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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA Um Estudo sobre a Trigonometria no Triângulo Retângulo PAULO ROBERTO DOS SANTOS Orientadora: Profª. Dra. Cintia A. Bento dos Santos Dissertação apresentada ao Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática. SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

Um Estudo sobre a Trigonometria

no Triângulo Retângulo

PAULO ROBERTO DOS SANTOS

Orientadora: Profª. Dra. Cintia A. Bento dos Santos

Dissertação apresentada ao Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática.

SÃO PAULO

2014

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Um Estudo sobre a Trigonometria no Triângulo Retângulo

Paulo Roberto dos Santos

Dissertação de mestrado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em __/__/2014.

BANCA EXAMINADORA:

Profª. Dra. Cíntia A. Bento dos Santos

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Profª. Dra. Norma Suely Gomes Allevato

Universidade Cruzeiro do Sul

Prof. Dr. Marcio Eugen Klingenschmid Lopes dos Santos

Secretaria Estadual de Educação/SP

Dedico este trabalho à minha família,

especialmente à minha mãe Maria José.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me dar força para enfrentar desafios.

À minha mãe, Maria, por sempre acreditar em mim.

À minha companheira, Ivonete, por me apoiar em horas difíceis.

Aos meus filhos, Natália e Paulo, por suportarem longos períodos de minha

ausência.

A professora Norma Suely Gomes Allevato, por ter aceitado o convite para fazer

parte de minha banca e ter contribuído para estruturar meu trabalho.

Ao professor Marcio E. K. Lopes dos Santos, por ter aceitado participar de minha

banca e suas contribuições.

Aos professores do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e

Matemática, pelas contribuições que enriqueceram o curso e meu desenvolvimento.

Aos colegas de Mestrado, pelo companheirismo e contribuições que enriqueceram

minha jornada.

Aos meus alunos, pela participação e responsabilidade.

E em especial, à minha orientadora, professora Cíntia A. B. Santos, com quem

aprendi e contribuiu muito para realização deste trabalho.

“EDUCAÇÃO NÃO TRANSFORMA O MUNDO. EDUCAÇÃO MUDA PESSOAS. PESSOAS TRANSFORMAM O MUNDO”.

(PAULO FREIRE, educador)

SANTOS, Paulo Roberto dos. Um estudo sobre a trigonometria do triângulo retângulo. 2014. 92 f. Dissertação (Mestrado de Ensino de Ciências e Matemática)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

RESUMO

Este estudo é uma pesquisa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e de

Matemática, focando o estudo das relações entre as medidas dos lados de um

triângulo retângulo (seno, cosseno e tangente). O objetivo desta investigação é

verificar as revelações que alunos de um 2º ano de Ensino Médio de uma escola

pública estadual da cidade de São Paulo têm sobre o conhecimento trigonométrico;

como mobilizam tal conhecimento, introduzido no Ensino Fundamental, para

resolverem tarefas e como este pode ser útil para construção de novos

conhecimentos. Como aportes teóricos, será utilizada a Teoria das Situações

Didáticas, de Guy Brousseau, e a Teoria dos Campos Conceituais, de Gérard

Vergnaud, para estruturar a pesquisa. Para atender ao objetivo, foi utilizada uma

pesquisa de método qualitativo, com técnica de análise documental. Por meio de

três instrumentos de pesquisa desenvolvidos com os alunos, procurou-se levantar o

que os alunos revelam em relação aos conhecimentos matemáticos, referentes ao

estudo de trigonometria, verificar como eles demonstram mobilizar tais

conhecimentos aprendidos no Ensino Fundamental ao resolverem tarefas de

trigonometria no Ensino Médio e, também, como realizam a conexão entre

conhecimentos novos e antigos. Após a aplicação do instrumento I, constatou-se

que a maioria absoluta dos alunos não dispunha dos invariantes operatórios

necessários no que se refere ao triângulo retângulo e à semelhança de triângulo. A

análise do instrumento II permitiu inferir que a maior parte dos estudantes conseguiu

compreender o conceito de razões trigonométricas que se manteve estabilizado,

conforme se verificou após análise da resolução dos problemas do instrumento III.

Palavras-chave: Mobilização de conhecimentos matemáticos, Trigonometria no

triângulo retângulo, Razões trigonométricas, Situações didáticas, Campos

conceituais.

SANTOS, Paulo Roberto dos. A study about the Trigonometry of the triangle rectangle. 2014. 92 f. Dissertação (Mestrado de Ensino de Ciências e Matemática)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

ABSTRACT

This study is a research of Professional Master in the tuition of Science and Math’s

field, focusing on the relation between the measures of the sides of a triangle

rectangle (sine, cosine and tangent). The objective of this research is to check the

revealing of the amount of Math’s knowledge students from the 2nd year of High

School from a public school in the city of São Paulo have about Trigonometry, how

they deal with such knowledge, introduced in the elementary school to solve

problems and how it can be useful in the construction of new knowledge. The Theory

of Didactic Situations from Guy Brousseau and the Theory of Conceptual Fields from

Gérard Verhnaud will be used to structure this research. To get into the objective, a

research about the qualitative method was used with technique of documentary

analysis. Through three research instruments developed with students, it tries to

raise what students reveal in relation to their Math’s knowledge, related to the study

of Trigonometry, and check how they can demonstrate such knowledge learned in

the elementary school when solving some trigonometry tasks in High School and

also how they make the connection between the new and the old knowledge. After

the use of Instrument I, it was discovered that the great majority of the students did

not have the invariant elements necessary in relation to the triangle rectangle and the

triangle’s similarity. The analysis of Instrument II allowed to infer that the majority of

the students could understand the concept of the Trigonometric ratios which is kept

stabilized, according to what was checked after the analysis of the resolution of the

problems of Instrument III.

Key-words: Mobilization of Math’s knowledge, Trigonometry in the triangle rectangle,

Trigonometric Ratios, Didactic Situations, Conceptual Fields.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Pesquisas por regiões do Brasil ............................................ 41

Figura 2 Triângulo didático.....................................................................51

Figura 3 Atividade 12 – instrumento I ................................................... 65

Figura 4 Atividade 14 – instrumento I ................................................... 66

Figura 5 Atividade 15 – instrumento I....................................................66

Figura 6 Atividade 17 – instrumento I....................................................67

Figura 7 Atividade 16 – instrumento I....................................................68

Figura 8 Atividade 9 – instrumento I......................................................69

Figura 9 Atividade 10 – instrumento I . .. ...............................................70

Figura 10 Estudo das noções referentes à trigonometria ..................... 70

Figura 11 Atividade 11 – instrumento I .................................................. 71

Figura 12 Atividade 11 – instrumento I .................................................. 72

Figura 13 Atividade 12 – instrumento I .................................................. 74

Figura 14 Atividade 12 – instrumento I .................................................. 75

Figura 15 Atividade 12 – instrumento I .................................................. 76

Figura 16 Atividade 12 – instrumento I .................................................. 77

Figura 17 Atividade 13 – instrumento I .................................................. 78

Figura 18 Atividade 13 – instrumento I .................................................. 78

Figura 19 Atividade 13 – instrumento I .................................................. 79

Figura 20 Atividade 14 – instrumento I .................................................. 80

Figura 21 Atividade 14 – instrumento I .................................................. 80

Figura 22 Atividade 15 – instrumento I .................................................. 81

Figura 23 Atividade 16 – instrumento I .................................................. 82

Figura 24 Atividade 17 – instrumento I .................................................. 83

Figura 25 Atividade 17 – instrumento I .................................................. 83

Figura 26 Percentual de acertos por questão ....................................... 85

Figura 27 Atividade 1 – instrumento II ................................................... 90

Figura 28 Atividade 2 – instrumento II – parte 1 .................................... 92

Figura 28 Atividade 2 – instrumento II – parte 2 .................................... 93

Figura 29 Atividade 3 – instrumento II ................................................... 95

Figura 30 Atividade 4 – instrumento II – parte 1 ................................... 97

Figura 30 Atividade 4 – instrumento II – parte 2 .................................... 98

Figura 31 Atividade 4 – instrumento II – aluna I .................................. 100

Figura 32 Atividade 4 – instrumento II – aluna K ................................ 101

Figura 33 Atividade 4 – instrumento II – aluna J ................................. 101

Figura 34 Atividade 4 – instrumento II – aluna F ................................. 102

Figura 35 Atividade 4 – instrumento II – aluna J ................................. 103

Figura 36 Atividade 4 – instrumento II – aluna E – parte 1 ................. 104

Figura 36 Atividade 4 – instrumento II – aluna E – parte 2 ................. 105

Figura 37 Atividade 4 – instrumento II – aluna F ................................. 106

Figura 38 Atividade 4 – instrumento II – aluno P ................................ 106

Figura 39 Atividade 4 – instrumento II – aluna P ................................ 107

Figura 40 Atividade 4 – instrumento II – aluna A ................................ 107

Figura 41 Atividade 4 – instrumento II – aluna F ................................. 108

Figura 42 Atividade 4 – instrumento II – aluna E ................................ 109

Figura 43 Atividade 4 – instrumento II – aluno B ................................ 106

Figura 44 Atividade 4 – instrumento II – aluno G ................................ 110

Figura 45 Atividade 4 – instrumento II – aluno P ................................ 112

Figura 46 Atividade 4 – instrumento II – aluna A ................................ 113

Figura 47 Atividade 4 – instrumento II – aluna K ................................ 113

Figura 48 Atividade 4 – instrumento II – aluna M ................................ 114

Figura 49 Atividade 4 – instrumento II – aluna T ................................. 114

Figura 50 Atividade 4 – instrumento II – aluno G ................................ 115

Figura 52 Atividade 4 – instrumento II – aluna E ................................ 111

Figura 52 Atividade 4 – instrumento II – aluno P ................................ 117

Figura 53 Problema 1 – instrumento III ................................................ 121

Figura 54 Problema 2 – instrumento III ................................................ 121

Figura 55 Problema 3 – instrumento III ................................................ 121

Figura 56 Problema 4 – instrumento III ................................................ 122

Figura 57 Problema 1 – instrumento III – aluno G ............................... 123

Figura 58 Problema 1 – instrumento III – aluna F ............................... 124

Figura 59 Problema 1 – instrumento III – aluna M ............................... 124

Figura 60 Problema 2 – instrumento III – aluna F ............................... 125

Figura 61 Problema 2 – instrumento III – aluna I ................................. 125

Figura 62 Problema 2 – instrumento III – aluna J ................................ 126

Figura 63 Problema 3 – instrumento III – aluno P ............................... 127

Figura 64 Problema 3 – instrumento III – aluno G ............................... 128

Figura 65 Problema 4 – instrumento III – aluno B ............................... 129

Figura 66 Problema 4 – instrumento III – aluna R ............................... 130

Figura 67 Problema 4 – instrumento III – aluna T ............................... 130

Quadro 1 Distribuição do conteúdo de trigonometria.........................29

Quadro 2 Pesquisas selecionadas de trigonometria.......................... 42

Quadro 3 Aplicação do instrumento II.................................................. 89

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1- A PESQUISA E OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......... 178

1.1 Justificativa da Pesquisa ..................................................................................... 18

1.2 Problemática da Pesquisa ................................................................................... 20

1.3 Metodologia da Pesquisa .................................................................................... 20

CAPÍTULO 2 - O ENSINO DE TRIGONOMETRIA .................................................... 25

2.1 Inserção Curricular do Estudo de Trigonometria ................................................. 25

2.2 Pesquisas que discutem o Ensino de Trigonometria ........................................... 31

2.3 Sintetizando o Panorama das Pesquisas ............................................................ 40

CAPÍTULO 3 - QUADRO TEÓRICO ......................................................................... 45

3.1 A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud ................................................. 45

3.2 A Teoria das Situações Didáticas de Brousseau ................................................. 50

3.3 Sobre as Teorias dos Campos Conceituais de Vergnaud e das Situações

Didáticas de Brousseau ............................................................................................ 61

CAPÍTULO 4 - PESQUISA DE CAMPO .................................................................... 63

4.1 Sobre os Instrumentos ........................................................................................ 63

4.2 Aplicação do Instrumento I .................................................................................. 63

4.3 Análise e Interpretação dos Dados do Instrumento I ........................................... 64

4.4 Análise a Priori e Aplicação do Instrumento II ..................................................... 89

4.5 Análise e Interpretação dos Dados do Instrumento II ........................................ 100

4.6 Síntese da Análise a Posteriori do Instrumento II .............................................. 117

4.7 Aplicação e Análise dos Dados do Instrumento III ............................................ 120

CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 1323

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 139

APÊNDICE A – Instrumento de pesquisa I ............................................................. 143

APÊNDICE B – Instrumento de pesquisa II........................................................... 1477

APÊNDICE C – Instrumento de pesquisa III ......................................................... 1544

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INTRODUÇÃO

Iniciei minha carreira como professor substituto, passando por várias escolas

e turnos variados, por um curto período de tempo, na rede estadual na cidade de

São Paulo. Como professor efetivo de Matemática, minha carreira teve início há

cerca de dez anos, sempre lecionando no Ensino Médio de uma escola pública da

cidade de São Paulo, no período da manhã, tarde ou noite. Atualmente, leciono no

período noturno.

A escola em que leciono é antiga, dispondo de apenas oito salas e com

pouca infraestrutura, mas é organizada e a maioria dos alunos é participativa.

Nesse ambiente, percebi que, ano após ano, uma parcela significativa

desses alunos apresentava dificuldades no aprendizado de trigonometria no

triângulo retângulo. Passei, então, a dar mais atenção a esse conteúdo, planejando

melhor as aulas, procurando explicar na lousa, de forma mais clara possível, e

exigindo a realização de exercícios pelos alunos. As possíveis dúvidas ainda

existentes eram esclarecidas com uma revisão da teoria e mais exercícios. Ao final,

verificava o aprendizado dos alunos por meio de uma prova mensal ou bimestral.

Acreditava, naquele momento, que, dessa forma, conseguiria que os alunos

aprendessem melhor as razões trigonométricas no triângulo retângulo.

Mesmo empenhando-me, percebia que os resultados ainda eram frustrantes,

pois a maioria dos alunos apresentava rendimento insatisfatório nas provas. Havia

algo que prejudicava seu aprendizado e que precisava ser descoberto, mas eu não

sabia do que se tratava.

Essas inquietações fizeram-me ir à busca de aperfeiçoamento, o que

resultou no ingresso em um curso de Pós-Graduação de Especialização em

Matemática para Professores do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, no qual

aprendi mais Matemática, mas não obtive as respostas que procurava.

Percebendo, naquele momento, por meio de pesquisas e de leituras, que as

respostas almejadas poderiam estar na Educação Matemática, resolvi matricular-me

no Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da

Universidade Cruzeiro do Sul, para realizar o mestrado profissional.

15

Já no início do mestrado, após um período de reflexão, minha orientadora

sugeriu como título de pesquisa “Um Estudo sobre a trigonometria no triângulo

retângulo”. Chegamos à conclusão de que a pesquisa seria realizada com dezesseis

alunos de duas turmas do segundo ano do Ensino Médio, período noturno, da escola

pública da cidade de São Paulo.

Os conteúdos discutidos nas disciplinas do curso de mestrado juntamente

com as orientações encaminharam-nos ao quadro teórico desta pesquisa, pautado

na Didática Francesa, em que tomamos como referência a Teoria das Situações

Didáticas, de Guy Brousseau (BROUSSEAU, 1986, 1996, 2008), pois ela permite-

nos explicar as relações entre saber, professor e aluno.

Cabe salientar que Brousseau utiliza a palavra “saber” em sua teoria. Assim,

é conveniente fazermos a diferenciação entre saber e conhecimento.

Segundo Pais (1999), enquanto o saber caracteriza-se quase sempre por

ser descontextualizado, despersonalizado e mais associado a um contexto científico,

histórico e cultural, o conhecimento refere-se a um contexto mais individual e

subjetivo, associado ao caráter experimental.

Brousseau (1988) faz uma distinção entre conhecimento e saber,

evidenciando o aspecto da utilidade e remetendo a questão para análise das

situações didáticas. Em sua análise, o saber aparece associado ao problema da

validação do conhecimento, relacionada à questão do raciocínio lógico-dedutivo. Por

outro lado, o conhecimento é vinculado mais ao aspecto experimental, envolvendo

algum tipo de ação de contato mais pessoal.

Também adotamos a Teoria dos Campos Conceituais, de Gérard Vergnaud

(VERGNAUD, 1996, 1998, 2012), a fim de evidenciar as questões relativas à

construção de conceitos por parte dos alunos e as relações que alunos estabelecem

entre conhecimentos novos e antigos.

Em nossa pesquisa, tem-se por objetivo geral verificar as revelações que

alunos de um segundo ano de Ensino Médio de uma escola pública estadual da

cidade de São Paulo têm sobre o conhecimento trigonométrico e como mobilizam tal

conhecimento, introduzido normalmente no 9º ano do Ensino Fundamental, para

16

resolverem tarefas e como este pode ser útil para construção de novos

conhecimentos.

Para auxiliar o presente trabalho, foi realizado um levantamento sobre

pesquisas publicadas a partir de 2006, relacionadas ao foco desta pesquisa. Essa

etapa tem por objetivo apresentar o que se tem discutido em relação a esta temática

no cenário acadêmico. Considerou-se importante essa etapa do trabalho, pois o

mapeamento das pesquisas ajudará a ter clareza sobre o que tem sido discutido em

se tratando do estudo de trigonometria.

Por último, cabe ressaltar que o pesquisador é professor regente da turma

que foi pesquisada e que este estudo também teve como finalidade fazer com que o

professor-pesquisador compreendesse melhor as dificuldades de seus alunos,

podendo contribuir para o processo de ensino-aprendizagem dos educandos, assim

como para o aprimoramento de sua prática profissional.

Para responder ao objetivo da pesquisa, estruturou-se o trabalho conforme

esta sequência:

No primeiro capítulo, apresenta-se a justificativa desta pesquisa, ou seja, a

motivação para a escolha da temática abordada. Nesse capítulo, também é

apresentada a problemática de pesquisa e a metodologia a ser utilizada

(mencionada anteriormente) para desenvolvimento desta investigação.

No segundo capítulo, discorre-se sobre o ensino de trigonometria. Nessa

etapa, são apresentados alguns aspectos curriculares que corroboram para a

importância do tema e são analisadas dissertações relacionadas ao assunto e a

livros que tratam diretamente do ensino-aprendizagem de trigonometria no triângulo

retângulo a partir de 2006.

No terceiro capítulo, discutem-se os aportes teóricos desta pesquisa, a

Teoria dos Campos Conceituais, de Vergnaud e a Teoria das Situações Didáticas,

de Brousseau. Esses referenciais foram utilizados, a fim de entender como os

alunos constroem conceitos e também como fazem as conexões entre

conhecimentos novos e antigos, bem como as relações entre saber, professor e

aluno.

17

O quarto capítulo é destinado a tratar da pesquisa de campo. Nele,

apresenta-se uma análise a priori da sequência didática e a posteriori da realização

da sequência pelos alunos.

No quinto capítulo, retoma-se a questão de pesquisa, a fim de respondê-la.

Além disso, traçam-se alguns indicativos para o ensino de trigonometria no triângulo

retângulo com base nos resultados encontrados.

18

CAPÍTULO 1- A PESQUISA E OS PROCEDIMENTOS

METODOLÓGICOS

Neste capítulo, será apresentada a pesquisa, descrevendo os principais

aspectos que a justificam, bem como sua problemática. Será apresentada, ainda, a

metodologia de pesquisa adotada para esta investigação.

1.1 Justificativa da Pesquisa

A presente pesquisa, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-

Graduação em Ensino de Ciências e de Matemática da Universidade Cruzeiro do

Sul, tem como foco o estudo das relações entre as medidas dos lados de um

triângulo retângulo (seno, cosseno e tangente) na fase de escolarização do 2º ano

do Ensino Médio.

Por ser evidente que a trigonometria tem grande participação na sociedade

moderna, a apropriação e o domínio desse conhecimento matemático constituem

instrumentos básicos para a leitura e compreensão do mundo em que se vive.

A importância da trigonometria é comprovada na aprendizagem de alguns

conceitos da Física Clássica, bem como no estudo da eletricidade, da mecânica, da

música, da medicina, da topografia, da engenharia, de náutica, de

telecomunicações, ou ainda em aplicações que envolvem principalmente fenômenos

periódicos. A trigonometria é muito utilizada na determinação de distâncias

inacessíveis como medições de astros, de distâncias, entre outras coisas.

Vários aspectos históricos evidenciam a importância da presença dessa

noção matemática no desenvolvimento das civilizações antigas como a egípcia,

babilônica, chinesa, grega, estendendo-se até os dias atuais.

No entanto, com base na prática docente, pode-se observar que uma

parcela significativa de alunos chega ao Ensino Médio sem a devida clareza desse

conteúdo; também se observa que a forma como a trigonometria é aprendida nas

19

aulas de Matemática não proporciona uma visão ampla ao aluno acerca de sua

inserção nas situações cotidianas.

Outro ponto que se verificou na prática docente é o fato de alunos

aprenderem durante o Ensino Fundamental conteúdos como, por exemplo, razões,

semelhança de triângulos, teorema de Pitágoras, e, quando chegam ao Ensino

Médio, não possuírem esses conhecimentos disponíveis, nem os reconhecerem no

momento de fazer as devidas conexões no estudo de trigonometria. Sendo assim,

apesar de esses conteúdos já terem sido institucionalizados em anos anteriores, os

alunos sinalizam não ter desenvolvido autonomia suficiente para lançar mão dos

conhecimentos disponíveis quando se fazem necessárias as devidas articulações e

conexões entre os conhecimentos já aprendidos e os novos que estão sendo

propostos.

Essas constatações, observadas, num primeiro momento, na prática

docente, motivaram o levantamento de hipóteses sobre a problemática que envolve

o conteúdo matemático relacionado à trigonometria.

Esta pesquisa permite abrir uma reflexão quanto à necessidade de se

dialogar com as dificuldades que os educandos enfrentam em relação ao domínio e

à interpretação de conhecimentos sobre a trigonometria no triângulo retângulo.

A trigonometria esteve presente na escola secundária ao longo de todo o

século XX. Sua inclusão no currículo do Ensino Médio enquanto saber matemático é

atualmente um conteúdo obrigatório, destacado nos Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Médio – PCNEM+ (BRASIL, 2006) e, também, presente no

currículo da Rede Estadual de Ensino de São Paulo (SÃO PAULO, 2012).

No presente estudo, considerou-se relevante averiguar o que alunos de um

2º ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual da cidade de São Paulo

revelam em relação ao conhecimento matemático de trigonometria e como

mobilizam esse conhecimento, iniciado no Ensino Fundamental, para resolverem

tarefas, e como este pode ser proveitoso para construção de novos conhecimentos.

20

1.2 Problemática da Pesquisa

Com base na justificativa deste estudo e buscando delimitar a investigação,

elaborou-se a seguinte questão de pesquisa para nortear o presente trabalho:

Como alunos demonstram mobilizar ou ter disponíveis conhecimentos

matemáticos aprendidos no Ensino Fundamental ao resolverem tarefas de

trigonometria, no que se refere ao triângulo retângulo, no Ensino Médio?

1.3 Metodologia da Pesquisa

Nesta investigação, a organização do trabalho está pautada na abordagem

qualitativa, com técnica de análise documental.

De acordo com Goldenberg (2007), os dados da pesquisa qualitativa têm

por objetivo uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no

pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social. Ainda segundo

a autora, os métodos qualitativos enfatizam as particularidades de um fenômeno em

termos de seu significado para o grupo pesquisado, sendo esse tipo de pesquisa

capaz de possibilitar a compreensão do significado e a descrição dos fenômenos

estudados em seus contextos e não à sua expressividade numérica.

Para Creswell (2010), a investigação qualitativa emprega diferentes

concepções filosóficas, estratégias de investigação e métodos de coleta, análise e

interpretação de dados. Para o autor, a investigação qualitativa utiliza diferentes

estratégias, as quais têm grande influência sobre os procedimentos qualitativos.

Creswell (2010) destaca, também, que a amostragem intencional, a coleta

de dados abertos, a análise de textos ou de imagens, a representação de

informações em figuras e em quadros e a interpretação pessoal dos achados

sugerem procedimentos qualitativos, ou seja, são procedimentos que podem auxiliar

na caracterização de uma pesquisa qualitativa, dentre eles, encontram-se os

procedimentos a serem utilizados neste estudo. O autor ainda define a pesquisa

qualitativa como:

21

[...] um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um problema social ou humano. O processo de pesquisa envolve as questões e os procedimentos que emergem, os dados tipicamente coletados no ambiente do participante, a análise dos dados indutivamente construída a partir das particularidades para os temas gerais e as interpretações feitas pelo pesquisador acerca do significado dos dados. (CRESWELL, 2010, p.26)

Para Lüdke e André (2012), a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de

dados descritivos, por meio do contato direto do pesquisador com a situação

pesquisada, enfatiza mais o processo do que o produto e preocupa-se em retratar a

perspectiva dos participantes. De acordo com as autoras, a pesquisa qualitativa

supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com ambiente e a situação que

está sendo investigada, em geral, por meio do trabalho intensivo de campo.

Lüdke e André (2012) ressaltam, ainda, que, no estudo qualitativo, os

problemas são estudados no ambiente em que eles ocorrem naturalmente, sem

qualquer manipulação intencional do pesquisador.

A pesquisa de campo foi desenvolvida inicialmente com dezesseis alunos de

duas turmas do 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública da cidade de São

Paulo. Durante um período de tempo, o pesquisador verificou os conhecimentos

anteriores relacionados à trigonometria no triângulo retângulo. Na sequência,

acompanhou a mobilização desses conhecimentos para a construção de conceitos

de razões trigonométricas no triângulo retângulo e como essa construção de

conceitos se deu em relação à tríade professor, aluno e saber. Por último, verificou

como o aluno aplicou o que construiu de conhecimentos na etapa anterior. Para

tanto, elaboraram-se três instrumentos de pesquisa (Apêndice A, B e C), que foram

desenvolvidos em um total de oito encontros (cada encontro, com duração de duas

horas-aula).

As características apontadas anteriormente ajudam a reforçar a escolha pela

abordagem qualitativa, em que se utiliza a técnica de análise documental. A análise

documental será realizada com base em três instrumentos de pesquisa a serem

desenvolvidos pelos alunos elaborados à luz do referencial teórico, apoiando-se em

Phillips (1974), que considera como documentos “quaisquer materiais escritos que

possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano”

(PHILLIPS, 1974, p. 187).

22

Em Appolinário (2009), encontra-se uma definição mais ampla de

documento que vai além do conceito de materiais escritos:

Qualquer suporte que contenha informação registrada, formando uma unidade, que possa servir para consulta, estudo ou prova. Incluem-se, nesse universo, os impressos, os manuscritos, os registros audiovisuais e sonoros, as imagens, entre outros. (APPOLINÁRIO, 2009, p. 67)

Inicialmente foi desenvolvido com os alunos um instrumento do tipo

questionário (Apêndice A), que visa coletar seus conhecimentos prévios em relação

às noções matemáticas a serem utilizadas no estudo das razões trigonométricas no

triângulo retângulo, a fim de verificar quais intervenções serão necessárias para que

esses alunos possam construir conhecimentos de forma a desenvolver autonomia

quanto à utilização das ferramentas matemáticas.

Em um segundo momento, foi trabalhado o instrumento II (Apêndice B),

elaborado à luz da referida fundamentação teórica. Trata-se de uma sequência

didática, composta por situações-problema, referentes ao conteúdo de trigonometria

no triângulo retângulo, em que se fará a análise dos conhecimentos mobilizados ou

disponíveis em decorrência da implementação da proposta didática e que tem por

objetivo fazer evoluir os conhecimentos dos alunos em relação ao estudo dessa

noção matemática.

Posteriormente, foi aplicado o terceiro instrumento (Apêndice C), composto

por quatro problemas referentes à trigonometria no triângulo retângulo. O objetivo

desse instrumento é verificar como o aluno aplica o que construiu com o segundo

instrumento.

Além dos instrumentos de pesquisa, foram utilizadas as anotações escritas

do pesquisador e o material transcrito de gravações de áudio como apoio na análise

documental, fazendo uma análise quanto aos procedimentos e resultados

desenvolvidos pelos alunos.

Por fim, foram dadas sugestões, apontando caminhos e alternativas que

conduzam à superação das dificuldades das relações trigonométricas no triângulo

retângulo.

23

Lüdke e André (2012) consideram que uma análise documental busca

identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses

de interesse. De acordo com as autoras, o uso de documentos na pesquisa

apresenta uma série de vantagens que se consideram importantes neste estudo, tais

como: os documentos podem ser consultados muitas vezes e inclusive servir de

referência a outros estudos; são considerados uma fonte de informação

contextualizada, fornecendo informações sobre esse mesmo contexto; têm baixo

custo; permitem a obtenção de dados quando o acesso ao sujeito é impraticável ou

quando a interação com os sujeitos pode alterar seu comportamento ou seus pontos

de vista.

Além disso, Lüdke e André (2012) atentam que o uso da análise documental

é apropriado quando o acesso aos dados é problemático, quando se pretende

ratificar e validar informações por outras técnicas de coleta, ou quando o interesse

do pesquisador é estudar o problema a partir da própria expressão dos indivíduos. A

última situação faz referência a este trabalho, pois os protocolos serão analisados a

partir dos registros desenvolvidos pelos próprios alunos.

Diante das considerações expostas, destaca-se que a técnica de análise

documental tem um papel essencial na presente investigação, subsidiando-a com

uma variedade de informações a partir da expressão do aluno.

Para Lüdke e André (2012), a tarefa de análise implica organizar todo o

material, dividindo-o em partes, relacionando essas partes e procurando identificar

nele tendências e padrões relevantes, seguida de uma reavaliação dessas

tendências e padrões, buscando-se relações e inferências num nível de abstração

mais elevado.

Com o desenvolvimento dos instrumentos, foi obtido um total de 208

problemas a serem analisados.

Após a organização, a categorização dos dados acontecerá de acordo com

os procedimentos de resolução apresentados nos protocolos pelos alunos, seguida

de uma análise qualitativa, em que se procurou aprofundar, dentro de cada

categoria, a observação quanto às particularidades em relação à resolução dos

problemas que compõe os instrumentos de pesquisa apresentados. Sendo assim,

24

procurou-se compreender com profundidade as especificidades em relação à

construção de conceitos trigonométricos no triângulo retângulo, com uma

interpretação pessoal dos dados pelo pesquisador.

A escolha pelo método de pesquisa de abordagem qualitativa justifica-se

pelo fato de que os procedimentos desenvolvidos neste trabalho encontram

subsídios nos procedimentos de pesquisa qualitativa, ou seja, os dados coletados

por meio dos instrumentos de pesquisa serão organizados de modo a buscar

sintetizar ideias dentro do cenário da pesquisa. Com os dados categorizados,

pretende-se fazer uma análise qualitativa, procurando aprofundar, dentro de cada

categoria, à luz da fundamentação teórica utilizada, a observação sobre as

especificidades presentes nos protocolos, referentes aos problemas desenvolvidos

pelos alunos que compõem os instrumentos de pesquisa.

25

CAPÍTULO 2 - O ENSINO DE TRIGONOMETRIA

Conforme já mencionado, o foco desta pesquisa é, sobretudo, o estudo das

relações entre as medidas dos lados de um triângulo retângulo e tem-se por objetivo

verificar as revelações relativas aos conhecimentos matemáticos que alunos

possuem sobre o conteúdo trigonométrico, como mobilizam esse conhecimento para

resolverem tarefas e como tais conhecimentos podem servir para construção de

novos conhecimentos.

Nesse sentido, foram considerados relevantes os seguintes aspectos: o

estudo das razões dos lados do triângulo retângulo apresenta-se como proposta

inicial desde o 9º ano do Ensino Fundamental e o domínio desse conteúdo facilita a

transição para o estudo do ciclo trigonométrico de caráter mais algébrico, ou seja,

acredita-se que a institucionalização desse conhecimento minimiza as dificuldades

que eventualmente surjam no processo de transição de relações trigonométricas

para função trigonométrica.

Diante do exposto, serão apresentados, neste capítulo, alguns aspectos

curriculares e trabalhos de pesquisas recentes, selecionados por julgar-se que

tratam de situações relevantes dentro do presente foco de estudo, as quais

corroboram para melhor compreensão de tal importância.

2.1 Inserção Curricular do Estudo de Trigonometria

Analisou-se o Currículo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2012), pois

se trata de uma parte relevante deste trabalho, isto é, refere-se a um documento

vigente que dá orientações ao trabalho docente e também norteia a aprendizagem

dos alunos que serão nossos sujeitos de pesquisa.

Esse documento visa propor um currículo para os níveis de Ensino

Fundamental e Médio e, também, garantir a todos uma base comum de

conhecimentos e competências para que as escolas funcionem como uma rede.

Nele, encontramos alguns princípios orientadores, a fim de promover as

competências exigidas no mundo contemporâneo.

26

Nesse sentido, o documento prioriza a competência de leitura e escrita,

definindo a escola como espaço de cultura e de articulação de competências e

conteúdos disciplinares.

Complementando o Currículo, foram elaborados os cadernos do professor,

dirigidos especialmente aos docentes, e os cadernos do aluno, organizados por

disciplina, ano e bimestre. Neles, encontram-se situações de aprendizagem para

orientar o trabalho do professor quanto ao ensino dos conteúdos e à aprendizagem

do aluno, com propostas de abordagens e sugestões de materiais disponíveis como

textos, softwares, sites, vídeos, os quais o docente pode utilizar para o

enriquecimento das aulas.

O texto desse documento traz várias informações que se relacionam direta

ou indiretamente à importância do objeto deste estudo. Dentre elas, afirma que, há

um certo tempo, o foco da educação escolar era o ensino; entretanto, a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (BRASIL, 1996) mudou-o para a

aprendizagem (SÃO PAULO, 2012).

O mesmo texto ressalta, ainda, que a Matemática é apresentada como uma

área específica, distinta das Linguagens e Códigos e das Ciências da Natureza, e,

conforme esse documento, “a ninguém é permitido dispensar o conhecimento de

Matemática sem abdicar de seu bem mais precioso: a consciência nas ações”. (SÃO

PAULO, 2012, p. 29).

Nesse currículo, as disciplinas são fundamentais, mas o foco educacional

deve estar nas competências a serem desenvolvidas pelos alunos, ou seja, as

disciplinas são um meio para a sistematização dos conhecimentos e formação de

alunos cidadãos. De acordo com o Currículo:

[...] os conteúdos da disciplina Matemática são considerados um meio para o desenvolvimento de competências tais como: capacidade de expressão pessoal, de compreensão de fenômenos, de argumentação consistente, de tomada de decisões conscientes e refletidas, de problematização e enraizamento dos conteúdos estudados em diferentes contextos e de imaginação de situações novas. (SÃO PAULO, 2012, p. 35)

O Currículo (SÃO PAULO, 2012) busca a transformação da informação em

conhecimento. Mas, para que a construção do conhecimento aconteça, as

informações precisam estar articuladas, produzindo visões organizadas da

27

realidade. Nesse sentido, algumas ideias fundamentais são apresentadas, como a

ideia de proporcionalidade, de equivalência, de ordem e de aproximação que

nortearão o estudo de grande quantidade de conteúdos escolares.

Decorrente dos pressupostos, os conteúdos disciplinares de Matemática

foram agrupados em três blocos temáticos: Números, Geometria e Relações. De

acordo com o Currículo (SÃO PAULO, 2012):

• Os Números envolvem as noções de contagem, medida e

representação simbólica, sendo constituídos pelas ideias

fundamentais de equivalência e de ordem. Esse bloco visa à

ampliação da ideia do campo numérico por meio de situações

significativas. Espera-se, ao final do Ensino Fundamental, que o aluno

reconheça e opere no campo dos números reais, ampliando novas

relações no Ensino Médio.

• A Geometria refere-se à percepção de formas e de relações entre

elementos de figuras planas e espaciais; à construção e à

representação de formas geométricas e à elaboração de concepções

de espaço. Deve ser tratada ao longo de todos os anos, em

abordagem espiralada, com diferentes escalas de tratamento.

• Quanto às Relações, seu estudo parece favorecer a

interdisciplinaridade, pois suas conexões com os eixos de números e

geometria acontecem quase que naturalmente. No Ensino

Fundamental, a ideia de proporcionalidade pode ser explorada nas

relações entre as grandezas direta e inversamente proporcionais. A

ligação das relações métricas com a geometria dá-se pelos cálculos

de áreas e volumes. No Ensino Médio, a ampliação de ideias no que

se refere a esse bloco acontece de forma significativa, incluindo a

investigação da relação entre grandezas que dependem umas das

outras, o que propicia um estudo mais sistematizado das funções.

Sobre a trigonometria, o Currículo destaca:

28

Também se enquadra nas relações de interdependência todo o estudo da trigonometria, desde as relações métricas no triângulo retângulo até a caracterização das funções trigonométricas, com sua notável potencialidade para representar fenômenos periódicos. As chamadas funções trigonométricas nada mais são do que relações de interdependência que generalizam a ideia de proporcionalidade, fundadora das noções de seno, cosseno e tangente, entre outras. (SÃO PAULO, 2012, p. 44)

Em consonância às ideias da citação anterior, a orientação geral do caderno

1 do professor da 2ª série do Ensino Médio ressalta que:

A ideia de proporcionalidade está presente no estudo das relações métricas entre lados do triângulo retângulo e a noção de semelhança, base para a aplicação das razões trigonométricas seno, cosseno e tangente. (SÃO PAULO, 2013)

A mesma orientação destaca, ainda, que o professor deve avaliar os

conhecimentos que os alunos desenvolveram anteriormente sobre tais conceitos.

Caso as razões trigonométricas não tenham sido apresentadas aos alunos no 9º ano

do Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio, é necessário que esse

trabalho inicial não se limite apenas à retomada de conceitos, exigindo, desse modo,

maior atenção do professor, pois é fundamental que a base conceitual da

proporcionalidade esteja consolidada antes do início do estudo das funções

trigonométricas.

Ao final do Currículo (SÃO PAULO, 2012), também é apresentado um

quadro de conteúdos por ano e por bimestre para os quatro anos finais do Ensino

Fundamental e para os três anos do Ensino Médio. O Quadro 1 foi elaborado com

base nesse Currículo para o conteúdo de trigonometria, pois esse é o foco desta

pesquisa.

29

Quadro 1 - Distribuição do conteúdo de trigonometria

Ano Bimestre Conteúdo

9º ano EFII 3º Bimestre Proporcionalidade na geometria

• Razões trigonométricas

1º ano EM 4º Bimestre Geometria-Trigonometria

• Razões trigonométricas nos triângulos retângulos

2º ano EM 1º Bimestre Trigonometria

• Fenômenos periódicos • Funções trigonométricas • Equações e inequações • Adições de arcos

3º ano EM 3º Bimestre Estudo das funções

• Gráficos: funções trigonométricas, exponenciais, logarítmicas e polinomiais

Fonte: Currículo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2012, p. 57-70)

A leitura dos cadernos evidencia uma proposta de trabalhar conteúdos de

forma contextualizada, buscando fundamentalmente as competências individuais.

Pela grade curricular, percebe-se que a trigonometria aparece a partir do último ano

do Ensino Fundamental. É possível perceber que, durante as fases de

escolarização, a trigonometria é tratada em diferentes etapas e por meio de temas

distintos. No último ano do Ensino Fundamental, trabalha-se a fundamentação da

trigonometria, abordada principalmente por meio da exploração das regularidades

encontradas em triângulos semelhantes. No 1º ano do Ensino Médio, estuda-se a

relação entre a geometria e a trigonometria, isto é, consolidam-se ideias já vistas no

9º ano do Ensino Fundamental, com contextualização em diferentes situações

práticas e a extensão de seu significado para ângulos superiores a 90º.

No 2º ano do Ensino Médio, a proposta é a trigonometria estabelecer uma

conexão entre geometria e funções. As ideias fundamentais que estão por trás

30

desses elementos são, respectivamente, a proporcionalidade e a periodicidade. A

ideia de proporcionalidade deveria ser apresentada aos alunos no 9º ano do Ensino

Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio. Cabe ao professor avaliar se tais

conhecimentos foram sistematizados pelos alunos, devendo retomá-los, se houver

necessidade, já que se trata da base conceitual da trigonometria.

A ideia fundamental, nessa etapa, é a do estudo da periodicidade a partir da

observação de determinados fenômenos naturais e a possibilidade de modelá-los

por equações. Em seguida, tem-se o estudo das funções trigonométricas, o estudo

de gráficos de senos e cossenos e, por fim, o estudo de equações, em que são

propostas atividades contextualizadas como o movimento aparente do Sol e o

comprimento das sombras, do período de claridade ou temperatura de uma

localidade, da periodicidade da pressão sanguínea e do fenômeno das marés.

No 3º ano do Ensino Médio, a ideia de função, que já foi apresentada em

anos anteriores, é retomada. No ano anterior, revelou-se que, nas funções

trigonométricas senx e cosx, enquanto os valores de x podem variar livremente ao

longo de toda a reta real, os valores correspondentes de f(x) repetem-se

periodicamente, compreendidos entre 1 e -1. No 3º ano, as características dessas

funções são exploradas de modo mais sistematizado, ampliando-se as

possibilidades de construção de gráficos e da compreensão das formas de

crescimento ou decrescimento.

Pôde-se observar, assim, que o documento pretende que sejam

estabelecidas conexões entre os conteúdos de trigonometria nas fases de

escolarização dos alunos, porém verifica-se, na prática, que essas conexões não

têm sido uma realidade.

As considerações de trigonometria encontradas no Currículo (SÃO PAULO,

2012) mostram a importância da sistematização da ideia fundamental de

proporcionalidade, sustentando o trabalho com as razões trigonométricas, antes do

estudo da periodicidade e das funções trigonométricas abordadas no 2º ano do

Ensino Médio, justificando, portanto, o presente estudo nessa etapa de

escolarização.

31

2.2 Pesquisas que Discutem o Ensino de Trigonometria

Neste tópico, apresentam-se algumas pesquisas que discutem o ensino de

trigonometria. Para isso, realizou-se um levantamento de 23 dissertações (16 de

mestrado profissional e 7 de mestrado acadêmico), as quais foram publicadas, a

partir de 2006, neste país. Essas pesquisas foram levantadas no banco de

dissertações e teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES).

Optou-se, ainda, por buscar na literatura autores que discutam os processos

de ensino e aprendizagem de trigonometria no triângulo retângulo. Até início de

2013, foi encontrado apenas o livro de Fonseca (2010), publicado pela editora

Universidade Federal de Sergipe, o qual será abordado após a análise das

dissertações.

Para seleção das pesquisas levantadas, foram seguidos os seguintes

critérios:

• Pesquisas que abordam aspectos conceituais de seno, cosseno e

tangente no triângulo retângulo ou que contenham partes

relacionadas a esse assunto.

• Pesquisas que utilizam a informática como uma ferramenta de apoio,

sem ser o objeto de estudo em si.

• Foram descartadas desta seleção as pesquisas que tratam das

funções trigonométricas; trabalhos que visam puramente à pesquisa

informática; ou de abordagem totalmente histórica ou filosófica.

Considerou-se que esses estudos não são adequados ao foco desta

pesquisa.

Com relação aos critérios estabelecidos anteriormente, foram filtradas 8

pesquisas das 23 levantadas a princípio. Esse número chamou a atenção, pois, em

um período de sete anos, parece ainda pequeno o número de pesquisas de

mestrados acerca dessa temática. Com base nesses dados iniciais, tem-se como

hipótese que poucas pesquisas têm sido desenvolvidas visando atender a fase de

escolarização do Ensino Médio.

32

Para a análise das pesquisas selecionadas, foram adotadas as seguintes

categorias:

• Contribuições para os processos de ensino e aprendizagem das

noções propostas;

• Fundamentação teórica utilizada;

• Metodologia adotada;

• Desenvolvimento da pesquisa de campo.

Dentre os trabalhos pesquisados, o de Oliveira (2006) parece bem

direcionado e traz contribuições relevantes. Com enfoque no construtivismo e

fundamentado na metodologia de Engenharia Didática (ARTIGUE, 1996; PAIS,

2001), analisa as dificuldades de ensino de trigonometria apresentadas pelos

professores de Ensino Médio por meio de atividades. A pesquisa de campo se deu

em uma escola de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Sua pesquisa destaca-se,

por exemplo, quando comenta os trabalhos de outros estudiosos. Nessa seção, o

autor aponta as dificuldades de domínio de conceitos trigonométricos apresentadas,

também, por professores em um curso de formação, algumas relacionadas a lado e

ângulos do triângulo retângulo e até relacionadas à medição pelo uso de

instrumentos.

Oliveira (2006) argumenta que, dentro da sala de aula, a abordagem

construtivista é um pouco “barulhenta”, isto é, os alunos buscam inquietamente

solucionar problemas e fazer descobertas, mas defende que a verdadeira

matemática é aprendida. Dentre as dificuldades exibidas pelos alunos, o autor

descreve as de caráter atitudinal, comportamental e de habilidade; destaca, ainda, o

obstáculo didático observado durante a aplicação da primeira atividade “medindo

sombras”, provavelmente devido à incompreensão do conceito de proporcionalidade

que deveria ter sido aprendido nos anos anteriores.

Segundo o autor, apesar de seu trabalho não ter como objeto de discussão

as vantagens do uso de atividades, suas ações estavam no caminho certo, pois,

comparada a outra turma cujas aulas foram somente expositivas, alguns alunos

mostraram rendimento e motivação maiores. Ao final, o pesquisador deixa algumas

33

recomendações organizacionais no âmbito da escola, resultantes das dificuldades

que parecem ter surgido durante o desenvolvimento das atividades.

A pesquisa de Huanca (2006) teve como objetivo verificar a Metodologia de

Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática por meio da Resolução de

Problemas, apresentando um caminho alternativo para a construção de conceitos e

conteúdos trigonométricos pelos alunos do Ensino Médio.

Os temas trabalhados foram conceitos básicos e trigonometria no triângulo

retângulo, a circunferência e arcos trigonométricos, funções trigonométricas e

resolução de triângulos. A pesquisa ocorreu em 2005, numa escola pública com 37

alunos de Ensino Médio, na cidade de Rio Claro/SP. Huanca (2006) adotou em seu

trabalho a orientação metodológica de Romberg (1992) e, para a coleta de dados,

recorreu a várias técnicas da pesquisa qualitativa, tais como: observações diretas,

diário de campo do pesquisador, material escrito de trabalhos de alunos, entrevistas

semiestruturadas e conversas informais.

O pesquisador constatou que houve um aumento tanto da motivação dos

alunos em aprender quanto da professora em ensinar. Esse trabalho mostra-se

interessante, visto que a pesquisa trabalha o ensino e a aprendizagem de

Matemática por meio de resolução de problemas, mas também oferece uma ideia da

Educação Matemática vista de acordo com o National Council of Theachers of

Mathematics – NCTM, dos Estados Unidos.

O trabalho de Barbosa (2009) também contribui dentro de uma perspectiva

construtivista, mas fundamentado na teoria de Simon (1995). Toma como base a

noção de Trajetórias Hipotéticas de Aprendizagem – THA. Foi desenvolvida com

alunos do 2º ano do Ensino Médio da rede pública do Estado de São Paulo.

Focando as razões e as funções trigonométricas, sua pesquisa tem por

objetivo analisar a possibilidade de conciliar perspectivas de aprendizagem junto ao

plano de ensino, bem como verificar o comportamento do professor diante de uma

proposta construtivista. Como metodologia, optou-se pela pesquisa qualitativa com

dados coletados com base nas observações em sala de aula por meio de relatórios.

O autor afirma que é possível conciliar a perspectiva de aprendizagem e a

34

planificação de ensino1, mas destaca que, para ocorrer aprendizagem nesse

modelo, a participação do professor da disciplina é importante. Por fim, conclui que a

THA não basta por si; no modelo construtivista, tem que haver interação entre os

envolvidos, professores e alunos, para que haja uma aprendizagem com significado.

A pesquisa de Klein (2009) tem por objetivo propor uma metodologia de

ensino que possibilite contribuir para construção dos conceitos envolvidos em

trigonometria com significado. Seu referencial teórico é apoiado na Teoria da

Aprendizagem Significativa de Ausubel (1980) e na Teoria dos Campos Conceituais

de Vergnaud (1993), as quais a autora considera complementares entre si.

Segundo a autora, a teoria de Ausubel (1980) considera importante a

questão dos conhecimentos prévios dos alunos para sua aprendizagem, sendo que

o professor deve subsidiá-los com materiais potencialmente significativos; enquanto,

para Vergnaud (1993), o que dá sentido aos conceitos é a situação e, por meio dela,

o aluno pode explicitar seus conhecimentos-em-ação e transformá-los em

conhecimentos científicos.

O trabalho foi realizado com uma turma do 2º ano do Ensino Médio, de 28

alunos, em uma escola particular de Novo Hamburgo/RS, em que a pesquisadora

era professora. Assim, as atividades para levantar os conhecimentos prévios foram

desenvolvidas por meio de um questionário, servindo de base para a elaboração da

proposta de situações.

A proposta é composta de sete situações de aprendizagem, iniciando-se

com a definição de razões trigonométricas até chegar à última visualização gráfica

das mudanças causadas na imagem da função seno e cosseno, utilizando o

software Graphmática. Na última parte, as habilidades e competências alcançadas

foram verificadas por meio de avaliações formais. Optou-se pela metodologia

qualitativa, utilizando-se diferentes instrumentos de coleta de dados como o registro

oral e escrito dos conhecimentos prévios, o registro das observações em sala de

aula, o registro escrito de várias situações-problema e avaliações formais.

1 Construção do planejamento, desenvolvimento das atividades e avaliação dos objetivos.

(BARBOSA, 2009)

35

Relatou que um fator limitante é o tempo, pois algumas das atividades

programadas necessitaram de tempo maior. Pelos resultados obtidos, ressaltou que

é possível compatibilizar perspectiva de aprendizagem e planificação de ensino. Ao

final, a pesquisadora concluiu que, para haver uma aprendizagem significativa

construtivista, é necessária uma interação ativa entre os envolvidos, alunos e

professores, e não apenas uma boa sequência de ensino.

A pesquisa de Trindade (2009) objetivou verificar se uma proposta de

material didático tratando do teorema de Pitágoras e das relações trigonométricas do

triângulo retângulo é significativa para satisfazer às necessidades de aprendizagem

da matriz de referência para o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM (BRASIL,

2002). A proposta foi realizada em uma escola particular de Soledade/RS, com 14

alunos de segundo ano de Ensino Médio e utilizados como aportes teóricos a Teoria

Significativa de Ausubel (2000) e também as propostas dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (BRASIL, 1999) e a Matriz de Referência para o Exame Nacional do

Ensino Médio (BRASIL, 2002).

O material da pesquisa é composto por um pré-teste, registros escritos

produzidos pelos alunos e pelo professor durante as aulas e um pós-teste. Em suas

considerações, o autor destaca que a apropriação da teoria de Ausubel (2000) foi

importante, pois subsidiou sua prática pedagógica, produzindo reflexos a cada novo

conteúdo. Com a análise do material, percebeu-se que houve progresso em relação

ao estado inicial em que os alunos se encontravam. Foi possível perceber a

transformação dos alunos, passando a ver a Matemática com outros olhos.

Já o pós-teste evidenciou uma melhora na organização do pensamento na

resolução das questões, com respostas mais coerentes, que levaram os alunos a

aumentarem o número de acertos. Apesar do trabalho também ter como foco o

teorema de Pitágoras e a elaboração de material pedagógico significativo com base

no ENEM (BRASIL, 2002), ainda assim, poderá auxiliar esta pesquisa, ao fornecer

evidências de como se dá a construção do conhecimento de trigonometria pelos

alunos, pois se trata de estudar um conhecimento prévio necessário à formação de

tal conceito.

36

Oliveira (2010), em sua pesquisa, teve por objetivo investigar uma

abordagem de ensino da trigonometria desde o triângulo retângulo até o Ciclo

Trigonométrico. Para atingir os objetivos, foram elaboradas quatro atividades com

dinâmicas diversas (experimentos concretos, História da Matemática e material

manipulativo), que exploram a trigonometria e uma sequência com seis aplicativos,

utilizando o software de geometria dinâmica Geogebra, que aborda o ciclo e as

funções trigonométricas.

As atividades e a sequência de aplicativos foram aplicadas em turmas do

Ensino Médio de duas escolas particulares dos municípios de Mogi Guaçu e Mogi

Mirim, nas quais a professora era docente. Como fundamentação teórica, a autora

parte dos pressupostos descritos nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

Médio – PCNEM (BRASIL, 2003) e se apoia no pensamento de Shulman (1986).

De todo o trabalho, a parte que se refere a esta pesquisa é a primeira

atividade experimental sobre as regularidades dos triângulos retângulos

semelhantes e a construção das razões e tábuas trigonométricas, manipulando

triângulos, transferidor, régua e calculadora; e a segunda, em que se procura

determinar distâncias inacessíveis com auxílio de um inclinômetro. No entanto, todo

o trabalho é enriquecedor, pois procura oferecer um conjunto de atividades com

dinâmicas diferenciadas a partir de outros conhecimentos, visando superar a

dificuldade na relação ensino-aprendizagem de trigonometria, percebida pela autora

docente. Ao final, a pesquisadora concluiu que, com base em seus referenciais

teóricos, foi possível alcançar satisfação por meio de uma atividade que motivasse

mais os alunos ao estudo da Matemática.

Santos (2011) investigou o uso de materiais manipuláveis como ferramenta

para exploração de conteúdos matemáticos na resolução de problemas

trigonométricos. Por meio de maquetes, verificou que alunos podem despertar as

habilidades de questionar, elaborar hipóteses e resolver com autonomia problemas

de trigonometria. O grupo era composto por 25 alunos de reforço do 2º ano do

Ensino Médio de uma escola estadual de Uruguaiana/RS. O pesquisador adotou

uma abordagem qualitativa utilizando questionários e observações. Dentre as quatro

atividades propostas, as três primeiras envolviam problemas de triângulos

retângulos e a última tratava da determinação do valor de pi.

37

Como metodologia, adaptou a resolução de problemas com base nas ideias

de Polya (1977, 1997), Onuchic (1999) e Allevato e Onuchic (2006). Santos (2011)

concluiu que os materiais manipuláveis permitem explorar conteúdos matemáticos,

de uma maneira que motiva os alunos e ainda permite que esses estudantes

desenvolvam soluções autônomas dos problemas, com a mediação do professor e a

discussão com seus pares.

Silva (2011) investigou as contribuições de uma abordagem envolvendo

modelagem e diferentes tecnologias no ensino de trigonometria. Buscou utilizar

atividades de modelagem, associando modelos matemáticos trigonométricos no

triângulo retângulo e no círculo trigonométrico a situações práticas, utilizando

tecnologias variadas.

A pesquisadora adotou como metodologia a Engenharia Didática,

compreendendo as etapas de análises prévias, concepção e análise a priori,

implementação, análise a posteriori e validação de sequência didática de 23

atividades, que foi proposta com o objetivo de motivar os alunos, a descobrirem

propriedades trigonométricas. O estudo ocorreu em uma escola pública do estado

de Minas Gerais, envolvendo 70 alunos de duas turmas da 2ª ano do Ensino Médio.

Com base nos resultados, a proposta contribuiu para que os alunos

atribuíssem significado aos conteúdos trigonométricos, incentivando seu

envolvimento e empenho na aprendizagem desse assunto. Essa pesquisa é

interessante, porque mostra o tema do triângulo retângulo sendo utilizado como

modelo matemático para abordar situações reais, por meio de uma sequência

didática, ou seja, o uso da modelagem é colocado em ação para descobrir suas

propriedades, fato não visto em outras pesquisas.

O livro de Fonseca (2010) resulta de sua dissertação de Mestrado em

Educação pela Universidade Federal de Sergipe, realizada com alunos da 1º ano do

Ensino Médio, no ano de 2001, na antiga Escola Técnica Federal de Sergipe. O

universo de pesquisa foi composto de 18 alunos e 8 alunas, com faixa etária entre

15 e 27 anos. O autor partiu da hipótese de que a não ocorrência de conexões “bem

feitas” entre as várias partes do conteúdo pesquisado, geraria o que chamou de

“desconexão de aprendizagem”. Para tanto, Fonseca (2010) apoiou seu trabalho na

38

história da trigonometria e na aprendizagem em trigonometria como elementos

norteadores, buscando caminhos para superar as dificuldades que o aluno tem

nessa aprendizagem, considerando o fato de a aprendizagem em trigonometria

encontrar-se desconectada em currículos do Ensino Fundamental e Médio, da

História da Matemática e até do mundo cotidiano. Fonseca (2010) estruturou seu

livro em três capítulos. A seguir, foram destacadas as ideias mais importantes de

cada um deles.

No capítulo 1, Fonseca (2010) faz recortes do desenvolvimento da

trigonometria ao longo da História das Civilizações. O autor apoia-se, sobretudo, nas

obras de Boyer (1974), Kennedy (1992), Struik (1989) e procura compreender a

exploração da trigonometria, seu desenvolvimento, os fatos que a promoveram e os

estudiosos envolvidos; além do momento em que houve a ruptura da geometria,

ocorrendo a sistematização de seu estudo. Para o autor, talvez em função da

sistematização do conhecimento matemático grego inspirado em Euclides, a

trigonometria tenha perdido, em parte, as conexões entre teoria e prática.

No capítulo 2, o autor faz reflexões sobre a aprendizagem da trigonometria,

discutindo sobre os problemas de ensino-aprendizagem da trigonometria, o currículo

de Matemática, o livro didático e a distribuição do espaço físico nas aulas de

Matemática.

Sobre os problemas de ensino-aprendizagem da trigonometria, Fonseca

(2010) acredita que os docentes poderiam usar o conhecimento como meio para

ensinamentos socioculturais. Pensa que o vestibular tem servido para treinar

conteúdos. Comenta que boa parte do ensino trigonométrico é apresentada de

forma congelada, morta, privilegiando apenas a exposição de conteúdos

trigonométricos cristalizados. Em seu ponto de vista, não se pode falar em ensino-

aprendizagem da trigonometria desconsiderando a história e os experimentos, sem

incentivar a criatividade a partir de jogos, sem fazer relações com o cotidiano, sem

manipular instrumentos para medir ângulos, sem incentivar os alunos à resolução de

situações-problema ou levá-los a visualizarem os movimentos ondulatórios das

funções seno e cosseno.

39

No entanto, Fonseca (2010) argumenta que o processo de aprendizagem

não pode ser estruturado focalizando apenas a metodologia, pois outros fatores

podem implicar em sua aprendizagem. A história da trigonometria é, portanto,

imprescindível para poder compreender os avanços tecnológicos e poder acessá-los

quando disponíveis. Propõe, ainda, um enfoque ligado a situações mais imediatas,

pois o que interessa ao aprendiz em geral é aquilo que tem apelo às suas

percepções materiais e intelectuais mais imediatas. O autor também mostra que a

individualização da instrução também deveria ser considerada e cita como sugestão

o docente preparar uma justificativa para cada um dos tópicos do programa, mas

justificativas contextualizadas no mundo do presente e do futuro.

Acerca do currículo, Fonseca (2010) acredita que o ensino de trigonometria

consta apenas como parte do currículo de Matemática, principalmente para dar

suporte às disciplinas como Física e Química, e também como item para seleção de

futuros universitários, ou seja, o ensino está “abandonado”. A reorganização desse

currículo seria uma das alternativas encontradas pelos pesquisadores da área. Outro

ponto destacado é a avaliação que, em sua visão, deveria ser ampla, composta

pelos depoimentos dos alunos, seus registros, sua produção literária, seus modos

de representação e outras formas de expressão.

A respeito do livro didático, publicado por editoras de maior circulação em

Sergipe, no período de 1988 a 1992, conclui que, na maior parte dos livros, a

trigonometria é apresentada de forma “desarticulada” de qualquer aspecto “prático”.

Refletindo sobre a distribuição do espaço físico nas aulas de Matemática,

propõe seis layouts de sala de aula que acredita serem planejados para possibilitar

uma participação efetiva de todos os membros da turma.

No capítulo 3, Fonseca (2010) apresenta o que considera uma proposta

metodológica na perspectiva da Educação Matemática composta por um conjunto de

10 experimentos, com o objetivo de mostrar aos alunos o desenvolvimento histórico

da trigonometria, a partir de dúvidas ou problemas do cotidiano. O autor elaborou

uma prova, denominada de pré-teste, a fim de analisar a quantidade de erros de

aprendizagem e os conhecimentos prévios que os alunos traziam, desde o 9º ano,

sobre os conceitos importantes para a compreensão da trigonometria, razões

40

trigonométricas, relações e identidades fundamentais. O conjunto das 10 atividades

funcionaria como indicador de alguma desconexão de aprendizagem trigonométrica,

sendo essas atividades desenvolvidas a partir da história da trigonometria até o uso

de software. Para desenvolvimento das atividades, o autor optou por trabalhar com

grupos, formados por 5 alunos e distribuídos em 7 grupos de cores, acreditando

numa produção maior. Ao final, foi aplicado o pós-teste (similar ao pré-teste), a fim

de verificar o nível de assimilação e acomodação dos conceitos de trigonometria

estudados pelos alunos.

Fonseca (2010) afirmou que, apesar do cansaço físico e mental apresentado

pelos alunos no último dia de aula e de alguns dos conceitos não terem sido

assimilados por uma parte dos alunos, minimizaram-se as “desconexões de

aprendizagem” quando foi possível perceber os alunos “desejando aprender”.

Ressaltou, também, que nenhum dos 26 alunos obteve média inferior a 6 no

conjunto de atividades. Concluiu que as principais causas das possíveis

“desconexões” foram o modelo sistemático dado à trigonometria, práticas de aulas

idênticas às de anos anteriores para alunos “diferentes”, um ensino de trigonometria

pautado em conjecturas e abstrações num ritmo acelerado, um currículo sem

priorização do conhecimento trigonométrico, livros que não atendem ao

desenvolvimento da trigonometria e instituições de ensino sem estrutura adequada

para que a aprendizagem seja atingida.

2.3 Sintetizando o Panorama das Pesquisas

Para ter-se um panorama geral da produção de pesquisas que foram

filtradas no que se refere à trigonometria no triângulo retângulo, é apresentado, a

seguir, um gráfico que sintetiza a quantidade porcentual de dissertações produzidas

por regiões do Brasil. Nesta pesquisa, constatou-se que, das 8 dissertações de

mestrado, uma foi realizada no estado do Rio Grande do Norte, três no Rio Grande

do Sul, três em São Paulo e uma em Minas Gerais.

Figura

Analisando os trabalhos

metodologias e resultados

Oliveira (2006) e Trindade (2009)

trigonométricas no triângulo retângulo

pesquisa à produção de material especifico

maior parte das pesquisa

busca investigar alunos com dific

atividades apoiadas em maquetes

Oliveira (2010) e

círculo trigonométrico, e

atividades diferenciadas

e software Geogegra), usando

calculadora) e inclinômetro

entretanto, buscou focar

Por fim, Huanca (2006), Barbosa (2009),

chegando ao estudo das funções trigonométricas. Huanca verific

Resolução de Problemas

Barbosa (2009) fez uso de Trajetórias Hipotéticas de Apr

estudo enquanto Klein

situações propostas por Klein

qual aborda as razões trigonométricas que utiliza

com E.V.A, e a segunda,

0,0%

Norte

Figura 1 – Pesquisas por regiões do Brasil

Fonte: Elaborado pelo pesquisador

Analisando os trabalhos pesquisados em relação a conteúdos,

metodologias e resultados, percebe-se que, em relação a conteúdos e estratégias

Trindade (2009) concentram seus estudos somente

triângulo retângulo; entretanto Trindade (2009)

pesquisa à produção de material especifico. Santos (2011) também

pesquisas nas relações trigonométricas no triângulo retângulo

busca investigar alunos com dificuldades em Matemática, propondo todas as

maquetes.

e Silva (2011) abordaram desde o triângulo retângulo até o

, enquanto Oliveira (2010) fez uso, em sua investigação

(experimento, História da Matemática, material manipulativo

usando material manipulativo (triângulo, transfer

inclinômetro no estudo das razões trigonométricas

sua investigação na modelagem.

Huanca (2006), Barbosa (2009), Klein (2009) foram

chegando ao estudo das funções trigonométricas. Huanca verific

Resolução de Problemas, é possível a construção de conceitos trigonom

fez uso de Trajetórias Hipotéticas de Aprendizagem

Klein (2009) utilizou 7 situações de aprendizagem

propostas por Klein, interessa mais a esta pesquisa a primeira

es trigonométricas que utiliza trinta triângulos retângulos feitos

, na qual utiliza-se o astrolábio em uma atividade prática.

12,5%

0,0%

50,0%

37,5%

Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul

41

Pesquisas por regiões do Brasil

em relação a conteúdos, estratégias,

m relação a conteúdos e estratégias,

somente nas razões

(2009) direciona sua

também centraliza a

o triângulo retângulo, mas

, propondo todas as

abordaram desde o triângulo retângulo até o

em sua investigação, de

, material manipulativo

material manipulativo (triângulo, transferidor, régua e

estudo das razões trigonométricas; Silva (2011),

foram mais adiante,

chegando ao estudo das funções trigonométricas. Huanca verificou se, por meio da

ão de conceitos trigonométricos.

endizagem (THA) em seu

7 situações de aprendizagem. Dessas

a primeira situação, a

trinta triângulos retângulos feitos

se o astrolábio em uma atividade prática.

37,5%

Sul

42

No quadro a seguir, apresentam-se as pesquisas levantadas, indicando as

principais referências utilizadas.

Quadro 2 – Pesquisas selecionadas de trigonometria

Autor Referência utilizada Estratégias de ensino Pesquisa com

Oliveira (2006) Engenharia didática – Artigue (1996); Pais (2001)

Sequência didática Professores

Huanca (2006) Metodologia de Romberg (1992)

Resolução de problemas Alunos

Barbosa (2009) Teoria de Simon (1995) Uso de THA Alunos

Klein (2009) Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel (1880) / Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud (1993)

Situações de aprendizagem

Alunos

Trindade (2009) Teoria Significativa de Ausubel (2000), PCN (BRASIL,1999), ENEM (BRASIL, 2002)

Pré e pós-testes, situações-problema

Alunos

Oliveira (2010) Pensamento de Shulman (1986), PCNEM (BRASIL, 2003)

Conjunto de atividades (experimentos concretos, História da Matemática, material manipulativo) e sequência de aplicativos

Alunos

Santos (2011) Resolução de problemas - Polya (1977), Onuchic (1999), Allevato e Onuchic (2006)

Resolução de problemas por meio de maquetes

Alunos

Silva (2011) Engenharia didática - Artigue (1988, 1996)

Sequência didática Alunos

Fonseca (2010) (livro)

História da Matemática - Boyer (1974), Kennedy (1992), Struik (1989)

Conjunto de Experimentos (atividades), pré e pós-testes

Alunos

Fonte: Dados da pesquisa

43

Sendo assim, a análise das dissertações pesquisadas evidencia que

somente o trabalho de Oliveira (2006) concentra toda a pesquisa nas razões

trigonométricas no triângulo retângulo e que outros trabalhos perpassam pelo tema,

no entanto buscam investigar metodologias diferenciadas para a relação ensino-

aprendizagem da trigonometria, valorizando a participação ativa do aluno no

processo de aprendizagem e o trabalho coletivo. Percebe-se que as estratégias

escolhidas pelos pesquisadores foram estas: sequência de atividades, resolução de

problemas, THA, situações-problema, experimentos, materiais manipulativos

(transferidor, régua, material de E.V.A., maquetes), instrumentos (inclinômetro /

astrolábio), modelagem e, como apoios, História da Matemática e software

(Graphmática, Geogegra).

Nas pesquisas analisadas, tivemos a utilização da Engenharia Didática (dois

casos), a metodologia de Romberg, a teoria de Simon, a teoria da Aprendizagem

Significativa de Ausubel (dois casos), a teoria dos Campos Conceituais de

Vergnaud, o pensamento de Shulman e propostas de Resoluções de Problemas.

Com isso, é possível perceber que houve somente três trabalhos dentro da

abordagem da Didática da Matemática Francesa e que apenas um recorreu à teoria

dos Campos Conceituais de Vergnaud.

Pela leitura das dissertações, podem-se notar evidências de que um número

pequeno de trabalhos apresenta (ou aborda) problemas de ordem organizacional ou

dificuldades de aprendizagem pelos alunos. Alguns pesquisadores destacam a

importância da interação entre alunos e professores no processo de ensino-

aprendizagem; em seus trabalhos, deixam transparecer, em suas considerações

finais, que, em geral, o nível de aprendizado dos alunos cresceu, aumentando a

motivação e o rendimento de forma autônoma e coletiva.

Reafirma-se que a análise dos trabalhos sobre trigonometria permite inferir

algumas conclusões que se consideraram significativas para esta pesquisa. Após a

discussão, percebeu-se que, das 8 pesquisas, apenas Oliveira (2006) tratou

exclusivamente da trigonometria no triângulo retângulo, recorrendo como ferramenta

metodológica ao estudo da Engenharia Didática (ARTIQUE, 1996; PAIS, 2001).

Nesse aspecto, as outras pesquisas perpassaram pelo tema, mas a maioria focou

seus estudos em metodologias diferenciadas.

44

O livro de Fonseca (2010) também contempla o triângulo retângulo e as

relações trigonométricas, tendo como norte a história da trigonometria e a

Aprendizagem em trigonometria. Contribui essencialmente com as “desconexões de

aprendizagem”, tentando superar suas causas por meio de recursos inseridos nas

linhas de pesquisa da Educação Matemática (História, Laboratório, Informática,

Vídeos, Jogos, Resolução de Problemas, Etnomatemática e Modelagem).

Baseado nas considerações anteriores, percebeu-se que o tema deste

estudo ainda precisa ser mais explorado. Diante desse cenário, considera-se o

presente estudo importante, pois pode contribuir para ampliar os conhecimentos de

razões trigonométricas nos triângulos retângulos, considerando a relação professor,

aluno e saber, e também como se dá a aquisição desse conhecimento

trigonométrico, à luz da teoria dos Campos Conceituais.

45

CAPÍTULO 3 - QUADRO TEÓRICO

Neste capítulo, apresentam-se as teorias que norteiam este trabalho de

pesquisa: a teoria dos Campos Conceituais, de Gerard Vergnaud, e a Teoria das

Situações Didáticas, de Guy Brousseau. A finalidade principal deste capítulo é

descrever alguns elementos fundamentais de cada referencial teórico da didática

francesa e abrir uma reflexão sobre como cada teoria pode auxiliar na busca de

solução para a problemática desta pesquisa. Serão estudadas as noções de

Situações Didáticas e Contrato Didático, que estruturam a teoria de Brousseau e a

formação de conceitos que compõe a teoria de Vergnaud, elementos fundamentais

na condução desta pesquisa.

3.1 A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud

Um dos quadros teóricos em que se apoia a presente investigação é a teoria

de Vergnaud (1996, 1998, 2012) sobre os Campos Conceituais. A escolha dessa

vertente teórica para fundamentar a elaboração desta pesquisa se deu porque, para

Vergnaud (2012), parte de nosso conhecimento é resultante de habilidades e a

utilização da linguagem é especialmente importante para realizar a simbolização e a

conceitualização. Outro ponto que se destaca na Teoria dos Campos Conceituais é

que, para Vergnaud (2012), o desenvolvimento do conhecimento de Matemática não

pode se reduzir ao desenvolvimento das operações lógicas. Pretende-se, com essa

teoria, entender como alunos constroem conceitos e como fazem as conexões entre

conhecimentos novos e antigos.

Segundo Vergnaud (1996), a principal finalidade da Teoria dos Campos

Conceituais é fornecer um quadro que permita a compreensão das filiações e

rupturas entre conhecimentos novos e antigos, nas crianças e nos adolescentes,

entendendo por “conhecimento” tanto o saber fazer, quanto os saberes expressos.

Com base na consideração anterior e pensando no campo desta pesquisa,

imagina-se que, na aprendizagem de trigonometria, alunos tenham dificuldades em

relacionar os conhecimentos já aprendidos aos novos e, por consequência, não

conseguem desenvolver autonomia no momento de realizar tarefas distintas

46

daquelas aprendidas na sala de aula, sob o auxílio do professor. Acredita-se que as

filiações e rupturas são processos inerentes à atividade matemática.

O autor considera que essa teoria não é específica da Matemática, mas foi

inicialmente elaborada com o intuito de desvendar o processo de conceitualização

progressiva das estruturas aditivas e multiplicativas, além das relações número-

espaço, pertencentes à álgebra.

Em sua teoria, Vergnaud (1996) refere-se a campos conceituais porque,

para ele, um conceito depende de várias situações e uma situação depende de um

conjunto de conceitos, pois uma situação não se forma a partir de um único

conceito.

Na referência anterior a campos conceituais, Vergnaud (1996) utiliza os

termos conceito e situação.

Segundo Vergnaud (1996), um conceito é a reunião de três conjuntos:

• conjunto das situações que dão sentido ao conceito;

• conjunto de invariantes operatórios (objetos, propriedades e relações)

de que o indivíduo fará uso para compreender as situações (o

significado);

• conjunto das representações simbólicas (linguagem natural, símbolos,

gráficos, diagramas) que o indivíduo utilizará para representar o

conceito, as suas propriedades e as situações (o significante).

Para estudar o desenvolvimento e o funcionamento de um conceito, é

necessário considerar simultaneamente os três conjuntos.

O conceito de situação, conforme Vergnaud (1996), está associado ao

sentido de tarefa, isto é, uma situação complexa pode ser analisada como uma

combinação de tarefas, sendo importante conhecer a sua natureza e as dificuldades

próprias. O desempenho em cada subtarefa é importante para o desempenho final,

ou seja, o fracasso em uma subtarefa implica o fracasso global, mas a dificuldade de

uma tarefa não é constituída pela soma ou multiplicação das dificuldades de cada

subtarefa. Portanto, são as situações que dão sentido aos conceitos.

47

De acordo com Vergnaud (1996), o sentido é uma relação do sujeito com as

situações e os significantes, ou seja, são os esquemas evocados. Como exemplo, o

autor cita que o sentido da adição para um sujeito é o conjunto dos esquemas de

que ele pode se utilizar diante das situações a serem confrontadas e implicam a

ideia de adição, assim como o conjunto de esquemas que ele pode pôr em prática

para operar sobre os símbolos numéricos, algébricos, gráficos e de linguagem, que

representam a adição.

Tem-se por hipótese que o estudo de trigonometria, como tantos outros

conteúdos matemáticos, relaciona-se à construção de conceitos que dependem de

várias situações. No presente caso, as noções de triângulo retângulo são

apresentadas em uma situação ao aluno, mas há a necessidade de gerar um

conjunto de conceitos que, futuramente, os alunos devem ter disponíveis para fazer

conexões entre conhecimentos aprendidos e novos conhecimentos. Além disso,

devem utilizá-los em outras disciplinas como, por exemplo, a Física ou ainda fazer

relações com situações de seu próprio cotidiano.

Para Vergnaud (2009), pode-se aprender e se desenvolver em qualquer

idade, pois um indivíduo é capaz de adaptar-se às situações por meio de uma

evolução da organização de sua atividade. Sobre a atividade em situação, realizada

pelo indivíduo, Vergnaud defende que:

[...] a análise da atividade em situação é um meio essencial para compreender os processos de aprendizagem, por mais delicada e difícil que ela seja. Ela passa notadamente pela análise dos erros, das hesitações e dos desfuncionamentos, assim como pela identificação das diferentes etapas pelas quais se constrói uma forma nova de organização da atividade. (VERGNAUD, 2009, p. 14)

Com base na referida citação e aproximando-a do contexto desta pesquisa,

pode-se compreender que, quando se analisa a atividade em situação, ou seja, os

procedimentos, as ações e as representações realizadas pelo aluno, consegue-se

verificar em que etapa se dá sua aprendizagem, e deve-se observar e analisar os

erros, os acertos e também as dificuldades demonstradas. Vergnaud (2009) defende

que o aluno organiza sua atividade por meio de esquemas e um esquema está

sempre associado a uma situação.

Referindo-se ao esquema, Pais (2005) destaca que:

48

“[...] é uma forma estruturada e invariante de organizar as atividades relacionadas à aprendizagem de conceitos, diante de uma classe de situações vivenciadas pelo aluno. O reconhecimento dos invariantes é uma passagem crucial para que a formação do conceito evolua.” (PAIS, 2005, p. 55)

Franchi (1999) ressalta que é importante observar que o caráter da

invariância não se refere aos elementos formais ou até mesmo às ações do sujeito,

mas sim, à forma como as ações são organizadas diante da classe de situações,

visando a uma estratégia de aprendizagem do conceito.

Vergnaud (2012) afirma que é nos esquemas que se devem procurar os

elementos cognitivos os quais permitem a ação do sujeito ser operatória, ou seja,

cada esquema tem a ver com uma variedade de situações. O desenvolvimento

cognitivo do sujeito está relacionado à quantidade e à diversidade de esquemas que

o mesmo possui. Isso só é possível, porque o esquema comporta:

• invariantes operatórios (teoremas-em-ação e conceitos-em-ação) que

pilotam o reconhecimento pelo sujeito dos elementos pertinentes à

situação e à recolha de informação sobre a situação a tratar;

• antecipações do objetivo a atingir, dos efeitos a considerar e das

eventuais etapas intermediárias;

• regras de ação do tipo “se...então...”, que permitem gerar a

sequência de ação do sujeito;

• Inferências (ou raciocínios), que permitem calcular as regras e as

antecipações a partir das informações e do sistema de invariantes

operatórios de que o sujeito dispõe.

Vergnaud (1996) considera, também, que um conceito não pode ser

reduzido à sua definição, pois é por meio das situações e dos problemas a resolver

que um conceito ganha sentido diante dos alunos, ou seja, o conceito está

fortemente ligado à resolução de problemas. Esse processo de elaboração

pragmática é essencial, caso se queira avaliar a medida da função adaptativa do

conhecimento.

Pode-se distinguir duas classes de situações, conforme Vergnaud (1996):

49

• classes de situações para as quais o sujeito dispõe das competências

necessárias ao tratamento de determinada situação;

• classes de situações para as quais o sujeito não dispõe de todas as

competências, o que o levará a um tempo de reflexão e de

exploração, a hesitações, conduzindo-o ao sucesso ou ao fracasso.

O conceito de esquema é interessante para as duas classes, mas não

funciona da mesma forma. No primeiro caso, tem-se condutas automatizadas,

organizadas em um único esquema; no segundo caso, são observados diversos

esquemas sendo utilizados e os mesmos devem ser acomodados, descombinados e

recombinados para que possam, até mesmo, competir entre eles.

De acordo com Vergnaud (1996), as competências matemáticas também

são sustentadas por esquemas organizadores da conduta. Todas as condutas

contêm uma parte automatizada e uma parte de decisão consciente. Como exemplo,

o autor cita que os algoritmos são formas de esquemas. Nesse sentido, Vergnaud

destaca que “como Piaget, podemos dizer que os esquemas se encontram no centro

do processo de adaptação das estruturas cognitivas: assimilação e acomodação”

(VERGNAUD, 1996).

Ainda segundo Vergnaud (1996), o funcionamento cognitivo de um sujeito ou

de um grupo de sujeitos em situação apoia-se em um conjunto de esquemas

disponíveis, formados anteriormente por cada um dos sujeitos. O esquema é,

portanto, um conceito fundamental, pois é uma função temporalizada com

argumentos, que permitem gerar várias sequências de ações e de tomadas de

informação, em função dos valores das variáveis da situação.

O esquema é composto, essencialmente, pelos conhecimentos de conceito-

em-ação e teorema-em-ação, denominados de invariantes operatórios, e por

inferências (indispensáveis à prática do esquema). O conceito-em-ação não é um

conceito, nem um teorema-em-ação é um teorema, pois conceito e teorema devem

ser necessariamente explícitos. Um conceito-em-ação é um conceito implícito válido

como pertinente, e um teorema-em-ação é uma proposição válida como verdadeira.

Ambos constroem-se em estreita interação. Portanto, o reconhecimento de

invariantes é a chave da generalização de um esquema.

50

Para Vergnaud (1996), a tese subjacente à Teoria dos Campos Conceituais

é a de que uma boa representação didática, necessariamente, sustenta-se no

conhecimento da dificuldade das tarefas cognitivas, nos obstáculos com que se

depara, do repertório dos procedimentos, e das possíveis representações.

3.2 A Teoria das Situações Didáticas de Brousseau

O outro quadro teórico em que esta investigação tem referência é a Teoria

das Situações Didáticas de Brousseau (1986, 1996, 2008). De acordo com Pommer

(2008), a teoria de Brousseau (1996) permite compreender as interações sociais que

ocorrem dentro da sala de aula entre alunos e professores, as condições e a forma

como o conhecimento matemático pode ser aprendido; o controle dessas condições

permitiria reproduzir e otimizar os processos de aquisição de conhecimento

matemático escolar.

Para Brousseau (2008), o modelo de interação de um sujeito e um meio

específico que determina esses conhecimentos é denominado de situação. O autor

considera que a situação didática é todo o contexto que cerca o aluno, nele incluídos

o professor e o sistema educacional. Segundo definição dada por Brousseau (1986):

Uma situação didática é um conjunto de relações estabelecidas explícita e ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar a esses alunos um saber constituído ou em vias de constituição. (BROUSSEAU, 1986).

Pommer (2008) ressalta que o objeto central de estudo nessa teoria é a

situação didática, na qual são identificadas as interações entre professor, aluno e

saber. Ainda segundo o autor, é por meio de uma série de situações didáticas que

se estabelecem os fatores determinantes para a evolução do comportamento dos

alunos.

Nesse sentido, Brousseau (2008) representa a situação de ensino conforme

o “triângulo” a seguir:

51

Figura 2 – Triângulo didático

Fonte: Brousseau (BROUSSEAU, 2008, p. 54)

Nesse esquema, a situação de ensino é constituída por três elementos – o

aluno, o professor e o saber – estabelecendo uma relação complexa, resultante das

interações entre professor e aluno, mediadas pelo saber.

Referindo-se a esse triângulo didático, Pommer (2008) cita que o professor e

o aluno possuem um relacionamento assimétrico quanto ao saber; o que se espera

da relação didática é mudar esse quadro inicial face ao saber.

Sendo assim, faz-se necessário discutir inicialmente os papéis do professor,

do aluno e do saber na relação didática. Para Brousseau (2008), a teoria de Piaget,

baseada nos esquemas de assimilação e acomodação, em que o aluno aprende

adaptando-se a um meio que é fator de desequilíbrio, corre o risco de tirar do

professor a responsabilidade didática, pois um meio sem intenções didáticas é

incapaz de induzir o aluno a adquirir todos os conhecimentos culturais que se espera

que obtenha.

Sobre a aprendizagem por adaptação, Pais (2005) comenta que o aluno é

desafiado a adaptar seus conhecimentos anteriores às condições de solução de um

novo problema, sendo necessário o aluno ultrapassar o seu próprio nível de

conhecimento, revelando a operacionalidade dos conteúdos dominados até então.

De acordo com Brousseau (2008), as concepções atuais do ensino exigirão

que o professor provoque o aluno, por meio da seleção adequada dos problemas

que propõe para que se atinjam as adaptações desejadas. Esses problemas,

escolhidos de modo que o estudante possa aceitá-los, devem fazer, pela própria

dinâmica, com que o aluno atue, fale, reflita e evolua. É a partir da devolução ou do

aceite do problema pelo aluno que se inicia o processo de aprendizagem. Segundo

o mesmo autor, o professor não deve fornecer conhecimentos desde a devolução

52

até o momento em que se produz a resposta, o aluno deve saber que esse

conhecimento é justificado pela lógica interna da situação e que pode prescindir de

razões didáticas para construí-lo.

Nessa relação didática, o meio é capaz de provocar no aluno

comportamentos que motivem a manifestação de seu conhecimento,

correspondendo às necessidades desse elemento. Brousseau (2008) considera o

meio como subsistema autônomo, antagônico ao sujeito, sendo constituído pelas

peças de um jogo, um desafio, um problema, inclusive um exercício, fichas, etc.

Em síntese, cabe ao professor regular a relação aluno e meio, organizando-

a e estabelecendo as condições que levem o sujeito a “construir” a Matemática, por

meio de problemas, sem a influência das condições didáticas direcionadas pelo

professor. Esse saber que o aluno consegue usar fora do contexto de ensino e sem

nenhuma indicação intencional, Brousseau (2008) denominou situação adidática.

Nessa situação, o aluno atua de forma autônoma. Na definição dada por

Brousseau (1986):

Quando o aluno se torna capaz de pôr em funcionamento e utilizar por si mesmo o saber que está construindo, em situação não prevista em qualquer contexto de ensino e também na ausência de qualquer professor, está ocorrendo, então, o que pode ser chamado de situação adidática. (BROSSEAU, 1986).

Freitas (1999) considera que as situações adidáticas representam os

momentos mais importantes da aprendizagem, pois o sucesso alcançado pelo aluno

significa que ele conseguiu sintetizar um conhecimento por seu próprio mérito. Não

se deve confundi-las, portanto, com as situações não didáticas, aquelas que não

foram planejadas visando a uma aprendizagem. Assim, toda atividade pedagógica

deve ser planejada pelo professor no sentido de direcionar o aluno para o principal

que é a situação adidática. No processo de ensino-aprendizagem, o professor deve

fornecer as condições para que o aluno mobilize seus conhecimentos e explicite

raciocínio e procedimentos.

Pela prática em sala de aula, sabe-se das dificuldades que os alunos

apresentam em relação ao estudo de trigonometria referente a conceitos e a suas

mobilizações. Pensando nessas dificuldades, adotou-se essa teoria como uma

53

forma de auxiliar a elaboração dos instrumentos desta pesquisa, com a finalidade de

propor uma sequência didática, constituída por problemas de trigonometria; tudo

isso para resultar na apreensão de conceitos por parte dos alunos. Para isso, deve-

se levar em consideração que a interação do aluno com o meio proposto deve ser

um elemento facilitador na construção do conhecimento de trigonometria, sem

depender apenas da influência direta do professor. Normalmente, o professor seria

visto como um transmissor de informações na relação didática, mas, nessa nova

postura, ele teria o papel fundamental de iniciar um conhecimento científico no

aluno.

Segundo Brousseau (1996), o professor deve “propor ao aluno uma situação

de aprendizagem para que (esse) elabore seus conhecimentos como resposta

pessoal a uma pergunta e os faça funcionar ou os modifique como resposta às

exigências do meio e não a um desejo do professor” (BROUSSEAU, 1996, p. 49).

A devolução é a etapa inicial pela qual o professor transfere

responsabilidades ao aluno. Para Brousseau (2008), a devolução é o ato pelo qual o

professor faz com que o aluno aceite a responsabilidade de uma situação de

aprendizagem ou de um problema, assumindo ele mesmo as consequências dessa

transferência.

Dessa forma, há uma mudança de procedimento por parte do professor e do

aluno: o professor deixa de ter o controle pedagógico sobre o aluno, que passa a

trabalhar de forma efetiva e autônoma na construção de seu próprio conhecimento,

mobilizando as informações, fazendo inferências e apropriando-se de seu

conhecimento. Nessa nova postura metodológica, o professor não fica alheio à

situação, mas deve incentivar o aluno em direção à sua aprendizagem, por seu

próprio esforço e meios, proporcionando, nessa fase, situações enriquecedoras.

A partir da devolução, têm-se as situações de ação, formulação, validação e

institucionalização. Essa sucessão de situações unidas pode acelerar as

aprendizagens e levar à construção do saber. As intervenções do professor nas

situações de ação, formulação e validação são praticamente nulas, entretanto, a

institucionalização fica sob sua responsabilidade.

54

A situação de ação caracteriza-se pelo predomínio do aspecto experimental

e pela produção de um conhecimento de natureza operacional; os alunos

apresentam uma solução sem a preocupação de justificá-la ou explicitar como

chegaram a tal solução.

Na situação de formulação, o aluno troca informações com o meio,

empregando uma linguagem adequada, ou seja, procura explicar sua resposta na

forma escrita ou oral.

A situação de validação caracteriza-se pela veracidade das afirmações por

meio de provas e demonstrações, por meio de linguagem matemática apropriada.

A situação de institucionalização tem por objetivo estabelecer um caráter de

objetividade e universalidade ao conhecimento, conduzida pelo professor, por meio

da formalização e generalização.

Em seu estudo da teoria das situações didáticas, Brousseau (2008) também

discute que toda relação didática é regida por um determinado tipo de contrato

didático, ou seja, conjunto de regras implícitas e explícitas que permeiam as

relações entre o professor, os alunos e um saber entreposto. Conforme Brousseau

(1986):

Chama-se contrato didático o conjunto de comportamentos do professor que são esperados pelos alunos e o conjunto de comportamentos do aluno que são esperados pelo professor. Esse contrato é o conjunto de regras que determinam, uma pequena parte explicitamente, mas, sobretudo implicitamente, o que cada parceiro da relação didática deverá gerir e aquilo que, de uma maneira ou de outra, ele terá de prestar conta perante o outro. (BROSSEAU, 1986).

Para Brousseau (2008), não há possibilidade de pactuar um contrato

didático entre o professor e o aluno ou tampouco existirem cláusulas de quebra, ou

seja, é uma ilusão tentar estabelecer contratos reais. Segundo o autor, o contrato

didático impõe-se a professores e alunos e não pode ser explicado pelo mau

desempenho dos mesmos. Mas o contrato didático revela-se principalmente quando

se dá a transgressão de suas regras e, na situação didática, influencia as situações

de ação, de formulação, de validação e de institucionalização. Dessa forma, torna-se

essencial analisar a influência do contrato didático dentro de uma relação didática.

55

Silva (1999) afirma que o contrato didático depende da estratégia de ensino

adotada, adaptando-se a diversos contextos, tais como: as escolhas pedagógicas, o

tipo de trabalho solicitado aos alunos, os objetivos do curso, as condições de

avaliação, etc. O autor também observa que o contrato didático em que um

professor dá aula expositiva, com definições e listas de exercícios é muito diferente

daquele em que os alunos realizam atividades propostas e, ao final, o professor

procura institucionalizar coletivamente o conceito trabalhado. Nessa estratégia de

ensino, o aluno trabalha individualmente ou em duplas, seguindo orientações

contidas em sequências didáticas organizadas pelo professor, e a institucionalização

do saber se dá por meio de sessões coletivas.

Cabe, então, analisar alguns modelos de contratos didáticos. Brousseau

(1986) apresenta três exemplos de contratos.

O primeiro tipo de contrato enfatiza o conteúdo por meio da relação

professor e aluno. Tem como características o fato do professor considerar deter o

monopólio do conhecimento; escolher os conteúdos, sem a participação do aluno;

impor um único método de organização e apresentação do conteúdo, por meio de

definições, demonstrações e exercícios. O professor tem a convicção de que o aluno

não tem nenhum conhecimento a respeito do que será ensinado e de que quanto

mais clara for sua exposição, melhor será para a aprendizagem, desprezando

totalmente a metodologia de ensino.

No segundo tipo de contrato didático, enfatiza-se o relacionamento entre o

aluno e o saber, isto é, o aluno deve assumir uma postura ativa no aprendizado,

enquanto o professor apenas o acompanha, deixando de ser o transmissor dos

conhecimentos. A maior parte das atividades é realizada em grupos com poucas

intervenções pelo professor. Nesse tipo de contrato, não existe um controle

pedagógico efetivo sobre o funcionamento dos processos de ensino e

aprendizagem, ocorrendo uma confusão entre saber cotidiano e saber escolar.

No terceiro tipo de contrato didático, continua-se a ênfase do relacionamento

entre o aluno e o saber, mas há um comprometimento maior no nível de intervenção

do professor. Nesse caso, cabe ao professor planejar as situações didáticas,

escolhendo situações desafiadoras, compostas por problemas, jogos, atividades,

56

trabalhos de pesquisa, adequados à realidade e ao nível intelectual dos alunos.

Esse tipo de contrato proporciona a participação ativa do aluno na elaboração dos

conceitos matemáticos por meio de uma valorização da resolução de problemas.

De acordo com Pais (2005), deve-se considerar que certas características

do saber matemático, tais como formalismo, abstração e rigor, condicionam algumas

regras implícitas do contrato didático, expressas pelas diferenças habituais de

concepções dos professores de matemática.

Conforme Silva (1999), resultados de investigações demonstram que, diante

de certos problemas, os alunos internalizam regras que conduzem a uma grande

quantidade de erros dos alunos e a incoerências no tratamento desses erros pelos

professores, ou seja, grande parte das dificuldades dos alunos tem como causa os

efeitos do contrato didático mal colocado.

Nessa perspectiva, é fundamental que sejam conhecidos alguns dos efeitos

do contrato didático provocados nos sujeitos envolvidos no processo de ensino-

aprendizagem, pois, conhecendo melhor tais efeitos didáticos, tem-se condições de

propor um outro tipo de contrato didático o qual será implementado por meio da

sequência didática proposta nesta pesquisa, a fim de tentar superar ou, no pior dos

casos, amenizar seus efeitos didáticos negativos. A seguir, serão sintetizados alguns

dos principais efeitos do contrato didático.

Um desses comportamentos que Brousseau (2008) destaca é denominado

de efeito Topaze. É um tipo de situação que se manifesta quando o professor facilita

uma situação de aprendizagem até chegar ao momento em que fornece a resposta

do problema pelo aluno. Nesse caso, o professor facilita as perguntas para tentar

obter o máximo de aprendizado da maior quantidade de alunos, perdendo por

completo os conhecimentos em questão. É considerada uma postura inadequada do

professor, pois impede a participação ativa do aluno na elaboração de seu próprio

conhecimento.

O efeito Jourdain se dá quando o professor reconhece um saber culto na

manifestação de uma resposta banal do aluno. É uma degeneração de efeito

Topaze, pois, além do professor fornecer a resposta antecipadamente, ainda

reconhece um conhecimento escolar válido uma resposta ingênua do aluno.

57

O efeito da Analogia pode ser causado pelo uso inadequado de uma

analogia. Ela pode ser utilizada como um recurso didático eficiente nos processos de

ensino e aprendizagem, mas a Teoria das Situações Didáticas mostra que seu uso

impróprio pode levar a um efeito Topaze e, consequentemente, a um efeito Jourdain.

O efeito do Deslize Metacognitivo surge quando o aluno não compreende

um determinado problema e o professor já esgotou quase todas as possibilidades

pedagógicas. Diante disso, por meio de seus próprios argumentos, o professor

assume suas próprias concepções como saber científico válido. É um tipo de efeito

que se torna ameaçador, porque decorre da falta de domínio.

O efeito Dienes decorre da forma como o professor concebe a disciplina de

matemática, associando-a à sua epistemologia espontânea, ou seja, suas ações

passam a ser associadas a uma estrutura matemática de base tecnicista. Nessa

visão, o docente não está envolvido no sucesso ou no fracasso da aprendizagem,

que é justificado pela estrutura epistemológica do saber ensinado.

Brousseau (2008) também ressalta o envelhecimento das situações de

ensino, em que o professor encontra dificuldade para reproduzir a mesma aula,

mesmo para novas turmas de alunos. Sintetiza que situações de aprendizagens que

não exigem intervenções do professor envelhecem mais lentamente.

Em relação ao contrato didático, Brousseau (1986) observa que o mais

importante é delinear alguns de seus possíveis pontos de ruptura, pois determinar

todas as regras do contrato didático é uma tarefa impossível pelo fato de que a

natureza do contrato envolve condições explícitas e interpretações subjetivas pelos

envolvidos. Apesar dessa dificuldade, convém avaliar algumas situações que

comprometem os processos de ensino e aprendizagem no que se refere à quebra

do contrato didático.

Pais (2005) descreve alguns casos em que há a ruptura do contrato

didático: um primeiro exemplo pode ser dado quando o aluno mostra desinteresse

pela resolução dos problemas propostos ou falta de envolvimento pelas atividades

propostas. Essa situação exige a verificação das razões do desinteresse. Um

segundo exemplo ocorre quando o professor propõe a resolução de um problema

para o qual a estratégia de resolução é incompatível com o nível intelectual e

58

cognitivo do aluno; nesse caso, uma grande parte dos alunos, sem perceber,

apresenta uma solução para o problema utilizando dados incoerentes, geralmente,

uma regra implícita no contrato didático. Um terceiro exemplo é quando o professor

apresenta postura pedagógica incompatível com a sua função, como aplicar

retaliações ao aluno que se comportou inadequadamente.

As considerações anteriores sobre o contrato didático levam a entender que,

sendo um elemento fundamental na Teoria das Situações Didáticas e conhecendo o

tipo de relação didática entre o professor e seus alunos, com base nesse estudo

teórico, será proposta, nesta investigação, um outro tipo de contrato didático

baseado nas situações didáticas, a fim de superar as dificuldades de

comportamentos enraizados por contratos vigentes.

Dessa forma, serão objetos de intenso trabalho nesta investigação a

identificação e a análise de alguns dos possíveis pontos de ruptura do contrato

didático que porventura surjam, caso sejam identificados após análise dos

instrumentos de pesquisa. O conhecimento do contrato didático não explica todos os

problemas da relação didática, mas pode esclarecer alguns, auxiliando a

compreender as noções trigonométricas no triângulo retângulo.

Desse modo, no planejamento deste trabalho, buscou-se levar em

consideração todos esses aspectos no desenvolvimento das atividades de

trigonometria e na organização dos trabalhos em sala de aula. A busca por

compreender as dificuldades dos alunos em relação às noções de trigonometria no

triângulo retângulo e tentar ajudá-los a superá-las direcionou o olhar para a relação

professor, aluno e saber. Diante de todas as considerações anteriores, pode-se

perceber que a Teoria das Situações Didáticas pode ajudar a problemática

abordada, pois explica as interações da relação didática que ocorrem na sala de

aula, caracterizando alguns dos elementos que podem contribuir para promover ou

prejudicar a relação de ensino-aprendizagem.

A análise das situações didáticas auxiliará a investigar a problemática da

aprendizagem matemática, quanto ao conteúdo de trigonometria no triângulo

retângulo. Sobre as situações didáticas, concorda-se com as palavras de Freitas

(1999), salientando que:

59

[...] Através da análise das situações didáticas, é possível investigar toda a problemática da aprendizagem matemática e desvelar aspectos que ocorrem durante a resolução de problemas e a elaboração de conceitos pelos alunos. (FREITAS, 1999, p. 67)

Nessa teoria, as situações didáticas ainda podem ser trabalhadas por meio

da abordagem socrática que valoriza os conhecimentos prévios dos alunos, os quais

deverão surgir por meio de perguntas apropriadas. Esse método pode ser

aperfeiçoado, permitindo uma evolução de seus conhecimentos.

Como toda relação didática é regida por um contrato didático, essa noção

desempenha um papel central nesta teoria, pois o conhecimento e o domínio desse

elemento auxiliam a análise e a construção de situações para o ensino e a

aprendizagem de Matemática, em particular, para o ensino dos conteúdos de

trigonometria no triângulo retângulo.

A Teoria das Situações Didáticas mostra que o contrato didático pode ser

uma porta de entrada para outros efeitos didáticos e, segundo Pais (2005), “trata-se

de situações que podem acontecer em uma sala de aula e que se caracterizam

como momentos cruciais para a continuidade do processo de aprendizagem”. (PAIS,

2005, p. 89). Logo, o conhecimento de tais efeitos ajudará dentro da dinâmica que

se estabelecerá dentro da sala de aula o desenvolvimento da proposta desta

pesquisa, evitando fundamentalmente os efeitos Topaze e o Deslize Metacognitivo,

pois estes são, quase sempre, decorrentes da falta de competência do professor.

Procurou-se elaborar a sequência didática de trigonometria, pensando na

conexão entre a abordagem pedagógica deste trabalho e a Teoria das Situações

Didáticas, buscando, nos pressupostos dessa teoria, os elementos para análise e

fundamentação da produção dos alunos.

O planejamento de situações didáticas ricas no aspecto adidático pode levar

à construção de uma matemática mais significativa pelos alunos; pode revelar,

também, que o sucesso do aprendizado do aluno foi obtido por seu próprio mérito.

Isso motivou a elaboração de uma sequência didática própria, referente às noções

de trigonometria no triângulo retângulo.

A situação adidática contribui para despertar atitudes no aluno que o levem a

reconhecer a presença dos elementos trigonométricos ao seu redor. Pode ajudá-lo a

60

perceber a importância da aplicação desse conhecimento em seu entorno e ainda

contribuir para a fase de devolução. Nessa situação, os alunos serão incentivados a

comentarem suas percepções, o que auxiliará as conexões entre as situações de

formulação, validação e institucionalização. Dessa forma, espera-se que, nessa

fase, os alunos percebam os elementos que estruturam a trigonometria no triângulo

retângulo, dando-lhes autonomia para aplicá-la em situações-problema.

A fase de ação é composta por uma atividade a qual se acredita que

conduza o aluno ao reconhecimento do triângulo retângulo, que é elemento base da

trigonometria. Reconhece-se que uma identificação correta desse triângulo e de

suas partes, bem como a determinação de suas medidas, são fundamentais para o

uso das razões trigonométricas. Conforme já mencionado, nessa etapa, os alunos

apresentam suas soluções sem justificá-las. A conexão com a fase posterior se dá

com a explicitação da estratégia, passando ao estudo das medidas do triângulo

retângulo.

A fase de formulação é composta por uma situação que leve o aluno a

perceber que a semelhança de triângulos é o conceito fundamental que está “por

trás” das razões trigonométricas no triângulo retângulo. Nesse momento, os alunos

são instigados a comunicar suas estratégias em linguagem simples, sem se prender

à linguagem formal da Matemática. Acredita-se, nesse ponto, que o aluno tenha

construído o conceito de seno, cosseno e tangente de um ângulo agudo e ter

condições de aplicar esse conhecimento na fase seguinte em algumas atividades de

cálculo ou em situações-problema.

A validação é constituída por uma atividade de cálculo que envolve seno,

cosseno e tangente de um ângulo agudo. Essa fase objetiva estabelecer a conexão

entre o conhecimento construído de razões trigonométricas (seno, cosseno e

tangente) e sua aplicabilidade em diversas situações-problema. A afirmação do

aluno agora tem de ser demonstrada por uma linguagem matemática formal.

Por último, a fase de institucionalização requer uma situação que conduza a

fase anterior a um caráter generalista, sendo o professor o instrumento facilitador no

processo de socialização desse conhecimento. Pensou-se em uma atividade

experimental que se acredita resumir todas as fases anteriores e ter a significação

61

que a fase de institucionalização requer. Pode-se considerar essa etapa alcançada

ou não após análise do material produzido pelos alunos.

3.3 Sobre as Teorias dos Campos Conceituais de Vergnaud e das Situações

Didáticas de Brousseau

Conforme já mencionado, esta pesquisa fundamenta-se na Teoria das

Situações Didáticas de Brousseau (1986, 1996, 2008) e na Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud (1996, 1998, 2012). Por um lado, Brousseau permite

entender as interações entre os envolvidos no processo de aprendizagem, podendo,

a partir disso, contribuir para a criação de propostas metodológicas em sala e aula;

por outro lado, as ideias de Vergnaud dão subsídios à compreensão da construção

do conhecimento matemático, ou seja, buscam-se respostas para a problemática

desta pesquisa à luz dessas teorias, pois, a princípio, julgou-se apresentarem

caráter complementar para os propósitos deste trabalho. Dessa forma, serão

destacados os aspectos principais de cada teoria dentro do contexto desta pesquisa.

A Teoria das Situações Didáticas subsidiará fundamentalmente a elaboração

de situações, por meio da sequência didática trigonométrica proposta nesta

pesquisa. Ela permite estudar a dinâmica entre os envolvidos nos processos de

ensino e aprendizagem, fornecendo elementos que possibilitam romper contratos

anteriormente estabelecidos e evitar efeitos didáticos.

A ideia é que tais atividades contemplem as situações de ação, formulação,

validação e institucionalização, permitindo preparar o aluno essencialmente para as

situações adidáticas. É na fase de institucionalização que, efetivamente, as razões

trigonométricas no triângulo retângulo serão aprendidas pelo aluno, pois o saber

será identificado, sistematizado e reconhecido pelo professor, isto é, ter-se-á o saber

como um conhecimento institucionalizado.

A Teoria dos Campos Conceituais auxiliará a compreensão da formação

conceitual da trigonometria no triângulo retângulo. Será analisada a atividade em

situação, por meio das soluções apresentadas pelos alunos em seus protocolos de

respostas, verificando a etapa de aprendizagem, pois, segundo Vergnaud (1996), é

nos esquemas que se devem encontrar os elementos cognitivos.

62

Diante de todas as considerações, pensou-se que as duas teorias se

complementam neste estudo, justificando, portanto, a opção pelas mesmas.

63

CAPÍTULO 4 - PESQUISA DE CAMPO

Neste capítulo, será apresentada a pesquisa de campo, que foi desenvolvida

inicialmente, com 16 alunos de duas turmas do 2º ano, período noturno, de uma

escola pública estadual da cidade de São Paulo.

4.1 Sobre os Instrumentos

A pesquisa foi separada em três etapas, sendo cada etapa composta por um

instrumento de pesquisa. Por meio de cada instrumento, teve-se a pretensão de

atingir os seguintes objetivos:

• Instrumento I (Apêndice A) – Levantar perfil e conhecimentos

trigonométricos prévios dos alunos.

• Instrumento II (Apêndice B) – Construir conceitos de trigonometria no

triângulo retângulo.

• Instrumento III (Apêndice C) – Verificar como o aluno aplica o que

construiu de conhecimentos na etapa 2.

Um ponto a ser destacado na elaboração dos instrumentos de pesquisa

seria a necessidade de articulação entre tais instrumentos, ou seja, seria levada em

consideração a análise do Instrumento I para elaboração do instrumento II, assim

como seria feita a construção do instrumento III, considerando a análise dos

instrumentos anteriores.

Após a explicação deste trabalho de pesquisa na sala de aula, foram

convidados todos os discentes de duas turmas, com aproximadamente 40 alunos

por sala, a participarem deste estudo. Dezesseis alunos se prontificaram a participar,

compondo o universo de pesquisa do instrumento I.

4.2 Aplicação do Instrumento I

O desenvolvimento do instrumento I ocorreu em um horário diferente das

aulas, durante duas horas-aula, no período noturno.

64

Após a organização do grupo, o instrumento I foi distribuído para que os

alunos começassem a respondê-lo. Os alunos foram instruídos de que as atividades

deveriam ser resolvidas individualmente, sem consulta a outros participantes ou a

outros materiais, visto que se almejava saber essencialmente o que cada aluno

trazia de conhecimento anterior referente às noções de trigonometria no triângulo

retângulo. Eles deveriam utilizar somente os materiais fornecidos pelo professor, no

caso: a régua, o esquadro e o transferidor.

Desde o momento em que o grupo começou a responder o instrumento I,

procurou-se acompanhar atentamente o desenvolvimento das atividades dos alunos.

Esse acompanhamento foi registrado em um diário de bordo, em que o professor

pesquisador tomou nota das dúvidas, questionamentos e/ou comentários que

surgiram durante o processo de resolução.

Apesar de, nesse primeiro momento, focar-se nos conhecimentos prévios

dos alunos, esses registros foram fundamentais, pois, na Teoria das Situações

Didáticas, o controle das condições em que o conhecimento pode ser aprendido

permite melhorar e reproduzir os processos de aquisição de conhecimento

matemático. Trazendo essa ideia para o presente contexto, os resultados da análise

dos registros do diário de bordo e dos protocolos dos conhecimentos prévios dos

alunos norteariam a pesquisa no processo de melhoria na aquisição do

conhecimento das noções de trigonometria no triângulo retângulo, que seria

implementado por meio do instrumento de pesquisa II.

4.3 Análise e Interpretação dos Dados do Instrumento I

De acordo com Lüdke e André (2012), “analisar os dados qualitativos

significa ‘trabalhar’ todo o material obtido durante a pesquisa, ou seja, os relatos de

observação, as transcrições de entrevistas, as análises de documentos e as demais

informações disponíveis”. (LÜDKE; ANDRÉ, 2012, p. 45).

Visando a uma melhor compreensão, a análise dos registros do diário de

bordo foi dividida em duas partes: a análise dos questionamentos, referentes a como

responder o instrumento de pesquisa, e à análise dos questionamentos sobre os

conteúdos.

65

As perguntas sobre como responder o instrumento I (Apêndice A) foram

pontuais como, por exemplo: como fazer para indicar um determinado elemento da

resposta, se era necessário justificar determinada escolha ou sobre a dificuldade

para responder à questão 12, pois seu enunciado encontrava-se no final da página

do instrumento I, e alguns alunos não perceberam que as figuras encontravam-se na

página seguinte.

Vale ressaltar que a solicitação de justificativa, como nas questões 11 e 12,

foi particularmente interessante, pois se pôde notar que a maior parte dos alunos

apontou suas escolhas, no entanto demonstrou muita dificuldade para justificá-las,

ou seja, parece haver indícios de que os conceitos de reconhecimento de triângulo

retângulo e de semelhança de triângulos não foram completamente apreendidos.

A seguir, são apresentados os principais questionamentos dos alunos,

referentes aos conteúdos. Foram utilizadas as letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L,

M, P, R, T, em substituição aos seus nomes verdadeiros, de modo a garantir o

anonimato dos estudantes envolvidos.

• O aluno B questionou a falta de indicação da medida de um dos ângulos em

alguns dos triângulos do problema 12, de enunciado:

Figura 3 – Atividade 12 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

66

Observou-se que o aluno não percebeu ou desconhecia ser possível

determinar a medida de um ângulo desconhecido em um triângulo qualquer, dadas

as medidas dos outros dois.

• A aluna R perguntou sobre os lados do triângulo isósceles, sem associar a

pergunta a qualquer problema. Nesse caso, a aluna pode ter esclarecido uma

dúvida que tinha sobre as propriedades dos triângulos.

• O aluno P perguntou se os valores ao lado do desenho do triângulo do

problema 14, presente na figura a seguir, referiam-se às medidas dos lados

do triângulo.

Figura 4 – Atividade 14 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Esse questionamento levou a crer que o aluno não tinha certeza se o valor se referia

à medida parcial ou total do lado do triângulo, mostrando que talvez faltasse

familiaridade com esse tipo de representação do triângulo.

• A aluna I indagou sobre o que são ângulos agudo, reto e obtuso, referindo-se

ao problema a seguir:

Figura 5 – Atividade 15 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

67

Esclareceu-se que ângulos agudos são aqueles cuja medida está

compreendida entre 0º e 90º; ângulos retos são aqueles cuja medida é 90º e ângulos

obtusos são aqueles de medida entre 90º e 180º. Essa informação mostrou-se

irrelevante, pois se verificou que nenhum dos alunos acertou totalmente a questão

15, o que pode corroborar com a ideia a respeito da dificuldade dos alunos em

perceber que não há ângulos internos obtusos nos triângulos retângulos ou em

reconhecer visualmente ângulos de 0º a 90º e de 90° a 180°. Observou-se, também,

que nenhum dos alunos utilizou o transferidor para fazer as medições dos ângulos

internos dos triângulos.

• A aluna F comentou que não lembrava de maneira alguma as fórmulas para o

cálculo do valor do seno, cosseno e tangente, referindo-se ao problema 17,

que consta na figura 6 a seguir.

Figura 6 – Atividade 17 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Esse comentário deixou transparecer que, em algum momento, a aluna

estudou as razões trigonométricas no triângulo retângulo, mas o conteúdo não foi

institucionalizado.

Observou-se que o desenvolvimento da atividade ocorreu em um clima

tranquilo, mas foi possível perceber que a maior parte dos alunos teve grande

dificuldade na resolução do problema 17, de enunciado já descrito, e do 16,

apresentado a seguir.

68

Figura 7 – Atividade 16 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Essas dificuldades tornaram-se evidentes, ao fazerem perguntas do tipo

“como se determina” ou “como se faz”; ou por meio de seus comportamentos,

quando pronunciavam palavras como “eu não sei” ou “eu não lembro”. O tempo foi

outro indicador de tais dificuldades, pois a maioria utilizou apenas uma hora-aula

para responder o questionário; apenas 3 alunos continuaram na aula posterior. Ao

entregar os questionários, a maioria dos alunos afirmava que já tinha respondido o

que sabiam.

Foram analisados, a seguir, os protocolos dos alunos, dividindo as análises

em duas partes: o perfil dos alunos e os conhecimentos prévios de trigonometria.

O levantamento do perfil dos alunos permitiu verificar alguns aspectos:

dentro do universo de pesquisa composto por 16 alunos de 2 salas, 7 alunos

pertencentes à sala H e 9 alunos pertencentes à sala I, ou seja, houve praticamente

equilíbrio na quantidade de alunos por sala. Desse universo, observou-se que 6

eram do sexo masculino e 10 eram do sexo feminino, ou seja, a participação das

meninas foi quase o dobro da participação dos meninos.

Quanto ao ano de nascimento, pôde-se verificar que 5 alunos estavam no

ano adequado de estudo, 7 alunos estavam atrasados um ano, 2 alunos estavam

dois anos atrasados, e 2 alunos estavam três anos defasados.

Sobre os motivos que levaram os alunos à escola, verificou-se que a quase

totalidade dos alunos descreveu o que se julga ser próximo à “busca de

conhecimento” e à “necessidade futura ou profissional”.

69

Em relação ao local de estudo do Ensino Fundamental, constatou-se que 6

alunos cursaram escola municipal, 3 alunos frequentaram escola particular e 2

alunos estudaram em escola estadual, ou seja, a maioria cursou o Ensino

Fundamental em escola pública.

Sobre o gostar da disciplina de Matemática, obteve-se o resultado: 12 alunos

que gostam de Matemática, 3 alunos que não gostam da disciplina e 1 aluno ora

gosta, ora não. Quanto às justificativas dos alunos que disseram gostar de

Matemática, foram sintetizadas em: “serve para descobrir áreas/encarar desafios”,

“utilidade (profissional)”, “facilidade com Matemática”, “presença da Matemática no

dia a dia”. Verificou-se, ainda, que quase metade dos alunos respondeu gostar por

“utilidade (profissional)”, ou seja, para eles, a Matemática tem alguma utilidade ou a

usarão futuramente em suas formações e atuações profissionais. As justificativas

dos alunos por não gostar de Matemática foram principalmente devido à dificuldade

de aprendizado.

Iniciou-se o levantamento de conhecimentos prévios de trigonometria com a

questão 8, perguntando se o aluno já havia ouvido falar de trigonometria.

Constatou-se que 15 alunos disseram “sim” e apenas 1 aluno disse “não”,

indicando que a quase totalidade dos alunos já tinha ouvido falar do assunto.

A questão seguinte perguntava em qual série o aluno estudou trigonometria,

conforme a figura a seguir.

Figura 8 – Atividade 9 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Nessa questão, foram obtidas 7 respostas para o “9º ano do Ensino

Fundamental”, 7 respostas para o “1º ano do Ensino Médio” e 6 respostas para

“nunca estudou”. Percebeu-se haver um equilíbrio entre as três escolhas

A atividade 10 apresentou o seguinte enunciado:

70

Figura 9 – Atividade 10 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Para formulá-la, foi feito um levantamento no Currículo do Estado de São

Paulo (SÃO PAULO, 2012) dos conteúdos que se relacionavam à noção de razões

trigonométricas no triângulo retângulo. Os alunos, então, deveriam confirmar se

haviam estudado, não haviam estudado ou não se lembravam. O gráfico, a seguir,

mostra os resultados obtidos:

Figura 10 – Estudo das noções referentes à trigonometria

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Pelo gráfico, verificou-se que os dados sobre o conceito de semelhança

eram preocupantes, pois mostravam que a maioria absoluta dos alunos não

lembrava que estudou esse conceito, considerando que é um pré-conhecimento

básico para o estudo da semelhança de triângulos. Por outro lado, o número de

estudantes que afirmaram ter estudado o teorema de Pitágoras e razões

trigonométricas foi significativo.

A seguir, fez-se a análise do problema 11, ilustrado a seguir:

0

5

1412

23

0

3

14

8

21

Co

nce

ito

de

sem

elh

an

ça

Se

me

lha

nça

de

triâ

ng

ulo

s

Te

ore

ma

de

Pit

ág

ora

s

Ra

zõe

s

trig

on

om

étr

ica

s

Estudou

Não estudou

Não lembra

71

Figura 11 – Atividade 11 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Esse problema permitiu verificar o conhecimento acerca da identificação dos

triângulos retângulos com suas devidas justificativas. Dados 6 triângulos diferentes

sem os valores dos ângulos internos, os alunos deveriam localizar 2 Triângulos

Retângulos.

Verificou-se que 11 alunos erraram, 1 aluno não respondeu e 4 alunos

acertaram parcialmente o problema, ou seja, localizaram o triângulo retângulo

visualmente mais fácil; mas o segundo triângulo retângulo, cuja base era a

hipotenusa, não foi reconhecido por nenhum estudante. Nesse caso, teve-se por

hipótese que o aluno não está acostumado com esse tipo de disposição do triângulo

retângulo ou não tem o hábito de confirmar a medida de um ângulo reto, indicando

como reto um ângulo próximo de 90º.

Dentre os alunos que acertaram parcialmente, três apresentaram

justificativas corretas, indicando saberem o que é um triângulo retângulo, e apenas

um não justificou. É mostrado, a seguir, um protocolo de um aluno que acertou

parcialmente, evocando corretamente o teorema-em-ação:

72

Figura 12 – Atividade 11 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Dentre os estudantes que responderam incorretamente, 3 apresentaram as

seguintes justificativas:

• “Se você completar o triângulo retângulo com outro igual a ele

mesmo, ele se torna um retângulo”;

• “Acho que são esses três, pois começo a seguir a linha do retângulo”;

• “Pela semelhança ao retângulo, e ser a mais aproximada.”.

Nesses casos, os alunos associaram o triângulo retângulo à figura

geométrica de um retângulo. Isso fez refletir que a palavra “retângulo”, usada para

qualificar um tipo de triângulo, poderia ser vista por alguns alunos como nome, o que

caracterizaria um conceito-em-ação em situações em que o conceito de triângulo

retângulo fosse evocado.

Também se observaram, nas respostas incorretas, as seguintes

justificativas:

73

• “Todos são triângulos, todos, além de triângulos, têm suas três

pontas”;

• “Triângulo retângulo é que todos os lados têm a mesma medida”;

• “Por ter lados iguais, o nº 1, 2 e 3”.

No primeiro caso, é possível que o aluno não tenha percebido que se

tratava de um triângulo específico, e, nos demais, os alunos podem ter tomado o

triângulo retângulo pelo equilátero. As outras respostas foram:

• “Os dois (triângulos escolhidos pela aluna) são parecidos”;

• “Os três últimos são, eles não deixam de ser um triângulo, mas eles

são compridos e, por isso, são triângulos retângulos”;

• “São triângulos retângulos porque não são equiláteros e isósceles”.

Considerando que, para Vergnaud, “os conceitos-em-ação permitem

identificar os objetos, as propriedades e as relações” (VERGNAUD, 2009, p. 22),

observou-se que os alunos mobilizaram os seguintes conceitos-em-ação quanto ao

conhecimento do triângulo retângulo:

• Ângulo de 90º;

• Triângulo;

• Retângulo.

Pôde-se, também, reconhecer alguns teoremas-em-ação que foram

evocados:

• “Triângulo retângulo possui um ângulo de 90º”;

• “Se completar um triângulo retângulo com outro igual, ele se torna um

retângulo”;

• “São triângulos retângulos, pois seguem a linha do retângulo”;

• “São triângulos retângulos, pela semelhança ao retângulo”.

Sendo assim, pôde-se considerar que apenas uma pequena parte do grupo

sabia corretamente o que é um triângulo retângulo, entretanto, a disposição da figura

ou a necessidade de confirmação do ângulo reto poderia ser um elemento a

dificultar o reconhecimento.

74

A seguir, analisou-se a questão 12.

Figura 13 – Atividade 12 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Esse problema solicitava localizar 3 triângulos semelhantes dentre 6

triângulos dados. Nesse caso, observou-se que o número de alunos que deixou a

questão em branco aumentou para 3. Dez alunos indicaram incorretamente: 5

justificaram que eram semelhantes por serem triângulos retângulos, e 5

responderam que eram semelhantes devido a ângulos semelhantes, ou seja, mais

da metade dos alunos não escolheu e também não apresentou justificativas

adequadas. Houve 3 escolhas corretas, no entanto justificaram que os triângulos

eram semelhantes por possuírem ângulos semelhantes, ou seja, os estudantes

podem ter associado ângulo semelhante a ângulo congruente.

A seguir, apresenta-se um protocolo de uma aluna que indicou corretamente

os 3 triângulos semelhantes:

75

Figura 14 – Atividade 12 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Observou-se que os alunos mobilizaram os seguintes conceitos-em-ação

nesse problema de semelhança:

• Ângulos;

• Triângulos;

• Triângulos retângulos;

• Soma das medidas dos ângulos internos de triângulos.

Nos 3 problemas indicados corretamente, pôde-se reconhecer os seguintes

teoremas-em-ação evocados pelos alunos:

• “Os triângulos [...] são semelhantes, pois todos os resultados da soma

de seus ângulos equivalem a 180º, e possuem 50º, 38º, e 92º graus”,

ou seja, a soma das medidas dos ângulos internos é 180º e possuem

ângulos internos correspondentes congruentes;

• “Porque a soma dá 180°”, isto é, porque a soma das medidas dos

ângulos internos é 180º;

• “[...] Por ter ângulos semelhantes”, isto é, por ter as medidas dos

ângulos internos correspondentes congruentes.

Nos 5 problemas com indicações parcialmente corretas, observou-se que,

em um dos casos, o aluno justificou “pois parecem ter a mesma forma, porém

invertidos de maneiras diferentes”, e, nos demais, os alunos apresentaram as

justificativas seguintes:

• “Pelas dimensões, ângulos são semelhantes”;

• “[...] Eles se assemelham em graus”;

• “São semelhantes por causa dos ângulos”;

76

• “Porque cada um tem a mesma medida e somando-as dá 180º”

Nesses casos, pôde-se considerar que os alunos evocaram o teorema-em-

ação “os triângulos são semelhantes, então as medidas dos ângulos internos

correspondentes são iguais”, embora também se tenham observado referências às

dimensões dos triângulos e à soma das medidas dos ângulos internos.

Verificou-se que, em quatro das indicações, um dos três triângulos

escolhidos não indicava a medida dos ângulos internos e, em uma das indicações, o

triângulo escolhido apresentava as medidas de dois ângulos internos de 45º, ou

seja, mesmo evocando corretamente o teorema-em-ação, os alunos indicaram

incorretamente um dos triângulos. Esse erro poderia estar relacionado à

determinação da medida de um dos ângulos internos de qualquer triângulo, dados

os outros dois, sabendo que a soma de suas medidas é 180º. Como exemplo,

apresenta-se um dos protocolos parcialmente correto a seguir:

Figura 15 – Atividade 12 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Nos 3 problemas com indicações incorretas, obtiveram-se as seguintes

justificativas:

77

• “[...] pois contém os mesmos ângulos (90º) e é um ângulo reto”;

• “Todos são triângulos retângulos.”;

• “Porque triângulos retângulos são sempre iguais”

Pode-se dizer que, nesses casos, os alunos evocaram o teorema-em-ação

“os triângulos são semelhantes, porque são triângulos retângulos (ou possuem um

ângulo reto)”. A seguir, ilustrou-se um protocolo incorreto:

Figura 16 – Atividade 12 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Descartaram-se 5 problemas, pois, em 2 deles, os alunos não indicaram os

3 triângulos semelhantes e, nos outros, escreveram que não sabiam resolver ou não

lembravam.

Apesar do fato do problema dar destaque aos ângulos e não aos lados,

verificou-se que nenhum aluno mencionou a propriedade da proporcionalidade. Tal

fato poderia estar relacionado ao seu desconhecimento ou esquecimento; o gráfico

da Figura 10 já havia mostrado que o número de alunos que afirmou estudar o

conceito de semelhança foi nulo.

78

No problema 13, os alunos deveriam determinar a medida da hipotenusa de

um triângulo retângulo, aplicando o teorema de Pitágoras, dadas as medidas dos

catetos na malha quadriculada.

Figura 17 – Atividade 13 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Nesse problema, 4 alunos não responderam, 11 alunos responderam

incorretamente e apenas 1 aluno pôde-se considerar que acertou a questão, pois

evocou o teorema corretamente, errando apenas no final para determinar o valor da

raiz quadrada. A seguir, apresenta-se o protocolo do aluno cuja resposta foi

considerada correta:

Figura 18 – Atividade 13 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Dentre os alunos que apresentaram respostas incorretas, duas alunas

tentaram resolver: a primeira aluna não conseguiu explicitar corretamente o teorema

de Pitágoras; e a segunda resolveu o problema fazendo uso da razão entre os lados

79

do triângulo retângulo, ou seja, não conseguiu fazer a conexão entre a solução do

problema e o teorema de Pitágoras. O restante dos alunos apresentou as soluções

incorretas, sem explicitar os cálculos, o que impossibilitou qualquer análise dos

esquemas desenvolvidos por eles.

Esses índices alarmantes parecem remeter fundamentalmente à Educação

Matemática, pois os dados do gráfico da Figura 10 indicam que 14 alunos estudaram

esse conceito, entretanto, o que se pôde ver é que somente um aluno conseguiu

realizar a tarefa pedida — os demais nem mesmo chegaram a enunciar o teorema

de Pitágoras, ou seja, o conteúdo pode ter sido estudado, mas não foi assimilado.

Apresenta-se, a seguir, o protocolo de resolução da aluna que resolveu o

exercício por meio de razão.

Figura 19 – Atividade 13 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Observou-se a mobilização dos seguintes conceitos-em-ação nesse tipo de

problema:

• Teorema de Pitágoras;

• Medidas em malhas quadriculadas.

O problema 14 permitiu determinar a medida de um dos lados de um

triângulo menor sobreposto a outro maior, utilizando os conhecimentos de razão e

proporção. A questão é mostrada a seguir:

80

Figura 20 – Atividade 14 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Entende-se que, para o grupo ter êxito nesse tipo de problema, era essencial

dominar os conhecimentos do teorema de Tales ou de semelhança de triângulos.

Verificou-se que 10 alunos deixaram a questão sem resposta, 4 alunos responderam

incorretamente (3 deles apresentaram somente o resultado final, sem cálculos e 1

utilizou o que parecia ser o teorema de Pitágoras) e 2 alunos apresentaram a

resposta final correta, mas um deles chegou ao resultado por procedimento incorreto

(adicionou 1,6 a 1,6). Observou-se, portanto, que esse é outro problema que

apresentou índice de acerto baixo, já que apenas uma aluna montou as razões

corretamente e chegou ao resultado final. O protocolo da aluna é mostrado a seguir:

Figura 21 – Atividade 14 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Foi observada a necessidade da mobilização dos seguintes conceitos-em-

ação pelos alunos para resolução de problema de semelhança de triângulos:

• Razão;

• Proporcionalidade.

81

Esse problema é uma aplicação direta dos conceitos de semelhança de

figuras planas; o aluno tende a se sair melhor nesse tipo de situação quando os

conceitos de semelhança já foram bem formalizados, mas, como se pôde notar, não

foi o caso dos participantes deste estudo.

O problema 15 permitiu verificar se os alunos sabiam classificar os ângulos

em agudos, obtusos ou retos em dois triângulos retângulos em posições diferentes.

Figura 22 – Atividade 15 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Verificou-se que 3 alunos não responderam a esse problema e 13 alunos

responderam incorretamente. Dentre os treze, 7 estudantes localizaram o ângulo

reto, mas não os 2 ângulos agudos.

Nesse problema, foi observada a mobilização do conceitos-em-ação

seguinte:

• Ângulos (classificação).

Como já mencionado, mesmo diante da informação do significado de

ângulos agudo, reto e obtuso dada pelo professor, os alunos indicaram ao menos

um ângulo como obtuso.

Diante das informações registradas no diário de bordo em conjunto com

esses dados, pôde-se afirmar que os participantes não conseguiram reconhecer

visualmente medidas de ângulos maiores ou menores que 90º e não se sentiram

estimulados em medi-los com os instrumentos fornecidos.

82

O problema 16 solicitava a identificação dos lados (hipotenusa, cateto

oposto e cateto adjacente) de um triângulo retângulo em relação aos dois ângulos

agudos.

Figura 23 – Atividade 16 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Foram obtidas 3 respostas corretas, 3 respostas em branco e 11 respostas

incorretas, sendo 5 delas parcialmente corretas.

Constatou-se que, nas respostas parcialmente corretas, a posição do ângulo

agudo influenciou, de alguma forma, as respostas dos alunos, pois todos já tinham

apontado corretamente os lados do triângulo em relação ao primeiro ângulo.

Observou-se que, nessa questão, os alunos mobilizaram os seguintes

conceitos-em-ação:

• Ângulos;

• Triângulo retângulo (nomes dos lados).

O problema 17 pedia para que fossem calculadas as razões trigonométricas

seno, cosseno e tangente em relação a um dos ângulos agudos em 2 triângulos

retângulos em posições diferentes.

83

Figura 24 – Atividade 17 – instrumento I

Fonte: Dados da pesquisa

Nesse caso, foi obtida apenas uma resposta considerada correta, 2

respostas parcialmente corretas, 5 respostas incorretas e 8 atividades ficaram sem

respostas. Segue o protocolo da resposta considerada correta:

Figura 25 – Atividade 17 – instrumento I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Observou-se que os 2 casos parcialmente corretos ocasionaram-se do fato

de que os alunos não haviam respondido a todos os itens, no entanto, os itens já

respondidos estavam corretos. Dentre os 5 casos de respostas incorretas, em 4

deles, os alunos apresentaram as medidas dos lados dos triângulos retângulos

como se fossem os valores do seno, cosseno e tangente, ou seja, mobilizaram os

conceitos-em-ação de seno, cosseno e tangente como sendo as medidas dos lados

do triângulo retângulo.

84

Para resolver esse problema, os alunos necessitavam dos conceitos-em-

ação mobilizados no problema anterior. A falta de tais conceitos pode ter dificultado

a resolução desse problema, piorando ainda mais o índice de acerto.

O estudo das situações didáticas mostrou que alguns efeitos do contrato

didático podem prejudicar o aprendizado dos alunos. Dessa forma, nesta pesquisa,

houve a intenção de localizá-los e evitá-los durante todo o processo de

desenvolvimento dos instrumentos de pesquisa de trigonometria no triângulo

retângulo utilizados neste estudo.

Nesse problema, em particular, percebe-se haver indícios de manifestação

de alguns comportamentos enraizados por contratos vigentes. Alguns dos alunos

insistiam em perguntar ao professor como “resolver a questão”, ou diziam “não se

lembrar”, como se esperassem, em algum momento, a resposta ou a facilitação do

professor. Nesse caso, percebe-se o indício do que Brousseau (BROUSSEAU,

2008) denominou de efeito Topaze.

Nesse contexto, o aluno, diante de uma situação que não consegue resolver,

geralmente, apela para o professor, esperando que este lhe forneça alguma dica ou

facilite a resposta. O efeito Topaze concretiza-se quando o professor minimiza os

conhecimentos do aluno, facilitando a situação de aprendizagem até fornece-lhe a

resposta por completo.

Outro comportamento que se observou em alguns problemas, quando foram

analisados os protocolos, foi o fato de que uma parte dos alunos apresentou a

solução do problema, mesmo sem apresentar algum cálculo ou sem saber resolvê-lo

corretamente. Nesse caso, a teoria explica que os estudantes sentem-se compelidos

a apresentar uma resposta esperada pelo professor, efeito do contrato didático.

No final da primeira hora-aula, percebeu-se o que é possível chamar de

início de ruptura do contrato didático, pois a maior parte dos participantes começou a

desistir e a entregar seus questionários. As razões que os levaram a essa situação

foram perceptíveis na sala de aula e confirmadas na análise dos protocolos de

resolução: tratava-se da dificuldade enfrentada para a resolução dos problemas.

Essa situação foi ruim para os alunos, entretanto, para Brousseau (2008), a ruptura

85

de contrato didático é considerada boa, pois é o momento de renegociar e

estabelecer um novo contrato didático.

Sintetizando as considerações desta investigação, tem-se o seguinte: o

grupo de pesquisa do qual foram levantados os conhecimentos prévios sobre

trigonometria tem como característica de 75% possuírem entre 16 e 17 anos de

idade, sendo 62,5% composto por alunas. Nesse universo de 16 estudantes, 81,25%

estudaram a maior parte do Ensino Fundamental em escola pública (estadual ou

municipal), 75% gostam de Matemática e vão à escola, principalmente, em busca de

conhecimento e por necessidade.

O gráfico a seguir mostra os percentuais de acertos dos conhecimentos

prévios dos alunos. A partir disso, fez-se uma síntese desses conhecimentos e

foram traçadas as diretrizes para construção do instrumento II.

Figura 26 – Percentual de acertos por questão

Fonte: Dados da pesquisa

Os dados do gráfico sobre acertos por problema oferecem uma visão

bastante preocupante acerca dos conhecimentos prévios que os alunos deveriam

saber, visto que o gráfico mostra o repertório de conhecimentos anteriores que os

participantes detinham. Assuntos como o reconhecimento de triângulo retângulo, o

reconhecimento dos lados do triângulo retângulo e classificação de ângulos tiveram

percentuais de acertos nulos. Entretanto não se pode deixar de considerar que os

dados não mostram se os estudantes acertaram totalmente o problema ou não, ou

0,0%

25,0%

6,3%

12,5%

0,0%

18,8%

6,3%

86

seja, aqueles que acertaram uma parte da questão não estão incluídos nesse

universo. Pensando dessa forma, observa-se que os alunos não estão “vazios” de

tudo, mas trazem consigo algum conhecimento sobre esses assuntos.

Verificou-se, também, que conteúdos como, reconhecimento de semelhança

de triângulos tiveram índice de acerto de 25%, mas as justificativas não foram

satisfatórias; e temas como o teorema de Pitágoras, que aproximadamente 90% dos

alunos afirmaram terem estudado, tiveram índice de acerto de apenas 6,3%,

demonstrando que o mesmo não havia sido assimilado pela maior parte dos alunos.

Diante do exposto, os dados mostraram que os conteúdos mínimos

referentes às noções do triângulo, dos quais os alunos já deveriam ter-se apropriado

em anos anteriores, foram insuficientemente assimilados.

Com base nos estudos teóricos desta pesquisa, reconhece-se que esses

conhecimentos precedentes são considerados na teoria de Brousseau (1986), pois a

aprendizagem por adaptação é uma das noções utilizadas para estruturar a Teoria

das Situações Didáticas. Segundo Pais (2005), “[...] em tal aprendizagem, o aluno é

desafiado a adaptar seus conhecimentos anteriores às condições de solução de um

novo problema” (PAIS, 2005, p. 69), ou seja, admite-se a possibilidade de expansão

do domínio cognitivo.

Algumas noções que estruturam a teoria de Brousseau (1986, 1996, 2008)

e permeiam a relação didática, como o contrato didático, emergiram durante esta

investigação. Segundo Brousseau (2008), “[...] o contrato didático se impõe a todos

e não pode ser explicado pelo mau desempenho de professores ou alunos”.

(BROUSSEAU, 2008, p. 79).

Nesta investigação de campo, foram identificados alguns dos efeitos

negativos provocados por contratos didáticos em vigor, como a apresentação de

soluções com dados inadequados e o início de um efeito Topaze.

O efeito Topaze é um dos mais interessantes, pois quase sempre está

associado à competência do professor e, de acordo com Pais (2005), “[...] a

ocorrência de um efeito Topaze sinaliza para a direção oposta à postura didática

87

defendida pelo pressuposto de que é necessário o aluno participar ativamente na

elaboração de seu próprio conhecimento”. (PAIS, 2005, p. 91).

Neste trabalho, o início do efeito Topaze foi controlado pelo professor,

evitando tomar para si a responsabilidade de fazer a tarefa e realizando as devidas

orientações aos alunos.

Nesse sentido, teve-se por objetivo superar esses e outros comportamentos

que porventura surgiram nesta pesquisa, propondo um novo tipo de contrato a ser

implementado na próxima fase de pesquisa.

Os conhecimentos prévios também são fundamentais na Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud (1996), pois, segundo Pais (2005), “a formação de um

conceito é realizada a partir de componentes anteriores, por meio de uma síntese

coordenada pelo sujeito. Esses componentes podem ser noções fundamentais ou

ainda outros conceitos elaborados anteriormente [...]”, (PAIS, 2005, p. 61), ou seja,

para a construção do conceito de razões trigonométricas no triângulo retângulo,

podem-se destacar os conteúdos precedentes de ângulos, razões, proporções,

semelhança e o teorema de Pitágoras que, normalmente, deveriam ter sido

aprendidos até o 9º ano do Ensino Fundamental.

Neste instrumento, a Teoria dos Campos Conceituais pôde ajudar na análise

das dificuldades, evidenciando alguns dos invariantes operatórios mobilizados pelos

alunos. Quando foi possível, foram evidenciados os teoremas-em-ação verdadeiros

em que se deseja a construção pelos estudantes e, também, os teoremas-em-ação

falsos, passíveis de serem construídos. A seguir, apresenta-se uma síntese dessa

análise:

• Relativamente à identificação dos Triângulos Retângulos, constatou-

se que três alunos mobilizaram o teorema-em-ação verdadeiro:

“triângulo retângulo possui um ângulo de 90º”; percebeu-se que

alguns dos teoremas surgidos tinham alguma relação com a palavra

retângulo.

• Quanto à localização dos triângulos semelhantes, verificou-se que,

dos três estudantes que escolheram corretamente, apenas dois

fizeram referência “a ângulos internos correspondentes congruentes”.

88

Em 5 casos de indicações parcialmente corretas, o teorema-em-ação

evocado relacionava-se ao que se denomina como “ângulos

semelhantes”; em 3 casos de indicações incorretas, justificaram “por

serem triângulos retângulos”; 5 casos ficaram sem análise por falta de

indicação ou resposta.

• Sobre o problema que pedia a medida da hipotenusa na malha

quadriculada, concluiu-se que apenas um estudante mobilizou o

teorema de Pitágoras corretamente e fez inferências. Dois alunos não

conseguiram explicitar corretamente o teorema, nove alunos

apresentaram soluções erradas sem realização de cálculos e quatro

alunos não responderam.

• Em relação ao problema que solicitava a medida de um dos lados de

um triângulo menor sobreposto a outro maior, apenas um estudante

chegou à solução corretamente, mobilizando o teorema de Tales.

• Na situação que permitiu verificar a classificação dos ângulos em

agudos, obtusos ou retos, observou-se que nenhum aluno acertou

completamente o problema. No entanto, sete alunos localizaram o

ângulo reto.

• Sobre a identificação dos lados de um triângulo retângulo, tendo

como referência seus ângulos agudos, obtiveram-se três respostas

satisfatórias, entretanto, notou-se que, nos casos parcialmente

corretos, a posição do ângulo influenciou as respostas dos alunos.

• Houve somente uma resposta considerada correta no problema que

pedia as razões seno, cosseno e tangente. Em quatro casos, os

alunos mobilizaram os conceitos-em-ação de seno, cosseno e

tangente como sendo os lados do triângulo retângulo.

Diante das considerações anteriores, teve-se convicção de que tais

conteúdos precisariam ser priorizados na elaboração do instrumento de pesquisa II,

para que esses alunos pudessem evoluir em seus conhecimentos.

89

4.4 Análise a Priori e Aplicação do Instrumento II

No instrumento II, houve a participação de 12 alunos (A, B, E, F, G, I, J, K,

M, P, R, T), pois 4 alunos (C, D, H, L) desistiram em razão de indisponibilidade de

tempo ou de motivos particulares.

A aplicação desse instrumento ocorreu conforme ilustrado no quadro 2, a

seguir:

Quadro 3 – Aplicação do instrumento II

Dia Situação de Sequência de atividades Horas-aula

10/10/2013 Ação Atividade 1 3

11/10/2013 Formulação Atividade 2 3

16-19/10/2013 Validação Atividade 3 4

20/10/2013 Institucionalização Atividade 4 2

Fonte: Dados da pesquisa

Assim, foram programadas 12 horas-aula para desenvolvimento de todo

instrumento de pesquisa II.

A sequência de atividades desse instrumento, elaborada com base na Teoria

das Situações Didáticas de Brousseau (1986, 1996, 2008), teve por objetivo

construir conceitos trigonométricos no triângulo retângulo. As atividades que

compuseram esse instrumento foram constituídas em quatro partes (atividades 1, 2,

3 e 4), pensando numa articulação com as situações de ação, formulação, validação

e institucionalização que, segundo Brousseu (2008), “[...] podem conjugar-se para

acelerar as aprendizagens (sejam elas espontâneas ou provocadas)”.

(BROUSSEAU, 2008, p. 32).

Na primeira parte, foi ilustrada a figura de uma rampa com o desenho de um

triângulo retângulo sobreposto, mostrando que, a partir de um percurso, podem-se

associar uma altura e um afastamento. Em seguida, foi definido índice de subida e

pediu-se para os alunos desenharem a representação de uma rampa e calcularem

suas razões, utilizando a nomenclatura proposta. Em um segundo momento,

90

perguntou-se o tipo de triângulo desenhado em relação ao ângulo e solicitou-se,

também, a verificação da validade da relação de Pitágoras em relação aos lados

medidos. A seguir, é mostrada a atividade proposta:

Figura 27 – Atividade 1 – instrumento II

Fonte: Dados da pesquisa

Nessa fase da sequência, pensou-se na ideia de trazer o elemento básico da

trigonometria para o contexto do aluno, ou seja, possibilitar o reconhecimento da

figura do triângulo retângulo, associando-o a elementos próximos de seu cotidiano,

nesse caso, as rampas de acesso. Nessa situação de ação, o aluno trabalharia o

aspecto experimental, desenhando a representação de uma rampa e medindo seus

lados com instrumentos adequados e, também, produziria conhecimento de

natureza operacional, realizando alguns cálculos de razões de lados do triângulo

retângulo e de verificação do teorema de Pitágoras, sem necessitar explicá-los.

91

Esperava-se que o aluno, nessa fase, conseguisse associar a representação

do triângulo retângulo a elementos que estão ao seu redor e também que retomasse

conteúdos já estudados em anos anteriores, como razões e o teorema de Pitágoras,

conseguindo realizar cálculos de natureza operacional, ou seja, esperava-se que o

aluno mobilizasse conceitos-em-ação fundamentais, como o de triângulo retângulo,

de razões e do teorema de Pitágoras, para a construção dos conceitos de razões

trigonométricas no triângulo retângulo.

Na segunda parte, dado um triângulo retângulo maior ABC, dividido em

outros dois triângulos retângulo menores, de vértice B comum a todos os triângulos

retângulos, solicitou-se aos alunos medirem os lados e calcularem todas as razões

entre os lados. Em seguida, pediu-se para que os alunos calculassem todas as

razões dos possíveis triângulos retângulos que conseguissem perceber. A atividade

proposta foi a seguinte:

92

Figura 28 – Atividade 2 – instrumento II – parte 1

Fonte: Dados da pesquisa

93

Figura 28 – Atividade 2 – instrumento II – parte 2

Fonte: Dados da pesquisa

O objetivo dessa atividade era fazer o aluno perceber que, nos triângulos

retângulos semelhantes, a razão entre dois lados correspondentes quaisquer de um

dos triângulos é igual e as medidas de seus ângulos internos correspondentes são

congruentes. Nessa fase de formulação, o aluno interagiria com o meio, trocando

informações quanto a razões e a ângulos internos dos triângulos retângulos

observados, sendo estimulado a explicar, de forma escrita, sua conclusão a respeito

da semelhança dos triângulos estudados. Como o conceito de proporcionalidade é

essencial para a constituição dos conceitos de razões trigonométricas no triângulo

retângulo, foi reforçada, ao final, a formação desse conceito, solicitando aos

estudantes a construção de um par de triângulos retângulos semelhantes com as

devidas justificativas. Dessa forma, procurou-se sanar quaisquer dúvidas ainda

existentes sobre a semelhança dos triângulos retângulos estudados.

94

Esperava-se, nessa fase, ampliar a visão do aluno para a representação

geométrica de um triângulo retângulo, a fim de que percebesse que, nos triângulos

semelhantes, as razões entre dois lados correspondentes quaisquer seria a mesma,

registrando todos os argumentos na forma escrita e, por fim, desenvolvendo

autonomia para percepção de semelhança em triângulos retângulos quaisquer.

Dessa forma, acreditava-se, sobretudo, que o aluno conseguiria por si mesmo

construir o teorema-em-ação “se dois triângulos são semelhantes, então, as

medidas dos ângulos correspondentes são congruentes e as razões entre os lados

correspondentes são iguais”.

Na terceira parte, foi pedida, inicialmente, a construção de um triângulo

retângulo ABC com os ângulos agudos A , B (com a horizontal) e reto em C ,

indicando o cateto oposto, adjacente e a hipotenusa a partir do ângulo B . Após, foi

proposta uma mudança de nomenclatura, ou seja, solicitou-se que os alunos

trabalhassem com a nomenclatura matemática da trigonometria. A partir disso,

estabeleceram-se os conceitos de seno, cosseno e tangente dos ângulos agudos A

e B . A seguir, apresenta-se a atividade proposta:

95

Figura 29 – Atividade 3 – instrumento II

Fonte: Dados da pesquisa

96

Essa parte da sequência didática teve por objetivo elaborar o conceito das

razões trigonométricas (seno, cosseno e tangente). Tinha-se a convicção de que a

incorporação da nomenclatura trigonométrica é importante para sistematização das

fórmulas das razões trigonométricas no triângulo retângulo. Além disso, na fase de

validação, o aluno poderia utilizar a linguagem matemática para as devidas

comprovações, isto é, por meio do seno, cosseno e tangente de um ângulo agudo, o

aluno oportunamente faria as demonstrações e as provas que permitiriam ampliar

seus conhecimentos sobre trigonometria no triângulo retângulo.

A validação desses conhecimentos foi proposta ao aluno por meio de três

situações: Na primeira, percebendo que a soma das medidas dos ângulos A e B era

90º, o aluno deveria provar que a relação é válida para qualquer triângulo retângulo,

usando a soma das medidas dos ângulos internos; a segunda pedia para o aluno

justificar o que aconteceria com o ângulo agudo B , seno, cosseno e tangente de B

quando aumentasse o lado AC; e a terceira situação pedia para escrever as

relações de tg B e tg A , a partir das razões sen B /cos B e sen A /cos A .

Nessa fase da sequência, espera-se que o aluno fizesse uma prova simples

da soma (igual a 90º) dos ângulos agudos de um triângulo retângulo, ou seja,

espera-se que o mesmo fizesse a demonstração, manipulando algebricamente os

termos da equação da soma das medidas dos ângulos de um triângulo qualquer, e

percebesse o teorema-em-ação envolvido na situação: “se dois ângulos agudos são

complementares, então, o seno de um ângulo agudo é igual ao cosseno de seu

complemento”, generalizando, dessa forma, a noção de complementaridade para

qualquer triângulo retângulo.

Quanto ao estado do seno, cosseno e tangente de B e ao próprio ângulo

agudo, aumentando o lado AC, deseja-se que o aluno, no desenvolvimento de seu

raciocínio, mobilizasse os invariantes operatórios, demonstrando as mudanças

aritmeticamente a partir das razões ou, o mais esperado, utilizando algum esquema

geométrico. E, por último, almeja-se que o aluno demonstrasse que as razões sen B

/cos B e sen A /cos A são iguais a tg B e tg A por meio de manipulação algébrica.

Pensava-se, entretanto tratar-se de uma questão que talvez poucos alunos

conseguissem realizar, não por ser uma questão considerada difícil, mas por

97

envolver uma divisão de frações algébricas, operação que os alunos geralmente

evitam.

Na quarta parte da sequência, pediu-se a construção de vários triângulos

retângulos, dado um como modelo, com o ângulo B aumentando de 10º em 10º.

Feitas as medidas dos lados dos triângulos, solicitou-se ao aluno preencher uma

tabela determinando os valores do sen B , cos B e tg B . A seguir, apresenta-se a

atividade desenvolvida:

Figura 30 – Atividade 4 – instrumento II – parte 1

Fonte: Dados da pesquisa

98

Figura 30 – Atividade 4 – instrumento II – parte 2

Fonte: Dados da pesquisa

99

Essa atividade teve por objetivo determinar os valores das razões

trigonométricas (seno, cosseno e tangente), variando de 10º em 10º, e analisar o

comportamento dessas razões para B , variando de 0º a 90º. Essa fase de

institucionalização seria ministrada fundamentalmente pelo professor para formalizar

coletivamente as noções de um triângulo retângulo, de sen, cos e tg de um ângulo

agudo, generalizando essas razões para futuras aplicações desses conhecimentos

matemáticos.

A atividade ainda ofereceu oportunidades para o aluno construir triângulos

retângulos, inscritos em ¼ de circunferência de raio 1 dm (10 cm), medindo seus

lados, comparando as medidas, e analisar, também, os valores do sen B , cos B e tg

B da tabela a ser preenchida, possibilitando-o refletir sobre o comportamento das

razões trigonométricas quando B aumenta de 0º a 90º. Esse modelo de construção

de triângulos retângulos ainda permitiria ao aluno fazer analogias com os modelos já

estudados e também possibilitaria os primeiros contatos do aluno com os

comportamentos dos triângulos retângulos no ciclo trigonométrico.

Conduzida pelo professor, essa atividade possibilitaria ao aluno perceber

que o cálculo das razões (seno e cosseno) tornar-se-ia mais simples se a medida da

hipotenusa fosse igual a um e ainda era possível relacionar o seno e o cosseno de

um ângulo agudo do triângulo retângulo por meio do teorema de Pitágoras, noção da

qual o aluno, naquele momento, já dispunha.

Ao final dessa atividade, esperava-se que o aluno percebesse que,

aumentando B , o valor do sen B tenderia a aumentar e cos B tenderia a diminuir.

Quando B atingisse 90º, o valor do sen B seria máximo e valeria um, enquanto cos

B teria valor mínimo igual a zero. Mas, nessa situação, a figura do triângulo

retângulo deixaria de existir. O professor também poderia explorar a mesma ideia

para o caso de B igual a 0º. Era esperado, ainda, que o aluno compreendesse que,

na Matemática, as representações e fórmulas não surgem ao acaso, o uso da

hipotenusa unitária facilitaria o estudo das razões seno e cosseno e a relação do

seno e cosseno poderia ser explicada a partir do teorema de Pitágoras.

100

4.5 Análise e Interpretação dos Dados do Instrumento II

Para o desenvolvimento deste instrumento de pesquisa, foi permitido o uso

de calculadora com orientação para o uso de duas casas decimais na resolução de

todos problemas.

Na situação de ação (atividade 1) que consistia em trabalhar com o triângulo

retângulo, explorando o aspecto experimental, considerou-se que o problema foi

resolvido satisfatoriamente por 8 alunos (B, E, F, G, M, P, R, T). O aluno G escreveu

como resposta 4,6 (ao invés de 0,46) à razão entre a altura e o percurso, mas pode-

se atribuir esse erro à falta de atenção.

Dentre quatro casos insatisfatórios observados, constatou-se que as alunas I

e L não conseguiram verificar o teorema de Pitágoras. Apresenta-se o protocolo da

aluna I, a seguir:

Figura 31 – Atividade 4 – instrumento II – aluna I

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Analisando seu esquema, notou-se que a aluna não conseguiu verificar a

validade do teorema, embora tenha afirmado que a relação era válida. Verificou-se

que ela calculou as potências, multiplicando-se a base pelo expoente, obtendo

valores finais distintos. Nesse caso, percebeu-se que faltou o conceito-em-ação de

potenciação para o desenvolvimento da relação de Pitágoras.

A seguir, apresenta-se o protocolo da aluna K.

101

Figura 32 – Atividade 4 – instrumento II – aluna K

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Pôde-se verificar que a aluna não usou corretamente a medida da

hipotenusa do triângulo retângulo na relação de Pitágoras, indicando que a aluna

não dispunha completamente do conceito-em-ação de triângulo retângulo.

Os outros casos insatisfatórios apresentaram erros de medidas na

construção do triângulo retângulo, mas as alunas calcularam as razões

corretamente. A seguir, está o protocolo da aluna J.

Figura 33 – Atividade 4 – instrumento II – aluna J

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Nesse caso, percebeu-se que ocorreu um erro de medida, pois a aluna

indicou 9 cm para um dos catetos e também para a hipotenusa. Verificou-se, ainda,

pelo esquema da relação de Pitágoras, que a aluna trocou a medida da hipotenusa

pela medida de um dos catetos, ou seja, o conceito-em-ação de triângulo retângulo

que a aluna deveria dispor para resolução do problema estava incompleto.

102

No último caso insatisfatório, a aluna A incorreu em erros de medida,

indicando 1 cm e 5,2 cm para as medidas dos catetos, quando deveriam ser 2 cm e

4,6 cm, respectivamente, resultando valores incorretos na relação de Pitágoras.

Na situação de formulação (atividade 2), trabalhou-se, essencialmente, o

conceito de semelhança de triângulos retângulos. Também foi pedida a soma das

medidas dos ângulos internos dos triângulos retângulos, a fim de que os alunos

percebessem que tal soma era 180º.

Considerou-se, de modo geral, que 8 alunos (B, E, F, G, M, P, R, T)

conseguiram responder corretamente o problema. Perceberam mais dois triângulos

retângulos, além do ABC, e que o teorema-em-ação “se dois triângulos são

semelhantes, então, as medidas de seus ângulos correspondentes são congruentes

e as razões entre os lados correspondentes são iguais” é válido. Todos os alunos

também responderam que a soma das medidas dos ângulos internos dos triângulos

retângulos é 180º.

A seguir, mostra-se, como exemplo, o protocolo da aluna F:

Figura 34 – Atividade 4 – instrumento II – aluna F

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Duas alunas (E e M) cometeram erros de medição dos lados do triângulo

ABC, comprometendo parcialmente o cálculo das razões. A aluna E mediu 4,4 cm

no lado AC (o correto seria 4,9 cm) e a aluna M mediu 7,8 cm (o correto seria 8,9

cm) no lado AB. A aluna E respondeu que os triângulos observados eram

103

“semelhantes, pois seus agudos (ângulos) são iguais, e suas razões são diferentes”,

mas esse erro pode ser resultante das razões calculadas serem bem próximas, que

ela entendeu como sendo razões diferentes. Ao final, as duas alunas conseguiram

desenhar os dois triângulos semelhantes.

As alunas A, I, J, e K mostraram dificuldades parecidas. Perceberam mais

um triângulo retângulo, além do ABC, e o teorema-em-ação envolvido, mas não

conseguiram construir dois triângulos semelhantes. Como exemplo, ilustra-se o

protocolo da aluna J:

Figura 35 – Atividade 4 – instrumento II – aluna J

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Analisando o esquema, percebeu-se que, embora a aluna tenha indicado

30º e 50º para os ângulos agudos nos dois triângulos retângulos, verificou-se que as

medidas eram 25º e 65º.

Constatou-se que, na construção dos triângulos semelhantes pedidos, as 4

alunas (A, I, J, K) erraram as medidas dos ângulos agudos, evidenciando uma

dificuldade de obter ângulos utilizando o transferidor. A aluna A também deixou em

branco a pergunta que pedia a soma das medidas dos ângulos internos do triângulo

ABC e que solicitava, também, a soma das medidas ângulos internos dos outros

triângulos observados. No entanto, mesmo diante da falta do conceito-em-ação de

medidas por alguns alunos, pôde-se considerar a percepção do teorema-em-ação

de semelhança de triângulos retângulos por todos os estudantes.

A partir de agora se faz a análise da situação de validação (atividade 3) que

teve por objetivo elaborar os conceitos de seno, cosseno e tangente e ainda fazer

104

algumas provas que pudessem ampliar os conhecimentos de trigonometria no

triângulo retângulo, conforme já mencionado.

Verificou-se que somente as alunas E e I responderam corretamente a essa

parte da atividade, conforme é mostrado, como exemplo, no protocolo da aluna E:

Figura 36 – Atividade 4 – instrumento II – aluna E – parte 1

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

105

Figura 36 – Atividade 4 – instrumento II – aluna E – parte 2

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

106

As atividades de razões trigonométricas foram desenvolvidas

satisfatoriamente por todos os alunos, permitindo elaborar os conceitos de seno,

cosseno e tangente, levando-os a perceber a igualdade entre o seno de um dos

ângulos agudos e o cosseno do outro, ou vice-versa.

Com relação às atividades de validação (atividade 3), constatou-se, na

primeira situação, que os alunos B, E, F, G, I, J, K, M, P, R, T perceberam que a

relação entre as medidas dos ângulos internos é de 90º, mas apenas 5 alunos (E, J,

M, P, R) mostraram que essa relação é válida para qualquer triângulo retângulo; 6

alunos (E, F, I, J, K, R) apoiaram-se nos ângulos medidos nos triângulos que foram

construídos no início da etapa de validação como forma de demonstração; os alunos

E e P demonstraram escrevendo na língua natural, ou seja, nenhum aluno utilizou

escritas algébricas como meio de generalização da relação. A seguir, como

exemplos, tem-se os protocolos dos alunos F e P:

Figura 37 – Atividade 4 – instrumento II – aluna F

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Figura 38 – Atividade 4 – instrumento II – aluno P

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Por último, notou-se que a aluna A não conseguiu perceber a

complementaridade entre as medidas dos ângulos agudos, afirmando que “eles são

praticamente próximos e os ângulos dão 180 graus”.

Sobre a relação entre o seno e o cosseno, analisando o item h, verificou-se

que os alunos E, I, P e R responderam corretamente, percebendo o teorema-em-

107

ação envolvido na situação que se pode inferir como “se dois ângulos agudos são

complementares, então, o seno de um ângulo é igual ao cosseno de seu

complemento”. Será mostrado, a seguir, como exemplo, o protocolo do aluno P:

Figura 39 – Atividade 4 – instrumento II – aluno P

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Pôde-se inferir, também, que a maioria dos alunos evocou o teorema-em-

ação “o seno e o cosseno são iguais”, ou seja, para alguns alunos, a atividade não

conseguiu conduzi-los à percepção da complementaridade entre o seno e o

cosseno. Ilustra-se a seguir, como exemplo, o protocolo da aluna A.

Figura 40 – Atividade 4 – instrumento II – aluna A

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Na segunda situação de validação, solicitou-se que o aluno justificasse o

que aconteceria com o ângulo agudo B , seno, cosseno e tangente de B quando

aumentasse o lado AC do triângulo retângulo ABC. Verificou-se que os alunos E e F

responderam corretamente à atividade. A seguir, apresenta-se o protocolo da aluna

F, que foi considerado correto:

108

Figura 41 – Atividade 4 – instrumento II – aluna F

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Dentre os acertos parcialmente corretos, os alunos G e I responderam que a

tangente de B)

diminuiu, mas, verificando os cálculos realizados e comparando à

situação anterior, notou-se que, na verdade, a tangente aumentou.

Analisando os esquemas dos alunos E, F, G e I, percebeu-se que os

estudantes iniciaram a resolução fazendo um esboço da situação proposta e, na

sequência, passaram à realização dos cálculos, ou seja, mobilizaram corretamente

os conceitos de seno, cosseno, tangente e os conceitos-em-ação de ângulo,

triângulo retângulo, razão, envolvidos na situação, obtendo inferências. No entanto,

os alunos G e I, por motivo desconhecido, justificaram a tangente incorretamente.

Segundo Vergnaud, “a automatização é evidentemente uma das manifestações mais

visíveis do caráter invariante da organização da ação. [...] De fato, todas as nossas

109

condutas comportam uma parte de automaticidade e uma parte de decisão

consciente”. (VERGNAUD, 1996, p. 158)

Observou-se, também, que dois alunos não indicaram o aumento ou

diminuição do seno, cosseno e tangente: a aluna R respondeu que o ângulo B)

e as

razões aumentaram, e o aluno P explicou que o ângulo B)

aumentou, alterando o

seno, cosseno e tangente. Foram obtidas, também, duas respostas incompletas: a

aluna M escreveu que o ângulo B)

aumentou, e a aluna A respondeu que todos os

ângulos aumentaram. Apesar desses alunos não explicitarem seus esquemas, deve-

se ressaltar que todos perceberam um aumento no ângulo B)

, entretanto, esses

alunos não conseguiram explicitar todos os conhecimentos que contribuíram com a

organização racional de suas atividades.

Por último, deixou-se de analisar as respostas dos alunos B, J, K e T, pois

algumas delas continham partes corretas, mas sem justificativas coerentes.

A última situação de validação consistia em escrever as relações de tg B e

tg A , a partir das razões sen B /cos B e sen A /cos A . Considerou-se que os alunos

A, E, F, I, J, K, M, e P responderam corretamente. Os alunos A e M escreveram que

os valores das razões e a tangente eram aproximados; o aluno K respondeu que,

em relação ao ângulo A , era igual; mas, em relação ao B , era diferente. No entanto,

tais situações foram consideradas corretas e devidamente esclarecidas pelo

professor, pois eles mobilizaram os invariantes operatórios corretamente, porém

deixando de perceber que tais diferenças apresentadas eram constituídas por erros

de medida e de aproximação. Como exemplo, apresenta-se o protocolo da aluna E.

Figura 42 – Atividade 4 – instrumento II – aluna E

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

110

Em seu esquema, pôde-se notar a presença de invariantes operatórios

(teoremas-em-ação e conceitos-em-ação) e de inferências. Ao final, o aluno concluiu

que a tangente (de um ângulo agudo) era o valor da divisão do seno pelo cosseno.

Percebeu-se, também, que a aluna R não conseguiu inferir corretamente as

relações entre as razões obtidas e os valores das tangentes, respondendo que “a

razão sen B /cos B era congruente com o valor da tg B e a razão sen A /cos A era

aproximadamente o valor da tg A ”. O fato que levou ao erro encontrava-se no

cálculo do cos A , pois a aluna utilizou equivocadamente o valor da hipotenusa igual

a 5,8, quando o correto seria 6,3.

Por último, foram constatadas três respostas sem as relações pedidas entre

as razões e os valores das tangentes:

• A aluna T não fez o cálculo das razões. Obter inferências a partir das

razões era uma parte essencial para chegar-se às relações

solicitadas.

• O aluno G inferiu corretamente, mas não apresentou a relação.

Percebeu-se que esse aluno obteve inferências, mas não soube por

qual caminho seguir, indicando, dessa forma, a ausência de regras de

ação;

• O aluno B fez somente o cálculo da razão entre o seno e o cosseno

do ângulo A . A seguir, apresenta-se o protocolo desse aluno:

Figura 43 – Atividade 4 – instrumento II – aluno B

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Esse aluno pode ter inferido que o quociente de 0,8 por 0,6 é igual ao de 0,6

por 0,8, ou ter se esquecido de dividir 0,6 por 0,8. Mesmo com esse caminho

equivocado, foi possível perceber a ausência das regras de ação.

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