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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL GUILHERME COIMBRA CECCONI ASSMANN QUANDO A MÚSICA “CONTA HISTÓRIAS”: UM ESTUDO SOBRE ANIMAÇÕES DA DISNEY CAXIAS DO SUL 2015

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

GUILHERME COIMBRA CECCONI ASSMANN

QUANDO A MÚSICA “CONTA HISTÓRIAS”: UM ESTUDO SOBRE ANIMAÇÕESDA DISNEY

CAXIAS DO SUL 2015

GUILHERME COIMBRA CECCONI ASSMANN

QUANDO A MÚSICA “CONTA HISTÓRIAS”: UM ESTUDO SOBRE ANIMAÇÕESDA DISNEY

Trabalho de Conclusão de Curso apresentadoao Curso de Comunicação Social – Habilitaçãoem Publicidade e Propaganda da Universidadede Caxias do Sul, como requisito parcial paraobtenção do título de Bacharel emComunicação Social – Habilitação emPublicidade e Propaganda.

Orientadora Prof.ª Dr.ª Ivana Almeida daSilva.

CAXIAS DO SUL2015

GUILHERME COIMBRA CECCONI ASSMANN

QUANDO A MÚSICA “CONTA HISTÓRIAS”: UM ESTUDO SOBRE ANIMAÇÕESDA DISNEY

Trabalho de Conclusão de Curso apresentadoao Curso de Comunicação Social – Habilitaçãoem Publicidade e Propaganda da Universidadede Caxias do Sul, como requisito parcial paraobtenção do título de Bacharel emComunicação Social – Habilitação emPublicidade e Propaganda.

Aprovado (a) em ___/___/___.

Banca Examinadora __________________________________ Prof.ª Dr.ª Ivana Almeida da Silva Universidade de Caxias do Sul – UCS __________________________________ Prof.ª M.ª Isabel Almeida Marinho do Rêgo Universidade de Caxias do Sul – UCS __________________________________ Prof.ª M.ª Myra Gonçalves Universidade de Caxias do Sul – UCS

Para Waldemar e Louri.

“All the adversity I've had in my life, all mytroubles and obstacles, have strengthened

me… You may not realize it when it happens,but a kick in the teeth may be the best thing in

the world for you.”

Walt Disney

RESUMO

Este estudo, dividido em quatro capítulos, visa compreender como a música enriquece aanimação, fazendo um contraponto com o conto original. Aqui, esmiuçasse como se deu oprocesso adaptativo desses contos no passado, como ele se dá no presente, qual a relevânciadessas histórias para o público do séc. XXI, e qual o impacto cultural que elas proporcionam.Além de verificar, através do estudo de caso das animações da Disney, utilizando técnicasqualitativas, como a pesquisa bibliográfica e a análise fílmica e do discurso, qual é aimportância da música, nessas produções.

Palavras-chave: Contos de fadas. Disney. Animações. Música.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES – FIGURAS

FIGURA 1 – Cinderela, ilustração de 1862, feita por Gustave Doré…………………………22

FIGURA 2 – Arte conceitual de 1937, para Branca de Neve e os Sete Anões, da Disney…...25

FIGURA 3 – Personagens do filme de 2012, Espelho, Espelho Meu………………………...26

FIGURA 4 – Pôster do filme Branca de Neve e o Caçador de 2012…………………………27

FIGURA 5 – Pôster americano da animação Disney Cinderela, de 1950…………………….29

FIGURA 6 – Cena do filme A Nova Cinderela, de 2004……………………………………..30

FIGURA 7 – Tática Mickey-Mousing, usada em um jogo de videogame do Mario…………33

FIGURA 8 – Cena de 1930 do cartoon da Betty Boop……………………………………….38

FIGURA 9 – Cena de 1920 do cartoon do Gato Félix………………………………………..39

FIGURA 10 – Estrela da Morte em Star Wars Episódio IV, de 1977………………………...42

FIGURA 11 – Sequência da cena de abertura do filme Apocalipse Now de 1979…………...43

FIGURA 12 – Portão de entrada principal da The Walt Disney Company…………………...46

FIGURA 13 – Walt Disney trabalhando no começo de sua carreira………………………….48

FIGURA 14 – Walt Disney e Mickey Mouse, em 1930………………………………………50

FIGURA 15 – Cena da animação de Oswald, o Coelho Sortudo, em 1926…………………..52

FIGURA 16 – Cena de animação de Mickey Mouse em Steamboat Willie, em 1928……….53

FIGURA 17 – Pôster americano da animação Disney Der Fuehrer's Face, de 1943…………55

FIGURA 18 – Castelo da Bela Adormecida, na Disneylândia……………………………….56

FIGURA 19 – Castelo da Cinderela, no Walt Disney World Resort………………………….57

FIGURA 20 – Técnica de Rotoscópia em Peter Pan da Disney, de 1953…………………….59

FIGURA 21 – Walt Disney com algumas de suas estatuetas do Oscar……………………….60

FIGURA 22 – Ilustração contemporânea dos Flintstones da Hanna Barbera………………...61

FIGURA 23 – Personagens da animação da Disney Pixar Toy Story, de 1995………………62

FIGURA 24 – Personagens de Frozen – Uma Aventura Congelante, de 2013……………….64

FIGURA 25 – Mickey Feiticeiro da animação Fantasia, de 1940……………………………66

FIGURA 26 – Pôster americano de O Estranho Mundo de Jack, de 1993…………………...68

FIGURA 27 – Ilustração do conto Branca de Neve e os Sete Anões…………………………73

FIGURA 28 – Retrato dos Irmãos Grimm……………………………………………………74

FIGURA 29 – Sequência do filme Branca de Neve, parte 1………………………………….79

FIGURA 30 – Sequência do filme Branca de Neve, parte 2………………………………….80

FIGURA 31 – Ilustração de Arthur Rackham, de Cinderela indo ao baile…………………...82

FIGURA 32 – Retrato de Charles Perrault, do séc. XVII, de arista desconhecido…………...83

FIGURA 33 – Sequência do filme Cinderela, parte 1...........................................……………88

FIGURA 34 – Sequência do filme Cinderela, parte 2...........................................……………89

FIGURA 35 – Sequência do filme Cinderela, parte 3......…...................................…………..90

FIGURA 36 – Sequência do filme Cinderela, parte 4.......................................………………91

FIGURA 37 – Ilustração da cena do sequestro de Kay pela Rainha da Neve………………..93

FIGURA 38 – Retrato de Hans Christian Andersen………………………………………….94

FIGURA 39 – Sequência do filme Frozen, parte 1…………………………………………...99

FIGURA 40 – Sequência do filme Frozen, parte 2………………………………………….100

FIGURA 41 – Sequência do filme Frozen, parte 3…………………...……….…..………...101

FIGURA 42 – Sequência do filme Frozen, parte 4………………………………………….102

FIGURA 43 – Sequência do filme Frozen, parte 5………………………………………….103

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………11

1.1 METODOLOGIA………………………………………………………………………...14

2 CONTOS DE FADAS……………………………………………………………………..17

2.1 A HISTÓRIA DOS CONTOS DE FADAS: DA ORALIDADE À ESCRITA…………...19

2.2 ADAPTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE CONTOS DE FADAS……………………22

3 CINEMA DE ANIMAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA………………………..31

3.1 O CINEMA DE ANIMAÇÃO: BREVE HISTÓRICO…………………………………..34

3.2 A MÚSICA NO CINEMA DE ANIMAÇÃO: UMA FORMA DE NARRATIVA……….37

3.3 O JOGO DA IMAGEM E DA MÚSICA NO CINEMA DE ANIMAÇÃO……………...40

4 THE WALT DISNEY COMPANY: UMA REFERÊNCIA NA INDÚSTRIA DA

ANIMAÇÃO MUNDIAL…………………………………………………………………...45

4.1 WALT DISNEY: UM CONTADOR DE HISTÓRIAS…………………………………...46

4.2 DE DISNEY BROTHERS CARTOON STUDIOS A THE WALT DISNEY

COMPANY………..………………………………………………………………………….51

4.3 A ESPECIALIDADE: FILMES DE ANIMAÇÃO………………………………………58

4.4 A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NOS FILMES DA THE WALT DISNEY

COMPANY…………………………………………………………..………………………65

5 CONTOS DE FADAS E SUAS ADAPTAÇÕES PELA THE WALT DISNEY

COMPANY…………………………………………………………………………………..68

5.1 SOBRE O CORPUS SELECIONADO E A ANÁLISE…………………………………..69

5.1.1 Branca de Neve e os Sete Anões (1937): o conto de fadas e o autor………………...72

5.1.1.1 A adaptação Disney…………………………………………………………………...74

5.1.1.2 A análise da cena………………………………………………………………...……75

5.1.1.2.1 Ficha técnica………………………………………………………………………………...76

5.1.1.2.2 Resumo………...……………………………………………………………………………..76

5.1.1.2.3 Em torno do filme…………………………………………………………………………...77

5.1.1.2.4 Situação da sequência……………………………………………………………………...77

5.1.1.2.5 Análise……………………………………………………………………………………..…78

6.1.1 Cinderela (1950): o conto de fadas e o autor………………………………………...81

6.1.1.1 A adaptação Disney…………………………………………………………………...84

6.1.1.2 A análise da cena……………………….……………………………………………..85

6.1.1.2.1 Ficha técnica………………………………………………………………………………...85

6.1.1.2.2 Resumo……………………………………………………………………………………….86

6.1.1.2.3 Em torno do filme…………………………………………………………………………..86

6.1.1.2.4 Situação da sequência……………………………………………………………………..87

6.1.1.2.5 Análise…..................................….………………………………………………………..87

7.1.1 Frozen: Uma Aventura Congelante (2013): o conto de fadas e o autor……………91

7.1.1.1 A adaptação Disney…………………………………………………………………...95

7.1.1.2 A análise da cena……………………………………………………………………...96

7.1.1.2.1 Ficha técnica………………………………………………………………………………...96

7.1.1.2.2 Resumo……………………………………………………………………………………….96

7.1.1.2.3 Em torno do filme…………………………………………………………………………..97

7.1.1.2.4 Situação da sequência……………………………………………………………………..98

7.1.1.2.5 Análise……………………………………………………………………………………….98

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………105

REFERÊNCIAS…………………………..………………………....…….……………….108

ANEXOS…………………………......……………………………………………………..112

APÊNDICES…………………………….…..…………………………….………………..112

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1 INTRODUÇÃO

Os contos de fadas estão presentes em nossas vidas há muito tempo, representando

um universo poético, lírico ou lúdico. Dependendo do enfoque utilizado, eles influenciam de

maneira singular a vida das pessoas, sejam elas crianças, ou adultos. Advindas da tradição

oral, essas histórias eram contadas para as crianças, ao pé das lareiras, nos feudos, nas casas

dos camponeses de outrora. Serviam para transmitir, de forma velada, ensinamentos básicos

referentes a vida no campo, como: não andar sozinho pela floresta, como a pobre

Chapeuzinho Vermelho ou os infelizes irmãos João e Maria, não aceitar presentes de

estranhos, nem que seja uma fruta suculenta, como fez a ingênua Branca de Neve, e afins. Os

pais procuravam, ludicamente, através dessas narrativas, doutrinar seus filhos em relação aos

seus deveres e obrigações, e aos muitos perigos que estavam sujeitos diariamente. Por isso,

elementos de horror foram adicionados a elas, atraindo também os adultos, que as

disseminavam em tavernas e reuniões, como forma de entretenimento.

Esses contos mágicos foram adaptados, primeiramente, de forma escrita, por homens

que viriam a se tornar grandes expoentes da literatura universal. Entre eles, destacam-se

quatro: Charles Perrault (1628-1703), os irmãos Grimm, Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-

1859) e Hans Christian Andersen (1805-1875). Esses escritores foram os responsáveis por

cimentar a noção que o século XXI tem dos contos de fadas. Suas publicações são

consideradas clássicas, traduzidas para diversas línguas ao redor do mundo, propagando e

difundindo a cultura das narrativas fantásticas, na literatura atual.

Com o passar do tempo, outras mídias se encantaram por essas histórias. Foi o caso

da sétima arte, o cinema. Porém, inicialmente, filmes eram mudos: não possuíam diálogos,

nem uma trilha sonora específica para acompanhar as produções, fato que acabou refletindo

na popularidade e difusão das primeiras adaptações cinematográficas dos contos de fadas. O

tipo de recurso disponível nos primórdios fílmicos, não fazia jus a essas narrativas mágicas,

pelo menos, até o surgimento de Walter Elias Disney, no século XX. Ele foi incumbido de

repaginar essas antigas alegorias fantásticas, modernizando-as e inserindo-as no contexto

moderno, através do recurso da animação.

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Com o advento do cinema sonoro, Disney percebeu que uma série muda nãotinha possibilidades comerciais e realizou então o primeiro curta-metragemdo Mickey, Steamboat Willie, com som sincronizado. Walt fez a voz dosimpático camundongo e Cal Stalling encarregou-se da música. Entre 1928 e1929, foram produzidos por ele, quinze desenhos animados, que seutilizavam de sons e músicas, como: Os Esqueletos Dançam, SinfoniasMalucas, A Lebre e a Tartaruga, Os Três Porquinhos, O Patinho Feio entreoutros.1

Com as experiências adquiridas na sonorização de suas animações, Walt Disney se

aventurou em produções mais ousadas.

Em 1940, a produção de Fantasia revolucionou a vanguarda cinematográfica,ao mostrar, a todos, a imensa capacidade significante da música, fazendotalvez, pela primeira vez no cinema, com que a ação dos personagensanimados no desenho seja subordinada à narrativa da música. Em outraspalavras, o roteiro de Fantasia, é a própria música.2

Uma vez considerada a existência deste vínculo, entre a imagem e a música, a

questão proposta pelo presente estudo é compreender como a música enriquece a animação,

fazendo um contraponto com o conto original. Dessa forma, o objetivo geral desse estudo

monográfico é:

• Estudar de que maneira a música é utilizada nos contos de fadas da Disney, e a

sua relevância como forma de narrativa.

Por sua vez, os objetivos específicos são:

• Estudar a história dos contos de fadas e as formas de adaptação dessas histórias

na atualidade;

• Verificar a importância da música como uma forma de narrativa no cinema,

especialmente no cinema de animação, e suas possibilidades de expressão;

• Estudar a história da The Walt Disney Company, buscando entender de que

forma ela contribuiu para a valorização da arte do cinema de animação, ao longo dos anos;

• Pesquisar a relação entre a música e as imagens de animação nas adaptações

dos contos de fadas da Disney;

• Pesquisar como os contos de fadas se modificaram ao longo dos anos,

especialmente com as adaptações da Disney.

1 Disponível em <http://www.historiasdecinema.com/2011/05/trajetoria-de-walt-disney-no-desenho-animado-3>acessado em 01 de Novembro de 2015.2 Disponível em <http://www.mnemocine.com.br/index.php/cinema-categoria/29-somcinema/162-trilhasonora> acessado em 01 de Novembro de 2015.

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Para isso, estabeleceu-se uma sequência lógica ao estudo, com a finalidade de

responder a esses questionamentos e atingir esses objetivos. Primeiramente, os contos de

fadas: a história dessas narrativas, da oralidade à escrita, e suas adaptações contemporâneas. A

seguir, o cinema de animação: um breve histórico, a música como um recurso narrativo nesse

gênero fílmico e a sua relação com a imagem. Na sequência, um apanhado sobre The Walt

Disney Company: um perfil do criador do estúdio, a idealização e desenvolvimento da

empresa, a especialização em animação e a importância da música nas produções com o selo

Disney.

Por fim, para ilustrar e corroborar o que foi abordado anteriormente, e concluir o

trabalho de monografia: três análises de contos de fadas da Disney, elaboradas sob três

aspectos distintos: uma exposição sobre a narrativa original e o seu autor, sua adaptação

animada e, por fim, a análise de uma sequência musical. Os filmes escolhidos para tal estudo

foram Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Cinderela (1950) e Frozen: Uma Aventura

Congelante (2013).

As criações Disney influenciaram o mundo todo, não só no aspecto do consumismo,

mas, principalmente, como legado de mudanças audaciosas no campo da comunicação e da

arte. Com toda certeza, muitos desses contos de fadas, permanecem guardados na memória de

vários adultos, até hoje. As crianças, atualmente, incorporam não só os personagens em suas

vidas, mas também se utilizam da trilha musical desses filmes, para dar mais veracidade às

suas fantasias infantis.

Deste modo, pesquisar sobre os contos de fadas adaptados pela Disney, se torna

relevante, principalmente, para compreender a forma narrativa utilizada nessas animações,

onde a música tem um papel importante, tornando-se intrínseca aos seus enredos,

desempenhando uma função específica.

O estudo proposto por essa pesquisa pretende servir de subsídio de consulta aos

estudantes da área de Comunicação Social, visando aperfeiçoar as suas criações, para que

posteriormente possam ser veiculadas nas mais diversas mídias. Auxiliar também o público

em geral, que movido por sua memória de infância tenha desenvolvido a mesma curiosidade e

interesse, que este pesquisador, em contos de fadas, e que deseja obter maiores informações

sobre as adaptações deles, realizadas pela Disney.

Em conclusão, esse estudo tenciona também ajudar os educadores, servindo como

fonte de pesquisa para seus alunos, provendo referências contundentes a respeito das diversas

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maneiras de abordagem de uma mesma história: textual ou cinematográfica, por exemplo, e

do papel de ferramentas narrativas, como a música, em produções animadas.

1.1 METODOLOGIA

É de todo fundamental, para o início de qualquer projeto de pesquisa, a definição do

material bibliográfico que irá embasá-la. É um processo extenso, e, por muitas vezes, lento.

Segundo Stumpf (2005), ele consiste em várias etapas de desenvolvimento, que consistem,

basicamente, na identificação, localização e obtenção dos livros requeridos a um determinado

assunto, através da pesquisa bibliográfica, além de textos comprovativos do entendimento do

material que foi coletado (leitura e transcrição). Ainda de acordo com a autora, revisar a

literatura disponível para os componentes pesquisados, é uma ação que se deve estender desde

o começo do trabalho, até a sua finalização. Mas para isso se faz necessário ter uma boa

estratégia de busca, para ter-se a certeza de encontrar teorias e trabalhos que estão diretamente

relacionados com o foco da pesquisa.

Este trabalho visa descobrir de que maneira, a narrativa escrita dos contos de fadas é

adaptada pela Disney, em forma de animação, com o recurso musical como fio condutor. Para

essa finalidade, três produções com o selo “Disney” serão analisadas em estudo de caso:

Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Cinderela (1950) e Frozen: Uma Aventura

Congelante (2013). Como animações, em sua essência, são narrativas baseadas em texto

(diálogos/roteiro), imagens e música (trilha sonora), e foram escolhidos dois métodos de

pesquisa: pesquisa bibliográfica e análise fílmica englobando aspectos de imagem e som.

Além disso, será abordado o estudo de caso, considerando um método qualitativo de

pesquisa, com a ajuda de Robert Yin (2009). Para o autor, o estudo de caso é fundamental

para o entendimento e a pesquisa de fenômenos sociais, políticos, organizacionais e

individuais, preservando, ao mesmo tempo, suas características reais.

De acordo com Yin (2009), existem ao menos quatro aplicações diferentes para um

estudo de caso, sendo elas: explicar, descrever, ilustrar e por último explorar. Esse estudo, em

particular, utilizou inicialmente a estratégia exploratória que culminou numa explanação do

tema pesquisado. Essa aplicação é usada quando a intervenção que está sendo avaliada não

possui um único e claro conjunto de resultados.

Em qualquer tipo de pesquisa, há quatro problemas centrais que norteiam sua

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elaboração: quais questões estudar, o que coletar, quais os dados relevantes e como analisar

propriamente os resultados. Um bom desenvolvimento de cada uma dessas etapas, é de vital

importância para a qualidade do trabalho final.

Yin (2009) ainda define fontes de pesquisa a serem consultadas na hora de se criar

um estudo de caso, e esse trabalho usará, duas, principalmente: os documentos sobre o

assunto pesquisado e os registros em arquivos, afinal, utilizar várias fontes é primordial para

se ter um bom embasamento teórico, a partir do qual, o trabalho de pesquisa se desenvolverá.

A respeito da análise da imagem, Coutinho (2005) diz que é de extrema importância

se perceber as imagens como produtos ou peças comunicacionais, principalmente as presentes

em meios de comunicação de massa, como televisão, jornais, revistas e internet. Ainda

segundo a autora, as imagens podem ser consideradas documentos e formas de narrativas,

pois elas possuem história e são atribuídas de discurso, mas é importante frisar que a análise

das mesmas deve ser feita com cuidado, para que o real sentido delas, não seja perdido.

Muitas pessoas buscam sentidos ocultos nas imagens que analisam ou ainda, inserem nelas,

significados e intenções fantasiosas, nunca pretendidas por seus

autores/fotógrafos/produtores.

As imagens referidas aqui, podem ser traduzidas de diversas maneiras: fotografias,

anúncios publicitários, longas-metragens, curtas-metragens, documentários, gravuras, pinturas

e afins. Cada umas delas, obviamente, com suas particularidades analíticas, requerendo

técnicas específicas.

Loizos (2002) cita o estudo pioneiro do psicólogo social Siegfried Kracauer (1947),

tratando agora da imagem cinematográfica, particularmente a alemã compreendida entre 1918

até 1933, que defende que os filmes produzidos para, e consumidos por uma nação, permitem

uma boa percepção das “profundas disposições psicológicas”. Kracauer identificou temas e

imagens que trouxeram percepções sobre questões muito humanas como sorte, destino,

seguidores e seguidos, humilhação, saúde, doença e outros mais. Ele colocou no estudo a

análise de uma propaganda nazista que acabou se tornando padrão e modelo para análises

subsequentes de conteúdo cinematográfico.

Bauer e Gaskel (2002) dizem que é de extrema importância que sejam seguidas três

etapas para uma boa análise de imagens, sendo elas: escolha das imagens a serem utilizadas,

identificação de todos os elementos que compõe o material e análise dos signos da imagem.

Em relação a música e ao som, Bauer (2002) coloca que a primeira, é primariamente

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um evento sonoro temporal, por isso deve-se conversar um registro dela, para futura análise.

Essa pode parecer ser uma informação obsoleta e óbvia mas muitos a ignoram.

Nas palavras de Bauer (2002),

Supondo que a música, ou o som, possuam qualidades linguísticas, talanalogia é facilmente perceptível no que se refere às funções da sintaxe e dapragmática, mas é controvertida no que se refere à função semântica(REITAN, 1991). Em outras palavras, os elementos musicais podem terdiferentes graus de sentido, mas tal sentido não está ligado a um referenteúnico. A música é rica em conotações, mas suas unidades são menosdefinidas com relação a sua denotação. Por exemplo, a Nona Sinfonia deBeethoven é rica em ordem musical e em função social, por exemplo, paracelebrar a queda do Muro de Berlim em 1989, e a iminente reunificação daAlemanha, ou o lançamento do Euro, em janeiro de 1999. Seu sentidosemântico, contudo, abstraído do emprego social de sua execução, é vago(BAUER, 2002, pg. 370).

Sendo assim, um estudo cuidadoso sobre o real sentido da música e do som, quando

empregados em narrativas fílmicas, ou utilizados como tais, deve ser realizado, para que

nenhuma confusão seja criada. Levando, desta forma, a uma melhor precisão ao analisar as

animações Disney Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela e Frozen: Uma Aventura

Congelante.

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2 CONTOS DE FADAS

Contar histórias é uma das práticas mais comuns e populares da humanidade. É

perpetuada de geração em geração, há milhares de anos. O ato de transmitir um

conhecimento, uma ideia ou a noção de algo, através da fala, que é compreendida por um

receptor (ouvinte) é a forma mais básica e primordial de comunicação. Antes da escrita, era

através da oralidade que os ensinamentos eram passados, de pais para filhos, com a utilização

de histórias fabulosas.

Conforme conta Goés (1991), o hábito de narrar histórias, como dito previamente, foi

anterior ao surgimento da escrita, e deu-se a partir do momento em que o homem sentiu a

necessidade de procurar explicações plausíveis para os fenômenos que ocorriam ao seu redor.

Porém a oralidade provou não ser a melhor forma de se preservar as informações das histórias

para as gerações futuras, pois essa prática dependia, basicamente, da memória do contador,

que por muitas vezes falhava. Para Goés (1991), entretanto, esse fato não era,

necessariamente, algo ruim, pois quando a memória do contador falhava, era a imaginação

que completava as histórias, disseminando um universo de seres mágicos, fantásticos e

encantadores.

O aprendizado dos fenômenos da vida sempre foi de difícil compreensão e

entendimento para as crianças, e os contos de fadas tornaram-se uma importante ajuda nesse

processo. Outrora narrados por camponeses ao pé da lareira para afugentar o tédio dos

afazeres domésticos, foram transplantados com grande sucesso para o quarto dos pequenos,

onde floresceram na forma de entretenimento e edificação.

A linguagem presente nessas narrativas, segundo Franz (2003), tem a capacidade de

atingir a todos os públicos, sem distinção de idade, etnia ou formação cultural. De acordo com

a autora, os contos de fadas são a mais pura e simples expressão do que são os processos

psíquicos do consciente e do inconsciente coletivo. Eles representam os modelos de

comportamento na sua forma mais simples, plena e concisa. Nossos desejos mais profundos,

bem como nossas angústias mais arraigadas, misturam-se ao folclore e nele permanecem

através de histórias que ganham a predileção de uma comunidade de ouvintes e leitores.

A figura escolhida para ser a representação desse subgênero literário é a da fada. Por

definição, a palavra fada, vem do latim fata, que significa fado ou destino. Essas criaturas têm

sua origem nas mitologias grega e romana e eram elas as responsáveis por escrever o destino

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das pessoas, do nascimento até a morte.

A fada simboliza, numa perspectiva psicológica, o poder ou o desejo do homem de

construir ou alcançar, com a sua própria imaginação, projetos e desejos inalcançáveis. A

versão ocidental moderna das fadas surgiu na Irlanda, onde era vista como uma mensageira do

outro mundo dotada de magia. Coelho (1991) esclarece mais a respeito desses seres:

Fazem parte do folclore europeu ocidental [...] tornaram-se conhecidas comoseres fantásticos ou imaginários de grande beleza, que se apresentam emforma de mulheres. Dotadas de virtudes e poderes sobrenaturais, interferemna vida dos homens, para auxiliá-los em situações-limite, quando já nenhumasolução natural seria possível (COELHO, 1991, p.31).

As fadas podem representar tanto o bem quanto o mal nas histórias. São seres que

possuem uma dualidade, embora nem sempre explícita. Quando lutam pelo bem, têm varinhas

de condão e asas, quando estão do lado do mal, voam em vassouras, usam chapéus pontudos e

são chamadas de bruxas.

Os contos transmitem não somente o lado bom e honesto da sociedade, mas também

o lado malvado, cruel e invejoso. Os personagens, diferentes das pessoas na vida real, não são

multifacetados, pelo contrário, possuem delimitações de personalidade, cumprem apenas um

propósito na narrativa: o de ser o protagonista (herói), corajoso e honrado, ou o antagonista

(vilão), sórdido e dissimulado. O herói faz um apelo positivo ao leitor, ganhando sua empatia,

pelas suas características físicas e morais, além de suas atitudes positivas.

A forma como os personagens nessas histórias são estereotipados e padronizados

(bons e ruins/bonitos e feios/abnegados e invejosos), acaba ajudando o público infantil, para

que ele consiga, de certa maneira, entender o mundo, mesmo que de uma forma simplista.

Onde heróis são exemplos de conduta, e vilões, de mau comportamento.

Apesar do nome, nem todos os contos de fadas realmente possuem essas criaturas em

suas narrativas, porém as histórias sempre se desenvolvem dentro da realidade feérica3,

tornando-as atemporais e sem um território definido, orbitando-as fora da realidade. É por isso

que expressões como “Era uma vez” e “Em uma terra distante”, são frequentemente utilizadas

nesses contos, já que não delimitam o tempo cronológico e o lugar, tornando-os assim,

enredos que podem ultrapassar gerações sem ficarem obsoletos, já que conseguem se encaixar

na realidade do leitor contemporâneo.

3 Segundo definição do dicionário Michaelis, feérico (a) é um adjetivo que denota algo maravilhoso, deslumbrante, mágico ou fantástico.

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Para Bettelheim (2005), esses contos têm um forte valor terapêutico, ensinando às

crianças que uma luta contra grandes dificuldades na vida é inevitável. E que se não fugirmos

assustados, mas enfrentarmos resolutamente sofrimentos inesperados e muitas vezes injustos,

dominaremos todos os obstáculos e no final emergiremos vitoriosos. O autor enfatiza o valor

da “luta” e do “domínio” e vê nos contos de fadas uma “experiência em educação moral”.

Para o autor Oberg (2006):

Os contos parecem falar, através de suas personagens e imagens, que a vida éfeita de provas nos quais os saberes vão sendo acumulados, possibilitando oamadurecimento e o equilíbrio interior que propiciará o encontro com osignificado da vida, a conquista da autonomia e a descoberta do outro. Pois,se por um lado, essas histórias afirmam que desde a infância o homem ésujeito a desejos e emoções nem sempre positivos, por outro lado expressamsua necessidade de imaginação, sua luta pela vida, pela busca da realização,seu anseio por justiça e por uma atuação plena (OBERG, 2006, p.11).

Talvez o conto de fadas tenha uma vantagem sobre a realidade, pois o desfecho do

primeiro, é, na maioria das vezes, positivo, com o bem subjugando o mal e sendo vitorioso,

enquanto que a segunda, tende a ser mais drástica, justamente pelo fato de o ser humano ter

várias camadas de caráter e personalidade, onde a bondade e a maldade coexistem no interior

de cada um, possibilitando, as vezes, um “final” não muito feliz.

2.1 A HISTÓRIA DOS CONTOS DE FADAS: DA ORALIDADE À ESCRITA

Desde o começo da humanidade, datando da pré-história, o homem sentiu a

necessidade de propagar sua própria história. Mesmo que antigamente, esse processo tenha se

dado de forma inconsciente, as pinturas rupestres, descobertas mais recentemente, em

cavernas espalhadas pelo mundo, ajudam a desvendar certos mistérios da evolução humana,

através de uma narrativa rudimentar, porém eficiente. A comunicação naquela época era feita

basicamente através de gestos, ruídos e gemidos, mas com o desenvolvimento da espécie, e o

aprendizado da fala, o conhecimento começou a ser transmitido através da oralidade.

Os contos de fadas são influenciados pela civilização em que surgiram, mas torna-se

difícil identificar precisamente a época de suas criações. A origem exata deles ainda é

desconhecida. Alguns contos sofreram várias alterações no decorrer do tempo,

principalmente, porque partiram da oralidade, para a transcrição no papel. No princípio eles

eram histórias macabras e sangrentas, direcionadas aos adultos, bem ao contrário de hoje,

20

onde são denominadas “infantis”, com enredos repletos de magia e maravilhas.

Marcus Mazzari (2012), comenta:

Sabe-se, sobretudo a partir de pesquisas desenvolvidas no século XX, que napassagem da versão oral para a escrita houve certa elaboração estilística,houve trabalho de padronização e homogeneização, trechos fragmentáriosdas histórias foram complementados, contradições abrandadas etc(MAZZARI, 2012, p.18).

No século XVII, a literatura adulta dividiu espaço com a infantil, através dos contos

de fadas. Eles costumavam ser a principal forma de entretenimento para as populações

agrícolas na época do inverno. Franz (2003), diz que eles se tornaram uma espécie de

ocupação espiritual essencial.

Essa produção literária aparece na França pelas mãos de Charles Perrault (1628-

1703); ele recolhe narrativas populares e faz adaptações, dando a sua obra valores

comportamentais da classe burguesa, transformando narrativas adultas em infantis.

Porém, de acordo com Goés (1991), a criança só passou a ter uma real importância

no contexto familiar e social, a partir do século XVIII. Os primeiros livros infantis, além dos

contos de fadas, eram didáticos. Escritos por pedagogos e professores, durante o Absolutismo

e o Classicismo, com o marcante intuito educativo e pedagógico, aproximando assim a

instituição escolar e o gênero literário.

Naquela época, a literatura infantil era utilizada como uma ferramenta dos adultos

para repassar conceitos e doutrinas às crianças. Com o tempo, os textos dogmáticos foram

gradualmente, cedendo um maior espaço para outros mais questionadores, abertos, que não

“castravam” as crianças. Foi-se percebendo que a “literatura infantil” é, antes de mais nada,

literatura, algo que se refere ao humano, tratando simbolicamente o que o didatismo traria

como lição de moral. Assim, ela não tem de ter um caráter de utilitarismo. Se o livro apenas

reproduz um discurso pronto, do que o adulto pensa, seus valores, não deixa espaço para a

criança pensar, não estimulando sua criatividade e imaginação. Dessa forma, o prazer de ler

fica de lado, restando apenas o dever.

No início do século XIX, duas obras marcaram profundamente a história da literatura

infantil. A primeira foi Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, em 1812-1815, resultado

de uma extensa pesquisa, e eventual compilação, de histórias transmitidas através da

oralidade, para tomos escritos, feita pelos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm. A edição

21

definitiva dessa obra compreendia 211 das 240 peças que foram recolhidas no total, e que iam

sendo acrescentadas, por vezes também excluídas, de edição a edição. Histórias que se

imortalizaram globalmente, como Branca de Neve e os Sete Anões, João e Maria e

Chapeuzinho Vermelho, entre outras, deram origem a adaptações no mundo inteiro.

Outra obra que se revelou de extrema importância, foi a do dinamarquês Hans

Christian Andersen (1805 – 1875), com uma coleção de contos de fadas que teve sucesso

imediato. Se diferenciava das obras produzidas por seus antecessores, porque, apesar de se

desenrolarem no mundo da imaginação, muitos dos seus contos estavam presos ao cotidiano

da faixa social que o autor mesmo viveu, a da miséria e da pobreza, portanto, vários deles não

possuíam o conhecido e tradicional final feliz. A Pequena Sereia, A Princesa e a Ervilha, A

Rainha da Neve, A Pequena Vendedora de Fósforos, O Patinho Feio e A Roupa Nova do

Imperador estão entre as clássicas histórias que compõe seu trabalho.

Mazzari (2012) complementa dizendo:

A naturalidade do maravilhoso mostra-se, portanto, como a verdadeiraessência dessas narrativas encantadas. Outra de suas característicasfundamentais é a introdução, logo com a primeira frase, do herói ou de umacircunstância diretamente relacionada ao desafio a ser enfrentado e superadona história. E isso porque, em seu sentido mais autêntico, esses contos nosdão notícia da vitória de seres inocentes e frágeis, crianças, animais, jovensaflitos, sobre terríveis adversidades ou poderes malignos, encarnados porbruxas, ogros, adultos cruéis e desnaturados. Apresentam-nos um mundo emque os acontecimentos se desenvolvem no sentido de corresponder por fim aonosso mais profundo sentimento de justiça e ética (MAZZARI, 2012, p. 14).

A grande aceitação dos contos de fadas teve pelo menos duas consequências

importantes para a evolução da literatura infantil. Primeiro, surge o predomínio do lúdico

sobre o instrutivo; depois, define-se um gênero literário especificamente voltado para as

crianças. Os autores Hans Christian Andersen, Irmãos Grimm e Charles Perrault foram

precursores de grandes obras e tornaram-se famosos por transformaram em textos, contos de

fadas oriundos basicamente da tradição oral e popular. Com o passar do tempo, seus livros

foram ganhando novas edições ilustradas, contendo artes de ilustradores famosos como

Gustave Doré (figura 1), agregando valor ao conteúdo textual e maravilhando ainda mais os

leitores.

22

Figura 1 – Cinderela, ilustração de 1862, feita por Gustave Doré

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Gustave_Doré; acesso em 31 de Julho de 2015.

2.2 ADAPTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE CONTOS DE FADAS

Contos de fadas são histórias antigas, que existem em diversas sociedades espalhadas

pelo mundo. Cada versão com suas particularidades e adaptações necessárias, para

encaixarem-se no contexto vigente em que são contadas. Esses contos são reinventados,

reimaginados e modificados, para atender às demandas de seus públicos contemporâneos, a

fim de mantê-los relevantes e críveis. A própria tradução de uma narrativa escrita em uma

língua estrangeira, sugere uma espécie de acomodação de palavras e expressões, para que o

entendimento da mensagem a ser passada, seja mais efetivo.

Corso e Corso (2011) lembram que normalmente quando contamos um conto, nos

apropriamos dele e o condicionamos aos nossos interesses. Dessa maneira, o cerne da história

se mantém, mas outra é acrescida. Isso tem acontecido com os contos de fadas através dos

séculos, e atualmente, quem parece coordenar a contação e disseminação dessas histórias, é a

mídia, principalmente através do cinema e da TV, adaptando essas narrativas para um novo

público.

Nos últimos tempos, vários contos de fadas foram reelaborados pela mídia

contemporânea e transformados em produtos para o cinema e para a televisão. Mas o

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questionamento que se levanta é o de buscar compreender de que modo essas histórias trazem

novidades em relação aos contos de fadas originais. Percebe-se que na contemporaneidade,

elas foram repaginadas, sofrendo a ação das atuais condições de vida, dos novos modos de

pensar e das influências estéticas vigentes. Essa mistura dá origem ao que Corso e Corso

(2011) chamam de “conto de fadas intimista”.

Eles mantêm as características principais dos contos de fadas originais, porém,

apresentam um maior espaço para a subjetividade dos personagens, abordando também suas

fraquezas, incertezas e medos, tornando-os mais complexos. Isso afeta diretamente a imagem

do herói, que passa a questionar seus valores, suas crenças e ações, em nome de suas

necessidades pessoais. Ele não é mais invencível e irrepreensível, agora ele é humano, com

todas as suas qualidades e defeitos.

Analisando criteriosamente o tradicional e o contemporâneo, no contexto dos contos

de fadas, percebe-se que a distância cronológica não significa uma hierarquia entre eles,

referente a qualidade das obras, mas sim diferenças quanto à apresentação de conceitos e

valores, que são relativos a cada época. Observa-se na tradição, aspectos que induzem o

indivíduo a seguir um estereótipo estabelecido pelos detentores do poder.

A literatura infantojuvenil, neste contexto, sugere valores ligados à exemplaridade, à

visão maniqueísta que opõe o bem e o mal, o certo ao errado, buscando a doutrinação da

criança, apontando um único caminho, tido como correto, a ser seguido. A contemporaneidade

dessas narrativas, surge em meio a novos valores e morais, porém não abandona os antigos

totalmente. Estes aparecem revistos em uma relação de intertextualidade, onde ambas as

percepções, se complementam.

Os contos de fadas ganham novas estruturas, e passam a ser questionadores dessa

realidade que sempre representaram, auxiliando na resolução dos conflitos e deixando espaço

para que a própria criança seja o agente na busca pelas soluções de seus impasses, sem morais

explícitas no final das histórias, e sem subestimá-las, tirando delas a capacidade de pensarem

por si mesmas e formarem suas próprias opiniões. A modernização dessas narrativas veio para

mostrar ao público infantil que no mundo não há apenas dois caminhos a se seguir, o bom ou

o ruim.

Na contemporaneidade é possível se observar uma religação entre imaginação e

razão, principalmente se analisarmos o aspecto híbrido das produções midiáticas pós-

modernas. Nesse contexto, destacam-se os contos de fadas, os quais estão sendo retomados

24

pela mídia através de reconstruções e releituras, que renovam seus sentidos e os atualizam para o

público pós-moderno.

Contos como Branca de Neve e os Sete Anões e Cinderela, de tão populares e atemporais que são,

possuem diversas reinterpretações contemporâneas, em diferentes mídias, seja no cinema, na televisão ou até

mesmo, na literatura. Talvez a mais conhecida versão da história da menina que, perseguida por sua invejosa

madrasta, acaba encontrando em sete homenzinhos sua esperança e salvação, seja o primeiro longa-metragem

de animação dos Estúdios Disney, Branca de Neve e os Sete Anões (1937). Um marco na história do cinema

de animação, ganhador de um Oscar especial, composto por uma estatueta normal e mais sete miniaturas, além

de ter sido, na época, por dois anos, o detentor do título de maior bilheteria de todos os tempos.

O enredo da animação, todo mundo já conhece, pois trata-se de um clássico: Uma rainha má e

bela resolve, por inveja e vaidade, mandar matar sua enteada, Branca de Neve, a mais linda de

todo o reino. Mas o carrasco que deveria assassiná-la a deixa partir e, durante sua fuga pela

floresta, ela encontra a cabana dos sete anões, que trabalham em uma mina e passam a

protegê-la. Algum tempo depois, quando descobre que Branca de Neve continua viva, a Bruxa

Má disfarça-se e vai atrás da moça com uma maçã envenenada, que faz com que Branca de

Neve caia em um sono profundo até o dia em que um beijo do amor verdadeiro a faça

despertar.

A versão da Disney para o clássico conto de fadas, é bem mais romantizada e leve do

que a original dos irmãos Grimm, para atingir o público infantil, para a qual era,

prioritariamente, direcionada. O final da vilã, por exemplo, é modificado por ser muito

explícito. No conto alemão, a Rainha Má é convidada ao casamento de Branca de Neve e

obrigada a dançar usando sapatos de ferro em brasa até morrer. Na animação, ela cai de um

penhasco para sua morte, opção que permite uma certa amenização da cena, ao não mostrar

claramente, o resultado da queda da personagem.

Outra diferença entre a adaptação de 1937 e seu original escrito é que, enquanto que

no primeiro, a vilã é madrasta da protagonista, no segundo, ela é sua mãe, o que torna todas as

suas crueldades e tentativas de assassinato, muito mais monstruosas. Citando-as, a Rainha Má

tenta matar Branca de Neve por três vezes no conto, a maçã envenenada (figura 2) é apenas

um de seus recursos, enquanto que no longa-metragem, Branca de Neve sofre apenas um

atentado.

25

Figura 2 – Arte conceitual de 1937, para Branca de Neve e os Sete Anões, da Disney

Fonte: http://blogs.disney.com.br/disney-classicos/2013/10/30/branca-neve-sete-anoes-nascimento-classico/, acesso em 31 de Julho de 2015.

Dos anos de 1930 para cá, muitas outras adaptações surgiram. Mais recentemente, no

ano de 2012, especificamente, duas novas reinterpretações da história foram lançadas nos

cinemas mundiais: Espelho, Espelho Meu e Branca de Neve e o Caçador. A primeira

apresenta-se como uma fantasia paródica que mescla comédia romântica com aventura,

toques de musical e figurinos suntuosos e coloridos que concorreram ao Oscar. A segunda,

uma alegoria gótica e sombria, cheia de ação, e em certos momentos, mais parecida com seu

material original. Em ambos os filmes, porém, a protagonista, Branca de Neve, é retratada

como forte, destemida, preocupada com seu povo, visto que é uma princesa, e segura de si,

provavelmente para assemelhá-la a mulher moderna e contemporânea.

Em Espelho, Espelho Meu, dirigido por Tarsem Singh, após a morte do rei (Sean

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Bean), sua esposa (Julia Roberts) assume o comando do reino. Extremamente vaidosa, ela

passa a cobrar cada vez mais impostos para sustentar uma vida de regalias. Ao mesmo tempo

mantém presa em seu quarto a enteada, Branca de Neve (Lily Collins). Ao completar 18 anos,

Branca de Neve resolve sair do castelo e conhecer a realidade de seu reino. Horrorizada com a

situação de fome e miséria do povo, ela retorna decidida a derrubar a rainha. Na sua luta para

conquistar o trono a que tem direito e também para ganhar o coração do príncipe encantado

(Armie Hammer), Branca de Neve contará com a ajuda dos leais e destemidos sete anões

nessa aventura cheia de romance, rivalidade e humor. Na figura 3, a caracterização dos três

personagens principais.

Figura 3 – O príncipe Andrew Alcott, a princesa Branca de Neve e a rainha Clementianna, no

filme Espelho, Espelho Meu de 2012

Fonte: http://www.meupapeldeparedegratis.net/movies/pages/mirror-mirror.asp, acesso em 31 de Julho de 2015.

Em contrapartida a divertida história acima mencionada, surge Branca de Neve e o

Caçador de Rupert Sanders (figura 4). Nessa outra versão lançada em 2012, da clássica

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história da menina com a pele branca como a neve, os lábios vermelhos como o sangue e os

cabelos pretos como o ébano, um reino é dominado pela tirania. A vaidosa e egoísta Rainha

Ravenna (Charlize Theron) descobre que sua enteada, Branca de Neve (Kristen Stewart), está

destinada a superá-la não apenas como “a mais bela de todas”, mas também como governante

do reino. A rainha ouve de seu espelho mágico (Christopher Obi) que a única maneira de

permanecer no poder é consumir o coração de Branca de Neve e conseguir a imortalidade.

Enquanto isso, Branca de Neve escapa para a Floresta Negra e Ravenna recruta o caçador Eric

(Chris Hemsworth) para matá-la. Eric, no entanto, se apieda da jovem princesa e a ensina a

arte da guerra. Agora, com a ajuda de sete anões, Eric e do Príncipe William (Sam Claflin),

Branca de Neve inicia uma rebelião para derrubar sua madrasta de uma vez por todas.

Figura 4 – Pôster do filme Branca de Neve e o Caçador de 2012

Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-187396/, acesso em 31 de Julho de 2015.

Além de Branca de Neve, Cinderela é um dos contos de fadas mais conhecidos,

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reinventados, reinterpretados e readaptados. Há diversas adaptações em várias mídias

distintas, desse conto atemporal. Do clássico filme da Disney de 1950, passando por Sabrina

(1954), A Noviça Rebelde (1965), Uma Linda Mulher (1990), chegando até A Nova Cinderela

(2004), e essas, para citar apenas algumas.

A magia dos contos de fadas exerce fascínio principalmente sobre o público

feminino. Os rituais que precedem o encontro da heroína com o príncipe despertam no

imaginário o sonho eternamente acalentado de ser feliz através da realização pelo amor. Os

obstáculos a serem transpostos para concretizar a união são um tempero adicional ao

romance, além de alimentar a esperança de que é possível vencer as vicissitudes da vida real.

As mulheres não desejam apenas encontrar o homem certo, a ocasião tem que ser romântica e

complementada pelo encantamento presente na história de Cinderela. Mesmo numa realidade

em que a oferta do amor romântico esteja em baixa, a essência da história permanece no

imaginário do público.

A jornalista Maria Lucia Dahl, em uma de suas crônicas, também brinca com o mito

de Cinderela e a obsessão das mulheres em encontrar o príncipe encantado quando comenta a

paixão de uma de suas amigas por um rapaz 20 anos mais jovem.

Mas que diabo de príncipe é esse que não se aposenta nunca? Que raio deícone é esse que não cai do cavalo? No que um vira sapo, lá vem obarulhinho do galope do substituto. E que mulheres são essas que nãosimplificam a vida, não olham pros homens a pé, só a cavalo e, ainda porcima, branco? Olha, sabe de uma coisa? Estou chocada com minha amiga(DAHL, 2004, p.2).

Na animação Disney de 1950 (figura 5, mostrando todos os personagens principais

do filme), Cinderela vive com sua madrasta, Lady Tremaine, e as duas filhas dela, Anastasia e

Drizella. Obrigada a trabalhar como empregada da casa, ela tem como amigos apenas os

animais que a rodeiam. O local em que vive está agitado devido ao baile que será realizado no

castelo, o qual contará com a presença do príncipe. Como Lady Tremaine pretende que uma

das suas filhas se case com ele, elas se preparam com requinte para o evento. Cinderela,

entretanto, não pode ir. Até que surge a Fada-madrinha, que dá a Cinderela um vestido e

condições para que possa ir ao baile com estilo. Entretanto há uma condição: Cinderela

precisa retornar antes da meia-noite, caso contrário o feitiço será desfeito.

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Figura 5 – Pôster americano da animação Disney Cinderela, de 1950

Fonte: http://www.impawards.com/1950/cinderella.html, acesso em 31 de Julho de 2015.

Em A Nova Cinderela (2004), (figura 6), uma versão inovadora e hilariante do

clássico conto de fadas, dirigida por Mark Rosman, a jovem estudante do ensino médio Sam

Montgomery (Hilary Duff) vive sob o jugo da madrasta egoísta, Fiona (Jennifer Coolidge), e

das suas terríveis filhas, que a tratam mais como uma empregada do que como membro da

família. Pretendendo cursar a Universidade de Princeton, Sam vê sua vida social sem graça

ficar maravilhosamente agitada quando conhece, pela Internet, seu príncipe encantado. Mas

quando descobre que sua alma gêmea cibernética e anônima é seu colega de escola, o

superpopular jogador de futebol americano Austin Ames (Chad Michael Murray), Sam cai na

real, perdendo seu telefone celular exatamente quando falta pouco para o relógio dar meia-

30

noite. Temendo ser rejeitada com a revelação de seu segredo, Sam despista os esforços de

Austin de descobrir a identidade de sua princesa. Será que ela deixará o medo ser mais forte

ou terá coragem de ser ela mesma, tendo direito à vida que sempre quis? Disso depende sua

chance de ser “feliz para sempre”.

Essa adaptação, trás o clássico conto da gata borralheira que calça sapatinhos de

cristal, para os tempos modernos, contextualizando-o na época do ensino médio, abusando do

recurso da Internet e dos celulares, que são os meios de comunicação mais utilizados pelos

jovens, para desenvolver a narrativa. Os elementos característicos da história estão presentes

nesse filme, porém, adaptados para a contemporaneidade, proporcionando uma maior conexão

com o público atual.

Figura 6 – Cena do filme A Nova Cinderela de 2004

Fonte: Retirada do DVD

Os contos de fadas, como já foi explanado, são histórias atemporais que estão

presentes em praticamente todas as culturas do mundo, obviamente, com suas adaptações e

significações, para cada um delas.

De qualquer maneira, elas se mantiveram vivas no imaginário coletivo, devido as

suas implicações humanas. São histórias que retratam a vida das pessoas, e, mesmo que sejam

fantasiadas muitas vezes, lidam com sentimentos básicos, da vida cotidiana, como amor,

honra, fé, medo, inveja, cobiça e afins.

Portanto, é natural que, com o passar do tempo, elas sejam revisitadas, e

31

reapresentadas, de diferentes formas: seja através de adaptações literárias, cinematográficas

ou televisivas, como é o caso da série Once Upon a Time4, que traz os famosos personagens

dos contos de fadas, inseridos em um contexto atual. A série está atualmente na sua quinta

temporada, e é interessante perceber que, nessa narrativa para a televisão, os personagens

vivem em nosso mundo, sem nenhuma memória de seus passados encantados. Eles estão em

busca de seus finais felizes, mas, até que a série se conclua, nunca o encontrarão, e a cada

temporada, lutam contra forças, mágicas ou mundanas, que querem prejudicá-los. É uma

história aparentemente sem fim. De qualquer maneira, essas novas representações são

importantes para renovar conceitos comportamentais necessários a todos, crianças e adultos,

além de instigar a aptidão argumentativa, a criatividade e a capacidade de sonhar das pessoas.

3 CINEMA DE ANIMAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA

A música é uma forma de arte e expressão por si só, mas quando combinada com o

cinema, proporciona uma experiência única de entretenimento. O autor Sebastien Denis

(2010) cita Walt Disney quando enaltece a importância da música e do som para o cinema de

animação: “o som representa 50% de um filme de animação, quer em termos estéticos, quer

econômicos” (2010 p. 90). Ainda de acordo com Denis, há duas escolas distintas que

coexistem na animação:

Uma que concebe a trilha sonora (música e som) de forma redundante eilustrativa em relação às imagens (é também o caso mais frequente nafilmagem real), e a outra que, pelo contrário, concebe a trilha sonora comoum lugar de experimentação, paralelo ao da imagem, em relação constantecom ela (DENIS, 2010, p. 79).

A partir dessas duas vertentes, instaurou-se uma análise da evolução das técnicas de

reprodução e de difusões sonoras que acabaram por resultar no design de som, no cinema de

animação.

A série de curtas metragens Silly Symphonies5 de Disney foi muito importante,

segundo Chion (2011), para a abertura de uma sistematização, de uma relação não naturalista

do som. Devido à grande sincronia entre imagem, som e música há um estabelecimento

4 Era uma vez, na tradução literal para o português, embora a série seja transmitida no Brasil com o nome original.5 Sinfonias Ingênuas, no Brasil.

32

rápido de uma “síncrese”, ou seja, a associação psicofisiológica automática entre um

fenômeno sonoro e um fenômeno visual pontual, percebidos imediatamente como um só

evento, precedente de uma mesma fonte, pelo seu simples sincronismo, e independentemente

da verossimilhança de um em relação ao outro.

Todo o objeto desenhado sincronizado com uma nota de músicatransformava-se nessa música, e esta transformava-se no objeto. A síncresepermitia fazer cantar e dançar o mundo desenhado mais facilmente do que omundo filmado, porque o primeiro é maleável, abstrato, estilizado. Assimcaía a resistência que o mundo opunha a submeter-se ao ritmo e à melodia(Michel Chion apud Dénis, 2010, p. 86-87).

Desde então, estúdios investiram pesadamente em departamentos sonoros e musicais.

Carl Stalling (inicialmente na Disney e depois na Warner) e Scott Bradley (Warner) são

exemplos de compositores que usaram a música para construir a identidade das animações no

imaginário do público. Já na década de 1960, com a produção maciça de animação para o

mercado de televisão, a pressão pelo barateamento força os estúdios a investir novamente em

trilhas repetitivas e minimalistas.

Em outra perspectiva, a animação também serviu como repositório de experiências

musicais quando os estúdios já não mais investiam em filmes reais musicais. Como exemplo

temos A Bela e a Fera (1991) e O Estranho Mundo de Jack (1993), mais próximos do estilo

musical teatral da Broadway; O Submarino Amarelo (1968) viagem audiovisual em torno das

canções dos Beatles; e Pink Floyd the Wall (1982) com sequências animadas alucinadas.

Podemos classificar como importante o papel da música como linguagem primordial

no cinema de animação. Ao longo do século XX, a música foi utilizada de formas distintas

como elemento de síncrese na experiência fílmica. Entretanto, como também analisa Denis

(2010, p. 88), “a música serve muitas vezes para preencher, mais do que para criar uma

interação fecunda com a imagem”. As marcações de movimentos e a interação da imagem

com as músicas utilizadas por Disney nos desenhos do Mickey ganharam posteriormente um

termo adaptado: “mickey-mousing”, como ilustrado na figura 7, utilizando o personagem de

videogame, Mario, como exemplo.

Representando os elementos musicais que acompanham diretamente a imagem, um

exemplo clássico é o som de um personagem subindo ou descendo uma escada, representados

respectivamente por uma escala musical crescente e uma escala decrescente.

Este aspecto da utilização da música apenas como objeto de preenchimento resulta

33

em um “truque” que culmina em saturação e cansaço do público e da crítica. Denis analisa

essa problemática de como a redução da técnica se confunde com o cartoon (desenho

animado) americano.

A introdução do som foi logo entendida como um completo milagre,inspirador e publicitário. Todos os realizadores de desenhos animadosentreviram um mundo de novos e cintilantes usos. Congêneres de uma idadede ouro, precipitaram-se na corrente única e sobrecarregada de um mesmodeslumbramento: o sincronismo. Todos se lançaram na fabricação de ummesmo produto (DENIS, 2010 p. 88).

Figura 7 – Exemplo da tática Mickey-Mousing, usada em um jogo de videogame do Mario

Fonte: http://wombflashforest.blogspot.com.br/2013_11_01_archive.html, acesso em 31 de Julho de 2015.

Essa padronização do uso da música como mero elemento de sincronismo permeará

grande parte da produção em animação, ganhando também espaço na produção televisiva. Do

ponto de vista do diálogo entre linguagens, veremos que há um movimento de duplo sentido,

seja do cinema para a música ou da música para o cinema. Muitas vezes, o tempo do filme é o

tempo da música, sendo possível prestar atenção no plano, no dedilhado, nos músicos.

Arthur Omar (1996 p. 269-288) afirma que o primeiro sentido desenvolvido pelo

homem é a audição, onde depois parte para uma análise mais aprofundada do ouvido, com a

34

dinâmica do “ouvir dentro” (o que vem do corpo) e o “ouvir fora” (o extracorpóreo) e a

questão do labirinto e sua relação com o equilíbrio do corpo. O resultado será o seu conceito

de “música pensamento”, que difere da experiência de uma sala de teatro ou de uma sala de

concerto. Deste ponto de vista, o acompanhamento musical serve para aliviar o poder da

imagem.

Se pegarmos as posições críticas dos intelectuais, observando alguns comentários

subjetivos, teremos a apreciação musical idealizada por conta da experiência interior do

espectador. Como cita Bresson, “o sujeito está de alguma maneira vibrando” (1996, p. 279).

Temos a dicotomia entre a música “no” cinema (para o acompanhamento da imagem) e a

música “do” cinema, cujo conceito traz uma combinação entre a vibração (música) interna do

filme e a vibração interna do espectador, o que resulta em um choque na percepção. O cinema

espacializa a música, ritualiza uma experiência de estar e de ouvir a nossa própria “música do

pensamento”. O cinema coloca a música em situação, lhe alocando em lugares. O cinema

dramatiza o ato de ouvir (gerando um sentido cultural), resultando no espectador a criação de

uma trilha cotidiana.

3.1 O CINEMA DE ANIMAÇÃO: BREVE HISTÓRICO

A animação pode ser considerada, uma das mais complexas e, ao mesmo tempo,

populares, formas de expressão na atualidade. Por ser uma arte diretamente dependente da

tecnologia, a animação, natural e obviamente, se voltou para o caminho dos recursos digitais.

Seu processo criativo de desenvolvimento, se modificou com o passar do tempo,

acompanhando as modificações cinematográficas e as novidades tecnológicas.

Formas legítimas de arte foram criadas através da combinação dos recursos técnicos

com os trabalhos manuais preexistentes, atualizando-os e aumentando seus apelos, para

públicos mais jovens, antenados e modernos. Da fotografia em movimento ao cinema de

animação 3D, a revolução e o desenvolvimento da prática, foram enormes e notáveis, criando

um conceito artístico e um produto, em um mercado, que movimenta bilhões.

Segundo Solomon (1994), o primeiro desenho animado foi realizado em 1906,

chamava-se Humorous Phases of Funny Faces6 e seu o criador, foi o ilustrador James Stuart

Blackton, que, para ser bem-sucedido, teve de aperfeiçoar a técnica da substituição por parada

6 Fases cômicas de faces engraçadas, na tradução literal para o português.

35

da ação. Conforme Carney (1982), essa técnica em questão, nada mais era do que a

manipulação do tempo em uma produção cinematográfica, propiciando um espetáculo

potencialmente ilusionista, do qual o cineasta Georges Méliès, criador do famoso e conhecido

Le voyage dans la lune7 de 1902, foi o grande precursor.

Apesar do apelo que as novas tecnologias proporcionaram à indústria do cinema,

junto ao público, o fascínio dos filmes que exploravam os efeitos de produção, por volta de

1908 começava a esvanecer. Isso porque, de acordo com Crafton (1993), naquela época, os

produtores e distribuidores não exitavam em plagiar e piratear outras peças cinematográficas,

o que acabou levando a uma avalanche de filmes do gênero e, por consequência, a iminente

saturação do público. Além disso, outro fator que o autor destaca como fundamental para o

desinteresse por esses filmes foi o público ser informado sobre o processo básico da técnica

de animação, neles empregados. “Com a revelação do segredo, o encanto fora quebrado!”

A partir desse momento, um problema instalou-se nos estúdios. A indústria de filmes

sofreu uma pequena crise, tentando atrair o público de voltas às salas de projeção, ao mesmo

tempo em que continuava, com pequenos avanços, a modernizar-se, de acordo com as

evoluções do processo criativo da época. Era uma questão de unir, de maneira proveitosa, o

conceito artístico com o embasamento e desenvolvimento tecnológico.

Se a arte, porém, não está na tecnologia em si mesma, mas nas possibilidadesexpressivas que a tecnologia proporciona, a animação teria de voltar-se paraos modelos artísticos tradicionais relacionados à produção visual e que, depreferência, lidassem com o movimento através do tempo, de maneira aformar sua própria identidade. Na verdade, o cinema como um todo ansiavapor estabelecer uma estrutura narrativa e um código estético. As artesgráficas fornecerão o material básico (LUCENA JÚNIOR, 2011, p. 46).

A partir daí, instalou-se um processo de transformação do cinema de animação em

arte propriamente dita, dando-lhe, acima de tudo, uma filosofia estética, afinal, parte da

riqueza artística está justamente na habilidade da exploração da técnica, e não na submissão a

ela. Assim, elementos do universo artístico, com suas infinitas variações plásticas,

adentraram, de verdade, no então emergente, cinema de animação, dando origem a uma nova

arte.

Muitas foram as mudanças ocorridas após essas concepções, e talvez, o maior

responsável por fazer da animação, uma arte a ser respeitada, tenha sido Walter Elias Disney,

ou, apenas Walt Disney, como é mais conhecido. Como Lucena Júnior (2011, p. 81), comenta:

7 Viagem à Lua, na tradução literal para o português.

36

“Walt Disney e os animadores independentes vêm comprovar como o desenvolvimento da

animação é o resultado quase completo da capacidade de um número limitado de pessoas, que

conseguiram a combinação exata de engenhosidade técnica, imaginação e talento artístico”.

Disney estabeleceu os conceitos fundamentais da arte da animação. Com sua

fenomenal sensibilidade artística, noção precisa de cinema enquanto arte associada à

exploração como entretenimento, aliadas a sua gigantesca capacidade empresarial, fez o que

parecia, até então, impossível, tornou a fantasia, realidade, como num passe de mágica.

O impacto das animações Disney foi tão grande e importante para a indústria do

cinema, como um todo, que não é exagero afirmar que o século XX, principalmente, não teria

a fisionomia cultural que o caracteriza sem a influência direta do imaginário do mundo de

fantasia, criado por Walt.

Disney porém, não inventou a animação. Sua jornada foi influenciada por todo o

trabalho que vinha sendo desenvolvido antes da criação de seu estúdio. Esse fato, porém, não

tira o mérito de suas conquistas, pois ele foi capaz de resolver problemas, criar soluções,

desenvolver novos princípios e adaptar certos conceitos, em seu trabalho, criando uma

animação de qualidade até então jamais vista.

Esse sucesso se deve, inicialmente, ao enfrentamento dos problemas entãoexistentes para a formulação de uma linguagem que verdadeiramente dotassea animação de características artísticas próprias – a correta equaçãoenvolvendo imagem desenhada e seu movimento no espaço/tempo. A maispura conquista da arte sobre a tecnologia que lhe permitia existir. Em outraspalavras, ao sujeito que possuía o lápis (a tecnologia) foi oferecido umalfabeto (a arte), para que ele pudesse expressar-se (LUCENA JÚNIOR,2011, p. 97).

Não há dúvidas da gigantesca contribuição de Walt Disney para a indústria

cinematográfica, para o gênero de animação, para a cultura popular, para a difusão da

criatividade e para a estimulação da imaginação, por isso, seu legado permanece vivo, até

hoje. Nas palavras de Lucena Júnior (2011, p. 97): “Disney e seus artistas estabeleceram um

paradigma e, como em outros momentos clássicos da arte, tornaram-se uma referência.”.

Um fenômeno foi criado, a partir de uma paixão por contar histórias através de

imagens e desenhos, um mito surgiu graças ao trabalho de um sonhador e sua equipe, o

resultado, é o encantamento nos corações de pessoas de todas as idades e a noção viva em

nossas mentes de que sim, sonhos podem se tornar realidade.

37

3.2 A MÚSICA NO CINEMA DE ANIMAÇÃO: UMA FORMA DE NARRATIVA

Como abordado anteriormente, a música cumpre um papel crucial no cinema de um

modo geral, e, principalmente, nas produções animadas, onde a sincronia entre o som e a

imagem proporciona uma experiência mais próxima do real possível para os espectadores.

“Desde o início do cinema, buscou-se uma reprodução cada vez mais fiel e completa da

realidade: cenários dando uma imagem exata da natureza, com numerosos detalhes da

existência cotidiana, sonorização e linguagem do dia a dia” (BETTON, 1987, p. 09). Para

Betton (1987) o som possui o papel de facilitador do entendimento da narrativa e aumenta a

capacidade que o filme tem de expressar, além de criar determinadas atmosferas, completando

e reforçando a imagem.

Além de preencher lacunas no enredo, ou dar ênfase a alguma cena, ou caracterizar

determinado personagem, a música é, também, muitas vezes, utilizada como uma forma de

narrativa. “A música pode ser utilizada como elemento fundamental para a própria narrativa

fílmica, na caracterização de personagens, no desempenho de determinadas ações ou na

composição de climas” (OLIVEIRA, 2011, p. 02). Os filmes musicais são um belo exemplo

dessa afirmação, onde a música é utilizada como uma substituta aos diálogos. Os personagens

se expressam através dela: em vez de falarem, cantam, geralmente para exaltar seus

sentimentos, sejam eles bons ou ruins. Momentos importantes no enredo cinematográfico são

pontuados por músicas cantadas, e, muitas vezes, dançadas, pelos personagens.

A utilização da música no cinema terá duas importantes funções: será um elemento

climático e/ou de ligação, ou o foco da ação (no caso dos musicais). A primeira será

justamente a que dará emprego aos compositores eruditos, e a segunda são aqueles em que a

música conduz a narrativa, ou a narrativa está subordinada à música. Os musicais

cinematográficos famosos na década de 1950 podem ser comparados a ópera, cuja ação

também se desenrola em função da música. Aliás, a derivação mais popular da ópera, a

opereta, irá ter uma grande influência na própria composição das músicas e na concepção

geral do argumento destes musicais. Talvez uma primeira experiência em relação à música

fazendo parte de uma animação possa ser considerada a partir de Betty Boop, um dos

personagens de animação mais interessantes, insinuantes e sensuais da história do desenho

animado.

Ela nasceu nos anos 1930, na série Talkartoon (figura 8), produzida por Max e Dave

38

Fleischer e distribuída pelo estúdio da Paramount Pictures. Segundo Berman (2011), após a

Primeira Guerra Mundial, o papel da mulher mudou radicalmente nos Estados Unidos, com a

sua inserção no mercado de trabalho elas tornaram-se mais independentes, seus modos de

vestir e agir foram se transformando. Elas podiam usar os cabelos mais curtos, podiam fumar,

beber e dançavam o “swing”. Todas essas mudanças influenciaram as produções

cinematográficas, que pretendiam cada vez mais acompanhar as mudanças sociais e culturais,

principalmente em meio a uma depressão econômica de grandes proporções. Surge então uma

nova figura representativa da época, uma famosa melindrosa inspirada em Helen Kane (Helen

Clare Schoroeder) e Clara Bow, Betty Boop.

Nessa produção cinematográfica de animação, os irmãos Fleischer apostaram em

uma garota branca, nascida em uma família de imigrantes judeus, que se identifica com a

música negra urbana. Em várias animações realizadas, ela aparece cantando acompanhada por

Louis Armstrong e Cab Calloway. Ainda de acordo com Berman (2011), uma característica

notável de Max e Dave Fleischer é fazer o uso do jazz, ao vivo, como trilha sonora de suas

animações.

Betty Boop foi idealizada por seus criadores como uma mulher independente, de

pernas desnudas, revelando sempre uma cinta liga, decotes generosos, boca formando um

biquinho convidativo e olhos que transmitiam ao mesmo tempo certa malícia aliada a uma

dose de inocência. Ela tornou-se assim, a primeira pin-up animada a ter sua imagem

reconhecida internacionalmente.

FIGURA 8 – Cena de 1930 do cartoon da Betty Boop

Fonte: http://allcartooncharacters.com/betty-boop-paramount-pictures-cartoons/, acesso em 31 de Julho de 2015.

39

Nos anos 1920 e 1930, o som praticamente ditou os parâmetros da animação. Nessa

época, cada estúdio tinha uma série de filmes de animação musical: Sinfonias Ingênuas

(Disney), Harmonias Alegres (MGM) e Melodias Felizes (Warner).

Dentro do contexto das séries de personagens animados, o Gato Félix (figura 9),

criação de Otto Messmer, em 1919, para o estúdio de Pat Sullivan, foi quem “dominou a

indústria de desenhos animados pelo resto da era do cinema silencioso” (MALTIN, 1987,

p.22).

Mesmo não tendo voz, o Gato Félix era facilmente reconhecido através de seu

formato, expressões faciais, movimentos e na maneira de andar, sempre com as mãos para

trás, enormes olhos e um largo sorriso. O personagem logo conquistou o público e a

admiração dos críticos e artistas, o que consolidou a tendência do aparecimento de animais

protagonistas.

Porém, no final da década de 1920 com a chegada do som ao cinema, o produtor Pat

Sullivan resolveu esperar mais um pouco para colocar som na animação, assim o sucesso de

Félix entrou em declínio e o personagem ficou ultrapassado. Joe Orildo, em 1953, adquiriu os

direitos autorais do desenho e resolveu reformular o visual do Gato Félix. Aliado a essas

mudanças Orildo também incorporou ao desenho novos personagens e uma sacola mágica, a

qual permitia que Félix escapasse das armadilhas e também se transformasse no que quisesse.

Essas mudanças permitiram que o sucesso reaparecesse e 260 episódios foram

produzidos para a televisão, em 1958, com histórias mais elaboradas e acompanhadas de um

tema musical, no gênero blues, escrito por Winston Sharples.

FIGURA 9 – Cena de 1920 do cartoon do Gato Félix

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Felix_aprilmaze_03.jpg, acesso em 31 de Julho de 2015.

40

3.3 O JOGO DA IMAGEM E DA MÚSICA NO CINEMA DE ANIMAÇÃO

É interessante perceber que alguns autores e estudiosos a respeito do tema, defendem

que os sons e as músicas, não necessariamente, precisam estar de acordo com as imagens nos

filmes, sejam eles de animação ou live-action8. O conceito da “acusmatização” de Chion

(2011) determina o afastamento dos sons e de suas respectivas fontes para que possam ser

analisadas enquanto objetos sonoros isolados e concretos, portadores de conceitos próprios.

Esses sons podem ser combinados tanto com outros sons quanto com imagens, adquirindo a

capacidade de representações heterogêneas e uma diversidade de significados. Ou seja, o som

não apenas percebido como um acessório ou acompanhamento óbvio da imagem, mas como

um fator multiplicador e amplificador de interpretações e sensações.

“M – O vampiro de Düsseldorf” (1931), de Fritz Lang, é um filme que conta a

história de uma pequena cidade alemã que procura um assassino de crianças. Este assassino é

representado apenas por sua sombra e voz/assobio, só sendo realmente desmascarado no final,

quando uma outra personagem o reconhece através do som produzido pelo seu assobio. Esta

personagem (o assassino), é o exemplo que Chion utiliza para explicar o que é a personagem

acusmatizada.

Outros filmes referidos pelo autor são: “O Testamento do Dr Mabuse” (1933) com a

voz do gênio do mal, “Psicose” (1960) com a voz da mãe e “Soberba” (1942) com a voz do

diretor. As personagens acusmatizadas existem também em “O Prazer” (1952), de Ophuls, “O

Homem Atlântico” (1981), de Duras e no “Pânico” (1996) de Wes Craven, baseadas no

mesmo princípio acusmático. Chion exemplifica com coisas banais do dia a dia, a presença da

voz acusmatizada, citando um telefonema, onde dialogamos com alguém que não vemos.

Este tipo de personagem normalmente se destaca dos restantes, por ser utilizado

como uma representação do mal. A sua voz não exerce um mero comentário no desenrolar da

cena, pertence a um personagem central que se encontra em ação no filme, criando assim uma

relação com a imagem que funciona em duas direções: a imagem contém a voz e/ou a voz

contém a imagem.

8 Live-action é um termo utilizado no cinema, teatro e televisão para definir os trabalhos que são realizados por atores reais, ao contrário das animações.

41

Há alguns anos, assiste-se a um retorno do interesse por formas de cinemanas quais o som já não seria, ou nem sempre seria, submetido à imagem, massim tratado como um elemento expressivo autônomo do filme, podendoentrar em diversos tipos de combinações com a imagem (AUMONT, 2012,p.77).

Assistir a um filme sem efeitos sonoros seria abrir mão de uma parte essencial da

experiência cinematográfica. Não apenas por uma questão tecnológica, já na era do cinema

mudo usava-se som ao vivo ou músicos para auxiliar a história, mas também pela

dramaticidade. Por exemplo, se acompanhada do barulho certo, a imagem de uma porta se

fechando pode indicar o estado emocional da pessoa que a fechou. Existe uma relação direta

entre as técnicas e tecnologias disponíveis para representar o mundo no cinema e a visão que

um cineasta buscará retratar com essas técnicas. Durante o processo de desenvolvimento de

um filme, diretores e seus sonoplastas escolhem como usar o som criativamente para melhor

contar suas histórias e amplificar a experiência proporcionada pelas imagens na tela.

Durante o processo de criação de Star Wars (figura 10), por exemplo, o designer de

som Ben Burtt optou por uma abordagem dramática e emocional de efeitos sonoros, ao invés

do realismo. Por ter estudado Física na faculdade, Burtt preocupou-se em discutir com George

Lucas, diretor do filme, se o espaço de Star Wars seria representado de forma literal, como em

2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), uma vez que o som é composto de ondas e estas

precisam de um meio – o ar – para se propagar, no espaço não há som, conceito científico ao

qual o filme de Stanley Kubrick mantém-se fiel. Este não é o caso de Star Wars, que viola as

leis da física ao mostrar o espaço com sons de explosões e motores de naves, entre outros.

Eu sempre considero o aspecto literal porque, no fim das contas, você estátentando convencer a plateia de uma certa verdade. Você está tentandoconvencê-los de que o som desse objeto, veículo ou arma é real dentro dofilme. […] Mas concordamos em fazer o que seria melhor emocionalmente.Lucas vendeu a ideia dizendo que a trilha sonora não tem explicaçãoplausível, portanto o som no espaço também não precisaria… e decidimosque colocaríamos os sons que precisássemos em nome do impacto dramático.Então deixamos de lado as ideias da Física e decidimos usar som no espaço,que foi muito mais divertido.9

9 Parte da entrevista de Ben Burtt concedida ao site FilmSound, disponível em FilmSound.org, acesso em 31 de Julho de 2015.

42

FIGURA 10 – Estrela da Morte no filme Star Wars Episódio IV: Uma Nova

Esperança, de 1977

Fonte: http://nerdpai.com/o-poder-da-imaginacao/, acesso em 02 de Setembro de 2015.

No aspecto prático, criar efeitos sonoros consiste em dissociar um som de seu

emissor, que vemos na imagem, para reassociar este emissor a outros sons, mais marcantes.

Isso acontece por uma variedade de motivos, como conveniência (o som de pisadas em galhos

de milho ficam melhor, sonoramente, do que o barulho de passos reais na neve); necessidade

(muitas vezes, por motivos de segurança, usa-se vidro falso e outros objetos cenográficos que

não fazem o mesmo som que um objeto real); até motivos éticos, (já que esmagar uma

melancia é muito mais aceitável de que quebrar de verdade a cabeça de uma pessoa). Assim,

apesar de empregados com a intenção de aproximar um filme da realidade, os efeitos sonoros

são mais um dos artifícios de que o cinema dispõe para iludir.

O designer de som Walter Murch, colaborador frequente de Francis Ford Coppola e

premiado com Oscars por Apocalipse Now (1979) e O Paciente Inglês (1996), acredita que os

efeitos sonoros devam construir uma tensão entre o que está na tela do cinema e o que é

insinuado na imaginação do espectador.

43

O perigo do cinema atual é que ele pode sufocar sua plateia pela própriacapacidade de representar o mundo real, pois não possui as válvulas deambiguidade que a pintura, literatura, rádio e o cinema mudo possuemautomaticamente por serem incompletos. Isso engaja a imaginação doespectador para compensar o que é insinuado pelo artista. A responsabilidadedos cineastas é encontrar meios, dentro dessas ferramentas completas, de nãoatingir a completude (MURCH, 1995, p. 237 – 251).

Murch usa como exemplo a sequência de abertura de Apocalipse Now (figura 11),

em que o quarto de hotel do capitão Willard se enche de sons das florestas do Vietnã, que não

estão em nenhum lugar próximo ao quarto real. Essa disparidade entre som e imagem é

solucionada quando, com o auxílio de nossa imaginação, compreendemos que aqueles sons da

floresta estão na mente de Willard. Assim, com espaço para completar as peças de um filme, o

espectador será recompensado com uma experiência mais rica.

No entanto, apesar da grande importância da relação entre som e imagem em

movimento, talvez um dos maiores méritos de um profissional do som é entender também

quando silenciar – escolha que Murch aplica no final do terceiro filme da série O Poderoso

Chefão, criando tensão no momento de dor do protagonista ao separar a imagem daquilo que

esperávamos ouvir. A tensão da dor só é aliviada quando o silêncio – e a trilogia – chegam ao

fim.

FIGURA 11 – Sequência da cena de abertura do filme Apocalipse Now de 1979

Fonte: Retirada do DVD

44

Já foi demonstrado anteriormente, a importância da conexão entre a música, o som e

a imagem no cinema, de forma geral. Uma complementa a outra formando um “todo

narrativo”. A música e os sons trouxeram um grande acréscimo na qualidade das produções

cinematográficas. No cinema animado, não é diferente, pelo contrário, há uma liberdade única

no uso desses recursos, já que a animação distorce a realidade, de certa maneira, onde objetos

falam e cantam e animais possuem expressões cada vez mais humanas, possibilitando aos

estúdios brincar com os sons, muitas vezes, criando-os a partir de materiais aleatórios, como

dito acima. A música, por sua vez, serve como um acompanhamento narrativo para

caracterizar um personagem, ou pontuar uma cena importante, além de muitas vezes,

preencher o silêncio com emoção.

Pode-se dizer que a animação possui uma relação de cumplicidade com omusical. A animação cria abstrações de um universo fantástico que seassemelham às fugas da realidade no musical. Através do número musical, aanimação contextualiza os desejos de seus personagens. Esses gêneros sãoligados através da música. Foi através da animação que o musical sobreviveudepois do declínio do gênero, a partir da década de 1960. Até os dias de hoje,o musical e a animação permanecem associados nos mais variados filmesque ainda apresentam, de uma forma ou de outra, algum tipo de sequênciamusical animada (SOUZA, 2005, p. 56).

O gênero cinematográfico da animação foi um grande auxiliador da difusão da

utilização da música e dos sons na sétima arte. Principalmente quando o nicho de musicais

com atores reais, estava em baixa, a animação deu uma impulsão positiva para o gênero,

apresentando-o para as novas gerações, através das mágicas canções dos estudos Disney,

sempre presentes em suas produções. Ouvir música é um ato universal, e muitos dizem que

ela é a forma de comunicação mais compreendida a nível mundial. Muito pode ser dito,

através da letra de uma canção. Não importa a língua, a melodia e os arranjos encontrarão

uma maneira de tocar o ouvinte. A animação faz uso dessa sensação de entendimento e

conexão coletiva que a música proporciona, para ajudar a tornar seus enredos e personagens,

clássicos, memoráveis, e eternos, fixando-os nos corações e nas mentes de públicos, de todas

as idades.

45

4 THE WALT DISNEY COMPANY: UMA REFERÊNCIA NA INDÚSTRIA DA

ANIMAÇÃO MUNDIAL

Quando se fala em animação, inevitavelmente o nome de Disney é citado. Walter

Elias Disney criou um império sólido, sob bases discutivelmente insólitas: sonhos e fantasias.

Seu trabalho de vida catapultou o gênero cinematográfico da animação para um status de arte,

e difundi-o mundialmente.

Não importa qual direção tomamos – quer se trate de obras de personagensde sucesso ou de filmes experimentais nos quais novas técnicas e grafismossão testados –, a arte só se manifesta quando, por trás do objeto artístico, seencontra um indivíduo motivado com qualidades e conhecimentosespecificamente necessários a esse empreendimento. Não poderia ser deoutra maneira. Por isso se entende que esse sentido de arte advindo com oRenascimento marca uma ruptura com toda a produção visual anterior(LUCENA JÚNIOR, 2011, p.81).

Walt Disney é ainda considerado uma referência no gênero de animação, mesmo

depois de várias décadas de seu falecimento (1966). Suas obras são classificadas como

marcos de qualidade. Sua técnica, estética e sensibilidade para dar vida as suas criações

perpetuam-se por gerações, abrindo espaço para a vivência individual de fantasias inusitadas.

De acordo com Lucena Júnior (2011), The Walt Disney Company é um império

sinérgico que remodelou a indústria do entretenimento, combinando cinema, televisão,

parques temáticos, música, publicação de livros no mercado editorial e merchandising, de um

modo sem precedentes e extremamente bem-sucedido, sendo, mais tarde, incansavelmente

imitado, mas discutivelmente, sem os mesmos resultados satisfatórios.

Fundada em 16 de Outubro de 1923, atualmente com 92 anos, a Disney, como a The

Walt Disney Company é popularmente conhecida, é sediada em Burbank, na Califórnia

(figura 12), sendo uma multinacional estadunidense de mídia de massa com uma das maiores

receitas do planeta.

Devido a sua grande importância e influência cultural, além de longevidade e

consagração no mercado fílmico, discorreremos neste capítulo, sobre a sua história: sua

idealização pelas mãos de dois irmãos, com um sonho, em 1923, passando por suas produções

animadas e a influência e inovação que elas impuseram na sétima arte, culminando com o

potente conglomerado midiático em que a Disney se transformou. O estudo dessa companhia

serve como um importante retrato de uma época da história americana e da consolidação do

cinema como uma mídia de massa e opção de lazer e diversão, para toda a família.

46

FIGURA 12 – Portão de entrada principal da The Walt Disney Co. Burbank,

Califórnia

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/17/Waltdisneyco1.jpg, acesso em 11 de Setembro de 2015.

4.1 WALT DISNEY: UM CONTADOR DE HISTÓRIAS

O começo de uma trajetória de sucesso, conquistas e glórias, cimentada com muita

perseverança e trabalho duro, se deu no ano de 1901, no dia 5 de Dezembro, em Chicago, nos

Estados Unidos, para ser mais exato, com o nascimento de Walt. Filho de Elias Disney e Flora

Call Disney, teve uma infância um tanto quanto conturbada, o dinheiro não era abundante e

sua relação com o pai era problemática e complicada, devido a uma suposta infidelidade da

mãe, nunca comprovada, que o teria gerado. Além disso, segundo Gabler (2009), Elias era um

homem rígido, fechado, impositivo e opressor e maltratava Walt constantemente,

possivelmente devido ao contraste gritante de suas personalidades, já que o segundo era

extrovertido, brincalhão, otimista e alegre.

Walt sempre chamou a atenção, desde pequeno, pregando peças na família e nos

amigos, contando histórias e anedotas. Possuía um espírito livre, o que, geralmente, o

colocava em problemas, já que apesar de esforçado e competente, não era considerado muito

disciplinado.

De acordo com Gabler (2009), o hábito de desenhar sempre esteve presente, desde a

47

sua infância, representando uma espécie de escapismo de uma realidade, que na época, não

era das mais felizes. Dividindo seu tempo, com apenas nove anos de idade, basicamente, entre

a entrega de jornais, negócio mantido por seu pai, e a escola, Walt não tinha muitas opções de

entretenimento.

Além de desenhar, o pequeno Walt gostava de atuar. Escrevia, produzia e atuava em

peças de teatro no colégio e era considerado por seus colegas como “o artista, um tipo de

gênio”. Apesar de suas aptidões artísticas, sua formação foi adiada por uns anos,

principalmente por causa da eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. Walt tentara

alistar-se na Marinha com um amigo, mais foi rejeitado pela pouca idade, tinha na época,

apenas 16 anos. Decidiram então, ingressar no Corpo de Ambulâncias da Cruz Vermelha, com

documentos falsificados, porque a idade mínima para servir era 17 anos, porém, o processo de

seleção era menos rigoroso do que o das forças armadas.

Conforme explica Gabler (2009), Walt só pensava na guerra como uma aventura.

Queria ingressar nela para ter novas experiências e para fugir de sua rotina enfadonha. Além

do mais, parecia ser o certo a fazer, já que seus amigos e irmãos seguiram pelo mesmo

caminho. Pouco tempo depois, Disney foi designado para a França, onde ficou por nove

meses e passou a dirigir ambulâncias e caminhões com carregamentos e suprimentos para as

tropas.

Seu novo contato com a arte só se deu quando ele regressou para os Estados Unidos

e se matriculou na Kansas City Art School, onde começou um breve treinamento de desenho e

composição. Aos 17 anos era um artista profissional, com um trabalho no Gray Advertising

Building, ilustrando anúncios e catálogos. Foi o primeiro passo de Walt Disney na carreira

artística, trabalhando com o que lhe dava mais prazer (figura 13).

Seu sonho era, eventualmente, tornar-se um autor de histórias em quadrinhos, ou

conseguir um emprego como cartunista político, tema este que o interessava bastante. Sua

primeira experiência na área desejada, com tão pouca idade, veio reafirmar e sacramentar sua

vocação artística. Ele sabia que desenhar, ilustrar, e possivelmente, dar vida a suas criações,

era o que pretendia fazer, pelo resto da vida, e não mediria esforços, daí em diante, para

alcançar seus objetivos.

48

FIGURA 13 – Walt Disney trabalhando no começo de sua carreira

Fonte: http://www.papodecinema.com.br/artistas/walt-disney, acesso em 31 de Julho de 2015.

Com o passar do tempo, e após ter vários trabalhos, sempre aperfeiçoando seu ofício,

Walt Disney conheceu os procedimentos técnicos e os artifícios da animação, já bastante

difundidos no começo dos anos 1920. Apesar de ser um desenhista razoável, ele logo de seu

conta de que havia outros artistas, muito melhores do que ele, no ofício, e portanto, resolveu

trabalhar na direção, controlando todo o processo de produção, quando resolveu abrir um

estúdio com seu irmão Roy.

De acordo com Thomas e Johnston (1995, p. 23-25) “Ele tinha um senso estético

apurado, um completo entendimento de estrutura da trama, da narrativa, do tempo. Mesmo

estando aberto e não apenas permitindo, mas estimulando, a contribuição de seus artistas, era

a visão de Disney que prevalecia.”

Para Solomon (1994), sob o ponto de vista de Disney, a animação tinha que ser

compreendida como uma das artes do entretenimento, por excelência e importância.

49

Sua vida tornar-se-ia um esforço contínuo para criar o que os psicólogoschamam de “paracosmos”, um universo inventado que ele poderia controlar,já que não podia controlar a realidade. Desde Mickey Mouse, passando porBranca de Neve e os Sete Anões, Disneylândia e EPCOT, ele continuou atentar refazer o mundo de acordo com sua própria imaginação, assegurar seulugar como uma grande força e evitar que a realidade o invadisse, pararecapturar a sensação de poder da infância que nunca sentira ou que perderamuito tempo atrás (GABLER, 2009, p. 12-13).

Através dessa tentativa, assim como dos contos de fadas, que Disney inspirou-se a

forjar uma ligação com a infância. Walt sempre prometeu uma fantasia em que se poderiam

exercer os privilégios da infância. Muito talvez por isso, o desenho animado passou a ser sua

mídia favorita. Na animação, pode-se brincar de Deus, já que é possível dar vida, ao

inanimado, criando realidades mágicas e instigantes.

Porém, toda a popularidade sempre traz consigo, um certo antagonismo, para aquele

ou aquela que a possui. Disney sofreu diversas críticas no decorrer de sua carreira. Muitas

vezes, o que faz sucesso é rigorosamente atacado, e visto como popular, e não artístico. A

questão era que Disney alegava ser os dois, e isso, enfurecia certos intelectuais da época.

Como sugere Gabler (2009), alguns diziam que seus filmes desfiguravam os

clássicos, que infantilizavam a cultura e removiam os perigos dos contos de fadas com o

propósito de popularizá-los para um mercado de massa, oferecendo, a ilusão de uma vida sem

nenhum problema.

Disney, felizmente, não se abateu com as críticas a ele impostas, pelo contrário,

continuou buscando o aperfeiçoamento de sua arte e do seu trabalho, procurando estar sempre

atualizado em relação as inovações mercadológicas e tecnológicas. Graças a essa tenacidade e

obstinação, em 1933, o curta Os Três Porquinhos é lançado. Para Solomon (1994), trata-se do

mais significativo filme da série intitulada Sinfonias Ingênuas. Pela primeira vez, personagens

fisicamente parecidos revelavam sua personalidade pela maneira de agir. No estilo do

movimento estava a sensação da alma do personagem. Através da encenação o espectador

sente a emoção do personagem desenhado, identifica-o e se envolve com ele.

A arte que Walt Disney criou e desenvolveu, não ficou presa a mecanismos ou

artefatos, porque os ingredientes dela estão na mente do artista. No selo de qualidade dos

filmes Disney, encontram-se os conceitos artísticos que permitem que a comunicação da

imagem seja convincente. De acordo com Lucena Júnior (2011), esses conceitos ficaram

conhecidos como os “princípios da animação” e são eles, doze, ao todo: comprimir e esticar,

50

antecipação, encenação, animação direta e posição-chave, continuidade e sobreposição da

ação, aceleração e desaceleração, movimento em arco, ação secundária, temporização,

exageração, desenho volumétrico e apelo. E Lucena Júnior (2011) ainda completa: “A sintaxe

desses princípios permitiu alcançar a tão almejada 'ilusão da vida’, definida por Walt Disney

como condição fundamental para o envolvimento da audiência”.

De uma infância difícil, desprovida de muitos recursos, a status pop e cult e ídolo

máximo de milhões de pessoas ao redor do mundo. Walt Disney trilhou um caminho que

poucos homens ousaram trilhar antes, ou depois dele. Fez de seu sonho, a obra de sua vida,

sua imaginação, foi sua mina de ouro e sua fé, inteligência, visão e vontade, foram as

ferramentas que construíram os alicerces de seu legado. Um homem simples e comum, mas

com uma determinação ferrenha, que continua encantando gerações com seu trabalho, mesmo

anos após a sua morte. É o tipo de personalidade especial que aparece muito raramente na

história da humanidade, de tempos em tempos. Talvez por isso, sua marca seja tão

significativa. Na figura 14, criador e criatura, dupla responsável pela revolução na área do

entretenimento, a nível mundial.

FIGURA 14 – Walt Disney e Mickey Mouse, em 1930

Fonte: http://www.biography.com/news/mickey-mouse-history, acesso em 11 de Setembro de 2015.

51

4.2 DE DISNEY BROTHERS CARTOON STUDIOS A THE WALT DISNEY COMPANY

Quando ouvimos a palavra Disney, a primeira coisa em que pensamos é: magia. Esse

conjunto de letras exerce poder sobre pessoas de todas as idades, ensinando-as a acreditarem

em seus sonhos, a lutarem por seus ideais e a trabalharem duro, para alcançarem seus

objetivos. Mas, todo esse sucesso e impacto mundial levanta, no mínimo, uma pergunta: O

que tinha Walt Disney de tão diferente, que o fizesse capaz de provocar tamanha revolução no

universo da animação? A resposta seria sua formação? O meio em que passou sua infância e

juventude? Ou talvez sua personalidade? Parece que, na verdade, seu sucesso se deveu a uma

combinação de todos esses fatores, além de, é claro, uma pitada de sorte, muito trabalho duro,

perseverança e a crença de que, para tornar o impossível, possível, basta acreditar.

Segundo Gabler (2009) Disney mudou o ponto de vista americano sobre sua própria

história e seus próprios valores, enquanto reinventava a animação e a diversão e ainda

acrescenta que, muito provavelmente, sua maior fonte de atração e legado, tenha sido definir

os parâmetros do que é o ato de desejar, e demonstrar, em uma escala global, como uma

pessoa pode se tornar mais forte, graças ao uso da imaginação.

Walt fez os sonhos se tornarem realidade, remodelou o mundo, não apenas mais

próximo do desejo do seu próprio coração, mas também dos nossos corações. Gabler (2009)

diz, basicamente, que de muitas formas diferentes, Disney atingiu o que pode ser considerada,

a essência do entretenimento: a promessa de um mundo utópico, que se ajusta aos desejos

mais profundos de nossos corações.

Como já foi explanado, Walt Disney venceu vários obstáculos, até a abertura de seu

estúdio em 1923. Segundo Krasniewicz (2010), nesse mesmo ano Walt resolveu se mudar

para Hollywood na Califórnia, que era considerada a meca da imaginação e das

oportunidades, com apenas 40 dólares no bolso e rolos de uma de suas primeiras séries de

animações, chamada Alice, baseada na clássica obra de Lewis Carroll, Alice no País das

Maravilhas, uma de suas favoritas. Seu plano original, era vendê-la para grandes estúdios, o

que ajudaria a financiar o seu próprio.

Como explana Nader (2009) Walt era tão obcecado com a ideia de perfeição em suas

produções que acabava por gastar, grande parte do dinheiro que ganhava, para produzi-las.

Porém, mesmo não conseguindo muito lucro, devido aos seus gastos exorbitantes, Walt

Disney começou a se destacar em Hollywood graças as suas ótimas animações. Por causa

52

disso, Disney acabou assinando contrato com grandes estúdios, como a Universal Pictures.

Dessa grande parceira surgiram novos personagens sendo, Oswald, o Coelho Sortudo, de

1926, o mais bem-sucedido (figura 15). Com a grande popularidade de seu coelhinho, Walt

decidiu renegociar o seu valor, com os executivos da Universal, com o propósito de obter

mais lucro, infelizmente, graças a uma cláusula contratual mal lida, Walt nunca possuiu os

direitos autorais do personagem, como imaginava. A Universal, por sua vez, além de ficar de

posse de Oswald, dispensou Walt, deixando-o desempregado em Hollywood.

FIGURA 15 – Cena de animação de Oswald, o Coelho Sortudo, em 1926

Fonte: http://www.emdisa.com.br/index.php/feliz-aniversario-disney/, acesso em 11 de Setembro de 2015.

Esse infortúnio, porém, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido com Disney,

pois foi graças a ele, que o seu império começou a tomar forma, com o surgimento daquele

que seria o seu personagem mais icônico, e, posteriormente, se tornaria um símbolo

americano: Mickey Mouse. O début do ratinho simpático com voz de falsete inspirado em

Charles Chaplin se deu em 1928 no curta de animação Steamboat Willie. O seu lançamento

53

foi de grande importância para a história cinematográfica, por ter sido a primeira animação

onde imagem e sons (todos feitos pelo próprio Walt Disney), eram sincronizados,

simbolizando uma grande inovação na área e para a época.

FIGURA 16 – Cena de animação de Mickey Mouse em Steamboat Willie, de 1928

Fonte: http://www.oscars.org/events/history-silent-and-early-sound-new-york-animation, acesso em 11 deSetembro de 2015.

A apresentação de Steamboat Willie ao público catapultou a imagem de Mickey

Mouse a nível mundial. Como Thomas (1966) aborda, o ratinho tornou-se famoso em todos

os cinco continentes e sua popularidade serviu para vender incontáveis produtos licenciados

de merchandising.

Segundo Thomas (1966), a partir do sucesso de Mickey o estúdio Disney conseguiu

produzir animações e enredos mais elaborados e complexos, numa escala até então inédita

para ele. Nos anos subsequentes, surgiram Pateta (1932) e Pato Donald (1934), formando com

Mickey a tríade de sucesso representativa da Disney, abrindo várias novas oportunidades para

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produções animadas, tanto de cada personagem, de forma individual, como aventuras dos três

juntos.

Walt Disney, depois disso, não parou mais. Aventurou-se na produção do primeiro

longa-metragem de animação da história do cinema, Branca de Neve e os Sete Anões.

Sucesso de público e crítica, o filme consolidou a imagem de Walt como um animador e

empreendedor sério, respeitado e venerado. Seu apelo foi tão grande, que o filme foi o único,

na história, a ganhar um Oscar especial honorário: uma estatueta de tamanho normal, e sete

outras réplicas em miniatura, representando os sete anões que acolhem e protegem Branca de

Neve.

Depois da história da menina com pele branca como a neve, os Estúdios Disney

lançaram Pinóquio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941) e Bambi (1942). Infelizmente,

nenhuma dessas produções conseguiu alcançar o sucesso ou obter o lucro, do seu predecessor

conto de fadas.

Com a Segunda Guerra Mundial acontecendo durante o lançamento desses filmes, o

que provavelmente colaborou para seus fracassos em termos de bilheteria, Disney não teve

outra opção a não ser investir em material para o governo como curtas-metragens utilizando

personagens icônicos da empresa, como o Pato Donald, para explicitar a posição americana

em relação a guerra.

Der Fuehrer’s Face (figura 17), ganhou o prêmio de melhor curta de animação na 15ª

edição do Oscar. Seu sucesso, seguido por outras produções de cunho político e idealista,

segundo Moya (1996), ajudaram o estúdio a escapar da bancarrota. Na década que se seguiu,

animações como Cinderela (1950), Alice no País das Maravilhas (1951), Peter Pan (1953), A

Dama e o Vagabundo (1955) e A Bela Adormecida (1959), expurgaram por completo a

sombra da falência nos Estúdios Disney.

55

FIGURA 17 – Pôster americano da animação Disney Der Fuehrer’s Face, de 1943

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Der_Fuehrer%27s_Face.jpg, acesso em 11 de Setembro de2015

Talvez, porém, a maior conquista de Walt nos anos 1950, tenha sido a inauguração da

Disneylândia em Los Angeles 1955 (figura 18).

A Disneylândia seria um filme vivo que os convidados vivenciariam aointeragir nele. E, como nos filmes animados, para concretizar essa visão, aplateia teria a oportunidade de mergulhar totalmente na experiência. Cadadetalhe do cenário precisaria sustentar a história (DISNEY INSTITUTE,2011, p. 91).

De acordo com Nader (2009), o sonho de Walt Disney era levar magia para todos os

lugares, e com a idealização, construção e inauguração da Disneylândia, ele o realizou, já que,

conforme explica Gabler (2009), 3,6 milhões de turistas visitaram o parque em seu primeiro

ano de funcionamento.

Magia e fantasia sempre estiveram presentes no universo de Disney, eram duas

máximas que regiam a vida de Walt e tudo o que ele fazia. Seu primeiro parque temático foi o

repositório perfeito para elas. Nas palavras do próprio: “Eu não quero que o público veja o

mundo no qual vivem enquanto estiverem no parque. Eu quero que eles sintam que estão em

outro mundo” (DISNEY INSTITUTE, 2011, p. 94).

56

É complicado afirmar de onde venha o fascínio causado pela Disney. Muito

provavelmente, seu apelo se dê por causa de seus colaboradores, e do fato de eles sempre

superarem as expectativas do público, seja em um filme ou em um parque temático, prestando

a maior atenção aos detalhes. Entretanto, pode-se apontar que, sem os princípios gerenciais e

a habilidade negocial de Walt, a Disney não seria o epicentro do entretenimento que é hoje.

O parque significa muito pra mim. É algo que nunca estará terminado, algoque eu posso continuar desenvolvendo, continuar ajustando e expandindo.Ele é vivo. Ele será uma coisa viva e vibrante que precisará de mudanças.Quando você conclui uma animação e passa para o tecnicolor, o trabalhoacaba. A Branca de Neve é um trabalho acabado pra mim. Não dá mais pramudar. [...] Eu quero algo vivo, que possa crescer. O parque é isso. Eu nãoapenas posso acrescentar coisas, como até mesmo as árvores continuarãocrescendo (DISNEY INSTITUTE, 2011, p. 122).

FIGURA 18 – Castelo da Bela Adormecida, na Disneylândia

Fonte: http://blogs.kcrw.com/whichwayla/2015/06/disneyland-makes-growth-contingent-on-tax-breaks, acesso em 11 de Setembro de 2015.

Realmente, a Disneylândia continuou crescendo e se expandido, mesmo após o

falecimento de Walt. Seu sucesso de público foi tão grande, que a empresa decidiu construir

um segundo parque complementar, em Orlando, na Flórida. Em 1971, (cinco anos após a

morte de Disney) o Walt Disney World Resort foi inaugurado (figura 19). A proposta de

encantamento e diversão para o público, continuava a mesma, porém, esse segundo parque era

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maior em todos os sentidos e, eventualmente, tornou-se o principal.

O Walt Disney World Resort foi projetado para exibir visões prazerosas e divertidas

para onde quer que os convidados olhem. O que você vê na janela do quarto do hotel ou de

qualquer outro ponto do parque é meticulosamente planejado. Isso resulta numa experiência

única para o público visitante, porque dependendo de onde ele estiver, dentro do parque, sua

percepção e apreciação do mesmo mudará. Talvez por isso, muitos dizem que não importa

quantas vezes se vá aos parques da Disney, eles sempre serão vistos e aproveitados de

maneira diferente.

FIGURA 19 – Castelo da Cinderela, no Walt Disney World Resort

Fonte: http://www.jetblue.com/vacations/walt-disney-world-vacations/, acesso em 11 de Setembro de 2015.

Conforme Gabler (2009) explana, Walt tinha o desejo de refazer o mundo conforme a

sua imaginação. E ele acabou sendo bem-sucedido. A Disney está mais relevante do que

nunca, sabendo encantar as pessoas, de geração em geração, retirando-as de suas realidades

monótonas e transportando-as para um verdadeiro “país das maravilhas”. De Disney Brothers

Cartoon Studios a The Walt Disney Company: a história do homem sonhador e de seu fiel

camundongo escudeiro, redefiniu o cinema, a indústria do entretenimento e a América, como

um todo.

58

O sincronismo entre Disney e a América seria a sua marca. Sua imaginaçãoformou uma dupla-hélice com a imaginação americana. Obviamente, otrabalho de Disney tinha apelo universal, mas na América com sua crençaquase religiosa nas possibilidades, a urgência em realizar o desejo ecoava deforma especial. Tanto na imaginação de Disney quanto na imaginaçãoamericana era possível afirmar a vontade individual sobre o mundo; erapossível, usando o próprio poder, ou, mais exatamente, mediante o poder dabondade inata, alcançar o sucesso. Na verdade, em uma formulaçãotipicamente americana, nada mais importa, salvo a bondade e a vontade(GABLER, 2009, p.13-14).

4.3 A ESPECIALIDADE: FILMES DE ANIMAÇÃO

A animação é o processo de criar imagens ilustradas e colocá-las em movimento. Os

irmãos Lumière começaram a apresentar fotografias animadas através do cinematógrafo, em

1895. As exibições foram: “A chegada de um trem à estação” e “A saída dos operários de uma

fábrica”. Até o início de 1910, os artistas estavam apenas preocupados em dar movimento as

suas criações. Em 1914, o mercado foi considerado saturado de animações, isso fez aumentar

a procura por novas técnicas que despertassem novamente o público, por este tipo de arte,

pois:

Não se tratava de desvincular a arte da animação da técnica que lhe permitiaexistir (algo impossível), mas submetê-la a determinações artísticas – afinal,parte da riqueza artística está justamente na habilidade da exploração técnica.Para a emergência da animação como arte, tornava-se imperativo odeslocamento da técnica da animação do centro de atenção do espectador(LUCENA JÚNIOR, 2005, p.49).

Foi então, que surgiram os estúdios de animação o que permitiu o avanço artístico e

técnico da animação. Em 1914, Earl Hurd com a sua invenção de desenhar sobre folhas de

celuloide, proporcionou uma maior liberdade dos cenários, os quais poderiam ser pinturas,

fotografias ou qualquer coisa que o artista desejasse.

A partir daí, foi institucionalizado o uso do acetado na indústria de animação,

contribuindo para que a animação obtivesse o status de arte ou criação artística e os

animadores conseguiram reavivar a animação aos olhos do público. Com a necessidade de

manter sempre a técnica de animação renovada, os artistas se empenhavam cada vez mais em

melhorar o processo de animação e tornar suas criações mais atrativas.

Em 1915, os irmãos Fleischer criaram a técnica da “rotoscopia” que consiste na

utilização de um modelo vivo como referência nas filmagens e os animadores trabalham

59

quadro a quadro tornando a animação mais suave e real. As imagens de cada quadro podem

servir como referência para criação do desenho por completo. Ao descobrir essa nova técnica,

a rotoscopia, Walt Disney resolveu adotá-la para fazer seus filmes de animação, como: Peter

Pan (figura 20), Alice no País das Maravilhas, Branca de Neve e os Sete Anões e a Bela

Adormecida, entre outros.

FIGURA 20 – Utilização da técnica de rotoscopia na animação Disney Peter Pan, de

1953

Fonte: http://www.animasan.com.br/rotoscoping-a-tecnica-por-tras-dos-grandes-filmes-da-disney, acesso em 11 de setembro de 2015.

A década de 1930 foi considerada como renascimento dos estúdios de animação,

época em que a empresa Technicolor anunciou uma grande evolução no sistema de colorir os

filmes. Até a década de 1940 a animação foi considerada apenas como um “desenho

animado”, mas com o esforço dos animadores e a melhoria das técnicas empregadas, os

animadores conseguiram demonstrar que faziam arte, cada um com seu estilo de criação. O

60

período entre 1928 e 1940 foi considerado como a fase de ouro da animação e se deve

principalmente ao espírito aventureiro, inovador e criativo de Walt Disney. Lucena Júnior

(2005) diz que:

Não é nenhum exagero afirmar que o século XX não teria as feiçõesculturais que o caracterizaram sem a influência do imaginário do mundoda fantasia criado a partir dos desenhos animados de Walt Disney(LUCENA JÚNIOR, 2005, p.97).

Walt Disney transformou-se em uma lenda e tornou-se uma referência no imaginário

infantil, além disso, é a pessoa que mais ganhou prêmios Oscar em todos os tempos (figura

21). Foi indicado 59 vezes ao prêmio e recebeu 26 estatuetas, sendo 04 Oscares Honorários,

entre eles: Criação de Mickey Mouse, Branca de Neve e os Sete Anões reconhecida como

uma grande inovação e Fantasia por sua extraordinária contribuição para o avanço do uso do

som no cinema.

FIGURA 21 – Walt Disney com algumas de suas estatuetas do Oscar

Fonte: http://www.planetadisney.com.br/oscar-walt-disney-e-o-maior-recordista-de-indicacoes-e-estatuetas, acesso em 11 de setembro de 2015.

61

Foi no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, que ocorreu o declínio dos longas-

metragens de animação e surgiram os grandes desenhos animados para a televisão, entre eles:

Zé Colmeia e sua turma, Os Flintstones, Os Jetsons, Manda Chuva, Scooby Doo e outros,

graças ao talento de Bill Hanna e Joe Barbera que aplicavam uma estratégia que se mostrou

bastante eficiente. De acordo com Lucena podemos resumir a técnica empregada em:

O sistema Hanna-Barbera se baseava num movimento simplificado,cuidadosamente elaborado e cronometrado, com ênfase em poses chave e nomovimento das extremidades dos personagens. Permitia a reutilização deanimações em diversas sequências, eliminando trabalho e, portanto,derrubando os custos (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.136).

FIGURA 22 – Ilustração contemporânea da animação televisiva da Hanna Barbera,

Os Flintstones

Fonte: https://pmcvariety.files.wordpress.com/2014/05/new-the-flintstones-movie-warner-bros.jpg?w=670&h=377&crop=1, acesso em 11 de setembro de 2015.

A série de desenho animado pré-histórica, Os Flintstones (figura 22), foi a primeira a

ocupar um horário nobre na televisão, transformando-se em uma febre nos Estados Unidos.

Com as crescentes ondas de inovações na arte da animação, não podemos deixar de considerar

o surgimento dos computadores, porém ainda eram desconhecidas as potencialidades de seu

uso no meio artístico, o que gerou vários comentários e discussões entre os artistas,

questionando se poderia ser chamada de arte as animações realizadas através do computador.

62

Foi então, que a partir da década de 60 a era digital teve seu impulso. A linguagem, a

modelagem, a iluminação, a textura e a pintura passaram a serem implantadas no computador.

O uso dos computares se intensificou no final dos anos 1970, a técnica de

desenvolver os desenhos em células dominava e os stop-motions10, eram cada vez mais

utilizados, mas foi nos anos 1980 que vários animadores entraram verdadeiramente, em

contato com a computação gráfica, que oferecia maravilhas, porém, ela não contava com

referências artísticas de peso e isso ocasionou a proliferação de animações de péssima

qualidade. De acordo com Lucena Júnior (2005) para que houvesse arte seria necessário que a

tecnologia se tornasse mais flexível e ser absorvida como natural, assim como é encontrado na

relação entre o animador e seu lápis.

Foram então, os comerciais para a televisão que garantiram a sobrevivência dos bons

animadores, já que não mais possuíam lugar garantido nas animações realizadas para o

cinema. Neste período, a Disney era o único estúdio que mantinha uma produção regular de

curtas e longas-metragens. Mesmo assim, o próprio estúdio enfrentava um momento de

transição, principalmente no que se referia a “definição artística” e a tecnologia por si só não

resolveria os problemas de criação. Com os avanços cada vez maiores no campo da

computação gráfica surge em 1986, a Pixar Animation Studios, indústria especializada em alta

tecnologia digital de animação. Em 1995, a Pixar lançou, no cinema, Toy Story (figura 23),

um longa-metragem produzido com ajuda da computação gráfica e o uso do 3D. O filme

tornou-se um sucesso mundial e foi apenas o primeiro de um longo legado de filmes

produzidos por computador.

FIGURA 23 – Personagens da animação da Disney Pixar Toy Story, de 1995

Fonte: http://blog.bytequeeugosto.com.br/parodia-de-toy-story-com-musica-de-raul-seixas/, acesso em 11 de Setembro de 2015.

10 Técnica de animação com fotografias quadro a quadro.

63

A partir de 1998, vários filmes foram lançados pela Pixar, utilizando a mesma técnica

anteriormente aplicada, entre eles: Vida de Inseto, Toy Story 2, Monstros S/A, Procurando

Nemo, Os Incríveis, entre outros. Em setembro de 2006, iniciou-se um novo ciclo de

expansão dos estúdios Disney, cujo marco inicial é a compra dos estúdios Pixar, pela The Walt

Disney Company. Essa parceria tornou-se tão importante que foi considerado um divisor de

águas na animação 3D.

O caminho estava aberto. A orientação a seguir era inequívoca. A animaçãocomputadorizada havia conseguido, enfim ser utilizada para gerar o primeirotrabalho que podia competir seriamente com obras criadas por meiostradicionais (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.433).

Podemos dizer que os anos 1990 foram realmente os mais populares para a

animação, esta década foi a que permitiu aos artistas conseguirem reproduzir de maneira mais

fiel e real os fenômenos da natureza, bem como os personagens. Foi o período de afirmação

da animação computadorizada. E com o sucesso dos filmes lançados pela Disney, a partir de

2005, os estúdios anunciaram que não mais produziriam filmes de animação em 2D,

desenhados à mão, focando apenas nas animações computadorizadas em 3D.

A Disney fez sua fama com contos de fadas, mas com o passar do tempo, observou

que as histórias começaram a perder espaço para enredos mais modernos, o que obrigou o

estúdio a repensar seus clássicos. Um bom exemplo disso foi em 2011, com a troca do título

original de “Rapunzel” para “Enrolados”, com o objetivo de descaracterizar a história de uma

menininha presa e maltratada, como no original, além de atrair o público masculino para as

salas de cinema. As cenas de comédia também foram introduzidas na produção e essa nova

fórmula funcionou tão bem, que o filme se tornou um grande sucesso.

Frozen – Uma aventura Congelante (figura 24), a 53ª produção da Disney (2013),

seguiu esses passos e as semelhanças entre os dois filmes são imensas, as protagonistas são

semelhantes, o visual e o roteiro são açucarados e sim temos drama. Mas a versão adaptada da

Disney, do clássico conto de Andersen, terá um tratamento luxuoso e inúmeros detalhes

diferenciados e um aspecto poético que foi conseguido através da recriação, no computador,

dos desenhos feitos à mão. Sem falar em uma animação totalmente em 3D.

A trilha sonora é outro ponto alto desse filme. Os seus produtores trabalharam

conjuntamente com a equipe para que a música se encaixasse perfeitamente na história. A

música, como marca das criações Disney é utilizada para contar de maneira mais emocionante

64

o enredo e construir uma relação afetiva entre o público e os personagens. Essa produção foi

considerada como um retorno da Disney aos musicais de alta qualidade, rendendo para os

estúdios dois Oscars: melhor filme de animação e melhor canção original. Todo o sucesso

alcançado com Frozen se deve ao fato do filme ter conseguido, segundo críticos e estudiosos,

capturar o espírito dos clássicos da Disney.

FIGURA 24 – Personagens da animação Disney Frozen – Uma Aventura Congelante,

de 2013

Fonte: http://pampili.com.br/5-coisas-que-aprendemos-com-frozen/, acesso em 11 de Setembro de 2015.

A Disney desconstrói em Frozen a sua própria ideia de amor verdadeiro. Nos seus

primeiros contos de fadas, esse amor se materializava na forma de um beijo apaixonado dado

por um príncipe, que salvaria a princesa indefesa. Nessa narrativa emocionante, o enredo gira

em torno da amizade de duas irmãs, e surpreende com uma das maiores quebras de

paradigmas dos contos de fadas: o ato de amor verdadeiro para o fechamento da trama não é o

famigerado beijo romântico, mas sim a coragem de uma irmã, de arriscar a vida pela outra.

Essa capacidade de se reinventar e de mudar seus próprios conceitos de acordo com a época

vigente, faz dos estúdios Disney, um termômetro de comportamento eficiente, e um espelho

dos desejos e anseios das novas gerações.

65

4.4 A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NOS FILMES DE ANIMAÇÃO DA THE WALT

DISNEY COMPANY

Walt Disney, uniu essas duas vertentes do cinema: os musicais e as animações, em

produções de grande sucesso de público, bilheteria e crítica, como A Pequena Sereia (1989), A

Bela e a Fera (1991), Aladdin (1992) e O Rei Leão (1994), além, de mais recentemente, o

aclamado Frozen: Uma Aventura Congelante (2013).

Os estúdios do Mickey desvendaram a fórmula mágica para contar esse tipo de

histórias: criar personagens cativantes e empáticos, pelos quais o público possa torcer e se

identificar, fazê-los passar por grandes provações e experiências de amadurecimento e,

demarcar momentos derradeiros no enredo, através da música, quando, por exemplo, Ariel, a

rebelde sereia de cabelos vermelhos, canta em “Parte do Seu Mundo”, o desejo de ser humana

e explorar o mundo em terra firme, fora do oceano. Esse é um ponto crucial no filme, e a letra

da música, explicita perfeitamente os desejos mais profundos do coração da personagem.

Abaixo, parte da letra da canção.

Eu quero estar onde o povo está

Eu quero ver um casal dançando

E passeando em seus..

Como eles chamam?

Ah! Pés

As barbatanas não ajudam não

Pernas são feitas pra andar, dançar

E passear pela… como eles chamam?

Rua…

Poder andar

Poder correr

Ver todo dia o sol nascer

Eu quero ver

Eu quero ser

Ser desse mundo

O que eu daria pela magia de ser humana

Eu pagaria, por um só dia, poder viver

66

Com aquela gente e conviver

E ficar fora destas águas

Eu desejo, eu almejo, este prazer

Eu quero saber o que sabem lá

Fazer perguntas e ouvir respostas

O que é o fogo? O que é queimar?

Lá eu vou ver…

Quero saber, quero morar

Naquele mundo cheio de ar

Quero viver, não quero ser

Mais deste… mar11

Porém, talvez a primeira grande experiência em relação a um musical de animação,

feita pelos estúdios Disney, tenha sido Fantasia de 1940 (figura 25). Esse filme mostra a todos

a imensa capacidade significante da música, fazendo, talvez pela primeira vez no cinema, com

que a ação dos personagens animados no desenho seja subordinada à narrativa da música. Em

outras palavras, o roteiro de Fantasia é a própria música.

Essa liberdade propiciada pela união da música com a animação, devido a sua

maleabilidade, é o que torna Fantasia, de Walt Disney, um marco no cinema de animação

musical, rendendo, em 1999, uma sequência animada: Fantasia 2000.

FIGURA 25 – Mickey Feiticeiro da animação Disney Fantasia, de 1940

Fonte: http://osmorcegos.blogspot.com.br/2013/11/entre-magos-e-ratos.html, acesso em 11 de Setembro de2015.

11 Retirada do DVD.

67

A partir de Branca de Neve e os Sete Anões (1937), todas as animações dos estúdios

Disney, até os dias de hoje, passaram a ter, pelo menos, uma grande sequência musical. “Da

mesma forma que Berkeley e Astaire, Disney, através da animação, possibilitou ao gênero

musical renovar suas fórmulas” (SOUZA, 2005, p. 53).

Ainda de acordo com Souza (2005), a animação foi o gênero que melhor soube

adaptar e perpetuar a essência do musical, já que é isenta da perspectiva de realidade, e aposta

na transformação livre do mundo real, características também muito presentes nos musicais.

Através da exploração das possibilidades sonoras do cinema, música eanimação contribuíram para a criação da fantasia no cinema. Muitasanimações possuem sequências musicais como síntese da celebração de seuspersonagens. Esse é o caso das animações que fazem apenas referência aogênero, possuindo pelo menos uma sequência musical em sua trama, comoacontece nos filmes da Disney, algumas animações de Tex Avery e ChuckJones, produções da DreamWorks como Shrek (EUA – 2001) e Shrek 2 (EUA– 2004), ambos de Andrew Adamson, e em Monstros S. A. (Monsters Inc. –EUA – 2001), de Peter Docter e David Silverman para os estúdios Pixar.Outras animações se destacam por transportar o gênero musical para ouniverso da animação. Para citar apenas alguns exemplos significativos dessautilização, destacam-se: O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare BeforeChristmas – EUA – 1993) e James e o Pêssego Gigante (James and the GiantPeach – EUA – 1996), ambos de Henry Sellick. (SOUZA, 2005, p. 179).

O Estranho Mundo de Jack (figura 26), repete a bem-sucedida parceria animação –

musical. Com uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Trilha Sonora, o filme traz todos

os atributos característicos de um típico musical norte-americano: uma estrutura narrativa

clássica (linear, com personagens heroicos, finais felizes, relações amorosas) e a música como

elemento fundamental na narrativa para se compreender os personagens. Há uma integração

dos números musicais com a forma como a história é narrada: a música é a maneira escolhida

para se contar a história.

As músicas transmitem sensações que reforçam o poder da imagem. Ascanções dão informações importantes sobre o estado de espírito dospersonagens, suas crenças e seus sonhos. Com canções bem-adaptadas, quefluem dando uma continuidade natural à história, é como se os personagenssó pudessem expressar seus verdadeiros sentimentos através da música(SOUZA, 2005, p. 55).

68

FIGURA 26 – Pôster americano da animação Disney O Estranho Mundo de Jack, de

1993

Fonte: http://www.ebay.com/itm/NIGHTMARE-BEFORE-CHRISTMAS-CineMasterpieces-1SH-DS-ORIGINAL-MOVIE-POSTER-1993-/180915342255, acesso em 11 de Setembro de 2015.

Em tempos mais recentes, animações como Wall E (2008), da Pixar, onde metade do

filme não possui diálogos, apenas sons e músicas para narrar a história, ajudaram a consolidar,

para o público moderno, o poder narrativo do som e da música no cinema. A produção foi um

sucesso, vencendo o Oscars e o Globo de Ouro na categoria de Melhor Animação, entre outras

premiações, provando, que é possível cativar novas audiências, principalmente exigentes

como a infantil, sem necessariamente, fazer uso das palavras.

5 CONTOS DE FADAS E SUAS ADAPTAÇÕES PELA THE WALT DISNEY

COMPANY

Como explicado anteriormente, Walt Disney utilizou massivamente os contos de

fadas para divulgar e difundir sua marca. Ele sempre se encantou com essas histórias, talvez

69

pelos elementos mágicos e fantásticos que elas possuem, ou pelo apelo que elas exerciam em

sua criança interior.

Além disso, contos de fadas podem alcançar todos os públicos, crianças, jovens e

adultos, o que fez com que Walt apostasse neles em momentos cruciais para seu estúdio. Sua

primeira aposta nesse tipo de narrativa, como abordado acima, foi Branca de Neve e os Sete

Anões, o primeiro longa-metragem animado da história, que acabou se tornando um grande

sucesso e um marco na história do cinema.

Anos depois, foi a vez do clássico conto de Charles Perrault ser adaptado pelos

estúdios do Mickey. Cinderela foi lançado em 1950 em uma época de crise para a empresa, e

novamente, um contos de fadas salvou Walt da ruína.

Coelho (1987) reafirma o começo sombrio dessas narrativas fantásticas quando diz

que elas não eram literatura para crianças. A autora ainda acrescenta que o início dessa

transformação teria se dado com Perrault, no século XVII, na França; com os Irmãos Grimm,

no século XVIII, na Alemanha; com Andersen no século XIX, na Dinamarca; e com Walt

Disney, no século XX, na América.

Por causa disso, este capítulo visa estudar como Disney resgata essas histórias

antigas e transporta-as para o século XX, através de suas animações tão populares. Com uma

estética toda particular, essas produções geralmente são as únicas versões que a maioria das

pessoas conhece dessas narrativas, as originais acabam sendo obscurecidas. Dessa forma,

abordaremos aqui três contos de fadas: Branca de Neve e os Sete Anões, dos Irmãos Grimm,

Cinderela de Charles Perrault e A Rainha da Neve de Hans Christian Andersen, suas

interpretações literais e fílmicas para podermos analisá-las e compará-las de maneira

apropriada.

5.1 SOBRE O CORPUS SELECIONADO E A ANÁLISE

Ao longo da história, os filmes constroem e espalham suas mensagens, através do

uso intencional de determinadas imagens. Uma análise dessas imagens fílmicas nos permite

interpretar o seu significado de uma forma mais intensiva e emocional. As imagens causam

grandes impactos e muitas vezes, detalhes nos passam despercebidos, devido à rapidez com

que elas nos são apresentadas, a intensidade das cores, a suavidade da música ou a beleza da

trilha sonora que se apresenta. Todos esses elementos constituem uma narrativa fílmica

70

específica que é interpretada pelas pessoas, através de uma imagem mental particular de cada

um.

O que é interessante na imagem mental é esta impressão dominante devisualização, que se aproxima do sonho. É precisamente o contrário do quequalquer um de nós experimenta em primeiro lugar, quando tenta demonstrara semelhança entre o visionamento do filme e a atividade psíquica (JOLY,2007, p.21).

Em uma análise fílmica, a narrativa está sempre ligada ao enredo de uma história e

deve compreender dois pontos: descrição e interpretação existindo assim, uma materialização

do enredo, através das imagens, músicas, falas e tudo que possa contribuir para uma produção

cinematográfica. Para Maffesoli (2001) é dessa forma que o cinema articula a técnica com o

emocional.

Toda a produção de obras cinematográficas revela algo de real sobre o período que

foi feita. O estudo do uso das imagens torna-se necessário, para que se possam compreender

as mudanças que surgiram, ao longo do tempo, nos filmes. O surgimento do som nas

animações trouxe uma fluidez às imagens e facilitou a compreensão dos seus significados.

A música passou a ser elemento fundamental nos filmes e animações, a trilha sonora

passou a ter papel decisivo na narrativa emocional da história, muitas vezes substituindo

diálogos, como já foi explanado previamente. A música se associa as imagens, mas não

apenas como um acompanhamento, mas sim, como uma moldura de criação. Os ruídos

provenientes algumas vezes, dos instrumentos musicais utilizados passam a dar uma

expressividade, nas animações, principalmente nas antigas.

À medida que surge uma produção cinematográfica mais elaborada,encontra-se também uma crescente sofisticação nos acompanhamentosmusicais. Alguns filmes apresentam inclusive, partituras compostasespecificamente para eles (MANZANO, 2003, p.29).

Se a música e as imagens são utilizadas conjuntamente de forma harmoniosa tornam-

se uma ferramenta poderosa, capaz de atingir de forma efetiva e com grande impacto, o

espectador, criando uma atmosfera real, mesmo em um mundo imaginário e fantasioso, pois o

som tem papel importante na estética das imagens. O próprio Walt Disney experimentou a

força expressiva do som em relação às animações e soube como ninguém incorporá-la em

suas produções. Entre elas serão analisadas: Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela e,

mais recentemente, Frozen – Uma Aventura Congelante.

71

Manzano (2003) complementa dizendo:

Desde o começo, o objetivo do acompanhamento musical sempre foi o demelhorar o filme, de aperfeiçoá-lo. […] A preocupação dos exibidores eraagradar o espectador, sem que este tivesse outro motivo de distração que nãoo filme (MANZANO, 2003, p.27).

É interessante perceber que a imagem associada à outra forma de linguagem, a

música, permite que surjam emoções e significados reais diante de uma cena abstrata ou

fictícia, os quais o espectador guarda na memória, revivendo-os quando colocado novamente

em uma mesma situação.

Em suas produções, principalmente, nas de longa metragem, Disney faz uso da

música para reafirmar determinadas situações, as quais seus personagens são submetidos.

Como por exemplo: em Branca de Neve e os Sete Anões, na cena em que a princesa se

encontra perdida no bosque, a música faz com que as imagens se tornem mais sombrias e

dramáticas, o medo e o pânico tomam conta da personagem, passando ao espectador um

sentimento de realismo, durante a cena.

O mesmo acontece em Cinderela, quando ela canta, ao acordar, com os passarinhos.

A música faz com que o público, ao observar as imagens, sinta-se extremamente feliz como

ela, apesar de todas as adversidades sofridas pela personagem. Já em Frozen – Uma Aventura

Congelante, a música cantada pela personagem Elsa, Let It Go, no original em Inglês e, Livre

Estou, na adaptação brasileira, acompanhada das imagens criadas para a animação da

construção do castelo de gelo, fazem dessa sequência uma obra maravilhosa, onde o

espectador além de se sentir inserido na cena, compreende a emoção da personagem,

comovendo-se com ela e torcendo por seu final feliz.

Ao se analisar as produções cinematográficas da Disney, podemos dizer que cada

novo personagem feminino, reflete o papel da mulher na sociedade, de acordo com o período

que foi criado. Quanto mais independentes as personagens femininas se tornaram, mais

estereótipos de beleza e comportamento foram quebrados, de acordo com o pensamento de

Wolf (1992). A letra das músicas que essas protagonistas cantam, exemplificam suas visões de

mundo, seus objetivos, anseios e desejos, conectando-as ainda mais, com o público.

A união entre a imagem e a música construída de forma consciente e integral, faz

crescer a dúvida se a cena foi criada para acompanhar a música ou se a música foi elaborada

para acompanhar a cena. O importante é perceber que tanto a música, os sons e a trilha sonora

72

não foram elaborados apenas com o intuito de acompanhar as imagens, mas sim como fator

importante na narrativa da história. Rodríguez (2006) corrobora essa noção quando afirma:

Agora, o som de vento, chuva e trovões deixou de ter o valor de indicar queestá chovendo e ventando, pois, enquanto narramos as situações do heróidentro do castelo, isso é obviamente irrelevante. O essencial desses sons ésua capacidade de comunicar para o espectador que contempla a sequência asensação de insegurança e de perigo. Criamos, portanto, um novo sentido quenão é o de índice, e evidentemente também não é o de signo linguísticoarbitrário (RODRÍGUEZ, 2006, p. 40).

5.1.1 Branca de Neve e os Sete Anões (1937): o conto de fadas e o autor

A produção pela Disney, do longa-metragem Branca de Neve e os sete anões sofreu

várias modificações em relação ao conto original, tornou-se mais brando, a rainha má não era

sua mãe, como no original e sim sua madrasta, não desejava comer seu fígado e pulmões,

apenas ter seu coração. Muitas versões surgiram em diversos países da Europa e em cada uma

delas uma nova modificação era observada, seja no caixão, na relação da rainha com Branca

de Neve ou nos detalhes descritos de sua morte. Essas modificações variavam de cultura para

cultura. A produção da Disney torna-se a versão mais popular, criando duas personagens

completamente opostas. A rainha descrita como uma pessoa perversa, fria, desumana e má,

que somente se importava com a sua beleza. Em contrapartida, uma jovem linda, amável e

extremamente meiga, disposta a ajudar quem necessitasse. A figura 27 ilustra a clássica cena

da rainha, disfarçada de camponesa, entregando um cordão à Branca de Neve, com o qual ela

a sufoca.

73

FIGURA 27 – Ilustração do conto Branca de Neve e os Sete Anões

Fonte: http://www.maiachance.com/wp-content/uploads/2013/02/Snow-White-illustration-by-Heinrich-Leutemann-or-Carl-Offterdinger-end-19thc.jpg, acesso em 01 de Outubro de 2015.

Sobre os autores de Branca de Neve, os irmãos Grimm nasceram na Alemanha, na

cidade de Hanau. Jacob nasceu em 1785 e Wilhelm um ano após, em 1786. Estudaram na

Universidade de Marburg e neste período, um professor tornou-se o incentivo para que o

interesse pela história e literatura alemã, fosse despertado. Foi a partir daí, que eles

resolveram compilar os contos populares alemães, recolhidos de várias regiões, eles queriam

que a “voz pura do povo” fosse preservada em folhas impressas. Para isso, basearam-se em

várias fontes orais e literárias e a maioria de seus informantes foram mulheres cultas, mas

também pessoas mais populares, consideradas “ignorantes”, na época, o que desagradou

vários críticos.

As críticas fizeram com que, o enfoque da compilação dos contos, se transformasse

de um documento histórico e literário, destinado à consulta, em uma leitura para crianças,

antes de dormir. Em 1812, foi publicado o primeiro tomo dessa compilação e três anos após,

em 1815, a publicação do segundo tomo, ambos sobre o título de Contos da Infância e do Lar.

74

Hoje, adultos e crianças leem os Contos da Infância e do Lar sejam eles ilustrados ou

não, fiéis ao original alemão ou modificados, isso não importa, pois o que realmente os

leitores desejam são as sensações das experiências vividas, pelos personagens, que habitam

esse universo de histórias.

A contribuição dos Irmãos Grimm, para o mundo das histórias tornou-se inestimável

e várias gerações de crianças vivem até hoje sob o encanto desses contos, principalmente, por

aqueles adaptados pela Disney.

Wilhelm Grimm morre em 16 de dezembro de 1859 e Jacob Grimm em 20 de

setembro de 1863, mas deixaram um legado que é considerado como entre os poucos livros

indispensáveis.

FIGURA 28 – Retrato dos Irmãos Grimm

Fonte: http://www.biography.com/news/brothers-grimm-facts, acesso em 01 de Outubro de 2015.

5.1.1.1 A adaptação Disney

Como dito anteriormente, em 21 de dezembro de 1937, o Carthay Circle Theater

exibiu o primeiro filme de animação produzido em Hollywood: Branca de Neve e os Sete

Anões. Durante três anos, mais de 750 artistas trabalharam no filme. Em 1939, a produção

recebeu um Oscar, entregue a Walt Disney pela, na época, menina prodígio, Shirley Temple.

Para Walt, ver o projeto do filme Branca de Neve e os Sete Anões ser concluído foi

um sonho se tornando realidade. Tudo começou quando Walt tinha 15 anos e em 1917 assistiu

a uma versão para o cinema mudo de Branca de Neve, a partir desse momento, Disney nunca

parou de pensar nessa história.

A primeira coisa a fazer para adaptá-la, foi transformar em desenhos todas as cenas

75

do clássico dos irmãos Grimm, adaptando-as quando necessário. Foram feitos,

aproximadamente, 24 desenhos para cada segundo de Branca de Neve e os Sete Anões. Os

desenhos dos personagens eram feitos enquanto, ao mesmo tempo, outros artistas pintavam os

fundos e as paisagens com aquarela. Quando a sequência de desenhos era aprovada, de modo

que a imagem ganhava movimento sem erros aparentes, ela era enviada para os laboratórios

de pintura. Depois de juntarem os desenhos com os fundos e paisagens, cada desenho que

formava os quadros do filme mostrou ser uma verdadeira obra de arte. Por fim, eles tinham

que sincronizar os desenhos com os efeitos sonoros. O som é gravado exatamente do jeito que

o escutamos no filme. Por exemplo, para gravar o som da cena em que todos os objetos do

armário caem em cima de Dunga, várias madeiras foram jogadas do alto de uma escada.

Coordenar todo esse trabalho em equipe foi um grande esforço, mas valeu a pena, devido ao

grande sucesso do material final.12

Walt sempre se referiu ao filme como “o começo de tudo”, e ele tinha razão. A

história, a narrativa, os personagens, os sentimentos, tudo é muito poderoso e genuíno. O

filme continua sendo uma fonte de inspiração para muitos, o que o torna atemporal. O que

mais surpreende é que mesmo tendo sido feito em uma época onde não se podia contar com

gráficos de computador, ou tecnologia 3D, Branca de Neve e os Sete Anões, pode ser

comparado, sem problema algum, em termos de qualidade e mérito, com produções animadas

da atualidade, que usufruem de todas essas facilidades.

5.1.1.2 A análise da cena

Para realizar a análise cênica de Branca de Neve e os Sete Anões (1937), tomaremos

por base o modelo de Laurent Jullier e Michel Marie, apresentado no livro Lendo as Imagens

do Cinema (2009).

12 http://blogs.disney.com.br/disney-classicos/2013/12/21/75-anos-classico-classicos-branca-neve-sete-anoes/, acesso em 01 de Outubro de 2015.

76

Branca de Neve e os Sete Anões

Branca de Neve e os Sete Anões, 1937. Direção: Ben Sharpsteen, David Hand, Larry Mory,

Perce Pearce, Wilfred Jackson, William Cottrell. Produção: Walt Disney. Roteiro: Dick

Rickard, Dorothy Ann Blank, Earl Hurd, Merrill De Maris, Otto Englander, Richard Creedon,

Ted Sears, Webb Smith. Dublagem (em inglês/em português): Adriana Caselotti/Dalva de

Oliveira (diálogos) e Maria Clara Tati Jacome (canções) (Branca de Neve), Harry

Stockwell/Carlos Galhardo (Príncipe Encantado), Lucille La Verne/Cordélia Ferreira (Rainha)

e Estephana Louro (Bruxa) (Rainha/Bruxa), Moroni Olsen/Almirante (Espelho Mágico),

Stuart Buchanan/Túlio de Lemos (Caçador), Billy Gilbert/Edmundo Maia (Atchim), Pinto

Colvig/Baptista Junior (Soneca), Pinto Colvig/Aristoteles Pena (Zangado), Otis Harlan/Luiz

Motta (Feliz), Scotty Mattraw/Pery Ribeiro (Dengoso), Roy Atwell/Magalhães Graça

(Mestre), personagem mudo (Dunga). Duração: 83 minutos.13

Resumo

Uma rainha muito bela, porém má e invejosa, resolve mandar matar sua enteada,

Branca de Neve, uma princesa bastante bela e bondosa. Isto porque, segundo seu espelho

mágico, ela era a mais bela de todas. Mas o carrasco contratado pela rainha que deveria

assassiná-la, a deixa partir. Durante a fuga pela floresta, Branca de Neve encontra a cabana

dos sete anões, que trabalham em uma mina, e que passam a protegê-la contra todos os

perigos. Algum tempo depois por intermédio de seu espelho, a rainha descobre que Branca de

Neve continua viva. Então, ela faz uma magia que a transforma em uma senhora vendedora de

frutas horrivelmente velha e feia e vai atrás da moça para lhe oferecer uma maçã envenenada,

que faz com que Branca de Neve caia num sono profundo. Porém, ela é salva pelo príncipe, o

grande amor de sua vida, que a desperta com um beijo de amor. Como os Irmãos Grimm eram

alemães e levando-se em conta as roupas usadas pelos personagens do filme, especula-se que

a história se passe na Alemanha do século 15, sendo que nesta época a Alemanha ainda não

era um país unificado e era dividida em vários reinos.14

13 http://filmow.com/branca-de-neve-e-os-sete-anoes-t1271/ficha-tecnica, acesso em 01 de Outubro de 2015.14 http://filmow.com/branca-de-neve-e-os-sete-anoes-t1271/ficha-tecnica, acesso em 01 de Outubro de 2015.

77

Em torno do filme

Este desenho animado é um marco da história do cinema, como muitas vezes já dito

acima, não somente pela revolução que ele proporcionou na indústria e no entretenimento,

mas também por ser uma produção que conseguiu agradar na época, e continua agradando,

todo o tipo de público. Crianças são atraídas pela beleza das imagens, pelas músicas

divertidas e pelos personagens carismáticos. Os adultos, são instigados pelos temas mais

obscuros e densos retratados no enredo, como relações familiares abusivas, sentimentos

negativos e atos condenáveis. Branca de Neve e os Sete Anões é um filme que retrata a

bondade e a pureza do ser humano, ao mesmo tempo que mostra sua malevolência e malícia.

Essa dualidade, claramente exibida nessa animação, talvez seja a chave para o seu sucesso.

Ela demostra a realidade, mesmo que em um contexto maravilhoso. Há pessoas boas no

mundo, também há pessoas más, e há aquelas que são ambas, dependendo da situação, e todas

elas são representadas nos personagens desse filme, de alguma forma. Talvez haja realmente,

algo de mágico nesse filme, um sentimento de esperança, de fé, que qualquer pessoa pode se

relacionar, não importando sua época, o que o torna clássico e memorável. Não há quem

nunca tenha ouvido falar, ao menos uma vez, em Branca de Neve. Pelo menos os arquétipos

narrativos, todos conhecem: a maçã envenenada, a rainha malvada, os sete anões… e a versão

de Disney é bem-sucedida em cimentar essas “imagens mentais”, na mente do público, desde

1937.

Situação da sequência

Branca de Neve, depois de escapar da morte pelas mãos do caçador, por ordens de

sua madrasta, a rainha, e fugir pela floresta escura, acaba encontrando a cabana dos sete

anões, embora ela não saiba ainda, a quem pertence a construção. Branca entra na casinha e

percebe que ela está vazia, porém habitada, pelo que imagina ser crianças órfãs. A princesa se

dá conta de que o lugar está desmazelado, sujo e desorganizado, então resolve fazer uma

faxina completa na casa, com a ajuda de seus amigos animais, na esperança de que assim, as

crianças a deixem ficar com elas, por um tempo.

78

Análise

Nossa protagonista, Branca de Neve, encontra a cabana dos sete anões, numa

alameda na floresta, acompanhada por seus recentes amigos animais, entre eles, servos,

esquilos e coelhos. A cabana parece bem cuidada exteriormente, porém, encontra-se fechada.

A princesa está vestida com seu traje de colher flores: sapato de salto, saia amarela, corpete

azul e capa bordô. Um laço vermelho na cabeça complementa a vestimenta. Ela diz “eu gosto

daqui!” ao ver a construção pela primeira vez, o que sugere que pretende entrar e conhecê-la

por dentro. O plano da imagem é panorâmico, com certo distanciamento entre o observador e

a ação, mostrando parte da cabana dos anões, alguns animais e todo o corpo de Branca de

Neve. A perspectiva cênica se dá na altura da visão do espectador (figura 29/1).

Uma vez dentro da cabana, a princesa a encontra vazia, porém nota que é habitada,

por pessoas bem bagunceiras, devido a sujeira do lugar, supõe portanto, que sejam crianças

órfãs que moram ali, e desenvolve um plano: “Já sei, se nós limparmos a casa, talvez eu possa

ficar aqui”, diz. Assim, delega a partir daí, tarefas para os grupos de animais que a

acompanham: “vocês lavam a louça, vocês tiram a poeira, vocês limpam a lareira, e eu sou a

varredeira” (figura 29/2). Com a vassoura na mão, e com todos os animais sabendo de suas

tarefas, Branca começa a limpeza, cantando a música “Aprenda uma canção”. Uma estrofe da

letra diz: “Pra quem vai trabalhar, há uma coisa que evita o tempo demorar, aprenda uma

canção, huhummm, que isso ajuda muito a tarefa terminar…”. Percebe-se, ao se analisar a

canção, que a sua letra é simples e autoexplicativa: visa propiciar um aumento da

produtividade, e por isso Branca canta-a, pois espera terminar a arrumação antes que as

“crianças” cheguem e casa, surpreendendo-as. A melodia é alegre e divertida, servindo como

um atenuante para o extenuante trabalho braçal. Com a música animada em conjunto com as

imagens, criamos uma conexão com Branca de Neve, percebemos sua empatia com os

animais, seu esforço, empenho e dedicação em arrumar a casa de pessoas que ela nem

conhece, e de uma maneira geral, sua natureza bondosa e compassiva. Nota-se através da letra

da canção, que Branca de Neve é uma personagem acostumada a trabalhar, visto que a Rainha

a obrigava a isso, no castelo. Mas, ao contrário do que se imaginaria, ela não se recente dessas

tarefas, pelo contrário, as faz com prazer, o que demonstra sua atitude positiva em relação a

vida. De maneira nenhuma, Branca de Neve é amargurada, o que a torna muito mais

79

relacionável.

A sequência torna-se interessante, devido a cooperação dos animais. A eles são

atribuídas características humanas, já que empilham xícaras, como é o caso da tartaruga

(figura 29/3) ou lavam utensílios domésticos, como o servo e o esquilo (figura 29/4). Essa

desconstrução do sentido do que é ser animal, transformando-o em uma espécie de ajudante

da protagonista, será muito utilizada em filmes subsequentes, mas essa noção teve origem em

Branca de Neve e os Sete Anões. A princesa ainda repreende os animais, quando eles se

comportam como tais, por exemplo, ao ver o cervo lambendo um prato para limpá-lo,

exclama: “Não, não, não, não, isso não se faz!” fazendo com que os bichinhos lavem a louça,

como um ser humano faria, na pia, com água e sabão (figura 30/5).

Branca de Neve, já na área externa em frente a cabana, quando a arrumação interna é

finalizada, continua varrendo, limpando e cantarolando a melodia de “Aprenda uma canção”,

junto com seus amigos animais. A câmera vai se afastando lentamente da cena, entrando

novamente na perspectiva de visão da floresta, culminando a sequência em um “fade out”,

técnica em que a imagem vai literalmente se “apagando” até sumir, muito utilizada em

80

finalizações cênicas ou como efeito de transição (figura 30/6).

Uma grande diferença entre essa cena específica, na animação Disney e no conto

original dos irmãos Grimm, é que na primeira, Branca de Neve encontra uma cabana suja,

mau cuidada e desorganizada, o que faz com que seja adicionada a sequência de limpeza e,

por consequência, a canção, sendo que nenhuma das duas (faxina e música), se faz necessária,

no segundo, já que no conto dos Grimm, a princesa se depara com uma habitação limpa, bem-

arrumada e cuidada. Muito provavelmente, Disney resolveu alterar essa cena e readequá-la

para apelar ao público infantil.

81

6.1.1 Cinderela (1950): o conto de fadas e o autor

Cinderela é um ícone, é um clássico absoluto. Talvez uma das histórias mais

conhecidas de todos os tempos, que apresenta um dos arquétipos sociais mais comuns: a

escalada social, a mudança de vida conseguida através da ascensão monetária.

Foi reinventada por praticamente todas as culturas conhecidas, perpetuamente

reescrita e reinterpretada. Uma Secretária de Futuro (1988), com Melanie Griffith e Para

Sempre Cinderela (1998), com Drew Barrymore, entre muitos outros, são filmes que provam,

de forma maravilhosa, como continuamos reciclando essa história, talvez para tentar, de

alguma forma, controlar nossas angústias ou conflitos culturais, em relação ao amor, ao

casamento, aos sonhos, à fé e à esperança. Poucos contos de fadas gozaram de tão rica

sobrevivência literária e cinematográfica quanto Cinderela.

O apelo duradouro de Cinderela, provém não só da trajetória dos trapos ao luxo da

heroína, mas também por causa da conexão da história com conflitos familiares clássicos,

como a rivalidade entre irmãos e o abuso de autoridade.

A figura paterna é praticamente ausente em Cinderela, a materna é representada pelo

doador mágico, a fada madrinha, que dá à heroína os presentes de que ela necessita para

realizar seu sonho e surgir esplendorosa no baile. A mãe substituta, no caso, a madrasta, é

retratada como a antagonista nessa história, tentando boicotar a enteada de todas as maneiras

possíveis. Cinderela, apresenta a figura da mãe em dois opostos polares, o que psicólogos

veem como um mecanismo para ajudar as crianças a elaborar os conflitos criados, quando

começam a amadurecer, e a se desligarem, pouco a pouco, de seus primeiros guardiões, os

pais.

A versão de Cinderela, do francês Charles Perrault, de 1697, em seus Contos da

Mamãe Gansa, será a utilizada para análise neste trabalho, e está entre as primeiras

elaborações literárias completas da história, não possuindo a sanguinolência e selvageria da

versão posterior alemã, dos Irmãos Grimm, de 1812. A adaptação animada da Disney de 1950,

do conto de Perrault, é bastante fiel a sua fonte. Com todos os arquétipos conhecidos da

história, presentes na produção: a abóbora que se transforma em carruagem, o sapatinho de

cristal, o baile até a meia-noite e afins. As diferenças, são mínimas, talvez as mais evidentes

sejam que, na versão literária, Cinderela consiga ser ainda mais bondosa e abnegada do que na

animação, perdoando as irmãs de criação malvadas no final, por todos os seus abusos,

82

levando-as para morarem com ela no castelo depois de seu casamento, e ainda, arranjando

para as parentes emprestadas, matrimônios vantajosos, além de ir ao baile por duas noites, em

vez de uma, como no filme.

Seja qual for a versão, essa clássica história continua, a séculos, encantando pessoas

de todas as gerações.

FIGURA 31 – Ilustração de Arthur Rackham, de Cinderela indo ao baile

Fonte: http://music.utah.edu/news/CinderellaFeaturette.php, acesso em 07 de Outubro de 2015.

Sobre Charles Perrault, ele foi um escritor francês que nasceu em Paris, em 12 de

janeiro de 1628, de uma família ilustre e filho de um membro do parlamento. Foi trabalhar

83

com o ministro Jean-Baptiste Colbert, tornando-se responsável pela escolha dos arquitetos e

pela supervisão da construção do Palácio de Versalhes e do Museu do Louvre.

Perrault e seus seguidores desenvolveram uma oposição radical aos escritores ligados

à antiguidade clássica, principalmente Racine e Boileau. Em 1671, entrou para a Academia

Francesa de Letras, aonde viria a ser o protagonista da disputa entre os “Antigos” e

“Modernos”, devido às suas ideias revolucionárias sobre literatura. A hostilidade dos

opositores às ideias mais avançadas de Perrault fez com que ele deixasse de lado as discussões

da Academia, bem como não se fizesse mais presente nas suas reuniões, para se entregar de

vez à literatura, principalmente ao gênero infantil.

FIGURA 32 – Retrato de Charles Perrault, do séc. XVII, de artista desconhecido

Fonte: https://www.awesomestories.com/asset/view/Charles-Perrault-Portrait, acesso em 07 deOutubro de 2015.

84

Em 1697 foram publicadas “Histórias ou Contos do tempo passado, com

moralidade” fazendo com que Perrault fosse consagrado e reconhecido, pela Academia, como

“moderno”, já que seus contos preocupavam-se com o tipo de literatura ligada ao folclore. A

coletânea dos contos de fadas de Perrault foi baseada em contos populares de origem

camponesa, transportados para uma forma literária mais estilizada, onde as histórias tinham

no final, moralidades, ou seja, indicações morais.

Ele foi um grande divulgador de histórias tradicionais de toda a Europa e a sua mais

famosa obra é os Contos da Mamãe Gansa, livro no qual, escreveu 11 contos antigos

adaptados por ele, onde podemos destacar: Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida, O

Pequeno Polegar, Cinderela e o Gato de Botas. Esses contos estabeleceram a base de um novo

gênero literário, o Conto de Fadas, e por este motivo, foi conferido a Charles Perrault o título

de Pai da Literatura Infantil.

Ele faleceu, em Paris, no dia 16 de maio de 1703, com sua obra reconhecida e

aclamada mundialmente.

6.1.1.1 A adaptação Disney

Cinderela, de 1950, é o décimo segundo longa-metragem de animação dos estúdios

Disney. Baseado na versão de Charles Perrault da história, é o segundo filme da companhia a

ter uma princesa como protagonista, o primeiro sendo Branca de Neve e os Sete Anões, de

1937. Percebe-se que Walt ficou 13 anos sem adaptar um conto de fadas, o que pode ter sido

um erro por parte dele, já que nenhuma outra animação produzida durante esse tempo,

conseguiu o impacto ou a arrecadação da adaptação da história dos Irmãos Grimm, Branca de

Neve, até Cinderela.

A história da Gata Borralheira, já tão famosa e difundida por suas diversas versões,

encontrou a sua representação máxima, até então, pelas mãos do criador do Mickey. A

adaptação animada foi bastante fiel a sua fonte literária, como dito anteriormente, caindo nas

graças do público e da crítica, salvando os estúdios Disney, de uma possível falência na época

de seu lançamento.

Cinderela é considerada uma princesa clássica e idealista, como uma boa

representação das mulheres da década de 1950, é uma ótima dona de casa, habilidosa nas

tarefas domésticas, dinâmica, prestativa e obediente. Porém, talvez a fé e a capacidade de

85

sonhar sejam suas características mais marcantes.

Walt retrata novamente, em Cinderela, os animais como ajudantes, atribuindo a eles,

comportamentos quase humanos, noção estabelecida em Branca de Neve e os Sete Anões, e

que acompanhará as princesas subsequentes. Todas possuem ao menos um animal ao seu lado,

que serve de companheiro, conselheiro e amigo, quase como uma consciência extracorpórea.

Disney, porém, já tinha abordado essa vertente de personagem, muito antes, com o Grilo

Falante em Pinóquio (1940).

A adaptação dessa história atemporal, consolidou os contos de fadas, como uma

opção viável e rentável para a Disney, abrindo um grande leque de outras alternativas, além de

um nicho especial de mercado, dentro da própria empresa. Cinderela provou que os sonhos

podem sim se realizar, com boa vontade, e um toque de mágica, e encantou a todos, adultos e

crianças, com um balanço da varinha de condão.

6.1.1.2 A análise da cena

Cinderela

Cinderela, 1950. Direção: Clyde Geronimi, Hamilton Luske e Wilfred Jackson. Produção:

Walt Disney. Roteiro: Bill Peet, Charles Perrault (livro), Erdman Penner, Harry Reeves,

Homer Brightman, Joe Rinaldi, Kenneth Anderson, Perce Pearce, Ted Sears, Winston Hibler.

Dublagem (em inglês/em português): Ilene Woods/Simone de Morais (Cinderela), Eleanor

Audley/Tina Vita (Lady Tremaine), Luis Von Rooten/Aloysio de Oliveira (Grão Duque),

Jimmy MacDonald/José Vasconcellos (Jaq, Gus, Bruno), Betty Lou Gerson/Sônia Barreto

(Narradora), William Phipps (diálogos), Mike Douglas (canções)/Jorge Goulart (Príncipe),

Lucille Bliss/Suzy Kirbi (Anastasia), Rhoda Williams/Ema D'Ávila (Drizella), Verna

Felton/Olga Nobre (Fada-madrinha), Luis Von Rooten/Luiz Motta (Rei). Duração: 74

minutos.15

15 http://filmow.com/cinderela-t7472/ficha-tecnica, acesso em 07 de Outubro de 2015.

86

Resumo

Cinderela vive com sua madrasta, Lady Tremaine, e as duas filhas dela, Anastasia e

Drizella. Obrigada a trabalhar como empregada da casa, ela tem como amigos apenas os

animais que a rodeiam. O local em que vive está agitado devido ao baile que será realizado no

castelo, o qual contará com a presença do príncipe. Como Lady Tremaine pretende que uma

das filhas se case com ele, elas se preparam com requinte para o evento. Cinderela, entretanto,

não pode ir. Até que surge a Fada-madrinha, que dá a Cinderela um vestido e condições para

que possa ir ao baile em alto estilo. Entretanto há uma condição: Cinderela precisa retornar

antes da meia-noite, caso contrário o feitiço será desfeito. Ao soar a décima segunda badalada

do relógio, Cinderela foge apressada do castelo perdendo um de seus sapatinhos de cristal nas

escadarias, o Príncipe o encontra e a partir daí, inicia-se uma busca por sua dona, aquela com

quem ele pretende se casar.16

Em torno do filme

Cinderela é um filme de animação de grande importância para a indústria do cinema.

Seu legado fala por si só. Além de trazer uma história clássica e conhecida por todos,

recheada de arquétipos relacionáveis, como problemas familiares, a busca pelo amor e pela

realização dos sonhos, também foi um marco para os estúdios Disney, salvando-o em tempos

de crise. Atualmente, foi considerado pelo American Film Institute, como o 9º melhor filme

de animação de todos os tempos.

Cinderela, é, como personagem, discutivelmente, a princesa mais famosa da

empresa, tanto que é reconhecida como a representante da marca Disney Princesas. Como

animação, a produção foi responsável pelo lançamento da gravadora Walt Disney Records, se

tornando o primeiro filme do estúdio, a ter uma trilha sonora patenteada.

O sucesso de suas músicas foi tanto, que rendeu 3 indicações ao prêmio do Oscar em

1951, nas categorias de Melhor Trilha Sonora, Melhor Canção Original e Melhor Som, além

de ganhar, no mesmo ano, o Urso de Ouro de melhor musical no Festival de Berlim.

O próprio Walt Disney declarou, diversas vezes, que a sua peça de animação

preferida, era a transformação do vestido de baile da Cinderela, pela Fada-madrinha, pois essa

16 http://www.adorocinema.com/filmes/filme-38826/, acesso em 07 de Outubro de 2015.

87

sequência conseguia captar, todos os ideais de esperança, magia, sonhos e fé, que ele tanto

prezava.

E a Disney, para mostrar que ainda tem muito amor e agradecimento por essa

animação, resolveu lançar, mais recentemente, duas sequências para o clássico, direto para

DVD: Cinderela II: Os Sonhos se Realizam (2002) e Cinderela III: Uma Volta no Tempo

(2007), além de uma refilmagem live-action, de mesmo nome, no ano de 2015.

Cinderela é um filme que resistiu ao passar do tempo, com graça, sem ficar datado ou

ultrapassado. É uma produção que possui certa elegância, estilização e plasticidade, trazendo

uma heroína relacionável e de bom coração, por quem o público torce e se apaixona. Todos

esses elementos são regados com toques generosos de magia, o que faz dessa animação, uma

experiência encantadora e inesquecível.

Situação da sequência

Início do filme, logo após o prólogo “tradicional” de livro infantil ilustrado, feito

pela narradora, sobre a infância de Cinderela, o casamento de seu pai com Lady Tremaine, a

viuvez repentina da madrasta, e como a pobre moça passou a ser a empregada da família, e

viu, sem poder fazer nada, sua herança ser esbanjada com os caprichos de suas duas irmãs de

criação, a cena em questão mostra ao espectador, a heroína sendo acordada por seus amigos

animais, ratinhos e passarinhos, e levantando-se para encarar mais um dia de trabalho

exaustivo e tarefas intermináveis.

Análise

A cena começa com a narradora, não identificada da história, contando que,

Cinderela perdeu a mãe muito jovem e que, apesar de seu pai ser rico satisfazer todas as suas

vontades, uma figura materna fazia falta da vida da menina. Por isso, ele casou-se com uma

viúva que possuía duas filhas. Após a morte repentina do pai de Cinderela, a madrasta

revelou-se, uma mulher hipócrita e invejosa, que passou a apenas cuidar dos interesses das

próprias filhas. Com o passar o tempo, segundo a narradora, o castelo em que elas moravam

ficou em ruínas, e a fortuna da família foi esbanjada nos caprichos das duas irmãs de

Cinderela enquanto que esta, passou a servir de criada. Nessa parte da narrativa, a câmera vai

88

se aproximando, pouco a pouco, da construção, revelando ao espectador, sua fachada

decadente ao amanhecer (figura 33/1). O ângulo de visão, que até então, está na linha do

horizonte, vai subindo, acompanhando o voo dos passarinhos, mostrando, o comprimento da

torre do castelo, até sua janela, que descobrimos logo em seguida, ser o quarto de Cinderela

(figura 33/2).

A sequência continua, já mostrando o quarto de Cinderela por dentro, novamente, o

ângulo da câmera está na linha do horizonte, lateralmente em direção a cama (figura 33/3).

Logo em seguida, a câmera já mostra nossa protagonista bem de perto, em um ângulo

transversal em relação a visão do espectador. Cinderela está coberta por um cobertor marrom

remendado, veste o que parece ser uma camisola azul-claro e está com o braço tapando os

olhos para se proteger da luz do sol da janela (figura 33/4). Ela eventualmente se move em

seu sono, então os passarinhos que voavam do lado de fora da janela, entram em cena, puxam

uma de suas tranças, que agora fica a mostra, e cantam, tentando acordá-la (figura 34/5).

89

Cinderela já desperta, senta-se, recosta-se no travesseiro e “fantasia acordada”,

contando aos passarinhos azuis, que estava sonhando um sonho lindo. Quando eles piam, o

que a moça interpreta como uma pergunta referente ao conteúdo do sonho, ela responde que

não contará, porque se contar, ele não se realizará (figura 34/6). Percebe-se aqui, o quanto a

heroína é sonhadora e imaginativa. Ela começa a cantar então, a música “Um Sonho é um

Desejo”, para os passarinhos e ratinhos, que agora se fazem presentes no quarto, cuja primeira

estrofe pode ser conferia abaixo. Ela demonstra muito bem o caráter e o espírito da

personagem, seus sentimentos, convicções e crenças.

Um sonho é um desejo d'alma

N'alma adormecer

Em sonhos a vida é calma

É só desejar para ter

Tem fé no teu sonho e um dia

Teu lindo dia há de chegar

Que importa o mal que te atormenta

Se o sonho te contenta

E pode se realizar17

17 Retirada do DVD.

90

Continuando, o foco da câmera sai de Cinderela e vai para a sua janela aberta,

mostrando que a jovem tem uma vista privilegiada, do castelo do reino (figura 34/7). Nessa

hora, uma badalada do relógio da torre, interrompe a sua canção, incomodando-a. A direção

da câmera, muda, apontando novamente para a protagonista, de maneira lateral, mostrando-a

calçar seus sapatos pretos, levantar e ir “confrontar” o relógio na janela (figura 34/8). Ela diz:

“Que relógio! Vejam só! Já ouvi! 'Vamos, levanta!' diz ele. 'É hora de trabalhar'. Até ele me

manda. Mas não faz mal. Ninguém me impedirá de sonhar. Meu sonho é lindo”. Cinderela

termina seu monólogo de costas para a janela, mas de frente para o espectador, abraçando seu

travesseiro, onde um passarinho azul pousou, novamente com expressão sonhadora,

demonstrando já estar acostumada com sua rotina (figura 35/9).

Feliz e revigorada, nossa heroína arruma sua cama, com a ajuda dos passarinhos, que

dobram seu cobertor e afofam seu travesseiro (figura 35/10). Cantarolando e rodopiando,

Cinderela se dirige para trás de um biombo (figura 35/11), enquanto que quatro ratinhas

enchem uma vasilia com água (figura 35/12) e vários passarinhos encharcam uma esponja

nela. A câmera volta para a moça que, com um coque no cabelo, ainda cantarolando, tira sua

camisola, atira-a por cima do biombo, quando os passarinhos torcem a esponja encima dela,

dando-lhe um banho (figura 36/13).

91

Cinderela, de banho tomado e já vestia com sua roupa de trabalho, é mais uma vez

auxiliada por seus amigos animais, que ajudam-na a colocar seu avental, dando-lhe um nó nas

costas (figura 36/14). Para finalizar a produção e a cena, entregam uma vita azul para a moça

(figura 36/15), que, sentada em sua penteadeira com o espelho quebrado, a prende em seus

cabelos com um tope. Durante essa cena, Cindy volta a cantar o refrão da música “O Sonho é

um Desejo”: “que importa o mal que te atormenta, se o sonho te contenta, e pode se

realizar” (figura 36/16).

A melodia da música cantada pela personagem é doce e suave, o que seria lógico,

visto que Cinderela a canta, quando acaba de acordar. A letra, como dito previamente, elucida

o espectador a respeito do caráter da protagonista, já que essa sequência, é a apresentação da

personagem ao público. Cinderela é otimista e sonhadora, e a música acompanha essas

características, já que exprime certos tons de nostalgia e ao mesmo tempo energia. Ao final da

canção o espectador fica com uma sensação de otimismo, devido a sua letra positiva e

inspiradora, e sente-se muito mais próximo de Cinderela, pois agora conhece-a melhor.

92

7.1.1 Frozen: Uma Aventura Congelante (2013): o conto de fadas e o autor

O conto A rainha da Neve, foi escrito em 1845, por Hans Cristian Andersen, e é um

de seus trabalhos mais elaborados e desenvolvidos: dividido em sete capítulos, aproximando-

se da extensão de uma novela, onde, segundo Silva Duarte (2011), são misturadas crenças

populares e recordações da infância do autor.

A trama conta como se deu a criação de um espelho mágico, por um demônio, que

tinha o poder de transformar (para pior) as pessoas que o mirassem. Mas, um dia, o espelho é

quebrado e seus estilhaços se espalham pelo mundo, disseminando ainda mais seu poder de

destruição. Se um fragmento do espelho atingisse o coração de alguém, essa pessoa se

tornaria fria, insensível e desumana. Se atingisse os olhos, ela só enxergaria o pior nos outros.

O demônio, tinha como objetivo, com a criação desse espelho maligno, disseminar o

mal no mundo. O enredo começa a se desenvolver quando as duas crianças protagonistas são

apresentadas, no segundo capítulo. Um menino, chamado Kay, e uma menina, chamada

Gerda. Eles são vizinhos e melhores amigos, tão próximos, que se consideram irmãos.

Infelizmente, dois estilhaços do espelho atingem Kay, nos olhos, e no coração,

transformando-o, de uma criança doce, gentil e amorosa, em alguém grosseiro, arrogante e

indiferente. Gerda, por sua vez, tenta se aproximar do amigo, sem sucesso: Kay afasta-a cada

vez mais. A avó da menina, sempre teve o hábito de contar histórias fantásticas para as

crianças, ao pé da lareira. A anciã mencionava, frequentemente, a Rainha da Neve, dizendo

que ela era a responsável pelas nevascas e geadas. Num certo dia de inverno, quando a neve

caia pesadamente sobre a pequena vila onde as crianças moram, a Rainha da Neve aparece

para o pequeno Kay, que, a essa altura, já estava transformado pelos estilhaços do espelho

mágico, encanta-o com a sua beleza e acaba por sequestrá-lo, levando-o para o seu palácio de

gelo.

Gerda acaba descobrindo o envolvimento da Rainha da Neve no sumiço de seu

amigo e vai em busca dele, iniciando uma jornada longa e tortuosa para salvá-lo. A partir daí,

a menina conhece vários personagens complexos e bem dimensionados, que em alguns

momentos ajudam-na em sua busca, e em outros, atrapalham-na.

Andersen é conhecido por seus contos um tanto quanto dramáticos e crus. Ele aborda

a realidade como ela é: as dores, as mágoas, os perigos, os medos, a mortalidade, todos esses

tópicos, que fazem parte do denominador comum, do que é ser humano, estão presentes em

93

suas narrativas.

Com A Rainha da Neve, não é diferente. Nesse conto, o autor aborda, basicamente, a

disseminação do mal no mundo, através da metáfora do espelho e do gelo, que transformam o

caráter das pessoas. É uma exposição e uma crítica a humanidade. Também aspectos da

cristandade são abordados, afinal, o espelho foi criado pelo demônio, e o enredo nada mais é,

do que uma alegoria do bem versus o mal.

É interessante perceber ainda, que Andersen tem o costume de criar personagens

femininas de caráter e fibra. Elas expões seus anseios, seus desejos, e vão atrás de seus sonhos

e objetivos. A vida dessas personagens, nem sempre é fácil, elas passam por muitos percalços

e provações, o que mimetiza a vida do próprio Andersen, que não foi das mais felizes.

A Rainha da Neve e Gerda, por sua vez, são personagens ativas, que tomam decisões

sobre suas vidas e conduzem seus destinos, não são submissas. A primeira decide sequestrar

Kay, a segunda, resgatá-lo. Outro fator digno de nota é que nessa obra, a personagem má, a

Rainha da Neve, pertence à classe alta, a nobreza; enquanto que a personagem boa, Gerda, é

pobre. A pobre e a rica disputam o mesmo “prêmio”, Kay, mas é a menos abastada que sai

vencedora. Nesse caso, embora esteja representada a competitividade feminina, a bondade e o

amor de Gerda venceram o gelo, a maldade e a malícia da Rainha da Neve. Foi a pureza

apontada, por Nelly Coelho (2010), como uma das virtudes básicas da mulher na obra de

Andersen, que possibilitou a Gerda salvar Kay.

Outro ponto relevante, com relação a essas personagens femininas, diz respeito à

beleza. As duas protagonistas, Gerda e a Rainha da Neve, são belas. Embora a Rainha da

Neve seja má e independente, ela não é caracterizada como bruxa, ao contrário, é

encantadora, delicada e inteligente, o que justifica a atração que Kay sente por ela. Por fim,

vale destacar, que a jornada de Gerda, dura anos: ela a começa, quando criança, e termina-a,

como adulta, ou seja, o tempo passa, amadurecendo os personagens, transformando Kay,

implicitamente, no consorte da Rainha. Andersen aborda nessa história, temáticas de cunho

adulto, muito bem mascaradas com magia, e o faz, com maestria. Talvez por isso, A Rainha da

Neve seja uma de suas obras mais conhecidas.

94

FIGURA 37 – Ilustração da cena do sequestro de Kay pela Rainha da Neve

Fonte: http://www.lizbobzin.com/wp-content/uploads/2012/03/The-Snow-Queen.png, acesso em 07 de Outubro de 2015.

Sobre Hans Christian Andersen, ele nasceu em 02 de abril de 1805, na cidade de

Odense, ilha de Fiônia, na Dinamarca e apesar de ter conquistado fama ainda vivo, foi alvo de

vários críticos, principalmente pela identificação que tinha com seus personagens. Filho de

um sapateiro e uma lavadeira necessitou da ajuda de amigos para terminar seus estudos.

Seu primeiro contato com os contos populares dinamarqueses foi no quarto de fiar,

do asilo onde sua avó estava internada, ali ele ouvia das mulheres que trabalhavam as

histórias do folclore de sua terra.

Na obra de Andersen encontramos figuras que refletem as suas ansiedades, fantasias

e lutas pessoais do jovem proletário que alcançou a aristocracia literária da Dinamarca. Ele

nasceu e viveu numa época em que o país regressava ao nacionalismo ancorado em valores

ancestrais. De certa forma graças à sua infância pobre, Andersen teve a chance de conhecer os

contrastes de sua sociedade, o que influenciou bastante as histórias infantis que viria a

escrever.

Entre 1835 e 1842 lançou 06 volumes dos “Contos, contados para crianças” onde

podemos encontrar: O Isqueiro e A Princesa e a Ervilha. Ele continuou a escrever seus contos

até 1872. Em 04 de agosto de 1875, muito doente veio a falecer em Copenhague.

Graças a sua contribuição para a literatura infantil e adolescente, a data de seu

nascimento é hoje o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil. Além disso, o mais

importante prêmio internacional do gênero literário infanto-juvenil, leva seu nome.

95

FIGURA 38 – Retrato de Hans Christian Andersen

Fonte: http://www.colegioweb.com.br/literatura/hans-christian-andersen-e-literatura-infantil.html, acesso em 07 de Outubro de 2015.

7.1.1.1 A adaptação Disney

Frozen: Uma Aventura Congelante, é o 53º filme de animação dos estúdios Disney, e

a última, e bem-sucedida, tentativa de adaptação do clássico conto de Hans Christian

Andersen, A Rainha da Neve, em anos. A Disney sempre teve vontade de adaptar esse conto

de fadas, mas nunca ficou satisfeita com as ideias que surgiram, por isso, os roteiristas nunca

tiraram os enredos criados do papel.

A dificuldade, sempre foi em dar a essa história, um atrativo para o público infantil,

além de caracterizar os personagens, dando a eles, personalidades não tão abstratas como no

conto original. Como já explanado anteriormente, o trabalho de Andersen é conhecido por ser

mais honesto e verdadeiro, embora continue carregando elementos de magia. Por causa de

certos temas abordados em A Rainha da Neve, de cunho mais adulto, os estúdios do Mickey

penaram, para direcionar uma possível adaptação, para as crianças, mas sem perder a

qualidade e relevância da fonte.

Mesmo quando Frozen saiu do papel e entrou em produção, ele passou por diversas

mudanças, desde sua concepção, até o produto final. Por exemplo, Elsa, que incorpora a

Rainha da Neve, era para ser a vilã da história, unidimensional e sem nuances, mas acabou

sendo transformada em uma das protagonistas: uma jovem infeliz e incompreendida, incapaz

de controlar seus poderes de neve e gelo. Essa mudança se deu após os produtores ouvirem a

96

música tema criada para a personagem: “Livre Estou”, “Let It Go”, no original, e perceberem

que a letra ressaltava questões positivas demais para uma vilã.

Depois de muitos percalços durante a adaptação, como a mudança do próprio nome

da produção, de “The Snow Queen”, para “Frozen”, no original em inglês, essa produção

animada estreou no dia 27 de Novembro de 2013 sendo recebida com louvor pela crítica

especializada, que declarou que essa animação foi a volta da Disney aos musicais de alta

qualidade como A Bela e a Fera (1991), Aladdin (1992) e O Rei Leão (1994), e pelo público

em geral.

Frozen: Uma Aventura Congelante, é realmente inspirado no conto de Andersen: há

neve, há gelo e há uma rainha, mas as semelhanças, param por aí. O enredo foi modificado,

para tornar-se menos sombrio e mais abrangente. Elsa tem uma irmã mais nova, Anna, e é a

relação delas, basicamente, que o filme explora. Órfãs e separadas quando crianças devido aos

poderes fora de controle da mais velha, as meninas crescem solitárias e sem a oportunidade de

realmente conhecer uma a outra, até o dia da coroação de Elsa, como rainha, onde as duas se

reencontram e, é a partir daí que o enredo se desenvolve. As irmãs são dois polos polares

distintos, o que acrescenta à dinâmica das duas. Enquanto que Anna é alegre, enérgica,

carismática e divertida, Elsa é temerosa, frágil, assustada e introvertida.

Frozen: Uma Aventura Congelante, é um filme maravilhoso, tanto na estética, quanto

no enredo, que encantou pessoas de todo o mundo na época de seu lançamento, seja pela

beleza da animação, pelas canções cativantes e viciantes, ou pelas próprias personagens, que

abordam tópicos como o real sentido da família, do amor, os danos causados pelo preconceito

e pelo medo e o que significa, de verdade, se sacrificar por alguém que se ama.

7.1.1.2 A análise da cena

Frozen – Uma Aventura Congelante

Frozen: Uma Aventura Congelante, 2013. Direção: Chris Buck, Jennifer Lee. Produção:

Peter Del Vecho. Produção Executiva: John Lasseter. Roteiro: Chris Buck, Hans Christian

Andersen, Jennifer Lee, Shane Morris. Dublagem (em inglês/em português): Kristen

Bell/Érika Menezes (diálogos) e Gabi Porto (canções) – (Anna), Idina Menzel/Taryn

Szpilman (Elsa), Jonathan Groff/Raphael Rossatto (Kristoff), Josh Gad/Fábio Porchat (Olaf),

97

Santino Fontana/Olavo Cavalheiro (Hans), Alan Tudyk/Pietro Mário (Duque de Weselton),

Chris Williams/Mauro Ramos (Oaken), Maia Wilson/Pádua Moreira (Bulda), Maurice

LaMarche/Eduardo Borgerth (Rei de Arendelle), Jennifer Lee/Márcia Martins (Rainha de

Arendelle). Duração: 108 minutos.18

Resumo

A caçula Anna adora sua irmã Elsa, mas um acidente envolvendo os poderes

especiais da mais velha, durante a infância, fez com que os pais as mantivessem afastadas.

Após a morte deles, as duas cresceram isoladas no castelo da família, até o dia em que Elsa

deveria assumir o reinado de Arendelle. Com o reencontro das duas, um novo acidente

acontece e ela decide partir para sempre e se isolar do mundo, deixando todos para trás e

provocando o congelamento do reino. É quando a destemida e otimista Anna sai em uma

jornada épica, ao lado de Kristoff e sua leal rena Sven. Encontrando nas montanhas de gelo,

condições de Everest, trolls místicos e um hilário boneco de neve chamado Olaf, Anna e

Kristoff enfrentam obstáculos em uma corrida para encontrar Elsa, acabar com o frio e salvar

o reino.19

Em torno do filme

Frozen: Uma Aventura Congelante foi um verdadeiro estrondo. A popularidade da

animação se difundiu a nível mundial, o que acabou acarretando numa arrecadação total de

mais de $1,2 bilhão, sendo a animação de maior bilheteria de todos os tempos, e a oitava

maior bilheteria da história do cinema.

Acabou ganhando, no ano de 2014, dentre vários prêmios, duas estatuetas do Oscar,

nas categorias de Melhor Filme de Animação e Melhor Canção Original, por Let It Go, além

do Globo de Ouro de Melhor Animação, o BAFTA Award de Melhor Animação, cinco Annie

Awards, incluindo o de Melhor Animação, e dois Critics' Choice Awards, de Melhor

Animação e Melhor Canção Original para Let It Go.

Frozen, tornou-se uma das franquias de maior sucesso da Disney, com diversos

produtos licenciados, como roupas, jogos, brinquedos, livros, decoração e afins, que se

18 http://filmow.com/frozen-uma-aventura-congelante-t51482/ficha-tecnica, acesso em 07 de Outubro de 2015.19 http://www.adorocinema.com/filmes/filme-203691/, acesso em 07 de Outubro de 2015.

98

esgotam rapidamente logo após as datas de seus lançamentos, gerando grande lucro. O

impacto cultural do filme foi grande, já que ele foi traduzido e dublado em 41 idiomas, o que

acabou por propiciar o lançamento, em 2015, de um curta-metragem, com 7 minutos,

chamado Febre Congelante que mostra a celebração de uma festa de aniversário para Anna,

feita por sua irmã Elsa. Uma nova canção foi lançada, chamada “Making Today a Perfect

Day20”, e todo o elenco de dubladores da obra original voltou para a produção desse curta.

Frozen foi revolucionário também, não apenas por sua bilheteria gigantesca, mas por

trazer uma mulher na direção. Foi a primeira vez na história, que um longa-metragem de

animação produzido pela Walt Disney Pictures, não foi dirigido por um homem, o que reforça

a questão feminista, que o filme é conhecido por abordar. O principal nessa história, não é o

amor romântico entre um homem e uma mulher, mas sim, o amor fraternal de duas irmãs e o

que uma está disposta a fazer para salvar a outra. O ato de amor verdadeiro, tão comumente

utilizado pela própria Disney em seus contos de fadas, aqui é reconstruído, quebrando

paradigmas e esteriótipos.

De qualquer forma, Frozen não seria o fenômeno que se tornou, sem Hans Christian

Andersen, escritor do conto A Rainha da Neve, que inspirou essa animação. A produção

envolvida no filme reconheceu isso, e, como uma forma de homenagear o dinamarquês,

colocou o nome de Hans em um de seus personagens principais.

Situação da sequência

A sequência em questão é considerada o ápice do filme, onde a personagem Elsa, no

caso aqui, uma versão da Rainha da Neve de Andersen, isola-se nas montanhas, após fugir de

sua festa de coroação como rainha, no reino de Arendelle, onde todos os seus súditos, por

causa de um acidente, acabam descobrindo seus poderes de neve e gelo, e, assustados com

essa descoberta, chamam-na de bruxa e aberração. Elsa, já nas montanhas, decide se libertar

de seus medos, e das amarras de seu passado e cantando Let It Go, ou Livre Estou, em

português, resolve, de uma vez por todas, aceitar seus poderes, construindo um maravilhoso

castelo de cristal no topo de uma encosta, onde resolve morar, sozinha, mas livre.

20 Um Dia Perfeito, em português.

99

Análise

A sequência da cena começa com uma nevasca “atingindo” a tela da câmera, efeito

que serve como elemento de transição em relação a cena passada. A neve vai se dispersando,

revelando no horizonte, na paisagem noturna, a encosta de uma formação rochosa, um pico

montanhoso íngreme e coberto de gelo (figura 39/1). A câmera vai se aproximando da

montanha, aos poucos, em um movimento circular, que acaba por revelar uma visão

panorâmica do relevo, bem como nossa protagonista escalando-a (figura 39/2). Ao chegar

mais perto, nota-se que a expressão de Elsa é de pesar, já que, como foi explicado acima, ela

acabou fugindo de seu reino, após seus poderes de neve e gelo terem sido descobertos por

seus súditos, na sua festa de coroação como rainha (figura 39/3). As pessoas, assustadas,

chamaram-na de bruxa e mostro, o que faz com que a moça se sinta julgada e

incompreendida. Tanto que, nesse momento, Elsa começa a cantar Livre Estou, sua música

tema e razão para a criação dessa cena. As primeiras duas estrofes da canção demonstram, de

forma maravilhosa, os sentimentos da personagem no momento, dadas as circunstâncias:

A neve branca brilhando no chão

Sem pegadas pra seguir

Um reino de isolamento

E a rainha está aqui

A tempestade vem chegando e já não sei

Não consegui conter, bem que eu tentei

Não podem vir, não podem ver

Sempre a boa menina deve ser

100

Encobrir, não sentir

Nunca saberão

Mas agora vão

A partir daí, a dinâmica da sequência muda, conforme a personagem percebe que,

finalmente, pode ser ela mesma, sem regras, sem restrições e sem medos. Ao retirar sua luva,

que era utilizada para evitar congelar qualquer superfície com a qual entrasse em contato, e

jogá-la para o alto, onde a visão da câmera vem diretamente de cima, Elsa livra-se da última

amarra que a prendia ao seu passado em Arendelle (figura 39/4). Ela começa a brincar com

seus poderes, experimentando-os, pela primeira vez, sem receios. O ângulo de visão do

espectador volta a ser horizontal, mostrando-a de perfil, enquanto cria pequenas profusões de

gelo com a mão (figura 40/5). Em seguida, a moça concebe um boneco de neve, que, apesar

de ser mostrado de costas, é reconhecido pelo público como sendo aquele que ela e sua irmã

Anna, brincavam quando crianças (figura 40/6). Nessa parte, a letra da música acompanha a

mudança de espírito da personagem, o que pode ser percebido pelas estrofes seguintes:

Livre estou, livre estou

Não posso mais segurar

Livre estou, livre estou

Eu saí pra não voltar

Não me importa o que vão falar

Tempestade vem

O frio não vai mesmo me incomodar

101

A seguir, a câmera volta ao ângulo vertical e mostra Elsa ainda criando fantásticos

padrões com seus poderes de gelo (figura 40/7). Na continuação da cena, o foco volta para o

seu rosto, quando ela avista um penhasco a frente. Sua expressão denota alegria, quando ela

encara essa nova dificuldade em seu caminho, como um desafio a ser enfrentado (figura

40/8). A personagem, a essa altura, está desenvolvendo uma confiança que nunca sentiu antes,

devido a repressão com a qual tinha vivido até então.

Para poder atravessar o penhasco, Elsa usa seus poderes e o começo de uma

escadaria se forma, com gelo e neve, construção que é mostrada de frente para o espectador

(figura 41/9). Conforme a moça vai subindo, uma tomada aérea mostra que a escadaria vai

sendo criada, conectando as duas extremidades superiores do penhasco enquanto ela canta

(figura 41/10):

De longe tudo muda

Parece ser bem menor

Os medos que me controlavam

Não vejo ao meu redor

É hora de experimentar

Os meus limites vou testar

A liberdade veio enfim

Pra mim

Livre estou, livre estou

Com o céu e o vento andar

Livre estou, livre estou

Não vão me ver chorar

102

Novamente, a letra da música encaixa-se perfeitamente no contexto da narrativa,

além de cativar a audiência de uma forma muito mais eficiente do que um simples monólogo

da personagem conseguiria. Ao chegar na outra extremidade do penhasco, a câmera foca nos

pés de Elsa, no momento em que ela pisa no chão criando um grandioso floco cristalino de

gelo, que se tornará a base de seu castelo (figura 41/11). Em seguida, a câmera circula a

personagem, subindo até ficar em um ângulo vertical. Conforme esse processo se dá, o floco

de gelo no chão vai crescendo e se expandindo (figura 41/12). Livre Estou continua durante o

processo de construção dos alicerces do palácio, com a estrofe: “Aqui estou eu, e vou ficar,

tempestade vem”, o que demonstra a intenção de Elsa de viver sozinha nas montanhas,

deixando Arendelle para trás.

Com o castelo já construído, a câmera volta a focar no rosto de Elsa, e mostra ela

tirando sua tiara de rainha da cabeça, olhando-a com amargura, por lembrá-la de todo o

sofrimento pelo qual passou até esse momento (figura 42/13). A protagonista livra-se do

adorno, desprende a trança de seus cabelos, deixando solta, e transforma suas roupas: um

vestido azul com mangas pretas é substituído por uma peça totalmente adornada com cristais,

criada com seus poderes (figura 42/14). Nessa sequência, a transformação externa mimetiza a

interna, conforme a personagem vai tomando uma nova atitude em relação a sua vida.

Elsa demonstra todo o seu esplendor, de braços abertos, em uma tomada de corpo

inteiro, evidenciando os detalhes da sua nova persona: A Rainha da Neve (figura 42/15). Ela

se dirige para o terraço do palácio, e a câmera a acompanha por trás, assim, o público tem a

mesma visão que a moça, mostrando a beleza dos primeiros raios de sol banhando o pico

gelado (figura 42/16). Uma tomada aérea revela então, no ângulo de visão do público, a obra

103

de Elsa em toda a sua glória: o castelo de gelo, no topo da montanha, brilhando na luz do

amanhecer (figura 43/17). Em seguida, a câmera volta a focar no rosto da protagonista, o que

evidencia a sua felicidade, através de um sorriso, por ter, em fim, tomado as rédeas do seu

próprio destino (figura 43/18).

A cena é finalizada com Elsa entrando novamente no seu novo domínio, fechando a

porta do terraço atrás de si (figura 43/19). Esse ato serve realmente como o elemento de

finalização da cena. A música Livre Estou é concluída também, com a jovem rainha cantando

as últimas estrofes da letra:

O meu poder envolve o ar e vai ao chão

Da minha alma flui fractais de gelo em profusão

Um pensamento se transforma em cristais

Não vou me arrepender do que ficou pra trás

Livre estou, livre estou

Com o sol vou me levantar

104

Livre estou, livre estou

É tempo de mudar

Aqui estou eu

Vendo a luz brilhar

Tempestade vem

O frio não vai mesmo me incomodar.21

Essa sequência não existe no conto original de Hans Christian Andersen. Foi criada

especialmente para a adaptação animada em questão, e é de extrema importância para o

enredo do filme, visto que ela simboliza o “desabrochar” de uma das personagens principais.

A música que acompanha a cena, como mostrado acima, complementa-a perfeitamente,

ilustrando as mudanças físicas, emocionais e psicológicas que Elsa está passando,

humanizando-a. Tarefa que impediu a Disney de adaptar A Rainha da Neve, até então.

A letra da canção, como dito anteriormente, complementa de maneira primorosa o

enredo do filme. É épica no sentido de sua escala musical. Começa contida, melancólica, com

notas baixas, que espelham o estado de espírito de Elsa no começo da cena. Conforme a

personagem vai cantando, os arranjos musicais vão se desenvolvendo, crescendo e se

libertando, de certa maneira. A canção começa a ser mais vigorosa e poderosa, demonstrando

a mudança interior da protagonista. A melodia transforma-se também, as notas tornam-se mais

altas, e a canção cria uma aura de empoderamento que transmite ao espectador, a certeza de

que essa, é uma sequência chave para o filme, e uma transição para o enredo do filme. Elsa

termina “Livre Estou”, com uma atitude totalmente diferente de como a começou. Agora, ela

é destemida e não temerosa, e essa mudança essencial foi brilhantemente ilustrada pela

música que ela cantou.

21 Retirada do DVD.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mídias aparentemente distintas, literatura, cinema e música, em primeira observação

não relacionáveis, mas que após profunda análise, resultaram ser mais complementares do que

se supunha a princípio. Inicialmente, não se imaginava que os contos de fadas, narrativas

antigas de cunho folclórico, que disseminam ensinamentos e aprendizados, com o recurso de

personagens unidimensionais, que caracterizam qualidades, como a beleza e a bondade, e

defeitos, como a feiura e a maldade, se igualariam em relevância, nas suas adaptações mais

conhecidas: a escrita e a cinematográfica.

Foi confirmado que a música, por sua vez, desempenha um papel de extrema

importância neste cenário, pois é a ferramenta de ligação entre elas, tornando possível que

clássicas narrativas mágicas, ganhem vida de forma mais intensa, nas animações da Disney.

Através dessas descobertas conseguimos compreender como a música enriquece a

animação, fazendo um contraponto com o conto original.

No capítulo dois, foi feito um resgate histórico dos contos de fadas, de sua origem

advinda da oralidade rural, passando por suas primeiras adaptações escritas, no século XVII, e

chegando a exploração da relevância dessas narrativas, na contemporaneidade. Entendemos

que esses contos eram utilizados antigamente, como doutrinas com morais sutilmente

inseridas para as crianças.

Também nos debatemos com versões macabras e maduras dessas histórias, que de

nenhuma maneira eram direcionadas ao público infantil, mas que serviam como divertimento

para os adultos, comprovando sua diversidade. Descobrimos que o surgimento da literatura

para crianças se deu ao mesmo tempo que foi definida a noção de infância na Europa. Pois,

até o século XVIII, os pequenos eram tratados como adultos e participavam da sociedade,

dessa forma.

Além disso, legitimamos o quanto os contos de fadas ainda são relevantes nos dias de

hoje. Cada vez mais adaptações cinematográficas, televisivas e literárias, utilizam essas

antigas narrativas como base para a criação de um produto totalmente novo, mais adequado ao

século XXI, mas que conversam a magia dos grandes clássicos, como Branca de Neve e os

Sete Anões e Cinderela.

Já no capítulo três, discorremos sobre uma grande inovação que veio para dinamizar

o cinema: a animação. Criou-se um novo gênero cinematográfico com o surgimento do

106

desenho animado, a partir dos anos 1920. O impacto dessa nova abordagem narrativa foi

grande, gerando polêmicas e controvérsias, como foi abordado. Essa produção específica,

cresceu junto com o próprio cinema, passando por todas as fases de desenvolvimento que a

tecnologia da época proporcionou.

De curtas-metragens, para longas-metragens, de filmes mudos, para filmes falados,

do uso de orquestras ao vivo, para trilhas sonoras produzidas e mixadas em estúdio.

Fundamentamos a animação nos alicerces da sétima arte e abordamos o papel crucial da

música no entendimento de seus enredos.

No capítulo quatro exploramos o papel de um homem, em particular, na difusão do

gênero animado a nível mundial e na sua consagração como arte: o americano Walter Elias

Disney. Reavemos a complexa história desse jovem interiorano, com grandes sonhos e

problemas familiares, de sua infância por vezes conturbada, passando por sua adolescência,

chegando em sua fase adulta, quando ele cria um dos maiores complexos de entretenimento

do mundo: os estúdios Disney.

Abordamos o nascimento desse conglomerado midiático, desde a sua idealização até

sua concretização, o impacto que ele teve na vida dos americanos e na história

cinematográfica, através de animações de qualidade. Nos aprofundamos no trabalho de

Disney, com o objetivo de mostrar seu processo criativo, suas inspirações e suas motivações

para continuar desenvolvendo seus projetos e realizando seus sonhos. Por fim, comprovamos

que Walt tinha uma visão bastante positiva em relação a junção de mídias diferentes, para

oferecer ao público um produto único e diferenciado. Mostramos como ele foi um ferrenho

defensor da utilização da literatura em suas produções, usando-a como fonte e material de

pesquisa. Ilustramos assim, sua forte ligação com os contos de fadas, e sua vontade de adaptá-

los em filmes animados. Também abordamos como os estúdios Disney empregaram, desde o

começo, a música em seus projetos, muito mais como uma forma de narrativa, do que como

um mero complemento cênico.

No quinto e último capítulo, expomos as análises feitas, de três cenas de contos de

fadas da Disney, Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Cinderela (1950) e Frozen: Uma

Aventura Congelante, que acabaram por coroar essa pesquisa, ao contemplarem a

confirmação de todas as informações dadas nos capítulos anteriores. Apresentamos uma

explanação sobre a história escrita original, seu autor e sua adaptação animada, e finalizamos

com a análise de uma cena musical específica de cada filme. Em cada uma delas, percebemos

107

as similaridades e as diferenças entre as versões de Perrault, Grimm, Andersen e Disney, e a

importância da música para a narrativa cênica. Ela serve como substituição de diálogos, para

demonstrar os sentimentos e as emoções dos personagens, e criar uma conexão e identificação

mais profundas entre o filme e o público espectador.

Notamos que o recurso da adaptação de uma mídia, para outra, proporciona uma

variada gama de opções de abordagem. Se é permitido modificar cenas, aumentando-as,

diminuindo-as, cortando-as ou, acrescentando no novo material, cenas inéditas. Com o

artifício da música, utilizada, por exemplo, nos contos de fadas adaptados da Disney,

concluímos que ela tem um papel fundamental nessa modificação cênica. O tom da melodia e

o significado da letra, podem ser alegres, tristes ou dramáticos, por exemplo, ilustrando uma

imagem, muitas vezes de forma mais contundente, do que um diálogo.

Para os acadêmicos de Publicidade e Propaganda, é importante perceber como se

pode transmitir uma mensagem, de formas diferentes, e alcançar um grande público,

utilizando a emoção e a empatia como ferramentas. A convergência midiática, como mostrado

nesse estudo, é um bom caminho para difundir um produto em várias áreas de mercado,

como, por exemplo, um livro, que é adaptado para a televisão e depois para o cinema.

Comprovamos que o público gosta do novo, mas também do clássico, e que a melhor maneira

de cativá-lo, é encontrar o equilíbrio entre esses dois polos. Passado e presente unidos, para

encantar e agregar conteúdo.

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REFERÊNCIAS

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CINDERELA. Direção: Wilfred Jacson, Hamilton Luske, Clyde Geronimi. Produção: WaltDisney. The Walt Disney Company, 1950, 74 min, cor.

ESPELHO, ESPELHO MEU. Direção: Tarsem Singh. Produção: Bernie Goldman, RyanKavanaugh, Brett Ratner, 2012, 106 min, cor.

FROZEN – UMA AVENTURA CONGELANTE. Direção: Chris Buck, Jennifer Lee.Produção: Peter Del Vecho, 2013, 108 min, cor.

BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR. Direção: Rupert Sanders. Produção: Joe Roth, PalakPatel, Sam Mercer, 2012, 127 min, cor.

A NOVA CINDERELA. Direção: Mark Rosman. Produção: Clifford Weber, Hunt Lowry,Keith Giglio, Peter Greene III, Troy Rowland, Michael Rachmi, Susan Duff, 2004, 95 min,cor.APOCALYPSE NOW. Direção: Francis Ford Copola. Produção: Francis Ford Copola, GrayFrederickson, Fred Roos, 1979, 153 min, cor.

STAR WARS: EPISÓDIO IV – UMA NOVA ESPERANÇA. Direção: George Lucas.

111

Produção: Gary Kurtz, George Lucas, 1977, 121 min, cor.

FANTASIA. Direção: Ben Sharpsteen, Bill Roberts, Ford Beebe, Hamilton Luske, JamesAlgar, Jim Handley, Norman Ferguson, Paul Satterfield, Samuel Armstrong, T.Hee, WilfredJackson. Produção: Walt Disney, Ben Sharpsteen, 1940, 125 min, cor.

A PEQUENA SEREIA. Direção: John Musker, Ron Clements. Produção: Howard Ashman,John Musker, 1989, 82 min, cor.

O ESTRANHO MUNDO DE JACK. Direção: Henry Selik. Produção: Danny Elfman, DianeMinter Lewis, Jill Jacobs, Philip Laforo, Denise Di Novi, Don Hahn, Kathleen Gavin, TimBurton, 1993, 76 min, cor.

SITES

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ANEXOS E APÊNDICES