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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CCSO - CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA O CINEMA COMO DISPOSITIVO DE AFETIVAÇÃO PUBLICITÁRIO DE DESTINOS TURÍSTICOS André Luiz de Melo Cidade Universitária - Caxias do Sul

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CCSO - CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

O CINEMA COMO DISPOSITIVO DE AFETIVAÇÃO

PUBLICITÁRIO DE DESTINOS TURÍSTICOS

André Luiz de Melo

Cidade Universitária - Caxias do Sul

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ANDRÉ LUIZ DE MELO

O CINEMA COMO DISPOSITIVO DE AFETIVAÇÃO

PUBLICITÁRIO DE DESTINOS TURÍSTICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação na disciplina de Monografia II. Orientador(a): Profª Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista

CAXIAS DO SUL

2015

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ANDRÉ LUIZ DE MELO

O CINEMA COMO DISPOSITIVO DE AFETIVAÇÃO

PUBLICITÁRIO DE DESTINOS TURÍSTICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação na disciplina de Monografia II. Orientador(a): Profª Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista

Aprovado (a) em ______/______/_______

Banca Examinadora

___________________________________________

Profª Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista – Orientadora

Universidade de Caxias do Sul – UCS

___________________________________________

Profª Me. Candice Kipper Klemm

Universidade de Caxias do Sul – UCS

___________________________________________

Prof Me. Daniel Ignácio Vargas Gomez

Universidade de Caxias do Sul – UCS

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Porque o imaginário é real. É tudo real. Não teria Luke Skywalker ou Papai Noel afetado

as vidas de vocês mais do que qualquer um nessa sala? [...] A mesma coisa pode ser dita do Pernalonga, Superman

ou Harry Potter. Eles mudaram a minha vida, mudaram o modo como eu ajo na Terra. Não importa se eles não são “reais”.

Eles podem ser imaginários, mas são mais importantes para as pessoas do que qualquer um aqui. E eles ainda estarão aqui

depois que nós morrermos; então, de certo modo, eles são mais reais do que qualquer um de nós.

(Kyle Broflovsky – South Park)

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RESUMO

Neste trabalho estudarei o cinema como dispositivo de afetivação publicitário de

destinos turísticos. O objetivo geral é discutir como produzir comunicação publicitária

amorosa de destinos turísticos através do cinema, questionando de que forma a

publicidade e os filmes tornam-se um produto híbrido com o potencial de conquistar

o público consumidor. Os objetivos específicos, apresentados no decorrer do projeto,

buscam resgatar o contexto da consolidação do cinema, segundo um viés comercial;

analisar a simbiose entre cinema e publicidade, explorando seu potencial conjunto

de acionar afetos e mobilizar os sujeitos; levantar qual o papel que a publicidade

ocupa dentro da sociedade cultural, bem como sua relação com o setor turístico. O

referencial teórico trabalhado envolve o resgate do contexto histórico e

mercadológico do cinema; um levantamento acerca da linha da semiologia

cinematográfica, que compreende filmes como um sistema integrado de signos

especificamente empregados a fim de comunicar ao público uma mensagem; os

aspectos que compõe a construção do „produto filme‟; o papel desempenhado pela

publicidade na sociedade cultural e nos meios de comunicação de massa,

principalmente no Século XX; o papel que a publicidade exerce para o setor turístico.

A metodologia empregada é qualitativa de cunho exploratório, tendo por objeto

empírico o filme “O Quatrilho”, de Fábio Barreto (1995). A análise segue o processo

de desconstrução de roteiro proposta por Baptista (2014) durante as orientações da

monografia. Tal método desenvolvido tem base no referencial de Comparato (1995)

e Flick (2009), buscando nos autores a base para realizar uma análise de elementos

do roteiro. Como principais resultados, pode-se perceber que o cenário e a cultura

retratados na obra também são signos cinematográficos, empregados de forma

intencional para transmitir uma mensagem ao espectador. Sendo assim, há um

grande potencial para ser utilizado como imagem mercadológica, vendendo um ideal

de lugar a uma vasta gama de espectadores. Através das técnicas de análise, houve

a confirmação do argumento inicial, que defendia o cinema como mídia que promove

o fenômeno de simbiose entre a mensagem e o meio, constituindo-se como uma

vitrine publicitária de destinos turísticos.

Palavras-chave: Publicidade; cinema; comunicação; signo; destinos turísticos.

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

FIGURA 1 - Cena do comercial “Tortuguita Estúpida”............................................

15

FIGURA 2 - Gráfico da lógica da narração dramática............................................

34

FIGURA 3 - Curva dramática..................................................................................

35

FIGURA 4 - Esquema de equilíbrio entre natureza e ação humana......................

52

QUADRO 1 – Aspectos culturais............................................................................ 69 QUADRO 2 – Aspectos naturais............................................................................

74

QUADRO 3 – Aspectos urbanos............................................................................

77

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................

08

2. PROCESSO DE DESCOBERTA .......................................................................

13

3. ESCOLHA METODOLÓGICA ...........................................................................

16

4. CINEMA .............................................................................................................

20

4.1 APANHADO HISTÓRICO E MERCADOLÓGICO DO CINEMA ....................

21

4.2 CINEMA E REALIDADE: A IMAGEM EM MOVIMENTO ...............................

31

4.3 DRAMATURGIA CINEMATOGRÁFICA .........................................................

32

4.4 OS SIGNOS CINEMATOGRÁFICOS ............................................................

37

5 PUBLICIDADE ..................................................................................................

44

5.1 PUBLICIDADE E SOCIEDADE CULTURAL ..................................................

45

5.2 PUBLICIDADE E COMUNICAÇÃO DE MASSA ............................................

48

5.3 IMAGENS E SIGNOS PUBLICITÁRIOS ........................................................

50

6. REFLEXÕES SOBRE TURISMO E COMUNICAÇÃO ......................................

53

6.1 INTERFACE ENTRE TURISMO E COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA ...........

53

56 58 60 62

6.2 TURISMO CINEMATOGRÁFICO .................................................................. 7. ANÁLISE DA OBRA ......................................................................................... 7.1 “O QUATRILHO”: PRIMEIRAS IMPRESSÕES ............................................. 7.2 DESMONTAGEM DO ROTEIRO .................................................................. 7.2.1 Primeira etapa: ideia ...............................................................................

62

7.2.2 Segunda etapa: conflito .........................................................................

64

7.2.3 Terceira etapa: personagem ..................................................................

65

7.2.4 Quarta etapa: ação dramática ...............................................................

66

7.2.5 Quinta etapa: tempo dramático .............................................................

67

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7.2.6 Sexta etapa: unidade dramática ............................................................ 67 7.3 MICROANÁLISES ESTRUTURADAS DE CENAS-CHAVE ..........................

68

84 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................

89

ANEXOS ................................................................................................................

93

Anexo A: CAPA DO FILME ..................................................................................

93

Anexo B: SINOPSE .............................................................................................

94

Anexo C: FICHA TÉCNICA ..................................................................................

95

Anexo D: ELENCO ..............................................................................................

96

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1 INTRODUÇÃO

Ingresso na mão, saquinho de pipoca e um copo de refrigerante sabor laranja.

Entro na sala escura e, como os povos antigos certamente faziam diante de suas

construções colossais, contemplo por um breve momento a grande tela branca.

Encontro a confortável poltrona numerada e tento resistir ao aroma tentador da

pipoca, pelo menos até começar os trailers. As luzes se apagam. Ouço o

inconfundível som do projetor sendo ligado e, logo, vejo a tela ganhar vida. As outras

pessoas estão diante do cinema... Eu estou diante do objeto de estudos da presente

monografia.

Neste trabalho estudarei a interface comunicacional entre publicidade1 e

cinema, que permeia a concepção do „produto filme‟ e seu consumo por parte do

público. Não é uma relação de inserção de anúncios na obra, mas, sim, o ponto-

chave em que o filme e o anúncio se tornam o mesmo produto. Então a publicidade

passa a impactar o espectador de forma natural, sendo um agente construtor de

destinos turísticos em potencial.

O viés escolhido como recorte de pesquisa aborda o cinema como dispositivo

de afetivação2 publicitário de destinos turísticos. O objetivo geral é discutir como

produzir comunicação publicitária amorosa de destinos turísticos através do cinema,

questionando de que forma a publicidade e os filmes tornam-se um produto híbrido

para conquistar o público consumidor. Os objetivos específicos, apresentados no

decorrer do projeto, buscam resgatar o contexto da consolidação do cinema,

segundo um viés comercial; analisar a simbiose entre cinema e publicidade,

explorando seu potencial conjunto de acionar afetos e mobilizar os sujeitos; levantar

qual o papel que a publicidade ocupa dentro da sociedade cultural, bem como sua

relação com o setor turístico.

Estas reflexões buscam compreender o papel que a comunicação publicitária

desempenha na sociedade. Um dos maiores ícones de publicidade brasileira,

1 De acordo com a definição do Código de Ética dos Profissionais de Propagando, publicidade “[...] é

a técnica de criar opinião pública favorável a um determinado produto, serviço, instituição ou ideia, visando a orientar o comportamento humano das massas num determinado sentido”. 2 De acordo com Baptista (2014), o conceito de afetivação propõe o conjunto de ações que acionam

os afetos.

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Washington Olivetto, afirmou certa vez em uma entrevista que a propaganda

basicamente é uma intromissão na vida cotidiana do público. Afinal, segundo ele,

ninguém compra um jornal para ver anúncios, liga o rádio para ouvir spots ou senta-

se confortavelmente diante da televisão para assistir comerciais. Por essa

característica, a publicidade deve ser agradável, até mesmo exuberante, para ser

percebida e bem-aceita. Para se integrar ao meio, mesmo não sendo uma mídia de

vanguarda – a propaganda é muito interesseira para tal, conforme constata Olivetto

(2003), bem-humorado –, necessita flertar com elementos de atividades

genuinamente artísticas, tais como a literatura, a música e o cinema.

Caso se debruçasse sobre o assunto, talvez Olivetto constatasse que há

exceções a essa regra – o publicitário chega a mencionar o outdoor como um meio

puro de propaganda, livre da competição com demais conteúdos editoriais, mas

outdoors também estão inseridos no contexto urbano, e ninguém sai de casa para

ver a placa comercial na esquina. Então, resta a pergunta: por que, no caso deste

dispositivo, a comunicação publicitária não parece uma interrupção do cotidiano?

Fica evidente que, em alguns casos – e o cinema é um ótimo objeto para se

perceber esse fenômeno – a publicidade integra-se tão bem ao meio que se torna

parte dele, e o meio, por sua vez, passa a ser parte do anúncio. Um efeito de

simbiose total, poucas vezes atingido, que representa uma potencialidade enorme.

Como já afirmado, o presente trabalho abordará tal fenômeno comunicacional, tendo

por objeto de estudo o cinema.

Para muitos, filmes são apenas planos, tomadas, diálogos, trilhas… Estes são

elementos que compõe o cinema, dando corpo à ideia abstrata e formam uma arte,

mas o produto cinematográfico também tem uma faceta mercadológica, e grande

parte dos aspectos de seu processo envolvem uma relação de compra e venda,

marketing, publicidade e propaganda. Não convêm neste trabalho tratar de forma

diferente as obras que procuram transmitir um conceito ou sentimento ao público e

as „estreias de verão‟ que buscam apenas arrecadar a maior bilheteria possível3.

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, a palavra „cinema‟

origina-se do grego kino, mesma raiz de termos como cinética, que significa

3 Como afirma Christian Metz (1972, p.16), “[...] qualquer filme, bom ou ruim, é em primeiro lugar uma

peça de cinema”.

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“movimento” (CUNHA, 2010). Assim, entende-se por cinema o resultante da

tecnologia que reproduz e projeta uma série de quadros sucessivos a grande

velocidade, causando a ilusão de movimento. Este breve conceito abrange o produto

físico, mas o cinema também é carregado de subjetividade, caso contrário não teria

alcançado o patamar de arte. Vale lembrar que é na subjetividade que a publicidade

encontra seu espaço na tela grande. Para ilustrar como a propaganda pode integrar

o produto cinematográfico, transformando em arte genuína um discurso que

geralmente é visto com desconfiança, como elemento estranho à obra, um bom

exemplo é o filme “Náufrago” de Robert Zemeckis (2000). Na obra, o personagem

Chuck Noland, vivido por Tom Hanks, sofre um acidente aéreo e acaba preso em

uma ilha deserta, tendo por única companhia uma bola de vôlei Wilson. Mesmo

presente em grande parte da película, a marca não representa uma intromissão na

história, pois está completamente inserida na trama. Isso é feito tão naturalmente

que chega a ser um personagem próprio, capaz de gerar empatia e laços afetivos

com o público. O filme, embora não seja um anúncio com o propósito de vender

bolas de vôlei, acaba, em virtude desta simbiose, sendo uma vitrine publicitária para

a marca. Por sua vez, a própria publicidade está inserida com tanto esmero na

roupagem cinematográfica que passa a ser um elemento pertencente a uma obra de

arte, e não algo destoante dela.

Esta foi apenas uma ilustração do argumento inicial da monografia: cinema e

publicidade mantêm entre si uma relação intrínseca e indissociável. Isso evidencia a

relevância de um estudo que explore o potencial cinematográfico para o meio

publicitário, no que diz respeito a essa ligação entre o artístico e o comercial, de tal

forma que seja vantajosa para ambos.

A publicidade está agregada à „forma‟ que transfigura a ideia em produto.

Afinal, se nenhum estúdio “comprar” o argumento do roteiro, ele se torna só um devir

história. Pode-se dizer que a aprovação do projeto do filme é o primeiro dos

entrelaços entre o cinema e a publicidade. Isso é verificado porque o filme é um

produto econômico e, para sua produção, exige uma quantia alta de investimento de

tempo, pessoas, capital… que devem ser recuperados e revertidos em lucro nas

bilheterias (MATTOS, 2006). Tal esforço precisa ser transmitido ao público, a fim de

causar uma atitude favorável para com o filme, e aí entram todas as ferramentas de

marketing que antecedem o lançamento da obra, parte indispensável nos resultados

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de bilheteria. Se forem persuasivos e bem-sucedidos, os trailers, teasers4, cartazes,

entrevistas de elenco, enfim, todo o meio de divulgação do produto levará seu

público-alvo a comprar um ingresso (com pipoca e refrigerante, é claro). E, diante da

grande tela, após serem impactados por mais anúncios de lançamentos vindouros e

algumas peças de publicidade convencional, o público passa a absorver

informações desse grande dispositivo de afetivação publicitária.

Se aquele ator famoso ou atriz elegante, cuja presença na película já é por si

só argumento de venda da obra, surge em cena vestindo determinada roupa,

dirigindo determinado carro, comendo em determinado restaurante, isso se torna

ferramenta para impactar o público consumidor. Está vendendo algo, um conceito,

um produto, um lugar, uma filosofia de vida. E melhor, essa ligação transforma o

filme em uma grandiosa campanha, sem prejudicar a arte genuína. Assim, prende

totalmente a atenção do público, dialoga com ele, fica em sua mente e é reassistida

constantemente, sem prazo de validade. Quando bem-sucedida, esta simbiose é

agradável, exuberante, exatamente como Olivetto afirmou que a publicidade deveria

ser. Chama a atenção para si, não pelo fato de ser uma marca ou anúncio na obra,

mas, sim, por estar perfeitamente ambientada na película, impactando o público

junto com a história e fazendo parte do mesmo imaginário.

Esta sólida correlação entre cinema e publicidade se estende no pós-venda

com a crescente expansão de mercado para artigos derivados – camisetas,

brinquedos, trilha sonora, itens colecionáveis... –, devido ao fato de que, cada vez

mais, o espectador não se contenta em simplesmente visitar a sala escura para

assistir à projeção. Quanto maior o nível de envolvimento, mais ele anseia por

participar da trama, ter experiências reais dentro daquele mundo de sonhos, e está

disposto a gastar para viver um pouco da mágica e do fascínio que os filmes

proporcionam.

4 Segundo o site Omelete, maior portal de cultura pop do Brasil, ambos são pequenos vídeos que

apresentam cenas de futuros lançamentos com o intuito de despertar no público o interesse em assistir tais obras. Até a década de 1950, os trailers eram exibidos depois da sessão – prática que não durou muito, uma vez que o público saía da sala logo após o filme –, e consistiam de imagens com longos textos explicando detalhadamente o que aconteceria no próximo lançamento. Na década de 1960 começam a ser aplicadas técnicas de montagem nos trailers, mostrando cenas rápidas para despertar a curiosidade sem entregar as surpresa da trama. A principal diferença entre as duas técnicas de marketing é que os trailers tem a duração média de dois minutos e trinta segundos, enquanto os teasers duram, em média, de trinta a sessenta segundos.

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Não é à toa que o cinema se tornou uma indústria bilionária. Ao longo de

pouco mais de um século de existência, apresentou narrativas e personagens que

povoam o imaginário coletivo, influenciou a história particular dos espectadores,

tornou-se um dos mais consumidos e difundidos meios de expressão artística. Sua

importância reverberou por toda a sociedade cultural ao longo do Século XX,

adentrando o Século XXI, configurando-se reflexo e matriz de significação, um

agente transformador da realidade, um meio de afetivação publicitária.

A justificativa para a importância de tal estudo já foi em parte exposta nesta

introdução. Em um nível mais aprofundado de observação, ambas as mídias podem

mesclar-se de tal forma que a obra passa a ser um produto publicitário por

excelência, ainda que não em essência e, portanto, tem potencializada a capacidade

de impactar e fidelizar o público. Para compreender como a publicidade pode

explorar esse elo que a une a Sétima Arte5, estudos acadêmicos são fundamentais.

Além de enredo e personagens, histórias precisam de um cenário para

acontecer. Os lugares em que as tramas acontecem também alavancam uma

demanda no público para ir ao seu encontro. Isto representa uma das grandes

tendências mundiais do setor turístico, da qual se beneficiam mesmo destinos

inóspitos e, a princípio, fora das rotas convencionais. Quando retratados em obras

cinematográficas, passam a ser visados por fãs e admiradores de cinema.

Sejam os Cafés e Boulevards da Paris romântica, as ruas soturnas da

Londres vitoriana ou as planícies da América otimista pós-guerra, os lugares

retratados nos filmes tornam-se parte do mesmo imaginário que os personagens e

são destinos potenciais visitados e revisitados figurativamente por gerações de

espectadores. Assim, o cinema pode revelar-se uma ferramenta de campanha para

fortalecer a imagem turística de certos locais, ainda que essa não fosse sua intenção

principal, pois está fundido ao campo publicitário em níveis elementais. Neste viés,

para estudar tal fenômeno, a monografia discute de que forma o cinema “vende” um

de seus destinos turísticos, como afetiva o público a ir ao encontro desses lugares

retratados na tela. Para isso, foi analisada a obra “O Quatrilho”, de Fábio Barreto

5 O termo „Sétima Arte‟ surgiu em 1911, no “Manifesto das Sete Artes”, documento escrito pelo teórico

e crítico italiano Ricciotto Canudo, que pretendia demonstrar que o cinema era uma arte total, conciliando todas as outras.

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(1995), no sentido de verificar se a construção das cenas, em diferentes vieses,

consolida uma imagem publicitária para promover o turismo.

Por fim, seria pretensioso de minha parte dizer como você deve ler esta

monografia. Talvez leia da forma convencional, indo da primeira a última página.

Talvez utilize outras abordagens – há quem avance da introdução para a conclusão,

a fim de verificar se o que foi prometido se cumpriu no decorrer do trabalho, e só

então volta ao meio. A escolha cabe apenas ao leitor, mas se me permite uma

sugestão, leia como quem assiste a um filme.

Parece estranho, eu sei, mas há um paralelo entre ir ao cinema e ler uma

obra, mesmo acadêmica. Começamos pela introdução, um trailer dando um

vislumbre de como será o tom da obra. Inicia-se o primeiro ato, o levantamento

teórico. É nesse momento que o público se familiariza com o enredo, os

personagens (as teorias e autores utilizados, se preferir pensar assim). Aqui as

relações, diálogos, bases teóricas e metodológicas são expostas.

Partimos então para o segundo ato, e a trama fica mais complexa. Já foi

estabelecido quem são os protagonistas, chega o derradeiro momento de vê-los em

ação. Assim, parte-se para as etapas da pesquisa propriamente ditas, comprovando

ou refutando as proposições apresentadas e defendidas. Por fim, chegamos ao

clímax da obra, sua conclusão. Talvez alcancemos o “happy end”, as suposições ou

os vislumbres, ou pode acontecer um inesperado desfecho que deixa “gancho” para

a continuação.

Seja como um filme ou como monografia, sente-se confortavelmente na

poltrona e aproveite.

2 PROCESSO DE DESCOBERTA

A razão pela qual decidi pesquisar a interface entre publicidade e cinema

parte de um amor de longa data por ambas as áreas. Para mim, uma das principais

características do cinema, que o torna uma forma de arte tão fascinante, é a

liberdade que ele confere à imaginação. O mesmo pode ser dito da publicidade.

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Mais do que viabilizar a comunicação de bens e serviços entre organizações

e seus diversos públicos, a linguagem publicitária tem o “poder” de criar narrativas e

personagens que, vivendo situações de poucos minutos, chegam ao imaginário

coletivo. “Por todo o tempo e espaço, em todo lugar e a todo momento… Por onde

você quer começar?”. Assim como a TARDIS de Doctor Who6, o cinema é muito

maior por dentro, indo além dos limites físicos da tela. É a técnica cumprindo a

promessa do Senhor do Tempo e nos oferecendo o infinito de possibilidades, com

uma cadeira confortável e pipoca.

Talvez esse fascínio tenha começado com a apoteótica conclusão do “Parque

dos Dinossauros” (SPIELBERG, 1993), quando o Tiranossauro devora os

velociraptors e ruge, ao som incrível da trilha sonora de John Williams; quem sabe

foi o clima soturno da véspera de natal em Gotham em “Batman – o retorno”

(BURTON, 1992); ou mesmo as aventuras de Indiana Jones em sua busca pela arca

da aliança nos “Caçadores da arca perdida” (SPIELBERG, 1981). O fato é que,

desde que o amor pelo cinema começou, ainda na infância, meu repertório

imagético só fez crescer.

No final dos anos 1990 eu estava longe de assistir aos clássicos do cinema.

Se alguém falasse de Orson Welles, ou mesmo Alfred Hitchcock, não receberia

como resposta muito além de uma expressão confusa e talvez – só talvez – um

sorriso. Mas se perguntassem sobre Marty Macfly, os caça fantasmas, o mítico

senhor Miyagi, os inseparáveis Batatinha e Alfafa, os gremilins, Matilda, Godzila,

Jason, os repulsivos zumbis comedores de cérebro ou mesmo o casal da lagoa azul,

seria visível o conhecimento e entusiasmo pelo assunto.

“Dobre a esquina certa em Sin City e você encontra qualquer coisa”, disse o

personagem de Josh Hartnett no filme homônimo de 2008, dirigido por Robert

Rodriguez e baseado na graphic novel7 de Frank Miller. Tal frase sintetiza

perfeitamente como era o ritual de descoberta de alguns filmes desta época,

dobrando a prateleira certa na locadora podia-se literalmente encontrar qualquer

coisa. No período antes da internet, das campanhas massivas e da disseminação de

informações sobre grandes produções com anos de antecedência, era nas

6 Premiada série britânica, listada no Guinness World Records como a mais antiga e bem-sucedida

série de ficção científica. 7 Histórias em quadrinhos mais densas e complexas que os gibis convencionais, geralmente

publicadas em encadernados especiais.

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prateleiras repletas de fitas VHS (que tinham de ser rebobinadas antes da

devolução), que eu praticava a arte de explorar e descobrir tesouros.

Na infância surge também o interesse pela área da publicidade. Nos

intervalos comerciais encontrava campanhas até hoje inesquecíveis, como os

simpáticos mamíferos da Parmalat, os sarcásticos limões da Pepsi Twist ou as – não

tão simpáticas, embora igualmente incríveis – tortuguitas da Arcor (figura 1). De

forma alguma tais campanhas representavam uma interrupção no programa. Eram

marcas conhecidas, amigáveis, que despertavam meu interesse. Isso acontecia

mesmo quando a narrativa não tinha relação direta com meu cotidiano, como os

infortúnios do tio da Sukita – só anos depois entendi completamente a piada do

comercial, mas já gostava de seu tom cômico.

O objeto intangível de interesse me acompanhou ao longo dos anos, e

começou a se consolidar como uma área pertinente à pesquisa acadêmica quando

passei, no primeiro semestre de 2014, a frequentar os Encontros Caóticos da

Comunicação e do Turismo, rodas de conversa semanais do Amorcomtur! – Grupo

de Estudos em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese (UCS/CNPq) –

liderado pela professora e doutora Maria Luiza Cardinale Baptista que, não por

acaso, é a orientadora do presente trabalho. Partindo da pergunta “o que te

importa?”, e de uma metodologia em conversação, o grupo segue a linha teórica de

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autores como Paulo Freire (1968), Edgar Morin (2003), Humberto Maturana (1998),

Roland Barthes (1986), entre outros, que trabalham a perspectiva de uma ciência

contemporânea e transdiciplinar8.

Os pesquisadores são instigados a trabalhar seu assunto de interesse,

produzindo conhecimento em algo que realmente gostem. Assim, o cinema, que

antes era um interesse pessoal, tornou-se minha linha de pesquisa, sempre

mantendo uma proximidade com a publicidade. Tornei-me bolsista voluntário de

pesquisa e, no segundo semestre de 2014, bolsista de pesquisa Probic/Fapergs.

Assim, consolidei cada vez mais minha relação, não só com a área da publicidade,

mas também com a pesquisa acadêmica e com o cinema enquanto objeto pertinente

à investigações científicas.

A metodologia aplicada para a análise de filmes, a fim de verificar o potencial

da comunicação publicitária no cinema, utiliza critérios qualitativos, de subjetividade.

Surgindo de uma visão de comunicação amorosa, afetiva, a presente monografia é a

oportunidade de unir dois amores de longa data. Pesquisar cientificamente sobre o

tema é uma tarefa prazerosa, que vai acrescentar muito nessa história pessoal e no

caminho profissional que pretendo traçar.

3 ESCOLHA METODOLÓGICA

O trabalho está dividido estruturalmente em três partes. A primeira é a

introdução geral, que traz uma pincelada do mote da pesquisa. A seguir vem o

levantamento teórico, onde se busca o embasamento necessário para compreender

as nuances da relação filmes/publicidade, bem como a interface entre esses setores

e o turístico, uma vez que se busca analisar como o Brasil vende internamente

alguns de seus destinos turísticos em filmes. Tal etapa é dividida em três

levantamentos, um referente ao cinema, outro a publicidade e o terceiro, ao setor

turístico. A seguir é feita a análise da obra, para comprovar ou refutar o potencial

dessa ligação que vinha sendo defendido até então. O filme analisado é “O 8 Tal concepção questiona os pressupostos rígidos e cartesianos da Ciência Clássica, tendo por base

que as pesquisas científicas “[...] podem e devem se valer de saberes outros, que auxiliam a compreensão e a produção do conhecimento” (BAPTISTA, 2004. p.7).

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Quatrilho”, de Fábio Barreto (1995). As razões de escolha serão abordadas na

justificativa posterior, mas, por hora, basta dizer que a obra traça um retrato da

região da serra gaúcha, cujo potencial turístico, ao contrário de outras cidades

cartão-postal brasileiras, tem espaço para ser explorado e potencializado pelo

cinema.

A metodologia de pesquisa tem uma orientação qualitativa de cunho

exploratório, e seguirá um método metapórico9, dando ao pesquisador a liberdade

para testar caminhos diferentes durante o estudo. De acordo com autores como

Flick (2009), o método qualitativo permite que a análise concentre-se nos segmentos

da realidade contidos na obra, captando nuances subjetivas que não seriam

possíveis através da abordagem quantitativa. “[...] os filmes têm uma influência cada

vez maior na vida cotidiana e, portanto, a pesquisa qualitativa utiliza­os para ser

capaz de dar conta da construção social da realidade” (FLICK, 2009. p. 224). Filmes

podem ser analisados e interpretados sob diferentes pontos de vista, e a questão

norteadora da pesquisa é quem determina o foco de observação.

Tal estudo está baseado na teoria Yin (2001). O autor aponta que o estudo de

caso é uma ferramenta eficaz para planejar e conduzir a investigação a um objeto de

pesquisa, e o conceitua como sendo um processo empírico que “[...] investiga um

fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente

quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”

(YIN, 2001. p. 22). O método pode ser utilizado para abordar um fenômeno dentro

de um contexto, ideal para se analisar filmes e publicidade, elementos que, isolados

de um contexto social, perdem grande parte de sua potencia simbólica. A técnica de

análise de conteúdo, desenvolvida para este trabalho baseia-se na desmontagem do

roteiro, proposta Baptista (2014)10, com base no referencial de Comparato (1995) e

processos de análise, descritos por Flick (2009). Comparato propõe a redação do

roteiro, a partir de uma sequência de passos, que, uma vez, „revisitados‟,

„desmontados‟, possibilitam a análise dos diversos elementos do roteiro, a fim de se

analisar a obra como um todo. A primeira etapa a ser „desmontada‟ é a ideia, ponto

9 Segundo Baptista (2014), citando Marcondes Filho (2013), o conceito de metáporo surge “[...] em

substituição a método, sugerindo a necessidade de que o processo da pesquisa não seja „um‟ caminho, mas o resultado de uma sucessão de porosidades, processos abertos a serem construídos ao longo do processo de pesquisa”. 10

Conforme documentação temática, registros em Diário de Campo de orientação de pesquisa. Caxias do Sul, setembro de 2014.

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de partida da história. Logo após vem o conflito – enquanto a ideia é algo abstrato, o

conflito é concretizado por meio de palavras, a partir da elaboração de uma story

line, uma frase que condensa o ponto básico que será desenvolvido da trama. A

terceira etapa de análise corresponde aos personagens. Busca-se analisar quem

fará parte do conflito, pois eles “[...] sustentam o peso da ação e são o ponto de

atenção mais imediato para os espectadores” (COMPARATO, 1995. p. 24). A quarta

etapa é a ação dramática, a maneira como o conflito básico é contado, bem como a

estrutura e organização do enredo e das cenas. A quinta etapa envolve o tempo

dramático. Neste ponto entram os diálogos e a duração do tempo rítmico da obra. E,

por fim, a sexta etapa corresponde à unidade dramática, visando analisar o roteiro

como um todo, envolvendo “[...] planificação técnica, tais como movimento de

câmera, iluminação, pormenores de som, etc.” (COMPARATO, 1995. p. 28).

Além dessa desmontagem do roteiro para análise de seus elementos básicos,

a pesquisa qualitativa em questão foi produzida sob a orientação da proposta de

Flick (2009) sobre etapas na condução de análises, mais direcionadas ao objeto de

estudo em si: o primeiro passo é “sentir” o filme, anotando impressões e padrões de

significado visíveis. O segundo passo é, a partir da questão de pesquisa, escolher

cenas­chave para realizar a coleta de material a fim de respondê-la. A terceira etapa

desse modelo de análise é realizar “microanálises estruturadas” das cenas

recortadas, descrevendo padrões e o que mais for relevante para responder à

questão norteadora. Por último, faz-se uma nova leitura da obra como um todo, a fim

de averiguar se a interpretação das cenas­chave são uma constante no filme.

A base teórica busca um diálogo com diferentes autores, levantando pontos

de acordo e destoantes em suas abordagens. É a partir disso que se propõe analisar

o objeto de estudo, olhando de forma diferente por usar teorias já conhecidas

combinadas de formas diferentes. Como referencial teórico para embasar o trabalho,

no que tange o cinema, serão abordados autores como Metz (1972) e Edgar-Hunt

(2013), representantes da teoria cinematográfica contemporânea, que estudam o

viés semiológico de significado dos filmes; Martin (2003), que discute a linguagem

cinematográfica e Bernardet (1991), que traça um panorama sobre o cinema.

Também será apresentado o conceito de Morin (1967) sobre a sociedade cultural e

imaginário, entre outros autores. Ainda no campo cinematográfico, para a análise

dos filmes, foram buscadas referências como Comparato (1995) e Flick (2009).

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No campo turístico, a interface escolhida como recorte para a pesquisa da

relação cinema-publicidade, foram abordados autores como Gastal (2003), Rose

(2002) e Paiva (1995), que trabalham a criação da imagem simbólica do lugar

turístico, bem como uma interface com a comunicação.

No que se refere à publicidade, o foco de discussão seguiu a linha teórica de

Rüdiger (1999), Péninou (1974) e Rocha (1995). Mais do que entender as técnicas

de marketing, é essencial uma compreensão aprofundada do conceito de

publicidade, de seu papel como agente que, ainda que não gere as grandes

mudanças sociais, as percebe e utiliza. Ao fazer isso, dá visibilidade a uma

tendência e, de certa forma, as potencializa.

O estudo de caso da pesquisa foi analisado dentro da discussão do caráter

ideológico abordado por Turner (1993). Para o autor, se filmes são representantes e

representações de um contexto nacional ao exterior, há uma necessidade do poder

ideológico do cinema não ficar restrito a produções estrangeiras, em especial norte-

americanas, mas sim ser disseminado em estruturas nacionais. Assim, a função

política e cultural dos filmes também é romper essa hegemonia vigente. “Controlar a

agenda representacional para a nação é conquistar um considerável poder sobre a

visão que os indivíduos têm de si próprios e uns dos outros” (TURNER, 1993. p.

134). Logo, é imprescindível analisar como se dá essa comunicação, qual imagem o

cinema nacional está criando e divulgando ao mundo. Turner afirma ainda que:

A nacionalização da promoção do cinema por essas agências de marketing nacionais revela quão intimamente a produção de filmes domésticos está ligada à representação e disseminação de imagens da nação em seu próprio território e no exterior. O que vemos não é apenas um empreendimento comercial, mas também um projeto (ou uma projeção) cultural nacional. (TURNER, 1993. p. 135)

Vale ressaltar que “O Quatrilho” foi o segundo filme brasileiro a ser indicado

ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 199611, além de ganhar o prêmio de melhor

filme estrangeiro no Festival de Cinema de Havana, no mesmo ano. A obra retrata a

migração italiana na região sul Brasil, no início do Século XX. O cenário não é

apenas o palco da história, mas sim um personagem próprio, que compõe o caráter

psicológico dos personagens. Assim, a obra trouxe visibilidade mundial para a

11

O primeiro filme brasileiro a ser indicado ao Oscar foi “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte (1962).

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região, configurando-se como uma potencial vitrine publicitária do lugar. Através

dela, foi analisado se o caráter do cinema como um dispositivo de comunicação

publicitária de lugares turísticos.

4 CINEMA

Comparada a outras formas de arte, como a literatura ou o teatro, a arte

cinematográfica é recente – surgiu no final do Século XIX, com o advento de novas

tecnologias. No entanto, em pouco mais de um século os filmes conquistaram de

vez seu espaço entre as artes, exercendo uma verdadeira fascinação. Para apreciar

um bom filme não é necessário entender de planos, sequencias signos e, muito

menos, o contexto histórico de seu surgimento. No entanto, quando se busca um

conhecimento mais aprofundado, base para realizar uma leitura crítica das obras

cinematográficas e, por consequência, apreciar outras camadas de leitura que elas

apresentam, é fundamental recorrer a autores que as pesquisam.

Buscando uma base teórica aprofundada, necessária para a etapa

subsequente de análise, traçarei um sucinto panorama histórico sobre a evolução do

cinema. O objetivo não é aprofundar a história desta forma de arte em todas as suas

relações, pois seria impraticável, dada a dimensão de complexidade; existe apenas

a intenção de ilustrar a interface comercial, presente desde os primórdios do cinema,

que se relaciona e acrescenta ao campo publicitário. Após, serão apresentadas

algumas teorias contemporâneas desta arte, que buscam diferenciá-la das outras

artes ao abordar o potencial de simular a realidade que a imagem em movimento

possui. Traçarei um breve panorama da organização estrutural dos filmes,

fundamental para o estudo posterior, até adentrar no campo da semiologia

cinematográfica. Tal construção permite perceber como os elementos da obra

podem se traduzir em signos comunicacionais.

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4.1 APANHADO HISTÓRICO E MERCADOLÓGICO DO CINEMA

O cinema surgiu no final do Século XIX, sendo a culminação de uma longa

série de avanços tecnológicos no campo de projeção de imagens. É fácil constatar,

contudo, que essa representação da realidade exerce um verdadeiro fascínio na

humanidade, há milhares de anos. Para compreender o contexto do nascimento e

das transformações da Sétima Arte, é imprescindível remontar a evolução das

técnicas que permitiram seu desenvolvimento.

As primeiras tentativas de contar histórias, reproduzindo imagens em

movimento, remontam à China antiga e ao extremo oriente, por volta de 1.000 a.C.,

com os Teatros de Sombras. Tal técnica, considerada a mais remota precursora do

cinema atual, consiste na utilização de lanternas, lamparinas, candelabros, entre

outros dispositivos que emanem luz para projetar nas paredes, telas de linho e

anteparos translúcidos, sombras que representavam uma série de personagens. “Os

temas eram contos tradicionais fantásticos, tirados da mitologia popular” (AMARAL,

1996. p.79). Bonecos especialmente confeccionados em couro, compostos por

varas, fios, luvas, entre uma série de recursos artísticos, compunham as fábulas

narradas pelo projecionista, acompanhadas de cantores e instrumentistas, para a

diversão do público em aldeias chinesas. Os espetáculos remetiam a uma estrutura

folhetinesca, levando de duas semanas a dois meses para completar o arco de

histórias. (AMARAL, 1996).

Existem vestígios arqueológicos de que o Teatro de Sombras era utilizado

também na Índia, Indonésia, Grécia, África Mediterrânea, e suas apresentações

eram integradas com poemas e música, tanto para rituais religiosos quanto para

divertimento popular (VERMELHO, 2008). “O objetivo principal do teatro de sombras

chinês nunca foi o de simples distrair, […] tinham um caráter religioso e um forte

poder mágico” (AMARAL, 1996. p. 80). Foi a difusão dessa técnica que proporcionou

o embrião para os avanços posteriores, que culminaram na invenção de

equipamentos fundamentais para o cinema moderno.

Por volta do Século XVIII e XIX, com o encontro da cultura oriental com o

ocidente, os europeus ficaram fascinados pelos teatros de sombras asiáticos. Com

as intensas transformações impulsionadas pelo Renascimento, tal associação deu

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lugar ao deslumbramento pelas técnicas milenares, e abriu caminho para o passo

seguinte na arte de projetar imagens: o advento da Lanterna Mágica.

Vermelho (2008) afirma que o padre jesuíta alemão Athanasius Kircher

desenvolveu, a partir de outros protótipos que surgiam em meados do Século XVII,

na Europa, o equipamento para ilustrar histórias bíblicas. Diferente dos Jogos de

Sombras, a Lanterna Mágica era composta por uma caixa cilíndrica iluminada a

velas e lamparinas de azeite, que projetava imagens pintadas em pequenos

pedaços de vidro transparentes. Assim, “a experiência da projeção de imagens, e

não mais sombras somente, marca a gênese dos espetáculos […] de imagens”

(VERMELHO, 2008. p.110). Aliada a técnica de profundidade, a Lanterna Mágica

originou uma série de outros equipamentos e dispositivos, tais como o “fantascópio”,

que nada mais era do que a Lanterna fixada em um tripé com rodas. Conforme se

aproximava ou afastava o aparelho, podia-se aumentar ou diminuir as imagens

projetadas, que tinham melhorias também em recursos de projeção. Segundo relata

o pesquisador Ernesto Leibovith, citado na obra de Vermelho (2008), tais evoluções

tecnológicas deram mais dinamismo ao teatro ótico e fizeram surgir por toda a

Europa trupes de shows itinerantes que promoviam espetáculos públicos projetando

imagens conhecidas como “fantasmagoria” em troca de algumas moedas. As

apresentações eram integradas a uma performance ao vivo, que contava com

elementos teatrais e, por vezes, musicais para contar histórias. Eles perduraram até

o final do Século XIX e são considerados formas primitivas de cinema.

Fica evidente, neste contexto histórico, que já havia uma relação

mercadológica fortemente arraigada ao cinema antes deste existir como o

conhecemos. Essas trupes atingiram seu apogeu à medida que foram incorporando

elementos da evolução científica em seus espetáculos. Logo, lâmpadas elétricas

substituíram os dispositivos de luz rudimentares, e as imagens ganharam cores mais

definidas, ilusão de movimento e animação através de técnicas de sobreposição das

placas de vidro. Os espetáculos passaram a incorporar um ilusionismo visual

aprimorado para contar histórias cada vez mais sofisticadas, com acompanhamento

de efeitos sonoros, conquistando o gosto popular (MASCARELLO, 2006. p.18).

Esses elementos marcam a gênese do tino comercial cinematográfico. Exibidores

foram acumulando experiências, o público foi se familiarizando pela “magia das

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imagens em movimento”, o que abriu caminho para uma evolução, tanto da técnica

quanto das salas especializadas, a partir do final do Século XIX.

Nesse período, enquanto as pesquisas para a reprodução de imagens em

movimento iam se acentuando na Europa e aos Estados Unidos, a classe burguesa

triunfava sobre a antiga aristocracia com a Revolução Industrial. A intensificação no

advento de máquinas não é fenômeno isolado no campo de imagens, a burguesia

criava um universo cultural através de dispositivos e técnicas para consolidar sua

hegemonia (BERNARDET, 1991). Nesse contexto, surgiram importantes invenções,

tais como a energia elétrica, o telefone, o avião e, com outra utilidade, mas

igualmente em uma posição de destaque dentre tais inovações, estava o cinema. A

burguesia podia desfrutar de artes apreciadas pelas classes dominantes anteriores,

mas, ao desenvolver o cinema, criou para si uma nova arte que encerrava todas as

qualidades que esse grupo primava: retratava fielmente a realidade do mundo por

intermédio da máquina.

O final do Século XIX foi marcado pelo rápido desenvolvimento de diversos

dispositivos que contribuíram para o surgimento do cinema moderno, como o

animatógrafo de Robert William Paul, na Inglaterra; o bioscópio de Max

Skladanowsky, na Alemanha; o cinetoscópio de Thomas Edison, nos Estados

Unidos, entre uma série de outros exemplos. Dentre eles, talvez o mais importante

seja o cinematógrafo dos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière, desenvolvido

em 1895. O aparelho, usado como câmera, projetor e copiadora, era leve –

facilitando seu deslocamento – e não necessitava de uma fonte de eletricidade para

funcionar (MATTOS, 2006).

Em 28 de dezembro de 1895 os irmãos Lumière realizaram, no Grand Café

do Boulevard des Capucines, em Paris, a primeira exibição pública de um filme – na

verdade um curta, “Chegada do trem à Estação de Lyon” (1895). Esse foi um marco

na história moderna. Agora o homem podia não apenas registrar um fragmento da

história e realidade, mas sim reassistí-lo sempre que quisesse. As filmagens

rudimentares exibidas, no entanto, não eram mais que fotografias animadas

retratando aspectos do cotidiano. Imediatamente percebeu-se uma oportunidade de

explorar comercialmente tais dispositivos, que até então vinham sendo

considerados, inclusive pelos próprios irmãos Lumière, aparelhos sem o menor

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futuro como espetáculo, meras máquinas cujo propósito era registrar imagens em

movimento e servir a ciência. (BERNARDET, 1991).

Thomas Edison já vinha, desde meados do fim do século XIX, envolvido em

negócios relacionados ao cinetoscópio, máquina desenvolvida por ele para a

exibição de curtas-metragens a uma pessoa de cada vez. Em 1894, inaugurou o

primeiro salão de cinetoscópio na Broadway, Nova York, marco inicial da indústria

cinematográfica nos Estados Unidos (MATTOS, 2006). O espectador precisava

transitar de máquina em máquina para assistir aos filmes primitivos, de qualidade

duvidosa, mas tal entrave não impediu os negócios de prosperarem por um tempo.

Mattos (2006) destaca que, assim que a viabilidade da projeção de filmes foi

comprovada, o próprio Edson construiu um protótipo de projetor. A partir disso, o

cinema rapidamente caiu no gosto popular e as companhias, que exploravam sua

comercialização, foram atraídas para teatros de vaudeville, onde os curtas

compunham outros números do programa.

Surgiram também, nos Estados Unidos, exibidores itinerantes, que percorriam

cidades do interior projetando cópias de filmes europeus, em sua maioria curtas

experimentais que retratavam alguns aspectos cotidianos da sociedade – trens

chegando à estações, pessoas circulando por Cafés parisienses, operários saindo

de fábricas –, mas alguns já apresentavam contos condensados, poemas, clássicos

da literatura (MATTOS, 2006).

Tais filmes, cuja duração máxima geralmente não passava de quinze minutos,

eram projetados em barracões improvisados também na beira de cais, ou junto às

fábricas e indústrias, em sessões que chegavam a durar mais de doze horas

contínuas. As apresentações eram intercaladas com outros espetáculos artísticos e

atrativos culturais, como música ao vivo, executada por um pianista ou organista,

uma vez que o repertório de filmes não era tão variado. As localizações de tais

barracões itinerantes eram estratégicas, a indústria empregava um grande número

de imigrantes europeus, que tinham uma jornada de trabalho árdua com pouco

entretenimento e estavam dispostos a pagar a irrisória quantia de um níquel (cinco

centavos de dólar) para matar a saudade da já inalcançável terra natal. Com o preço

acessível para o público e um retorno alto de investimento para os empresários, que

dificilmente pagavam ônus de direitos autorais pelos filmes que distribuíam, os

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barracões aos poucos deixavam de ser feiras itinerantes para se tornarem cine-

teatros fixos, passando a ser denominados Nicklodeons12. Logo prosperaram por

toda costa americana, passando a operar em salas amplas e confortáveis,

construídas com a finalidade de projeção de filmes (ROSENFELD, 2002), sendo a

primeira delas fundada no ano de 1913, em Nova York. “Sob o prisma econômico e

social, o cinema é um filho do capitalismo; foi este que ofereceu as condições

necessárias para garantir o desenvolvimento cinematográfico nos aspectos materiais

[…] e artísticos” (ROSENFELD, 2002. p. 64). Foi neste meio de “[...]

empreendimentos ousados que surgiram aquelas que mais tarde se tornariam as

cinco maiores produtoras cinematográficas americanas: Metro-GoldwinMayer,

Warner Bros., Paramont, Fox e Universal” (PEREIRA, 1998. p. 21).

É possível observar que, neste período, berço de grandes estúdios, quando o

cinema se firmava cada vez mais como arte, deixando de ser mera técnica para

reproduzir imagens em movimento, a sua relação com a publicidade e o turismo já

era bem estabelecida. Os Nicklodeons eram “vendidos” como espaços para os

imigrantes europeus revisitarem, ainda que forma imaginária pela ilusão de

realidade, seu país de origem. Era uma boa oportunidade também para apresentar a

Europa a trabalhadores americanos e fomentar o desejo destes em visitar o velho

continente. Fica claro o apelo turístico, vendiam-se o cotidiano de lugares, não

histórias. Mas é através de histórias que o cinema se torna o que hoje é conhecido

como Sétima Arte, e são elas que gravaram e ainda gravam no imaginário do público

personagens e lugares que serão revisitados por gerações, figurativa e literalmente,

culminando no segmento hoje conhecido como Turismo Cinematográfico13.

Segundo Ramos (2005), o cinema lutou para ser levado a sério como arte e

abandonar o estigma de divertimento popularesco, para o qual constantemente se

inclinava. “Seria possível encontrar na atração pelo prestígio da arte de vanguarda, e

no atual fascínio pelo evolucionismo tecnológico, uma busca similar de status

artístico […]” (RAMOS, 2005. p.12). O francês Georges Méliès foi um dos primeiros

cineastas a contribuir para esse posicionamento artístico, ainda que não tenha

perdido o viés de animador de espetáculos, ao usar efeitos especiais e trucagens

12

Nome que vem da junção da palavra “níquel” – quantia cobrada pelo ingresso – e da palavra grega

odeion – estruturas cobertas para espetáculo, como teatro. 13

O termo é utilizado pelo Ministério do Turismo em sua cartilha “Turismo cinematográfico brasileiro” (2007). Outra terminologia utilizada é cineturismo, que mantêm o mesmo sentido.

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para contar histórias. Sua obra mais famosa é o curta “A viagem à lua” (1902). Os

fundamentos da linguagem cinematográfica e os primeiros elementos estéticos da

arte surgem com real dimensão entre 1910 e 1915, através de obras como “A vida

pelo Czar” (Tchardynine, 1911), “O Gólem“ (Galeen, 1914) e principalmente “O

nascimento de uma nação”, do cineasta americano David Wark Griffith (1915). Antes

de Griffith a câmera ficava estática, retratando a ação como um espectador de

teatro. Como afirma Leite (2003. p.17), “O diretor […] foi o primeiro a realizar

determinados procedimentos capazes de construir uma linguagem propriamente

cinematográfica […] com o fim de contar uma história”. Metz (1972) também credita

a Griffith a organização de uma sintaxe coerente do processo de narração fílmica,

mas adverte que:

[...] os pioneiros da “linguagem cinematográfica” – um Méliès, um Porter, um Griffith... – pouco se preocupavam (a não ser alguns arrebatamentos ingênuos e confusos) com a “mensagem” simbólica, filosófica ou humana em seus filmes. (METZ, 1972. p. 115)

Por volta do ano de 1907 surgiu na França uma companhia chamada Film

d'Art, com o objetivo de levar ao público do ainda jovem cinema, artistas do teatro

nacional francês (KNIGT, 1957). Embora não tenha obtido o resultado esperado, a

companhia é um dos embriões do cinema artístico, uma vez que a ideia de projetar

espetáculos clássicos como filmes atraiu uma gama intelectual de apreciadores de

arte, que até então viam o cinema apenas como mero produto de diversão popular.

Sobre esse aspecto, Rosenfeld (2002) afirma que tais filmes de arte criaram um

clima favorável ao cinema como um todo, e também influenciaram uma geração de

diretores que “[…] sabiam aproveitar os méritos dessa empresa sem seguir-lhe os

erros de grandiloquência e teatralidade” (ROSENFELD, 2002. p.99). Embora a

influência do teatro seja importante para o florescimento de uma forma de arte

independente, com linguagem própria, Rosenfeld é enfático ao afirmar que “o

cinema nasceu no momento em que esse espaço [o palco teatral] foi destruído para

ser substituído pelo campo visual da câmera, limitado pela tela” (ROSENFELD,

2002. p.99), processo iniciado pelo já citado Griffith em 1908.

Apesar dos altos investimentos demandados, como afirma Dondis (1997), os

filmes se mostraram sucessos comerciais instantâneos, atraindo cada vez mais

público e criando novas oportunidades de expansão e experimentação de

linguagem. Há um sem-número de cineastas e teóricos que contribuíram para a

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consolidação do cinema até meados de 1920, e diversas escolas estilísticas, como o

expressionismo alemão, ou a nouvelle vague francesa. No entanto, o que interessa

para este panorama são os fatores mercadológicos, que envolvem a comunicação

publicitária. Tão logo surgiu, a roda da indústria começou a girar. Os produtores –

em especial norte-americanos – encontraram um público grande e rico o suficiente

para não só cobrir seus gastos, mas também gerar lucro. “Assim a indústria e o

comércio cinematográficos foram paulatinamente se estruturando em três níveis: o

produtor, o exibidor e, entre os dois, o distribuidor que serve de intermediário;”

(BERNARDET, 1991).

Tal modelo organizacional, que seria aprimorado até chegar ao vigente,

envolvia diversos públicos e elementos em seu processo: os espectadores que

apreciam a arte, as firmas que investem grandes somas de dinheiro em filmes, os

distribuidores, os exibidores que os projetam. Nessa cadeia de processo está

também à publicidade, a imprensa especializada, “[...] mas em geral não pensamos

nesta complexa máquina internacional da indústria, do comércio e controle

cinematográfico; para nós, cinema é apenas essa estória que vimos na tela [...]”

(BERNARDET, 1991. p.9).

A partir do final da década de 1920, a indústria cinematográfica precisou se

adaptar ao advento do cinema falado, o que acarretou transformações drásticas na

estrutura vigente. A produtora americana Warner Bros. estava à beira da falência,

em meados de 1926. Então, sem nada a perder, decidiu investir em uma solução

que era vista como um eminente fracasso comercial: implementar o som aos filmes.

Apesar de críticos e diretores, como Charlie Chaplin, Eisenstein e Pudovkin,

mostrarem-se contrários ao cinema falado – afirmaram que o filme sonoro maculava

a beleza do silêncio, e seria uma moda passageira –, o público ficou entusiasmado

com essa novidade, que logo se disseminou e passou a ser um elemento dominante

nos filmes (MARTIN, 2003). Graças aos elementos sonoros – ruídos, diálogos,

música – a imagem adquire um valor simbólico de realismo muito maior do que no

cinema mudo. Ter amplo domínio tecnológico e estilístico deste novo elemento foi

um dos fatores que impulsionou a disseminação da indústria norte-americana.

Dondis (1997. p.218) afirma que houve certa divisão criativa no que concerne à

realização de filmes, “[…] em que grandes e dispendiosos espetáculos eram

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associados a Hollywood, e os esforços criativos, de orçamentos mais modesto, ao

cinema europeu”.

A expansão do cinema norte-americano para países da Europa começa após

a Primeira Guerra Mundial, quando a indústria europeia estava fragmentada pelo

conflito, e se fortalece após a Segunda Guerra. Há uma relação também no uso

ideológico da ferramenta fílmica durante esse período, no que diz respeito a

influenciar o público. O cinema foi – e ainda é – usado por governos e empresas

privadas como ferramenta de propaganda ideológica, moldando a opinião pública de

acordo com as posições do agente de origem da produção Knight (1957). O autor

remete a este período bélico, para ilustrar o poder do cinema como agente

modificador da história. Quando a crescente tensão e os conflitos aproximaram-se

de culminar na Segunda Guerra Mundial, cresceram o número de produções em

Hollywood que exaltavam a vida militar.

O governo não estava verdadeiramente envolvido nessas produções, mas

cooperava entusiasticamente com o que elas necessitavam. Academias e

equipamentos militares eram postos à disposição para filmagens que, por sua vez,

serviam como propaganda ideológica, para estimular o recrutamento de jovens na

“gloriosa” vida militar. “Nesse difícil período […] o cinema iniciou uma espécie de

curso de orientação, apresentando ao povo americano os seus futuros aliados e

expondo a natureza dos futuros inimigos” (KNIGHT, 1957. p.226-227). No campo

ideológico oposto, o nazismo – principalmente através da figura do Ministro da

Propaganda Joseph Goebbels – também buscou levar às massas os preceitos

dogmáticos do partido através de produções cinematográficas. Tal caráter ideológico

não se limita a filmes da época, ele perpassa toda a história do cinema, uma vez que

nenhuma produção é isenta de influências do contexto em que está inserida.

Sendo um produto que só pode ser desfrutado no momento da experiência,

tornou-se urgente que as obras mantivessem determinadas qualidades para motivar

o público a comprar o ingresso sem conhecer a obra. “A necessidade do lucro tende

a homogeneizar os produtos e homogeneizar os públicos” (BERNARDET, 1991.

p.62). Isso gerou um impacto diretamente na dramaturgia apresentada. Desde cedo

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surgiram o star-system14, a classificação de gêneros, entre uma série de outros

mecanismos para garantir bilheteria.

Consolidando uma produção massiva de filmes, estabeleceu-se um modelo

de trabalho sistemático, que prevaleceu em Hollywood até a década de 1950 sem

maiores oposições, contando com a atuação dos bancos, que financiavam as

companhias, exigindo a maximização dos lucros investidos. Dentro desse sistema

de produção, foi aumentando o número de estudos e teorias para distinguir o cinema

artístico do mercadológico. Jameson (1995) aborda o surgimento do conceito auteur

como uma das formas de entender obras verdadeiramente artísticas dentro da

indústria. O termo representa a proposta de tratar obras distintas, com uma mesma

assinatura autoral, dentro de um único viés estilístico. “[…] os cineastas das décadas

de 30 e 40 podem ser considerados auteurs porque agora, pela primeira vez, os

auteurs realmente existiam e funcionavam de um modo completamente distinto dos

cineastas do período anterior” (JAMESON, 1995. p.204). Tal abordagem

metodológica propõe não mais a visão de filmes somente dentro de gêneros, mas

sim a percepção de uma assinatura autoral, a somatória da filmografia de cada autor

dentro de uma mesma linha. Ao propor essa metodologia de análise, citando autores

que se enquadram no conceito auteur, como Alfred Hitchcock, Jameson afirma que:

[...] nos filmes de Hitchcock [...] o ideologema da melancolia parece fazer mais do que motivar e racionalizar o visual [...] ele comenta a própria fórmula do gênero. [Tal característica] faz dessa necessidade uma virtude histórica e esteticamente original, usando o próprio sistema de signos genéricos e transformando os seus significantes em uma nova autonomia de signos. (JAMESON, 1995. p.215).

A relação do cinema com o público, que já havia passado por radicais

mudanças durante a transição do cinema mudo para o sonoro, modifica-se, mais

uma vez, drasticamente a partir da década de 1950, com o surgimento da televisão.

Há uma verdadeira evasão da audiência, e a indústria vê-se diante de uma situação

paradoxal, “cada vez menos vai-se ao cinema, cada vez mais vai-se assistir a filmes”

(BERNARDET, 1991. p.91). Como tentativa de reação frente a esse novo cenário, a

indústria se reinventa. A televisão passa a ser um novo meio que tanto agrega valor

comercial a filmes antigos, quanto representa um potencial para a veiculação de

14 – Modelo que enaltece a presença de atores e atrizes famosos para agregar valor simbólico ao filme e atrair uma gama maior de público (BERNARDET, 1991).

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obras com custos mais modestos. Há um considerável aumento da qualidade

técnica de exibição, como a consolidação a cor, som estereofônico, entre outros

aperfeiçoamentos.

Surge também, a partir da década de 1970, o cinema blockbuster15, grandes e

monumentais lançamentos de verão que passaram a ser planejados, demandando,

devido ao investimento de produção, grandes ações de marketing e divulgação. A

obra que inaugura esse estilo de produção é “Tubarão”, de Steven Spielberg (1975).

O filme, que conta a história do duelo entre os habitantes de uma cidade costeira

americana com um animal selvagem, foi um fenômeno de bilheteria e atraiu a

atenção dos grandes estúdios para o potencial de mercado de artigos derivados,

que incluía o disco com a trilha sonora, o livro original, camisetas, jogos, fantasias,

brinquedos, pôsteres, artigos de praia, acessórios e brindes variados. Estes

produtos, nicho de mercado para a publicidade, ajudaram a elevar o filme a um

patamar cult na cultura popular. Turner (1993) aborda que sucessos comerciais da

Sétima Arte prescindem de promoções de mercadorias, disseminação de logotipos,

artigos vinculados – o autor cita “Unchained Melody”, canção de sucesso que ajudou

a tornar marcante uma cena do filme “Ghost – do outro lado da vida”, de Jerry

Zucker (1990) e, por isso, tornou-se um produto atrativo também para fãs de cinema,

não apenas de música, por usar uma rede de estratégias ligadas diretamente ao

campo publicitário. “O desejo de assistir a um filme popular está relacionado com

toda uma gama de outros desejos – moda, novidade, posse de ícones ou signos”

(TURNER, 1993. p. 16).

Essa fase de grandes lançamentos de verão perdura até hoje, e a indústria

continua aprimorando seu aparato tecnológico para propiciar ao público uma

imersão naquele universo lúdico da tela grande. “Atualmente, publicitários se tornam

cineastas, e cineastas se tornam publicitários, sem drama de consciência. A

mercadoria impôs sua forma às obras de arte e, essas obras, converteram-se em

veículos de publicidade” (RÜDIGER, 1999. p.21).

15 – Expressão americana que significa “campeão de bilheteria”. Sinônimo de filmes com grande orçamento e efeitos especiais.

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4.2 CINEMA E REALIDADE: A IMAGEM EM MOVIMENTO

O semiólogo francês Christian Metz (1972) conceitua o cinema como a forma

mais recente de expressão artística dentro de um sistema de signos destinados a

comunicação. Ao causar uma impressão de realidade acentuada, principalmente por

lidar com imagens em movimento que alcançam, em virtude de sua própria

natureza, um enunciado plenamente afirmativo, esse signo fílmico consegue cativar

uma audiência constante, deslocar multidões.

Por sua natureza, as imagens no cinema adquirem uma dimensão maior de

percepção, um aspecto mais realista, embora o espetáculo cinematográfico,

diferente de outras artes como pintura, ou mesmo uma peça teatral16, esteja muito

mais relacionado ao irreal. A fim de comparação, a fotografia, meio mais parecido

com o cinema no que diz respeito a retratar a natureza tal qual ela se mostra, é

percebida pelo público como uma arte que expressa fielmente à imagem do que foi,

enquanto o cinema gera a ilusão de que a imagem ainda é. Isso porque a tela do

cinema, ainda que seja uma superfície plana, lida com o espaço em três dimensões,

dando profundidade ao que é retratado. Segundo Martin (2003), para que haja um

senso estético (termo advindo da palavra grega “aisthésis”, significando

etimologicamente “sensação”) no processo cinematográfico – e, sendo arte, a

estética é inerente ao próprio cinema –, é preciso que o espectador evite uma

imersão total no universo lúdico exibido, que mantenha certo recuo e tenha ciência

de estar diante de uma imagem, uma representação do real. Através dessa

virtualidade da imagem o espectador não cria uma falsa concepção, mas o autor

reconhece que, diante da tela, o público não se sente inserido no mundo, e sim

diante dele, livre para uma entrega total ao “[...] enfeitiçamento sensorial exercido

pela imagem” (MARTIN, 2003, p. 29), que só deve ser aceita para salvaguardar a

liberdade na participação. O advento do som no cinema, a partir de 1928, com o

filme americano “O Cantor de Jazz”, tornou-se mais um elemento a conferir uma

noção de realidade à obra. Afinal as pessoas passaram a falar como na vida real, os

16 – Conforme Metz (1972. p. 23), “O espetáculo teatral não consegue ser uma reprodução convincente da vida porque o próprio espetáculo faz parte da vida, e de modo muito visível; […] O peso disso tudo é demais para que a ficção desenvolvida pela peça seja percebida como real […]”.

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objetos passaram a fazer barulho, espelhando a natureza – ainda que o som em

filmes também seja um processo artificial.

A imagem no cinema simula a realidade de forma primorosa, criando um

espaço puramente conceitual que, embora explícito, é mais facilmente percebido

como a realidade em si do que como uma representação simbólica. “No cinema,

como em nenhuma outra arte, o espectador encontra, não um organismo artístico

auto-suficiente, mas o próprio mundo no processo de ser formado pelo homem”

(ANDREW, 2002. p.88).

Alguns autores, como Bernardet (1991) questionam a discussão sobre a

impressão de realidade da imagem cinematográfica. “[...] pouco importa que se diga

que o cinema reproduz ou não o real, é natural ou artificial, não importa o cinema em

si, importa o que dizem os filmes, o seu conteúdo” (Bernardt, 1991.p.22). Tal visão

mais incisiva sobre o conteúdo fílmico evoca a ideia de unidade, onde a forma é

apenas o canal para que o artista transmita ao público sua mensagem (carregada de

toda uma gama de mensagens secundárias, inclusive a publicitária, advindas das

outras vozes presentes no processo). Para Andrew (2002), toda a intensidade de

sentimentos que o público experimenta durante a projeção – violência, amor,

erotismo, entre outros – é dissipada, em sua maioria, quando termina o filme, mas a

unidade dos elementos da obra permitem que o público continue a contemplá-la ao

sair da sala. “Se a forma do filme é unificada, então o objetivo do filme servirá e nos

envolverá desinteressadamente como um objeto isolado e intrinsecamente valioso”

(ANDREW, 2002. p.34).

Assim, a impressão que se tem do cinema é reconstruída em função tanto do

que o diretor pretende exprimir, quanto “[...] da visão particular de cada um, suas

deformações e suas interpretações, mesmo que inconscientes” (MARTIN, 2003.

p.24). Para entender como se dá essa interpretação subjetiva da obra, é

fundamental entender a estrutura básica da obra cinematográfica.

4.3 DRAMATURGIA CINEMATOGRÁFICA

O fundamento sobre uma teoria de expressão dramática das artes cênicas

advém da antiguidade clássica – principalmente Grécia. Um dos principais nomes é

o do filósofo Aristóteles, que elencou três expressões fundamentais do teatro (que

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valem para o moderno cinema) em sua clássica obra, a “Poética”. São elas: a

expressão lírica, manifestação direta da subjetividade do autor presente na obra; a

epopeia, narrativa das proezas do herói; e a expressão dramática, encarnação da

ação, onde o espectador pode testemunhar por si mesmo a história – no caso dos

gregos antigos, a encenação em anfiteatros era a culminação da obra escrita e

roteirizada. “Aristóteles diz que a trama [...] é a alma da tragédia e que os

personagens são secundários em relação a ela. A sucessão de acontecimentos

diretamente determinados pela ação [...] é o fundamento da expressão dramática”.

(MACIEL, 2003. p.34). Maciel busca a visão de Emil Staiger para examinar

detalhadamente as três expressões fundamentais teorizadas por Aristóteles.

Assim a poesia lírica, à medida que expressa a subjetividade, torna-se

expressão do „eu‟ autor. “Não há nela, propriamente, uma relação sujeito-objeto.

Nela, o eu é absoluto, só há sujeito. A matéria é sua emoção. O poeta lírico

extravasa sua emoção pessoal” (MACIEL, 2003. p.35). A epopeia, nessa visão mais

aprofundada, pode ser entendida como a ação em terceira pessoa, „ele‟, onde o

sujeito se defronta com o objeto, tendo por modo de expressão a narração de algo

que aconteceu efetivamente, na esfera externa ao personagem. Por fim, a poesia

dramática dialoga com o público na segunda pessoa, „você‟. “Aqui também não há

relação entre sujeito-objeto porque, na expressão dramática, o objeto é absoluto.

Não há ninguém contando nada aqui, o espectador testemunha diretamente os

acontecimentos” (MACIEL, 2003. p.36). Essa terceira expressão mantém uma

relação de drama, como na epopeia, mas acrescenta a necessidade de conexão

com o público.

O roteiro de cinema abrange as três faces da arte cênica, segundo Maciel,

mas precisa ser objetivo, com cada cena encadeada à seguinte para conduzir o

espectador a uma progressão da trama (figura 2).

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Conforme Maciel (2003) ilustra em seu gráfico da lógica da narração

dramática, o fundamento de tudo é o tema, e a partir dele se desenvolverão o

problema, a ação e a premissa. O tema envolve não apenas o assunto da obra, mas

a visão subjetiva do autor a respeito do que ele quer contar. Dentro do assunto surge

o problema, obstáculo ao personagem, cuja resposta para solucioná-lo representa a

força motriz da ação. A ação dramática não deve ser confundida com o gênero

„ação‟, pois, além do físico, ela também se desenrola no âmbito interno, psicológico.

É expressa tanto pelo que os personagens fazem, quanto pelo que eles dizem. Já a

premissa é o confronto desses dois elementos, que leva a um desfecho e resolução.

Assim, para Maciel (2003. p. 40), “O problema se manifesta no ataque. A ação se

desdobra na complicação. A premissa se revela no clímax”. Tal desdobramento

lógico é representado pela curva dramática (figura 3), explicada por Maciel da

seguinte forma:

A curva dramática começa num traço horizontal reto, que representa um estado inicial de repouso, ou equilíbrio. Num determinado ponto, ela começa a subir, há uma ruptura no equilíbrio inicial, e uma intensificação crescente da ação [...]. A curva finalmente atinge um ponto máximo, uma culminância, e cai novamente, detendo-se, porém, num patamar superior ao seu estado inicial. Ou seja: o sujeito

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vive uma experiência dramática que o transforma e que, depois de

encerrada, o deixa num nível mais alto. (MACIEL, 2003. p.42).

Compreender tal divisão é importante quando se pretende analisar obras

cinematográficas, uma vez que os filmes seguem essa estrutura básica: a exposição

dos personagens, momento inicial onde o público passa a se familiarizar com a

história; ruptura do equilíbrio, que marca o início da ação principal; a complicação,

desenvolvimento do conflito central entre o protagonista e o antagonista; clímax,

ponto principal da trama, onde o conflito atinge o máximo da curva dramática; e, por

fim, a resolução, restauração do equilíbrio num patamar superior ao da exposição.

Dondis (1997. p.85) complementa afirmando que todas estas estruturas fornecem

informações que permitem analisar filmes “[...] tanto em termos de seu valor como

tática potencial para a criação de mensagens quanto em termos de sua qualidade no

processo da visão”.

As responsabilidades do diretor, oficialmente considerado o autor do filme, se

dá em cinco fundamentos básicos do cinema: O primeiro é organizar a composição

da obra, garantindo o equilíbrio e harmonia dos elementos da tela; o segundo é

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estabelecer o significado do que está sendo mostrado. “A própria relação visual

entre os elementos da composição comunica um sentido, mesmo que de forma

subliminal, ao espectador” (MACIEL, 2003. p.122); o terceiro fundamento básico que

fica a cargo do diretor é o movimento. Cabe a ele determinar tanto o movimento

interno à cena – dos atores, automóveis, etc.– quanto os externos – movimentos de

câmera; o quarto fundamento é relacionado com as atividades que os personagens

estão exercendo (desde ação quanto diálogo) e qual a intenção comunicacional em

empregar estes elementos; por fim, o quinto procedimento que fica a cargo do

diretor para a composição de uma obra que se enquadre na estrutura dramática e

consiga se comunicar com o público é o ritmo. “O ritmo não pode ser imposto

apenas na montagem, ou edição; ele resulta também da mise-em-scène, do

comportamento dos atores, do comportamento da câmera, etc. É tanto externo

quanto interno” (MACIEL, 2003. p. 123).

Compreender essas divisões organizacionais é uma tarefa importante para ter

um macro entendimento, tanto da obra como um todo, quanto das influências

subjetivas que o autor incorpora durante o trabalho. É importante, para a

compreensão maior dos elementos que compõe a dramaturgia cinematográfica, um

breve panorama sobre as principais formas de enquadramento (elementos

explorados na fase posterior de análise da obra).

Gerbase (2012) afirma que o enquadramento adequado é um dos mais

importantes elementos da linguagem cinematográfica, pois é o modo pelo qual o

diretor fará o público perceber os signos do mundo que está apresentando. Para o

autor, é preciso levar em consideração as principais variações de planos e

enquadramentos para se analisar uma obra. Começando pelo plano geral (ou plano

aberto), onde a câmera está distante do objeto principal, que ocupa um espaço

reduzido na tela, em comparação ao cenário. É um plano de ambientação, ideal para

cenas exteriores. O segundo plano geralmente utilizado é o plano médio (ou plano

conjunto). Nele, a câmera está a uma distância menor do elemento principal da

cena, mas ainda deixa margem para o cenário ao redor. Geralmente usado em

sequências de movimentação. No plano americano, terceiro modelo apontado por

Gerbase (2012), o personagem é enquadrado da altura do joelho para cima. A

seguir, é apresentado o meio primeiro plano, sendo o enquadramento apenas da

cintura para cima. De acordo com a progressão de escala, indo do enquadramento

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mais aberto ao mais fechado, é mencionado o primeiro plano, que enquadra a figura

humana do peito para cima. No primeiríssimo plano o enquadramento acontece dos

ombros para cima e, por fim, no plano fechado (também chamado plano detalhe ou

close-up), a câmera está próxima ao objeto principal, de forma que ele ocupa quase

todo o enquadramento. É um plano utilizado para estabelecer uma ideia de

intimidade e expressão.

Para o autor, o movimento na cena acontece de duas formas: dentro do

quadro – os personagens mudam de posição em reação à câmera fixa –, e

movimento da câmera. Gerbase (2012) elenca também alguns movimentos de

câmera, importante para a compreensão da composição total da cena. Começando

pela panorâmica, quando a câmera se movimenta sobre seu eixo – seja na

horizontal ou na vertical, também chamada de tilt. O autor afirma que esse

movimento apresenta uma viração, a panorâmica invertida (quando a câmera se

movimenta em relação ao eixo do objeto enquadrado). Gerbase salienta que alguns

livros apresentam denominações diferentes para as variação de panorâmica. A

seguir Gerbase (2012) apresenta o travelling, onde a câmera desloca-se em alguma

direção. Por fim, o zoom, movimento da objetiva que modifica o ângulo visual da

imagem – sendo zoom-in quando a imagem se “aproxima”, e zoom-out quando se

“afasta”.

Ainda há muitos elementos de estruturação de filmes, mas este panorama

geral fornece os subsídios para a análise de cenas que será realizada. N

Decupagem da imagem, os planos serão tratados como parte dos signos

cinematográficos, elementos que, distribuídos na estrutura, geram o verdadeiro

sentido das obras. Até agora foi visto um panorama geral da história do cinema e

alguns aspectos da natureza fílmica, mas é preciso um aprofundamento teórico

sobre os signos que compõe as obras.

4.4 OS SIGNOS CINEMATOGRÁFICOS

O cinema passou a ser objeto de debates teóricos com o viés semiótico a

partir do final da década de 1960. O semiólogo francês Christian Metz, em 1964, foi

o primeiro teórico a tratar de uma “linguagem cinematográfica”, embora visse os

filmes como uma linguagem cultural, e não elementos linguísticos propriamente

ditos. As discussões orbitavam a legitimidade de considerar a arte cinematográfica

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um sistema de linguagem e signos autênticos. Volli (2007) afirma que um dos

elementos considerados interessantes pelos teóricos é heterogeneidade de códigos

presentes nas obras “[...] que interagem e se condicionam reciprocamente em cada

filme, e caracterizam a reconhecibilidade e a identidade de cada autor [...]” (VOLLI,

2007. p. 286). Tendo por base que os filmes são formados também – e

principalmente – por um complexo sistema de signos repletos de subjetividade,

surgiu um ramo próprio dentro da semiologia17 para estudar os signos presentes em

filmes: a semiologia cinematográfica. Tal linha teórica lida com o cinema de duas

formas: estuda a narrativa do conteúdo da obra e a linguagem do filme, código

intermediário entre o espectador e a obra (RAMOS, 2005).

Para a semiologia cinematográfica, o cinema é, em sua base, uma matriz de

signos inter-relacionados especificamente escolhidos e empregados para transmitir

ao público uma mensagem. “No contexto específico do cinema, um signo é qualquer

coisa, pequena ou grande, à qual reagimos. Ou seja, algo se torna um signo quando

prestamos atenção especial nele” (EDGAR-HUNT, 2013. p.17).

Todos os elementos na obra foram escolhidos e empregados com uma função

específica, estética, ideológica. Nada é deixado ao acaso – com exceção, talvez, de

filmes puramente artísticos, mas nesse caso a aleatoriedade da imagem foi

planejada pelo diretor com um fim específico –. Edgar-Hunt (2013) afirma que cada

elemento de um filme pode ser fragmentado à sua menor parte, permitindo que o

pesquisador chegue a uma unidade de signo imagético. “Personagens, por exemplo,

são formados por pequenos fragmentos de informação (como características físicas,

gestos corporais e palavras faladas), cada um deles selecionados e justapostos para

criar a ilusão […]” (EDGAR-HUNT, 2013. p.17). Partindo dessa visão, a interação

entre os signos que compõe os elementos de cena – atores, enquadramento, trilha

sonora, entre outros – formam, como átomos, em seu conjunto, a obra total. Porém,

o filme como um todo não encerra em si essa relação. Agrupado com outras obras

de temáticas semelhantes, formam um gênero que, por sua vez, faz parte do

complexo artístico cinematográfico. Este campo de manifestação cultural tampouco

é a unidade maior, pois mantém relação com a literatura, música, fotografia, teatro,

pintura, arquitetura, dança, e uma série de outras formas de expressão artísticas

(EDGAR-HUNT, 2013), além de envolver fatores políticos, econômicos, sociais. “Não

17 – Ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social (Ferdinad Saussure).

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é apenas um conjunto de componentes formando um todo, mas um conjunto

relacionado de componentes que condicionam e são condicionados uns pelos

outros” (MATTOS, 2006. p. 13). Dentro desse emaranhado de signos que vão, à

medida que se relacionam uns com os outros, formando uma intrincada rede, o

„produto filme‟ se transforma em algo mais que apenas um dispositivo para contar

histórias.

Por serem compostos de signos semióticos, filmes também são um suporte

comunicacional, capazes de formular conceitos, ideologias, expressar opiniões,

chocar, divertir… Um mosaico construído a partir de pequenos dispositivos de

significação, muitas vezes não percebidos de forma consciente pelo público, tendo

em vista a velocidade e efemeridade da imagem. Como afirma Edgar-Hunt (2013.

p.22), “[…] um filme é, na verdade, uma sequência de imagens individuais, mas

experimentada de forma bem diferente, como um fluxo constante de sensações. Um

filme é uma vasta explosão de signos”. A velocidade da imagem cinematográfica –

geralmente 24 quadros por segundo –, embora produza uma quantidade de signos

que não podem ser completamente decodificados em sua totalidade, permite que a

projeção emolde a realidade e, de certa forma, até mesmo a supere. “[…] o cinema

tornou-se […] um meio de comunicação, informação e propaganda, o que não

contradiz, absolutamente, sua qualidade de arte” (MARTIN, 2003. p. 16).

O cinema está sendo tratada enquanto um potencial dispositivo publicitário, o

que não exclui seu viés artístico ou diminui a importância de um aprofundamento de

todo o espectro cinematográfico, uma vez que a arte também tem um apelo

econômico e comercial. É valido citar o pensamento de Mattos (2006), que sintetiza

esse caráter mercadológico intrínseco do cinema:

Isto é uma verdade tanto para o filme de arte ou de vanguarda como para os recentes blockbusters de Hollywood. Embora existam muitos exemplos de realizadores para os quais o motivo do lucro não é necessariamente a primeira preocupação, as companhias produtoras e a indústria de cinema como um todo funcionam de acordo com o imperativo comercial de que os filmes são feitos para se ganhar dinheiro. (MATTOS, 2006. p. 12)

A discussão sobre semiótica cinematográfica tem função de levar a um

entendimento comunicacional do cinema, para averiguar de que forma os signos da

comunicação fazem parte deste complexo. Sobre o tema, Volli (2007. p. 286) afirma

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que “[…] o cinema foi considerado interessante exatamente pela heterogeneidade

de códigos que interagem e se condicionam reciprocamente em cada filme, e

caracterizam a reconhecibilidade e a identidade de cada autor”.

Parente (2000) afirma que existem três regimes de acontecimentos

imagéticos na Sétima Arte: as imagens-matéria, “[...] acontecimentos que antecedem

o homem e sua relação sócio motora com o mundo. São as próprias coisas, as

coisas em si, as coisas tais como reagem umas às outras em todas as suas faces e

partes” (PARENTE, 2000. p.14); as imagens-substância, que expressam a relação

sensorial entre o homem e o mundo (ação, sonho, afeição, etc.); e, por fim, as

imagens-tempo, que são os acontecimentos ideais, “[...] abordados do ponto de vista

de regime de temporalização [...] no qual cada imagem implica necessariamente

uma rachadura do “eu”, uma fissura do espaço campo de interioridade, uma

bifurcação no tempo[...]” (PARENTE, 2000. p.14). Assim, são possíveis, a partir

destes conceitos, três leituras estruturais de um mesmo signo cinematográfico, à

medida que ele representa o objeto em si, o objeto em relação ao homem e o objeto

ao adquirir outra leitura de significado por parte do público, conforme seu grau de

sensibilidade ou cultura (não por acaso tal teoria mantém relações com a tríade de

signos proposta pelo famoso teórico da semiótica Charles Pierce); Como afirma

Martin (2003. p. 93), “[...] a utilização do símbolo no cinema consiste em recorrer a

uma imagem capaz de sugerir ao espectador mais do que lhe pode oferecer a

simples percepção do conteúdo aparente”.

Del Pino (2000) recorre a autores como Baudry (1975) e Metz (1979), além de

estudos de Sigmund Freud (1948) para ordenar a natureza dos signos presentes

nos filmes. O autor separa duas vias de contato entre o público e a mensagem da

obra, lembrando que “[...] um filme é um ato de comunicação altamente complexo, e

nenhum ato de comunicação é eficaz a menos que se leve em consideração como o

receptor irá recebê-lo” (EDGAR-HUNT, 2013. p. 17). Nos contatos primários o

espectador comunga com a câmera um ponto de vista privilegiado, onisciente. De

acordo com essa visão, ele se colocaria enquanto sujeito crítico apenas referente ao

que a câmera enxerga, aspectos técnicos e funcionais da obra. Já na identificação

cinematográfica secundária, o espectador passa a assumir a posição dos

personagens, projetando sentimentos próprios nos conflitos retratados na história.

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41

Tal viés não está ligado a uma leitura estrutural, mas sim a uma projeção do sujeito

na narrativa.

Nos dois casos a identificação está sujeita a entraves neutralizantes. A identificação primária é constantemente ameaçada pela consciência dupla de o espectador saber estar diante de um espetáculo artificial e, ao mesmo tempo, mergulhar no ato da percepção [...]. A secundária pode claudicar por fatores como o desvio da atenção para a figura empírica dos atores em cena (beleza física, fama pessoal, [...]) ou por vocações suscitadas pela trilha sonora, pelo cenário, enfim por um conjunto de dados que remetem a imagem observada para o contexto externo ao anunciado fílmico. Não obstante a suscetibilidade, a identificação cinematográfica consegue arrebatar os sentidos do espectador, anulando a distância entre o observador e a observação. (DEL PINO, 2000. p. 80)

Na mesma linha da concepção estrutural proposta por Parente e Del Pino,

Martin (2003) vê a imagem fílmica em três momentos distintos: primeiro, ela se limita

em reproduzir o real, em um segundo momento afeta os sentimentos do espectador

para, em um terceiro grau, adquirir uma significação ideológica e moral. São

métodos de entender a relação que o público mantém com os filmes.

Se cada elemento significante cinematográfico pode ser desmontado em

outros signos, há duas categorias distintas, que abrangem signos naturais,

imprescindíveis para o filme existir como tal, e signos intencionais, inseridos na obra

para transmitir uma mensagem. Se determinada cena envolve uma perseguição, a

presença de veículos é imprescindível, é um signo natural e necessário à trama,

enquanto a presença de um veículo da marca „X‟ ou „Y‟ é conceitual, transformando

o signo em um dispositivo comunicacional.

A publicidade usualmente figura nesta segunda categoria, e tal prática se

enquadra no conceito de magazine concept18, embora o potencial cinematográfico

para o meio publicitário seja justamente a não inserção de marcas como anúncio,

mas sim como signos semiológicos integrados à obra. Burtenshaw, Mahon e Barfoot

(2011) defendem que “[...] o cinema permite que as mensagens de marca sejam

comunicadas a um público cativo, disposto a absorver as informações apresentadas

na tela grande enquanto espera para ser entretido” (BURTENSHAW; at al, 2011.

p.46). Além disso, é uma oportunidade de impactar e fidelizar uma gama de jovens

18

Venda de espaços comerciais em mídias variadas dentro do conteúdo (RAMOS, 2004).

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adultos que se relacionam de maneira diferente com a propaganda nos meios

tradicionais, como a televisão, e estão dispostos a experimentar novos produtos e

marcas.

Rüdiger (1999) analisa tal fenômeno, afirmando que, na sociedade cultural

contemporânea, as mercadorias culturais deixaram de ser criações puramente

artísticas, para se integrar a um conjunto de atividade econômica. Tornam-se,

paralelamente, bens simbólicos e mercadológicos. “Em Toy Story (Lasseter, 1995),

por exemplo, não há mais diferença entre criação ficcional e prática mercadológica:

o filme pode ser visto como um anúncio de uma nova linha de produtos infantis [...]”

(RÜDIGER,1999. p.17). Os brinquedos protagonistas do longa são, conforme aponta

o autor “[...] literalmente e desde o início, bens de consumo, criados pelo novo

espírito tecnológico” (RÜDIGER,1999. p.17). Assim o público – principalmente as

crianças –, na medida em que se deixa levar pela história, é impactado pelo discurso

publicitário implícito. Tal situação, quando o capitalismo se une intrinsecamente ao

processo e transforma um meio de expressão artística em um complexo mercantil, é

chamada por Rüdiger de “indústria da consciência”.

Não é diferente quando se pensa em lugares em vez de produtos. Por fazer

parte da obra, segundo a visão de Metz (1972), o lugar também deixa de ser um

elemento real para se tornar um signo semiológico que emolda a realidade. Assim, o

que será exibido adquire uma carga simbólica que resulta na imagem idealizada, e

só então desperta o desejo no público para o turismo.

Para autores como Maciel (2003), essa carga semiológica da imagem nasce

da mobilidade da própria imagem. No teatro, por exemplo, a cena em si não pode

ser convertida em signo, pois será vista pelo espectador de forma aleatória e

estática, conforme ele se coloca diante do palco. “Quem senta no fundo […] vê tudo

de longe, em plano geral; quem senta na primeira fila vê tudo em primeiro plano, e

na maioria dos casos, em permanente contre-plongée” (MACIEL, 2003. p.124). Mas

o cinema tem a seu favor a montagem das cenas, podendo manipular a distância ou

proximidade do público com a ação exibida, convertendo-a em elemento dramático.

Assim, Maciel complementa: “A montagem tem, portanto, um poder retórico ao nível

subliminal que tem sido amplamente utilizado, não só em filmes de ficção, como em

documentários, comerciais de televisão e, até, […] propaganda [...]” (MACIEL, 2003.

p.125).

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Quando Paris é retratada em obras premiadas, como “Meia noite em Paris” de

Woody Allen (2011), não se tem um retrato fiel tal e qual a metrópole é, mas sim a

versão romantizada que o público almeja conhecer. O espectador da obra, já

predisposto a assimilar a mensagem do filme, será impactado por uma série de

signos, projetará nos personagens um “eu” idealizado e desejará experimentar as

aventuras fantásticas. Assim, para realizar de certa forma essa aspiração, consumirá

os produtos comunicados dentro da roupagem cinematográfica, o que inclui adquirir

as mesmas marcas de roupa, o mesmo carro, viajar pelos mesmos lugares… O

desejo de dar vida ao imaginário cria uma demanda simbólica.

É preciso ter em vista que inserir marcas em filmes – principalmente

lançamentos comerciais – para explorar o potencial cinematográfico não é garantia

de retorno sem uma adequação mercadológica. É fundamental o embasamento de

estratégias de marketing, como a segmentação de público-alvo. Para Sampaio

(2000), tal prática estratégica “[...] é uma expressão dessa necessidade de atender,

de um modo mais adequado, às expectativas dos diversos tipos de público no que

se refere à satisfação de suas necessidades, interesses e desejos” (SAMPAIO,

2000. p.139). É essencial que a mensagem publicitária esteja adequada a obra em

que se insere, bem como ao público para o qual se dirige, pois maximiza a eficácia

do processo comunicacional –com seu dispendioso custo, o cinema não deve ser o

único canal de comunicação entre empresa e cliente, mas sim parte de um mix que

objetiva “[...] possibilitar que cada tipo de público seja alcançado da forma mais

adequada, mas também que os mesmos indivíduos sejam atingidos de maneiras

diferentes em momentos diferentes [...]” (COUTINHO; KALLÁS, 2005. p. 99). Dentro

do marketing, o cinema é visto como um meio para fomentar o relacionamento entre

a marca e o consumidor, não para promover vendas diretas. Seu objetivo principal,

quando se atrela a Sétima Arte, é criar uma experiência positiva junto ao público,

influenciando futuras decisões de compra.

Fica evidente que os filmes são complexos sistemas semiológicos, compostos

por signos que se relacionam entre si e com elementos exteriores à obra. Quando a

marca é inserida na obra, deixa de ser marca em si para se tornar um signo

semiológico que emolda a realidade. Assim, adquire uma carga simbólica que

resulta na imagem idealizada – gerada, em grande parte, pelo contexto da trama e

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demais signos relacionados –, que será decodificada segundo as concepções

culturais do público e, só então, desperta o desejo para o consumo.

Se todas as técnicas de marketing, que serão tratadas no capítulo a seguir,

forem bem empregadas e a comunicação publicitária conseguir se transfigurar em

signo cinematográfico, seu potencial para impactar e fidelizar clientes é altíssimo.

5 PUBLICIDADE

Segundo algumas linhas teóricas, a evolução da comunicação publicitária –

desde os reclames editoriais até o atual mosaico de ferramentas e meios para

impactar o público – a transformou em parte do folclore contemporâneo da

modernidade. Entendendo que a publicidade lida com uma série de signos

imateriais, vendendo, em seu discurso, mais bens intangíveis, neste trabalho abordo

o conceito de publicidade amorosa.

Pautada por uma ética da relação, a comunicação publicitária amorosa –

termo não empregado no sentido de amor romântico, mas sim na definição ética

proposta por Maturana (1998), de reconhecimento do outro como legítimo outro na

relação –, busca envolver o consumidor, fazendo com que ele acredite e confie na

mensagem como parte dele mesmo. “Para isso, claro, os produtores da

comunicação publicitária precisam também investir no reconhecimento do outro

como legítimo outro na convivência. E reconhecê-lo, na sua dimensão ética”

(BAPTISTA, 2004. p. 7).

A publicidade amorosa lida com imaginários, idealizações. Assim, não vê o

consumidor como alvo a ser atingido e manipulado, mas como sujeito a ser

conquistado, envolvido “[...] em seus próprios afetos, gerando a trama de laços de

confiança [...] de intensidades afetivas, que contém o sujeito nas suas inseguranças

existenciais e, também, nos casos dos processos [...] informacionais” (BAPTISTA,

2004. p. 7-8). O respeito mútuo é fundamental para uma comunicação eficaz, e não

há comunicação sem essa disposição de compreender o lugar do outro, e seu

universo simbólico.

É importante perceber a publicidade de tal forma quando se analisa seu

discurso inserido no cinema. Tendo em vista que o público afetivado pela publicidade

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neste meio quer, antes de qualquer coisa, apreciar a obra, é importante que o

anúncio também faça parte do universo simbólico do filme e tenha o cuidado ao

transmitir a mensagem. Assim, conquistará o coração do cliente conforme sua

adequação ao cinema, portanto seu discurso deve ser envolvente. Segundo Baptista

(2004. p. 7):

[...] o que produz comunicação no anúncio publicitário, por exemplo, não é seu título, o jogo de cores, a relação claro-escuro, os personagens e ou o ambiente representado. Não é uma coisa ou outra, mas tudo somado, alinhado cuidadosamente para o acionamento de planos de intensidades afetivas.

Tendo como base este conceito, discorrerei no capítulo a seguir sobre o papel

que a comunicação publicitária ocupa na sociedade cultural contemporânea,

principalmente após o Século XX. Também abordarei o conceito de imagem na

publicidade, os códigos que compõem essa comunicação e a relação entre

publicidade e destinos turísticos.

5.1 PUBLICIDADE E SOCIEDADE CULTURAL

Em meados do Século XX, desde que sofisticou sua linguagem para alcançar

o público-alvo de forma mais eficaz – utilizando a persuasão ao invés da descrição

técnica de produtos –, a comunicação publicitária passou a ser ponto central

integrante da sociedade cultural e o elemento indispensável para o sustento da

estrutura da comunicação de massa.

Com o advento de uma economia baseada no consumo de bens (que foi mais

verificada a partir do Século XIX e, principalmente, Século XX), houve um fenômeno

da fabricação e mercantilização de bens culturais nunca antes ocorrido. “É a

primeira vez que se rompe a unidade criadora de cultura e estética por causa de

uma divisão industrial do trabalho” (BRANT, 2005. p.61).

Ao mesmo tempo em que o capitalismo vai se interessando pelo potencial de

comercialização de bens culturais, começa a implementar ações a fim de criar uma

cultura nova, própria, que abnegue da distinção entre arte e produto para criar

demanda. Em decorrência da formação de grupos econômicos “[...] interessados na

exploração das atividades culturais e o formidável crescimento do mercado de bens

de consumo ocorrido nas primeiras décadas do século” (RÜDIGER, 1999. p.21),

surge o conceito de indústria cultural, desenvolvido por Theodor Adorno a partir da

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46

década de 1940. Para Costa (2002):

A indústria cultural nasce da formação dessa população subalterna e excluída que constitui um público disponível ao entretenimento de baixo custo [...]. É para eles que se organiza a produção industrial e mecanizada simbólica, e é nessa cultura proletária que os empresários encontrarão as receitas de sucesso para uma produção cultural seriada, abrangente, comunicativa e capaz de ser consumida de forma prazerosa e divertida. (COSTA, 2002. p. 4041)

Com a expansão de produtos que popularizavam formas de artes antes

restritas a uma elite letrada, foi se consolidando uma cultura de massa a serviço dos

interesses econômicos vigentes. "Assim, a indústria cultural, os meios de

comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno da

industrialização" (COELHO, 1980. p. 6).

Rüdiger (1999) salienta que este movimento já vinha sendo gestado há muito

tempo, desde a Revolução Industrial, no Século XVIII, com o advento dos jornais e

veículos de imprensa – primeiros meios a explorar tal mercado de bens simbólicos

como uma indústria organizada. Porém, foram às modificações ocorridas

principalmente no Século XX que conferiram à estrutura monopolista os princípios

de administração que permitiram às empresas “[...] assumirem o caráter de

corporações e controlar o mercado cultural” (RÜDIGER, 1999. p.24).

O caráter mercantil dos bens culturais gerou uma dicotomia, uma vez que

permitiu aos artistas e intelectuais “libertarem-se” de autoridades políticas e

religiosas, ao terem condições de viver por conta de sua atividade, mas acarretou a

necessidade de que tais atividades artísticas gerem lucro, aprisionando a

criatividade aos padrões e gostos vigentes pelo grande público consumidor. “A

publicidade é o principal motor desse processo, na medida em que tanto lhe serve

de estímulo como fornece as técnicas com as quais a indústria da cultura se

apresenta à sociedade” (RÜDIGER, 1999. p.21).

Assim o capitalismo, usando de todas as ferramentas tecnológicas que

dispunha, buscou converter a cultura em mercadoria. Na década de 1950, as

grandes empresas atinaram para o fato de que, controlando a programação,

poderiam gerar receitas maiores. Desta forma, as mercadorias continuaram cada

vez mais sendo inseridas na programação, “[...] evidenciando a interpenetração do

conteúdo dos anunciantes com o dos programas” (RÜDIGER, 1999. p.21). Segundo

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o autor, o mercado passa, paralelamente, a gerar e usufruir dos valores culturais da

sociedade, convertendo-os em comunicação publicitária.

Segundo Morin (1967), a cultura de massa constitui um repertório próprio de

símbolos e imagens. “Ela se acrescenta à cultura nacional, à cultura humanista, à

cultura religiosa, e entra em concorrência com estas culturas” (MORIN, 1967, p.17).

Neste contexto, a publicidade utiliza, principalmente, da vida idealizada apontada por

Morin, valendo-se de estereótipos já sancionados pelo público para comunicar e

vender não apenas produtos, mas experiências, sentimentos.

No mundo mágico da publicidade e do consumo, somos sempre juvenis; como na máquina do tempo, não envelhecemos e existimos sem dores numa terra sem males. Não estamos loucos nem vivemos fantasias infantis, mas somos receptores de mensagens de animais que dançam, produtos falantes, humanos perfeitos. Mundo do brinquedo nada ingênuo da narrativa midiática no qual contrastamos os planos da razão e do ritual, da lógica domesticada e da mitologia selvagem, confundindo fantasia lá dentro e realidade aqui fora. (ROCHA, 1995. p.12)

Fica evidente que a publicidade assumiu, principalmente ao longo do último

Século, um papel muito mais importante para a sociedade do que de simples

ferramenta comercial para fomentar o desejo ou a necessidade por determinados

bens e serviços. Segundo Breton e Proulx (2002), a comunicação publicitária “[...] é

um produto de ordem sociocultural, uma parte do folclore contemporâneo da

modernidade, uma faceta dessa „cultura mosaico‟ que povoa o imaginário do homem

moderno [...]” (BRETON; PROULX. 2002. p.110). A comunicação publicitária mantém

uma relação simbiótica com a sociedade em que está inserida, sendo ao mesmo

tempo reflexo e matriz de significado desta sociedade. Autores como Breton e Proulx

(2002. p.110) afirmam que “[...] ela exerce uma ação cultural sobre a sociedade, ao

mesmo tempo em que a sociedade estabelece limites culturais para a expressão do

discurso publicitário”.

Ao fazer uma leitura crítica da narrativa e de peças publicitárias, Machado

(2011) aponta três modelos teóricos distintos que visam analisar seu papel nos

meios de comunicação de massa: o primeiro vê a publicidade como uma ferramenta

de consolidação da sociedade de consumo líquido-moderna – valendo-se do

conceito defendido por Bauman (2008) –, em que “[...] as subjetividades são

negociadas enquanto mercadoria, incentivando a cultura da instabilidade dos

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desejos e a insaciabilidade das necessidades” (MACHADO, 2011. p.45). Nesta

lógica, não há espaço para o crescimento de outras formas de sociedade além

daquela fortemente atrelada à prática consumista.

O segundo modelo apontado por Machado (2011) utiliza da antropologia

social para analisar o consumo como campo de mediação cultural. “A publicidade

para a antropologia do consumo pode ser vista como um meio de revelar os sentidos

que se movem na cultura” (MACHADO, 2011. p.46), sendo uma expressão da

combinação entre novas tecnologias e antigas formas de organização social,

acarretando uma nova mentalidade.

A terceira linha teórica sinalizada trata das motivações históricas para se

pensar a publicidade. “Se o maior capital cultural do discurso publicitário é a

metáfora do sonho e da magia [...], as bases das sociedades de consumo se fundam

sob a lógica cultural de valorização do hedonismo” (MACHADO, 2011. p.47). A

publicidade, então, se expressa como fenômeno dessa tradição.

Todas essas linhas de análise não são isoladas umas das outras. Pelo

contrário, relacionam-se e afetam-se mutuamente. Segundo Retondar (2007. p.

106):

No interior deste contexto, que alguns definem como a forma por excelência de um discurso pós-moderno, a publicidade mundial desfila seu repertório de micronarrativas que vão sendo formadas principalmente pela dimensão do audiovisual e pela crescente autonomia das imagens como forma privilegiada do discurso da sociedade de consumo mundializada.

5.2 PUBLICIDADE E COMUNICAÇÃO DE MASSA

Toda a construção mítica em torno da publicidade tem sentido em uma

sociedade onde o uso das coisas, por mais utilitárias que sejam, acontece dentro da

esfera simbólica da cultura. Neste universo cultural criado pelo capitalismo, cabe aos

agentes de comunicação atarefa de legitimar os valores, ideologias, verdades e

mentiras vigentes (RETONDAR, 2007). O palco para tal fenômeno são os meios de

comunicação de massa, que ocupam lugar central na sociedade contemporânea.

Esse palco não é estável, mas sim cenário de constantes conflitos. Afinal, como

afirma Gastaldo (2002), “[...] como a sociedade na qual se insere, a mídia também é,

ela mesma, em cada emissora, agência ou redação, um vasto campo de lutas”

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(GASTALDO, 2002. p.42).

Rocha (2012) analisa a publicidade como elemento indispensável de sustento

da estrutura da comunicação de massa – o custo de acesso à informação seria

muito mais elevado sem os anunciantes, logo, a publicidade é a condição necessária

para a existência da mídia como um todo. O autor afirma que “[...] estudar o

consumo e a narrativa publicitária e midiática é um caminho para conhecer nossa

cultura moderno-contemporânea” (ROCHA, 2012. p.11).

Sendo a publicidade peça fundamental para o sustento da estrutura do

sistema vigente, ela também institui identidades para diferentes grupos sociais,

produzindo e promovendo, na mídia, estilos de vida. “A mídia reforça o poder do

mercado sobre a identidade, mesmo que ela própria produza as mesmas

identidades que situam as pessoas como consumidores” (GASTALDO, 2002. p. 44).

Neste contexto, não apenas os conteúdos difundidos, mas os próprios públicos

tornam-se mercadorias de um contexto comercial despersonalizado e massificado.

A comunicação publicitária, dentro da comunicação de massa, não é um

exercício de poder, mas sim de persuasão. Tal característica deve permear a própria

mensagem. Portanto, segundo Rocha (1995), se a publicidade busca “persuadir e

manipular um consumidor “externo”, deve fazê-lo, em primeiro lugar, persuadindo e

manipulando os personagens que estão vivendo no plano “interno” aos anúncios”.

(ROCHA, 1995. p.188). É fundamental que os personagens mostrem-se totalmente

convencidos da eficiência do produto anunciado, para que o público se identifique e

espelhe o comportamento sugerido. Assim, “[...] na sociedade dentro da

Comunicação de Massa ninguém é obrigado a nada, embora todos possam

convencer qualquer outro de alguma necessidade absoluta” (ROCHA, 1995. p.190).

O consumo torna-se, dentro deste complexo de comunicação midiático, uma

ferramenta de gerir valores e posicionar, tanto grupos quanto objetos, dentro de uma

hierarquia social criada por ele mesmo. “A publicidade articula e correlaciona um

sistema de diferenças e, no mesmo gesto, a complementariedade entre o mundo da

produção e o mundo do consumo” (ROCHA, 1995. p.154). O autor complementa

afirmando que:

A publicidade – enquanto narrativa do consumo – estabelece uma cumplicidade entre a esfera da produção e da serialidade, impessoalidade e sequencialidade e a esfera do consumo com sua emotividade, significação e humanidade. Assim, fazendo, permite a

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tradução pura e simples entre produtos (anti-humanos) e atores sociais (fortemente humanizados) Eles tem reciprocamente um sistema de diferenças e alianças. (ROCHA, 1995. p. 154)

É importante perceber ainda que, dentro da comunicação de massa, os

anúncios apresentam uma temporalidade particular, eternizada, totêmica – segundo

Rocha (1995), “[...] o tempo totêmico, diferentemente da nossa concepção histórica,

não enfatiza a mudança e nem a linearidade, mas, inversamente, faz sua aposta na

permanência e na eternidade” (ROCHA, 1995. p. 152-153). A passagem de tempo

fica suspensa em favor da cristalização de uma perfeição simbólica e atemporal da

mensagem no imaginário coletivo. Assim, “[...] a lógica da publicidade é

complementar, estabelecendo a reciprocidade e a aliança entre valores permanentes

e produtos transitórios” (ROCHA, 1995. p. 164).

5.3 IMAGENS E SIGNOS PUBLICITÁRIOS

A imagem publicitária tem o objetivo de vender algo, seja um produto, um

serviço, uma personalidade... Logo, é feita para o outro, tendo como ponto central

não o emissor, mas o destinatário (METZ, et al., 1974). Nesse contexto, buscando

persuadir o comportamento do consumidor, a retórica é um elemento indispensável

no fazer publicitário, e não está restrita ao domínio da linguagem. Para autores como

Georges Péninou, a imagem publicitária é, na maioria das vezes, destituída de uma

essência poética, mas continua sendo comunicação referencial, assumindo uma

função poética, uma vez que seus signos precisam causar um efeito no público.

“Privada de seu vetor mais operante, uma publicidade sem imagem hoje não

é mais representativa do gênero como o foi numa certa época; além do mais ela

conhece sua sensação: [...] arrefecimento da receptividade” (PÉNINOU et al., 1974.

p.62). Tendo em vista a importância da imagem para a publicidade, a abordagem

semiológica é uma importante ferramenta para entender sua comunicação que,

ainda que espelhe a cultura em que está inserida, a resignifica de uma forma

própria. Jhaly (1995) afirma que o significado das mensagens comerciais é, antes,

criado pelo público, do que presente na mensagem – abstrata por natureza – dirigida

o público. Tal fenômeno de constituição de significado na imagem publicitária,

segundo o autor, acontece através da transferência de significado de um signo para

o outro. Na estrutura do anúncio, o público faz interpretações e estabelece relações

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abstratas entre o que é mostrado objetivamente e seu valor simbólico. Assim, se

uma atriz aparece com seus cabelos perfeitos vendendo um condicionador, por

exemplo, sua personalidade midiática é transferida para o produto, agregando o

sucesso, beleza e talento da garota-propaganda como elementos oferecidos (ainda

que metaforicamente) pelo produto. Como afirma Rocha (1995), além das

necessidades práticas, as necessidades abstratas de carinho, amor, afeto, entre

outras, também são resolvidas na publicidade. Os anúncios estão impregnados

desses significados, não veiculados diretamente, que, ao invés de manipularem o

público, necessitam dele para captá-los e decodificá-los. “Instrumento de uma

vontade mais que de um conhecimento, a imagem publicitária considera

necessariamente o objetivo por detrás do objeto” (PÉNINOU et al., 1974. p. 63). Ao

mesmo tempo, a imagem publicitária necessita que o público tenha um

conhecimento dos sistemas de referências utilizado para que esse significado maior

seja efetivo – dentro do exemplo utilizado, se o indivíduo não souber que a garota-

propaganda é uma atriz famosa, alguns elementos subjetivos transferidos dela para

o produto, tal como o sucesso e o talento, perderão seu valor. Jhaly afirma que “[...]

na publicidade, [...] o significado depende do modo como os signos se organizam

internamente no anúncio e da relação deste com os sistemas de crença que lhe são

exteriores” (JHALY, 1995. p. 190). A construção de significado se dá, igualmente, de

forma denotativa e conotativa, tanto pelo que a figura é quanto pelo que ela

representa. Como afirma Péninou (1974), em seu ensaio “Física e Metafísica da

imagem Publicitária”:

As únicas mensagens realmente ontológicas da publicidade são aquelas em que o produto figura, único, arquetípico – arquetípico porque único – proclamando a eminência de sua perfeição na própria evidência de sua existência. [...] É preciso ainda que, em sua solidão, o objeto chegue a exprimir apenas sua essência: se ele dá pretexto à narração, ainda que como atrativo, seu estatuto muda,

fundamentalmente. (PÉNINOU et al., 1974. p. 76-77)

A imagem publicitária vê-se submetida a pressões múltiplas, uma vez que

precisa se destacar em relação ao discurso dos concorrentes, construir uma matriz

de signos implícitos para conquistar o público e desempenhar o papel de agente

econômico. Há uma constante cobrança de rendimento e eficácia dos signos

emitidos, levando, devido à forte concorrência, a uma neutralização das imagens em

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relação umas as outras. “A instituição publicitária é um sistema de comunicação

fundado numa exploração sistemática e interessada da imagem que toma lugar,

enquanto tal, entre os dispositivos tecnológicos da troca econômica.” (PÉNINOU et

al., 1974. p. 63). Traçando um esquema lógico para entender o contexto em que

está inserida a imagem publicitária, Péninou (1974) afirma que ela se desdobra num

espaço referencial, utilizando sua função poética e conotativa para equilibrar “[...]

mais próximo ao destinatário ou [...] ao referente segundo uma ou outra das grandes

missões a que se destina: epifania (significar uma aparição no mercado); predicativa

(exaltar um valor), constatativa (dar conta de uma existência)” (PÉNINOU et al.,

1974. p. 68).Na mesma obra, Marin (1974) estabelece em seu ensaio “A descrição

da imagem: a propósito de uma paisagem de Poussin” que o cenário da narrativa –

seja de um filme ou de um anúncio – também é elemento significante que deve ser

analisado para a total decodificação da mensagem que a imagem buscou transmitir.

Antes, é necessário distinguir entre os dois espaços da cena, “[...] uma que é o solo,

o “locus standi et representandi” da ação humana, a outra que é o seu meio, de que

o homem é excluído, pois ela é puro cenário” (MARIN et al., 1974. p.91). Ambos os

espaços podem interferir-se mutuamente, mas constroem a oposição “natureza

versus ação humana”, “cenário versus cena” (MARIN et al., 1974) que são

retratados no seguinte esquema (figura 4):

Assim, a cena seria o intermediário entre a ação e a paisagem, conferindo a

ambas o mesmo peso e importância. Tal fenômeno é importante na perspectiva de

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pesquisa deste trabalho, uma vez que serão analisados os lugares, destinos

turísticos em potencial, presentes em obras. Fica evidente que, seguindo as

metodologias de análise de cenas, a análise da paisagem também será realizada e

estará completa. É preciso ainda, antes de partir para as análises propriamente

ditas, abordar a questão turística segundo o viés que está sendo utilizado.

6 REFLEXÕES SOBRE TURISMO E COMUNICAÇÃO

Neste item apresentarei alguns aspectos da relação entre turismo e

comunicação. Entende-se que a discussão é ampla e complexa, até mesmo porque

os dois objetos são multifacetados e transdisciplinares. Nesse sentido, não se tem a

pretensão de esgotar o assunto, muito antes pelo contrário. São abordados alguns

sinalizadores, para compor o cenário em que se está trabalhando, de discussão

privilegiada da comunicação publicitária, que narra, que apresenta o lugar, através

do dispositivo cinematográfico.

6.1 INTERFACE ENTRE TURISMO E COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA

Desde a Antiguidade, viajar foi um interesse constante da humanidade.

Segundo Paiva (1995), os motivos variavam de acordo com o período histórico,

sendo os principais: o intercâmbio comercial entre povos, a ocupação e exploração

de novas terras, peregrinação religiosa, interesses políticos de manter relações e

estabelecer entendimentos, viagens desportivas, entre outros. Assim como a

indústria cultural, o setor turístico passou por transformações drásticas com a

Revolução Industrial, em decorrência das inovações tecnológicas e avanços “[...] nas

comunicações, bem como as técnicas mercadológicas que permitiram o

aperfeiçoamento do setor turístico e toda a entourage que o cerca do ponto de vista

econômico” (PAIVA, 1995. p. 18). Segundo Rose (2002), a movimentação turística

adquiriu uma nova dimensão em meados do Século XIX, com o desenvolvimento

das ferrovias. Assim, as viagens tornaram-se mais rápidas, e os custos

demandados, mais baixos. “Nessa época, por volta de 1841, Thomas Koch

inaugurou a primeira empresa comercial para a comercialização de produtos

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turísticos – agência de viagens, na Inglaterra” (ROSE, 2002. p. 6).

Trigo (1998) afirma que tal consolidação do setor foi mais enfática após o fim

da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Foi exatamente a partir desses anos que o lazer e o turismo de massa florescem, levando milhões de pessoas a se divertir e a viajar pelos países centrais do capitalismo e pela periferia exótica, pelos lugares remotos e inexplorados que estavam sendo rapidamente abertos aos olhos ansiosos por aventura, novidades e ângulos diferentes para deitar os olhos ou reproduzir fotos e filmes. (TRIGO,1998. p.83)

O período do pós-guerra, marcado por uma transformação de hegemonia

política global e intensa transformação tecnológica e social, acarretou mudanças

tanto no perfil do turista, quanto na própria concepção de espaço geográfico. “O

lazer e o turismo [...] contribuíram para essa [...] percepção, permeados por

tecnologias que “reduziram” o tamanho do planeta, graças aos novos meios de

transporte e à mídia, que reconfigurou os estereótipos culturais” (TRIGO, 1998. p.

36). Com a consolidação do setor, principalmente após a década de 1950, os

pacotes turísticos passaram ser vendidos em grande escala. No trabalho de

conclusão de curso intitulado “Turismo cinematográfico: um novo segmento para o

desenvolvimento turístico”, Kivea Sarmento Hayata (2009) afirma que esse período

marca o inicio do turismo contemporâneo, com grande aumento no fluxo de viagens,

acarretadas, entre outros fatores, pela evolução meios de transporte e

desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação de massa. “Os mass media

embalam o movimento excitando suas virtudes. E os grupos culturais aprendem a

domar o olhar do visitante incorporando seus mundos simbólicos à rota” (GASTAL;

CASTROGIOVANNI, 2003. p.19). Segundo a visão dos autores, isso gerou novas

abordagens e táticas ao setor turístico, que não pôde mais depender apenas do

desejo natural das pessoas em visitarem lugares.

Trigo (1998) aponta que, a partir da década de 1980, outro conjunto de

alterações estruturais acarretou uma nova configuração no setor turístico. “A

condição pós-moderna induz a um estilo de vida marcado pelo conforto e pelo bem-

estar. A alta tecnologia e o poderio econômico dos países desenvolvidos

possibilitaram investimentos por grandes projetos nas áreas de lazer e turismo [...]”

(TRIGO, 1998. p.65). Assim, as novas tecnologias e as mudanças no mundo da

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mídia, dos espetáculos e das artes, acarretaram transformações também em outros

setores, como o turismo. Trigo (1998. p. 65) afirma ainda que “[...] viajar tornou-se

mais fácil, até mesmo um hábito, uma prática social ou profissional comum ou

mesmo uma necessidade para vários segmentos sociais (esportistas, empresários,

religiosos, políticos, acadêmicos [...]”.

A base teórica demonstra a relação entre o setor turístico e a comunicação

publicitária. O significado abstrato das viagens se transformou ao longo do Século

XX, deixando de originar-se no campo das motivações pessoais, para surgir a partir

de uma imagem mercadológica. “[...] o marketing turístico insere-se na ideologia

capitalista [...], criando necessidades nos prováveis consumidores dos pacotes

turísticos [...] e premiando esses consumidores com os símbolos prevalecentes na

sociedade [...]”. (PAIVA, 1995. p. 21). É preciso criar a demanda pretendida, de

uma forma massificada, usando para isso os meios à disposição, como jornais,

rádios, televisão e cinema. Paiva (1995. p. 18) afirma que “[...] o processo produtivo

de turismo é essencialmente comercial, envolvendo a mercantilização de produtos

na maioria das vezes não-tangíveis, iniciando-se onde residem os viajantes em

potencial até um destino final”.

Como frisado, rotas e destinos são criados, não apenas por curiosidade

histórica ou antropológica, mas sim por demanda midiática, pela publicidade.

“Transitamos, sim, por uma infinidade de espaços criados, os chamados não-

lugares, mas o que nos mobiliza, nos anima, nos manipula e nos move a

determinados consumos?” (GASTAL; CASTROGIOVANNI, 2003. p. 26). Na

comunicação publicitária pode estar a resposta, uma vez que ela visa persuadir o

público consumidor a “comprar” determinada localidade, gerando expectativas sobre

as potencialidades do lugar. Para Rose (2002) qualquer forma de contato que gere

no público uma preconcepção sobre o lugar de destino é considerado imagem

mercadológica turística (pode ocorrer de a imagem ser negativa, contudo, ainda

assim, é imagem). Mais do que atrativos naturais, elementos que compõem o

“produto turístico” também são levados em consideração na criação dessa imagem,

responsável por difundir os fatores de atratividade do lugar. Ainda sobre o assunto,

Rose (2002. p. 45) complementa que “O produto turístico de qualquer destinação

turística é constituído pelo conjunto de bens e serviços colocados no mercado para a

satisfação das necessidades turísticas”.

Gastal (2003) afirma que a informação massificada nos veículos de

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comunicação – entre os quais o cinema se inclui – logo se aliou à publicidade para

criar o desejo e a necessidade de consumo no público. Nessa relação, entram tanto

os desejos materiais (não basta ter, é preciso ter o melhor), quanto culturais. “Se

consumismos por desejo e por necessidade, significa que consumimos não só

produtos, mas também imaginários, idealizações [...]” (GASTAL, 2003. p.56). Ainda

segundo a autora, viajar agregou status ao imaginário contemporâneo. Os produtos

turísticos tornaram-se bens que a sociedade busca usufruir. “Trabalhar no turismo

significa alimentar, reforçar ou renovar imaginários, para além de propostas de

marketing”. (GASTAL, 2003. p.57).

O setor turístico precisa ainda, além de organizar espaços físicos, produtos e

serviços, aprender a conduzir o olhar o turista que, seja pelo cinema ou outros

meios, já possui uma „imagem romântica‟ do destino. “[…] não estamos falando da

realidade concreta, mas da realidade dos imaginários” (GASTAL, 2003. p.59). Nesse

contexto, o cinema é um forte meio para a publicidade turística, uma vez que,

diferente de outros meios de comunicação de massa, tais como televisão e rádio, os

filmes continuam impactando espectadores, mesmo décadas depois de seus

lançamentos.

6.2 TURISMO CINEMATOGRÁFICO

Uma tendência que vem ganhando força no setor turístico é ao chamado

turismo cinematográfico, “[...] definido como visitas turísticas a um determinado local

ou destino, como resultado desse local ou destino ter aparecido na televisão, no

cinema ou em vídeos” (DIAS, 2010. p. 8).

Segundo Francisco Dias, doutor em Ciência do Turismo pela Universidade de

Pergignan, em seu artigo “A promoção de destinos turísticos através do cinema: a

via mais eficaz”, presente na publicação da 1ª Conferência internacional sobre

Cinema e Turismo, a imagem do local é valorizada comercialmente quando inserida

nas chamadas indústrias criativas. Para entender o potencial conjunto entre filmes e

turismo, o autor aponta ainda alguns pontos de convergência entre as duas áreas.

Tanto o cinema quanto o turismo dependem do suporte de um complexo sistema

empresarial – investimentos, mão de obra especializada, políticas públicas, entre

outros – e interagem com outros setores da economia, como entretenimento, o setor

hoteleiro, gastronômico, comunicações, etc. “Além disso, quer o cinema quer o

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turismo são consumidores de conteúdos similares: a paisagem, a natureza, o valor

artístico das tradições, os costumes e folclore nacionais, apostando no lado humano

e cultural dos povos” (DIAS, 2010. p. 9). Ambos estão, também, interligados no

mundo globalizado, valendo-se do intercâmbio de produções. Assim, criam uma

sinergia intangível, exportando para o mundo os valores culturais e históricos dos

locais das filmagens. Valores estes que afirmam a imagem do país e motivam um

trânsito turístico.

Muitos locais utilizados na produção de filmes acabam por influenciar o telespectador, de forma consciente ou não, induzindo-o a incorporar no seu imaginário pessoal os cenários onde se desenvolveram os seus enredos favoritos. Por conseguinte, o cinema funciona como um reforço de poderosos símbolos que podem influenciar, individual ou coletivamente, a escolha de destinos turísticos. (DIAS, 2010. p.10)

As vantagens da sinergia entre cinema e turismo vão além da demanda

criada com a obra em si. Os bastidores se beneficiam dessa ligação. Assim,

seguindo essa tendência, o Ministério do Turismo lançou, em 2007, uma cartilha

intitulada “Turismo Cinematográfico Brasileiro”, com o objetivo de incentivar o

potencial do país em explorar estrategicamente os benefícios da disseminação de

destinos turísticos através do cinema. “O grande benefício dessa associação é o

intangível alcance que sua região terá, para sempre, a cada vez que sua história for

contada nas salas de cinema, na televisão, pelos DVDs, na internet etc.” (Ministério

do Turismo, 2007. p. 5). O setor audiovisual é visto como um diferencial estratégico

para destinos não tão conhecidos do público em geral. Isso gera benefícios para a

cadeia produtiva da localidade em que a obra é feita, impactando diretamente em

serviços como hospedagem, gastronomia, infra-estrutura.

Para atrair o interesse de produções cinematográficas, o Ministério do

Turismo elenca alguns elementos que a região precisa oferecer: clima propício;

variedade de locações – urbanas, naturais, quanto mais opções, maior a

possibilidade de atender a demanda da produção; diversidade étnica, para “[...]

compor personagens e figurantes, é sempre bom contar com opções de pessoas

com diferente visual. O Brasil se encaixa bem nessa frequente demanda, com uma

população de etnias bem variadas” (Ministério do Turismo, 2007. p. 8); localizações

estratégicas com infraestrutura – aeroportos, hospitais, acessos rodoviários –

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facilitando o deslocamento da produção; segurança – é importante que a localidade

forneça subsídios para assegurar tanto a integridade física quanto a privacidade da

equipe de filmagem; parque de produções com equipe bilíngue; incentivos fiscais e

cambiais – a taxa de câmbio é um fator determinante para a viabilidade da produção

na hora de escolher o local da filmagem; sistema alfandegário simplificado;

burocracia ágil; acordos de cooperação internacional; portfólio de produções e

profissionais.

Outro elemento importante é a cultura da região. “Muitas vezes, a cultura

regional constitui-se num grande diferencial que agrega valor a uma produção e traz

o verdadeiro e genuíno sabor a uma história” (Ministério do Turismo, 2007.p. 11).

Sendo assim, a variedade cultural brasileira é um potencial atrativo para produções

cinematográficas. Isso fica evidente na obra analisada na presente pesquisa, “O

Quatrilho”. O potencial dos aspectos regionais e culturais da área de imigração

italiana na serra gaúcha foi explorado de forma eficaz pela produção da obra,

criando uma imagem mercadológica da região como potencial destino turístico,

como é evidenciado a partir da etapa seguinte de análise do filme.

7 ANÁLISES DA OBRA

O levantamento teórico forneceu a base necessária para iniciar a etapa de

análises. Ficou claro que qualquer elemento que compõe a obra cinematográfica é

signo imagético, empregado com a finalidade de comunicar algo. Os locais – e a

forma como são retratados – presentes em filmes constituem-se, pela natureza do

próprio cinema, como ferramentas para criar uma imagem mercadológica do destino

turístico em potencial.

A demanda em conhecer novas localidades, cada vez mais, é fomentada pela

mídia e pela publicidade. Assim, valendo-se do cinema como ferramenta

comunicacional com potencial para atingir um grande público, o setor turístico –

especificamente o nacional – soube usufruir desta interface publicidade/ cinema/

turismo.

Para averiguar tal fenômeno de simbiose, esta etapa de investigação analisou

a obra “O Quatrilho”, de Fábio Barreto (1995). Na ideia inicial, seriam abordados dois

filmes. Durante o processo de escolha, ficou decidido que o segundo seria “Deus é

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brasileiro”, de Cacá Diegues (2003), com o viés da interação dos personagens nas

belas praias nordestinas. Durante a análise em si, entretanto, constatou-se que,

aprofundando olhar na obra “O Quatrilho”, haveria uma base de dados sólida,

segundo um imperativo categórico19. A opção para tal escolha tem base em três

pontos: primeiro, a obra retrata os aspectos serra gaúcha, região geográfica e

cultural na qual estou inserido enquanto pesquisador. Assim, questões subjetivas

são percebidas em um nível maior de profundidade. Segundo, porque o filme

ganhou repercussão internacional ao ser indicado ao Oscar de Melhor Filme

Estrangeiro, em 1996 20. Assim, seu potencial de criar uma imagem mercadológica e

promover o turismo, apresentando uma região pouco conhecida do país a um

grande público, é maior. Por último, o motivo que levou a escolha de análise da obra

em detrimento da “Deus é brasileiro”, é justamente o fato de que a imagem turística

que o filme cria de uma região do Brasil – no caso, o Rio Grande do Sul – difere

daquela geralmente atrelada ao senso comum quando se pensa em paisagem

turística brasileira, com praias paradisíacas.

A técnica de análise proposta por Baptista (2014) durante a construção

metodológica da pesquisa, teve base no referencial de Comparato (1995) sobre

elementos e roteiro, e de Flick (2009), que propõe ao pesquisador “sentir” o filme,

anotando impressões e padrões de significado visíveis, e escolher cenas­chave para

realizar a coleta de material. Enquanto o primeiro passo visa uma explanação mais

geral, o desmonte busca levantar com mais detalhes alguns aspectos da trama,

indispensáveis para a compreensão total da obra. Embasada pelas informações que

a fragmentação do roteiro forneceu, a análise de cenas­chave é fundamental para

responder à questão norteadora, “como produzir comunicação publicitária amorosa

de destinos turísticos através do cinema”.

Foram estabelecidos três eixos de análise, fundamentais para a construção

de uma imagem mercadológica com potencial turístico no cinema. O primeiro eixo

diz respeito aos aspectos culturais do povo; o segundo eixo volta-se para as

paisagens naturais que a obra apresenta; o terceiro busca uma construção de

aspectos urbanos retratados (em locações reais). Através da junção destes três

19

Conceitos central na filosofia de Immanuel Kant, que consiste na máxima: “Aja apenas se as suas

ações puderem se transformar em lei universal”. No caso, faço uma construção metafórica com o termo, uma vez que o resultado das análises de uma obra podem se aplicar a outras. 20

O longa foi indicado, mas perdeu para a produção belga “A excêntrica família de Antônia"

(Antonia‟s Line), de Marleen Gorris (1995).

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pontos – que permeiam toda a trama –, foi verificado se houve ou não a criação

simbólica de uma imagem publicitária do lugar, enquanto destino turístico em

potencial.

7.1 “O QUATRILHO”: PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Logo em seus momentos iniciais, antes mesmo no título surgir em tela, a trilha

sonora – „mérica mérica’21, orquestrada por Jaques Morelenbaun – sugere o a obra

de Fábio Barreto (1995) seguirá ao longo de suas quase duas horas de projeção.

Baseado no romance homônimo de José Clemente Pozenato (1985), o filme

acompanha a história de dois casais de imigrantes italianos no Rio Grande do Sul,

entre as décadas de 1910 a 1930. O quarteto se une para prosperar nos negócios,

mas acaba vivendo uma proibida história de amor. A locações das filmagens incluem

os municípios de Caxias do Sul, Antônio Prado, Carlos Barbosa, Farroupilha,

Garibalde, Bento Gonçalvez e o sub-distrito de Ana Rech.

Os personagens, desde o primeiro momento, expressam em suas

vestimentas, sotaque e comportamento, características típicas dos imigrantes

italianos. O belo cenário rural é um elemento indispensável, que combina

perfeitamente para construção dos personagens. De pastos verdes a cachoeiras –

com as montanhas da serra gaúcha ao fundo – toda a construção inicial, que se

estende ao longo da obra, não economiza em utilizar a força das locações.

Apesar de recém-casados, Ângelo Gardone (Alexandre Paternost) e Teresa

(Patrícia Pillar) mostram problemas em sua relação – que será o mote para a trama.

Logo a seguir o público é apresentado à Mássimo Boschini (Bruno Campos) e

Pierina (Glória Pires). O segundo casal também apresenta sinais de estar com o

casamento um tanto estremecido. Ainda no começo, é interessante observar

práticas típicas do povo da região, como a jogatina de cartas dos homens,

acompanhada de pão e vinho, enquanto as mulheres, por sua vez, bordam rendas.

Os objetos de cena, desde os pratos e talheres até os figurinos, são perfeitamente

ambientados na época em que a história se passa. Tal detalhamento, tanto da

composição de cena quanto do maneirismo dos personagens, é um dos motivos

pelo qual o filme recebeu uma merecida indicação ao Oscar de melhor filme

21

Canção dos imigrantes italianos (domínio público).

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estrangeiro. Não demora a surgir uma tensão amorosa entre Mássimo e Teresa,

enquanto Ângelo busca terras para comprar, perto do município de Caxias do Sul.

Dadas às condições desfavoráveis da negociata, a alternativa de Ângelo é propor

sociedade ao amigo Mássimo para cultivarem a terra e construírem um moinho, o

que leva as duas famílias a morarem juntas.

A passagem de tempo é sugerida de forma sutil. Em uma cena os

personagens acabaram de casar, logo em seguida Teresa está grávida e, parecendo

haver se passado apenas poucos dias, o filho já nasceu. Isso ilustra uma dificuldade

em determinar o tempo cronológico decorrido ao longo da trama. Posteriormente, as

crianças já aparecem com três ou quatro anos, dando mais uma pista da passagem

de tempo.

O grande casarão em que as famílias vão morar nas novas terras merece ser

mencionado, pois é de uma beleza arquitetônica italiana típica das construções do

inicio do Século passado na região. Os personagens da vizinhança, apresentados

na venda, também são construídos com o sotaque e comportamento típico – até

mesmo o “anarquista” Iscariot (Pedro Parenti), que brada contra o comerciante

Sichopa (Arcângelo Zorzi), o “capitalista” da vila.

À medida que a história avança, fica mais evidente o desejo mútuo e proibido

entre Mássimo e Teresa, que começa a ser percebido por outros personagens, como

Iscariot. Em paralelo, começam a surgir divergências morais entre os amigos. É

interessante observar que Tereza (mais sentimental e ansiando por viver um amor) e

Pierina (mais racional, conformada com seu papel na sociedade), diante do conflito

que se instaura, concordam com o marido uma da outra. A divergência de pontos de

vista entre elas logo é mais explorada.

Ângelo prospera nos negócios, chegando a ser convidado a fazer parte da

diretoria da igreja da comunidade. O distanciamento dos amigos ínsita, cada vez

mais, o romance proibido de Tereza e Mássimo, que logo é consumado. O casal,

levando Roza – filha de Tereza e Ângelo – decide partir do vilarejo de São José para

viver seu amor. Após um acesso de fúria ao descobrir a traição, no qual Ângelo

destrói um móvel feito por Mássimo, resta a ele e Pierina a resignação pelo

abandono. Com o passar do tempo, a melancolia do casal começa a transformar-se

em um sentimento romântico, ainda que impregnado de culpa. Pierina engravida de

Ângelo, e eles passam a viver como um casal, fato que é visto com abominação pela

sociedade conservadora da época, representada pela figura de Padre Gentile (Cecil

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Thiré).

A oposição ferrenha a esta união força Ângelo, pelas circunstâncias, a mudar

o viés de seus negócios e, posteriormente, vender suas terras. Assim, na década de

1930, o casal – em bom estado financeiro – está morando na cidade de Caxias do

Sul, e Ângelo é dono de um banco. Através de uma troca de correspondências, a

obra conclui deixando claro ao espectador que não há mais ressentimentos entre as

famílias.

7.2 DESMONTAGEM DO ROTEIRO

Para realizar uma análise de cenas que evidenciam o potencial do cinema

como dispositivo publicitário de destinos turísticos, é preciso, antes, desmontar a

estrutura da trama como um todo. Para essa tarefa, usarei a metodologia proposta

Baptista (2014), com base em Comparato (1995), que fragmenta o roteiro em seis

etapas. Como afirma o autor, “[...] por ele vamos segui-las, analisá-las, e utilizá-las a

fim de obter uma metodologia que consideramos mínima e indispensável [...]”

(COMPARATO, 1995. p.28).

7.2.1 Primeira etapa: Ideia

Para Comparato (1995), o primeiro ponto a ser considerado para uma análise

complexa e aprofundada do roteiro é a ideia abstrata acerca da obra, bem como os

mecanismos mentais empregados para transformá-la em um produto tangível. O

autor recorre à teoria psicanalítica de Sigmund Freud para entender o fenômeno

psíquico da criação. Para Freud, a fantasia seria uma resposta do inconsciente

diante de uma insatisfação da realidade, criando outra na qual as necessidades

seriam supridas. “Assim, o jogo do artista baseia-se na maneira de utilizar a fantasia,

o delírio: com tinta, palavras ou mármore. O resultado é a obra de arte”

(COMPARATO, 1995. p. 76).

Quando se trata de roteiro de uma obra audiovisual, entretanto, o artista

precisa não apenas recorrer a suas sensações e imaginação, mas também se

preocupar com o público que irá “consumir” a obra. Assim, Comparato apresenta

algumas capacidades básicas a quem busca inspiração para uma obra, como a

concentração, a inspiração, a memória, o talento e a autoconfiança.

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Para construir o primeiro passo em um roteiro de cinema, Comparato

classifica seis campos de fomentação de ideias. O primeiro é a ideia selecionada.

Advinda de uma memória mais intima e pessoal do escritor (aqui tratado, escritor de

roteiro de cinema). “Tem um caráter absolutamente pessoal, surge de dentro dos

nossos pensamentos, do nosso passado recente ou remoto” (COMPARATO, 1995.

p.81). A segunda é a ideia verbalizada. Surge de relatos, comentários, enfim, de

fragmentos de histórias contadas ou percebidas pelo autor. O terceiro diz respeito à

ideia lida. São as histórias em potencial encontrada na leitura de jornais, revistas,

folhetos... “[...] o roteirista profissional lê com atenção as notícias de revistas e

jornais, presta atenção aos telejornais e programas informativos para engordar

provisoriamente os seus fichários [...]” (COMPARATO, 1995. p.82). O quarto campo

para a concepção de ideias novas é chamado de ideias transformadas. São aquelas

que nascem de uma obra de ficção que já existe – seja um filme, livro, peça teatral,

entre outros. Não se trata de plágio, cópia literal de outra obra, mas sim de reutilizar

a mesma ideia de outra maneira. Comparato afirma que “[...] a transformação é a

manipulação das ideias, dos temas e dos tópicos, a variação dos mitos, é o sistema

mais especificamente clássico da criação literária” (COMPARATO, 1995. p.83). O

quinto campo é o das ideias propostas. São aquelas encomendadas ao roteirista por

um produtor ou estúdio. É um desafio ao roteirista, uma vez que ele precisa se

adaptar à personagens e situação que são alheias a si mesmo. O sexto e último

campo para a obtenção de inspiração na criação artística é o das ideias procuradas.

“Uma ideia procurada é a que encontramos por meio de um estudo feito para se

saber qual é o tipo de filme que o mercado quer” (COMPARATO, 1995. p.85).

No filme “o Quatrilho” (1995), a premissa básica do roteiro nasceu na esfera

das ideias transformadas. A obra é baseada no livro homônimo do escritor gaúcho

José Clemente Pozenato, que apresenta a trama dentro de um contexto histórico da

imigração italiana – bem como seus costumes, crenças, cultura – na região colonial

de Caxias do Sul, no início do Século XX.

Logo, é possível perceber um paralelo com as outras formas de concepção de

ideias levantadas por Comparato. Ainda que Fábio Barreto tenha nascido no Rio de

Janeiro, o autor Pozenato – um dos roteiristas do longa –, tem laços fortes com os

imigrantes italianos. Assim, a ideia selecionada, originária de uma memória mais

intima e pessoal do escritor, pode ser percebida durante o decorrer da história (uma

vez que o autor tem ligação com a história da imigração italiana). A ideia

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verbalizada, que surge de relatos e comentários, também representa uma fonte em

potencial, uma vez que o povo é construído com uma pluralidade e riqueza orgânica.

Com a reconstrução fiel da cultura da época – abrangendo assessórios e utensílios

utilizados – as ideias obtidas em leituras e pesquisa bibliográfica também exerceram

influência para a construção da trama.

7.2.2 Segunda etapa: Conflito

O conflito é o cerne da história, impulsionando o desdobramento dos três

momentos da narrativa: alguma coisa acontece, algo deve ser feito diante disso e

alguma coisa concretamente é feita – ataque, complicação e clímax, segundo o

modelo apresentado por Maciel (2003) e abordado anteriormente). “Conflito designa

a confrontação entre forças e personagens através da qual a ação se organiza e se

vai desenvolvendo até o final. [...] Sem conflito, sem ação, não existe drama”

(COMPARATO, 1995. p.97).

Comparato frisa que o conflito do personagem deve ser crucial também para

o espectador, que comunga de uma cumplicidade dos sentimentos com o

personagem. “Se o conflito é crucial para o personagem, também o será para o

espectador; da mesma forma que, se a situação é sensual ou amorosa, também

deve sê-lo para o público” (COMPARATO, 1995. p. 149).

No filme, o conflito se estabelece de maneiras diferentes, através da interação

dos personagens e de divergências em suas motivações. O grande conflito da trama

está na relação amorosa que se estabelece entre Teresa e Mássimo e,

posteriormente, entre Ângelo e Pierina. A primeira parte da história destaca o

romance proibido, evidenciando ao público que os casais combinariam

perfeitamente se trocassem de par. Assim, a obra conquista a cumplicidade do

espectador, que releva o caráter adultero da relação por perceber que é o melhor

para os personagens. Após Mássimo e Teresa fugirem – para Porto Alegre e, depois,

São Paulo –, o conflito muda o foco, ainda que o romance continue no cerne da

história. O conflito moral dá lugar ao social, quando a comunidade repudia o

envolvimento de Ângelo e Pierina.

7.2.3 Terceira etapa: Personagem

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Mais do que definir quem são os personagens da trama, esta etapa

desenvolve suas motivações, o que os fazem se mover desde o conflito inicial até o

objeto final. Comparato (1995) elenca uma hierarquia dentro da trama, com três

posições principais para personagens. O protagonista ocupa o nível mais alto e é,

por conseguinte, o personagem mais trabalhado e desenvolvido pelo roteiro. A

seguir vem o ator secundário ou coadjuvante, que acompanha o protagonista em

sua jornada. Por último, o componente dramático, elemento não trabalhado em

profundidade pelo roteiro, que existe para levar o núcleo central a fazer algo.

Cada personagem, quando bem construído, terá características próprias que

definirão seu aspecto social e psicológico. Entre elas, Comparato menciona a

maneira de falar, o nome e o nível de realidade que incorpora. Através do primeiro

se pode definir o local em que a história se passa – conforme o sotaque –, o nível

social ao qual o personagem pertence – sua fala pode ser prolixa ou popular –, e a

função que ocupa na trama – certos maneirismos na fala revelam se o personagem

é central ou alívio cômico. O nome do personagem também contribui para essa

construção, sendo uma espécie de rótulo que o define. Por fim, a densidade humana

será baliza para sua complexidade. Quanto mais real parecer, contendo as virtudes

e vícios humanos – em seus atos conscientes e inconscientes –, mais o público se

identificará com ele.

Uma personagem tem de possuir todos os valores que se consideram universais (morais, éticos, religiosos, afetivos, políticos, etc.), e também os chamados pessoais, que apenas têm significado naquela personagem específica (obsessão pelo trabalho, mania de ordem, etc.). (COMPARATO, 1995. p. 128)

No filme “O Quatrilho” todas as características de construção de personagem

são reveladas. Há quatro personagens principais, ainda que alterem a posição de

protagonistas e coadjuvantes – assim como as cartas trocam de posição no jogo do

quatrilho, metáfora usada durante o filme. Na primeira parte do filme, Mássimo e

Teresa são os personagens principais da trama, centralizando a ação principal. Ele,

sujeito letrado, que já havia viajado por outros países, como a Argentina. Tereza,

jovem que ansiava por viver uma história de amor. Após a partida destes, Ângelo e

Pierina assumem o protagonismo do longa. Ângelo é alguém mais preocupado em

buscar uma estabilidade financeira do que desenvolver afetos.

É possível perceber, ainda, as outras características de composição de

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personagem tratadas por Comparato. Os nomes tipicamente italianos, tanto dos

personagens principais quanto dos coadjuvantes – Cosimo, Padre Gentile, Sichopa,

entre outros –, bem como o sotaque carregado nas falas, revela que tem

descendências italianas, simplórios em sua natureza.

O aspecto psicológico é bem construído, apresentando personagens

humanos em essência, que realizam ações moralmente questionáveis em busca da

felicidade e do amor. O conservadorismo da época também é retratado no caráter

psicológico dos personagens

7.2.4 Quarta etapa: Ação dramática

A ação dramática corresponde à estrutura da trama. Segundo Comparato

(1995, p. 163), “A estrutura é a fragmentação da história em momentos dramáticos,

em situações dramáticas que mais adiante se irão converter em cenas. Esta

fragmentação [...] segue uma ordem consequente com as necessidades

dramáticas”.

Tal etapa condiz com a organização do enredo em cenas encadeadas entre

si, de modo a contar a história da melhor forma. Essa organização obedece ao

modelo de curva dramática trabalhado por Maciel (2003), em que a ação inicial

começa em repouso e equilíbrio, se intensifica em conflito até atingir um clímax e, na

conclusão, volta a um estado de equilíbrio, mas em um patamar mais alto do que

antes em matéria de desenvolvimento de personagens.

No filme “O Quatrilho”, a sequência de ação dramática se inicia com o

casamento de Ângelo e Teresa. Quando o público é apresentado aos personagens e

seu contexto, já se insinuando um interesse de Mássimo pela esposa do amigo, e

uma incompatibilidade entre o casal. Com a sociedade entre os homens na compra

de terras, a trama evolui para o segundo ato. Os dois casais passam a morar juntos

e o sentimento entre Mássimo e Teresa aumenta em intensidade até ser consumada

a traição. A trama atinge o topo da curva dramática quando os amantes decidem

partir, deixando Ângelo e Pierina a mercê dos comentários da cidade. Conforme a

relação entre eles passa a ser afetiva, a sociedade os julga e os condena

moralmente, culminando na decisão do casal de se mudar para Caxias do Sul.

Solucionado o problema, o equilíbrio se instaura novamente, mas os

personagens encontram-se em um patamar evolutivo (em desenvolvimento

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psicológico) maior que o inicial – as novas famílias constituídas estão felizes, não

havendo mais ressentimento entre ambas as partes.

7.2.5 Quinta etapa: Tempo dramático

Cada ação dramática, que decorre durante um período de tempo, consiste no

tempo dramático. Tal noção abrange tanto o „tempo parcial‟ – aquilo que acontece

dentro da cena –, quanto o „tempo total‟ – a soma de toda a passagem temporal da

obra. O tempo dramático parcial não é análogo ao tamanho da cena, mas sim

guiado pelo ritmo da obra. “Cada cena, cada fragmento da nossa estrutura possui

um tempo interior, próprio, durante o qual os acontecimentos ocorrem. Esse lapso de

tempo não é real; no entanto, dá-nos a sensação de ser” (COMPARATO, 1995.

p.228). O tempo dramático das cenas está ligado ao diálogo e às indicações que o

roteiro propõe. Isto ajuda a caracterizar os personagens e definir o plot22 da história.

A passagem de tempo é um elemento importante para a trama de “O

Quatrilho”. Ainda que sugerida por elementos biológicos, tais como o crescimento

das crianças, e breves diálogos – “esse é o terceiro natal nosso aqui em São

Josepe”, afirma Ângelo, durante um almoço, revelando uma pista do tempo

cronológico transcorrido –, a noção de que anos se passaram evidencia que os

personagens não foram levianos em seu comportamento.

7.2.6 Sexta etapa: Unidade dramática

A última das seis etapas que, segundo Comparato, compõe o esqueleto da

obra, diz respeito à unidade dramática. Nesta etapa entram, além dos elementos já

levantados anteriormente, os movimentos de câmera utilizados para contar a

história. “A câmera penetra neste terreno com todos os seus recursos [...];

proporciona-nos a experiência do subconsciente visual, da mesma forma que a

psicanálise o faz do subconsciente ou do inconsciente coletivo”. (COMPARATO,

1995. p.313)

Os planos podem ser classificados de três formas: o primeiro plano, que põe

em evidência o detalhe, “Amplia a expressão do intérprete e, consequentemente,

22

Parte central da ação dramática, “[...] onde todas as personagens estão interligadas por problemas, conflitos, intrigas...temas” (COMPARATO ,1995. p.176)

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68

aumenta a intensidade do momento” (COMPARATO, 1999. p.314); o plano médio,

que corta a figura pela cintura (ou plano americano, que corna na altura do joelho),

intermediário que sugere, ao mesmo tempo, aproximação e mobilidade; e o plano

geral, que dá ênfase ao ambiente, utilizado “[...] para mostrar um grande ambiente e

para identificar o lugar onde a ação irá ocorrer, geralmente no começo de uma cena,

para situar o público” (COMPARATO, 1995. p.314-315).

O autor aponta também que o movimento de câmera é importante para uma

análise mais aprofundada. Entre as principais, ele cita o travelling, quando a câmera

acompanha o movimento do personagem; a tomada panorâmica, quando é

apresentado ao público uma visão geral do ambiente; o corte, transposição de uma

cena para outra, entre outras variações possíveis de movimento e enquadramento,

abordadas por autores como Gerbase (2012).

Os planos e sequências são empregados na obra “O Quatrilho” de forma

poética, com cenas panorâmicas que enquadram as belezas da região. O potencial

das locações é explorado com tomadas dos grandes casarões, das montanhas, da

mercearia em sua reconstrução perfeita da época... A diferença dramática entre o

cenário real é percebida.

7.4 MICROANÁLISE ESTRUTURADA DE CENAS-CHAVE

Prosseguindo com a análise, a etapa seguinte consiste em escolher cenas

isoladas e analisar todos os argumentos levantados – composição de cena,

personagens, diálogos... –, permitindo ao pesquisador chegar a uma unidade de

significado comunicacional. O que se pretende descobrir na análise destas

passagens é a forma como o filme constrói uma imagem turística e cultural da

região. “O Quatrilho” (1995), o apelo da obra – fato que se pretende averiguar

através das análises subsequentes – não está unicamente nos belos cenários que o

turista pode conhecer, mas sim a cultura retratada em suas diversas demonstrações

(linguagem, arquitetura, atividades econômicas, entre outros) que ele terá contato.

Para executar tal análise, foram escolhidas três sequências de relevante importância

para a trama. A descrição dos planos na Decupagem das imagens seguirá o modelo

abordado por Gerbase (2012) no levantamento teórico.

Quadro 1 – Aspectos culturais

(continua)

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Decupagem da cena (00:17:22 – 00:18:26)

Enquadramento 1:

Primeiro Plano: A personagem tia Gema (Elaine

Braghirolli) e outra mulher conversam e bordam. Elas

vestem roupas sóbrias, a mais velha possui um lenço

como acessório.

Movimento de câmera: a câmera permanece estática.

Decupagem do áudio: Som ambiente.

Diálogo:

Tia: “Teresa, então o Agostinho e a Dosolina se casam no mesmo dia?”.

Enquadramento 2:

Plano Médio: A tomada seguinte mostra a sala em um

ângulo mais aberto, deixando margem para o cenário,

com cinco homens jogando cartas (Ângelo no centro).

Eles vestem roupas tipicamente italianas. Um deles,

primeiro à esquerda, está fumando um cigarro de palha.

Uma criança, localizada à direita do personagem

principal, acompanha o jogo dos adultos, sem participar.

Ao fundo é possível ver as mulheres bordando. A

princípio os jogadores são enquadrados de quatro

formas na tomada: frontal (em relação a Ângelo), lateral

(nas figuras dos jogadores 1 e 2, da esquerda para a

direita), nuca (jogador 3) e perfil (jogador 4).

(continuação)

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Movimento de câmera: No começo a câmera é

estática. Após, apresenta um movimento panorâmico

horizontal invertido, da esquerda para a direita,

acompanhando a personagem Tereza – que vem servir

os jogadores.

Decupagem do áudio: Som ambiente, ruídos dos jogadores.

Diálogo:

Teresa [respondendo a pergunta da tia]: “Aceitaram de nariz turcido a decisão do Ângelo.

Má ele tem razão, se tem que gastar, gasta de uma vez só.”

Teresa [servindo os jogadores]: “Querem fregolá? Tem também batata doce”.

Tia [em dialeto talian23]: “Prima le batate, dopo o fregolá”

Jogador: “Quando é que vão servi esse vinho, é? Longe do fogo precisa alguma coisa

pra se esquentá”.

Enquadramento 3:

Primeiro Plano: A sequência inicia com as cartas

utilizadas no jogo do quatrilho – baralho espanhol. A

seguir, mostra o personagem Ângelo concentrado no

jogo. É possível ver de relance as mulheres ao fundo

Movimento de câmera: Panorâmica vertical, partindo

das cartas na mesa ao jogador.

Primeiro Plano: Cinco copos de alumínio são colocados

sobre a mesa, onde se desenrola a partida. É possível

perceber candeeiros com velas acessas sob a mesa.

23

Dialeto falado pelos imigrantes italianos, proveniente da mistura da língua italiana com a língua portuguesa.

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71

(continuação)

Meio Primeiro Plano: A montagem da sequência

apresenta alguns cortes rápidos. A seguir, os jogadores

3 e 4 são enquadrados em meio primeiro plano – da

cintura para cima.

Primeiro Plano: Ângelo analisa suas cartas enquanto

fuma um cigarro. Joga as cartas, que são enquadradas

da mesma forma.

Movimento de câmera: A câmera permanece estática,

e seu movimento pode ser percebido pelos cortes

dinâmicos da cena em questão.

Decupagem do áudio:

Diálogos:

Teresa: “pronto, vinho de verdade. Só não repara nas canecas”.

Jogador 2: “Cada dia mais bonita essa menina, é?”

Jogador 3: “Má o Ângelo sempre escolheu as melhor parceria, é? Má tá ganhando todas.

Má é o rei do quatrilho”.

Enquadramento 4:

Plano Médio: Teresa surge em cena com um garrafão

de vinho. Serve a bebida para o marido e para os

outros jogadores.

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72

(continuação)

Meio primeiro plano: Em outro enquadramento, a

personagem continua sua tarefa. Pode-se perceber que

Ângelo – cuja figura está parcialmente fora da cena –

está sério, concentrado no jogo.

Primeiro Plano: Ângelo observa a esposa, com uma

expressão séria de repreensão. Ao fundo da cena, duas

mulheres continuam sua tarefa de bordar. Teresa,

enquadrada de perfil também em primeiro plano,

observa o que está posto do lado esquerdo, ainda que

fora de quadro.

Movimento de câmera: Novamente a câmera

permanece estática, usando da montagem de quadros

para criar a dinâmica entre os personagens.

Plano Médio: Sentados no canto da sala, Mássimo e

Agostinho esperam sua vez para entrar no jogo.

Decupagem do áudio: Som ambiente, sem trilha.

Diálogos:

Jogador 2: “Bela, bela essa menina, é?”

Teresa: “Cuidado com o Ângelo, ele pode não gostar. Vá, se serve”.

Risadas, Jogador 3: “Ângelo...”

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73

(conclusão)

Enquadramento 5:

Plano Médio: Ângelo troca de lugar com no jogo,

sentando-se com Mássimo. O cenário permanece com

a reconstrução da época,

Movimento de câmera: Travelling horizontal. A câmera

acompanha o personagem, partindo da mesa, até o

banco em que ele senta.

Decupagem do áudio: Ruídos inelegíveis de diálogo, som ambiente.

Fonte: YouTube.

A análise da sequência evidencia a construção de uma imagem cultural dos

imigrantes, presente na obra. O jogo do quatrilho – praticado com o tradicional

baralho espanhol, como é próprio do povo descendente de italianos na região da

serra gaúcha – é uma metáfora para a situação que o filme apresenta. A cada

rodada os jogadores trocam de par, assim como os dois casais ao longo da trama. É

interessante como o personagem Ângelo é descrito como “o rei do quatrilho”, uma

vez que ele viveria situação semelhante. O figurino, diálogos e, até mesmo, gostos

culinários dos personagens são elementos que compõe essa imagem simbólica da

região sul. Com sotaque carregado e frases no dialeto talian, a sequência constrói

no imaginário do público uma imagem dos habitantes da região, bem como uma

noção de seus costumes.

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Quadro 2 – Aspectos naturais

(continua)

Decupagem da cena (00:56:17 – 00:57:42)

Enquadramento 1:

Plano Detalhe: A cena começa focando o detalhe do

vestido de Teresa, de cor laranja, pela mata.

Plano Médio: Em um ângulo maior, é possível

observar o casal andando, a certa distância um do

outro – com Teresa à frente –, pela mata alta. Ambos

usam roupas típicas da época – ele, um colete,

camisa branca e uma gravata. As figuras humanas

ainda ocupam um espaço grande na tela, embora a

natureza domine o quadro. A iluminação é clara,

havendo pouca sombra das árvores.

Plano Geral: No terceiro corte da tomada, o casal

praticamente desaparece em meio à natureza.

Movimento de câmera: Travelling horizontal. A

imagem, assim como os personagens, desloca-se da

direita para a esquerda.

Decupagem do áudio: Som ambiente – pássaros cantando, insetos –. Melodia

instrumental harmoniosa.

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75

(continuação)

Enquadramento 2:

Meio Primeiro Plano: Os personagens chegam ao

lugar de destino. É possível observar a exuberância

da natureza, com uma sinuosa cachoeira ao fundo.

Primeiro Plano: A troca de olhares entre o casal é

construída em primeiro plano, deixando a mata como

moldura.

Primeiríssimo Plano: O movimento final de câmera

deixa o personagem Mássimo em primeiríssimo

plano, enquadrado dos ombros para cima.

Movimento de câmera: Travelling horizontal,

acompanhando o deslocamento dos personagens.

Panorâmica horizontal, dando destaque a Mássimo,

que segue o caminho de Teresa.

Decupagem do áudio: Som ambiente – pássaros cantando, insetos. Evolução

instrumental da melodia. Percebe-se claramente o som de uma harpa.

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(conclusão)

Enquadramento 3:

Plano geral: O casal segue por uma paisagem

natural. Ao fundo, é possível visualizar um grande

paredão de pedra. Conforme os personagens se

deslocam – e, com eles, a câmera –, surge em cena

uma queda d‟água.

Plano Americano: Encobertos pelo véu de água, o

casal se aproxima e, enfim, se beija. Ambos são

enquadrados na altura do joelho. A natureza ganha

destaque considerável durante a construção desta

sequência, com uma das fotografias mais

deslumbrantes do longa. Vemos a silhueta do casal

se beijando. No fundo de cena, a água da cachoeira,

o verde da vegetação nas montanhas e o céu nublado

compõe a construção do cenário de amor do casal.

Meio Primeiro Plano: A imagem aproxima a silhueta

do casal.

Movimento de câmera: Travelling horizontal,

acompanhando o deslocamento dos personagens, da

direita para a esquerda. Assim que chegam detrás da

água, a câmera permanece estática, seu movimento

pode ser percebido pelos cortes da cena em questão.

Decupagem do áudio: Som ambiente. Melodia instrumental.

Fonte: YouTube.

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A análise desta cena, uma das mais importantes do longa – o momento em

que o casal Mássimo e Teresa se entregam pela primeira vez a seu amor proibido –,

buscou evidenciar a paisagem natural presente na obra. Sua gravação aconteceu na

cascata do Salto Ventoso, cachoeira com 25 metros de altura que fica a 16

quilômetros do centro do município de Farroupilha (linha Muller). A beleza do cenário

torna-se signo cinematográfico dentro da construção da trama, afinal os

personagens precisaram “se esconder” atrás do véu de água para darem vasão ao

sentimento que nutriam.

Vale lembrar que, de acordo com o referencial teórico levantado, qualquer

detalhe – desde objetos a enquadramentos –, quando transformado em signo, passa

a comunicar algo. A paisagem, ilustrada com esta cena, mas presente em todo o

longa, é um elemento importante dentro da poética que o filme constrói. É também,

por consequência, um dispositivo de comunicação publicitário da região da serra

gaúcha, aproveitando-se das belezas naturais e dos sentimentos atrelados pela

obra. Segundo a reportagem da CNT sobre o filme e sua indicação ao Oscar,

realizada em 1996 – pouco antes da cerimônia de premiação –, o número de turistas

na região dobrou após a produção. “Eu não conhecia, o filme me trouxe até aqui”,

afirma uma turista para o repórter Marcos Tosi.

Quadro 3 – Aspectos urbanos

(continua)

Decupagem da cena (01:44:58 – 01:48:26)

Enquadramento 1:

Plano Médio: A cena inicia com um carro antigo

andando pela rua de paralelepípedo. A legenda situa

o espectador que se trata de Caxias do Sul, em 1930.

Percebe-se pessoas na rua, trajando vestimentas de

época.

Movimento de câmera: Travelling. A imagem

desloca-se da esquerda para a direita,

acompanhando o automóvel.

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(continuação)

Decupagem do áudio: Som ambiente, barulho do carro. Trilha instrumental do tema

'mérica mérica'.

Enquadramento 2:

Plano Americano: Os personagens Ângelo e Sichopa

(visivelmente mais velhos), saem de um prédio.

Ângelo está usando um belo terno, e apoiado em uma

bengala, enquanto o amigo, também vestindo roupas

sofisticadas, lê um panfleto. Ambos são

cumprimentados pelas transeuntes da sequência

anterior.

Plano Geral: foco na a exuberante construção de

esquina. É possível observar os personagens

dialogando, um carro antigo e dois cavaleiros.

Plano Americano: Ângelo segue o motorista

uniformizado, enquanto fuma um cigarro. Espera o

motorista abrir a porta e entra no veículo. Em

segundo plano Sichopa conversa com as mulheres.

Movimento de câmera: Travelling horizontal,

acompanhando o deslocamento dos personagens.

Travelling horizontal invertido, acompanhando Ângelo

até ele entrar no carro.

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(continuação)

Decupagem do áudio: Trilha instrumental do tema 'mérica mérica'. Som ambiente.

Diálogo:

Mulher: “Seu Gardone, buon giorno, como estás?”.

Ângelo: “Buon giorno”.

Enquadramento 3:

Plano Médio: Pierina anda pelo jardim de uma

deslumbrante mansão, lendo uma carta. O

espectador descobre que a carta é de Teresa pela

narração em off.

Movimento de câmera: Panorâmica horizontal. A

câmera acompanha, de um ponto fixo, o

deslocamento de Pierina.

Plano Detalhe: Fotografia da família Boschini,

detalhes das mãos de Teresa.

Movimento de câmera: Zoom-in: No momento em

que olha a fotografia que retrata Mássimo, Teresa e

quatro filhos (três rapazes, de pé, trajando ternos

iguais, e uma moça sentada à direita dos pais, de

vestido e chapéu), existe uma sutil aproximação da

imagem.

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(continuação)

Decupagem do áudio: Trilha instrumental do tema 'mérica mérica'. Som ambiente.

Diálogo:

Teresa [em off, narrando o conteúdo da carta]: “Cara Pierina, tomei a liberdade de te

enviar esta fotografia da família Boschini. Sei que foi grande o mau que causamos a ti e

ao Ângelo, mas espero que compreenda que, as vezes, a vida nos obriga a escolhas

terríveis. Tu podes queimá-la se algum ódio ainda morrar em teu coração, mas se o

tempo te tiver trazido serenidade e paz, peço que me envie uma fotografia da família

Gardone, como prova do teu perdão. Da tua amiga, Teresa Boschini”.

Enquadramento 4:

Primeiro Médio: Ângelo pode ser visto na janela

dianteira do carro clássico que embarcou antes. Está

fumando um cigarro, enquanto o motorista guia o

veículo.

Plano Conjunto: O veículo, agora enquadrado de

forma mais geral, passa pela rua da cidade. Pessoas

estão passando, entre elas um menino de bicicleta.

No prédio ao fundo, há uma placa dizendo “Banco

Gardoni”, dando a entender que Ângelo prosperou em

seus negócios.

Plano Geral: O automóvel sobe uma estrada e chega

ao jardim da mansão, onde se encontram algumas

pessoas.

Movimento de câmera: Travelling horizontal,

acompanhando o deslocamento do carro.

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(continuação)

Meio Primeiro Plano: Uma das filhas ajuda Ângelo a

sair do carro.

Plano Geral: A família segue para o gramado aonde

um fotógrafo (o próprio José Clemente Pozenato,

autor do livro que inspirou o filme) prepara seu

equipamento.

Primeiro plano: Entre as pessoas no jardim, está o

padre Gentile, evidenciando que a oposição da

sociedade à união do casal já foi superada.

Plano Geral / Meio Primeiro plano: A sequência final,

com as fotografias das duas famílias, começa em

plano geral. Todas as pessoas são retratadas – 11 na

família Gardone, 6 na família Boschini –, e a câmera

vai se aproximando até focar nos quatro personagens

principais da trama.

Movimento de câmera: Zoom-in: Quando ambas as

famílias posam para as fotografias, a imagem vai se

aproximando.

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(conclusão)

Decupagem do áudio: Trilha instrumental do tema 'mérica mérica'. Som ambiente,

barulho do veículo.

A partir da cena em que a família posa para o retrato, passa a tocar “A voz amada”, de

Caetano Veloso.

Diálogo:

Pierina [em off, narrando a carta]: “Teresa, tu disseste muito bem: Não foi pequeno o mal

que me foi causado. Não posso, como tu, te chamar amiga, pois isso não seria verdadeiro.

Mas ao ver a pequena Roza transformada em moça tão linda, concluímos, o Ângelo e eu,

que não temos no coração sentimento nenhum ruim por vocês. Segue assim a fotografia

da família, como prova do nosso perdão. Atenciosamente: Pierina Gardone”.

Fonte: YouTube.

Todas as cenas do filme foram gravadas em municípios da serra gaúcha. Na

análise do desfecho do longa, as imagens representavam a Caxias do Sul em

meados da década de 1930, mas foram filmadas em Antônio Prado, cidade

reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como

Patrimônio Histórico nacional por possuir o mais importante e completo acervo de

arquitetura urbana em madeira e alvenaria da imigração italiana no Brasil, 48

construções centenárias que retratam um pouco da história da imigração italiana na

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região (CIC Antônio Prado - RS).

É possível observar que a imagem do lugar foi retratada com fidelidade na

obra, criando, através desta cena, um retrato da rotina de uma cidade interiorana da

serra gaúcha. Ainda que o nome da cidade não seja mencionado no longo, sua

exibição acarretou uma imagem turística e mercadológica do lugar, como

demonstram o seguinte fragmento de matéria do CIC Antônio Prado – RS:

Antônio Prado, por ter mantido um acervo arquitetônico tombado pelo patrimônio histórico, na época da realização do filme “O

Quatrilho”, cedeu sua imagem para representar a então Caxias do Sul de antigamente. Contou-se com a participação de muitas pessoas da própria cidade para a formação do elenco como figurantes. A cidade então foi preparada para as filmagens; foi preciso apenas colocação de terra nas ruas e a retirada dos postes elétricos para ficar totalmente parecido com o cenário da época. Após “O Quatrilho”, Antônio Prado realmente ficou conhecido nacionalmente.

Esse reconhecimento demonstra que, também, enquanto exibia o aspecto

arquitetônico da região, a obra acarretava uma simbiose entre cinema em

publicidade. Ao assistir o filme, o público foi impactado pela perfeita construção de

uma bucólica cidadezinha do Século passado, de estupenda beleza arquitetônica e

fortemente arraigada na tradição do povo. Assim, tal imagem – reforçada durante

todo o longa, bem como os aspectos culturais e naturais anteriormente

representados pelas respectivas cenas analisadas – tornou-se por excelência um

meio de afetivação publicitário da região.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da pesquisa, busquei a construção de uma unidade teórica lógica

e coesa, que permitisse perceber como produzir comunicação publicitária amorosa

de destinos turísticos através do cinema. Desde o início, ficou claro que produções

cinematográficas e a comunicação publicitária mantém entre si uma forte relação,

chegando a se tornar, por vezes, um único produto híbrido, que vende um conceito

sem interferir na arte genuína. Assim, a pesquisa buscou conferir se tal fenômeno é

válido, quando se pensa em destinos turísticos, e não marcas, nas obras. Para tal

propósito, foi preciso responder a uma série de objetivos específicos de pesquisa,

que forneceram a base de conhecimento para as análises posteriores.

Ao resgatar o contexto da consolidação do cinema, uma das reflexões

propostas por este trabalho, ficou evidente que o cinema teve seu processo de

desenvolvimento atrelado a um viés comercial. A técnica de projeção de imagens em

movimento, que era vista como forma de curiosidade científica, logo se tornou um

meio artístico popular, chamando a atenção da classe burguesa. Enquanto o

potencial da linguagem cinematográfica era descoberto e explorado, a arte

cinematográfica se consolidou como uma indústria cultural. Assim, era

imprescindível uma relação com a comunicação publicitária, tanto para expandir o

público nos espetáculos, quanto para captar recursos, sendo a obra um meio de

comunicação. Esse objetivo específico, importante para a compreensão de como a

mensagem publicitária esteve, implícita ou explicitamente, atrelada a filmes, foi

alcançado através da apresentação do contexto comercial da arte cinematográfica –

que também é ferramenta ideológica que reforça a estrutura do sistema dominante

vigente.

A fim de entender o potencial conjunto que o cinema e a publicidade têm para

acionar afetos e mobilizar os sujeitos, foi preciso refletir sobre uma característica que

difere a arte cinematográfica das demais formas de expressão artísticas: a imagem

em movimento. Estudar esse tópico foi essencial para o objetivo geral da pesquisa,

pois a aparente realidade retratada nos filmes gera um “enfeitiçamento sensorial” no

público. Assim o espectador se deixa envolver pela história que, por mais que seja

uma obra de ficção, assemelha-se ao mundo real. Como principal conclusão desta

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discussão, fica claro que a mensagem atrelada à obra cinematográfica também

emolda uma realidade fática. Deste modo, seu potencial para conquistar um público

é maior, conforme o envolvimento no universo lúdico que o filme constrói.

A seguir, apresentei um sucinto panorama dos elementos que formam a

dramaturgia cinematográfica. Como se pretende demonstrar, através do

levantamento teórico e das análises, que o cinema e a publicidade mantêm uma

relação simbiótica, é indispensável conhecer a estrutura que compõem filmes. Com

a base apresentada, que abrange a lógica de divisão da narração em três atos, a

curva dramática de enredo e os planos usualmente utilizados, pode-se proceder

uma análise posterior mais qualificada.

Busquei também, como objetivo específico, discutir como acontece a

afetivação de sujeitos, a partir de elementos signos recorrentes em obras

cinematográficas. Tal etapa aconteceu através do estudo da semiologia

cinematográfica, ramo da ciência que analisa o sistema de signos presente em

filmes. Cada elemento presente na obra é, por natureza, uma unidade

comunicacional empregada para construir um sentido narrativo que, se bem

fundamentado, extrapola o próprio filme. Quando utiliza o cinema como meio de

comunicação – sem deixar de adotar uma postura mercadológica –, a publicidade

também se transfigura em signo. Estudar tal fenômeno foi importante na discussão

sobre como produzir comunicação publicitária amorosa de destinos turísticos no

cinema, do objetivo principal da pesquisa. Quando transformada em signo

cinematográfico de forma eficaz, a publicidade não é vista como discurso intrusivo

no meio. Pelo contrário, ambos se tornam o mesmo produto, acionando afetos e

mobilizando os sujeitos sem interferir com a arte genuína. Como o filme é construído

por signos, nos quais a publicidade pode se inserir, de forma natural, para dialogar

com o público junto da história, conclui-se que os cenários da trama também

representam uma possibilidade para o setor turístico. Ao apresentar um local, a obra

está também criando uma imagem simbólica do destino em potencial. Assim, o

cinema é um dispositivo que afetiva o público, ávido por viver um pouco do mundo

de sonhos, a conhecer novos lugares.

Também foi levantado, no decorrer do trabalho, o papel que a publicidade

ocupa na sociedade cultural. Com o processo de mercantilização de bens culturais,

principalmente ao longo do Século XX, a comunicação publicitária se tornou

ferramenta que reproduz e reforça os valores da sociedade. Sobre essa

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contextualização, pode-se concluir que a publicidade, diante das intensas mudanças

sociais, viu a necessidade de uma reinvenção. Assim, teve de aprimorar seu papel

de ferramenta comercial para tornar-se parte do folclore contemporâneo da

sociedade. Não basta vender produtos, é preciso vender imaginários, idealizações, o

que levou a comunicação publicitária se aproximar da linguagem fantasiosa e lúdica

do cinema.

Seguindo a construção teórica, a etapa seguinte buscou averiguar os signos

que compõem a imagem publicitária. Afinal, ao aproximar sua linguagem a um

modelo cinematográfico que usa a narrativa no lugar de descrição técnica de

produtos, a publicidade transformou o objeto anunciado em um signo imagético.

Pôde-se averiguar, através do levantamento teórico, que isso representou uma

grande mudança na forma como o público consumidor se relaciona com as marcas e

produtos. Mais do que necessidades práticas, ao utilizar signos imateriais, a

publicidade passou a vender também soluções para as necessidades abstratas de

carinho, amor, afeto, entre outras.

O mesmo aconteceu na criação de uma demanda turística. Busquei

demonstrar que a comunicação publicitária também é um meio responsável por

acionar afetos e mobilizar os sujeitos, no que tange o consumo de destinos turísticos

por parte de um público cada vez mais exigente. No contexto histórico abordado,

viajar tornou-se bem simbólico que a sociedade quer adquirir. Não se vende lugares,

mais sim imaginários, experiências. Diante desta realidade, o cinema é um meio

interessante para se criar a imagem publicitária simbólica de destinos turísticos,

como pretendi averiguar com a análise da obra “O Quatrilho”.

Tendo essa base teórica, prosseguiu-se a etapa de análises. Utilizei de uma

metodologia de análise proposta por Baptista (2014), no decorrer da construção do

projeto de pesquisa, e embasada na teoria de dois autores conceituados. Em um

primeiro momento foi realizado o desmonte de roteiro, segundo a base teórica de

Comparato (1995). Depois, a análise de cenas-chave isoladas da obra, segundo a

construção metodológica de Flick (2009).

A construção da imagem turística no local pode acontecer de duas formas,

através da exposição da paisagem no filme ou da construção de roteiro e

personagens que retratem uma cultura regional. “O Quatrilho” construiu uma

imagem simbólica através de belos cenários, e evidenciou uma cultura local, seja em

aspectos arquitetônicos, nas festividades, no modo de falar e se vestir dos

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personagens. A tradição retratada configura-se como um dispositivo que afetiva o

espectador a se deslocar e ir ao encontro da região, de seus habitantes e suas

histórias. Busquei evidenciar, com tal composição de imagem mercadológica, que o

fenômeno percebido de simbiose entre o meio e a mensagem é válido quando se

pensa em publicidade e cinema. Por usar de signos imagéticos e subjetivos, o

cinema atrela em seu discurso artístico uma oportunidade comunicacional que pode

ser explorada pela publicidade para vender produtos, conceitos, destinos turísticos.

Para o segmento turístico, a cultura retratada apresenta forte apelo ao

resignificar os lugares de forma orgânica. Pessoas interagem naturalmente com os

cenários da obra, por serem, também, parte deste cenário. Assim, a imagem turística

atrelada à obra analisada vai além da fronteira geográfica do Rio Grande do Sul. O

filme, por usar cenários reais, apresenta um Brasil que, muitas vezes, não é

“vendido” pelo setor turístico – geralmente focado na beleza de praias e da mulher

brasileira. Tanto a trama quanto a cultura da região afetivam o sujeito para conhecer

esses locais belos e históricos, aonde a tradição se mantém quase intocada. Isso

fica evidenciado nas cenas analisadas, e pode ser observado ao longo de toda a

trama.

Ao concluir a presente pesquisa, fica a certeza de que ela não encerra as

possibilidades de interação entre publicidade e cinema, mas as evidencia. A

conclusão de que a publicidade, quando presente em filmes e transformada em

signo cinematográfico, conquista o público de forma amorosa, não intrusiva, é a

derradeira conclusão da pesquisa, e também o ponto de partida para expandir a

discussão, buscar outros vieses de análise do fenômeno – sendo indispensáveis

pesquisas futuras que explorem essa relação.

Além de alcançar os resultados esperados, também houve um ganho pessoal

e acadêmico na realização da pesquisa. Com o estudo, adquiri uma bagagem

teórica mais profunda e fundamentada sobre a interface entre cinema e publicidade.

É também gratificante contribuir, ainda que de forma singela, para a compreensão

do potencial que o cinema tem, enquanto meio e enquanto linguagem, para a

publicidade. Concluo esse trabalho olhando o cinema e a publicidade com a mesma

fascinação que sempre tive, e com a certeza de que a pesquisa é um passo de um

caminho a ser percorrido. A incursão na área do Turismo ainda é apenas um

sinalizador, mas que também foi importante para perceber o potencial da noção de

desterritorialização, que trabalhamos no Amorcomtur. De certa forma, eu mesmo vivi

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processos desse tipo, para ampliar a noção de publicidade, de comunicação

publicitária, e reconsiderar o cinema, em sua associação com a publicidade.

Ao subirem os créditos – ou as referências bibliográficas, como quiserem –

não surgirá a palavra “fim” na tela, mas sim reticências. Uma cena pós-crédito que

diz: “Continua...”. Já há outras „viagens investigativas‟ em vista...

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ANEXOS ANEXO A: CAPA DO FILME

Fonte: Filmow.

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ANEXO B: SINOPSE Rio Grande do Sul, 1910. Em uma comunidade rural composta por imigrantes

italianos, dois casais muito amigos se unem para poder sobreviver e decidem morar

na mesma casa. Mas o tempo faz com que a esposa (Patricia Pillar) de um

(Alexandre Paternost) se interesse pelo marido (Bruno Campos) da outra (Glória

Pires), sendo correspondida. Após algum tempo, os dois amantes decidem fugir e

recomeçar outra vida, deixando para trás seus parceiros, que viverão uma

experiência dramática e constrangedora, mas nem por isto desprovida de romance.

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ANEXO C – FICHA TÉCNICA

O Quatrilho

Título ....................................................................................... O Quatrilho Ano da produção ............................................................................... 1995 Direção ................................................................................ Fábio Barreto Roteiro .................................. Antônio Calmon; José Clemente Pozenato; Leopoldo Serran Estreia ................................................... 20 de outubro de 1995 (Mundial) Duração ................................................................................... 92 minutos Classificação .......................................... L – Livre para todos os públicos Gênero .......................................................................... Drama; Romance Distribuidor .................................................................. Paramont Pictures Produtor executivo ..................................................... Luiz Carlos Barreto Produtora .............................................................................. Lucy Barreto Montagem ............................................................................. Mair Tavares

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ANEXO D – ELENCO Alceu Ferraro .................................. Gaiteiro Alexandre Paternost ........................ Ângelo Ana Parenti ....................... Mulher de Matale André Piccoli ................................ Sacristão Antoine Parenti ........................... Carroceiro Antônio (I) Carlos ....... Antônio Carlos Pires António Giacomoni ............................ Beppe ArcÂngelo Zorzi .............................. Sichopa Borba Sidnei ................................ Vendedor Bruno Campos ............................... Mássimo Cecil Thiré ............................. Padre Gentile Ceres Ramos ................................. Rosalba Cláudio Mamberti (I) ....................... Batiston Cleri Pelizza ..................................... Marieta Daniel Gatelli .................................... Natale Elaine Braghirolli ......................... Tia Gema Flávio Rizzi .......................................... Joanim Gianfrancesco Guarnieri ........ Padre Giobbe Glória Pires ...................................... Pierina Gonçalo Mascia .......................... Agostinho Hugo Lorensati ....................... Funcionário I Inés Zorzi ....................................... Colona I João Wianey ......................... Funcionário II

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José Lewgoy ...................................... Rocco José Vitor Castiel ................................. Miro Julia Barreto ............... Julia Barreto Borges Lídia Tonus ................................... Colona II María Díaz ..................... Mulher de Sichopa Mariana Pellegrino Barreto ........... Bambina Milton Stumpf ............................ Fazendeiro Nadir Tonus ..................................... Cosimo Patrícia Pillar .................................... Teresa Pedro Parenti .................................. Iscariot Pedro Zorzi .................................... Motorista Renato Filippini ....................... Nane Mondo Thiago Lorensati ......... Rapaz do Armazém Wilson Toscan ..................... Rapaz do Café