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Universidade da Beira Interior

Qualidade de vida em pacientes portadores de fibromialgia

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Funcionalidade Fsica

Limitaes Fsicas

Percepo Estado Sade

Dor Corporal

Sade Mental

Limitaes Emocionais

Vitalidade

Papel Social

Qualidade de vida

FM (n=259)

Mulheres EUA

Dissertao de Mestrado Integrado em Medicina

Faculdade de Cincias da Sade

Universidade da Beira Interior

Dissertao de Mestrado Integrado em Medicina

Tempo secoHumidade

Fonte: Adaptado de Yunus, M. & Reiffenberger, DH., 2005

Banhos quentesFadiga Fsica/ mental

ou trauma, actividade

fsica em excesso

Actividade moderadaSedentarismo

Sono reparadorSono no reparador

Distrbios inflamatrios

ou infecciosos

FriasAnsiedade ou stress

CalorFrio

Atenuantes

Atenuantes

Agravantes

Agravantes

Factores que influenciam os sintomas na

sndrome fibromilgica

Tabela 1.

Tabela 1.

Tempo secoHumidade

Fonte: Adaptado de Yunus, M. & Reiffenberger, DH., 2005

Banhos quentesFadiga Fsica/ mental

ou trauma, actividade

fsica em excesso

Actividade moderadaSedentarismo

Sono reparadorSono no reparador

Distrbios inflamatrios

ou infecciosos

FriasAnsiedade ou stress

CalorFrio

Atenuantes

Atenuantes

Agravantes

Agravantes

Factores que influenciam os sintomas na

sndrome fibromilgica

Tabela 1.

Tabela 1.

32-80%Sndrome do Clon Irritvel

Fonte: AaronLA, et al. BestPractResClinRheumatol2003;17:563-574;

18%Dor plvica crnica

13-21%Cistite intersticial

33-35%Sensibilidades qumicas mltiplas

10-80%Cefaleia Tenso e Enxaqueca

75%Disfuno da ATM

21-80%Sndrome de Fadiga Crnica

Prevalncia

Prevalncia

(%)

(%)

Distrbio Mdico

Distrbio Mdico

Tabela 4.1. Co

Tabela 4.1. Co

-

-

morbilidades I na FM

morbilidades I na FM

32-80%Sndrome do Clon Irritvel

Fonte: AaronLA, et al. BestPractResClinRheumatol2003;17:563-574;

18%Dor plvica crnica

13-21%Cistite intersticial

33-35%Sensibilidades qumicas mltiplas

10-80%Cefaleia Tenso e Enxaqueca

75%Disfuno da ATM

21-80%Sndrome de Fadiga Crnica

Prevalncia

Prevalncia

(%)

(%)

Distrbio Mdico

Distrbio Mdico

Tabela 4.1. Co

Tabela 4.1. Co

-

-

morbilidades I na FM

morbilidades I na FM

Junho de 2008

19,4Fobia Social

62,0Distrbio Depressivo Major

Fonte: ArnoldLM, et al. J. ClinPsychiatry2006;67:1219-1225

6,5Distrbio Obcessivo-Compulsivo

21,3Stress Ps-Traumtico

28,7Distrbio de Pnico

55,6Distrbio da Ansiedade

11,1Disfuno Bipolar

73,1Distrbio do Humor major

Prevalncia (%)

Prevalncia (%)

Distrbio Psiquitrico

Distrbio Psiquitrico

Tabela 4.2. Co

Tabela 4.2. Co

-

-

morbilidades II na FM

morbilidades II na FM

19,4Fobia Social

62,0Distrbio Depressivo Major

Fonte: ArnoldLM, et al. J. ClinPsychiatry2006;67:1219-1225

6,5Distrbio Obcessivo-Compulsivo

21,3Stress Ps-Traumtico

28,7Distrbio de Pnico

55,6Distrbio da Ansiedade

11,1Disfuno Bipolar

73,1Distrbio do Humor major

Prevalncia (%)

Prevalncia (%)

Distrbio Psiquitrico

Distrbio Psiquitrico

Tabela 4.2. Co

Tabela 4.2. Co

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-

morbilidades II na FM

morbilidades II na FM

Predisposio Gentica

Predisposio Gentica

Eventos Etiolgicos

Eventos Etiolgicos

Trauma, infeco, etc.

Resultados de sade

Resultados de sade

Sintomas

Sintomas

Resposta Imunolgica

Resposta Imunolgica

Actividade imune excessiva

Factores

Factores

Perpetuantes

Perpetuantes

Infeco adicional, disfuno do

eixo-HPA, stressoresmltiplos, etc.

Predisposio Gentica

Predisposio Gentica

Eventos Etiolgicos

Eventos Etiolgicos

Trauma, infeco, etc.

Resultados de sade

Resultados de sade

Sintomas

Sintomas

Resposta Imunolgica

Resposta Imunolgica

Actividade imune excessiva

Factores

Factores

Perpetuantes

Perpetuantes

Infeco adicional, disfuno do

eixo-HPA, stressoresmltiplos, etc.

Figura 2.4.

Hiptese de Predisposio Gentica

(Klimas,1995)

Predisposio Gentica

Predisposio Gentica

Eventos Etiolgicos

Eventos Etiolgicos

Trauma, infeco, etc.

Resultados de sade

Resultados de sade

Sintomas

Sintomas

Resposta Imunolgica

Resposta Imunolgica

Actividade imune excessiva

Factores

Factores

Perpetuantes

Perpetuantes

Infeco adicional, disfuno do

eixo-HPA, stressoresmltiplos, etc.

Predisposio Gentica

Predisposio Gentica

Eventos Etiolgicos

Eventos Etiolgicos

Trauma, infeco, etc.

Resultados de sade

Resultados de sade

Sintomas

Sintomas

Resposta Imunolgica

Resposta Imunolgica

Actividade imune excessiva

Factores

Factores

Perpetuantes

Perpetuantes

Infeco adicional, disfuno do

eixo-HPA, stressoresmltiplos, etc.

Figura 2.4.

Hiptese de Predisposio Gentica

(Klimas,1995)

Qualidade de vida em pacientes portadores de fibromialgia

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10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Funcionalidade Fsica

Limitaes Fsicas

Percepo Estado Sade

Dor Corporal

Sade Mental

Limitaes Emocionais

Vitalidade

Papel Social

Qualidade de vida

FM (n=259)

Mulheres EUA

Dissertao apresentada Faculdade de Cincias da Sade da Universidade da Beira Interior para obteno do grau de Mestre em Medicina.

ORIENTADOR

Professora Doutora Isabel da Franca

Mdica Especialista em Dermatologia e Venerologia

Professora Auxiliar da Faculdade de Cincias da Sade Universidade da Beira Interior

EPGRAFE

"Todo o Mundo capaz de suportar uma dor, com excepo de quem a sente!

William Shakespeare (1564-1616)

[] It is more important to know what sort of a patient has a disease than what sort of disease the patient has.

William Osler (1849-1919)

[] these are the facts. If we cannot entirely explain them now, they will, nevertheless, not go away.

Irving Cooper (1922-1986)

Cada doente em perigo era uma razo de angstia: desejaria colocar-me no seu lugar, chamar a mim o seu sofrimento, para reagir com alma contra a doena, numa espionagem infatigvel que no permitisse o assalto traioeiro da morte. Desejaria v-lo a meu lado, dia e noite. O doente do hospital era um caso clnico, uma cama numerada; c fora, no meio familiar, era um ser humano, que nos dizia intimamente respeito, cujo destino se fundia com o nosso.

Fernando Namora (1919-1989)

Who is better qualified than rheumatologists to finally unravel the daunting mystery of fibromyalgia?

Andrew J. Holman (2002)

Both the strength and the emphasis on suffering pervade Fridas paintings. When she shows herself wounded and weeping, it is the equivalent to her letters litany of moral and physical wounds, a cry for attention.

Hayden Herrera (2003)

At present, the treatment of fibromyalgia is as much art as science.

Clauw (2004)

Frida Kahlo.

Auto-retrato.

La columna rota.

DEDICATRIAS

Gostaria de dedicar esta monografia a toda a comunidade cientfica, em particular classe mdica portuguesa, numa tentativa de esclarecimento e desmistificao de toda a temtica relacionada com a fibromialgia, procurando alargar e unificar consensos e debater, abertamente e sem quaisquer preconceitos, as controvrsias inerentes.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de apresentar o meu profundo e sincero agradecimento minha orientadora Professora Dr. Isabel da Franca, Mdica Especialista em Dermatologia e Venerologia, pelo incentivo, pelo empenho e pela dedicao demonstrados ao longo do trabalho.

Desejo expressar, ainda, o meu reconhecimento a todos os meus colaboradores e orientadores que me ajudaram com crticas construtivas e sugestes teis. Destaco ainda a colaborao prestada pelo Dr. Alves de Matos, Mdico Especialista em Reumatologia, pela disponibilizao de material bibliogrfico de particular relevncia.

Por fim, importa referir o material bibliogrfico fornecido por instituies com investigao nesta rea enviado por e-mail:

A.P.D.F. Associao Portuguesa de Doentes com Fibromialgia

N.F.R.A. - National Fibromyalgia Research Association

SIGLAS UTILIZADAS

ACR American College of Rheumatology

AR Artrite Reumatide

AFSA The American Fibromyalgia Syndrome Association

APDF Associao Portuguesa de Doentes com Fibromialgia

ECD Exames Complementares de Diagnstico

FIQ Fibromyalgia Impact Questionnaire

FM Fibromialgia

IACLIDE Inventrio de Avaliao Clnica da Depresso

MTM micro trauma muscular

NFRA National Fibromyalgia Research Association

O.M.S. Organizao Mundial de Sade

ONG Organizaes No Governamentais

PD Pontos dolorosos

SDM Sndrome de Dor Miofascial

SFC Sndrome de Fadiga Crnica

NDICE GERAL

EPGRAFE .... 2

DEDICATRIAS ...... 4

AGRADECIMENTOS ...... 4

SIGLAS UTILIZADAS .... 5

NDICE GERAL .... 6

RESUMO / PALAVRAS-CHAVE .. 8

ABSTRACT / KEY-WORDS .. 9

1. INTRODUO ..... 11

1.1. Motivao / Justificao do Tema .... 12

1.2. Objectivos Gerais do Trabalho ..... 14

1.3. Objectivos Especficos do Trabalho . 14

1.4. Descrio e Estrutura do Trabalho .. 15

2. MATERIAL E MTODOS .............................................................................. 17

3. REAS DE ESTUDO

3.1. Impacte Actual da Fibromialgia . 18

3.2. Etiopatogenia da Fibromialgia 20

3.3. Quadro Clnico na Fibromialgia . 38

3.4. Abordagem Diagnstica da Fibromialgia . 41

3.4.1. Diagnsticos Diferenciais de FM . 45

3.4.2. Exames Complementares de Diagnstico na FM .... 47

3.5. Qualidade de Vida, Preveno e Prognstico na FM .... 48

3.6. Abordagem Teraputica da FM . 53

3.7. Critrios de referenciao na FM . 54

4. CONCLUSES FINAIS .. 56

5. PERSPECTIVAS FUTURAS ..... 61

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .. 62

NDICE DE FIGURAS ... 67

NDICE DE TABELAS .. 68

ANEXOS

Anexo I: Fibromyalgia Impact Questionnaire (F.I.Q.) . 70

Anexo II: Protocolo para Diagnstico da Fibromialgia .... 72

RESUMO

A fibromialgia (FM) uma condio de dor crnica, generalizada e de difcil tratamento, com importante prevalncia na populao em geral. A fibromialgia mais do que um estado de dor msculo-esqueltica crnica, porque a maioria destes pacientes tambm refere fadiga, distrbios do sono, dor visceral, intolerncia ao exerccio e queixas neurolgicas. uma sndrome caracterizada mais por sintomas, sofrimento e incapacidades do que por alteraes orgnicas estruturais demonstrveis, podendo fazer parte do grupo de sndromes funcionais. Muitas tentativas para elucidar a patogenia orgnica da FM, como pesquisas em gentica, aminas biognicas, neurotransmissores, hormonas do eixo hipotlamo-hipfise-supra-renal, stress oxidativo, mecanismos de modulao da dor, sensibilizao central e funo autonmica na FM, revelam vrias anormalidades, indicando que mltiplos factores e mecanismos podem estar envolvidos na sua patognese.

A fibromialgia continua a ser um conceito controverso em medicina. Esta reviso crtica considera importantes contributos para as guerras da fibromialgia, ao longo da histria mais recente, sublinhando alguns dados relevantes da investigao biolgica, psicolgica e social. No obstante os putativos mecanismos fisiopatolgicos que determinam a sua gnese ou acompanham a sua evoluo temporal, a fibromialgia pode ser compreendida luz de fenmenos psicolgicos e sociais que caracterizam os processos de somatizao e comportamentos de doena, como um idioma de mal-estar ou sofrimento que desafia as conjecturas comuns da nossa prtica clnica. O tratamento da FM consiste em medidas educacionais, exerccio aerbico, terapia cognitivo-comportamental e tratamento farmacolgico (antidepressivos, analgsicos).

PALAVRAS-CHAVE

Fibromialgia, Dor, Controvrsia, Sistema Nociceptivo, Somatizao, Pontos dolorosos, Tratamento Multidisciplinar.

ABSTRACT

Fibromyalgia is a chronic, widespread pain condition and difficult to treat, that has important prevalence in general population. Despite the musculoskeletal pain, the majority of people with FM also experience fatigue, sleep disorders, visceral pain, exercise intolerance and neurological symptoms. This syndrome is considered a functional syndrome because it is better characterized by its symptoms, suffering and disability rather than well seen organic structure impairment. A substantial literature has been produced in order to explain the pathophysiology of FM: researches on genetics, biogenic amines, neurotransmitter, hypothalamic-pituitary-adrenal axis hormones, oxidative stress, mechanisms of pain modulation, central sensitization and autonomic function in FM revealed various abnormalities indicating that multiple factors and mechanisms may be involved in the pathogenesis of FM.

Fibromyalgia remains a controversial topic in clinical medicine. This paper considers some of the most significant contributions to the fibromyalgia wars, in recent times, emphasizing relevant data from biological, psychological and a social research. FM, regardless of the putative physiopathological mechanisms which determine its genesis or accompany its progression, can then be understood in the light of the social and psychological processes which characterize the phenomena of somatization and illness behaviour, as an idiom of distress and suffering which challenges the tenets of current clinical practice. The treatment of fybromyalgia consists of education, aerobic exercise, cognitive-behavioural therapy and medications (antidepressives, analgesics).

KEY-WORDS

Fibromyalgia, Pain, Controversy, Nociceptive system, Somatization, Tender Points, Multidisciplinary treatment

1. INTRODUO

Vivemos numa poca de grandes e rpidos avanos cientfico-tecnolgicos no sector da sade, o que obriga os profissionais da sade a um constante exerccio de aprendizagem e actualizao de conceitos, visando um aperfeioamento das legis artis. O crescimento da Medicina Baseada em Provas e a exploso de informao em reas fundamentais como a gentica conduzem-nos a uma investigao profunda, visando esclarecer mecanismos patognicos para, aps a sua compreenso, desenvolver estratgias para os erradicar ou contornar.

No incio do sculo XX, Gowers descreveu uma sndrome dolorosa compreendendo a regio lombar e com a presena de algia palpao de alguns pontos especficos da superfcie corporal. Tal sndrome foi denominada fibrosite, pois a premissa bsica para explicar o quadro era de que os pontos dolorosos estivessem inflamados (Chaitow, 2002). No entanto, apesar da hiptese de inflamao em regies do tecido muscular no ter sido comprovada histopatologicamente, a impresso geral que resistiu, tanto entre a populao leiga quanto mdica, foi a de um processo perpetuado pela inflamao (Simms, 1996).

A sinonmia associada a fibrosite foi extensa. Alguns termos usados para denomin-la foram: fibromiosite nodular, miofasceite, miofibrosite, mialgia reumtica e reumatismo psicognico entre outros (Chaitow, 2002).

O termo fibromialgia tornou-se mais popular nos anos oitenta, quando comea a delinear-se alguma concordncia quanto terminologia associada a esta sndrome de dor generalizada. Nessa poca, Yunus apresenta a primeira casustica ampla de casos de FM (Yunus et al., 1981). Na sua amostra de pacientes j se associa o quadro ao sexo feminino, meia-idade, a nenhuma ou a poucas alteraes laboratoriais, s alteraes do sono, sndrome do clon irritvel, dismenorreia, s cefaleias, entre outras manifestaes sintomatolgicas no localizadas no sistema muscular. Yunus ainda registou a modulao do quadro provocada por alteraes climticas, estado emocional e actividade fsica (Yunus et al., 1981).

Tornou-se imperiosa uma homogeneizao da classificao destes pacientes a fim de que estudos clnicos e epidemiolgicos pudessem ser comparados. Somente em 1990, um esforo de consenso promovido pelo American College of Rheumatology (ACR) conduziu ao estabelecimento de critrios diagnsticos para a classificao de doentes com fibromialgia (Wolfe et al., 1990).

1.1. Motivao / Justificao do Tema

A importncia das doenas reumticas bem patente pelo facto de serem, em Portugal, o grupo de doenas mais prevalentes, afectando quase 40% dos portugueses (DG.S., 2003). Constituem a primeira causa de consulta mdica nos cuidados de sade primrios e o principal motivo de invalidez, esto na origem da maioria das reformas antecipadas por doena, so ainda as maiores responsveis pelo absentismo laboral. E situam-se, em lugar cimeiro no que respeita a custos associados aos cuidados de sade, quer directos, quer indirectos (DGS, 2003).

Aceite por uns e negada por outros, a fibromialgia representa um verdadeiro exerccio de diagnstico e de pacincia perante um doente que se apresenta na consulta quase sempre com dores por todo o corpo e com um elevado grau de insatisfao relativamente teraputica (Branco, 2005).

Trata-se de uma sndrome ainda com muitas dvidas, nomeadamente a nvel da etiopatogenia, gentica e farmacologia e, por isso, uma janela de oportunidade para os investigadores. A FM tem uma enorme importncia na actualidade, sendo um dos principais temas debatidos em congressos de reumatologia, quer nos EUA quer na Europa.

A FM uma entidade clnica recente, visto que somente foi reconhecida e classificada em 1990. Trata-se de uma sndrome complexa, e os pacientes podem apresentar uma grande variedade de sintomas, desde cefaleias e fadiga crnica at dor muscular generalizada ou sndrome do clon irritvel. Actualmente estima-se que esta afeco seja a segunda condio mais comummente encontrada em clnicas para tratamento de dor crnica (Branco et al., 2005).

A FM foi reconhecida pela Organizao Mundial de Sade (O.M.S.) como doena em 1999. Dada a sua crescente importncia e divulgao passou a assinalar-se o dia mundial da FM a 12 de Maio.

Devido grande variedade de sintomas, diferentes clnicos e terapeutas podero estar envolvidos no tratamento e orientao de pacientes com FM, procurando uma abordagem multidisciplinar. O tratamento integral do doente reumtico inicia-se pelo diagnstico precoce e termina na reabilitao fsica, psquica, vocacional, familiar e social.

A motivao pessoal para o estudo do tema Fibromialgia: do mito realidade, advm da crescente curiosidade que fui adquirindo em consultas de doenas auto-imunes / reumatolgicas no Hospital Sousa Martins, durante o estgio clnico no 6 ano de Licenciatura em Medicina.

Com esta monografia pretendo fazer uma reviso bibliogrfica, procurando destacar os aspectos que me parecem mais relevantes para uma abordagem global e integral dos doentes com FM, visando aspectos etiopatognicos, critrios de diagnstico e referenciao, abordagem teraputica.

1.2. Objectivos Gerais

A presente monografia tem como objectivo principal desmistificar toda a vertente diagnstica e teraputica que envolve a sndrome fibromilgica. Perseguindo este objectivo, pretende-se fazer uma exaustiva reviso bibliogrfica sobre os aspectos consolidados, os consensuais e as controvrsias inerentes a este tema actual e emergente nas sndromes reumatolgicas.

1.3. Objectivos Especficos

1. Discutir a histria da fibromialgia como patologia e as vrias teorias postuladas.

2. Procurar esclarecer aspectos sobre a etiopatogenia, tentando efectuar a desmistificao da sndrome e procurando unificar consensos mais alargados.

3. Contribuir para unificar conceitos relativos quer abordagem diagnstica, quer referenciao e ao tratamento dos doentes.

4. Resumir os critrios diagnsticos e um esquema prtico de abordagem diagnstica.

1.4. Descrio e Estrutura do Trabalho

Esta monografia est estruturada em seis reas de estudo. Cada uma das reas tem os seus objectivos especficos mas todas elas contribuem para o tema central.

No intuito de facilitar a leitura e possibilitar uma viso sinttica do trabalho, passo a clarificar os objectivos de cada rea de estudo e a indicar algumas questes que sero abordadas em cada uma delas.

A primeira rea de estudo Impacte Actual da FM tem como objectivo analisar a crescente importncia epidemiolgica e demogrfica da sndrome fibromilgica no mbito dos cuidados de sade. Por outras palavras, analisar o impacte da FM no mundo ocidental, medido por indicadores como a procura de auxlio nos cuidados primrios de sade, consultas de reumatologia, consumo de frmacos.

Na segunda rea de estudo inicia-se a abordagem complexa e ainda no totalmente esclarecida Etiopatogenia da FM. Neste sector, apresenta-se um conjunto de modelos esquemticos que tentam explicar hipotticos mecanismos da fisiopatologia. Sendo que, na actualidade, se procura unificar os diferentes modelos explicativos.

Na terceira rea de estudo pretende-se abordar a temtica do Quadro Clnico da FM, incluindo as principais condies associadas com a FM, destacando o clon irritvel e as cefaleias, entre outras. Pretende-se dar uma noo da prevalncia das principais co-morbilidades da FM.

A quarta rea de estudo dedicada Abordagem Diagnstica da FM visando divulgar critrios de diagnstico estabelecidos numa reunio de consenso da O.M.S.. Simultaneamente alerta-se para aspectos menos claros da actual classificao da FM, tendo em conta subgrupos de doentes que no se enquadram em todos os critrios, nomeadamente os 11 pontos lgicos em 18.

A quinta rea de estudo remete para a Qualidade de Vida, Preveno e Prognstico em Doentes com FM, destacando as caractersticas de uma personalidade pr-dolorosa e sinais de alarme para a FM, para alm de factores determinantes do prognstico.

Por fim, na sexta rea de estudo pretende-se uma abordagem sucinta da TERAPUTICA utilizada na FM. Prope-se um esquema prtico e em passos, que auxilie o mdico clnico geral na abordagem a esta sndrome. Tambm se discutem critrios de referenciao de doentes com FM para consultas interdisciplinares de Reumatologia e Psiquiatria.

Relativamente ao sistema de referenciao e bibliografia utilizado nesta dissertao foi adoptado, por recomendao da Faculdade de Cincias da Sade, o Sistema AUTOR-ANO de Harvard, cujas normas se podem consultar em:

http://www.leeds.ac.uk/library/training/referencing/harvard.htm

References - Bibliography HARVARD STYLE University of Queensland.pdf

Por ltimo, importa referir que sero utilizadas ao longo do trabalho as siglas referidas no incio do mesmo.

2. MATERIAL E METDOS

Tendo em considerao que a presente dissertao consiste numa reviso bibliogrfica sobre o tema FIBROMIALGIA, recorri a sites oficiais nacionais e internacionais sobre investigao nesta rea para seleco dos artigos cientficos e outro material relevante. Assim, foi realizada pesquisa nas bases de dados MEDLINE (PubMed), B-on, Guidelines Finder, National Guideline Clearinghouse, The Cochrane Library, Actas da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, com a palavra-chave Fibromyalgia, Diagnosis e Primary Health Care, associados ou no, e por vezes complementados por termos especficos. Limitou-se a pesquisa de artigos publicados entre Janeiro de 1990 e Janeiro de 2008, embora sempre com a preocupao de serem artigos recentes e de autores consagrados nesta rea, dos quais saliento Goldenberg, Robert Bennett, Wolfe, Yunus, entre outros. Foi dado especial destaque a temticas como a etipatogenia, consenso e controvrsias no diagnstico e tratamento, nas lnguas inglesa, espanhola e portuguesa.

3. REAS DE ESTUDO

3.1. Impacte Actual da Fibromialgia

Historicamente, a fibromialgia ou condies muito similares tem sido apresentada por sculos sob vrias designaes, incluindo a mais insatisfatria: fibrosite. A fascinante histria do que hoje conhecido como sndrome de fibromialgia e sndrome de dor miofascial (SDM) tem sido catalogada por vrios mdicos modernos trabalhando na esfera da dor muscular crnica (Cardoso et al., 2005).

A partir da dcada de 80, investigadores de todo mundo tm renovado o interesse pela controversa temtica da FM. Vrios estudos foram publicados, inclusive critrios que auxiliam no diagnstico desta sndrome, diferenciando-a de outras condies que acarretem dor muscular ou ssea. Esses critrios valorizam a questo da dor generalizada por um perodo maior que trs meses e a presena de pontos dolorosos padronizados.

Atravs da Circular Informativa n 27, emitida pela Direco-Geral da Sade em 3 de Junho de 2003, reconheceu-se a fibromialgia como uma afeco a considerar para efeitos de certificao de incapacidade temporria (D.G.S., 2005).

A FM uma doena reumtica de causa ainda no totalmente esclarecida e de natureza funcional, que origina dores generalizadas nos tecidos moles, sejam msculos, ligamentos ou tendes, mas no afecta as articulaes ou os ossos. Toda a polmica em que a FM est envolta mobilizou no s o meio acadmico, como tambm a sociedade civil numa ampla discusso. Dentre as mltiplas organizaes no governamentais (O.N.G). que surgiram nos ltimos anos, destaca-se o caso da American Fibromyalgia Syndrome Association (A.F.S.A.), que conta com a colaborao de investigadores conceituados como Robert Bennett, Laurence Bradle ou Harvey Moldofsky. Na verdade, a A.F.S.A. uma organizao voluntria dedicada investigao sobre os factores etiolgicos e na procura de novas modalidades teraputicas da FM. A sua homloga portuguesa, Associao Portuguesa de Doentes com Fibromialgia APDF, foi criada em Maro de 2002, com vrios objectivos entre os quais fomentar o estudo da doena sob o ponto de vista da investigao e de teraputica.

De acordo com diversos estudos epidemiolgicos, a FM atinge cerca de 2% da populao adulta (3,4% nas mulheres e 0,5% nos homens) nos EUA. As mulheres so cinco a nove vezes mais afectadas do que os homens. A sndrome tende a ser crnica e persistente, iniciando-se entre os 20 e os 50 anos. Regista-se um aumento de 2% na prevalncia da FM por volta dos 30 anos para 7,4% aos 70 anos (Wolfe et al., 1995). Num estudo longitudinal aleatrio evidencia-se que as remisses de FM so raras e os gastos em cuidados de sade nestes doentes atingem $2,300 por ano por paciente nos EUA (Wolfe, 1995). As crianas e jovens tambm podem sofrer de FM; em idade escolar a frequncia igual em ambos os sexos (D.G.S., 2005).

Em termos absolutos, a FM vem crescendo de importncia, sendo j responsvel por 2 a 7% das consultas de Medicina Geral e Familiar e por 10 a 20% das Consultas de Reumatologia (Wolfe & Russell, 1995; Peterson et al., 2000). Facto que talvez se deva a uma maior sensibilizao da classe mdica para a temtica da dor msculo-esqueltica crnica e a uma maior procura dos servios de sade por estes doentes. Na verdade, a FM a segunda patologia mais diagnosticada a seguir osteoartrose/artrite por reumatologistas nos EUA (Petterson et al., 2000).

De acordo com a Figura 1 verifica-se que a mdia total dos gastos em sade ao longo de 12 meses trs vezes mais elevada entre os doentes com FM vs. pacientes de grupo controle [$9,573 ($20,135) vs. $3,291 ($13,643) respectivamente; p < 0.001]; por outro lado, os custos medianos dos cuidados de sade foram substancialmente mais elevados entre os pacientes com FM ($4,247 vs. $822; p < 0.001). O uso de analgsicos e outros frmacos usados no alvio da dor representa 11% e 4,3% do total de gastos em cuidados de sade entre os portadores de FM e pacientes do grupo de controle, respectivamente.

(Robison et al., 2003; Peurod et al., 2004).

Figura 1: Custos associados a cuidados de sade entre os pacientes com FM em comparao com o grupo de controlo

3.2. Etiopatogenia da FM

As tentativas de explicao do quadro clnico da FM a partir de modelos universais tm sido mal sucedidas. O mesmo tem acontecido com as hipteses focadas em leses do aparelho locomotor, sejam musculares ou do tecido conjuntivo.

Do ponto de vista biolgico, a investigao levada a cabo ao longo dos ltimos trinta anos no conseguiu esclarecer a etiologia ou as alteraes fisiopatolgicas da FM (Branco, 1997), no obstante as hipteses mais recentes relacionadas com os designados neuro-circuitos emocionais e os mecanismos de modulao central da dor (Ursin & Eriksen, 2001). No claro o modo como as alteraes neuroendcrinas na FM se relacionam com a gravidade dos sintomas, do mesmo modo que no est esclarecida a natureza primria, ou secundria, dessas alteraes (Parker et al. 2001).

Segundo alguns autores, a fibromialgia corresponderia a um estado de hiperexcitabilidade central do sistema nociceptivo (Desmeules et al.; 2003), a uma doena do sistema nociceptivo (Henriksson, 2003) que envolveria os sistemas de processamento da dor, na dependncia de factores psicolgicos, evocando o conceito de hipervigilncia, e/ou conceitos neurobiolgicos (Clauw & Crofford, 2003). No mesmo sentido, Goldenberg sugere que os pontos dolorosos resultam de alteraes da percepo da dor que so compatveis com uma maior sensibilidade dolorosa, generalizada, independentemente da parte do corpo que palpada (Goldenberg, 2002).

Mas, se no existe inflamao nem deteriorao, porque que di tanto?

A verdade que no se sabe. Segundo Goldenberg, aqueles que dizem saber as causas da FM esto provavelmente a tentar vender alguma coisa (Goldenberg, 2002). Em boa verdade, ainda no foram totalmente clarificadas as causas da fibromialgia.

Prosseguindo o objectivo de esclarecer e definir as causas da FM, parece-me pertinente apresentar um comentrio do reumatologista Simon Carette, feito h cerca de uma dcada atrs:

Penso que devemos concentrar os nossos esforos numa melhor compreenso dos factores psicossociais (Figura 2.1.) que predispem os doentes a desenvolver esta sndrome dolorosa, assim como daqueles que, por outro lado, ajudam a perpetuar os sintomas (Carette, 1995).

Afinal, devemos acreditar, ou no, no conceito de fibromialgia?

Mais uma vez, a compreenso da FM no se esgota na exibio de argumentos redutores, biolgicos ou psicossociais. Mas o carcter subjectivo dos sintomas, a aparente discrepncia entre patologia objectiva e incapacidade observada, bem como a sugesto de uma associao relevante entre as queixas dos doentes e os respectivos antecedentes pessoais ou factores situacionais, todos estes dados tm promovido igualmente o recurso a estudos de investigao qualitativa, com o objectivo de conhecer o ponto de vista do doente. E explorar os seus constrangimentos biogrficos, visando uma descrio detalhada dos seus mundos sociais (Hallberg & Carlsson, 1998; Hellstrom, 1999).

Figura 2.1. Etiopatogenia 1 da FM (Carette, 1995)

Pesquisas actuais e o consenso clnico parecem indicar que a FM no um problema primrio do sistema msculo-esqueltico, ainda que seja nos tecidos deste sistema que os seus principais sintomas se manifestem: A fibromialgia uma condio crnica, dolorosa, msculo-esqueltica, caracterizada por dor que se irradia e pontos de sensibilidade associados a (Figura 2.2.): 1) alterao na percepo de dor, padres de sono anormais e serotonina cerebral reduzida; 2) anormalidades da micro circulao e metabolismo energtico muscular (Eisinger et al.; 1994). Estas caractersticas, envolvendo as perturbaes da micro circulao e o dfice energtico, so os pr-requisitos para a evoluo de reas localizadas de stress miofascial e hiper-reactividade neural (pontos-gatilho ou triggers).

Depresso

Depresso

Desregulao SNC

Desregulao SNC

Alterao Fase III-IV

Serotonina

Endorfinas

Percepo da Fora Muscular

Isqumia muscular

Excitao de nociceptores

perifricos

FIBROMIALGIA

FIBROMIALGIA

Cansao

TS

Baixo limiar da dor

Baixo limiar da dor

Dor Crnica

Dor Crnica

Depresso

Depresso

Desregulao SNC

Desregulao SNC

Alterao Fase III-IV

Serotonina

Endorfinas

Percepo da Fora Muscular

Isqumia muscular

Excitao de nociceptores

perifricos

FIBROMIALGIA

FIBROMIALGIA

Cansao

TS

Baixo limiar da dor

Baixo limiar da dor

Dor Crnica

Dor Crnica

Figura 2.2. Etiopatogenia da FM Depresso versus Desregulao do SNC (Eisinger, 1994)

Em geral, o modelo fisiopatolgico que melhor descreve a FM parte da observao de que o aparecimento dos sintomas dolorosos ocorre de forma geralmente espontnea, simtrica e num sentido craniocaudal, contrariando uma hiptese de leses perifricas e sugerindo uma origem nervosa central para a sndrome (Mense, 2000). Substratos funcionais para a hiptese de percepo dolorosa incluem o aumento da concentrao da substncia P e os distrbios do metabolismo da serotonina.

A substncia P (SP) um neuromodulador presente em fibras nervosas do tipo C, no-mielinizadas. Quando estimuladas por estmulos nociceptivos, essas fibras libertam SP num grupo especfico de neurnios do corno posterior da medula, que passam a responder com potenciais lentos, prolongados e com efeito cumulativo, num fenmeno chamado potencializao da dor (wind up). Considerando a participao da SP nas respostas dos neurnios nociceptivos, qualquer distrbio da sua produo, actividade funcional, ou degradao, pode resultar numa percepo dolorosa defeituosa (Mense, 1998). Russell detectou um aumento de SP no lquor de pacientes portadores de FM, em comparao populao controle sem dor (Russell, 2002). Porm, este autor no encontrou relao entre tal alterao e qualquer outra manifestao clnica da sndrome, com excepo de uma contagem limtrofe de pontos dolorosos.

Por outro lado, as vias descendentes inibitrias da dor, que partem de estruturas do tronco enceflico para os diversos nveis segmentares da medula, tambm parecem estar envolvidas na fisiopatologia da FM. Esse conjunto de estruturas denominado de sistema inibidor da dor e os principais neurotransmissores envolvidos no seu funcionamento so a serotonina e a noradrenalina ao nvel do tronco enceflico, as dinorfinas e encefalinas a nvel segmentar medular (Mense, 2000).

Na verdade, a serotonina um neurotransmissor inibitrio envolvido na iniciao e manuteno de sono reparador (Moldofsky, 1982). As alteraes do metabolismo da serotonina implicam uma reduo da actividade do sistema inibidor de dor, resultando numa consequente elevao da resposta dolorosa frente a estmulos lgicos ou mesmo o aparecimento de dor espontnea. tambm sugerido que a serotonina actua no tlamo como um regulador de percepo da dor, e tambm tenha um papel adicional como regulador da estimulao da sntese hormonal, incluindo a hormona de crescimento. Documentou-se que os nveis de serotonina no soro e no lquor, bem como dos seus precursores so mais baixos em pacientes com FM do que nos grupos de controle (Russell et al., 1992). Os baixos nveis observados de serotonina poderiam resultar da produo inadequada de serotonina ou da menor captao de serotonina pelas plaquetas, ou de activao menos eficiente de plaquetas durante a coagulao (Russell et al., 1994).

O polimorfismo do gene codificador de receptores para a serotonina foi identificado em pacientes com FM (Pellegrino et al., 1989) e pode ser mais uma evidncia no sentido da alterao da actividade das vias inibidoras de dor nestes pacientes, alm de constituir uma explicao para o habitual agrupamento familiar de doentes portadores de dor crnica, generalizada ou no (Yunus & Lautenbacher, 1997).

Russell sugere um modelo para a FM em que nveis inapropriados de serotonina (baixos) e de substncia P (altos) no crebro e medula espinhal conduzem a vrias alteraes funcionais, neuroendcrinas e nociceptivas, inclusive a perturbaes do sono, percepo de dor exagerada e disfuno intestinal. (Russell, 1994).

Russell descreveu a associao bioqumica entre serotonina, substncia P e o fenmeno da dor (Figura 2.3).

Aumento de substncia P

devido a :

-Defeito congnito

-Exposio a toxinas

-Traumatismo tecidual

-Regulao bioqumica

deficiente (ex.: tiride

7

)

Estmulos dolorosos

Estmulos dolorosos

A dor ampliada devido deficincia de serotonina e

nveis de substncia P normais ou excessivos

Substncia P elevada

Serotonina baixa

A dor modulada ou reduzida devido a nveis adequados

de serotonina e nveis normais de substncia P

Dor suave

Dor suave

Dor grave

Dor grave

Substncia P e

Serotonina normais

Deficincia de serotonina:

-Baixa produo

-Absoro reduzida

-Activao incompleta

Aumento de substncia P

devido a :

-Defeito congnito

-Exposio a toxinas

-Traumatismo tecidual

-Regulao bioqumica

deficiente (ex.: tiride

7

)

Estmulos dolorosos

Estmulos dolorosos

A dor ampliada devido deficincia de serotonina e

nveis de substncia P normais ou excessivos

Substncia P elevada

Serotonina baixa

A dor modulada ou reduzida devido a nveis adequados

de serotonina e nveis normais de substncia P

Dor suave

Dor suave

Dor grave

Dor grave

Substncia P e

Serotonina normais

Deficincia de serotonina:

-Baixa produo

-Absoro reduzida

-Activao incompleta

Figura 2.3.: Hiptese da ampliao e modulao da dor como parte do modelo neuro-humoral da etiologia da FM (Russell, 1993; Yunus, 1922; Malmberg, 1992; Russell, 1994b; Moldofsky, 1982; Yellin, 1997)

De acordo com um estudo desenvolvido por Yunus, conclui-se que os nveis de triptofano no soro tambm so mais baixos nos pacientes com FM e que o triptofano nestes pacientes tem maior dificuldade em atravessar a barreira hemato-enceflica (Yunus et al., 1992).

Importa salientar que serotonina tem uma influncia amortecedora na percepo da dor o efeito oposto ao da substncia P, que ajuda na transmisso de mensagens de dor perifricas ao crebro. Assim se constata que (Russell et al., 1994):

Se os nveis de serotonina e substncia P so normais, a amplitude de transmisso dos fenmenos dolorosos ser moderada.

Se os nveis de serotonina so mais baixos que o normal, ou se os nveis de substncia P so mais altos que o normal, a transmisso de dor ser ampliada.

Desta forma, acumulam-se provas de uma aco no coordenada dos mecanismos de nocicepo e de inibio da dor, resultando numa percepo aumentada da dor (Russell, 1994).

Outro mecanismo que poderia explicar tal distoro sensorial a alterao global da ateno, na qual uma percepo global do meio ambiente exacerbada por disfunes localizadas nas pores anteriores do encfalo causariam a perverso de estmulos trmicos, tcteis e proprioceptivos em sensaes dolorosas (Pellegrino, 1992). Um distrbio dessa natureza seria responsvel por outros achados habituais entre portadores de fibromialgia, como alterao do sono, transtornos ansiosos e outras sndromes disfuncionais associadas a activao simptica, onde se incluem a cefaleia de tenso, o clon irritvel, a dor torcica atpica e a sndrome dismenorreica.

A etiologia da FM reside nos mesmos alicerces to incertos e multicausais quanto a sua fisiopatologia. Todavia, a importncia de factores sociais, emocionais, familiares, aliados a uma caracterstica de maior resposta aos estmulos dolorosos, baixo nvel de condio cardiovascular e performance muscular, tem vindo a tornar-se mais importante. Assim, torna-se mais claro que as explicaes mono causais devem ceder espao a modelos multifuncionais, que permitam o entendimento desta sndrome como o somatrio de distrbios que se traduzem na associao de mltiplos sintomas.

Identificar uma causa para a fibromialgia tem-se revelado uma tarefa deveras complexa. Existe uma sequncia de aspectos inter-relacionados difceis de desmembrar.

Na verdade, diversas so as hipteses avanadas numa tentativa de dar plausibilidade biolgica patologia. Com elas procura-se compreender as disfunes nos mecanismos de percepo da dor, que vo desde o aumento dos estmulos aferentes sensoriais aos neurnios da ponta anterior da medula; a distrbios sinpticos ao nvel dos neurnios da ponta anterior da medula; activao das vias espinho-talmicas ascendentes; activao dos centros corticais superiores; inibio das vias descendentes inibitrias; at interaco entre vrias disfunes.

Existe, em alguns estudos, indicaes claras de tendncias familiares para o desenvolvimento de FM (Pellegrino, 1992). Uma pesquisa israelita realizada pelo mdico Buskila conclui que a FM tem um componente gentico principal (Fibromyalgia Network, 1996a). Os familiares de doentes com FM apresentam uma prevalncia superior de FM e maior sensibilidade dolorosa do que a populao em geral. No estando, no entanto, comprovada uma componente hereditria. (Fibromyalgia Network, 1996b).

A FM tem sido associada a laxido das articulaes e um estudo dinamarqus observou que 43% de 42 pacientes com FM tinham hipermobilidade generalizada nas articulaes, uma caracterstica que parece ser geneticamente adquirida e que mais comum em mulheres (Fibromyalgia Network, 1996b).

Offenbaecher et al. (1999) avaliaram os gentipos da regio promotora do gene transportador de serotonina (5-HTT) em pacientes com FM. Foi observada uma maior frequncia de gentipo S/S (5-HTT) em pacientes com FM quando comparados aos pacientes do grupo de controle. Os pacientes que apresentaram o subgrupo S/S exibiram maiores nveis de depresso e stress psicolgico (Buskila, 2003).

Uma equipa de investigadores da Universidade de Miami, sob orientao da imunologista Nancy Klimas, elaborou um modelo para a evoluo e perpetuao da FM (Figura 2.4.). Este envolve uma predisposio inicial seguida por um evento etiolgico: um trauma, ou uma reactivao de actividade viral latente, ou uma infeco. Um ou outro destes eventos parece levar resposta imunolgica contnua principal que perpetuada por uma activao adicional de agentes infecciosos (em geral virais) ou por uma disfuno do eixo hipotlamo-hipfise-drenal relacionada com a influncia do stress (Klimas, 1995).

Para Clauw (2001), indi-vduos com casos de fibromialgia na famlia apresentam maior probabilidade de desenvolver a doena. Como acontece com outras doenas, a fibromialgia pode ocorrer em um indivduo que est geneticamente predisposto e que se coloca em contacto com fenmenos que possam desen-cadear os sintomas. Esses feno-menos incluem o trauma fsico, o stress emocional, as infeces, os desequilbrios endcrinos e as alteraes imunolgicas.

Se a dor o sintoma final principal da FM, ela tambm pode ser a causa. Wolfe (1994), entre muitos outros investigadores, tem contribudo com uma multiplicidade de informaes relativas FM e suas caractersticas. Este autor prope atravs da hiptese nociceptiva (Figura 2.5.) que os estmulos de dor crnica conduzem a uma reduo do limiar de dor; que a ampliao da dor (limiar reduzido) progride, influenciada pela gentica (em especial na FM da infncia), doena (principalmente viral), perturbao do sono e factores psicolgicos (stress psicossocial e o modo de lidar)(Wolfe, 1994).

Estmulo

Estmulo

nociceptivo

nociceptivo

-Trauma

-Dor miofascial

-Dor na coluna

-Artrite/osteoartrose

-Leso em chicote

-Hipermobilidade

Gentica

Idade

Sexo

Factores culturais

Funo imune

Desequilbrio

da tiride

Ampliao

Ampliao

da

da

Nocicepo

Nocicepo

do

do

SNC

SNC

Dor, sofrimento

Fadiga

Depresso

Ansiedade

Solido

Comportamento de dor

Distrbios de sono

Sintomas intestinais

Influncias psicolgicas

Distrbios do sono

Tendncia hiperventilao

Estmulo dor crnica

Estmulo

Estmulo

nociceptivo

nociceptivo

-Trauma

-Dor miofascial

-Dor na coluna

-Artrite/osteoartrose

-Leso em chicote

-Hipermobilidade

Gentica

Idade

Sexo

Factores culturais

Funo imune

Desequilbrio

da tiride

Ampliao

Ampliao

da

da

Nocicepo

Nocicepo

do

do

SNC

SNC

Dor, sofrimento

Fadiga

Depresso

Ansiedade

Solido

Comportamento de dor

Distrbios de sono

Sintomas intestinais

Influncias psicolgicas

Distrbios do sono

Tendncia hiperventilao

Estmulo dor crnica

Figura 2.5. Hiptese nociceptiva (adaptada de Wolfe, 1994)

Goldstein props uma hiptese neurossomtica (Figura 2.6.) para explicar a etiopatogenia da FM, em que a origem do problema estaria no sistema nervoso central. Atravs deste modelo defende que a FM depende de uma susceptibilidade gentica varivel. Se esta for forte, sintomas neurossomticos aparecero cedo na vida. Se for uma predisposio fraca, outros factores so necessrios para causar a expresso das caractersticas (Chaitow, 2002). Se a hipervigilncia imunolgica se desenvolver durante o perodo entre o nascimento e a puberdade, isto poderia levar a uma tendncia de m interpretao dos impulsos sensoriais, associada a nveis de substncia P aumentados como tambm aos nveis transitoriamente elevados de cortisol, unido ainda a uma baixa regulao do eixo hipotlamo-hipfise-adrenal (Adler, 1995).

Assim, consequentemente a uma reduo da plasticidade neural, pode desenvolver-se um aumento da susceptibilidade ao stress ambiental. Se estes factores se combinam a influncias genticas e de desenvolvimento, a flexibilidade do crebro para modificar as redes neurais, para atender s demandas internas e externas, poder ser prejudicada (Goldstein, 1996).

De acordo com Goldstein, a FM seria ento um distrbio disfuncional causado por uma constelao de respostas biolgicas ao stress (qumico, fsico ou emocional) em indivduos que so mais susceptveis ao mesmo, em funo de uma histria pessoal contendo eventos negativos, e que tm uma predisposio gentica para ter o problema (Goldstein, 1996).

Figura 2.6. Hiptese Neurossomtica evoluo hipottica da FM (Goldstein, 1996)

Adler e Goldenberg colocaram a hiptese de que a FM possa implicar uma deficincia de cortisol (Figura 2.7.), se activada por uma infeco, trauma ou eventos psicossociais. Eles observam que os sintomas da deficincia de cortisol so muitos similares aos da FM (Adler, 1995).

Uma vez que o cortisol produzido em resposta maioria dos factores de stress, inclusive episdios de hipoglicemia, episdios inflamatrios, hipotenso arterial, exerccios e stress emocional, a sua secreo estimulada nestas situaes. Pelo contrrio, a deficincia de cortisol caracterizada por fadiga, adinamia, dores musculares e nas articulaes, sintomas intestinais, nuseas, reaces alrgicas e perturbaes de humor (Adler & Goldenberg, 1995).

Factores Precipitantes

Factores Precipitantes

Stress, Infeco, eventos psicolgicos

Reaces alrgicas, episdios de

Hipoglicemia, exerccios, etc.

Crebro

Hipotlamo

Hipfise

Glndulas

Suprarrenais

Hormona Libertadora de Corticotropina(CRH)

Vasopressina(AVP)

ACTH

ACTH

Libertao inadequada

de cortisol

+

+

-

-

-

-

-

-

Factores Precipitantes

Factores Precipitantes

Stress, Infeco, eventos psicolgicos

Reaces alrgicas, episdios de

Hipoglicemia, exerccios, etc.

Crebro

Hipotlamo

Hipfise

Glndulas

Suprarrenais

Hormona Libertadora de Corticotropina(CRH)

Vasopressina(AVP)

ACTH

ACTH

Libertao inadequada

de cortisol

+

+

-

-

-

-

-

-

Figura 2.7. Hiptese da Hormona do stress (adaptado de Adler, [1995]).

Robert Bennett, professor de medicina na Oregon Health Sciences University, defende que h actualmente duas amplas ideias relativas patogenia da FM aquelas que apontam uma causa central e aquelas que apoiam uma etiologia perifrica (Bennett, 1993). Segundo este autor nenhum distrbio muscular global / generalizado foi demonstrado na FM. Por outro lado, vrios estudos apontam para a hiptese de distrbio muscular focal mecanismos como a reduo dos fosfatos de alta energia, fibras lesadas difusamente, mudanas focais na tenso de oxignio e faixas de contraco repetitivas.

Bennett acredita que estes distrbios msculo-esquelticos podem derivar de micro trauma muscular (MTM) na sequncia da repetio de exerccios no convencionais (Figura 2.8.). O MTM resulta em mudanas que so bem compreendidas, particularmente em relao s mudanas vistas na sndrome da dor miofascial, na qual os pontos-gatilho miofasciais originam-se, faixas esticadas aparecem devido a uma combinao do fluxo de ies clcio, seguido de leso no tecido, contraco das unidades de sarcolema envolvidas e uma inabilidade devido ao deficit de energia (ATP) dos tecidos para bombear excesso de clcio para fora das clulas. Muitas das caractersticas descritas neste modelo so prevalentes em portadores de FM (Jacobsen, 1991).

Bennett sugere (Figura 2.8.) que esta forma de resposta muscular geneticamente predeterminada, sendo que considera a existncia de um polimorfismo gentico na susceptibilidade para MTM e que os portadores de fibromialgia esto no extremo da curva (Bennett, 1993).

Distrbios

do sono

DOR

FADIGA

Deficincia da GH

Compromisso muscular

Predisposio gentica a

MTM (evidncia de

hipermobilidade?)

Inactividade

Deficincia de triptofano/serotonina

Factores de stress

Epifenmenos e

condies associadas

Influncias

centrais

Fluxo de Ca

2+

Contraco no fisiolgica

Activao de proteases/ dano

de sarcolema

c. Gordos livres libertados

por fosfolipases

Peroxidaode c. gordos

livres por radicais livres

O ciclo de leso tecidual

continua

Distrbios

do sono

DOR

FADIGA

Deficincia da GH

Compromisso muscular

Predisposio gentica a

MTM (evidncia de

hipermobilidade?)

Inactividade

Deficincia de triptofano/serotonina

Factores de stress

Epifenmenos e

condies associadas

Influncias

centrais

Fluxo de Ca

2+

Contraco no fisiolgica

Activao de proteases/ dano

de sarcolema

c. Gordos livres libertados

por fosfolipases

Peroxidaode c. gordos

livres por radicais livres

O ciclo de leso tecidual

continua

Figura 2.8. Hiptese Integrada (modificada por Bennett, 1993)

A controvrsia presente na literatura a respeito da relao da FM com eventos traumticos grande, sendo fruto de amplos debates no que concerne causalidade, fisiopatologia e aos aspectos mdico-legais (White, Buskilla & Neumann, 2000).

Tanto os traumas fsicos como os emocionais tm sido relacionados com o aparecimento de dor generalizada em relatos espordicos da literatura (Buskilla & Neumann, 2000), mas no raro que pacientes relacionem os seus sintomas a situaes especficas de stress emocional ou de sobrecarga do aparelho locomotor, como quando submetidos a esforos, repeties, posturas inadequadas ou leso directa aos ossos e partes moles.

Greenfield analisou 127 pronturios de pacientes portadores de FM e identificou eventos causadores em 23% dos mesmos, como a natureza desses eventos variou desde acidentes de viao a stress emocional, tais casos foram chamados de reactivos (Greenfield & Fitzcharles, 1992).

O mecanismo pelo qual o trauma desencadeia a FM, assim como a prpria fisiopatologia desta sndrome, ainda no foi totalmente esclarecido. A FM parece desenvolver-se a partir de desequilbrios entre mecanismos fisiolgicos de percepo da dor e da sua inibio. Assim, um estmulo traumtico poderia desencadear um processo de sensibilizao num organismo predisposto para tal, com alteraes da plasticidade neural e consequente perpetuao do fenmeno doloroso (Clauwn & Chrousos, 1997).

O estudo da evoluo da FM desde a leso inicial, como nos casos traumticos, permite o estudo de sua histria natural, identificando factores que podem ser alterados para se evitar a generalizao e perpetuao do fenmeno doloroso. Tambm permite o esclarecimento prognstico e o desenvolvimento de estratgias teraputicas que interfiram sobre o desfecho sintomtico e funcional desses pacientes. Por fim, estudar a associao entre a FM e o trauma pode ser til em causas laborais, civis e junto a agncias de seguro e previdncia, vindo a determinar a existncia ou no de motivos para indemnizaes (White et al., 2000).

Por ltimo, diversos investigadores, entre o quais Quartilho, com a finalidade de averiguar uma hipottica sobreposio entre FM e perturbaes somatoformes, recorreram a diferentes instrumentos psicomtricos, dos quais destaco: Inventrio de Avaliao Clnica de Depresso (IACLIDE), Brief Symptom Inventory, Illness Behaviour Questionnaire, Somatosensory Amplification Scale, Symptom Interpretation Questionnaire e Positive Affect and Negative Affect Schedule.

Assim, o Inventrio de Avaliao Clnica de Depresso (IACLIDE) mostrou uma maior intensidade dos sintomas depressivos no grupo de doentes com fibromialgia, parecendo relacionar-se mais com a incapacidade de realizao de objectivos pessoais, significativos, com sentimentos de perda ou de auto desvalorizao (Brown, 1998). Ou com contextos que puseram em causa a auto-estima dos doentes, forando-os a posies de subordinao ou a situaes de vida que inviabilizaram as possibilidades de um escape seguro, de libertao relativamente a contextos opressivos, de natureza interpessoal (Gilbert, 1992).

O Brief Symptom Inventory revelou mais psicopatologia geral, em todas as dimenses patolgicas consideradas, com destaque para a dimenso de somatizao. Nas restantes dimenses, os valores encontrados mostram uma curiosa sobreposio com os valores obtidos numa amostra de doentes com perturbao emocional (Canavarro, 1999).

O Illness Behaviour Questionnaire revelou diferenas nas escalas de percepo psicolgica versus sintomtica, perturbao afectiva, negao e irritabilidade. Estes resultados dizem-nos que os doentes com fibromialgia admitem ter problemas pessoais e interpessoais, para alm dos sintomas fsicos. Admitem igualmente que ficam muitas vezes tristes, ou deprimidos, e que tm dificuldades em descontrair. Reconhecem, por fim, o impacto negativo do seu comportamento junto das outras pessoas, com consequente isolamento social (Crombez et al., 2004).

A aplicao da Somatosensory Amplification Scale indicou a presena de uma maior sensibilidade somtica, a provvel presena de um estilo perceptivo amplificador nos doentes com fibromialgia, favorecendo os conceitos de hipervigilncia e amplificao (McDermid et al., 1996; Crombez et al., 2004).

Quando se aplicou o Symptom Interpretation Questionnaire verificou-se uma maior tendncia para atribuies psicolgicas e somticas. Uma tendncia para atribuies psicolgicas e somticas perante sintomas comuns associa-se geralmente a um maior registo de sintomas somticos e tambm presena de antecedentes psiquitricos (Kirmayer & Robbins, 1991).

Por ltimo, a aplicao da escala Positive Affect and Negative Affect Schedule confirmou a relevncia clnica da afectividade negativa em doentes com FM. Embora esta dimenso do humor, tambm conhecida por neuroticismo, possa justificar uma inflao espria de muitas variveis nos estudos de auto-registo, provvel que uma pontuao elevada torne as pessoas mais susceptveis de perceber e reagir a sensaes fsicas comuns (Watson e Pennebaker, 1989), uma possibilidade compatvel com o conceito de hipervigilncia. A eventual associao entre hipervigilncia e um ndice elevado de afectividade negativa pode assim concorrer para um registo aumentado de sintomas fsicos, atravs de dois mecanismos principais. Primeiro, possvel que os doentes prestem mais ateno a sensaes corporais normais. Segundo, podem interpretar sintomas normais como sendo patolgicos (Barsky & Klerman, 1983).

No mbito da medicina psicossomtica, Quartilho realizou, ainda, entrevistas a portadores de FM, identificando seis categorias principais (Quartilho, 2004). Os discursos de dor foram sublinhados como idiomas particulares de desconforto psicossocial e de incapacidade. Assim, os doentes revelaram uma forte conscincia dos seus sintomas corporais e usaram com frequncia descries metafricas para estes sintomas. A categoria impacto/consequncias designou o impacto global do comportamento do doente nas suas interaces familiares e sociais, assim como nos seus contactos com o sistema de cuidados de sade. A dor prolongou-se por um mundo de dor, condicionando o mundo sua expresso. A categoria legitimao/desligitimao relacionou-se com o modo como os sintomas e comportamento do doente foram aceites, ou rejeitados, no mbito das suas interaces interpessoais, tanto a nvel da comunidade como a nvel dos cuidados de sade. Os processos de deslegitimao das queixas, nos diversos contextos interpessoais, assumiram uma importncia crtica aparente. A categoria adversidade distal/vulnerabilizao incluiu todos os acontecimentos, experincias ou factores, internos ou externos, mais ou menos remotos, que tiveram um impacto aparentemente negativo ma histria biogrfica do indivduo. Esta categoria incluiu, por exemplo, experincias de perda durante a infncia, experincias traumticas, bem como o recurso aos cuidados de sade com assuno de papel de doente. O estatuto de incapacidade atravessa ento um processo complicado de legitimao que ocorre no seio da famlia, no mbito das relaes sociais e tambm no contexto dos cuidados de sade. Como sabido, os sintomas so frequentemente deslegitimados por profissionais da sade e nas interaces sociais, na comunidade. Esta a principal razo pela qual os doentes com FM se acham tantas vezes incompreendidos, mesmo estigmatizados, no contexto das suas redes sociais (Quartilho, 2004).

Predisposies I

Adversidade distal -Vulnerabilizao

Predisposies II

Contextos de Vida

Circunstncias Proximais

Contextos de Vida

Predisposies III

Contextos de vida

Alteraes Negativas incontrolveis

FIBROMIALGIA

FIBROMIALGIA

TEMPO

TEMPO

Predisposies I

Adversidade distal -Vulnerabilizao

Predisposies II

Contextos de Vida

Circunstncias Proximais

Contextos de Vida

Predisposies III

Contextos de vida

Alteraes Negativas incontrolveis

FIBROMIALGIA

FIBROMIALGIA

TEMPO

TEMPO

Figura 2.9. Fibromialgia: um Processo Dinmico (Quartilho, 2004)

Processos fisiolgicos, psicolgicos, interpessoais e scio-culturais, todos contribuem potencialmente para ciclos viciosos de amplificao podendo agravar os sintomas. Por exemplo, a preocupao com a doena determina um aumento dos nveis de ansiedade que, por sua vez, d origem a sintomas somticos associados activao do sistema nervoso autnomo; a evico de actividades e o comportamento de papel de doente que originam descondicionamento fsico, alteraes do sono e outras formas de desregulao fisiolgica; as interpretaes culturais dos sintomas e o designado comportamento de papel de doente reforam a situao de mal-estar e de incapacidade; e, finalmente, o mesmo comportamento de papel de doente pode originar conflitos interpessoais que, por sua vez, aumentam o grau de activao emocional e contribuem, assim, para a persistncia de sintomas somticos funcionais (Dohrenwend, 1998; Quartilho, 2004).

Segundo Quartilho, a somatizao exibe, pois, uma sobreposio fenomenolgica com a fibromialgia (Quartilho, 2004).Todavia, esta leitura transversal depende de uma leitura biogrfica, dinmica, de uma dimenso temporal que requer uma perspectiva longitudinal complementar (Figura 2.9.). De facto, alguns dos factores etiolgicos relacionados com a somatizao foram tambm encontrados nas entrevistas, estabelecendo assim uma conexo etiolgica com FM. Foi o caso de um estilo de vida hiperactivo, da co-morbilidade psiquitrica, da experincia pessoal com doenas ou do contacto prximo com familiares doentes, da prestao de cuidados continuados com alienao do bem-estar pessoal, da iatrognese e tambm das experincias prvias de abuso e negligncia parental. Obviamente, estes factores comuns no podem ser generalizados a todos os doentes, dado fazerem parte de uma populao heterognea. Contudo, podem ajudar-nos a compreender toda a histria em muitos casos clnicos. Assim, teremos de ouvir os nossos doentes e procurar diferentes factores predisponentes, precipitantes e de manuteno, deste modo alargando a agenda clnica, explorando as histrias de vida.

De acordo com os resultados do estudo qualitativo e tambm com a experincia clnica, o factor tempo assume, pois, uma importncia vital no desenvolvimento da FM (Quartilho, 2004).

3.3. Quadro Clnico na Fibromialgia

Uma caracterstica fundamental da FM a dissociao entre os aspectos subjectivos dor, fadiga, alteraes cognitivas proeminentes, muitas vezes referidos como graves e incapacitantes, e os achados objectivos, praticamente inexistentes, para alm da hipersensibilidade dolorosa que os doentes apresentam, em quase todos os locais, quando tocados/ palpados/ pressionados pelo mdico (Branco et al., 2005).

O tipo de verbalizao dolorosa tambm tpico nestes doentes. De facto referem-se dor como horrorosa, tremenda, terrvel, a pior possvel, etc., e tambm classificam a fadiga como arrasadora, esgotante, debilitante, etc. (Branco et al., 2005)

Apesar das dores terem sede nos tecidos moles do aparelho locomotor, so muitas vezes referidas como articulares ou sseas.

Vrios doentes mencionam factores de agravamento e alvio das dores que importa conhecer (Tabela 1). Os factores de agravamento, sempre que mostraram ser dominantes, parecem criar, numa determinada fase do processo, alteraes negativas incontrolveis que representam uma espcie de ponto de no retorno. Ou seja, o doente deixou de ter uma percepo de controlo sobre a sua vida (Yunus, M. & Reiffenberger, DH., 2005).

Por outro lado, vrios estudos tentaram identificar factores desencadeantes da FM conhecidos como Triggering events (Tabela 2).

Fonte: Bennett et al; 2007, BMC MusculoskeletDisord, vol. 8, p. 27

Publishedonline2007 March9.

41,9

31,3

26,7

17,1

16,1

16,1

12,2

11,9

10,3

10,1

8,7

7,6

2,9

Stress crnico

Trauma emocional

Doena aguda

Leso fsica

Cirurgia

Acidente de viao

Abuso emocional e fsico enquanto adulto

Abuso emocional e fsico enquanto criana

Patologia Tiroidia

Menopausa

Abuso sexual na infncia

Parto

Abuso sexual em adulto

Frequncia (%)Evento

Tabela 2

Triggeringeventsidentificados no incio da FM

(por ordem descendente)

Fonte: Bennett et al; 2007, BMC MusculoskeletDisord, vol. 8, p. 27

Publishedonline2007 March9.

41,9

31,3

26,7

17,1

16,1

16,1

12,2

11,9

10,3

10,1

8,7

7,6

2,9

Stress crnico

Trauma emocional

Doena aguda

Leso fsica

Cirurgia

Acidente de viao

Abuso emocional e fsico enquanto adulto

Abuso emocional e fsico enquanto criana

Patologia Tiroidia

Menopausa

Abuso sexual na infncia

Parto

Abuso sexual em adulto

Frequncia (%)Evento

Tabela 2

Triggeringeventsidentificados no incio da FM

(por ordem descendente)

Na verdade, a FM apresenta considervel variabilidade clnica individual na apresentao das manifestaes centrais, na intensidade dessas manifestaes centrais, na presena e relevncia das queixas acessrias, na gravidade da limitao funcional e deteriorao de qualidade vida, contribuindo para a identificao de subgrupos de doentes (Branco et al., 2005).

As queixas dolorosas e a fadiga no tm ritmo bem definido mas so mais graves de manh, quanto tambm aparece rigidez matinal, por vezes de longa durao, e ao fim da tarde/ incio da noite. Assim, podemos falar de um moedouro muscular difuso e contnuo, de uma dor regional mltipla, de predomnio articular, com crises migratrias. Essa dor sofre agravamento ps-esforo e em repouso (Branco et al., 2005).

As perturbaes do sono (Tabela 3) so quantitativas insnias (inicial, intermdia, terminal), sono inquieto com mltiplos despertares, agitao nocturna (dor, sndrome das pernas inquietas), sono diurno e qualitativas sono no reparador.

Muitas manifestaes tm carcter psicossomtico cefaleias, clon irritvel, sudorese, polipneia e a ansiedade e a depresso esto muitas vezes presentes (Tabela 3).

O exame fsico no revela alteraes da fora ou atrofias musculares, edemas ou rigidez. As articulaes apresentam uma amplitude de movimentos normal, o exame neurolgico no tem alteraes e o estado geral do doente habitualmente bom (Branco et al., 2005)..

A caracterstica objectiva fundamental a presena de Pontos dolorosos (PD) simtricos e com localizao definida (Figura 3). Mas o estado de hiperalgesia difusa que os doentes com FM apresentam no se limita aos PD, evidenciando-se em muitos outros locais (Branco et al., 2005).

Tabela 3

Caractersticas Clnicas da Fibromialgia

Manifestaes nucleares

(definio)

Manifestaes comuns / acessrias

(> 25% dos doentes)

Dor generalizada

Pontos sensveis presso

Cefaleias

Clon irritvel

Vescula irritvel

Fenmeno de Raynaud

Edema subjectivo *das extremidades

Parestesias

Impotncia funcional

Sndrome das pernas inquietas

Perturbaes cognitivas (memria, concentrao, ateno)

Alteraes psicolgicas (ansiedade, depresso)

Sensibilidade sintomtica (frio, stress)

Sndrome de dor temporo-mandibular

Manifestaes caractersticas

(> 75% dos doentes)

Fadiga crnica

Sono no reparador

Alteraes do sono

Rigidez (sobretudo matinal)

* referido pelo doente mas no observado pelo mdico

Fonte: Branco JC, Cardoso A, Costa MM, Silva JAP. 2005, Regras de Ouro em Reumatologia, p. 42

Quase todos os pacientes com FM so mulheres com queixas de fadiga ou agitao. A sua queixa principal uma dor generalizada, constante. A localizao da dor pode ser migratria e variar em intensidade. Porque muitos pacientes no entendem que os sintomas esto interligados, fornecem uma histria fragmentada. Alguns podem no admitir que se sentem deprimidos ou ansiosos. Todos estes sintomas se relacionam com as condies mdicas associadas com a FM (Branco & Cardoso, 2005).

Nas tabelas 4.1 e 4.2. apresenta-se a prevalncia das principais co-morbilidades mdicas e psiquitricas associadas FM (Arnold et al., 2003).

Em resumo, clinicamente a FM assemelha-se a uma cebola, em que volta do ncleo central, de dor generalizada e pontos dolorosos presso, que constituem os critrios nucleares do ACR, se podem encontrar vrias camadas de diversos sintomas, em quantidade e de qualidade variveis, de doente para doente e at no mesmo doente, em momentos diferentes da evoluo da FM (Cardoso et al., 2005).

3.4. Abordagem Diagnstica da Fibromialgia

O diagnstico da FM essencialmente clnico, servindo os exames auxiliares de diagnstico para excluir outras doenas que se lhe podem assemelhar, nomeadamente doena reumtica inflamatria, disfuno tirideia e algumas patologias musculares. Assim, a FM uma sndrome clnica definida por sintomas e sinais, sem alteraes laboratoriais associadas. Consequentemente, o diagnstico baseado na presena dos achados clnicos positivos e os exames complementares no confirmam nem excluem a FM. Em boa verdade, no se trata de um diagnstico de excluso, sendo o gold standard para o diagnstico de FM a opinio de um especialista, pelo reconhecimento de um padro clnico caracterstico (Cardoso et al., 2005).

Tabela 5

Critrios do ACR (1990) para a classificao da Fibromialgia

Diagnstico de Fibromialgia

1. HISTRIA DE DOR GENERALIZADA *

DEFINIO: A dor considerada generalizada quando se verificam todas as seguintes condies: dor do lado esquerdo e dor do lado direito do corpo, dor acima da cintura, dor abaixo da cintura e dor no esqueleto axial (coluna cervical ou trax anterior ou coluna dorsal ou coluna lombar).

A dor generalizada deve estar presente pelo menos h 3 meses.

2. DOR PALPAO DIGITAL EM 11 DE 18 PONTOS **

DEFINIO: A dor, palpao digital, deve estar presente em pelo menos 11 dos 18 seguintes pontos bilaterais e simtricos (Figura 3):

OCCIPITAL: bilateral, nas inseres do msculo suboccipital

CERVICAL INFERIOR: bilateral, na face anterior dos espaos intertransversrios de C5 a C7

TRAPZIO: bilateral, no ponto mdio do bordo superior do msculo

SUPRA-ESPINHOSO: bilateral, na origem do msculo acima da espinha da omoplata junto do bordo interno

SEGUNDA COSTELA: bilateral, imediatamente para fora da juno costocondral da 2 costela e na face superior

EPICNDILO: bilateral, 2 cm externamente ao epicndilo

GLTEO: bilateral, no quadrante superior-externo da ndega no folheto anterior do msculo

GRANDE TROCANTER: bilateral, posterior proeminncia trocantrica

JOELHO: bilateral, na almofada adiposa interna, acima da entrelinha articular

* Com intuitos classificativos, diz-se que os doentes tm Fibromialgia se ambos os critrios so satisfeitos. A presena de uma segunda entidade clnica no exclui o diagnstico de fibromialgia.

** A palpao digital deve ser realizada com uma fora aproximada de 4 kg. Para que um ponto doloroso seja considerado positivo o doente deve referir que a palpao foi dolorosa; uma resposta de sensvel no deve ser considerada dolorosa.

Fonte: Critrios de Classificao de FM do Colgio Americano de Reumatologia

Wolfe et al., 1990 Arthritis & Rheumatism, vol. 33, pp. 160-72

Problemas originados da definio do ACR

O principal mentor intelectual da fibromialgia, enquanto conceito, tem procedido, ele prprio, a algumas reflexes crticas: Quando comemos, nos anos 80, ns vamos os doentes a andarem de mdico em mdico, com dores. Acreditmos que ao fazermos o diagnstico de fibromialgia, lhe reduzamos o stress e o consumo de cuidados de sade. Mas esta ideia de que podamos interpretar o seu mal-estar, atravs do diagnstico, e deste modo ajud-los, no se confirmou. A minha opinio hoje a de que estamos a criar uma doena e no a curar uma doena. [] Ao receber o diagnstico e ao tomar medicamentos, as pessoas passam a exibir os cartes de membros do clube da fibromialgia (Goldenberg, 2002).

Existem problemas distintos e bvios com uma definio to precisa quanto a estabelecida pelo ACR (Chaitow, 2002):

Se a presso varia apenas levemente, de tal forma que num bom dia o paciente possa apresentar sensibilidade e sensao dolorosa mais do que dor quando os pontos sensveis esto a ser testados, ele pode no estar qualificado para uma definio que poderia ter implicaes importantes para os planos de seguros, assim como pode deixar um indivduo angustiado procura de um diagnstico que possa auxili-lo a entender o seu sofrimento.

Se todos os outros critrios esto presentes e menos que 11 dos 18 possveis pontos so apontados como dolorosos (digamos 9 ou 10), qual o diagnstico mais apropriado?

Se h 11 pontos dolorosos mas a natureza generalizada da dor est ausente, que diagnstico o apropriado?

relatado que quase 2% da populao norte-americana satisfaz todos os critrios do ACR (Wolfe et al., 1993).

Algumas pessoas tm dor generalizada mas no tm suficientes pontos dolorosos, outras tm os pontos mas sua distribuio de dor generalizada no suficientemente dispersa. Assim, que diagnstico deve ser atribudo a estas pessoas se isto no considerado FM (Croft et al., 1992)?

Se todos os critrios no so completamente satisfeitos e pessoas com, 9 ou 10 pontos dolorosos em vez dos 11 necessrios, so diagnosticadas como apresentando FM (tornando-se candidatas a indemnizao por parte de seguros ou a benefcios por invalidez ou a serem includas em projectos de investigao), como ficam aquelas com apenas 8 pontos dolorosos que satisfazem todos os restantes critrios (Chaitow, 2002)?

Em termos clnicos tais pacientes devem receber a mesma ateno, onde quer que estejam no espectro de invalidez e qualquer que seja o nmero de pontos dolorosos, desde que a sua dor seja suficiente para requerer ateno do profissional de sade.

A valorizao excessiva dos pontos dolorosos e a desvalorizao aparente de aspectos psicossociais serviram tambm de reflexo crtica, recente para Wolfe. Num registo irnico, Malleson defende que os pontos dolorosos foram equiparados aos novos sinais de beleza dos reumatologistas (Malleson, 2002).

Em 1992, um documento de consenso sobre FM foi apresentado no Second World Congress on Myofascial Pain and Fibromyalgia em Copenhaga, mais tarde publicado na revista The Lancet (Consensus document on FMS, 1992). Esta declarao aceitou a definio de FM do ACR como a base para um diagnstico e adicionou uma srie de sintomas quela definio, incluindo fadiga persistente, rigidez matinal e sono no reparador. Esta declarao reconheceu que pessoas com FM podem, de facto, apresentar, por vezes, menos de 11 pontos dolorosos o que importante satisfazer a maioria dos outros critrios para o diagnstico. Em tais casos, um diagnstico de possvel FM considerado apropriado, com o acompanhamento clnico sugerido para confirmar a condio.

Wolfe props uma categorizao da FM em trs graus (Wolfe, 1994): possvel, provvel e definitiva que um critrio real e prtico para estes indivduos e delimitava o consenso do ACR (Tabela 6).

Tabela 6

Categorizao da FM segundo Wolfe (1994)

FM definitiva

FM provvel

FM Possvel

Todas as caractersticas

da FM tpica

2 ou 3 das caractersticas da FM tpica

Uma das 3 caractersticas de FM tpica e duas de FM indeterminada

De acordo com um estudo de Villanueva (2004) possvel agrupar estes doentes em 3 categorias: sem FM; FM indeterminada e FM tpica, atendendo s caractersticas: dor, pontos dolorosos e os sintomas associados (Tabela 7).

Tabela 7

Critrios Clnicos e Diagnsticos de FM

Caractersticas

da FM

Dor

Pontos

Dolorosos

Sintomas

Sem FM

Limitado

0-5

0-20%

Nenhum ou raros

FM indeterminada

No Generalizado

6-10

20-55%

De poucos a

bastantes

FM tpica

Generalizado

11

>60%

Bastantes

Fonte: Villanueva, VL. & Valia, JC. 2004, Fibromialgia: diagnstico y tratamiento. El estado de cuestin. Revista de la Sociedad Espaola del Dolor, vol. 11, no.7 oct.-nov.

3.4.1 DIAGNSTICOS DIFERENCIAIS DE FM

O diagnstico da FM requer a excluso de outras entidades nosolgicas que se expem na Tabela 8.

Doenas reumticas inflamatrias: produzem sinais clnicos e radiogrficos definidos nas articulaes, assim como alteraes analticas:

Polimialgia reumtica: cursa com VS elevada

Artrite crnica juvenil, artrite reumatide ou lpus eritematoso sistmico (LES): inicialmente podem apresentar dor difusa e fadiga, ainda que os estudos serolgicos e imunolgicos e a elevao da VS os diferencie; existem provas da coexistncia da FM com a artrite reumatide e LES em 12% e 7%, respectivamente (Middleton et al., 1994).

Sndrome de dor miofascial: apresenta-se como uma FM localizada numa rea corporal, com menor nmero de pontos sensveis e sem generalizao do quadro doloroso.

Sndrome de fadiga crnica: cursa com astenia intensa na ausncia de causa orgnica e compartilha muitas das caractersticas da FM, ainda que esta no apresente dor farngea, febre nem adenopatias.

Miopatias inflamatrias metablicas: podem elevar as enzimas musculares.

Hipotiroidismo: diminuio de T4 e aumento de TSH.

Considerar o incio de neuropatias perifricas como em doenas neurolgicas (esclerose mltipla e miastenia gravis), ainda que a electromiografia e a velocidade de conduo nervosa sejam normais na FM.

Fonte: Villanueva, VL. & Valia, JC. 2004, Fibromialgia: diagnstico y tratamiento. El estado de cuestin.; Revista de la Sociedad

Espaola del Dolor, vol. 11, no.7 oct.-nov.

Miastenia gravisSndrome da dor miofascial

Sndrome das pernas inquietas

Doenas Dolorosas Locais

Apneia do SonoRadiculopatias

AnemiaDoena de Parkinson

Outros

Esclerose Mltipla

Distrbios Factcios

Doenas Neurolgicas

Distrbios do Humor -DepressoDoena de Cushing

Distrbios da AnsiedadeHiperparatiroidismo

Distrbios somatoformesHiper/hipotiroidismo

Doenas Psiquitricas

Miopatias metablicas

Neoplasias malignas ocultas (em especial tubo digestivo

e mama)

Doenas Endcrino-Metablicas

Mieloma MltiploSndrome do Tnel Crpico

Doenas Tumorais ou Metastticas

Tendinites localizadas/ Bursitemltipla

Sndrome de Fadiga CrnicaLpus Eritematososistmico

BruceloseArtrite Reumatide

Doena de LymeOsteoporose/osteomalcia

Infeco HIVPolimiosite/dermatomiosite

HepatitesPolimialgia Reumtica

Mononucleose InfecciosaEspondiloartropatias

Doenas infecciosasDoenas Reumatolgicas

DIAGN

DIAGN

STICOS DIFERENCIAIS

STICOS DIFERENCIAIS

Tabela 8

Tabela 8

Diagn

Diagn

sticos Diferenciais de Fibromialgia

sticos Diferenciais de Fibromialgia

Fonte: Villanueva, VL. & Valia, JC. 2004, Fibromialgia: diagnstico y tratamiento. El estado de cuestin.; Revista de la Sociedad

Espaola del Dolor, vol. 11, no.7 oct.-nov.

Miastenia gravisSndrome da dor miofascial

Sndrome das pernas inquietas

Doenas Dolorosas Locais

Apneia do SonoRadiculopatias

AnemiaDoena de Parkinson

Outros

Esclerose Mltipla

Distrbios Factcios

Doenas Neurolgicas

Distrbios do Humor -DepressoDoena de Cushing

Distrbios da AnsiedadeHiperparatiroidismo

Distrbios somatoformesHiper/hipotiroidismo

Doenas Psiquitricas

Miopatias metablicas

Neoplasias malignas ocultas (em especial tubo digestivo

e mama)

Doenas Endcrino-Metablicas

Mieloma MltiploSndrome do Tnel Crpico

Doenas Tumorais ou Metastticas

Tendinites localizadas/ Bursitemltipla

Sndrome de Fadiga CrnicaLpus Eritematososistmico

BruceloseArtrite Reumatide

Doena de LymeOsteoporose/osteomalcia

Infeco HIVPolimiosite/dermatomiosite

HepatitesPolimialgia Reumtica

Mononucleose InfecciosaEspondiloartropatias

Doenas infecciosasDoenas Reumatolgicas

DIAGN

DIAGN

STICOS DIFERENCIAIS

STICOS DIFERENCIAIS

Tabela 8

Tabela 8

Diagn

Diagn

sticos Diferenciais de Fibromialgia

sticos Diferenciais de Fibromialgia

3.4.2. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNSTICO

Na verdade, no existe nenhum exame complementar de diagnstico (ECD) identificador desta entidade. Todos os ECD podem ser normais ou negativos e se alguma alterao ocorrer, com certeza devida a qualquer outra patologia associada e no FM (Cardoso et al., 2005).

Alguns ECD so necessrios, sobretudo para diagnstico diferencial de outras doenas e situaes clnicas que podem assemelhar-se com a FM. Estes ECD so diferentes conforme as caractersticas especficas de cada doente, mas em todos os casos deve ser solicitado um protocolo laboratorial bsico (Tabela 9).

Tabela 9

Protocolo laboratorial bsico

Hemograma completo + plaquetas

VS e/ou PCR doseada

CK

Electroforese das protenas

Clcio, fsforo e magnsio sricos

TSH e T4 livre

Fonte: Branco et al., 2005, Regras de Ouro em Reumatologia, p. 43

A Tabela 10 resume um protocolo prtico para abordagem do diagnstico e avaliao da FM, no mbito dos cuidados de sade primrios para uma precoce e adequada deteco destes doentes. Em anexo apresenta-se um protocolo de abordagem desta sndrome (Anexo II).

Tabela 10

Recomendaes para o diagnstico e avaliao da FM

1. Perante a suspeita diagnstica, aplicar os critrios do ACR 1990 e, se existir FM:

Avaliar os sintomas funcionais adicionais (p.e. alteraes do sono, fadiga clon irritvel, cefaleias).

Estudar os sinais psquicos (p.e. depresso, ansiedade, somatizao, personalidade pr-dolorosa).

Identificar agressores ou traumatismos psicolgicos e fsicos (p.e. famlia, trabalho, econmico).

Rastrear as consequncias da FM (p.e. depresso/ ansiedade, desuso, incapacidade, insnia) e os efeitos adversos dos frmacos utilizados.

Fonte: Branco et al., 2005, Regras de Ouro em Reumatologia, p. 43

3.5. Qualidade de Vida, Preveno e Prognstico na FM

Avaliao da Qualidade de Vida em doentes com FM

A qualidade de vida (Figura 4). est consideravelmente afectada em pessoas com FM, principalmente em reas de actividade intelectual, de funo fsica, estado emocional, qualidade do sono, o que influencia de forma determinante a capacidade de trabalhar, assim como a actividade scio-familiar (Crofford et al., 2005). Assim, um nmero significativo de pessoas apresenta uma sndrome dolorosa crnica incapacitante com intensa afeco da qualidade de vida, que leva perda parcial ou completa da actividade laboral numa percentagem aproximada de 25-50% dos pacientes segundo diversos estudos realizados em diferentes pases (Birtane et al., 2006). A FM no encurta a esperana de vida, mas pode afectar de forma importante a capacidade funcional e limitar as actividades de vida diria, ainda que essa perda no tenha que ser progressiva e irrecupervel em todos os pacientes (Mengshoel & Haugen, 2001).

Figura 4: Qualidade de vida em pacientes com FM (Crofford L, et al., 2005).

Tendo em considerao que no existe nenhum exame laboratorial nem radiolgico especfico para o diagnstico de FM, a valorizao da dor e das consequncias da doena na qualidade de vida dos afectados se considera fundamental para a avaliao dos indivduos com este transtorno. Para este fim utilizam-se diversos questionrios. Segundo o documento de consenso de diagnstico e tratamento da FM na Catalunha (Collado et al.,2002), recomenda-se o uso de Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ anexo I), para aferir a capacidade fsica, a possibilidade de realizar trabalho habitual e, no caso de realizar uma actividade laboral remunerada, o grau em que a FM afecta esta actividade, assim como itens subjectivos relacionados com o quadro de FM (dor, fadiga, sensao de cansao e rigidez muscular) e com o estado emocional (ansiedade e depresso). Os itens do FIQ foram extrados da interaco clnica com os pacientes, dos trabalhos pr-existentes acerca de FM e de outros instrumentos de valorizao do estado de sade dos pacientes reumatolgicos (Collado et al.,2002).

Recentemente, realizou-se a validao da verso espanhola do FIQ, el S-FIQ (Spanish Fibromyalgia Impact Questionnaire), que funciona como um teste apto para avaliar os doentes afectados pela FM (Monteverde, 2004).

O grau de afeco vital (Tabela 15) pode-se classificar em (Monteverde, 2004):

(I) Afeco vital leve: pontuaes nas escalas de valorizao inferiores a 50% e sem interferncia ou mnima interferncia nas actividades de vida diria.

(II) Afeco vital moderada: pontuaes entre 50-75% e interferncia moderada com as actividades de vida diria.

(III) Afeco vital grave: pontuaes superiores a 75% e marcada interferncia com as actividades de vida diria (impossibilidade de realizar um trabalho ou funo).

PREVENO DA FIBROMIALGIA

O conhecimento dos sinais de alerta torna possvel a interveno precoce e as prevenes secundria e terciria, evitando o agravamento da FM e o desenvolvimento de complicaes. O xito destas aces depende, contudo, dos profissionais dos cuidados de sade primrios de sade conhecerem e valorizarem os factores que se associam, precedem e acompanham esta entidade, bem como os que agravam o seu prognstico (D.G.S., 2005).

Na actualidade, j se conhecem os factores de risco associados a estados de dor crnica generalizada (D.G.S., 2005):

Sexo feminino;

Idade entre 40 e 60 anos;

Baixo rendimento econmico;

Baixo nvel educacional;

Divorciados/separados.

No existe uma personalidade fibromilgica (Jacobsen et al., 1993). Mas a experincia clnica e alguns estudos mostram-nos que so frequentes alguns traos que parecem predispor, iniciar e/ou perpetuar os sintomas tpicos de fadiga crnica ou fibromialgia (Van Houdenhove et al., 2001). Referimo-nos a uma elevada propenso para a aco, ao estilo de vida hiperactivo, aos traos de perfeccionismo e inflexibilidade adaptativa, incapacidade aparente de recusar factores de presso ou exigncia externa que caracteriza o comportamento destes doentes. Entretanto, j se identificaram algumas das caractersticas da personalidade pr-dolorosa (Tabela 11):

Tabela 11

Caractersticas da personalidade pr-dolorosa

Trabalhadores dedicados

Indivduos com actividade excessiva

Perfeccionismo compulsivo

Incapacidade para o relaxamento e o desfrute da vida

Negao de conflitos emocionais e interpessoais

Incapacidade para lidar com situaes hostis

Necessidade de carinho

Dependncia de tipo infantil

Fonte: D.G.S. 2005, Circular Informativa n 45

Numa perspectiva preventiva tipificaram-se sinais de alerta para o desenvolvimento da FM (Tabela 12):

Tabela 12

Sinais de Alerta para desenvolvimento da FM

Histria familiar da doena

Sndrome dolorosa prvia

Preocupao com o prognstico de outras doenas coexistentes

Traumatismo vertebral, especialmente cervical

Incapacidade para lidar com adversidades

Histria de depresso/ansiedade

Sintomas persistentes de virose

Alteraes do sono

Disfuno emocional significativa

Dor relacionada com a prtica da profisso

Fonte: D.G.S. 2005, Circular Informativa n 45

As profisses que exigem a manuteno prolongada na mesma postura, movimentos repetitivos e elevao frequente ou mantida dos membros superiores so consideradas facilitadoras do eclodir da doena (DGS, 2005).

PROGNSTICO

Ainda que a FM melhore parcialmente com um tratamento adequado, tem um curso crnico com exacerbaes. A remisso completa e sustida muito rara (DGS, 2005). A respeito do prognstico, os dados (Tabela 13) de que dispomos na actualidade no so encorajadores (Villanueva, 2004).

Diversos estudos 3 anos aps o diagnstico inicial indicam que 47% dos doentes expressa que o seu estado geral melhor.

Em 50% dos pacientes diagnosticados de forma precoce e tratados correctamente esto em remisso 2 anos aps o diagnstico, com mnima interveno mdica e sem tomar nenhuma medicao. Cerca de 70% considera que os seus sintomas pouco ou nada interferem com as suas actividades de vida diria ou trabalho. Segundo um estudo de Goldenberg, somente 9% teve de abandonar o trabalho por causa da FM (Goldenberg, 2002).

Os pacientes controlados em consultas apresentam uma sndrome dolorosa continuada durante anos, com flutuaes nos sintomas, que raramente remitem. A incapacidade laboral e os recursos que estes pacientes consomem esto alcanando propores epidmicas nos pases desenvolvidos.

Tabela 13

Prognstico da FM

PROGNSTICO

Sintomas persistem decorridos 10 anos sobre o diagnstico

Durao mdia dos sintomas > 15 anos

Agravamento da dor em 55%

Agravamento da fadiga em 48%

Agravamento dos distrbios do sono em 59%

80% continuam com a medicao cronicamente

Cerca de 66% refere melhoria leve globalmente

Fonte: Villanueva, VL. & Valia, JC. 2004, Fibromialgia: diagnstico y tratamiento. El estado de cuestin. Revista de la Sociedad Espaola del Dolor, vol. 11, no.7 oct.-nov.

3.6. Abordagem Teraputica da FM

De acordo com a Circular Informativa n 27, emitida pela Direco Geral da Sade em 3 de Junho de 2003, a FM deve ser diagnosticada e tratada nos Cuidados de Sade Primrios.

Aps o diagnstico, uma explicao sobre a natureza da doena crucial para o seu bom tratamento. O mdico deve informar o seu doente sobre factores de alvio, de agravamento e sobre o habitual bom prognstico da doente. O doente deve, ainda, ser aconselhado sobre estilos de vida, prtica e tipo de exerccio e atitudes de relaxamento (DGS, 2005).

No existe qualquer teraputica especfica que sirva a todos os doentes. As abordagens mais eficazes so as