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1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” MONOGRAFIA A intervenção no meio ambiente por remanescentes de escravos e a Marinha do Brasil no Pontal da Marambaia. Dano ambiental, preservação ou direitos adquiridos pelos quilombolas? Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

MONOGRAFIA

A intervenção no meio ambiente por remanescentes de escravos e a

Marinha do Brasil no Pontal da Marambaia. Dano ambiental, preservação

ou direitos adquiridos pelos quilombolas?

Rio de Janeiro

2007

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Aloysio Clemente Maria Infante de Jesus Breves Beiler

A intervenção no meio ambiente por remanescentes de escravos e a

Marinha do Brasil no Pontal da Marambaia. Dano ambiental, preservação

ou direitos adquiridos pelos quilombolas?

Monografia apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito

Ambiental

Orientador: Prof. Francisco Carrera

Rio de Janeiro

2007

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Era um sonho dantesco... O tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho,

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar de açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas, espantadas

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs.

OS ESCRAVOS, DE CASTRO ALVES. O NAVIO NEGREIRO

Tragédia no Mar. Recife, 7 de Junho de 1865.

"Interrogai o mais vil serviçal, coberto de andrajos, nutrido com pão preto,

dormindo sobre a palha numa cabana entreaberta; perguntai-lhe se quer ser

escravo, melhor nutrido, melhor vestido, melhor acomodado. Não somente

responderá recuando horrorizado, mas haverá alguns a quem nem mesmo

ousareis fazer a proposta".

Puffendorf diz que a escravidão foi estabelecida "como um consentimento das

partes e por um contrato para fazer a fim de receber". Só acreditarei em

Puffendorf quando mostrar-me o primeiro contrato".

(Dicionário Filosófico, Voltaire – 1694-1778)

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SUMÁRIO

RESUMO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I – A ILHA DA MARAMBAIA. ASPECTOS LEGAIS DE UMA ÁREA DE

PRESERVAÇÃO AMBIENTAL.

1 A importância da Marambaia

1.1 Dispositivos legais de proteção

1.2 A restinga – área de preservação permanente

1.3 O Decreto Quilombola

1.4 A ocupação da Marambaia

1.5 A presença da Marinha do Brasil – É possível preservar a Marambaia sem a

presença militar?

CAPÍTULO 2 – O FEUDO FAMILIAR DOS SOUZA BREVES

2 O reino da Marambaia. Um feudo do Comendador Joaquim Breves -

"rei do café" no Império.

2.1 O tráfico de escravos

2.2 Um viveiro morto da mão-de-obra negra para o cafezal

2.3 Quilombos e Jongo nas terras dos Breves

2.3.1 Em Arrozal, Piraí, RJ

2.3.2 Em Pinheiral, RJ

2.3.3 Em Santa Rita do Bracuí, Angra dos Reis, RJ

2.4 Inventário do "rei do café"

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2.5 Ruínas dos Breves em Mangaratiba, RJ: armazéns, trapiches, uma estrada e

um teatro.

CAPÍTULO 3 – POSSE DA TERRA, CONFLITOS E ORGANIZAÇÕES EM LUTA POR

DIREITOS.

3 Conflito - A posse da terra

3.1 O Breves era o dono?

3.2 Expulsos do Paraíso – O caso Dona Sebastiana

3.3 A posse da terra pelo ilhéu. Demanda por novos interesses

3.4 Organizações atuantes na ilha

3.4.1 - KOINONIA

3.4.2 – Observatório Quilombola - OQ

3.5 Uma carta de repúdio

3.6 A pesca como atividade principal

3.6.1 A escola de pesca

3.6.2 O fim da Escola de Pesca

CAPÍTULO 4 – PROTEÇÃO JURÍDICA ÀS COMUNIDADES NEGRAS

4 A pendência jurídica

4.1 A Fundação Cultural Palmares

4.1.1 O que são quilombos?

4.1.2 Proteção das comunidades negras tradicionais

4.1.3 Patrimônio Material e Imaterial

4.2 ARQIMAR - Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da

Marambaia. A luta pelos direitos dos descendentes de escravos.

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4.3 O Resultado da pesquisa UFRJ

CAPÍTULO 5 – COMO SOLUCIONAR A CONFLITUOSA RELAÇÃO: MEIO

AMBIENTE PROTEGIDO, COMUNIDADE QUILOMBOLA E INTERESSES

MILITARES.

5. A solução do conflito

5.1 O processo ainda inacabado

5.3 A decisão do Ministério Público Federal

5.4 Retrocesso na edição de portarias do INCRA

CAPÍTULO 6 – FORÇAS ARMADAS NO PARAÍSO ECOLÓGICO – DANO AO MEIO

AMBIENTE OU PRESERVAÇÃO?

6.1 Aspectos técnicos

6.2 - A Marinha do Brasil nas Ações Cívico Sociais na Ilha da Marambaia

6.3 - Geoestratégia e Adestramento na Marambaia

CAPÍTULO 7 – A MÍDIA EXERCENDO SEU MELHOR PAPEL

7 As múltiplas visões de um conflito. A Marambaia na mídia

7.1 Parlamentares em defesa da Marambaia

7.2 Balneário oficial de Presidentes

7.3 Ações Afirmativa

CAPÍTULO 8 – DADOS HISTÓRICOS E CRONOLÓGICOS

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

RELAÇÃO DE FOTOGRAFIAS E GRÁFICOS

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Fig. 01 - Declaração de posse da Ilha da Marambaia feita pelo Comendador Joaquim

José de Souza Breves em 27 de fevereiro de 1856. Itacuruçá, RJ.

Fig. 02 - Comendador Joaquim José de Souza Breves. Coleção IHGB - RJ

Fig.03 - Maria Izabel de Moraes Breves. Coleção IHGB - RJ

Fig. 04 - A fazenda da Marambaia, além de quarentena de escravos recém chegados

da África, também produzia café. Boa parte da ilha era plantada com o

chamado "ouro verde". Fonte: História do Café no Brasil Imperial

www.brevescafe.oi.com.br.

Fig. 05 - Igreja de São Joaquim da Grama. Rio Claro, RJ. Foto: Aloysio Breves. 1992.

Fig. 06 - Casarão da fazenda da Grama. Rio Claro, RJ. Foto: Aloysio Breves. 1992.

Fig. 07 - Uma das colunas de pedra, cal e óleo animal que sustentavam a gigantesca

senzala dos Breves. Praia da Armação, Marambaia, RJ. Foto: Aloysio

Breves. 2006.

Fig. 08 - No meio da mata (500 m da praia da Armação) a sucessão de colunas das

senzalas dos Breves. Praia da Armação, Marambaia, RJ. Foto: Aloysio

Breves. 2006.

Fig. 09 - Ruínas da casa-grande da fazenda da Marambaia que pertenceu ao

Comendador Breves. Praia da Armação, Marambaia, RJ. Foto: Aloysio

Breves. 2006.

Fig. 10 - Casas de militares do CADIM na Marambaia. Ao fundo o Pico da Marambaia.

Foto: Aloysio Breves. 2006.

Fig. 11 - Antiga tulha ou senzala dos Breves na sede do CADIM, Marambaia. Serve de

hotel de trânsito para visitantes e oficiais. Foto: Aloysio Breves. 2006.

ANEXOS

ANEXO 1 - Mapa do Conflito

ANEXO 2 - Legislação Histórica. Tópicos.

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ANEXO 3 - Decreto no. 4.887, de 20 de novembro de 2003.

ANEXO 4 - Instrução Normativa no. 20

ANEXO 5 - Carta resposta ao Prefeito Cesar Maia

ANEXO 6 - Carta ao Presidente Fernando Henrique

AANEXO 7 – Crime ambiental e erro histórico. Prefeito César Maia.

ANEXO 8 –SENTENÇA – 29/03/07 – Relatório.

ANEXO 9 - Um olhar sobre o passado. "Férias na Marambaia em 2001" e "O retorno

em 2006".

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RESUMO

O artigo 2o do Decreto no. 4.887, de 20 de novembro de 2003 expressa

em seu caput a definição de remanescentes das comunidades quilombolas. A

presente Monografia reconstrói a trajetória dos descendentes de escravos da

Ilha da Marambaia, sua luta por direitos de ocupação do solo, a gestão da

Marinha do Brasil no pontal, e os diversos contraditórios surgidos em

decorrência do tema.

São considerados os aspectos legais e os processos judiciais em curso,

a atuação dos governos federal, estadual e municipal, bem como a ação dos

órgãos gestores de Meio Ambiente.

Uma reflexão sobre um tema atual – legalização de terras quilombolas e

a intervenção dessas comunidades no meio ambiente: impacto ambiental.

Defesa do pratrimônio cultural, turismo e política.

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para

os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-

atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais

específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a

resistência à opressão histórica sofrida.

PALAVRAS-CHAVE

Marambaia

Café

Preservação

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INTRODUÇÃO

O tema proposto é contemporâneo e bastante atual, tendo em vista, o

envolvimento de remanescentes de ex-escravos isolados em uma ilha; um

centro de adestramento da Marinha do Brasil; o interesse político voltado para

a especulação imobiliária; a história de poder do maior escravocrata do Brasil

Imperial; e a preservação de um paraíso ecológico.

A área objeto de estudo e reflexão é o Pontal da Marambaia, também

chamado de ilha que é o final da extensa restinga na baía de Sepetiba. Das

terras de Guaratiba, 45 km de extensão de areia e vegetação típica, a faixa

exígua delimita as águas da baía e o oceano.

A ilha (vamos chamá-la assim) na denominação indígena era chamada

de ”cerco do mar”1. Rica em águas, dada a sua extensão, serviu de abrigo e

reposição de víveres para piratas no século XVII.

Em 27 de fevereiro de 1856 o comendador Joaquim José de Souza

Breves, respaldado pela Lei no. 601 de 18 de setembro de 1850, fez constar no

Livros de Registros2 de terras da paróquia de Itacuruçá, o seguinte:

"Declaro que sou proprietário da Ilha da Marambaia, cujos terrenos são

cultivados, compreendendo nos seus limites a restinga e o mangue de

Guaratiba até a divisa do canal, e também são acessórias a mesma ilha,

as três pequenas ilhas fronteiras denominadas Saracura, Bernardo e

Papagaio."

Com a morte de Joaquim Breves em 30 de setembro de 1889, a fazenda

entrou em franca decadência, restando de pé somente a sede, a pequena

capela (ambas localizadas na praia da Armação) e uma senzala.

O CADIM - Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia, criado pela

Portaria no. 0084, de 19 de janeiro de 1981 do Ministério da Marinha,

1 Marambaia – na língua indígena significa cerco do mar. 2 Livros de Registros de terrras da paróquia de Itacurussá.

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subordinado ao Comando de Fuzileiros Navais é o gestor responsável pelo

Pontal da Marambaia.

Ilhéus pescadores, remanescentes dos antigos escravos de Breves,

constituem 268 famílias residindo no local administrado pelo Governo. Hoje,

reivindicam a posse da terra através de sua associação – AQUIMAR –

Associação dos Quilombolas da Ilha de Marambaia.

Fig. 01

Declaração de posse da Ilha da Marambaia feita pelo Comendador Joaquim José de Souza Breves

em 27 de fevereiro de 1856. Itacuruçá, RJ.

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CAPÍTULO I – A ILHA DA MARAMBAIA. ASPECTOS LEGAIS DE UMA

ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

1. A importância Marambaia.

O pontal e restinga da Marambaia se enquadram nos conceitos de Área

de Proteção Ambiental considerada de vital importância para o meio ambiente.

Possui uma extensa área de mata atlântica originária, vegetação de restinga e

manguezais em excelente estado de conservação.

Situada no município de Mangaratiba a Marambaia é cercada palas

águas da baía de Sepetiba, apresentando uma representativa parcela da mata

Pluvial Costeira, quase que extinta no Rio de Janeiro, parte da área mais ampla

de Mata Atlântica. Suas terras argilosas, extendem-se em extensa restinga

arenosa, para leste, numa extensão de 40 quilômetros. O ponto culminante do

pontal é o pico da Marambaia, elevando-se do nível do mar numa altura de 480

metros. Próximo ao pico, ao sul, encontra-se o canal que separa o pontal da

Marambaia da Ilha Grande: o equivalente a mais ou menos 12 quilômetros de

largura.

1.1 Dispositivos legais de proteção.

As áreas de Mata Atlântica são consideradas patrimônio Nacional pela

Constituição Federal de 1988:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade

de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 4º. A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar,

o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional,

e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que

assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso

dos recursos naturais.”

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A Constituição Estadual do Estado do Rio de Janeiro:

“Art.268. São áreas de preservação permanente:

IV- as áreas que abriguem exemplares ameaçados de extinção, raros,

vulneráveis ou menos conhecidos, na fauna e flora, bem como aquelas

que sirvam como local de Pouso, alimentação ou reprodução;

V- as áreas de interesse arqueológico, histórico, científico, paisagístico e

cultura.”

“Art. 270 - As terras públicas ou devolutas, consideradas de interesse

para a proteção ambiental, não poderão ser transferidas a particulares a

qualquer título.”

A Marambaia foi tombada pelo edital da Secretaria de Estado de Cultura

do Rio de Janeiro, de 04 de março de 1991. O tombamento é um instrumento

jurídico instituído por meio de Decreto-Lei para proteger áreas de relevante

interesse ambiental e histórico. Todo o Município de Mangaratiba é tombado

pelo Estado (Processo E- 18/000.172/91).

Em 1992 foi elevada à condição de Reserva da Biosfera do Programa

Man and Biosphere (MaB,) pela UNESCO. Outro instrumento é o Decreto

Federal no. 750 de 10 de fevereiro de 1993, que considera as restingas

(incluindo praias e dunas), manguezais como ecossistemas associados. Se

atentarmos para a legislação mais antiga, como por exemplo o Código Florestal

(Lei 4771/1965), verificamos que é expressa a proteção sobre restingas e

mangues:

“Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito

desta Lei, demais formas de vegetação natural situadas:

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de

mangues.”

Conforme Decreto Estadual nº 9.802/87, todas as terras da Ilha da

Marambaia situadas acima da curva de nível de 100 metros estão integradas à

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Área de Proteção Ambiental (APA) de Mangaratiba. Ademais, o próprio

Decreto, em suas considerações expõe:

“...não ser aconselhável a ocupação humana nesta área, em razão dos

obstáculos legais, das elevadas declividades, da ocorrência de áreas

inundáveis e manguezais e das dificuldades de implantação do sistema

de saneamento básico”.

O Decreto nº 4.340/2002, que regulamenta a Lei nº 9.985/2000, dispõe

sobre o Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC, na qual se

inclui a Ilha da Marambaia (Município de Mangaratiba), como Área de

Preservação Ambiental.

Recentemente entrou em vigor a Lei 11.428, de 22 de dezembro de

2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma

Mata Atlântica. Vale ressaltar que a Ilha da Marambaia possui uma das últimas

reservas de Mata Atlântica do sudeste brasileiro, ainda intocadas, não

utilizadas, nem para moradia, nem para qualquer tipo de cultivo de

subsistência.

1.2 A restinga – área de preservação permanente.

Nos termos do Código Florestal, Lei 4.771/65, restinga para efeitos de

preservação permanente é a vegetação que encobre a formação geológica

denominada restinga, ou seja: "Faixa ou língua de areia, depositada

paralelamente ao litoral, devido ao dinamismo destrutivo e construtivo das

águas oceânicas. Esses depósitos são feitos com apoio em pontas ou cabos,

podendo barrar uma série de pequenas lagoas, ou mesmo baías. Como

exemplo: a restinga da Marambaia, ao sul do Município do Rio de Janeiro".

A vegetação que se encontra nas restingas funciona como fixador de

dunas e estabilizador de mangues – essa vegetação é considerada de

preservação permanente (Art. 2º, “f”, do Código Florestal).

O conflito se estende na legislação com jurisprudência controversa, pois

enquanto a Lei 4.771/65 se atém à vegetação, a Resolução CONAMA 303/02

estende essa proteção às restingas em duas situações:

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a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de

preamar máxima;

b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por

vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de

mangues” (art. 3º, IX).

Juristas defendem uma e outra corrente, entendendo alguns como o

Prof. Milaré que o CONAMA extrapolou sua competência e função.3

1.3 O Decreto Quilombola.

Em 20 de novembro de 2003, diante de pressões de organizações não-

governamentais, políticos, as populações de afro-descendentes e minorias em

geral, foi publicado o Decreto nº 4.887:

"Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento,

delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por

remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

Em seu Artigo 2º. encontra-se a definição que mudaria o conceito de

quilombos.

Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,

para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de

auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações

3 A inconstitucionalidade da Resolução CONAMA 303/02, reconhecida pelo Judiciário, em sede de mandado de segurança impetrado contra órgão ambiental, conforme verbis: “Não pode o órgão normativo de coordenação de políticas do meio ambiente editar resolução alterando ou criando obrigações diversas daquelas previstas em disposição legislativa. (...) A Resolução 303/02 do CONAMA acrescentou ao artigo 2º da Lei 4.771/65 ... hipótese nele não prevista, qual seja, considerar como área de preservação permanente aquela situada em restingas, em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima. A finalidade da edição da Resolução não foi a de regulamentar a lei, mas sim de criar situação diversa daquela já prevista, o que só se admite por meio de lei ordinária. (...) Assim, tem a impetrante direito à manifestação da autoridade coatora no pedido de licenciamento ambiental, que deverá emitir parecer sem aplicar o artigo 3º, inciso IX, alínea ‘a’, da Resolução 303/02 do CONAMA” (Sentença proferida em Mandado de Segurança, autos nº 1.235/02, da 1ª Vara Cível da Comarca de Ubatuba, Estado de São Paulo. (Milaré)

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territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra

relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida".

Estabelece ainda, a carta magna dos quilombolas, que o por meio do

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, erá feita a

identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras

ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. (Art. 3º.)

Devem ser ouvidas as entidades:

• Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;

• Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis - IBAMA;

• Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão;

• Fundação Nacional do Índio - FUNAI;

• Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;

• Fundação Cultural Palmares.

No caso específico da Marambaia, há que se levar em conta o que

preceitua o artigo 11 do mesmo Decreto:

"Art. 11. Quando as terras ocupadas por remanescentes das

comunidades dos quilombos estiverem sobrepostas às unidades de

conservação constituídas, às áreas de segurança nacional, à faixa de

fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-

Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação

Cultural Palmares tomarão as medidas cabíveis visando garantir a

sustentabilidade destas comunidades, conciliando o interesse do

Estado.

1.4 A ocupação da Marambaia.

A Marambaia (ilha ou pontal) possui quatorze praias: Praia do Sino,

Pescaria Velha, Praia da Kaetana, Praia da Cachoeira, Praia do José, Praia da

Kutuca, Praia Grande, Praia do CADIM, Praia Suja, Praia do Sítio, Praia do

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Caju, Praia da Varinha, Praia da Armação e Praia da Restinga. O acesso às

praias se faz por pequenos caminhos aberto próximo a encosta do morro. Na

face norte da Ilha, sobre a qual a primeira etapa de nossa pesquisa

concentrou-se, entre a Praia Suja e a Praia da Restinga existem trinta e seis

casas.

1.5 A presença da Marinha do Brasil – É possível preservar a Marambaia

sem a presença militar?

A Marinha do Brasil é responsável por esta Unidade de Conservação, e

aparentemente tem se mostrado eficaz em sua conservação, apesar de estar

localizada na região (Baía da Ilha Grande), que nos últimos anos tem sido

objeto de intensa degradação ambiental e especulação imobiliária, sendo,

portanto, visível o elevado grau de preservação da Marambaia, conforme se

pode confirmar mediante consultas a integrantes da comunidade científica, que

realizam trabalhos de campo, tais como Professores da UFRRJ, os quais

afirmam, por exemplo, que:

“A presença da Marinha do Brasil nesta região tem propiciado e

garantido a conservação da Natureza".

Trata-se de um sítio natural de epífitas (bromélias e orquídeas) de

renome mundial e de “sambaquis” – sítios arqueológicos.

Seria possível preservar esse ambiente sem essa presença militar, que

impede a caça e a coleta predatória e afasta da ilha a possibilidade da invasão

e do esbulho? A fauna e a flora do lugar só puderam ser preservadas graças à

presença das Forças Armadas e, particularmente, da Marinha. A presença

militar vem garantindo que, até o momento, a região não seja alvo da

especulação imobiliária, de invasões ou de processo de favelização e

ocupação urbana desordenada.

"A preocupação da Marinha do Brasil em preservar a Ilha da Marambaia

é exatamente no sentido de impedir que ocorra, a título de exemplo, a mesma

devastação deflagrada no Recôncavo Baiano, em São Francisco do

Paraguaçu, uma das 11 comunidades reconhecidas como remanescentes de

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quilombos. De acordo com a reportagem do Jornal Nacional, de 14 de maio de

2007, os descendentes de quilombolas, futuros proprietários da área, estão

interessados mesmo é na madeira da mata atlântica, sendo as toras

semanalmente transportadas até a estrada. As áreas de nascentes de rios

também estão sendo derrubadas.

A presença de uma força militar, qualquer que seja a área, é motivo de

inúmeras considerações. O aparato militar, como por exemplo: instalações,

acampamentos, áreas de tiro e treinamento, abertura de trilhas, embarque e

desembarque de tropas, pressupõe o planejamento e a organização de uma

estratégia para que se opere o teatro de ocupação e realização desses

eventos.

Acontece que, esse teatro de operações é uma ilha afastada do

continente (cerca de 2 horas de barco) com uma comunidade de pescadores

inserida nesse contexto.

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CAPÍTULO 2 – O FEUDO FAMILIAR DOS SOUZA BREVES

2 O reino da Marambaia. Um feudo do Comendador Joaquim Breves - "rei

do café" no Império.

Em 30/09/1889, mais de um ano após a libertação dos escravos no

Brasil, morria, na Fazenda de São Joaquim da Grama, Passa Três, o

Comendador Joaquim José de Souza Breves. Foi enterrado, à noite, na Capela

que ele mesmo mandara edificar. No seu testamento, ele exigia um enterro o

mais simples possível, proibindo galões dourados ou de prata no caixão. Foi

sepultado com a mesma roupa preta com que sempre andava. Figura ainda

hoje meio lendária, o Comendador Joaquim José de Souza Breves, na sua

época conhecido como o “rei do café”, acumulou uma incrível fortuna em

meados do século XIX. Construiu a Fazenda de São Joaquim da Grama e lá

estabeleceu a sede dos seus domínios. Sua fortuna, todavia, não resistiu à

geração seguinte.

O "rei do café" e sua esposa.

Fig. 02

Comendador Joaquim José de Souza Breves

Coleção IHGB - RJ

Fig.03

Maria Izabel de Moraes Breves

Coleção IHGB - RJ

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O açoriano Antônio de Souza Breves, descendente do ramo francês do

Conde de Brèves, François Savary (1560-1629), embaixador de Henrique IV

em Constantinopla e Roma, por conta dos constantes terremotos e tragédias

que assolavam as ilhas do arquipélago açoriano, veio para o Brasil em 1720,

trazendo sua mulher e seu filho José. Estabeleceu-se num local perto de uma

cachoeira, daí ficando conhecido como “Antonio da Cachoeira”.

Afonso d’ Escragnole Taunay em sua “História do Café no Brasil” relata

um pouco da história dos primeiros povoadores da serra fluminense:

"Por volta de 1730, o Governador e Capitão-Geral da Capitania do Rio

de Janeiro, Luiz Vahia Monteiro, o famoso "Onça", mandou abrir novos

caminhos para a Capitania de São Paulo, para que se evitasse o

extravio de ouro e os desentendimentos com os índios que habitavam as

regiões de São João Marcos, Piraí, e Campo Alegre em Rezende. Em

1737, João Machado Pereira fundava em sua fazenda a Freguezia,

tendo como padroeiro São João Marcos, em cuja capela se estabeleceu

pia batismal e sacrário para provisão episcopal. Logo em seguida

afazendou-se na região sertaneja Antônio de Souza Breves e sua

mulher, dedicando-se ao desbravamento das matas, cultivando e

formando fazenda, para o que obtivera sesmarias de largas terras.

Naquele tempo em que a terra reclamava vorazmente povoadores e

mais povoadores, era extrema a fecundidade das mulheres; Antônio de

Souza Breves teve notável descendência e numerosa prole. O "Velho

Cachoeira", como ficou conhecido em idade provecta, patriarca da

família Breves, faleceu em São João Marcos, sendo sepultado em cova

do Santíssimo dentro da Matriz de São João Marcos, em 31 de

dezembro de 1814 e revestido seu cadáver do hábito de Santo Antônio".

(TAUNAY, 1932,45)

Seu filho, José de Souza Breves, foi proprietário da Fazenda Manga

Larga, às margens do rio Piraí. Colocou-se às ordens das autoridades locais

para expulsar os Puris da região. Recebeu, em troca, a patente de Capitão-Mor

e o comando das milícias de Resende e arredores, reforçando o seu poder. O

Capitão José de Souza Breves casou-se com Maria Pimenta de Almeida,

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brasileira, da Ilha Grande. Tiveram 5 filhos, dos quais Joaquim Breves, que se

tornaria o mais famoso deles.

Joaquim Breves foi formando sua fortuna através da compra de

fazendas, heranças e do casamento com sua sobrinha Maria Isabel de Moraes,

filha dos Barões de Piraí.4 Não existe, ainda, um levantamento sistemático de

todas as suas propriedades, mas são estimadas num total aproximado de 90

fazendas, chegando a ter o fantástico número de 6 mil escravos no total. Os

Breves e seus aparentados possuíam mais de 12.000 escravos. Sozinho foi o

maior possuidor de escravos no século XIX no Brasil. Durante o Primeiro

Reinado, Joaquim Breves tornou-se membro da Guarda Nacional e, como

recompensa pela sua fidelidade ao Imperador D. Pedro I, também adquiriu o

título de Comendador da Ordem da Rosa, um dos vários títulos honoríficos da

Coroa. A partir daí ficou conhecido como “Comendador Breves”.

Cada uma das fazendas comportava as plantações e estrutura para

beneficiamento parcial do café; terras extensivas e trabalhadores escravos, na

sua maioria. Algumas também tinham moinhos, serrarias, engenho de açúcar,

capelas, estradas e pontes próprias, hospedaria, hospital, etc. Suas terras se

estendiam pelos atuais municípios de São João Marcos, Piraí, Pinheiral,

Mangaratiba, Resende, Barra Mansa, Rio Claro e pelos municípios paulistas de

Bananal e Areias. Dizia-se, na época, que podia-se ir do oceano até Minas

Gerais sem sair das terras do Breves.

A produção de café era compatível com a extensão de suas terras. De

1840 a 1889 a região de São João Marcos e Rio Claro produziu uma média

anual de 383 mil arrobas de café, com 153 produtores. Desses, 26% ou 100 mil

arrobas eram produzidos pelo Comendador. Em 1860, quando o total da

produção de café no Brasil era de 14 milhões de arrobas, somente o

Comendador produziu cerca de 360 mil arrobas, ou 1,45% do total. Um feito

recorde que lhe valeu por toda vida o título desdenhado de “rei do café”. O

único produtor que se aproximava do seu recorde era José Joaquim Breves,

seu irmão (normalmente se confunde os dois por causa da semelhança do

nome), que produzia cerca de 100 mil arrobas.

4 Barões do Pirahy – José Gonçalves de Moraes e Cecília Pimenta de Almeida Frazão de Souza Breves (irmã do comendador Joaquim Breves).

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Fig. 04 - A fazenda da Marambaia, além de quarentena de escravos recém chegados da África,

também produzia café. Boa parte da ilha era plantada com o chamado "ouro verde". Fonte: História do

Café no Brasil Imperial www.brevescafe.oi.com.br.

2.1 O tráfico de escravos

O total de 6 mil escravos, parece à primeira vista, exagerado. Ainda mais

se compararmos esse número com o de outra poderosa família escravocrata e

cafeeira, os Vallim, de Bananal. O também Comendador Manuel de Aguiar

Vallim tinha, por volta de 1860, um total de 650 escravos, 710 alqueires de

café, sendo, por isto, um dos homens mais ricos deste país. No entanto, se

considerarmos, como o historiador Victor M. Filler, uma média de 200 escravos

por fazenda, dividindo-se no trabalho com o café, no trato doméstico (no

interior de grandes fazendas como era a da Grama), nos moinhos e serrarias,

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nos engenhos, nas oficinas mecânicas e na condução da produção do café até

os portos, esse número passa a não ser assim tão impossível. Outra

comparação, segundo o mesmo Filler, é que 200 mil arrobas de café divididas

por 6 mil dão uma média de 30 arrobas por escravo, o que é compatível com a

média de outras plantações de café. De qualquer forma, esse total, mesmo

não podendo ser comprovado, serve, no mínimo, para simbolizar as extensas

propriedades e riquezas do Comendador.

Fig. 05 - Igreja de São Joaquim da Grama. Rio Claro, RJ. Foto: Aloysio Breves. 1992.

Fig. 06 - Casarão da fazenda da Grama. Rio Claro, RJ. Foto: Aloysio Breves. 1992.

Como manter essas propriedades em funcionamento por vários anos?

O problema da mão-de-obra era central. Na medida em que estendia suas

plantações, o Comendador Breves aumentava também a demanda por

escravos. A força de trabalho escrava não se mantinha por crescimento natural

nas grandes fazendas. Com a proibição do tráfico de escravos, em 1850,

Breves lançou-se na sua mais famosa empreitada, a de contrabandista de

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negros africanos, ligando-se, permanentemente, aos maiores traficantes de

escravos. Já em 1827 a Inglaterra firmara um tratado com o Brasil, restringindo

o tráfico. Desse ano até 1852 cerca de 500 mil africanos entraram no Brasil.

Era pública e notória a atuação do Comendador entre as principais lideranças

desse comércio. Vários navios negreiros foram apreendidos, dentre eles o

Duquesa de Bragança, capturado por autoridades britânicas que confiscaram

todo o carregamento. Outros navios escaparam da vigilância devido a um

especial esquema de despiste das autoridades britânicas e brasileiras. Na

fazenda da Marambaia, no território de Mangaratiba, o Comendador criou um

verdadeiro entreposto para o estabelecimento de cativos que abasteciam suas

fazendas de café:

A Marambaia era neste sentido um ponto estratégico. Ela lhe abria

completamente o domínio do mar para as comunicações com os navios

negreiros. Os escravos, saídos dos navios negreiros, permaneciam algum

tempo naquele viveiro. Reconstituíam as forças perdidas na travessia

transatlântica, retemperados eram distribuídos pelas fazendas do alto da serra.

Assim, a Marambaia era uma estação de engorda do pessoal do eito.

Brasil Gerson em “A Escravidão no Império” relata que dois grandes

fazendeiros fluminenses eram objeto de vigilância especial: Tomás Joaquim

Faria, de São João da Barra, e o Comendador Joaquim Breves.

"O comandante Delfim Carlos e um funcionário do Ministro Nabuco

alertaram várias vezes o governo fluminense, chamando-lhe a atenção,

por exemplo, para a compra efetuada por Breves, de uma vasta área no

litoral, toda ela estéril, e que só poderia ser, portanto, para esconderijo e

engorda de escravos contrabandeados".

Tratava-se de sua insular propriedade, a fazenda da Marambaia que ia de

Guaratiba, englobando toda a restinga e ilha.

2.2 Um viveiro morto da mão-de-obra negra para o cafezal

Assis Chateaubriand em 1927 visitou a fazenda da Marambaia e

escreveu admirável crônica no “O Jornal”, sob o título: “Um viveiro morto da

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mão-de-obra negra para o cafezal - Impressões vividas de uma visita à

Fazenda do Comendador Joaquim José de Souza Breves no Pontal da

Marambaia”. Relata o grande jornalista:

"A ilha da Marambaia é constituída de uma parte mais elevada à oeste.

A essa parte chamam de pontal. Suas terras argilosas, prolongam-se em

extensa restinga arenosa, para leste, numa extensão de 40 quilômetros.

O ponto culminante do pontal é o pico da Marambaia, elevando-se do

nível do mar numa altura de 480 metros. Divisei-o pela primeira vez,

quando vinha para Mangaratiba, descendo a estrada de rodagem que

liga São João Marcos a esta vila. Fronteira lhe fica a Ilha Grande,

formando com ela uma das barras da Baía de Sepetiba.

Fig. 07 - Uma das colunas de pedra, cal e óleo animal que sustentavam a gigantesca senzala dos

Breves. Praia da Armação, Marambaia, RJ. Foto: Aloysio Breves. 2006.

Chateaubriand revela o estado da antiga fazenda:

"A casa da fazenda que visitamos e que é hoje propriedade do Ministério

da Marinha, está muito danificada. É um solar de 58 metros de frente,

com um largo alpendre corrido em toda a extensão da casa. O Dr.

Clodomiro de Vasconcelos me disse que ela era ainda maior no tempo

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dos Breves. Ruíram algumas das dependências, como decorações dos

tetos de várias peças já abatidas pelo tempo. Vi numa sala do vasto

solar, pedaços dourados e frisos de tetos desabados em triste

abandono. Abandonadas por mais de trinta anos, sem nenhum trato, as

construções da fazenda sofreram as injúrias inevitáveis do tempo. O

molhe de pedras onde atracavam os navios “Marambaia e Emiliana”, de

propriedade do antigo senhor, já não existe mais. O grande trapiche à

beira-mar jaz de ruínas. As senzalas desapareceram, e as árvores

frutíferas morreram. Do que o Comendador Breves ali plantou resta

apenas o coqueiral da praia - uma encantadora massa vegetal, cuja

paisagem à distância evoca imediatamente a lembrança das praias do

Norte".

E encontrando-se com os escravos do Comendador, colhe interessante

depoimento:

Os Breves eram mal afamados. A várias pessoas me tenho dirigido, em

busca de dados acerca dos métodos de vida desse clã de cafezistas, e

na sua maioria, quase todos me transmitem referências pouco

abonadoras, que, entretanto, ficam mais ou menos vagas, sem

concretizar-se num fato. Se o homem que vence já é pouco estimado,

imagine-se agora uma família vitoriosa em bloco. Quis a fortuna que eu

me encontrasse na Restinga de Marambaia com os antigos escravos do

Comendador Joaquim Breves. Falei a vários deles, e de dois pretos

recolhi até os nomes: Adriano Júnior e Gustavo Vítor, este filho por sua

vez de um antigo escravo de Breves, chamado Vítor, comprado pelo

senhor quando adquirira a Fazenda do pontal da restinga da Marambaia.

Adriano Júnior residiu na célebre Fazenda de São Joaquim da Grama,

donde o senhor o trouxe para vir trabalhar nesta outra fazenda da

restinga. Têm para mais de 80 anos. É pai de 12 filhos, todos morando

na Marambaia.

Gustavo Vítor parece mais arrastado, como quem procura compor

fragmentos de histórias, que ninguém nunca lhe veio lembrar. Perguntei-

lhe que tal era o seu antigo senhor, e ele me retrucou:

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- “Era um véio bão. Quando via nego assentado, despois do serviço,

apreguntava se nego tava triste. E mandava reunir a senzala para

dançar o cateretê e o batuque, fazendo tocar o bumba da barriga”.

Parece que a mesa era farta, nas senzalas dos Breves. Adriano Júnior

disse-me que o senhor era o pai da pobreza5. Quando vinha de Mangaratiba

para Marambaia, a bordo ou do vapor “Marambaia”, ou do “Emiliana”, a senzala

se alegrava. Pelas narrativas que ouvi desses dois antigos escravos, acredito

haver confirmação para o quanto já ouvira dizer a propósito do destino da

fazenda que ali mantinha Breves. Grande proprietário territorial precisando

incessantemente de braços, afim de prosseguir na sua atividade dentro dos

cafezais que possuía no antiplano e nos engenhos de cana que tinha na

planície, Breves como qualquer fazendeiro hoje de São Paulo, carecia de

colonos. Naquela época o único colono possível de importar em larga escala

era o negro contrabandeado da África - os pobres pretos roubados do outro

lado do Atlântico, e transportados pelos piratas para serem vendidos nas terras

do Novo Mundo.

Gustavo Vítor me disse:

5 A assertiva de que Breves tinha um porto negreiro particular é compartilhada por

Orlando Valverde que afirma: “Como um complemento a Mangaratiba, Breves tinha um porto negreiro particular em Marambaia, onde os ‘tumbeiros’ que conseguiam ludibriar a vigilância dos ingleses desembarcavam a mão-de-obra que ia trabalhar em suas fazendas de serra acima. Breves cuidava dos escravos como quem trata cavalos. Aplicava-lhes princípio de zootecnia. Havia uns negrões forçudos, de bons dentes, cuja função era a de reprodutores. Eram levados de fazenda em fazenda do Comendador para multiplicar o plantel de escravos”. Valverde, Orlando de “A fazenda do café escravocrata no Brasil” Revista Brasileira de Geografia – Volume 29 , 1967, p.57. Lamego reforça o argumento: “ Marambaia era a praia de banhos do clã patriarcal ao mesmo tempo em que a porteira de entrada da sua escravaria, cujo isolamento frustrava a fiscalização do tráfego negreiro pelos navios britânicos a serviço de seus interesses coloniais. Marambaia era também uma fazenda cultivada, visto que todos os domínios dos BREVES tinham de produzir. Pelas encostas de seu morro subiam cafezais, mandiocais e milharais. O seu fim principal, todavia, era o de receber e aprimorar a mão-de-obra para os latifúndios de serra acima. Os escravos que saíam dos porões dos navios negreiros, permaneciam algum tempo naquele viveiro. Reconstituíam as forças perdidas na travessia transatlântica. Cevavam-nos, e, uma vez assim retemperados, eram distribuídos pelas fazendas do alto da serra. Logo, o que os BREVES possuíam na Marambaia era uma estação de engorda do seu pessoal de eito, e isto explica as ótimas recordações que aqueles velhos escravos guardam do senhor já desaparecido há tantos anos. Devia comer-se bem na Marambaia, porque o objetivo mais importante daquela fazenda não era produzir café, mas fornecer mão-de-obra, para o trabalho no cafezal.” Lamego, Alberto Ribeiro – O homem e a Guanabara; 2ª edição, Edição comemorativa do IV centenário da cidade do Rio de Janeiro, IBGE, 1964,p.249.

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- “Gente vinha da baía dãngola premero pra aqui. Engordava, e despois ia

pra roça, trabaía no cafezá”.

Na Marambaia havia também cafezal, mandioca, milho e os negros

velhos com quem falei todos me disseram que nas fraldas dos morros existiam

plantaç·es de café, que depois desapareceram. Todavia, ao que se me afigura,

o emprego mais importante daquela fazenda, era o de servir de ponto de

desembarque de pretos contrabandeados da África. Os escravos, que saíam

dos porões dos navios negreiros, permaneciam algum tempo naquele viveiro.

Reconstituiam as forças perdidas na travessia transatlântica. Cevavam-nos, e

uma vez assim retemperados, eram distribuídos pelas fazendas do alto da

serra. Logo, o que Breves possuía na Marambaia, era uma estação de engorda

do seu pessoal de eito, e isto, explica as ótimas recordações que aqueles

velhos escravos guardam do senhor já desaparecido há tantos anos. Deveria

comer- se bem na Marambaia, porque o objetivo mais importante daquela

fazenda não era produzir café, mas fornecer mão-de-obra forte, robusta, para o

trabalho do cafezal.

Fig. 08 - No meio da mata (500 m da praia da Armação) a sucessão de colunas das senzalas dos

Breves. Praia da Armação, Marambaia, RJ. Foto: Aloysio Breves. 2006.

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O jornalista termina melancolicamente sua crônica sobre o “O Cadinho

da Marambaia”:

As condições de existência hoje na Marambaia são as mais miseráveis

possíveis. Os pretos dos Breves permaneceram na fazenda,

aumentando a população local, com o seu reconhecido poder de

proliferação.

Aqueles 500 homens que ali habitam, muitos senão quase todos,

ignoram até a forma de governo que tem o Brasil. Poucos os que

sabem ler. Todos os que interroguei não sabiam da existência de

Washington Luiz ou Feliciano Sodré. Levam uma existência mais ou

menos promíscua, e não sabem para que fazem filhos. O pontal da

restinga é de propriedade do Governo Federal, o qual é o dono da

antiga fazenda dos Breves. Estabeleceu ali a Escola de Grumetes que

depois foi transferida para Angra dos Reis.

O zelador do Ministério da Marinha é um posseiro como eles, e o qual

como eles vive sem trabalhar. As águas do golfo bastam para matar

todos os apetites de fome. É só lançar o anzol e sentir o peixe morde-lo.

As roças em torno das choças são plantações mesquinhas, dizendo do

fatalismo do homem que as cultiva.

2.3 Quilombos e Jongo nas terras dos Breves

A fortuna da família Breves nos oitocentos era composta basicamente de

mão-de-obra escrava, terras e cafezais. Um escravo em ótimas condições de

trabalho podia vale até 2 contos de réis. Era o bem de maior valor. A produção

de café vinha logo após e em último lugar - as terras e moradias.

Das inúmeras fazendas (mais de 90), englobando diversos municípios, a

numerosa população escrava (12.000) formava por assim dizer numerosas

comunidades.

2.3.1 Em Arrozal, Piraí, RJ

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Comunidade formada por descendentes de escravos das fazendas da

Cachoeira, Cachoeirinha na região de Arrozal (distrito de Piraí, RJ). Estas

fazendas pertenceram aos Breves, através do Capitão-mór José de Souza

Breves, e seus filhos José Breves e Joaquim Breves "rei do café".

O comendador José de Souza Breves legou em seu testamento a sua

fazenda da Cachoeirinha, benfeitorias na freguesia do Arrozal, para nela

residirem os referidos seus escravos de ambos os sexos, libertos, debaixo da

condição de não venderem as terras e somente serem sucedidos enquanto lei

permitir a sucessão de pais e filhos, e na falta destes, uns aos outros da

mesma origem. Todos os libertos se aproveitarão da sua doação, logo que

concluam o tempo de serviços que ficaram obrigados. As disposições

testamentárias do fazendeiro instituíam ainda como herdeiros dos

remanescentes de seus bens o seu irmão Joaquim José e os seus sobrinhos.

“O seu testamenteiro deverá conservar todos os agregados nos sítios

em que residirem”.

Doou ainda as terras dos fundos da Fazenda Bracuy, com cerca de 300

alqueires, à Santa Casa de Angra dos Reis; os engenhos e mais pertences

ficarão nos mesmos lugares; para serem utilizados pelos seus legatários da

referida fazenda E continua:

"Extinta a sucessão de direitos de seus agregados e libertos por três

gerações, essas terras serão de pleno direito daqueles que existirem".

Sabe-se também que em 16 de novembro de 1883 foi feita uma

Escritura de Quitação do legado em usufruto que fizeram os agregados da

fazenda de Santa Rita do Bracuí. O procurador e advogado do irmão e

testamenteiro de José de Souza Breves, o também falecido Joaquim Jose de

Souza Breves, era então o Dr Tarquinio de Souza. Ainda segundo o Padre

Breves, há a informação publicada no Jornal da Gazeta de Angra que após a

morte de Joaquim de Souza Breves, a fazenda passou a ser ocupada por

Honório Lima que “passou a comprar os direitos que pertenciam aos

descendentes dos libertos”. Ainda pelas informações transcritas no livro do

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Padre Breves, o registro de imóvel foi conseguido, pois o falecido José

Joaquim havia doado àquelas terras em usufruto até a 3ª geração e como

propriedade a partir da 4ª geração de descendentes dos libertos .

O grupo tem apoio da Secretaria de Cultura de Piraí para exibições e

divulgação da cultura das danças africanas.

2.3.2 Em Pinheiral, RJ

A Fazenda do Pinheiro, situada no município de Pinheiral, estado do Rio

de Janeiro, era uma das maiores fazendas de café da região do Vale do Rio

Paraíba na época do Brasil-Colônia e concentrava uma quantidade enorme de

escravos na sua maioria trazidos da região do Congo-Angola.

Esses negros dançavam o jongo e seus descendentes até hoje praticam

a dança que é considerada uma das origens do samba carioca.

Entres esses jongueiros remanescentes destacam-se a Tia Dinda, Mestre

Benedito, filho de Zé Biuna (grande jongueiro já falecido), a Tia Dora, Rosa, a

família Guilherme, a comunidade do Morro do Cruzeiro, a Fatinha e demais

membros da União Jongueira de Pinheiral.

2.3.3 Em Santa Rita do Bracuí, Angra dos Reis, RJ

A Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Rita do Bracuí, foi

reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 1999, encontra-se localizada

em Angra dos Reis e originou-se de uma doação formal daquelas terras pelo

fazendeiro Comendador José de Souza Breves (irmão do "rei do café") aos

seus escravos. Em seu testamento, este fazendeiro deixava 260 alqueires de

terra aos seus escravos, em 1877, onze anos antes da abolição da

escravatura. Além das parcelas individuais, que variavam entre um e cinco

alqueires, o Comendador Breves deixou também uma área de 80 alqueires

para todos os seus escravos “possuírem, morarem e trabalharem em comum”.

A memória que os moradores de Bracuí receberam de seus

antepassados fala de uma relação de cordialidade do fazendeiro com seus

escravos, da qual a doação seria a maior prova.

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Para os moradores de Bracuí, as terras que ocupam foram doadas aos

seus ancestrais e são também de propriedade de Santa Rita, a padroeira da

fazenda. Contam os moradores que havia sete imagens da santa espalhadas

por toda a fazenda, mas todas foram roubadas. A que está atualmente no altar

da igreja é uma cópia. Algumas pessoas afirmam que dentro da imagem havia

ouro, outros dizem que guardava o documento que prova serem os

descendentes de escravos os verdadeiros donos daquelas terras, o que

explicaria a confusão a respeito do direito de uso daquela terra.

Após a abolição, os descendentes dos escravos da fazenda Santa Rita

de Bracuí permaneceram naquelas terras durante décadas em posse pacífica e

sem contestação. As primeiras tentativas de expropriação direta e violenta de

suas terras ocorreram na década de 40, mas foram resolvidas pelos próprios

moradores, que expulsaram os invasores. Mas o que os moradores só viriam a

saber no início da década de 70 é que ações cartoriais realizadas no final do

século XIX já lhes havia inviabilizado formalmente o direito à terra.

Com base nessas ações, parte de suas terras foram expropriadas para a

construção da estrada Rio-Santos e parte pelos empreendimentos turísticos.

A partir de 1975, os moradores passaram a sofrer pressões da empresa

‘Bracuhy Administração, Participações e Empreendimentos Ltda’ e, mais tarde,

iniciaram-se as intimidações com homens armados, proibição de plantio,

implantação de barragens ao longo do Rio Bracuí. Em 1978, os moradores

entraram com uma ação ordinária de reivindicação contra a empresa, através

de um advogado e assessor da FETAG. Os moradores começaram também a

receber assessoria da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Fase. O

advogado usou como mecanismo de defesa a tese da posse imemorial, mas

havia dificuldade de comprovar que os moradores eram descendentes dos

herdeiros do Breves.

Somente cinco famílias conseguiram comprovar, e a ausência de uma

legislação que defendesse o direito coletivo impediu que o reconhecimento

fosse extensivo às outras famílias. Assim, a sentença foi favorável à empresa.

Depois de um longo período de conflitos fundiários, a comunidade

perdeu a parte de suas terras localizada próximo ao mar para o

empreendimento turístico Bracuhy. Hoje, com as dificuldades de manutenção e

comercialização do plantio de produtos agrícolas, as terras de Santa Rita do

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Bracuí são utilizadas fundamentalmente para moradia. Os constantes

parcelamentos entre os filhos de uma família forçaram os moradores a ocupar

lotes que variam entre um e cinco hectares. Assim, uma das principais fontes

de renda das famílias passou a ser os empregos no Marina Porto Bracuhy,

localizado dentro de seu território original.

O reconhecimento dessas famílias como comunidade remanescente de

quilombos que poderia representar a regularização de suas terras e a

legalização das posses em nome dos descendentes de escravos das terras de

Santa Rita até o momento, no entanto, não contribuiu para legalizar o direito

que as famílias têm às terras de seus ancestrais.

2.4 Inventário do "rei do café"

No inventário do Comendador Joaquim José de Souza Breves iniciado

em 1890, os avaliadores judiciais encontraram na Marambaia:

Na Praia da Armação os seguintes imóveis:

• Uma casa de vivenda, comprida, com varanda, na frente

envidraçada, situada na fazenda denominada Armação,

assoalhada e forrada, com diversos quartos, salas e cozinha e

outras dependências, parte em bom estado e parte em mau

estado, visto e avaliada por dois contos de réis.

• Uma dita nas imediações da casa de vivenda, que serviu outrora

de hospital da fazenda, visto e avaliada em duzentos e cinquenta

mil réis.

• Uma casa coberta de telha, servindo de paiol, com oito lances,

com quatro portas de frente, visto e avaliado por duzentos e

cinquenta mil réis

• Uma casa coberta de telha que serve de agasalho para o gado e

outros animais, visto e avaliado por cem mil réis.

• Uma dita, coberta de telha que serve atualmente de chiqueiro

para os porcos nos fundos da casa de vivenda e contígua a

enfermaria, visto e avaliada em cinquenta mil réis.

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• Uma casa coberta de telha com dois lances, visto e avaliado por

sessenta mil réis.

• Uma dita edificada sobre pilares de pedra e cal, que sérvio para

engenho de socar café em estado de ruínas, visto e avaliado por

trezentos e cincoenta mil reis.

• Uma casa sobre pilares de pedra, coberta de telha, na praia

servindo de rancho para canoas, com duas dependências, visto e

avaliada por duzentos mil réis.

Na Serra D'Água também na ilha:

• Uma casa no lugar denominado Serra D’Água, sobre pilares de

pedra, com quatro janelas de frente, arruinada, por trezentos mil

réis

• Uma casa sobre pilares coberta de telhas com um porta e três

janelas, de frente, sita no lugar Serra D’Água que dista uma légua

da fazenda da Armação, visto e avaliado em cem mil réis.

• Uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição,

situada na fazenda denominada Engenho D’Água, construída em

1751, visto e avaliada por cento e trinta mil réis.

Não há relatos de moradores, ex-escravos, ou população. É explicável o

fato, tendo em vista a recente publicação da Lei Áurea.

2.5 Ruínas dos Breves em Mangaratiba, RJ: armazéns, trapiches, uma

estrada e um teatro.

As primeiras construções do povoado do Saco de Mangaratiba devem

datar de 1830. Esta conclusão baseia-se num ofício de nº. 6 da Câmara

Municipal de Mangaratiba dirigido ao Presidente da Província, Paulino José

Soares de Souza, denunciando o Comendador Joaquim de Souza Breves,

cognominado "O Rei do Café", no Brasil, denuncia no sentido de que ele iria

atentar contra a Fortaleza de N. S. da Guia, ou seja, o Forte da Guia, onde o

juiz de paz havia recolhido presa uma embarcação chamada "União Feliz", por

ter-se empregado desde 1835, no "ilícito, imoral e desumano tráfico de

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escravatura" como consta no ofício. Neste momento já se falava da utilização

de dezenas de homens no conserto e calçamento da Estrada da Serra que se

dirigia justamente até o povoado do Saco, onde os "Breves" tinham seus

armazéns de café. A assinatura do contrato com Bernardino José de Almeida,

para a conclusão de parte da estrada da Serra, se deu em 15 de setembro de

1850, e em 26 de fevereiro de 1855, foi assinado novo contrato com o

Desembargador Joaquim José Pacheco, criando para tal uma companhia de

sociedade anônima, para construir uma estrada de Mangaratiba a Barra

Mansa, no trajeto de São João do Príncipe e Rio Claro. Pelo relatório do

engenheiro E. B. Webb, engenheiro chefe, da estrada, já em 02 de maio de

1857, circulavam carroças sem obstáculos e em 5 ou 6 idas estaria pronta a

Ponte Bela permitindo o trânsito aos carros carregados de café de São João do

Príncipe (São João Marcos) até o povoado do Saco de Mangaratiba. Verifica-

se ainda através do ofício de 21 de fevereiro de 1834, que a Câmara propôs

em 24 de setembro de 1833, que o Comendador Joaquim de Souza Breves

desse continuação à estrada que estava fazendo, até a estrada da Vila

Mangaratiba. Nos anais da Câmara, existe um documento que denuncia um

dos vereadores, o Vereador "Passos", José Eloy da Silva Passos, por ter

faltado a uma sessão, pois estava convalescendo de um tumor nas nádegas, e

no entanto foi visto a cavalo indo ao Povoado do Saco. Algumas das Ruínas do

Povoado do Saco, são de armazéns de café, como as do armazém de café que

pertencia à Antunes e Cia. e que encerrou suas atividades em 18 de janeiro de

1865. Havia no Povoado uma Agência de Correios que foi criada para atender

as importância comercial e comodidade de seus habitantes. A reivindicação foi

foi encaminhada ao Ministro e Secretário de Estado dos negócios do Império,

Antônio Carlos Ribeiro de Andrade Machado. A Agência foi criada em 12 de

outubro de 1840 e ocupou o cargo de Agente Antônio Coelho Neto.

Encontra-se no local as Ruínas de um teatro que, como se constatou,

nele representou João Caetano, por volta de 1839. Era o povoamento do Saco

onde ficavam os escravos que o Comendador "Breves" levava através de um

caminho chamado "Conguinho" que a Câmara mandou inutilizar. Dizia a

Câmara, uma de suas atas, que o Saco era um grande empório do comércio da

carne humana e lugar de agitações contra as autoridades legais da Vila.

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CAPÍTULO 3 – POSSE DA TERRA, CONFLITOS E ORGANIZAÇÕES EM

LUTA POR DIREITOS.

3 Conflito - A posse da terra

Fig. 09 - Ruínas da casa-grande da fazenda da Marambaia que pertenceu ao Comendador

Breves. Praia da Armação, Marambaia, RJ. Foto: Aloysio Breves. 2006.

3.1 O Breves era o dono?

As ocupações de terra continuaram e, em terras de marinha, elas feriam

princípios legislativos já consagrados em 1830. Em 1850, após sete anos de

debates na Câmara dos Deputados e no Senado é aprovado a Lei de Terras,

marco dos esforços estatais de discriminar as terras públicas das privadas. Em

relação às terras devolutas, a lei estabeleceu que:

• a compra era a única forma legal de aquisição de terras

devolutas;

• as terras devolutas seriam definidas por exclusão das terras

particulares;

• haveria uma reserva de terras devolutas para fins de colonização,

fundação de povoações, abertura de estradas, construção naval;

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Com relação à legitimação e revalidação das terras possuídas, a lei

estabeleceu que:

• as sesmarias e as posses mansas e pacíficas dos primeiros

ocupantes seriam revalidadas, se estas estivessem cultivadas ou

com princípio de cultura;

• as terras adquiridas por posses, sesmarias ou outras concessões

deveriam ser demarcadas num prazo a ser estipulado;

• os possuidores que deixassem de proceder à medição teriam

suas terras caídas em comisso, conservando apenas a posse da

área cultivada;

• a obrigatoriedade dos possuidores de tirar títulos de suas terras;

• a organização, por freguesia, do registro paroquial de terras

possuídas6.

A lei caracteriza o que seja terra devoluta a partir da noção de exclusão

das particulares. Às avessas, o conceito se afirma pela negação: o que não é

particular pertence ao Estado. Ademais, ao traçar os elementos legais que

permitiriam a transformação de uma terra “possuída” em propriedade/domínio,

ela busca determinar que todos aqueles que possuíssem terras deveriam

regularizá-las7. Assim, segundo a Lei, todas as posses deveriam ser

regularizadas, pois pelo artigo quinto: “Serão legitimadas as posses mansas e

pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante,

que se acharem cultivadas ou com princípio de cultura e morada habitual do

respectivo posseiro”8.

6- Lei número 601, de 18 de setembro de 1850. Brasil. Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários Coletânea: legislação agrária. legislação de registros públicos, jurisprudência. Maria Jovita Wolney Valente (elaboração) Brasília, 1983, p. 357- 361. (Doravante, Coletânea...) apud. Motta, Márcia op.cit. pp 141/142. 7 - Motta, idem. 8- O parágrafo primeiro do artigo quinto estabelecia ainda: “Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, compreenderá, além do terreno aproveitado ou do necessário para pastagem dos animais que tiver o posseiro, outro tanto mais de terreno contíguo, contanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual às últimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha.” Lei de 1850 - Coletânea p. 358. idem.

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No entanto, a lei não faz referência direta a terras de marinha. Porque?

A meu ver, elas estão ali ausentes, pois já havia sido consagrada uma

legislação que determinara que terras de marinha eram terras da nação. Elas

não podiam ser passíveis de legitimação por um pretenso proprietário, pois

elas tinham já um dono: o Estado.

No entanto, ao arrepio da lei referente às terras de marinha, Joaquim

José de Souza Breves, registrou sua terra no Registro Paroquial, imprimindo

uma determinada interpretação da Lei de 1850 que atendia aos seus

interesses. Em outras palavras: Joaquim José desconsiderava na prática os

limites de seu direito de posseiro ou concessionário das terras de marinha e

buscava – a partir do registro – a consagração de ser ele o proprietário da Ilha

de Mangaratiba. Assim, Joaquim José de Souza Breves registra suas terras na

Paróquia de Itacurussá, em 27 de fevereiro de 1856: ”Declaro que sou

proprietário da Ilha da Marambaia, cujos terrenos são cultivados,

compreendendo seus limites a restinga, e o mangue da Guaratiba está divisa

do canal, dividindo por outro lado com terras do convento do Carmo, e com

Joaquim Luis Rangel. Também são assessorias à mesma Ilha as três

pequenas ilhas fronteiras denominadas Saracura, Bernarda e Papagaio..”9.

Em outras palavras, Joaquim José de Souza Breves operava com a

legislação de 1850 para reafirmar sua condição de proprietário, ferindo a

legislação anterior que determinava que terras de marinha pertenciam à União.

Ademais, pelas regras consagradas no regulamento da lei, de 1854, não era

necessária a apresentação de documentos comprobatórios, pois para o registro

das terras era preciso apenas declarar: “o nome do possuidor, designação da

Freguesia em que estão situadas; o nome particular da situação, se o tiver; sua

extensão, se for conhecida; e seus limites”10.

9 - Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Registro Paroquial de Terras. Declarante: Joaquim José de Souza Breves, 27 de fevereiro de 1856. Livro nº:50.Freguesia de Sant’ Anna de Itacurussá – Município de Mangaratiba.Folha: 8v 10- Capítulo IX “ Do Registro das Terras Possuídas”. Pelo artigo 103 deste capítulo, “Os Vigários terão livros abertos, numerados, rubricados e encerrados. Nesses livros lançarão por si e por seus escreventes, textualmente, as declarações, que lhe forem apresentadas, e por esse registro cobrarão do declarante o emolumento correspondente ao número de letras, que contiver um exemplar, a razão de dois reais por letra, e dos que receberem farão notar

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3.2 Expulsos do Paraíso – O caso Dona Sebastiana

No dia 17 de julho, contou a história de dona Sebastiana Henriqueta de

Lima, que aos 83 anos pode ter de deixar a casa onde viveu toda a vida. A

Marinha considera que a velha casa de alvenaria construída por dona

Sebastiana é patrimônio da União.

Semana passada, dona Sebastiana e os outros quatro moradores

processados podem ganhar novas esperanças com a ação do Ministério

Público. A iniciativa do MP se baseia no artigo número 68 da Constituição, que

prevê que comunidades remanescentes de quilombos têm direito às terra que

habitam. "Há indícios de que houve quilombo naquela região, por isso estamos

provocando o órgão federal a elaborar um laudo antropológico", diz o

procurador regional dos direitos do cidadão, Daniel Sarmiento. Se a Fundação

Palmares, que é o braço do governo federal para atuação nos remanescentes

de quilombos, confirmar a suposição do procurador e de historiadores, a

Marinha vai perder qualquer fiapo de justificativa para sua ações. Segundo a

Constituição, a terra que os descendentes dos quilombolas ocupam deve ser

reconhecida como "a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os

títulos respectivos".

Antes mesmo da reportagem a procuradoria já tinha tomado

conhecimento dos conflitos na Marambaia através de um relatório da ong

KOINONIA, que assessora comunidades negras rurais. Trata-se de um

trabalho de pesquisa com relatos dos moradores da ilha que remetem ao

tempo da escravidão. Parece certo que os moradores da Marambaia são

descendentes diretos de escravos parece certo. A tradição oral do povoado

conta que eles teriam se estabelecido ali no tempo em que a Ilha era

propriedade do Comendador Breves, um grande negociante de negros.

em ambos os exemplares”. Pelo artigo 107, após o prazo estabelecido para os registros, um dos exemplares do conjunto das declarações deveria ser remetido ao Delegado do Diretor Geral das terras públicas da Província, “para em vista deles formar o registro geral das terras possuídas na Província, do qual se enviará cópia ao supra dito Diretor para a organização do registro geral das terras possuídas no Império” Decreto, 1854 ,ibidem pp. 373 -374.

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As memórias atraíram até a atenção de pesquisadores como o

antropólogo Roberto Kant de Lima, coordenador do Núcleo Fluminense de

Pesquisa (Nufep), da Universidade Federal Fluminense. Acostumado a

trabalhar com comunidades de pescadores no litoral brasileiro, ele descobriu a

Marambaia através de um aluno, que começou a estudar um grupo de

pescadores na Ilha,. "Depois ficamos sabendo que ali residiam descendentes

de escravos".

Figura conhecida na Marambaia, o antropólogo lamenta as normas que

a Marinha impõe aos moradores. "Há certas regras que limitam a reprodução

social dessas pessoas lá. Eles não podem construir novas casas, elas têm que

permanecer sempre do mesmo tamanho. Embora se entenda que ali é uma

área estratégica, sabe-se também que já havia uma população vivendo ali

desde o século passado, e essa população tem os seus direitos", avalia.

Exilada na casa da filha na Pavuna, onde foi morar para fugir dos oficiais

de justiça, Dona Sebastiana pode demorar a ter paz na sua casinha na

Marambaia. Edir Freitas de Paula, que trabalha na equipe técnica da

Coordenação Nacional de Comunidades Remanescentes de Quilombo, setor

da Fundação Palmares, explica que o processo é demorado. Em 1999, a

instituição já tinha recebido um pedido de laudo sobre a Ilha, feito pelo padre

Milton da Silva Fonteli, da Arquidiocese de Itaguaí. Mas o cronograma

estabelecido pela Comissão Nacional de Articulação de Comunidades colocou

o caso da Marambaia no fim de uma longa fila. "Existem cerca de duzentas

comunidades na frente dela", conta Edir de Freitas. A técnica ainda explica que

não há como prever uma data para que o trabalho de elaboração do laudo seja

concluído.

Ainda assim pesquisadores da Fundação Palmares já estiveram na Ilha

para elaborar um relatório de atividades.Embora já tenha identificado e

reconhecido 743 comunidades remanescentes de quilombos, a instituição

titulou apenas uma no estado do Rio de Janeiro, a de Campo de Santana, no

Município de Quati. Aos moradores da Marambaia resta uma longa espera e

uma intensa batalha judicial.

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3.3 A posse da terra pelo ilhéu. Demanda por novos interesses.

Com o título de "10 Jardins Botânicos preservados", o Observatório

Quilombola Em vez de se assustar com as ameaças das reportagens de "O

Globo" de uma reivindicação de uma área de “70 maracanãs favelizados”, a

população do Rio de Janeiro deveria se alegrar pela oportunidade de ter a área

equivalente a pelo menos 10 Jardins Botânicos preservados da Mata Atlântica,

além do litoral pelo uso de uma população tradicional quilombola.

Nesse sentido, KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço vem a público

fazer esclarecimentos a respeito das matérias veiculadas no jornal O Globo,

nos dias 20, 21 e 22 de maio, que apresentam informações incorretas em

relação à regularização do território quilombola da Ilha da Marambaia.

Sobre a permanência da Marinha do Brasil na área: A matéria do dia 20

sugere, logo no início, a possível retirada da Marinha do Brasil da área caso a

comunidade quilombola obtenha a titulação. Cumpre esclarecer que as

informações contidas no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação

(RTID), documento oficial produzido pelo Incra, em nenhum momento

pressupõem a retirada da Marinha do Brasil da região. Essa informação,

portanto, não encontra sustentação oficial.

Sobre o direito à auto-identificação das comunidades quilombolas:

Cumpre esclarecer que não só o Decreto 4.887/03, como também a

recentemente instituída Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos

Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), por meio do Decreto Nº 6.040,

de 7 de fevereiro de 2007, e a Convenção 169 da Organização Internacional

do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário por meio do Decreto Legislativo

no 143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto 5.051, de 19 de

abril de 2004, garante o direito à auto-identificação das comunidades

quilombolas assim como o direito à propriedade da terra, determinado pelo

artigo 68 da Constituição Federal do Brasil de 1988. A PNPCT “tem como

principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e

garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e

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culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de

organização e suas instituições.” (art. 2o) Entre os objetivos específicos de tal

decreto: “reconhecer, com celeridade, a auto-identificação dos povos e

comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos seus

direitos civis individuais e coletivos.” (art 3o VI) Para os fins do Decreto,

compreende-se por: Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente

diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias

de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como

condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,

utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela

tradição. (art.3º.).

Sobre a constitucionalidade do decreto nº 4887/03, que regula o artigo

68 da Constituição Federal: Embora a constitucionalidade do decreto tenha

sido questionada em ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo então

Partido da Frente Liberal (PFL), hoje DEM, é preciso ressaltar que dois

pareceres favoráveis à constitucionalidade do decreto foram emitidos:

um de autoria da Advocacia Geral da União (AGU) e outro do Ministério Público

Federal (MPF). O Supremo Tribunal Federal ainda não julgou a ADIN.

Sobre a alegação da Marinha que muitos moradores não podem ser

considerados quilombolas: Conforme a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE

ANTROPOLOGIA, no Documento do Grupo de Trabalho sobre Comunidades

Negras Rurais de 1994, ao definir o termo remanescente de quilombo, afirma

que: “o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de

ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de

grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma

forma nem sempre foram constituídos a partir de uma referência histórica

comum, construída a partir de vivências e valores partilhados.”

Além disso, o que define grupo étnico é o seu modelo de vida sociocultural,

medido em regras comuns de trabalho, uso da terra, parentesco e ocupação

cultural ou êmica de um território étnico. Nesse sentido, todos que atendem a

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esses requisitos, controlados socialmente pelo próprio grupo, são parte do

grupo.

Sobre a alegação de que a área em questão é de extensão

desproporcional: Para os quilombolas da Ilha da Marambaia, a área em

questão cumprirá não apenas a função de espaço para moradia, mas

justamente para a reprodução social e cultural desse grupo tradicional.

Segundo o Decreto 4.887/03: “São terras ocupadas por remanescentes

das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua

reprodução física, social, econômica e cultural.”

á a Convenção 169 da OIT, determina que os países que a ratificaram

“deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores

espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou

territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de

alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação” (art.

13).

Assim, o Estado deverá adotar “medidas para salvaguardar o direito dos

povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente

ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para

suas atividades tradicionais e de subsistência”.

Além disso, cumpre destacar que, ao contrário do que a matéria divulga,

o cálculo da área não pode ser feito por família, e que, conforme o mapa a

seguir, a maior parte do território reivindicado pela comunidade apresenta

áreas de relevo acidentado, impróprio para moradia ou agricultura e de

necessária preservação ambiental, cultural e paisagística.

Repúdio aos argumentos de possibilidade de especulação imobiliária e

ocupação desordenada da ilha: “A Marinha ameaça deixar o local, abrindo

caminho para a favelização de um dos últimos paraísos ecológicos do Rio.”

Com essa afirmação, a reportagem sugere que a ocupação dos quilombolas da

Ilha da Marambaia tenderá à desordem e à especulação imobiliária da Ilha,

desconsiderando a legislação que determina o caráter inalienável,

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impenhorável, imprescritível e indiviso do título, além de desconsiderar os

hábitos ancestrais dos quilombolas, que são os responsáveis pela estado atual

de preservação ambiental.

Sobre a ausência do risco à preservação ambiental: O vasto material

antropológico, jurídico e histórico já produzido só reafirma que os quilombolas

da Marambaia, por seu modo de vida tradicional, preservam o patrimônio

histórico (ruínas e memória) e território étnico que ocupam há mais de 150

anos, em regime de uso comum e respeito aos ciclos de cultivo da terra e da

extração marinha. O título de propriedade que é conferido às comunidades

quilombolas é coletivo e se caracteriza por ser inalienável, impenhorável e

imprescritível. Dessa forma, a legislação pátria buscou, justamente, proteger as

terras de uso tradicional dos quilombos da especulação imobiliária. Além disso,

o Art. 19 do Decreto 4.887/03 prevê a criação de um Comitê Gestor “para

elaborar, no prazo de noventa dias, plano de etnodesenvolvimento, destinado

aos remanescentes das comunidades dos quilombos”, integrado por

representantes de diversos órgãos do governo, entre eles da Casa Civil da

Presidência da República; dos Ministérios da Justiça; da Educação; da Cultura;

do Meio Ambiente; e do Desenvolvimento Agrário.

Sobre as peças técnicas produzidas sobre a área: A matéria publicada

reproduz a fala de representantes da Marinha que colocam sob suspeita o

relatório técnico (RTID) produzido pelo INCRA, fundamentado nas informações

do Relatório Técnico-Científico sobre a comunidade.

Sobre a declaração de que a Marinha nunca teve a intenção de expulsar

as atuais famílias: Embora o referido comandante afirme, segundo a

reportagem, que “a Marinha nunca teve a intenção de expulsar as atuais

famílias”, diversas ações judiciais de autoria da União, representando os

interesses da Marinha do Brasil, foram impetradas com o pedido da retirada de

famílias do local, o que foi somente interrompido em 2002 com uma Ação Civil

Pública, solicitando o reconhecimento da comunidade como remanescentes de

quilombo e a interrupção das ações de expulsão da Marinha contra os

moradores da ilha.

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Finalmente, KOINONIA declara total apoio à comunidade da Ilha da

Marambaia, que deve ter seu direito à terra garantido com base no art. 68 da

Constituição, no Decreto n. 4.887/03, na certidão de reconhecimento da

Fundação Cultural Palmares, na Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, na Convenção 169 da

Organização Internacional do Trabalho e na memória legitimadora dos

moradores. Entendemos, portanto, que a regularização do título coletivo da

terra, indiviso e inalienável não só dará posse legítima às famílias seculares

que ali habitam, mas também preservará o ambiente e sua sustentabilidade, e

manterá a ilha fora do alcance da especulação imobiliária.

3.4 Organizações atuantes na ilha

3.4.1 - KOINONIA

É uma entidade ecumênica de serviço, composta por pessoas de

diferentes tradições religiosas, reunidas em associação civil sem fins lucrativos.

Em sua vocação diaconal, se compreende como um ator político do movimento

ecumênico e que presta serviços ao movimento social.

Pretende mobilizar a solidariedade ecumênica e prestar serviços a

grupos histórica e culturalmente vulneráveis e aqueles em processo de

emancipação social e política. Para isso desenvolve programas de produção do

conhecimento, informação e educação, que atuam por meio de redes, em

busca de espaços democráticos, que garantem a justiça, os direitos humanos -

econômicos, sociais, culturais e ambientais - e a promoção do ecumenismo e

do movimento ecumênico e de seus valores libertários em nível nacional e

internacional.

Presta serviços e estabelece alianças com a população negra

organizada em comunidades urbanas e rurais, trabalhadores rurais, agentes de

solidariedade com pessoas que vivem com HIV/AIDS, e lideranças

intermediárias das igrejas. Buscou-se sempre que possível o foco na juventude

e nas mulheres, e desenvolveu-se a atuação geográfica prioritária nos

municípios da região do Sub-Médio São Francisco; de Salvador - BA; do Vale

do Paraíba - SP; e no interior dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

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Outras alianças naturais que perpassam toda a ação de KOINONIA

dizem respeito ao campo das organizações ecumênicas, onde a instituição não

só presta serviços como também é um agente político de mobilização e

disseminação de valores. A abrangência dos serviços de KOINONIA, devido à

sua estratégia de comunicação e ao atendimento às solicitações de assessoria,

é nacional e internacional.

3.4.2 – Observatório Quilombola - OQ

O OBSERVATÓRIO QUILOMBOLA é um espaço interativo,

interdisciplinar, dedicado à coleta, organização e análise de informações

relativas às comunidades negras rurais e quilombolas, em seus contextos

locais e regionais, assim como às políticas pertinentes.

Vinculado ao Programa Egbé Territórios Negros de KOINONIA, que atua

junto a essas populações desde 1999, o OQ surgiu como forma de ampliar e

consolidar a rede de informação iniciada pelo informativo impresso Territórios

Negros (TN). Produzido desde 2001, o TN era o meio pelo qual buscávamos

levar informações de diversas partes do país, que de outra forma raramente

eram veiculadas a partir e para as comunidades.

E ainda que num primeiro momento o OQ tenho sido uma ferramenta

para dispor o conteúdo acumulado do Programa, desde sua primeira edição,

em janeiro de 2005, publica materiais inéditos, como reportagens, ensaios

acadêmicos e fotográficos e artigos analíticos sobre o marco jurídico e

conceitual.

Objetivos Principais:

• Rede de informação - servir de instrumento para a superação dos

obstáculos espaciais, disciplinares e de linguagem existentes entre

atores, colaboradores e observadores da temática, de forma a

consolidar uma rede solidária de informação e análise;

• Monitoramento - gerar e assegurar conhecimento qualificado e

permanentemente atualizado sobre os diferentes contextos locais e

regionais (conflitos, processos jurídicos e administrativos, projetos de

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intervenção etc.), assim como sobre as políticas públicas sobre eles

incidentes;

• Advocacy - produzir uma leitura da temática que traduza as demandas

locais e as análises acadêmicas para o diálogo com os campos político,

administrativo e jurídico, de forma a qualificar a atuação do Estado;

• Capacitação - transformar a atual situação de acesso à informação das

comunidades quilombolas, de modo a ampliar sua capacidade de

interferir na formulação das políticas públicas e outras formas de

intervenção sobre elas.

3.5 – Uma carta de repúdio

Reproduzo a Carta de Repúdio da organização KOINONIA enviada aos

órgãos governamentais:

"Carta de repúdio ao cerceamento dos direitos humanos da comunidade

da Ilha de Marambaia pela Marinha do Brasil, e à proibição de acesso da

sociedade civil organizada e solidária pela promoção do Desenvolvimento

Humano e Sustentável aos ilhéus quilombolas.

Para: Presidência da República, Ministério do Meio Ambiente, Ministério

da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Defesa,

Secretaria Especial de Direitos Humanos, Secretaria Especial para promoção

da Igualdade Racial, Fundação Cultural Palmares,

Copia: INCRA, CNPT/IBAMA, Defensoria Pública, Ministério Público

Federal, Ministério Público Estadual(RJ), Comissão de Meio ambiente da

ALERJ, Núcleo de direitos Humanos da Procuradoria do Estado, Coordenação

Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas

(CONAQ), Secretaria de Estado de Justiça e Direitos dos cidadãos (RJ),

Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ),

Ministério da Educação e Cultura, Prefeitura do Rio de Janeiro.

"A comunidade da Marambaia ocupa esta Ilha, no litoral de Mangaratiba,

há mais de 100 anos, constituindo um território étnico onde vivem

descendentes diretos ou indiretos de negros escravizados que ali aportavam

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por ser um dos pontos de desembarque do tráfico. Essa população vem

enfrentando, nas últimas três décadas graves violações de seus direitos

fundamentais. Tal fato se deve à ação da Marinha de Guerra desde que a ilha

foi declarada, em 1971, Área de Segurança Nacional abrigando o Centro de

Adestramento da Ilha da Marambaia (CADIM).

Desde então, sob o arbítrio da Ditadura Militar, e ainda hoje sem regras

democráticas implantadas, as quase 100 famílias moradoras passaram a sofrer

com os riscos de treinamentos militares, além de ter perdido praticamente

todos os serviços públicos antes oferecidos, assim como postos de trabalho.

Foram suprimidos direitos corriqueiros no nosso ordenamento jurídico como o

de ir e vir, transporte regular, livre associação social e política, plantio de roças,

moradia digna, escola e hospital, privacidade de correspondência, melhoria da

qualidade de vida.

Ainda que reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, a partir de

laudo antropológico, como comunidade remanescente de quilombo, os

procedimentos legais para a regularização fundiária da ilha conferindo aos

moradores o direito a título coletivo da propriedade da terra ocupada só

puderam ser iniciados pelo INCRA neste último mês de fevereiro, através de

uma liminar judicial, pois a Marinha vem impedindo a entrada dos técnicos do

órgão na ilha e, mesmo com a liminar, dificultou a conclusão do trabalho de

cadastramento das famílias.

Livres da ação dos senhores escravagistas, esses quilombolas vivem

agora sob o jugo dos senhores da guerra, ainda que em tempos pacíficos,

conhecendo apenas a face autoritária e arbitrária do poder de Estado.

Argumentos ambientalistas são usados para confundir a já desinformada

opinião pública e sustentar uma estratégia de expulsão e de expropriação aos

ilhéus do seu direito coletivo à terra. Afirma-se, por exemplo, que os moradores

são responsáveis pela degradação da área omitindo que os treinamentos de

guerra, o uso privado da ilha para turismo dos familiares e convidados dos

militares - praticando, inclusive pesca predatória de mergulho -, e a intensa

produção de lixo, produzem impactos ambientais. Ao contrário, a prática de

pesca artesanal obedecendo aos ciclos da reprodução dos pescados -, as

roças cultivadas com técnicas limpas, o saber tradicional, e os hábitos de

consumo dos ilhéus sem quase descarte protegem indubitavelmente o

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ambiente físico. Além disso, postula-se o risco de favelização da Ilha ignorando

que o título concedido a tais comunidades é coletivo e inalienável e que

populações tradicionais têm relação sustentável com o território e são

receptivas a programas de manejo e uso sustentável do solo. Assim, a

segregação que as famílias negras da Marambaia historicamente enfrentam

somada à injustiça ambiental a que estão submetidas faz deste um dos mais

notáveis casos de racismo ambiental do país.

Agravando tal situação, há um isolamento imposto aos moradores em

relação a entidades e atores sociais vinculados à luta pelos direitos humanos,

impedidos de entrar na ilha, fato que vem ocorrendo desde dezembro de 2005

com a equipe de Koinonia. Esta entidade é a responsável pelo já concluído

laudo antropológico de identificação exigido pela Procuradoria Geral da

República, não podendo ingressar atualmente na Ilha para implementar um

projeto de Etnodesenvolvimento Quilombola em parceria com o Ministério de

Desenvolvimento Agrário (MDA). Também a Comissão de Meio Ambiente da

ALERJ foi impedida de entrar na ilha no dia 20 de fevereiro, numa verdadeira

ação de guerra, ainda que seja uma Área de Proteção Ambiental (APA) do

Estado do Rio.

Repudiamos os atos da Marinha de Guerra como vestígios anacrônicos

do finado regime militar, portanto inconstitucionais e negadores da vigência de

um Estado Democrático. Em busca da justiça social e da sustentabilidade de

um Estado Democrático, repudiamos a atuação de agentes públicos que

reproduzem uma lógica da Doutrina de Segurança Nacional dos amargos

tempos da Ditadura Militar e que faz parte, inaceitavelmente, para a população

da Marambaia, do seu insuportável cotidiano.

Reivindicamos a implementação imediata do DIREITO COLETIVO Á

TERRA e dos DIREITOS CIVIS da comunidade da Ilha de Marambaia e sua

livre convivência com a sociedade civil organizada e solidária pela promoção

do seu Desenvolvimento Humano e Sustentável". (Rio de Janeiro, 06 de março

de 2006. Koinonia, Projeto Brasil Sustentável e Democrático).

3.6 A pesca como atividade principal

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Com a morte de Joaquim Breves e a venda da propriedade os

descendentes de escravos são abandonados. Passam a viver da pesca com o

uso de pequenas canoas a remo confeccionadas ou compradas, e redes

talhadas por eles próprios. A pesca acaba por estreitar os laços familiares e

territoriais na ilha. Nesta época as mulheres também ajudavam na pesca,

especialmente na pesca de gorete (puxada de rede).

Uma outra atividade importante na época era a roça, onde se plantavam

os produtos tanto para o consumo quanto para a venda. Os roçados eram

feitos nas encostas dos morros, onde cada família detinha uma área para sua

plantação. A atividade era dividida entre as mulheres e os homens: estes

roçavam e elas colhiam.

3.6.1 - A escola de pesca

Nos anos 30 instala-se na Marambaia a Escola de Pesca Darci Vargas,

iniciativa de Levi Miranda, com o apoio de Getúlio Vargas e da Fundação Cristo

Redentor. Um dos objetivos desta iniciativa era qualificar os pescadores

tecnicamente para o exercício de seu ofício no intuito de se criar uma pesca

tipicamente nacional. O seu lema era: “uma casa e uma canoa a motor para

cada pescador”. Uma concepção visivelmente desenvolvimentista sobre a

pesca, levando em conta que nesta época boa parte dos pescadores da Ilha

trabalhavam com canoas a remo e moravam em casas de estuque.

Neste período inaugura-se uma série de novas instalações para a

escola técnica: hospital, fábrica de gelo e de sardinha, casas para funcionários.

É um momento lembrado pelos ilhéus como de grande prosperidade para os

pescadores.

Com a Escola, modifica-se a organização local. Os filhos dos

pescadores passam a estudar em tempo integral, sendo que muitos deles

residem no alojamento da Escola durante a semana, indo para casa nos finais

de semana. Muitas mulheres e homens tornam-se funcionários da Escola:

cozinheiros, marinheiros, mestres de barco, etc. Da mesma forma, a dicotomia

“praia dos brancos” x “praia dos pretos” se dilui com o reordenamento das

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relações entre estes grupos, em decorrência da freqüente convivência entre

eles, seja no espaço de trabalho, seja nas tarefas da pesca ou mesmo nas

tarefas internas à escola, como no espaço da sala de aula.

3.6.2 - O fim da Escola de Pesca

Com o aumento do fluxo de barcos de pesca industriais nas águas da

baía de Sepetiba e no mar próximo à restinga e ilha da Marambaia, no início da

década de 70, a população nativa sofre dois impactos imediatos: o fechamento

da Escola de Pesca Darcy Vargas e a chegada do CADIM – Centro de

Adestramento da Marinha.

A falta de pescado provocado pelas traineiras de São Paulo e Santa

Catarina, neste período, obrigam os ilhéus-pescadores a deixar suas águas

tranqüilas e partir para a pesca em alto-mar no costão da Ilha.

Segundo Fábio Reis Mota11 as transformações implicaram um

reordenamento dos saberes "sobre os recursos naturais, já muito bem

fundamentado na região onde tradicionalmente pescavam, mas incipiente na

outra região, como também uma transferência de técnicas tradicionais, como a

pesca de gorete ou arrasto de praia, para a pesca de rede de espera e linha.

Isso vem, portanto, colocar em xeque toda uma estrutura de solidariedade e

reciprocidade fundamentada na pesca de arrasto, pois era a pesca da qual

participavam homens, mulheres e crianças e cada qual ganhava o seu quinhão.

Na medida em que essa atividade fica restrita ao campo masculino,

desmantelam-se as redes e laços que se criavam nestas situações.

Contudo, a decadência mais acentuada da pesca se dá na parte

leste da Ilha, pois era onde tradicionalmente se pescava o camarão dentro da

restinga, sendo que esta espécie se reproduzia especificamente nesta

11 MOTA, Fabio Reis. "O Direito de não ter direito: pescadores e escravos na Ilha da Marambaia".

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2001. Mestre em

Antropologia pela UFF em 2003. Atualmente é bolsista Capes-Cofecub em estágio doutoral à

Universidade de Paris X e no CEMS/EHESS. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em

Antropologia Juridica e das Populações Afro-Brasileiras, com pesquisas empiricas em áreas de grupos

remanescentes de quilombos, pescadores atresanais e populações tradicionais.

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localidade e, aos poucos, escasseou com a pesca predatória e o gradativo

processo de deterioração ambiental da baía, com grande acúmulo de metais

pesados nestas águas. Ainda a técnica empregada neste tipo de pesca, a rede

de aperto, dificultava o deslocamento para outras partes mais distantes da

praia e de locais sem maré vazante".

Outros fatores contribuíram para essa mudança:

• o assoreamento da restinga pelos materiais retirados da

dragagem para a construção do Porto de Sepetiba, jogados nesta

parte da baía, dificultando a reprodução dos camarões.

• a infra-estrutura da antiga Escola Darci Vargas vai aos poucos

sendo desmontada ou realocada para fins militares.

• os grandes barcos de pesca são vendidos, a fábrica de gelo é

desativada.

• a escola reduz o ensino apenas à 4.ª série.

• a estrutura do hospital é desativada, permanecendo apenas as

salas de pronto-socorro.

• o comando do CADIM proíbe as roças com a alegação de que

estas prejudicavam o meio ambiente, proibindo também as

pequenas vendas de pescadores que comercializavam bebidas e

mantimentos, entre outros produtos.

"Assim, acaba-se com um importante ponto de sociabilidade dos

moradores, principalmente dos homens". (Motta, Fábio Reis)

A Marinha do Brasil restringe a migração gradativa dos familiares de

pescadores para fora da Ilha, não permitindo a entrada de parentes dos

moradores, a revista de bolsas, a proibição de novas construções ou reformas

e, por fim, os processos de reintegração de posse abertos pela União contra os

pescadores e familiares. Nas ações, a Advocacia Geral da União alega que as

famílias que ali residem são invasoras, mesmo sabendo que muitas delas

descendem de escravos e que residem na área há mais de dois séculos.

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CAPÍTULO 4 – PROTEÇÃO JURÍDICA ÀS COMUNIDADES NEGRAS

4. A pendência jurídica

4.1 A Fundação Cultural Palmares

A Fundação Cultural Palmares é uma entidade pública vinculada ao Ministério

da Cultura, instituída pela Lei Federal nº 7.668, de 22.08.88, tendo o seu

Estatuto aprovado pelo Decreto nº 418, de 10.01.92, cuja missão corporifica os

preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à

memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade

brasileira, somando-se, ainda, o direito de acesso á cultura e a indispensável

ação do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras.

Sua finalidade esta definida no artigo 1º, da Lei que a instituiu, que diz:

"promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos

decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira".

O artigo 215 da Constituição Federal de 1998 assegura que o "Estado garantirá

a todos o pleno execício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura

nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações

culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, e de outros grupos

participantes do processo civilizatório nacional".

A Fundação Cultural Palmares formula e implanta políticas públicas que têm o

objetivo de potencializar a participação da população negra brasileira no

processo de desenvolvimento, a partir de sua história e cultura.

4.1.1 O que são quilombos?

As denominações quilombos, mocambos, terra de preto, comunidades

remanescentes de quilombos, comunidades negras rurais, comunidades de

terreiro são expressões que designam grupos sociais afros-descendentes

trazidos para o Brasil durante o período colonial, que resistiram ou,

manifestamente, se rebelaram contra o sistema colonial e contra sua condição

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de cativo, formando territórios independentes onde a liberdade e o trabalho

comum passaram a constituir símbolos de diferenciação do regime de trabalho

adotado pela metrópole.

O Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu artigo 2º,

considera os remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos

étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica

própria, dotados de relações terrritoriais específicas, com presunção de

ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão histórica

sofrida.

Garantir a posse da terra e promover o desenvolvimento sustentável das

comunidades remanescentes dos quilombos é o objetivo principal do Governo

Federal, responsável pelo Programa Brasil Quilombola. Além da regularização

fundiária, os projetos dirigem-se à construção de escolas, alfabetização, saúde,

habitação, saneamento, emprego, renda e luz elétrica.

Os números são bastante favoráveis ao apontar o êxito da ação, a qual

conta com um grupo interministerial, o qual inclui a participação da Fundação

Cultural Palmares/MinC. Cerca de 5.500 mulheres quilombolas já foram

capacitadas para aumentar a renda familiar, 4.600 famílias de 136

comunidades já dispõem de luz elétrica.

Atualmente, o governo está analisando processos de regularização de

terras para os remanescentes dos quilombos, iniciativa que irá beneficiar 500

comunidades de 300 territórios. O governo federal pretende, até 2008,

beneficiar 22.650 famílias de 969 comunidades quilombolas em todo o território

nacional.

Conforme registros junto a Fundação Cultural Palmares, estão

identificadas, oficialmente, 1.000 comunidades remanescentes dos quilombos.

As maiores concentrações destas comunidades estão nos estados da Bahia e

Maranhão. Existem comunidades quilombolas espalhadas por todos os estados

brasileiros, de norte a sul. Algumas iniciativas são elencadas como prioritárias

pela instituição para valorizar o patrimônio dos remanescentes dos quilombos:

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4.1.2 Proteção das comunidades negras tradicionais

Apoio a projetos de revitalização e preservação dos terreiros de religiões de

matriz africana.

• Apoio a confecção de inventários sobre manifestações sócio-culturais e

religiosas.

• Revitalização da Casa das Minas, em São Luiz, Maranhão.

• Construção do Memorial dos Lanceiros Negros, na Serra de Porongos,

município de Pinheiro Machado, Rio Grande do Sul. Projeto realizado

em parceria com a prefeitura de Pinheiro Machado.

• Construção do Monumento aos Lanceiros Negros, em Porto Alegre, Rio

Grande do Sul. Projeto realizado em parceria com a prefeitura de Porto

Alegre.

• Funcionamento, manutenção e preservação do sítio histórico da Serra

da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas.

• Desenvolvimento de ações do Programa de Ações Estruturantes, com a

entrega de equipamentos para o incremento da sustentabilidade

econômica das comunidades remanescentes dos quilombos.

• Incremento da assistência jurídica às comunidades quilombolas.

Diretamente, a Fundação Cultural Palmares presta atendimento direto

há 100 comunidades em todo o Brasil, e, indiretamente, por contato

telefônico, assistência há mais de 200 grupos.

• Participação em iniciativas intergovernamentais, com os demais

ministérios da esfera federal em ações nas áreas de educação, trabalho

e renda, saúde e cidadania para a população quilombola.

4.1.3 Patrimônio Material e Imaterial

O Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN, conceitua

o patrimônio imaterial como um conjunto de bens culturais classificados

segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico

e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos

em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e

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paisagísticos e bens individuais; e móveis como coleções arqueológicas,

acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos,

fotográficos e cinematográficos. A conceituação se baseia em legislação

específica.

Os bens culturais materiais tombados podem ser acessados no Arquivo

Noronha Santos, do Iphan, que é o setor responsável pela abertura, guarda e

acesso aos processos de tombamento, de entorno e de saída de obras de arte

do país. O Arquivo também emite certidões para efeito de prova e inscreve os

bens nos Livros do Tombo.

A UNESCO define Patrimônio Cultural Imaterial as práticas,

representações, expressões, conhecimentos e técnicas e também os

instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados e as

comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos que se reconhecem

como parte integrante de seu patrimônio cultural.

O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e

constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu

ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um

sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o

respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.12

4.2 ARQIMAR - Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da

Marambaia. A luta pelos direitos dos descendentes de escravos.

Com o início dos processos movidos pela Marinha para desocupação ou

obstrução de acesso, os moradores tentam se organizar coletivamente. A

primeira ação foi a criação de uma associação, batizada com o nome de

Associação de Moradores e Amigos da Ilha da Marambaia, AMADIM, que

começou a ser organizada no final de 1989, com o apoio de três vereadores do

município de Mangaratiba e de um advogado, que ofereceu serviços gratuitos

de assistência jurídica. Esse advogado, Dr. Altamiro Silva, tomou conhecimento 12 Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN

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da situação dos moradores no final da década de 80, quando foi procurado por

um morador, ex funcionário civil do Cadim, que desejava instaurar um processo

trabalhista contra a Marinha, por ter sido dispensado sem receber a

indenização a que tinha direito. A AMADIM foi criada, sua diretoria foi eleita em

1990, seu estatuto aprovado, mas não chegou a ser registrada. Diante do

desaparecimento do advogado e das reações contrárias da Marinha, a

população recuou na iniciativa. A partir de 1998, após tomar conhecimento da

situação de intensificação das ordens de despejo e destruição de casas

praticadas pelo comando militar da Ilha, O padre Galdino Canova, da Pastoral

Social da igreja católica de Mangaratiba, começou a promover reuniões com o

intuito de retomar a organização dos moradores, prestando informações sobre

leis e direitos.

Como resultado dessas reuniões foram produzidos: um abaixo assinado

com 263 assinaturas (enviado ao presidente Fernando Henrique Cardoso, aos

ministérios da Marinha e da Justiça e à Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil); denúncias para rádios, jornais e redes de televisão; e uma carta ao

senador José Sarney. Ainda nesse período os moradores tentaram entregar

uma carta ao Fernando Henrique Cardoso, em uma de suas visitas à ilha, mas

foi impedida por soldados que cuidavam de sua segurança. Além disso, em

contato com o Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Estácio de Sá, os

moradores conseguiram assistência jurídica gratuita através do escritório-

modelo. Em meio a essa mobilização, os ilhéus tomam conhecimento da

alternativa aberta pelo artigo 68 (ADCT) e a diocese produz um dossiê

mostrando a antiguidade da ocupação daqueles ilhéus, que recua à época do

Comendador Breves, que teria doado sua propriedade aos ex-escravos, após a

abolição. A transferência de padre Galdino para a Itália e as constantes

pressões da Marinha, em reação à publicidade dada ao caso fizeram com que

os moradores novamente recuassem em sua iniciativa.

No final de 1998 há uma terceira tentativa de organização, com a criação

da Vitória – Associação para o Desenvolvimento Sócio-Econômico Cultural da

Ilha da Marambaia com o mesmo objetivo de defender o direito de

permanência dos daqueles moradores. Desta vez, a iniciativa estava associada

à Igreja Batista Independente que existe na Ilha. Por meio dela os moradores

tiveram acesso a um advogado, o dr. João Gomes, que passou a lhes prestar

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apoio jurídico, assumindo a defesa dos moradores nas ações de reintegração

de posse ajuizadas pela Marinha. Naquela época eram aproximadamente vinte

as pessoas que já haviam sido ou intimadas judicialmente ou notificadas pelo

próprio CADIM.

Em seguida o Pastor Aílton Vidal conseguiria colocar o tema em um

programa de entrevistas TV Record, denunciando os despejos e as destruições

de casas e abrindo espaço para as críticas do dr. João ao presidente da

república, que visitava a ilha nos feriados e finais de semana sem se atentar

para a situação das famílias, compactuando, assim, com uma política de

“privatização da ilha em prejuízo de centenas de pescadores”.

Pouco tempo depois, essa iniciativa também sofreria um recuo e a

própria casa que serve de templo evangélico seria ameaçada de destruição,

sendo objete de mais um dos processos de reintegração de posse da Marinha.

Finalmente, foi no final de 2002 que os moradores da Ilha deram início ao

processo de organização da atual associação comunitária. Durante uma visita

à ilha do Procurador da República, Daniel Sarmento, para discutir questões

relativas ao reconhecimento do grupo como “remanescente de quilombo”,

cerca de oitenta moradores expuseram a intenção do grupo de criar uma

organização comunitária, assim como as proibições que a Marinha lhes teria

imposto com relação a isto.

Com a garantia do procurador de que este é um direito que a

Constituição lhes assegura, entre novembro de 2002 e fevereiro de 2003 os

moradores organizaram as reuniões que culminariam com a criação da

ARQUIMAR - Associação da Comunidade Remanescente de Quilombos da

Ilha da Marambaia. ,Com uma diretoria formada exclusivamente por “nativos”,

ela tem o mesmo objetivo fundamental das anteriores: assegurar a posse da

terra aos seus moradores. Desde que foi formada, porém, os seus associados

vem enfrentando uma série de pressões do comando militar da Ilha.

Depois das primeiras reuniões, alguns moradores alegavam que não

participariam mais da associação porque teriam sido avisados pelo Cadim que

todos os que fizessem parte dela seriam proibidos de utilizar os “serviços” de

transporte, educação e saúde “oferecidos” pela Marinha. Além disso, seria

“construído um muro” separando definitivamente a população do Cadim. Os

moradores contam ainda que tanto o capelão militar da igreja católica, quanto o

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atual pastor da igreja batista independente ambos militares, vêm fazendo

reuniões e sermões contra esta iniciativa de organização. Os evangélicos, em

especial, foram pessoalmente ameaçados com o fechamento da sua igreja.

O clima de terror espalhado na ilha só foi amenizado com a segunda

visita do Ministério Público Federal à Ilha, em fevereiro de 2003. Na presença

do Procurador e de aproximadamente setenta pessoas, o comandante Nilton

negou as ameaças e assegurou aos moradores que “tudo isso não passa de

boatos”.

Mesmo depois dessas declarações, no entanto, alguns moradores foram

informados pela Marinha de que suas casas não poderiam ser reformadas em

função da decisão da juíza (que, como se verá adiante, diz o contrário) e que

certos serviços, como a extensão da rede elétrica para as casas dos ilhéus só

seria oferecida àqueles que não participassem da ARQIMAR. Nunca nenhuma

dessas ameaças foi registrada e aqueles que revelam terem sido ameaçados

estão por demais temerosos para as confirmarem publicamente.

Assim, a informação e a contra-informação são uma das principais

armas dessa guerra psicológica (e, por vezes mais que psicológica, já que

várias casas já foram destruídas) contra a organização políticas dos ilhéus.

Diante disso, não é a fragilidade das iniciativas que se destaca, mas

justamente a persistência delas, contra o pano de fundo da administração

militar.

Ações e reações jurídicas Ao assumir a administração da Ilha em 1971,

a Marinha inicia uma lenta estratégia de esvaziamento da Marambaia. Essa é a

fase “fria” da relação entre os ilhéus e o comando militar que, por meio de

notificações administrativas, impõe diversas proibições como a de consertar as

casas ou construir novas, de cultivares a terra e receberem livremente visitas

de parentes ou amigos de fora da Ilha. Dessa forma, era previsível que, com os

jovens tendo que sair para constituírem suas famílias e com o relativo

isolamento social e econômico imposto pelas proibições, os moradores fossem

naturalmente se retirando.

No final dos anos 80, porém, essa estratégia sofre uma alteração e

entramos na fase “quente” dessa relação. Não está claro se apenas

coincidentemente à promulgação da nova Carta Constitucional, com os

destaques que dá para os direitos culturais e territoriais da população negra, a

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União entra na justiça com as primeiras ações possessórias objetivando a

retirada imediata de moradores. Como a administração da Ilha vive a

alternância de comando de dois em dois anos, porém, essa nova fase também

vive uma alternância de temperaturas.

A um comandante mais intransigente sucede outro mais transigente.

Assim, depois do final dos anos 80, o final dos anos 90 seria marcado por

novas ofensivas contra os moradores, tanto em campo quanto na justiça.

Novamente, acidentalmente ou não, essas novas ofensivas coincidem com os

primeiros debates sobre a auto-aplicabilidade do artigo 68 (ADCT), que se

realizam em 1995. Pudemos localizar 10 processos em tramitação na justiça

Federal do Rio de Janeiro movidos pela União contra famílias da comunidade.

Desses, um se encontra no Tribunal Regional com um recurso de

Apelação, um já está concluso (sentença de 18/11/1997) e os outros se

encontram em andamento. Os dois primeiros têm em comum o fato de

resultarem no reconhecimento do direito de posse das famílias pelo judiciário.

Mas em todos, sem distinção, está clara a intenção da União de retirar o

conjunto das famílias de suas casas.

As iniciais dos processos repetem a mesma formulação, por meio de

alegações idênticas, onde o réu é sempre apontado como um “invasor” da área

de Segurança Nacional. Apesar das semelhanças, cada ação é iniciada em

uma vara diferente, dificultando não só a pesquisa sobre elas, mas também

tornando impossível que o seu caráter coletivo pudesse, eventualmente, ser

percebido por algum operador da justiça mais sensível.

Do outro lado, as famílias aparecem nesses processos sendo

defendidas ou pelo escritório modelo da Faculdade Estácio de Sá (cujos

responsáveis se sucedem à medida que vão se formando, vários sem nunca

terem conversado com seus “clientes”), ou por advogados voluntários, ou ainda

se encontram sem advogados. Esse é o caso, por exemplo, do processo de

Zenilda Soares Felicíssimo (n. 96.0007682-0, concluso em 18/11/1997). Dona

Zenilda conta que se apresentou à juíza “sozinha, com Deus com os meus

documentos, fotografias da terra, de meus pais e com minha historia”. A juíza,

depois de ouvir de dona Zenilda que seu direito a permanecer na ilha era uma

“herança de seus antepassados escravos” e de avaliar o argumento do

advogado nomeado em audiência para dona Zenilda, que solicita o

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indeferimento da liminar, pautado no direito de usucapião, profere a seguinte

sentença:

“Considerando que a posse da ré pelo que está sendo inicialmente

alegado já tem no mínimo 65 anos, uma vez de que desde de que a mesma

nasceu seus pais já residiam no imóvel objeto da presente reintegração , a

situação está de tal modo consolidada que só por essa razão já não estaria

esse juízo apto a autorizar a desocupação liminar. Além disso, há duvidas que

deverão ser sanadas no curso do processo a respeito de eventual desafetação

do bem publico e até possível aquisição por usucapião pela ré.

Não estando presentes os pressupostos que autorizem o deferimento da

liminar pelo que a indefiro. [...] oficie se o IPHAN para que informe a este juízo,

no prazo de 15 ( quinze) dias, se a área objeto da presente ação enquadra-se

nas especificações do art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988”. É

muito relevante que, sem a mediação de qualquer argumento nesse sentido, a

defesa pessoal feita por d. Zenilda tenha levado a juíza a pensar na

possibilidade de aplicação daquela norma constitucional.

Hoje d. Zenilda se orgulha em contar como se defendeu sozinha, tendo

conquistado a atenção e compreensão da juíza para uma historia que não é só

sua, mas de todos os outros moradores da Ilha processados pela União.

Finalmente, em 2002, todas as ações movidas pela União contra moradores da

Marambaia são suspensas.

Na inicial da Ação Civil Pública que leva a tal suspensão, o Ministério

Publico Federal, requer tanto uma medida acautelatória visando proibir a

expulsão dos moradores. Como fundamentação do pedido, o autor da ação,

recorre à Constituição Federal citando, alem do Artigo 68 (ADCT), o artigo 216,

sobre a preservação e fomentação das formas de vida das populações

tradicionais; o artigo 5o, com relação ao entendimento de que o artigo 68

(ADCT) tem aplicabilidade imediata e o artigo 20, que garante a possibilidade

de titulação em áreas pertencentes á União todos da Constituição Federal.

As medidas requeridas pelo MPF em face da União para garantir a

continuidade da comunidade na Ilha foram:

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• se abster de adotar qualquer medida no sentido da

desocupação de quaisquer das casas ocupadas pelas famílias

integrantes da comunidade negra de Marimbada;

• não destruir ou danificar nenhuma das construções habitadas

pelos moradores acima referidos;

• permitir o retorno ás suas antigas casas dos moradores da

comunidade em questão que foram, em razão de medidas

adotadas pela União Federal. Destas retiradas;

• tolerar que os moradores da comunidade em questão

mantenham seu estilo tradicional de vida, plantado roças nas

áreas que ocupam, bem como fazendo eventuais obras, reparos

e reformas nas suas residências;

Além disso, querer o MPF a condenação da Fundação Cultural Palmares

a ultimar o processo administrativo de identificação, se for o caso, a

delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário, no prazo de um ano.

De todos esses pedidos o poder judiciário, em liminar, só não concedeu

o retorno das famílias que já haviam sido retiradas de suas casas,

condicionando essa decisão à manifestação oficial da FCP.

4.3 O Resultado da pesquisa UFRJ

No cais de entrada do Centro de Adestramento da Marinha (CADIM) na

Marambaia, foi montado pelos militares um pequeno posto de informações,

com uma exposição de parte do material encontrado pelos pesquisadores de

uma Universidade carioca.

Desfaz o mito de bondade de Joaquim Breves e seus capatazes, alegado pelos

escravos. Em suas cartas e anotações, Breves mandava castigar severamente

seu plantel quando achava necessário. Ferros e pedaços dos troncos,

gargantilhas e correntes, estão entre esses achados.

descrição das fotos:

• objetos de tortura para pés, pescoço e bôca.

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• ferramentas de trabalho na lavoura.

• fragmentos de cerâmica e louça.

• pedra do moinho.

• ferramentas de trabalho.

• pote de cerâmica.

• fragmentos do antigo piso do quartel.

Objetos encontrados na Praia da Armação nas ruínas do solar dos Breves, e

antiga senzala e armazéns. Pontal da Marambaia.

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CAPÍTULO 5 – COMO SOLUCIONAR A CONFLITUOSA RELAÇÃO: MEIO

AMBIENTE PROTEGIDO, COMUNIDADE QUILOMBOLA E INTERESSES

MILITARES

5. A solução do conflito

5.1 O processo ainda inacabado

O projeto Territórios Negros (Egbé) produziu em 2002 um relatório

preliminar sobre a Ilha da Marambaia, que serviu de base à Ação Civil Pública

movida pelo Ministério Público Federal.

Tópicos desse relatório:

Descendência: Os ilhéus-pescadores moradores da Ilha da Marambaia

descendem, direta ou indiretamente, de famílias que ocupam a Ilha há no

mínimo 120 anos, por serem remanescentes de escravos de duas fazendas

que funcionavam no local até a abolição da escravatura. Essa data porém pode

recuar, com o apoio nas pesquisas genealógicas previstas, até meados do

século XIX, de quando data o primeiro registro de posse da Ilha por parte do

Comendador Joaquim Breves.

Posse pacífica da terra: Se estabeleceu logo após a morte do

Comendador Breves em 1889, e do abandono da Ilha por parte de sua família,

devido às dificuldades financeiras (inventário e partilha de bens) em que ela se

viu envolvida a partir de então.

Doação: Faz parte da memória do grupo o evento da última viagem do

sr. Breves à Ilha, na qual ele teria doado (apenas verbalmente) cada uma de

suas praias a um conjunto de famílias, elegendo entre elas aqueles que

deveriam ficar encarregados da chefia dos outros.

Enquadramento: Coerente com a caracterização sociológica acerca

das chamadas “terras de preto”, segundo a qual estas seriam formadas por

domínios doados, entregues ou adquiridos, com ou sem formalização jurídica,

por famílias de escravos. Tais domínios teriam origens muito diferentes. Entre

elas, a falência dos antigos empreendimentos escravistas, depois dos quais os

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descendentes diretos dos grandes proprietários, destituídos de poder de

coerção como o fim da escravidão, permitiram a permanência das famílias de

antigos escravos, pura e simplesmente ou por meio de aforamentos de valor

simbólico, como forma de não abrir mão do seu direito de propriedade formal

sobre elas. Apenas por essa razão tais populações teriam perseverado até os

dias atuais, em isolamento relativo, mantendo regras de uma concepção de

direito que orientavam uma apropriação comum dos recursos.

Reação da Marinha: Os processos da Marinha abertos contra os ilhéus

tem levado à expulsão dos moradores da área, coincidindo com o momento de

maior popularidade do tema das “comunidades remanescentes de

quilombos”13. Tais processos ganharam vulto depois das iniciativas da Diocese

de Itaguaí na defesa daquelas famílias, e a partir dessa iniciativa, a Marinha do

Brasil passa a fragmentar e individualizar esses processos, distribuídos por

diferentes varas, como forma de impedir que o caráter coletivo do conflito se

manifeste. Muito embora o processo esteja fragmentado podemos observar (e

não há dúvida nisso) que se trata de uma ação que incide sobre uma

coletividade, com mesmo autor, mesmo objeto e mesmas argumentações,

tendo por réus pessoas que vivem sob as mesmas condições, fazendo parte de

um grupo social estreitamente tecido por relações de parentesco e de memória.

Conclusão: Finalmente, é possível afirmar que as características

objetivas do grupo e das terras em apreço enquadram-se com perfeita

coerência não só no modelo sociológico das “terras de uso comum” e das

“terras de preto”, que têm sustentado a interpretação dominante sobre a

expressão constitucional “remanescentes de quilombos” (tanto entre

antropólogos quanto entre juristas), como também no padrão das comunidades

oficialmente reconhecidas com este título pela Fundação Cultural Palmares no

próprio estado do Rio de janeiro. Vale lembrar que, desde 1992, por iniciativa

das organizações da sociedade civil, do campo acadêmico, do Ministério

Público Federal, e da própria União, se estabeleceu o consenso largamente

documentado de que o termo “remanescentes de quilombos” consiste em uma

categoria jurídica nova, que não encontra perfeita correspondência na

categoria histórica dos “quilombos” , conforme definido pela parca historiografia

13 Decreto "Quilombola" .ANEXO 2 - DECRETO Nº 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003.

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sobre o tema. Foi apenas em vista deste largo consenso que mais de 30

comunidades já foram oficialmente reconhecidas e mais de 15, incluindo duas

no estado do Rio de Janeiro, foram tituladas em suas terras. Essas

considerações nos permitiam afirmar, à época, que do ponto de vista da

“caracterização objetiva”, nada impedia o reconhecimento da Ilha da

Marambaia como uma “comunidade remanescente de quilombos”.

Diante desse primeiro diagnóstico, o trabalho de pesquisa para a

finalização do laudo deveria assumir duas tarefas:

Primeiro, a de documentar de forma rigorosa os pontos já levantados e

ampliar a investigação sobre aspectos que ainda não estavam claros.

Segundo, caracterizar com maior precisão a demanda do próprio grupo,

para que o diagnóstico não se limitasse a uma caracterização apenas objetiva.

Esse ponto é de enorme importância, porque está relacionado ao que o

movimento social e os antropólogos chamam de auto-identificação do grupo.

Aspecto que está sustentado na definição de uma demanda clara e a

capacidade de organização tendo em vista tal demanda. Do reinício dos

nossos trabalhos para hoje, nossas dúvidas com relação a esse ponto se

dissiparam (como poderão compreender no texto a seguir). Iniciativas e

percalços da organização social sob regime militar

5.3 A decisão do Ministério Público Federal

Decisão da Justiça foi dada em ação civil pública do Ministério Público

Federal no Rio de Janeiro - Processo nº. 2002.51.11.000118-2.

A Justiça Federal do Rio de Janeiro decidiu que a comunidade

quilombola14 residente em uma área da Ilha da Marambaia, no município de

Mangaratiba, deve permanecer no local e ainda receber o título de propriedade

da terra. A decisão é resultado de uma ação civil pública proposta pelo

Ministério Público Federal, por meio do procurador regional da República

Daniel Sarmento. A ação pedia que fosse reconhecido o direito dos

remanescentes do quilombo que existia na ilha de continuarem morando no

local. 14 Comunidade quilombola deve receber títulos de propriedade da Ilha da Marambaia (RJ). Publicado no site do Ministério Público Federal (http://noticias.pgr.mpf.gov.br/). 26/03/2007

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Aproximadamente 90 famílias moram na Ilha da Marambaia desde antes

da abolição da escravatura, no entanto, desde que a Marinha do Brasil passou

a administrar o local, os moradores começaram a sofrer uma série de

restrições com o objetivo de retirá-los da ilha.

A Justiça Federal determinou que o Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (Incra), além de identificar a comunidade, promova a

delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras ocupadas no

prazo de um ano (a contar da data da sentença), sob pena de multa de cem mil

reais por mês que ultrapasse esse prazo.

A Justiça determinou também que a União identifique os remanescentes

e tolere a permanência dos mesmos na ilha, sem tomar qualquer medida que

vise a retirada ou destruição ou danificação de suas casas. E ainda permita

que os quilombolas mantenham o seu tradicional estilo de vida e construam

casas dentro de suas terras para seus descendentes.

5.4 – Retrocesso na edição de portarias do INCRA

Motivo de comemoração para os quilombolas da Marambaia foi a

decisão da Justiça Federal, determinando que o Incra finalizasse o relatório

sobre quilombo na ilha de Marambaia.

O repórter Vladimir Platonow da Agência Brasil publicava em 26 de

março de 2007 a alvissareira notícia, ressaltando as obrigações do INCRA

resolver o impasse em um ano sob pena de multa mensal de R$ 100 mil reais.

Nem tudo pode ser festa. A decisão tomada no último dia 20 pelo juiz

Raffaele Felice Pirro, da Vara Federal de Angra dos Reis, RJ, em resposta a

ação civil pública proposta pelo procurador regional da República Daniel

Sarmento, ele também condena a União a tolerar a permanência dos

quilombolas e a permitir a volta dos moradores que tenham sido desalojados,

bem como deixar que eles cultivem suas roças e reformem ou construam

novas casas.

De acordo com o procurador, a decisão judicial tem efeitos imediatos e

visa garantir que os moradores da ilha não sejam removidos pela Marinha –

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que mantém uma base na ilha –, além de melhorias na infra-estrutura da

comunidade, carente de água encanada, luz e transportes.

"Essa comunidade se encontra na região há mais de 150 anos. São

descendentes de escravos, se enquadram no conceito de quilombo adotado

pela legislação brasileira e se encontram em uma situação de muita

precariedade, sem poder manter o seu estilo de vida tradicional. Corria o risco

de desaparecer, de ser virtualmente exterminada, e esta sentença assegura

sua continuidade”, comemorou Sarmento.

O procurador da República conta que após diversas idas ao local não

tem dúvida de que se trata de uma comunidade remanescente de quilombo.

“Há laudos antropológicos, do Incra e de outras entidades, apontando isso.

Quem nega esse dado parte de um conceito equivocado de quilombo, que diz

que é só o local formado por escravos fugidos. Quilombo é o local que abriga

pessoas provenientes de um passado de escravidão, mas que não são,

necessariamente, escravos fugidos”, sustentou.

Na ilha, Sarmento constatou que os quilombolas se sustentam com

pequenas roças, criação de animais e, principalmente, a pesca: “A situação é

muito precária, as casas estão quase desabando e a Marinha não permite que

as residências sejam reformadas”.

Outro problema, segundo o procurador, é a falta de transporte: "O único

barco que faz a ligação com o continente pertence à Marinha, com horário de

funcionamento insuficiente para atender à comunidade, e a única escola da ilha

só vai até o ensino fundamental – os moradores não têm como continuar os

estudos, porque os horários dos barcos inviabilizam o acesso à escola”.

Diversos sítios na Internet, principalmente ONG's, promovem uma

campanha pela republicação da Portaria do Incra que reconhece a área como

quilombo. Através de um modelo de e-mail que deve ser enviado para a

Presidência do Incra com cópia para:

• SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade

Racial

• Casa Civil

• Ministério Público Federal

• Ministério Público Federal MPF/6ªCâmara - Índios e Minorias

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• Procuradoria Federal para os Direitos do Cidadão

• Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República

No texto sugerido pelas ONG's é informado que se trata de um "retrocesso"

o cancelamento da Portaria:

"Exigimos a imediata publicação pelo INCRA do relatório que reconhece a

comunidade de remanescentes de quilombo da ilha da Marambaia (RJ). A

anulação da publicação deste relatório, além de arbitrária e imoral,

representa um retrocesso na garantia dos direitos econômicos, sociais,

culturais e ambientais dos quilombolas da Marambaia e não se coaduna

com o Estado Democrático de Direito, do qual esperamos que esse governo

seja fiador"..

Abaixo a Portaria que cancela o direito dos quilombolas da Marambaia:

SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL NO RIO DE JANEIRO

PORTARIA No-24, DE 14 DE AGOSTO DE 2006

O SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INCRA NO ESTADO

DO RIO DE JANEIRO, nomeado através da Portaria IN-

CRA/P/No-2009/2005, publicada no DOU de 08/04/2005, no uso

das disposições que lhe são conferidas pelo inciso X, art. 29, do

Regimento Interno do INCRA, aprovada pela Portaria MDA/No-

164, de 14/07/2000, publicado no DOU, de 17/07/000, e

CONSIDERANDO o contido no MEMO/INCRA/GAB/No- 880, de

14 de agosto de 2006, resolve:

Art. 1º.

Tornar insubsistente a Portaria/INCRA/SR-07/No-15 de 5 de julho

de 2006, publicada na Seção I do DOU de 14.8.2006, que

reconheceu os remanescentes da comunidade dos Quilombolas

da Ilha Marambaia, localizada na Ilha da Marambaia, Estado do

Rio de Janeiro.

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Art. 2º.

Esta Portaria entra em vigor na data de sua pu-blicação.

MARIO LUCIO MACHADO MELO JUNIO

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CAPÍTULO 6 – FORÇAS ARMADAS NO PARAÍSO ECOLÓGICO – DANO

AO MEIO AMBIENTE OU PRESERVAÇÃO?

6.1 Aspectos técnicos

A Restinga da Marambaia15 está localizada entre a Baía de Sepetiba e o

Oceano Atlântico, no município de Itaguaí, estado do Rio de Janeiro.

Segundo SEMADS (2001), essa região abrange cerca de 79 km²,

compreendendo a restinga propriamente dita e o Morro da Marambaia. A

restinga constitui uma imensa barragem de areia, que, apesar de baixa altitude,

funciona como um dique, isolando as águas da Baía de Sepetiba do Oceano

Atântico. Possui 40 km de comprimento, estendendo-se da Barra de Guaratiba

à leste até o Morro da Marambaia a oeste, e chega a distar 18 km do bordo

continental. Na Barra de Guaratiba a restinga possui uma largura de 1.800 m,

estreitando para 120 m na sua porção central e voltando a alargar-se, dando

origem à pequena Baía de Mangaratiba. Sua largura máxima é de 5 km. Na

porção leste a restinga apresenta um campo de dunas de até 30 m de altura e

a oeste, planícies com altura máxima de 10 m, com a presença do pico rochoso

da Marambaia que ascende a 640 m.

Na parte central sua altura é de apenas 5 m. O clima na região, segundo

a classificação de Köeppen, enquadra-se no macroclima Aw (Clima Tropical

Chuvoso), com temperaturas do ar típicas das áreas litorâneas tropicais. De

acordo com Menezes (1996), a temperatura média anual na região é de

23,6°C, sendo mais alta em fevereiro, com 26,7°C, e mais frio em julho, com

21,0°C. A precipitação total anual média é de 1.027,2 mm, sendo o mês de

agosto o mais seco, com média de 47,4 mm, e março o mais chuvoso, com

140,6 mm.

6.2 - A Marinha do Brasil nas Ações Cívico Sociais na Ilha da Marambaia16

15 AVALIAÇÃO MULTI-TEMPORAL DA EVOLUÇÃO GEOMORFOLÓGICA DA RESTINGA DA MARAMBAIA, RIO DE JANEIRO – BRASIL. Fabrício Sanguinetti Cruz de Oliveira, Milton Kampel, Silvana Amara. University of São Paulo – USP, Oceanography Institute of the University of São Paulo, Department of Physical Oceanography. 16 Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais Marinha do Brasil - http://www.mar.mil.br/cgcfn/marambaia/index.htm

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No sítio de Internet (https://www.mar.mil.br/cgcfn/), junho de 2007, o

Comando Geral do Corpo de Fuzileiros Navais destaca a Ilha da Marambaia.

Com links para:

• Informações Geográficas

• Histórico

• Aspectos demográficos

• Apoio a comunidade

• Adestramento/Importância Geoestratégica

• Meio Ambiente - Preservação Ambiental

• Marambaia na mídia

• Comentários favoráveis a preservação ambiental na ilha da

Marambaia, extraídos do jornal "O Globo".

Fig. 10 - Casas de militares do CADIM na Marambaia. Ao fundo o Pico da Marambaia. Foto: Aloysio

Breves. 2006.

Comentamos a seguir alguns deles:

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Transporte Marítimo: A Marinha do Brasil provê transporte marítimo gratuito

em suas embarcações para a população civil, bem como seus familiares e

convidados nos mesmos horários de utilização dos militares. O transporte é

feito duas vezes ao dia pela Manhã e tarde saindo da Ilha da Marambaia vai

até Itacuruça e retorna à Ilha da Marambaia.

Apoio ao Transporte de cesta básica e material de construção: A Marinha

do Brasil assegura transporte gratuito de cestas básicas e material de

construção em suas embarcações para a população civil. O transporte é feito

nas embarcações de rotina ou em embarcações programadas para atender

eventos específicos.

Assistência Médico-Ambulatorial: A Marinha do Brasil presta assistência

Médico-Ambulatorial a população civil da Ilha da Marambaia por intermédio dos

médicos e enfermeiros do Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia

(CADIM), sempre que se faz necessário. Ao longo do ano de 2006 foram

realizados 687 atendimentos ambulatorial a população civil da Ilha, sendo 501

adultos e 186 crianças.

A Marinha do Brasil mantém na Ilha da Marambaia embarcações e

lanchas rápidas para retirada de pacientes em estado grave. Em 2006 foram

realizadas 30 retiradas de pessoal civil da população local, em situação de

emergência. As retiradas são sempre realizadas em perfeita coordenação com

a Secretaria Municipal de Saúde de Mangaratiba. As retiradas são para o

distrito de Itacuruça ou para a sede do Município, conforme orientação daquela

Secretaria. As retiradas são realizadas a qualquer hora do dia ou noite.

A Marinha do Brasil coloca à disposição as instalações de saúde do

Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia (CADIM) para utilização pelas

Secretarias Municipal e Estadual de Saúde em apoio aos moradores civis da

Ilha no controle de zoonoses e atendimento médico preventivo, tais como:

• Programa de vacinação contra gripe para idosos.

• Programa de vacinação para criaças

• Programa de Saúde Familiar (PSF)

• Programa de Controle de vetores (Mosquito da Dengue)

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• Programas de combate aos morcegos HEMATÓFAGOS.

• Programa de controle de LEIFHIMANIOSE TEGUMENTAR.

• Programa de esterilização da população canina.

Assistência Religiosa: A Marinha do Brasil promove a assistência Religiosa a

população civil da Ilha, aos dependentes de militares e aos militares por

intermédio da Capelania do Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia.

Anualmente diversas atividades de cunho religioso são desenvolvidas, dentre

elas a mais significativa é a festa da padroeira, Nossa Senhora das Dores,

comemorada em setembro.

Fig. 11 - Antiga tulha ou senzala dos Breves na sede do CADIM, Marambaia. Serve de hotel de

trânsito para visitantes e oficiais. Foto: Aloysio Breves. 2006.

Em 2006 foi restaurada a Capela do cemitério da Ilha, que é da

administração da Prefeitura de Mangaratiba, por um grupo de militares e civis

da Ilha. Na reforma houve troca total do telhado, foi refeita a parte hidráulica e

elétrica, trocado todo piso e pintura geral.

Área de Navegação Restrita e Proteção à Pesca: A Marinha estabeleceu em

2005 uma área de Navegação Restrita junto à Ilha que favorece as atividades

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de pesca desenvolvidas pelos moradores, por serem os únicos autorizados a

utilizar esta área.

Espaço do pescador: A Marinha em 2006 disponibilizou um espaço para que

os pescadores da Ilha pudessem expor e vender o pescado aos demais

moradores, contribuindo com isto para o incremento da renda familiar daqueles

pescadores e permitindo uma melhora na qualidade de vida uma vez que o

pescado não vendido pode ficar congelado para futuro consumo, troca ou

venda.

Espaço do Artesão: A Marinha em 2005 assegurou um espaço para que as

artesãs da Ilha pudessem produzir seu artesanato típico e posteriormente

comercializá-lo no Espaço Cultural. O Espaço do Artesão é um verdadeiro pólo

de divulgação da cultura local e onde as novas gerações aprendem com os

mais velhos.

Espaço Cultural: A Marinha em 2005 inaugurou um espaço destinado a

exposição de todo material e artefato ligado a história e cultura da Ilha para

que as pessoas que a visitam possam conhecê-la melhor. Os artesãos da ilha

podem expor seu trabalho e vendê-lo neste espaço, que tornou-se verdadeiro

pólo de disseminação da cultura local e de valorização do ser humano em

perfeita harmonia com seu habitat natural.

Máquina de gelo: A Marinha em 2005 inaugurou um espaço destinado a

produção de gelo com a finalidade de atender a população civil da Ilha que não

tem acesso a energia elétrica. Inicialmente a máquina tinha capacidade de

produzir até 240 Kg de gelo em escamas. Contudo, devido ao grande sucesso

do programa em 2006 foi dobrada a capacidade da máquina.

Apoio a Educação: A Marinha mantêm convênio com a Prefeitura Municipal

de Mangaratiba com a finalidade de proporcionar melhores condições de

educação aos moradores civis e dependentes de militares. Em 2006 o Centro

de Adestramento renovou o convênio com a Prefeitura Municipal de

Mangaratiba por mais cinco anos. Na ocasião estavam presentes o

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Comandante do Centro de Adestramento, o Prefeito de Mangaratiba, a

Secretária de Educação do Município, a Diretora da Escola Levy Miranda e o

Imediato do Centro de Adestramento.

6.3 - Geoestratégia e Adestramento na Marambaia

A Ilha da Marambaia, enquanto base de treinamento, está dividida pelo

conjunto topográfico do Pico da Marambaia em duas regiões: a habitada, onde

se localiza a guarnição da Marinha, a população local, facilidades, construções

históricas e a ligação com o continente; e a restinga, a sul e a leste da

elevação. Nestas regiões desabitadas, estão localizadas as diversas áreas de

adestramento, impacto e acampamento, todas muito bem delimitadas,

balizadas com placas sinalizadoras com limites de altitude nunca ultrapassando

os cem metros a partir da praia.

As áreas são utilizadas pelos fuzileiros navais e outros efetivos da

Marinha. Ou mesmo por outras organizações, estas desde que devidamente

autorizadas e acompanhadas.

É de grande valia para a capacitação profissional da tropa uma área,

como esta, bem próxima às grandes bases no Rio de Janeiro. Nela é livre o

trânsito, desde que não perturbe o cotidiano da Organização Militar e

moradores locais, o que permite a execução de inúmeros adestramentos. Ali é

possível realizar: tiro com todas as armas do acervo dos fuzileiros;

familiarização dos combatentes com o fogo real das armas orgânicas; longas

marchas a pé por terrenos arenosos, alagados ou de selva; capacitação de

motoristas na pilotagem em qualquer terreno; natação utilitária e para vencer

arrebentações (fundamental a uma tropa que ataca a partir do mar); manuseio

de artefatos explosivos; corridas de orientação; patrulhas militares diurnas e

noturnas; navegação terrestre; montagem e desmontagem de acampamentos;

movimentação de instalações de comando ou logísticas; enfim, uma infinidade

de atividades operativas fundamentais a manutenção de uma tropa tão

especial como os fuzileiros navais. Tudo isso podendo ser realizado sob

pressão de um inimigo, ou seja, dentro de um tema tático, o que subentende

cumprir muitas destas tarefas sob fogo real.

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Várias medidas de segurança para tropa, proteção ambiental e segurança

da população são tomadas, como: destruição de artefatos não detonados,

segregação das áreas de exercício, remoção total dos obstáculos que tenham

sido montados; retirada total de resíduos ou lixo produzido em sacos plásticos

apropriados, sendo todos removidos para o continente.

Quanto aos locais destinados aos tiros de canhão existe uma constante

preocupação com relação a quaisquer incêndios. Estes, mesmo os

involuntariamente causados, deverão ser prontamente combatidos e

imediatamente comunicados. Para isso o Centro de Adestramento da Ilha da

Marambaia possui material específico e pessoal especializado em combate a

incêndio florestal. O que tem sido eficaz, uma vez que não há histórico de

acidente não debelado.

Além disso, é proibida a caça e/ou a utilização de vegetais da região que

tenham valor alimentício, exceto nos exercícios específicos de sobrevivência

por período prolongado, quando o consumo destes recursos naturais deve ser

o mínimo possível. Sendo sempre garantida a preservação ambiental. Por fim,

as áreas sofrem inspeção no início do exercício e ao seu encerramento a fim

de permitir quaisquer providências para que não exista o menor impacto ao

ambiente.

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CAPÍTULO 7 – A MÍDIA EXERCENDO SEU MELHOR PAPEL

7.0 As múltiplas visões de um conflito. A Marambaia na mídia

"O que acontece lá fora não me interessa muito. Minha vida é o mar, a

pesca. Televisão é só para iluminar o barraco".

Valmir Firmo Mariano, 56 anos, pescador, nascido e criado na

Marambaia.

Paraíso proibido - Militares e ecologistas se unem para preservar uma das

mais exuberantes reservas naturais do País. por Hélio Contreiras e Pedro

Agilson. Fonte: Revista Isto É. (26/11/1996)

"...Os que moram no paraíso não admitem a possibilidade de sair dali,

embora na ilha não exista sequer supermercado. Descendentes de escravos,

esses moradores ainda sobrevivem da pesca artesanal e mantêm o hábito de

visitar a capela de Nossa Senhora das Dores, erguida em 1940, numa época

em que a ilha ainda abrigava alguns cafezais. Teodorina Alves de Lima, 77

anos, é a mais antiga moradora da ilha. Ela nasceu lá e nunca residiu em outro

lugar.

Sua mãe, Rosa, falecida há cerca de 50 anos, foi levada à Marambaia

no século passado por um navio negreiro, sendo libertada só com a decretação

da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Na época, a ilha era usada para a

triagem dos escravos. Os que tinham saúde, bom físico e dentes em bom

estado eram logo separados para ser vendidos a preços mais altos. "Minha

mãe me dizia que o trabalho escravo afetou sua saúde", diz Teodorina.

Ela lembra que sua mãe lhe contava que, por ser escrava, além de ser

mal-tratada, nem sequer tinha direito a alimentação adequada, e por isso

enfraqueceu. A senzala, onde a mãe de Teodorina passou boa parte da vida,

permanece construída na ilha. Viúva, Teodorina recebe R$ 112 como

aposentada do Fundo Rural. "Aqui eu vivo com esse dinheiro. Em outro lugar

acho que não daria", diz. "Na ilha, um ajuda o outro e não falta nada para

ninguém."

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Outro descendente de escravo e que também nasceu na ilha é Caetano

Silva, 76 anos. Defronte a seu barraco, ele diz que sempre recorreu à pesca

para garantir sua alimentação. "Hoje, penso apenas em tentar viver mais

alguns anos", diz o pescador. No passado, porém, esses habitantes do paraíso

ecológico queriam melhorar o padrão de vida. Ercília Silva, 67 anos, mulher do

pescador, costuma recordar o período em que mais alimentou o sonho de dias

melhores.

"Nos anos 40, fui empregada do presidente Getúlio Vargas, quando ele

tinha uma casa na Marambaia." Fala-se na ilha que a casa do ditador do

Estado Novo era usada por ele para encontros fortuitos com amigas. Mas

Ercília faz uma ressalva: "Dona Darcy Vargas, a mulher do presidente, estava

sempre lá." A casa, na verdade, pertence ao governo federal, mas os

moradores não têm lembrança de que outros presidentes a tenham utilizado.

Hoje, ela é ocupada pela Marinha.

A ilha também foi usada, na década de 70, como esconderijo de

perseguidos políticos. Muitos dos que eram procurados pela repressão fugiam

para Marambaia. "Os fugitivos políticos eram vistos com desconfiança, não

falavam com quase ninguém e nunca se ficava sabendo de onde eles tinham

vindo", recorda Ercília. "Mas eles não faziam mal a ninguém. Não sabiam

pescar e se limitavam a pedir apenas um prato de comida."

7.1 Parlamentares em defesa da Marambaia

O deputado federal Miro Teixeira, com base no art. 50 da Constituição

Federal e na forma dos arts. 115 e 116 do Regimento Interno solicitou

informações a Sra. Ministra de Estado da Casa Civil Dilma Vana Rousseff

sobre denúncias contidas no Dossiê Marambaia (em apenso), mediante o qual

a associação de moradores da Ilha da Marambaia, Estado do Rio de Janeiro,

informa que encontra-se em litígio com a Marinha do Brasil pela concessão de

“áreas” naquela localidade.

Em seu relatório o parlamentar sustenta que: "O dossiê apresentado, é

verdadeiro relato histórico vivido pela comunidade remanescente de quilombo

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da Ilha de Marambaia. É formada por cerca de 161 famílias descendentes dos

escravos do Comendador Breves, que utilizava a ilha como entreposto do

tráfico negreiro. Com o fim da escravatura e com a morte do Comendador, a

fazenda entrou em decadência e foi desativada. As famílias negras

permaneceram nas terras em posse pacífica até 1971, quando a ilha foi

entregue ao Ministério da Marinha".

Relata, ainda, que com a chegada da Marinha houve três grandes

impactos com os quilombolas:

• o primeiro, na década de 20, de confronto;

• o segundo, em 1939, benéfico, com a instalação da Escola de

Pesca Darcy Vargas; e,

• o terceiro, em 1971, com “proibições, arbitrariedades e abuso de

poder por parte da Marinha, tais como: contruções de casas para

os filhos recém-casados; reforma das casas já existentes;

derrubadas de casas e realização de roças de subsistência,

impedimento a práticas de subsistência; da pesca e da roça;

violação ao direito à educação; restrições ao direito de ir e vir;

intimidação da população com a retirada de serviços públicos

oferecidos; e ações de despejo contra as famílias residentes na

ilha”.

Diante das informações e documentos em anexo do histórico relatado,

requer informações através das seguintes perguntas:

1. Procedem as informações prestadas pelo Diretor de Relações Públicas

da Marinha Sr. Maurício Farias Alves?

2. Se procedem, qual o interesse da Casa Civil no assunto?

3. Se não procedem, como a Casa Civil poderia interceder visando dar

celeridade, uma vez que a questão envolve vários Ministérios? Como

poderia atuar objetivamente para o deslinde da lide? Principalmente em

relação a Marinha que requer a mesma área?

4. O que pode esperar a Comunidade de Marambaia quanto aos

desdobramentos para a concessão da titulação da área?

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Salienta a necessidade da urgência nas respostas em virtude dos

acontecimentos relatados.

O "Jornal do Senado", edição de sexta-feira, 22 de março de 2002,

publicou o discurso do Senador Geraldo Cândido (PT-RJ) sobre a importância

do Dia Mundial de Luta contra a Discriminação Racial. O senador pediu

rapidez no processo que o Ministério Público move contra a Marinha do Brasil

no caso do despejo de pescadores negros remanescentes de escravos da Ilha

de Marambaia, RJ.

O parlamentar disse que, desde 1971, a Marinha passou a administrar a

ilha e perseguir os moradores, que não podem mais cultivar hortas de

subsistência nem reformar ou construir casas sem autorização.

"Vamos esperar que a Marinha tenha se modernizado e que o

processo movido pelo Ministério Público garanta os direitos dos

quilombolas de meu estado. Mas vamos também ser vigilantes,

para garantir que a Constituição se cumpra, para conceder verbas

para o processo de titulação, e cobrar maior rapidez da Fundação

Cultural Palmares nos processos que já iniciou".

O Ministério Público, segundo Cândido, exigiu que a Fundação

Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, inicie imediatamente a

identificação dos descendentes de escravos e a titulação das terras ocupadas

pela comunidade negra na ilha. Embora já tenha identificado 743 comunidades

remanescentes de quilombos no país, a fundação, afirmou, titulou apenas 29.

No Rio de Janeiro foram somente duas, disse. E mesmo com os pareceres

favoráveis, Marambaia "está no final de uma lista extensa e burocrática".

Para Geraldo Cândido, "pior que a morosidade" do governo federal em

garantir os direitos dessa comunidade é o papel da Marinha, "que além de

perseguir os moradores começou a expulsá-los", com o argumento de que a

ilha é propriedade da União. O senador argumenta, citando a Constituição, que

a União, que inclui a Marinha, "reconhece a propriedade definitiva aos

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remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas

terras".

Cândido lembra ainda que duas leis estaduais reconhecem o direito da

comunidade negra de Marambaia sobre suas terras, reconhecida não como

quilombola, mas como de pescadores tradicionais pelas leis fluminenses.

"A Marinha do Brasil ignorou não apenas a dignidade dessa

comunidade, mas feriu leis".

O parlamentar citou dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea) segundo os quais, dos 23 milhões de brasileiros que vivem em extrema

pobreza, aproximadamente 70% são negros. De acordo com a pesquisa, mais

de 16 milhões de negros estão em situação de indigência ou miséria. Dos 10%

mais ricos, os negros são apenas 15%.

Geraldo Cândido disse que, apesar das leis que qualificam a

discriminação e o racismo como crime, quase não há condenações.

Outro parlamentar, o Senador Paulo Paim, em discurso17 proferido no

Senado Federal, relembrou aos presentes a história de luta e de sofrimento

que inicia em 1856 com o registro na Paróquia de Itacuruçá, de duas fazendas

localizadas na Ilha de Marambaia de propriedade de um “senhor do café” que

praticava tráfico de escravos para o Rio de Janeiro.

Alegou o ilustre Senador que a família não cumpriu o compromisso

assumido verbalmente pelo antigo proprietário e vendeu as terras da Ilha para

a União. Ainda assim, as famílias negras permaneceram ali em posse pacífica

até 1939.

Lamenta que esse direito está ameaçado por ações judiciais de

Reintegração de Posse, que a Marinha move contra os moradores alegando

que estes seriam invasores da área. Os treinamentos militares de tiro colocam

em risco também a vida dos pescadores e a integridade de suas casas, são

17 Discurso do Senador Paulo Paim. Publicado no DIÁRIO DO SENADO FEDERAL . Sexta-feira 7Julho de 2006.

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numerosos os relatos sobre quintais e roças destruídas pelas tropas em

treinamento.

Finaliza pedindo: "Em nome de todos os negros e brancos que sonham

transformar este país num país mais justo e mais igual quero demonstrar meu

apoio à "Campanha Marambaia Livre” que luta pela titulação das terras do

quilombo da Marambaia. Sinto dentro de mim uma imensa capacidade de luta,

e a responsabilidade com essa gente brasileira: negros, índios, brancos,

mestiços, que me empurram a cada dia para trabalhar com mais e mais

empenho pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Acredito que temos

tudo para fazer de nosso país um lugar onde a solidariedade, a igualdade e a

liberdade".

7.2 Balneário oficial de Presidentes

Em 11 de abril de 2004, o jornalista Elio Gaspari publicou em "O Globo" Edição

de Domingo, em sua coluna o artigo "A grande Marambaia de FFHH".

"FFHH descansou um noite na Restinga de Marambaia. Está

exausto e, por mais que mantenha a linha, viveu dias de tensão

que supunha impossíveis. Se conseguiu limpar a cabeça por

algumas horas, todo mundo teve a ganhar. Se tivesse soltado o

pensamento, poderia tê-lo pousado na história da casa que o

hospedou. Ele a conhece. Era um posto de contrabando de

escravos do comendador Joaquim José de Souza Breves, um

dos homens mais ricos do fim do Império (seis mil negros, 90

fazendas). A MArambaia foi chamada de viveiro, porque lá os

escravos se recuperavam da viagem, com comida e repouso".

O jornalista faz uma comparação entre o Brasil que viveu o Comendador

Breves e o de Fernando Henrique:

"... tal como o abolicionismo, o movimento por reformas que eu

represento não é contra ninguém. Será?" pergunta Gaspari.

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Compara ainda o preço do escravo negro que custava 25 bois, algo em

torno de R$ 12 mil reais e a aplicação de uma poupança nos dias de hoje, bem

como os juros altos de 2004.

Refaz a trajetória dos bens dos Breves que foram parar nas mãos do

Governo, sua ruína, e finaliza:

"Talvez FFHH não possa mesmo baixar logo os juros, mas o

Brasil melhoraria muito se fosse restabelecida a paridade,

fazendo com que o rendimento do dinheiro com que se

comprava um escravo no século XIX se pague, hoje, o salário

de um só cidadão forro das vésperas do XXI. Por enquanto, os

juros permitem que se pague por dois. Há juros demais e

salários de menos".

Mesmo que não possa fazer nada, poderia soltar um capilé para

a restauração da igreja de São Joaquim, de forma a permitir que

o seu anfitrião retorne ao túmulo que construiu".

O atual Presidente da República também escolhe para o descanso a Ilha

da Marambaia. Em notícia publicada no "O Estado de São Paulo" em Fevereiro

de 2006 por Vera Rosa, mostra a permanência de Lula à Restinga da

Marambaia, onde passou o feriado de carnaval acompanhado da família. Para

sua segurança a Marinha montou forte esquema, com apoio de uma fragata e

duas lanchas.

Embarcações que tentam se aproximar da praia são abordadas e

orientadas a retornar. No local há instalações do Exército, da Marinha e da

Aeronáutica. A assessoria do Planalto não divulgou informações sobre a

programação do presidente, alegando tratar-se de agenda privada. O barco do

presidente, que levava também seguranças do Planalto, ficou ancorado a

poucos metros da Restinga, uma área administrada pela Marinha. Lula, de

sunga azul, caminhava pelo barco.

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O presidente e a primeira-dama chegaram à Restinga no sábado de

manhã, na primeira visita do casal à região. A previsão é de que Lula volte a

Brasília na terça-feira.

7.3 Ações Afirmativa

A agenda das chamadas "ações afirmativas" provocadas pelos

moradores da Marambaia é extensa e diversificada. Em 2006 foram inúmeras

as audiências públicas com as autoridades de diversos níveis em defesa de

seus direitos.

O sítio eletrônico do CIMI publicou em 26/06/2006 o cronograma

completo das visitas para o mês de junho de 2006.

Grupo será recebido ple Casa Civil, pela Dra. Ela Wiecko, da

Procuradoria dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, pelo Dep.

Luiz Eduardo Greenhalgh, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de

Deputados, pela Comissão de Populações Tradicionais do Ministério do Meio

Ambiente e Procuradoria da Fundação Cultural Palmares. Os quilombolas

também se reunirão com Dr. Perli Cipriano, representante da Secretaria de

Direitos Humanos,e com o senador Paulo Paim (PT-RS). Um encontro com o

representante do Incra Nacional, Dr. Rui Leandro, também foi agendado.

Campanha “MARAMBAIA LIVRE!” – pela garantia do direito à terra

Para pressionar o governo a garantir a permanência dos quilombolas em seu

território, direito previsto no artigo 68 da Constituição Federal e regulamentado

pelo Decreto 4887/2003, de autoria do Presidente Luís Inácio Lula da Silva,

entidades da sociedade civil como FASE, KOINONIA, CEAP (Centro de

Articulação de populações marginalizadas) e COHRE (Centro pelo Direito à

Moradia contra Despejos) se uniram à ARQIMAR (Associação de

Remanescentes de quilombos da Ilha da Marambaia) e à ACQUILERJ

(Associação de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro). Juntas, estão

iniciando a Campanha ‘Marambaia Livre!,’ pela titulação e para tornar pública a

violação de direitos humanos sofrida pela comunidade desde 1971, quando a

Marinha passou a controlar e administrar a ilha.

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“Só vamos até onde a Marinha permite”

“Que bom que aqui podemos falar. (Na ilha) só vamos até onde a Marinha

permite.

A Marinha é que dá as cartas,”afirmou Vânia Guerra, presidente da

ARQUIMAR, durante o seminário de planejamento da campanha, realizado no

dia 30 de março no Rio de Janeiro. Vânia resumiu a situação da comunidade

que vive em meio a constantes violações de direitos humanos fundamentais,

entre eles: o de ir e vir, transporte regular, liberdade de associação social e

política, plantio de roças, moradia digna, escola e hospital e privacidade de

correspondência.

Em dezembro de 2005, a entidade ecumênica KOINONIA, que há cerca de

cinco anos assessora a comunidade, foi impedida de entrar na ilha. O objetivo

era desenvolver atividades do Projeto Etnodesenvolvimento Quilombola,

financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, órgão do governo

federal, para capacitar a população para elaborar uma proposta de

desenvolvimento sustentável. Outras entidades, como o COHRE e o próprio

INCRA, já tiveram a entrada proibida na ilha.

Desinformação

Setores internos da Marinha Brasileira utilizam falsos argumentos

ambientais para justificar sua opinião em relação à titulação do território

quilombola. Afirma, por exemplo, que os moradores são responsáveis pela

degradação da área. No entanto, as práticas dos ilhéus para sobrevivência,

como pesca artesanal, obedecendo aos ciclos da reprodução dos pescados;

roças cultivadas com técnicas limpas; e hábitos de consumo que colaboram,

em grande parte, para a preservação ambiental da Marambaia. Ao mesmo

tempo, omiti-se que os treinamentos de guerra, o uso privado da ilha para

turismo de convidados dos militares e a intensa produção de lixo é que

produzem impactos ambientais.

Os treinamentos militares, inclusive, já foram assunto de uma matéria

publicada no Globo em 26 de fevereiro de 2005, sob o título “Rajadas e

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explosões num paraíso preservado”. Divulga-se também que há o risco de

loteamento e ocupação desordenada da Ilha, mas segundo o Decreto

4.887/2003 o título é coletivo, portanto “inalienável, impenhorável e

imprescritível”. Falácias como essas tentam formar opiniões equivocadas,

aproveitando o desconhecimento da sociedade sobre o caso.

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CAPÍTULO 8 – DADOS HISTÓRICOS E CRONOLÓGICOS

8. CRONOLOGIA

1856 (Fevereiro): O comendador fez constar no livro de registro de terra da

Paróquia de Itacurussá: “Declaro que sou proprietário da Ilha da Marambaia,

cujos terrenos são cultivados, compreendendo nos seus limites a restinga e o

mangue de Guaratiba até a divisa do canal” e também são acessórias á

mesma Ilha as três pequenas ilhas fronteiras denominada Saracura, Bernardo,

Papagaio”. Na Marambaia ele mantinha duas Fazendas, uma delas dedicada à

“quarentena” dos recém-chegados de África.

1889 (Setembro) - Morre o Comendador Joaquim José de Sousa Breves. e a

fazenda entra em decadência. Mas pouco antes de morrer, segundo memória

do grupo, o comendador Breves promete doar a Ilha Marambaia para as

famílias de seus escravos, mas essa doação nunca seria formalizada em

documento.

1891 (Outubro) - Dona Isabel de Moraes Breves , viúva e herdeira da Ilha ,

vende a Marambaia á Companhia Promotora de Industrias e Melhoramentos .

1896 (Novembro) - Por liquidação forçada a Companhia transferiu a

propriedade ao Banco da República do Brasil , por noventa e cinco reis .

1905 (Maio) - A união através da Fazenda Nacional, adquire a Marambaia do

Banco da República do Brasil .

1908 (Junho) - A Marinha do Brasil instala na Ilha a Escola de Aprendiz de

Marinheiros do Estado do Rio de Janeiro.

1910 (Junho) - A Escola de Aprendiz de Marinheiros é transferida para Campos

(RJ)

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1924 (Fevereiro) - A Ilha é posta á disposição da Diretoria de Portos e Costa ,

com a finalidade de ali se instalar uma Colônia de pescadores e uma Escola de

curso primário e profissional de pesca.

1931 – A Confederação Geral de Pescadores do Brasil funda na Ilha a sede da

Colônia de Pescadores Z-23 .

1933 (Janeiro) - A Ilha passa a ser área restrita para instalação de Polígono de

tiro do Comando de Artilharia de Costa do Exercito , continuando a Ilha sob

jurisdição da Marinha .

1939 - O Presidente Getúlio Vargas dá um despacho favorável a doação da

Ilha da Marambaia para o Abrigo Cristo Redentor , construir uma escola

Profissional de Pesca. Contatado sobre o assunto o então Ministro da Marinha ,

Almirante Aristides Guilhem, nos primeiros dias de abril do mesmo ano , optou

favoravelmente pela obra .

1940 - Visando melhorar o nível do pescador brasileiro com preparo técnico, a

Escola Darci Vargas é ampliada, incluindo Capela, Clausura para as religiosas,

hospital, farmácia, lavanderia, padaria, estaleiro, fábrica de gelo e fabrica de

rede de pesca, fabrica de sardinha e filé de cação prensados, assim como são

implementadas a horticultura e a pecuária para abastecimento dos operários e

técnicos que, nesse ano, eram em cerca de 150.

1943 - Com o decreto Lei 5760 /1943 , o Presidente Getúlio Vargas , transfere

ao patrimônio Nacional todas os bens pertencentes ao Abrigo Cristo Redentor,

criando a Fundação do Abrigo Cristo Redentor. Conforme Certidão extraída

das 13v/20v do livro número 3 de terras os bem que são reincorporados ao

patrimônio da União são os que estão descritos no processo protocolizado no

Ministério da Fazenda sob o número 35 751/70 e 1306/70 – Rj .

1955 - A estrutura montada na Ilha de Marambaia entra em decadência.

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1971 (Fevereiro/Maio) – É autorizada a reincorporarão da Ilha á União com

todos bens móveis e imóveis da Escola Técnica Darci Vargas da Fundação

Abrigo Cristo Redentor e a administração da Ilha retorna para ao Ministério da

Marinha, que reativa a Prefeitura Militar do campo da Marambaia, instalando no

local uma base de adestramento. A comunidade começa então a viver sob o

impacto de nova dinâmica, repleta de restrições impostas pela Marinha, que

proíbe os moradores de construir novas casas para seus filhos recém casados,

de reformar ou ampliar as já existentes, bem como de continuar suas roças de

subsistência.

1981 (Fevereiro) - É inaugurado o Centro de Adestramento da Ilha da

Marambaia.

1988 – A União Federal inicia ações de reintegração de posse contra

moradores da comunidade, algumas delas resultando na expulsão de famílias

e derrubada de casas.

1989 – Primeiras tentativas de organização comunitária, que levam à

organização da AMADIM - Associação de Moradores e Amigos da Ilha da

Marambaia, com o apoio de três vereadores e um advogado do município de

Mangaratiba.

1997 – A Marinha intensifica suas ações no sentido da retirada dos moradores

da Ilha e entra com várias ações de reintegração de posse contra pescadores

residentes na Ilha, alegando invasão e ocupação indevidas de terras da Ilha da

Marambaia.

1998 - Com a intensificação das ordens de despejo e destruição de casas

reiniciam as tentativas de organização dos moradores. De um lado elas levam

à criação da Vitória – Associação para o Desenvolvimento Sócio-Econômico

Cultural da Ilha da Marambaia, composta exclusivamente por evangélicos. De

outro, elas levam à reuniões na Pastoral Social da igreja católica de

Mangaratiba, que resultam em um abaixo assinado, denúncias na imprensa e

cartas às autoridades e, finalmente, um dossiê que seria entregue à FCP.

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1999 (Janeiro) – Pastoral de Itaguaí escreve uma carta a FCP denunciando as

constantes ameaças de despejo feitas pela Marinha contra as famílias

residentes na Ilha e cópia de dossiê elaborado pela própria Diocese.

1999 (Março/Maio) – A FCP abre um processo, envia ofício para a Marinha

requerendo informações sobre a Ilha e produz um parecer onde afirma: “Ao

passar para a jurisdição de Marinha, em 1906, a Ilha já era habitada por várias

pessoas, remanescentes de escravos que, vivendo basicamente da pesca,

criaram uma comunidade distinta”. A presidente da FCP escreve à comunidade

informando que em breve estará mandando uma equipe para trabalhar na

comunidade para fins de titulação da área. A equipe nunca chegou à Ilha.

2000 (Agosto) – A Procuradoria da República do Rio de Janeiro, entra em

contato com a FCP requerendo providencias para o caso. A FCP dá despacho

afirmando necessitar de elaboração de um laudo técnico.

2002 (Novembro) – Moradores da Ilha voltam a se reunir, dando início ao

processo de organização de uma associação comunitária.

2002 (Janeiro/Fevereiro) – O Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do

Rio de Janeiro, Daniel Sarmento, solicita ao Projeto Egbé/Territórios Negros o

relatório preliminar que foi feito sobre a comunidade da Ilha da Marambaia. O

Ministério Público Federal entra com uma Ação Civil Pública pedindo o

reconhecimento da comunidade como remanescentes de quilombo e também

pedindo que a Marinha para de expulsar moradores da ilha, que se possa fazer

reformas nas casas, que as casas parem de ser derrubadas e que os

moradores expulsos possam voltar para a ilha. A fundação Cultural Palmares

(FCP) retoma o processo aberto em 1989, atendendo a um oficio do MPF.

2002 (Abril ) – A liminar da juíza Lucy Costa atende a três dos quatro pontos

solicitados na Ação Civil, ficando o último na dependência de que a Fundação

Cultural Palmares se pronuncie sobre o reconhecimento do grupo como

comunidade remanescente de quilombo.

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2002 (Fevereiro) - O Ministério Publico Federal (MPF) entra com uma Ação

Civil publica em favor da comunidade da Ilha da Marambaia, reconhecendo

nela “uma comunidade negra rural, formada por descendente de escravos e

composta por cerca de noventa famílias, desde de antes da abolição da

escravatura”;

2003 (Fevereiro) - É criada a ARQUIMAR - Associação da Comunidade

Remanescente de Quilombos da Ilha da Marambaia e, em seguida, firmado

convênio entre KOINONIA e FCP para a realização do laudo antropológico

sobre o grupo.

2003 (dezembro) - o laudo antropológico sobre o grupo, produzido por

KOINONIA com a colaboração de dois núcleos de estudos da UFF sob a

coordenação de José Maurício Arruti (um volume de cerca de 350 páginas), é

finalizado e entregue à Fundação Palmares, com cópia para diversas

instâncias oficiais, entre elas o Incra, que depois de 2003 passou a ser o órgão

responsável pela regularização das comunidades quilombolas.

2004 (novembro) - FCP emite certidão de auto-reconhecimento para a

Comunidade da Ilha da Marambaia e o Incra inicia o trabalho de demarcação.

2005 (janeiro) - O trabalho de demarcação é interrompido pelo Incra sem

maiores esclarecimentos e a diretoria da ARQIMAR vai à sede da

Superintendência Regional do órgão para pedir esclarecimentos. Em resposta,

a diretoria é informada de que a equipe da instituição estaria de férias, mas que

em breve os trabalhos seriam retomados.

2005 (fevereiro) - Em um artigo de opinião publicado no jornal O Globo, o

prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (Crime ambiental e erro histórico)

questiona, depois de ter visitado a área a convite dos militares, o

reconhecimento dos ilhéus da Marambaia como quilombolas, assim como

sugere que tal reconhecimento representaria um desastre ecológico. No dia

seguinte, o mesmo jornal publica uma matéria informando que o Incra teria sido

proibido de entrar na Ilha para dar continuidade aos trabalhos de demarcação e

regularização fundiária. A matéria é acompanhada de um Boxe com a opinião

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do jornal que repete os argumentos do prefeito. No dia seguinte, a equipe do

Programa Egbé - Territórios Negros de KOINONIA visita a comunidade a

pedido da população para discutir as alternativas de ações contra as

declarações do prefeito. Os moradores redigem, então, uma carta-resposta,

que é enviada a todos os principais veículos de comunicação, mas é ignorada

pela maioria deles.

2005 (março) - KOINONIA reúne em sua sede no Rio de Janeiro

representantes do Ministério Público Federal; do Ministério Público Estadual;

da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH); dos moradores da Ilha da

Marambaia, assim como advogados e militantes engajados na causa

quilombola, para discutir os desdobramentos do episódio da carta de César

Maia, a interrupção dos trabalhos do Incra e a situação da violação dos direitos

dos ilhéus em diversos âmbitos.

2005 (maio) - Toma posse a nova diretoria da ARQIMAR. No mesmo mês, a

comunidade recebe visita de técnicos da Subsecretaria de Políticas para

Comunidades Tradicionais da Seppir da Presidência da República, juntamente

com outros órgãos governamentais integrantes do programa Brasil Quilombola

(incluindo o Incra), para "conhecerem" a situação. Poucos dias depois, a

equipe do Balcão de Direitos, constituído por meio de uma parceria entre

KOINONIA e a SEDH, recebe resposta negativa ao ofício em que solicitava a

sua entrada na Ilha para dar continuidade aos seus trabalhos, que consistem

na promoção de oficinas de capacitação em direitos humanos e cidadania e na

promoção da documentação básica de seus moradores.

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CONCLUSÃO

Na opinião de alguns pesquisadores que se dedicaram ao estudo mais

profundo sobre a Marambaia, existem algumas controvérsias sobre o real

proprietário das terras. Márcia Maria Menendes Motta18, doutora em História

pela Universidade de Campinas, aponta para o fato de que o Comendador

Joaquim José de Souza Breves não era proprietário das terras da Ilha de

Marambaia.

"Nenhum indício, portanto, confirma a legalidade de sua ocupação. Tal

com tantos outros fazendeiros do século XIX, ele era “senhor e possuidor” que,

ao arrepio da lei, ocupava terras devolutas ou terras da nação (como as da

marinha) ferindo reiteradamente a legislação então existente. Não há nenhum

indício de que o Estado havia lhe concedido a prerrogativa de ser

concessionário da Ilha de Marambaia. Logo, a transferência da propriedade da

terra em 17 de novembro de 1896 para o Banco da República do Brasil não

pode ser utilizada como alegação de que ele era o anterior proprietário daquela

Ilha. Nada confirma esse pressuposto inicial para reconstruir a cadeia

sucessória dos pretensos “proprietários” da região".

As evidências indicam que o Breves – senhor e possuidor da Ilha da

Marambaia utilizou de seu poder e prestígio para ocupar a região, construindo

um entreposto de mão-de-obra escrava contrabandeada da África para uso em

suas fazendas no altiplano do Vale do Paraíba.

A emérita pesquisadora atenta para o que determina em seu artigo 216

parágrafo 5º. a Constituição Federal:

“tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de

reminiscências históricas dos antigos quilombos”.

18 Motta, Márcia Maria Menendes. Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa, UNILI, Portugal;Doutorado em História -Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Brasil; Mestrado em História, Universidade Federal Fluminense, UFF, Brasil. Autora de Posse e Propriedade da Terra no Brasil: Elementos para uma Reflexão nos Autos Antropológicos

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A Constituição determina também o direito à propriedade das terras a

comunidades étnicas que ali estão estabelecidas. O artigo 68 do ADCT é

taxativo: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam

ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Márcia Motta não fala em certezas, mas em fortes evidências da

legitimidade da posse da terra aos ilhéus-pescadores-quilombolas, ou seja,

consagraram um passado para legitimar o seu presente, fortalecendo assim,

sua própria identidade.

Finaliza a Dra. Márcia Motta:

"Ela – a ilha – expressou outrora o poder do grande cafeicultor do

Império, Joaquim José de Souza Breves, o Rei do Café. Ela – a ilha – expressa

hoje a legitimidade da ocupação de ex-cativos e o reconhecimento, ainda que

tardio, do Estado em relação ao direito das minorias, um exemplo emblemático

do que se convencionou chamar de terra de preto."

Outro pesquisador, Fabio Reis Mota19, argumentava em 2004 em artigo

denominado "Entre a ação e a intervenção: poder e conflitos na produção de

identidades coletivas".

"...afinal, qual o significado do termo quilombo?

Quem são os quilombolas?

Questões difíceis de serem respondidas precisamente, indefiníveis

objetivamente, tendo como referência explicações pretensamente científicas,

por critérios supostamente objetivos".

19 Fábio Reis Mota. Professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF/Lesce). Doutorando

do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFF). Pesquisador associado do Núcleo

Fluminense de Estudos e Pesquisa (Nufep/UFF). III Prêmio da Associação Brasileira de Antropologia da

Fundação Ford Direitos Humanos-2004.

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A FAEP – Federação da Agricultura do Estado do Paraná distribuiu uma

cartilha intitulada "Aspectos legais da questão quilombola", onde descontrói

toda a semântica da questão "Quilombos":

“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos, que estejam

ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” (art. 68 do ADCT - CF/88)

"Aos remanescentes das comunidades dos quilombos..."

Remanescente é um termo utilizado para se referir a algo ou a pessoas

que sobram, que ficam, subsistem após evento ou fato. ("Novo Aurélio" -

Rio de Janeiro - Nova Fronteira, 1999, p.1738).

" Remanescente... aquele que restou e permaneceu, dada a saída e

retirada dos demais ..." ("Enciclopédia Saraiva de Direito" – Saraiva S.A.

- Vol. 64 – p. 466).

“...que estejam ocupando suas terras...”.

O legislador Constituinte não teve a intenção de beneficiar qualquer

remanescente de comunidades de quilombos, mas tão somente aqueles

que estivessem vivendo, desde 1888, nas mesmas terras onde

antigamente se

localizavam os quilombos.

"...é reconhecida a propriedade definitiva,"

“O reconhecimento, pois, nada gera de novo, isto é, não formula direito

nem estrutura fato ou coisa, que já não fosse efetiva ou existente...”.

(Conf. De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Forense, 21ª ed. pág.

680)

"...é reconhecida a propriedade definitiva,"

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O uso do termo “propriedade definitiva” possui claramente o sentido de

consolidação de um direito subjetivo preexistente, pois somente pode

tornar-se definitivo aquilo que era temporário, transitório, precário.

É imperativo, portanto, concluir que o destinatário da norma do artigo 68

do ADCT é uma pessoa que consiga provar:

• etnohistoricamente, que é um remanescente de uma comunidade de

quilombo;

• que desde 1888 está ocupando as terras onde atualmente habita até

pelo menos 1988.

O que é Quilombo? pergunta a FAEP:

“...toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte

desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados...” (Conselho

Ultramarino Português - 1740).

“...arranchados e fortificados com ânimo a defender-se [para] não serem

apanhados...”. (Câmara de São Paulo - 1753).

"Os escravos fugidos, denominados quilombolas,reuniam-se muitas vezes, em

agrupamentosorganizados, os quilombos.” (Conf. Arthur Ramos - O Negro na

Civilização Brasileira - Brasil Cultura Editora, 1ª Edição, 2001 - pág. 42).

Mudança de conceito?

"O conceito de quilombo mudou. Hoje o que existe são comunidades negras,

rurais ou urbanas, com uma organização específica, uma cultura própria, com

laços de parentesco. Os quilombos hoje são um núcleo de resistência contra a

discriminação racial." (Conf. Rui Leandro S. Santos - Coordenador-Geral de

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Regularização de Territórios Quilombolas do INCRA - (Assessoria de

Comunicação Social MDA/Incra).

Ponto final?

O juiz da Vara Federal de Angra dos Reis, Raffaele Felice Pirro, enviou, no dia 7 de agosto, um ofício ao Comando da Marinha na Ilha da Marambaia reafirmando a validade da sentença favorável à comunidade.

Pirro afirmou que:

“permanece a sentença viva e eficaz quanto a todos os pontos que ali restaram decididos”. Isso quer dizer que, de acordo com a decisão do juiz, continua sendo legal: “o retorno dos integrantes da referida comunidade que foram desalojados por força das medidas judiciais ou extrajudiciais por ela intentadas, e, ainda, tolerar que os moradores da comunidade em questão mantenham seu tradicional estilo de vida, não cerceando seu direito de cultivar roças nas áreas que ocupam podendo reformar ou ampliar suas casas e ainda construir no interior de suas terras casas para seus descendentes”.

O Pedido da Ação preliminar, nos termos do art. 269, I, do CPC,

condenava o réu INCRA a obrigação de fazer consistente na conclusão do

processo administrativo de identificação da comunidade da ilha de Marambaia

como remanescente de quilombo, e promover, se for o caso, a delimitação,

demarcação, titulação e registro imobiliário das terras ocupadas no prazo de

um ano a contar de sua intimação desta sentença, sob pena de multa de R$

100.000,00 (cem mil reais) por mês que ultrapassar injustificadamente o

referido prazo e também, condenava a UNIÃO FEDERAL a, até o fim do

procedimento administrativo acima citado, tolerar a permanência dos

integrantes identificados (fls.951/961) da comunidade negra de Marambaia

dentro das áreas que ocupam na área objeto de litígio, abstendo-se de adotar

qualquer medida que vise à retirada dos mesmos, ou à destruição ou

danificação de suas casas e construções,bem como permitir o retorno dos

integrantes da referida comunidade que foram desalojados por força de

medidas judiciais ou extrajudiciais por ela intentadas, e ainda, tolerar que os

moradores da comunidade em questão mantenham seu tradicional estilo de

vida, não cerceando seu direito de cultivar roças nas áreas que ocupam

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podendo reformar ou ampliar suas casas e ainda construir no interior de suas

terras casas para seus descendentes.

Sentença magistral, definidora de direitos e promotora de JUSTIÇA. Os

atores principais do conflito podem conviver na Ilha da Marambaia,

pacificamente, preservando seus valores (militares ou africanos) e,

principalmente PRESERVANDO O MEIO AMBIENTE.

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ANEXOS

Anexo 1 - Mapa do conflito

Fig. 11 -Mapa do pontal da Marambaia. Áreas de conflitos entre os militares e quilombolas. Fonte:

Observatório Quilombola – www.oq.com.br

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ANEXO 2 – TÓPICOS DA LEGISLAÇÃO, ACORDOS E TRATADOS SOBRE

A ESCRAVIDÃO E O ABOLICIONISMO NO BRASIL DO SÉCULO XIX.

1. Tratado de Aliança e Amizade, 1810

Assinado entre o Governo de Portugal e a Inglaterra, uma de suas cláusulas

previa a abolição gradual do trabalho escravo na Colônia e a limitação do

tráfico às colônias portuguesas na África.

2. Alvará de 24 de novembro de 1813

Regulou a capacidade interna dos navios empregados no tráfico de escravos.

3. Convenção de 22 de janeiro de 1815

Determinou o cessamento do tráfico de escravos ao norte da linha do equador,

retirando do alcance de Portugal fontes de abastecimento de negros como a

Costa da Mina. Portugal consente em delinear com a Inglaterra um futuro

tratado para a abolição total do tráfico.

4. Tratado entre os governos da Inglaterra e Portugal, 28 de julho de 1817

Em reunião complementar à convenção de Viena, foi reforçada a proibição

parcial do tráfico de escravos. Este ficava limitado a navios portugueses bona

fide e restrito aos territórios portugueses ao sul do equador. O governo por-

tuguês comprometia-se a fiscalizar a área de tráfico considerada ilegal e con-

cedia também à Inglaterra o direito de visita e busca em navios suspeitos de

tráfico ilícito.

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5. Lei de 20 de outubro de 1823

Criou os Conselhos Provinciais e o cargo de presidente de Província, atribuindo

a ambos (art. 24) promover o bom tratamento dos escravos e propor arbítrios

para facilitar a sua lenta emancipação.

6. Carta de lei de 23 de novembro de 1826

Estabeleceu o prazo de três anos para o encerramento do tráfico de escravos,

a contar da data da ratificação. A ratificiação ocorreu em 1827.

7. Lei de 7 de novembro de 1831

Proibiu o tráfico de escravos para o Brasil, considerando livres todos os negros

trazidos para o Brasil a partir daquela data. As pessoas acusadas de tráfico e

importação de escravos recebiam penalidades, de acordo com o Código

Criminal, pelo crime de reduzir pessoas livres à escravidão.

8. Lei n0 4, de 10 de junho de 1835

Punia, inclusive com pena de morte, os escravos que matassem, ferissem ou

cometessem qualquer ofensa física contra os seus senhores.

9. Bill Aberdeen, 8 de agosto de 1845

Lei inglesa que considerou o tráfico pirataria e autorizou a Marinha britânica a

capturar os navios transgressores, mesmo em águas territoriais brasileiras.

10. Lei de 4 de setembro de 1850 (Lei Eusébio de Queirós)

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Determinou a extinção do tráfico de escravos para o Brasil, prevendo punição

apenas para os introdutores julgados pelos auditores da Marinha. Os fa-

zendeiros envolvidos deveriam ser julgados pela justiça local.

11. Decreto n0 731, de 5 de junho de 1854

Ampliava a competência para julgamento dos auditores da Marinha e deter-

minava a punição, processo e julgamento do cidadão brasileiro ou estrangeiro

envolvido em tráfico de escravos.

12. Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei Rio Branco ou Lei do Ventre-

Livre)

Declarou livres os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Deno-

minados ingênuos, deveriam permanecer oito anos em poder do proprietário de

sua mãe. Findo este prazo, o proprietário poderia libertá-lo, recebendo

indenização de 600 mil réis, ou utilizar os seus serviços até completarem 21

anos de idade. A lei criou também o Fundo de Emancipação, cujos recursos

seriam utilizados para libertar anualmente um certo número de escravos. E

ordenou a matrícula de todos os escravos, cujos dados (origem, sexo, idade

etc.) serviriam para o cálculo da indenização aos proprietários.

13. Lei provincial, de 25 de março de 1884

O presidente do Ceará, Sátiro Dias, declara extinta a escravidão na província

(primeira a fazê-lo) atribuindo o fato essencialmente ao esforço das sociedades

libertadoras locais.

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14. Lei 3.270, de 28 de setembro de 1885 (Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos

Sexagenários)

Regulava a extinção gradual do elemento servil, libertando os escravos de mais

de 60 anos. Estes ficavam sujeitos, no entanto, a prestar serviços aos seus

senhores por três anos (ou até completar 65 anos), a título de indenização pela

alforria.

15. Lei 3.310, de 15 de outubro de 1886

Aboliu a pena de açoites de escravos, ao revogar o art. 60 do Código Criminal

e a Lei n0 4, de 10 de junho de 1835, na parte referente ao assunto. O escravo

ficaria sujeito às mesmas penas estabelecidas pelo Código Criminal e à

legislação em vigor.

16. Lei n0 3.353, de 13 de maio de 1888 (Lei Áurea)

Declarou extinta a escravidão em todo o país.

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ANEXO 3 - DECRETO Nº 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003.

Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição e de acordo com o disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,

DECRETA:

Art. 1o Os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão procedidos de acordo com o estabelecido neste Decreto.

Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.

§ 2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.

§ 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.

Art. 3o Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1o O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto.

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§ 2o Para os fins deste Decreto, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.

§ 3o O procedimento administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou por requerimento de qualquer interessado.

§ 4o A autodefinição de que trata o § 1o do art. 2o deste Decreto será inscrita no Cadastro Geral junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão respectiva na forma do regulamento.

Art. 4o Compete à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.

Art. 5o Compete ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento previsto neste Decreto.

Art. 6o Fica assegurada aos remanescentes das comunidades dos quilombos a participação em todas as fases do procedimento administrativo, diretamente ou por meio de representantes por eles indicados.

Art. 7o O INCRA, após concluir os trabalhos de campo de identificação, delimitação e levantamento ocupacional e cartorial, publicará edital por duas vezes consecutivas no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localiza a área sob estudo, contendo as seguintes informações:

I - denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos;

II - circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel;

III - limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem tituladas; e

IV - títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação.

§ 1o A publicação do edital será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.

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§ 2o O INCRA notificará os ocupantes e os confinantes da área delimitada.

Art. 8o Após os trabalhos de identificação e delimitação, o INCRA remeterá o relatório técnico aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, opinar sobre as matérias de suas respectivas competências:

I - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;

II - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;

III - Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

IV - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;

V - Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;

VI - Fundação Cultural Palmares.

Parágrafo único. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á como tácita a concordância com o conteúdo do relatório técnico.

Art. 9o Todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e notificações a que se refere o art. 7o, para oferecer contestações ao relatório, juntando as provas pertinentes.

Parágrafo único. Não havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Art. 10. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidirem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e a Secretaria do Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis para a expedição do título.

Art. 11. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos estiverem sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas comunidades, conciliando o interesse do Estado.

Art. 12. Em sendo constatado que as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidem sobre terras de propriedade dos

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Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o INCRA encaminhará os autos para os entes responsáveis pela titulação.

Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.

§ 1o Para os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular, operando as publicações editalícias do art. 7o efeitos de comunicação prévia.

§ 2o O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.

Art. 14. Verificada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, o INCRA acionará os dispositivos administrativos e legais para o reassentamento das famílias de agricultores pertencentes à clientela da reforma agrária ou a indenização das benfeitorias de boa-fé, quando couber.

Art. 15. Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras.

Art. 16. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações, para a proteção da integridade territorial da área delimitada e sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência.

Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares prestará assessoramento aos órgãos da Defensoria Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 134 da Constituição.

Art. 17. A titulação prevista neste Decreto será reconhecida e registrada mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades a que se refere o art. 2o, caput, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade.

Parágrafo único. As comunidades serão representadas por suas associações legalmente constituídas.

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Art. 18. Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser comunicados ao IPHAN.

Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares deverá instruir o processo para fins de registro ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Art. 19. Fica instituído o Comitê Gestor para elaborar, no prazo de noventa dias, plano de etnodesenvolvimento, destinado aos remanescentes das comunidades dos quilombos, integrado por um representante de cada órgão a seguir indicado:

I - Casa Civil da Presidência da República;

II - Ministérios:

a) da Justiça;

b) da Educação;

c) do Trabalho e Emprego;

d) da Saúde;

e) do Planejamento, Orçamento e Gestão;

f) das Comunicações;

g) da Defesa;

h) da Integração Nacional;

i) da Cultura;

j) do Meio Ambiente;

k) do Desenvolvimento Agrário;

l) da Assistência Social;

m) do Esporte;

n) da Previdência Social;

o) do Turismo;

p) das Cidades;

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III - do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome;

IV - Secretarias Especiais da Presidência da República:

a) de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;

b) de Aqüicultura e Pesca; e

c) dos Direitos Humanos.

§ 1o O Comitê Gestor será coordenado pelo representante da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

§ 2o Os representantes do Comitê Gestor serão indicados pelos titulares dos órgãos referidos nos incisos I a IV e designados pelo Secretário Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

§ 3o A participação no Comitê Gestor será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.

Art. 20. Para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial, assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infra-estrutura.

Art. 21. As disposições contidas neste Decreto incidem sobre os procedimentos administrativos de reconhecimento em andamento, em qualquer fase em que se encontrem.

Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares e o INCRA estabelecerão regras de transição para a transferência dos processos administrativos e judiciais anteriores à publicação deste Decreto.

Art. 22. A expedição do título e o registro cadastral a ser procedido pelo INCRA far-se-ão sem ônus de qualquer espécie, independentemente do tamanho da área.

Parágrafo único. O INCRA realizará o registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos em formulários específicos que respeitem suas características econômicas e culturais.

Art. 23. As despesas decorrentes da aplicação das disposições contidas neste Decreto correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal finalidade, observados os limites de movimentação e empenho e de pagamento.

Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

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Art. 25. Revoga-se o Decreto no 3.912, de 10 de setembro de 2001.

Brasília, 20 de novembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Gilberto Gil Miguel Soldatelli Rossetto José Dirceu de Oliveira e Silva

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ANEXO 4 - INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 20, DE 19 DE SETEMBRO DE 2005

Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.

O PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 18, inciso VII, da Estrutura Regimental aprovada pelo Decreto nº 5.011, de 11 de março de 2004, e art. 22, inciso VIII, do Regimento Interno da Autarquia, aprovada pela Portaria/MDA/nº 164, de 14 de julho de 2000, resolve: OBJETIVO Art. 1º Estabelecer procedimentos do processo administrativo para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas pelos remanescentes de comunidades dos quilombos.

FUNDAMENTAÇÃO LEGAL Art. 2º As ações objeto da presente Instrução Normativa têm como fundamento legal:

- Artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal;

- Artigos 215 e 216 da Constituição Federal ;

- Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962;

- Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999;

- Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964;

- Decreto nº 59.428, de 27 de outubro de 1966;

- Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992;

- Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993;

- Medida Provisória nº 2.183-56, de 24 de agosto de 2001;

- Lei nº10.267, de 28 de agosto de 2001;

- Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003;

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- Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003;

Convenção Internacional nº 169, da Organização Internacional do Trabalho - OIT;

- Lei nº 10.678, de 23 de maio de 2003.

CONCEITUAÇÕES

Art. 3º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-definição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Art. 4º Consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, bem como as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos seus costumes, tradições, cultura e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.

COMPETÊNCIAS DE ATUAÇÃO Art. 5º Compete ao INCRA a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a desintrusão, a titulação e o registro imobiliário das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º As atribuições contidas na presente Instrução serão coordenadas e executadas pelos setores competentes da Sede, dos órgãos regionais, e também por grupos ou comissões constituídas através de atos administrativos pertinentes.

§ 2º Fica garantida a participação dos Gestores Regionais e dos Asseguradores do Programa de Promoção da Igualdade em Gênero, Raça e Etnia da Superintendência Regional em todas as fases do processo de regularização das áreas das Comunidades Remanescentes de Quilombos.

PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS PARA ABERTURA DO PROCESSO

Art. 6º O processo administrativo terá inicio por requerimento de qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas ou de ofício pelo INCRA, sendo entendido como simples manifestação da vontade da parte, apresentada por escrito ou reduzida a termo por representante do INCRA, quando o pedido for verbal.

§ 1º A comunidade ou interessado deverá apresentar informações sobre a localização da área objeto de identificação.

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§ 2º Compete às Superintendências Regionais manter atualizadas as informações concernentes aos pedidos de regularização das áreas remanescentes das Comunidades de Quilombos e dos processos em curso no Sistema de Obtenção de Terras - SISOTE e no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária - SIPRA, para monitoramento e controle.

CERTIFICAÇÃO

Art. 7º A caracterização dos remanescentes das Comunidades de Quilombos será atestada mediante auto-definição da comunidade.

§ 1º A auto-definição será demonstrada através de simples declaração escrita da comunidade interessada, nos termos do Artigo 2º do Decreto 4.887/03.

§ 2º A auto-definição da Comunidade será certificada pela Fundação Cultural Palmares - FCP, mediante Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos do referido órgão, nos termos do § 4º, do artigo 3º, do Decreto 4.887/2003.

§ 3º O processo que não contiver a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos da FCP será remetido pelo INCRA, por cópia, àquela Fundação, para as providências de registro, não interrompendo o prosseguimento administrativo respectivo.

IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO

Art. 8º O estudo e a definição do território reivindicado serão precedidos de reuniões com a comunidade e contarão com a participação do Grupo Técnico interdisciplinar, nomeado pela Superintendência Regional do INCRA, para apresentação dos trabalhos e procedimentos que serão adotados.

Art. 9º A identificação dos limites das terras das comunidades remanescentes de quilombos a que se refere o artigo 4º, a ser feita a partir de indicações da própria comunidade, bem como a partir de estudos técnicos e científicos, inclusive relatórios antropológicos, consistirá na caracterização espacial, econômica e sócio-cultural do território ocupado pela comunidade, mediante Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, com elaboração a cargo da Divisão Técnica da Superintendência Regional do INCRA, que o remeterá, após concluído, ao Superintendente Regional, para decisão e encaminhamentos subsequentes.

Art. 10 O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação será feito por etapas, abordando informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas, e compor-se-á das seguintes peças:

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I - relatório antropológico de caracterização histórica, econômica e sócio-cultural do território quilombola identificado, devendo conter a descrição e informações sobre:

a) as terras e as edificações que englobem os espaços de moradia;

b) as terras utilizadas para a garantia da reprodução física, social, econômica e cultural do grupo humano a ser beneficiado;

c) as fontes terrestres, fluviais, lacustres ou marítimas de subsistência da população;

d) as terras detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos costumes, tradições, cultura e lazer da comunidade;

c) as terras e as edificações destinadas aos cultos religiosos;

e) os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.

II - planta e memorial descritivo do perímetro do território, bem como mapeamento e indicação das áreas e ocupações lindeiras de todo o entorno da área;

III cadastramento das famílias remanescentes de comunidades de quilombos, utilizando-se formulários específicos do SIPRA;

IV - cadastramento dos demais ocupantes e presumíveis detentores de títulos de domínio relativos ao território pleiteado;

V - levantamento da cadeia dominial completa do título de domínio e de outros documentos similares inseridos no perímetro do território pleiteado;

VI - levantamento e especificação detalhada de situações em que as áreas pleiteadas estejam sobrepostas a unidades de conservação constituídas, a áreas de segurança nacional, a áreas de faixa de fronteira, ou situadas em terrenos de marinha, em terras públicas arrecadadas pelo INCRA ou SPU e em terras dos estados e municípios;

VII - Parecer conclusivo da área técnica sobre a legitimidade da proposta de território e a adequação dos estudos e documentos apresentados pelo interessado por ocasião do pedido de abertura do processo.

§ 1º Fica facultado à comunidade interessada apresentar peças técnicas necessárias à instrução do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, as quais poderão ser valoradas e utilizadas pelo INCRA.

§ 2º O início dos trabalhos de campo deverá ser precedido de comunicação prévia a eventuais proprietários ou ocupantes de terras localizadas no território pleiteado, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis.

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Art. 11 Estando em termos o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, o Superintendente Regional publicará resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federativa, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área estudada.

§ 1º A publicação será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.

§ 2º A Superintendência Regional notificará os ocupantes e confinantes, detentores de domínio ou não, identificados no território pleiteado, informando-os do prazo para apresentação de contestações.

CONSULTA A ÓRGÃOS E ENTIDADES

Art. 12 Concomitantemente à sua publicação, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação será remetido aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, apresentarem manifestação sobre as matérias de suas respectivas competências:

I - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;

II - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, e seu correspondente na Administração Estadual;

III Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

IV - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;

V - Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;

VI - Fundação Cultural Palmares.

Parágrafo único. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á como tácita a concordância sobre o conteúdo do relatório técnico.

CONTESTAÇÕES

Art. 13 Os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e as notificações, para contestarem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação junto à Superintendência Regional, juntando as provas pertinentes.

§ 1º Competirá ao Comitê de Decisão Regional - CDR o julgamento das contestações oferecidas.

§ 2º As contestações e os recursos oferecidos pelos interessados serão recebidos apenas em efeito devolutivo.

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JULGAMENTO

Art. 14 As contestações e manifestações dos órgãos e interessados indicados no artigo 12 serão analisadas e julgadas pelo Comitê de Decisão Regional - CDR, após ouvidos os setores técnicos e a procuradoria regional.

Parágrafo único. Se o julgamento das contestações ou manifestações implicar em alteração das conclusões do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, será realizada nova publicação na forma do artigo 11 desta Instrução.

Art. 15 Realizado o julgamento a que refere o artigo 14, o Comitê de Decisão Regional - CDR aprovará em definitivo o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do território e o submeterá à Presidência do INCRA, para publicação de portaria reconhecendo e declarando os limites do território quilombola.

Parágrafo único. A portaria do presidente do INCRA será publicada no Diário Oficial da União e da unidade federativa onde se localiza a área e trará o memorial descritivo do perímetro do território.

ANÁLISE DA SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DOS TERRITÓRIOS PLEITEADOS

Art. 16 Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre unidades de conservação constituídas, áreas de segurança nacional e áreas de faixa de fronteira, a Superintendência Regional deverá adotar as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade dessas comunidades, ouvidos, conforme o caso, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente -IBAMA, ou a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional.

Art. 17 Se os territórios reconhecidos e declarados incidirem sobre terrenos de marinha, a Superintendência encaminhará o processo a SPU, para a emissão de título em benefício das comunidades quilombolas.

Art. 18 Constatada a incidência nos territórios reconhecidos e declarados de posse particular sobre áreas de domínio da União, a Superintendência Regional deverá adotar as medidas cabíveis visando a retomada da área.

Art. 19 Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos nicípios, a Superintendência Regional encaminhará os autos para os órgãos responsáveis pela titulação no âmbito de tais entes federados.

Parágrafo único. A Superintendência Regional poderá propor a celebração de convênio com aquelas unidades da Federação, visando a execução dos procedimentos de titulação nos termos do decreto e desta instrução.

Art. 20 Incidindo nos territórios reconhecidos e declarados imóvel com título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, a Superintendência Regional adotará

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as medidas cabíveis visando a obtenção dos imóveis, mediante a instauração do procedimento de desapropriação previsto no artigo 184 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Sendo o imóvel insusceptível à desapropriação prevista no caput, a obtenção dar-se-á com base no procedimento desapropriatório previsto no artigo 216, § 1 o , da Constituição Federal, ou, ainda, mediante compra e venda, na forma prevista no Decreto 433/92 com alterações posteriores.

Art. 21 Verificada a presença de ocupantes não quilombolas nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, a Superintendência Regional providenciará o reassentamento em outras áreas das famílias de agricultores que preencherem os requisitos da legislação agrária.

DEMARCAÇÃO

Art. 22 A demarcação do território reconhecido será realizada observando-se os procedimentos contidos na Norma Técnica para Georreferenciamento de imóveis rurais aprovada pela Portaria/INCRA/P/n. 1.101, de 19 de novembro de 2003, e demais atos regulamentares expedidos pelo INCRA em atendimento à Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001.

TITULAÇÃO

Art. 23 Concluída a demarcação, a Superintendência Regional realizará a titulação mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades, em nome de suas associações legalmente constituídas, sem qualquer ônus financeiro, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade, devidamente registrado no Serviço Registral da Comarca de localização das áreas.

Parágrafo único. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados nas áreas previstas nos artigos 17, 18 e 19, aos remanescentes de comunidades de quilombos fica facultada a solicitação da emissão de Título de Concessão de Direito Real de Uso, em caráter provisório, enquanto não se ultima a concessão do Título de Reconhecimento de Domínio, para que possam exercer direitos reais sobre o território que ocupam. A emissão do Título de Concessão de Direito Real de Uso não desobriga a concessão do Título de Reconhecimento de Domínio.

Art. 24 A expedição do título e o registro cadastral a ser procedido pela Superintendência Regional far-se-ão sem ônus de qualquer espécie aos Remanescentes das Comunidades de Quilombos, independentemente do tamanho da área.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 25 Os procedimentos administrativos de titulação das áreas das comunidades remanescentes dos quilombos em andamento, em qualquer fase

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em que se encontrem, passarão a ser regidos por esta norma, aproveitando-se, no que couber, os atos praticados em consonância com as disposições e requisitos ora instituídos.

Art. 26 A Superintendência Regional promoverá em formulários específicos o registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Art 27 Fica assegurada aos remanescentes das comunidades dos quilombos a participação em todas as fases do procedimento administrativo, bem como o acompanhamento dos processos de regularização em trâmite na Superintendência Regional, diretamente ou por meio de representantes por eles indicados.

Art. 28 As despesas decorrentes da aplicação das disposições contidas nesta Instrução correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal finalidade, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento.

Art. 29 A Superintendência Regional encaminhará à Fundação Cultural Palmares e ao IPHAN todas as informações relativas ao patrimônio cultural, material e imaterial, contidos no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação territorial, para as providências de destaque e tombamento.

Art. 30 A Superintendência Nacional de Desenvolvimento Agrário manterá o MDA, a SEPPIR e a Fundação Cultural Palmares informados do andamento dos processos de regularização das terras de Remanescentes de Quilombos. ROLF HACKBART Publicada na Edição Número 185 de 26/09/2005 do Diário Oficial da União

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ANEXO 5 - Carta-resposta dos quilombolas da Ilha da Marambaia ao artigo de César Maia, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, publicado no jornal O Globo no dia 25 de fevereiro de 2005.

Prefeito César Maia, nós, os remanescentes de quilombo da Ilha da Marambaia, localizada no município de Mangaratiba, gostaríamos de expressar aqui nesta carta a nossa triste surpresa quando lemos na sexta-feira passada seu artigo a respeito desta Ilha e de nós, moradores.

Prefeito César Maia, não tivemos contato nenhum com o senhor durante sua visita à Ilha. Pelo contrário, fomos impedidos de conhecê-lo pelo comando da Marinha enquanto a barca, único transporte autorizado a atracar na Ilha, transportava o senhor. O Senhor provavelmente não percebeu que muitos de nós estávamos dentro da barca porque fomos obrigados pelos militares a permanecer no porão durante mais de duas horas, até que o senhor embarcasse em Itacuruçá e desembarcasse na Ilha. Senhor prefeito, este momento da sua visita à Ilha nos fez lembrar mais uma vez quem somos e de onde viemos: somos descendentes diretos dos escravos que vieram nos porões dos barcos do grande traficante e fazendeiro Breves aqui para a Ilha da Marambaia. Somos quilombolas, porque resistimos àquelas violências e continuaremos resistindo às atuais.

Prefeito César Maia, acreditamos que foi a falta de contato conosco e com nossa realidade que levou aos enganos do seu artigo. Para que estes enganos não se repitam e se multipliquem, principalmente para que eles não se tornem uma covarde mentira, que repetida muitas vezes se transforma em realidade aos olhos de quem não nos conhece, lhe oferecemos aqui algumas informações sobre a ilha e sobre nós.

Prefeito César Maia, a Ilha da Marambaia, como o senhor mesmo chama a atenção, é um importante patrimônio ambiental do Estado do Rio de Janeiro. Porém, não são nossas famílias, que moram há mais de 150 anos na Ilha, que degradam o meio ambiente. Se fosse assim, a Ilha não existiria mais. Não fomos nós que criamos os vários lixões a céu aberto que existem hoje na ilha, sem nenhum tipo de tratamento; não somos nós que realizamos treinamentos de artilharia com munição real, durante as noites, violando a paz de nossos lares, assustando nossas crianças e afastando pássaros e animais; não somos nós que explodimos bombas no fundo da baía da ilha, berçário de peixes e camarões; não somos nós que realizamos disparos de canhões do alto mar contra as pedras da ilha, afastando várias espécies marinhas e colocando em risco os barcos de nossos pescadores.

Mas, prefeito César Maia, não é apenas a natureza que sofre com a ocupação da Ilha da Marambaia pela Marinha. Nós, moradores da Ilha, também sofremos com todas as proibições que a administração militar nos impõe e que violam nossos direitos básicos. A energia elétrica nos é negada, impedindo que possamos desenvolver nossa produção. Nossa correspondência é constantemente violada. Nosso direito de ir e vir é limitado porque estamos submetidos ao transporte militar para a ilha, que não leva em conta nossas necessidades e tem seus horários alterados constantemente, sem aviso. Por

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isso, no caso de urgências, temos que levar nossos doentes em pequenas e demoradas canoas até o continente. Por isso, nossos filhos não podem assistir regularmente às aulas, já que os horários da barca não são compatíveis com o horário escolar. Nosso direito à moradia é violado porque não nos permitem reformar nossas antigas casas, algumas ainda de pau-a-pique, nem construir novas para nossos filhos que crescem e se casam. Já houve caso em que a construção de um banheiro levou à expulsão de uma família da ilha. Essas proibições são uma tática para nos fazer desistir de nosso direito à terra e nos expulsar aos poucos da Ilha, como já aconteceu com muitos de nossos parentes.

Prefeito César Maia, nós, os moradores da Ilha, tiramos nosso sustento da pesca artesanal, a que menos agride o meio ambiente. Agressores são os barcos industriais, que invadem as águas próximas da Baía de Mangaratiba sem nenhum controle, e que com suas redes de arrasto arrasam nossos peixes e com suas pás extraem criminosamente nossos mexilhões.

Nós, prefeito, comunidade quilombola da Ilha da Marambaia, não somos uma hipótese. Somos, sim, as testemunhas de nossa própria remanescência.

Mangaratiba, 28 de fevereiro de 2005.

ARQIMAR - Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia

Fundada em 2003

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ANEXO 6 - Carta ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ilha da

Marambaia, 16 de maio de 1998 .

O que nos trás aqui é um problema que está afligindo a nossa pequena

comunidade estamos perdendo o direito de permanência. Cito como exemplo

meus pais ele com 75/ela 70 anos, não sendo nós os únicos prejudicados a

outros na mesma situação. Que aguardamos uma solução que por direitos nos

pertence, pois somos filhos agora mães e pais que vivem a mesma apreensão,

pois do fruto do mar é a nossa sobrevivência. Senhor Presidente não lhe

comove o choro daquela mãe desesperada falando dos seus problemas, de

sua casa demolida sem piedade. Pergunto-lhe? é possível pessoa como nós

sem condições caçadores da nossa fonte de alimentação vivemos assim.

Seremos capazes de vivermos em outro mundo que não seja o nosso? Com o

pouco estudo que nós temos será possível conquistarmos um futuro descente

em outro lugar? Até nossos filhos só podem cursar até a 4ª série. É assim

mesmo no ano de 99 serão privados disto também. Senhor é todo aquele que

tem poder. Então senhor Presidente use o seu poder pelo bem de alguém

filhos de Deus que lhes imploram por piedade. Nós somos felizes aqui! Isto não

basta.

(Carta dos moradores da Marambaia ao então presidente Fernando Henrique

Cardoso)

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ANEXO 7 – CRIME AMBIENTAL E ERRO HISTÓRICO – PREFEITO CESAR MAIA. FONTE: O GLOBO DATA: 25/02/2005 Um dos patrimônios ambientais do Estado do Rio de Janeiro é a Restinga da Marambaia, preservada graças à presença das Forças Armadas. O primeiro grande trecho é controlado pelo Exército, uma faixa intermediária pela Aeronáutica e a parte final pela Marinha. Esta última é um complexo de praias, ilhas e montes que constituem uma das poucas pérolas preservadas de nosso litoral. Lá, a Marinha mantém um de seus centros de adestramento e consegue manter o equilíbrio entre suas atividades de treinamento de pessoal - em especial fuzileiros navais - a preservação da área - ambiental e historicamente - e o apoio à população local remanescente. Esta área de marinha é chamada Ilha da Marambaia. No século XIX, um dos maiores negociantes de escravos usou a Ilha da Marambaia para recepção de negros vindos da África, recuperação física dos mesmos, cinicamente conhecida na época como engorda, e revenda. Ainda se pode ver ali uma senzala remanescente com suas paredes de pedra preservadas, hoje adaptada para ser um hotel oficial de trânsito. Décadas mais tarde, o presidente Getúlio Vargas transformou a área num equipamento social onde jovens em situação de exclusão social aprendiam técnicas de pesca. Construiu os prédios para as aulas, os dormitórios para os alunos, uma igreja e casas para a direção, sendo que uma delas era ocupada por ele mesmo, o que até hoje mexe com a imaginação da população. Este conjunto foi abandonado progressivamente, as terras foram parcialmente invadidas, começando assim um processo de deterioração. A partir de 1970, a Marinha assumiu a área por cessão patrimonial da União, iniciando um trabalho de preservação, recuperação e adaptação das instalações, que passaram a abrigar o centro especial de treinamento. A tradição dos presidentes da República visitarem o local e conhecerem este patrimônio natural, além de sua história, foi mantida. Anos depois, esta área foi declarada Área de Preservação Ambiental (APA). Por outro lado, esta ocupação auxilia a patrulha do mar e evita a aproximação de navios que poderiam descarregar contrabando e drogas. Surpreendentemente, no Diário Oficial da União de 21 de novembro de 2003, o presidente da República publicou o decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, no qual define as condições da Ilha da Marambaia - enquanto sede de quilombos - e estabelece direitos sobre o solo. Certamente assessorado por visões gráficas equivocadas e distantes da realidade, o decreto supõe que na área teriam existido quilombos e que, com isso, os descendentes dos quilombolas hoje teriam direitos sobre o solo. Em primeiro lugar, é um erro supor que teriam existido quilombos numa área como aquela, com as características comerciais citadas, e onde a impossível mobilidade e a arriscada proximidade certamente impediriam que as fugas produzissem quilombos.

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O que nos diz o decreto é algo no mínimo ingênuo. Garante aos descendentes dos hipotéticos quilombolas o controle do solo. E, como identificá-los não seria tarefa simples, afirma no caput do artigo 2º e em seu parágrafo 1º que esta identificação será feita por "auto-atribuição", ou seja: quem se disser descendente dos hipotéticos quilombos terá imediatamente direito à terra que teria pertencido a seus ancestrais. Nenhuma análise maior se exige além da autodeclaração. É evidente que o método utilizado abre espaço para um sem-número de alegações e para o parcelamento completo da Ilha da Marambaia. Imaginava-se que após este decreto viria algum tipo de regulamentação que prevenisse os inevitáveis excessos. Mas o artigo 13 do decreto 4.887/2003, em seu caput e parágrafo 2º, atribui ao Incra a tarefa de considerar desapropriadas as áreas que pertenceriam aos descendentes autodeclarados dos quilombolas. O mais espantoso disso tudo é que o Incra já está na Ilha da Marambaia fazendo a demarcação e se preparando para a desapropriação liminar da área de controle da Marinha. As primeiras observações indicam que, quando muito, restará à Marinha 15% da área. A APA existente se transformará inicialmente em área residencial precária de economia informal, vinculada à pesca artesanal. E, depois... a experiência de áreas próximas é suficiente para sinalizar o que ocorrerá. É fato que existem no STF argüições de inconstitucionalidade do decreto 4.887/2003. Mas um erro grave como esse, cometido pela assessoria do presidente da República, deveria ser evitado por ato do próprio presidente, cancelando o decreto. Assim como outros presidentes, o presidente Lula poderia visitar o local, passar um fim de semana lá, ver e ouvir, conhecer e avaliar, e por fim evitar que em seu passivo fique um ato de tamanha predação contra o patrimônio histórico e natural do Estado do Rio de Janeiro. Tenho certeza de que uma visita de S. Excia. será suficiente para impedir um erro cujas conseqüências são irremediáveis. CESAR MAIA é prefeito do Rio.

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ANEXO 8 –SENTENÇA – 29/03/07 – RELATÓRIO.

Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL em face da UNIÃO FEDERAL e INCRA aduzindo, em síntese,

que uma comunidade negra rural, formada por descendentes de escravos

e composta por cerca de noventa famílias, habita, desde antes da

abolição da escravatura, trecho da Ilha da Marambaia no município de

Mangaratiba. A formação insular pertenceria à União e desde 1971 é

administrada pela Marinha do Brasil que mantém no local uma base

militar.

Como causa de pedir, sustenta a parte autora que a comunidade negra rural de

Marambaia vive no local desde o século XIX, sendo seus membros

remanescentes das comunidades dos quilombos e, consoante o art. 68 do

ADCT, teria direito ao reconhecimento da propriedade definitiva das terras que

ocupam.

Alega ainda que os remanescentes quilombolas da Marambaia viveram em

harmonia por mais de um século. Todavia, desde que a Marinha do Brasil

passou a administrar o local, os moradores passaram a sofrer uma série de

restrições com o objetivo de retirá-los da ilha.

O autor indica o INCRA como legitimado passivo para a presente ação pelo

fato desta autarquia ter sucedido processualmente a Fundação Cultural

Palmares, ente com atribuição administrativa para reconhecer e emitir o título

de propriedade referente às terras ocupadas por remanescentes de quilombos.

Por fim, pede o Ministério Público a condenação do INCRA, sucessor da

Fundação Cultural Palmares, a ultimar o processo administrativo de

identificação dos remanescentes das comunidades de quilombos no prazo de

um ano a contar da sentença de procedência,

bem como a condenação da União Federal a tolerar a permanência dos

integrantes da comunidade de Marambaia dentro das áreas que ocupem na

ilha, abstendo-se de qualquer medida que vise à retirada dos mesmos, ou à

destruição ou danificação de suas casas e construções, bem como a tolerar

que esses mesmos integrantes da comunidade em questão mantenham o seu

tradicional estilo de vida, não cerceando o seu direito de cultivar as roças nas

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áreas que ocupam ou ampliar suas casas, ou ainda, construir, no interior de

suas terras, novas casas para seus descendentes;

Integra ainda o pedido do parquet federal a condenação da União a permitir o

retorno dos integrantes da comunidade desalojados por força de medidas

judiciais ou extrajudiciais intentadas pela União.

Inicial de fls. 02/20, com documentos.

Deferida em parte a liminar (fls. 154/159) para permitir que os moradores

mantivessem seu tradicional estilo de vida plantando nas áreas que ocupam e

para determinar que a União Federal se abstivesse de adotar medidas no

sentido de desocupação de quaisquer das casas ocupadas pelas famílias

integrantes da comunidade negra da Ilha de Marambaia, bem como, destruir ou

danificar as construções habitadas pelos referidos moradores.

Juntada de cópia do agravo de instrumento interposto pela União Federal às

fls. 166/180.

Juntada de cópia do agravo de instrumento interposto pelo MPF às fls.

182/191, instruído com os documentos de fls. 185/339.

Contestação da União às fls. 341/365.

Contestação da Fundação Cultural Palmares às fls. 391/400.

Nos termos do despacho de fls. 391, foi juntado por linha o laudo técnico oficial

elaborado pela Fundação Cultural Palmares.

Réplica do Ministério Público às fls. 412/427, requerendo o julgamento

antecipado da lide, chamando atenção para o documento de fls. 409/410, onde

a Fundação Cultural Palmares classifica a comunidade de Marambaia como

grupo étnico detentor de todas as características de uma comunidade

remanescente de quilombo.

Decisão de fls. 428/429 rejeitando as preliminares suscitadas pelas rés e

mantendo a liminar tal qual fora deferida.

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Agravo retido da União às fls. 433/436.

Contra- razões do MPF às fls. 452/462.

Às fls. 468/471, o Ministério Público Federal peticionou juntando aos autos

cópia do convênio firmado entre a Fundação Cultural Palmares e o Instituto

Brasileiro de Ação Popular (fls. 472/486), cópia do contrato de prestação de

serviços firmados entre esta e a entidade KOINONIA (fls. 487/493), bem como

o relatório técnico-científico sobre a comunidade remanescente de quilombos

da Ilha da Marambaia (fls.496/863), em que a comunidade é reconhecida como

remanescente de quilombos.

Às fls. 865/867, o MPF requer a aplicação de multa à União por

descumprimento da liminar.

Manifestação da União às fls. 872/873 e 881/884.

Manifestação do MPF às fls. 890/894. requerendo a sucessão da Fundação

Palmares pelo INCRA por força do Decreto 4887/2003, com a exclusão da

fundação da lide, bem como o julgamento antecipado da demanda, pedindo

pela procedência do pedido.

Às fls. 913/930, mais uma manifestação do MPF reiterando os termos de seu

pedido inicial e juntando documentos.

Decisão determinando a manifestação da União e do INCRA no prazo de 5

dias (fls.993).

Manifestação da União (fls. 998/1002) reiterando os termos de sua

contestação.

Petição do INCRA reiterando o pedido de extinção do processo por

ilegitimidade passiva e inexistência de interesse processual na demanda. No

mérito defende a improcedência do pedido no que se refere à condenação do

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INCRA a ultimar o processo administrativo no prazo de 1 (um) ano, sob pena

de multa pecuniária.

É o relato do necessário.

FUNDAMENTAÇÃO

Embora a preliminar de ilegitimidade ativa do MPF suscitada pela União

Federal em sua peça de defesa já tenha sido enfrentada na decisão saneadora

(fl.428), não tendo sido objeto de recurso, visando evitar alegações futuras de

omissão, torno a abordá-la.

A argumentação do União se embasa no fato de que a presente ação

apresentaria conflitos de interesses individuais, não havendo direitos coletivos

que pudessem ser defendidos em juízo pelo Ministério Público.

Mantendo a decisão de fl. 498, acrescento-lhe mais algumas razões pelas

quais não há como acolher a preliminar suscitada pela União Federal. E isto

porque a presente ação civil pública tem fundamento no art. 129, III, da CR/88:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos;”

Da interpretação do dispositivo constitucional, depreende-se que os bens

tutelados pela via da ação civil pública são o patrimônio público e social, o meio

ambiente, assim como outros interesses coletivos e difusos. O conceito de

patrimônio público a ser tutelado pela ação civil pública engloba também o

patrimônio cultural nacional. Neste sentido a jurisprudência dos Tribunais

Superiores, como pode ser visto no julgamento do RE 208790, Relator Ministro

Ilmar Galvão, publicado em 15.12.2000, bem como na ementa do REsp

265300, 2ª Turma do STJ, Relator Ministro Humberto Martins, cujo excerto se

copia abaixo:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -

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LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEIS N. 8.625/93 E N. 7.347/83 -

DANO AMBIENTAL - CERAMISTAS - EXTRAÇÃO DE BARRO - ALVARÁ -

LICENCIAMENTO - PROJETO DE RECUPERAÇÃO HOMOLOGADO NO

IBAMA - INTERESSE DO MP NO PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO CIVIL

PÚBLICA QUE DISCUTE DANO AMBIENTAL E SUA EXTENSÃO -

POSSIBILIDADE.

1 - É o Ministério Público parte legítima para propor ação civil pública na defesa

do patrimônio público, aí entendido os patrimônios histórico, paisagístico,

cultural, urbanístico, ambiental etc.,conceito amplo de interesse social que

legitima a atuação do parquet.

...”Considerando que por força de expressa disposição constitucional

constituem o patrimônio cultural nacional os bens de natureza material e

imaterial que guardem referência com a identidade e memória dos diferentes

grupos formadores da sociedade brasileira, vide art. 216, caput, da CR/88, bem

como a inegável caracterização da comunidade negra como um dos grupos

que formaram a nossa sociedade, verifico que o MPF é legitimado a defender,

de forma extraordinária, os interesses que postula nesta ação. Quanto à

contestação do INCRA, é necessário que antes de abordar as questões

preliminares suscitadas seja ressaltado que, conforme decisão de fl. 900, foi

reconhecida a sucessão processual, excluindo da lide a Fundação Cultural

Palmares e incluindo o INCRA, decisão esta irrecorrida e, portanto, preclusa. E

assim o foi porque se o Decreto nº 3912/2001, em seu art. 1º, imputava a

Fundação Cultural Palmares a competência para o reconhecimento,

delimitação, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes de

comunidades de quilombos, o art. 3º do Decreto nº 4887/2003 transferiu esta

competência administrativa ao INCRA.

Embora não tenha havido tecnicamente morte de uma das partes, ou até

mesmo sucessão de uma pessoa jurídica por outra, houve modificação na

competência para a realização do processo administrativo. Estando o processo

ainda em trâmite à época da modificação de competência administrativa, exigir

a propositura de outra ação seria uma providência contrária a todos os

entendimentos modernos de processo civil, dentre eles a celeridade e a

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efetividade processual. Assim, evidentemente abrindo possibilidade de que o

INCRA possa exercer seu direito constitucional da ampla defesa, deve

prosseguir a ação tendo no pólo passivo não mais a União e a Fundação

Cultural palmares, mas sim a União Federal e o INCRA.

Assim, implementada a sucessão processual, o sucessor (INCRA) assumiu a

posição da Fundação Cultural Palmares em caráter de continuidade,

apresentando sua contestação e argüindo não ser parte legítima da presente

demanda, alegando que deu continuidade aos trabalhos de delimitação,

demarcação, titulação e registro, relativamente à comunidade quilombola de

Marambaia.

Ora, ao formular tal sentença restou evidenciada a legitimidade desta Autarquia

Federal. Demais disso, o Decreto 4.887/03 é claro ao impor ao INCRA a

responsabilidade pela realização do processo administrativo quilombola. Se à

autarquia cabe a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e

titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos

quilombos, conforme o art. 3º do Decreto nº 4887/2003, a ação que tenha como

um dos pedidos o término deste procedimento só pode ter o INCRA como réu.

No mais, alega falta de interesse de agir quanto ao pedido formulado, pela

ausência de lide, pois o INCRA não se opõe ao processo de regularização da

Comunidade Quilombola da Marambaia. Sendo o interesse processual

condição da ação que se presta a verificar a utilidade do processo ajuizado

pela parte autora ao fim pretendido, avaliando o binômio necessidade/utilidade

da presente demanda, verifica-se que, enquanto não ultimado o processo

administrativo previsto no art. 3º do Decreto nº 4887/2003, haverá interesse na

propositura de uma ação que tenha como pedido a realização desta

providência.

Se há ou não decurso de prazo razoável para sua conclusão é tema que deve

ser analisado no mérito da ação. Somente careceria de interesse a ação se o

processo administrativo já estivesse pronto e acabado. Estando tramitando

permanece o interesse na determinação judicial para que este seja concluído.

Portanto, deixo de acolher as preliminares de carência da ação por

ilegitimidade passiva e ausência de interesse processual.

Por fim, considerando que as questões processuais do art. 301 do CPC, à

exceção do compromisso arbitral, podem ser conhecidas de ofício, abordo a

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alegação da União de que eventual decisão que autorize o retorno dos

moradores após estes terem sido desalojados de suas residências por força de

decisões judiciais significaria ofensa ao instituto da coisa julgada.

Deve ser ressaltado que o processo civil admite que, sobrevindo modificação

do estado de fato ou de direito, possa a mesma questão ser novamente

decidida. É o que se depreende da leitura do art. 471, I, do CPC.

Assim, mesmo que exista decisão judicial anterior determinando a

desocupação do bem da União por alguns dos remanescentes das

comunidades dos quilombos, o reconhecimento judicial superveniente de que o

local lhes pertence por disposição integrante da Carta de 1988 “ o art. 68 do

ADCT “ implica em alteração capaz de embasar seus retornos aos seus

lares sem que haja ofensa ao instituto da coisa julgada.

Para afastar totalmente dúvidas, basta que se pense no seguinte exemplo: uma

pessoa possuía injustamente um imóvel e vem a ser alijado desta posse em

ação de reintegração de posse movida pelo possuidor justo. Posteriormente

adquire a propriedade do mesmo imóvel que possuiu tempos atrás. Não

poderia retornar ao imóvel que agora é proprietário? Claro que sim. Tal retorno

implicaria em ofensa aos limites da coisa julgada? Claro que não. É o

que ocorre com alguns dos quilombolas detentores do direito que postula o

MPF, legitimado extraordinariamente para tanto. Foram obrigados a deixar o

local em ações de reintegração de posse pois não possuíam o título que

comprovasse suas propriedades, mas posteriormente, conseguindo a titulação

que lhes garante o texto constitucional, poderão retornar ao local como

legítimos proprietários, sem que isto signifique desrespeito à decisão

judicial pretérita.

Assim, rejeito todas as preliminares processuais levantadas e passo ao

julgamento do mérito.

No mérito, o pedido do MPF se divide em dois: a proteção possessória aos

membros da comunidade descendente de quilombo, dirigido à ré União

Federal, e pedido consistente na determinação judicial para que o INCRA

finalize o processo administrativo de identificação desta comunidade e

promover, se assim o forem reconhecidos, a delimitação, titulação e

registro imobiliário de suas terras, no prazo de um ano, com a cominação de

sanção pecuniária na hipótese de descumprimento.

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Quanto ao primeiro pedido, inicialmente, há que se delinear os parâmetros de

interpretação do artigo 68 do ADCT, que, no caso, representa o principal

fundamento para o pleito formulado pelo Ministério Público Federal. Dispõe a

citada disposição constitucional transitória:

“Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam

ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”

A tese defensiva da União Federal sustenta que a área na Ilha de Marambaia

não seria quilombo, de forma que a comunidade que lá reside não poderia ser

reconhecida como remanescente de quilombos. Assim, o cerne da questão é

caracterizar ou não a área da Ilha de Marambaia como um antigo quilombo.

A matéria foi disciplinada primeiramente no Decreto nº 3912 de 10 de setembro

de 2001 que estabelecia ser a Fundação Cultural Palmares competente para

dar seguimento e concluir o processo administrativo de identificação dos

remanescentes da comunidade de quilombos, bem como de reconhecimento,

delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras por eles

ocupadas. O referido decreto foi revogado pelo Decreto 4.887/03, que impôs ao

INCRA a mesma tarefa constitucionalmente prevista.

Nestes termos, restou reconhecido pelo artigo 2° do Decreto nº 4887/2003 que

remanescentes das comunidades dos quilombos seriam os grupos étnico-

raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria,

dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade

negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

O § 1° do mesmo dispositivo previu que a caracterização dos remanescentes

das comunidades quilombolas seria atestada mediante auto-definição da

própria comunidade.

Atendendo a pedido do Ministério Público Federal nos autos do presente feito,

a Fundação Cultural Palmares, antiga responsável pela identificação do grupo,

remeteu a este juízo relatório técno-científico no qual concluiu pelo

“reconhecimento oficial da comunidade de Ilhéus da Marambaia(RJ), nos

termos do art. 68 (ADCT), como comunidade remanescente

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de quilombos, abrindo com isso, o caminho legal para a titulação das terras que

tais moradores e seus ancestrais ocupam há mais de 150 anos” (fl. 863).

Nesse documento tem-se todo o histórico relativo à titularidade da Ilha de

Marambaia, cujo primeiro registro de propriedade fora operado em 1856, junto

ao Registro de Terras da Paróquia de Itacuruçá, em nome do Comendador

Joaquim José de Souza Breves, que instalou no local um entreposto do tráfico

negreiro, de modo que, ao passar para o domínio da União, afetado ao uso

especial pela Marinha, em 1906, já era habitado por remanescentes de

escravos, criando comunidade com características étnico-culturais próprias,

capazes de inseri-los no conceito fixado pelo artigo 2° do indigitado Decreto

4.887/03.

Finalmente, o mesmo documento concluiu que a comunidade em questão

atende às condições mencionadas na lei para fins de caracterização como

comunidade remanescente de quilombo.

A questão que se impõe, todavia, quanto ao conceito de quilombos é no

sentido de que, antes mesmo de ser este um termo sujeito à conceituação

legal, é o mesmo um conceito histórico e antropológico, de modo que a

definição legal não poderia deste último se apartar.

Em pesquisa sobre o tema, várias são as referências doutrinárias encontradas

que distanciam o conceito de quilombos do seu sentido restrito a local de

escravos fugidos. O trabalho elaborado pelas antropólogas Alessandra Schmitt,

Maria Cecília Manzoli Turatti e Maria Celina Pereira de Carvalho, denominado

“A atualização do conceito de quilombo: Identidade e Território nas definições

teóricas”, define as comunidades quilombolas da seguinte forma:

“os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidade de

quilombos se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos,

que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas,

mas também as heranças, doações, recebimento de terras livres como

pagamento de serviços prestados ao Estado, a simples permanência na terra

que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem como a

compra de terras, durante a vigência do sistema escravocrata após a sua

extinção. Dentro de uma visão ampliada, que considera as diversas origens e

histórias destes grupos, uma denominação também possível para estes grupos

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identificados como remanescentes de quilombos seria a de “terras de preto”, ou

“território negro”, que enfatizam a sua condição de coletividades camponesa,

definida pelo compartilhamento de um território e de uma identidade.”

Mesmo entendimento é verificado em artigo doutrinário elaborado por Maria

Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, cujo trecho se transcreve:

“A despeito do conteúdo histórico, o conceito de quilombos,

contemporaneamente, designa a situação presente dos segmentos negros em

diferentes regiões e contextos do Brasil. Ele não mais se refere a resquícios

arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica nem,

tampouco, se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente

homogenia constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados.

Consiste, sim, em grupos que consolidaram um território próprio e nele

desenvolveram práticas cotidianas de resistência e reprodução de seus modos

de vida. O que os define é a experiência vivida e as versões compartilhadas de

sua trajetória comum e da continuidade enquanto grupo.”

Neste diapasão mantém-se a doutrina da antropóloga Miriam de Fátima

Chagas:

“(...) A definição clássica de Quilombo é aquela definição formal que remonta

ao século XVIII. Na época, este entendimento jurídico estava impregnado de

uma visão intervencionista calcada na idéia de fugas ou negros fugitivos. Essa

visão distorcida figuraria, até hoje, como imagem de Quilombo” (...) A

restituição do aspecto quilombola residiria na transição da condição de escravo

para a de camponês livre, independentemente das estratégias utilizadas para

alcançar esta condição: fuga, negociação com os senhores, herança entre

outras. Com esta definição o elemento da fuga é mais um entre outros a ser

considerados”.

Não é outra a conclusão dos laudos técnicos do Dr. José Maurício Paiva

Andion Arruti (fls. 494/645) e da Fundação Palmares (autos apartados juntados

por linha).

No que diz respeito ao conceito hodierno de “Quilombos”, este difere do

conceito colonial tradicional, pois de acordo com os argumentos dos

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antropólogos e historiadores, notadamente os que participaram do laudo

técnico elaborado pela Fundação Cultural Palmares, a resistência das

comunidades negras rurais pode ser evidenciada como as várias estratégias

empregadas no sentida da sobrevivência e perpetuação do grupo.

Os grupos remanescentes de quilombos, ou de senzalas, ou de portos de

embarque de escravos, ou, no caso dos autos, “entreposto de engorda” podem,

efetivamente, ser considerados resistentes, pois de alguma forma chegaram

até os dias atuais ocupando área de uso comum em meio de uma série de

infortúnios, sofrimentos e adversidades, como resistência da Marinha, a

especulação imobiliária e o preconceito racial.

Com efeito, os quilombos, consoante o Decreto 4887/2003 são as chamadas

“terras de preto” ou “comunidades negras rurais”, que se constituíram não

apenas através das fugas com ocupação de terras livres e isoladas, mas,

igualmente, através de heranças, doações, compras, recebimentos de terras

como pagamento de serviços prestados, entre outras formas, anteriores ou

posteriores à abolição.

No caso dos autos, verifica-se a presença da apropriação coletiva da terra, vez

que as famílias de pescadores da Marambaia permaneceram, de fato, dentro

de um regime próprio de uso do território. Isto porque, conforme consta dos

laudos acostados aos autos, além da pesca a população utilizava-se das terras

da ilha para cultivos agrícolas de subsistência que davam ao grupo uma grande

capacidade de autonomia com relação ao continente e ao mercado.

Por fim, a conceituação de quilombos unicamente como local de escravos

fugidos remonta ao próprio período escravocrata de nossa sociedade, de forma

a caracterizar o escravo em condição ilegal, fugido de seu proprietário. É um

conceito que favorece unicamente ao senhor escravista. A CR/88, ao

consagrar o direito a terra dos remanescentes de quilombos não o fez tomando

com base os quilombos unicamente como locais de negros fugitivos, mas sim

referindo-se ao uso da terra segundo os costumes e tradições das

comunidades negras.

Assim, o art. 68 do ADCT e seus termos não deve ser interpretado de forma

restritiva. Pelo contrário, sendo a interpretação constitucional um processo que

tem como objetivo revelar o alcance das normas que integram a constituição,

aplicando-se o método valorativo, bem como o princípio da hermenêutica

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constitucional da unicidade da constituição, verifica-se que o comando

constitucional acima citado deve ser cotejado sistematicamente com os

princípios fundamentais do nosso Texto Constitucional, notadamente o

princípio que garante a dignidade da pessoa humana.

Mais uma vez, ressalte-se que a norma jurídica que impunha um critério

temporal ao reconhecimento dos remanescentes das comunidades de

quilombos, o Decreto nº 3912/2001, foi revogada expressamente pelo art. 25

do Decreto nº 4887/2003, que trouxe como método de identificação deste

grupo de pessoas o critério de auto-atribuição, associado a estudos

antropológicos.

E mais, o laudo técnico elaborado pela Fundação Cultural Palmares que

conclui pela caracterização da comunidade na Ilha de Marambaia como

remanescente de quilombos foi realizado enquanto esta fundação ainda era

competente para tanto, por força da MP nº 2.123-27, que acrescentou o inciso

III e parágrafo único ao artigo 2º da Lei nº 7.668/88, indicando que a fundação

seria competente para realizar a identificação dos remanescentes das

comunidades dos quilombos, proceder ao reconhecimento, à delimitação e à

demarcação de suas terras e, ainda, realizar a titulação e promover o registro

dos títulos de propriedade junto aos cartórios imobiliários.

Com efeito, a presente ação civil pública foi ajuizada em 25 de fevereiro de

2002. Nesta época, o Decreto nº 3912/2001 determinava ser a Fundação

Cultural Palmares o órgão responsável para a identificação dos remanescentes

das comunidades dos quilombos, bem como para a atribuição de

reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das

terras por eles ocupadas.

Ocorre que o referido decreto foi revogado pelo Decreto nº 4887/2003, que

entrou em vigor em 20 de novembro de 2003. Por sua vez, o laudo

antropológico feito pela Fundação Cultural Palmares data de 06 de março de

2002, ou seja, bem antes da promulgação do citado decreto.

Além disso, apesar de bastar a simples declaração escrita da comunidade, a

Instrução Normativa do próprio INCRA nº 20, de 19 de setembro de 2005,

também prevê a participação da FCP no processo de caracterização dos

remanescentes de quilombos, através da sua certificação por este órgão, assim

como pela da expedição de Certidão de Registro no Cadastro Geral de

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Remanescentes de Comunidades de Quilombos, e da elaboração de um

Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, em que constarão

informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas,

sócioeconômicas, históricas e antropológicas.

Por outro lado, há de se comentar sobre o receio da parte ré de que a

procedência do pedido possa significar incentivo à favelização da área. Não

fossem as famílias remanescentes dos quilombos previamente identificadas,

certamente haveria tal risco. Porém, conforme documento de fls. 951/961,

expedido pelo próprio INCRA, foram identificadas todas as famílias detentoras

do direito à terra constitucionalmente assegurado, de forma que somente

estas poderão continuar no local e retornar à área, no caso das pessoas que

foram de lá expulsas.

Risco de favelização, pelo contrário, há se não for reconhecido o direito destas

pessoas lá permanecerem, pois a saída de sua comunidade originária, onde

cresceram e providenciam sua subsistência, teria como destino provavelmente

os bolsões de pobreza que se proliferam nas periferias do Estado, aumentando

o quantitativo populacional que se encontra à margem dos mais basilares

direitos fundamentais e sociais.

Neste sentido, considerando que o conceito antigo de quilombos foi elaborado

no decorrer do período da escravidão, que o Decreto nº 4887/2003 prevê o

critério de auto-atribuição para identificação dos remanescentes das

comunidades de quilombos, que há nos autos laudo elaborado pelo ente

competente, à época, para a identificação destes grupos afirmando que a

comunidade da Ilha de Marambaia é remanescente de quilombos e, por

fim, que a autarquia atualmente com atribuição para realizar esta identificação

expediu ato normativo em que consta a participação da Fundação Cultural

Palmares neste processo de identificação, entendo pela caracterização da

localidade como remanescente de comunidade de quilombo, ao menos para

fins de proteção possessória e garantia aos membros da comunidade de não

mais serem molestados pela União Federal.

A título elucidativo, não há como determinar peremptoriamente a

caracterização da comunidade negra da ilha de Marambaia como descendente

de quilombos, seja por que tal providência não consta do pedido inicial, o que

violaria o disposto nos artigos 128 e 460, ambos do CPC, seja porque neste

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caso estaria o Poder Judiciário usurpando a competência administrativa do

INCRA para tanto, sem condições técnicas para fazê-lo.

O que se faz nesta sentença é reconhecer a existência de fortíssima prova

documental neste sentido, possibilitando garantir o direito à proteção

possessória, nos precisos termos em que foi proposta a lide. A identificação da

comunidade como descendente de quilombos para fins de titulação da terra

que ocupam é uma das providências que cabe ao INCRA na conclusão do

processo administrativo, objeto da segunda parte do pedido inicial.

Assim sendo, decido pela procedência do pedido em relação à União Federal,

devendo esta tolerar a permanência dos integrantes identificados da

comunidade dentro das áreas que ocupam na ilha, bem como permitir o retorno

dos identificados que de lá foram retirados e se abster de inviabilizar que a

comunidade mantenha seu tradicional estilo de vida.

Passo então a apreciar o pedido dirigido em face do INCRA, no sentido da

condenação desta autarquia a concluir o procedimento administrativo de

identificação, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das

terras ocupadas pela comunidade negra da ilha de Marambaia, no prazo de um

ano, sob pena de imposição de cominação pecuniária.

Necessário se torna, neste momento, atentar para o fato de que a pretensão

deduzida pelo MPF não ofende a separação dos poderes prevista no art. 2º da

Constituição de 1988.

Embora possa parecer que a imposição de um prazo para que o INCRA

conclua o procedimento administrativo de identificação dos quilombolas

signifique imiscuição do Poder Judiciário em atribuição legalmente dirigida para

ente da administração indireta do Poder Executivo, não é isso que ocorre.

Isto porque embora exista a divisão dos poderes do Estado, na verdade o

Estado é uno e indivisível, de forma que, se o Poder Executivo falta com sua

missão constitucionalmente

prevista, é possível que o Poder Judiciário assinale sua mora e imponha um

prazo para que tal inadimplemento seja sanado. Com o fito de tornar clara a

questão, relevantes são as palavras do Ministro Celso de Mello, por ocasião do

julgamento do RE 436.996, em 22.11.2005, que se aplicam bem ao caso em

comento:

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“Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a

prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no

entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais,

especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria

Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes,

cuja omissão ‘por importar em descumprimento dos encargos

político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório’ mostra-se apta

a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais

impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do

possível’”.

Assim, na hipótese em julgamento, por tratar-se de pedido para que seja

imposto pelo Poder Judiciário um prazo para que o Poder Executivo

implemente uma política pública que vise resguardar a herança cultural de

nossa sociedade, tem-se que o Pretório Excelso reconhece a inexistência de

violação ao princípio da separação dos poderes.

E tal conclusão decorre também da recente alteração promovida pelo Poder

Constituinte derivado que, ao ampliar o espectro de incidência da cláusula do

devido processo legal, previu a garantia fundamental da razoável duração do

processo judicial e administrativo no inciso LXXVIII do art. 5º da CR/88. Assim,

por tratar-se de uma garantia fundamental do cidadão, cabe ao Poder

Judiciário controlar a duração dos prazos dos processos administrativos, dando

efetividade ao due process of law, aplicando um juízo de razoabilidade. A

doutrina de Carlos Roberto Siqueira Castro , expoente no tema tratado,

dispõe neste sentido:

“Alem disso, com a revelação das razões de decidir, permite-se à própria

Administração Pública rever internamente seus atos, possibilitando-se, ainda e

sobretudo, ao Judiciário controlar externamente a validade das ações (e

omissões) do Poder Público em face da Constituição e das leis menores”.

Comparando o prazo de um ano que o MPF pede seja imposto ao INCRA para

ultimar o procedimento administrativo ao rito para este previsto no Decreto

4887/2003, verifica-se que, conforme o art. 7º do citado comando normativo,

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após a conclusão da identificação da comunidade como remanescente de

quilombo, deverá ser publicado edital por duas vezes consecutivas na

imprensa oficial da União e do Estado do Rio de Janeiro.

Sem qualquer relação com prazo da publicação dos editais, pelo disposto no

art. 8º do decreto, abre-se prazo comum de trinta dias para que se manifestem

IPHAN, IBAMA, SPU, FUNAI, FCP e Secretaria Executiva do Conselho de

Defesa Nacional.

Conforme o art. 9º do decreto, os interessados terão prazo de noventa dias

para impugnar o relatório de identificação da comunidade quilombola publicado

nos termos do art. 7º do diploma normativo. Sem resistência, ultima-se o

procedimento com a titulação das terras em nome da coletividade

remanescente de quilombos.

Assim, considerando que os laudos de identificação da comunidade da ilha de

Marambaia como remanescentes de quilombos, produzidos pela Fundação

Cultural Palmares, já estão prontos, é de se concluir que o relatório final não

tardará a ser finalizado.

Aliás, já houve inclusive a publicação deste relatório pelo INCRA, no dia 14 de

agosto de 2006, Diário Oficial da União, Seção 1, página 43. Apesar desta

portaria ter sido revogada no dia posterior, através de publicação no mesmo

veículo oficial, página 76 “ fato este que gerou a ação civil pública proposta

pelo MPF nº 2006.51.11.000800-5, visando ressarcimento por ato de

improbidade administrativa “ resta bem claro que se ainda falta alguma coisa

para a finalização do relatório, não se presumem providências que demandem

muito tempo.

Ora, mesmo que consideremos o largo prazo de quarenta e cinco dias para a

publicação definitiva do relatório, acrescido de mais trinta dias para a

publicação, lapso este também bem dilatado, somados aos noventa dias para

as impugnações e prevendo mais noventa dias para decidir sobre estas, se

ocorrerem, ainda sobrariam aproximadamente três meses e meio para que

fosse providenciada a titulação das terras em nome da comunidade até que se

ultimasse o prazo de um ano contido no pedido inicial, numa projeção temporal

bem confortável para o INCRA.

Quanto ao pedido de cominação de multa na hipótese de atraso na conclusão

do procedimento, o art. 461, §5º, do CPC, prevê medidas necessárias a serem

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impostas pelo juiz para que seja efetivada a tutela específica da obrigação

determinada em sentença, e dentre estas está a imposição de sanção

pecuniária, que poderá ser modificada de ofício na hipótese de insuficiência ou

excesso, conforme o §6º do mesmo artigo, ou até mesmo desconsiderada se o

atraso no cumprimento da sentença se der por justo motivo.

O valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por mês na hipótese de

descumprimento é razoável para impor ao réu INCRA a preferência pelo

cumprimento da obrigação em vez de pagar a penalidade fixada. E assim o é

porque o valor da multa deve ser significativamente alto, dada sua natureza

inibitória, de forma que o devedor desista de seu intento de não cumprir a

obrigação específica.

Pelo exposto, então, deve ser o pedido do MPF em face do INCRA também

julgado procedente, para que a autarquia conclua o procedimento

administrativo previsto no Decreto 4887/2003 no prazo de um ano a contar de

sua intimação desta sentença, sob pena de multa pelo atraso que desde já fixo

em R$ 100.000,00 (cem mil reais) por mês que ultrapassar tal prazo, podendo

ser revista conforme o caso.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, rejeito as preliminares deduzidas e, no mérito, JULGO

PROCEDENTE

O PEDIDO, nos termos do art. 269, I, do CPC, para:

a) condenar o réu INCRA a obrigação de fazer consistente na conclusão do

processo administrativo de identificação da comunidade da ilha de Marambaia

como remanescente de quilombo, e promover, se for o caso, a delimitação,

demarcação, titulação e registro imobiliário das terras ocupadas no prazo de

um ano a contar de sua intimação desta sentença, sob pena de multa de R$

100.000,00 (cem mil reais) por mês que ultrapassar injustificadamente o

referido prazo e;

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b) condenar a UNIÃO FEDERAL a, até o fim do procedimento administrativo

acima citado, tolerar a permanência dos integrantes identificados (fls.951/961)

da comunidade negra de Marambaia dentro das áreas que ocupam na área

objeto de litígio, abstendo-se de adotar qualquer medida que vise à retirada dos

mesmos, ou à destruição ou danificação de suas casas e construções,bem

como permitir o retorno dos integrantes da referida comunidade que foram

desalojados por força de medidas judiciais ou extrajudiciais por ela intentadas,

e ainda, tolerar que os moradores da comunidade em questão mantenham seu

tradicional estilo de vida, não cerceando seu direito de cultivar roças nas áreas

que ocupam podendo reformar ou ampliar suas casas e ainda construir no

interior de suas terras casas para seus descendentes.

Condeno ainda os réus ao pagamento de honorários advocatícios que fixo, nos

termos do art. 20, §4º, do CPC, em 1% do valor atribuído à causa. Custas na

forma da lei.

Sentença sujeita a reexame necessário pelo E. TRF da 2ª Região.

RAFFAELE FELICE PIRRO

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ANEXO 9 - Um olhar sobre o passado.

Férias na Marambaia em 2001

Durante muitos anos quis conhecer a ilha de Marambaia, que fora em tempos remotos uma importante fazenda de café e entreposto do comércio de escravos. Hoje a ilha encontra-se sob o controle da Marinha e lá funciona o CADIM - Centro de Adestramento de Intendentes da Marinha. Entrei em contato com o comando daquela corporação e falando com o comandante Lobo Lopes, capitão-de-mar-e-guerra recentemente transferido para aquela unidade consegui a permissão para o embarque.

Disse-lhe o objetivo da visita e que era descendente do antigo proprietário daquela propriedade insular.

Nas férias de julho fomos até Itacuruçá para o embarque na lancha da Marinha. Durante o trajeto recebemos um rádio do Comandante do CADIM para confirmar nossa presença na embarcação. Prancheta na mão um militar confirmou nossa presença: o casal Marly e Aloysio Clemente Breves. A ansiedade era grande pois ia visitar um local que em tempos passados fora de propriedade de Joaquim Breves. A paisagem é belíssima e a brisa fresca da manhã na proa da nave me fazia lembrar da minha história familiar. Em 1927 outro passageiro também houvera feito o mesmo trajeto, curioso com o destino que havia sido dado aquela propriedade. Foi Assis Chateaubriand, o grande jornalista, que movido pelas comemorações do 2o. centenário da introdução do café no Brasil, desembarcara na ilha de Marambaia em busca das recordações daquele que foi um de seus maiores produtores.

Passamos por Jaguanum e o barco repleto de jovens que pela primeira vez estavam indo para aquele lugar. Curiosos perguntavam aos mais veteranos como eram as instalações, o que se tinha para fazer, e como seria a longa estadia de estudos e aperfeiçoamento.

Alguns moradores da ilha viajavam conosco. Gente humilde que ia rever parentes ou simplesmente tinham ido às compras no continente.

Depois de quarenta minutos começamos a avistar a ilha, e pouco a pouco podemos ver sua topografia. A emoção bate forte nesse momento.

No desembarque eramos aguardados por um oficial, o Comandante Dejair - pessoa simpática e atenciosa que nos deu as boas vindas e nos levou numa Toyota para a base da corporação.

Como era hora do café-da-manhã, fomos para o rancho. Os militares aproveitaram a antiga senzala dos Breves e preservando sua estrutura montaram um local para refeições e um mini-hotel de trânsito para os visitantes.

Após a refeição fomos para um encontro com o Comandante da Corporação - Jorge Lobo, e no caminho pude observar a beleza da ilha. As instalações

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militares são simples mas extremamente limpas e bem dispostas. O carro seguia pela praia acompanhando a linha de coqueiros tendo ao fundo os morros com a mata atlântica que cobre toda a ilha. O ponto mais alta da ilha atinge os 500 metros e a vegetação é densa. No tempo do império o Comendador Breves plantava café, milho e cana por toda ilha, inclusive nas encostas do pico.

Passamos pelo casario de oficiais e chegamos ao Comando. O comandante nos recebeu em sua sala juntamente com o imediato Dejair e conversamos sobre o passado daquela localidade. Ele é profundo conhecedor daquelas paragens e da história local. Ficou muito fácil a conversa. Deixei com ele um material impresso com fotos e textos sobre a família, e recebi um pequeno livreto sobre o Centro de Adestramento e sua história de fazenda de café antiga.

O oficial fizera uma rápida pesquisa nos cartórios de Mangaratiba e achou documentos interessantes da época que o café ditava os rumos econômicos do Império.

Após o almoço servido na senzala transformada, fomos dar um passeio pela vila. O tempo ruim prometendo chuva dificultava nossas intenções, que era visitar a praia de Armação. Só haviam duas opções: caminhar por uma trilha no meio da mata por cerca de uma hora ou pegar carona numa embarcação até lá.

Caminhando pela praia chega-se a uma pequena igreja e um colégio, que aquela hora estava cheio de alunos. Também existe um pequeno posto de saúde para o atendimento dos moradores. A vista é maravilhosa e a paz enche o lugar.

Saindo deste pequeno povoado seguimos uma trilha de terra que adentra os manguezais no entorno da ilha. Perguntamos a um morador quem era a pessoa mais antiga da região. Disse o homem que seguíssemos em frente que daríamos em uma casa. Chegamos até lá.

Atende-nos um senhor de cabelos brancos, Sr. Joel que nos diz estar com 75 anos. Falei sobre minha família, os antigos proprietários da ilha e restinga. Ele pediu que aguardássemos e retornou com um retrato pequeno, uma cópia de uma fotografia de Joaquim Breves. Era uma reprodução tirada provavelmente de algum livro. Falou que seu pai o conhecera.

Duvidei da afirmação e perguntei-lhe se conhecia alguém com mais idade, morador da ilha que pudesse nos fornecer maiores informações.

- Dona Sebastiana! disse ele. O sr. ande mais um pouco por essa trilha que vai ver a casa dela. Deve ter uns cem anos, riu o velhote.

Agradecemos e saímos em direção ao local apontado. Mais vinte minutos de caminhada chegamos à casa da velha senhora. Um de seus filhos vem nos atender.

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Logo após chega a velha senhora. Disse Ter 84 anos. Parecia forte e com saúde. De pés no chão com o olhar baixo, ouviu minhas explicações. Quando lhe disse que a ilha pertencera à minha família em tempos muito distantes, perguntou-me qual era o nome do proprietário.

- Joaquim Breves, falei.

O olhar e a compostura da senhora se alterou. Parecia assustada e nervosa. Sorrindo tentei acalmá-la dizendo que não viera reaver a propriedade, e que Joaquim Breves já desaparecera hà muito.

Perguntei-lhe então como era o nome de seu pai.

- Adriano, respondeu.

- E o de seu avô?

- Gustavo Vítor.

Quem ficou surpreso fui eu. Repetia-se a história de Assis Chateaubriand. Ele em 1927 encontrou-se com 2 ex-escravos do Comendador Breves residentes na ilha. Eu encontrava-me com a filha e neta de um deles.

Dona Sebastiana tinha boa memória e contou-nos que seu pai conhecera o latifundiário. Repetiu a afirmativa de seu avô, que Joaquim era bom.

Agradeci muito a informação e tirei com sua autorização algumas fotos. Saímos dali reconfortados, pois a história estava viva.

Os descendentes de escravos dos Breves reclamam a posse da terra. São ilhéus, nasceram ali e vivem da pesca. A Marinha faz vista grossa e não tem como expulsá-los e assim vão vivendo.

Na despedida disse a velha senhora: "Vamos vivendo como Deus quer".

Deixamos a Marambaia debaixo de muita chuva, um temporal fortíssimo. O barulho da embarcação e o balanço do mar, serviam de música para nossa reflexão, principalmente para o resgate daquele pedaço da história.

Aloysio Clemente M. I. de J. Breves Beiler (2001 - Rio de Janeiro)

O retorno em 2006

Em outubro de 2006 desembarcamos na Marambaia. O magnífico visual de chegada naquele pontal traziam lembranças de nossa última visita em 2001.

Nos recepciona desta vez o Comandante do CADIM - Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia, Cesar Lopes Loureiro, Capitão-de-Mar-e-Guerra (FN).

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Também tivemos excelente acolhida e a oportunidade de participar de agradável reunião com o Comandante Geral dos Fuzileiros Navais - Almirante Tosta.

Nossos sinceros agradecimentos pela estadia e acolhida generosa naquelas instalações.

Enfim, conseguimos chegar na praia da Armação. De "casco rígido" (como dizem os militares), a pequena e veloz embarcação nos transporta até a praia que até 1890 serviu de entreposto de escravos para o "rei do café", Comendador Joaquim José de Souza Breves.

Caminhando pela trilha, debaixo de sol forte, uns 400 metros à frente, nos deparamos com as ruínas da casa-grande ou solar dos Breves como era chamado.

Bastante danificada, ainda conserva parte de sua varanda e piso original, algumas janelas e o restante ruiu com a ação do tempo. No tempo de Joaquim Breves, ela possuía 53 metros de frente, com diversos quartos, salas e cozinhas.

Atacados constantemente pelas "mutucas" (nunca vi tantas) o grupo permanece pouco tempo examinando as ruínas da casa.

Bem próximo dali, ficam as ruínas da antiga capela dos escravos. Podemos ver uma de suas paredes tomada pelo mato.

Aliás, a vegetação é soberba. Preservada e aparentemente intocada. Somos surpreendido por gritos de macacos no alto das árvores no caminho.

Continuando a caminhada, usando como arma apenas galhos para "tentar" espantar o enxame de mutucas, chegamos às imensas colunas de pedra e cal. São muitas no meio da mata fechada. Faziam parte do antigo engenho de socar café, bem como serviam de senzalas e quarentena para os escravos.

Um ilhéu, descendente dos escravos dos Breves, nos afirmou que grossas correntes pendiam daquelas colunas de pedra.

Existem dúvidas quanto a origem daquelas colunas. Os militares achavam serem elas as ruínas do "solar dos Breves", devido ao vulto da construção. Esclareci ao Almirante que Joaquim Breves adquiriu a ilha da Marambaia, a restinga e as ilhas Bernarda, Saracura e Papagaio, para servir de entreposto da carga humana que trazia da África. Os tumbeiros desembarcavam os escravos próximo a Marambaia, onde ficavam de quarentena (em recuperação da viagem forçada).

Assim, fica explicado o tamanho daquelas construções: serviam de alojamento para os escravos, e para o engenho de socar café. É bom lembrar que o bem de maior valor naquela época era a mão-de-obra. Um escravo sadio valia em

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média 1 conto de réis. Era comum, o conjunto de escravos numa determinada fazenda, valer mais que toda a terra, casas e cafezais.

E, por outro lado, Joaquim Breves não precisava manter uma casa-grande portentosa na ilha. Palácios eram suas outras propriedades, como por exemplo: São Joaquim da Grama e Santo Antonio da Olaria, que eram casarões gigantescos.

Retornando ao passeio, nossas "companheiras" mutucas não nos deixavam em paz, sendo necessário após as fotos, bater em retirada.

Parte do grupo seguiu de volta numa lancha que estava nas proximidades, e nós retornamos pela trilha que passa por toda a encosta da ilha. Uma dura caminhada (sobe e desce) que fizemos em hora e meia, mas recompensatória pela beleza da paisagem, das praias e do belo cenário de mar e montanha.

Exaustos, mas satisfeitos pela quantidade de informação obtida, e belas fotografias tiradas chegamos ao CADIM.

É amistosa convivência entre os ilhéus (descendentes da escravaria dos Breves) com os militares. Estão espalhados por algumas praias, vivendo da pesca e precária agricultura.

Pernoitamos na antiga tulha (ou senzala) dos Breves que hoje serve de hotel de trânsito para os visitantes, e no domingo retornamos para Itacuruçá.

Aloysio Clemente M. I. de J. Breves Beiler (Outubro de 2006 - Rio de Janeiro)