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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ANTONIO IVAN CASTILHO
A educação contextualizada como instrumento de
inclusão social
São Paulo 2011
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ANTONIO IVAN CASTILHO
A educação contextualizada como instrumento de
inclusão social
Dissertação apresentada à banca examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida.
São Paulo 2011
Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID C352e
Castilho, Antonio Ivan. A educação contextualizada como instrumento de inclusão social / Antonio Ivan Castilho --- São Paulo, 2011. 127 p. Bibliografia Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São Paulo. Orientador Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida 1. Educação. 2. Educação – inclusão social. 3. Contexto da educação. I. Almeida, Júlio Gomes. II. Titulo.
370.115
___________________________________
___________________________________
___________________________________
COMISSÃO JULGADORA
Aos meus pais, Lairdes e José, pela educação e pelo amor incondicional,
nestes quarenta anos.
Às minhas irmãs, Ana e Lara, porque nossa união é maior que a distância.
Ao professor e amigo Migliatti.
À Juliana pela paciência e apoio.
Aos pesquisadores e trabalhadores que, de alguma forma, reduzem o
sofrimento dos excluídos.
À memória de Guilherme Zaninotto.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida, orientador e parceiro dessa dissertação,
que pacientemente ampliou meu panorama no universo das escolas comunitárias e
da pesquisa em Educação.
A todos os docentes do Programa de Mestrado da Unicid, por terem me
proporcionado diálogos e leituras relevantes.
À Profª Margarete May Berkenbrock Rosito, pelas leituras e aulas que
desencadearam a escrita do Memorial.
À Daniela Mattern e à Rosângela dos Santos pelo apoio e pelo fornecimento
de dados no Projeto Alavanca Brasil.
A Maxi Drobnitzky e Regina Rückel pela integridade das pautas nas reuniões.
À Annette Martucci pelas reflexões dos acontecimentos do projeto.
Aos muitos educandos e educadores, companheiros de trabalho e da
trajetória como docente, em todos esses anos.
"A extinção do déficit não pode resultar senão de um
abalo profundamente renovador nas fontes espontâneas da
produção. Ora, a produção, como já demonstramos, é um
efeito da inteligência: está, por toda a superfície do globo, na
razão direta da educação popular. Todas as leis protetoras são
ineficazes, para gerar a grandeza econômica do país, todos os
melhoramentos materiais são incapazes de determinar a
riqueza, se não partirem da educação popular, a mais criadora
de todas as forças econômicas, a mais fecunda de todas as
medidas financeiras”.
Rui Barbosa (1883)
RESUMO
Castilho, A. I. A educação contextualizada como instrumento de inclusão social. São
Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).
O objeto da pesquisa é a educação contextualizada na conjuntura metropolitana. O
principal objetivo do estudo é o entendimento da dimensão da possibilidade de se
desenvolverem propostas como essa em regiões metropolitanas, como a de São
Paulo. Como local da pesquisa escolheu-se o Projeto Alavanca Brasil, desenvolvido
em uma favela da Zona Oeste de São Paulo, com apoio do governo alemão e de
diversas empresas alemãs que atuam no Brasil. A metodologia adotada, na
realização da pesquisa, foi qualitativa e como técnica de coleta de dados optou-se
pela análise bibliográfica e documental, que foi complementada pela reflexão sobre
o próprio processo formativo, com destaque para a relação do professor com a
escola nesse processo. Como técnica de coleta de dados, recorreu-se à
observação, incluindo a participação, no projeto onde foi realizada a pesquisa. Foi
possível perceber que a existência do projeto vem contribuindo para o crescimento
da comunidade e, sobretudo, para a ampliação da visão daqueles que conduziram a
sua implantação. O projeto vem sendo, ainda, responsável pelo seu
desenvolvimento. Há alguns indicadores que demonstram essa mudança, sendo o
principal deles o fato de o projeto estar sendo conduzido com expressiva
participação da comunidade.
Palavras chave: Comunidade. Educação contextualizada. Inclusão.
Metrópole
8
ABSTRACT
Castilho, A. I. A educação contextualizada como instrumento de inclusão social. São
Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).
The object of education research is contextualized in the metropolitan situation. The
main objective of the study is to understand the dimension of possibility of developing
such as this proposals in metropolitan areas, such as São Paulo. As the research
site was chosen Alavanca Brazil Project, developed in a favela in West Zone of São
Paulo, with support from the German government and several German companies
operating in Brazil. The methodology used in the research, and as a qualitative data
technique for collecting was chosen for the literature review and documentary, which
was followed by reflection on their own learning process, especially the relationship
with the school teacher in this process . As a technique for collecting data, we used
the observation, including participation in the project where the research was
performed. It was possible to understand that the project has contributed to the
growth of the community and especially to broaden the vision of those that led to its
implementation. The project has been also responsible for its development. There
are some indicators that show this change, the main one being the fact the project is
being conducted with significant community participation.
Keywords: Community. Education context. Inclusion. Metropolis.
9
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................08
ABSTRACT..............................................................................................................09
LISTA DE APÊNDICES...........................................................................................12
LISTA DE FIGURAS................................................................................................13
LISTA DE FOTOS....................................................................................................15
LISTA DE TABELAS................................................................................................16
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS...................................................................17
INTRODUÇÃO.........................................................................................................19
CAPITULO 1............................................................................................................24
APRESENTAÇÃO: MEMORIAL DE FORMAÇÃO........................................24
1.1 Início da carreira profissional..................................................................29
1.2 A descoberta da docência.......................................................................33
1.3 Primeiro contato com o Projeto Alavanca Brasil.....................................37
CAPÍTULO 2............................................................................................................41
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA: UMA PROPOSTA PARA A
METRÓPOLE?.........................................................................................................41
2.1 Desigualdade Social................................................................................42
2.2 Modelo de escola atual............................................................................46
2.3 Educação escolar: um modelo a ser repensado.....................................55
10
2.4 Educação contextualizada.......................................................................60
2.5 Desenvolvimento local.............................................................................63
2.6 Inclusão Social........................................................................................66
CAPÍTULO 3............................................................................................................76
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA: UMA POSSIBILIDADE DE
INCLUSÃO SOCIAL NA METRÓPOLE.................................................................76
3.1 A comunidade São Remo.......................................................................77
3.2 O projeto alavanca..................................................................................87
3.2.1 Objetivos do Projeto Alavanca Brasil:.......................................92
3.2.2 Perfil dos Bolsistas:...................................................................93
3.2.3 Histórico de eventos:................................................................93
3.2.4 Desafios atuais:........................................................................97
3.3 Intercâmbio e atividades........................................................................99
3.4 Impactos do Projeto Alavanca Brasil....................................................107
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................112
REFERÊNCIAS....................................................................................................115
APÊNDICE...........................................................................................................118
11
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE 1 - Projeto de escola profissionalizante (2009) 116
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Índice de pobreza e desigualdade (2003). 42
Figura 2 - Área da unidade territorial (2003). 43
Figura 3 - Densidade demográfica (2003). 43
Figura 4 - Acesso à educação infantil (2008). 53
Figura 5 - Matrículas no ensino fundamental; oferta de EJA
entre 2001 e 2007, (2008). 54
Figura 6 - Pessoas residentes não-naturais da Unidade da Federação de
residência em percentual (2008). 67
Figura 7 - População por região (2008). 69
Figura 8 - Pessoas residentes não-naturais da Unidade da Federação de
residência em milhões de habitantes (2008). 69
Figura 9 - Taxa de migrantes em São Paulo (2008) 70
Figura 10 - Famílias por classe de rendimento mensal
familiar em São Paulo (2010) 72
Figura 11 - Localização da comunidade São Remo (2011) 78
Figura 12 - Segmentação da população da comunidade São Remo. 80
Figura 13 - Estrutura do Projeto Alavanca Brasil. 89
Figura 14 – Prioridade das atividades. 89
13
Figura 15 – Realização das atividades. 89
Figura 16 – Resultado das atividades. 89
Figura 17 – Ajuste de objetivos. 89
14
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Comunidade São Remo, vista do bairro. 79
Foto 2 - Interior da comunidade São Remo. 79
Foto 3 - Crianças jogando bola na comunidade São Remo. 81
Foto 4 - Maquete do projeto do novo prédio 85
Foto 5 - Lixo espalhado pela calçada 86
Foto 6 - Casas às margens do córrego 86
Foto 7 - Curso de marcenaria e móveis rústicos 101
Foto 8 - Doação do automóvel 103
Foto 9 - Fachada do prédio 104
Foto 10 - Oficina de reciclagem e meio ambiente 105
Foto 11 - Passeio de Barco pelo rio Tietê 105
Foto 12 - Visita à Bienal do Livro 106
Foto 13 - Passeio ao Pico do Jaraguá 106
Foto 14 - Passeio ao sítio São Lourenço da Serra 106
15
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Taxa de pessoas residentes não-naturais da região Sudeste (2008) 68
Tabela 2 - Microcrédito por região (2005) 71
16
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAD – Computer Aided Design
CFE – Conselho Federal de Educação
CTI – Colégio Técnico Industrial
DVD – Digital Vídeo Disc
EJA – Educação de Jovens e Adultos
EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental
EMPG – Escola Municipal de Primeiro Grau
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LED - Light Emission Diode
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MT – Ministério do Trabalho
ONG – Organização não-Governamental
PNE – Plano Nacional de Educação
17
PNMPO – Programa Nacional de Microcredito Orientado
SEADE - Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
UNESP – Universidade Estadual Paulista
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância
USAID – United States Agency for International Development
USP – Universidade de São Paulo
18
19
INTRODUÇÃO
O objetivo da pesquisa é compreender a noção de educação contextualizada
e verificar, em que medida, essa proposta educacional pode contribuir para a
inclusão de jovens e adultos que residem em regiões metropolitanas. Para
realização da pesquisa, pretende-se estudar o Projeto Alavanca Brasil, uma ONG
desenvolvida em uma favela da Zona Oeste de São Paulo, que busca a inclusão
social por meio da educação escolar voltada para a profissionalização dos jovens
residentes no local. A proposta do projeto é, além de melhorar a escolarização e
profissionalizar estes jovens, também contribuir para a melhoria da qualidade de
vida humana no local, por meio da criação de oportunidade de exercício da
cidadania pela comunidade. Neste sentido, o envolvimento de todos, nas decisões
tomadas na escola, constitui-se em importante instrumento de formação.
O interesse pelo tema está relacionado com a história de vida do pesquisador
que, em seu processo de escolarização, enfrentou dificuldades dentro de um modelo
de escola que privilegia a ordem, em detrimento da inteligência e da criatividade.
Lidar com a escola foi muito difícil para uma criança que, desde a infância brincava
em meio a máquinas e equipamentos de seu pai, desenhista e projetista de
máquinas. O pai ensinava, à criança, o manuseio de diversos equipamentos
enquanto ela servia de ajudante em suas tarefas. A partir da reflexão sobre a prática
e os ensinamentos, em uma Escola Técnica, e sobre a noção de educação
contextualizada, adquirida no Curso de Mestrado, iniciou-se o delineamento desse
projeto cujo objeto de pesquisa é a educação contextualizada como instrumento de
inclusão social.
A pesquisa será realizada em uma entidade do terceiro setor que tem por
objetivo a profissionalização de jovens e adultos com perspectiva de colocação no
mercado de trabalho. Outro objetivo da entidade é contribuir com o processo de
democratização da escola, por meio da sua abertura para a comunidade. Para isso,
organizou uma escola cuja gestão é exercida por funcionários e moradores locais.
Denominada “Alavanca”, a entidade está situada na Zona Oeste da cidade de São
Paulo, em uma comunidade de quatorze mil moradores conhecida como “São
Remo”. Essa entidade viabiliza 300 bolsas de estudo para crianças em escolas
particulares da região local, ela possui cursos preparatórios pré-vestibulares, reforço
escolar, cursos de capacitação em atividades como informática, marcenaria e artes
gráficas; cursos de línguas em inglês e alemão e um programa de intercâmbio
cultural de estudantes e profissionais de diversas partes da Alemanha que atuam
como voluntários.
O projeto Alavanca conta com apoio do programa de voluntariado do governo
alemão que fornece recursos para a viagem e estadia dos voluntários, os demais
cursos e bolsas têm o apoio financeiro de parcerias com empresas situadas na
região oeste de São Paulo com sede na Alemanha, como é o caso da Semikron.
Outros incentivos, como doações, têm suas origens em outras empresas
(Volkswagen, Basf, Bosch, Votorantim, Munte) e na câmara de comercio Brasil-
Alemanha. A entidade possui o reconhecimento da Unicef.
Segundo DOWBOR (2006), a educação contextualizada visa à compreensão,
por parte dos alunos, do ambiente e da realidade na qual eles estão inseridos. A
partir de tal compreensão, eles são chamados para uma participação social como
cidadãos e como profissionais. A educação contextualizada visa à permanência do
cidadão na sua região, com a finalidade de transformá-la, tornando-a a base da
permanência no território, na medida em que contribui para o desenvolvimento local.
Trata-se de uma escola diferente daquela que aborda a educação como um
trampolim para escapar da região ou para alcançar um lugar mais acima na pirâmide
social.
A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada
a essa compreensão e à necessidade de se formarem pessoas que amanhã possam
participar, de forma ativa, das iniciativas capazes de transformar o seu entorno e de
gerar dinâmicas construtivas. Segundo Dowbor, quando se tenta promover
iniciativas deste tipo, constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos
desconhecem desde a origem do nome da sua própria rua até os potenciais do
subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania ativa, temos de ter uma
cidadania informada, e isto começa cedo. A educação não deve servir apenas como
trampolim para uma pessoa escapar da sua região deve dar-lhe os conhecimentos
necessários para ajudar a transformá-la e, com isto, melhorar a qualidade de vida
20
humana coletiva. A educação contextualizada é um instrumento importante para o
desenvolvimento local. Ela aponta para a possibilidade concreta de os cidadãos
tomarem nas mãos a própria história.
Segundo Dowbor (2010) desenvolver uma proposta de educação
contextualizada em uma pequena cidade do interior é bem mais fácil do que
desenvolvê-la em uma metrópole, conforme esclarece o trecho seguinte:
(...) há municípios e municípios. Você está falando de São Paulo, você está falando de dez milhões de habitantes, é um país. São Paulo, com suas periferias é 20 milhões de habitantes, é um grande país. Então, nós precisamos ter sistemas muito mais descentralizados. Nos municípios médios e pequenos é muito mais fácil perceber uma articulação do desenvolvimento com as necessidades locais. (DOWBOR, 2010: p.2).
No cenário complexo da cidade de São Paulo, desenvolve-se o projeto
Alavanca que vem procurando criar um espaço de preparação do jovem para atuar
na sociedade na qualidade de profissional e cidadão. Pretende-se, neste trabalho,
analisar esse projeto e verificar em que medida ele vem se constituindo em
instrumento de inclusão social.
Pesquisas e experiências vêm sendo desenvolvidas geralmente com enfoque
na realidade rural, como tem acontecido nas regiões Sul e Nordeste. Na região Sul,
há o exemplo de São Joaquim, em Santa Catarina e, na região Nordeste, cita-se o
exemplo de Pintadas na Bahia.
São Joaquim é um exemplo de desenvolvimento local Dowbor (2006), como
forma de inclusão social, uma vez que era uma região pobre, de pequenos
produtores sem perspectiva, e com os mais baixos indicadores de desenvolvimento
humano do Estado. Entretanto, eles se organizaram e criaram uma nova realidade
que melhorou as condições de vida em toda a região. Como outras regiões do país,
São Joaquim e os municípios vizinhos, esperavam que o desenvolvimento
“chegasse” de fora, sob forma de investimento de uma grande empresa ou de um
projeto de governo. O destino da região começou a mudar, quando seus habitantes
decidiram que não iriam mais esperar. Optaram, assim, por outra maneira de
solucionar os problemas: enfrentá-los eles mesmos. Identificaram características
diferenciadas do clima local, constataram que tal clima era excepcionalmente
21
favorável à fruticultura. Organizaram-se, e com os meios dos quais dispunham,
fizeram parcerias com instituições de pesquisa, formaram cooperativas, abriram
canais conjuntos de comercialização para não depender de atravessadores e, hoje,
eles se constituem em uma das regiões que mais rapidamente se desenvolve no
país. Esses cidadãos não dependem mais de uma grande corporação que, de um
dia para outro, possa mudar a região: dependem de si mesmos.
Essa visão de que se pode ser dono da própria transformação econômica e
social, de que o desenvolvimento não se espera, mas se faz, constitui uma das
mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Ela tira o homem da posição
de espectador crítico da ineficiência alheia, e o coloca como construtor do seu
próprio destino. A experiência de educação voltada para o desenvolvimento local
vem acontecendo também em municípios do semi-árido nordestino. Dowbor (2006)
cita as experiências no campo da educação contextualizada, desenvolvidas na
região Nordeste como as do município de Pimenteiras PI, Juazeiro e Pintadas na
BA, onde o foco está na educação com uma visão voltada para as potencialidades
do desenvolvimento local.
A reflexão sobre estas experiências mostrou certa semelhança entre os
princípios que as orientam e os princípios que vêm orientando o trabalho que se
desenvolveu, por meio do projeto Alavanca. Encaminha-se, portanto, as seguintes
questões: Em que medida é possível o desenvolvimento de uma proposta de
educação contextualizada, em um contexto complexo como o de uma metrópole
como São Paulo? Como o desenvolvimento de uma proposta de educação
contextualizada pode contribuir para inclusão social de pessoas que vivem em
contextos marcados pela falta de esperança e perspectivas? Para entender estas
questões e outras que possam emergir do processo, definiu-se, como objeto de
pesquisa, a educação contextualizada no contexto metropolitano. A partir deste
objeto, pretende-se entender em que medida é possível o desenvolvimento de
propostas deste tipo na metrópole e se, neste contexto, estas propostas se
configuram como um instrumento de inclusão social.
Para a realização desta pesquisa adotou-se uma abordagem qualitativa de
pesquisa e, como procedimento de coleta de dados, será utilizada uma análise
bibliográfica e documental, complementada pela reflexão sobre o próprio processo
22
formativo, com destaque para a relação do pesquisador com a escola neste
processo e pela observação participante, uma vez que sua atuação profissional
ocorre no projeto onde será realizada a pesquisa.
O trabalho está organizado em três capítulos. No primeiro, apresenta-se o
trajeto formativo do pesquisador, desde o ensino fundamental, destacando a sua
relação com a escola, visando à percepção da importância do desenvolvimento de
atividades significativas, no processo de envolvimento dos jovens com a escola. No
segundo capítulo é apresentada a educação contextualizada como proposta
educacional capaz de promover a inclusão social, por meio do incentivo ao
desenvolvimento local. Desta forma, buscou-se entender possibilidades e limites do
desenvolvimento de experiências como essa em uma região metropolitana. No
terceiro capítulo apresenta-se o Projeto Alavanca como experiência concreta de
educação contextualizada na metrópole. Com isso, verificou-se em que medida a
proposta desenvolvida neste projeto se constitui em uma experiência de educação
contextualizada e qual a sua contribuição para a inclusão social.
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CAPITULO 1
APRESENTAÇÃO: MEMORIAL DE FORMAÇÃO
As primeiras impressões da escola
Minha relação com a escola começou quando eu tinha sete anos. Fui
matriculado por meus pais em uma escola pública no bairro onde morava na zona
oeste de São Paulo. Uma EMPG, atualmente de ensino fundamental (EMEF) que
leva o nome do general Euclydes de Oliveira Figueiredo, pai do presidente do Brasil
na época, o também general João Batista de Oliveira Figueiredo. A escola tinha um
regime bastante rígido, comparando-se com os projetos escolares comuns nos dias
de hoje. Talvez por influência das atividades do patrono, havia diariamente, no pátio
da escola, o hasteamento da bandeira do Brasil, ao som do Hino Nacional. Os
grupos se formavam em filas emparelhadas, conforme a série e o número de
chamada. Todos os alunos deveriam estar sempre com o uniforme completo: calça
de tergal azul e camisa branca de manga curta. Na camisa, havia um bolso que era
vendido separadamente e que exibia a estampa do brasão da escola. Como a
escola ficava perto de casa, eu ia caminhando e, eventualmente, chegava atrasado.
Quando isso acontecia, a professora fazia sinal para que eu ficasse atrás das
fileiras, para não atrapalhar a cerimônia. Meu nome era iniciado com letra “A”; eu
cursava a primeira série, por isso meu lugar seria no início de uma das primeiras
filas. Após o término da cerimônia, eu ouvia da professora uma pequena advertência
verbal e subia normalmente para a sala de aula.
Meus pais consideravam a escola uma garantia para o meu futuro. Meu pai
um operário da indústria, projetista de máquinas, e considerava que a escola era
importante e que, com estudos e uma formação profissional, eu não seria um “peão”
de “chão de fábrica”. Ele fizera o ensino fundamental com alguns percalços de
indisciplina, sempre acusado por meus avós, de ter sido um filho que deu muito
trabalho. Quando ele se refere à escola que cursou, o discurso é recheado de
críticas, inconformado com o excesso de regras e professores despreparados em
24
conhecimento e didática. Quando foi cursar o ensino profissionalizante no SENAI
começou a se destacar como um dos melhores da escola; tal a seriedade com que
ele encarou os estudos. Por volta dos anos 1990, me presenteou com livros e
apostilas do curso que fizera na escola SENAI em 1961. Depois se formou em
técnico profissionalizante em elétrica e fez vários cursos de informática e
computação ainda no final dos anos 1970 e início de 1980.
Minha mãe cursou o clássico; o atual Ensino Médio, voltado à área de
humanidades. Ela sempre se destacava na área de humanidades e literatura,
conquistando até o tradicional prêmio Rui Barbosa de literatura em Salvador. Era
técnico judiciário, funcionária pública do TRT, conhecia bem as leis trabalhistas,
dizia sempre que sem estudo eu não conseguiria arranjar emprego no futuro, me
cobrava no mínimo concluir a oitava série, que hoje equivale ao ensino fundamental,
pois sem isso os empregadores me julgariam como analfabeto. Como não possuíam
propriedades, empresa ou comércio, os meus pais estavam preocupados com o
meu futuro; o que podiam deixar estaria em mim. Como diz minha mãe “estudo nem
Deus tira”.
Não fui muito diferente de meu pai nas séries iniciais. Gostava de falar muito
e tinha muitos amigos e, como a maioria dos colegas de classe, eu gostava mais
das aulas de Educação Física, nas quais jogava bola e competia em diversas
modalidades do atletismo. Eu estava sempre entre os primeiros na corrida pedestre
e sempre esperava ansioso pelas aulas na quadra do fundo da escola, mesmo
quando fazia uma chuvinha fina eu não faltava: tinha esperança de que a aula não
fosse cancelada.
Dentro da sala de aula, a imagem que eu tinha de escola já era diferente:
com meus amigos sempre estávamos fazendo brincadeiras, infringindo o sistema,
ao ir para sala de aula de camiseta, com outro tipo de calça ou calçando tênis. Isso
era como uma relação de medida de força, quanto mais eu infringia, mais
incomodava, mais sofria advertências, mais eu infringia o que bastava para ser
referência de indisciplina, isso foi se acumulando no prontuário e em reuniões.
Na primeira semana de aulas, publicavam-se, no pátio da escola, as listas
com os nomes de todos os alunos e as séries das quais fariam parte naquele ano.
25
Na terceira série, meu nome estava incluído na lista da turma “D”, onde estavam os
repetentes e indisciplinados. A partir dessa série, fui além daquele aluno falante e
contestador: não dei mais importância aos deveres escolares e passei a pertencer à
turma dos “mais fracos”. Essa era a minha realidade e todos na escola sabiam disso.
O professorado, na grande maioria do gênero feminino, não escondia o preconceito
e a impaciência em relação às séries C, D e E, frequentadas por alunos com as mais
baixas notas da escola e com passagens pela direção por indisciplina. Outro fato do
qual não me esqueço era o favoritismo e a atenção que as professoras davam às
alunas do gênero feminino, que tinham cabelos lisos e pele clara, sem dúvida, uma
raridade nas series D e E, que ocupavam as primeiras carteiras. O restante da turma
normalmente não recebia muita atenção e, quando fazia perguntas em excesso, era
visto como descaso ou brincadeira, o que bastava para visitar a direção. É nesse
ambiente que fui me adaptando e fazendo novas amizades, realmente ali se
juntavam todos os casos “com defeito” e, certamente, havia uma atenção
diferenciada. Eu sabia a razão pela qual estava ali e percebia a postura diferente
dos professores, em relação à serie “B”, até mesmo nas tarefas. Enquanto as turmas
“A” e “B” liam “O pequeno príncipe” de Saint-Exupéry, a nossa turma lia “Os dois
lados da moeda” de Odette de Barros Mott. Este era um bom livro. Comparando-se
com o escritor francês, a linguagem de Odette de Barros Mott era mais simples.
Entretanto, entre os alunos pairava um preconceito: imaginavam que a escolha da
leitura da história de vida de um personagem favelado de origem nordestina era
mais adequada para as turmas D e E, do que a história de um personagem nobre e
abastado, que vivia na cidade. Em meio a esse ambiente, aprendi a balançar a
cabeça fazendo sinal de positivo quando a professora perguntava se todos
entenderam a lição, estratégia comum para não agitar a ação da professora.
Nas reuniões de fim de bimestre, o que mais me angustiava era ver minha
mãe voltando para casa contando que a professora disse que eu não faço tarefas,
sou indisciplinado, ando com maus elementos e não serei aprovado no final do ano.
O pior era que ela estava certa, fui reprovado na terceira série. Outro ano começa,
eu estava na terceira “D”, de novo, agora maior em estatura, podia ganhar todas as
corridas nas aulas de Educação Física e, eventualmente, bater nos coleguinhas. As
professoras agora nem se preocupavam em responder minhas perguntas e, com um
tom irônico, sempre me lembravam de que eu já tinha visto a matéria no ano
26
passado, se eu estava de novo ali não era para aprender o que ficou faltando no ano
passado e, sim, como forma de castigo por não atingir a nota mínima e separar-me
do ambiente em que estava. A essa altura, a sensação que eu tinha era de que eu
estava para trás e isso era real, definitivamente, já não entendia para que serviria a
escola ou quando precisaria dos conhecimentos e o tempo já não era meu amigo. A
família por parte de pai é bem grande e eu já era lembrado por minhas tias como
“caso perdido”. Como já não havia graça em fazer tantas brincadeiras na sala de
aula, armei outra estratégia: caminhava bem devagar no percurso para a escola,
com o intuito de chegar atrasado e ser impedido de entrar. Ficava do lado de fora
fazendo nada, às vezes pulava o muro de trás e ficava na quadra da escola, a essa
altura, descobri que não era o único, havia outros de diversas séries, com quem fiz
novas amizades. Mesmo com o risco de ser reprovado por faltas, conseguia fazer o
mínimo de tarefas e trabalhos, apenas o suficiente para ser aprovado. Continuei
assim, até chegar à sexta série, na qual o estudo deficiente promoveu
consequências e as reprovações começaram a ser devido às notas.
Havia um professor de Matemática que tinha barba, os estudantes
chamavam-no “barbicha”; esse apelido já era conhecido por todos os alunos da
escola, embora ninguém soubesse dizer quem o havia criado, Em um dia comum,
eu estava na sala de aula, quando fui convocado pelo inspetor de alunos a
acompanhá-lo até a sala dos professores, chegando lá, estava o professor de
Matemática me aguardando com uma expressão de braveza no rosto. O que ele
queria de mim era que eu assumisse, perante a direção da escola, a autoria e
propagação do apelido que fora atribuído a ele ou que, pelo menos, eu dissesse
quem era o responsável pelo apelido. Fiquei naquela condição até soar a
campainha, anunciando o intervalo. Fui liberado com um “pode ir”. Ficou a
impressão de que aquele assunto não ficaria por ali.
Aquela situação me deixou indignado, eu fui escolhido dentre vários alunos
indisciplinados que havia na escola para assumir a autoria do apelido ou delatar um
autor. Na sequência desse acontecimento, lembro-me de que uma professora
sugeriu à turma que fizesse uma redação cujo tema abordava nossos desejos de ter
uma escola melhor. Foi naquela redação que encontrei uma válvula de escape para
27
culpar ou dividir o meu fracasso escolar, pondo em prática toda a energia que se
tem na juventude.
Lembro-me que na redação fui bem claro com as ideias de dispensar todos
os professores, sem exceção, e entregar a escola para que os alunos a
administrassem; eles, então, ateariam fogo no prédio. Hoje posso atribuir esses
pensamentos a alguma influência do videoclipe “another brick in the wall” da banda
inglesa “Pink Floyd”, onde estudantes ateiam fogo na escola, durante um movimento
de revolta. Na época, a banda e a música já não eram novas, mas eu certamente
estava na fase das descobertas que, somadas à falta de experiência de vida, me
faziam imaginar que a melodia e a letra mal traduzida da música se constituiriam em
um recado para mim.
A minha redação fez a professora me chamar para conversar. Não houve
muito diálogo com a professora e, nem depois, com a diretora. A presença de minha
mãe foi requisitada na escola para falar sobre o assunto. Houve bastante diálogo e a
determinação de que eu frequentasse, semanalmente, a psicóloga da escola. Nesse
momento, entre as instituições tradicionais que organizam o cotidiano da escola, e
promovem a lógica perversa que impõe sofrimento por meio de rituais de
humilhação, como definiu Almeida (2009), esses rituais são estendidos aos pais,
quando são chamados à escola para falar mal dos seus filhos. Dificilmente, os pais
vão à escola ouvir os professores falarem do próprio trabalho. Para minha mãe, o
pior não foi a vergonha do fato em si, até porque em toda reunião ela enfrentava a
crítica de quase todo professorado da escola, mas sim pelo fato de que a diretora
declarou prudente arquivar a redação para análise futura e disposição da psicóloga
escolar.
Minha mãe trabalhava fora, não tinha muito tempo para acompanhar meu
desempenho escolar e já sofria muito com a dificuldade que eu tinha em obter
sucesso na escola, agora ela tinha mais uma preocupação que era a redação que
permanecia arquivada na escola.
No final do ano fui aprovado e uma semana após o término das aulas, um
incêndio destruiu parte da escola. Fiquei sabendo e fui com um amigo para ver o
que tinha acontecido. Confesso que eu e minha mãe sentimos muito medo de que a
28
redação arquivada voltasse a dar problemas. Felizmente, um bombeiro constatou
um problema na instalação elétrica no quadro de força. O incêndio destruiu
totalmente a secretaria e os arquivos da escola.
Através de um amigo, também acostumado com a reprovação escolar,
conheci o escotismo. Entrei para um grupo que ficava em Carapicuíba. Saía de São
Paulo aos sábados e domingos ainda de madrugada, ia de ônibus para uma região
de núcleos habitacionais de Carapicuíba para hastear a bandeira e cantar o Hino
Nacional, junto com outros escoteiros divididos em patrulhas, enfileirados,
impecavelmente uniformizados. Foi no grupo “Rondon” de escotismo que aprendi
muita coisa sobre disciplina e hierarquia e, em pouco tempo, me tornei monitor de
patrulha. Para conquistar esse posto, tive que fazer muitas tarefas físicas,
comportamentais e intelectuais, aprender a obedecer e a organizar. O escotismo é
uma organização que, sistematicamente, tem como objetivo o ato de educar.
Analisando este panorama, estabeleço comparações com a escola que frequentei e
me pergunto onde eu errei e onde a escola errou. A imaturidade pode ter uma
grande influência na disposição para a aceitação das regras da organização, mas
outro ponto de vista é que o escotismo talvez fora como uma “segunda chance”.
Naquele momento, começar a frequentar outra “escola” e experimentar seguir as
regras tiveram uma imagem positiva para mim. O chefe do grupo frequentemente
comparecia na escola para tomar nota do meu desempenho escolar, no grupo ele
conversava sobre as notas, frequência, falava de trabalho da vida adulta, mas em
nenhum momento eu sofria castigos ou tinha meu posto de monitor ameaçado.
Deixei o escotismo, quando mudei com meus pais para a cidade de Bauru, no
interior de São Paulo, lá terminei a oitava série em regime de suplência, já com
dezessete anos.
1.1 Inicio da carreira profissional
Comecei a minha vida profissional com quatorze anos, em uma pequena
fábrica de especiarias, como ajudante geral. Depois, como auxiliar de escritório em
uma escola da rede privada onde estudei; em uma empresa de publicidade em
painéis, aprendi a desenhar; em um escritório de arquitetura trabalhava como
29
copista de projetos. Cursava o segundo grau, em uma escola particular, conclui o
primeiro ano. No final do segundo ano, fiz um concurso de seleção tipo “vestibulinho”
para estudar no CTI, uma escola técnica da rede UNESP no campus de Bauru. O
resultado positivo saiu, e isso implicaria voltar ao primeiro ano. Não me importei em
voltar para a primeira série, na escola técnica.
O curso foi o técnico em mecânica, noturno e aos sábados, durante três
anos. Conheci uma escola que mudou minha vida para sempre. Foi quando
experimentei uma aprendizagem transformadora da minha existência, uma formação
que trouxe novidade, portanto, mudança; conforme JOSSO:
“As aprendizagens novas exigirão desaprendizagens (sic!): livrar-se de hábitos mais ou menos antigos que, por diferentes formas de tomada de consciência, se revelam como freios para ir em frente e nos tornar disponíveis para criatividade”. (JOSSO, 2010: p.62).
O ingresso no curso técnico pode ser entendido como a situação designada
por Josso (1984) como momento-charneira, foi um momento em que minha relação
com a escola foi transformada.
Momentos ou acontecimentos-charneira são aqueles que representam uma passagem entre duas etapas da vida, um “divisor de águas”, poderíamos dizer. Charneira é uma dobradiça, algo que, portanto, faz o papel de uma articulação. Esse termo é utilizado tanto nas obras francesas quanto portuguesas sobre as histórias de vida, para designar os acontecimentos que separam, dividem e articulam as etapas da vida. (JOSSO, 2010: p.90).
Em 1993 meu pai, projetista de máquinas, passava várias horas de folga
fazendo trabalhos em casa com restauração e mecânica de automóveis, pequenas
construções em madeira, chapas metálicas e montagens eletrônicas, eu era sempre
requisitado a ajudar com minha mão de obra, portanto eu aprendia a manusear
ferramentas e fazer diversas atividades e também usava as ferramentas para
minhas atividades de curiosidade. Ele também usava computadores para fazer os
projetos no escritório que havia em casa, e assim fui conhecendo o “Autocad”, um
programa de CAD que meu pai usava para trabalhar com os desenhos técnicos.
Nas aulas de desenho técnico eu já iniciei com alguma facilidade, pois era
um trabalho que meu pai fazia em casa. Na sala de aula durante uma aula de
desenho técnico, perguntei ao professor sobre a possibilidade de os desenhos
30
serem feitos no computador, além da tradicional prancheta. Naquele momento, a
ideia não foi muito bem recebida pelo professor. Repercutiu como se eu tivesse a
intenção de me destacar perante os outros colegas da turma. O professor sugeriu
que eu fosse para a sala do coordenador do curso conversar com ele sobre o
assunto. A sala ficou, durante alguns segundos, em silêncio total, que foi sendo
quebrado por sussurros dos colegas, comentando o fracasso do meu diálogo.
O coordenador do curso era uma pessoa temida por todos os alunos sem
exceção, ele lecionava, somente nas séries do último ano, a disciplina de
Resistência de Materiais, onde a maioria dos alunos tinha dificuldade de conseguir
boas notas. Na situação em que eu estava não havia escolha, eu teria que ir
conversar com ele, eu até já estava preparado para o fracasso, era um caminho
conhecido. Chegando à coordenadoria fui logo recebido pelo coordenador Professor
Marcelo Migliatti, um professor de poucas palavras, referência em rigidez e
sistemática. Eu já esperava um conselho para voltar à sala de aulas, mas ele me fez
uma série de perguntas sobre desenho, computação e os programas que eu
conhecia. Contei sobre as atividades do meu pai e até onde ia meu conhecimento de
“ajudante do pai”, ele questionou se eu teria o programa e ofereceu o telefone para
eu ligar para meu pai e pedir os disquetes para a instalação do programa. Liguei
para meu pai que, prontamente, se ofereceu para levar o programa para a escola,
eu comecei a perceber que o coordenador não era tudo o que falavam dele e não
fiquei esperando meu pai chegar à escola. O professor Migliatti, sem comentar,
retirou o computador que estava sobre sua mesa, pegou o processador, mouse,
teclado e me disse para apanhar o monitor e acompanhá-lo, fomos para sala de aula
onde ele anunciou a todos que o computador dali em diante faria parte da sala e
seria para o uso de todos. Esse foi o momento em que a escola tomava uma nova
forma, diferente de tudo o que eu vivera até então. A atitude do professor Migliatti
havia me surpreendido: eu que já me acostumara com as reprimendas, de repente,
me vi prestigiado e aceito.
A atitude do professor Migliatti significou para mim uma revelação de um
professor que eu não havia conhecido antes, e nem imaginava que pudesse existir:
ele ouviu um aluno que acabara de ingressar na escola e questionara o curso que
funcionava muito bem há tanto tempo. Sua tranquilidade em acreditar no aluno e seu
31
desprendimento com o equipamento (no caso o computador em sua mesa) foi
realmente o ápice de meu “momento-charneira” (JOSSO: 2010, 90). Professores
assim que realmente desejam que os estudantes alcancem a autonomia, conforme
Amorim Neto/ May Berkenbrock:
Os professores deverão proporcionar coerência entre os valores proclamados pela escola e o modo como conduzem o processo educativo em sala de aula. No sentido de que os alunos possam perceber que valores como justiça e respeito não são meras teorias ou simples “valores proclamados”, mas de fato são parâmetros para as relações estabelecidas dentro e fora da sala de aula. (AMORIM NETO/ MAY BERKENBROCK, 2009: p.77).
Havia outros professores especiais. Contamos com a paciência de ensinar a
matéria que era fruto do nítido desejo de ver o aluno obter sucesso e que foi a marca
registrada do professor Carlos Magalhães, com a simplicidade e acessibilidade do
professor Mário dos Santos e os desafios que eram impostos, pelo professor Edson
Antônio. A relação dialógica entre o corpo docente e discente vai muito além da sala
de aula, a maior parte dos professores estava sempre presente com os alunos, sem
distinção.
Para a melhoria da educação, era oportuna a presença de uma escola mais
agradável, definida por “Escola Nova Popular” (SAVIANI, 2009: p.61). O número de
alunos em classe era menor; eles se dividiam em dias alternados, com jornada
escolar maior e aulas aos sábados, quando gostávamos de ir de bicicleta, pois
também havia um estacionamento para elas. Essa era uma escola capaz de
despertar o interesse dos alunos, de estimular-lhes a iniciativa, de permitir-lhes
assumir ativamente o trabalho escolar, uma escola acessível para as camadas
populares, onde, supostamente, as dificuldades de aprendizagem e o desinteresse
são maiores. Referindo-se à pedagogia, Saviani comenta os métodos para além dos
tradicionais e novos:
Serão métodos que estimularão as atividades e iniciativas dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagens e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos. (SAVIANI, 2009: p.62).
32
No momento não me preocupei em definir o que significava a escola para
mim sentia que o lugar é bom, com gente para ajudar, com hierarquia, ordem e ao
mesmo tempo flexível, me senti um aluno sem culpa, eu estava me perdoando pelos
erros do ensino fundamental fazendo as pazes comigo, realmente eu sentia que o
momento era de mudança. No tempo em que cursei a escola técnica da UNESP, fiz
amizades com alunos, funcionários e todos os professores, foi sem dúvida o melhor
tempo que passei como aluno, a escola formou um técnico e um professor, digo isso
porque anos depois de formado, voltei à escola no papel de professor e foi lá junto
com meus professores e colegas de trabalho que aprendi as primeiras práticas
docentes.
1.2 A descoberta da docência
Fiquei no CTI da UNESP durante, aproximadamente, nove anos, juntamente
com outras escolas nas quais passei no corpo discente e docente. Formei-me em
Pedagogia e hoje vejo a escola com outros olhos, a escola adquire o significado, de
acordo com a resposta ao sinal do aluno. Como aluno, experimentei a falta de
sintonia com a escola e o resultado caminhou para o descontrole. Como poderia um
jovem inexperiente retomar a sintonia com a escola através de ações de si mesmo,
uma vez que já experimentou o fracasso? Essa situação é discutida por Almeida
quando fala da inclusão dos alunos que foram convidados a se retirar da escola:
A inclusão dos que foram convidados a se retirar foi um processo extremamente complicado porque todos que receberam o tal convite após atritos diversos com pessoas da escola e o retorno desses alunos à escola não foram aceito por essas pessoas (ALMEIDA, 2005: p.67).
O trecho mostra que retomar a sintonia com a escola não é tarefa fácil e, em
muitas situações, mesmo o aluno querendo, nem sempre isso é possível. Mesmo
quando há na escola algum educador que deseja dar nova oportunidade, há aquele
que se sente ofendido com o retorno, como é possível observar no trecho seguinte:
Foram criadas situações de conflitos que me deixaram duas alternativas: não tomar atitude e o funcionário se sentir desprestigiado, trabalhando e resmungando pela instabilidade da direção, ou aceitar a pressão e colocar o menino para fora novamente, contrariando meu compromisso na qualidade
33
de educador e infringindo a lei de proteção à criança e ao adolescente (ALMEIDA, 2005: p.67).
Além de evidenciar que, mesmo quando deseja voltar, o aluno encontra
dificuldade, o trecho acima mostra também que, na escola, encontram-se pessoas
compreensivas, que não esqueceram o seu tempo de aluno e que até tentam ajudar.
Lembro-me de quando cursava o segundo ano do ensino fundamental, havia
uma professora chamada Vera, que lecionava Matemática, era uma professora bem
tranquila e demonstrava sempre confiança nos seus alunos. A maior referência dela
era que ela costumava conferir “de carteira em carteira” os exercícios da sala toda. A
professora Vera ficou marcada na minha memória, no momento de uma correção de
tarefas. Tratava-se de uma lista de exercícios de Matemática, que, em sala de aula,
eu resolvi com facilidade, mas em casa, eu já não me recordava como era a
resolução. Nas últimas páginas do livro de Matemática havia todas as respostas dos
exercícios propostos, porém havia somente as respostas. No desejo de utilizar
aquela facilidade para resolver o meu problema no momento, eu “inventei” um
desenvolvimento das questões com um conjunto de números em cima de números,
ligados por sinais de soma, subtração, multiplicação, divisão e igualdade e, no final
de cada exercício, estava a resposta devidamente correta, copiada das páginas de
respostas do livro.
No dia da entrega foi tudo bem, era uma folha à parte, com nome e lista de
exercícios resolvida. Todos a colocávamos na mesa da professora logo na entrada
da aula. Na outra aula de Matemática, a professora Vera entregou as folhas dos
exercícios de volta e, na minha folha, estava tudo certo. Havia duas hipóteses: a
primeira era que a professora não corrigira olhando os exercícios, ela conferira
somente a resposta; a segunda era que eu acertara o desenvolvimento dos
exercícios o que significava que eu até sabia resolvê-los e nem percebera isso. O
que mais importava para mim é que eu assumia novamente a posição de aluno que
participa da aula, senti o prazer de fazer a tarefa de casa e acertar tudo, era uma
posição realmente confortável, uma sensação de missão cumprida. No final da aula,
quando todos estávamos saindo a professora Vera veio conversar comigo e me
questionou sobre os exercícios, ela perguntou como eu havia feito para resolver os
exercícios porque ela não conhecia aquele modo de resolução, disse também que
34
na matemática podemos resolver as mesmas questões por métodos diferentes, ela
sabia o que o livro ensinava mas queria saber se eu poderia explicar o meu pra ela.
No momento fiquei com medo e senti que estava sendo desmascarado, mas depois
confiei nas palavras da professora que havia confiado no meu trabalho. Retirei a
folha de exercícios da pasta e coloquei sobre a carteira, estavam lá, todos os
exercícios corretos, não havia rasuras, nem um enorme “x” em vermelho em cima de
cada exercício. Comecei a explicar, da mesma forma, como os números foram parar
ali, uma verdadeira bagunça de informações com o objetivo de confundir. E a
professora Vera não se incomodou e deixou eu falar o quanto eu quis, ela me
escutou pacientemente demonstrando muita atenção, até eu concluir o meu
“raciocínio”.
Ela olhou bem nos meus olhos e me disse que não tinha entendido, eu achei
que naquele momento eu seria revelado um trapaceiro e sofreria as piores
consequências que um aluno poderia sofrer, mas não foi assim, a professora Vera
disse que o jeito que ela tinha aprendido ela achava mais fácil e era justamente o
mesmo do livro, e ela foi explicando e conduzindo em uma aula particular o ensino
daqueles cálculos que eu, até então, não havia aprendido, e foi naqueles trinta
minutos que eu aprendi o que não havia entendido em semanas.
Na época, senti que a professora Vera era uma professora muito especial,
que não me castigou, não me reprovou, me protegeu do castigo, considerou os
meus exercícios certos e, por fim, eu ainda acabei por aprender os exercícios e não
precisei mais de “consultar” as páginas de respostas do livro para poder resolvê-los.
Hoje, como educador, percebo o que na época não pude perceber, a
professora havia, sim, notado que eu tinha inventado uma resolução dos exercícios
e que, provavelmente, eu tinha aproveitado as respostas no final do livro. Entretanto,
ela não tinha, como objetivo, revelar o que eu tinha feito, provavelmente, não
acreditava que isso me faria entender a matemática, ela aproveitou o fato para
demonstrar confiança, o que, consequentemente, suscitou a minha confiança. Isso
foi fundamental para abrir caminho para uma nova chance de ensino e
aprendizagem que, dessa vez, transformou-se em um sucesso.
35
As disciplinas práticas do curso técnico profissionalizante eram desenvolvidas
de forma significativa e era possível estabelecer relação direta com o ofício no qual
estava me formando, continuei a ajudar meu pai em atividades práticas em
mecânica e fazia outras atividades mecânicas na motocicleta que tinha. O ingresso
em uma escola na qual havia aulas de mecânica me deixou numa posição facilitada,
pois o contexto da manutenção mecânica e industrial já cercava a minha vida seja
pelas atividades que fazia nos finais de semana ou pela própria profissão de meu
pai. Eu já podia imaginar que seria um profissional e, ao menos, teria profissão
reconhecida. Já no primeiro ano, comecei a trabalhar como desenhista de máquinas
em uma indústria da cidade, eu mal tinha entrado na escola e já estava obtendo
resultados concretos.
A aprendizagem na escola tinha relação com a minha vida, a escola propunha
atividades que me davam prazer, estudar ficou gostoso, essa prática me despertou o
desejo de cursar uma faculdade e, o mais importante, que tal faculdade estivesse no
campo da educação. Nesse momento, o meu interesse pela educação havia se
destacado em relação à própria mecânica industrial, mais do que aprendendo uma
profissão eu estava aprendendo a aprender e já desejava aprender a ensinar.
As disciplinas com caráter mais propedêutico não tinham significado direto,
eram descontextualizadas sem relação com a prática da profissão de técnico
mecânica. A justificativa muito forte de ser assim era o fato de o ensino técnico ter,
como objetivo, a formação de técnicos de nível médio, sem o objetivo de
prosseguirem em nível superior. Mas, não era isso o que acontecia na prática, a
maioria dos colegas continuava os estudos em nível superior. Como os colegas,
também busquei a formação superior e, após alguns anos no curso de engenharia,
tranquei a matrícula e não prossegui com os estudos, me dedicando somente à
educação.
A escolha pela profissão certamente tem influência direta com minha
experiência de vida; eu, que nos primeiros anos da vida escolar, cheguei a acreditar
que a escola não era para mim, ao conviver com colegas de classe que atingiam
sucesso rapidamente com os exercícios e, consequentemente, o reconhecimento ou
admiração do professor, pensava que os estudos eram apenas para os que tinham
vocação. Somente depois do ingresso na escola técnica estadual, eu passei por
36
uma mudança radical em experiência escolar e, mais do que passar a acreditar na
escola como um lugar bom, onde tenho um valor igual aos outros alunos,
independente de minhas características, foi onde comecei a ousar pensar em um dia
eu também me tornar professor. Vi na profissão de professor algo além do trabalhar
para ganhar dinheiro, o sucesso do aluno é diretamente ligado ao sucesso do
professor e, mais do que o sucesso no panorama da escola, um bom trabalho
docente pode impulsionar positivamente o futuro do estudante, o futuro do sujeito. E
através dessas situações, passei a acreditar em muito mais do que eu ser um aluno
que realmente aprende e participa, passei a acreditar em ser um professor.
No último ano em que cursava o ensino técnico industrial e trabalhava de
projetista mecânico em uma indústria da cidade de Bauru no interior de São Paulo,
comecei a pensar em cursar Pedagogia, queria lecionar na escola técnica, mas para
isso diziam os professores, era bom ter o curso de engenharia. Logo após a minha
formatura como técnico industrial eu fui cursar engenharia eletrônica na escola de
engenharia de Lins no interior de São Paulo, distante 110km de Bauru. O curso era
em período integral e, durante o curso, fiz um concurso para vaga de professor
substituto no colégio técnico de Bauru, o mesmo em que havia me formado. Assumi
o cargo em aulas noturnas em Bauru e estudava durante o dia em Lins na escola de
engenharia.
Lecionei durante seis anos na rede Senai – serviço nacional de aprendizagem
industrial, na cidade de Bauru, e lecionei por várias cidades do interior paulista, Lins,
Jaú, Lençóis Paulista e Pederneiras foram algumas cidades onde eu trabalhava
dando aulas de desenho técnico mecânico e projetos industriais.
1.3 Primeiro contato com o Projeto Alavanca Brasil
Mudei para São Paulo no inicio de 2006 e fui chamado para trabalhar na
escola Senai da Vila Leopoldina, na Zona Oeste da cidade, lá eu lecionava desenho
e projetos, e dava suporte a empresas da região, por intermédio do Senai. Em
agosto de 2006, dois alunos do curso noturno de projetos mecânicos em
computador eram funcionários de uma empresa chamada Semikron, essa empresa
37
tem sede na Alemanha e apoia o projeto Alavanca Brasil, com recursos financeiros e
materiais. Os alunos tinham dificuldade de redesenhar um projeto de um produto
plástico que se tratava de um brinquedo pedagógico muito utilizado em toda
Alemanha. Como eu conheço projetos e sou educador, me disponibilizei a ajudá-los,
eles pediram se poderia levar à responsável pela ONG, juntamente com o brinquedo
pedagógico, pois havia algumas mudanças a fazer. Na outra semana de aulas,
recebi, na escola SENAI, a visita da diretora da ONG Alavanca Brasil na época,
Dorothea Swartz, que trouxe uma amostra do brinquedo e algumas alterações que
seriam necessárias para produzir no Brasil. A principal delas é a presença de dois
pinos metálicos que, segundo os profissionais, para a certificação junto ao órgão
INMETRO, não poderia existir, pois crianças até cinco anos de idade poderiam
engoli-los.
Foi então que resolvi conhecer melhor o brinquedo, para depois pensar em
alguma alteração do projeto original. Funciona como um tabuleiro composto por
lacunas em fileiras e colunas em baixo relevo, onde se devem encaixar peças no
formato quadrado da lacuna. Essas peças possuem um traço geométrico na frente e
um número ou figura de animais e plantas (para o uso do público não alfabetizado)
no verso, juntamente com livros didáticos de matemática, geografia entre outras
disciplinas cujas respostas das questões dos livros, são feitas encaixando-as nas
lacunas, conforme o número da peça corresponda à resposta correta do livro
didático servindo como gabarito.
O tabuleiro é então fechado com outra parte que funciona como tampa e é
ligada à parte principal por pinos, como se fosse uma dobradiça. Vira-se todo
conjunto fechado e abre-se com a face principal para baixo; o lado inverso das
peças quadradas expõe os desenhos de traço geométrico e juntos formam uma
figura geométrica que esta desenhada em escala menor, no canto de cada folha das
questões dos livros didáticos.
Desenhei um novo brinquedo respeitando a ideia original, sem os pinos
metálicos, mais leve e com suporte para segurar apenas com uma das mãos,
injetado em plástico reciclado e mais econômico. Com o novo desenho simétrico, a
base e a tampa são a mesma peça, o que faz o investimento dos moldes baixar para
metade. A Dorothea Swartz levou para a Alemanha o novo desenho e foi tão bem
38
aceito que a empresa “LUK”, detentora dos direitos do brinquedo me telefonou e
questionou o valor da mudança. Como eu não tinha a intenção de cobrar algum
valor em dinheiro e a Alavanca Brasil pagaria os direitos para explorar
comercialmente no Brasil, a minha proposta foi de ceder os direitos da Alavanca
Brasil em explorar comercialmente em prol da manutenção de uma escola
profissionalizante na Zona Oeste de São Paulo.
Engajei-me no projeto, a fim de montar a escola profissionalizante, trabalhei
na montagem da grade curricular e no projeto de um novo prédio situado dentro da
comunidade, para que a escola esteja presente na comunidade e a comunidade
assuma, aos poucos, toda a administração da escola.
O interesse em fazer o Mestrado em Educação, veio juntamente com os
projetos que fazem parte da Alavanca Brasil. A intenção inicial era fazer com que a
escola entrasse nas comunidades mais carentes e favelas para começar a fazer
parte da vida dos jovens que ali moram, pois é notável o desinteresse nos estudos
por parte dos jovens moradores de comunidades pobres, afastadas e favelas. Se a
escola estiver presente e fizer parte da comunidade, ela pode trazer cultura para
desenvolvimento da própria comunidade e assim passar a fazer parte da vida dos
jovens.
Cursando o mestrado conheci o projeto Escola Aberta, Almeida (2005),
estudei o projeto e utilizei como no exemplo do projeto Escola Aberta a função da
comunidade em exercer o poder de decisão na administração da escola, tornando,
assim, a escola uma parte ativa da sociedade local.
Em reunião com o professor Almeida, fui apresentado à educação
contextualizada Dowbor (2006), os projetos que já haviam sido feitos no Brasil, com
sucesso, identifiquei na educação contextualizada o panorama para o
desenvolvimento de minha pesquisa e do projeto Alavanca Brasil.
O interesse pelo tema está relacionado com a minha história de vida: as
dificuldades que enfrentei dentro de um modelo de escola que privilegia a ordem, em
detrimento da inteligência e da criatividade. Lidar com a escola foi muito difícil,
quando não havia uma ligação direta com as atividades que cercavam minha vida. A
39
minha relação com a escola começou a melhorar quando ingressei na escola técnica
e pude relacionar aquilo que aprendia na escola com a experiência que havia
adquirido com a prática em casa. Isso me fez compreender as disciplinas teóricas
com maior facilidade, o que por sua vez despertou em mim um prazer em estudar,
uma afinidade com a escola que se contextualiza com meu cotidiano.
Desta forma, ao entrar em contato com a noção de educação contextualizada,
com o ingresso no programa de mestrado em educação passei a ver nesta proposta
uma possibilidade de construção de uma escola que valoriza as experiências e as
expectativas do sujeito.
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CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA:
UMA PROPOSTA PARA A METRÓPOLE?
Introdução
O objetivo deste capítulo, como anunciado no capítulo anterior, é apresentar a
educação contextualizada como proposta educacional e discutir em que medida
essa proposta é capaz de promover a inclusão social. Para isso pretendo estudar o
conceito por meio da realização de uma revisão da literatura sobre o assunto. Para
isso recorri aos estudos de Dowbor (2006, 2010), Almeida (2008, 2005, 2010),
(Saviani, 2003, 2009), (Sawaia, 2010), (Sen, 2000), (Morin, 2002), entre outros.
Recorri também ao banco de dados do IBGE, onde pude encontrar dados
estatísticos sobre questões importantes para este estudo, tais como, o índice de
desigualdade social, área e densidade demográfica na cidade de São Paulo e no
seu entorno. Na região metropolitana de São Paulo, se concentram os maiores
índices de pobreza. Esta pobreza é caracterizada pela baixa renda da população,
naqueles que habitam a Região Oeste metropolitana paulista como Osasco,
Carapicuíba, Santana de Parnaíba, Barueri, Taboão da Serra e Cajamar, parte
importante do contorno da capital paulistana.
Para fazer uma interface com a situação de pobreza, aparentemente, sem
saída da região metropolitana de São Paulo, busquei também dados sobre a cidade
de São Joaquim, no estado de Santa Catarina; Pimenteiras e Juazeiro, ambas no
estado da Bahia, cidades onde os habitantes vêm transformando as potencialidades
locais em riquezas que beneficiam a todos. Nestas cidades, parcerias entre
universidades e o poder público possibilitaram programas e pesquisas que criaram
condições para investimento de recursos no desenvolvimento local, por meio do
aproveitamento consciente dos recursos naturais. Esses programas e parcerias vêm
modificando os dados de pobreza e desigualdade social nestas cidades e permitindo
a fixação das pessoas em seus territórios de origem, por meio da melhoria das
condições de vida.
41
Um dos diferenciais dessas cidades tem sido a educação que vem sendo
repensada para que esteja cada vez mais voltada para as necessidades da
comunidade. Para isso, vem sendo adotada a educação contextualizada como
proposta. O conceito de educação contextualizada é uma proposta que é bastante
desenvolvida no semi-árido nordestino e que está, cada vez mais, presente em
outras regiões do Brasil, por meio de experiências que articulam universidades,
governos e sociedade civil. Desta forma, tem contribuído para o desenvolvimento
destas regiões e promovido melhoria na qualidade de vida, por meio da descoberta
da vocação de cada região.
2.1 Desigualdade Social
Segundo Dowbor (2010), a desigualdade social é o grande problema da
educação no Brasil e o atual modelo de escola, em muito, tem contribuído para a
reprodução desta desigualdade. No entanto, segundo esse autor, a educação pode
assumir outra dinâmica e passar a integrar o movimento de articulação da sociedade
com vistas à construção de um ambiente sustentável, onde a melhoria da qualidade
de vida humana coletiva seja uma realidade.
A desigualdade social no Brasil é um tema fortemente presente nas questões
das políticas sociais. Quando comparados dados de regiões distantes como a região
sul e norte, as características econômicas reforçam uma grande diferença entre as
regiões com um maior índice de pobreza e as regiões mais ricas. Mas as
desigualdades não ocorrem apenas entre as regiões, ela existe também entre as
cidades de uma mesma região, entre os bairros de uma mesma cidade e assim por
diante. Essa situação vem apresentando mudanças em cidades que fizeram opção
pelo investimento no desenvolvimento local, tendo na proposta de educação
contextualizada, um instrumento importante nesse processo. Nessas cidades, os
índices de pobreza estão sendo reduzidos. Um sinal dessa situação é a redução dos
fluxos migratórios para os grandes centros, o fragmento de texto seguinte confirma
essa situação:
No município de Pintadas, na Bahia, pequeno município distante da modernidade do asfalto, todo ano quase a metade dos homens viajava para o sudeste para o corte de cana. A parceria de uma prefeita dinâmica, de alguns produtores e de pessoas com visão das necessidades locais permitiram que os que buscavam emprego em lugares distantes se
42
voltassem para a construção do próprio município. Começaram com uma parceria da secretaria da educação local com uma universidade de Salvador, para elaborar um plano de saneamento básico da cidade, o que reduziu os custos de saúde, liberou terras e verbas para a produção e assim por diante. A geração de conhecimentos sobre a realidade local, e a promoção de uma atitude pro-ativa para o desenvolvimento, fazem parte evidente de uma educação que pode se tornar no instrumento científico e pedagógico da transformação local. São visões que vão se concretizando gradualmente, com experiências que buscam de forma diferenciada, segundo as realidades locais e regionais, caminhos práticos que permitam dar à educação um papel mais amplo de irradiador de conhecimentos para o desenvolvimento local, formando uma nova geração de pessoas conhecedoras dos desafios que terão de enfrentar. (DOWBOR, 2006: p.13).
Os dados coletados junto ao IBGE mostram, com muita clareza, a situação
de desigualdade presente no Brasil. Apresento em seguida alguns gráficos com o
objetivo de comparar a comunidade como um pedacinho da cidade de São Paulo
com as cidades periféricas da Zona Oeste.
indice pobreza e desigualdade
28%39%
47% 43% 45%40%
57%
31%
53%45%
0%10%20%30%40%50%60%
São P
aulo-
SP
Osasc
o-SP
Carapicu
íba-S
P
Santan
a de Parn
aíba-S
P
Barueri
-SP
Taboão
da S
erra-S
P
Cajamar-
SP
São Jo
aquim
-SC
Pimente
iras-P
I
Juaz
eiro-B
A
Figura 1 Fonte: IBGE, 2003.
43
área da unidade territorial (Km²)
1.523,278
64,037 34,605 179,807 66,141 20,293 131,403
1.885,610
4.563,103
6.500,679
01.0002.0003.0004.0005.0006.0007.000
São Pau
lo-SP
Osasc
o-SP
Carapicu
íba-S
P
Santan
a de Parn
aíba-S
P
Barueri
-SP
Taboão
da Serr
a-SP
Cajamar-S
P
São Jo
aquim
-SC
Pimen
teiras-P
I
Juaz
eiro-B
A
Figura 2 Fonte: IBGE, 2003.
densidade demográfica (hab/Km²)
7.387,69
10.411,7910.680,08
605,17
3.639,94
12.049,87
487,9213,16 2,57 30,45
01.0002.0003.0004.0005.0006.0007.0008.0009.000
10.00011.00012.00013.000
São P
aulo-
SP
Osasc
o-SP
Carapicu
íba-S
P
Santan
a de Parn
aíba-S
P
Barueri
-SP
Taboão
da S
erra-S
P
Cajamar-
SP
São Jo
aquim
-SC
Pimente
iras-P
I
Juaz
eiro-B
A
Figura 3 Fonte: IBGE, 2003.
No gráfico de índice de pobreza e de desigualdade, no qual se comparam
cidades no entorno da Zona Oeste da região metropolitana paulista com cidades na
região Nordeste e Sul do país, de elevado índice de desigualdade social, a cidade
de São Paulo possui o índice mais baixo, embora seja próximo ao de São Joaquim,
44
porém essa desigualdade ocorre num espaço geográfico mais denso se observados
os dados de densidade demográfica e a área da unidade territorial.
No panorama observado, as cidades da região oeste da cidade de São
Paulo funcionam como a periferia da cidade, uma vez que ocorre a troca de mão de
obra e serviços com pouca ou sem qualificação. A população das cidades vizinhas
da Zona Oeste paulistana possui uma densidade demográfica e um índice de
desigualdade social maior do que a da cidade de São Paulo. Um importante fato a
considerar é que, dentre essas cidades, as que possuem limites municipais com a
cidade de São Paulo apresentam o maior desenvolvimento populacional nessas
regiões, além de não haver trecho rural entre as cidades e a capital, ou seja, elas
compartilham suas riquezas e pobrezas como se fossem bairros mais afastados da
capital paulista. Lembrando que a cidade de Osasco era um bairro da capital
paulista, emancipando somente em 1962.
Por meio desse panorama, podemos concluir que parte da densidade
demográfica e do índice de pobreza e desigualdade pode ser agregada aos dados
da capital paulista que ficaram com valores de uma cidade com maior
desenvolvimento local. Porém, grande parte de sua pobreza e desigualdade é
amenizada pelo fato de que os valores de índice de pobreza estão concentrados nas
cidades vizinhas, se considerarmos a região da grande São Paulo.
Neste contexto, programas de assistência à população, sobretudo em forma
de ajuda financeira têm se tornado políticas dos sucessivos governos. Tais
programas têm rendido dividendos eleitorais, mas sua eficácia em termos de
desenvolvimento efetivo é bastante duvidosa, porque eles não têm vindo
acompanhados de uma proposta educacional capaz de recuperar a credibilidade das
pessoas. A garantia do direito à saúde, à moradia, à alimentação e à educação é
fundamental e atua como um alicerce para o desenvolvimento sadio da população,
sobretudo dos jovens. Porém, não podem ser reduzidos a programas
assistencialistas e induzem à acomodação na situação de pessoa que vive de
benefício e impede a busca de uma vida digna. Esses direitos precisam se tornar
políticas públicas que vinculam a garantia dos direitos básicos a uma perspectiva de
superação gradativa da desigualdade social. É importante evitar a dependência dos
programas de assistência social e investir no combate à desigualdade social com a
45
viabilização por meio do acesso a uma formação dinâmica e que promova uma
sinergia entre os anseios pessoais, as potencialidades locais e as demandas sociais.
Neste sentido é fundamental o desenvolvimento de uma proposta
educacional que garanta o domínio dos conceitos científicos básicos a todos e que
crie condições para que estes conceitos sejam utilizados como instrumento para
compreender a própria vida e a história da comunidade onde está inserido. A
educação precisa preocupar-se com equipar o jovem com instrumentos que
permitam intervir na sua realidade, descobrir a vocação de cada território e formar
profissionais que desenvolvam essa vocação.
O nomadismo profissional é uma decorrência da falta de planejamento
educacional. A escola está voltada para os grandes centros, forma para as
profissões da moda promovendo excessos em determinadas áreas e falta em
outras. A educação contextualizada articula as necessidades locais com as
exigências globais.
2.2 Modelo de escola atual
Hoje há entendimento segundo o qual o modelo de escola dominante
no Brasil precisa ser repensado. As divergências começam a surgir, quando se
discute o perfil de um novo modelo. O modelo de escola vigente ainda é aquele
concebido no século XIX, voltado para a classificação dos alunos. Tal modelo de
escola se funda na ideia de que o professor é autoridade moral de conhecimento,
capaz de inserir os alunos na cultura por meio da transmissão de conhecimento e de
comportamentos adequados ao convívio social. Esse modelo de escola tem sido
fortemente questionado por educadores e pesquisadores, que buscam um modelo
de escola inserido no cenário social e econômico contemporâneo. Em decorrência
desta situação, a legislação educacional e mesmo as políticas públicas dela
decorrentes têm proclamado o compromisso com a inovação da escola.
Embora toda legislação educacional em vigor proclame a educação
inclusiva, esse modelo de escola ainda é dominante na sociedade brasileira. Hoje
se busca uma escola que priorize a educação inclusiva, isto é, uma educação
46
entendida como direito de todos. Essa proposta vem sendo defendida, mas sua
implantação enfrenta sérias dificuldades, uma vez que se trata de uma escola que
questiona práticas antigas no cenário educacional. Levando em consideração que a
implantação de uma nova escola interfere na cultura organizacional tal implantação
não pode feita de forma rápida, demanda tempo para amadurecimento. A
implantação rápida, sem uma preparação específica, tem levado a leituras também
apressadas e fortalecido a tendência de resistência à transformação preconizada,
conduzindo a escola a avanços e recuos.
Os sinais da implantação deste novo modelo, porém já podem ser
visualizados, quando se pensa nas adaptações nos aspectos estruturais da escola e
em seu mobiliário para garantir acessibilidade às crianças com necessidades
educacionais especiais. Hoje, já não se constroem escolas sem rampas de acesso
ou elevadores, banheiros adaptados, sem sinais que orientem os deficientes visuais.
Nos cursos de formação inicial e continuada vem se tornando presença cada vez
mais forte, a preocupação com o preparo dos educadores para trabalhar com
pessoas com deficiência. Todos reconhecem a importância do preparo do corpo
docente para atuar em situações complexas como aquelas em que estão inseridas
as crianças que chegam à escola para serem educadas. Outro aspecto que merece
destaque é a inserção da língua brasileira dos sinais no currículo dos cursos de
pedagogia e licenciatura a fim de melhorar as condições de permanência dos alunos
com deficiência auditiva nos cursos regulares das escolas públicas. Embora a
implantação da língua brasileira dos sinais no currículo dos professores seja uma
realidade legal, na prática essa implantação ainda é um desafio a ser enfrentado
pelos gestores das políticas públicas de educação.
De forma mais lenta, também vêm ocorrendo adaptações curriculares com
vistas à inclusão das crianças que, embora não apresentem deficiência aparente,
apresentam dificuldades de aprendizagem.
Dos avanços na educação, a inclusão que acabo de citar diz respeito à
logística, arquitetura e treinamento de professores e é um movimento importante
para a educação no Brasil, porém a inclusão mais urgente e menos difundida é a do
movimento contrário à exclusão dos estudantes e da sociedade local como afirma
Almeida:
47
Quando se fala em incluir, é preciso saber de que a pessoa esta falando e que lugar ela ocupa no processo. Muitos educadores se proclamam favoráveis a inclusão quando aquele que necessita ser incluído esta longe, depende da ação de outro. Quando o que precisa ser incluído esta ao lado, os problemas começam: falta formação especifica, falta especialista na escola, falta apoio do sistema e assim por diante. De fato há necessidade de tudo isso, porém, a obsessão pela falta aparece como um argumento contra a inclusão. (ALMEIDA, 2005: p.62).
Os estudantes aos quais me refiro são os que se encontram em situação de
vulnerabilidade social como aqueles que moram em favelas, de famílias pobres e,
em sua grande maioria, de origem nordestina. Esses estudantes não possuem as
características que grande parte dos professores reconhece como ideais para o
aprendizado. São crianças que, nem sempre, percebem o valor social da leitura e da
escrita ou, embora o percebam, são obrigadas a colocar acima destes valores as
estratégias de sobrevivência no meio onde vivem. O discurso que coloca a escola
como fator de ascensão social, hoje, tem recebido adesão pequena, na medida em
que propõe, para todos, uma possibilidade de equalização social que, quando bem
sucedida contempla apenas alguns. Para entender essa situação vale atentar para o
que afirma Dowbor (2010):
Discutir educação sem levar em conta o problema de desigualdade é esquecer o fator principal. Educação tem que ser um elemento de rearticulação da sociedade e não de reprodução da desigualdade. Veja, por exemplo, que as boas famílias mandam os filhos para a USP que é gratuita, e a gente mais pobre, que não consegue, tem que pagar universidade privada; então esse é o referencial para o qual a gente tem de estar atento. Trata-se, portanto, de assegurar que a educação seja um instrumento efetivo de inclusão social. A idéia do trampolim, de ver a educação no sentido de você encontrar espaço mais no topo da pirâmide social passa justamente por essa polarização entre ricos e pobres que temos. E a idéia, ao invés de trampolim, deve ser a de somar a educação a um vetor de promoção do conjunto da comunidade. A idéia de que individualmente um ou outro pobre conseguirá, digamos, vencer na vida, como se diz, não se trata de vencer na vida e ninguém vencer ninguém, trata-se de promover um desenvolvimento equilibrado, inteligente, decente, uma relação humana, uma relação digna. A escola pode ser um construtor deste processo, desta dinâmica. Esse é o eixo, e tudo isso passa por um conjunto de reformulações. (ALMEIDA; NHOQUE, apud DOWBOR, 2010: p.2).
Essa escola que se estrutura com base na ideia, segundo a qual o sucesso
é resultado em uma disputa que precisamos vencer, foi construída social e
historicamente. Até o inicio da república, as atividades de letramento eram
desenvolvidas por conta dos mestres-escola que estavam ligados diretamente com a
comunidade e, por autonomia desses, era decidido o melhor recurso e método
48
didático. Nessa época somente os estudantes de famílias com muito dinheiro e
influências podiam ter acesso aos estudos. Nas famílias mais populares, era comum
que os filhos seguissem as profissões dos pais, que aprendiam trabalhando e
perpetuando o oficio nas gerações da família. O ensino era marcado pelo movimento
da pedagogia tradicional.
Somente depois do início republicano, pelo menos em termos legais, as
escolas deixaram de ser unidades autônomas, centradas na figura do professor e
passaram a seguir as normas de funcionamento definidas pelo estado, assumindo
assim a identidade de unidade dentro de um sistema mais amplo. Ao falar da
relação entre unidade e sistema Silva (1996) assim se manifesta:
Dessa forma, aos dirigentes do sistema escola cumpre fixar as políticas derivadas das decisões do governo eleito, e aos dirigentes das unidades escolares compete a execução dessas mesmas políticas. Tendo como parâmetro essa divisão de competências, as relações entre sistema e unidade devem pautar-se pelos princípios já citados de complementaridade e subsidiaridade, ou seja, não devem existir ações concorrentes e tudo o que puder ser efetuado pelo nível local – no caso a unidade escolar – não deverá ser atribuição do sistema. (SILVA, 1996: p.103).
Na década de 1930, houve sob a influência do pensamento escolanovista,
materializado no “Manifesto dos pioneiros da educação nova”, a criação do
Ministério da Educação, com o objetivo de estabelecer as condições de infra-
estrutura administrativa, com vistas à criação de um Plano Nacional de Educação.
Os pioneiros eram a favor de uma educação pública, gratuita, mista, laica e
obrigatória. Isto quer dizer que o Estado deveria se responsabilizar pelo dever de
educar o povo, responsabilidade esta que era, a princípio, atribuída à família. O
Estado, para este fim, deveria proporcionar uma escola de qualidade e gratuita,
possibilitando assim a concretização do direito dos indivíduos à educação e, tendo
em vista os interesses dos indivíduos em formação e a necessidade de progresso,
consideram que esta educação deva ter caráter obrigatório. Contrários ao costume
de muitas escolas da época, os pioneiros pronunciaram-se favoráveis à escola mista
e, questionando os princípios da educação católica, defendem uma educação laica,
o que distanciaria a educação de questões religiosas e a aproximaria das questões
sociais, dando oportunidades iguais a pessoas de ambos os sexos, e de diferentes
49
credos e camadas sociais. O Manifesto dos Pioneiros também primava pela relação
entre diferentes níveis da educação entre si, e destes níveis com o nível de
desenvolvimento psico-biológico dos alunos, bem como pela relação entre a escola,
o trabalho e a vida: entre a teoria e a prática, em favor do progresso. O
estabelecimento destas relações é defendido através do desejo de sistemas de
ensino, de um sistema de organização escolar que levasse em conta as
necessidades sociais daquela época, visando assim atingir a funcionalidade
educativa.
A partir do “Manifesto dos pioneiros da educação nova” o uso da palavra
“autonomia” foi escasso nos documentos educacionais e, em nenhum momento,
teve um significado que fosse mobilizador do magistério ou fosse um indicativo que
direcionasse as soluções para problemas educacionais. Em relação ao pensamento
escolanovista Azanha afirma que:
Como se pode ver, o tema da autonomia desde o “Manifesto dos pioneiros”, sempre mereceu escassa atenção e quando havia alguma, ela não ultrapassava o nível de reivindicação de maior liberdade regimental. No Máximo, reivindicava-se maior liberdade dos professores com relação ao diretor e da escola com outras instâncias administrativas. Mas, afinal de contas, liberdade para que? Esta, que é a questão essencial não tem sido suficientemente examinada nem respondida. No entanto, só a resposta clara a essa questão poderá situá-la nos seus devidos termos, já que a autonomia da escola apenas ganha importância se significar autonomia da tarefa educativa. Se assim não for, o assunto se reduz a uma mera questão regimental. É claro que regimentos escolares são importantes para a organização e disciplinas das rotinas escolares, mas não podemos confundir autonomia da escola com a existência de um regimento próprio. Aliás, regimento escolar é apenas uma condição administrativa para as tarefas essenciais da escola, entendidas como a elaboração e execução de um projeto pedagógico. (AZANHA, 2006: p.92).
Embora o pensamento escolanovista defendesse a democratização da
escola, nessa época o ideal de universalização da escola básica ainda era muito
distante. As famílias mais pobres não tinham garantia de acesso de seus filhos à
escola embora esse fosse um sonho de muitos, a principal crítica a respeito da
educação brasileira daquele momento é de que se compunha de um ensino
fragmentado, sem articulação entre os diversos ensinamentos e deles com o mundo.
Os conhecimentos teóricos oferecidos pela escola não obtinham resultados práticos
em suas vidas, uma vez que os postos de trabalho intelectual eram destinados aos
50
filhos das famílias abastadas. Os pobres que lograram estudar, no final do século
XIX e início do século XX, tiveram sérias dificuldades para encontrarem espaço nas
instituições sociais, como foram os casos de Cruz e Souza e Lima Barreto, para ficar
apenas nos dois casos. Os filhos de famílias mais pobres começavam a trabalhar
muito jovens para contribuir com o sustento da família que, além de numerosa, vivia
em situação precária. Nesta época a população no Brasil era predominantemente
rural e as escolas estavam nas áreas urbanas o que tornava ainda mais difícil o
acesso. O processo de industrialização trouxe a necessidade de ampliação do
exército de mão de obra especializada, surge então a possibilidade de acesso às
crianças de origem mais humilde aos bancos escolares. Porém aos bancos de uma
escola técnica, voltada para a formação de mão de obra para a indústria nascente.
Os bancos da escola propedêutica, voltada para formação daqueles que iriam
assumir as posições de comando, continuava sendo privilegio da elite.
Para atender a essa demanda, em 1942 é criado o SENAI – serviço
nacional de aprendizagem industrial com o objetivo de formar mão de obra para
indústria de base que começava crescer. O ensino de ofícios para servir a indústria
era frequentado por filhos de famílias de classe média, baixa e pobre, porém as
escolas eram locadas em cidades de centros urbanos próximos ás indústrias. Dessa
forma, foi desenvolvida uma proposta educacional voltada para os grandes centros.
A década de 50 foi marcada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e
início de um período em que a democracia foi assumida como um valor universal. A
partir deste momento, os diferentes governos passaram a se proclamarem
democráticos, mesmo quando, na prática, destruíam as instituições e oprimiam os
cidadãos, como foi o caso das ditaduras instaladas em diversos países da América
Latina, inclusive no Brasil. A partir dessa situação, se estruturou no Brasil diversos
movimentos sociais reivindicando a democratização de fato. Ao referir-se a essa
situação Silva assim se manifesta:
A afirmação da democracia, após a Segunda Guerra Mundial, como valor a ser buscado universalmente pelos governos e pelos povos, atingiu a escola, apresentando-se sob a forma de reivindicação do direito ao acesso, por todos os interessados, ao ensino. Isso trouxe, especialmente aos sistemas públicos, a necessidade de atender a um grande número de alunos, levando à duplicação, triplicação e mesmo até a quintuplicação dos períodos letivos em um só dia na mesma escola (SILVA, 1999: p.67).
51
Esta situação obrigou o governo brasileiro a adotar políticas que permitissem
o atendimento a todos que procurassem a escola. Com a criação do Conselho
Federal de Educação (CFE), em 1961, houve a uniformização da estrutura do
sistema escolar brasileiro, através da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educação
nacional (lei nº 4.024/61), o Brasil começa a crescer industrialmente e precisa de
mão de obra.
Em 1967, foi criado o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização -
em pleno contexto do regime militar brasileiro, cujo governo passa a controlar os
programas, centralizando a alfabetização que objetivava o aumento do grau de
instrução do brasileiro ensinando a ler e escrever. Pois até então, cerca de duas
décadas antes, os debates sobre o analfabetismo no Brasil caminhavam para um
novo modelo pedagógico onde o analfabetismo era tido como efeito da condição de
pobreza gerada por uma sociedade desigual. Os modelos em pauta tinham a
alfabetização e a educação partindo de um estudo crítico da realidade dos
educandos, identificando as origens de seus problemas e desenvolvendo as
possibilidades de superá-los. Os programas de alfabetização com bases nessas
orientações foram interrompidos pelo golpe militar e substituídos pelo MOBRAL.
Havia, no plano do MOBRAL, a proposta de alfabetização funcional de
jovens e de adultos, que visava conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de
leitura escrita e cálculo, como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo
melhores condições de vida. Mas os resultados práticos permaneceram apenas na
alfabetização. O modelo foi bastante criticado por ter como preocupação principal
apenas ensinar a ler e escrever, sem nenhuma relação com a formação do homem
intenção do desenvolvimento social dos educandos do programa, nesse período se
destaca o movimento pedagógico tecnicista.
A partir de 1964, durante o regime militar brasileiro, um acordo contendo
uma série de convênios entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States
Agency for International Development (USAID), tinha o objetivo de realizar uma
reforma universitária através da implantação do modelo norte americano, visando à
contratação de assessores americanos para auxiliar nas reformas da educação
pública em todos os níveis de ensino. O movimento estudantil da época discordou
dos acordos. O resultado disso foi a ida das organizações estudantis para a
52
clandestinidade. Para estudiosos da época o ensino superior exerceria um papel
estratégico, porque caberia a ele forjar o novo quadro técnico que desse conta do
novo projeto econômico brasileiro, alinhado com a política norte-americana.
Alguns setores acreditavam que o acordo MEC/USAID acabaria levando a
educação brasileira à privatização do ensino no Brasil, por conta da violenta
oposição aos acordos MEC/USAID nos meios estudantis e intelectuais, o governo
criou em 1968 um grupo de trabalho encarregado de estudar a reforma e propor
outro modelo.
A educação como direito subjetivo é garantida na Constituição de 1988, na
Lei 9.394/96 e no Plano Nacional de Educação sancionado em 2001 pelo presidente
da republica Fernando Henrique Cardoso, com duração de dez anos. Em síntese o
plano tem como objetivos:
• A elevação global do nível de escolaridade da população;
• A melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis;
• A redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao
acesso a permanência, com sucesso, na educação pública e;
• Democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos
oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico e a participação das comunidades escolar e local
em conselhos escolares ou equivalentes.
Passados quase dez anos da promulgação do plano, os resultados não são
positivos, segundo dados do MEC (2008), o plano aprimorou os sistemas de
informação e avaliação com exceção da educação infantil, implantou o ensino
fundamental de nove anos. Por outro lado, em 2008, os índices mostram que ainda
se está longe da universalização do ensino fundamental, 2,4% dos brasileiros de 7 a
14 anos ainda estavam fora da escola, uma queda de 1,1% em relação aos dados
de 2001. Apesar do avanço e do percentual baixo, os números absolutos ainda
assustam: são 680 mil crianças sem estudar - 450 mil delas negras e pardas; nas
creches somente 17,1% das crianças são atendidas (veja o gráfico abaixo),
53
Figura 4
São 33 pontos percentuais abaixo do esperado de atender 50% das crianças
de até três anos. No que diz respeito às metas referentes ao abandono escolar, os
resultados são bons: entre 2001 e 2007, os índices no Ensino Fundamental caíram
de 9,6 para 4,8% (exatos 50%). Mas o mesmo não aconteceu para as metas
referentes à reprovação que, por sua vez, aumentou de 11 para 12,1% no mesmo
período. Quanto à erradicação do analfabetismo, entre 2001 e 2008, a taxa de
analfabetismo caiu apenas de 13% (16 milhões de pessoas) para 10% (14,5
milhões), assegurar a EJA para 50% da população que não cursou o ensino regular,
10,9 milhões de pessoas fizeram parte de turmas de Educação de Jovens e Adultos
(EJA) (veja o gráfico abaixo).
54
Figura 5
Parece muito, mas representa apenas um terço dos mais de 29 milhões de
pessoas que não chegaram à 4ª série e seria o público-alvo dessa faixa de ensino. A
implantação do piso salarial e dos planos de carreira previstos para cumprir a meta
já em 2001, não foi concretizada e veio bem depois: o piso se tornou uma realidade
apenas em 2009, com o valor, que neste ano chega a 1.024 reais para 40 horas
trabalhadas. Hoje se discute um novo plano, porém as principais questões são
referentes às garantias da qualidade do ensino.
2.3 Educação escolar: um modelo a ser repensado
No planejamento da educação, estão presentes recursos básicos para se
obter o desenvolvimento local da escola, juntamente com a comunidade, mas a
escola que conhecemos no Brasil tem como referência a burocracia, seja no sistema
de ensino ou na organização e nos resultados práticos não contribui para que a
classe trabalhadora obtenha uma competente formação que possibilite ascensão
social.
A escola de hoje não gera a divisão de classes, como se imaginava há
algum tempo, são as sociedades de classe que geram a escola e inserem nela as
55
referências intelectuais e morais de interesse da classe e cultura dominante. Como
descreve Saviani:
A escola é determinada socialmente; a sociedade em que vivemos, fundada no modo de produção capitalista, é dividida em classes fundada em interesses opostos; portanto, a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade. Considerando-se que a classe dominante não tem o interesse na transformação histórica da escola (ela está empenhada na preservação de seu domínio, portanto, apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação) (SAVIANI, 2009: p.28).
Em seu interior, a escola funciona de maneira burocrática tanto nos níveis
administrativos quanto pedagógicos e as características de funcionamento têm suas
funções delimitadas pelo sistema empresarial capitalista. As buscas por resultados
eficientes e eficazes são as referências que norteiam as práticas e processos
pedagógicos, reduzindo o papel do professor como agente das operações a serem
executadas e, dessa forma, reduzindo a autonomia docente de autor do processo de
ensino. A pedagogia tecnicista (SAVIANI, 1983, p. 13-19), implantada pelas políticas
educacionais dos anos 60 e 70, tinha, como primeiro plano, a racionalidade, a
eficiência e a produtividade. Ela buscava fazer do ensino racional e objetivo. O
ensino era direcionado no movimento da escola tecnicista, no qual a escola era
totalmente voltada para o mercado de trabalho. O movimento não priorizava o
desenvolvimento da cidadania ou o desenvolvimento social; ele era eficaz para o
preparo de mão de obra para servir o setor produtivo industrial, hoje o movimento
pedagógico é pautado em interações do aluno, da escola e da sociedade local.
Hoje, a educação no Brasil preconiza como objetivo o desenvolvimento
humano e o desenvolvimento do território. Para isso, veem nas demandas da
comunidade elementos estruturantes do processo pedagógico. Neste sentido,
busca-se um ensino com foco no local, mas que não negligencia as questões
globais.
Nas grandes cidades, ou mesmo metrópoles, como é o caso da cidade de
São Paulo, a população de baixa renda é, em sua maioria, formada por migrantes e
a maior parte deles mora em periferias, nos limites da cidade ou em cidades
vizinhas. Em grande parte, moram em ocupações como é o caso das construções
em margens de córregos, em encostas e em áreas de manancial ou de preservação
ambiental. 56
As famílias que moram nessas comunidades possuem culturas e costumes
variados, em muitos aspectos, por exemplo, os moradores das favelas possuem
carro novo e recolhem a taxa para ter a garagem privativa na própria comunidade,
tudo bem organizado, possuem os eletrodomésticos e instalações essenciais de um
lar, como é o caso de rede de canais de televisão pagos, Internet de alta velocidade,
telefone, aparelho de micro-ondas, reprodutor de DVD, televisores de LED entre
outros equipamentos. As crianças brincam de “games” nos computadores e nos
televisores, jogam bola, empinam pipas entre outras atividades.
Antes da educação organizada, sistematizada e intencional que se tem na
escola, a criança é educada pela família e pelo meio em que vive, no caso dessas
favelas dos grandes centros, elas crescem com uma comunidade que conquista
objetos de consumo e difundem sua cultura na gíria, música, atitudes entre outros
aspectos que são admirados e servem de referência como identidade das
conquistas dos moradores locais. Uma maneira difundida de conceito cultural sobre
as conquistas, nesse meio, é a de que a escola não tem muita serventia na vida de
uma pessoa, como é o caso dos jovens que cresceram nas comunidades,
acompanhando a evolução dos adultos mais próximos, sejam os familiares ou
vizinhos, que não precisaram diretamente de uma escola para conquistar os
objetivos alcançados na vida. São pessoas que não estudaram para atingir uma
estabilidade na comunidade local, a escola por sua vez é vista pela comunidade
mais pobre como algo de pouca utilidade, importante apenas para ficar longe do
analfabetismo. A escola pública de hoje possui a fama de aprovar os alunos sem
precisar necessariamente que eles aprendam o mínimo do conteúdo, seguir os
estudos em nível superior é algo que poucos almejam, pois a maioria atinge
algumas conquistas sem precisar da escola, a cultura de estudar para conquistar um
bom emprego é algo longe da realidade dessas comunidades.
Os moradores dessas comunidades estão locados ao lado de outras
comunidades, que são os moradores dos condomínios que estão logo ali, no mesmo
bairro, são os moradores de classe média que possuem uma grande preocupação
com os estudos, porque em geral não são herdeiros de propriedades e indústrias.
Trata-se de uma classe social que, em geral, considera os estudos como uma
possibilidade de ascensão ou, no mínimo, a manutenção dos padrões de qualidade
57
de vida que possuem. Nesse caso, os pais, quando têm condições financeiras,
matriculam seus filhos em escolas privadas, em busca de uma melhor qualidade e
ensino, ou recorrem ao ensino publico, local. Os dois grupos sociais descritos acima
dividem um pequeno espaço que é o bairro onde vivem, a proximidade física é
inversamente proporcional à convivência social.
A educação contextualizada surge nas regiões metropolitanas como
alternativa a essas comunidades de culturas variadas, que não acreditam na
educação escolar da forma que lhes é apresentada. A escola pública de bairro
convive com grande diversidade e tem, entre seus objetivos, a convivência produtiva
entre diferentes, contudo, na prática, não é bem o que acontece a ação da escola
acaba promovendo o acirramento do conflito.
A escola acaba não dando conta de lidar com o jovem estudante que chega
à sala de aula sem muita perspectiva. Ele cresceu em famílias cujos componentes
não tiveram histórias de sucesso na escola e acabam assumindo a ideia de que a
escola é para alguns, para aqueles que têm jeito para o estudo e não para todos
como preconiza a lei. Essas pessoas, embora valorizem a escola como um caminho
importante para as conquistas pessoais de seus filhos, em muitos casos, veem no
fracasso destes, uma repetição da própria história. Isto gera dificuldades para
acompanhar o desenvolvimento dos filhos, sobretudo, quando estes apresentam
dificuldades na escola. São aqueles que, no processo de escolarização, assumiram
uma identidade subalterna. Almeida (2005) ao referir-se à inclusão do subalternizado
assim se manifesta:
Aos poucos foi ficando evidente que muitas crianças que frequentam a escola todos os dias, na realidade estão excluídas porque não participam do que acontece dentro da sala de aula, assumindo uma condição de subalterno (Almeida, 2005: p.69).
Para esse autor:
Essa condição não é construída apenas no universo escolar, mas na escola é reforçada, transformada em estigma. Muitas crianças que chegam à escola, em função da cor da pele, do lugar onde mora ou da condição social assumem o estigma de inferiores. (Almeida, 2005: p.69).
Os jovens que vivem em situação de pobreza e vulnerabilidade social e
cujas famílias são analfabetas ou semi alfabetizadas, não tendo a cultura escrita
58
como uma referência para a sua sobrevivência, na escola, convivem com os outros
jovens, cujas famílias possuem maior grau de escolarização e que, na convivência
familiar, é enfatizado o valor social da escola. Isso faz com que as crianças que vêm
de famílias escolarizadas se desenvolvam melhor nos estudos justamente pelo fato
de o processo de escolarização fazer alguma diferença na qualidade de vida das
famílias. Essas famílias se apresentam com maiores condições de acompanhar o
desenvolvimento dos filhos ou mesmo de cobrar da escola um ensino de melhor
qualidade, interferindo inclusive nas discussões sobre os resultados apresentados
nas reuniões.
Aqueles que vivem em situação de pobreza chegam à escola sem acreditar
nela. Como não possuem no núcleo familiar histórias de sucesso na escola têm
muito mais dificuldade de acreditar que com ele será diferente. Incluir na vida a
necessidade de escolarização é mais difícil quando a experiência de vida familiar
não corrobora com isso, embora mesmo as famílias pobres assumam diante dos
seus filhos o discurso segundo o qual a escola é o caminho para as conquistas
pessoais.
Frente a esse panorama, temos uma escola que, por si, já possui uma
estrutura de convivência que separa os estudantes. O termo separação não se
refere à separação física e, sim, à separação de culturas. Os alunos são
provenientes de culturas muito distintas, nas quais os processos de escolarização
são vividos de modo diferente. Na escola, as crianças organizam-se naturalmente
em grupos com maiores afinidades nas diversas atividades.
Há grupos distintos por diversos motivos, o corpo docente encontra
facilidade de ensinar aos estudantes que se esforçam em aprender, fazer as tarefas
e participar das aulas ativamente, isso torna o ensino na sala de aula “nivelado por
cima”. Os estudantes que não acompanham são vistos como “abaixo da média”.
Deslocados no ambiente escolar desenvolvem a prática da indisciplina. Alunos que
dão problemas na sala de aula são facilmente rejeitados pelo corpo docente que não
quer esses “problemas” em sua aula, e consequentemente a rejeição ou reprovação
migra para o nível da escola e reforça como prática comum como afirma Almeida:
Uma idéia bastante frequente nos discursos da escola e que se configura como poderosa aliada à exclusão é oposição de uma minoria de alunos que
59
não querem nada a uma suposta maioria de alunos ávida pelo saber (ALMEIDA, 2005: p.63).
Os resultados negativos que por sua vez retornam para os pais, durante as
reuniões, os insucessos de seus filhos, também acaba por afastar as famílias do
convívio escolar. Essa diferença entre os grupos de alunos e dos pais faz da sala de
aula um local onde se aumenta a diferença entre os estudantes onde os que não
vão bem nos estudos têm reforçado o conceito de que escola não é para ele. Enfim,
a escola, em um primeiro momento, afasta os alunos com baixo aproveitamento e
indisciplina e, em um segundo momento, afasta os pais desses alunos. Com essa
falta de sucesso a escola reforça o conceito de estar distante da comunidade local.
Neste contexto se fortalece a necessidade de repensar a escola, construir
uma escola capaz de lidar com os diferentes, sem expulsar aquele que não está de
acordo com o padrão. Uma escola com esse perfil entende que os pais dos alunos
com dificuldades são geralmente filhos de pais que também tiveram dificuldades e
que precisam ser inseridos em um movimento de desconstrução de uma imagem de
escola como espaço para apenas alguns. A afirmação de uma nova imagem de
escola, fundada na ideia de que a educação escolar é um direito e que o próprio
fracasso na escola se relaciona também a diversos fatores externos e não apenas à
falta de dedicação ou de aptidão para o estudo. A educação contextualizada surge
neste cenário como uma possibilidade de repensar o atual modelo de escola.
2.4 Educação contextualizada
A sociedade é formada por um conjunto de pessoas que dividem e
compartilham de uma cultura comum. Se o conhecimento de um estudante tiver
alguma ligação com a matéria estudada, o conteúdo transmitido é reconhecido e
associado à experiência de vida e se torna mais fácil de ser absorvido. Há uma
conexão entre o conhecimento que se possui e o ensino, o estudante pode conectar
as informações do conhecimento que possui com as referências do ensino
sistematizado pelo professor, se o mesmo estiver atento à abertura para os
conhecimentos que o estudante possui. Segundo Morin (2002), o conhecimento está
60
focado em todos os níveis de educação “dizem respeito aos sete buracos negros da
educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos
programas educativos”.
Durante o desenvolvimento da criança, ela inicia a fala e depois a escrita, os
conhecimentos vão sendo encaixados e acumulados, sendo que um antigo
conhecimento serve de alicerce e fornece estrutura para um novo conhecimento. Ao
ingressar na escola, os novos conhecimentos virão de uma maneira sistematizada e
intencional para o sucesso da aprendizagem. Nesse período o estudante passa a
seguir regras necessárias para resolver operações matemáticas, produzir textos com
regras gramaticais. A preocupação maior fica por conta dos objetivos a serem
atingidos no futuro, a começar pelo resultado de uma tarefa ou uma prova. A
aprovação na disciplina aponta para a hipótese de que, no futuro, pode-se ter uma
vida profissional bem sucedida. A ligação natural de contextualização do que já se
sabe (e que é natural da aprendizagem), passa a ficar em segundo plano, o
professor prepara o aluno com as mudanças na estrutura de como ele aprende,
depois de ser moldado o professor deve fazer do aluno um cidadão crítico. Segundo
MORIN:
Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isso não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em matemática que podem dar sosinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto. (MORIN, 2002: p.27).
A educação contextualizada está sendo desenvolvida em todos os graus de
ensino, em todas as regiões do país. O ensino aproxima-se da cultura local e,
através do contexto, se identifica com o aluno. Referências do local como a cultura,
moradia, agricultura, indústrias, comércios passam a ser mais importantes do que as
referências globais, o educador sabe, por exemplo, que não irá tratar de questões de
desenvolvimento industrial com alunos de uma comunidade rural.
Segundo Dowbor (2006), “a educação contextualizada visa a uma
compreensão por parte dos alunos sobre o ambiente e da realidade em que se estão
61
inseridos e são chamados para uma participação como cidadão e profissional”. A
educação contextualizada tem, como eixo central, a criação de condições para a
permanência do cidadão na sua região, com a finalidade de transformá-la com vistas
a produzir melhoria da qualidade de vida humana coletiva. Ela questiona modelo de
escola que trata a educação como um trampolim para escapar da região de origem
ou para alcançar um lugar na parte mais alta da pirâmide social. A educação
contextualizada vem se constituindo na base para desenvolvimento local, uma
alternativa para a superação da desigualdade entre as pessoas, entre as cidades e
mesmo entre as regiões do país.
No trecho seguinte Dowbor (2006) apresenta a educação contextualizada
como um instrumento importante para o desenvolvimento local que ele aponta como
uma possibilidade concreta dos cidadãos tomarem nas mãos a própria história.
Esta visão de que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e social, de que o desenvolvimento não se espera mas se faz, constitui uma das mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Tira-nos da atitude de espectadores críticos de um governo sempre insuficiente, ou do pessimismo passivo. Devolve ao cidadão a compreensão de que pode tomar o seu destino em suas mãos, conquanto haja uma dinâmica social local que facilite o processo, gerando sinergia entre diversos esforços. (DOWBOR, 2006: p.1).
A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente
vinculada a esta compreensão e à necessidade de se formar pessoas que possam
participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de
gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover iniciativas deste tipo,
constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos desconhecem, desde a
origem do nome da sua própria rua, até os potenciais geográficos da região onde se
criaram. A educação atual se constitui de valores e concepções equivocadas sobre a
realidade da região em que se vive. Ela reproduz nas escolas a imagem
estereotipada de uma sociedade improdutiva, pobre e sem potencial de
desenvolvimento, reforçando a imagem, sobretudo nas regiões pobres, de que se
devem procurar recursos para viver em outro lugar. Essa é uma visão que durante
muito tempo foi cultivada no Brasil com relação à região Nordeste e que hoje vem
sendo modificada pela educação contextualizada. Isso ocorre, em outras regiões do
país, como mostra o trecho seguinte:
62
Nos municípios médios e pequenos é muito mais fácil perceber uma articulação do desenvolvimento com as necessidades locais. São exemplos óbvios como Pintadas, na Bahia, que, como está no semiárido, está ensinando para a realidade do semiárido, está educando as pessoas para enfrentar a realidade da própria região. E isso funciona também em Santa Catarina e em tantos outros municípios. Há um programa chamado Minha escola, meu lugar, em que numa pequena localidade adaptaram, com as propostas do trabalho realizado pelo Doutor Marcos Jacob, da Embrapa Meio-Norte, a garantia no município de uma educação que não seja simplesmente voltada para o contexto dos grandes centros, mas da implantação, no currículo escolar, de ações voltadas à realidade local. No plano metropolitano, tudo é mais complexo. A escola atinge praticamente um terço da população. Somando alunos, professores, administradores, escolares, etc., no Brasil, são 60 milhões de pessoas, o que corresponde a um terço da população do País. Então, um país extremamente capilar, são todas as famílias, são todos os bairros, daí você precisa pensar não apenas na visão, digamos de Brasil, você tem que pensar para o caso de regiões metropolitanas. Você já tinha que pensar num bairro, porque a escola tem que se inserir de maneira extremamente densa no bairro. E aí o próprio conceito de administração desses processos tem que ser revisto. É importante que as crianças frequentem as escolas, não escolhendo a escola melhorzinha aqui e ali, mas uma escola que fique a uma distância em que se possa ir a pé. Hoje se trabalha muito o conceito de a criança poder ir a pé da escola para a casa, o que significa tornar as escolas menores. (ALMEIDA; NHOQUE, apud DOWBOR, 2010: p.2).
Para que haja cidadania ativa, deve haver uma cidadania informada, e isto
começa cedo. A educação não deve servir apenas como trampolim para uma
pessoa escapar da sua região, e sim lhe dar os conhecimentos necessários para
ajudar a transformá-la e com isto melhorar a qualidade de vida humana coletiva.
2.5 Desenvolvimento local
Em geral, um município se desenvolve com influência direta de eventos
vindos de fora, como, por exemplo, uma pequena cidade de interior onde a maior
fonte de trabalho e de riquezas está sujeita às variações da agricultura ou da
pecuária local, não oferece perspectivas para o desenvolvimento local e social. Os
cidadãos que almejarem viver em um local com maior desenvolvimento possuem
basicamente a alternativa de migrar para outro espaço, para poder se desenvolver.
Em Lins, uma cidade do interior de São Paulo, com 73.000 habitantes, distante 455
km da capital, havia a segunda maior indústria de processamento de carnes da
América Latina. Tratava-se do maior complexo industrial da região que empregava
1200 funcionários diretos. Não havia outra empresa em um raio de 70 km, as
63
cidades mais próximas com maior população são Araçatuba distante 70 km com
uma população de 181.000 habitantes e Bauru, distante 108 km com uma população
de 360.000 habitantes. Com esse panorama, a cidade vivia basicamente da indústria
de processamento de carnes, direta ou indiretamente, ressaltando o fato de ser a
única indústria da região.
A indústria da cidade, em conjunto com o SENAI, implantou dentro da
fábrica, cursos técnicos profissionalizantes somente para os funcionários, esses,
mesmo estudando fora do horário de trabalho, pagavam para estudar, ou seja, quem
não trabalhava na grande indústria de carnes, não podia frequentar a escola e, por
outro lado, a faculdade de engenharia da cidade era privada e não oferecia curso
superior no período noturno. Além disso, as suas mensalidades não condiziam com
a realidade econômica da cidade. É óbvio que a indústria em questão não tinha
interesse em compartilhar com a sociedade local os cursos técnicos que oferecia em
parceria com o Senai, pois o corpo discente se manifestava ansioso para concluir o
curso e assim poder sair da cidade e almejar uma vida melhor em uma cidade mais
desenvolvida, por razões óbvias, em especial por conta da faixa salarial muito
abaixo da média no interior paulista. Diante dessa situação, os moradores da cidade
não tinham perspectiva de desenvolvimento se não fosse através da indústria local
ou de outra grande indústria que se instalasse na cidade, uma vez que as cidades
ligeiramente maiores estão no mínimo a uma distância de 70 km.
Percebe-se um cenário no qual as pessoas com desejo de ascensão social
buscam trabalhar em uma indústria para ter a chance de estudar e mudar-se da
cidade, “a nossa tradição nos leva as economias de escala. Quando pensamos em
empresas que, de certa forma, simbolizam para nós o desenvolvimento moderno,
vemos escalas de produção muito elevadas, como é o caso de empresas
automobilísticas ou de eletrodomésticos” (DOWBOR, 2008: p.33). As políticas
públicas também não ajudavam para reverter esse quadro. O processo de
industrialização de uma região desenvolve a cultura dessa dependência da
sociedade, pois se torna mais prático para o cidadão a passividade, “por outro lado,
como o gigantismo das empresas as leva em geral a produzir em massa, de forma
muito padronizada, perde-se, na produção em grande escala, a flexibilidade de
resposta ao que é realmente necessário para os diferentes indivíduos ou grupos que
64
compõe a sociedade” (DOWBOR, 2008: p.34). Ainda se referindo à passividade da
sociedade frente ao poder centralizado no interesse das grandes economias Dowbor
discorre, apontando duas fontes principais:
A nossa passividade tem sido alimentada e realimentada em duas fontes. A primeira é o liberalismo, que nos ensina que devemos evitar de nos intrometer na construção do mundo que nos cerca, porque existe uma “mão invisível”, o mercado, que assegura que chegaremos automaticamente ao “melhor dos mundos”. O que nos explicam, na impossibilidade de negar os absurdos, é que os outros caminhos são piores. A segunda é a da visão “estatizante”, que nos assegura que o planejamento central porá ordem em nossas vidas, simplificação que já foi desmentida pelos fatos. (DOWBOR, 2008: p.12).
A sociedade local não tinha autonomia para desenvolver-se e vivia à espera
da chegada de outra grande indústria, entretanto, isso não ocorreu. A solução seria
a educação, conforme resume Dowbor:
A idéia de educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão, e a necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover iniciativas desse tipo, constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos desconhecem desde a origem do nome de sua própria rua até os potenciais do subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania ativa, temos de ter uma cidadania informada, e isto começa cedo. A educação não deve apenas servir como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la. (DOWBOR, 2006: p.1).
A visão de que o desenvolvimento chega até uma região através de
investimentos de instalações de empresas privadas ou uma grande obra
governamental, sempre prevaleceu na cultura brasileira. A comunidade espera, de
forma passiva, que o desenvolvimento venha de fora com dinâmicas de políticas
públicas. Os recursos e projetos externos são importantes, mas devem existir
apenas como um complemento da dinâmica da própria sociedade local. Várias
regiões, municípios e comunidades, construíram espaços de mobilização,
organizaram-se e desenvolveram-se através dos potenciais disponíveis no local; a
relevância do desenvolvimento acontecer através da organização local da
comunidade leva ao desenvolvimento cultural e social como afirma Dowbor:
Décadas de experiências com projetos de desenvolvimento comprovam, no entanto, que a capacidade de auto-organização local, a riqueza do capital social, a participação cidadã e o sentimento de apropriação do processo pela comunidade são elementos vitais em sua consolidação. O desenvolvimento não é, meramente, um conjunto de projetos voltados ao
65
crescimento econômico. É uma dinâmica cultural e política que transforma a vida social. (DOWBOR, 2009: p.5).
Outras experiências no campo da educação contextualizada ocorreram na
região do semi-árido nordestino. Dessa forma os moradores deixaram de esperar
pelo desenvolvimento e passaram a fazê-lo. No caso citado, o desenvolvimento da
qualidade de vida não dependeu diretamente da ação da globalização, e sim do
desenvolvimento local como afirma Dowbor:
“Promover o desenvolvimento local não significa voltar às costas para os processos mais amplos, inclusive os planetários: significa utilizar as diversas dimensões territoriais segundo os interesses da comunidade” (DOWBOR, 2006: p.3).
Hoje, em quase todos os assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento,
nos vetores das causas está a globalização, mas nem tudo é globalizado, de uma
maneira mais simples, o espaço local está mais próximo da sociedade. Segundo
Dowbor:
É interessante constatar que quanto mais se desenvolve a globalização, mais as pessoas estão resgatando o espaço local, e buscando melhorar as condições de vida no seu entorno imediato. (DOWBOR, 2006: p.3).
Dessa forma o desenvolvimento local contribui para a inclusão social,
sobretudo, a inclusão da comunidade em questão, o conhecimento da cultura local
em detrimento da cultura global – não em nível de substituição – como veículo
urgente pela busca da autonomia particular e coletiva.
2.6 Inclusão Social
A questão da exclusão social no Brasil não é novidade, o que no início da
colonização excluía os índios, excluiu a comunidade de escravos de origem africana,
passou por mudanças de meios e formas de exclusão, e hoje exclui uma vasta
variedade de grupos, nos grandes centros urbanos, dentre os mais comuns estão os
moradores das comunidades de baixa renda, são os favelados, sem renda,
migrantes, sem teto entre outros de um modo geral. A evolução capitalista no Brasil
vem provocando uma série de problemas sociais, conhecidos com a urbanização
das grandes cidades. Nos anos 70 e 80, entendia-se que a formação da pobreza
nos grandes centros urbanos era uma consequência do êxodo rural que os
66
problemas de mendicância, da formação de favelas, da delinquência e da violência,
tinham origem nos movimentos migratórios, em especial das regiões norte e
nordeste do país.
O fenômeno da pobreza urbana manifesta-se na luta pelo mercado de
trabalho, pela renda, pelo acesso a bens de serviços. Há ainda raízes deste
fenômeno no modo de produção capitalista cujos resultados, entre outros,
manifestam-se na exclusão. Inclui-se aqui o fato de as pessoas fugirem do campo
em busca de melhores condições de vida na cidade, estes já ingressam no cenário
urbano de forma desigual seja por baixa escolaridade ou qualificação profissional,
somadas à falta de oportunidade de emprego.
Nos gráficos, a seguir, busca-se identificar a movimentação da população
entre as regiões, somente na cidade de São Paulo e em relação ao rendimento
familiar, para tal buscam-se os valores do total de migrantes por região do país no
período de 2001 a 2007.
Figura 6 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007
67
Os valores consultados junto ao IBGE referem-se ao percentual de
migrantes de outras regiões brasileiras. No gráfico, ao fundo, está a região centro-
oeste com 37 por cento da população sendo migrantes, a maior representação de
pessoas residentes não-naturais da região de residência; a região sudeste está ao
centro com quase 20 por cento de migrantes e a região nordeste com variações
inferiores a um ponto percentual, apresenta o menor valor em migrantes.
Os dados disponibilizados pelo IBGE remetem a uma procura maior na
região Centro-oeste e a menor pela região Nordeste, a primeira impressão que se
tem é que há um interesse maior pela região Centro-oeste, Norte e Sudeste,
respectivamente, e que os migrantes sejam na maioria da região Nordeste. Vale
ressaltar que a região sudeste apresenta queda no período conforme tabela abaixo:
Tabela 1; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007
No gráfico a seguir, recorre-se ao mesmo período e às mesmas regiões,
porém os dados são de população em milhões de habitantes. A região sudeste, ao
fundo, se destaca das outras regiões devido a seus 80 milhões de habitantes, em
seguida, está a região nordeste também populosa com 54 milhões de habitantes, a
região centro-oeste, com uma população de quase 14 milhões de habitantes é a de
menor número de habitantes.
68
Figura 7; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007
A seguir, o novo gráfico das pessoas não-naturais da região de residência
com a população migrante de outras regiões em milhões de habitantes.
69
Figura 8
O que se constata é que se analisarmos a migração de pessoas por regiões,
teremos uma impressão de que a região Centro-oeste é a mais procurada por
pessoas que buscam viver em outra região, e a região Nordeste é a que tem a
menor procura, o que ocorre é que ao converter os dados de percentual para
número de habitantes, a região sudeste posiciona-se com o maior volume de
migrantes de outras regiões, são 14 milhões de migrantes de outras regiões vivendo
na região sudeste, o volume é maior do que toda a população da região Centro-
oeste, analisando esses valores é notório que a região sudeste é a mais procurada
pelas pessoas que buscam viver em outra região.
No gráfico abaixo, a cidade de São Paulo foi isolada para expor a evolução
do percentual de migrantes de outras regiões no período de 2001 a 2007.
70
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
17
17,5
18
18,5
19
em %
Período
taxa de migrantes em São Paulo - SP
Figura 9; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007.
Da região Sudeste, a cidade de São Paulo, até há uma década atrás, era
considerada como a que mais recebia migrantes de todas as regiões do país, em
busca de melhores condições de vida. A grande maioria é de pessoas naturais das
regiões Norte e Nordeste. De acordo com os dados anteriores, observamos que a
região Sudeste ainda concentra um grande volume de migrantes, porém é notório
que o percentual decresce nos últimos anos. Em relação à cidade de São Paulo, a
redução é mais expressiva, o que expõe a evolução do desinteresse pela cidade,
conforme Dowbor discorre:
Hoje, com o esgotamento de grande parte do êxodo rural, o crescimento demográfico migratório arrefeceu. A taxa de crescimento demográfico de São Paulo foi de 0,9% na última década. Mas as médias enganam. Enquanto bairros mais antigos têm hoje uma população estacionária, e o centro antigo de São Paulo apresenta até um crescimento negativo, na periferia convivemos com taxas de expansão muito fortes: Cidade Tiradentes, por exemplo, na periferia leste de São Paulo, apresentou uma taxa de crescimento de 8% ao ano durante a última década, Parelheiros de 7%, enquanto a Sé no centro recuava numa taxa de 2,2% ao ano. Na dimensão da Grande São Paulo, observamos uma lógica semelhante. Estimativas do Seade para 200/2003 apresentam uma taxa de crescimento anual de 6,9% para Itapevi, 5,1% para Caieiras, de 4,7% para Itapecirica da Serra, só para dar alguns exemplos. (DOWBOR, 2004: p.1).
Esse panorama tem influência com o desenvolvimento local através da
ampliação do microcrédito, como política de promoção econômica e social que,
entre outros recursos, ajudaram a promover o desenvolvimento em outras regiões
distantes da capital paulista. Segundo a Coordenação do Programa Nacional de
Microcredito Orientado (PNMPO), junto ao MT, Ministério do Trabalho e emprego,
em referência aos clientes de carteira ativa com data base de 31 de março de 2005,
temos:
71
MICROCRÉDITO POR REGIÃO
REGIÃO CLIENTES
ATIVOS VALOR DA CARTEIRA
ATIVA VALOR MEDIO DOS
CRÉDITOS
SUL 24.003 52.987.455,00 2.208,00
CENTRO-OESTE 3.194 3.766.863,00 1.179,00
SUDESTE 19.432 20.629.421,00 1.062,00
NORDESTE 43.073 32.935.334,00 765,00
NORTE 2.571 5.242.812,00 2.039,00
TOTAL BRASIL 92.273 115.561.885,00 1.252,00
Tabela 2; Fonte: DOWBOR (2008) apud Ministério do trabalho (2005: p.311).
O maior número de clientes está no Nordeste, 43.073, para uma carteira
ativa de R$ 32.935.334,00, o que representa um credito médio de R$ 765,00.
A região Sul apresenta o maior valor em carteira ativa: R$ 52.987.455,00, e
a segunda posição de clientes ativos, 24.003, com o maior valor médio de crédito:
R$ 2.208,00.
Os dados revelam uma solicitação de microcrédito para estrutura interna da
microempresa informal, maior nas regiões Nordeste e Sul. Nota-se que os dados da
região Nordeste apontam para a maior quantidade de clientes ativos e o menor valor
médio de crédito em relação às outras regiões, isso significa o maior volume de
micro empreendedores.
Por outro lado, o gráfico abaixo mostra a constante queda no rendimento
familiar na cidade de São Paulo.
72
Famílias, por classes de rendimento mensal familiar (em salários mínimos)Unidade territorial São Paulo - SP
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Período
Uni
dade
(100
0 fa
míli
as) Ate 1 salário
de 1 a 2 salários
de 2 a 3 salários
de 3 a 5 salários
de 5 a 10 salários
de 10 a 20 salários
Mais de 20 salários
Figura 10; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2009.
No gráfico acima, o volume de famílias da cidade de São Paulo, no período
de 2001 a 2009, é apontado pela renda mensal em salários mínimo. Analisando os
dados dos gráficos acima, é simples constatar que mesmo a região Sudeste, sendo
a que recebe o maior número de migrantes de outras regiões, a grande taxa de
migrantes vem sendo reduzida em seu maior referencial, a cidade de São Paulo.
No gráfico da quantidade de famílias por renda em unidades de salários
mínimo, é nítido o aumento das famílias que possuem um rendimento mensal
familiar de até 6 salários mínimo e a redução nas famílias que possuem um
rendimento mensal acima de 10 salários mínimo. Pode-se concluir que, ao longo de
quase dez anos, o número de pessoas vindas de outras regiões vem sofrendo uma
constante redução. A grande massa que, nos anos 1970 e 1980, migrava do Norte e
Nordeste do país, em busca de melhores condições de vida, diminuiu e, hoje, não se
aponta para grande interesse em mudar para região Sudeste. Por outro lado, a
população de São Paulo está crescendo, a população de baixa renda também
cresce, enquanto a população com renda maior está sendo reduzida ano a ano, em
suma, a pobreza está crescendo tanto quanto a população, a riqueza está reduzindo
e o número de migrantes também. Podemos resumir que, de fato, hoje não são os
migrantes a maior parcela componente da pobreza e má distribuição de renda da
cidade de São Paulo. A pobreza aumenta por questões econômicas e sociais e,
73
junto com ela, a desigualdade nos grandes centros urbanos e, junto com isso, a
cultura da exclusão social. As causas econômicas da exclusão incluem motivos
globais, no caso a educação, e também razões históricas. Por ter sido iniciada na
vida das pessoas ainda quando crianças, juntamente com o convívio social, acaba
por ser a principal razão da exclusão, desde o momento de formação. A escola
possui a característica de poder atuar de maneira descentralizada procurando
atender as necessidades da sociedade local. Se a urgência na educação de uma
metrópole for o desenvolvimento da cultura da inclusão, a educação contextualizada
é a ferramenta de acesso local para iniciar o movimento da cultura de
desenvolvimento local na própria comunidade.
A inclusão social é um processo complexo, se configura em dimensões
materiais, afetivas, políticas, relacionais e subjetivas. É um processo dialético em
relação à exclusão, envolve o homem e sua relação com os outros, sendo um
produto do funcionamento do sistema e do meio. Está ligada diretamente à pobreza
e à desigualdade. A pobreza não é somente a pobreza como referência de baixa
renda, uma vez que a questão da renda está diretamente ligada às questões fiscais
do estado detentor de recursos de redução de pobreza e desigualdade com
programas governamentais assistencialistas como é o caso do programa “bolsa
família” ou “bolsa escola”; a pobreza em questão é a pobreza como privação das
capacidades básicas (SEN, 2000: p.35), como define Sen:
Existem boas razões para que se veja a pobreza como uma privação de capacidades básicas, e não apenas como baixa renda. A privação de capacidades elementares pode refletir-se em morte prematura, subnutrição significativa (especialmente de crianças), morbidez persistente, analfabetismo muito disseminado e outras deficiências. (SEN, 2000: p.35).
O autor discorre sobre a distinção conceitual de pobreza, como inadequação
de capacidades, e pobreza, como baixo nível de renda, sem desvinculá-las, uma vez
que a renda é um meio importante de obter capacidades, o que se busca é a
obtenção de capacidades para conduzir um poder de auferir renda. Em relação à
aquisição de capacidades como fonte de obtenção de renda Sen discorre:
Não ocorre apenas que, digamos, melhor educação básica e serviços de saúde elevem diretamente a qualidade de vida; esses dois fatores também aumentem o potencial de a pessoa auferir renda e assim livrar-se da pobreza medida pela renda. Quanto mais inclusivo for o alcance da
74
educação básica e dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria. (SEN, 2000: p.113).
Frente a esses dados, vemos que existe uma tendência à educação se
tornar nivelada por baixo, pois as comunidades das periferias e bairros pobres da
capital paulista estão aumentando e consigo a cultura do desinteresse pela
formação acadêmica. Nas salas de aula das escolas públicas, as diferenças que
deveriam ser uma boa razão para se trabalhar e pôr em prática a inclusão e se
tornar uma cultura dos grandes centros, apenas se reforçam.
Os diferentes grupos sociais condensados na metrópole promovem o reforço
das diferenças, em especial no ambiente escolar, onde deveria haver promoção
social resulta em fracasso escolar, uma vez que o ambiente escolar atende
estudantes com enormes diferenças culturais. A partir das diferenças e da cultura
que cada um possui, surge uma proposta de ligação para iniciar, de fato, um
processo de convivência dos diferentes grupos sociais.
É neste plano que desponta a imensa riqueza da iniciativa local: como cada localidade é diferenciada, segundo o seu grau de desenvolvimento, a região onde se situa, a cultura herdada, as atividades predominantes na região, a disponibilidade de determinados recursos naturais, as soluções terão de ser diferentes para cada uma. E só as pessoas que vivem na localidade, que a conhecem efetivamente, é que sabem realmente quais são as necessidades mais prementes, os principais recursos subutilizados e assim por diante. Se elas não tomarem iniciativas, dificilmente alguém o fará para elas. (DOWBOR, 2006: p.4).
A educação contextualizada, no panorama atual, se torna uma importante
ferramenta nos projetos, onde se pretende reduzir a exclusão social em uma
comunidade que possui grande desigualdade social. O crescimento das favelas
urbanizadas é um grande exemplo disso, essas comunidades são provenientes de
ocupação territorial que, com o passar do tempo, se desenvolveu e, de certa
maneira, houve a urbanização do local, como é o caso da comunidade que será
estudada no capítulo seguinte, com um projeto de escola onde os princípios das
atividades se baseiam na educação para desenvolvimento local através de uma
proposta de educação contextualizada na cidade de São Paulo.
75
CAPÍTULO 3
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA:
UMA POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO SOCIAL NA METRÓPOLE
O objetivo deste capítulo é discutir a possibilidade de inclusão social de crianças e
adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade em regiões metropolitanas,
por meio do desenvolvimento de uma proposta de educação contextualizada. Para
isso, pretende-se apresentar uma descrição pormenorizada do Projeto Alavanca,
que funciona desde 2003, na comunidade São Remo, buscando com isso encontrar
evidências de que a ação por ele proposta na comunidade tem contribuído para a
inclusão social dos jovens dessa comunidade.
A escolha da educação contextualizada, como instrumento de inclusão
social, como problema de pesquisa, está relacionada com a minha própria história
de vida e a escolha deste projeto, em particular, como objeto da pesquisa está
relacionada à minha atuação nele, desde o início de sua implantação. Assim,
estudá-lo, em certo sentido, é entender uma ação da qual participo e, por meio da
qual, busca-se a construção desta sociedade, ao lado de outras pessoas que têm as
mesmas aspirações.
Para o desenvolvimento da pesquisa, adotou-se uma abordagem qualitativa.
Embora elementos, como os gráficos, tenham sido usados, a preocupação maior foi
utilizar estes dados para compreender o objeto pesquisado, buscando situá-lo no
cenário mais amplo e buscando verificar a sua contribuição para a comunidade onde
está inserido. Como técnica de coleta de dados, recorreu-se ao estudo bibliográfico
e documental que foi completado pelo relato da história de vida do pesquisador e
pela observação participante uma vez que também este pesquisador é um dos
colaboradores do projeto.
76
Antes de falar mais especificamente do projeto é importante falar da
comunidade onde ele está instalado.
3.1 A comunidade São Remo
A comunidade denominada São Remo fica na Região Oeste da cidade,
próximo à cidade Universitária. Embora se trate de uma comunidade pobre, tem
como vizinhos bairros de classe media como Bonfiglioli, Jaguaré e Butantã. A
comunidade surgiu há cerca de 30 anos, em uma área pertencente à universidade
de São Paulo, ocupada por pessoas que trabalharam na construção da
universidade. A origem do nome da comunidade é uma pequena rua chamada São
Remo que existe no local.
A cidade universitária, campus da Universidade de São Paulo, cuja
construção durou entre 1952 e 1972, contou com a colaboração de muitos operários
que ali trabalharam. A maior parte dessa mão de obra era composta por operários
migrantes de outros estados sendo a maioria do Norte e Nordeste. Esses formaram
uma vila de operários, na margem oeste do terreno, com barracos de madeira e
sobras de materiais de construção. Ali permaneceram devido à localização e, com o
tempo, foram formando famílias. A área pertence à Universidade de São Paulo e
tem 74.300m2, nos limites nordeste da comunidade há um grande muro da Cidade
Universitária com dois acessos de pedestres, ao norte há outro muro do 16º
Batalhão da Policia Militar, a sudoeste o limite é a Avenida Corifeu de Azevedo
Marques, um importante acesso à cidade de Osasco. O mapa abaixo mostra a
localização da comunidade no bairro.
77
Figura 11; Fonte: Google mapas.
A comunidade possui saneamento básico, postes de iluminação pública,
2,2km de ruas asfaltadas com sarjetas e calçadas que foram construídas através da
influência e mobilização de candidatos políticos em campanha eleitoral. Possui
também um comércio local com mercados, lanchonetes, “lan-house”, bares, lojas de
roupas, oficina mecânica, borracharia, duas serralherias entre uma grande
diversidade de produtos e serviços que são oferecidos. No limite onde a comunidade
faz divisa com os muros da cidade universitária da Universidade de São Paulo, há
um campo de futebol em terra com dimensões oficiais e uma quadra poliesportiva
78
em concreto também com dimensões oficiais. Um grande número de moradores que
vivem na comunidade São Remo trabalha no campus da USP seja diretamente ou
indiretamente em lanchonetes, restaurantes entre outros. A comunidade possui um
centro comunitário para organizar as necessidades da comunidade local, um circo
escola e outras organizações não governamentais.
Foto 1– comunidade São Remo vista do bairro.
Foto 2– interior da Comunidade São Remo.
O transporte é facilitado por ônibus das diversas linhas que circulam nas
avenidas Corifeu de Azevedo Marques, Escola Politécnica e Rio Pequeno, outras
linhas circulam dentro do campus da Universidade de São Paulo que permite o
acesso a pedestre em dois lugares, um é ao lado de um ponto de ônibus e o outro
79
dá acesso ao Hospital Universitário. Em um raio de 400m do centro da comunidade,
há dois grandes supermercados, farmácias, caixas eletrônicos bancário, loja de
materiais de construção, oficinas mecânicas, padaria, lojas de produtos e serviços
que dispensam a necessidade de um deslocamento maior para buscar o que possa
precisar.
Segundo dados coletados pelo Projeto Alavanca Brasil através de seus
voluntários, hoje vive na comunidade São Remo cerca de 6.000 habitantes cuja faixa
etária é apresentada no gráfico abaixo.
Figura 12; Fonte: Projeto Alavanca Brasil.
Concluímos que a comunidade possui uma população de 3600 crianças,
jovens e adolescentes que são, portanto, maioria absoluta e estão por toda parte.
Nas horas livres, a principal atividade dos jovens é jogar bola, soltar pipas, e andar
de bicicleta, frequentam muito a “lan-house” para acesso à Internet, e para jogar
“vídeo games”. O ambiente de Internet oferecido pelo projeto é a atividade de que
eles mais gostam, mas os jovens que não frequentam um curso regular ou
participam de alguma forma no Projeto Alavanca não costumam fazer uso dos
computadores do projeto, mesmo sendo convidados a fazer uso eles rejeitam.
80
Foto 3– crianças jogando bola.
Em uma parte do tempo livre, estão guiando automóveis e pilotando
motocicletas, sempre sem capacete em alta velocidade, pelas ruas estreitas da
comunidade, muitos aparentando cerca de dez anos de idade. Isso se dá
principalmente pela ausência de policiais que não fazem ronda na comunidade. A
ausência do estado deixa as crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social
e exposta ao tráfico e outras formas de violência. Esta ausência do estado é ponto
importante no que diz respeito à manutenção da situação de marginalidade em uma
comunidade como a São Remo, ao lado da comunidade está um batalhão de polícia,
na comunidade passa o caminhão de lixo, o carteiro, o agente de leitura da energia
elétrica, mas não passa nenhum policial ou viatura em ronda. Essa postura é um
81
facilitador para os jovens ficarem mais à vontade em seu bairro, perpetuando uma
situação de abandono, às vezes, chamada de liberdade. Segundo Sen (2000):
Os papeis instrumentais da liberdade incluem vários componentes distintos, porém inter-relacionados, como facilidades econômicas, liberdades políticas, oportunidades sociais, garantias de transparências e segurança protetora. Esses direitos, oportunidades e intitulamentos instrumentais possuem fortes encadeamentos entre si, que podem se dar em diferentes direções. O processo de desenvolvimento é crucialmente influenciado por essas inter-relações. (SEN, 2000: p.71).
O desenvolvimento dos jovens na comunidade São Remo possui uma
liberdade distinta da liberdade das pessoas que não moram na São Remo, isso
influencia diretamente a formação deles e os conceitos de relações dos valores
sociais. Quando é conveniente para o estado intervir, ele o faz, quando não, basta
se ausentar e a comunidade cuida de se desenvolver. Se o estado não fizer uma
intervenção, não será a organização dos moradores locais que a fará. Dowbor
(2008) afirma que somos educados a acreditar que a organização de nosso
cotidiano ocorre por uma esfera superior, o Estado.
Os moradores da comunidade São Remo sofrem com o estigma de compor a
maior comunidade do bairro de Bonfiglioli, onde há moradores de classe média a
media baixa. Eles sentem seu bairro desvalorizado pela presença de favelas
urbanizadas que trazem consigo drogas e criminalidade. Em algumas situações em
sala de aula, na escola SENAI, onde há alunos bolsistas, moradores de
comunidades e de favelas da região e também durante a convivência com os
moradores da comunidade São Remo, pode-se notar que há duas situações
distintas de conduta: quando se está fora da comunidade e na presença de outras
pessoas. Se no caso, o interlocutor for uma pessoa de classe média e o assunto é
referente à moradia ou bairro onde vive, o jovem morador da comunidade conduz o
diálogo, omitindo quaisquer referências ao local onde mora, ou se no caso, a pessoa
for alguém com maior proximidade o assunto constantemente é desviado e nunca é
possível se aprofundar no tema. Porém, se o interlocutor for morador de outra
comunidade, o tema se desenvolve sem obstáculos e, sobretudo é tratado com
orgulho pelos jovens, como uma situação de superioridade e coragem. A situação
apresentada por Almeida (2003) descreve esta situação:
82
Neste contexto, a agressividade parece ser um sinal de que o tratamento dispensado a estas crianças e adolescentes, quer pela escola quer pelos colegas da parte mais nobre do bairro, não é bom, sendo este conflito um sinal de como se dá o relacionamento na escola. As crianças são bem tratadas, respeitadas, integradas ou estigmatizadas, rejeitadas, discriminadas. As conversas com crianças e adolescentes têm revelado que a agressividade aparente esconde um complexo de inferioridade crônico, sendo o enfrentamento uma atitude de autodefesa. Este complexo de inferioridade fica evidente quando olhamos as fichas de matrícula do pessoal do Vera Cruz. Quase todos dão o endereço da Rua Leonice Alves Rodrigues. Geralmente, não colocam o endereço correto com vergonha de dizer que são da favela, o que dificulta o encontro das crianças que desaparecem da escola. (ALMEIDA, 2003: p.108).
A questão acima descrita revela os reflexos do estigma que sofrem os
moradores jovens da comunidade em questão, os jovens buscam eventos de
inclusão como é o caso de bolsas de estudo em escolas do bairro, esses eventos
têm o objetivo de oferecer chance de estudo e promover a inclusão. O que ocorre
com a chance de estudo que alguns jovens recebem, se torna o início de um
processo de preparo para o desenvolvimento pessoal seguido da mudança para
outro local já desenvolvido, segundo Dowbor:
De certa forma, o cidadão que vive num bairro que não lhe agrada pensa em mudar de bairro, ou de cidade, mas não pensa muito na possibilidade e direito de intervir no espaço em que vive, de participar da criação de qualidade de vida para si e para sua família. (DOWBOR, 2008: p.30).
A questão da inclusão na prática é um panorama subjetivo a cada indivíduo,
uma vez que os relacionamentos com outros jovens do mesmo bairro, com classes
sociais muito distintas não se desenvolvem além dos limites da escola. Dessa
maneira, a sociabilidade entre os jovens moradores da comunidade em questão,
sofre com a falta de organização, mesmo que haja os eventos promotores de
inclusão, os recursos de defesa da imagem é o resultado da exclusão por
diferenciações sociais como descreve Sawaya (2010):
Fica claro que um “vazio social” ganhou toda a periferia e que não existe nenhum sinal de sociabilidade organizada nos bairros populares. Ao nos reportarmos à descrições dos sociólogos e etnólogos dos anos 50 e 60, constatamos que a intensidade das relações sociais nesses bairros diminuiu
83
muito. A vida coletiva se transformou, sob o efeito das diferenciações sociais, no mundo operário: alguns grupos em ascensão mudaram de bairro, outros, ao contrário, passaram por um processo de desqualificação e empobreceram. Um número crescente de famílias não pode contar com nenhuma outra possibilidade que morar em cidades desvalorizadas. Interiorizando uma imagem negativa e adotando atitudes marcadas pela introspecção, procuram evitar seus vizinhos. É sabido como se constituem as reputações familiares; dessa forma tudo incita a se calar e a tornar o menos visível possível das inseguranças da vida cotidiana. É digno de nota o fato de que muitos ainda têm esperança de encontrar um emprego e de mudar de bairro. (SAWAIA, 2010: p.74-75).
Na comunidade São Remo, existe um centro comunitário que funciona como
a associação de moradores. Neste centro organizam-se e viabilizam-se atividades
de cunho social, de interesse dos moradores. Há ainda o auxílio com mão de obra e
local, inclusive para projetos de outras entidades, como em várias atividades e
projetos desenvolvidos pelo Projeto Alavanca. Funciona como uma associação
parceira de grande proximidade com a população local e assim também solicitam
das outras organizações no bairro e fora dele recursos e apoio para as atividades. É
uma relação de parceria com troca de favores sendo facilitadores para ambos. A
associação de moradores foi a mediadora entre a comunidade São Remo e o
Projeto Alavanca, na realização do projeto de uma escola com um prédio maior
dentro da comunidade. Como a comunidade não dispõe de espaço para que se
possa construir mais um prédio, a solução encontrada foi construir o prédio no lugar
onde fica a quadra poliesportiva, pois, por diversas vezes a associação solicitou, ao
Projeto Alavanca Brasil, a instalação de um sistema de iluminação na quadra,
infelizmente não está dentro do perfil de investimento, mas uma proposta veio
atender tanto a comunidade São Remo quanto o Projeto Alavanca Brasil. Foi feito
um projeto de um prédio que seria construído no local onde hoje é a quadra
poliesportiva; no prédio haveria três pavimentos sendo, o primeiro no térreo, para
atividades de marcenaria, fábrica de brinquedos, oficina para exposições e
atividades em geral, outro pavimento logo acima do térreo com salas de aula e
diretório acadêmico, e o último pavimento com uma quadra poliesportiva coberta,
com dimensões inferiores à anterior, porém compatíveis com as atividades,
iluminação, uma pequena arquibancada, banheiros e acesso com rampa pelo lado
externo do prédio. Depois dos desenhos técnicos construiu-se com a ajuda dos
jovens da comunidade uma maquete que foi apresentada aos representantes das
84
indústrias interessadas em financiar a construção. Projeto para apresentação do
prédio vide apêndice.
Foto 4– maquete do projeto de um novo prédio.
Há problemas com o lixo da comunidade São Remo, no que se refere à
armazenagem e à manutenção da limpeza nas ruas e nas calçadas. Na parte mais
alta da comunidade, existe um depósito de lixo construído de alvenaria, fruto de
campanha para a organização do lixo, o local possui um portão para proteger os
sacos de lixo dos cães que vivem na rua. No inicio do uso do local, os moradores
organizavam o lixo devidamente em sacos e mantinham o portão fechado, com o
passar do tempo essa prática deixa de existir e se torna comum os moradores
jogarem os sacos de lixo do lado de fora do local de armazenagem, isso faz com
que os sacos se espalhem e ocupem um maior espaço, e o portão fica impedido de
manter-se fechado, os cães rasgam os sacos e ajudam a espalhar o lixo. Quando
essa situação se torna insuportável, alguns moradores se manifestam incomodados
com o lixo invadindo a rua e reclamam com a associação dos moradores para
providenciar uma reforma de ampliação do depósito de lixo, nessa hora se faz
necessário uma intervenção de alguma organização para realizar um novo evento.
As campanhas em geral apresentam resultados imediatos, mas com o passar do
tempo acabam sendo esquecidos, devido à baixa adesão às praticas de organização
do lixo, com isso as campanhas continuam e revelam-se mal sucedidas.
85
Foto 5– lixo espalhado pela calçada.
Na parte mais baixa da comunidade, passa um córrego que é canalizado
antes e depois de passar por ela. É apelidado pelos moradores de “Riacho Doce”,
passa a céu aberto pela comunidade, o cheiro forte e a poluição são somados aos
lixos que os moradores jogam nele. No pequeno espaço de margem, estão
construídas algumas casas de alvenaria e barracos de madeira, em época de chuva
forte, a velocidade e o volume da água aumentam e fazem com que as casas e os
barracos nas margens da água ou sobre palafitas caiam parcialmente nas águas.
Quando isso acontece os moradores se mobilizam, ajudam como podem as famílias
que tiveram suas casas e barracos destruídos e, em pouco tempo, os barracos são
reconstruídos.
Foto 6– casas às margens do riacho.
86
3.2 O projeto alavanca
O nascimento do Projeto Alavanca Brasil, se deu entre abril e julho de 2003,
quando a coordenadora geral Dorothea Swartz veio da Alemanha para o Brasil
cursar a faculdade de administração de empresas na Universidade de São Paulo
(USP).
Nas redondezas do prédio da faculdade, Dorothea conheceu uma família que
morava na comunidade São Remo. Era uma família que, como muitas da
comunidade, vivia do trabalho informal. O pai reciclava papel e alguns dos filhos
vendiam pequenos materiais como lápis, borrachas e canetas. Após obter maior
aproximação com essa família, descobriu que essas crianças apresentavam grande
defasagem escolar. A partir deste momento, sensibilizada com a situação, ela iniciou
seus trabalhos.
Em agosto de 2003, tentando compreender o sistema escolar brasileiro,
Dorothea matriculou uma criança dessa família em um curso de computação e
inglês e, em seus horários vagos, dava aulas para crianças desta família e realizava
passeios culturais expandindo o universo de conhecimento dessas crianças. Até
então, a ajuda que ela tinha para oferecer às crianças, vinha de recursos próprios,
com o tempo a situação tornou-se insustentável.
As pessoas do circulo de amizade de Dorothea sensibilizaram-se com a
situação e iniciaram um processo de ajuda financeira, a ajuda era paliativa e ela
sentia-se desconfortável que recursos viessem de pessoas físicas e resolveu fundar
a ONG “Projeto Alavanca Brasil” e assim buscar recursos em empresas privadas.
As empresas com as quais Dorothea iniciou os contatos são multinacionais
que possuem matriz na Alemanha, isso devido à facilidade de acesso. Com o tempo,
os recursos passaram a vir de doações dessas parcerias formadas com empresas,
indústrias, instituições governamentais e não-governamentais; os recursos são em
dinheiro, máquinas e equipamentos utilizados em aulas e manutenção da escola. A
maior parte das empresas continua sendo de matriz na Alemanha, e requisitam a
manutenção constante de cursos de idiomas alemão e inglês para ampliar as
possibilidades de criação de mão de obra tanto para o Brasil quanto para Alemanha.
87
Outras parcerias são firmadas no Brasil mais especificamente em São Paulo,
com estabelecimentos de ensino privado que destinam algumas bolsas de estudo
integral para moradores da comunidade São Remo, materiais didáticos e
participações em campanhas. São colégios da região e até, em uma distância maior,
como é o caso de um colégio privado que atende à classe alta da sociedade.
Os colaboradores que atuam com mão de obra eram, no início do projeto,
compostos por pessoal externo da comunidade, eram professores voluntários,
estudantes de curso superior em Matemática, Letras, História, Análise de Sistemas,
entre outros. Com o tempo, o projeto foi preparando colaboradores e voluntários
para substituir os atuais por duas razões, a primeira é que o objetivo central do
Projeto Alavanca é fazer com que os moradores locais administrem o projeto
somente com moradores, e que os conhecimentos e as práticas sejam repassadas
para outras pessoas poderem substituir as atuais. Como o objetivo central do projeto
é que a administração e a mão de obra sejam totalmente compostas por moradores
da comunidade São Remo, com o passar do tempo os moradores seriam a maioria
no projeto até atingir a totalidade; a segunda, é que os voluntários e colaboradores
de fora da comunidade, em geral têm sua disposição desgastada com o tempo,
existe uma força impulsionadora do trabalho no Projeto Alavanca, em que as
pessoas que estão de passagem e têm um objetivo a atingir, entre ensinar e
participar com os jovens das diversas atividades a maior missão é promover um ou
mais multiplicadores para substituir a função.
Foi proposta a criação de uma escola profissionalizante de desenho mecânico
industrial, em conjunto com as aulas de desenho técnico na tradicional prancheta e
em computadores via sistema CAD “computer aided design”, surge então o projeto
de uma escola fábrica.
Assim que surgiu o projeto de escola pensou-se em uma escola cidadã
com formação para cidadania ativa e educação para o desenvolvimento (GADOTTI;
ROMÃO 1997), uma estrutura organizacional que fosse aderente aos objetivos do
projeto. Buscou-se uma organização com estrutura flexível e que permitisse o
desenvolvimento sustentável dos projetos existentes e iniciar novos projetos ou
encerrar ações sem necessidade de rever a estrutura organizacional. Pensou-se
também que esta estrutura deveria permitir que o projeto disseminasse sua
88
metodologia e replicasse suas ações em outros locais. Desta forma, o Projeto
Alavanca adotou uma divisão de estrutura celular, pois esta, atendia melhor a estes
requisitos.
A estrutura organizacional do Projeto Alavanca é composta pela Coordenação
Geral, Comissões de Formação de Multiplicadores e a Comissão de
Desenvolvimento Organizacional e Ética e por quatro secretarias.
ESTRUTURA DO PROJETO ALAVANCA BRASIL
COORDENAÇÃO GERAL
FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES
DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL E ÉTICA
SECRETARIA EXECUTIVA
SECRETARIA DE COMUNIDADES
SECRETARIA DE RELAÇÕES PÚBLICAS
SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Figura 13
Os objetivos do projeto são definidos em reuniões das secretarias com a
coordenação geral do projeto, representante dos alunos e representante da
comunidade local, os tópicos são divididos em pontos de maior e menor urgência,
durante a reunião é definido o modo de como será acompanhado o desenvolvimento
e quais serão os responsáveis pelo acompanhamento e avaliação. Os parceiros
externos são as indústrias, escolas e voluntários, eles acompanham o
desenvolvimento de todo o projeto inclusive dos investimentos em recursos
financeiros.
89
As secretarias promovem todos os trabalhos do Projeto Alavanca. Na
Secretaria Administrativa são organizadas todas as células que executam tarefas de
planejamento e organização de projetos, ou seja, estas células dão suporte às
células executivas. As secretarias cuidam da captação de recursos, compra de
materiais, recrutamento de voluntários e sistemas de informação, entre outros. Caso
o Projeto Alavanca seja replicado em outra comunidade, as células administrativas
não precisam ser duplicadas.
A Secretaria Executiva reúne todas as células relacionadas a programas
educacionais, de desenvolvimento comunitário e geração de renda, ou seja, as
ações que o Projeto Alavanca promove junto com as comunidades locais. Quando
uma ação for replicada em outra comunidade, as células executivas garantem que
sejam aproveitadas todas as lições aprendidas voltadas à determinada ação no novo
local.
Células vinculadas à Secretaria de Relações Públicas cuidam das relações
que o Projeto Alavanca mantém com públicos internos e externos. O sucesso de um
trabalho social em grande parte depende de sua capacidade de estabelecer diálogos
frutíferos com moradores da comunidade local, voluntários, instituições públicas,
empresas e doadores. O diálogo constitui a condição básica para promoção de
ações de melhoria em conjunto, mobilização em prol de um mesmo objetivo e
colaboração duradoura.
A Secretaria de Comunidades organiza células de diversas comunidades
onde o Projeto Alavanca atua em conjunto com outras organizações. Esta secretaria
toma conta que as ações sejam suficientemente adaptadas às necessidades locais e
que os moradores participem de todo processo de planejamento, implantação e
avaliação das ações propostas.
A coordenação geral garante que todas as células se comuniquem entre si e
colaborem na realização da mesma visão - a implantação de um projeto de melhoria
local auto-sustentável e auto-financiado. As comissões dão ênfase a duas
estratégias principais para o alcance desta visão:
90
1. a comissão de formação de multiplicadores é responsável por
elaborar e promover formação para os moradores se tornarem multiplicadores.
Para isso, precisam aprender todos os processos indispensáveis para a
continuidade de uma ação social, além de atitudes de líderes comunitários.
2. a comissão de desenvolvimento organizacional e ética garante que
regularmente seja revisada a metodologia de trabalho do projeto alavanca,
analisando quais programas devem ser iniciados, precisam de adaptação ou
devem ser encerrados. Além disso, promove um diálogo constante entre
voluntários moradores e doadores sobre os valores que devem nortear os
trabalhos do projeto alavanca nas comunidades onde atua. Dessa forma a
comunidade participa com representantes pais, alunos, voluntários e
representantes da associação de amigos do bairro.
O poder público acompanha a escola nas questões de registros fiscais e
legais, a organização possui sede própria, tem registro como organização não-
governamental, CNPJ, registro na prefeitura de São Paulo, reconhecimento da
UNICEF e do governo alemão.
Os alunos que frequentam a escola são certificados pela própria escola nos
cursos de curta duração como é o caso dos cursos de informática, inglês, alemão,
marcenaria entre outros, estamos no terceiro ano aguardando o processo de
reconhecimento pela rede SENAI com cursos de aprendizagem industrial. Os cursos
do tipo reforço escolar não emitem certificado.
O Projeto Alavanca Brasil é uma instituição sem fins lucrativos que visa
promover a emancipação política e inclusão social autodirigidas de comunidades de
baixa renda. Rejeitando quaisquer formas de paternalismo e assistencialismo, a
instituição integra pessoas de todas as classes em um processo democrático e
participativo de planejamento e direção. Compreende que este processo de
libertação e inclusão tem que acontecer em quatro níveis:
1. Dando acesso à cultura, educação, economia e lazer pelo
estabelecimento de programas sócio-educativos e de geração de renda nas
comunidades pobres,
91
2. Promovendo o acesso das classes pobres a instituições de
educação e cultura fora do seu alcance,
3. Contribuindo para a melhoria do ensino público,
4. Desenvolvendo programas de formação cidadã e sensibilização
junto a classes mais elevadas, visando à redução de pré-conceitos e a
aproximação de todas as partes. Julga-se necessária esta aproximação para
que as classes que integram o povo brasileiro, cada vez mais, se enxerguem
como "irmãos” e juntamente promovam políticas públicas mais justas e
igualitárias.
O Projeto Alavanca Brasil se compreende como incubadora de núcleos de
educação e transformação social. Os núcleos necessitam auto-gestão e auto-
sustentabilidade financeira. Todos os núcleos devem atuar em rede, trocando
experiências, criando sinergias e propiciando a força necessária para a luta social
que enfrentam.
Responsáveis: Rosângela dos Santos Costa, Reginaldo dos Santos Luz;
Atendimento: 05 crianças e adolescentes da comunidade São Remo, aulas no
Colégio Universitário Jardim Bonfiglioli acontecem em meio-período, sendo que no
outro período as crianças têm aulas de acompanhamento escolar individual ou em
grupo, encontros para planejar seu projeto bimestral de intervenção na comunidade,
atendimento semanal médio: 10 horas. Realização dos encontros em casa dos
bolsistas ou na Sede do Projeto Alavanca Brasil, Participação do Grupo de
Formação Cidadã.
3.2.1 Objetivos do Projeto Alavanca Brasil:
- Promover a inclusão social mediante oportunidades de formação escolar
melhor para crianças e adolescentes com alto potencial e de baixa renda;
- Estruturar um programa educacional de longo prazo e altamente integrado,
composto de atividades de formação escolar, pessoal, bem como cidadã;
- Formar mediante o programa de “Bolsas para Escolas Particulares”
multiplicadores para atuar na transformação social;
92
- Envolver toda a comunidade neste projeto de inclusão social – familiares,
professores, bolsistas, parceiros e voluntários do Projeto.
3.2.2 Perfil dos Bolsistas:
O Projeto Alavanca Brasil seleciona para o Programa de Bolsas para Escolas
Particulares crianças que se destacam pela sua curiosidade, criticidade,
persistência, responsabilidade e desempenho escolar. Considera-se o apoio e a
estrutura familiares, bem como seu reconhecimento do valor da educação. Dá-se
preferência a crianças e adolescentes com uma atitude cidadã, ou seja, participação
de um voluntariado ou movimento popular.
Na comunidade São Remo há várias crianças que surpreendem pela sua
curiosidade e potencial, porém faltam as oportunidades de estudo para elas
desenvolverem o mesmo e se tornarem transformadores sociais. Julga-se
importante promover a integração entre vários níveis sociais para combater pré-
conceitos e inquietações existentes nos dois lados. Busca-se formar um conjunto de
atitudes voltadas à personalidade (responsabilidade, consciência em relação com a
oportunidade e seu papel social, humildade), à escola e participação do Projeto
(organização, pontualidade, alto desempenho, assiduidade, interesse) e em relação
com a comunidade (participação, iniciativa, integração). Para isto são desenvolvidas
atividades de formação pessoal, escolar e cidadã. Acredita-se que a família e a
escola são agentes-chaves na formação da criança, portanto o Projeto tenta integrar
seu trabalho com estes agentes mediante envolvimento dos mesmos no
planejamento, na execução e avaliação da proposta. Além disso, são desenvolvidas
conversas pedagógicas com os educadores voluntários para integrar o máximo a
metodologia. Bimestralmente, são realizados encontros de avaliação com bolsistas e
seus familiares para discutir o rendimento obtido e estabelecer novas metas. Os
bolsistas, a partir da 3° série, atuam como voluntários. Cada um, bimestralmente,
elabora uma redação segundo um tema sugerido.
3.2.3 Histórico de eventos:
Abril a Julho de 2003: Contato com pessoas da comunidade São Remo e
compreensão maior do estado do sistema escolar brasileiro.
93
Agosto de 2003: Matrícula de uma criança da comunidade em um curso de
computação e de inglês.
Janeiro de 2004: Captação de recursos com pessoas físicas na Alemanha
para poder matricular crianças em escolas particulares, negociação com vários
colégios privados.
Fevereiro de 2004: Matrícula de duas crianças no Colégio Jardim Bonfiglioli
(pagamento integral).
Março de 2004: Recrutamento de voluntários, início das aulas de
acompanhamento escolar.
Junho de 2004: Divulgação do Projeto em escolas públicas para encontrar
mais alunos com condições de futuramente entrar em escola particular.
Julho de 2004: Alcance de mais 11 bolsas no Colégio Jardim Bonfiglioli (troca
por serviços que o Projeto Alavanca Brasil presta na escola).
Agosto de 2004: Ampliação do programa de Acompanhamento Escolar para a
comunidade toda, formulação do perfil que se pretende formar nos bolsistas, início
dos serviços prestados junto ao colégio (reforço de matemática e oficina de web-
site), início do voluntariado dos bolsistas no Projeto.
Setembro de 2004: Estruturação da célula pela contratação de uma pessoa
para a sua administração.
Outubro de 2004: Início do atendimento psicológico para apoiar a integração
das crianças na nova escola, início da elaboração do plano estratégico, captação de
apostilas para as crianças junto com a Editora Moderna, saída de uma bolsista.
Dezembro de 2004: Presença do Projeto no Sábado Cultural do Colégio
Jardim Bonfiglioli.
Fevereiro de 2005: Recebimento de doações de apostilas usadas no colégio,
sistema de troca de serviços para todos os bolsistas.
94
Junho de 2005: Elaboração de um contrato de parceria com o Colégio Jardim
Bonfiglioli, mudança da proposta de trabalho realizado no Colégio (incubação de
projetos sociais junto com alunos dentro do Programa “Despertar o Olhar”), saída de
mais uma bolsista.
Agosto de 2005: Elaboração de um sistema de avaliação dos bolsistas,
participação dos pais dos bolsistas como voluntários, início da participação frequente
nas reuniões pedagógicas do Colégio.
Novembro de 2005: Envolvimento de voluntários para discussão da
metodologia, decisão de lançar projetos bimestrais de organização de eventos
comunitários sob responsabilidade dos bolsistas.
Dezembro de 2005: Festa de encerramento do ano letivo no Colégio
Externato Jardim Bonfiglioli, com apresentações de alunos.
Janeiro de 2006: Compra de materiais para os bolsistas, início das aulas no
Externato.
Fevereiro de 2006: Rosângela e Reginaldo passam a coordenarem a célula
dos bolsistas.
Março de 2006: Conversa com a diretora e acordo quanto à situação dos
bolsistas.
Marco de 2006: Reginaldo, voluntário do Projeto Alavanca Brasil, passa a
prestar serviço na biblioteca do Externato Jardim Bonfiglioli.
Maio de 2006: Os bolsistas passam a ser financiados por doação vinda da
França, através da voluntária Katiuscia.
Junho de 2006: Devido ao acordo feito, os pais participam da decoração da
festa Junina do Externato Jardim Bonfiglioli.
Julho de 2006: Avaliação dos pais sobre o Programa de bolsas, Avaliação
com os bolsistas sobre o Programa de bolsas: recesso escolar, retirada dos enfeites
da festa junina.
95
Agosto de 2006: Saída de uma bolsista, reinício das aulas do segundo
semestre, Marcos, voluntário do Projeto Alavanca Brasil, inicia as aulas no Externato
Jardim Bonfiglioli, dando continuidade ao Programa Despertar o Olhar, junto com a
diretora e professora Edna. Nesse período, também foram confeccionadas
camisetas do Externato Jardim Bonfiglioli para os bolsistas e a apresentação das
camisetas para a diretora Edna. Ainda em agosto, ocorreu a seleção de novos
bolsistas e contato com o colégio COC em Osasco, para a aceitação de novos
bolsistas no programa de bolsas: Aulas de desafio para futuros bolsistas, Prova de
avaliação para futuros bolsistas. Aluno do Projeto Alavanca presta vestibulinho no
colégio COC em Osasco; é aprovado no vestibulinho; Dorothea e Rosângela fazem
apresentação do Programa de bolsas e conversa com pedagogas e direção do
colégio COC em Osasco, Psicóloga da escola COC em Osasco se interessa pelo
programa de bolsas do Projeto Alavanca Brasil.
Setembro de 2006: Boletim informativo Geral tendo como destaque os
Bolsistas.
Outubro de 2006: Alunos do Projeto Alavanca Brasil prestam prova no
Colégio COC em Osasco e todos passam na prova, porém não foram matriculados.
Dezembro de 2006: Apresentação de final de ano no colégio Externato Jardim
Bonfiglioli com a participação dos bolsistas, Saída de três alunos do Programa de
bolsas, por não estarem de acordo com as normas propostas pelo Projeto Alavanca
Brasil, início de negociação para substituição de bolsas que foram desocupadas.
Janeiro de 2007: Pedido de doação de materiais escolares, para papelarias
da região e Editora Moderna.
Março de 2007, por opção da mãe, dois alunos se desligam do programa de
bolsas.
Junho de 2007: durante quatro dias pais e voluntários do Projeto Alavanca
enfeitam a escola para festa junina, Festa junina do colégio com a participação de
todos os alunos do programa de bolsas: Retirada de boletins de alunos bolsistas,
todos com bom rendimento, Festa de encerramento do primeiro semestre, Reunião
de pais e mestres no colégio, Retirada de bandeirinhas da escola. Janeiro: Reunião
96
com os bolsistas que reafirmam seus ideais quanto à comunidade, após a reunião
foi realizado a distribuição de materiais.
Fevereiro de 2008: reinício das aulas no antes denominado Externato Jardim
Bonfiglioli, atual Colégio Universitário Bonfiglioli.
3.2.4 Desafios atuais:
• Aumentar o número de educadores para as atividades.
• Captação de recursos para manutenção das atividades.
• Estruturação de um material didático.
• Aperfeiçoamento das atividades para conseguir maior
alinhamento com os interesses e necessidades da comunidade.
• Projeto de motivação dos alunos para aumentar sua participação,
frequência e permanência.
• Doadores físicos para compra de materiais didáticos, para-
didáticos, e uniforme escolar dos alunos bolsistas.
Hoje a comunidade São Remo vê o Projeto Alavanca como uma instituição da
própria comunidade com a real possibilidade de desenvolvimento pessoal tanto dos
estudantes que são acompanhados diariamente no reforço escolar como dos
estudantes que aprendem idiomas e almejam uma experiência de fazer parte do
programa de intercâmbio, e assim ter a chance de conhecer outros países. Há ainda
a possibilidade de desenvolvimento pessoal dos funcionários e voluntários que
percebem diretamente o reconhecimento do seu trabalho pelos moradores do bairro
e da comunidade local pelo desenvolvimento das pessoas e, sobretudo, da
relevância do Projeto Alavanca Brasil em âmbito nacional e internacional. Isso se
passa em um ambiente agradável que já é parte da identidade da comunidade São
Remo, a presença de amigos e vizinhos faz do Projeto Alavanca Brasil uma escola
da comunidade por conta da administração ser aberta e composta de pessoas da
comunidade local, como afirma Almeida (2005), se referindo ao movimento Escola
Aberta, não caber em uma grade curricular fechada, pois esse tipo de instituição
exige mudança nos tempos e espaços tanto da escola quanto das pessoas, o autor
se refere à escola como espaço da comunidade local:
97
Quando se fala que a escola é da comunidade, é necessário evitar a confusão entre a escola como patrimônio público, cujo serviço se destina a todos que necessitam e a escola como “espaço privatizado” por pessoas ou instituições que se autodeterminam representantes destes e, quando não, seus substitutos. A escola não é patrimônio privado de uma pessoa, de um grupo ou de uma instituição, por mais representativos que se digam ou que efetivamente sejam. Ela é sempre um lugar de todos, sobretudo daqueles que as adversidades acabaram por deixar sem voz, os excluídos. É diferente a escola ser um espaço público, cujo serviço é democratizado, e um espaço de que alguns se apossam como se fosse privado, até mesmo considerando o servidor público como se fosse seu empregado particular. (ALMEIDA, 2005: p.56).
Nas atividades do cotidiano do Projeto Alavanca Brasil, convive-se com
resultados práticos, quanto à contextualização da escola em promover o
desenvolvimento local. Nas semanas que antecedem as eleições é comum que os
partidos busquem nas favelas mão de obra para panfletagem nos semáforos e nos
calçadões; isso não é diferente na comunidade São Remo: presenciou-se na época
das eleições para governador de estado, em 2008, uma evasão dos funcionários, o
telefone do Projeto Alavanca Brasil estava constantemente recebendo ligações à
procura dos funcionários, os mesmos conversavam em tom baixinho ao telefone ou
eram muito breves na ligação. Na sequência, pediam para sair um instante alegando
a busca da solução de um problema pessoal, nos dias seguintes, não vinham
trabalhar e, quando retornavam, alegavam problemas pessoais. Todos os outros que
ficavam, além dos alunos sabiam que aqueles funcionários trabalhavam nos
semáforos da região com panfletagens, em troca de um “bom dinheiro” como diziam,
a prática nunca foi repreendida por ninguém no Projeto Alavanca Brasil.
Nas eleições para presidente da república em 2010, notou-se uma grande
mudança nos hábitos dos mesmos funcionários, com a proximidade do período das
eleições, as ligações começaram a acontecer, como de costume, ninguém se
manifestou sobre as decisões pessoais do funcionário, mas dessa vez, notou-se que
falavam no telefone com expressões negativas, seguidas de um sussurro “não vai
dar, eu estou trabalhando”. O que acontecia fora confirmado nas conversas com os
outros funcionários: as pessoas que fazem parte do Projeto Alavanca Brasil dessa
vez recusaram as propostas de trabalho temporário. Continuamos deixando as
pessoas à vontade para decidir onde e como querem trabalhar.
98
Esse fato pode ser entendido como uma sensação de propriedade, as
pessoas que trabalham no Projeto Alavanca Brasil, sentem a importância de estar
presentes para as tarefas acontecerem, o conceito de desenvolvimento local está
presente, principalmente, nas decisões das pessoas em valorizar sua atividade,
comunidade e cultura.
3.3 Intercâmbio e atividades
Dorothea estava descendo a rua, ao passar ao lado de um grupo de crianças,
ela percebeu que um deles estava brincando com uma metralhadora de madeira.
Ela parou e, aparentemente zangada, olhou para o menino que aparentava cinco
anos de idade. Nesse momento, o menino apontou a “arma” e com a boca fez um
som de uma rajada; foi o que bastou para Dorothea ficar furiosa e tomar do menino
o brinquedo, com certa dificuldade, devido à resistência da criança. Quando ela tirou
o brinquedo do menino, ele pegou uma pedra e ameaçou atirar nela. Ela devolveu o
brinquedo ao menino que a agrediu verbalmente. Tal reação foi suficiente para que a
mãe do menino, em companhia de outras mulheres que estavam sentadas na
calçada, rirem da cena.
Na primeira oportunidade em que o episódio foi rememorado, ela disse não
concordar com crianças brincando com armas. Ela ainda alegou que sabia que um
marceneiro da comunidade construía armas com sobras de retalhos de madeira e as
dava para as crianças. Ela já conversara com ele a respeito, e tudo se repetia: no
momento da conversa ele concordava, mas quando ela vira as costas, ele voltava a
fazer as armas de brinquedo. Ela comentou que, na Alemanha, as crianças não
brincam de armas, em hipótese nenhuma, se isso acontecer a criança deve ser
repreendida e ter o seu brinquedo destruído.
Explicou-se que, até alguns anos atrás, no Brasil, as armas de brinquedo
eram comuns e, para os adultos, nisso, não havia nenhum problema.
Como comentamos antes, o estado é conivente com a liberdade informal nas
ruas da comunidade São Remo, isso se reflete na segurança que o menino teve em
enfrentar um adulto que tomou seu brinquedo, independentemente, de que tipo de
99
brinquedo fosse. Pergunta-se: em um ambiente fora da comunidade como, por
exemplo, na escola o menino teria a mesma reação?
A partir desse evento, propuseram-se cursos para ensinar as crianças a
desenhar outros tipos de brinquedos com retalhos de madeira dos marceneiros. O
próprio marceneiro iria aprender a construir outros brinquedos, dessa vez, com maior
valor educativo, assim como as crianças seriam induzidas a desejarem brinquedos
mais adequados, sobretudo, sobretudo, de cunho pacífico. Depois do ocorrido com o
menino, direcionou-se o foco para uma educação cultural, pensando no isolamento
que os moradores da comunidade São Remo sofrem tanto por parte do estado como
parte da sociedade, propôs-se um projeto maior, um intercâmbio cultural entre
jovens brasileiros e alemães. Os jovens estudantes alemães entram em contato com
os colaboradores na sede em Krummensee, Brandenburg, Alemanha, passam por
uma triagem, recebem material com a descrição do Brasil, contendo informações
culturais, geográficas, populacional, educacional e política, informações e histórico
da comunidade São Remo e de seus moradores, estudam a língua portuguesa e
escrevem um projeto contendo o que poderiam fazer para os jovens da comunidade
São Remo experimentar outra cultura, o que eles poderiam acrescentar para o
desenvolvimento local e como poderiam receber um intercambista da comunidade
São Remo.
Após a escolha do voluntário intercambista, ele recebe mais materiais
contendo informações mais detalhadas do projeto e seus objetivos, exercita a língua
portuguesa com o pessoal do Projeto Alavanca é definido o tempo pré-determinado
de permanência no Brasil, o projeto cuida da carta ofício para obtenção do visto de
um ano e em seguida o voluntário viaja para o Brasil.
O voluntário estrangeiro deve ficar morando na comunidade São Remo,
convivendo com os moradores locais, eles são levados aos pontos turísticos da
cidade de São Paulo e até em outras cidades, possuem um banco de horas para
trabalho na sede do projeto, trabalham como monitores em quase todas as
atividades do Projeto Alavanca e colocam em prática o projeto que idealizaram ainda
na Alemanha, recebem uma quantia em dinheiro mensal para gastos pessoais e no
final do período passam quinze dias em qualquer cidade do Brasil por conta do
Projeto Alavanca Brasil.
100
Os projetos dos alemães são variados e vão ao encontro de habilidades
pessoais, como é o caso de um jovem marceneiro de móveis rústicos, de madeira
não industrializada. Através de processos manuais usando serrote, formão e arco de
pua, ministrou cursos de desenho e fabricação de móveis e, juntamente com os
alunos, construiu uma diversidade de mobiliário para o Projeto Alavanca. O curso
possui uma base em geometria bastante desenvolvida e requer pouco recurso e
baixo investimento em ferramentas. Nas aulas, releva-se o fato de esse trabalho é
muito valorizado na Alemanha.
Foto 7– curso de marcenaria e moveis rústicos.
Outro projeto desenvolvido por um estudante de Geografia foi um curso de
mapeamento da comunidade, com pesquisa social, houve também uma escola de
futebol para meninas com uma jovem jogadora de futebol amador, jogos
cooperativos, reforço escolar com o ensino da Matemática praticado na Alemanha,
construção e organização da biblioteca comunitária, entre outras atividades, mas
todos os voluntários alemães lecionam o idioma alemão e, assim, preparam os
jovens da comunidade para viajar à Alemanha.
Cinco jovens, sendo duas moças e três rapazes, com idades entre 17 e 22
anos, moradores da comunidade São Remo, viajaram para a Alemanha, compondo
parte do programa de intercâmbio cultural. Os jovens ficaram entre seis meses e um
ano, durante esse tempo, eles convivem na casa de uma família fazendo parte do
cotidiano local, estudam o idioma alemão, fazem cursos de capacitação e trabalham
101
junto com os voluntários alemães que vivem na Alemanha. Fazem visitas às
empresas dos colaboradores e participam das apresentações e reuniões para
obtenção de recursos. Fazem um “diário de bordo” e, semanalmente, realizam uma
videoconferência com os amigos, alunos e gestores no Projeto Alavanca Brasil, na
comunidade São Remo. Com isso, dividem parte das experiências vividas no
momento em que acontecem. O projeto envia para o intercâmbio os jovens
moradores da comunidade São Remo, que devem possuir condição mínima de ler,
escrever e falar o idioma alemão, ler razoavelmente o idioma inglês, e
comprometem-se em organizar e ministrar palestra e curso para os outros alunos e
integrantes do Projeto Alavanca sobre as experiências vividas fora do Brasil e
relacionar com o futuro.
O resultado disso é bastante positivo na questão do desenvolvimento, os
jovens voltaram com uma visão mais ampla de sociedade e participam da reunião de
secretaria e coordenação, demonstram maturidade para discutir os caminhos a
seguir tanto no Projeto Alavanca Brasil como na comunidade São Remo.
Com a convivência diária de vários jovens alemães na comunidade São
Remo, é notável a mudança nos moradores em relação à valorização do espaço
local, é como se a casa recebesse visita de fora e, antes que a visita se torne
totalmente da casa, ela vai embora e outras novas chegam. Com o tempo, os
moradores foram se acostumando com o trânsito de pessoas que não são da
comunidade. Constantemente, organizam-se almoços e cada um tem o espaço para
colocar em prática suas aptidões culinárias, ministram-se oficinas de fazer pão de
queijo, preenchem-se as vagas na cozinha rapidamente, inclusive pelos alemães.
Em conversas com moradores sobre a presença de estrangeiros na comunidade, a
imagem é sempre positiva com valorização do local somado com a experiência que
alguns adquirem fora do Brasil, e orgulham-se da comunidade São Remo ser
reconhecida internacionalmente. A conquista da doação de um automóvel por
intermédio da câmara de comercio Brasil-Alemanha, foi motivo de muita alegria para
a comunidade, a entrega do veículo foi feita pela Chanceler da Alemanha Angela
Merkel e os diretores das fábricas do Brasil e da Alemanha receberam alguns alunos
na unidade fabril da Volkswagen em São Bernardo do Campo.
102
Foto 8– Doação do automóvel.
Algumas atividades são do tipo mutirão, como foi o caso da pintura do Projeto
Alavanca Brasil. Logo após as obras de construção estar terminadas, as paredes do
prédio precisavam de pintura. Buscou-se contato e conseguiu-se junto a uma
indústria fabricante de tinta, todo o material para fazer a pintura do prédio. Quando o
material chegou, a indústria enviou os pintores para começarem o trabalho.
Convocaram-se todos os jovens para pintar o prédio. A experiência deu muito
trabalho, pois no início era tudo motivo de alegria. O envolvimento foi tão grande que
houve disputa na escolha das cores e dos pintores da escada. quando se
completavam Após duas semanas de trabalho, tudo estava pronto. Os bons
resultados são devidos ao fato de que o prédio é pintado pela comunidade local e,
também, é conservado pela comunidade local.
Foto 9– Fachada do prédio.
103
Outras atividades são promovidas como é o caso de passeios culturais em
conjunto com a realização dos cursos, são oferecidos várias atividades e oficinas
com profissionais das áreas relacionadas com o tema. No caso, a educação para o
meio ambiente tem um objetivo em comum, o conhecimento do espaço quanto à
geografia, ecologia e biodiversidade local.
Foto 10– oficina de reciclagem e meio ambiente.
Os alunos fotografam e identificam as espécies de animais que vivem na
região como, por exemplo, as capivaras que vivem nas margens do rio Pinheiros e
transitam entre as galerias, dutos e pelo córrego Pirajussara, das margens do rio até
o interior do campus universitário da USP.
Os alunos e voluntários vão a passeios de barco no rio Tietê. Entre as
atividades, há passeios em locais de cultura e lazer próximos como é o caso do pico
do Jaraguá, Bienal de arte moderna, Bienal do livro, Museu do Ipiranga, Museu da
língua portuguesa, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Estação ciência, Vila de
Paranapiacaba, entre outros.
104
Foto 11 – passeio de barco pelo rio Tietê.
Foto 12– visita à Bienal do livro.
Foto 13– passeio ao Pico do Jaraguá.
105
Foto 14– Passeio ao sítio São Lourenço da Serra.
As fotos acima registram alguns das atividades externas em grupo, são
passeios de cunho cultural e recreativo. Os passeios são escolhidos, conforme o
aproveitamento do conteúdo cultural, em relação à localidade e conforme o custo
financeiro. Quanto mais longe for o local de visita, mais conteúdo ele deve oferecer,
por exemplo, as atividades na cidade de São Paulo são avaliadas, com base no
custo financeiro, isso porque a região possui uma oferta muito grande de atividades
culturais gratuitas ou de baixo custo, as atividades de investimento elevado
necessitam de uma avaliação mais apurada. Essa prática mantém as condições
primárias de acesso do grupo social, são passeios que as pessoas da comunidade
São Remo poderiam fazer sem muito esforço financeiro, mas o desconhecimento
dos programas culturais gratuitos e de baixo custo resultam na acomodação e o
Projeto Alavanca Brasil atua praticando a cultura da busca de recursos possíveis
para o local, ou seja, os passeios não são soluções paliativas, os jovens que vão
aos passeios, com o tempo, percebem que também podem ir sem depender de
outro. Referindo-se à questão da democratização da cultura, Freire discorre:
Partíamos de que a posição normal do homem, (...) era e não apenas estar no mundo, mas com ele. A de travar relações permanentes com este mundo, de que decorre pelos atos de criação e recriação, o acrescentamento que ele faz ao mundo, natural, que não fez, representado na realidade cultural. E de que, nestas relações com a realidade e na realidade, trava o homem uma relação especifica – de sujeito para objeto – de que resulta o conhecimento, que expressa pela linguagem. (FREIRE, 2003: p.112-113).
106
3.4 Impactos do Projeto Alavanca Brasil
As bolsas de estudo são, sem dúvida, um bom recurso para o
desenvolvimento dos estudantes da comunidade São Remo, desde o início do
projeto, as bolsas de estudo estão presentes e são desejadas por diversas mães
que buscam um futuro melhor para o seus filhos.
Inicialmente o projeto tinha como prioridades as atividades divididas em
grupos, são eles: intercâmbio cultural, passeios e eventos, participação dos
moradores, reforço escolar e bolsas de estudo. Na figura abaixo as setas indicam o
grau de prioridade para a seta de maior tamanho e menor prioridade para a seta
menor.
O intercâmbio cultural é de baixa prioridade por limitações financeiras,
passeios e eventos são de média prioridade pela fácil realização, a participação de
moradores em todas as atividades é de maior importância para continuidade dos
trabalhos, o reforço escolar é de média prioridade por limitações de espaço físico e
baixa adesão e as bolsas de estudo são de baixa prioridade.
PRIORIDADE DAS ATIVIDADES
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA
DESENVOLVIMENTO LOCAL
BOLSAS DE ESTUDO
INTERCÂMBIO CULTURAL
PASSEIOS E EVENTOS
REFORÇO ESCOLAR
PARTICIPAÇÃO DE MORADORES
Figura 14
107
Durante a realização das atividades, as bolsas de estudo se destacaram em
relação às outras.
REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA
DESENVOLVIMENTO LOCAL
BOLSAS DE ESTUDO
INTERCÂMBIO CULTURAL
PASSEIOS E EVENTOS
REFORÇO ESCOLAR
PARTICIPAÇÃO DE MORADORES
Figura 15
Os resultados das atividades levaram ao desenvolvimento pessoal e local
conforme a figura abaixo.
RESULTADO DAS ATIVIDADES
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA
DESENVOLVIMENTO LOCAL
BOLSAS DE ESTUDO
INTERCÂMBIO CULTURAL
PASSEIOS E EVENTOS
REFORÇO ESCOLAR
PARTICIPAÇÃO DE MORADORES
DESENVOLVIMENTO LOCAL / PESSOAL
DESENVOLVIMENTO PESSOAL
DESENVOLVIMENTO PESSOAL
CONFLITO PESSOAL
Figura 16
108
Nos resultados das atividades as bolsas de estudo se destacam com a
geração de conflitos pessoais devido à dificuldade de acompanhamento no grupo
escolar.
Percebeu-se que a condição de permanência no local não deve ser base para
os objetivos das atividades, e sim uma questão de opção uma vez que o próprio
local pode gerar desenvolvimento nos moradores.
Figura 17
Os ajustes nos planejamentos são necessários para adequar o
desenvolvimento no contexto metropolitano onde este se faz em uma condição de
desigualdade social.
Seria senso comum imaginar que, ao matricular uma criança em uma escola
de grupo social abastado, se está fazendo inclusão e reduzindo as distâncias entre
os grupos sociais em questão. Na dimensão teórica, estaria realmente reduzindo as
distâncias dos grupos, na dimensão prática da escola, as diferenças são reforçadas
pelos aspectos físicos, culturais e, em especial, pelo desenvolvimento escolar, este
último, por sua vez, pode gerar uma condição de isolamento do grupo de
convivência escolar, resultando em mais dificuldades de aprendizagem até a
condição de exclusão velada. Não se pretende aqui, criticar o trabalho que se tem
109
feito em relação às bolsas de estudo em instituições de ensino privado, a solução é
válida, mas é paliativa, e a maior parcela do desenvolvimento local não está na
educação formal, segundo Gohn:
(...) é importante reiterar novamente que a educação não formal não deve ser vista, em hipótese alguma, como algum tipo de proposta contra ou alternativa à educação formal, escolar. Já afirmamos: ela não deve ser definida pelo que não é, mas sim pelo que ela é – um espaço concreto de formação com a aprendizagem de saberes para vida em coletivos, para a cidadania. Esta formação envolve aprendizagens tanto de ordem subjetiva – relativa ao plano emocional e cognitivo das pessoas – como aprendizagem de habilidades corporais, técnicas, manuais etc. que os capacitam para o desenvolvimento de uma atividade de criação, resultado de um produto como fruto do trabalho realizado. Estes saberes não podem ser valores impostos, de cima para baixo, desconsiderando a autonomia de cidadãos(ãs). Mas estes(as) cidadãos(ãs) não podem ser vistos isoladamente. A contextualização do lugar e tempo onde ocorrem processos de educação não formal é algo de suma importância para entender seu caráter, sentido e significado também. (GOHN, 2010: p.40).
A proposta do Projeto Alavanca Brasil é de desenvolvimento local por
consequência do desenvolvimento cultural do sujeito no local, há intenção de que as
pessoas se desenvolvam com recursos próprios, como acontece com as atividades
de reforço escolar. Os jovens que iniciaram as aulas de acompanhamento e reforço
escolar eram voluntários de fora da comunidade São Remo, com o tempo foram
substituídos por monitores que um dia foram estudantes do Projeto Alavanca Brasil.
Hoje muitos já foram substituídos por outros e assim sucessivamente. Aprender e
ensinar fazem parte da vida, da existência humana (FREIRE, 1997). A descoberta, a
criação, a linguagem, a monitoria, assim como os outros ofícios, já são
desenvolvidos por moradores locais.
Outras atividades acontecem com maior frequência como é o caso do
cineclube que acontece nos sábados à tarde. Antes do filme, é feita uma pequena
reunião e o assunto relacionado ao tema do filme é discutido abertamente para
depois iniciar a projeção, é feita uma pequena pausa de alguns minutos para
distribuir ao público refresco e pipoca, e ao término do filme são questionadas as
conclusões de cada um.
110
Hoje o Projeto Alavanca Brasil possui no quadro de funcionários, secretarias,
coordenação e direção, somente moradores locais, as crianças têm a liberdade de
entrar e sair, vão a pé, pois estão a uma pequena caminhada de casa, têm como
monitores seus colegas de bairro mais experientes, respeitam as instalações,
ajudam a manter as instalações. Estes são alguns dos valores locais, valores
comunitários, as amizades e experiências internacionais, o uso de computadores em
rede, os idiomas que se aprendem fazem o mundo menor para os olhos dos jovens
da Comunidade São Remo. Essa forma de educação integral, ou seja, na escola, no
bairro, em casa, promove a autonomia crítica e de escolha e é nesse sentido que
Dowbor afirma:
O que visamos é uma escola um pouco menos lecionadora, e um pouco mais articuladora dos diversos espaços do conhecimento que existem em cada localidade, em cada região. E educar os alunos de forma a que se sintam familiarizados e inseridos nesta realidade. (DOWBOR, 2006: p.8).
A cultura de administrar uma ONG que é da comunidade São Remo para a
comunidade São Remo faz dos moradores, gestores do próprio destino, somente
quem é morador saberá as necessidades do local, portanto é preciso fazer conhecer
a dinâmica do grupo social para posteriormente poder intervir.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo inicial da pesquisa foi compreender em que medida a proposta de
educação contextualizada atua como instrumento de inclusão social em regiões
metropolitanas. Para isso buscou-se entender a noção de educação contextualizada,
a partir de uma revisão da literatura sobre o assunto, uma reflexão sobre o próprio
processo formativo, por meio do qual foi possível destacar as dificuldades que um
jovem enfrenta em um modelo de escola que privilegia a ordem, em detrimento da
inteligência e da criatividade. Recorreu-se também à observação participante uma
vez que o pesquisador atua no projeto onde é realizada a pesquisa.
O trabalho de campo foi realizado no Projeto Alavanca Brasil, uma entidade
do terceiro setor que surgiu como apoio à escolarização das crianças de uma favela
e que, com o passar do tempo, teve seu raio de atuação ampliado e passou a
trabalhar, visando a matricular as crianças que estavam fora da escola, a buscar
bolsas de estudo em escolas da região para os alunos que se destacavam e a
promover atividades de profissionalização para jovens e adultos da comunidade
com perspectiva de colocação no mercado de trabalho. O projeto teve início a partir
de uma iniciativa individual e, aos poucos, foi conseguindo adesões de pessoas e
empresas que passaram a contribuir para o seu desenvolvimento.
Uma das principais bandeiras do projeto é promover o desenvolvimento local
por meio da garantia de direito à escola para as crianças, do aumento da
escolarização dos jovens e adultos e da profissionalização. Para isso, hoje a
entidade viabiliza 300 bolsas de estudo para crianças em escolas particulares da
região local, possui cursos preparatórios pré-vestibular, reforço escolar, cursos de
capacitação em atividades como informática, marcenaria e artes gráficas; cursos de
línguas em inglês e alemão e um programa de intercâmbio cultural de estudantes e
profissionais de diversas partes da Alemanha que atuam como voluntários. Desta
forma, não se caracteriza como uma escola e, sim, como uma atividade paralela à
escola.
O projeto hoje conta com apoio do programa de voluntariado do governo
alemão, que fornece recursos para a viagem e estadia dos voluntários, os demais
cursos e bolsas têm o apoio financeiro de parcerias com empresas situadas na
112
Região Oeste de São Paulo com sede na Alemanha como é o caso da Semikron.
Outros incentivos, como doações, são de origem em outras empresas (Volkswagen,
Basf, Bosch, Votorantim, Munte) e da câmara de comercio Brasil-Alemanha. A
entidade possui o reconhecimento da Unicef.
A pesquisa mostra que o desenvolvimento do projeto tem contribuído para a
facilitação do percurso dos jovens na escola e para a sua profissionalização.
Contudo, ainda há uma certa distância entre a ideia de formação e permanência no
local. Muitos jovens, quando adquirem certa capacitação profissional e conseguem
emprego, vão procurar lugar melhor para viver. Mas, há aqueles que ficam e que
procuram melhorar as condições de vida no local. Neste sentido, podemos destacar
a participação de pessoas da comunidade na coordenação da escola, preocupação
com a destinação do lixo e maior interesse pelo acompanhamento das carianças na
escola.
A viabilização de bolsas em escolas particulares tem se mostrado uma
proposta, em certo sentido, inadequada para a comunidade e há necessidade de ser
revista. As crianças do projeto geralmente não se adaptam nas escolas de classe
média para onde vão. Incluí-los nestas escolas apresentou-se como uma iniciativa
que promovia angústia e sofrimento para aqueles que não aceitavam se converter à
ideologia da escola.
Essa situação tem mostrado que, aos poucos, a ideia de educação como
trampolim para uma pessoa escapar da sua região ou galgar um posto mais alto na
pirâmide social vem sendo substituída pela ideia de uma educação voltada para a
rearticulação social. À medida que a comunidade começa a ter mais acesso ao
conhecimento e vai aprendendo a lidar com ele pode intervir na própria realidade
com vista a transformá-la para melhor e com isto promover a qualidade de vida
humana coletiva. A educação contextualizada é um instrumento importante para
este processo, na medida em que ela aponta para uma possibilidade concreta de os
cidadãos tomarem nas mãos a própria história.
Construir uma proposta deste tipo, em um cenário complexo da cidade de
São Paulo, não é tarefa fácil ainda mais em uma realidade onde a situação de
desigualdade em que vivem as pessoas provoca sentimentos e reações diversas
113
naqueles que tentam nela intervir. Mas, mesmo neste cenário, se desenvolve o
projeto Alavanca que vem procurando criar um espaço de preparação do jovem para
atuar na sociedade na qualidade de profissional e cidadão.
O projeto tem contribuído para o fortalecimento da visão, segundo a qual
podemos ser donos da nossa própria história e promover nela a transformação
econômica social e cultural necessária. Fortalece a percepção de que o
desenvolvimento não se espera, mas se faz, e que pode promover uma das
mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Dessa forma, será possível
tirar cada um de nós da atitude cômoda de espectadores críticos da ineficiência
alheia (Dowbor, 2006) e colocar-nos como construtores do nosso próprio destino. A
experiência de educação voltada para o desenvolvimento local vem acontecendo em
muitos municípios do Brasil, sobretudo, no semi-arido nordestino. Surge daí uma
promessa no sentido de superação da desigualdade social que promove tanta
incerteza para nossos jovens.
A reflexão sobre estas experiências mostrou certa semelhança entre os
princípios que as orientam e os princípios que vêm orientando o trabalho
desenvolvido, por meio do projeto Alavanca. A pesquisa mostrou que é possível o
desenvolvimento de uma proposta de educação contextualizada em um contexto
complexo como o de uma metrópole como São Paulo.
114
REFERÊNCIAS
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117
APÊNDICE
Projeto de escola profissionalizante
Escopo do projeto:
O projeto a seguir destina-se a construção de uma edificação na comunidade
do jardim São Remo, no local onde atualmente há uma quadra poliesportiva.
Perspectiva frontal e lateral com cobertura
O prédio deverá conter três pisos, sendo um piso térreo “piso prática”, onde
haverá oficinas de marcenaria com 180 m2 com sistema de exaustão de pó-de-serra
e artes gráficas com 300 m2, esta segunda possuirá uma área de serigrafia com
37m2.
A divisão dessas áreas deverá ser por blocos de concreto ou divisórias em
madeira.
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Na figura acima, a perspectiva do piso térreo, a fachada possui dois portões
de entrada, o maior 4m x 2,7m que dá acesso à oficina de artes gráficas; e um
menor de acesso à escada que leva ao piso superior. Na lateral esquerda do prédio,
onde há um corredor de 4 metros de largura fica o portão de acesso à oficina de
marcenaria e a rampa de acesso aos pisos superiores.
Na figura acima, detalhe da rampa de acesso aos pisos superiores.
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Detalhe da tubulação de exaustão.
No fundo da oficina de artes gráficas, ficam os banheiros e espaço para
bebedouros; a laje dos banheiros servirá de piso para um mezanino do setor de
manutenção de informática.
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RUA AQUIANÉS
Acima o layout em planta do piso térreo.
Acima, a figura ilustra um possível posicionamento dos pilares distanciados
em 10 metros de vão na profundidade da edificação e em 7,5 metros de vão na
largura da edificação.
O segundo piso “piso teórico” possuirá acesso interno ao prédio via escada na
porta da fachada e via rampa lateral externa ao prédio.
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Este piso deverá conter os banheiros na mesma configuração do piso térreo e
12 ambientes divididos em: 5 salas de aula, 2 laboratórios de informática, 1 sala de
reunião, 1 auditório, 1 biblioteca, 1 refeitório e 1 grêmio acadêmico. Haverá 2
corredores principais na direção longitudinal ao prédio, e um corredor transversal ao
prédio; as salas serão divididas por divisórias em madeira ou material similar com
janelas de vidro entre as salas por conta da propagação de luz, amplitude visual.
Perspectiva do “piso teórica”.
O piso superior “piso convivência” será logo acima do “piso teórica”, o acesso
será somente pela rampa externa do prédio, este piso terá dois banheiros na mesma
configuração e localização dos pisos inferiores, em sua laje ficarão as caixas d’água.
Em sua área central haverá uma quadra poli esportiva no tamanho mínimo
oficial, nas laterais uma arquibancada de cada lado com uma área do tipo “dispensa”
para acomodação de materiais esportivos.
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Perspectiva dos fundos e lateral
Perspectiva frontal e lateral
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Perspectiva dos acessos frontal e lateral
Perspectiva frontal sem a parede da fachada.
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Perspectiva sem a parede do fundo do prédio.
Fachada do prédio
125
Lateral esquerda do prédio.
Lateral direita do prédio.
Fundo do prédio
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Perspectiva frontal e lateral do pavimento para as oficinas
Perspectiva frontal e lateral do pavimento para as salas de aula
Perspectiva frontal e lateral da quadra poliesportiva
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