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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL LUCIANE KAREN MODENA REVISTA O CARRETEIRO: 45 ANOS DE ESTRADA CAXIAS DO SUL 2016

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

LUCIANE KAREN MODENA

REVISTA O CARRETEIRO: 45 ANOS DE ESTRADA

CAXIAS DO SUL

2016

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LUCIANE KAREN MODENA

REVISTA O CARRETEIRO: 45 ANOS DE ESTRADA

CAXIAS DO SUL

2016

Monografia de conclusão do curso

de Comunicação Social,

habilitação em Jornalismo, da

Universidade de Caxias do Sul,

apresentada como requisito

parcial para a obtenção do grau

de Bacharel.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Ribeiro

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LUCIANE KAREN MODENA

REVISTA O CARRETEIRO: 45 ANOS DE ESTRADA

Aprovado (a) em: ___/___/___

Banca examinadora

________________________________

Professor Dr. Paulo Ribeiro

Universidade de Caxias do Sul – UCS

________________________________

Professora Dra. Alessandra Paula Rech

Universidade de Caxias do Sul – UCS

________________________________

Professora Dra. Ramone Mincato

Universidade de Caxias do Sul – UCS

Monografia de conclusão do curso

de Comunicação Social,

habilitação em Jornalismo, da

Universidade de Caxias do Sul,

apresentada como requisito

parcial para a obtenção do grau

de Bacharel.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Ribeiro

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Dedico este trabalho a meu pai, Gilmar, à minha mãe, Anabel, à minha irmã, Nicole, e a cada caminhoneiro honesto que está, neste momento, levando o pão para a sua casa e para as casas de todos os brasileiros.

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AGRADECIMENTOS

Não fossem as normas técnicas, constaria aqui o resumo do meu

trabalho, por ser, em si, um agradecimento. Esta monografia é um

reconhecimento a meu pai, Gilmar Antonio Modena, que a exemplo do meu

avô, Aldino, e dos meus tios, é caminhoneiro. Meu pai sempre influenciou suas

duas filhas a estudar, uma vez que ele próprio só havia aprendido “a trabalhar

e a pagar impostos”. Das suas viagens, trazia a revista O Carreteiro, para a

alegria das filhas, um dos meus primeiros contatos com o mundo da leitura.

Depois de 30 anos na condução de caminhões por todo o Brasil, muitas

foram as situações enfrentadas. Por três vezes, a única fonte de renda da

casa, o caminhão, foi sacada pelas mãos de assaltantes. O pesado, ainda a

ser pago, ia embora sem sua alma, sem o motorista que tanto zelava por ele.

Apesar disso, meu pai garantiu que, com sua força de trabalho, daria pelo

menos uma faculdade para cada filha. A mais velha é formada em Ciências

Biológicas e mestranda em Biotecnologia. A segunda escolheu sua profissão

movida pela paixão de contar histórias. Ainda não é formada, mas, por meio de

um caminhão, está na estrada que leva a esse destino.

Agradeço à minha mãe Anabel Maria Meirelles Modena, que largou

emprego e estudos para se dedicar a mim e minha irmã. Mãe, não haveria

melhor escola que tua presença amorosa e melhor exemplo que tua

persistência. Agradeço à minha irmã, Nicole Anne Modena, por ser meu

incentivo na busca pelo conhecimento, desde o ensino do alfabeto ao exemplo

de leitora que me fez encontrar realização nas letras. Agradeço a Davi Pedroso

Martins, por pegar na minha mão e me ajudar a atravessar mais esta fase ao

meu lado.

Agradeço ao meu professor orientador, Paulo Ribeiro, pelo apoio

incondicional. Ao longo deste ano de desenvolvimento do projeto e da

monografia, ganhei um verdadeiro amigo que soube me aconselhar quanto ao

que era melhor para minha formação. Mais do que isso, juntos descobrimos um

pouco do complexo mundo da estrada, que agora apresentamos. Coisa que

filhos de caminhoneiro trazem na alma. Vivenciei tantas maravilhosas

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experiências jornalísticas ao longo do curso, tendo como pano de fundo suas

disciplinas. Esta monografia é mais uma delas.

Em meu breve caminho no jornalismo, pude contar com o apoio e o

exemplo de diversos profissionais do ramo, em minhas passagens por veículos

de comunicação, empresas, órgãos públicos e voluntariados. Agradeço à

ComMissão Jovem, da Diocese de Caxias do Sul, por me permitir um primeiro

contato com a comunicação.

Dentre os lugares que percorri, destaco duas pessoas para

agradecimentos: a jornalista da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul Vania

Marta Espeiorin, por ter me mostrado o quanto o jornalismo é importar-se com

as pessoas, amá-las e buscar fazer o melhor por elas, nos gestos mais

simples; e a jornalista Maria de Fátima Zanandrea, do centenário Correio

Riograndense, que com muito interesse leu meu projeto de monografia e me

deu apoio, sendo exemplo de pessoa altruísta em palavras e gestos. A elas,

minha amizade e carinho.

Agradeço meus professores, familiares, amigos e também colegas, por

ajudarem a construir esta história. Especialmente às queridas Mayara Zanella e

Priscilla Panizzon, com quem dividi toda a graduação.

Agradeço, enfim, a Deus, não em último lugar, mas para que minha

gratidão nunca se acabe. Obrigada por dar ao homem a graça de conhecer e

por proporcionar que todas estas pessoas cruzassem meu caminho.

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Não há estrada longa quando há algo que

se busca.

Sabedoria dos para-choques

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto de estudo a revista O Carreteiro,

publicada mensalmente há 45 anos e distribuída gratuitamente a motoristas de

caminhão em todo o Brasil. O trabalho aborda referências teóricas sobre

jornalismo de revista e jornalismo segmentado de revista. O estudo analisa

cinco edições da revista O Carreteiro, dos anos de 1975, 1985, 1995, 2005 e

2015, verificando a forma como a revista valorizou a classe dos caminhoneiros

brasileiros ao longo de sua trajetória. Como metodologia de pesquisa, utilizou-

se a análise de conteúdo. Com o estudo, verificou-se que o produto jornalístico

O Carreteiro teve diversas mudanças na sua forma de valorizar o caminhoneiro

ao longo das cinco décadas, notando-se crescente superficialidade nas

abordagens.

Palavras-chave: Jornalismo de revista. Jornalismo segmentado. Revista O

Carreteiro. Caminhoneiro e mídia.

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ABSTRACT

This research has as study object the magazine O Carreteiro, published

monthly for 45 years and free distributed to truck drivers in Brazil. The work

deals with theoretical references of magazine journalism and segmented

journalism magazine. The study analyzes five issues of the magazine O

Carreteiro, in the years 1975, 1985, 1995, 2005 and 2015, checking how the

magazine valued the class of Brazilian truckers along its trajectory. As research

methodology, was used content analysis. In the study, it was found that the

journalistic product O Carreteiro had several changes in the way they value the

truck drivers over the five decades, noting the growing superficiality in

guidelines.

Keywords: Magazine journalism. Segmented journalism. O Carreteiro

magazine. Truck driver and media.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Revistas Carga Pesada e Caminhoneiro ........................................ 44

Figura 2 – Capa do livro fotográfico “Vida na Boleia” ....................................... 45

Figura 3 – A primeira edição de O Carreteiro ................................................... 47

Figura 4 – Edições especiais de 30 (2000), 40 (2010) e 45 anos (2015) ......... 48

Figura 5 – Personagem Zé Carreteiro .............................................................. 53

Figura 6 – Espaço para envio de cartas é publicado duas vezes..................... 56

Figura 7 – Legendas usam humor para atrair leitores ...................................... 58

Figura 8 – Lançamentos de caminhões e Fórmula Truck ganham capas ........ 61

Figura 9 – Capa da edição de outubro/novembro de 1975 .............................. 68

Figura 10 – Seção Posto Zero .......................................................................... 69

Figura 11 – Zé ilustra reclamação .................................................................... 70

Figura 12 – Fotografias utilizadas para ilustrar reportagem ............................. 73

Figura 13 – Zé ilustra reportagem .................................................................... 75

Figura 14 – Desenho ironiza filas ..................................................................... 77

Figura 15 – Zé está confuso com mudança nas placas ................................... 79

Figura 16 – Formas criativas para abordagens das placas .............................. 80

Figura 17 – Capa da edição de março de 1985 ............................................... 82

Figura 18 – Seção Colegas da Estrada ............................................................ 90

Figura 19 – Capa da edição de setembro de 1995 .......................................... 92

Figura 20 – Diagramação apresenta exageros visuais .................................... 97

Figura 21 – Capa da edição de fevereiro de 2005 ........................................... 99

Figura 22 – Fotografias reforçam estereótipos ............................................... 103

Figura 23 – Capa da edição de outubro de 2015 ........................................... 107

Figura 24 – Uso de infográfico, típico em jornalismo de revista ..................... 110

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13

2. JORNALISMO DE REVISTA ....................................................................... 16

2.1 O ESTILO DE REVISTA ......................................................................... 18

2.2 A REVISTA NO BRASIL ......................................................................... 19

2.2.1 O Cruzeiro inaugura nova época ................................................... 20

2.2.2 Quatro Rodas, Claudia, Realidade e Veja ..................................... 22

2.3 SEGMENTAÇÃO NO JORNALISMO ...................................................... 24

2.3.1 Jornalismo segmentado nas revistas brasileiras ........................ 26

2.3.2 Fases na segmentação do mercado de revistas .......................... 28

2.4 JORNALISMO IMPRESSO: COMO FAZER ........................................... 29

2.4.1 A linguagem .................................................................................... 30

2.4.2 A diagramação ................................................................................ 30

2.4.3 A fotografia ...................................................................................... 33

2.4.4 O infográfico.................................................................................... 34

2.4.5 A objetividade X A interpretação ................................................... 34

3. MÍDIA VOLTADA AO CAMINHONEIRO NO BRASIL ................................ 37

3.1 PROGRAMAS E PUBLICAÇÕES PARA CAMINHONEIROS ................. 37

3.1.1. Carga Pesada ................................................................................. 38

3.1.2. Siga Bem Caminhoneiro e Brasil Caminhoneiro ......................... 40

3.1.3. Pedro Trucão com Globo Estrada e Pé na Estrada .................... 41

3.1.4. Revistas: Carga Pesada e Caminhoneiro .................................... 42

3.1.5. A vida na boleia pelas lentes de dois fotógrafos ........................ 44

3.2 A REVISTA O CARRETEIRO ................................................................. 45

3.2.1 Histórico .......................................................................................... 46

3.2.2 Linha editorial ................................................................................. 47

3.2.3 O personagem Zé Carreteiro ......................................................... 51

3.2.4 Trajetória e conteúdos das publicações ....................................... 53

4. ANÁLISE ...................................................................................................... 62

4.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE ............................................................... 63

4.2 DELIMITAÇÃO DO MATERIAL............................................................... 65

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4.3 PRIMEIRA REVISTA: OUTUBRO/NOVEMBRO DE 1975 ...................... 67

4.4 SEGUNDA REVISTA: MARÇO DE 1985 ................................................ 81

4.5 TERCEIRA REVISTA: SETEMBRO DE 1995 ......................................... 91

4.6 QUARTA REVISTA: FEVEREIRO DE 2005 ........................................... 98

4.7 QUINTA REVISTA: OUTUBRO DE 2015 ............................................. 106

4.8 PÓS-ANÁLISE ...................................................................................... 113

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 115

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 119

ANEXOS ........................................................................................................ 122

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1. INTRODUÇÃO

A presente monografia traz para o ambiente acadêmico a pauta dos

motoristas de caminhão, figuras pouco exploradas em espaços como esse. A

pesquisa se debruça sobre a revista O Carreteiro, publicação mensal que

circula desde 1970, com distribuição gratuita para caminhoneiros em todo o

Brasil. O objetivo do estudo é verificar como a revista valorizou essa classe de

trabalhadores ao longo dos seus 45 anos, tendo amparo nas teorias sobre

jornalismo de revista e jornalismo segmentado.

O trabalho se justifica em diversos aspectos. O primeiro deles considera

que o modal rodoviário é responsável, segundo dados da Confederação

Nacional do Transporte (CNT), por 61,1% do transporte de cargas no Brasil1.

Além de ser o mais empregado, é o mais caro, poluidor e lento. Mesmo por trás

de tantas características negativas, que estimulam o preconceito,

caminhoneiros autônomos ou vinculados a transportadoras são os que levam

os mais diversos produtos às mãos dos consumidores de todo o país,

sustentando o escoamento das safras, a entrega de matéria-prima à indústria e

de produtos finais aos supermercados.

O preço do diesel, o valor cobrado nos pedágios, a exploração do

caminhoneiro, a ausência da família, o medo e a insegurança, o baixo preço do

frete e as condições gerais de trabalho são alguns dos problemas que atingem

motoristas profissionais. O preconceito para com a categoria, vista como uma

profissão sem luxos ou honrarias, acaba por minar a voz do caminhoneiro

diante dos problemas que enfrenta. Com pouco espaço na grande mídia, tais

assuntos ficam restritos a publicações e a programas segmentados a essa

classe trabalhadora.

É nesta linha que circula a revista O Carreteiro, a mais antiga revista

brasileira voltada aos caminhoneiros. A publicação nasceu como parte de uma

família de revistas técnicas lançadas pela Editora Abril, a fim de levar

informações aos motoristas de caminhão. Posteriormente, foi vendida para a

1 Dados disponíveis em Transporte Rodoviário de Cargas – Abril de 2016 <http://www.economiaemdia.com.br/EconomiaEmDia/pdf/infset_transporte_rodoviario_de_cargas.pdf>. Acesso em 16 jun. 2016.

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GG Editora de Publicações Técnicas Ltda, do norte-americano John Garner, à

qual pertence atualmente.

Para proceder à pesquisa, a pergunta “Como a revista O Carreteiro

valoriza o caminhoneiro ao longo dos seus 45 anos?” foi elencada como

questão norteadora. Diante desse questionamento, sugerem-se as seguintes

hipóteses: a revista valoriza o caminhoneiro com sua linha editorial; a revista

seria a porta-voz do caminhoneiro brasileiro; a publicação traria mudanças na

sua forma de divulgar o caminhoneiro durante as cinco décadas e ainda a

consideração de que a revista teria se tornado superficial nas suas

abordagens, ao longo do tempo.

A fim de responder à questão norteadora e verificar a veracidade das

hipóteses, será empregada a Análise de Conteúdo (AC), por meio do método

hipotético-dedutivo. Segundo Martin W. Bauer (2002), a AC está voltada aos

tipos, qualidades e distinções no texto, em detrimento de descrições

numéricas, sendo uma técnica híbrida entre quantidade e qualidade. Conforme

Wilson Corrêa da Fonseca Júnior (2005), este método ocorre em três etapas: a

pré-análise, com a seleção do material, hipóteses e objetivos; a análise, com a

exploração do material, e, por fim, a pós-análise, com a interpretação do

material analisado.

Para concretizar a pesquisa, será necessário percorrer um caminho, ao

longo de quatro capítulos. No capítulo dois, serão ressaltados aspectos sobre o

jornalismo de revista e o estilo de revista, com leituras de Marília Scalzo e

Sergio Vilas Boas. O histórico da revista no Brasil será resgatado com Thomaz

Souto Corrêa e Maria Celeste Mira. A segmentação no jornalismo será

explorada com material de Maria Celeste Mira e Mara Ferreira Rovida. O estilo

voltado ao jornalismo impresso terá resgates de Luiz Costa Pereira Junior e

Nilson Lage, explicando noções sobre edição, linguagem e diagramação.

O terceiro capítulo abordará a mídia voltada ao caminhoneiro no Brasil.

Essa parte da pesquisa ajuda a entender quais referenciais sobre este

trabalhador foram ou são trabalhados em rádio, televisão e publicações

impressas. O capítulo resgatará programas como Carga Pesada e Siga Bem

Caminhoneiro, que mostraram ao país a imagem de um trabalhador até então

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desconhecido. Neste capítulo também será feito um apanhado que abrangerá o

histórico da revista O Carreteiro e sua linha editorial, com entrevista do editor-

chefe da publicação, João Geraldo.

O quarto capítulo será dedicado à análise. Nele, será explicado o

método de análise de conteúdo, a delimitação do material, a análise das cinco

edições da revista que foram selecionadas e ainda a pós-análise, com as

inferências a respeito do material estudado. Para a pesquisa, serão elencadas

edições de cada meio de década: outubro/novembro de 1975 (edição

bimestral), março de 1985, setembro de 1995, fevereiro de 2005 e outubro de

2015. As revistas serão analisadas como um todo, focando em matérias que

retratem a realidade do caminhoneiro e em espaços que denotem participação

do leitor. Ainda será analisada a história em quadrinhos do Zé da Estrada,

presente em todas as edições.

Além de elucidar questões sobre o jornalismo segmentado e de revista

por meio da análise formal das edições, a monografia pretende valorizar o

caminhoneiro, profissional que percorre estradas enfrentando inúmeros

desafios ao longo de um país continental. Seu trabalho geralmente é percebido

no cotidiano quando vem a faltar. A ideia é mergulhar no universo de um

trabalhador que vive o dia a dia da forma como um jornalista adoraria viver:

conhecendo histórias, realidades, paisagens e pessoas, apesar de tantas

dificuldades.

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2. JORNALISMO DE REVISTA

Quem se dedicou a estudar o jornalismo de revista é unânime: a revista

é um produto jornalístico diferenciado. Os autores que entendem desse

universo defendem que a revista pode ser entendida a partir da sua finalidade:

ser próxima do seu leitor. É para atingir esse objetivo que o jornalismo de

revista possui características intrínsecas ao seu formato, como a periodicidade

diferenciada, o formato físico, o texto pensado para que seja lido de forma

prazerosa, a riqueza da impressão e os temas voltados para públicos

específicos.

Tidas como objetos queridos, fáceis de carregar, revistas são

geralmente guardadas por colecionadores ou compradas em bancas, por terem

chamado a atenção. Conforme explica Marília Scalzo, “uma revista é um

veículo de comunicação, um produto, um negócio, uma marca, um objeto, um

conjunto de serviços, uma mistura de jornalismo e entretenimento” (2014, p.

11-12). Entretanto, a própria pondera que, verdadeiramente, quem define o que

é uma revista é o leitor (2014, p.12).

Outro aspecto que ajuda a compreender a relação do leitor com esse

objeto jornalístico é o fato de que se trata de um meio de comunicação

impresso, geralmente tido como mais confiável que meios eletrônicos. Scalzo

(2014, p.13) lembra que as revistas não conseguem cumprir o papel de

informar primeiro, na maioria dos casos, especialmente devido à periodicidade

– geralmente semanal, quinzenal ou mensal. O grande papel das revistas,

diante disso, é informar melhor, e não antes, trazendo entretenimento, análise,

reflexão e experiência de leitura.

Enquanto os jornais nascem com a marca explícita da política, do engajamento claramente definido, as revistas vieram para ajudar na complementação da educação, no aprofundamento de assuntos, na segmentação, no serviço utilitário que podem oferecer a seus leitores. Reviste une e funde entretenimento, educação, serviço e interpretação dos acontecimentos. Possui menos informação no sentido clássico (as “notícias quentes”) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática). Isso não quer dizer que não busquem exclusividade no que vão apresentar a seus leitores, ou que não façam jornalismo. (SCALZO, 2014, p. 14).

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Outro aspecto que ajuda a clarear o entendimento sobre a revista é

compará-la a formas mais antigas de comunicação impressa. Os jornais, por

exemplo, são voltados a públicos heterogêneos, nos quais não é possível

definir o rosto dos leitores. Nas revistas, ocorre o contrário: com a

segmentação por assunto e tipo de público, o leitor se torna alguém definido.

Portanto, mais fácil de ser conquistado.

Para conquistar, é necessário conhecer o leitor. Conforme indica Scalzo

(2014, p.37), diversas técnicas são empregadas nas redações das revistas,

desde que envolvam o mais importante: escutar o que o leitor tem a dizer. O

contato pode ser por meio de pesquisas, telefonemas, cartas ou e-mails

enviados à redação. Isso exige da revista um serviço de atendimento ao leitor

mais apurado, a fim de garantir a sintonia leitor-veículo.

É ali que os leitores reclamam quando acham que a revista errou, dão palpites, oferecem ideias, brigam, pedem ajuda… Atualmente, a maioria das revistas tem uma linha telefônica e/ou e-mail reservado exclusivamente para atender a seus leitores. Dali saem sugestões de pauta, sente-se o pulso das seções e das matérias, medem-se os erros e acertos de cada edição. (SCALZO, 2014, p. 37)

O formato de revista também é um ponto que a diferencia de outros tipos

de publicações, segundo a autora. A revista é privilegiada por ter maior

liberdade criativa, podendo ser impressa e distribuída em tamanhos diversos.

Assim, pode facilmente ser carregada pelo leitor. Outras vantagens são a

limpeza das mãos após o manuseio do papel, o que não acontece ao

manusear jornal, e a qualidade de leitura e de imagem, superior à impressão

de jornal. Em resumo, a revista compele, em seu formato diferenciado e boa

qualidade de impressão: informações bem apuradas, desenvolvidas em texto

prazeroso e aprofundado, de interesse de seus leitores. Esses leitores são bem

conhecidos pela redação, por meio de diversas técnicas.

Para Scalzo, revista é veículo de massa, mas não muito. “Quando

atingem públicos enormes e difíceis de distinguir, as revistas começam a correr

perigo” (2014, p.16). Foi o caso da revista americana Life, que acabou

fechando devido ao seu gigantismo: não conseguiu dar conta dos custos de

impressão e distribuição.

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2.1 O ESTILO DE REVISTA

Para Sergio Vilas Boas (2002, p.71), são três os grupos estilísticos das

revistas: ilustradas, especializadas e de informação-geral. Conforme o autor,

qualquer revista é especializada, de alguma forma, por pretender atingir um

público determinado. Para Thomaz Souto Corrêa (in MARTINS, LUCA, 2011, p.

207), por sua vez, há dois grandes mercados de revistas: as de consumo, as

destinadas ao grande público e vendidas em bancas e por assinaturas; e as

especializadas, geralmente gratuitas, que tratam de assuntos que interessam a

segmentos específicos da sociedade.

Vilas Boas define que cada revista tem seu modo de ser, sua linguagem,

e que cada estilo é geralmente definido conforme o tipo de leitor que se quer

atingir (1996, p.39). “Quanto mais amplo e mais de massa for o público

pretendido por uma revista, mais o repertório linguístico usará formas

tradicionais, confirmadas socialmente” (1996, p.71). Para ele, o estilo gráfico e

a linguagem tendem para uma gramática própria do gênero revista.

Ainda segundo Sergio Vilas Boas (1996), a revista semanal preenche os

vazios informativos deixados pelos jornais, rádio e televisão, com sofisticação

visual e textos mais criativos, recursos geralmente incompatíveis à velocidade

do jornal diário. Neste contexto, a reportagem interpretativa é o forte do veículo:

As revistas exigem de seus profissionais textos elegantes e sedutores. Considerados os valores ideológicos do veículo, não há regras muito rígidas. Há, isto sim, uma conciliação entre as técnicas jornalística e literária. […] O estilo magazine, por sua vez, também guarda suas especificidades, na medida em que pratica um jornalismo de maior profundidade. Mais interpretativo e documental do que o jornal, o rádio e a TV; e não tão avançado quanto o livro-reportagem. (VILAS BOAS, 1996, p. 9)

O papel de fazer mais e melhor, e não mais rápido, faz com que as

revistas produzam jornalismo daquilo que está em evidência nos noticiários,

somando a isso pesquisa, documentação e riqueza textual. “Isso possibilita a

elaboração de um texto prazeroso de ler, rompendo as amarras da

padronização cotidiana”, (VILAS BOAS, 1996, p.9). A criatividade é uma das

exigências no texto de revista, que perpassa o talento potencial do

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jornalista/autor. “A primeira consequência de um bom texto é seduzir o leitor”,

(VILAS BOAS, 1996, p. 13).

Conforme Scalzo (2014, p.76), o bom texto é o que deixa o leitor feliz.

Devido a essa preocupação, o tipo de linguagem varia de uma publicação para

outra.

2.2 A REVISTA NO BRASIL

A revista surge no Brasil no século XIX, junto com a chegada da família

real portuguesa, que fugia de Napoleão e da guerra na Europa. A imprensa

brasileira nasce a partir deste fato, em 1808, com a instalação da tipografia da

Impressão Régia. Em junho daquele ano, o Correio Braziliense, publicado em

Londres por Hipólito José da Costa Furtado de Mendonça, referia-se ao Brasil

como Império. O periódico era lido regularmente no Brasil. Apenas a partir de

setembro passa a ser impresso o primeiro jornal produzido em território

nacional: a Gazeta do Rio de Janeiro (MOREL, in MARTINS, LUCA, 2011, p.

23-30).

A primeira revista brasileira surge em 1812, ainda com cara e jeito livro.

As Variedades ou Ensaios de Literatura aparece em Salvador, na Bahia,

propondo-se a publicar discursos sobre costumes e virtudes morais, novelas,

histórias, resumos de viagens, autores em prosa e verso. A segunda revista, O

Patriota, aparece em 1813, no Rio de Janeiro, divulgando autores e temas

brasileiros. A primeira segmentação por tema surge em 1827, com a revista O

Propagador das Ciências Médicas, órgão da Academia de Medicina do Rio de

Janeiro. Espelho Diamantino, também naquele ano, é a primeira das revistas

femininas nacionais (SCALZO, p 27-28).

Até então, as revistas tinham curto prazo de vida – algumas duravam

apenas uma edição. Apenas com a implantação de uma fórmula que copiava

os magazines europeus e com o avanço nas técnicas de impressão, as revistas

brasileiras encontram um caminho para se manter. Foi o que ocorreu com

Museu Universal, lançada em 1837, com textos leves e ilustrações, bom

conjunto para uma população recém-alfabetizada.

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As revistas de variedades têm início com A Marmota na Corte, de 1849,

abusando de ilustrações e textos curtos, de humor. Na sequência, conforme os

registros de Scalzo (2014, p. 29), Semana Ilustrada e Revista Ilustrada lançam

moda com as caricaturas – uma nova forma de dar notícias e fazer críticas.

No início do século XX, com as mudanças trazidas pela Belle Époque,

afloram no Rio de Janeiro publicações de diversos tipos, com imprensa

profissionalizada, acompanhando a industrialização nacional. “Nesse período,

as publicações se dividem entre as de variedades e as de cultura. Há inúmeros

grupos de intelectuais, das mais variadas tendências, que fundam sua própria

revista”, (SCALZO, 2014, p. 29).

Na transição entre os séculos XIX e XX, surge um novo tipo de revista:

“galantes”. Voltadas ao público masculino, traziam notas políticas e sociais,

piadas e contos picantes, caricaturas, desenhos e fotos eróticas. Rio Nu (1898)

e A Maçã (1922) são exemplos.

2.2.1 O Cruzeiro inaugura nova época

A revista O Cruzeiro faz surgir uma nova época no jornalismo de revista

do Brasil a partir de 1928, quando foi inaugurada. Com atenção especial ao

fotojornalismo, a revista criada pelo jornalista e empresário Assis

Chateaubriand (Chatô) desenvolve uma nova linguagem no ramo. Quando

lançada, eram impressos 50 mil exemplares. Nos anos 50, a revista dos Diários

Associados, grupo de Chateaubriand, chega a vender 700 mil exemplares por

semana – uma marca histórica. Sobre as edições, Maria Celeste Mira explica

que,

Se observarmos suas principais características editoriais, veremos que junto com as inovações voltadas para as grandes reportagens fotográficas ainda há muito de literário, conservando-se espaço significativo para contos e crônicas de autores brasileiros e empregando-se escritores, teatrólogos ou cineastas. Características que a consolidação da indústria cultural viria a alterar. (2001, p. 22-23).

A revista foi criada como parte da campanha que levou Getúlio Vargas

ao poder, chegando a ser editada em espanhol e exportada para a América

Latina. A publicação foi pioneira em diversos elementos que figuram até hoje

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nas revistas brasileiras: marketing, investimento técnico, preocupação com o

padrão visual e esquema de distribuição. Dos anos 30 aos 60, foi o veículo

responsável pela crônica social, política e artística do Brasil e do mundo,

contando com inéditos correspondentes estrangeiros (MIRA, 2001, p. 23).

Conforme Mira (2001, p.24), a fim de distribuir a edição em todo o país,

Chatô operou um sistema com caminhões, barcos, trens e até avião bimotor. A

revista era impressa em papel couchê, repleta de fotografias com pessoas

influentes e famosas. As produções eram feitas pela dupla fotógrafo e repórter,

mudando o padrão para casamento de texto e imagem. Entretanto, sofrendo

com a queda do império de Chatô, O Cruzeiro deixa de circular em 1975, após

um declínio que começara ainda na década de 60.

Quando O Cruzeiro estava no auge, surge a revista Manchete, da

editora Bloch, em 1952. A revista utiliza ainda mais que a anterior os recursos

gráficos e fotográficos. A publicação circula até o começo da década de 1990,

acompanhando a decadência do modelo das revistas semanais ilustradas.

Outro veículo que entrou para a história do jornalismo de revista foi Realidade,

da editora Abril, lançada em 1966 e fechada dez anos depois.

Victor Civita, fundador da editora Abril, ao fazer uma análise de

mercado, por volta de 1950, constatou: que havia nas bancas uma grande

semanal ilustrada (a de Chateaubriand, com a qual não pretendia competir);

nenhuma revista feminina (a não ser A Cigarra, de moldes de roupas, também

de Chateaubriand); apenas um título importante de fotonovelas (Grande Hotel,

da Editora Vecchi) e nenhuma revista infantil. Essas constatações foram

essenciais para lançar a maior editora de revistas do país.

Segundo Corrêa (in MARTINS, LUCA, 2011), antes de fundar sua

empresa, Civita visitou os principais editores de revistas, em sua maioria no Rio

de Janeiro. Mesmo assim, decidiu que São Paulo seria sua sede, porque a

cidade detinha capital. Em dois anos, lançou dois grandes sucessos de vendas:

Pato Donald, negociada com a Disney, em 1950, e Capricho, em 1952. Depois

do Pato Donald, saíram ainda Mickey, Zé Carioca e Tio Patinhas. Capricho, por

sua vez, começou publicando fotonovelas inteiras. O sucesso propiciou a

abertura de mais três títulos, dentre eles, Contigo!. Ambas existem até hoje,

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ainda que com missões editoriais diferentes das de suas fundações: Capricho

voltada ao universo adolescente e publicada apenas de forma online e Contigo!

no segmento de celebridades.

Depois de descobrir os públicos infantil e feminino, faltavam ainda outros

segmentos a serem explorados. A editora Abril conquista o mercado brasileiro

com revistas de periodicidade mensal, lançadas na sequência, abrindo

caminho para a venda de anúncios. Esse passo é importante, porque

possibilitou ao leitor o acesso ao exemplar a um preço mais acessível,

contribuindo para a disseminação da revista em todo o país.

2.2.2 Quatro Rodas, Claudia, Realidade e Veja

Nos anos 60, o jornalismo de revista no Brasil experimenta o início de

uma nova era, marcada pela presença de diversos títulos da editora Abril à

frente das vendas. Como um processo natural do “fazer revista”, as edições

foram se tornando cada vez mais voltadas a públicos específicos. A primeira

revista da era das grandes mensais brasileiras foi Manequim, que circula desde

1959 até hoje, com moldes de roupas encartados e opiniões sobre estilo.

Entretanto, a grande marca da década ficou com quatro títulos da Abril:

Claudia, voltada ao público feminino; Quatro Rodas, ao mercado

automobilístico; Realidade e Veja, com perfis mais voltados a universitários.

Comparadas ao mercado atual, entretanto, tais revistas ainda tinham públicos

genéricos, mas que começavam a se definir. Esses títulos foram os primeiros

sinais de um jornalismo mais segmentado, de uma produção mais voltada a

públicos específicos.

Em relação à era de O Cruzeiro, os novos títulos representam um primeiro passo em direção à segmentação do mercado de revistas. Aquela publicação capaz de atender a todos os gostos começará a mudar a partir dos anos 60, com o surgimento de revistas mais especializadas. A imprensa brasileira também está em processo de modernização e racionalização. (MIRA, 2011, p. 41).

A revista Quatro Rodas surge em 1960, com características ainda

desconhecidas pelo público, como mapas destacáveis com indicações de

paradas. A publicação também trazia com ineditismo uma tabela com preços

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dos automóveis vendidos na época, novos e usados. “Mostrava, assim, a

preocupação em servir o leitor” (CORRÊA, in MARTINS e LUCA, 2011, p. 211).

Quatro Rodas também foi a primeira a fazer testes com veículos, atraindo um

público mais masculino, consumidor de carros e aventureiro.

Em 1961 surge Claudia, cuja única concorrente era a revista Jóia

(editora Bloch, lançada em 1957). Claudia congregou uma fórmula capaz de

atrair mulheres com produtos e decorações nacionais, mostrando-lhes

aquisições possíveis, diferentemente das produções que abordavam conteúdos

estrangeiros, distantes das leitoras.

A parte que Claudia dedicava a assuntos de interesse geral mudou e passou a tratar de temas que faziam parte do dia a dia da leitora: educação dos filhos, relações com o marido, controle da natalidade e problemas com ela mesma, começando a questionar o papel de dona de casa, que queria ter direito ao trabalho, à independência financeira, questões restritas aos homens. (CORRÊA, in MARTINS e LUCA, 2011, p. 213).

A próxima a fazer sucesso é Realidade, lançada em 1966. A revista foi

idealizada para ser encartada em jornais de domingo, mas já nasceu

independente. Grandes reportagens, com texto e fotos, ao estilo O Cruzeiro,

passaram a circular, mas desta vez mensal e não semanalmente. Conforme

Corrêa, a publicação chegou a vender 500 mil exemplares por mês, um número

que não foi atingido por outra revista mensal (MARTINS e LUCA, 2011, p. 216).

A revista durou dez anos, tratando de temas polêmicos como uso da maconha,

clero de esquerda, casamento de padres, racismo e fome, em pleno regime

militar. A publicação acabou desaparecendo com a modernização dos jornais e

a popularização da televisão.

Veja é, até hoje, a publicação mais famosa e mais vendida da editora

Abril. Antes do lançamento, em 1968, houve intenso preparo de campanha de

divulgação, seleção de redatores envolvendo graduados em qualquer área de

todo o país e ainda visitas de Civita e Mino Carta, primeiro diretor da revista, às

redações das principais semanais dos Estados Unidos e Europa. Vendeu 700

mil exemplares na primeira edição, mas entrou em uma das mais

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decepcionantes quedas, até ficar abaixo dos cem mil exemplares. Conforme

Corrêa, dentre os motivos para a decepção,

Era uma revista cheia de texto, que inaugurava no Brasil o gênero das newsweeklies, revistas semanais de informação, na escola das americanas Times e Newsweek. Não tinha o formato grande de Manchete, nem tantas páginas coloridas. Para um público que não conhecia o gênero, a revista era muito compacta, com muito texto para ler, e a novidade não foi muito bem entendida. (CORRÊA in MARTINS e LUCA, 2011, p. 218).

A revista levou seis anos para se estruturar, graças à persistência de

Roberto Civita, até adaptar o novo formato ao mercado brasileiro. As

assinaturas foram um dos pilares para reerguer financeiramente o

empreendimento, numa época em que assinar era visto como prejuízo para

bancas. Conforme Corrêa (MARTINS e LUCA, 2011, p. 221), os jornaleiros só

aceitaram as assinaturas se a Abril não vendesse assinaturas de nenhuma

outra revista por dez anos. A medida deu certo, e, há anos, mais de 80% da

venda de Veja é por meio de assinaturas.

Depois de Veja e suas novidades, surgem no mercado formatos

semelhantes, como IstoÉ, de 1976, lançada pela Editora Três; e Época,

lançada pela Editora Globo em 1998.

2.3 SEGMENTAÇÃO NO JORNALISMO

Uma das formas de elucidar o que é, enfim, jornalismo segmentado, é

relacionando-o com o que é considerado jornalismo de forma generalizada. A

pesquisadora Mara Ferreira Rovida, em sua dissertação de mestrado, por

exemplo, dividiu o jornalismo em três, a fim de entender melhor o papel da

comunicação: de informação geral, especializado e segmentado.

Conforme Nelson Traquina (apud ROVIDA, 2010, p. 54), o jornalismo

voltado a grandes públicos é resultado de um processo que se deu ao longo da

história da atividade jornalística. O autor divide o papel do jornalismo ao longo

do tempo em três: sua expansão, iniciada no século XIX; sua comercialização,

que começa a lhe atribuir valor de mercado, e o surgimento do papel social da

informação, por último, que passa a interferir no cotidiano da sociedade e na

importância da manutenção da democracia. Traquina defende, diante disso,

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que é o jornalista o profissional capacitado para apurar, editar e publicar

matérias. Ele é um “profissional especializado”.

A especialização do profissional capaz de fazer jornalismo é diferente da

especialização jornalística em si, que pressupõe divisão por temas. Segundo o

pesquisador Érik Neveu (apud ROVIDA, 2011, p. 60), a especialização em

editorias faz parte do processo histórico do jornalismo, desde as mais

tradicionais, como política e economia, até saúde e educação, surgidas na

década de 1970. “A partir dessa noção de especialização jornalística de Neveu,

poderíamos considerar o jornalismo especializado em editorias como uma

consequência do próprio desenvolvimento profissional dos jornalistas”

(ROVIDA, 2011, p. 60).

Para a autora, enfim, o jornalismo especializado se remete a uma

editoria do jornalismo de informação geral. Seria uma característica do

jornalismo contemporâneo, mas não um fenômeno à parte:

Jornalismo especializado faz parte do jornalismo de informação geral por se tratar de comunicação ampla e genérica, embora possa ser limitado por aspectos temáticos que imprimem certa singularidade na redação das notícias e até na abordagem dos temas noticiados. (ROVIDA, 2011, p. 65).

O jornalismo segmentado surge, conforme a pesquisadora, quando não

é considerado apenas o conteúdo, mas principalmente o público a que se

refere. O foco pode até ser temático, entretanto, caso a publicação seja

distribuída para um público pouco classificado, homogêneo, não se trata de

segmentação. Por outro lado, quando além da temática específica há público

direcionado, trata-se de outro tipo de jornalismo (ROVIDA, 2011, p. 68).

Para Mara Rovida, o mercado brasileiro de revistas tende a aumentar o

número de publicações segmentadas e fazer desaparecer as generalistas,

como as ilustradas, por exemplo (2011, p. 74). A segmentação, nesse sentido,

seria uma estratégia de mercado. Por fim, a autora define o jornalismo

segmentado:

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Outro pesquisador a explorar o assunto é Kardec Pinto Vallada. Em sua

dissertação de mestrado, Vallada cria uma classificação para as revistas: as de

interesse geral, de informação, de interesse específico e as especializadas,

feitas por meio de jornalismo segmentado. Segundo Vallada (apud ROVIDA,

2011, p. 71), essas revistas geralmente não são vendidas em bancas, tendo

circulação dirigida. Os leitores são definidos por interesses comuns, como a

profissão ou campo de seu interesse.

Vallada explica ainda que o conteúdo é diferente do meramente

informativo: é comum encontrar reportagens, pesquisas, estudos e opiniões

aprofundadas no tema a que se dedica. A periodicidade também é

diferenciada, sendo encontradas publicações até bimestrais, trimestrais ou

quadrimestrais, uma vez que a atualidade não é o mais relevante neste nicho

de mercado (ROVIDA, 2011, p. 73).

Mara Rovida seleciona, a partir do estudo de Vallada, sete subespécies

de revistas especializadas: as técnico-setoriais (dirigidas a um setor); as

técnico-profissionais (voltada a profissionais específicos); as acadêmico-

científicas (para divulgação de estudos e pesquisas); as empresariais

(geralmente distribuídas gratuitamente); as estudantis; as associativas (híbrido

entre as empresariais e as técnico-profissionais) e as recreativas (foco no

lazer) (ROVIDA, 2011, p. 73).

2.3.1 Jornalismo segmentado nas revistas brasileiras

No princípio da revista brasileira, O Cruzeiro figurou como divisora de

águas, conforme analisado. A publicação, de sucesso nas décadas de 30, 40 e

50, reinou por mais de 30 anos dentre públicos diversos. A revista se dirigia a

homens, mulheres, crianças e jovens, ainda sem se preocupar com gostos e

preferências de cada leitor. Pesquisa do Ibope à época atesta que O Cruzeiro

foi a revista da família brasileira, passando pelas mãos dos pais, filhos e

“creados”, percorrendo diferentes sexos, idades e classes sociais (MIRA, 2001,

p.13).

A descoberta do leitor e da leitora, no início dos anos 60, começou a

mudar essa realidade. Passou a ficar evidente a diferenciação entre o fazer

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jornalístico próprio dos jornais diários e o próprio para revistas, inaugurando a

necessidade de foco de público na publicação dessas últimas. Conforme

Thomaz Souto Corrêa,

Na redação dos grandes jornais da época não havia perfil de leitor. Para o jornal, leitor era todo mundo: homem, mulher, velho, jovem, empresário, profissional liberal… Revistas trabalhavam para um leitor ou leitora definido. No início, tratava-se de uma definição mais intuitiva, porque as pesquisas engatinhavam como ferramenta editorial. Mas a definição intuitiva batia com as manifestações dos leitores: cartas à redação, telefonemas, entrevistas, visitas, viagens. (in MARTINS, LUCA, 2011, p. 226).

Segundo Maria Celeste Mira, a segmentação começa a surgir por meio

de questões econômicas, como a publicidade e a viabilidade financeira do

veículo. A autora explica que, durante o século XIX, os magazines

praticamente não tinham anúncios, sendo sustentados pela circulação paga. A

distribuição de produtos industrializados e o aumento da população urbana

promovem incremento na publicidade, que passa a sustentar as publicações,

propiciando que sejam vendidas a preços muito baixos. “Toda a dinâmica da

revista de grande circulação atual já está aí presente: o leitor passa a ser visto

como um consumidor em potencial e o editor torna-se um especialista em

grupos de consumidores”, aponta Mira (2001, p.10-11).

A pesquisadora lembra ainda que a revista tem custo relativamente mais

baixo que outros veículos, sendo o desafio não lançá-la, mas mantê-la. Para

Mira, a ideia de que a revista é um veículo de massa precisa ser bem

analisada, especialmente quando considerada a quantidade de pessoas em

detrimento da homogeneidade do grupo.

O estudo das revistas de grande circulação parece indicar que o conceito de massa, quando associado à ideia de grande número, tem sua dimensão de realidade, mas se pensado como homogeneidade foi apenas uma cortina de fumaça que nos impediu de perceber a diversidade de públicos da indústria cultural. Uma diversidade que sempre existiu. Entre a hipótese de que estaríamos passando por um processo de desmassificação e a ideia de que o público sempre conteve uma diferenciação interior que o conceito de massa ocultava, a análise das revistas aponta mais para a segunda, embora seja notável a aceleração do processo de segmentação nas duas últimas décadas do século XX. (MIRA, 2001, p. 11).

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Mira defende que as grandes fronteiras entre os públicos são o gênero,

a geração e a classe social. Marília Scalzo (2014, p. 49), por sua vez, entende

como os principais segmentos: o gênero, a idade, a geografia (cidade ou

região) e o tema (cinema, esportes, ciência…). Conforme a autora, na

segmentação da segmentação, autores idealizavam a existência da revista

individual, a mais especializada possível. Esse tipo de publicação não chegou a

ser impresso: o advento da internet acabou por cumprir com esse papel.

2.3.2 Fases na segmentação do mercado de revistas

Conforme Corrêa, são três as fases da segmentação no mercado de

revistas brasileiras, marcadas especialmente pelo grandioso crescimento da

editora Abril (MARTINS, LUCA, 2011, p. 223). Na história das revistas

mundiais, os primeiros segmentos que surgiram atendiam aos públicos

definidos por gênero. No Brasil, tem-se como primeira fase da segmentação as

revistas Manequim, de moldes; Quatro Rodas, automobilística e de turismo;

Claudia, feminina de interesse geral; Veja, semanal de informação e Exame, a

revista de negócios.

Ainda nessa primeira fase, as revistas Placar, de esportes, e Nova, para

a mulher moderna, marcaram presença. Playboy, que foi lançada como

Homem, despontou como a grande revista de entretenimento masculino,

expondo mulheres nuas. A segunda fase da segmentação do mercado de

revistas brasileiro se apoiou na ideia de que determinados elementos de

grandes revistas poderiam atingir ainda mais público, caso houvesse

publicações específicas sobre esses assuntos.

É desse ideal que nasce a revista Casa Claudia, por exemplo, em 1977.

A decoração da casa sempre fez parte da linha editorial de Claudia, mas uma

publicação específica poderia trazer mais público. De Exame, por sua vez,

nasceram as revistas Info, especializada em informática, e Vip, que se tornou a

segunda maior revista de entretenimento masculino do mercado brasileiro. A

Exame rendeu ainda a Você S.A., que surge em 1999 tratando sobre carreira.

A segmentação teria ainda uma terceira fase, com a vinda de novos

títulos a partir das publicações surgidas na segunda fase. É o exemplo de

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Arquitetura & Construção, ligada às áreas de construir e reformar, e Bons

Fluidos, que aborda o esoterismo em casa. Ambas surgiram de Casa Claudia,

que, por sua vez, descendeu de Claudia. “Não há dúvida de que a

segmentação foi um dos fatores que levou a Abril a ser a maior editora de

revistas do Brasil e da América Latina”, atesta Corrêa (in MARTINS, LUCA,

2011, p. 224-225).

2.4 JORNALISMO IMPRESSO: COMO FAZER

Diversos são os elementos que devem ser pensados para se fazer

jornalismo impresso. Jornais e revistas são escritos e diagramados para serem

aproveitados de forma diferente de produtos jornalísticos eletrônicos. Essa

relação com o leitor, que tem em mãos o produto, pressupõe pensar em

elementos que vão desde a edição, inerente à atividade jornalística, até a

linguagem, a escolha de fotos e a disposição de textos e elementos visuais em

uma página.

O primeiro processo é o da edição, que tem papel fundamental no

jornalismo. É por meio dela que se define o que será abordado e de que forma.

Conforme Luiz Costa Pereira Junior, ser editor é “um teste de caráter” (2006, p.

21). Isso porque o editor é incumbido de tomar inúmeras decisões em nome do

público, relacionar-se com fontes e com a estrutura da empresa para a qual

trabalha.

“Da cadeia produtiva da informação, é ele quem talvez mais revele de si

na operação do próprio trabalho, quaisquer que sejam suas obrigações, se

atividade-fim ou atividade-meio” (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 21). Segundo o

autor, a atividade-fim do editor é coordenar a cobertura, enquanto sua

atividade-meio tem papel mais gerencial.

Pereira Junior resume que, no jornalismo impresso, editar é o que se faz

ao: definir um espaço, determinar um lugar, considerar se haverá foto e o

tamanho, privilegiar e até premiar o trabalho feito no tempo e espaço estipulado

(2006, p. 22). Na sequência, serão abordados demais elementos referentes à

produção de jornalismo impresso.

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2.4.1 A linguagem

Para que haja processo de comunicação, é preciso haver código em

comum. Esse código é a linguagem, que não se restringe apenas ao uso do

idioma. Nilson Lage (2006, p. 11) explica que a linguagem jornalística

transcende o idioma: quem compra um jornal não procura papel, mas

informação. As várias peças que compõem o todo são utilizadas para transmitir

a informação, e a elas é designada a alcunha de linguagem jornalística.

Neste contexto, são destacáveis o projeto gráfico e seus dois sistemas:

o analógico e o linguístico. Por projeto gráfico, Lage entende como o “sistema

simbólico composto de manchas, traços, ilustrações e letras – pequenos

desenhos abstratos que se repetem e combinam-se de maneira caprichosa”

(2006, p. 12). Os grupos de letras se reúnem em aglomerados compactos ou

claros em volta, de hastes finas ou grossas, com ou sem serifas, maiúsculas,

minúsculas, verticais, horizontais ou inclinadas. São inúmeras as

possibilidades.

No projeto gráfico, a diferença se sobrepõe à semelhança e a novidade se integra à identidade. Ele deve ser capaz de preservar a individualidade do veículo; fazê-lo reconhecido pelo consumidor mesmo quando este não lê o título – e ainda que a disposição dos elementos varie a cada dia. Guarda relação com a realidade social, tanto que, em dada sociedade, podemos presumir a que grupo de leitores se destina. E contém uma infinidade de informações, desde “isto é um jornal” até “tal grupo de letras é mais importante do que aquele outro”. (LAGE, 2006, p. 12).

Os sistemas analógicos e linguísticos, por sua vez, fazem parte do

projeto gráfico. O analógico envolve fotografias, ilustrações, charges, cartoons,

imagens e infográficos. O sistema linguístico envolve manchetes, títulos, textos

e legendas. “Como é próprio das línguas naturais, a sintaxe lógica é rica e

complexa, o que a torna adequada à comunicação de conceitos” (LAGE, 2006,

p.13).

2.4.2 A diagramação

A diagramação é prerrogativa do jornalismo impresso. Conforme Pereira

Junior, diagramar é tomar posição (2006, p. 98). O design gráfico, o

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planejamento de uma página, também é informativo. A disposição de

elementos como títulos, fotos e matérias isoladas obedece à construção de um

significado, que, no conjunto, também emite mensagem: é a enunciação

(PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 98).

[…] uma disposição mais desorganizada dos elementos de uma página, sob tal lógica, poderia dar a sensação de descuido com a qualidade das informações. A padronização visual, assim, organiza o material de modo a que cada página seja a personificação do veículo inteiro. O padrão, no entanto, é personalizado, estabelece a identidade, expressa a imagem pública do veículo. A forma que assume um título, por exemplo, vai tornar a página mais dinâmica e viril, mas principalmente define a leitura que o produto faz dos assuntos que cobre. (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 99).

O autor define seis itens onde se pode estabelecer um bom design de

página. São eles: a simplicidade, a unidade, a harmonia, a proporção, o

equilíbrio e a tipologia (2006, p. 102-103). A simplicidade significa,

essencialmente, eliminar o supérfluo. Quanto mais itens, há mais esforço visual

por parte do leitor para compreender a mensagem. Quanto menor a variedade

de fontes utilizadas, mais fácil de identificar o veículo.

A unidade envolve a subordinação do desenvolvimento de cada

elemento ao motivo principal. A harmonia é a unidade sem violação, com

correspondência das partes e proporção. Essa última, por sua vez, define que

a forma mais interessante é quando o comprimento é uma unidade e meia da

largura. Se o espaço for dividido em três, um seria o dominante, e os outros se

relacionariam a ele e entre si. Se dividido em partes iguais, há monotonia na

página. O equilíbrio é a ordem harmônica das unidades da composição,

destacando uma dominação no conjunto. A tipologia, por fim, refere-se às

letras: serifas em textos corridos, para ajudar a conectar uma letra à outra, e

sem serifa para títulos, em que há poucas palavras.

Quanto à tipologia, Nilson Lage define que revistas ilustradas e

magazines podem variar o tamanho das letras:

O texto sobre um caso de amor virá provavelmente com o título em letra cursiva, imitando a caligrafia; uma reportagem sobre computadores ou viagens espaciais terá o título em letras digitais; uma entrevista política, em letras romanas; matérias de impacto, em helvéticas. (LAGE, 2006, p. 23).

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Lage também aborda o sistema de cores, que, segundo ele, tem a

função de dar a intensidade do estímulo. Na cultura europeia, conforme Lage, o

verde comunica tranquilidade, segurança; o azul, debilidade, discrição,

profundidade; o violeta, melancolia, incomodidade; o laranja, advertência,

impacto; o dourado, riqueza; o amarelo, tensão; o vermelho, paixão, cor

quente.

O mapa da zona ótica, outro assunto trabalhado por Pereira Junior

(2006, p. 103-104), define que: a página ímpar é mais lida que a par; o título e

a foto maior devem vir no alto da página; a direção do olhar na página é espiral,

de cima para baixo.

Marília Scalzo (2014) defende que design em revista é comunicação,

informação, arma para torná-la atrativa. Conforme a autora, mesmo com as

regras básicas de bom design, a revista é tão do leitor que é ele quem vai

definir como a publicação será apresentada.

Como tudo em uma revista é o leitor, é ele, também, quem vai determinar o tipo de linguagem gráfica a ser utilizada na publicação. Não dá para imaginar uma revista de surf diagramada como uma semanal de informação, ou vice-versa. É o universo de valores e de interesses dos leitores que definirá a tipologia, o corpo do texto, a entrelinha, a largura das colunas, as cores, o tipo de imagem e a forma como tudo isso será disposto na página. Por isso, o projeto gráfico tem de estar inserido em um projeto editorial mais amplo. O projeto de uma revista de turismo certamente vai usar muitas fotos, já uma publicação sobre ciência talvez prefira usar infográficos, uma revista para pessoas mais velhas vai escolher um corpo e uma entrelinha maior para facilitar a leitura, enquanto que uma revista para crianças terá, necessariamente, textos mais curtos… (SCALZO, 2014, p. 67).

Em suma, o bom design de revistas, para Scalzo, é o leva em conta as

características da publicação. Uma revista de artigos sérios, por exemplo,

dificilmente usará letras enormes e cores berrantes. Outro valor importante é o

tempo: quanto menor o intervalo entre as edições, menor será o detalhamento

ou a fuga dos padrões na diagramação, uma vez que não há tempo hábil para

montar as páginas do zero a cada edição.

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2.4.3 A fotografia

Vale mais que mil palavras. As imagens no impresso comunicam por si

sós, recebendo uma leve ajuda das legendas. A primeira coisa a ser vista

numa página de impresso são as fotografias, que atraem para a leitura,

prendendo o leitor à página ou não. A imagem pode ter o poder de fazer o leitor

mergulhar em um assunto, imaginar, ilustrar e instigar o que o texto ainda não

lido pode revelar.

Conforme Marília Scalzo, a fotografia deve “excitar, entreter,

surpreender, informar, comunicar ideias ou ajudar o leitor a entender a matéria”

(2014, p. 70). A autora apresenta uma pesquisa feita com os leitores de Veja,

que afirma que uma matéria de uma coluna, sem fotos ou ilustrações, é lida por

9% dos leitores. A mesma matéria, com uma pequena foto, é lida por 15%

deles. A autora ainda defende que a fotografia e a revista parecem ter nascido

uma para a outra, desde as revistas ilustradas. “Tanto pela qualidade do papel

quanto da impressão, as revistas sempre puderam, e souberam, valorizar a

fotografia” (SCALZO, 2014, p. 71).

A boa foto não cumpre seu papel sozinha: também é preciso saber

posicioná-la nos lugares nobres da página, a fim de não desvalorizá-la. Para

Pereira Junior, três são as possibilidades: imagem inferior ao texto, onde

apenas serve como complemento; imagem superior ao texto, dominando-o,

sendo mais informativa e imagem e texto integrados, onde ambos têm a

mesma importância informativa (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 113-114).

Nilson Lage (2006, p. 29) define que, com a fotografia, é possível

imprimir ao papel a dramaticidade, com efeitos de luz e sombra, a

profundidade, com o domínio da perspectiva e o movimento, sugerido pelas

posições dos elementos. Pereira Junior, da mesma forma, destaca efeitos

advindos do uso de fotos. A perspectiva, por exemplo, pode ser obtida com

efeito linear (colocando mais alta a linha do horizonte), efeito figurativo (formas

enfileiradas dão ilusão de profundidade) e efeito luminoso (uso da luz para

profundidade).

O autor define ainda critérios para a edição de fotos em uma página de

jornal, estabelecidos pelo diretor do diários escocês The Scotsman, Andrew

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Jaspan: fotos devem contar histórias, caso contrário não servem para serem

publicadas; é aconselhável utilizar uma foto por página; contrastes entre

planos, ângulos, grupos e indivíduos são interessantes; pormenores são

editados em tamanho grande; cortar fotos no centro da atividade retratada;

usar o alto contraste entre preto e branco e deixar a última palavra com o editor

de fotografia. (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 119-121).

2.4.4 O infográfico

Infográficos cumprem papel diferente das fotografias no impresso, mas

também estão no primeiro nível de leitura desse tipo de publicação. Infográfico,

conforme Pereira Junior (2006, p. 125), é informação jornalística em linguagem

gráfica. Não é ilustração nem fotografia, mas imagem informativa. Segundo o

autor, o infográfico se revela útil na edição de um impresso quando: o texto tem

informação numérica que faria o leitor se perder; apresenta apelo visual e

informativo; algo não pode ser descrito com palavras ou fotos; se perderia

tempo para descrever a informação a ser dada, como a evolução de um

processo, por exemplo; faltam fotos.

Para Scalzo (2014, p. 74), trata-se de uma forma de oferecer informação

que não deve ser tratada como enfeite. Engloba gráficos, tabelas, desenhos,

fotos, legendas, ilustrações, mapas e maquetes. O infográfico, conforme a

autora, precisa ter bom texto, bem como começo, meio e fim. “Simplificar um

infográfico tirando todos os excessos meramente decorativos muitas vezes é o

grande segredo para deixá-lo mais claro” (SCALZO, 2014, p. 75).

Pereira Junior reúne sete princípios para a elaboração de infográficos: a

confirmação de todos os dados; a comparação com o texto; os destaques; a

conversão de unidades; a simplicidade, com comunicação imediata; a clareza,

onde a junção dos elementos deve ser prontamente entendida e a forma e

conteúdo, nos quais o infográfico deve se encaixar perfeitamente na matéria.

2.4.5 A objetividade X A interpretação

No jornalismo impresso, duas características diferenciam de forma clara

os papeis de jornal e de revista. Para o primeiro, a objetividade é essencial, a

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fim de trazer assuntos atualizados, contemporâneos, perecíveis. Para a

segunda, conta mais a interpretação, onde o contexto temporal é, sim,

importante, mas não essencial, como em jornais diários.

Sobre a objetividade, Luiz Amaral (1996) explica que deve ser um

conceito perseguido no fazer jornalístico, e que envolve muito mais que apenas

texto:

Trata-se de uma noção presente a cada fase do processo jornalístico, desde a pauta de assuntos cobertos até o tamanho, a apresentação gráfica e a natureza do espaço que vai ocupar no jornal. Uma questão de honra, um ideal a ser atingido ou uma paixão do jornalismo do século XX, embora, desde a sua incorporação, tenha sido confrontada com o seu contrário, a subjetividade. (AMARAL, 1996, p.17-18)

Conforme o autor, a objetividade apareceu na imprensa no século XIX,

com a lenta e persistente adoção e discussão dos princípios da imparcialidade.

Amaral elenca quatro acontecimentos principais que contribuíram, ao longo do

tempo, para a adoção definitiva do princípio de objetividade: o advento das

agências de notícias, o desenvolvimento industrial, as duas guerras mundiais e

o advento da publicidade e das relações públicas.

O viés interpretativo do jornalismo, ao contrário, defende que a

atualidade deve ser analisada e fornecer orientação à população. Para Luiz

Beltrão (1980, p. 12), a interpretação jornalística consiste em submeter

ocorrências e ideias atuais a uma seleção crítica, para repassar ao público

apenas o que for relevante.

Ainda segundo o autor, o jornalismo interpretativo se esforça em

determinar o sentido de um fato (BELTRÃO, 1980, p. 48). Nessa ótica,

diferenciam-se o jornalismo investigativo, que trabalha com causas e origens

dos fatos, e o interpretativo, que busca a ligação entre os fatos e explica sua

ocorrência (1980, p. 54).

Beltrão ainda reforça que o jornalismo interpretativo deve ser resultado

do esforço de um trabalho grupal coordenado. “O produto […] é a informação

em toda a sua integridade, captada, analisada e selecionada pelo jornalista, ao

qual não cabe o diagnóstico […]” (BELTRÃO, 1980, p. 52). César Luís Aguiar,

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por sua vez, define: “O jornalismo será interpretativo, não por dar a

interpretação feita, digerida, mas por permitir fazer essa interpretação a quem

legitimamente deve fazê-la, que é o público” (AGUIAR apud BELTRÃO, 1980,

p. 52).

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3. MÍDIA VOLTADA AO CAMINHONEIRO NO BRASIL

A segmentação no jornalismo, conforme discorrido no capítulo anterior, é

diferente do jornalismo especializado, onde uma área do veículo de

comunicação se dedica a abordar um assunto em profundidade, mesmo que

não seja o mote do veículo inteiro. A profissão do caminhoneiro, por sua vez,

sempre despertou interesse na mídia por ser um nicho específico de mercado e

gerou curiosidades no meio artístico, pela possibilidade de contar histórias.

Foi assim que, ao longo do tempo, o motorista de caminhão foi retratado

tanto em publicações especializadas dentro de grandes veículos quanto em

veículos segmentados. Além dos programas específicos para a categoria em

rádio e televisão, a figura do profissional também foi pauta de produção

artística, a exemplo da série de televisão Carga Pesada, da Rede Globo. A

seguir, serão elencados exemplos de programas e produtos de mídia com foco

no caminhoneiro, a fim de identificar onde esse profissional esteve em

evidência no Brasil.

3.1 PROGRAMAS E PUBLICAÇÕES PARA CAMINHONEIROS

Serão elencados os principais programas, de televisão e rádio, que

fizeram ou ainda fazem contato com a grande classe trabalhadora dos

caminhoneiros no Brasil ou mostram o profissional para todo o país. O primeiro

programa apresentado é a série de televisão Carga Pesada, seguida pelo

antigo programa de televisão Siga Bem Caminhoneiro e seu sucessor, Brasil

Caminhoneiro.

O “Siga Bem”, como é conhecido e como se denomina em seus sites,

engloba ainda programa de rádio e portais na internet. O terceiro item trará

Pedro Trucão e seus programas Globo Estrada e Pé na Estrada. Serão

apresentadas duas revistas que surgiram depois de O Carreteiro e

abrangeram, em seus 30 anos de existência, parte dos leitores caminhoneiros:

Caminhoneiro e Carga Pesada. Por fim, uma obra da área de fotografia: o livro

“A vida na boleia – Caminhos e Caminhoneiros do Brasil”, dos fotógrafos Ita

Kirsch e Bala Blauth.

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3.1.1. Carga Pesada

Carga Pesada foi uma série da Rede Globo com histórias dos

caminhoneiros Pedro e Bino, interpretados pelos atores Antonio Fagundes e

Stênio Garcia, respectivamente. A estreia da primeira versão foi em 1979. A

segunda veio em 2003, ou seja, 22 anos depois, com os mesmos atores nos

dois papeis principais. Segundo o Memorial Globo online2, o sucesso da

minissérie Ciranda Cirandinha, sobre os dramas de quatro jovens no fim da

década de 70, abriu caminho para o lançamento do projeto Séries Brasileiras,

em 1979. A ideia era explorar o universo do Brasil contemporâneo.

O seriado Carga Pesada, conforme informa o Memorial, foi inspirado em

Jorge, Um Brasileiro, episódio do Caso Especial – faixa de programação da

Rede Globo que trouxe, de 1971 a 1995, episódios ou histórias completas –

exibido em 1978. A história foi adaptada pelo escritor Oswaldo França Júnior,

de seu romance homônimo. No episódio, Antonio Fagundes interpreta um

caminhoneiro que atravessa o interior de Minas Gerais. Paulo José, diretor do

Especial, sugere ao então diretor de operações especiais da Globo, Boni,

registrar a vida dos caminhoneiros em uma série para o projeto Séries

Brasileiras.

Com a ideia aceita, Carga Pesada e as aventuras dos caminhoneiros

Pedro e Bino passam a mostrar a diversidade cultural do país. Em vídeo

disponibilizado na página oficial da série no Memorial Globo, Stênio Garcia fala

sobre os personagens e resume: “Dois homens, dois não matutos, mas dois

homens rurais brasileiros que falariam dessa classe que era absolutamente

desconhecida na sociedade brasileira, que era o caminhoneiro”.

A primeira temporada foi exibida de 22 de maio de 1979 a 2 de janeiro

de 1981, nas terças-feiras, às 22h, num total de 54 episódios. Segundo o

Memorial, a dupla de personagens comprou, em sociedade, um dos mais caros

e bem-equipados caminhões do mercado. A fim de quitar a dívida, Pedro e

Bino transportavam cargas pesadas em longas viagens, revezando-se no

2 Conteúdo disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/carga-pesada-1-versao/formato.htm>. Acesso em 10 de abril de 2016.

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volante e enfrentando atoleiros, enchentes, dificuldades financeiras e assaltos.

A série também abordou a reforma agrária e o trabalho escravo no Brasil.

Quanto às características dos personagens, o Memorial Globo registra

que Pedro é mais aventureiro e orgulha-se por não ter patrão. Gosta de se

envolver com mulheres e diversão, estando sempre disposto a tomar soluções

drásticas para os problemas da estrada. O personagem marcou no país um

dos bordões mais conhecidos da televisão brasileira: o alerta “É uma cilada,

Bino!”. Bino, por sua vez, é mais contido e sensato. Sente saudades da esposa

e dos filhos pequenos e tenta controlar os impulsos de Pedro. A dupla briga por

conta de suas diferenças, mas vive como irmãos.

Sobre a produção dos episódios, o Memorial informa que, a cada

semana, o elenco, os convidados e os figurantes a contracenar com Fagundes

e Garcia eram diferentes. Conforme o site oficial, cada episódio tinha a

participação de 30 pessoas, com gravações de três dias, em média.

Aproximadamente 90% dos episódios foram gravados em externas, muitas

delas noturnas.

Além disso, o Memorial registra que, com o sucesso da série, os atores

Antonio Fagundes e Stênio Garcia receberam centenas de cartas de

caminhoneiros, que contribuíam com o seriado por meio de histórias reais das

estradas e elogios à produção. Carga Pesada foi exibida em países como

Bolívia, Chile, Estados Unidos, França, Irlanda, Itália e Nicarágua.

A segunda versão, segundo o site3 específico da mesma, também no

Memorial Globo online, passou a ser exibida em 29 de abril de 2003,

encerrando-se em 7 de setembro de 2007, num total de 64 episódios, exibidos

às 23h, inicialmente às terças-feiras e depois às sextas-feiras. Nesta versão,

Bino é um pequeno empresário, dono de três caminhões. Entretanto, a

possibilidade de estar com câncer faz com que ele decida convidar Pedro,

ainda caminhoneiro, para uma última viagem de caminhão.

3 Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/carga-pesada-2-versao.htm> - Acesso em 10 de abril de 2016.

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40

A série Carga Pesada, com suas duas versões, consagrou a carreira de

seus atores principais e se tornou uma das maiores referências da profissão na

mídia brasileira.

3.1.2. Siga Bem Caminhoneiro e Brasil Caminhoneiro

Siga Bem Caminhoneiro foi um programa de sucesso na televisão,

veiculado no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e patrocinado pela

Petrobras, sendo transmitido aos domingos de manhã, em rede nacional. Nas

pautas constavam dicas, informações, serviços e entretenimento para os

condutores do transporte rodoviário de cargas. O programa foi exibido entre

1995 e 2009, rodando pelas regiões brasileiras e retratando a vida dos

caminhoneiros e suas histórias4, com apresentação de Alberico Sobreira.

Atualmente, o SBT transmite o programa Brasil Caminhoneiro, também

aos domingos de manhã, com duração de meia hora e linha editorial

semelhante ao original. O Brasil Caminhoneiro também é apresentado por

Alberico Sobreira, agora ao lado de Juliana Nogueira. Na internet, o programa

atual está hospedado em um site5 partilhado com a Rádio Siga Bem e a

Caravana Siga Bem, onde é possível assistir aos vídeos. Os três conteúdos

estão disponíveis no Portal das Estradas6.

Rádio Siga Bem Caminhoneiro, por sua vez, é um programa de rádio

apresentado pelo cantor Sérgio Reis, famoso por interpretar a música-tema7 do

antigo programa de televisão Siga Bem Caminhoneiro. Segundo dados da sua

página oficial8, a atração é direcionada “a motoristas, trabalhadores do

transporte rodoviário e comunidades estradeiras”, com informações, serviços e

entretenimento. O programa Rádio Siga Bem Caminhoneiro está no ar desde

1992 e é veiculado de segunda a sexta-feira, para cerca de 170 emissoras em

todo o Brasil.

4 Informações da Cobram, empresa responsável pela realização do programa. Disponível em: <http://www.cobram.com.br/tv-siga-bem-caminhoneiro> - Acesso em 10 de abril de 2016. 5 Site do programa Brasil Caminhoneiro: <http://www.brasilcaminhoneiro.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016. 6 Portal das Estradas: <http://www.portaldasestradas.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016. 7 Música-tema: Lembranças de casa, do grupo As Marcianas. 8 Site do programa Rádio Siga Bem: <http://www.radiosigabem.com.br/> - Acesso em 10 de

abril de 2016.

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A produção apresenta fatos importantes das estradas, novidades do

setor e dá dicas de saúde, segurança e cidadania, com oferecimento dos

postos Petrobras. A atração tem cinco seções: “Responsabilidade social”;

“Responsabilidade ambiental”; “De Olho no Futuro”; “Boletins da estrada” e

“Retratos do Brasil”. Também são veiculadas campanhas educativas sobre

AIDS e doenças sexualmente transmissíveis, segurança no trânsito e crimes

ambientais. No espaço “Giro de Notícias”, o programa Rádio Siga Bem

Caminhoneiro faz promoções, promove o “Bate-papo com artista”; traz o

espaço do ouvinte e os “Recados do Trecho”, bem como o comentário diário do

repórter Murilo Carvalho, a respeito de assuntos relativos à vida na estrada.

Do programa Siga Bem Caminhoneiro também surgiu a Caravana Siga

Bem9, que se denomina como o maior evento itinerante da América Latina. A

caravana percorre o Brasil promovendo shows com música e apresentações de

teatro, eventos e palestras educativas em diferentes tendas, com realização da

Petrobras e da Mercedes-Benz. A iniciativa também realiza promoções com

sorteio de prêmios e até de caminhões. Atualmente, a caravana conta com 12

caminhões, sendo oito carretas e quatro trucks, dois ônibus e quatro carros de

apoio.

3.1.3. Pedro Trucão com Globo Estrada e Pé na Estrada

O jornalista e publicitário Pedro Trucão é bastante conhecido entre os

caminhoneiros. Ele apresenta, diariamente, o programa Globo Estrada, na

Rádio Globo, das 5h às 6h e das 15h às 17h, desde 2003. Segundo sua página

pessoal na internet10, Pedro estuda os caminhoneiros e motoristas em geral

desde a década de 70, quando experimentou o dia a dia da profissão.

Além do rádio, Pedro também atua na televisão, onde teve passagem

por diversos canais. Ingressou em 1991, no programa Roda Brasil, da Rede

Record. De 1995 a 2004, integrou a equipe de repórteres do programa Siga

Bem Caminhoneiro, do SBT. Atualmente, apresenta o programa Pé na Estrada,

aos domingos, pela Rede Bandeirantes (Band).

9 Disponível no site: <http://www.caravanasigabem.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016. 10 Página oficial de Pedro Trucão: <http://www.trucao.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016.

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A fim de criar um canal de comunicação com o caminhoneiro, Pedro

Trucão criou as “Centrais de Recados do Trucão”. Localizadas nas rodovias,

atualmente são 18, espalhadas nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul. Nas

centrais, os carreteiros podem deixar seus recados, críticas ou elogios. As

mensagens são lidas por Trucão em seu programa de rádio ou viram pauta

para o programa de televisão. No site do comunicador é possível, inclusive,

registrar currículo, procurar vagas de trabalho e/ou cargas.

O Pé na Estrada, por sua vez, é um programa de televisão que resultou

de parceria entre a empresa Trucão Comunicações, de Pedro Trucão, e a

revista O Carreteiro. O foco do programa, conforme consta no perfil de sua

página11 oficial na internet, é valorizar o profissional da estrada. Sua filosofia é

mostrar a importância do transportador rodoviário de cargas e, em especial, do

caminhoneiro, na sociedade.

Pé na Estrada tem linha jornalística informativa e opinativa, com pautas

como a gestão de custos, a qualidade no atendimento e a imagem pessoal,

bem como segurança, cidadania no trânsito e lançamentos da indústria

automotiva.

3.1.4. Revistas: Carga Pesada e Caminhoneiro

Depois da revista O Carreteiro, outras publicações voltadas ao

caminhoneiro foram lançadas e conquistaram leitores neste segmento de

mercado (Figura 1). A revista bimestral Carga Pesada foi lançada em janeiro de

1985, somando 31 anos de circulação. A publicação define como missão

valorizar os caminhoneiros e caminhoneiras, com informação, qualidade

editorial e linguagem clara. É editada pela Ampla Editora, estando disponível

tanto impressa como online, bem como por meio de aplicativo em dispositivos

móveis. A versão digital possui recursos que complementam as matérias, como

vídeos e hiperlinks, além de conteúdo exclusivo e interativo. Ao todo, são seis

revistas impressas e seis digitais ao ano.

11 Disponível na página oficial do programa Pé na Estrada: <http://www.penaestrada.com.br/o-

pe-na-estrada/> - Acesso em 10 de abril de 2016.

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43

A revista mensal O Caminhoneiro também completa 31 anos em 2016,

publicada pelo grupo Tudo em Transporte (TT Editora). O objetivo da

publicação, conforme seu perfil em site12 oficial, é levar informação de

qualidade aos profissionais das estradas. A publicação é responsável por

ações culturais, de saúde e educativas, como Feiras do Caminhoneiro, projetos

Rota Verde e Rota do Conhecimento, Concurso Herói das Estradas e Gincana

do Caminhoneiro.

A exemplo de O Carreteiro, também é distribuída de graça em postos de

combustível conveniados à editora. O conteúdo contempla desde os

lançamentos da indústria do transporte até dicas de saúde e informações sobre

tecnologia. A publicação distribui mais de 100 mil exemplares mensais, em

todo o Brasil. A revista também está disponível de forma digital, por meio do

site da publicação.

Além dessas, avolumam-se as publicações segmentadas para o

caminhoneiro, como revistas e boletins informativos publicados por montadoras

de veículos (como Scania e Mercedes-Benz), empresas de frete, fabricantes de

lonas, carretas, pneus e outros acessórios para caminhões (como Guerra,

Fras-le, Randon, Volvo, Agrale, Goodyear, etc).

Outras publicações também surgiram ao longo do tempo, mas com

menos reconhecimento que O Carreteiro, Caminhoneiro e Carga Pesada.

Exemplos são Eu Rodo, Na Boléia (que tinha formato semelhante a O

Carreteiro, mas deixou de circular), Próximo Km, Banguela (editada em Caxias

do Sul, que também já não circula), dentre outras.

12 Disponível em: <http://www.revistacaminhoneiro.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016.

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44

Figura 1 – Revistas Carga Pesada e Caminhoneiro

Fontes: <www.cargapesada.com.br> e <www.revistacaminhoneiro.com.br> (2016)

3.1.5. A vida na boleia pelas lentes de dois fotógrafos

Lançado em abril de 2015, o livro fotográfico A vida na boleia –

Caminhos e caminhoneiros do Brasil, de Ita Kirsch e Bala Blauth, retrata em

imagens a rotina do transportador de cargas. Quando do lançamento, foi feita

uma grande exposição fotográfica, que circulou por outras cidades da região

Sul do Brasil.

A captação das imagens ocorreu em 2014, quando os autores

percorreram 21 mil quilômetros em 16 estados brasileiros, ao longo de três

meses. No site13 oficial do fotógrafo Ita Kirsch, Simone (Bala) Blauth dá uma

dimensão da aventura fotográfica:

“A expedição seguiu o ritmo e o ciclo dos caminhoneiros: acordar cedo, abastecer, cair na estrada, contar os quilômetros, chegar ao destino, comer, dormir”, resume Simone. “Documentamos o dia a dia desses motoristas e destacamos o transporte específico de cada região. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, os caminhões graneleiros e boiadeiros. No Norte, o transporte da madeira. No Nordeste, sal, frutas e muita água. (BLAUTH, 2015).

13 Disponível em: <http://www.itakirsch.com.br/ita-bala/projetos/vida-na-boleia-caminhos-

caminhoneiros-fotos-brasil/> - Acesso em 27 de abril de 2016.

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O livro (Figura 2) tem 224 páginas e 335 fotografias, com apoio do

ministério da Cultura.

Figura 2 – Capa do livro fotográfico “Vida na Boleia”

Fonte: <www.itakirsch.com.br> (2015)

3.2 A REVISTA O CARRETEIRO

Publicada pela GG Editora, do americano John Garner, a revista tem

tiragem de 100 mil exemplares, distribuídos em 400 pontos do país. Conforme

informações fixas no expediente das edições, O Carreteiro se dirige a

“motoristas de caminhão, empresários donos de transportadoras, frotistas,

chefes de oficinas e demais profissionais ligados ao transporte rodoviário de

carga”.

A publicação é distribuída de graça, em parceria com postos de serviços

rodoviários ROD (Rede Oficial de Distribuidores da revista O Carreteiro).

Também é possível encontrá-la em lojas de peças de caminhão, oficinas

especializadas do setor, sindicatos e associações de motoristas. A revista

circula com edição especial em agosto, devido ao Dia do Motorista,

comemorado em julho, quando ocorre a Feira do Carreteiro. Também são

feitas edições especiais em aniversários da publicação.

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Quem não tem acesso à publicação que é distribuída gratuitamente

pode baixá-la em dispositivo móvel, por meio do aplicativo O Carreteiro, ou

ainda ler por meio de assinatura. Essa opção, no entanto, custa R$ 96 por ano,

ou seja, oito reais por exemplar. O custo corresponde apenas às despesas

para envio pelo correio. Devido a isso, o número de assinantes é pequeno,

conforme informa o editor-chefe João Geraldo à Mara Rovida (ROVIDA, 2010,

p. 98).

A sede da GG Editora fica na Rua Palacete das Águas, número 395, Vila

Alexandria, na cidade de São Paulo. Atualmente, a empresa também publica o

Guia O Carreteiro e organiza a Feira do Carreteiro, evento tradicional para

motoristas de caminhão, criado em 1976. O encontro reúne carreteiros de todo

o Brasil na Basílica de Aparecida, estado de São Paulo.

3.2.1 Histórico

Em circulação desde julho de 1970, a revista O Carreteiro surgiu junto a

uma família de revistas técnicas lançadas pela editora Abril, como a Transporte

Moderno, com o objetivo de levar informações aos motoristas de caminhão. O

atual endereço eletrônico da publicação14 informa que o período em que a

revista foi lançada era de comunicação difícil, com o país governado por

militares.

À época, não existia uma publicação voltada para o segmento de

profissionais do transporte rodoviário de carga. Quando do lançamento,

também não havia, segundo a revista, motoristas organizados em associações

ou entidades ativas para acolher suas reivindicações. A frota brasileira de

caminhões contava com 640 mil veículos, cerca de 100 mil a mais que na

década de 1960, segundo dados da publicação.

A revista passa seus primeiros 11 anos com o selo da arvorezinha à

capa. Em 1981, a editora Abril vende a marca O Carreteiro para a GG Editora

de Publicações Técnicas Ltda, do americano John Garner, pela qual é

publicada até hoje. A essa altura, a publicação tinha deixado de ser trimestral e

se tornado mensal. No final dos anos 80, houve ingresso de novos sócios.

14 Perfil da publicação disponível em: <http://www.ocarreteiro.com.br/revista-o-carreteiro/sobre-a-revista/>. Acesso em 30 de março de 2016.

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A primeira publicação de O Carreteiro é lançada no formato 13,5 cm X

19 cm, medidas que tiveram pequenos reajustes desde então. Por ser pequena

– praticamente a metade de uma revista convencional –, do tamanho de um

gibi, é fácil de carregar ou guardar no bolso, tornando-se companheira do leitor.

A primeira edição trazia, à capa (Figura 3), a inscrição “Para motoristas de

caminhão”. A manchete apontava para matéria a respeito da segurança, com

os dizeres: “Salve o pescoço usando extintor”. A publicação era trimestral.

Figura 3 - A primeira edição de O Carreteiro

Fonte: Revista O Carreteiro, ed. 1, 1970

3.2.2 Linha editorial

Conforme Felipe Pena (2005, p. 12), a linha editorial é uma política

definida pelo veículo de comunicação, que determina "a lógica pela qual a

empresa jornalística enxerga o mundo; ela indica seus valores, aponta seus

paradigmas e influencia decisivamente na construção de sua mensagem". A

revista O Carreteiro afirma ter nascido com o objetivo de levar informações

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para os motoristas de caminhão, e, conforme seu editor-chefe, João Geraldo,

tem a linha editorial clara. Segundo entrevista15 concedida por Geraldo,

Nossa linha editorial é bem definida e clara. Tratamos de todos os assuntos associados ao transporte rodoviário de cargas, tais como novos produtos, legislação e especialmente os temas de interesse dos motoristas de caminhão. (GERALDO, 2016).

Já no primeiro editorial, uma das maiores reclamações dos

caminhoneiros aparecia: a questão do baixo frete. Trechos do texto aparecem

em reportagens sobre a história da revista, em edições especiais de 30, 40 e

45 anos (Figura 4). Na edição de 45 anos, publicada em setembro de 2015,

João Geraldo discorre sobre a história de O Carreteiro por meio da reportagem

“Viagem no tempo”. Conforme ele, quando do lançamento da revista, em julho

de 1970,

Apesar de o motorista ser visto como herói da estrada, havia, na ocasião, muita reclamação em relação aos valores recebidos pelo frete. Por conta da situação à época, o editorial da edição de estreia da publicação tratava do assunto e citava que tais queixas não iam além dos pequenos grupos reunidos em postos de serviço ou nos balcões de transportadoras. (GERALDO, 2015, p. 19).

Figura 4 – Edições especiais de 30 (2000), 40 (2010) e 45 anos (2015)

Fonte: Revista O Carreteiro, edições 313 (2000), 431 (2010) e 491 (2015)

Na edição especial de 30 anos, publicada em 2000, o editorial também

faz referência a 1970: “Pode parecer ironia do destino, mas ao ler a primeira

edição da Revista O Carreteiro, escrita em julho de 1970, a impressão que se

15 Informação de João Geraldo, concedida em entrevista realizada por e-mail em 30 de março de 2016.

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tem – quando o assunto é valor do frete – é que o texto foi feito no mês

passado” (O Carreteiro, 2000, p. 8). Na matéria “Uma viagem no tempo”, de

título quase idêntico ao publicado 15 anos depois, são reproduzidos trechos do

primeiro editorial:

[…] o assunto chegou ao preço dos fretes. Este é o que mais inflama a classe. Tudo sobe. O combustível, o lubrificante, os pneus. Só o frete é que aumenta muito devagar e, de vez em quando, baixa. Dizem que existe uma tabela, mas ninguém cumpre… (O CARRETEIRO, 2000, p. 32-33).

Segundo a edição especial de 45 anos da revista O Carreteiro (2015, p.

20), a chegada da publicação às estradas fez com que os motoristas

passassem a contar com um veículo que levava a público suas reivindicações

e problemas do dia a dia. Por acompanhar as pautas referentes aos

caminhoneiros, a revista mudou ao longo dos anos, adaptando-se às

necessidades de informação do seu público-alvo e à sua realidade.

O atual editor João Geraldo ingressou na redação em janeiro de 1993,

depois de fazer uma reportagem para a publicação em dezembro de 1992.

Geraldo explica como o trabalho do carreteiro estava configurado, à época:

Quando iniciei meu trabalho na Revista O Carreteiro e comecei a pesquisar o perfil do motorista, notei que havia poucas diferenças entre os profissionais em atividade da época e os de 20 anos atrás. Na primeira década, de 1990, o motorista começava a ter consciência da necessidade de se profissionalizar para se manter na profissão. Isso porque já sentiam o peso da baixa rentabilidade, pois muito poucos conseguiam trocar o caminhão por outro mais novo. O financiamento era muito difícil e caro. Por conta disso, a frota estava velha e a maioria não tinha condições de trocar de caminhão. (GERALDO, 2016).

As mudanças ao longo de 45 anos de história são evidenciadas nas

edições especiais de 30, 40 e 45 anos da revista. As reportagens dão conta da

evolução dos modelos de caminhão e do advento de tecnologias, que

facilitaram a vida do condutor e mudaram a forma de relacionar-se com a

publicação. Também é evidenciada a exigência, cada vez maior, de

profissionalização por parte dos caminhoneiros. Velhos problemas, no entanto,

persistem, conforme demonstram as edições especiais. Sobre as mudanças ao

longo da história da revista, Geraldo comenta:

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Quanto ao editorial da revista, as mudanças são naturais e

acompanham os acontecimentos. O que muda são os fatos do setor a

serem noticiados; as novidades da tecnologia para o transporte, como

o surgimento do sistema de rastreamento no início daquela década.

Essa tecnologia já existia na Europa, mas para ajudar na logística do

transporte, enquanto aqui no Brasil o objetivo era ser um item de

segurança para se tentar combater o roubo de cargas e caminhões.

[…] Quando se publica novidades, se rejuvenesce o editorial. Difícil

imaginar uma publicação que vive repetindo notícias parecidas de

formas diferentes. Aconteceram muitas coisas novas entre 1990 e

2000, em todos os setores, e isso contribuiu para alavancar todos os

setores, inclusive o de publicações especializadas como a Revista O

Carreteiro. (GERALDO, 2016).

A necessidade de profissionalização do caminhoneiro é apontada pelo

editor com uma das principais mudanças no seu comportamento e aparência,

que acabou refletindo também na revista. Somem-se a isso dois fatores que

independiam do motorista: a evolução dos modelos de caminhões e a condição

das estradas. Geraldo explica:

No setor de transporte rodoviário, especificamente, os motoristas de

caminhão começaram a perceber que havia necessidade de se

profissionalizar. Isto é, procurar meios para tornar seu trabalho mais

rentável; deixar de ser aquele sujeito que se vestia de qualquer

maneira e melhorar sua aparência e demonstrar ser um profissional

mais responsável, aprender a dirigir de forma econômica e mais

segura. Os horários a serem cumpridos eram mais apertados, sendo

ele autônomo, empregado ou agregado. Todos da cadeia do

transporte rodoviário começavam a fazer mais conta para melhorar a

rentabilidade. Com isso veio também, em meados da década, a

mudança do perfil da frota de caminhões, com a troca da cabine

convencional pela avançada devido à necessidade de se transportar

mais por caminhão. Com a cabine avançada, se ganhava mais

espaço na plataforma de carga e, por conta disso, as fábricas

começaram a produzir praticamente somente caminhões com cabine

avançada (sem o capô sobre o motor). Depois, vieram as concessões

de rodovias (motorista tinha de pagar pedágio por eixo para rodar) e,

a partir da década de 2000, os caminhões com injeção eletrônica de

combustível no lugar da bomba injetora mecânica. Tudo isso e muitas

outras coisas eram notícias novas e de interesse do público.

(GERALDO, 2016).

Como visto no capítulo anterior, é importante ao jornalismo segmentado

manter contato constante com o leitor, de inúmeras formas. Desde as primeiras

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publicações, O Carreteiro oferece espaço para que os leitores possam escrever

e enviar mensagens à revista, que posteriormente eram publicadas em

diferentes áreas. Atualmente, essa logística está transformada: depois da

chegada da internet, segundo Geraldo, as cartas se tornaram raras.

Vale lembrar que as novidades nunca cessam. Com a internet no transporte, muitas coisas mudaram e facilitaram a vida dos profissionais do setor e também do motorista de caminhão. Hoje ele faz quase tudo pelo smartphone e as novidades não param. Agora estamos entrando na era do caminhão conectado e do caminhão autônomo e suas tecnologias. Diante de tudo isso, fica o compromisso de noticiar de forma correta, clara e sem tendências, porque isso traz respeito e credibilidade à publicação. (GERALDO, 2016).

A maioria das mensagens à revista passou a ser enviada por e-mail e,

mais recentemente, por aplicativo de envio de mensagens pelo celular.

Conforme Geraldo, “As cartas em papel praticamente desapareceram”16.

3.2.3 O personagem Zé Carreteiro

Para ajudar a retratar o cotidiano do caminhoneiro, foi criado, junto ao

lançamento da revista, em 1970, o personagem Zé Carreteiro. Suas histórias

em quadrinhos existem desde as primeiras publicações, em 1970, até os dias

atuais. Anteriormente, o personagem era chamado de Zé Sujinho, mas teve

seu nome alterado com o passar do tempo. Na edição comemorativa dos 30

anos da revista, consta que o personagem era definido, desde o período de

lançamento da publicação, como “um grande sujeito, mas relaxado como ele

só. Vive quebrando galhos” (O Carreteiro, 2000, p. 32).

O Zé Carreteiro é desenhado pelas mãos do ilustrador italiano Michele

Iacocca, que chegou ao Brasil no início dos anos 60. Iacocca é o único

profissional da primeira equipe que ainda contribui com a revista. Conforme a

edição comemorativa de 30 anos,

O Zé amadureceu e acompanhou a evolução, procurando se inteirar dos avanços tecnológicos que contribuem com o segmento do

transporte rodoviário de cargas, mas sem deixar de ser carreteiro. (O

CARRETEIRO, 2000, p. 32).

16 Informação de João Geraldo, concedida em entrevista realizada por e-mail em 30 de março

de 2016.

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Segundo informações do site Guia dos Quadrinhos17, o então Zé Sujinho

espelhava o caminhoneiro à época: com barba por fazer, fumante e,

frequentemente, consumindo bebida alcoólica. Com o passar dos anos, o

personagem parou de fumar e melhorou a aparência, tornando-se bem

informado e mantendo sua essência de motorista de caminhão.

Segundo o editor-chefe da publicação, João Geraldo, a manutenção de

uma seção na revista depende exclusivamente de sua repercussão junto aos

leitores18. É o caso do personagem, que, mesmo com mudanças, manteve-se

presente na revista ao longo da sua trajetória. Sobre isso, Geraldo explica:

[…] estamos sempre de olho em que tipo de material pode ser útil para o leitor e que pode ser transformado em seção. O Zé Carreteiro, por exemplo, é um caso diferente. Além de ser mascote da revista, seu perfil está muito associado ao do motorista de caminhão. Tanto é que ele também passou por mudanças através dos anos. Quando comecei na revista O Carreteiro (1992), o Zé estava sempre com barba por fazer e com um copo na mão. Isso teve de ser mudado, porque não se encaixava mais no perfil do motorista. Hoje, por exemplo, ele fala das coisas atuais. (GERALDO, 2016).

De uma turma de personagens criados por Iacocca, sobreviveram

apenas o Zé Carreteiro (Figura 5) e seu ajudante, Jesuíno, que também tem

histórias publicadas em O Carreteiro, bem como o personagem Daniel, negro.

A turma criada em 1970 incluía um gaúcho, um nordestino e um protestante.

Segundo o Guia dos Quadrinhos, Iacocca desenhou Zé com traço largado, e

ele desenvolveu personalidade forte, a ponto de ninguém conseguir copiar.

Na edição especial de 40 anos da revista O Carreteiro, a reportagem

“Um carreteiro exemplar”, de Daniela Giopato, comenta que o personagem foi

criado a fim de ser didático. “Aos poucos, a sua simpatia conquistou os

motoristas, que passaram a se identificar com o personagem, um sujeito

consciente e que acompanhou as principais mudanças do setor” (2010, p. 103).

17 Zé Carreteiro. Disponível em: http://www.guiadosquadrinhos.com/personagem/ze-carreteiro-(jose-carreteiro)/26187 - Acesso em 30 de março de 2016. 18 Informação de João Geraldo, concedida em entrevista realizada por e-mail em 30 de março de 2016.

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Figura 5 - Personagem Zé Carreteiro

Fonte: <www.guiadosquadrinhos.com.br> (2015)

Uma revista específica do personagem também foi lançada. A revista do

Zé Carreteiro surgiu como encarte da revista O Carreteiro de número 243, em

agosto de 1994, sendo também publicada pela GG Editora. A primeira edição,

de 34 páginas, trouxe histórias de Zé e Jesuíno (Anexo A).

3.2.4 Trajetória e conteúdos das publicações

A revista O Carreteiro passou por muitas transformações ao longo da

sua trajetória de 45 anos. “Naturalmente”, como lembrado por João Geraldo, e

também devido à reestruturação de seções da revista e dos refinamentos no

interesse dos assinantes. Algumas seções surgiram, sumiram ou ainda foram

trocadas de lugar ou reduziram-se. Ao mesmo tempo, seções antigas

permanecem até os dias atuais, prova de que deram certo com o público

caminhoneiro, independentemente do tempo. Além disso, ao longo dos anos, a

publicação alterou não apenas os conteúdos, mas também o projeto gráfico.

A primeira década da revista, de 1970 a 1980, não tem exemplares

oficiais extras guardados na sede da publicação. O Carreteiro alega ter,

apenas, um exemplar de cada edição deste período, para acervo próprio. O

motivo é que, segundo informou19 a GG editora, naquele tempo, a revista era

propriedade da editora Abril. Para acessar o material, a revista disponibiliza

edições digitalizadas.

19 Informação da GG Editora repassada por e-mail em 31 de março de 2016.

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Já nesta década e ao longo dos anos 80, é possível perceber uma

grande proximidade da revista com o leitor. Essa proximidade estava marcada

nas pautas e no conteúdo. Nos anos 80, mais especificamente, ficou reforçado

o forte incentivo para que o caminhoneiro participasse das edições com

sugestões, recados, reclamações ou histórias. Essa participação já ocorria nos

anos 70, em menor volume, em seções como Posto Zero (com relatos e

reclamações sobre postos de combustíveis com péssimo atendimento). A

publicação vinha com classificados e com a descrição de casos onde os

direitos dos caminhoneiros foram violados. As edições contavam com o

horóscopo do caminhoneiro, que nos anos 80 ganharam novo layout e mais

destaque.

Nesta segunda década, a maior parte dos exemplares era recheada da

participação do caminhoneiro, não apenas no Posto Zero, mas também em

seções como Bate Papo (com recados e opinião dos motoristas, respondidos

um a um pela redação) e Opinião das Mulheres (dando voz às esposas dos

carreteiros, em sua maioria). A revista ainda deu voz a Associações ou

Sindicatos e a histórias da estrada, enviadas pelo leitor.

A seção Posto Zero é uma das mais interessantes. Cada material

enviado com reclamações sobre casos da vida nas estradas é comentado pela

redação. Um exemplo é o transcrito a seguir, publicado na edição nº 30, de

junho/julho de 1975, sob o título “Bóia cara” (ANEXO B):

“Apresento a esta revista […] queixa justa e aproveito para alertar a todos os meus colegas da estrada: cuidado com os preços da Churrascaria Rincão Gaúcho Ltda., na BR 40, km 205, perto de Juiz de Fora, MG. Explorou-me vergonhosamente cobrando Cr$ 28,00 por um rodízio no dia seis de fevereiro”. – Camilo Venâncio Moreira, IR 7904, São Paulo SP.” (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).

A revista responde, abaixo da mensagem do leitor: “Sua queixa está

registrada, Camilo. Acreditamos que o pessoal da churrascaria andou

cochilando um pouco, confundindo caminhoneiro com turista” (O Carreteiro,

1975, p. 6).

No alto da página, um leitor reclama sobre o preço do frete, problema

recorrente e frequentemente abordado na revista, desde sua primeira edição:

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Eu gostaria que as autoridades tomassem uma providência para o nosso frete, pois está sendo um verdadeiro abuso o preço pago pelas transportadoras. Imaginem que, em janeiro tiveram coragem de me ofertar de 14 a 15 centavos por quilo para carregar da Bahia para São Paulo. Falei com o responsável pela carga e ele me disse que era “frete de retorno” e “não tinha problema”. Aí eu expliquei que o preço das refeições, do óleo e etc., na volta é o mesmo que na ida. Certo? Por que não existe uma tabela também para nós, como a dos motoristas de táxi? – Paulo Dias Brilhante – YV 0020 – SP. (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).

Ao que a revista responde:

Certo. O Paulo tem toda razão. Na verdade, esse negócio de “frete de retorno” é mais uma desculpa para abaixar o preço. O chamado “frete de retorno” poderia existir se o frete normal fosse pago a um preço compensador. Aí sim, o “de retorno” teria seu preço reduzido, por exemplo, em 20% do considerado normal. Seria mais ou menos uma “gratificação” dada pelo caminhoneiro para o contratante, desde que fosse a mesma firma que contratou o frete normal. (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).

Ainda sobre a interatividade, chama atenção uma página especial para

ser destacada e colocada diretamente no correio, com selo pago pela revista,

no meio das edições dos anos 80. Esse tipo de página já aparecia nos anos 70,

porém mais discreta e promovida por uma empresa de pesquisas. Na década

seguinte, com cores mais vibrantes, a intenção da página se mostrou ser um

espaço para que o carreteiro possa escrever seu recado e enviar para a

revista.

Em algumas edições dos anos 80, chegavam a ser publicadas duas

páginas desse tipo em uma mesma edição, com cores diferentes (Figura 6). Na

explicação no alto da página, a delicadeza de quem se coloca ao lado do

motorista, com as seguintes inscrições:

Escreva para a revista O Carreteiro. Essa cartinha é para você usar. Não se preocupe com a sua caligrafia. Você escreve a carta, recorta da revista, dobra e coloca no correio. Nem precisa selar, que o selo a revista paga. Você pode usar a carta para reclamar dos problemas, fazer queixas, dar sugestões para melhorar esta revista ou para as autoridades melhorarem a vida do caminhoneiro. Se a reclamação for muito violenta, não esqueça de enviar provas, documentos ou cópias autenticadas. Escreva aqui a sua carta: (O CARRETEIRO, 1980, p. 15).

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A mensagem era seguida pelas linhas para que o caminhoneiro

escrevesse. No verso, mais recados para o leitor, com as seguintes instruções:

Como remeter esta carta. Nós sabemos que você acha difícil colocar esta carta no correio, por isso fazemos duas sugestões: 1 – Quando retornar ao lar, peça à sua esposa ou filho para colocar a carta no correio. 2 – Solicite a um amigo, proprietário de um posto de abastecimento que coloque a carta no correio. No final da carta escreva qual é o posto que prestou o favor e diga ao proprietário que nós também vamos agradecer, pela revista, mencionando o nome do posto dele. 3 – Escreva sua carta no verso. (O CARRETEIRO, 1980, p. 16).

Figura 6 – Espaço para envio de cartas publicado duas vezes em uma mesma edição

Fonte: Revista O Carreteiro, 1980

Nos anos 80, também estiveram em destaque grandes reportagens com

a experimentação de modelos novos de caminhões; com a vida na estrada;

com reclamações e denúncias sérias. Também surgiu o espaço “Mosaico”,

mais para o fim da década, com breves notas trazendo notícias do mercado.

Ainda no fim da década, a revista passa a publicar regularmente o editorial. Os

repórteres iam a campo para apurar informações, montando posteriormente um

texto em defesa do trabalhador das estradas, mostrando ainda sua vida

pessoal e seus anseios. Um exemplo é reportagem sobre as esposas que

acompanham os motoristas nas viagens, feita em maio de 1987 (ANEXO C).

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Em julho de 1982, por exemplo, a revista produziu uma reportagem que

ocupou oito páginas, com a história de dois caminhoneiros que foram para os

Estados Unidos a fim de conhecer a então maior fábrica de caminhões do

mundo, a Ford (ANEXO D). Os dois viajaram a convite da revista. A viagem

resultou em uma série de reportagens sobre as impressões a respeito da vida

do carreteiro americano. A reportagem se mostrou adequada ao leitor ao

utilizar linguagem simples e muitas fotos.

Em junho de 1983, a revista atendeu a um pedido do leitor ao publicar

uma reportagem sobre o frangueiro, ou seja, o motorista que transporta frangos

vivos para o abate. Repleta de humor, a reportagem leva esse ingrediente até

no título: “Leva tudo com bom humor, numa boa. Este é o frangueiro!”. Chama

a atenção a linguagem utilizada pelo repórter, as legendas elencadas para as

fotos e a qualidade do material, mostrando realmente a vida desse tipo de

motorista. A reportagem começa com o alerta:

Pra começo de conversa e afim (sic!) de colocar os pingos iis, precisamos ir logo esclarecendo que o nosso frangueiro nada tem a ver com goleiro de futebol. Muito pelo contrário. Devido às suas horas de trabalho, o colega nem tem tempo para uma pelada no domingo de manhã. […] É um trabalho árduo esse do frangueiro, acompanhado sempre por aquele cheirinho peculiar ao mercado de aves num final de dia em pleno verão. (O CARRETEIRO, 1983, p. 12).

Ao longo do texto, o repórter envolve o leitor com bom humor, contando

como funciona o trabalho do frangueiro desde a granja até a estrada:

Depois de abatidas, as aves passam por um processo minucioso. Elas são depenadas e limpas, e finalmente embaladas. Nada é desperdiçado. Tudo se aproveita – até mesmo o óleo de suas penas que vai para a confecção de baton (sic!) e maquilagem. (Na próxima vez que beijar a namorada, Zé, lembre que naquele gostinho gostoso a galinha também teve sua humilde participação!). (O CARRETEIRO, 1983, p. 13).

O texto também revela atitudes comuns do cotidiano do caminhoneiro,

como a necessidade de subornar guardas e policiais para seguir viagem.

Conforme reclamações que constam em cartas à revista, os fiscalizadores

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geralmente implicam com detalhes ou com inverdades, liberando os motoristas

apenas mediante pagamento.

O “amaciamento” dos guardas é feito por meio de “ofertas” de frangos. É um procedimento que não é nada do gosto nem do caminhoneiro e muito menos da firma, que é obrigada a se manter cega e fechar os olhos para as transações. Entretanto… “fazer o quê?” como diz o outro. A atitude do frangueiro perante esta conhecida embora não reconhecida situação, é das mais humanas. Diz ele: “Olha, agradar o cara com um frango é menos ruim do que ser obrigado a tirar a grana do bolso, como acontece com outros colegas. Afinal de contas o frango é levado pra casa, pra família dele. E nossa briga não é contra crianças”. E assim é o frangueiro, gente. Um homem como qualquer outro, que dá duro, que tem pouco tempo para si e sua família, mas em quem ainda sobra muito sentimento humano e consciência de trabalho. (O CARRETEIRO, 1983, p. 17).

Além do texto, as fotografias bem feitas e as legendas curiosas são

outras pérolas da reportagem. Ao retratar um frangueiro ao lado do caminhão,

a legenda dispara: “Aqui está o Antonio Carlos Feliz Bueno em companhia de

uma galinha – mas dessas de peninha, gente... vocês, hein!”. Ao retratar um

funcionário da granja segurando uma das aves, destaca: “Não é noiva não,

gente. E aquilo também não é nenhum bouquê (sic!) em suas mãos. […] ele

carrega algo que, mais cedo ou mais tarde, vai acabar na panela de alguém”.

Figura 7 - Legendas usam humor para atrair leitores

Fonte: O Carreteiro, ed. 110, (junho de 1983)

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Outro grande trunfo que figurou em diversos exemplares dos anos 80

era a publicação da seção “Fretes”. Conforme alertava a revista: “Essa seção

tem como objetivo ajudar a classe a encontrar boas cargas em todo lugar. Mas

as informações, dadas pelos colegas, correm por conta e risco do freguês” (O

Carreteiro, 1981, p. 11). A seção trazia uma série de dicas para cargas

conforme a região do país, informando cidades, safras e quais empresas

estavam com fluxo de material para ser transportado, bem como o valor do

frete. Atualmente, por exemplo, esse tipo de informação é agenciado por

transportadoras, ou, mais recentemente, compartilhado pela internet,

especialmente por meio de aplicativos para conversa instantânea.

Quanto ao aspecto da publicação, todos os exemplares tinham capa e

algumas páginas coloridas, mas a maioria delas era em preto e branco. A

revista trazia todo o mês uma história nova do Zé Carreteiro, com seu aspecto

de início: barba por fazer, camisa aberta, cigarro e copos com bebidas. Na

edição a seguir, Zé da Estrada comemora com seus amigos seus 13 anos, sem

entender direito o motivo da festa. A história “Treze anos sim senhor!” trazia a

seguinte narrativa, valorizando a trajetória da revista:

O Zé tinha acabado de entregar uma carga e estava procurando um lugar para almoçar e encontrar os colegas. - Estou com tamanha fome que comeria um boi inteiro. Quando chegou no (sic!) local que ele costumava frequentar: (onomatopeia de palmas). - Ué! Até parece aniversário! - E é! O sr. vai fazer treze anos! - Eu?! Treze anos! Eu sempre desconfiei que o carreteiro fosse meio biruta, mas assim já é demais! - E tem mais! O Daniel também vai fazer treze anos. E todos nós também vamos fazer treze anos. - Ah! Já sei! Estamos em agosto! E agosto é mês do cachorro louco. E pode ser que agosto também afetou a cabeça de vocês. - Nada disso, Zé! A revista “O Carreteiro” vai fazer treze anos. E todos nós, que nascemos com a revista, também vamos fazer treze anos. Enfim, com as coisas devidamente esclarecidas, nada melhor do que uma bela festa onde cada um pode parabenizar o outro e lembrar dos velhos tempos. E também pra lembrar da revista que acompanhou o carreteiro durante todos estes anos. Que o esclareceu e ajudou nas várias situações. Que levantou problemas junto aos órgãos competentes e as empresas. E se situou como o verdadeiro veículo do caminhoneiro. - E, como tal, vai continuar pela estrada junto com a gente. E ainda estará presente na “Brasil-Transpo” deste ano. - Pois é! Por ter só treze anos até que somos bem crescidos, não é? - Claro! Parece que foi ontem que eu larguei as calças curtas! (O CARRETEIRO, 1982, p. 44-49).

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Também nos anos 80, foi lançado um concurso para que o leitor

pintasse a história em quadrinhos, concorrendo a prêmio em dinheiro. Diversas

histórias para colorir foram publicadas com este fim durante a década.

Mesmo com espaço para a manifestação das mulheres, chama a

atenção certo tom machista da revista nesta década, ao publicar fotos sensuais

em algumas das suas edições, inclusive em materiais assinados pela revista,

como calendários. As fotos não traziam nudez completa, apenas insinuação

sensual. Além disso, essas insinuações também constavam em algumas peças

publicitárias (ANEXO E), com frequência.

Essa prática foi descartada na década seguinte. À época, o slogan da

revista era: “A revista do homem do transporte rodoviário”, claramente

definindo seu público como estritamente masculino.

A década de 90 trouxe consigo a revolução do uso dos computadores.

Isso alterou completamente a forma como a revista era diagramada. No

entanto, a novidade se revelou por vezes até mesmo exagerada, com forte uso

de recursos gráficos e mistura de fontes. Essa tendência se pode observar até

as edições dos anos 2000. Nestes 20 anos, a ideia de projeto gráfico dá lugar a

constantes mudanças na diagramação, por vezes até comprometendo a

identidade visual da revista. Um exemplo é a capa da edição de outubro de

1993. A imagem foi ampliada, sem, no entanto, ter qualidade suficiente para

isso. O resultado foi uma capa com pixels evidentes (ANEXO F).

Nos anos 90, as reportagens mais elaboradas sobre o dia a dia do

caminhoneiro passam a dar lugar a notícias do mercado dos transportes e

reportagens menores. Mantêm-se o concurso de pintura das histórias do Zé da

Estrada, as seções Posto Zero e Opinião de Mulher, bem como classificados,

os preços dos caminhões que estão no mercado, as histórias das estradas e o

incentivo para a participação do caminhoneiro.

A seção Bate-Coração passa a publicar pessoas interessadas em

buscar relacionamentos. Essa parte da revista foi a responsável, conforme as

edições, por arrumar casamento para diversos motoristas. O espaço de

publicação dos materiais enviados pelo leitor, no entanto, foi reduzido ao longo

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da década, quando em comparação aos anos 80. Uma novidade é o início da

publicação regular sobre a competição Fórmula Truck, mesmo que não envolva

diretamente o dia a dia do caminhoneiro. As páginas coloridas tiveram ganho

crescente nas publicações, até chegar em edição cem por cento a cores.

Nos anos 2000, as edições passam a ser maiores. Antes, mediam

13,5x19cm. Começam a circular mais altas: 13,5x20,5cm e com capas feitas

em papel de gramatura maior que as capas mais antigas. As edições passam a

ter planejamento gráfico com cara de jornal, ainda indefinido, mas mais

organizado que na década de 90. As publicações de lançamentos de

caminhões começam a tomar o espaço que antes era dedicado para pautas do

dia a dia do caminhoneiro (Figura 8).

Figura 8 - Lançamentos de caminhões e Fórmula Truck ganham capas a partir dos anos 2000

Fonte: O Carreteiro – edições 321 (2001) e 337 (2002)

A partir de 2010, todas as capas das revistas são impressas em papel

brilhoso, e não mais fosco, como na década anterior. Os lançamentos do

mercado tornam-se a principal pauta da publicação. Das seções antigas,

restaram a história do Zé, as cartas dos leitores (cerca de uma página por

edição, com edições de, em média, 115 páginas), os classificados, a Bate-

Coração (absorvida nos classificados) e as tabelas com preços dos caminhões.

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4. ANÁLISE

Reclamando maior valorização, o caminhoneiro brasileiro ainda se sente

pouco reconhecido na sociedade. A mídia, porta-voz da realidade de todos os

trabalhadores, não foi isenta a esses pedidos: publicações voltadas a tal

público surgiram ou foram embora, mudando junto ao perfil do trabalhador,

conforme visto no capítulo precedente. No entanto, poucas produções ou

publicações alcançaram o grande público, mostrando a realidade do

caminhoneiro para o país. A maioria delas, de interesse exclusivo dos

profissionais, circulou apenas entre eles.

A revista O Carreteiro é um exemplo. Com 45 anos de estrada, como

define em seu slogan, ainda é pouco conhecida na maior parte da sociedade.

As mudanças que teve ao longo do tempo denotam a adaptação a um público

que viu se alterar, também, sua realidade de trabalho. Enquanto que, no início

da circulação da revista os caminhões eram mais pesados e sem maiores

confortos, atualmente as cabines substituem com eficácia a sensação de se

estar em casa, tendo, ao mesmo tempo, eficiência para rodar Brasil afora.

Mesmo com as praticidades tecnológicas que surgiram nos últimos 45

anos, os problemas da vida na estrada se mantiveram praticamente

inalterados. Em busca da valorização do profissional, publicar as dificuldades

do trabalhador é pauta obrigatória, pois mostra à sociedade o que passa um

caminhoneiro em serviço.

A análise de edições da revista pretende mostrar até onde esses

problemas figuraram nas páginas de O Carreteiro. Além disso, pretende-se

mostrar onde o profissional teve voz, onde o conteúdo da revista cumpriu com

o papel de valorizá-lo, e onde falhou em seu objetivo. Para tanto, foram

separadas cinco edições da revista, de cada meio de década: 1975, 1985,

1995, 2005 e 2015.

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4.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE

A investigação consistirá em um estudo de caso de segmentação: a

revista O Carreteiro. Para tanto, será empregada a Análise de Conteúdo (AC),

por meio do método hipotético-dedutivo. Tal estilo de análise é abordado por

diversos autores, como Martin W. Bauer (2002), Wilson Corrêa da Fonseca

Júnior (2005) e Laurence Bardin (1988).

Segundo Bauer (2002), a AC é um método de análise de texto,

desenvolvido dentro das ciências sociais empíricas. O autor destaca que a

atenção está voltada aos tipos, qualidades e distinções no texto, em detrimento

de descrições numéricas. Entre quantidade e qualidade, Bauer define a AC

como uma técnica híbrida.

Para Fonseca Júnior (in BARROS, DUARTE, 2005), a AC se refere a um

método das ciências humanas e sociais para a investigação de fenômenos

simbólicos por meio de várias técnicas de pesquisa. Esse método é empregado

desde o século XVIII, quando a corte suíça analisou minuciosamente uma

coleção de 90 hinos religiosos anônimos. Os cantos de Sião foram investigados

para saber se continham ideias perniciosas (FONSECA JR. apud

KRIPPENDORFF, 2005, p. 280).

Historicamente, a AC teve emprego em diversas situações, contribuindo

para as mais variadas ciências, como psicologia, história e comunicação. Um

período de vasto uso da técnica foi a Segunda Guerra Mundial, quando 25%

das pesquisas com esse método ajudaram o governo norte-americano

monitorar o inimigo. A AC é derivada do positivismo, corrente de pensamento

desenvolvida por Augusto Comte (1798-1857), que valoriza as ciências exatas

como paradigma de cientificidade. No positivismo, até teorias sobre a vida

social deveriam ser formuladas de formas rígida, linear e metódica, sobre uma

base de dados verificáveis (FONSECA JR. apud JOHSON, 2005, p. 281).

A fase de aspecto quantitativo foi superada na década de 1950. A AC

não era mais considerada com alcance descritivo, mas tendo como função ou

objetivo a inferência (FONSECA JR apud BARDIN, 2005, p. 21-22). “Na análise

de conteúdo, a inferência é considerada uma operação lógica determinada a

extrair conhecimentos sobre os aspectos latentes da mensagem analisada”,

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(FONSECA JR, 2005, p.284). A definição de Krippendorff traz que “a Análise

de Conteúdo é uma técnica de investigação destinada a formular, a partir de

certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar a seu

contexto” (FONSECA JR apud KRIPPENDORFF, 2005, p.29).

É por meio de índices que o analista infere conhecimentos sobre o

emissor ou destinatário da comunicação (FONSECA JR apud BARDIN, 1988,

p. 39-40). Assim como Bauer, Fonseca Júnior (2005, p. 285) considera que

atualmente a Análise de Conteúdo valorize ora o aspecto quantitativo, ora o

qualitativo, de acordo com os interesses do pesquisador.

Diversos autores contribuíram para o desenvolvimento do método de

AC. A proposta da pesquisadora francesa Laurence Bardin (1988) é uma das

mais conhecidas, reproduzida por Fonseca Júnior. Amparado em Bardin, o

autor define como se organiza a Análise de Conteúdo, em três fases: a pré-

análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e

interpretação (2005, p. 290).

A primeira etapa consiste no planejamento do trabalho a ser elaborado.

Conforme Fonseca Júnior:

De todas as fases da análise de conteúdo, a pré-análise é considerada uma das mais importantes, por se configurar na própria organização da análise, que serve de alicerce para as fases seguintes. Envolve a escolha de documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos, bem como a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final. (FONSECA JR, in BARROS, DUARTE, 2005, p. 290).

Citada por Fonseca Júnior, Bardin (1988) indica como primeira atividade

uma leitura flutuante dos documentos, para conhecer o texto e deixar-se invadir

por impressões e orientações (2005, p.290). Essa leitura levará à escolha do

tema e do referencial teórico, bem como formulará o problema, os objetivos e

hipóteses de pesquisa. Bauer, por sua vez, mostra que a AC emprega uma

amostra aleatória para selecionar seus materiais, o que pode trazer problemas

quanto à representatividade, o tamanho e a unidade selecionada (2002, p.

196).

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Na fase seguinte se dará a análise, a exploração do material, com o

corpus de estudo, ou seja, os documentos a serem analisados. Segundo

Bardin, essa longa fase é a administração das decisões tomadas na pré-

análise.

A última fase é a pós-análise, a interpretação do material. Nessa fase

são demonstradas as inferências, deduções acerca do tema trabalhado. “A

intenção da Análise de Conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às

condições de produção”, alega Bardin (1988, p.38). Segundo Fonseca Júnior,

este é o momento mais fértil da análise de conteúdo. Existem dois tipos de

inferências, ainda conforme o autor: as específicas, vinculadas à situação do

problema investigado, e as gerais, quando extrapolam esse limite (2005,

p.299).

Com base em tais teorias, a monografia pretende realizar um estudo

hipotético-dedutivo, de cunho qualitativo. Na pré-análise, consta a escolha de

revista O Carreteiro como objeto de estudo, bem como a composição dos

objetivos da pesquisa e das hipóteses relativas à questão norteadora.

A análise abrangerá a constituição do corpus e a exploração do material.

Nesta fase, serão dissecadas, quanto a diversos aspectos, cinco edições

selecionadas da revista, por meio de transcrições, cópias de páginas,

reprodução de fotografias, etc.

A pós-análise será formada com as inferências, deduções que surgirem

a partir da análise do material. Nesta fase, cabe uma interpretação parcial

acerca do que foi estudado no referencial teórico, em relação ao que foi

percebido no conteúdo da revista. As quatro hipóteses levantadas na pré-

análise serão, por fim, testadas, a fim de responder a questão norteadora e

atingir os objetivos da pesquisa.

4.2 DELIMITAÇÃO DO MATERIAL

Seguindo os princípios da pré-análise, explicados no item anterior, foi

feita a escolha dos documentos, formulação de hipóteses e objetivos de

pesquisa. Após a definição do título O Carreteiro, foi preciso apontar edições

específicas para serem submetidas à análise. Uma vez que o tema versa sobre

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a trajetória de 45 anos da publicação, definiu-se a escolha de cinco edições:

uma de cada década da revista. Foram escolhidos os anos de final cinco, ou

seja, a metade de cada década.

A escolha do exemplar de cada um dos cinco anos foi feita

aleatoriamente. Sendo assim, o material selecionado engloba os seguintes

exemplares: outubro/novembro de 1975 (edição bimestral), março de 1985,

setembro de 1995, fevereiro de 2005 e outubro de 2015. Serão consideradas

as edições como um todo, com foco em matérias que retratem ou não a

realidade do caminhoneiro e em espaços para participação do leitor. Peças

publicitárias que atenderem a essa premissa também serão válidas. Além

disso, serão analisadas as histórias do Zé da Estrada, publicadas a cada

edição.

Para proceder a esta análise, alguns critérios foram elencados. O

primeiro deles é considerar a capa da edição estudada. Após, será voltado o

olhar ao texto do conteúdo analisado, bem como ao título empregado. Por fim,

serão consideradas as fotografias, ilustrações e infográficos que figurarem no

material sob pesquisa, como agentes acessórios à análise. O mais importante

para o trabalho são os conteúdos e textos que valorizarem o caminhoneiro,

conforme a questão que o norteia: “Como a revista O Carreteiro valoriza o

caminhoneiro ao longo dos seus 45 anos?”.

Num primeiro momento, podem-se considerar algumas hipóteses para

responder a pergunta. A primeira delas é a de que a revista valoriza o

caminhoneiro com sua linha editorial. A segunda hipótese é de que ela seria a

porta-voz do caminhoneiro brasileiro. Na terceira hipótese, considera-se que a

revista traria mudanças na sua forma de divulgar o caminhoneiro durante as

cinco décadas. A última hipótese aponta que a revista teria se tornado

superficial nas suas abordagens, ao longo do tempo.

O objetivo geral da pesquisa é investigar como a revista exerce

jornalismo segmentado ao longo da sua história. Dentre os objetivos

específicos, está analisar o perfil do jornalismo de revista, como mostrado no

capítulo dois, averiguando como surgiu e qual é o papel da segmentação. Além

disso, pretende-se identificar como a revista O Carreteiro valorizou o

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profissional e como acompanhou as mudanças no setor. Por fim, ainda faz

parte dos objetivos específicos a meta de inserir a pauta dos motoristas de

caminhão no âmbito universitário.

4.3 PRIMEIRA REVISTA: OUTUBRO/NOVEMBRO DE 1975

A edição de número 32, de outubro/novembro de 1975, trouxe 52

páginas editadas pela editora Abril. A publicação, no quinto ano da revista O

Carreteiro, teve J. Lima Santanna Filho e Luiz Bartolomeu Jr. como redatores-

chefes. São quatro os destaques da edição: uma grande reportagem sobre a

criação das primeiras cooperativas de caminhoneiros, protetoras da classe;

uma entrevista com o cantor Waldick Soriano; a série “Caminhão não é

armazém”, que mostra condições ruins de trabalho dos caminhoneiros e a

história do Zé da Estrada, sobre novas placas de sinalização.

A capa tem fundo verde escuro, com o nome “O Carreteiro” em letras

amarelas. As três chamadas principais estão dispostas em quadros marrons,

com imagens e título. A primeira chamada é “Uma nova força para as

cooperativas de autônomos”; a segunda é “Waldick Soriano: caminhoneiro não

é cachorro não” e “Zé e as novas placas de sinalização”. Abaixo, ao fim da

capa, figura sem quadros a chamada “Caminhão não é armazém IV”. A

inscrição “Distribuição gratuita para motoristas de caminhão” fecha o layout de

capa.

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Figura 9 – Capa da edição de outubro/novembro de 1975

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

O espaço “Posto Zero”, apresentado no capítulo anterior, abre a revista,

na página 6, com as reclamações enviadas pelos caminhoneiros. A existência

e a permanência deste espaço nas edições posteriores, como será visto, indica

a importância de manter o diálogo com o leitor, conforme explicado por Scalzo

no capítulo dois. Por trazer assuntos pertinentes ao cotidiano do trabalhador da

estrada, a seção reforça a ideia da hipótese que sugere que a revista seria a

porta-voz dos caminhoneiros.

No alto das páginas, a contar da sexta, a revista coloca mensagens com

dicas para o carreteiro, destacadas com um retângulo azul. A primeira dica é

simples e direta: “Precaução e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. A

carta em destaque tem como título “Caminhão parado”, e foi enviada por um

motorista identificado como José A. Bispo. Na reclamação, consta:

Precisando trocar minha carteira de habilitação, procurei o Detran, munido dos exames exigidos, e dei entrada no setor competente. Então, o funcionário que me atendeu disse: “passe daqui a oito dias para retirar a carteira nova”. Eu lhe pedi que me desse a habilitação velha, para que eu pudesse dirigir durante esse prazo. Ele respondeu: “nem a carteira, nem a autorização”. Resultado, tive que

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encostar o caminhão. E as minhas despesas, quem é que vai arcar com elas? (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).

A seção é diagramada em cores e em quatro colunas. Um detalhe que

chama a atenção é a colocação de uma pequena placa “Pare” para indicar o

término da editoria, ou placa com seta para indicar a continuidade do texto.

Conforme lembrado por Nelson Lage no capítulo dois, a linguagem jornalística

não se restringe ao idioma: as várias peças que compõem uma página são

informação.

Figura 10 – Seção Posto Zero, nas páginas 6 e 7

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

Na página 8, a seção Posto Zero dá lugar à “Bate-papo”, onde a revista

comenta o material enviado pelo caminhoneiro. O destaque para o texto surge

no título “Leia este aviso”, escrito em vermelho. Nele, o caminhoneiro

apresenta suas considerações a respeito do baixo preço do frete, comparando-

o com a arrecadação das empresas que agenciam cargas:

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Se fosse responder-lhe todos os problemas do caminhoneiro (principalmente os T.A20) precisaria de mais trinta folhas. Mas, o maior galho – não estou apelando, estou implorando – é para vocês decidirem de uma vez a questão do frete. Se eu contasse uma história vocês não acreditariam, então estou mandando uma cópia em xerox com provas concretas dessa calamidade que até agora nossas autoridades não tomaram providência alguma. […] Desses Cr$ 420,00 temos que tirar: Cr$ 30,00 para o agenciador, Cr$ 12,60 para o Imposto de Renda, óleo diesel, desgaste (difícil de calcular) e tudo o mais. Ah! Ia me esquecendo dos lanches na estrada: mais Cr$ 8,00 por um churrasco. Que situação, heim (sic!) Xará? Olhando no xerox, na parte superior, está o meu recibo e na parte inferior o da transportadora e seus lucros (1/3 meu e 2/3 da transportadora). […] Peço-lhes para não publicar nomes nem iniciais, pois em poucos dias eu estaria na lista negra das transportadoras. (O CARRETEIRO, 1975, p. 8).

Diante desta mensagem, a revista respondeu:

Publicamos a carta na seção de Bate-Papo, porque queremos dar um aviso ao caminhoneiro que escreveu a carta, que vale prá (sic!) todos. Precisamos, sempre, dos originais do Manifesto e do Conhecimento, ou então de uma cópia autenticada em cartório. Nesse caso, o caminhoneiro mandou a cópia, mas sem autenticação. Então pedimos a ele que mande o original ou uma outra cópia autenticada. (O CARRETEIRO, 1975, p.8).

Ainda sobre o recado enviado pelo caminhoneiro, que ocupou toda a

página 8, a revista ilustrou com um desenho do Zé da Estrada irritado com a

situação.

Figura 11 – Zé ilustra reclamação na página 8

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

20 T.A, neste contexto, significa os caminhoneiros do “Transporte Autônomo”, principal foco da revista.

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A página traz ainda mais um recado para o caminhoneiro, em retângulo

azul: “Extintor não é enfeite, deve estar sempre carregado”. Na página 9, a

frase em destaque é “Extintor de gás pede recarga quando perde 20% do

peso”.

A principal matéria desta edição da revista, “Governo quer ajudar

cooperativas”, vem a seguir. Em 10 páginas, O Carreteiro explica e comemora

a decisão do governo federal de apoiar a criação de cooperativas de

caminhoneiros. A reportagem mostra que o país vai precisar de muitos

caminhões até o ano de 1980, por conta do aumento na produção de produtos

químicos; de ferro e aço, por conta do Plano Siderúrgico Nacional e das safras

de trigo e soja, no Sul do Brasil. Entretanto, segundo a revista, este aumento

na demanda não estaria condizente com a venda de caminhões, que passava

por dificuldades.

Essa conta que não fechava virou preocupação do Ministério do

Planejamento, que teria se mostrado interessado em estimular o surgimento

das cooperativas. “Por isso, a revista O Carreteiro foi até Brasília, conversar

com os assessores do Ministério do Planejamento e viajou pelo sul para fazer

um balanço da situação das cooperativas e seus problemas” (p. 10).

Conforme a matéria, o Instituto de Planejamento Econômico e Social

(IPEA) listou os três grandes planos que demandariam aumento grande na

frota de transporte rodoviário: o Complexo Industrial de Aratu (com produção

de químicos); os corredores de exportação (escoamento da safra de soja, que

leva a maioria dos caminhões para o Sul, deixando o restante do país sem

transporte) e o Plano siderúrgico nacional (que deveria passar a produção de

aço e ferro de seis milhões para 25 milhões de toneladas por ano). Segundo a

reportagem, a revista O Carreteiro foi convidada a dar sua opinião sobre o

problema. A publicação, então, elencou seis itens com suas considerações

sobre a questão.

Nas suas colocações, O Carreteiro defendeu que a manutenção de frota

própria não é interessante para empresas transportadoras. Atentou para a

questão da safra, alegando que os caminhoneiros podem deixar o ferro e o aço

sem escoamento, o que forçaria as usinas a elevarem o valor do frete. Caso

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conseguissem reter o motorista com esse aumento, a safra é que teria o

escoamento prejudicado.

Outro apontamento é pedir que o governo faça cumprir o “verdadeiro

espírito cooperativista”, para que as cooperativas de produção deem suas

cargas às cooperativas de transporte. Solicitou, ainda, que o caminhoneiro

tenha maior prazo de financiamento para compra de caminhão novo, que, à

época, estava na casa dos 36 meses. Os itens três e quatro são os que mais

demonstram valorização ao caminhoneiro:

3 - Sabe-se também que o caminhoneiro raras vezes consegue receber, das empresas para as quais trabalha, um frete justo, sendo por elas explorado. Em geral, o caminhoneiro recebe, no máximo, 40% do frete que a transportadora fatura. Isso não dá para ele pagar todas as suas despesas e ter um pequeno lucro. Nem dá para pensar em guardar alguma coisa para comprar outro caminhão, quando o atual estiver velho e sem condições de trafegar. 4 – Por isso, é importante valorizar o autônomo, concedendo-lhe fretes justos, um tratamento mais humano, estímulo para a formação de suas cooperativas de carga, etc. Isso para que esse homem possa trabalhar com gosto pelo que faz, produzindo melhor serviço. (O CARRETEIRO, 1975, p. 11-12).

Depois de fazer suas considerações sobre o problema, a revista

pesquisou como está o andamento da criação de cooperativas de

caminhoneiros no Sul do Brasil. A publicação menciona o nome da cooperativa,

quantos associados tem, como fazer para participar e as dificuldades

enfrentadas pelo grupo. O primeiro exemplo é da Cotracarga, de Ijuí, presidida

por Alberto Feistel, popular “Patrola”:

Para crescer muito mais, a Cotracarga tem de resolver um problema que, aliás, é o mesmo da Coopersul, de Passo Fundo. Trata-se da falta de carga na entressafra da soja. Nessa época acontece a safra do trigo, mas o Cetrin (órgão do Banco do Brasil que controla o escoamento do trigo) não quer dar o transporte para a Cotracarga. Mas, como diz o próprio Patrola: quem é que leva as sementes e os fertilizantes para o agricultor? Não é o caminhoneiro? Por que ele não pode escoar a safra? Entrelaçando a safra da soja com a do trigo, a Cotracarga vai largar uma banguela e não pára mais. (O CARRETEIRO, 1975, p.14).

O uso de termos do cotidiano do caminhoneiro, como “largar uma

banguela”, torna a publicação próxima do leitor, objetivo das revistas

segmentadas, conforme menciona Vilas Boas no referencial teórico, no capítulo

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dois. Segundo o autor, o estilo de linguagem é definido pelo público que se

quer atingir. Outro exemplo segue no parágrafo seguinte: “Hoje a cooperativa já

está oferecendo aos seus associados muitos outros serviços, entre eles um

convênio médico-dentário com a firma Unimed”. A referência à empresa é feita

pelo termo popular “firma”.

Quanto à valorização do caminhoneiro, a revista sempre foi defensora

da criação de cooperativas de motorista, o que reforça a hipótese de que a

publicação reconhece o profissional em sua linha editorial. Segundo a matéria,

a criação da Cotracarga surgiu a partir de uma briga entre três empresas para

definir o valor do frete que seria pago pelo escoamento do trigo.

Aí os caminhoneiros se revoltaram, pois é lógico que esse leilão de frete ia estourar nas suas costas. Cansados de ver os outros decidirem sobre seus interesses (a maioria das vezes agindo contra eles) os caminhoneiros decidiram formar sua própria empresa, que é a cooperativa. (O CARRETEIRO, 1975, p.14-15).

A matéria relata o andamento de outras 10 cooperativas pelo país, no

Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina. As ilustrações utilizadas

trazem o personagem Zé da Estrada comemorando com amigos o apoio do

governo às cooperativas. As fotografias registram as cooperativas já existentes

ou trazem bonecos dos presidentes das entidades. Todas as utilizadas nas

matérias são em preto e branco, no tamanho da coluna diagramada, para

aproveitamento de espaço.

Figura 12 - Fotografias utilizadas para ilustrar reportagem - Páginas 14, 15 e 18

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

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A próxima reportagem da edição apresenta o cantor Waldick Soriano,

enfatizando que ele também foi carreteiro. A matéria “Waldick também foi

caminhoneiro” aborda com linguagem simples aspectos da vida do artista,

sempre relacionando-a à época de caminhoneiro. O estilo utilizado remete ao

jornalismo literário, por ilustrar o momento da entrevista como se fosse uma

história. Este fator se encaixa com o ensinado por Vilas Boas no capítulo dois,

quando o autor defende que, no estilo magazine, há conciliação entre técnicas

jornalísticas e literárias.

“Waldick Soriano é outro cantor milionário que enfrentou o volante nos

tempos das vacas magras. […] ele trabalhou sete anos como caminhoneiro,

dirigindo um “canela seca” e só deixou a profissão por causa das farras”,

registra o primeiro parágrafo (p. 28), com vocabulário próprio dos

caminhoneiros. A narrativa começa no parágrafo seguinte:

São duas horas de uma tarde sem sol na Ilha do Governador (RJ). Waldick Soriano acabou de se levantar. O fígado não o deixou dormir à noite. Muita pinga e pimenta no dia anterior, na Bahia. Ele faz esforço, relembra os anos de estrada, enquanto toma uma Pitú pernambucana legítima. Para muita gente ele é o “Frank Sinatra” brasileiro, agora também é o “Rei do Forró” em São Paulo. (O CARRETEIRO, 1975, p. 28-30).

A entrevista valoriza o relato que o cantor milionário faz do seu tempo na

boleia:

Carregava qualquer coisa: algodão, candango, bode, galinha e pedra, da Bahia para Montes Claros e Espinosa, em Minas. Galinha era fogo, morriam muitas com o calor. Em todo o rio que eu passava pegava um balda d’água para jogar nelas. Nunca sofri desastre. As estradas eram estreitas mas sem movimento. Quando vinha outro carro, entrava no mato para dar passagem. Sofri muito em atoleiro. Uma ocasião fiquei quinze dias atolado em Mato Veado, uma fazenda da Bahia. Era um negócio! Mas atolar era divertido. Juntava a turma pra ajudar os outros, senão ninguém podia passar. […] dormi na rede debaixo da carroçaria e não me separava de uma bandalisa (peixeira, facão) de 18 polegadas e um trabuco 38. Nunca fui assaltado, mas andava prevenido. (O CARRETEIRO, 1975, p. 28-30).

O jornalista conduz a reportagem narrando o comportamento de Waldick

durante a fala.

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Outra Pitú no copo, enquanto a eletrola toca alto “Paixão de um homem”, na varanda do seu amplo e confortável sobrado, à beira da piscina […]. Waldick grita em inglês: “my boy, come here!” (meu garoto venha aqui) e vem o cachorro preferido estendendo a pata. É o crioulo, um vira-lata preto. “Deus te abençoe”, e beija o cachorro. […]. De calção vermelho, sandália havaiana, fumando cigarro de palha, ele vai falando devagar, como quem conseguiu o que mais desejava na vida: ser artista famoso e popular no país inteiro. (O CARRETEIRO, 1975, p. 29).

Depois de contar que sente saudades da estrada, mas que hoje sua vida

é muito melhor, a reportagem finaliza com uma fala do entrevistado: “Se for

preciso voltar a ser caminhoneiro, eu volto sem problema. Só acho que deviam

fundar mais sindicatos de carreteiros, pra proteger mais a classe” (1975, p.30).

Quanto às imagens, a revista traz três fotografias de Waldick em preto e

branco (ANEXO G), além de um desenho do personagem Zé da Estrada. Na

ilustração, Zé está com o caminhão parado em um porto, sentado junto à

carreta, pensando “Eu não sou cachorro não”, em alusão a uma canção de

Waldick e às condições dos caminhoneiros que precisam esperar carga ou

descarga em portos.

Figura 13 – Zé ilustra reportagem – Página 29

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

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A diagramação segue o padrão imposto para toda a revista, com duas

colunas por página. Nesta reportagem, porém, uma das fotos ocupa uma

coluna e a outra é maior, sendo mostrada em duas colunas. Também aqui são

exploradas frases com dicas para o caminhoneiro no alto da página.

A próxima reportagem integra a série “Caminhão não é armazém”, que

mostra as dificuldades dos caminhoneiros no exercício da profissão. Nesta

edição, a matéria se chama “IV – Caminhão não é armazém – nem silo”. O

texto relata os problemas existentes nas filas dos portos: comida a preço alto,

medo de assaltos e demora para a solução do problema.

- É muito triste ver o caminhoneiro entrar em uma fila para conseguir um prato de comida que normalmente custa Cr$ 12,00 e ter de pagar por ele Cr$ 25,00. O comentário é do presidente Paulo Quaresma, do Sincaver de Rio Grande, RS, onde está localizado o super-porto de Rio Grande. A situação do super-porto é super-triste. É comum, mesmo no fim da safra, encontrar mais de quatrocentos caminhões esperando a sua vez de descarregar, enquanto os silos do porto estão abarrotados e o navio não aparece. Mas o pior de tudo é o nervosismo que abate o motorista. Não dá para sair de perto do caminhão por causa da possibilidade muito comum de roubo, já que policiamento na zona do super-porto é manga de colete. […] Houve casos de ladrões que roubaram todas as rodas do caminhão. Levantaram o caminhão no macaco, colocaram tocos e pedras embaixo e depois levaram as rodas. Além disso, o motorista não pode sair de perto do caminhão porque a fila pode andar e ele precisa andar com a fila, senão perde o lugar. Por maior que seja o coleguismo, o motorista de trás não pode ficar esperando o da frente voltar. Trata-se de uma questão de sobrevivência. (O CARRETEIRO, 1975, p.32).

A linguagem continua simples, fazendo referências populares como

“manga de colete” quanto à segurança que os motoristas dispõem nos portos.

A matéria relata que, em dias críticos, até 600 caminhões ficam parados no

porto, aguardando sua vez de carregar ou descarregar. Não são pagas diárias

para o motorista que permanece, segundo a reportagem, até cinco dias

parados. Em tentativa frustrada de pedir a diária na justiça, a revista menciona

que o motorista continuou “a ver navios”. “Enquanto alguém não faz alguma

coisa, o caminhoneiro vai se sujeitando […], tendo ainda que ficar em fila para

conseguir a comida, sem condições de higiene, de repouso e tranquilidade”

(p.33), relata o texto.

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A matéria é ilustrada por uma figura do personagem Zé Carreteiro, em

conversa com seu amigo Daniel. Zé diz “Será que nós, autônomos, não vamos

ser prejudicados?”. Daniel responde: “Não tem perigo. O governo está bem

intencionado”. Ambos estão em um porto. Ainda relativa à reportagem, uma

ilustração ocupa toda a página 34, ironizando a demora nas filas dos portos:

Figura 14 – Desenho ironiza filas – Página 34

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

Um terceiro desenho também se refere à reportagem, ocupando toda a

página 37. No diálogo, um caminhoneiro pergunta “O colega está na fila de

exportação vazio?”. Ao que o outro responde: “É que eu transportava cachaça

de exportação. E, pelo jeito que a fila vai, sabe como é. Um pouco por dia e lá

se foi todinha” (ANEXO H).

Na página 36, antes do desenho acima, a revista publicou uma nota

fiscal, enviada por um caminhoneiro, com a cobrança de Cr$ 10,00 pela

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calibragem de um pneu. A revista fez questão de publicar o nome do posto

onde tal cobrança ocorreu, considerando-a indevida. Conforme a publicação, a

intenção não é fazer com que o posto perca clientela, mas chamar a atenção

dos postos para lembrar a importância que os caminhoneiros têm em seu

faturamento, enfatizando que o motorista precisa ser bem tratado. Se a

cobrança fosse aplicada a todos os pneus, o caminhoneiro precisaria

desembolsar Cr$ 180,00. “Não está caro demais?”, questiona a revista.

As páginas 38 e 39 abordam o horóscopo, com dicas e linguajar

voltados ao caminhoneiro, relacionando previsões com partes de caminhão

e fatos do dia a dia da profissão. Um exemplo é o signo de Leão, com

as inscrições: “A bomba injetora do seu peito está envenenada. Contenha

os ímpetos do seu coração. Bomba envenenada provoca desgaste

excessivo, até na alma”, p. 39. Já o signo de Touro, por exemplo, tem as

seguintes colocações: “Curvas bem à frente, com cabelos morenos. Mas

não vá largar em banguela que é perigoso. Engate uma reduzida, com

prudência para ganhar a parada”, p. 38.

Os desenhos do horóscopo são coloridos: cada período é retratado

com um caminhão personalizado de acordo com o signo. A página obedece

ao projeto gráfico, com título à esquerda, em letras maiúsculas, e distribuição

dos signos com um quadro para figura e outro para escrita, em três colunas

(ANEXO I).

A história do Zé da Estrada finaliza a edição da revista. O título

da historinha é “A placa não é mais aquela…”, em referência a uma

mudança nas placas de sinalização. “Existem algumas placas novas nas

estradas, tem também placa antiga que foi modificada…”, alerta o primeiro

quadro, que mostra Zé em dúvida ao observar uma das placas. Os desenhos

são amplamente coloridos, com cores vivas e vibrantes. A história retrata, em

31 quadrinhos, o pedido de ajuda que Zé faz ao inspetor João, que passa a

explicar, quadro a quadro, o significado das novas placas.

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Figura 15 – Zé está confuso com mudança nas placas

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

Este é um bom exemplo do propósito da criação do Zé da Estrada:

ser um personagem didático para o caminhoneiro, ao informar-lhe quanto às

diferenças nas sinalizações. Observa-se também que a história retrata Zé

com barba por fazer e cigarro na boca, com camisa amarrada e um pedaço

de barriga para fora, criando assim um estereótipo do caminhoneiro a quem

se dirigia.

Um dos aspectos mais interessantes desta história é a habilidade do

ilustrador, Michele Iacocca, em retratar as placas de formas diferentes.

Para não deixar a história enfadonha, o ilustrador recorreu a inúmeros

recursos para apresentar os símbolos com clareza e explicá-los, sem ser

repetitivo ao longo dos quadrinhos. Um dos exemplos está na página 42,

quando o inspetor explica a placa que está refletida nas lentes dos seus

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óculos. No quadrinho seguinte, é retratado um “acidente” fictício, para

mostrar a importância da placa de parada obrigatória à frente.

No decorrer da história, Iacocca lança diálogos bem humorados entre

os dois, a exemplo da explicação da placa sobre “Crianças”. “Pois eu pensei

que fosse campo de futebol adiante! ”, retruca Zé ao inspetor.

Figura 16 - Formas criativas para abordagens das placas

Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975

A história termina com uma piada que provavelmente não seria bem

aceita caso fosse publicada hoje. Ao observar a placa “animais selvagens”,

Zé dispara: “Ué! Mas tem placara até prá (sic!) eles?”. O inspetor responde:

“Não é isso, Zé! A placa indica “animais selvagens””. Zé finaliza: “Mas

tinham de escolher logo um veadinho?”.

Antes de finalizar a edição, a página ainda convoca o caminhoneiro

para participar de uma pesquisa, enviando por escrito quais problemas

enfrenta. Sob o título “Quais são os problemas do caminhoneiro”, a edição

traz um questionário para que seja respondido e enviado à redação.

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A pesquisa é feita pela empresa Euler – Engenharia Consultoria S.A,

contratada pelo DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem.

“Você pode escrever nessa cartinha todas as sugestões para a

regulamentação. Aproveite para reclamar de tudo que você acha errado na

profissão: más empresas, cheque coruja, frete, etc.”, estimula o texto antes

das perguntas com linhas em branco para respostas. O selo já está pago:

basta o caminhoneiro responder e colocar no correio.

4.4 SEGUNDA REVISTA: MARÇO DE 1985

A edição de número 131, de março de 1985, é a segunda a ser

analisada. A revista está em seu décimo quinto ano de publicação, já editada

pela GG Editora. O exemplar de 66 páginas circulou num momento especial

da vida política brasileira: o fim da ditadura, que vigorava desde 1964. O

período da Nova República surge com a eleição de Tancredo Neves, em 15

de janeiro. Ele não chegou a assumir, padecendo por conta de infecção

hospitalar em 21 de abril. Antes disso, em 15 de março, a faixa presidencial

foi entregue a José Sarney, vice de Tancredo, dando início a um novo

período na história brasileira.

A edição circulou em março, quando, conforme os planos, Tancredo

estava eleito e prestes a assumir, no dia 15. São destaques: uma matéria

com o que os caminhoneiros esperam do novo governo; uma reportagem

sobre o trabalho executado pela Polícia Rodoviária Federal e uma terceira

sobre o terminal Fernão Dias. A história do Zé da Estrada, ainda chamado de

Zé Sujinho à época, integra o concurso cultural “Pinte a história do Zé”, e

também traz como assunto a Nova República.

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Figura 17 - Capa da edição 131 – março de 1985

Fonte: O Carreteiro, ed. 131, 1985

A capa é em desenho, tendo como figura central uma caricatura de

Tancredo Neves, rodeada por sete braços carregando caminhões em

miniatura. A posição é como se estivessem oferecendo os veículos ao

presidente eleito. A manchete “Presidente: queremos trabalhar e ajudar com

nossos caminhões!” está registrada. Abaixo do letreiro O Carreteiro, em preto,

está a frase: “Quinze anos a revista do homem do transporte rodoviário”. Ainda

coube, ao final da página, um quadrado pequeno com a fotografia de um quepe

da polícia e a chamada “Como atua a polícia rodoviária”.

Ao contrário da edição de 1975, esta revista possui editorial, sob o título

“Nossa palavra”. O texto, na página 5, expõe o pensamento da revista quanto à

situação política do país, considerando que o trabalho “sério, firme, constante e

consciente” é a única forma de recuperar o tempo perdido na ditadura.

Conversando, perguntando, sondando os caminhoneiros, a nossa reportagem queria muito mais saber do hoje e dos planos para o amanhã, na hora e que um novo governo assume o comando dos

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destinos do Brasil. É importante conhecer o que vimos e ouvimos nos contatos mais recentes com os homens das estradas. Há esperança, sem euforia; há confiança, sem cegueira; há tranquilidade, sem passividade; há receio sem medo. Acima de tudo, há certeza sobre o valor de poder trabalhar para a garantia de sua família, de si mesmo e seu país. […] Devemos esperar muito mais de nós mesmos, de nossos próprios esforços, do que do governo. Quando empresários poderosos e trabalhadores modestos dizem a mesma coisa – ainda que com palavras distintas – sobre o que fazer em seu setor, podemos ter esperanças. (O CARRETEIRO, 1985, p.5)

O editorial comenta ainda que a consciência dos problemas da sua

classe fica nítida nas observações, comentários e solicitações dos

caminhoneiros, colhidos pela revista. O texto retrata que o discurso do

carreteiro abordado na rua tem identidade com um trabalho minucioso de

entidades, encaminhado ao presidente da República, com subsídios para a

criação de uma política nacional de transporte de bens.

A primeira reportagem da revista é justamente sobre a nova

configuração política do Brasil. A matéria "Clima de confiança e de esperança

no novo governo" mostra as opiniões de caminhoneiros sobre o assunto,

demonstrando a importância que a revista confere aos pensamentos de seu

público. O texto começa em estilo literário, valorizando, desde o princípio, a fala

de um caminhoneiro do interior do Ceará:

Zé Raimundo é lá do vale do Cariri e enfrentou a seca do Nordeste transportando no seu velho Ford o que ele chama de gado humano: os trabalhadores para as frentes de trabalho da Sudene. Em Barbalha, no Ceará, ele já trabalhou com sandálias de couro e das boas, diz. Estava chegando de Patos, na Paraíba, depois de puxar carga para São Paulo, a primeira longa viagem nos últimos dois anos. Viu o grupo de caminhoneiros falando com a reportagem. Logo deu sua opinião: "Ora, o que o caminhoneiro espera do Presidente Tancredo Neves? Não é muito não, moço: melhorar estas estradas que tão pipocando pra todo lado; vê se não deixa o preço do diesel continuar indo prás (sic!) nuvens e arranjar um jeitinho de fazer com a gente o que fizeram com os colegas dos taxis (sic!) facilitando nossa ferramenta de trabalho, que é o caminhão. O resto, a gente já sabe que ele veio prá (sic!) isso: acabar com a pouca vergonha e deixar a gente trabalhar acabando com os assaltantes e ladrões." (O CARRETEIRO, 1985, p. 6)

Pode-se notar a relevância dada à palavra do cearense Zé Raimundo,

por abrir a reportagem, bem como ao seu comportamento, utilizado para tecer

o texto. Isso reforça a primeira hipótese, de que a revista valoriza o profissional

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em sua linha editorial. O nordestino volta a ser mencionado na página seguinte:

"Em enquete que realizamos para saber como os carreteiros viam a mudança

de governo, a opinião do nordestino Zé Raimundo poderia sintetizar os pontos

mais importantes dos imensos problemas do transporte rodoviário de carga",

considera a revista (1985, p. 7).

São elencados como os três principais problemas enfrentados pelo

caminhoneiro: a deterioração da malha rodoviária, o alto preço do combustível

e a dificuldade de renovação da frota de caminhões. No decorrer do texto, a

revista ainda explica o desenho de capa, feito pelo seu ilustrador, Michele

Iaccoca.

Altamente positivo é o clima de confiança e de esperança no novo governo. É como se o Brasil (veja nossa capa, feita pelo Michele) estivesse passando de milhões de mãos aflitas ás (sic!) mãos firmes e equilibradas de quem vai segurá-lo, com o apoio e o desejo de ir pra frente de todo o povo, representado por todos os caminhões e seus caminhoneiros pedindo apenas para que lhes deixem trabalhar. As opiniões, os desabafos, as respostas simples e diretas são também a manifestação de que o trabalho duro constitue (sic!) a contribuição decisiva dos caminhoneiros para ajudar o novo governo a superar os problemas e vencer obstáculos. (O CARRETEIRO, 1985, p. 7)

A reportagem termina com um grande quadro, ocupando duas páginas,

sob o título "Um programa daqueles que conhecem como é trabalhar nas

estradas". Abaixo da página, dentro de dois quadros, as frases "Ministro é bom

se conhece o que faz" e "Queremos que nos deixem trabalhar". No quadro

principal, constam 12 pontos de um "programa de realizações básicas" para os

caminhoneiros. Nestes itens, dentre outros aspectos, constam: estimular o

caminhoneiro autônomo; consertar estradas; facilitar recebimento e entrega de

cargas; descomplicar leis "difíceis de entender"; promover a compra e uso do

caminhão; garantir segurança e promover sistema de amparo à família do

caminhoneiro vítima de violência.

A próxima grande reportagem ocupa seis páginas e trata do

relacionamento do caminhoneiro com a polícia rodoviária. Conforme a revista,

muitas são as reclamações dos carreteiros acerca do comportamento dos

policiais, que frequentemente tentam extorquir valores dos motoristas. A revista

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ressalta, ao longo da matéria, que existe uma minoria desonesta, mas que a

maior parte da corporação trabalha de forma séria. Identifica, ainda, formas de

o caminhoneiro ajudar a combater a corrupção na polícia, anotando nomes de

uniformes e placas de viaturas para fazer denúncias.

Sob o título "Polícia Rodoviária pede: Caminhoneiro: olhe o nome das

"ovelhas negras" e comunique", a matéria começa novamente com composição

literária, descrevendo uma situação irregular de trânsito, à qual os policiais

precisam estar sempre atentos:

Firme, mas lentamente a pesada carreta, puxada pelo possante turbo da Scania vai vencendo a serra. É uma reta em subida de cerca de 700 metros, terminando em curva à direita, quase na entrada de Bragança Paulista [...]. O intenso calor do verão faz padecer o caminhoneiro, que abre a porta da cabine do bruto e procura ar fresco. Pelo espelho retrovisor o motorista vê a longa fila, que a marcha lenta do seu veículo carregando 18 toneladas, ajudou a fazer atrás de si no trecho onde a linha amarela contínua e vários avisos indicam que é proibido ultrapassar. [...] Subitamente, aproveitando uma brecha livre na pista de descida, um ônibus sai de trás da carreta, à sua esquerda e, quase ao mesmo tempo, um caminhão mais leve faz o mesmo atrás do ônibus. A manobra é perigosa, mas Deus ajuda e da curva em cima surge somente outra carreta, que se aguenta nos freios e permite que se complete a ultrapassagem proibida. (O CARRETEIRO, 1985, p. 12).

No texto, a revista justifica a matéria com as dezenas de cartas que

chegam à redação acusando os patrulheiros de desonestidade, o que

corrobora com a hipótese de a revista ser porta-voz do caminhoneiro, não

apenas nos espaços de publicação de cartas do leitor. Em seguida, descreve o

trabalho realizado pelos jornalistas para compor a matéria da edição corrente:

Nossos repórteres cruzaram as estradas de São Paulo, Minas Gerais e Estado do Rio de Janeiro, federais e estaduais, há apenas três semanas, em pleno calor e sob temporais destruidores de estradas e complicadores da vida já difícil de nossos caminhoneiros. E pôde concluir que, em sua grande maioria, os policiais tem (sic!) precárias condições de trabalho, são muito mal remunerados, têm responsabilidades muito acima dos meios de que dispõem para cumprí-las (sic!) e são muito melhores, muito mais eficiêntes (sic!) e muito mais dedicados, decentes e honestos do que algumas pessoas imaginam. (O CARRETEIRO, 1985, p.12).

Na sequência, o texto descreve o diálogo de um repórter da revista com

um inspetor do Rio de Janeiro, no qual o jornalista cobra o uso do uniforme

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com nome visível do policial no estado fluminense. O repórter também relata

que a maioria das reclamações dos caminhoneiros é daquele estado. O

inspetor ressalta que, das 120 multas mensais aplicadas, em média, poucas

vão para caminhões. Diante disso, o texto mostra uma indagação do repórter

que traz uma das maiores reclamações dos caminhoneiros: o pagamento de

dinheiro para policiais.

O repórter insistiu: "É isso mesmo. A multa legal e no papel que permite recurso não é queixa do caminhoneiro. É a outra, a que evita a escrita, a do pé de ouvido.". A resposta foi de que – se isso acontecer – o caminhoneiro deve anotar o dia da ocorrência, o local exato, o número e a placa da viatura. Mesmo sem o nome na camisa, vai ser possível descobrir o "homem que suja o nome do policial sério e da corporação". (O CARRETEIRO, 1985, p.13).

Após essa matéria, a revista segue com a seção Posto Zero, em quatro

páginas com recados dos motoristas sobre problemas na estrada. A seção tem

fundo amarelo forte, sendo bastante chamativa. Todos os recados são

comentados pela publicação. Na descrição da seção, O Carreteiro avisa:

Esta revista coloca à sua disposição o "Posto Zero", que se destina a acolher as queixas, opiniões e sugestões dos leitores, sobre problemas de interesse da classe. Se você souber de algum acontecimento, situação ou fato que não é justo ou prejudicou você, sua família ou um colega, ou quer reconhecer alguém, uma pessoa, um posto, um restaurante um guarda ou fiscal que você considera amigo, use a "Carta do Leitor" que você vai encontrar nesta revista. Se caso você quiser fazer críticas a esta revista, também é válido, como esta Seção é realmente sua, a revista não se responsabiliza pelas cartas. Posto Zero é pra você "botar a boca no trombone!". (O CARRETEIRO, 1985, p.18).

Novamente, o espaço para se conhecer o leitor, lembrado por Scalzo, é

colocado em prática. No comentário de muitas das cartas, a revista se

compromete a enviar a reclamação ou sugestão ao órgão responsável, seja ele

uma empresa pública ou privada. Uma das cartas mais interessantes é

intitulada "Progresso com P", enviada por João Alves Pereira. No texto, o

motorista questiona "Onde é aplicado o lucro do frete?". E ele mesmo

responde: "[...] em 10 letras 'P': 1) Prestação. 2) Pneu. 3) Protetor. 4) Parafuso.

5) Peça. 6) Prego. 7) Pedra. 8) Posto. 9) Petróleo. 10) Pedágio" (pág. 22). A

revista comenta apenas: "Perfeito, Pereira", continuando a sequência em P.

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Na carta "Os tempos mudaram", Pedro Hercules reclama sobre o

comportamento de alguns caminhoneiros, que não obedecem sinalização e

não utilizam roupas decentes. "É só cueca, chinelo e camiseta de propaganda",

reclama a carta (pág. 21). A revista responde com bom humor: "A mesma coisa

vem sendo dita de geração em geração colega, desde que Noé se

desentendeu com seu neto Canaã" (pág. 21). Outro aspecto interessante é que

o caminhoneiro é identificado ao final da carta pelo nome e local de origem,

bem como pela placa do seu caminhão.

Ainda quanto à participação do leitor, a seção "Opinião de mulher" é

uma novidade em relação à edição de 1975. Uma página completamente cor

de rosa traz essencialmente cartas enviadas por esposas ou companheiras dos

caminhoneiros. As cartas também são comentadas pela revista. A seção

especial foi publicada na página 50 (ANEXO J).

Na página 32, a correspondente Eliana Machado de Oliveira produziu

um material de Salvador, na Bahia, entrevistando um caminhoneiro para a

página "Brasil afora". O título é "Carreteiro precisa de apoio das empresas e

dos guardas". A matéria começa com o subtítulo "Mais respeito pelos

carreteiros". O texto traz uma conversa com Francisco José Soares de Araújo,

que, à época, estava com 14 anos de trabalho no ramo. Em duas páginas, a

repórter mostra um pouco da vida e da visão de mundo do caminhoneiro

Francisco.

Entre reclamações e elogios à profissão, ele fala do relacionamento com

a esposa e o filho. "Quando bate a saudade, a certeza da volta e do reencontro

é um conforto, afirma Francisco Araújo" (pág. 33). O espaço destinado a contar

sobre a vida de um único caminhoneiro do interior baiano demonstra

valorização à categoria.

À página 36 figura um poema intitulado "O caminhoneiro e o presidente",

assinado por J. W. Corsini. Em quatro estrofes rimadas, o poema compara a

função do novo presidente eleito com a função de dirigir um caminhão. Traça

um paralelo entre dirigir uma carga pesada e saber escolher ajudantes para

deixá-la arrumada. O texto é montado ao estilo caipira de fala, integrando a

série Marcha Lenta:

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Ilustre Doutor Presidente Eleito pra dirigir a nação,

Um camioneiro (sic!) irreverente A vosmecê pede perdão.

Vamos mostrar pra esta gente, Que a sua nobre função

Não é muito diferente De dirigir um caminhão.

[...] Sr. Doutor Tancredo,

Nossa esperança futura. Pode dirigir sem medo, Esta jamanta tão dura,

Pode contar desde cedo, Com esta classe tão pura

E agradeça ao Figueiredo, Por ter nos dado a abertura

(O CARRETEIRO, 1985, p. 36)

Nas páginas 40 e 41, a publicação divulga a Festa do Caminhoneiro,

evento promovido pela revista, que estava na sua décima edição. "Em

Guaratinguetá a X Festa do Caminhoneiro é feita para ele" é o título do texto.

Ao longo das páginas, a revista explica como o caminhoneiro pode participar

da comemoração, de graça, com sua família, a partir de uma carta enviada por

uma leitora repleta de dúvidas. A matéria registra: "A Festa é do caminhoneiro.

E todo carreteiro que queira ir nós estamos esperando por ele, de braços

abertos" (p. 40).

Sorteando CR$ 250 mil, o Concurso do Zé premia quem melhor pintar a

história em quadrinhos, que é veiculada na revista em preto e branco. O

ganhador do mês de janeiro é valorizado com foto em frente ao seu caminhão

e nota com entrevista sobre sua filosofia de vida, na página 37. A revista

também publicou o desenho de um rapaz "excepcional", enfermo, que ilustrou

com beleza um caminhão Scania, para mostrar à publicação sua “paixão por

caminhão”.

A história do Zé, sem cores, por integrar o concurso cultural, chama-se

"Zé e a Nova República". A edição retrata que, em março de 1985, Zé dirigia

pelas estradas. Parou em posto conhecido e foi cumprimentar os colegas, que

ficaram surpresos com o comportamento do personagem. O motivo da alegria

é a Nova República, que lhe trouxe esperanças. Nesta história, Zé ainda

aparece com cigarro à boca, mas sua camisa está completamente fechada e

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dentro das calças, passando uma impressão de asseio, diferentemente da

edição de 1975. Zé, que ainda era chamado de Zé Sujinho, comenta:

- Ora, eu quero ter todas as esperanças possíveis. Pô, depois de tantos anos de dureza e apertos... de fretes mal pagos e de empresas fajutas... Na medida em que o Zé vai pensando no passado, vai ganhando esperança para o futuro. Vai imaginando fretes melhores e mais justos. Melhores condições para trocar de caminhão. Estradas melhores. E menos perigosas. Enfim, o suficiente para fazer do caminhoneiro uma profissão honrada e decente. (O CARRETEIRO, 1985, p. 45-48).

Nos desenhos, Zé imagina uma fila de caminhões rodando pela estrada;

vislumbra ele mesmo beijando seu salário, em notas de dinheiro; imagina ainda

um caminhão novo e a possibilidade de dirigir com segurança, cantando

durante a viagem.

A seção "Colegas da estrada" (Figura 18) é novidade em relação à

edição de 1975. Em duas páginas, são mostradas fotolegendas retratando

caminhoneiros, seus nomes, famílias e modelos de caminhão. A própria revista

define, na página: "Um espaço para alguns dos companheiros rodando pelas

estradas deste imenso chão que é o BRASIL" (p. 54). O espaço valoriza o

caminhoneiro por mostrar fotos suas em trabalho, ao seu próprio estilo, sem

preocupações com aparências ou outros valores que seriam provavelmente

considerados em outros tipos de revistas.

Um dos caminhoneiros retratados é Valdino Martins da Silva, conhecido

como Bio, terceiro caminhoneiro na página 55. Com linguagem popular, a

revista comenta: “O trapezista aqui é o Valdino [...], que é solteiro, joga futebol,

carrega frutas para São Paulo neste Mercedes 1313, placa BT 6715, e mora

em Nanuque/MG” (p. 55). Outro exemplo é Silvio Raimundo, segundo da

página 54. “[...] é conhecido por Pisca e seu Mercedes 1113, placa DW 2796 –

é claro – por Trans-pisca. Ele é casado com Elena, mora em Assis

Chateaubriand/PR e tem 3 filhos”, registra a publicação.

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Figura 18 – Seção Colegas da Estrada

Fonte: O Carreteiro, ed. 131, 1985

A edição tem ainda classificados, para facilitar compras e vendas entre

os caminhoneiros, a tabela com preços de caminhões usados (outra novidade

em relação a 1975) e a página "Escreva para a revista", com linhas em branco

para serem destacadas e colocadas no correio, por conta da publicação.

Dentro das páginas de classificados figuram recados sobre motoristas

desaparecidos, caminhões roubados, agradecimentos, recados, profissionais

procurando emprego e ainda a seção bate-bate coração, com cartas

românticas.

A seção bate-bate coração, integrada aos classificados, trouxe tanto

caminhoneiros em busca de parceiras quanto mulheres interessadas em

conhecer um caminhoneiro “que as leve para conhecer o Brasil”. Um dos casos

mais interessantes é a carta de Lauro Roberto Santos, identificado pela placa

JV 5200, de Caxias do Sul:

Através de correspondência com todas as garotas do Brasil, encontrei a mulher dos meus sonhos. Ela mora na cidade de Paranaguá e se chama Ângela. Estamos pensando em nos casar muito em breve.

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Quero agradecer esta Revista sem a qual não poderia ter acontecido esta coisa maravilhosa. (O CARRETEIRO, 1985, p. 61).

A publicação traz ainda uma página chamada “Gente”. A revista define o

intuito da página no alto da sua composição: “Notícias que nos mandam sobre

o mais importante: nossa gente”. A seção traz nomes de pessoas com

comunicados sobre promoções em empresas, aniversariantes, mensagens de

famílias para entes queridos falecidos, novos casais e nascimento de filhos.

Quanto à diagramação da edição, percebe-se a existência de

planejamento gráfico, estruturando o texto das páginas em três colunas. São

utilizadas fontes sem serifa para os títulos e serifadas para os textos. A revista

é bem menos ilustrada que a edição de 1975, tendo reportagens com

exclusivamente texto, o que pode tornar a leitura mais cansativa. A edição

também tem menos cores, com a maioria das páginas em preto e branco. O

projeto segue padrões comentados por Pereira Junior no capítulo dois,

especialmente quanto à unidade e à tipologia da edição.

4.5 TERCEIRA REVISTA: SETEMBRO DE 1995

A terceira revista a ser analisada é a edição número 255, de setembro

de 1995. A publicação estava no seu 26º ano. A partir desta edição, João

Geraldo é editor-chefe, mantendo-se no cargo até os atuais, conforme

entrevista no capítulo três. O expediente menciona duas repórteres, um

fotógrafo e o ilustrador Michele Iacocca.

Nesta edição, o destaque vai para a possibilidade de criação da Rodovia

Transpacífico, ligando os brasileiros ao Oceano Pacífico. A dificuldade no

escoamento da produção de caminhões novos é abordada em outra matéria.

Surge destaque para lançamento de novos modelos. Neste caso, a notícia é a

chegada dos caminhões de cabine avançada, popularmente conhecidos como

cara-chata.

A capa tem fundo preto, dando destaque de foto para um caminhão

modelo cara-chata. As três manchetes são apresentadas em cinza, bem como

o nome da revista.

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Figura 19 - Capa da edição de setembro de 1995

Fonte: O Carreteiro, ed. 255, 1995

O editorial aparece na página 4, intitulado “Mercado Brasil”. O texto

questiona a quantidade de veículos abarrotados nos pátios das montadoras e

as dificuldades dos caminhoneiros para comprar um pesado zero quilômetro. O

editorial comenta que quem trafegou pelo trecho que corta São Bernardo do

Campo, cidade que comporta filiais das três maiores montadoras do mundo,

percebeu a quantidade de caminhões novos parados às margens da via

Anchieta. “Para os carreteiros autônomos, empregados ou agregados, que

passaram pela referida estrada, o velho e conhecido ditado olha com os olhos

e lambe com a testa caiu como uma luva”, indica o editorial, em linguagem

simples e direta.

Após o editorial, a revista segue com uma sequência de três páginas

inteiras sob a cartola Notícias. Cada página abriga três notas com informações

de lançamentos de peças e serviços para o carreteiro. Nas páginas 10 e 11, a

revista mostra uma entrevista concedida pelo então ministro do Transporte,

Odacir Klein, retratando preocupações e perspectivas no ministério. Na

entrevista, Klein deixa claro que a pasta não conta com orçamento próprio, o

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que inviabiliza a recuperação de rodovias. À época, o ministério visava à

criação de um Sistema Nacional de Viação, para substituir o Plano Nacional de

Viação, criado em 1973.

Na sequência, a reportagem “Na Rota do Pacífico” retrata, em três

páginas, a ideia de ligar o Brasil ao Oceano Pacífico, via Bolívia, Peru e Chile.

A ideia é buscar nos portos chilenos produtos de origem asiática. Bastante

técnica, a reportagem traz muitos números e dados que registram os valores

investidos na construção da rodovia, as quilometragens necessárias e os

referenciais econômicos oriundos desse investimento, uma vez que não seria

mais necessário levar mercadorias até o canal do Panamá para que

chegassem ao Pacífico. A matéria não registra falas ou histórias de

caminhoneiros.

Assim como na edição de 1985, há a seção “Colegas da Estrada”, com

fotolegendas sobre o dia a dia de caminhoneiros (ANEXO K). Em uma única

página, a revista traz fotografias de três carreteiros e seus recados para os

colegas. Em relação à edição analisada anteriormente, o espaço desta seção

foi reduzido, assim como o tamanho das fotografias. Como registra uma das

frases deixada por um dos contemplados na seção: “Augusto Ciminkoski, o

Magrão de Barracão/PR, manda um abraço a todos os caminhoneiros do Brasil

e pede para que não tomem rebites e bebidas alcoólicas [...]” (O Carreteiro,

1995, p. 17).

A reportagem correspondente à chamada de capa é apresentada na

sequência. “Frota encalhada” demonstra que as mudanças na linha de crédito

são insuficientes para reativar o mercado de caminhões. Em apenas duas

páginas, também bastante técnica, a reportagem traz a palavra do presidente

da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave),

bem como dados de montadoras para explicar a dificuldade na venda de

caminhões.

Ainda na linha de reportagens sobre caminhões, e não necessariamente

sobre caminhoneiros, a revista traz material intitulado “A invasão dos cara-

chata”, tipo de caminhão com cabine avançada. A reportagem ressalta que

esse modelo está começando a chegar ao Brasil, representando, à época,

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apenas 12% da frota do país. A matéria destaca o lançamento de montadoras

neste estilo de cabine, sem entrevistas com caminhoneiros ou ainda com

outras palavras de autoridade no assunto. São trazidos, apenas, dados acerca

dos lançamentos.

Sob a cartola “Histórias”, a história do carreteiro Donizetti de Souza foi

publicada nesta edição da revista. O texto, intitulado “Enganado pela farda”, dá

sequência à edição 255. Em duas páginas, com ilustração de Michele Iacocca

sobre o ocorrido, Donizetti narra o que lhe aconteceu na virada do ano de 1994

para 1995, quando se viu na obrigação de dar carona para dois guardas

rodoviários:

Três quilômetros adiante, pediram para eu estacionar no acostamento e quando parei o bruto aconteceu justamente o que eu imaginava. Me apontaram a arma e disseram: “fique quieto que é melhor para você”. Em seguida, um deles assumiu o volante e tocou em frente. Para meu desespero, pararam duas vezes o caminhão e seguiram. Não entendi bem se era para me matar ou deixar eu livre para ir embora. […] amarraram minhas mãos com corda de náilon. Deram umas 15 voltas nos meus braços e ficaram parados atrás de mim. Naquele momento imaginei que fosse ser morto com um tiro na cabeça. Em pensamento roguei a Deus e pedi para que não deixasse aqueles homens me assassinarem. (O CARRETEIRO, 1995, p. 26-27)

Este é um dos momentos em que a revista abre seu espaço para

acolher a história do caminhoneiro, vivida e escrita por ele, reforçando a

hipótese de ser sua porta-voz. Donizetti deixou o alerta para os colegas: “Não

deem carona”. Valoriza o profissional das estradas, pois mostra seu lado

humano e transparece uma das principais dificuldades da profissão: a

insegurança.

Nas páginas 38 e 39, a edição traz um anúncio sobre o programa Siga

Bem Caminhoneiro (apresentado no capítulo três), patrocinado pela Petrobras.

O anúncio valoriza Pedro Trucão, como apresentador do programa, e Sérgio

Reis, como participante. Ainda atualmente, os dois apresentam programas

voltados ao caminhoneiro, como explorado no capítulo três. Este mesmo

anúncio, que pôde ser observado em edições até os anos 2000, descreve:

Manhã de domingo… você já tirou o pé do acelerador, deu uma puxada no freio de mão e vai curtir a família e um merecido descanso. Pra começar bem o domingo que tal um café forte, encorpado, daqueles que só se faz na casa da gente? O leite fervido

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na hora, a manteiga derretendo no pãozinho quente. Eh… delícia! E pra acompanhar seu café, você liga no SBT, às 8h30 da manhã e, durante meia hora, assiste a um programa muito especial: o Siga Bem Caminhoneiro, com patrocínio da Petrobras. […] Portanto, amigão, não perca: todo domingo, às 8h30 da manhã, o melhor café da televisão está no SBT, no programa Siga Bem Caminhoneiro. (O CARRETEIRO, 1995, p.38-39)

Nesta edição, assim como a de 1975, há horóscopo publicado. No

entanto, é apresentado um horóscopo como os publicados nos demais veículos

de comunicação, sem o linguajar e as características voltadas exclusivamente

a caminhoneiros, como o que consta na primeira revista analisada.

A história do Zé é apresentada em duas páginas. Nesta edição, Zé

aparece com a camisa bem fechada, a barba feita e, finalmente, sem cigarro à

boca. É a primeira edição analisada em que o personagem não está fumando.

Também não há menção para a referência ao antigo nome Zé Sujinho, como

utilizado nas duas revistas anteriores. A história é simples e registra um

pequeno perfil do Zé apresentado em 1995. Os balões dos quadrinhos

mostram Zé manifestando elogios:

- Ele é um ótimo motorista. Tem habilidade e experiência. Não transgride (sic!) as regras da estrada. Não judia do caminhão. Dirige nas horas certas, sem excessos, não bebe enquanto dirige. Nunca usa rebites. Enfim, como vocês podem ver aqui, ele é um exemplo a ser seguido por todos. - De quem o Zé está falando? - Dele mesmo, ora! Está lendo as histórias dele na revista “O Carreteiro”. (Zé e suas histórias, 1995, págs. 44-45)

A seguir, a tradicional seção Posto Zero aparece em quatro páginas.

Nesta edição, a definição deste espaço está mais sucinta: “Posto Zero destina-

se a (sic!) publicação de opiniões, queixas e sugestões. Escreva, esta seção é

para ‘você botar a boca no trombone’” (1995, p. 46). Todas as cartas estão

respondidas pela revista, ao estilo da já analisada seção “Bate-papo”, que não

aparece nesta edição.

Um dos recados trazia uma mensagem emocionada de Guilherme

Camper, de Santa Catarina, com o título “Tarde Demais”: “Quero agradecer a

revista O Carreteiro por ter homenageado meu pai e meu avô. Infelizmente,

não tive tempo de mostrar a publicação para meu pai porque ele faleceu antes”

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(1995, p. 49). Guilherme explica que seu pai contraiu uma doença e acabou

falecendo.

Na seção Classificados, são oferecidos caminhões, pedidos empregos,

notificados roubos ou pessoas desaparecidas. Também há espaço para cartas

sob o título Bate Coração, para os apaixonados. Casos familiares aparecem

nos classificados, como o recado de Elizabete Maria de Lima, de São Bernardo

do Campo, São Paulo. “Procuro o caminhoneiro Edson Belém Silva. Tivemos

uma filha juntos e hoje, com 14 anos, a menina quer conhecer o pai. Não vou

cobrar nada, desejo apenas que conheça a filha” (1995, p. 52). “Peço a Deus

que sempre te proteja e te traga de volta” (1995, p. 53) é outro exemplo de

recado. Este foi enviado pela esposa Angelita Juliatto, para seu esposo, via

revista O Carreteiro.

A edição conta ainda com tabela de preços de caminhões usados, tabela

de fretes para carreteiro e a última página pautada, para ser destacada e

colocada no correio como carta para a revista. Novamente, o selo é pago pela

publicação.

Quanto à diagramação, é possível perceber um comportamento

totalmente diferente das primeiras edições analisadas. A revista não conta com

planejamento gráfico fechado para todas as matérias. São seguidos alguns

padrões, como a fonte dos textos, mas os títulos das matérias recebem, cada

qual, uma configuração diferente. A edição abusa das cores nos títulos, bem

como dos efeitos nas palavras, permitidos pelos primeiros computadores que

permitiam uma edição de página diferenciada, na década de 90.

São percebidos alguns exageros nesta aparente ânsia de demonstrar

efeitos visuais diferentes na diagramação, o que é perigoso, conforme visto no

capítulo dois. Segundo Pereira Junior, uma disposição desorganizada de

elementos dá a sensação de descuido com as informações. Na matéria sobre a

rota do Pacífico (Figura 20), por exemplo, o fundo do texto recebeu bandeiras

dos países citados, criando um efeito visual que pode, até, prejudicar a leitura.

O título é apresentado em letras garrafais, cobrindo inteiramente a fotografia

escolhida para ilustrar a matéria.

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Figura 20 - Diagramação apresenta exageros visuais

Fonte: O Carreteiro, ed. 255, 1995

Nos textos “Frota encalhada” e “A invasão dos cara-chata”, os títulos

receberam diversos efeitos. No primeiro, em tom de pink, foi colocada sombra

nas três primeiras e nas três últimas letras. No segundo, a expressão “cara-

chata”, foi achatada, criando uma metalinguagem. O efeito visual, no entanto,

não colabora para uma leitura clara (ANEXO L).

É o que acontece quando não são seguidos os princípios da

simplicidade, da harmonia, da proporção, da unidade, do equilíbrio e da

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tipologia, citados por Pereira Junior no capítulo dois. O esforço para

compreender a mensagem prejudica a fluidez da leitura. Outro exemplo de erro

é quanto ao uso de serifa em títulos, conectando poucas letras de grande

tamanho, conforme ensina o autor. Ambos os títulos utilizam fontes com serifa,

o que não é recomendado para estes destaques, mas apenas para as letras do

texto. Não há padrão entre as matérias.

4.6 QUARTA REVISTA: FEVEREIRO DE 2005

A quarta revista contemplada pela pesquisa é a de número 365, de

fevereiro de 2005. Ainda editada por João Geraldo, traz no expediente uma

jornalista da redação, Daniela Giopato, e outros três colaboradores. Um

fotógrafo e Michele Iacocca, como fiel ilustrador, também fazem parte. O

Carreteiro estava no seu 34º ano. A edição é fisicamente maior, apresentando

um tamanho de 20 X 13,5 cm, em comparação aos 19 X 13,5 das edições

anteriores. Em 84 páginas, a edição explora mais reportagens sobre

caminhões que sobre caminhoneiros. Os destaques da edição são matérias de

teste de modelos novos de caminhões, uma reportagem sobre inspeção

veicular e outra sobre prostituição.

A capa é feita em papel couché, brilhoso e de gramatura maior. A

chamada traz em destaque a cartola “Prostituição”, com o título “Assédio na

fronteira, um buraco a mais no caminho”. Com a cartola “Teste”, é chamada a

reportagem “P 310 mostra o desempenho do motor de 9 litros Scania”. Esta

matéria está ilustrada com a foto do caminhão ocupando a capa inteira. Por

fim, na base da capa, a cartola “Inspeção técnica veicular” chama o título

“Projeto de uma frota mais segura está parado e sem data para ser

implantado”.

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Figura 21 - Capa da edição de fevereiro de 2005

Fonte: O Carreteiro, ed. 365, 2005

O editorial da edição já demonstra mudanças no comportamento do

caminhoneiro, a começar pelo seu título: “A necessidade de ser atual”. Nele, o

editor aborda que o ano de 2004 foi bom, mas poderia ter sido melhor para a

categoria. A partir disso, o editor aborda uma nova forma de comunicação do

leitor com a revista:

Até alguns anos atrás, era comum chegar punhados de cartas à redação desta revista recheadas de reclamações, a maioria relacionada à situação financeira. As correspondências não deixaram de chegar, mas, hoje, o tiroteio maior – e com justiça – é contra a situação das estradas. Boa parte desta comunicação é feita através de e-mail, numa demonstração de que tem motorista atualizado. Aliás, acompanhar a evolução do transporte de cargas é uma necessidade para quem pretende estar de bem com a atividade. (O CARRETEIRO, 2005, p.3)

O texto mostra a consolidação do que Scalzo sempre ressaltou como

importante para uma revista: conhecer e ouvir seu leitor. Com novas

tecnologias, já em 2005, este leitor passou a se comunicar de outra forma, e a

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revista estava pronta para recebê-lo e incentivá-lo a continuar se atualizando.

Ainda no editorial, a revista ressalta que não é suficiente apenas conduzir o

próprio caminhão: é preciso operar com planejamento e estratégias.

A edição mostra um sumário bem diagramado, diferente das outras

edições avaliadas. Apresentado em duas páginas, colorido, traz fotografias e

demonstra o planejamento gráfico da revista. No entanto, utiliza fontes que não

são utilizadas ao longo da revista, o que pode confundir o leitor. Segundo

Pereira Junior, melhor é utilizar apenas formas definidas, sem a utilização de

diversas fontes diferentes.

Os três destaques são para as matérias sobre prostituição, o teste do

caminhão Scania e a inspeção veicular, as três chamadas de capa, com fotos.

Como seções da edição, são apresentadas: Notícias; Informativo Goodyear;

Boléia; Histórias; Histórias do Zé; Cartas; Classificados; Tabela de Usados e

Jesuíno (ajudante do Zé Carreteiro). É a primeira edição analisada que não traz

a tradicional seção Posto Zero. Jesuíno, por sua vez, é apresentado em seção

única, para encerrar a edição.

Em quatro páginas, a seção Notícias explora novidades de marcas do

mercado de peças e de caminhões, bem como novidades tecnológicas, como

um alarme anti-sono. Os textos são espalhados pelas páginas em boxes

coloridos e poucas fotos.

A seguir, na página 14, é apresentada uma das principais reportagens

da edição, sob a cartola “Prostituição”. “Um problema a mais na fronteira”

retrata a realidade existente no terminal aduaneiro de Uruguaiana, no Rio

Grande do Sul, onde mulheres e adolescentes tentam programas com

carreteiros. Conforme a matéria, assinada pelo repórter Evilásio de Oliveira,

formação de imensas filas à espera da liberação de documentos fiscais facilita

o aparecimento de boates nas redondezas e as investidas das jovens em

caminhoneiros que estão com seus caminhões estacionados. “A atuação das

meninas e dos assaltantes que agem no local é assunto conhecido por todos,

principalmente pela maioria dos carreteiros que reclamam da falta de

segurança” (p. 14).

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Para produzir a matéria, Oliveira entrevistou o promotor público José de

Apoio e Prevenção à AIDS (Guapa), Thietelina Luarnini Pereira, que faz

trabalho voluntário de conscientização de caminhoneiros, homens e mulheres.

O repórter também conversou com Antônio da Rocha gerente da empresa que

administrava a aduana. Depois de colocar informações destas fontes, colheu a

opinião de cinco caminhoneiros sobre o assunto. A reportagem é recheada

com fotos de todos os carreteiros entrevistados e legendada com suas visões

sobre o problema. Eles são sempre apresentados com nome, idade, anos de

profissão, estado civil e número de filhos. Um dos exemplos é a entrevista de

Lindosmar Vieira de Lima, apresentado com 41 anos, 12 de volante, casado e

com três filhos:

Conta que se preocupa com o assédio das mulheres que ficam nas redondezas abordando os motoristas, algumas vezes em dupla. “Dá de tudo, de mulher feita até crianças que deveriam estar na escola, estudando”, diz. Acredita que a maioria dos carreteiros não aceita esse tipo de convite: “vamos fazer um programa, meu bem?”. Acha que eles têm medo de doenças, assaltos, roubos na cabine e também por saber o rolo que dá se a Polícia aparecer, uma hipótese improvável, segundo ele. (O CARRETEIRO, 2005, p. 17)

A edição utiliza expressões de uso corriqueiro da língua, como “dá de

tudo” e “o rolo que dá”. É a aplicação do que menciona Vilas Boas, conforme

retratado no capítulo dois: o estilo de linguagem é definido conforme o leitor

que se quer atingir. Além disso, conforme Mara Rovida, o texto desse tipo de

comunicação segmentada apresenta aspectos de proximidade com o público-

alvo, contradizendo o jornalismo de informação geral. Ao fazer isso, O

Carreteiro fala a língua do caminhoneiro, colocando suas ideias na sua forma

de se comunicar.

Outro exemplo é a entrevista com o carreteiro Sílvio César Murari e com

sua esposa, Mari. A reportagem afirma que ela fica indignada com a falta de

respeito e com as cantadas que as mocinhas, quase crianças, fazem aos

carreteiros. “Mas eu não estou nem aí pra essas cantadas, até dou uns

conselhos pra irem trabalhar, arranjar um emprego” (p. 18). A expressão “não

estou nem aí” reforça o aspecto mencionado acima.

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João Donizete Mazurega, de 48 anos, é um exemplo de entrevista dada

com falas indiretas, transcritas pelo repórter. Sua opinião mostra a imagem de

um carreteiro pai de família, que não se aproveita da prostituição, mesmo que

essa não seja a realidade de todos os motoristas:

Está acostumado a ver meninas se prostituindo na beira das estradas, recorrendo aos motoristas que, na maioria têm bom coração e sempre ajudam com dinheiro ou comida. Evidentemente sempre surgem os que se aproveitam da situação e da pobreza das crianças, mas a maioria apenas ajuda. Joao Donizete é casado, tem três filhos e um neto, o Gabriel, cuja fotografia costuma carregar na carteira. Ele acredita que as pessoas que se aproveitam dessas meninas de beira de estrada não tem (sic!) amor, não se preocupam com a vida alheia, com doenças e nem mesmo com as suas famílias. E reafirma: “Não gosto de ver essas coisas…”. (O CARRETEIRO, 2005, p. 19).

A matéria ocupa sete páginas, diagramadas em duas colunas, com

fotografias bem espalhadas. As jovens são fotografadas de costas, próximas

aos caminhões onde costumam oferecer programas. Os carreteiros

entrevistados são mostrados junto de seus caminhões, alguns bem vestidos,

outros com as roupas sujas do trabalho e um terceiro sentado, sem camisa,

junto da esposa. As palavras de autoridade mencionadas na matéria são

apresentadas com fotografias posadas, onde estão bem vestidos. Esse

contraste ajuda a reforçar, ainda que indiretamente, um estereótipo do

caminhoneiro, que estaria frequentemente sem camisa ou com roupas sujas.

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Figura 22 - Fotografias reforçam estereótipos

Fonte: O Carreteiro, ed. 365, 2005

Na página 22, o editor João Geraldo assina a matéria “Cinco cilindros

para dar conta do recado”, sob a cartola “Teste”. Em cinco páginas, é

apresentado o Scania P310, lançamento da montadora de caminhões. A

revista fez um teste com o veículo, colocando como fotografia principal da

matéria o caminhão com a placa “Teste O Carreteiro”.

Para mostrar que seu novo caminhão tem muito a oferecer aos transportadores de curtas e médias distâncias, a Scania cedeu à equipe da revista O Carreteiro uma unidade atrelada a um semi-reboque de três eixos carregado com 27 toneladas de pedra para avaliação. No primeiro contato com o P 310, o carreteiro percebe logo que terá de se acostumar com o veículo, porque o motor surpreende. (O CARRETEIRO, 2005, p. 23)

Novamente reforçando as características do jornalismo de revista, O

Carreteiro conversa com o leitor, explicando como fez a matéria, que não é

noticiosa, mas interpretativa, uma vez que avalia o comportamento do veículo.

Além disso, reforça o jornalismo segmentado, por falar de um assunto

pertinente à classe a que se dirige, com linguagem facilmente entendida por

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ela, como a nomenclatura do veículo, “semi-reboque três eixos”, a carga e a

sensação ao dirigir. A matéria é repleta de especificações técnicas acerca do

desempenho do caminhão, capacidade de velocidade, rotação do motor,

marchas, etc. as fotografias retratam o interior da cabine, o painel, o motor e a

caixa de fusíveis.

A seguir, é apresentada a matéria “Evento define o Caminhoneiro do

Ano”, sobre a Caravana Siga Bem Caminhoneiro, explicada no capítulo três. O

texto explica a sequência de provas escritas e orais, seguida por prova no

autódromo de Interlagos, que deu o título ao caminhoneiro Rogério Kiyosi Sato,

do Rio de Janeiro. Ele ganhou um caminhão Volvo zero quilômetro. A

caravana, segundo a matéria, percorreu 20 mil quilômetros, visitou 200 cidades

e contatou 600 mil carreteiros no ano de 2004.

A revista ainda apresenta outras três matérias de cunho técnico: uma

matéria sobre um aparelho que proporciona queima total do combustível,

reduzindo a fumaça, outra sobre inspeção veicular, explicando como deve

funcionar a avaliação dos veículos, e uma terceira sobre o lançamento do R

420, outro caminhão Scania.

A seção “História” traz um caso ocorrido com o caminhoneiro Serginaldo,

nome fictício dado ao personagem. Em duas páginas, retrata uma história

sobre lobisomem, tradicional nas conversas entre carreteiros. Ao final da

página, a revista convida: “Amigo motorista, se você conhece algum fato que

tenha acontecido na estrada, mesmo que seja um ‘causo’, escreva para a

revista O Carreteiro”.

A História do Zé traz o tema “Lentidão e rapidez”. Zé conversa com um

amigo no posto, que está assustado por ter entrado em um buraco fundo

durante uma curva e quase ter tido seu caminhão jogado na ribanceira. Zé

afirma que há problema nas estradas, mas elas não são as únicas culpadas

pelos acidentes, caso contrário, não haveria acidentes em estradas boas. Um

terceiro personagem se junta à conversa, apontando como outros problemas a

falta de manutenção, a imprudência e o excesso de velocidade. Neste

momento, um jovem carreteiro interrompe:

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- Vocês, velhos de estrada, todos cheios de cuidados, também estão velhos para a estrada. E, às vezes, atrapalham com sua lentidão os mais jovens e rápidos. Sem maiores discussões, o mais jovem e mais rápido subiu no caminhão e foi embora. Uma hora depois, mais adiante: - O que houve, amigão? - Puxa, Zé! O radar me pegou, ultrapassei numa curva e atropelei uma vaca… E agora a polícia quer prender o caminhão. - Nossa! Com que rapidez você conseguiu tudo isso! (O CARRETEIRO, 2005, p. 51)

A história retrata um Zé parecido com o de 95: camisa fechada, sem

cigarro, prudente. Agora, já mais antigo na estrada, experiente, dando

conselhos a um caminhoneiro mais novo.

Nesta edição, as cartas ocupam apenas duas páginas, diagramadas em

azul e branco e com fonte diferente do restante da revista. Os recados

informam sobre estradas mal conservadas e fazem sugestões de pauta. A

revista não responde às cartas na edição. Uma das cartas é intitulada “Elogio”,

de Carlos Eduardo, de Londrina. “Sou assinante da Revista O Carreteiro e

adoro a publicação. Vocês estão de parabéns, e continuem assim, levando

informações para os profissionais que trabalham com transporte rodoviário

[…]”. (p. 55).

Na seção Classificados, são apresentados caminhões roubados, feitos

pedidos de emprego, homenagens a carreteiros parentes ou amigos, e ainda

publicados recados “Bate coração”, para pessoas que queiram encontrar um

amor. O nível de intimidade com a revista e de confiança de que o recado

chegará ao seu destino é tanto que existem mensagens como a de Edimar, de

São Paulo: “Esta mensagem é para meu pai, que trabalha na Drebor, em

Cuiabá. ‘Pai, apesar de tudo o que o senhor fez, eu te perdoou (sic!). Saiba que

eu te amo muito’” (O Carreteiro, 2005, p.77).

A história do Jesuíno, ajudante do Zé da Estrada, fecha a edição.

Jesuíno e Zé conversam sobre correr na estrada, e Zé comenta que, na

descida, os riscos são maiores. Jesuíno discorda: “O sr. não conhece aquele

ditado que diz que na descida todo santo ajuda? Pois é na descida que a gente

pode correr à vontade” (O Carreteiro, 2005, p. 83).

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Esta edição não traz folha destacável para o carreteiro escrever seu

recado e enviar à revista, como apontado nas três edições avaliadas

anteriormente.

4.7 QUINTA REVISTA: OUTUBRO DE 2015

A quinta e última revista a ser analisada é do ano 45 da publicação,

número 492, de outubro de 2015. Com 100 páginas, esta é a maior revista da

análise. Circulou com tamanho idêntico à de 2005, 20 X 13,5 cm. Traz como

destaques os testes de dois lançamentos: a nova linha MAN Latin America e o

Mercedes-Benz Atego 2430. Ainda destaca o treinamento sobre veículos

modernos. Editada por João Geraldo, a revista conta com reportagem de

Daniela Giopato e ainda três colaboradores, três fotógrafos e o ilustrador

Michele Iacocca.

A capa, nos mesmos moldes que a de 2005, em papel couché, traz em

destaque uma fotografia do caminhão da Volkswagen da linha MAN. A

chamada é “Linha 2016”, sob a cartola “Lançamento”. Abaixo, com menor

destaque e com a cartola “Teste”, o título “Potência e conforto” ressalta

qualidade do caminhão da Mercedes-Benz. Na parte de cima, com destaque

menor, as chamadas: “Carreteiro já convive com as novas tecnologias que vão

mudar o setor e “Uma rota perigosa que destrói motoristas e provoca

tragédias”, sob a cartola “Drogas.

Essa configuração de capa já demonstra como será a edição: mais

focada em caminhões que em caminhoneiros, haja vista o espaço dedicado

para chamar um dos maiores problemas das estradas. Essa constatação

corrobora com a hipótese de que a revista teria se tornado mais superficial em

suas abordagens, com relação ao carreteiro. Abaixo do nome da revista, há a

inscrição: “Desde 1970 Transportando informação”.

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Figura 23 - Capa da edição de outubro de 2015

Fonte: O Carreteiro, ed. 492, 2015

O editorial traz o título “Além da condução”, com texto assinado pelo

editor, João Geraldo. Nele, Geraldo afirma que o resultado satisfatório na

atividade do transporte não depende só de veículos modernos e de tecnologia,

nem da experiência do condutor. Dependem da maneira como o negócio é

conduzido. O editor explica que muitos caminhoneiros não conseguiram trocar

de caminhão graças à dificuldade para obter financiamento. Com isso, sua frota

envelheceu e perdeu produtividade.

Enquanto isso, o autônomo dono de um caminhão já bastante rodado, via sua situação se complicar a cada dia. Não faltou quem falasse em abandonar a profissão, mas nem todos o fizeram. Muitos venderam o bruto e passaram a dirigir como empregados […]. Enfim, independente se é autônomo, agregado ou empregado, e qual o tipo de caminhão que dirige, o importante é o motorista lembrar-se sempre de que ele tem grande importância dentro da atividade do transporte rodoviário de carga, por isso precisa de organizar. […] Já foi o tempo em que dirigir, estar atento à estrada e entregar a carga era suficiente. Hoje, é preciso fazer mais contas também. (O CARRETEIRO, 2015, p. 4).

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O editor valoriza o caminhoneiro ao reforçar sua importância e indicar a

necessidade de planejamento e reeducação. Conforme o texto, são novos

tempos no transporte rodoviário de cargas, com novos desafios para os

caminhoneiros da atualidade. É por meio do editorial que o editor pode

conversar com seus leitores, e é o papel que Geraldo cumpre na página.

O sumário dá destaque aos dois testes de caminhões e ao treinamento

de caminhoneiros em veículos modernos. Bem diagramado, também indica

matérias ao longo da edição, em menor destaque, e elenca as seções:

Notícias; Na Mão Certa; Boletim Pneus; História do Zé; Dica Federal;

Classificados e Jesuíno, novamente para fechar a edição.

A matéria “Cuidar para economizar” traz a cartola “Manutenção” e

explora um formato bastante conhecido na revista O Carreteiro: abordar um

assunto por meio das opiniões dos caminhoneiros e colocar suas fotos nas

páginas. O texto aborda a importância de andar com o veículo seguro, por meio

de inspeção geral periódica.

Assim como avaliado na edição de 2005, o carreteiro é apresentado com

idade e anos de profissão. O texto aborda que é preciso “dar uma geral” no

cargueiro, exemplificando o uso de linguagem simples, adequada ao público-

alvo. Outro exemplo é com o caminhoneiro Airton José Bampi, de Campinas do

Sul, Rio Grande do Sul, com 53 anos de idade e 24 de estrada:

Segundo afirma, antes de iniciar uma viagem cuida de tudo, da parte mecânica, nível do óleo, água, sistema elétrica (sic!) e freios. A revisão geral ocorre a cada seis meses e foi numa dessas que decidiu reformar o motor e lembra ter sido cara. “Uma paulada, principalmente a mão de obra”, ressaltou. Lembra que o caminhão precisa estar sempre em boas condições para rodar com mais economia e não quebrar na estrada. “Afinal, o custo com combustível pesa muito na planilha e, somado às despesas com pedágios, acaba consumindo quase todo o valor do frete, que já é muito baixo, uma barbaridade”, conclui. (O CARRETEIRO, 2015, p. 18)

O repórter não modifica expressões utilizadas pelo caminhoneiro, como

“uma paulada” e “uma barbaridade”. Isso corrobora com a ideia de uso de

linguagem adequada ao leitor e ainda com a hipótese de que a revista seja a

porta-voz dos caminhoneiros, por trazer a opinião dos motoristas sobre um

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assunto de seu cotidiano. A reportagem é ilustrada com fotografias dos seis

entrevistados junto a seus caminhões.

Após a matéria, a edição traz um anúncio com a chamada “Você no

Carreteiro!”, convidando o motorista a enviar mensagens, fotos e vídeos por

meio do aplicativo de mensagens Whatsapp e pela rede social Facebook. São

exemplos de como a comunicação com o leitor adquiriu novos formatos ao

longo do tempo, passando pela carta, fax, e-mail e chegando às redes sociais,

adequando-se à realidade do motorista para não perder o elo com seu leitor

(ANEXO M).

A apresentação da linha MAN é feita em seguida, com matéria assinada

pelo editor, João Geraldo, em seis páginas. São destacados aspectos técnicos

do veículo, desempenho e tecnologias aplicadas. As fotografias mostram vários

modelos da linha na estrada, bem como na cabine. A seguir, é apresentada

uma reportagem de oito páginas sobre o treinamento dos caminhoneiros. A

primeira montadora a mostrar como promove esse ensino é a MAN Latin

America, da reportagem anterior.

O texto destaca que é indiscutível o nível de eficiência dos caminhões

atuais, mas, para que possa ser usufruído, o caminhoneiro precisa estar apto

para lidar e utilizar o veículo de forma correta. Aborda, ainda, as práticas da

Mercedes-Benz, da Volvo, Scania, Iveco e Ford. Um dos destaques é o uso de

tecnologia para ensinar as modernidades. ““Utilizamos também a internet

(Youtube e Whatsapp) como importantes ferramentas para divulgar conteúdo

de treinamentos […]”, adiciona” (p. 31).

A próxima reportagem é intitulada “Caminhão e motorista online”,

abordando a relação do veículo com a internet. A matéria é produzida pelo

editor João Geraldo com a Volvo, que demonstra suas novidades. Além disso,

o texto aponta uma configuração de como é ser caminhoneiro em 2015:

De vários modos e formas, a tecnologia da comunicação e envio de dados está cada dia mais presente na rotina dos profissionais ligados ao transporte rodoviário de carga, e com boa ênfase na rotina do carreteiro. Atualmente, vários sistemas, plataformas e ferramentas são aplicadas pelo setor para monitorar, controlar e cuidar do caminhão e da forma como está sendo usado, além de uma série de

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outras funções utilizadas para otimizar a operação. (O CARRETEIRO, 2015, p. 34)

Nesta reportagem, a revista utiliza um infográfico para ilustrar como

funciona um sistema de leitura de dados topográficos para troca automática de

marchas do caminhão. Conforme abordado por Pereira Junior, no capítulo dois,

o uso de infográfico configura uma imagem informativa, que apresenta apelo

visual. Para Scalzo, é uma forma de informar que não deve ser tratada como

enfeite. Este é o primeiro gráfico verificado nas cinco edições de O Carreteiro

que estão sendo analisadas.

Figura 24 - Uso de infográfico, típico em jornalismo de revista

Fonte: O Carreteiro, ed. 492, 2015

A edição continua com a reportagem “Conforto, eficiência e força”,

relativa ao Mercedes-Benz Atego 2430. A matéria é aberta com uma foto do

caminhão dirigido pelo editor da revista, João Geraldo, ocupando duas páginas.

O texto também é atribuído a Geraldo, novamente com especificações técnicas

a respeito do lançamento. A sequência de páginas sobre tecnologia de veículos

novos e da relação das modernidades com o caminhoneiro envolve 29 páginas

seguidas.

O tema continua na página 44, com a matéria “Treinamento online”. O

texto informa que o uso da tecnologia para treinamento e capacitação de

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motoristas pela internet ainda enfrenta resistência no Brasil, que tem pouca

oferta nesse tipo de aperfeiçoamento. “Trata-se de uma área que vem

ganhando força mundo afora, inclusive no Brasil, onde o Sest Senat está

investindo na capacitação de motoristas de caminhão via internet”, (2015, p.

44).

Outra reportagem ao estilo que aborda opiniões de caminhoneiros sobre

algum assunto é apresentada na página 52, sob o título “Na contramão da

vida”. O texto trata sobre drogas, aditivos usados para esconder o cansaço de

horas ao volante, cumprir prazos e melhorar a remuneração por viagem. A

reportagem entrevista três motoristas. O primeiro deles, que não foi

identificado, relatou à revista seu histórico de uso de drogas e álcool para se

manter acordado, dizendo que muitas vezes perdia a noção da rota que

deveria seguir. Outro entrevistado é Antônio Vendrasco, de 62 anos de idade e

42 de profissão:

Vendrasco lembrou que quando era garoto, trabalhava com caminhão boiadeiro e a rota era de Bonifácio a São José do Xingu/MT, trecho com mais de 1.600 km, passando por estradas de terra, balsa e tudo mais. Ele explicou que os animais têm prazo para chegar no destino e se um boi morrer na viagem é o motorista quem paga. “Certa vez experimentei o tal do rebite, o negócio reagiu muito rápido e fiquei ligado. Se fosse para viajar cinco dias seguidos viajava. Mas esse negócio faz mal, foi uma vez pra nunca mais”, comentou, destacando que tem muita preocupação com os novatos, porque eles estão entrando com tudo na droga. (O CARRETEIRO, 2015, p. 54)

Assim como em edições anteriores, ficaram mantidos os vícios de

expressão do entrevistado. Além disso, a própria revista adota linguagem

simplificada ao utilizar sequências como “entrando com tudo”.

A História do Zé desta edição é intitulada “Muita fumaça ainda”. A

história começa com um relato de um colega do Zé, que ficou incomodado com

o excesso de fumaça liberado por um caminhão que seguia à sua frente, morro

acima. Os dois conversam com outro colega sobre a importância de manter o

veículo regulado, mesmo que seja antigo, para não poluir e diminuir os gastos.

No entanto, ao ir embora, o colega incomodado deixa Zé e o outro parceiro

cheios de fumaça: “Pois é, Juarez, entre saber e fazer há muita fumaça ainda!”

(p.67). Novamente, o personagem cumpre seu papel didático, ao ensinar ao

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carreteiro a importância de manter o veículo em dia, como abordado em

reportagem anterior sobre manutenção.

Na sequência, a seção Classificados reúne os pedidos dos motoristas,

as antigas cartas do leitor, o tradicional Bate-Coração, pedidos de emprego e

homenagens. São 20 páginas de cartas e anúncios. No entanto, há um

diferencial: a mensagem antes das cartas é a seguinte:

Amigo motorista, você já pode mandar sua mensagem para publicarmos na Revista O Carreteiro também pela nossa página no Facebook: facebook.com/ocarreteiro e WhatsApp: (11) 95428-8803. Não se esqueça de colocar sua cidade e estado. (O CARRETEIRO, 2015, p. 71)

Um dos recados em destaque para a pesquisa é de Miqueias Pereira, de

Bandeirantes, São Paulo. A mensagem aborda aspectos difíceis do cotidiano

do caminhoneiro, com o título “Falta de segurança”. Por mais que sejam

mostradas diversas tecnologias ao longo da revista, certas coisas não mudam,

mas tendem a piorar com o tempo:

Gostaria de pedir às autoridades para cuidarem mais da nossa segurança, pois na rota que faço – Paraná-Santos – tem um posto na beira da rodovia Anchieta, em Santos/SP, no qual podemos aguardar carga e também onde todos os dias bandidos quebram os vidros dos caminhões na madrugada. Eles chegam ameaçando com armas e batendo nos motoristas. É isso que merecemos? Ninguém faz nada, já virou rotina. São todos menores de idade. E caso o motorista saia para dormir em outro local, a guarda portuária aplica multa por estacionar em local proibido. Aonde na Baixada Santista é permitido estacionar? Devemos arriscar nossas vidas para levar pão para casa? Isso é uma vergonha. (O CARRETEIRO, 2015, p. 81).

Por e-mail, o caminhoneiro Robinson Rezende reclama: “Desculpem

minha revolta, mas sou carreteiro e o que faz mal mesmo ao nosso coração

não é apenas a alimentação errada e sim a forma como somos tratados: com

descaso e sem valor” (p. 82). Rodrigo Robles envia: “Parabéns pelos 45 anos!

Manter o romantismo pela profissão está difícil. Não temos apoio político, o

governo faz leis absurdas para penalizar o motorista profissional que transporta

a riqueza do país” (p. 77).

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Os relatos das cartas demonstram, além do diálogo com a revista, que

as reclamações de valorização da categoria são semelhantes às de 45 anos

atrás. Também são feitas sugestões de pauta, dentre outras reclamações e

desabafos sobre as dificuldades de ser caminhoneiro, sempre permeadas pelo

adendo “mas até hoje sobrevivo de um volante”, ou algo do gênero.

Depois das tabelas com preços dos caminhões, a edição é fechada com

a história de Jesuíno, ajudante do Zé. Ele brinca com o fato de, quando está

frio, sair “fumaça branca” da boca. “Já imaginou se a gente também soltasse

fumaça preta? Sinal que a estava totalmente desregulado” (p. 98).

A edição é carregada de tecnologia, seja nos caminhões apresentados,

seja na preocupação em trazer matérias que tratem do treinamento para

caminhoneiros operarem as modernidades dos novos veículos, seja no convite

para que interajam com a revista online. Pelo menos 37 das 100 páginas, ou

37% da revista aborda tecnologia de alguma forma.

4.8 PÓS-ANÁLISE

Após a análise das cinco edições, podem-se perceber diversas

inferências, como sugere Bardin na teoria referente à Análise de Conteúdo. A

segmentação se comprovou ao longo da pesquisa, ao verificar que as edições

têm características intrínsecas ao seu público-alvo, desde sua forma de

circulação até as abordagens, pautas, linguagem e publicidade utilizadas. Sua

especificidade se revela na escolha do vocabulário, conforme verificado

durante a análise, na exposição dos motoristas em fotografias e na valorização

de suas opiniões para a construção de reportagens.

Outro aspecto que se pode inferir é referente à durabilidade da revista.

Muitos veículos impressos migraram para a plataforma digital com a crescente

utilização da internet e com o aumento nos custos de impressão. Apesar disso,

a revista O Carreteiro conseguiu se manter em circulação impressa, até então,

comprovando sua aceitação por parte dos anunciantes – cabe lembrar que as

revistas são distribuídas gratuitamente – e dos leitores. Além disso, a

publicação mantém ativos site e perfis em redes sociais, para dialogar com seu

público.

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114

E justamente a adaptação que a revista sofreu ao longo das décadas é

outro aspecto notado, tanto positivamente quanto negativamente. Do lado

positivo, a revista soube continuar em contato com seu leitor em diversas

plataformas. Começou com cartas, incentivando-o a fazer isso, passou para fax

e e-mail, sendo que, atualmente, solicita contato por meio de aplicativos e

redes sociais.

Estas adaptações também são observadas nas pautas, de forma

negativa, que deixaram de tratar de dramas e problemas típicos do

caminhoneiro para dar espaço a lançamentos de modelos novos de caminhão

e demais novidades de montadoras. Este aspecto mais comercial acaba por

apontar uma mudança no cerne da revista, que relegou ao caminhoneiro

espaços menores, mas fixos, como a seção “Classificados”, ou ainda matérias

menores, sem chamadas de capa.

Por fim, infere-se que a revista é, sim, um produto jornalístico de boa

qualidade, uma vez que se mantém em circulação por um longo período de

tempo com características que permeiam toda a sua trajetória, apesar das

adaptações que sofreu durante as décadas. A revista é bem diagramada

atualmente e soube se adequar, neste primeiro momento, ao avanço da

internet, lançando site atualizado e permitindo aos leitores baixar as edições

em dispositivos móveis por meio de aplicativo.

Nota-se também que se trata de um produto jornalístico de relevância

social, por trazer à tona uma classe carente de valorização, dialogando com ela

e produzindo jornalismo acessível a toda a sociedade. Remete, assim, a uma

das missões do jornalismo: trazer à tona quem e o que está à margem.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se até aqui que o caminhoneiro pertence a um grupo de

trabalhadores que enfrenta inúmeros desafios diários, sendo a valorização de

sua classe uma de suas maiores lutas. Retratado nas páginas da revista O

Carreteiro, o caminhoneiro tem suas reivindicações manifestadas. O jornalismo

segmentado, diferentemente do jornalismo especializado, como visto no

capítulo dois, traduz-se no surgimento de publicações como essa, que

envolvem uma série de peculiaridades para atenderem seus públicos.

Para chegar até aqui, foi necessário percorrer um caminho de pesquisa

sobre o jornalismo de revista e sobre como fazer jornalismo impresso, a fim de

que se pudesse entender melhor como a revista O Carreteiro atua dentro do

jornalismo. O terceiro capítulo nos trouxe outros exemplos de jornalismo

segmentado voltado ao caminhoneiro, como as revistas Carga Pesada e

Caminhoneiro, e ainda como os programas Siga Bem Caminhoneiro e Brasil

Caminhoneiro. Essa parte da pesquisa trouxe, ainda, programas mais

massivos que expuseram a figura do carreteiro para todo o país, como o

seriado de televisão Carga Pesada, com seus tradicionais personagens Pedro

e Bino, muito lembrados, ainda hoje, nas redes sociais.

O quarto capítulo trouxe a análise, subdividida em três partes. A pré-

análise elucidou a delimitação do material, que considerou as edições da

revista O Carreteiro de outubro/novembro de 1975 (edição bimestral), março de

1985, setembro de 1995, fevereiro de 2005 e outubro de 2015. Cada uma

destas revistas foi dissecada ao longo da análise, que buscou onde a

publicação valorizou o caminhoneiro ao longo de suas páginas.

Como acessórios à análise, foram considerados aspectos relativos à

fotografia, publicidade e diagramação. As histórias em quadrinhos do Zé da

Estrada foram outro aspecto analisado, a cada edição, revelando as mudanças

do personagem ao longo do tempo. A pós-análise, enfim, trouxe à tona

aspectos observados, tais como a segmentação/especificidade, a durabilidade,

a adaptação e a qualidade do material.

Diante do caminho percorrido, é possível contemplar as hipóteses

formuladas e estabelecer a cada uma delas um desfecho. A primeira levantada

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é a de que a revista valoriza o caminhoneiro com sua linha editorial. Esta

hipótese é comprovada parcialmente, uma vez que o material analisado

contempla reportagens que privilegiam, em sua maioria, a fala do caminhoneiro

sobre os assuntos abordados, especialmente nas três primeiras revistas

analisadas. As duas últimas revistas, mais recentes, trazem destaque maior

para caminhões e não para caminhoneiros.

A última edição analisada, de 2015, por exemplo, traz seis reportagens

sobre lançamentos de caminhões e apenas duas sobre o cotidiano do

caminhoneiro, relativas à manutenção do veículo e ao uso de drogas. O espaço

destinado ao caminhoneiro acabou por ser reduzido, dando mais espaço aos

caminhões e às montadoras, que financeiramente sustentam a revista por meio

de anúncios.

A segunda hipótese considera que a revista seria a porta-voz do

caminhoneiro brasileiro. Esta hipótese é comprovada, haja vista os espaços

destinados para a fala específica do profissional ao longo da publicação e

dentro das próprias reportagens. Na primeira edição analisada, a seção Posto

Zero abria a revista, relatando os problemas dos caminhoneiros. Esta mesma

seção esteve presente nas edições de 1985 e 1995, ambas com quatro

páginas cada, destinadas especialmente para que os caminhoneiros

“colocassem a boca no trombone”.

Além disso, a revista sempre incentivou o carreteiro a escrever para a

publicação, contando seus problemas. Nas primeiras edições analisadas, deixa

uma página específica para isso, pronta para ser destacada e colocada no

correio, de forma que não prejudicasse a revista ao ser recortada. Também

alertou o caminhoneiro para que não se preocupasse com sua letra, sugerindo,

inclusive, formas para que pudesse colocar a carta no correio. Essa

comunicação continuou nas duas últimas edições analisadas, por meio do

incentivo para envio de e-mails e mensagens em redes sociais.

Outro aspecto que reforça que a revista é porta-voz do caminhoneiro se

mostra quando são publicadas reportagens que trazem apenas a visão do

carreteiro sobre algum assunto, sem outras palavras de autoridade, ou quando

o número de opiniões de caminhoneiros é muito maior que o de outras pessoas

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entrevistadas. Além disso, inúmeros problemas são abordados ao longo das

cinco revistas analisadas, tais como filas para carga e descarga nos portos,

falta de cooperativas de caminhoneiros, frete com preço baixo, alto preço pago

pela alimentação, subornos cobrados por policiais, entre outros.

Na terceira hipótese, considera-se que a revista traria mudanças na sua

forma de divulgar o caminhoneiro durante as cinco décadas. Essa hipótese se

confirma, especialmente quanto ao personagem Zé da Estrada. Primeiramente

chamado de Zé Sujinho, era apresentado como um sujeito com barba por fazer

e camisa amarrada, com barriga à mostra, tendo à mão um cigarro ou um copo

de bebida. Ao longo das edições, o personagem teve seu desenho modificado,

tornando-se um caminhoneiro de aparência limpa, sem cigarros ou bebidas,

com camisa bem vestida e barba feita. O nome “Zé Sujinho” foi trocado por “Zé

da Estrada”, tendo como principal função na revista a missão de ser um

personagem didático, ensinando lições por meio de suas histórias.

Ainda quanto a esta hipótese, nota-se a mudança do perfil machista, de

certa forma, apresentado em algumas edições da revista, sob o slogan “A

revista do homem do transporte rodoviário”. Estas edições, dos anos 70 e 80,

traziam inúmeras peças publicitárias com fotografias de mulheres em teor

sensual. Eram encartados, inclusive, calendários com fotos de mulheres

seminuas na revista O Carreteiro. Este comportamento mudou nas edições a

partir dos anos 90, quando esse tipo de material deixou de ser publicado e o

antigo slogan caiu em desuso.

A última hipótese aponta que a revista teria se tornado superficial nas

suas abordagens, ao longo do tempo. Esta hipótese é confirmada em partes,

uma vez que, assim como mencionado na primeira hipótese, a revista passou a

dar menos espaço para reportagens sobre o cotidiano do caminhoneiro para

dar destaques às novidades no mercado de caminhões. Estas novidades,

muitas vezes, sequer cabiam no bolso do leitor, como o próprio editor

mencionava em seus editoriais, a respeito da dificuldade que o caminhoneiro

tinha para trocar de veículo. Muitos aspectos interessantes de edições antigas

acabaram se perdendo ao longo dos anos, dando espaço para outros assuntos

que trazem, de certa forma, uma nova forma de abordar o caminhoneiro:

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incentivando-o a atualizar-se e a buscar o que o mercado pode lhe oferecer de

melhor.

Diante disso, percebe-se que a questão norteadora foi respondida: a

revista O Carreteiro valoriza o caminhoneiro por meio de suas reportagens, do

fiel espaço para que possam emitir suas opiniões, enviar cartas com assuntos

como amor ou problemas, publicar fotografias suas, mostrar suas

singularidades e aventuras em personagens como o Zé da Estrada. Enfim, falar

a sua língua. Os objetivos foram atingidos, quanto ao estudo do jornalismo

segmentado e jornalismo de revista, bem como quanto à meta de inserir a

pauta dos caminhoneiros no âmbito da universidade.

Este objetivo, particularmente, só foi possível porque um caminhoneiro

inseriu primeiro esta estudante na universidade, para que ela pudesse, agora,

inserir um pouco do seu mundo no meio acadêmico.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

ANEXO A – PRIMEIRA EDIÇÃO DA REVISTA DO ZÉ CARRETEIRO

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ANEXO B – POSTO ZERO, NA EDIÇÃO DE O CARRETEIRO DE JUNHO/JULHO DE 1975

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ANEXO C – CAPA VALORIZA CAMINHONEIRO E ESPOSA (1987)

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ANEXO D – ABERTURA DE MATÉRIA ESPECIAL NOS ESTADOS UNIDOS (1982)

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ANEXO E – PUBLICIDADE COM TEOR SENSUAL (1982)

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ANEXO F – CAPA COM FOTO PIXELIZADA (1993)

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ANEXO G – WALDICK SORIANO E SUA GAITA (1975)

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ANEXO H – ILUSTRAÇÃO IRONIZA FILAS (1975)

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ANEXO I – HORÓSCOPO DO CAMINHONEIRO (1975)

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ANEXO J – SEÇÃO OPINIÃO DE MULHER (1985)

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ANEXO K – SEÇÃO COLEGAS DE ESTRADA (1995)

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ANEXO L – METALINGUAGEM NA DIAGRAMAÇÃO (1995)

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ANEXO M – ANÚNCIO PEDE PARTICIPAÇÃO VIA REDES SOCIAIS (2015)

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ANEXO N – PROJETO DE PESQUISA