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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Por: Marcela Almeida de Britto Souza Orientador Prof. Luiz Cláudio Lopes Alves Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Por: Marcela Almeida de Britto Souza

Orientador Prof. Luiz Cláudio Lopes Alves

Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Apresentação de monografia à Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicologia Jurídica. Por: Marcela Almeida de Britto Souza

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado a vida e a

oportunidade de concluir mais uma etapa.

Ao meu filho Pedro Henrique, por fazer a

minha vida mais feliz.

Ao meu marido Leonardo pelo carinho e

compreensão das horas que nos afastamos

para que eu pudesse me dedicar a este

trabalho.

E, por fim, à minha mãe Selma pela

dedicação de toda vida.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu avô

Waldemar (In Memorian), a minha mãe,

ao meu marido e ao meu filhão Pedro

Henrique pelo incentivo, paciência,

companheirismo e muito amor, que me

serviram de inspiração à conclusão

deste trabalho.

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RESUMO

Essa monografia foi desenvolvida a partir de minha experiência

profissional de psicóloga no I Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra

a Mulher e atualmente no CREAS Simone de Beauvoir, que também atende

mulheres vítimas de violência doméstica.

Iniciaremos falando sobre a violência, mais especificamente sobre

violência doméstica e familiar contra a mulher. No segundo capítulo entraremos

descrevendo como alguns órgãos atendem essas mulheres vitimas de

violência.

Finalizaremos apontando alguns caminhos que possam ajudar mulheres

violentadas a quebrarem esse ciclo e algumas conseqüências vivenciadas por

essas mulheres vitimas de violência doméstica e familiar.

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SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................ 7

Capítulo I - Violência doméstica ..................................................................... 11

Capítulo II - Onde obter atendimento .............................................................. 18

Capítulo III - Conseqüências............................................................................ 26

Conclusão ........................................................................................................ 29

Referência Bibliográfica ................................................................................... 31

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INTRODUÇÃO

Pretende-se estudar a violência doméstica contra a mulher, suas

influências e conseqüências na estrutura familiar e no campo social.

Desenvolver a partir de minha experiência profissional de psicóloga no I

Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e atualmente no

CREAS Simone de Beauvoir, que também atende mulheres vítimas de

violência doméstica. Considero que um dos principais motivadores deste

trabalho advém da experiência com mulheres vítimas de violência. Na tentativa

de ampliar as discussões deste complexo fenômeno de violência e contribuir

com a criação de estratégias asseguradoras dos direitos das mulheres.

O presente trabalho tem por objetivo mostrar que a violência doméstica

perpassa o problema social e poder ajudar com base na experiência, que esse

ciclo de violência pode ser rompido.

A violência doméstica é um tema de extrema gravidade que virou uma

questão de saúde pública, optei por uma descrição acerca do tema buscando

entender seus desdobramentos necessários. Por outro lado, lembramos ser

uma exigência ao exercício profissional da psicologia jurídica a conhecimentos

das leis pertinentes a sua área de atuação.

A Lei 11.340/06 - Maria da Penha foi sancionada pelo Presidente da

República no dia 07 de agosto de 2006. Foram anos de luta para que

pudessem dispor deste instrumento legal e para que o Estado brasileiro

passasse a enxergar a violência doméstica e familiar contra a mulher.

O art.14 dispõe da criação dos juizados, onde se inaugurou em agosto

de 2007 o I JVDFM e permaneceu nas dependências do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro até outubro de 2008, quando foi transferido para sua

nova sede, na Rua da Carioca, n° 72, Centro, a partir de parceria entre este

juizado e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, para o processo, o

julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência

doméstica e familiar contra a mulher.

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Neste mesmo espaço foi inaugurado o CREAS Simone de Beauvoir

(Centro de Referência Especializado de Assistência Social), que atende

sistematicamente mulheres vítimas de violência doméstica e seus familiares.

Tem como objetivo contribuir com a interrupção do ciclo de violência,

resgatando sua autonomia, promovendo seu empoderamento e garantindo seu

acesso a bens, serviços sociais e psicológicos.

Enfatizaremos a experiência realizada por mim nos dois órgãos

trabalhados sobre violência doméstica e familiar contra a mulher. Concluiremos

apontando alguns caminhos que possam ajudar as mulheres que sofreram ou

sofrem violência a quebrarem este mecanismo.

A origem e as diferentes manifestações da violência configuram um

fenômeno sócio-histórico que acompanha a história da humanidade. Não

sendo, inicialmente, uma questão de saúde pública, mas transformando-se em

problema para esta área no sentido em que afeta tanto a saúde individual e

coletiva, exigindo formulação de políticas públicas especificas para sua

prevenção e tratamento (MINAYO, p.10, 2005). O fenômeno da violência, de

acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, é um problema social e

de saúde, cujas repercussões ameaçam o desenvolvimento dos povos,

afetando e desgastando a qualidade de vida e o tecido social (2003).

Além dos impactos causados na saúde, a violência social e interpessoal

trazem consigo outros efeitos nocivos à sociedade. Nos aspectos sociais e

culturais, reduz significativamente a qualidade de vida da população. No caso

da violência intrafamiliar, restringe a participação política e econômica das

vítimas; aumenta os custos das atividades econômicas, reduz as possibilidades

de investimento externo e diminui a rentabilidade social do capital, quando

considerados os aspectos econômicos. Com relação à estrutura social, a

violência produz e gera danos ao fomentar comportamentos e atitudes que

minam as bases e princípios de convivência e resolução de conflitos e destrói o

capital social (Organização Pan-americana de Saúde, 2003).

De acordo com Alt e Linhares (2008), o fenômeno da violência contra a

mulher configura-se como um dos problemas de maior complexidade nas

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relações desiguais de gênero, que foram construídas ao longo da história

patriarcal do mundo. As raízes destas desigualdades encontram-se fincadas

tanto na organização social quanto nas estruturas econômicas e de poder da

sociedade, onde a ideologia machista dá sustentação ao domínio dos homens

sobre as mulheres. A banalização desta violência, para as autoras, contribui

para sua naturalização pela sociedade e pelo Estado e para sua passagem de

geração em geração “como algo intrínseco das relações de gênero” (p.53).

As formas de violência estão interrelacionadas, a especificidade da

violência contra a mulher demanda uma visão mais próxima e mais crítica

sobre suas determinações e articulações estruturais. Conforme Heleieth Saffioti

(1994b):

”Existem diferenças relativas à natureza da relação - as diferenças de

gênero, raça e etnia, classe social. E outras de caráter transitório - como nas

relações inter geracionais. [...] No primeiro caso temos relações contraditórias,

em que o conflito de interesses só se resolve pela busca de uma nova

estruturação social. Não é possível, conservando-se a mesma estrutura social,

superar estes conflitos. Não é possível entender-se estas relações como

meramente hierárquicas. Hierárquicas elas são sim, mas são por natureza

contraditórias [...]

O ciclo da vulnerabilidade e vitimização possui três aspectos que

destacam-se na observação do impacto da violência doméstica sobre a vida

social, a saúde e o desenvolvimento: desorganização das relações familiares e

sociais, reclusão ao espaço doméstico e constantes fugas e deslocamentos do

grupo familiar.

Com a desorganização e quebra de vínculos nas relações familiares e

sociais, configura-se uma forte tendência ao isolamento da vítima. Este

isolamento, muitas vezes, é parte da estratégia de violência, e é relevante

quando a violência torna-se crônica na relação. Estabelece-se um rompimento

dos vínculos afetivos e familiares, com componentes psicológicos e materiais

de fragilização da vítima, pouco contato social e até mesmo a prática de

cárcere privado. Esta prática é muito mais freqüente do que se reconhece, não

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estando presente nas estatísticas criminais. Simbolicamente, o apagamento

dos vínculos e da identidade social da vítima pelo agressor . como filha, irmã,

amiga, trabalhadora etc. . é muitas vezes relacionado com a destruição de

documentos, fotos, roupas ou objetos que representem referências pessoais

anteriores, distintas daquelas do contexto da relação violenta.

Neste sentido, considero a pertinência da realização da pesquisa aqui

apresentada, visto possuir aspectos de relevância tanto acadêmica quanto

social.

Trata-se de uma pesquisa social, qualitativa e bibliográfica.

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CAPÍTULO I

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

1- Violência Domestica e Familiar contra a Mulher

Um dos mais graves problemas que afligem a humanidade é o

fenômeno da violência. O uso intencional da força física e ou abuso de poder,

contra outra pessoa, grupo ou comunidade trazem impacto e conseqüências

danosas para a humanidade. Contudo, para a analise deste trabalho é

necessário considerarmos que existem diferentes tipos e formas de violência. E

que além disso, a violência se apresenta de forma diferenciada para homens e

mulheres. Não podemos diluir a violência de gênero1, nos casos gerais de

violência e, mais exatamente, na violência urbana. Pois, enquanto o homem

sofre violência nas ruas, nos espaços públicos, em geral praticada por outro

homem, a mulher sofre violência masculina, dentro de casa, no espaço privado

e seu agressor, em geral é (ou foi) o namorado, o marido, o companheiro ou

amante.

A origem e as diferentes manifestações da violência configuram um

fenômeno sócio-histórico que acompanha a história da humanidade. Não

sendo, inicialmente, uma questão de saúde pública, mas transformando-se em

problema para esta área no sentido em que afeta tanto a saúde individual e

coletiva, exigindo formulação de políticas públicas especificas para sua

prevenção e tratamento (MINAYO, p.10, 2005). O fenômeno da violência, de

acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, é um problema social e

de saúde, cujas repercussões ameaçam o desenvolvimento dos povos,

afetando e desgastando a qualidade de vida e o tecido social (2003).

1 Violência de gênero: violência praticada e baseada nos diferentes papéis socialmente construídas e atribuídas ao sexo masculino e feminino. Seja pela agressão física e/ou verbal, coerção, submissão, humilhação entre outros.

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De acordo com Alt e Linhares (2008), o fenômeno da violência contra a

mulher configura-se como um dos problemas de maior complexidade nas

relações desiguais de gênero, que foram construídas ao longo da história

patriarcal do mundo. As raízes destas desigualdades encontram-se fincadas

tanto na organização social quanto nas estruturas econômicas e de poder da

sociedade, onde a ideologia machista dá sustentação ao domínio dos homens

sobre as mulheres. A banalização desta violência, para as autoras, contribui

para sua naturalização pela sociedade e pelo Estado e para sua passagem de

geração em geração “como algo intrínseco das relações de gênero” (p.53).

O tema violência tornou-se prioritário no final da década de 80, em todos

os setores, e isso requer a sistematização do conhecimento das formas de

violência, a fim de propor medidas de prevenção e assistência adequada, além

de adotar uma abordagem institucional, atendendo às realidades locais.

A violência contra a mulher acontece no mundo inteiro e atinge mulheres

de todas as idades, classes sociais, raças, etnias e orientação sexual.

Qualquer que seja o tipo, física, sexual, psicológica, ou patrimonial, a violência

está vinculada ao poder e à desigualdade das relações de gênero, onde impera

o domínio dos homens, e está ligada também à ideologia dominante que lhe dá

sustentação. São muitas as formas de violência contra a mulher: desigualdades

salariais; assédio sexual; uso do corpo como objeto; agressões sexuais;

assédio moral, tráfico nacional e internacional de mulheres e meninas.

Cabe ao Estado adotar uma política sistemática e continuada em

diferentes áreas. A intervenção deve se caracterizar pela promoção e

implementação de políticas públicas de responsabilidade dos governos federal,

estaduais e municipais, constituindo uma rede de ações e serviços.

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A política de enfrentamento à violência contra a mulher tem sido

prioridade da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que tem

trabalhado na promoção do atendimento às mulheres, na capacitação e

qualificação de profissionais e no acesso à justiça.

Como resposta ao movimento feminista internacional, cujas ações

objetivam dar visibilidade à existência desta violência e exigir seu repúdio, a

Convenção de Belém do Pará declara que a violência contra a mulher constitui

uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. A referida

convenção entende violência contra a mulher “qualquer ação ou conduta,

baseada no gênero, que cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à

mulher, tanto no âmbito público como no privado”. (Artigo 1° - Convenção

Belém do Pará).

O capítulo terceiro desta convenção reza sobre os Deveres do Estado,

quanto à condenação de todas as formas de violência contra a mulher e à

adoção de políticas apropriadas a prevenir, punir e erradicá-la, através de

medidas e programas específicos, enfatizando os caracteres de vulnerabilidade

social em conseqüência de sua raça ou etnia, ou quando se encontrar grávida,

ou for menor de idade, anciã ou encontrar-se em situação socioeconômica

desfavorável.

A ratificação desta convenção pelo Brasil em 27 de novembro de 1995,

pactuou o compromisso com a erradicação da violência contra a mulher. Neste

contexto, a Lei 11.340, Lei Maria da Penha, decretada e sancionada em 07 de

agosto de 2006, cria os mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar

contra a mulher no país.

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1.1 - Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340 / 06)

Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá

cumprimento, finalmente, à Convenção para Prevenir, Punir, e Erradicar a

Violência contra a Mulher, da OEA (Convenção de Belém do Pará), ratificada

pelo Estado brasileiro há 11 anos, bem como à Convenção para a Eliminação

de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), da ONU.

Em primeiro lugar, devemos entender o porquê do nome da Lei Maria da

Penha, onde esta protagonizou um caso simbólico de violência doméstica e

familiar contra a mulher. Em 1983, por duas vezes, seu marido tentou

assassiná-la. Na primeira vez por arma de fogo e na segunda por eletrocussão

e afogamento. As tentativas de homicídio resultaram em lesões irreversíveis à

sua saúde, como paraplegia e outras seqüelas. Maria da Penha transformou

dor em luta, tragédia em solidariedade. À sua luta e a de tantas outras

devemos os avanços que pudemos obter nestes últimos vinte anos.

A Lei Maria da Penha trouxe consigo grandes inovações no que tange à

garantia dos direitos da mulher, em especial a concessão de medidas

protetivas de urgência às vítimas de violência doméstica, possibilidade da

prisão provisória do acusado, criação das equipes técnicas multidisciplinares e

encaminhamento do acusado a programas de recuperação e reeducação.

Os artigos 22, 23 e 24 desta lei rezam sobre a concessão de medidas

protetivas de urgência que podem ser deferidas pelo juiz a partir da

constatação da violência doméstica contra a mulher, podendo ser direcionadas

ao autor, à ofendida ou ao patrimônio do casal, respectivamente.

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O artigo 29 da Lei Maria da Penha propõe que os Juizados de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher poderão contar com uma equipe de

atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados

nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

As inovações possibilitadas pela Lei 11.340/06, sobretudo a constituição

das equipes técnicas e o atendimento ao homem, vem apontando novos

contornos e direções nas discussões sobre gênero, sobretudo a masculinidade,

e violência doméstica.

Para os efeitos da Lei, configura violência doméstica e familiar contra a

mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,

lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

As medidas protetivas são ações de urgências que podem ser utilizadas

como uma estratégia ao rompimento imediato do ciclo de violência doméstica

asseguradas pelo o capítulo II do Título IV da Lei 11.340/06.

O artigo 19 da Lei possibilita ao juiz a possibilidade de aplicar as

medidas protetivas, em conjunto ou separadamente, a partir da constatação da

prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e o artigo 22 aborda

sobre as medidas protetivas que obrigam o autor, encontram-se:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com

comunicação ao órgão competente;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a

ofendida;

III - proibição de condutas como: aproximação e contato com a

ofendida, familiares e testemunhas, freqüentação de determinados lugares;

VI - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; e

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V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

1.2 – SUAS (Gestão da Política Nacional de Assistência Social – PNAS)

O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo,

constitui-se na regulação e organização em todo território nacional das ações

socioassistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como

foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território

como base de organização, que passam a ser definidos pelas funções que

desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua

complexidade. É um sistema constituído pelo conjunto de serviços, programas,

projetos e benefícios no âmbito da assistência social prestados diretamente –

ou através de convênios com organizações sem fins lucrativos – por órgãos e

instituições públicas federais, estaduais e municipais da administração direta e

indireta e das fundações mantidas pelo poder público.

Como a seara de atuação do judiciário tem seu foco no que é

estritamente referente ao processo, foi preciso que se criassem espaços de

atenção e acompanhamento sistemático dessa população, visando a sua

transição da situação de vulnerabilidade social para uma vivência mais

autônoma, segura e fortalecida de sua cidadania.

Foi nessa perspectiva que a Secretaria Municipal de Assistência Social

formalizou parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

através do I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para

realização de ações conjuntas visando o fortalecimento da rede de atenção às

mulheres vítimas de violência doméstica e a maior celeridade nos processos

judiciais.

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A partir de maio de 2008, um grupo de servidores da SMAS passou a

desenvolver suas atividades em parceria com o I JVDFM, inicialmente

mapeando a rede sócio-assistencial e de saúde para atendimento a esta

população, atuando diretamente no atendimento às mulheres em situação de

violência, elaborando um projeto técnico de atuação frente a esta questão e

construindo o modelo de intervenção do CREAS.

Este período durou de maio a outubro de 2008 e culminou com a

inauguração, em 21 de outubro de 2008, da nova sede do I JVDFM e do

CREAS Simone de Beauvoir, que além do atendimento às usuárias, tem seu

trabalho orientado para a centralidade nas famílias, de acordo com a Política

Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único de Assistência Social

(SUAS).

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CAPÍTULO II

ONDE OBTER ATENDIMENTO

2 - I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

O I JVDFM foi inaugurado em agosto de 2007 e permaneceu nas

dependências do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro até outubro

de 2008, quando foi transferido para sua nova sede, na Rua da Carioca, n° 72,

Centro, a partir de parceria entre este juizado e a Prefeitura da Cidade do Rio

de Janeiro.

A equipe técnica deste juizado, conforme propõe o artigo 29 da Lei

11.340, constituiu-se de profissionais da psicologia e do serviço social com

diferentes vinculações empregatícias. Ao longo dos primeiros dezoito meses da

existência do I JVDFM, a equipe técnica contou com serventuários do poder

judiciário e com profissionais contratados. Estas contratações foram possíveis

a partir de convênio com a Secretaria Estadual de Saúde, com o IBIS (Instituto

Brasileiro XX) e com a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio de

Janeiro, que inclusive, cedeu alguns profissionais do serviço social.

As inovações e exigências propostas pela Lei 11.340, a conseqüente

reconstrução da atuação dos profissionais de diferentes áreas de

conhecimento e a enorme quantidade de processos existentes dentro deste

juizado, certamente possibilitaram aos profissionais que participaram da

implantação e consolidação do I JVDFM uma experiência única em suas

trajetórias. Sobretudo, quando os consideramos os profissionais precursores na

construção de um atendimento mais específico e humanizado voltado para

homens e para mulheres em situação de violência doméstica.

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Apesar de não ser objetivo deste trabalho, considero importante

mencionar as modificações concernentes às práticas da assistência social, do

judiciário e da psicologia, e quanto estas novas práticas e formas de atuação

possibilitam novos rumos e percursos às referidas áreas de conhecimento,

valendo a construção de outros trabalhos acadêmicos.

Neste juizado, o trabalho dos profissionais varia de acordo com as

demandas dos jurisdicionados e dos processos. Neste sentido, cabem à equipe

técnica contato com jurisdicionadas e jurisdicionados; realização de relatórios

psicossociais, a partir de entrevistas, visitas domiciliares e contatos

institucionais; participação em audiência; entrevista com réus presos; e

facilitação de grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica.

A inserção dos psicólogos nestas equipes suscita importantes questões

referentes à sua prática, tanto no atendimento voltado à vítima de modo a

promover sua autonomia e rompimento com o ciclo da violência doméstica,

quanto no atendimento ao homem, possibilitando sua responsabilização pelos

atos cometidos, sem, no entanto, estereotipá-lo como o homem agressor. De

acordo com Muszkat (2006) quando o homem é visto exclusivamente como

agressor, passar a sofrer um processo de exclusão tanto dentro da família

quanto da sociedade, de modo que não lhe é facultada outra possibilidade

qualquer de reparação ou inclusão num sistema ideológico alternativo (p.18).

O trabalho com homens autores de violência doméstica, como proposto

pelo artigo 45 da Lei Maria da Penha, foi idealizado no I JVDFM.

Na minoria dos casos, o atendimento ao homem autor de violência

doméstica ocorre quando da necessidade de realizar uma entrevista individual

ou Estudo Psicossocial da família, no sentido de oferecer maoreis subsídios

aos operadores do direito para a resolução do processo judicial e, em alguns

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casos, quando o jurisdicionado se encontra preso. A maior parte do

atendimento ao homem ocorre a partir da suspensão do processo judicial,

especificamente, com relação à sua participação no Grupo Reflexivo para

homens autores de violência.

A Lei 11.340 faculta a possibilidade de o Ministério Público oferecer ao

jurisdicionado a suspensão do processo por um prazo determinado, mediante o

cumprimento de algumas determinações judiciais. Quando o acusado aceita a

suspensão do processo, este, automaticamente, compromete-se em cumprir as

seguintes determinações:

a) o comparecimento mensal ou bimestral ao juizado para dar ciências

de seus atos;

b) impedimento de ausentar-se da comarca por mais de 15 dias;

c) comparecimento ao Grupo Reflexivo; e,

d) realização de serviços comunitários, em alguns casos.

Em virtude da obrigatoriedade da participação do homem no Grupo

Reflexivo torna-se necessária realização de uma entrevista individual, onde

este é orientado quanto ao cumprimento do acordo realizado com a justiça,

além de esclarecido com relação à sua participação no grupo e sua

metodologia. Cabe salientar que a postura profissional com o jurisdicionado é

pautada no respeito e no acolhimento, onde esclarecemos que nossa

intervenção não tem a finalidade de julgar, visto não sermos operadores do

direito e nem juizes.

Após os esclarecimentos iniciais e explicação do motivo desta entrevista,

ou seja, conhecer um pouco sobre a trajetória do jurisdicionado antes de seu

ingresso no Grupo Reflexivo, é solicitado a este um relato daquilo que motivou

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a realização de um Boletim de Ocorrência por parte de uma mulher com a qual

possui algum relacionamento afetivo.

Observamos com os atendimentos realizados pela equipe técnica que a

violência doméstica obedece, em geral, a um ciclo composto por três fases:

1- Tensão = caracteriza-se por crise de ciúmes, intimidações e ameaças.

A mulher procura acalmar o agressor e justificar a violência sofrida. Muitas

vezes ela se acha responsável pela situação que sofre e vai se tornando

submissa e amedrontada.

2- Explosão = nesta fase as relações vão se tornando cada vez mais

hostis e as agressões verbais e físicas mais graves e constantes. Esta etapa é

mais aguda e tende a ser mais rápida que a anterior.

3- Lua de mel = depois da violência física o agressor costuma se mostrar

arrependido, apaixonado, pede desculpas e diz que vai modificar seu

comportamento.

Na maioria das vezes, as agressões voltam a acontecer de forma muito

mais grave.

2.1- CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência Social)

O CREAS é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social

Simone de Beauvoir é um centro de atendimento às mulheres em situação de

violência doméstica e familiar, articulado a partir de parceria entre a Secretaria

Municipal de Assistência Social e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, através do I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher. Vem corroborar com as ações apontadas pela Lei nº 11.340/06 - Lei

Maria da Penha que preconiza que o judiciário promova, em articulação com os

demais poderes e instituições, sobretudo o executivo, ações de cunho

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preventivo e de intervenção.

Como o CREAS vem corrobora com a Lei nº 11.340, vale a pena

descrever alguns pontos importantes trabalhados na Lei, que surge no Brasil,

articulando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto dos Direitos

Sociais, a Convenção de Belém do Pará, a Constituição Federal Brasileira e a

Lei Maria da Penha.

A implantação deste centro de referência não é uma demanda recente,

visto o trabalho realizado pelo movimento de mulheres contra a descriminação

e preconceito buscando maior eqüidade entre homens e mulheres.

As ações do CREAS Simone de Beauvoir também propiciaram a

reflexão e sensibilização de diferentes atores sociais no combate e erradicação

de qualquer tipo de violência contra a mulher e promoveram a discussão da

categoria específica de “violência de gênero” entendida a partir de

representações sociais de comportamentos identificados como masculino e

feminino, além de desmistificar algumas idéias estereotipadas acerca do

comportamento da mulher e do homem envolvidos em situação de violência

doméstica.

O CREAS Simone de Beauvoir é especializado em violência doméstica e

familiar contra a mulher e seus serviços podem ser acessados por mulheres de

todo município do Rio de Janeiro que se encontram nesta situação, assim

como suas respectivas famílias, para orientação, encaminhamentos e

acompanhamento sistemático.

Tiveram também a preocupação de incluir em suas intervenções a

família na qual esta mulher está inserida, pois de acordo com o SUAS (Sistema

Único de Assistência Social) a elaboração de ações visando o atendimento

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integral à família é objeto da assistência social e não podemos deixar de

considerar que é neste espaço primário de socialização que também se

produzem fenômenos violentos, em muitas das vezes.

A equipe técnica constitui-se de profissionais da psicologia e do serviço

social. Sendo os psicólogos contratados pela prefeitura e os assistentes sociais

concursados da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio de

Janeiro.

A inserção dos psicólogos nesta equipe suscita importantes questões

referentes à sua prática, tanto no atendimento voltado à vítima de modo a

promover sua autonomia e rompimento com o ciclo da violência doméstica,

quanto no atendimento ao homem, possibilitando sua responsabilização pelos

atos cometidos, sem, no entanto, estereotipá-lo como o homem agressor. E os

encaminhamentos adequados a rede de atendimento.

A partir do compromisso ético entende-se que a atuação dos psicólogos

no SUAS deve estar fundamentada na compreensão da dimensão subjetiva

dos fenômenos sociais e coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e

metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito

social

Tem como objetivo contribuir com a interrupção do ciclo de violência

doméstica e familiar contra a mulher, resgatando sua autonomia, promovendo

seu empoderamento e garantindo seu acesso a bens e serviços sociais.

Objetivos Específicos:

• Publicizar as ações do CREAS Simone de Beauvoir para que este se

torne um centro de referência para as mulheres em situação de violência

do município do Rio de Janeiro;

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• Desenvolver ações especializadas ao público feminino, orientando as

mulheres e suas famílias aos programas e serviços de atenção no

município do Rio de Janeiro;

• Contribuir com a discussão de uma política pública de gênero e analisar

sua correlação de força no espaço público e privado;

• Propagar os ideais de convivência saudável e harmoniosa entre homens

e mulheres a partir da discussão ampla do tema com diversos setores

da sociedade;

• Participar e estimular a articulação da rede sócio-assistencial de

enfrentamento à violência contra a mulher.

O CREAS recebe encaminhamentos, na sua maioria, oriundos do I

JVDFM, após a resolução das questões processuais, porém, ainda recebemos

famílias encaminhadas dos demais CRAS e CREAS da SMAS, das instituições

de saúde e das demais secretarias. Outras instituições de atendimento a

mulher vítima de violência também podem encaminhar casos ao CREAS

Simone de Beauvoir, para atendimento à família.

A área de abrangência do equipamento, inicialmente, é estendida a todo

o município, haja vista ser o único CREAS para atendimento a esta temática

específica. Desta forma, as mulheres do município que se encontram em

situação de violência doméstica e familiar podem acessar aos serviços do

CREAS, assim como suas famílias, para orientação, acompanhamento

sistemático e encaminhamentos diversos.

Com base em análise empírica, temos percebido que a área de

residência destas mulheres que acessaram ao serviço, está concentrada no

corredor centro - zona norte, contudo, ainda são dados muito incipientes para

traçarmos um perfil com mais variáveis e nuances.

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Atividades Realizadas

• Capacitação da equipe interdisciplinar do CREAS Simone de

Beauvoir, para atendimento a mulheres e famílias em situação de

violência doméstica e familiar;

• Atendimento social e psicológico às mulheres e suas famílias que

procurem o CREAS Simone de Beauvoir;

• Reunião do grupo de recepção, nos moldes de “sala de espera” com

as usuárias que procuram informações junto a Defensoria Pública da

Mulher e ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher;

• Realização do plano de promoção social para as famílias atendidas

no CREAS Simone de Beauvoir e encaminhamento para

acompanhamento destas ações através dos CRAS de referência das

famílias;

• Encaminhamentos monitorados visando a inclusão em programas e

serviços da SMAS e demais secretarias de governo numa

perspectiva de atendimento integrado;

• Realização de visitas domiciliares, quando necessário, a fim de

conhecer melhor a realidade social dos usuários do CREAS;

• Identificação de pessoas de referência e/ou de confiança que

possam auxiliar no processo de empoderamento e autonomia das

mulheres usuárias;

As ações do CREAS são desenvolvidas com base em entrevistas

sociais e psicológicas individuais com os membros da família; Grupo de

recepção de mulheres informando todas as ações do CREAS e possibilidades

de acesso aos serviços da rede sócio-assistencial; Grupo reflexivo com

homens autores de agressão, objetivando tratar questões referentes à

masculinidade, construção de identidades, papéis sociais entre outras.

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CAPÍTULO III

CONSEQUÊNCIAS

3- Romper com o ciclo da violência

Romper com a violência é um processo muito doloroso e difícil, pois

diversas razões existem. Dentre elas podemos citar: o isolamento, a culpa,

vergonha, medo, dependência financeira e ou emocional, filhos, esperança e o

amor.

A violência domestica obedece, em geral, a um ciclo composto por três

fases:

• Tensão – esta fase se caracteriza por crises de ciúmes, intimidações e

ameaças. A mulher procura acalmar o agressor e justificar a violência

sofrida: ”ele anda nervoso por estar desempregado, porque bebeu um

pouco a mais, por estar cansado do trabalho”. Muitas vezes ela se acha

responsável pela situação que sofre e vai se tornando submissa e

amedrontada.

• Explosão – nesta fase as relações vão se tornando cada vez mais hostis

e as agressões verbais e físicas mais graves e constantes. Esta etapa é

mais aguda e tende a ser mais rápida que a primeira fase.

• Lua de mel – depois da violência física o agressor costuma se mostrar

arrependido, apaixonado, pede desculpas e diz que vai modificar seu

comportamento.

Na maioria das vezes, as agressões voltam a acontecer de forma muito

mais grave.

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Logo o ato de esconder a violência das autoridades e familiares, que

quebrar o circulo, é uma conseqüência direta dos maltratos, humilhações,

agressões físicas, sexuais e psicológicas feitas pelo companheiro, que resultam

em depressão e baixa estima da mulher agredida. As estatísticas mostram que

as mulheres só procuram a delegacia especiais quando são ameaçadas com

armas de fogo ou quando sofrem um espancamento que deixa marcas e

fraturas.

Romper com esta violência, além da elaboração, também implica, na

ação dos órgãos competentes veicularem informação de que existe ajuda

especializada para as pessoas que sofrem este tipo de violência. Se a vítima

procurar ajuda para contar seu problema, muitas mulheres se espelharão nela

e irão fazer o mesmo, mas é preciso que se divulguem esses atendimentos e

suas eficácias.

3.1 – Conseqüências

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a violência

doméstica contra a mulher como uma questão de saúde pública, que afeta

negativamente a integridade física e emocional da vítima, seu senso de

segurança, configurada por círculo vicioso de “idas e vindas” aos serviços de

saúde e o conseqüente aumento com os gastos neste âmbito (GROSSI,1996).

Cada tipo de violência gera, segundo Kashani e Allan (1998), prejuízos

nas esferas do desenvolvimento físico, cognitivo, social, moral, emocional ou

afetivo. As manifestações físicas da violência podem ser agudas, como as

inflamações, contusões, hematomas, ou crônicas, deixando seqüelas para toda

a vida, como as limitações no movimento motor, traumatismos, a instalação de

deficiências físicas, entre outras.

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Os sintomas psicológicos freqüentemente encontrados em vítimas de

violência doméstica são: insônia, pesadelos, falta de concentração,

irritabilidade, falta de apetite, e até o aparecimento de sérios problemas

mentais como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, estresse pós-

traumático, além de comportamentos auto-destrutivos, como o uso de álcool e

drogas, ou mesmo tentativas de suicídio (KASHANI; ALLAN, 1998).

A violência psicológica compromete a saúde mental, ao interferir na

crença que a mulher possui sobre sua competência, isto é, sobre a habilidade

de utilizar adequadamente seus recursos para o cumprimento das tarefas

relevantes em sua vida. A mulher pode apresentar distúrbios na habilidade de

se comunicar com os outros, de reconhecer e comprometer-se, de forma

realista, com os desafios encontrados, além de desenvolver sentimento de

insegurança concernente às decisões a serem tomadas. Ocorrências

expressivas de alterações psíquicas podem surgir em função do trauma, entre

elas, o estado de choque, que ocorre imediatamente após a agressão,

permanecendo por várias horas ou dias (BRASIL, 2001).

Para tentar suportar essa realidade, a mulher precisa abdicar não

somente de seus sentimentos, mas também de sua vontade. Com isso, ela

passa a desenvolver uma auto-percepção de incapacidade, inutilidade e baixa

auto-estima pela perda da valorização de si mesma e do amor próprio

(MILLER, 1999).

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CONCLUSÃO

Considerando o Brasil um país com alto índice de violência doméstica e

sabendo da complexidade de fatores que atravessam esta forma de violência,

não podemos explicá-la por um modelo teórico que sugira uma abordagem

determinista ou única sobre o problema.

Entretanto, o que se pretende sugerir, a partir deste estudo é que se

reflita sobre a possibilidade de reestruturar, reavaliar o comportamento de

mulheres que vivem uma relação de risco, com o intuito de interditar a

violência, oferecendo-lhe orientação preventiva através da escuta, de palestras

pedagógica e jurídica visando à concretização. Pois, a rota de idas e vindas,

círculos, que fazem com que o mesmo caminho seja repetido sem resultar em

soluções e, sobretudo, apontam investimento de energias e repetições que

levam a desgaste emocional e revitimização.

No âmbito da saúde pública faz-se necessário ampliar o atendimento

psicológico e clínico ginecológico, devido ao alto índice de lesões corporais e

abusos sexuais, causadores de doenças sexualmente transmissíveis (DST),

abortos e muitas dores pélvicas (queixa recorrente entre minhas pacientes).

Outra desconstrução a ser feita está relacionada às autoridades

públicas. Conhecedora de que a violência doméstica percorre o caminho do

desemprego, da pobreza, da droga, do álcool e apesar de algumas iniciativas,

há pouco interesse em modificar essa estrutura ou até mesmo no que se refere

a aumentar seu quadro de profissionais que atuam na especificidade.

Para isso, é preciso desenvolver uma forte estratégia de políticas

públicas que reconheçam as perdas e desvantagens que recaem sobre as

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mulheres por sua condição de vítimas da violência doméstica. Agregando a

este enfrentamento, a soma de esforços entre os diversos segmentos da

sociedade: entre os poderes Executivos, Legislativos e Judiciário; governos

estaduais e municipais; movimentos sociais. Um novo olhar governamental,

garantindo ações articuladas entre os diversos Ministérios e Secretarias,

construindo uma verdadeira rede de política em direção à cidadania.

Tratar de política pública social significa compreender a sua relação com

a sociedade em que se vive.

Tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto na Lei

Maria da Penha, toda pessoa, no caso a mulher, independente de classe, raça,

etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião,

goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe

asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar

sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Quando se trabalha numa equipe multidisciplinar devemos entender

que, embora o Serviço Social e Psicologia possuam acúmulos teóricos-políticos

diferentes, o diálogo entre essas categorias profissionais aliará reflexão crítica,

participação política, compreensão dos aspectos objetivos e subjetivos

inerentes ao convívio e à formação do indivíduo, da coletividade e das

circunstâncias que envolvem as diversas situações que se apresentam ao

trabalho profissional. O trabalho em equipe não pode negligenciar a definição

de responsabilidades individuais e competências.

“Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência”. Este é o nosso

desejo e deve ser o nosso compromisso. (FREIRE, 2004)

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