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Entrelinha Revista da disciplina de Design de notícia do Curso de Jornalismo da UCS revista Projeto Sociocultural aprimora talentos Há 7 anos, o Projeto Acorde reúne crianças e adolescentes em busca de conhecimento cultural (p. 9)

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Entrelinha Revista da disciplina de Design de notícia do Curso de Jornalismo da UCS

revista

Projeto Sociocultural aprimora talentos

Há 7 anos, o Projeto Acorde reúne crianças e adolescentes em busca de conhecimento cultural (p. 9)

Reportagens

3 Eles precisam apenas de amor e carinho

4 Ajude você também

5 A juventude que muda o mundo

8 A ideologia presente nos processos de produção

9 Às sombras do sucesso

10 Projeto social aprimora talentos

12 Caxias da cultura

13 Nômades contemporâneos

14 A crença que construiu uma comunidade

16 A democracia representativa em crise

18 De quem é a terra?

A palavra que caracteriza esta edição da revista Entrelinha é a diversidade. O tema diz respeito nãoapenas à cultura de uma comunidade, mas ao seu comportamento, divergências sociais e políticas.Vivemos em um mundo que não se resume ao certo e errado ou ao bem e ao mal mas, sim, em que

diversas possibilidades surgem em nossos caminhos. Essa pluralidade de escolhas reflete umauma sociedade cada vez mais complexa e que exige de seu cidadão um posicionamento crítico.

Ao longo desta revista, pretendemos criar uma reflexão a respeito da sociedade moderna,demonstrando que vivemos em constante mudança e que visões de mundo atuais podem ser,

ultrapassadas. Assim, os acadêmicos da disciplina de Design de Notícia convidam o leitor a conferir assuntos divergentes, e ao mesmo tempo, complexos quando

se trata do comportamento da sociedade atual.

Editorial

ProfessoraDra. Marlene Branca Solio

AlunosBruna de Oliveira Marini Bruno Tomé de Oliveira

Claudia DebonaClaudia PalhanoDébora DebonDiélen Fontana

Gabriel da Rosa Rodrigues Gustavo Rodrigues de Vargas

Luciane Karen ModenaLuísa Biondo

Pâmela PelizzaroRicardo Augusto de Souza

ReitorD. Antônio Kuiava

Pró-Reitor AcadêmicoDr. Marcelo Rossatto

Diretora do Centro de Ciências SociaisDra. Carolina Gullo

Coordenador Curso de JornalismoDra. Álvaro Benevenutto Júnior

Universidade de Caxias do Sul - UCSFrancisco Getúlio Vargas, 1130

CEP 95020-972Telefone(54)32182100

PROTEÇÃO À VIDA ANIMAL

Eles precisam apenas de amor e carinhoHá sete anos, a ONG União Pela Vida Animal, de Flores da Cunha, se dedica à realização do trabalho voluntário.

• Bruna de Oliveira Marini

Centenas de animais estão abrigados na chácara da entidade

Foto: Angelo Luís Scopel

Quem nunca se deparou com um bichinho abandonado na rua e teve von-tade de levá-lo para casa? Se você já se sensibilizou com um animal ignorado, às margens do desprezo, saiba que existem diversas maneiras de ajudá-lo. Só no Bra-sil, segundo a Organização Mundial da Saúde, o número de animais que vivem nas ruas é 30 milhões, dos quais 10 mi-lhões são gatos e 20 milhões são cães. A tualmente, muitas Organizações Não Governamentais (ONGs) trabalham em prol da defesa da vida animal. Há sete anos, o amor incondicional pelos bichinhos fez com que um pequeno grupo de voluntários criasse a União Pela Vida Animal, mais conhecida como Upeva, em Flores da Cunha. Hoje, a ONG conta com cerca de vinte voluntários e possui uma chácara, onde abriga os animais retirados das ruas. A presidente da entidade, Justina Inês

Sugari, relata que, mesmo com a verba re-cebida da prefeitura municipal, os gastos são bastante elevados. A Upeva atende, at-ualmente, 140 cães que estão abrigados na chácara e mais de 100 cães que vivem nas casas das voluntárias. Além disso, a ONG cuida de vários gatos. A entidade é responsável pela alimen-tação, castração, vacinação e medicação dos animais, além de todas as despesas de manutenção e conservação da sede, a qual foi cedida pela prefeitura. Em função disso, “a ONG já não consegue, somente com o repasse mensal da prefeitura, arcar com todas as despesas, conta Justina. Mesmo com todas as dificuldades que a ONG encara, os voluntários e voluntárias não medem esforços para amparar os bichinhos que precisam de um lugar para morar, além de conscientizar as pessoas para que não maltratem nem abandonem os animais. Os envolvidos com a causa

arregaçam as mangas e dão todo o suporte e amor necessário para aqueles que também os amam sem esperar nada em troca.

A recompensa da adoçãoHá quatro anos, a família da es-tudante de engenharia química Nicolle Costa ganhou um mo-tivo especial para comemorar: a adoção do cachorro vira-lata Chicão. Na época, o recém-nas-cido não precisou ir para a sede da Upeva, pois foi adotado pelo pai de Nicolle. O Chicão foi o primeiro cachorro a chegar à casa da estudante, que atualmente tem quatro vira-latas. “Com a chegada do Chicão, eu passei a conhecer a triste realidade do abandono e o quanto os bichos podem sofrer nas mãos humanas. Isso me motivou e à minha famíl-ia, a termos outros cães e abrigar

os que nos fosse possível até conseguir-mos alguém com condições de adotá-los. Hoje, eu não poderia mais imaginar minha vida sem os meus vira-latas, cada um com suas cores, formas e personalidade encan-tadora”, enfatiza Nicolle. Atitudes como essa são engrandecedoras, tanto para os animais adotados quanto para as pessoas que os adotam. Ter um bichinho em casa é uma terapia, pois além de serem uma ótima companhia, eles estão sempre cheios de amor para dar.

A página da Upeva no Facebook viabiliza o processo de adoção dos animais. “A divul-gação é uma oportunidade para os bichin-hos serem adotados sem precisarem ir para a sede da ONG”, destaca o voluntário Angelo Luís Scopel, um dos gestores da rede social.

ONG

Ajude você tambémParceiros Voluntários oferece caminho para para ajudar as e ntidades

• Diélen FontanaTrabalhar as qualidades internas faz despertar no indivíduo seu verdadeiro valor, o que o torna mais ativo social-mente e ciente do que ocorre ao seu redor. A importância do voluntariado desperta o nosso lado mais humano, todavia, mui-tas vezes, não se sabe por onde começar, talvez por falta de informação. Uma opção é procurar a Parceiros Voluntários, criada em 1997, com o objetivo de mobilizar, ar-ticular, formar e estimular o voluntariado organizado.A entidade orienta as pessoas que têm in-teresse em iniciar um trabalho voluntário, indicando qual instituição é realmente séria e necessita de alguma atenção es-pecial. Facilita esse caminho de modo profissional, auxiliando na escolha da ins­tituição e no trabalho a desenvolver, ex-plorando conhecimentos e disponibilidade de tempo.A Parceiros apoia, ainda, as organizações da sociedade civil e escolas públicas com a mesma responsabilidade e qualificação, trabalhando aspectos de gestão, plane-jamento e conceitos de redes de colabo-ração. O primeiro passo é agendar uma Reunião de Conscientização. Nela, a pes-soa recebe informações sobre o trabalho voluntário organizado e sobre responsa-bilidade social individual, o que auxilia na escolha da área em que pretende atuar como voluntário. Toda pessoa com mais de 14 anos, que tenha vontade de dis-ponibilizar seu tempo, conhecimento e emoção em prol de sua comunidade, pode se candidatar. O voluntário é inteiramente livre para escolher os dias e horários em que poderá estar na instituição e iniciar ou parar de voluntariar no momento em que julgar oportuno. Uma das principais ações da Parceiros Voluntários é: Tribos nas Trilhas da Cidadania – ali os jovens são incentivados a voluntariar, desenvolvendo ações sociais dentro das três trilhas sugeri-das: Educação para a Paz, Meio Ambiente e Cultura. Maria Helena Boff, 41 anos, é voluntária há três anos. Ela divide suas experiências:

“Trabalho como voluntária no Centro Educativo Esperança, que atende crianças com vulnerabilidade social.” O trabalho é realizado uma vez por mês, por meio de oficinas com brincadeiras e histórias, nas quais a honestidade e a luta pelos sonhos são sempre instigadas. “É muito grati-ficante sentir que a cada nova oficina as crianças sentem mais confiança na pes-soa voluntária e começam a contar suas histórias, muitas vezes tristes.” Segundo ela, o choque de realidade traz a certeza de que somos muito pequenos e que falta muito para o ser humano ser o que pensa que é. “Enquanto existir uma criança sen-do maltratada e sobrevivendo de forma desumana, não existe significado real para a tal racionalidade de que os “seres hu-manos” se orgulham”. Em Caxias do Sul, a Parceiros Voluntários iniciou atividades em 1999, e é dirigida por um conselho de empresários voluntários. Funciona como um elo entre pessoas, empresas, entidades e escolas que querem disponibilizar tempo e conhecimento para atender as demadas sociais do município por meio do Volun-tariado Organizado.

Centro Educativo Esperança

Foto: Paulo Pasa

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Mais

Como participar CIC – Câmara da Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul Rua Ítalo Victor Bersani, 1134BairroJardim América 95050-520 - Caxias do Sul - RSFone/Fax: 54 3218 8085 E-mail: [email protected]

SOCIAL

A juventude que muda o mundoSatisfação pessoal e alegria de contribuir na construção de um mundo mel-hor são alguns dos valores vivenciados por jovens voluntários• Gabriel Rodrigues

No Brasil, segundo o Estatuto da Juven-tude, oficializado por meio de lei no ano de 2013, são considerados jovens todos aqueles com entre 15 e 29 anos, aproxi-madamente 25% da população. Por meio do Estatuto, são determinados os direitos dos jovens, que devem ser garantidos e promovidos pelo Estado brasileiro, inde-pendentemente de quem esteja à frente da gestão dos poderes públicos. O que faz o Estatuto é detalhar, dentro das garantias já previstas pela Constituição, quais são as especificidades da juventude que precisam ser afirmadas. Entre esses direitos estão, por exemplo, igualdade, lazer, liberdade de expressão, cultura, mobilidade, segu-rança pública, profissionalização, saúde, educação, participação social e cidadania.E ao falar de cidadania, fala-se da cons-trução de uma sociedade mais justa e na

qual seja fácil viver. Mas qual o papel do jovem neste processo de construção de um mundo melhor? Steve Jobs, em 1997, lan-çou na Apple a campanha “Pense Diferen-te”. Dizia que os loucos e rebeldes, como muitas vezes é considerada a juventude, são os que veem as coisas de forma difer-ente; são as peças redondas nos buracos quadrados. Mas “enquanto alguns os veem como loucos, nós os vemos como gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são as que, de fato, mudam”, aponta a campanha..Porém, existem os loucos que acreditam ser capazes de mudar o mundo, e assim o fazem, tal como dizia Jobs. Como um exemplo dessa juventude que se comporta diferentemente de outros jovens, e val-oriza a cidadania e a busca de uma vida me lhor, podemos citar os jovens que inte-

gram o Movimento Escoteiro.Ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião para construir um mundo me-lhor: essa foi a motivação de mais de 300 jovens, de 18 a 21 anos, que estiveram re-unidos no município de Estância Velha no final de semana de 16 e 17 de maio (2015), na realização do 37º Mutirão Regional Pi-oneiro dos Escoteiros do Brasil, Região do Rio Grande do Sul. A atividade destaca-se pelo desenvolvimento de atividades co-munitárias e pela formação de caráter por meio do trabalho voluntário.As ações sociais foram desenvolvidas em dez escolas municipais, envolvendo trabalhos de reforma, pintura, plantio de árvores, entre outros. Eventos como esse buscam contribuir para que o jovem assu-ma seu próprio desenvolvimento pessoal e se torne um cidadão ativo, que inspire mudanças positivas em sua comunidade.

Dessa maneira, busca-se que o jovem se realize como indivíduo e desempenhe um papel construtivo na sociedade.Segundo Bruno Konrad, um dos organi-zadores do evento, “a motivação para a organização do mutirão foi para fechar o nosso ciclo como jovem dentro do movi-mento. Estamos juntos desde criança e acreditamos que cumprimos com a nossa missão nessa etapa. Estamos satisfeitos e orgulhosos pelo trabalho realizado. Não é simples um evento para 300 pessoas e com tantas ações simultâneas e diferentes, pensadas, planejadas e aplicadas de jovens para jovens, como foi o mutirão”.Konrad também destaca que o maior le-gado que atividades como essa deixam para a comunidade não é a simples pintura de uma parede, mas, sim, a valorização da sociedade pelo trabalho realizado e o envolvimento comunitário. “Estive na Es-cola Municipal Nicolau Becker, no bairro Rincão, e lá os alunos trabalharam junto com os escoteiros na pintura das salas. Acredito que com essa participação da comunidade eles darão muito mais valor ao que foi feito. Irão cuidar melhor porque sabem que eles também são os respon-sáveis pelo trabalho”.Konrad, assim como os mais de 300 par-ticipantes desse evento, são exemplos da parcela da juventude que muda o mundo e reforça o papel do jovem como um im-portante agente de mudança do compor-tamento social. O Movimento Escoteiro, assim como tantos outros movimentos educacionais, voluntários e voltados à for-mação juvenil em todo o mundo, cumpre com uma função cada vez mais importante diante das mudanças pelas quais a socie-dade passa.Pensar no coletivo, agir localmente, ar-regaçar as mangas em prol do próximo e auxiliar na construção de um mundo me-lhor ainda são características de poucos. Talvez seja esse o caminho que devemos percorrer, e o jovem é a grande força mo-triz dessa virada que a sociedade precisa para avançar. Dessa forma, a juventude não será uma questão de idade, mas, sim um estado de espírito, tornando as comu-nidades mais inovadoras, sonhadoras, sau-dáveis e dispostas a pensar redondo nos buracos quadrados, buscando soluções para uma sociedade melhor, tentando deixar o mundo um pouco melhor do que aquele que encontrou .

Foto: Marlon R

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Fotos: Aquila Paz da R

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Estatuto da Juventude reforça o papel dos jovens na mudança do comportamento social

EDUCAÇÃO

As sombras do sucessoConsiderada país exemplo no sentido educacional, a Coreia do Sul

carregou muitos problemas em seu outrora impecável modelo de ensino

• Gustavo Rodrigues de VargasA educação é, sem dúvida, a preocu-pação maior existente na Coreia do Sul. Desde a Guerra da Coreia e a independên-cia da península Norte de forma definitiva, a industrialização e o desenvolvimento no território cresceram rápida e qualificada-mente, e a educação foi uma das princi-pais responsáveis pela ascensão econômi-ca da nação – tanto que é conside rada uma das mais eficazes em todo o mundo, e seu modelo é copiado por outras nações em desenvolvimento, como, a vizinha Sin-gapura. Mas nem tudo são flores em um cenário que se avizinhava perfeito.Estudantes dificilmente conseguem praticar algum esporte ou até mesmo brin-cadeiras comuns para adolescentes no horário inverso ao das aulas. As formas comuns de diversão foram trocadas por cadernos, lápis, canetas, livros e computa-dores. E essa mudança ocorre a cada vez mais precocemente.O objetivo de dez entre dez pais (e dos próprios filhos) coreanos é ver os filhoss estudarem ao máximo, conseguire, as mel-hores notas possíveis e depois entrarem na mais renomada universidade. Essa é uma questão de tempos antigos, como nos de-talha Eliane Machado Cardoso Corrêa, mestre no curso de História da UCS (Uni-versidade de Caxias do Sul). “Os coreanos historicamente sofrem da chamada ‘febre de educação’. Durante a Dinastia Choson (1392­1910), ter um filho que passasse no exame para o serviço civil administrado pela corte real era visto como uma garan-tia de sucesso social e material de toda a família”, explica.O mercado de cursos extras para alunos do ensino médio atinge mais de R$ 60 bilhões por ano. Além disso, segundo cálculos do Ministério da Educação do país, 100% dos alunos das escolas estão fazendo algum curso no turno inverso ao da aula.Mas até quando essa obsessão pelo con-hecimento pode ser transformada em lou-cura? A linha é muito tênue, conforme explica Daniel Orlandi, formando em Peda gogia. Segundo ele, o fato de desde

cedo a criança sofrer pressão diária por bons resultados pode acarretar problemas graves para ela no futuro. “O garoto ou a garota com uma idade tão baixa na maior parte das vezes não tem nem possibilidade de escolha. A sociedade é assim, as outras crianças também sofrem a mesma pressão de seus respectivos pais, então acaba se tornando uma coisa normal. Mas, à longo prazo, tamanha cobrança pode fazer mal à criança. Deficit de atenção, cansaço e até mesmo um caso extremo de depressão”, podem ocorrer, explica.Essa busca incessante pelos melhores re-sultados e, consequentemente, por melho-res empregos, acaba fazendo com que serviços mais banalizados pela sociedade acabem deixados de lado. Por mais que o país seja prodígio a ponto de produzir médicos, professores e engenheiros de alto nível, empregos como os de encana-dor, faxineiro e garçon, fundamentais em qualquer sociedade, acabam sendo esque-cidos. Outro problema encontrado com muita frequência em solo coreano é a falta de aproximação dos pais com seus filhos. Preocupados em vê-los somente com bons resultados escolares e apostando em cur-sos extracurriculares, além de incentivá-los a inúmeros períodos diários de estudo, o conceito de “família” praticamente ine-xiste no país. Cada vez mais cedo, jovens vão perdendo seu laço familiar para se

dedicar única e exclusivamente aos estu-dos. Portanto, mais do que não ter uma infância dedicada especialmente à arte de brincar como em muitos lugares do mun-do, os estudantes coreanos sofrem com o modelo escolar e com os conceitos esta-belecidos pela sociedade local.

Alunos coreanos desde cedo são incentivados aos estudos

Professores como heróis nacionais Os professores são extremamente bem pa-gos e qualificados. O processo de seleção é rigoroso, com aproximadamente uma vaga para quarenta candidatos em escolas de en-sino médio. Assim, a taxa de qualificação dos docentes é a mais alta possível. Ser pro-fessor na Coreia do Sul é digno de orgulho e de admiração. A carreira docente está entre as mais disputadas, graças aos bons salários (um professor sul-coreano do Ensino Fun-damental chega a ganhar seis vezes mais do que um brasileiro e está entre os 10 mais bem pagos do mundo, com um mínimo de quatro mil dólares por mês) e boas pers-pectivas de futuro (o prestígio e o salário só aumentam). Após quatro anos árduos de graduação, todos os futuros docentes têm de cursar um mestrado, o nível mínimo de formação para se dar aulas. Além disso, não sobram professores sem lugar no mercado: como os que conseguem terminar a for-mação são extremamente bem preparados, todos são absorvidos pelas escolas. O cargo de professor é o mais celebrado pela socie-dade na Coreia.

ORGANIZAÇÃO

A ideologia presente nos processos de produçãoElas podem estar nas grandes capitais, ou, até mesmo, em algum bairro do interior da Serra Gaúcha•Claudia Palhano

Em tempos em que dedicar-ser a uma atividade significa inteirar­se de seus pro-cessos de funcionamento, é importante observar que essa atividade exigirá nuito tempo de dedicação e que, talvez, ela não seja viável. A mesma lógica se aplica aos produtos. Eles podem ser produzidos com determinado material, de determinada forma, em determinado tempo. Do mesmo modo, frente a um leque de opções, a es-colha errada gerará maior ou menor tipo de prejuízo. Mas a artesã Tita Hart não pensa dessa forma. O que para alguns se-ria prejuízo, para ela não é.Tita mora em Canela e produz livros em madeira (uma espécie de compensado) que, depois de trabalhada, recebe desen-hos ou as antigas pinturas da mãe da ar-tesã. Ela costuma dizer que reuniu os praz-eres dos pais falecidos, já que um pintava enquanto o outro trabalhava com a madei-ra. Na oficina de uma só pessoa, o trabalho cresceu e exigiu o registro da artesã, o que lhe possibilita expor em feiras e também

garante valores baixos de frete para fora da região. O trabalho de Tita pode ser conferido em site e redes sociais. Não seria de admirar que uma designer gráfica com experiência na criação e desenvolvimento de sites não colocasse a sua mais nobre arte ao alcance de outras pessoas. Por isso, a “Dona Coisi-nha”, nome de sua rede, dá pistas da artista sem expô-la e liberando a imaginação do leitor. Segundo Tita, as pessoas podem imaginá-la da forma que elas quiserem, livres de alguns conceitos. É assim que ela prefere.Seus trabalhos circulam pelo Brasil, as-sim como um dia ela também circulou, e da mesma maneira que variados tra-balhos sem autores chegam ao público. Ela diz gostar da forma como faz suas “coisinhas”. “Esse é o diferencial de um trabalho artesanal. Ele tem todo um pro-cesso de produção que o faz único. E eu gosto de ver a reação das pessoas que se identificam. Sou livre, não crio padrões”,

comenta ela.Os livros em madeira, assim como os mar-cadores de páginas de Tita, são peças úni-cas e feitas conforme sua inspiração. “Não trabalho com encomendas, pois trabalho sozinha, então não daria conta”, ressalta a artesã, que ainda complementa: “Pre-firo trabalhar sozinha, faço as coisas com amor, do meu jeito”.

Lógica do Consumo

Quando Tita fala das coisas de seu jeito, com amor, ela está falando de uma alter-nativa à lógica consumista, onde só se produz porque é necessário produzir para que se consuma “pois é necessário”. Essa lógica do consumo não pode ser encontra-da nos produtos de Tita, mas é encontrada nitidamente em grandes lojas, aquelas que revendem produtos padronizados, feitos em grandes quantidades. Em conversa com a fevista Entrelinha, o mestre em economia pela UFRGS David Fialkow Sobrinho, deixa clara a lógica de que quanto mais se produz em massa, maior a possibilidade de o produto ser barateado e isso atinge o consumidor, o que é positivo. No entanto, ele acredita que a publicidade como ferramenta de di-vulgação faz parecer necessário aos con-sumidores algo que talvez não seja tão necessário assim. O economista entende que os órgãos de regulamentação publicitária podem inter-ferir mais, assim como profissionais liga-dos às redes de ensino e a própria família já que os mais atingidos pelos comerciais são o público infantil.“Às vezes certos mecanismos de alta competição podem gerar um individualis-mo muito grande, uma frustração muito grande e perdas de valores humanos”, ob-serva Fialkow Sobrinho.

Foto: Hong Seung-hui/divulgação.

Foto: Divulgação.

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PROJETO SOCIOCULTURAL

Projeto Sociocultural aprimora talentosHá 7 anos, o Projeto Acorde reúne crianças e adolescentes em busca de conhecimento cultural • Cláudia Debona

Orquestra do projeto trabalha para se tornar a Orquestra Sinfônica de Bento Gonçalves

O Projeto Acorde foi fundado em abril de 2008, com 42 crianças, e começou com aulas de Canto Coral. Idealizado e gerido pelo Instituto Tarcísio Vasco Michelon, em parceria com a Associação de Mora-dores do Bairro Vila Nova II e com outras instituições, é uma associação sem fins lu-crativos, que desenvolve atividades socio-culturais direcionadas a crianças e jovens. Atualmente, 150 crianças e adolescentes integram o projeto em aulas continuadas de sopros, cordas, percussão e bateria, teo-ria musical, canto coral infantil e juvenil, prática orquestral e práticas musicais em grupo. Ele também acolhe 50 crianças e jovens em atividades culturais paralelas, como danças tradicionalistas, artesanato e outros cursos profissionalizantes.Comprovadamente, as atividades desen-

volvidas reduzem a criminalidade, a vio-lência nas ruas, o ócio e o uso de drogas. As crianças recebem orientação sobre valores de cidadania, influenciando, in-clusive, as famílias e despertando para a profissionalização por meio de seus talen-tos. As ações desse projeto sociocultural incentivam o desenvolvimento social em diversos bairros de Bento Gonçalves, oferecendo acesso ao conhecimento, valo-rização da produção cultural em uma es-trutura de conhecimento que promove o aumento da autoestima e estimula a per-cepção do potencial e talento coletivo.Em parceria com órgãos públicos e pri-vados, o Instituto Tarcísio Michelon promove a inclusão social de crianças e adolescentes, proporcionando o desen-volvimento humano e comunitário.

O Grande Hotel Dall’Onder abriga as atividades do Instituto, oferecendo gra-tuitamente seus locais para as aulas e os ensaios das crianças, lanches e todo o at-endimento do pessoal que trabalha no ho-tel. As aulas ocorrem de segundas a sextas em contraturno escolar e nos sábados pela manhã. Além disso, o Instituto Tarcísio Michelon é responsável pela realização e organização do Simpósio Internacional de Escultores, que ocorre anualmente em Bento Gonçalves.Shayanne Zorzin Franceschini, 16 anos, aprendiz de violoncelo, diz que ao entrar no projeto, em 2008, com apenas oito anos de idade, teve contato com um mun-do totalmente diferente daquele em que estava acostumada a viver, abrindo seus horizontes desde criança e valorizando

culturas, línguas e composições diversas. “Me encaminho para cursar bacharelado em violoncelo na universidade, o que não teria sido possível se eu não tivesse entra-do no projeto”, completa a garota.As crianças e adolescentes passam a ter contato com a música clássica e com a música erudita, o ciclo de amizades foi ex-pandido, mantendo até hoje amizades con-struídas naquele ambiente. Desenvolve-ram a musicalidade e a coordenação motora, o que ajuda a aprimorar a disci-plina em sala de aula, respeitar os profes-sores, ter seriedade e responsabilidade, além do senso crítico e gosto por música de qualidade. “Através do projeto pude conhecer realmente como são as pessoas e como lidar com cada uma delas. Aprendi a ser uma pessoa mais compreensíva, amiga e ter minhas próprias responsabilidades. Aprendi, também, a gostar cada vez mais de música e de outras atividades artísticas, a ver que sem música o mundo não teria graça”, relata Karen Casagrande, 19 anos, integrante do coro.A coordenadora do projeto, Raquel de Marco, 32 anos, avalia que a participação é reforçada quando a comunidade per-cebe o envolvimento das crianças e seu desenvolvimento, o que, segundo ela, não ocorre no primeiro momento. “Os pais precisam perceber a evolução de seus fil-hos. Quando isso acontece, o envolvimen-to deles é natural”, afirma a diretora do instituto, que garante: “Muitas mães par-ticipam ativamente das atividades de for-ma voluntária. O Acorde conta com ajuda de uma Assistente Social, que veio suprir a necessidade de estreitarem os vínculos do Instituto com as famílias de crianças e jovens atendidos, procurando melhor entendimento da realidade individual de cada aluno, assim como a vontade de en-volver a família com o Projeto”.Raquel também destaca a importância de eventos para as crianças. “ As apre-sentações dão oportunidade a todos de estarem em um palco toda semana, o que, para quem é músico, é de extrema im-portância no sentido de melhorar a cada dia”. “Posso dizer que a expansão do Projeto me deu o presente de atender mais crianças e jovens, aumentar a família do Instituto e essa corrente do bem, que muda a vida de tantas pessoas. Me sinto muito gratificada com meu trabalho”, finaliza Raquel.

Fotos: Dandy M

archetti

Núcleo: Sopros Sabiás

Núcleo: Pequenos Cantores de Bento

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ESTRADA

Nômades ContemporâneosPara eles, a felicidade está na bagagem de experiências e o que importa

não é apenas o objetivo, mas todo o trajeto a seguir

• Luísa Biondo• Bruno Tomé

A mais nova peça do Grupo Ueba, “As Aventuras do Fusca a Vela”

A cidade está cada vez mais cultural. Grande parte disso se deve a pessoas que trabalham com a paixão pela arte, como os grupos teatrais

Caxias da cultura

Passo a passo, Caxias do Sul se torna uma cidade cultural. Em 2008, o municí-pio foi eleito Capital Brasileira da Cultu-ra. Parte importante desse crescimento vem de grupos que promovem o teatro na região. Um desses grupos é o “Tem Gente Teatran do”, fundado em 1989 pela atriz Zica Stockmans. A diretora da empresa tea tral conta que está há 30 anos em Caxias, e que no começo não existia uma cena na cidade. Mas, a necessidade de um espaço físico e a demanda de aulas, leva-ram à cria ção do grupo, que é dividido em quatro módulos: escola de teatro, teatro para empresas e uma companhia de peças, além de espaço para apresentações.A ‘Tem Gente’ cresceu junto com a cena cultural na cidade. Segundo a diretora, a troca é positiva para ambos os lados. “Por exemplo, nós trabalhamos muito na for-mação de plateia. Éramos muito teimosos. Não tinha lugar para onde não se levasse um espetáculo”, recorda a atriz. Outro ponto, quem levanta é o ator e produ-tor Sandro Martins: “A escola também atua na região. A gente recebe alunos de Garibaldi, Farroupilha, Nova Prata, Bento Gonçalves, então todo mundo acaba vindo para cá, para se especializar”.Para a promoção da cultura, a empresa tra-

balha em algumas frentes. A atriz destaca que uma delas é a qualidade das aulas. “Nosso aluno recebe um professor nor-malmente com mestrado em Teatro e out-ro requisito para o professor é que ele seja atuante no cenário”. No final das au las, os estudantes produzem uma peça para apresentação. O trabalho entra na Mostra Tem Gente Teatrando, que está no 19° ano. Martins comenta que, geralmente, é a primeira vez que alunos e familiares acompanham uma peça de teatro por meio desse projeto da escola.Atualmente, a empresa está com seis peças em circulação. Entre elas, “Memórias de Uma Solteirona”, estrelada pela própria diretora. Zica conclui que, hoje, a empresa passa por um momento de transição. “Es-tamos passando de uma fase de construção para uma de elaboração. Agora, podemos nos dar ao luxo de elaborar melhor e andar para um caminho mais artístico”.

Ueba na Rua

Seja com o teatro no palco, ou seja com o teatro de rua, mais uma companhia na cidade também é responsável pela aproxi-mação dos diferentes públicos com o tea-tro: o “Grupo Ueba”. Fundado em 2004 pelos atores Jonas Piccoli e Aline Zilli, o

grupo de teatro surgiu da paixão pela arte, pois antes tudo era um hobby. Hobby – que levou o grupo a se apresentar em todas regiões do Brasil, em países da América Latina e na Itália.A atriz Aline Zilli comenta que é mais difícil trabalhar com a cultura. O ator, e também diretor e dramaturgo, Jonas Pic-coli, complementa dizendo que a dificul-dade está em vender algo que as pessoas acreditam que não querem, pelo fato de não conhecerem. Nesse contexto, o “Grupo Ueba” entra com uma de suas ma-neiras de atrair o público: o teatro de rua.Piccoli conta que uma das maiores preo-cupações do grupo é fazer o teatro de rua, justamente para levá-lo diretamente ao público. Um ponto importante para o ator é a ma-neira como as pessoas lidam com esse tipo de apresentação, “É democrático, porque tu chega ali, tu olha, gostei ou não gostei e vai embora”. Ainda sobre esse tipo de tea-tro, o diretor comenta a peculiaridade de se apresentar na rua.“É o teatro de risco. Nele nunca uma apresentação é igual à outra. Sempre vai ter uma interferência”.Se o teatro muda as pessoas, ele pode mudar pelas pessoas. Uma pesquisa de 2010, do IBGE, mostra que apenas 21% do Brasil conta com casas de teatro. As-sim, as peças de palco são adaptadas para algumas regiões. Mas, Aline Zilli não vê problema nisso. Para ela, o teatro precisa chegar nas pessoas. Ela comenta que a essência das peças vai tocar as pessoas, independentemente de onde estão sendo apresentadas.Assim, o “Grupo Ueba” é mais um dos pontos de crescimento da cultura caxien-se, fazendo o teatro do seu jeito, querendo explorar novos universos, como diz Aline, sobre os objetivos da companhia: “Mos-trar a forma como a gente vê o mundo, compartilhar com as pessoas e, quem sabe, proporcionar uma transformação de pensamento”.

CULTURA

O Maluco é, principalmente, um viajante, que se impregna de vivências e experiências

Insatisfação com a atual estrutura do sistema econômico, político e social é o principal motivo para alguns colocarem a mochila nas costas e viajar pelo Brasil vivendo da sua arte: o artesanato. Assim são os Malucos de Estrada, ou de BR, muitas vezes identificados pela aparência (dreads, roupas largadas, tatuagens e bar-ba por fazer) e confundidos com hippies dos anos 60.O documentário Malucos de Estrada, produzido pelo coletivo “A beleza da margem, à margem da beleza” apresenta em cerca de uma hora todo esse movimen-to que ganha cada vez mais notoriedade. De forma resumida, esse grupo, que vive desarticuladamente pelo Brasil, mantém a ideologia hippie da paz e do amor, de ser contra a estrutura social e de viver do artesanato. Adicionado a isso, o maluco é principalmente um viajante, um nômade, alguém que se impregna de experiências e vivências.Segundo Camile Vergara, antropóloga e pesquisadora do Imagens, Narrativas e Práticas Culturais (INARRA) da Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro – em Arte, Contracultura e Nomadismo: O Cor-po em Movimento Contra a Autoridade –, o nomadismo move um sentimento muito forte de solidariedade, que também está ligado aos fundamentos anarquistas. “Os princípios e as consequências da vida nômade são definidos pela necessidade, os pontos de passagem são alternados, e o que importa é o trajeto que é traçado e depois se apaga como as pegadas no de-serto. São espaços que são ocupados e, em seguida, se desterritorializam, conforme o fluxo”, completa a pesquisadora.

Vida de Maluco

Gilberto Rodrigues Luiz (Tom), 35 anos, Maluco desde os 18 anos, conta que no início ficava com seus amigos nos postos de gasolina cerca de três dias a espera de carona. “Agora, as pessoas sentem medo”, justifica. Apesar disso, ele acredita que o

preconceito das pessoas, assim como a repressão que sofrem da polícia e da fis-calização, vêm diminuindo. “Acho que as pessoas hoje estão diferentes, mais aber-tas. Os jovens principalmente.”, relata.Há 17 anos na estrada, Tom só não conhe-ce Roraima e este ano veio ao Rio Grande do Sul pela primeira vez. Dentre os lu-gares que conheceu, o seu preferido é o nordeste. Ele, já pensou em começar uma faculdade na época que dividiu quarto com alguns estudantes de história. Mas, relata, os próprios alunos o incentivaram a continuar viajando. Hoje, ele reconhece que não conseguiria ficar preso em um só lugar. “Eu gosto de fazer novas amizades, conversar com as pessoas, fazer artesana-to e conhecer os lugares diferentes, novas paisagens”, afirma.O importante, para os Malucos como Tom, é viajar e poder viver da arte que produzem. Em Caxias, Tom mora com Charles Rzewuski, 33. Natural de Caxias do Sul, Charles viaja pelo Brasil há 15 anos e, com exceção do Acre, já conhece todos os estados do país. Voltou para a ter-ra natal há cerca de um ano e, assim como Tom, é um dos artesãos que esporadica-mente aparecem sentados na Av. Júlio de Castilhos, Caxias do Sul, confeccionando

e vendendo filtros dos sonhos, colares, pulseiras, brincos...Charles diz que no seu trabalho o que vale não é a quantidade. Ele acredita que gos-tar do seu trabalho e colocar sua energia nele é o bastante para que as coisas dêem certo. “Vai da tua ambição e do que você busca. Eu busco paz de espírito. Viver e ser feliz como todo mundo. E isso é uma luta diária da mente, corpo e espírito, tu tens que estar bem contigo mesmo para as outras coisas fluírem”, completa.Para Charles, uma hora cada um deve es-colher o que é melhor para si. Por isso, ele pretende que sua filha, que hoje está na quarta série do ensino Fundamental, tam-bém tenha essa chance de escolha. “Minha filha até pede para aprender (artesanato), mas eu não quero ensinar. Eu mando ela ler um livro, porque ela vai ter a vida in-teira para aprender artesanato. Agora, é o momento de estudar. Depois, quando ela fizer 18 anos, aí ela decide a vida dela.”A fórmula da felicidade não existe, mas Charles e Tom encontraram a sua nas ex-periências adquiridas ao longo da vida e as lembranças dos lugares por onde pas-saram. “Isso ninguém te tira”, garante.

Foto: Márcio Silveira

Foto: Luiza Biondo

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140 ANOS DA IMIGRAÇÃO ITALIANA

A crença que construiu uma comunidadeNo interior da pequena cidade de Nova Pádua, a Capela das Almas tornou-se símbolo de fé• Débora Debon e Pâmela Pelizzaro

A chegada dos primeiros imigrantes italianos no Rio Grande do Sul completa 140 anos no dia 20 de maio (2016). Com o sonho de encontrar uma terra de pros-peridade, muitas famílias atravessaram o Atlântico em navios a vapor. Além da esperança de uma vida melhor e da von-tade de trabalhar, trouxeram caracterís-ticas peculiares da sua terra, mais tarde incorporadas à cultura brasileira. Entre os legados que permanecem, estão o dialeto talian, a gastronomia e, principalmente, a fé, que propagou a religião católica no Brasil. Os imigrantes conheciam a história dos santos e, com profunda devoção, par-ticipavam de rezas e procissões em sua homenagem. Quadros com imagens que simbolizavam a crença não faltavam na bagagem dos viajantes que construíram capelas e capitéis para orações. Seguindo o passo dos conterrâneos, o italia no Angelo Arcaro trouxe um retrato com a imagem das Almas do Purgatório, cuja fé o salvou de uma emboscada no

Travessão Divisa, interior de Nova Pádua — conhecida hoje como Pequeno Paraíso Italiano. Conforme a pesquisadora Vera Tatto Pan, o episódio aconteceu no início dos anos de 1900, quando Arcaro, que trabalhava como escrivão da igreja, era perseguido por revolucionários. A história conta que em uma noite, ao terminar suas tarefas na paróquia, o dono de uma bo-dega (como eram conhecidos os bares da época) o alertou de que correria perigo. Quando voltava para casa a cavalo, um grupo armado saiu atrás de Arcaro para matá-lo. “A vizinhança ouviu o tumulto. A mãe do meu pai contou que no dia eles es-cutaram como se fossem pessoas brigan-do, discutindo e que tiros foram dispara-dos” explica Vera. Após grande perseguição, com fervor, ele invocou as Almas do Purgatório para que o ajudassem. Aos poucos, os revolu-cionários, que queriam eliminar padres e envolvidos com a religião, recuaram e sumiram na direção do mato.

No dia seguinte, ao entrar na bodega que servia como ponto de encontro de amigos, Arcaro conversou com os mesmos revolu-cionários e perguntou porque eles haviam fugido. A resposta o impressiou. Ao redor dele e de seu cavalo, o grupo rival avis-tou inúmeras pessoas protegendo-o. O re-ligioso afirmou que estava sozinho e que as pessoas que o circundavam eram as Al-mas do Purgatório. Para fazer algo como forma de agradecimento, ele pediu que o vizinho Martino Tatto cedesse uma peque-na área de suas terras para a construção de um capitel. “Ele marcou o lugar em que teria ocorrido o fato e, no dia seguinte, foi procurar meu bisavô. Depois de contar a história, disse que gostaria de colocar uma cruz e construir um pequeno capitel para agradecer por ter saído ileso”, relembra a pesquisadora. A igrejinha de madeira foi registrada em cartório no ano de 1909, em nome das al-mas que o salvaram. Com o tempo, houve a necessidade de ampliar o capitel. Por isso, em 1925, os fundadores, juntamente com os associados da comunidade, cons-truíram a nova igreja em alvenaria. Os tijolos foram feitos pelos próprios mora-dores em formas de madeira. No altar do templo, o quadro das Almas do Purgatório foi pendurado e permanece lá. Além disso, Santa Bárbara, Santa Lúcia e São Pelegri-no também foram nomeados padroeiros da comunidade. Com o passar dos anos, o local, denominado Capela das Almas, foi mantido como símbolo de fé, marcando a religiosidade dos imigrantes italianos que se estabeleceram na região. Em 2000, visando a construir um espaço mais amplo para receber os fiéis, teve iní-cio a obra de uma nova igreja. Durante a inauguração, em 2004, o bispo Dom More-to, da Diocese de Caxias do Sul, orien tou os moradores a manterem a antiga capela como relíquia. “Quando fizemos a nova igreja, algumas pessoas pensavam que não precisaríamos mais da velha. Mas, o bispo pediu oficialmente na celebração

que o templo antigo permanecesse como símbolo da continuidade da fé. O quadro original que veio da Itália continua lá. Mas na igreja nova foi colocada uma cópia”, esclarece Vera. A capela de quase 100 anos foi restaurada em 2008, de maneira simples, com recur-sos de doações. Hoje, ela é aberta para visitação nos fins de semana. Em abril, mês da escrituração do terreno, e em no-vembro, mês das almas, são realizadas celebrações na pequena igreja e almoço junto ao salão da comunidade.

Rascunhos que viraram livro

A história da Capela das Almas ganhou um capítulo a parte com a pesquisa feita pela funcionária pública Vera Tatto Pan. Bisneta de um dos fundadores do pequeno capitel, ela queria deixar um legado por escrito, explicando detalhes dos fatos que deram nome à comunidade onde mora. Em 2006, Vera teve que enfrentar um câncer pela segunda vez. Neste período, os filhos Igor e Isis precisaram colher informações sobre sua descendência e sobre o local onde residiam, para um trabalho escolar. Emocionada, Vera lembra que, por estar muito debilitada na época, não conseguiu auxiliar na tarefa. Quando recebia visitas, para evitar falar sobre a doença, procurava conversar sobre a história da comunidade. “Fui buscando informações, mas não havia muita coisa. Naquele ano eu estava ruim, passando por um período difícil e não tinha como ajudar meus fi lhos. Isso me marcou muito, e eu pensei: que legado deixaríamos para nossos filhos quando nos perguntassem sobre nosso passado?”, recorda. Vera começou a perceber que muitos lí-deres atuantes na comunidade, que po-deriam ter contribuído para a construção da história, já haviam morrido. Os poucos que restaram tinham idade avançada, e ela não poderia deixá-los partir antes de registrar seus relatos. Assim, começou a rascunhar em papéis os depoimentos que coletava durante o tratamento da doença. Para sua surpresa, quatro anos depois, ao passar as anotações para o computador, os rascunhos renderam um livro de 115 pá-ginas. “Não tinha ideia que iria virar essa pesquisa, mas fui me interessando e aca-bei me aprofundando. Imprimi poucas có-

pias, deixei na comunidade e na paróquia. Minhas colegas começaram a falar que eu tinha feito muita coisa para deixar apenas nesses locais e que uma hora dessas pode-ria ser perdido. Mas minha ideia não era fazer mais cópias”.Em 2010, a estrada do Travessão Divisa foi asfaltada. O momento foi muito es-pecial e marcante para os moradores. A fotografia das capelas divididas por uma pavimentação asfáltica se tornou a capa do livro de Vera. Depois disso, digitou mais 20 páginas com outros fatos que julgava importante deixar registrados e resolveu anexar a sua pesquisa. Voltando à paróquia para levar cópias do novo material, con-statou que as folhas haviam sido extravia-das, como as colegas tinham alertado. “O material tinha sido perdido. A partir disso, comecei a pensar no que mi nhas colegas falaram. Então, eu encadernei o material e distribui na biblioteca pública e na pre-feitura. Depois disso, começaram a ligar para pedir cópias e, hoje, acredito que to-das as famílias da comunidade tenham”, conta. A pesquisa de Vera é a mais completa e de-talhada sobre a história do Travessão Di-visa. No memorial é possível encontrar os fatos que marcaram a origem, a formação e evolução daquela comunidade, que até hoje conserva com orgulho as tradições culturais e religiosas.

Cemitério de imigrantes italianos

As primeiras 86 famílias italianas que se estabeleceram no Rio Grande do Sul foram se multiplicando e se adaptando ao novo país ao longo dos anos. Com a distribuição dos lotes, os imigrantes começaram a er-guer moradias, organizar propriedades e fazer plantações, iniciando, assim, o con-vívio em comunidade. Porém, nas últimas décadas, antigos casarões deram espaço a grandes prédios, fazendo com que muitos legados se perdessem. Segundo a historiadora Gissely Lovatto Vailatti, um dos últimos cemitérios de imigrantes italianos que mantém pratica-mente todas as características originais está localizado no Travessão Martins, interior de Flores da Cunha, às margens da antiga estrada que conduzia aos fun-dos da localidade. Uma cruz preta indica a entrada do local escondido em meio a árvores. Uma taipa de pedras de 130 anos

cerca o cemitério de 400 metros quadra-dos, onde corpos de mais de 80 italianos foram enterrados entre os anos de 1890 e 1940. Covas são demarcadas com cruzes de ferro artesanais. Em algumas, ainda é possível ler epitáfios escritos em italiano. Um pequeno pedaço de chão, chamado limbo, era utilizado para enterrar suici-das, homicidas, não católicos, e crianças não batizadas. “Uma cova comum guarda os corpos de 40 revolucionários mortos numa emboscada no Travessão Alfredo Chaves. Brasileiros dos Campos de Cima da Serra, que lutavam por ideais políticos, comumente chamados de negros pelos moradores locais, estão enterrados no lim-bo. Por isso, já se ouviu tanto falar: ‘tem 40 negros da Revolução Estadual Liberta-dora de 1923 naquele cemitério’”, explica a historiadora. O lugar é cuidado pela família de Domin-gos Caldart, que conta, atualmente, com a ajuda dos filhos e neto. Além de manter o espaço limpo e organizado, antigamente, no Dia de Finados, seu Domingos refa-zia os montes de terra que sinalizavam as covas. “A criançada ficava enlouquecida vasculhando tudo e pensando mil coisas sobre o que havia sete palmos abaixo da terra”, comenta Gissely. Como o cemitério não integra o patrimônio histórico e cultural, corre o risco de um dia desaparecer. Para a historiadora, a sobre-vivência do campo santo deveria ser mo-tivo de orgulho. “Temo um dia acordar e ouvir alguém dizendo: ‘foi decretada a re-tirada daqueles italianos e daqueles revo-lucionários de lá, não há de sobrar pedra sobre pedra daquela velha taipa’”. Um grupo de pessoas luta pela preservação do espaço. Em 2005, a então vereadora do município Claudete Gaio Conte encami-nhou uma indicação para o tombamento do local. Pela falta de um Conselho Mu-nicipal de Cultura, o projeto foi arquiva-do. Atualmente, uma das filhas de seu Domingos, Fátima Caldart Galiotto, está em busca do reconhecimento do cemitério como bem histórico junto à Associação de Amigos do Museu, Associação Amigos de Sospirolo e da comunidade. Uma das al-ternativas cogitadas é fazer o tombamento provisório até que se crie o Conselho, que terá reponsabilidade de viabilizar o pro-cesso definitivo.

Capela das Almas, Nova Pádua

Foto: Pâmela Pelizzaro

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POLÍTICA

A democracia representativa em criseÉ preciso ser mais direto• Ricardo Augusto de Souza

O ano é 2015. O mês, março. O cenário político, 12 anos de governo do Partido dos Trabalhadores. Governo esse que, com inúmeras ressalvas, possibilitou al-guns avanços sociais para o país. Talvez o mais gritante deles esteja relacionado à diminuição da pobreza. Estima-se que cerca de 36 milhões de pessoas deixaram a extrema pobreza no período de governo petista. Em outubro de 2014, as eleições ─ acirradíssimas ─ decretaram a reeleição da presidenta Dilma Roussef (PT) por mais quatro anos. Menos de seis meses de-pois, no dia 15 de março de 2015, milhares de pessoas saem às ruas em todo o Brasil para protestar. As principais bandeiras de luta são o fim da corrupção e o pedido de impeachment da presidenta.Em Caxias do Sul, segundo a Brigada

Militar, 40 mil pessoas foram às ruas no domingo 15 de março. Os cartazes pediam desde mais dinheiro para saúde e edu-cação até a saída da presidenta Dilma. Al-guns, mais exaltados e de memória fraca, clamavam por intervenção militar. Outros, desinformados, imploravam para que o Brasil não se tornasse uma república bo-livariana. Os manifestantes, muitos em família, marcharam pelas ruas Júlio de Castilhos e Sinimbu aos gritos de “Fora PT”. A maioria vestia camisa da seleção brasileira e se divertia com as câmeras dos smartphones durante o ato. É fato que os brasileiros que foram às ruas no dia 15 não fazem parte dos 36 milhões que saíram da linha da pobreza durante o governo do PT. E essa afirmação não se fundamenta no ar-gumento de que esses 36 milhões não têm motivos para reclamar das administrações

Lula e Dilma, muito pelo contrário. Ela é fruto da observação de que a manifestação do dia 15 foi, sobretudo, uma manifes-tação da elite. Não necessariamente era a elite que estava nas ruas, mas os valores dela, com certeza, marcharam junto com as pessoas. Ao analisar a história do Brasil, é possível perceber inúmeros momentos nos quais o país sofreu duros golpes das camadas mais privilegiadas da população. Desde a colonização ─ com a vinda da corte portu-guesa para cá ─ até os anos de chumbo da ditadura militar, o maior país em extensão da américa latina viveu à mercê de uma elite que não aceita ser derrotada, como aconteceu nas urnas ano passado. Segun-do a Cientista Política Ramone Mincato, “na história brasileira tivemos poucos períodos democráticos. O autoritarismo

nos priva da informação e de maneira geral as pessoas entendem que o que não sabem não existe. Então, pensam equivo-cadamente que nos regimes autoritários não existe corrupção”.As manifestações do dia 15 de março, porém, significam muito mais que uma mera manifestação ideológica com os valo res da elite. Quando os brasileiros foram às ruas em junho de 2013, a maio-ria das reivindicações eram outras, mas há algo em comum. É possível perceber nas entrelinhas que, no Brasil, há um es-gotamento da capacidade de os partidos políticos entenderem as demandas da população. Segundo Ramone, isso se dá principalmente pela forma como o país é governado hoje. “Os partidos são fortes no sistema político brasileiro atual. Eles são fracos na sociedade civil porque a população não se sente representada. A causa principal está no presidencialismo de coalizão, na dinâmica de funciona-mento do sistema político brasileiro que requer a formação de coligações para vencer eleições e, depois das eleições, as coalizões para assegurar maioria parla-mentar e um mínimo de governabilidade”, defende.Além disso, outras questões contribuem para o esgotamento do modelo político atual. Talvez a mais gritante delas esteja no financiamento privado das campanhas. Em 2014, por exemplo, estima-se que os 25 mil candidatos para os diferentes

cargos gastaram cerca de 74 bilhões nas campanhas. Isso, em um país em que o poder econômico se sobrepõe ao político, é praticamente um atestado de que os mais ricos governam o país. Outro fator que causa descontentamento é a ausência de um espaço público oficial para manifes-tação política. A câmara dos deputados, o senado, ou mesmo as câmaras de verea-dores estão muito distantes da realidade da população. Mas, como proceder diante desse sistema que parece cada dia suprimir a cidadania? O estudante de jornalismo André Seb-ben Ramos, juntamente com a professora e cien tista política da Universidade de Caxias do Sul Ramone Mincato, tiveram a ideia de aproveitar a popularização da in-ternet para criar um mecanismo online de democracia direta. O governo, principal-mente em nível estadual, realizou uma ex-periência semelhante quando propôs que a população votasse as principais deman-das por meio do orçamento participativo. As leis de iniciativa popular, mesmo que sirvam mais como um método de fazer pressão, também podem ser consideradas um mecanismo de democracia direta.A democracia direta não surge com o in-tuito de substituir a democracia represent-ativa, mas de aperfeiçoá-la. Para Sebben “todo mundo sabe que é necessário fazer algo, mas até agora não foi apresentada uma proposta que realmente possa mudar a situação.” Diante dessa situação descon-

Protestantes a favor da Intervenção Militar

Foto:s Ricardo de Souza

fortável, o estudante propõe a cria ção de um mecanismo em que o cidadão exerça seu poder de ecolha por meio de uma plata-forma online. “Estamos traba lhando na Rede Cívica, que seria um braço do Poder Legislativo para aqueles que não querem mais serem representados, mas partici-par efetivamente da política. Porém, para aqueles que querem manter o atual siste-ma, a representatividade continua. Logo, a Rede Cívica não substitui, mas amplia as formas de democracia”, esclarece.O projeto ainda está em fase de desen-volvimento e divulgação, mas segundo André a ideia é implantá-lo primeiramente na cidade de Caxias do Sul, onde as pes-soas poderão se emancipar politicamente em nível municipal e votar as demandas do legislativo da cidade. Mas para o es-tudante, se a Rede Cívica for pensada a longo prazo há possibilidade de reduzir consideravelmente os abusivos gastos do poder legislativo no país. “Além de ser o mais caro do mundo proporcionalmente à riqueza gerada no país, os políticos bra-sileiros não exercem suas tarefas com competência. Estamos falando em Con-gresso Nacional, 27 assembleias legislati-vas e 5.564 câmaras de vereadores (remu-nerados). Segundo cálculos preliminares, o custo por ano ultrapassa 20 bilhões de reais. Alguém em sã consciência afirma que eles [políticos] valem o que custam?”

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COMPORTAMENTO

De quem é essa terra?Caxias prosperou com o italiano, mas persevera com todos os outros imigrantes• Luciane Modena

O Monumento Nacional ao Imigrante é o símbolo de Caxias do Sul. A determi-nação veio a partir de lei sancionada em maio deste ano. Na cripta abaixo da está-tua, inaugurada em 1954, há fotografias da imigração de diversos países para o Brasil. Mas, inicialmente, a estrutura de bronze homenagearia apenas a imigração ita-liana. Um ano antes da inauguração, uma lei determinou que fossem homenageadas todas as etnias que contribuíram para a povoação brasileira. Assim, o monumento tornou-se nacional.O cenário de crescimento econômico no século XX acabou por trazer, ao longo dos anos, outros migrantes e imigrantes para a cidade. Pessoas de todo o Brasil vêm a Caxias do Sul para tentar o sucesso. No último ano, cerca de 400 ganeses chega-ram à região de uma só vez. Os motivos lembram o dos italianos de 140 anos atrás: melhores empregos e qualidade de vida. O problema é que muitos deles não são bem recebidos. Preconceito, xenofobia e temor em relação à crise econômica atual estão presentes.

Sentimento de posse

Para o doutor em Psicologia Social Mar-lon Xavier, é natural que imigrantes se sintam proprietários da terra após anos de ocupação. Marlon, que é professor de Psicologia na UCS, entende que o precon-ceito contra imigrantes africanos se deve a um racismo presente em todo o País. Se-gundo o professor, no Norte da Itália, de onde veio boa parte da imigração, o pre-conceito faz parte da vida das pessoas. “Existe um racismo muitíssimo arraigado em Verona, Vicenza e região do Vêneto. As pessoas não pensam ou questionam esse racismo que, na verdade, é irracional. Acredito que haja essa herança aqui na Serra”, explica.

Primeiro, os índios

Não apenas de imigrantes se fez uma Caxias do Sul. Pesquisas encontraram 48 sítios arqueológicos no território caxiense, que mostram a ocupação de índios cain-gangues antes dos imigrantes europeus.

Quando o homem branco chegou, os ín-dios, em sua maioria, haviam desocupa-do a terra. Segundo a historiadora Tania Tonet, eles vinham do centro do país em busca de água, proteção e alimento, es-pecialmente pinhão, numa ocupação que durou 800 anos.A sede da ocupação ficava onde hoje é a Praça da Bandeira, território doado pelo Estado sob o nome original de Campo dos Bugres. Os índios ficavam numa das regiões mais movimentadas da cidade atual mente, compreendida entre a Praça da Bandeira e a Estação Férrea, num quadri-látero entre as ruas Olavo Bilac, Ernesto Alves, Feijó Junior e Marechal Floriano. “É importante entendermos que somos a soma de muitas culturas e que Caxias do Sul tem espírito cosmopolita. Isso é mara-vilhoso, mas a população ainda não tem essa consciência”, explica a historiadora.

Inversão do estigma

Doutor em Ciências Sociais, o antropólo-go Rafael José dos Santos defende que o

sentimento de posse sobre a terra não é ex-clusividade de Caxias do Sul, mas comum em regiões do país com desenvolvimento via colonização. Rafael explica que houve um processo de inversão do estigma do colono, a partir do centenário da imi-gração, em 1975. Antes disso, o imigrante italiano era visto como pobre e ignorante. “Eles eram discriminados pelos próprios descendentes, que moravam na cidade e trabalhavam no comércio”, informa. Segun do o antropólogo, criou-se uma figu ra ambígua. “O preconceito era con-tra a vida rural, contra o fato de as pes-soas serem, de certa forma, caipiras. Isso é interessante porque do próprio espaço urbano vai surgir o discurso de reversão do estigma de colono”, comenta.Segundo Santos, que é professor do Dou-torado em Turismo e Hospitalidade na UCS, essa mudança ocorre por meio da Universidade e da contribuição de em-presários. Entretanto, a inversão teria levado ao extremo oposto: o heroísmo do colono. Conforme o antropólogo, nin-guém pode negar que esses descendentes trabalharam e fizeram a cidade progredir, mas não foi devido a qualidades étnicas intrínsecas. Dentre outros motivos para o progresso no século XX, o antropólogo destaca três: a industrialização brasileira, o crescimento econômico e os financia-mentos do governo federal. No entendimento do professor, há re-sistência em mostrar diversidade, mesmo com pequenos avanços. Para Santos, mes-mo que haja herança cultural relativa ao preconceito, é preciso fazer crítica e tomar iniciativas para mudar. “Todo preconceito é fundado em ignorância, ausência de in-formação. Isso já é mais do que compro-vado”, define.

Monumento Nacional do Imigrante, Caxias do Sul.

Foto:s Luciane Modena

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