetibilidade e incerteza nas

    medies

    96

    4.3.6.3 Repetibilidade do equipamento 102

    4.3.7. Exactido 102

    4.3.8. Gama de trabalho e linearidade 105

    4.3.9. Robustez 106

    4.3.10. Estabilidade 108

    4.4. Discusso de resultados 109

    Captulo V Consideraes Finais 111

    Referncias Bibliogrficas 114

    Anexos 121

    Anexo I 122

    Anexo II 123

    ix

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    NDICE DE FIGURAS, TABELAS E QUADROS

    INDCE DE FIGURAS PGINA

    Fig. 1 Processo de excitao e decaimento. 10

    Fig. 2 Ilustrao de possveis transies electrnicas. 11

    Fig. 3 Processo de absoro atmica. 11

    Fig. 4 Exemplos de leses na pele devido ao consumo de gua potvel contaminada com arsnio no Bangladesh.

    30

    Fig. 5 - Mapa que ilustra os nveis de contaminao com arsnio das guas subterrneas de Bengala Ocidental - ndia.

    32

    Fig. 6 - Grfico que ilustra a aplicao do mtodo adio padro. 39

    Fig. 7 Espectrofotmetro de absoro atmica com sistema gerador de hidretos com fluxo e injeco automticos (FIAS-HG-AAS) da Perkin Elmer, disponvel no STF da Delegao do Centro do INML,IP.

    61

    Fig. 8 Erlenmeyers com amostra e mistura de cidos antes de iniciar digesto.

    71

    Fig. 9 Amostras durante digesto hmida em placa de aquecimento. 71

    Fig. 10 Amostras durante passo de pr-reduo aps digesto. 72

    Fig. 11 Amostras aferidas em bales volumtricos, prontas para anlise. 72

    Fig. 12 - Dados usados na avaliao da especificidade em urina e respectivo grfico.

    79

    Fig. 13 - Dados usados na avaliao da especificidade em urina e respectivo grfico (experincia 2).

    80

    Fig. 14 - Dados usados na avaliao da especificidade em sangue e respectivo grfico.

    81

    Fig. 15 - Grfico e resultados usados no estudo dos limiares analticos do mtodo

    83

    Fig 16 - Dados da curva de calibrao, respectivo grfico e resultados da quantificao da urina controlo, para clculo da eficincia da digesto.

    85

    Fig 17 - Dados da avaliao da taxa de recuperao da digesto do As para os nveis de concentrao 0,5 e 4,0 g/L.

    87

    Fig 18. Dados da avaliao da taxa de recuperao da digesto do As para o nvel de concentrao 1,0 g/L.

    88

    Fig. 19 - Clculo da preciso no DIA1 para os nveis em estudo. 91

    x

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Fig. 20 - Clculo da preciso no DIA2 para os nveis em estudo. 92

    Fig. 21 - Clculo da preciso no DIA3 para os nveis em estudo. 93

    Fig. 22 - Clculo da preciso no DIA4 para os nveis em estudo. 94

    Fig. 23 - Clculo da preciso no DIA5 para os nveis em estudo. 95

    Fig. 24 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para Limite de Quantificao 0,30 ug/L (As).

    97

    Fig. 25 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para o nvel de concentrao 0,75 ug/L (As).

    98

    Fig. 26 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para o nvel de concentrao 2,50 g/L (As).

    99

    Fig. 27 - Clculos e resultados obtidos de preciso intermdia, repetibilidade e incerteza nas medies para o nvel de concentrao 4,00 g/L (As).

    100

    Fig. 28 - Dados e resultados do estudo de exactido. 103

    Fig. 29 - Dados e resultados do estudo de avaliao da gama de trabalho e linearidade.

    106

    INDCE DE TABELAS PGINA

    Tabela I: Valores de referncia da concentrao de arsnio em diversas amostras biolgicas.

    23

    Tabela II: Resultados da quantificao de As de duas amostras reais de urina nas duas curvas analticas representadas no grfico da Fig 12.

    79

    Tabela III: Resultados da quantificao de As de seis amostras reais de urina nas duas curvas analticas representadas no grfico da Fig 13.

    80

    Tabela IV: Resultados da quantificao de As de seis amostras reais de sangue nas duas curvas analticas representadas no grfico da Fig 14.

    82

    Tabela V: Dados usados no estudo dos limites de deteco e quantificao do mtodo.

    83

    Tabela VI - Dados de Avaliao da repetibilidade do equipamento. 102

    xi

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    INDCE DE QUADROS PGINA

    Quadro I - Classificao dos mtodos de espectrofotometria atmica. 9

    Quadro II - Resumo dos resultados obtidos de Repetibilidade, Preciso Intermdia, Exactido e Taxa de Recuperao da digesto do mtodo estudado.

    109

    INDCE DE ANEXOS PGINA

    ANEXO I Mtodo de Gutzeit. 122

    ANEXO II Condies instrumentais do mtodo de determinao de arsnio

    por HG-AAS.

    123

    xii

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    LISTA DE SMBOLOS, UNIDADES E ABREVIATURAS

    g micrograma

    l - microlitro

    m - micrmetro

    AAS - Atomic Absorption Spectrometry

    AB - Arsenobetana

    AC Arsenocolina

    Al - Alumnio

    AR Analytical reagent

    As - Arsnio

    Atomizao processo atravs do qual a amostra convertida em tomos no estado

    gasoso. Etapa de produo de tomos no estado fundamental.

    Background Rudo de fundo

    Branco de reagentes Soluo que contem o/os solventes(s) e todos os reagentes

    usados na anlise sem presena da amostra.

    Cd Cdmio

    cdo Comprimento de onda

    Cu - Cobre

    CV - Coeficiente de variao; uma medida de disperso que se presta para a

    comparao de distribuies diferentes e corresponde razo do desvio padro pela

    mdia (Cv= / ).

    DMA cido dimetilarsnico

    EAA Espectrofotometria de Absoro Atmica

    e.g. - exempli gratia, por exemplo

    Especiao qumica determinao da concentrao das diferentes formas qumicas

    de um elemento numa matriz, sendo que estas espcies em conjunto constituem a

    concentrao total do elemento na amostra.

    xiii

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    et al. et alii, e outros

    Fe - Ferro

    g grama

    H2SO4 cido sulfrico

    H3PO4 cido fosfrico

    HCl cido clordrico

    HClO4 - cido perclrico

    Hg - Mercrio

    HNO3 cido ntrico

    i.e. id est, isto

    ICP-MS - Inductively coupled plasma - mass spectrometry

    INML, I.P. Instituto Nacional de Medicina Legal - Instituto Pblico

    IUPAC International Union of Pure and Applied Chemistry

    KI Iodeto de potssio

    l litro

    LD Limite de deteco

    Li - Ltio

    LMR Limite mximo de resduo

    LQ Limite de quantificao

    M Molar numero de moles por litro (mol/l)

    MAC maximum allowable concentration; concentrao mxima admissvel

    MAP- mtodo adio padro

    MgNO3 Nitrato de magnsio

    ml - mililitro

    MMA cido monometilarsnico

    NaBH4 Borohidreto de sdio

    NaOH Hidrxido de sdio

    Ni - Nquel

    xiv

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    ng - nanograma

    NH2OH Hidroxilamina

    nm - nanmetro

    p.a. pro analysis, pour analise, para anlise

    Pb - Chumbo

    PET Polietileno

    pH medida de acidez ou basicidade em meios aquosos.

    PP Polipropileno

    ppb - partes por bilio

    ppm - partes por milho

    Se Selnio

    Sb - Antimnio

    SRM Standard reference materials, materiais de referncia

    STF Servio de Toxicologia Forense

    T1/2 perodo de semivida, tempo necessrio para eliminar metade da quantidade de

    uma substncia.

    TMA Trimetilarsina

    TOC total organic carbon

    Zn - Zinco

    xv

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    CAPTULO I INTRODUO

    1

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    1.1. Justificao do tema escolhido

    Os metais e metalides formam um importante grupo de substncias txicas que

    apresentam muitas dificuldades quanto sua anlise qumica sistemtica. Nos pases

    desenvolvidos o maior nmero de casos conhecidos de intoxicao por estes agentes

    deve-se a intoxicao crnica, resultante da exposio ambiental ou ocupacional

    (Moffat et al, 2004). No entanto, a intoxicao aguda ainda comum em pases em

    desenvolvimento.

    A espectrofotometria de absoro atmica (EAA ou AAS - Atomic absorption

    spectrometry) uma tcnica bem estabelecida na anlise elementar ao nvel

    vestigial de diferentes tipos de matrizes. Trata-se da tcnica mais vulgarmente usada

    na determinao de metais e metalides (Moffat et al, 2004; Tsalev, 1995).

    As tcnicas analticas para determinao destas substncias em amostras biolgicas

    tm sofrido avanos considerveis desde incio dos anos 80, em particular a

    espectrofotometria de absoro atmica com atomizao electrotrmica em cmara

    de grafite e a espectrometria de massa com fonte de plasma acoplado indutivamente

    (ICP-MS - Inductively coupled plasma mass spectrometry). No entanto, estas

    tcnicas, principalmente o ICP-MS, so ainda relativamente dispendiosas, pelo que

    no se encontram disponveis em muitos hospitais e laboratrios forenses para

    anlises de rotina (Moffat et al, 2004).

    A AAS uma tcnica com elevada sensibilidade, tendo como maior desvantagem o

    facto de no permitir a anlise multi-elementar simultnea (6 elementos , at ao

    momento, o nmero mximo de elementos monitorizados com alguns dos

    instrumentos disponveis no mercado) (Freschi et al, 2000), o que pode ser limitante

    quando os volumes de amostra so diminutos e existem diferentes elementos a

    analisar. O desenvolvimento de tecnologias alternativas como o ICP-MS vem colmatar

    essa situao permitindo a anlise multi-elementar com elevada sensibilidade,

    apresentando no entanto como desvantagem o seu custo mais elevado de anlise e

    manuteno, bem como problemas de interferncias isobricas.

    A preparao das amostras para anlise por AAS envolve na maioria das situaes um

    passo importante de dissoluo ou digesto. A digesto pode ser hmida em vaso

    aberto ou fechado, ou ainda uma digesto seca (vide pontos 2.1.6. e 2.1.7., relativo

    aos processos de digesto).

    2

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    A escolha do tema Aplicao da tcnica de espectrofotometria de absoro atmica

    na anlise de metais e metalides em amostras biolgicas. Preparao de amostras

    por digesto com a tecnologia microondas est associada fundamentalmente a trs

    aspectos:

    O aspecto de maior relevncia a importncia toxicolgica que tem actualmente a

    determinao deste grupo de substncias em diferentes tipos de matrizes. Os limites

    mximos (LMR limite mximo de resduo) permitidos por lei em guas de consumo e

    alimentos e os nveis mximos de exposio ambiental e profissional so cada vez

    mais exigentes devido crescente preocupao quanto aos aspectos de sade

    pblica, conduzindo optimizao dos mtodos de determinao destas substncias

    no sentido de aumentar a sua fiabilidade e sensibilidade.

    O controlo desses mesmos limites cada vez mais abrangente (controlo dos nveis

    presentes no ar, gua, solos, alimentos, cosmticos, aditivos alimentares, plsticos,

    tintas, etc.), como se pode evidenciar pela legislao publicada neste mbito (vide

    ponto 2.3. Enquadramento legal). Paralelamente, o grupo de substncias controladas

    aumenta tambm acompanhando as questes de sade pblica que vo surgindo (e.g.

    extensa publicao de legislao relativa a novos produtos fitofarmacuticos que

    devem ser controlados, bem como actualizao dos limites mximos de resduo

    permitidos).

    Esta realidade tem suscitado uma significativa preocupao no sentido de serem

    optimizados os mtodos e tcnicas para a determinao destas substncias no mbito

    da Toxicologia Forense.

    O segundo aspecto prende-se com o facto de o Instituto Nacional de Medicina Legal

    (INML, I.P.) dispor de um equipamento de espectrofotometria de absoro atmica

    com sistema gerador de hidretos e cmara de grafite e tambm um sistema

    microondas, no Servio de Toxicologia Forense (STF) da Delegao do Centro,

    equipamentos esses com elevado potencial na determinao de um extenso grupo de

    elementos desde que devidamente equipados, utilizados e assistidos.

    do interesse da Instituio em causa rentabilizar da melhor forma os equipamentos

    j adquiridos, permitindo responder s solicitaes de anlises toxicolgicas de

    metais e metalides em amostras biolgicas dirigidas aos diferentes Servios de

    Toxicologia Forense (Delegaes do Norte, Centro e Sul) do Instituto Nacional de

    Medicina Legal.

    3

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Finalmente, o terceiro aspecto, este de ordem pessoal, prende-se com o facto de

    constituir um importante desafio profissional o de desenvolver e validar mtodos

    numa tcnica que at ao momento me era pouco familiar. Esta seria uma forma de

    ampliar e aprofundar os meus conhecimentos nas reas de Qumica Analtica e

    Toxicologia Forense, aplicando a tcnica de espectrofotometria de absoro atmica

    a amostras biolgicas

    4

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    1.2. Objectivos

    Sabendo que os metais e metalides formam um importante grupo de substncias

    txicas a analisar no mbito da toxicologia forense, sendo normalmente associados a

    intoxicaes crnicas, resultantes da exposio ambiental ou industrial, importante

    desenvolver mtodos e tcnicas fiveis com sensibilidade suficiente destinados

    determinao destas substncias, que permitam dar resposta s solicitaes dirigidas

    aos diferentes Servios de Toxicologia Forense do INML I.P..

    O primeiro objectivo deste trabalho estabelecer procedimentos e validar

    metodologias para usar em rotina na anlise de alguns metais ou metalides em

    amostras biolgicas, aplicando a tcnica de espectrofotometria de absoro atmica.

    No mbito de um s processo forense frequente a requisio de um elevado nmero

    de anlises (e.g. lcool etlico, drogas de abuso, medicamentos, pesticidas) o que

    pressupe a existncia de uma quantidade razovel de amostra(s) que permita(m)

    satisfazer todas as necessidades, o que nem sempre acontece. Este facto, bastante

    limitante, deve merecer a maior ateno dos analistas e estar sempre presente cada

    vez que se inicia e valida um mtodo.

    Assim, objectivo deste trabalho que os mtodos criados permitam determinar o

    analito em estudo usando a menor quantidade de amostra possvel.

    Tendo em considerao as vantagens amplamente descritas na bibliografia quanto ao

    uso da tecnologia microondas na digesto de amostras, mais concretamente, a

    rapidez do processo, os menores riscos de contaminao e perda de analito, assim

    como a necessidade de menor quantidade de reagentes tambm objectivo deste

    trabalho testar e validar procedimentos para digesto de amostras biolgicas no

    forno microondas.

    5

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    1.3. mbito do Estudo

    O trabalho foi desenvolvido tendo em conta os recursos, em termos de equipamento

    e reagentes, disponveis no Servio de Toxicologia Forense da Delegao do Centro

    do INML I.P., bem como as necessidades de resposta deste servio s anlises

    toxicolgicas solicitadas em amostras biolgicas.

    Assim, o estudo comeou pelo desenvolvimento do mtodo de determinao de

    arsnio em amostras biolgicas e sua validao, j que este o elemento de entre o

    grupo de metais e metalides cuja anlise mais vezes solicitada.

    O trabalho a desenvolver encontrava-se partida limitado ao estudo de quatro

    elementos: Arsnio, Chumbo, Cobre e Mercrio, devido ao equipamento disponvel

    adquirido pelo STF na sequncia das opes tomadas quanto aos elementos que

    consideraram importantes determinar.

    Esta dissertao incidir sobre o desenvolvimento e os resultados obtidos no mbito

    da validao do mtodo de determinao de arsnio em amostras biolgicas, tendo

    sido impossvel reunir em tempo til os dados necessrios validao dos mtodos de

    determinao dos restantes elementos. Esses mtodos envolvem o desenvolvimento

    de procedimentos de preparao e anlise de amostras individualizados.

    Relativamente s tcnicas analticas disponveis, a espectrofotometria de absoro

    atmica associada a diferentes equipamentos (com tcnicas de atomizao e

    condies espectrofotomtricas diferentes) consoante o elemento a determinar: mais

    concretamente, no caso da determinao de arsnio, a AAS associada ao sistema

    gerador de hidretos, na determinao de mercrio aplicada a tcnica de

    atomizao de vapor frio e na determinao de chumbo e cobre aplica-se o sistema

    de atomizao electrotrmica em cmara de grafite. Adicionalmente, a anlise de

    cada elemento implica o desenvolvimento de um procedimento da preparao da

    amostra individualizado.

    Estes factores contribuem para a elevada sensibilidade e selectividade das tcnicas

    de espectrofotometria atmica, sendo tambm a principal razo da dificuldade em

    determinar metais e metalides de forma sistemtica.

    6

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    CAPTULO II REVISO DA LITERATURA

    7

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    2.1. Enquadramento Terico - Estado da Arte

    A espectrofotometria atmica usada em determinaes qualitativas e quantitativas

    de aproximadamente 70 elementos. A sensibilidade destes mtodos atinge

    tipicamente gamas de concentrao na ordem dos ppm (partes por milho) at ppb

    (partes por bilio) (Skoog et al, 1992).

    Outras vantagens destes mtodos so a rapidez, a elevada selectividade e custos

    relativamente moderados.

    O estudo espectrofotomtrico dos tomos (ou de ies elementares tais como Fe+, Mg+

    ou Al+) atravs da aplicao da radiao ultravioleta ou visvel s possvel se estes

    se encontrarem no estado gasoso, onde os tomos ou ies se encontram bem

    separados uns dos outros. Consequentemente, o primeiro passo de todos os

    procedimentos de espectrofotometria atmica a atomizao, ou seja, o processo a

    partir do qual a amostra volatilizada e decomposta de forma a produzir um gs

    composto por tomos. A eficincia e reprodutibilidade do passo de atomizao

    determinam em grande parte a sensibilidade do mtodo, preciso e exactido. por

    isso, o passo mais crtico da espectrofotometria atmica (Skoog et al, 1992).

    A classificao dos mtodos de espectrofotometria atmica baseada na forma como

    a amostra atomizada. No quadro que se segue resumem-se os mtodos existentes.

    Note-se que a temperatura de atomizao varia consideravelmente segundo o

    mtodo de atomizao adoptado.

    8

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    Quadro I - Classificao dos mtodos de espectrofotometria atmica.

    Mtodo de

    atomizao

    Temperatura de

    atomizao (C)

    Base do

    mtodo

    Nome comum do mtodo e

    abreviatura (portugus/ingls)

    Absoro Espectrofotometria de absoro atmica (EAA) / Atomic absorption spectroscopy (AAS)

    Emisso Espectrofotometria de emisso atmica (EEA) / Atomic emission spectroscopy (AES)

    Chama 17003150

    Fuorescncia Espectrofotometria de fluorescncia atmica (EFA) / Atomic fluorescence spectroscopy (AFS)

    Absoro Espectrofotometria electrotrmica de absoro atmica (EEAA) / Electrothermal atomic absorption spectroscopy (ETAAS)

    Electrotrmico 1200-3000

    Fluorescncia Espectrofotometria electrotrmica de fluorescncia atmica (EEFA) / Electrothermal atomic fluorescence spectroscopy (ETAFS)

    Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de plasma acoplado indutivamente / Inductively coupled plasma emission spectroscopy (ICP-AES)

    Plasma acoplado indutivamente

    6000-8000

    Fluorescncia Espectrofotometria de fluorescncia com fonte de plasma acoplado indutivamente / Inductively coupled plasma fluorescence spectroscopy (ICP-AFS)

    Plasma de correntecontinua

    6000-10000 Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de plasma de corrente continua / Direct current plasma spectroscopy (DCP)

    Arco elctrico 4000-5000 Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de arco elctrico / Arc-source emission spectroscopy

    Fasca 40000(?) Emisso Espectrofotometria de emisso com fonte de fasca elctrica/ Spark-source emission spectroscopy

    Adaptado a partir de Skoog et al, 1992.

    9

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    A espectrofotometria atmica um mtodo que conjuga trs tcnicas com uso

    analtico, como constatado na tabela anterior: a emisso atmica, a absoro

    atmica e a fluorescncia atmica. Para perceber a relao entre estas tcnicas

    necessrio entender o prprio tomo e o processo atmico envolvido em cada uma

    das tcnicas.

    O tomo constitudo por um ncleo rodeado de electres. Cada elemento tem um

    nmero especfico de electres que est associado ao ncleo atmico e organizado

    sob a forma de uma estrutura orbital caracterstica de cada elemento. Os electres

    ocupam as orbitais de uma forma ordenada e previsvel. O estado mais baixo de

    energia, ou seja, a configurao electrnica mais estvel do tomo conhecido como o

    estado fundamental, a configurao orbital normal para o tomo. Se for

    transmitida ao tomo uma determinada quantidade de energia, esta ser absorvida

    pelo tomo e um electro da orbital vai ser promovido para uma orbital superior de

    energia, originando uma configurao electrnica menos estvel, o chamado estado

    excitado. Dada a instabilidade desta configurao, o tomo ir regressar ao seu

    estado fundamental imediata e espontaneamente. O electro ao regressar sua

    posio estvel na orbital, ir emitir radiao com energia equivalente inicialmente

    absorvida no processo de excitao (Beaty e Kerber, 1993).

    A figura seguinte ilustra o processo de excitao e decaimento. Note-se que no passo

    (1) do processo, a excitao conseguida devido ao fornecimento de energia,

    enquanto que o passo (2), o decaimento, ocorre espontaneamente.

    Fig.1 - Processo de excitao e decaimento (Beaty e Kerber, 1993).

    O comprimento de onda (designado abreviadamente como cdo) da radiao

    emitida est directamente relacionado com a transio electrnica que ocorreu.

    Como cada elemento tem uma estrutura electrnica nica, o cdo da radiao

    emitida caracterstico de cada elemento. Quanto mais complexa a configurao

    orbital de um tomo (maior o tomo, maior a complexidade) mais transies

    electrnicas podero ocorrer. Cada transio resulta na emisso de luz ou radiao

    com cdo caracterstico como ilustrado na figura seguinte ( 1, 2 ou 3).

    10

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Fig.2 - Ilustrao de possveis transies electrnicas (Beaty e Kerber, 1993).

    O processo de excitao e decaimento aplicado nos trs campos da

    espectrofotometria de absoro atmica. A energia absorvida no processo de

    excitao ou a emitida no processo de decaimento medida e usada com fins

    analticos.

    Na emisso atmica, a amostra sujeita a uma elevada energia, temperaturas

    elevadas, para produzir tomos no estado excitado, capazes de emitir luz. A fonte

    energtica pode ser elctrica, a chama, e mais recentemente o plasma. O espectro

    de emisso de um elemento sujeito a esta energia constitudo por um conjunto de

    cdo de emisso permitidos, normalmente designados linhas de emisso, devido

    sua natureza discreta. Este espectro de emisso pode ser usado como nica

    caracterstica para identificar qualitativamente o elemento. A emisso atmica

    usando arco elctrico tem sido muito usada para anlise qualitativa.

    Na anlise quantitativa, a intensidade da luz emitida ao cdo do elemento a

    determinar medida, sendo a sua intensidade proporcional ao nmero de tomos do

    elemento presentes. A tcnica de fotometria de chama uma aplicao da emisso

    atmica para anlise quantitativa.

    Se a luz de um cdo especfico atingir um tomo livre no seu estado fundamental, o

    tomo pode absorver essa luz, passando para o estado excitado por um processo

    denominado absoro atmica.

    Fig.3 - Processo de absoro atmica (Beaty e Kerber, 1993).

    11

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    A capacidade que um tomo tem de absorver luz a um determinado cdo, usada

    na tcnica de espectrofotometria de absoro atmica.

    2.1.1. A Espectrofotometria de Absoro Atmica

    Atomic absorption spectrometry (AAS) is a

    spectroanalytical procedure for the qualitative

    detection and quantitative determination of elements

    employing the absorption of optical radiation by free

    atoms in the gaseous state (citado por Welz e Sperling,

    1999, texto original de Norma Alem DIN 51401-1,

    Beuth-Verlag, Berlin; 1992).

    Esta tcnica permite determinar quantitativamente, com sensibilidade suficiente,

    mais de 60 elementos. A sua aplicao apropriada a determinaes de rotina

    mesmo com operadores relativamente pouco treinados (Skoog et al, 1992).

    Na absoro atmica a grandeza que interessa medir a quantidade de radiao que

    absorvida, ao cdo de ressonncia de um determinado elemento, aps atravessar

    uma nuvem de tomos. medida que o nmero de tomos existentes no caminho que

    a luz atravessa aumenta, a quantidade de luz absorvida tambm aumenta de uma

    forma possvel de prever, de acordo com os princpios da lei de Beer1. Medindo a

    quantidade de luz (ou radiao) absorvida, torna-se possvel a determinao

    quantitativa do analito (elemento) presente (Beaty e Kerber, 1993)

    A utilizao de fontes de luz especficas e a seleco cuidadosa dos cdo permite a

    determinao quantitativa de um determinado elemento na presena de outros.

    A nuvem atmica necessria s medies em absoro atmica produzida atravs

    do fornecimento de energia trmica suficiente amostra, de forma a permitir a

    dissociao dos compostos qumicos, molculas em tomos livres.

    Ao aspirar uma soluo contendo a amostra e lan-la numa chama devidamente

    alinhada relativamente ao feixe de luz do cdo de interesse, conseguimos atingir

    esse objectivo. Usando a chama em condies adequadas a maioria dos tomos

    1 A Lei de Beer enuncia que a absorvncia directamente proporcional concentrao das espcies responsveis pelo processo de absoro, em determinadas condies experimentais: A=axbxc, onde A a absorvncia, a o coeficiente de absoro, uma constante que caractersticas das espcies absorventes, b o comprimento do caminho percorrido pela luz na clula de absoro, e c a concentrao das espcies absorventes.

    12

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    mantm-se no seu estado fundamental ficando aptos a absorver energia ao cdo

    caracterstico de uma fonte (lmpada) (Beaty e Kerber, 1993).

    2.1.2. Determinao de Metais e Metalides Evoluo e importncia toxicolgica.

    Historicamente verifica-se que os metais e metalides tm sido usados com alguma

    frequncia como substncias txicas. Isto acontece provavelmente porque a maioria

    destas substncias potente, grande parte no tem propriedades organolpticas

    (cheiro, sabor, cor), encontram-se disponveis com alguma facilidade e produzem

    sintomas pouco caractersticos, similares a inmeras doenas (Moffat et al, 2004).

    Consequentemente, a suspeita de intoxicao por este grupo de substncias

    raramente considerada. Por exemplo, a substituio de uma ou duas cpsulas de

    um medicamento prescrito por xido de arsnio, pode ter resultados fatais dando a

    aparncia de um suicdio por overdose.

    Os metais so provavelmente o grupo de substncias txicas mais antigo conhecido

    do homem. Supe-se que o chumbo comeou a ser utilizado perto do ano de 2000

    a.C..

    Hipcrates, em 370 a.C., descreveu a primeira clica abdominal de um homem que

    trabalhava na extraco de minrio (Casarett e Doulls, 1996).

    No sc. IV a.C., Aristteles escreve sobre um substncia que hoje conhecida como

    sendo o sulfureto de arsnio (De Guevara e Pueyo, 1995)

    O arsnio (As) e mercrio (Hg) so citados por Theophrastus de Erebus em 310 a 287

    a.C. e por Plnio, O Velho, no sc. I a.C. (Casarett e Doulls, 1996; De Guevara e

    Pueyo, 1995).

    O arsnio era obtido a partir da fundio do cobre e estanho e foi usado como

    elemento decorativo dos tmulos egpcios. No entanto, muitos dos metais com

    importncia toxicolgica nos nossos dias so conhecidos do homem h relativamente

    pouco tempo. Por exemplo, o cdmio foi reconhecido pela primeira vez nas minas de

    carbonato de zinco em 1817.

    Cerca de 80 dos 105 elementos da tabela peridica so considerados metais, mas

    menos de 30 foram identificados como substncias txicas para o homem (Casarett e

    Doulls, 1996).

    Normalmente os elementos deste grupo mais vulgarmente associados a intoxicaes

    so o arsnio, antimnio, chumbo, ltio, mercrio e tlio (Moffat et al, 2004).

    13

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Este grupo de substncias poderia ser analisado por rotina quando se verificam

    sintomas como vmitos e diarreia. Se este fosse o procedimento escolhido, ento

    deveriam aplicar-se em primeira anlise, testes simples qualitativos, como exemplo

    o Teste de Reinsch (teste normalmente aplicado anlise de contedo de estmago

    e resduos, que detecta sete metais txicos entre eles o arsnio, antimnio, bismuto

    e mercrio).

    Ficam, no entanto, muitos outros metais por testar, no podendo ser considerado um

    teste completo de excluso de um grupo de txicos. Trata-se, por isso, como j atrs

    referido, de um grupo que apresenta muitas dificuldades quanto sua anlise

    sistemtica.

    Os sinais e sintomas de toxicidade aguda podem diferir dos associados toxicidade

    crnica. Algumas substncias deste grupo, como o arsnio, sofrem uma extensa

    metabolizao aps serem ingeridas. Estes factores so de elevada relevncia nas

    investigaes analticas aplicadas a amostras biolgicas e na sua interpretao.

    importante saber partida se a intoxicao resultante de exposio aguda, crnica

    ou de ambas em simultneo. De igual importncia o tempo que vai desde a

    ingesto ou exposio at colheita da amostra.

    A colheita das amostras deve ser efectuada com extremo cuidado, bem como a

    seleco das anlises toxicolgicas.

    No existe uma via simples e sistemtica para investigar casos onde a histria

    incerta e a identidade das substncias txicas desconhecida. O investigador

    normalmente usa o processo de excluso de hipteses, iniciando a sua investigao

    nas causas mais comuns de intoxicao (substncias ilcitas e medicamentosas),

    seguindo-se um exame detalhado da histria do paciente ou vtima, em particular o

    possvel acesso a compostos de uso industrial ou agrcola. Da a importncia da

    informao disponibilizada ao investigador para a conduo da prpria investigao.

    Os mtodos de anlise de metais mais vulgarmente usados so os colorimtricos,

    electroqumicos, a espectrofotometria de absoro atmica, a espectrofotometria

    electrotrmica de absoro atmica, a espectrofotometria de emisso com fonte de

    plasma acoplado indutivamente e a espectrometria de massa com fonte de plasma

    acoplado indutivamente (Moffat et al, 2004).

    A investigao da exposio crnica a metais txicos deve revestir-se de grandes

    cuidados relativamente ao controlo da preciso e exactido dos resultados analticos.

    14

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Deve recorrer-se a materiais que permitam efectuar um rigoroso controlo de

    qualidade interna dos resultados, assim como participar em exerccios de controlo de

    qualidade externa como o caso dos ensaios interlaboratoriais. S assim se podem

    obter resultados analticos irrefutveis e de elevado nvel de confiana que podem

    usar-se como elemento de prova.

    2.1.3. O metalide arsnio e seus compostos.

    O arsnio e alguns compostos dele derivados so considerados dos txicos de maior

    relevncia na histria da humanidade. J no sc. V a.C. o arsnio era considerado um

    veneno comum; a quantidade de personagens famosas supostamente envenenadas

    por esta substncia interminvel (Calabuig, 2004; De Guevara e Pueyo, 1995) (vide

    ponto 2.1.5 relativo a intoxicaes por arsnio).

    Paracelso, na primeira metade do sc. XVI, introduz compostos de arsnio na

    teraputica humana (De Guevara e Pueyo, 1995), tendo sido usado medicinalmente

    durante sculos.

    A sua fase urea como agente teraputico deu-se no final do sc. XIX a meados do

    sc. XX. Os compostos de arsnio eram empregues no tratamento de dermatoses

    como a psorase, eczemas, acne, lquen plano, leishmaniose e sfilis (Gontijo e

    Bittencourt, 2005).

    O arsnio difcil de caracterizar como elemento nico, a sua qumica muito

    complexa, existindo inmeros compostos diferentes de arsnio. Est presente em

    mais de 200 espcies minerais sendo a mais comum a arsenopirite (Casarett e

    Doulls, 1996; INCHEM, 2001). Pode encontrar-se em quatro estados de oxidao

    diferentes: -3, 0, +3 e +5 e est extensamente distribudo na natureza,

    representando uma preocupao para a sade humana quando se concentra no meio

    ambiente, quer atravs de processos naturais, quer antropognicos (Germolec et al,

    1998). Em ambientes redutores, a forma predominante o arsenito As (III) - e em

    ambientes oxidados, a forma mais estvel e geralmente encontrada o arsenato

    As(V) (INCHEM, 2001).

    Do ponto de vista estrutural o arsnio As (0) - no um metal verdadeiro, mas sim

    um metalide, tambm designado semi-metal, apresentando caractersticas

    intermdias entre os metais e os no-metais. Outros exemplos de elementos

    metalides so: o boro, silcio, germnio, antimnio e telrio. Alguns autores incluem

    arbitrariamente o polnio e o astato nessa lista.

    15

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Trata-se do vigsimo elemento mais abundante na crosta terrestre. Encontra-se

    presente em todos os organismos vivos, podendo apresentar variaes considerveis

    na sua concentrao em tecidos humanos (vide Tabela 1) devido a factores como a

    dieta, a exposio ambiental e ocupacional. A mdia de consumo dirio de arsnio

    por um adulto cerca de 0,025 a 0,033 mg/kg/dia (Baselt, 2004).

    Segundo alguns autores, a maior fonte de exposio humana ocupacional nos nossos

    dias ao arsnio a produo de pesticidas, herbicidas e outros produtos agrcolas

    (Baselt, 2004; Casarett e Doulls, 1996; De Guevara e Pueyo, 1995), onde se consome

    80% do arsnio usado industrialmente. Outras aplicaes deste elemento so a

    indstria farmacutica, a indstria do vidro, cermica e metalrgica.

    De acordo com relatrio da INCHEM, 2001 (Chemical Safety Information from

    Intergovernmental Organizations) os processos industriais considerados como maiores

    fontes de contaminao antropognica do ar, gua e solo com este elemento so a

    explorao mineira, a fundio de metais no-ferrosos e a queima de resduos e

    combustveis fsseis.

    Considera-se, tambm, que a maior fonte no-ocupacional de exposio a este

    elemento em primeiro lugar a ingesto de alimentos e de gua. Em algumas reas,

    a gua ingerida a principal fonte de exposio ao arsnio inorgnico (vide ponto

    2.1.5. sobre casos de intoxicao por arsnio na ndia e Bangladesh).

    Pode concluir-se, com base na bibliografia consultada, que as maiores fontes de

    contaminao com arsnio variam consoante a rea geogrfica que estivermos a

    considerar (estrutura geolgica), assim como com o nvel de desenvolvimento e o

    tipo de indstria presente nessa rea.

    Alguns dados, mas ainda algo limitados, indicam que 25% do arsnio presente nos

    alimentos inorgnico, mas isso depende muito do tipo de alimentos ingerido. No

    peixe e marisco o nvel de arsnio inorgnico baixo (< 1%), enquanto que na carne,

    cereais e outros alimentos ingeridos diariamente, esse nvel superior.

    Num fumador, a contribuio do arsnio inalado pode atingir aproximadamente os

    10 g/dia, enquanto que num no fumador essa contribuio ronda o 1 g/dia

    (INCHEM, 2001).

    Existem trs modos principais de biotransformao do arsnio no meio ambiente

    (INCHEM, 2001):

    (a) Transformao redox entre arsenito e arsenato.

    (b) Reduo e metilao do arsnio.

    (c) Biosntese de compostos orgnicos de arsnio.

    16

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    Os compostos de arsnio so absorvidos pelo organismo por diferentes vias: inalao,

    ingesto ou contacto.

    2.1.3.1 Metabolismo e excreo

    Uma dose administrada de arsnio distribui-se por todo o organismo, encontrando-se

    em maior proporo nos msculos. excretada quase na sua totalidade (cerca de

    90%) pelo rim num espao de 6 dias, encontrando-se uma pequena fraco nas fezes

    (Baselt, 2004; De Guevara e Pueyo, 1996).

    A maior parte do arsnio trivalente ingerido rapidamente excretado na urina, na

    forma de cido dimetilarsnico (50% - DMA/dimethylarsinic acid), cido metilarsnico

    (14% - MAA/methylarsonic acid), arsnio pentavalente (8%) e arsnio trivalente (8%);

    os compostos orgnicos de arsnio, como os encontrados em marisco, so excretados

    sem alterao na urina.

    Um estudo de Johnson e Farmer, 1991, referido por Baselt, 2004, mostrou que uma

    dose nica de arsnio pentavalente, ministrada a voluntrios, excretada na urina

    num espao de 7 dias, na forma de DMA (57-69%), MAA (9-18%), As(V) (9-10%) e As(III)

    (12-15%).

    O arsnio apresenta elevada afinidade pela pele e excretado pelo processo de

    descamao da pele e atravs do suor, principalmente durante os perodos de maior

    sudao.

    um elemento que se concentra nas unhas e cabelo. Quando se concentra nas unhas

    produz as chamadas linhas de Mee2 (Casarett e Doulls, 1996). No cabelo pode

    tambm reflectir uma exposio anterior ao elemento, no entanto preciso

    distinguir o arsnio intrnseco ou sistematicamente absorvido, do arsnio depositado

    superfcie proveniente de fontes externas (vide ponto 2.1.4.3. sobre a importncia

    das amostras de cabelos e unhas na determinao de arsnio).

    2.1.3.2 Anlise de Arsnio

    O arsnio pode ser determinado por diferentes tcnicas analticas. A anlise por

    activao neutrnica (NAA- Neutron activation analysis) uma tcnica sensvel e

    fivel que permite a determinao deste analito ao nvel dos ng/g. No entanto, esta

    tcnica tem um uso limitado devido ao nmero restrito de reactores nucleares

    2 Estrias ou bandas encontradas nas unhas, brancas e transversais.

    17

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    essenciais irradiao das amostras (Tsalev, 1995; ATSDR, 2005). Em Portugal

    dispomos de um nico reactor nuclear, o Reactor Portugus de Investigao (RPI),

    instalado no Instituto Tecnolgico e Nuclear situado em Sacavm, Lisboa.

    Podem aplicar-se modernos mtodos voltamtricos que conseguem atingir limites de

    deteco na ordem dos 0,1 a 0,2 g/L.

    O ICP-AES (Inductively coupled plasma atomic emission spectrometry) no

    suficientemente sensvel para determinar arsnio em amostras biolgicas, sendo

    necessrio um passo de pr-concentrao da amostra, o que se consegue aplicando

    tcnicas como a gerao de hidretos, a destilao, a troca inica e armadilhas de

    frio. Estas tcnicas provaram ser eficazes na diminuio dos limites de deteco em

    cerca de uma a duas ordens de magnitude quando comparadas com os ensaios

    directos (Tsalev, 1995).

    A combinao HPLC-ICP-AES (High performance liquid chromatography - ICP-AES)

    tem sido til em estudos de especiao do arsnio.

    O ICP-MS (Inductively coupled plasma mass spectrometry) mais sensvel, tendo j

    sido aplicado a vrias matrizes biolgicas (ossos, peixe e marisco, alimentos,

    plasma/soro, sangue, tecidos, etc). Ao aplicar esta tcnica, preciso ter em conta a

    possibilidade de existirem interferncias espectrais devido presena de 40Ar35Cl, o

    que justifica a remoo do cloro das amostras de urina por precipitao na forma de

    cloreto de prata (AgCl).

    A tcnica HG-ICP-MS (Hydride generation-ICP-MS) permite atingir limites de deteco

    muito baixos. A combinao do ICP-MS com cromatografia inica e HPLC tem sido

    aplicada com sucesso, em estudos de especiao do arsnio.

    A tcnica FAAS (Flame atomic absorption spectrometry) no adequada

    determinao de arsnio, assim como a ETAAS (Electrothermal atomic absorption

    spectrometry) devido grande absoro de background e perdas por volatilizao.

    Finalmente, a tcnica HG-AAS (Hydride generation atomic absorption spectrometry)

    est entre as melhores tcnicas disponveis para a anlise vestigial de arsnio

    (ATSDR, 2005; Tsalev, 1995), apresentando inmeros aspectos positivos, como

    exemplo a separao/enriquecimento on line, a automatizao atravs da aplicao

    de sistemas de injeco e fluxo contnuo (FIAS - Flow injection automatic system), a

    rapidez na anlise das amostras e a possibilidade de efectuar estudos de especiao.

    18

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Apesar da indiscutvel popularidade da aplicao desta tcnica determinao de

    arsnio (mais de 500 publicaes), este ensaio envolve processos qumicos

    complexos, sendo muito susceptvel a vrias fontes de erro (Tsalev, 1995) devido a:

    (a) Pr-tratamento da amostra.

    (b) Comportamento especfico das diferentes espcies de arsnio As3+, As5+.

    (c) Interferncias.

    A partir de solues contendo arsnio inorgnico trivalente As(III) ou As3+, AsO33-,

    AsO2- e outras espcies hidrolisadas/complexadas, produzida a arsina (AsH3) com

    elevado rendimento dentro de um vasto intervalo de pH (desde solues

    praticamente neutras at solues com 9 a 10M HCl).

    As concentraes tpicas de cido clordrico (HCl) encontram-se entre 0,5 a 2M, mas

    um aumento na acidez prefervel para melhor controlo das interferncias e maior

    rapidez na pr-reduo do As (V) a As (III).

    Por outro lado, impraticvel usar concentraes acima de 5-6M HCl devido

    obteno de brancos de reagentes com leituras elevadas de absorvncia, devido ao

    elevado consumo de reagentes, bem como devido maior corroso da clula de

    quartzo e de todo o equipamento analtico.

    Existe uma boa tolerncia utilizao de outros cidos como, H2SO4, HClO4 e H3PO4,

    que podem no entanto aumentar a leitura dos brancos e diminuir a sensibilidade (em

    medies de absorvncia em funo da altura do pico).

    Apesar de alguns autores aceitarem a presena de pequenas quantidades de HNO3,

    este cido pode oxidar o analito (passando para As (V)), e o Iodeto a I2, causando

    instabilidade na leitura das solues de As (III) e depresso no sinal.

    O arsnio inorgnico pentavalente ou As (V) um dos estados de oxidao tpicos

    deste analito. Esta espcie forma arsina muito mais lentamente e s na presena de

    elevadas concentraes de cido (> 0,1M HCl). Sendo assim, o sinal produzido por

    esta espcie inferior ao produzido pelo As(III).

    Isto explica o facto de a maioria dos procedimentos na tcnica HGAAS serem

    baseados nas medies da espcie que produz um maior sinal, ou seja o As (III),

    envolvendo sempre um passo de pr-reduo de qualquer arsenato a arsenito.

    Salienta-se ainda o facto de que a aplicao da tcnica de gerao de hidretos ao

    arsnio pentavalente ser mais susceptvel ocorrncia de interferncias.

    19

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    A pr-reduo do analito ao estado trivalente demora cerca de 1 hora, sendo muito

    afectada quanto rapidez, extenso da reduo e estabilidade das solues pela

    presena de resduos de agentes oxidantes e da matriz.

    A seguir apresentam-se os agentes de pr-reduo mais eficientes (Tsalev, 1995):

    (a) KI-cido ascrbico-HCl diludo (para a maior estabilidade das solues e maior

    tolerncia a interferncias)

    (b) L-cistena

    (c) KI-tiouria-HCl diludo

    (d) Tiouria -cido ascrbico

    (e) KI- tiouria -cido ascrbico

    (f) NH2OH.HCl-KI-HCl diludo

    (g) NH2OH.HCl-KI-cido oxlico.

    A pr-reduo on line est a tornar-se cada vez mais vulgar devido aos sistemas de

    fluxo contnuo e fluxo e injeco automticos.

    A concentrao do agente redutor, NaBH4 (Borohidreto de sdio), no crtica para

    este analito e encontra-se habitualmente entre 2 a 3% m/v, 0,5 a 1% m/v e 0,2 a

    0,6% m/v, caso se aplique um sistema onde a anlise feita na forma de lotes ou em

    fluxo contnuo.

    As solues redutoras a baixas concentraes, so preferveis para um melhor

    controlo das interferncias da fase lquida e obteno de brancos de reagentes com

    leituras de absorvncia mais baixas.

    Estas solues para serem mais estveis devem ser ligeiramente alcalinizadas (por

    exemplo, 0,05 a 1% m/v NaOH).

    Para alm de algumas possveis interferncias, uma outra fonte de erro comum nas

    determinaes de arsnio a sub-estimativa do arsnio orgnico. Neste caso, o uso

    do mtodo adio padro totalmente ineficiente, aconselhando-se o uso da

    correco de background cada vez que se estuda uma nova matriz ou se aplica um

    novo procedimento.

    20

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    2.1.3.3 Determinao de arsnio por espectrofotometria de absoro

    atmica em amostras biolgicas.

    A literatura dedicada determinao de arsnio por absoro atmica extensa.

    Como j referido anteriormente, existem problemas srios nestes ensaios devido ao

    passo crucial analtico de pr-tratamento da amostra. Estes problemas encontram-se

    referenciados em inmeros textos e so bem ilustrados pela falta de concordncia

    entre resultados interlaboratoriais.

    A contaminao com arsnio, durante a amostragem e armazenamento de amostras

    biolgicas menos provvel do que a contribuio dos brancos (ao nvel dos

    nanogramas) durante o passo de decomposio da amostra.

    O armazenamento a baixas temperaturas (-25C) de amostras frescas de fgado e

    amostras esterilizadas / liofilizadas (experincia efectuada com materiais de

    referncia - SRM) no evidenciou diferenas significativas quando comparado com os

    resultados de amostras armazenadas em azoto lquido (-80C) num perodo at cerca

    de 7 anos (Tsalev, 1995).

    Foi no entanto observado por Zeisler et al, 1988, uma tendncia de diminuio das

    concentraes de arsnio encontradas no material de referncia NIST SRM 1577

    (fgado de bovino) aps 10 anos de armazenamento.

    Sabbioni e seus colaboradores (Sabbioni et al, 1990) estudaram perodos mais curtos

    de armazenamento a temperaturas mais elevadas, verificando que podiam manter

    amostras de soro em tubos de polipropileno durante 10 dias a 5C, e amostras de

    urina em tubos de polietileno durante pelo menos 45 dias, a -20C, sem verificar

    alteraes.

    Alguns procedimentos tornaram-se populares devido decomposio incompleta da

    matria orgnica (por exemplo digestes pressurizadas em autoclaves), dando

    resultados inferiores ao esperado pela tcnica de HG-AAS. Sabe-se que se podem

    obter resultados de arsnio mais baixos quando se analisam tecidos marinhos e urina,

    porque estas amostras so ricas em espcies de arsnio dimetiladas. O mesmo

    acontece quando se aplicam as digestes em vaso aberto s com HNO3, mesmo sob

    condies de refluxo.

    As digestes pressurizadas podem ser usadas como um pr-tratamento de digesto e

    depois serem completadas em vaso aberto, usando uma mistura ternria de cidos

    (HNO3, HClO4 e H2SO4) ou ento por digesto seca na presena de MgNO3.

    21

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    As digestes mais fiveis e vulgarmente utilizadas so as digestes hmidas baseadas

    na mistura ternria: HNO3-HClO4-H2SO4 (Tsalev, 1995).

    Outras digestes hmidas que utilizam outras misturas de cidos como, por exemplo,

    as misturas HNO3-H2SO4 e HNO3-HClO4, no so recomendadas devido sua baixa

    eficcia na digesto de amostras com elevado teor em gorduras e amostras contendo

    compostos orgnicos de arsnio persistentes, como o caso das espcies de arsnio

    dimetiladas e feniladas. Recomenda-se a utilizao de temperaturas na ordem dos

    250-300C para garantir a obteno de uma digesto completa, reduzindo

    consideravelmente os oxidantes residuais que se libertam sob a forma de vapores de

    SO3, no deixando chegar secura (Tsalev, 1995; Wasilewska et al, 2002).

    Os estudos de especiao do arsnio tm-se revelado um permanente desafio nas

    ltimas trs dcadas.

    Apesar de estar longe de ser aplicada de forma rotineira, a especiao do arsnio

    tem muito mais interesse para alm do acadmico e da pura investigao. Podem

    enumerar-se algumas implicaes do ponto de vista prtico que permitem esclarecer

    o interesse dos estudos de especiao do arsnio: as diversas espcies deste analito

    so muito diferentes quanto sua mobilidade, disponibilidade e tambm toxicidade.

    Podemos classificar as diferentes espcies de arsnio quanto sua toxicidade da

    seguinte forma (toxicidade decrescente) (Tsalev, 1995):

    As3- (arsina) >> [AsO33-] (arsenito) > [AsO43-] (arsenato) > [H4As+] X- (compostos de

    arsnio) > As, As3+ > As5+ > MMA > DMA > AB, AC.

    Geralmente considera-se o arsnio inorgnico mais txico que o orgnico e a forma

    trivalente mais txica que a pentavalente (INCHEM, 2001).

    Sendo assim, a diferenciao entre as diferentes fontes de arsnio, o arsnio

    resultante da exposio ocupacional ou nutricional, tm importncia para que se

    evite a m interpretao dos resultados.

    Alguns protocolos recomendam uma dieta excluindo peixe e marisco durante 3 a 5

    dias antes de uma determinao de arsnio, pois se isso no for respeitado, o arsnio

    da proveniente (ao nvel dos g/g) contribui para a excreo urinria de espcies de

    As como AB, AC, DMA, TMA, etc., de baixa toxicidade e disponibilidade.

    A determinao de arsnio inorgnico em urina (considerado toxicologicamente

    relevante) por anlise directa com HG-AAS e o arsnio total (orgnico e inorgnico)

    aps decomposio da amostra j uma prtica comum. H, no entanto, que

    considerar as drsticas diferenas no comportamento das vrias espcies de arsnio,

    nomeadamente:

    22

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    (a) Diferentes respostas por HG-AAS.

    (b) Ineficincia dos modificadores qumicos.

    (c) Persistncia dos compostos orgnicos de arsnio em muitos processos

    oxidativos comuns.

    2.1.4. A seleco das amostras

    A seleco das amostras adequadas anlise e a sua correcta conservao so

    requisitos indispensveis a uma investigao toxicolgica.

    No ponto anterior 2.1.3.3, foram discutidas brevemente algumas questes relativas

    conservao das amostras destinadas anlise de arsnio. De seguida, apresentam-se

    os principais aspectos relacionados com a seleco de amostras para esta anlise.

    A concentrao de arsnio em amostras biolgicas muito baixa, apresentando

    variaes considerveis entre os diferentes tipos de amostra. Tambm apresenta

    muitas variaes de indivduo para indivduo (Tsalev, 1995; INCHEM, 2001).

    Na Tabela I encontram-se resumidos valores de referncia de diferentes amostras

    biolgicas compilados a partir de diversas fontes bibliogrficas.

    Tabela I: Valores de referncia da concentrao de arsnio em diversas amostras biolgicas.

    Valores de Referncia de Arsnio em Sangue (g/ml) :

    Normal 0,002 a 0,07 (TIAFT, 2007)

    0,002 a 0,06 (Baselt, 2004)

    < 0,001 (ATSDR, 2007)

    0,008 0,004 (Tsalev, 1995)

    < 0,03 (Calabuig, 2004)

    < 0,010 (Moffat et al, 2004)

    0,001 a 0,004 (Casarett e Doulls, 1996)

    Txica 0,05 a 0,25 (TIAFT, 2007)

    0,02 a 2,00 (Baselt, 2004)

    0,1 a 0,2 (ATSDR, 2005)

    0,004 a 0,050 (Casarett e Doulls, 1996)

    Letal 9 a 15 (TIAFT, 2007)

    0,6 a 9,3; valor mdio 3,3 (Baselt, 2004)

    > 1 (ATSDR, 2005)

    > 0,5 (Moffat et al, 2004)

    23

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    Valores de Referncia de Arsnio em Urina (g/ml) :

    Normal 0 a 0,1 (TIAFT, 2007)

    0,01 a 0,30 (Baselt, 2004)

    < 0,1 (ATSDR, 2007)

    < 0,01 (Moffat et al, 2004)

    < 0,01 (Casarett e Doulls, 1996)

    Intox. Crnica 0,2 a 1,0 (TIAFT, 2007)

    0,02 a 2,00 (Baselt, 2004)

    > 0,1 (ATSDR, 2005)

    > 0,1 (Casarett e Doulls, 1996)

    Intox. Aguda > 1,0 (TIAFT, 2007)

    > 0,5 (Moffat et al, 2004)

    Valores de Referncia de Arsnio em Cabelo (mg/Kg) :

    Normal < 1 (Baselt, 2004)

    < 1 (ATSDR, 2007)

    0,06 0,55 e 0,002 0,85(Tsalev, 1995)

    < 1 (Calabuig, 2004)

    Intox. Crnica 1 a 5 (Baselt, 2004)

    Valores de Referncia de Arsnio em Unhas (mg/Kg) :

    Normal 0 a 1,7; valor mdio 0,252 (Baselt, 2004)

    < 1 (ATSDR, 2007)

    Valores de Referncia de Arsnio no Rim (mg/Kg) :

    Normal 0 a 0,068; valor mdio 0,011 (Baselt, 2004)

    Intox. Fatais 0,2 a 70; valor mdio 15 (Baselt, 2004)

    Valores de Referncia de Arsnio em Figado (mg/Kg) :

    Normal 0 a 0,092; valor mdio 0,033 (Baselt, 2004)

    Intox. Fatais 2,0 a 120; valor mdio 29 (Baselt, 2004)

    Valores de Referncia de Arsnio no Pulmo (mg/Kg) :

    Normal 0 a 0,085; valor mdio 0,007 (Baselt, 2004)

    Intox. Fatais ??

    24

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    Valores de Referncia de Arsnio no Crebro (mg/Kg) :

    Normal 0 a 0,025; valor mdio 0,009 (Baselt, 2004)

    Intox. Fatais 0,2 a 4,0; valor mdio 1,7 (Baselt, 2004)

    Valores de Referncia de Arsnio no Bao (mg/Kg) :

    Normal ??

    Intox. Fatais 0,5 a 62; valor mdio 8,8 (Baselt, 2004)

    Sendo o arsnio um analito que apresenta grandes dificuldades na sua determinao,

    quer devido amostragem, quer devido a erros analticos, deve fazer-se uma

    ressalva de que muitos dos resultados encontrados na bibliografia podero estar

    incorrectos. No entanto, ser natural verificar uma grande variabilidade nos nveis de

    arsnio encontrados na urina, no cabelo, nas unhas, no sangue, no soro, na pele etc.,

    porque a sua concentrao fortemente influenciada por diversos factores como, por

    exemplo, a exposio ambiental, ocupacional e a dieta.

    Os principais indicadores biolgicos de exposio ao arsnio so, por diversas razes,

    como se explica em seguida, o sangue, a urina, o cabelo e tambm as unhas.

    2.1.4.1 A amostra de sangue

    Devido ao curto perodo de semi-vida do arsnio (T1/2: 7h) (Baselt, 2004), o estudo

    dos nveis deste elemento no sangue s tem utilidade poucos dias aps uma

    exposio aguda, no sendo til para avaliar se existe exposio crnica, a menos

    que se faa uma avaliao continuada dos nveis de arsnio de um indivduo exposto

    de forma crnica a este elemento (Casarett e Doulls, 1996; INCHEM, 2001).

    Dados da colheita: 10ml de sangue em tubo com K-EDTA.

    2.1.4.2 A amostra de urina

    O arsnio encontrado na urina o melhor indicador de uma exposio actual ou

    recente, no entanto deve ter-se em considerao os alimentos ingeridos nos dias

    anteriores determinao, j que alguns organismos marinhos contm concentraes

    elevadas de arsnio orgnico que, como referido anteriormente, excretado sem

    qualquer metabolizao, alterando significativamente o resultado de arsnio obtido,

    podendo gerar interpretaes erradas.

    25

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    Apesar da anlise da urina colhida durante 24 horas (urina de 24h) ser considerada a

    amostra ideal, pois inclui as flutuaes registadas nas taxas de excreo do arsnio, a

    maioria dos estudos de exposio a este elemento usam a primeira colheita de urina

    da manh ou ento uma colheita ao acaso, devido maior facilidade do

    procedimento.

    De qualquer forma, verificou-se que a colheita da primeira urina da manh

    correlaciona-se bem com a urina de 24h (ATSDR, 2002).

    Para diagnosticar uma exposio crnica ao arsnio conveniente efectuar a sua

    determinao nas amostras de urina, cabelo e/ou unhas, sendo estas as amostras

    biolgicas de eleio nos estudos toxicolgicos de arsnio (Casarett e Doulls, 1996;

    Baselt, 2004; ATSDR, 2005).

    Dados de colheita: 20ml de urina em contentor de plstico universal, sem

    necessidade de conservantes.

    2.1.4.3 As amostras de cabelo e/ou unhas

    O cabelo e unhas so essenciais na avaliao da exposio a este elemento no

    passado, no entanto podem existir problemas de interpretao devido possvel

    existncia de contaminao externa.

    A concentrao de arsnio na raiz do cabelo encontra-se em equilbrio com a

    concentrao no sangue. O arsnio depositado no cabelo medida que este vai

    crescendo. Isto acontece porque o cabelo rico em queratina, protena esta que

    contm muita cistena, um aminocido que proporciona a fixao do arsnio de

    forma irreversvel devido ao seu grupo tiol (tambm designado sulfidril: R{-S-H}). O

    mesmo fenmeno explica a afinidade do arsnio pela pele e sua concentrao nas

    unhas.

    Medindo a concentrao de arsnio ao longo do cabelo, podemos obter uma medida

    integrada da exposio ao arsnio durante o perodo de tempo correspondente ao

    crescimento do cabelo em estudo.

    Sabe-se que a taxa de crescimento do cabelo em mdia 1 cm/ms, portanto um

    segmento de cabelo com 5 cm de comprimento vai corresponder aproximadamente a

    5 meses de crescimento (ATSDR, 2001).

    A contaminao externa pode originar nveis elevados de arsnio no cabelo. A

    contaminao pelo ar, gua, solo, ou mesmo partculas de p podem depositar-se no

    cabelo ligando-se sua superfcie. Este arsnio pode ser resistente s lavagens,

    26

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    originando resultados elevados de arsnio (vide ponto 3.6.2 sobre preparao das

    amostras de cabelo e/ou unhas para anlise).

    A contaminao externa do cabelo aumenta potencialmente em cabelos compridos,

    que estiveram durante muitos meses ou anos expostos. O arsnio externamente

    ligado ao cabelo no tem qualquer actividade biolgica ou significado toxicolgico.

    Dados de colheita: 0,5 g de cabelo colhido o mais prximo da raiz, por exemplo,

    atrs junto nuca. Esta quantidade de cabelo corresponde a uma mecha de cabelo

    com o dimetro aproximado de um lpis de carvo. Convm ser colocado em tubo de

    plstico, percebendo-se qual o lado da raiz e assim se manter at chegar ao local

    onde se realiza a anlise.

    A anlise pode efectuar-se tambm em unhas, aconselhando-se a colheita de cerca

    0.5 g de unhas acondicionadas em contentor de plstico.

    27

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    2.1.5. A intoxicao por arsnio alguns casos e curiosidades

    Na Idade Mdia, o arsnio (mais precisamente o trixido de arsnio p branco, sem

    sabor, nem cheiro) foi o veneno de eleio, tendo-se mantido essa preferncia at

    incio do sc. XX (Gontijo e Bittencourt, 2005). Isto porque os sintomas eram

    semelhantes aos da clera, bastante comum na altura, resultando na no deteco

    das intoxicaes por arsnio.

    A intoxicao com arsnio quer acidental, quer deliberada, associada a inmeras

    doenas e mortes de personagens muito conhecidas da histria. Apresentam-se, em

    seguida, alguns exemplos de (alegadas ou comprovadas) vtimas da intoxicao por

    arsnio.

    A sade de George III da Inglaterra (1736-1820) foi sempre motivo de preocupao

    enquanto este reinou. Ele sofreu periodicamente de mal-estar fsico e problemas

    mentais sendo necessrio, por diversas vezes, afast-lo dos seus deveres. Em 1969,

    investigadores afirmaram que os episdios de loucura e outros sintomas fsicos eram

    devido a porfria, doena que tambm tinha sido identificada em outros membros da

    sua famlia. Em 2004, estudos efectuados em amostras de cabelo deste rei revelaram

    nveis de arsnio extremamente elevados, que poderiam justificar os sintomas que

    ele apresentava em vida. Em 2005, um artigo do jornal mdico The Lancet sugere

    que a fonte do arsnio encontrado nas amostras poderia ser o antimnio usado como

    constituinte do tratamento mdico do rei. Estes dois minerais so encontrados

    vulgarmente nos mesmos solos, e a extraco mineral efectuada naquela altura no

    era suficientemente eficaz para eliminar o arsnio dos compostos que contm

    antimnio (Wikipedia, 2006).

    Existe tambm uma famosa teoria que defende que Napoleo Bonaparte (1769-1821),

    sofreu e morreu de intoxicao por arsnio durante o seu cativeiro na ilha de Santa

    Helena. Amostras forenses do seu cabelo mostraram nveis de arsnio 13 vezes acima

    do considerado normal. No entanto, isto no prova que tenha ocorrido intoxicao

    deliberada de Napoleo pelos seus inimigos.

    O arsenito de cobre era extensamente usado como pigmento nos papis de parede,

    muito usados na altura, pelo que surgiu a suspeita de que a libertao microbiolgica

    de arsnio para o meio ambiente pudesse causar intoxicao por este elemento. No

    entanto, a ausncia de amostras autnticas deste papel de parede, no permite

    sustentar esta teoria.

    28

  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    Alm desta hiptese, existe tambm a suspeita de que o arsnio presente nas

    amostras de cabelo possa ser resultado de contaminao externa proveniente dos

    solos da sepultura onde Napoleo Bonaparte esteve inicialmente durante 20 anos, na

    ilha de Santa Helena (Wikipedia, 2006).

    Charles Francis Hall (1821-1871), um explorador americano, morreu repentinamente

    durante a sua 3 expedio ao rctico, a bordo do navio Polaris. Depois de beber uma

    chvena de caf, ele sentiu-se gravemente doente, durante uma semana sofreu de

    vmitos e delrios, tendo acusado vrios companheiros de expedio de o

    envenenarem, devido a graves desentendimentos. Mais tarde, em 1968, o bigrafo de

    Hall, Chancey C. Loomis, procedeu exumao do corpo do explorador. Foram

    analisadas amostras de osso, unhas e cabelo, cujos resultados mostraram que ele

    teria sido intoxicado com elevadas doses de arsnio durante as suas ltimas duas

    semanas de vida.

    Causa de morte essa, que consistente com os sintomas relatados pelos

    companheiros de expedio (Wikipedia, 2006).

    Os pintores impressionistas usavam frequentemente o pigmento designado como

    verde-esmeralda. Este pigmento constitudo essencialmente por compostos de

    arsnio, suspeitando-se que tenha sido responsvel pela intoxicao acidental de

    alguns pintores como Cezanne, que desenvolveu uma diabetes grave (trata-se de um

    sintoma caracterstico da intoxicao por arsnio). A cegueira de Monet ou mesmo as

    perturbaes psquicas de Van Gogh, podem tambm ter sido parcialmente devidas

    ao uso do verde-esmeralda. A intoxicao com outras substncias vulgarmente

    usadas, como o absinto, os pigmentos de chumbo e de mercrio e outros solventes

    como a turpentina3, podem ser factores que tambm contriburam para os casos aqui

    apontados (Steven Marcus, 2007).

    So vrios os sistemas do nosso organismo que podem ser afectados pelo arsnio,

    nomeadamente a pele, o aparelho respiratrio, o cardiovascular, o imunitrio, o

    urinrio e rgos genitais, o sistema reprodutivo, gastrointestinal e o sistema nervoso

    (INCHEM, 2001).

    3 Fluido obtido a partir da destilao da resina recolhida das rvores.

    29

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    Fig. 4 Exemplos de leses na pele devido ao consumo de gua potvel contaminada com arsnio no Bangladesh (Safiuddin e Karin, 2001) (imagem disponvel em: http://www.eng-consult.com/pub/ArsenicIEB.pdf)

    Os compostos inorgnicos solveis de arsnio so extremamente txicos, a sua

    ingesto em doses elevadas conduz ao aparecimento de sintomas gastrointestinais

    (dores abdominais fortes e vmitos), distrbios no funcionamento dos sistemas

    cardiovascular e nervoso (cefaleias, delrios), podendo causar a morte.

    Nos sobreviventes a uma intoxicao por arsnio podem observar-se os seguintes

    sintomas, depresso da medula ssea4, hemlise5, hepatomegalia6, melanoses7,

    polineuropatias8 e encefalopatias9.

    Inmeros estudos epidemiolgicos mostraram que a exposio crnica ao arsnio, por

    exemplo devido ingesto de guas contaminadas, est relacionada com o aumento

    do risco de cancro na pele, pulmes, bexiga, rim, fgado e prstata, assim como com

    outras alteraes na pele, tais como hiperqueratose10 e alteraes na pigmentao

    (INCHEM, 2001; Germolec et al, 1998).

    A relao causa/efeito, quanto s propriedades cancergenas deste elemento, foi

    confirmada quando se verifica a ingesto de gua contaminada com As 50g

    arsnio/litro.

    A exposio ocupacional ao arsnio, principalmente por inalao est associada ao

    aparecimento do cancro no pulmo.

    4 Diminuio da produo das clulas sanguneas. 5 Destruio dos eritrcitos e libertao de hemoglobina no sangue circulante. 6 Aumento do fgado ou fgado hipertrfico. 7 Hiperpigmentao da pele. 8 Distrbio neurolgico devido a leses nervosas perifricas. 9 Patologias cerebrais, transtornos do sistema nervoso central (SNC). 10 Resultante de uma produo excessiva de protenas, denominadas queratinas.

    30

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    A exposio crnica ao arsnio em Taiwan foi associada doena designada como

    Blackfoot disease (BFD), uma forma severa de doena do sistema vascular perifrico,

    que conduz a situaes de gangrena. Esta doena no foi documentada noutros locais

    do mundo e estes achados em Taiwan podero estar associados tambm a outros

    factores contributivos. Existem, no entanto, outras evidncias reunidas a partir de

    estudos efectuados em vrios pases, que sustentam a tese de que a exposio ao

    arsnio causa outras formas de doenas do sistema vascular perifrico (INCHEM,

    2001).

    A contaminao das guas subterrneas e o impacto negativo dessa contaminao no

    homem foi j registado em vinte e trs pases. A situao particularmente grave na

    ndia e no Bangladesh (Rahman et al, 2005).

    Estes dois casos de contaminao de guas subterrneas deram j origem a inmeras

    publicaes cientficas, onde so relatados os problemas de sade pblica

    encontrados, as tcnicas analticas e de amostragem usadas na avaliao desta

    contaminao (Van Geen et al, 2003; Smith et al, 2000; Roychowdhury et al, 1999;

    Tondel et al, 1999; Chowdhury et al, 2000; Rahman et al, 2001; Chowdhury et al,

    2001; Chakraborti et al, 2002; Rahman et al, 2002; Mandal et al, 2002; Guha

    Mazumder et al, 2000).

    O estudo relativo contaminao de vrias regies da ndia j dura h mais de vinte

    anos. Analisando a figura que se segue (Fig.5) podemos ter uma ideia actualizada da

    extenso dessa contaminao.

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    Fig.5 - Mapa que ilustra os nveis de contaminao com arsnio das guas subterrneas de Bengala Ocidental - ndia. Imagem retirada da Internet em 2008 Fev 20. Disponvel em: http://www.soesju.org/arsenic/wb.htm

    Nos ltimos anos, surgiram evidncias de contaminao das guas subterrneas

    noutros pases asiticos, incluindo por exemplo o Cambodja, Myanmar e Paquisto.

    Estes nveis de contaminao e a sua relao com leses encontradas na pele

    tambm foram relatados no Nepal, Vietname, Iro e outras regies.

    As notcias, quer nacionais, quer internacionais ilustram a preocupao que existe ao

    nvel ambiental e de sade pblica relativamente a esta substncia.

    32

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    De acordo com investigadores nesta rea, cerca de 140 milhes de pessoas,

    principalmente em pases em desenvolvimento, esto a ser envenenadas por arsnio

    na gua potvel (BBC, 2007).

    Em Portugal, em diferentes regies, ao longo do tempo, foram-se registando nveis

    de arsnio em gua potvel acima do limite mximo permitido (10g/l), como se

    pode evidenciar pelas notcias recolhidas em vrios sites da internet ou atravs de

    consulta dos relatrios anuais sobre qualidade das guas de consumo do IRAR

    (Instituto Regulador de guas e Resduos; disponvel em www.irar.pt ):

    Vilares continua a beber gua contaminada da rede () a pior

    situao verifica-se na aldeia de Valbom (Vila Flor) que h 4 anos

    consecutivos detm o galardo do mais alto nvel de arsnio do pas

    (Jornal de Notcias, 2004). Entre 2000 a 2003 encontraram-se valores

    de arsnio na gua da rede 15 a 80 vezes superiores ao limite mximo

    permitido.

    Em Baio, autotanques substituem fornecimento de gua

    contaminada com arsnio(RTP, 2005).

    Cerca de 60 mil portugueses bebem gua com arsnio a mais ()

    portugueses consumiram gua contaminada com doses excessivas de

    arsnio em 2004. Este um dos principais problemas que ressaltam dos

    dados de base do ltimo relatrio anual sobre a qualidade da gua em

    Portugal, divulgado pelo Instituto Regulador de guas e Resduos (IRAR)

    no final do ano passado.(Jornal O Pblico, 2006)

    33

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    2.1.6. O processo de digesto das amostras

    Apesar da digesto ser um processo sobejamente conhecido e extensamente usado

    desde h muito tempo em inmeras determinaes analticas, muitos investigadores

    continuam ainda a procurar o mtodo de digesto ptimo.

    Este processo fundamental, j que a escolha inadequada do mtodo de digesto

    pode causar importantes erros que culminam na perda dos elementos de interesse,

    por exemplo, por adsoro na matria orgnica residual ou por contaminao das

    amostras atravs de contaminantes provenientes do ar, dos recipientes do

    laboratrio ou pelo uso de cidos com pureza insuficiente (Loska, 2006).

    Normalmente so usados dois tipos de digesto: a digesto hmida ou a digesto

    seca.

    O processo de digesto seca consiste na incinerao da matria orgnica desde os

    450 aos 800C em vasos abertos. O uso deste tipo de digesto encontra-se limitado

    devido volatilidade das ligaes de alguns elementos. A adio de determinados

    compostos como, por exemplo, xido de magnsio (MgO) ou nitrato de magnsio

    (Mg(NO3)2) diminui a volatilidade dos elementos e acelera a decomposio da

    amostra. Infelizmente, este processo tem a desvantagem de consumir muito tempo.

    No processo de digesto hmida a matria orgnica decomposta aplicando cidos

    concentrados com efeito oxidante. Os cidos ntrico, sulfrico e perclrico so os

    mais comuns.

    A digesto hmida pode ocorrer em sistema aberto ou fechado, vulgarmente

    designados por digesto hmida em vaso aberto ou digesto hmida em vaso

    fechado. De entre os sistemas anteriores, a digesto em vaso aberto a mais

    popular, no entanto esta encontra-se limitada devido s baixas temperaturas de

    decomposio que podem ser aplicadas. As temperaturas de digesto no podem

    exceder o ponto de ebulio de um determinado cido ou mistura de cidos presso

    atmosfrica.

    Outras desvantagens deste tipo de digesto so um maior risco de contaminao, a

    necessidade de usar maior volume de cidos e finalmente a perda de analito devido

    sua volatilidade.

    A digesto em vaso fechado diminui o risco de contaminao e perdas de analito

    causadas pela volatilidade dos elementos.

    Nos ltimos anos a digesto com microondas tem vindo a ganhar popularidade. A

    aplicao da tecnologia microondas, de um modo geral, diminui o tempo de

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  • Dissertao de Mestrado em Medicina Legal e Cincias Forenses

    preparao da amostra possibilitando igualmente a digesto completa da matria

    orgnica. Tambm reduz a perda de elementos e a contaminao da amostra quando

    comparada com outros mtodos de digesto.

    Um mtodo de digesto aplicando microondas pode ser 10 a 100 vezes mais rpido do

    que um mtodo tradicional, dependendo do material que est a ser tratado.

    2.1.7. Estudo dos processos de digesto

    Neste trabalho estudou-se a hiptese de aplicao da tecnologia microondas na

    digesto de amostras biolgicas para determinao de arsnio, assim como o

    processo de digesto hmida em vaso aberto.

    O processo de digesto por microondas consiste