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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO ANTONIO IVAN CASTILHO A educação contextualizada como instrumento de inclusão social São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

ANTONIO IVAN CASTILHO

A educação contextualizada como instrumento de

inclusão social

São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

ANTONIO IVAN CASTILHO

A educação contextualizada como instrumento de

inclusão social

Dissertação apresentada à banca examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida.

São Paulo 2011

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Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID C352e

Castilho, Antonio Ivan. A educação contextualizada como instrumento de inclusão social / Antonio Ivan Castilho --- São Paulo, 2011. 127 p. Bibliografia Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São Paulo. Orientador Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida 1. Educação. 2. Educação – inclusão social. 3. Contexto da educação. I. Almeida, Júlio Gomes. II. Titulo.

370.115

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COMISSÃO JULGADORA

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Aos meus pais, Lairdes e José, pela educação e pelo amor incondicional,

nestes quarenta anos.

Às minhas irmãs, Ana e Lara, porque nossa união é maior que a distância.

Ao professor e amigo Migliatti.

À Juliana pela paciência e apoio.

Aos pesquisadores e trabalhadores que, de alguma forma, reduzem o

sofrimento dos excluídos.

À memória de Guilherme Zaninotto.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida, orientador e parceiro dessa dissertação,

que pacientemente ampliou meu panorama no universo das escolas comunitárias e

da pesquisa em Educação.

A todos os docentes do Programa de Mestrado da Unicid, por terem me

proporcionado diálogos e leituras relevantes.

À Profª Margarete May Berkenbrock Rosito, pelas leituras e aulas que

desencadearam a escrita do Memorial.

À Daniela Mattern e à Rosângela dos Santos pelo apoio e pelo fornecimento

de dados no Projeto Alavanca Brasil.

A Maxi Drobnitzky e Regina Rückel pela integridade das pautas nas reuniões.

À Annette Martucci pelas reflexões dos acontecimentos do projeto.

Aos muitos educandos e educadores, companheiros de trabalho e da

trajetória como docente, em todos esses anos.

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"A extinção do déficit não pode resultar senão de um

abalo profundamente renovador nas fontes espontâneas da

produção. Ora, a produção, como já demonstramos, é um

efeito da inteligência: está, por toda a superfície do globo, na

razão direta da educação popular. Todas as leis protetoras são

ineficazes, para gerar a grandeza econômica do país, todos os

melhoramentos materiais são incapazes de determinar a

riqueza, se não partirem da educação popular, a mais criadora

de todas as forças econômicas, a mais fecunda de todas as

medidas financeiras”.

Rui Barbosa (1883)

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RESUMO

Castilho, A. I. A educação contextualizada como instrumento de inclusão social. São

Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).

O objeto da pesquisa é a educação contextualizada na conjuntura metropolitana. O

principal objetivo do estudo é o entendimento da dimensão da possibilidade de se

desenvolverem propostas como essa em regiões metropolitanas, como a de São

Paulo. Como local da pesquisa escolheu-se o Projeto Alavanca Brasil, desenvolvido

em uma favela da Zona Oeste de São Paulo, com apoio do governo alemão e de

diversas empresas alemãs que atuam no Brasil. A metodologia adotada, na

realização da pesquisa, foi qualitativa e como técnica de coleta de dados optou-se

pela análise bibliográfica e documental, que foi complementada pela reflexão sobre

o próprio processo formativo, com destaque para a relação do professor com a

escola nesse processo. Como técnica de coleta de dados, recorreu-se à

observação, incluindo a participação, no projeto onde foi realizada a pesquisa. Foi

possível perceber que a existência do projeto vem contribuindo para o crescimento

da comunidade e, sobretudo, para a ampliação da visão daqueles que conduziram a

sua implantação. O projeto vem sendo, ainda, responsável pelo seu

desenvolvimento. Há alguns indicadores que demonstram essa mudança, sendo o

principal deles o fato de o projeto estar sendo conduzido com expressiva

participação da comunidade.

Palavras chave: Comunidade. Educação contextualizada. Inclusão.

Metrópole

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ABSTRACT

Castilho, A. I. A educação contextualizada como instrumento de inclusão social. São

Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).

The object of education research is contextualized in the metropolitan situation. The

main objective of the study is to understand the dimension of possibility of developing

such as this proposals in metropolitan areas, such as São Paulo. As the research

site was chosen Alavanca Brazil Project, developed in a favela in West Zone of São

Paulo, with support from the German government and several German companies

operating in Brazil. The methodology used in the research, and as a qualitative data

technique for collecting was chosen for the literature review and documentary, which

was followed by reflection on their own learning process, especially the relationship

with the school teacher in this process . As a technique for collecting data, we used

the observation, including participation in the project where the research was

performed. It was possible to understand that the project has contributed to the

growth of the community and especially to broaden the vision of those that led to its

implementation. The project has been also responsible for its development. There

are some indicators that show this change, the main one being the fact the project is

being conducted with significant community participation.

Keywords: Community. Education context. Inclusion. Metropolis.

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SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................08

ABSTRACT..............................................................................................................09

LISTA DE APÊNDICES...........................................................................................12

LISTA DE FIGURAS................................................................................................13

LISTA DE FOTOS....................................................................................................15

LISTA DE TABELAS................................................................................................16

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS...................................................................17

INTRODUÇÃO.........................................................................................................19

CAPITULO 1............................................................................................................24

APRESENTAÇÃO: MEMORIAL DE FORMAÇÃO........................................24

1.1 Início da carreira profissional..................................................................29

1.2 A descoberta da docência.......................................................................33

1.3 Primeiro contato com o Projeto Alavanca Brasil.....................................37

CAPÍTULO 2............................................................................................................41

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA: UMA PROPOSTA PARA A

METRÓPOLE?.........................................................................................................41

2.1 Desigualdade Social................................................................................42

2.2 Modelo de escola atual............................................................................46

2.3 Educação escolar: um modelo a ser repensado.....................................55

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2.4 Educação contextualizada.......................................................................60

2.5 Desenvolvimento local.............................................................................63

2.6 Inclusão Social........................................................................................66

CAPÍTULO 3............................................................................................................76

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA: UMA POSSIBILIDADE DE

INCLUSÃO SOCIAL NA METRÓPOLE.................................................................76

3.1 A comunidade São Remo.......................................................................77

3.2 O projeto alavanca..................................................................................87

3.2.1 Objetivos do Projeto Alavanca Brasil:.......................................92

3.2.2 Perfil dos Bolsistas:...................................................................93

3.2.3 Histórico de eventos:................................................................93

3.2.4 Desafios atuais:........................................................................97

3.3 Intercâmbio e atividades........................................................................99

3.4 Impactos do Projeto Alavanca Brasil....................................................107

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................112

REFERÊNCIAS....................................................................................................115

APÊNDICE...........................................................................................................118

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LISTA DE APÊNDICES

APÊNDICE 1 - Projeto de escola profissionalizante (2009) 116

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Índice de pobreza e desigualdade (2003). 42

Figura 2 - Área da unidade territorial (2003). 43

Figura 3 - Densidade demográfica (2003). 43

Figura 4 - Acesso à educação infantil (2008). 53

Figura 5 - Matrículas no ensino fundamental; oferta de EJA

entre 2001 e 2007, (2008). 54

Figura 6 - Pessoas residentes não-naturais da Unidade da Federação de

residência em percentual (2008). 67

Figura 7 - População por região (2008). 69

Figura 8 - Pessoas residentes não-naturais da Unidade da Federação de

residência em milhões de habitantes (2008). 69

Figura 9 - Taxa de migrantes em São Paulo (2008) 70

Figura 10 - Famílias por classe de rendimento mensal

familiar em São Paulo (2010) 72

Figura 11 - Localização da comunidade São Remo (2011) 78

Figura 12 - Segmentação da população da comunidade São Remo. 80

Figura 13 - Estrutura do Projeto Alavanca Brasil. 89

Figura 14 – Prioridade das atividades. 89

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Figura 15 – Realização das atividades. 89

Figura 16 – Resultado das atividades. 89

Figura 17 – Ajuste de objetivos. 89

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Comunidade São Remo, vista do bairro. 79

Foto 2 - Interior da comunidade São Remo. 79

Foto 3 - Crianças jogando bola na comunidade São Remo. 81

Foto 4 - Maquete do projeto do novo prédio 85

Foto 5 - Lixo espalhado pela calçada 86

Foto 6 - Casas às margens do córrego 86

Foto 7 - Curso de marcenaria e móveis rústicos 101

Foto 8 - Doação do automóvel 103

Foto 9 - Fachada do prédio 104

Foto 10 - Oficina de reciclagem e meio ambiente 105

Foto 11 - Passeio de Barco pelo rio Tietê 105

Foto 12 - Visita à Bienal do Livro 106

Foto 13 - Passeio ao Pico do Jaraguá 106

Foto 14 - Passeio ao sítio São Lourenço da Serra 106

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Taxa de pessoas residentes não-naturais da região Sudeste (2008) 68

Tabela 2 - Microcrédito por região (2005) 71

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAD – Computer Aided Design

CFE – Conselho Federal de Educação

CTI – Colégio Técnico Industrial

DVD – Digital Vídeo Disc

EJA – Educação de Jovens e Adultos

EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental

EMPG – Escola Municipal de Primeiro Grau

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LED - Light Emission Diode

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

MT – Ministério do Trabalho

ONG – Organização não-Governamental

PNE – Plano Nacional de Educação

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PNMPO – Programa Nacional de Microcredito Orientado

SEADE - Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

TRT – Tribunal Regional do Trabalho

UNESP – Universidade Estadual Paulista

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância

USAID – United States Agency for International Development

USP – Universidade de São Paulo

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INTRODUÇÃO

O objetivo da pesquisa é compreender a noção de educação contextualizada

e verificar, em que medida, essa proposta educacional pode contribuir para a

inclusão de jovens e adultos que residem em regiões metropolitanas. Para

realização da pesquisa, pretende-se estudar o Projeto Alavanca Brasil, uma ONG

desenvolvida em uma favela da Zona Oeste de São Paulo, que busca a inclusão

social por meio da educação escolar voltada para a profissionalização dos jovens

residentes no local. A proposta do projeto é, além de melhorar a escolarização e

profissionalizar estes jovens, também contribuir para a melhoria da qualidade de

vida humana no local, por meio da criação de oportunidade de exercício da

cidadania pela comunidade. Neste sentido, o envolvimento de todos, nas decisões

tomadas na escola, constitui-se em importante instrumento de formação.

O interesse pelo tema está relacionado com a história de vida do pesquisador

que, em seu processo de escolarização, enfrentou dificuldades dentro de um modelo

de escola que privilegia a ordem, em detrimento da inteligência e da criatividade.

Lidar com a escola foi muito difícil para uma criança que, desde a infância brincava

em meio a máquinas e equipamentos de seu pai, desenhista e projetista de

máquinas. O pai ensinava, à criança, o manuseio de diversos equipamentos

enquanto ela servia de ajudante em suas tarefas. A partir da reflexão sobre a prática

e os ensinamentos, em uma Escola Técnica, e sobre a noção de educação

contextualizada, adquirida no Curso de Mestrado, iniciou-se o delineamento desse

projeto cujo objeto de pesquisa é a educação contextualizada como instrumento de

inclusão social.

A pesquisa será realizada em uma entidade do terceiro setor que tem por

objetivo a profissionalização de jovens e adultos com perspectiva de colocação no

mercado de trabalho. Outro objetivo da entidade é contribuir com o processo de

democratização da escola, por meio da sua abertura para a comunidade. Para isso,

organizou uma escola cuja gestão é exercida por funcionários e moradores locais.

Denominada “Alavanca”, a entidade está situada na Zona Oeste da cidade de São

Paulo, em uma comunidade de quatorze mil moradores conhecida como “São

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Remo”. Essa entidade viabiliza 300 bolsas de estudo para crianças em escolas

particulares da região local, ela possui cursos preparatórios pré-vestibulares, reforço

escolar, cursos de capacitação em atividades como informática, marcenaria e artes

gráficas; cursos de línguas em inglês e alemão e um programa de intercâmbio

cultural de estudantes e profissionais de diversas partes da Alemanha que atuam

como voluntários.

O projeto Alavanca conta com apoio do programa de voluntariado do governo

alemão que fornece recursos para a viagem e estadia dos voluntários, os demais

cursos e bolsas têm o apoio financeiro de parcerias com empresas situadas na

região oeste de São Paulo com sede na Alemanha, como é o caso da Semikron.

Outros incentivos, como doações, têm suas origens em outras empresas

(Volkswagen, Basf, Bosch, Votorantim, Munte) e na câmara de comercio Brasil-

Alemanha. A entidade possui o reconhecimento da Unicef.

Segundo DOWBOR (2006), a educação contextualizada visa à compreensão,

por parte dos alunos, do ambiente e da realidade na qual eles estão inseridos. A

partir de tal compreensão, eles são chamados para uma participação social como

cidadãos e como profissionais. A educação contextualizada visa à permanência do

cidadão na sua região, com a finalidade de transformá-la, tornando-a a base da

permanência no território, na medida em que contribui para o desenvolvimento local.

Trata-se de uma escola diferente daquela que aborda a educação como um

trampolim para escapar da região ou para alcançar um lugar mais acima na pirâmide

social.

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada

a essa compreensão e à necessidade de se formarem pessoas que amanhã possam

participar, de forma ativa, das iniciativas capazes de transformar o seu entorno e de

gerar dinâmicas construtivas. Segundo Dowbor, quando se tenta promover

iniciativas deste tipo, constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos

desconhecem desde a origem do nome da sua própria rua até os potenciais do

subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania ativa, temos de ter uma

cidadania informada, e isto começa cedo. A educação não deve servir apenas como

trampolim para uma pessoa escapar da sua região deve dar-lhe os conhecimentos

necessários para ajudar a transformá-la e, com isto, melhorar a qualidade de vida

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humana coletiva. A educação contextualizada é um instrumento importante para o

desenvolvimento local. Ela aponta para a possibilidade concreta de os cidadãos

tomarem nas mãos a própria história.

Segundo Dowbor (2010) desenvolver uma proposta de educação

contextualizada em uma pequena cidade do interior é bem mais fácil do que

desenvolvê-la em uma metrópole, conforme esclarece o trecho seguinte:

(...) há municípios e municípios. Você está falando de São Paulo, você está falando de dez milhões de habitantes, é um país. São Paulo, com suas periferias é 20 milhões de habitantes, é um grande país. Então, nós precisamos ter sistemas muito mais descentralizados. Nos municípios médios e pequenos é muito mais fácil perceber uma articulação do desenvolvimento com as necessidades locais. (DOWBOR, 2010: p.2).

No cenário complexo da cidade de São Paulo, desenvolve-se o projeto

Alavanca que vem procurando criar um espaço de preparação do jovem para atuar

na sociedade na qualidade de profissional e cidadão. Pretende-se, neste trabalho,

analisar esse projeto e verificar em que medida ele vem se constituindo em

instrumento de inclusão social.

Pesquisas e experiências vêm sendo desenvolvidas geralmente com enfoque

na realidade rural, como tem acontecido nas regiões Sul e Nordeste. Na região Sul,

há o exemplo de São Joaquim, em Santa Catarina e, na região Nordeste, cita-se o

exemplo de Pintadas na Bahia.

São Joaquim é um exemplo de desenvolvimento local Dowbor (2006), como

forma de inclusão social, uma vez que era uma região pobre, de pequenos

produtores sem perspectiva, e com os mais baixos indicadores de desenvolvimento

humano do Estado. Entretanto, eles se organizaram e criaram uma nova realidade

que melhorou as condições de vida em toda a região. Como outras regiões do país,

São Joaquim e os municípios vizinhos, esperavam que o desenvolvimento

“chegasse” de fora, sob forma de investimento de uma grande empresa ou de um

projeto de governo. O destino da região começou a mudar, quando seus habitantes

decidiram que não iriam mais esperar. Optaram, assim, por outra maneira de

solucionar os problemas: enfrentá-los eles mesmos. Identificaram características

diferenciadas do clima local, constataram que tal clima era excepcionalmente

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favorável à fruticultura. Organizaram-se, e com os meios dos quais dispunham,

fizeram parcerias com instituições de pesquisa, formaram cooperativas, abriram

canais conjuntos de comercialização para não depender de atravessadores e, hoje,

eles se constituem em uma das regiões que mais rapidamente se desenvolve no

país. Esses cidadãos não dependem mais de uma grande corporação que, de um

dia para outro, possa mudar a região: dependem de si mesmos.

Essa visão de que se pode ser dono da própria transformação econômica e

social, de que o desenvolvimento não se espera, mas se faz, constitui uma das

mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Ela tira o homem da posição

de espectador crítico da ineficiência alheia, e o coloca como construtor do seu

próprio destino. A experiência de educação voltada para o desenvolvimento local

vem acontecendo também em municípios do semi-árido nordestino. Dowbor (2006)

cita as experiências no campo da educação contextualizada, desenvolvidas na

região Nordeste como as do município de Pimenteiras PI, Juazeiro e Pintadas na

BA, onde o foco está na educação com uma visão voltada para as potencialidades

do desenvolvimento local.

A reflexão sobre estas experiências mostrou certa semelhança entre os

princípios que as orientam e os princípios que vêm orientando o trabalho que se

desenvolveu, por meio do projeto Alavanca. Encaminha-se, portanto, as seguintes

questões: Em que medida é possível o desenvolvimento de uma proposta de

educação contextualizada, em um contexto complexo como o de uma metrópole

como São Paulo? Como o desenvolvimento de uma proposta de educação

contextualizada pode contribuir para inclusão social de pessoas que vivem em

contextos marcados pela falta de esperança e perspectivas? Para entender estas

questões e outras que possam emergir do processo, definiu-se, como objeto de

pesquisa, a educação contextualizada no contexto metropolitano. A partir deste

objeto, pretende-se entender em que medida é possível o desenvolvimento de

propostas deste tipo na metrópole e se, neste contexto, estas propostas se

configuram como um instrumento de inclusão social.

Para a realização desta pesquisa adotou-se uma abordagem qualitativa de

pesquisa e, como procedimento de coleta de dados, será utilizada uma análise

bibliográfica e documental, complementada pela reflexão sobre o próprio processo

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formativo, com destaque para a relação do pesquisador com a escola neste

processo e pela observação participante, uma vez que sua atuação profissional

ocorre no projeto onde será realizada a pesquisa.

O trabalho está organizado em três capítulos. No primeiro, apresenta-se o

trajeto formativo do pesquisador, desde o ensino fundamental, destacando a sua

relação com a escola, visando à percepção da importância do desenvolvimento de

atividades significativas, no processo de envolvimento dos jovens com a escola. No

segundo capítulo é apresentada a educação contextualizada como proposta

educacional capaz de promover a inclusão social, por meio do incentivo ao

desenvolvimento local. Desta forma, buscou-se entender possibilidades e limites do

desenvolvimento de experiências como essa em uma região metropolitana. No

terceiro capítulo apresenta-se o Projeto Alavanca como experiência concreta de

educação contextualizada na metrópole. Com isso, verificou-se em que medida a

proposta desenvolvida neste projeto se constitui em uma experiência de educação

contextualizada e qual a sua contribuição para a inclusão social.

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CAPITULO 1

APRESENTAÇÃO: MEMORIAL DE FORMAÇÃO

As primeiras impressões da escola

Minha relação com a escola começou quando eu tinha sete anos. Fui

matriculado por meus pais em uma escola pública no bairro onde morava na zona

oeste de São Paulo. Uma EMPG, atualmente de ensino fundamental (EMEF) que

leva o nome do general Euclydes de Oliveira Figueiredo, pai do presidente do Brasil

na época, o também general João Batista de Oliveira Figueiredo. A escola tinha um

regime bastante rígido, comparando-se com os projetos escolares comuns nos dias

de hoje. Talvez por influência das atividades do patrono, havia diariamente, no pátio

da escola, o hasteamento da bandeira do Brasil, ao som do Hino Nacional. Os

grupos se formavam em filas emparelhadas, conforme a série e o número de

chamada. Todos os alunos deveriam estar sempre com o uniforme completo: calça

de tergal azul e camisa branca de manga curta. Na camisa, havia um bolso que era

vendido separadamente e que exibia a estampa do brasão da escola. Como a

escola ficava perto de casa, eu ia caminhando e, eventualmente, chegava atrasado.

Quando isso acontecia, a professora fazia sinal para que eu ficasse atrás das

fileiras, para não atrapalhar a cerimônia. Meu nome era iniciado com letra “A”; eu

cursava a primeira série, por isso meu lugar seria no início de uma das primeiras

filas. Após o término da cerimônia, eu ouvia da professora uma pequena advertência

verbal e subia normalmente para a sala de aula.

Meus pais consideravam a escola uma garantia para o meu futuro. Meu pai

um operário da indústria, projetista de máquinas, e considerava que a escola era

importante e que, com estudos e uma formação profissional, eu não seria um “peão”

de “chão de fábrica”. Ele fizera o ensino fundamental com alguns percalços de

indisciplina, sempre acusado por meus avós, de ter sido um filho que deu muito

trabalho. Quando ele se refere à escola que cursou, o discurso é recheado de

críticas, inconformado com o excesso de regras e professores despreparados em

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conhecimento e didática. Quando foi cursar o ensino profissionalizante no SENAI

começou a se destacar como um dos melhores da escola; tal a seriedade com que

ele encarou os estudos. Por volta dos anos 1990, me presenteou com livros e

apostilas do curso que fizera na escola SENAI em 1961. Depois se formou em

técnico profissionalizante em elétrica e fez vários cursos de informática e

computação ainda no final dos anos 1970 e início de 1980.

Minha mãe cursou o clássico; o atual Ensino Médio, voltado à área de

humanidades. Ela sempre se destacava na área de humanidades e literatura,

conquistando até o tradicional prêmio Rui Barbosa de literatura em Salvador. Era

técnico judiciário, funcionária pública do TRT, conhecia bem as leis trabalhistas,

dizia sempre que sem estudo eu não conseguiria arranjar emprego no futuro, me

cobrava no mínimo concluir a oitava série, que hoje equivale ao ensino fundamental,

pois sem isso os empregadores me julgariam como analfabeto. Como não possuíam

propriedades, empresa ou comércio, os meus pais estavam preocupados com o

meu futuro; o que podiam deixar estaria em mim. Como diz minha mãe “estudo nem

Deus tira”.

Não fui muito diferente de meu pai nas séries iniciais. Gostava de falar muito

e tinha muitos amigos e, como a maioria dos colegas de classe, eu gostava mais

das aulas de Educação Física, nas quais jogava bola e competia em diversas

modalidades do atletismo. Eu estava sempre entre os primeiros na corrida pedestre

e sempre esperava ansioso pelas aulas na quadra do fundo da escola, mesmo

quando fazia uma chuvinha fina eu não faltava: tinha esperança de que a aula não

fosse cancelada.

Dentro da sala de aula, a imagem que eu tinha de escola já era diferente:

com meus amigos sempre estávamos fazendo brincadeiras, infringindo o sistema,

ao ir para sala de aula de camiseta, com outro tipo de calça ou calçando tênis. Isso

era como uma relação de medida de força, quanto mais eu infringia, mais

incomodava, mais sofria advertências, mais eu infringia o que bastava para ser

referência de indisciplina, isso foi se acumulando no prontuário e em reuniões.

Na primeira semana de aulas, publicavam-se, no pátio da escola, as listas

com os nomes de todos os alunos e as séries das quais fariam parte naquele ano.

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Na terceira série, meu nome estava incluído na lista da turma “D”, onde estavam os

repetentes e indisciplinados. A partir dessa série, fui além daquele aluno falante e

contestador: não dei mais importância aos deveres escolares e passei a pertencer à

turma dos “mais fracos”. Essa era a minha realidade e todos na escola sabiam disso.

O professorado, na grande maioria do gênero feminino, não escondia o preconceito

e a impaciência em relação às séries C, D e E, frequentadas por alunos com as mais

baixas notas da escola e com passagens pela direção por indisciplina. Outro fato do

qual não me esqueço era o favoritismo e a atenção que as professoras davam às

alunas do gênero feminino, que tinham cabelos lisos e pele clara, sem dúvida, uma

raridade nas series D e E, que ocupavam as primeiras carteiras. O restante da turma

normalmente não recebia muita atenção e, quando fazia perguntas em excesso, era

visto como descaso ou brincadeira, o que bastava para visitar a direção. É nesse

ambiente que fui me adaptando e fazendo novas amizades, realmente ali se

juntavam todos os casos “com defeito” e, certamente, havia uma atenção

diferenciada. Eu sabia a razão pela qual estava ali e percebia a postura diferente

dos professores, em relação à serie “B”, até mesmo nas tarefas. Enquanto as turmas

“A” e “B” liam “O pequeno príncipe” de Saint-Exupéry, a nossa turma lia “Os dois

lados da moeda” de Odette de Barros Mott. Este era um bom livro. Comparando-se

com o escritor francês, a linguagem de Odette de Barros Mott era mais simples.

Entretanto, entre os alunos pairava um preconceito: imaginavam que a escolha da

leitura da história de vida de um personagem favelado de origem nordestina era

mais adequada para as turmas D e E, do que a história de um personagem nobre e

abastado, que vivia na cidade. Em meio a esse ambiente, aprendi a balançar a

cabeça fazendo sinal de positivo quando a professora perguntava se todos

entenderam a lição, estratégia comum para não agitar a ação da professora.

Nas reuniões de fim de bimestre, o que mais me angustiava era ver minha

mãe voltando para casa contando que a professora disse que eu não faço tarefas,

sou indisciplinado, ando com maus elementos e não serei aprovado no final do ano.

O pior era que ela estava certa, fui reprovado na terceira série. Outro ano começa,

eu estava na terceira “D”, de novo, agora maior em estatura, podia ganhar todas as

corridas nas aulas de Educação Física e, eventualmente, bater nos coleguinhas. As

professoras agora nem se preocupavam em responder minhas perguntas e, com um

tom irônico, sempre me lembravam de que eu já tinha visto a matéria no ano

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passado, se eu estava de novo ali não era para aprender o que ficou faltando no ano

passado e, sim, como forma de castigo por não atingir a nota mínima e separar-me

do ambiente em que estava. A essa altura, a sensação que eu tinha era de que eu

estava para trás e isso era real, definitivamente, já não entendia para que serviria a

escola ou quando precisaria dos conhecimentos e o tempo já não era meu amigo. A

família por parte de pai é bem grande e eu já era lembrado por minhas tias como

“caso perdido”. Como já não havia graça em fazer tantas brincadeiras na sala de

aula, armei outra estratégia: caminhava bem devagar no percurso para a escola,

com o intuito de chegar atrasado e ser impedido de entrar. Ficava do lado de fora

fazendo nada, às vezes pulava o muro de trás e ficava na quadra da escola, a essa

altura, descobri que não era o único, havia outros de diversas séries, com quem fiz

novas amizades. Mesmo com o risco de ser reprovado por faltas, conseguia fazer o

mínimo de tarefas e trabalhos, apenas o suficiente para ser aprovado. Continuei

assim, até chegar à sexta série, na qual o estudo deficiente promoveu

consequências e as reprovações começaram a ser devido às notas.

Havia um professor de Matemática que tinha barba, os estudantes

chamavam-no “barbicha”; esse apelido já era conhecido por todos os alunos da

escola, embora ninguém soubesse dizer quem o havia criado, Em um dia comum,

eu estava na sala de aula, quando fui convocado pelo inspetor de alunos a

acompanhá-lo até a sala dos professores, chegando lá, estava o professor de

Matemática me aguardando com uma expressão de braveza no rosto. O que ele

queria de mim era que eu assumisse, perante a direção da escola, a autoria e

propagação do apelido que fora atribuído a ele ou que, pelo menos, eu dissesse

quem era o responsável pelo apelido. Fiquei naquela condição até soar a

campainha, anunciando o intervalo. Fui liberado com um “pode ir”. Ficou a

impressão de que aquele assunto não ficaria por ali.

Aquela situação me deixou indignado, eu fui escolhido dentre vários alunos

indisciplinados que havia na escola para assumir a autoria do apelido ou delatar um

autor. Na sequência desse acontecimento, lembro-me de que uma professora

sugeriu à turma que fizesse uma redação cujo tema abordava nossos desejos de ter

uma escola melhor. Foi naquela redação que encontrei uma válvula de escape para

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culpar ou dividir o meu fracasso escolar, pondo em prática toda a energia que se

tem na juventude.

Lembro-me que na redação fui bem claro com as ideias de dispensar todos

os professores, sem exceção, e entregar a escola para que os alunos a

administrassem; eles, então, ateariam fogo no prédio. Hoje posso atribuir esses

pensamentos a alguma influência do videoclipe “another brick in the wall” da banda

inglesa “Pink Floyd”, onde estudantes ateiam fogo na escola, durante um movimento

de revolta. Na época, a banda e a música já não eram novas, mas eu certamente

estava na fase das descobertas que, somadas à falta de experiência de vida, me

faziam imaginar que a melodia e a letra mal traduzida da música se constituiriam em

um recado para mim.

A minha redação fez a professora me chamar para conversar. Não houve

muito diálogo com a professora e, nem depois, com a diretora. A presença de minha

mãe foi requisitada na escola para falar sobre o assunto. Houve bastante diálogo e a

determinação de que eu frequentasse, semanalmente, a psicóloga da escola. Nesse

momento, entre as instituições tradicionais que organizam o cotidiano da escola, e

promovem a lógica perversa que impõe sofrimento por meio de rituais de

humilhação, como definiu Almeida (2009), esses rituais são estendidos aos pais,

quando são chamados à escola para falar mal dos seus filhos. Dificilmente, os pais

vão à escola ouvir os professores falarem do próprio trabalho. Para minha mãe, o

pior não foi a vergonha do fato em si, até porque em toda reunião ela enfrentava a

crítica de quase todo professorado da escola, mas sim pelo fato de que a diretora

declarou prudente arquivar a redação para análise futura e disposição da psicóloga

escolar.

Minha mãe trabalhava fora, não tinha muito tempo para acompanhar meu

desempenho escolar e já sofria muito com a dificuldade que eu tinha em obter

sucesso na escola, agora ela tinha mais uma preocupação que era a redação que

permanecia arquivada na escola.

No final do ano fui aprovado e uma semana após o término das aulas, um

incêndio destruiu parte da escola. Fiquei sabendo e fui com um amigo para ver o

que tinha acontecido. Confesso que eu e minha mãe sentimos muito medo de que a

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redação arquivada voltasse a dar problemas. Felizmente, um bombeiro constatou

um problema na instalação elétrica no quadro de força. O incêndio destruiu

totalmente a secretaria e os arquivos da escola.

Através de um amigo, também acostumado com a reprovação escolar,

conheci o escotismo. Entrei para um grupo que ficava em Carapicuíba. Saía de São

Paulo aos sábados e domingos ainda de madrugada, ia de ônibus para uma região

de núcleos habitacionais de Carapicuíba para hastear a bandeira e cantar o Hino

Nacional, junto com outros escoteiros divididos em patrulhas, enfileirados,

impecavelmente uniformizados. Foi no grupo “Rondon” de escotismo que aprendi

muita coisa sobre disciplina e hierarquia e, em pouco tempo, me tornei monitor de

patrulha. Para conquistar esse posto, tive que fazer muitas tarefas físicas,

comportamentais e intelectuais, aprender a obedecer e a organizar. O escotismo é

uma organização que, sistematicamente, tem como objetivo o ato de educar.

Analisando este panorama, estabeleço comparações com a escola que frequentei e

me pergunto onde eu errei e onde a escola errou. A imaturidade pode ter uma

grande influência na disposição para a aceitação das regras da organização, mas

outro ponto de vista é que o escotismo talvez fora como uma “segunda chance”.

Naquele momento, começar a frequentar outra “escola” e experimentar seguir as

regras tiveram uma imagem positiva para mim. O chefe do grupo frequentemente

comparecia na escola para tomar nota do meu desempenho escolar, no grupo ele

conversava sobre as notas, frequência, falava de trabalho da vida adulta, mas em

nenhum momento eu sofria castigos ou tinha meu posto de monitor ameaçado.

Deixei o escotismo, quando mudei com meus pais para a cidade de Bauru, no

interior de São Paulo, lá terminei a oitava série em regime de suplência, já com

dezessete anos.

1.1 Inicio da carreira profissional

Comecei a minha vida profissional com quatorze anos, em uma pequena

fábrica de especiarias, como ajudante geral. Depois, como auxiliar de escritório em

uma escola da rede privada onde estudei; em uma empresa de publicidade em

painéis, aprendi a desenhar; em um escritório de arquitetura trabalhava como

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copista de projetos. Cursava o segundo grau, em uma escola particular, conclui o

primeiro ano. No final do segundo ano, fiz um concurso de seleção tipo “vestibulinho”

para estudar no CTI, uma escola técnica da rede UNESP no campus de Bauru. O

resultado positivo saiu, e isso implicaria voltar ao primeiro ano. Não me importei em

voltar para a primeira série, na escola técnica.

O curso foi o técnico em mecânica, noturno e aos sábados, durante três

anos. Conheci uma escola que mudou minha vida para sempre. Foi quando

experimentei uma aprendizagem transformadora da minha existência, uma formação

que trouxe novidade, portanto, mudança; conforme JOSSO:

“As aprendizagens novas exigirão desaprendizagens (sic!): livrar-se de hábitos mais ou menos antigos que, por diferentes formas de tomada de consciência, se revelam como freios para ir em frente e nos tornar disponíveis para criatividade”. (JOSSO, 2010: p.62).

O ingresso no curso técnico pode ser entendido como a situação designada

por Josso (1984) como momento-charneira, foi um momento em que minha relação

com a escola foi transformada.

Momentos ou acontecimentos-charneira são aqueles que representam uma passagem entre duas etapas da vida, um “divisor de águas”, poderíamos dizer. Charneira é uma dobradiça, algo que, portanto, faz o papel de uma articulação. Esse termo é utilizado tanto nas obras francesas quanto portuguesas sobre as histórias de vida, para designar os acontecimentos que separam, dividem e articulam as etapas da vida. (JOSSO, 2010: p.90).

Em 1993 meu pai, projetista de máquinas, passava várias horas de folga

fazendo trabalhos em casa com restauração e mecânica de automóveis, pequenas

construções em madeira, chapas metálicas e montagens eletrônicas, eu era sempre

requisitado a ajudar com minha mão de obra, portanto eu aprendia a manusear

ferramentas e fazer diversas atividades e também usava as ferramentas para

minhas atividades de curiosidade. Ele também usava computadores para fazer os

projetos no escritório que havia em casa, e assim fui conhecendo o “Autocad”, um

programa de CAD que meu pai usava para trabalhar com os desenhos técnicos.

Nas aulas de desenho técnico eu já iniciei com alguma facilidade, pois era

um trabalho que meu pai fazia em casa. Na sala de aula durante uma aula de

desenho técnico, perguntei ao professor sobre a possibilidade de os desenhos

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serem feitos no computador, além da tradicional prancheta. Naquele momento, a

ideia não foi muito bem recebida pelo professor. Repercutiu como se eu tivesse a

intenção de me destacar perante os outros colegas da turma. O professor sugeriu

que eu fosse para a sala do coordenador do curso conversar com ele sobre o

assunto. A sala ficou, durante alguns segundos, em silêncio total, que foi sendo

quebrado por sussurros dos colegas, comentando o fracasso do meu diálogo.

O coordenador do curso era uma pessoa temida por todos os alunos sem

exceção, ele lecionava, somente nas séries do último ano, a disciplina de

Resistência de Materiais, onde a maioria dos alunos tinha dificuldade de conseguir

boas notas. Na situação em que eu estava não havia escolha, eu teria que ir

conversar com ele, eu até já estava preparado para o fracasso, era um caminho

conhecido. Chegando à coordenadoria fui logo recebido pelo coordenador Professor

Marcelo Migliatti, um professor de poucas palavras, referência em rigidez e

sistemática. Eu já esperava um conselho para voltar à sala de aulas, mas ele me fez

uma série de perguntas sobre desenho, computação e os programas que eu

conhecia. Contei sobre as atividades do meu pai e até onde ia meu conhecimento de

“ajudante do pai”, ele questionou se eu teria o programa e ofereceu o telefone para

eu ligar para meu pai e pedir os disquetes para a instalação do programa. Liguei

para meu pai que, prontamente, se ofereceu para levar o programa para a escola,

eu comecei a perceber que o coordenador não era tudo o que falavam dele e não

fiquei esperando meu pai chegar à escola. O professor Migliatti, sem comentar,

retirou o computador que estava sobre sua mesa, pegou o processador, mouse,

teclado e me disse para apanhar o monitor e acompanhá-lo, fomos para sala de aula

onde ele anunciou a todos que o computador dali em diante faria parte da sala e

seria para o uso de todos. Esse foi o momento em que a escola tomava uma nova

forma, diferente de tudo o que eu vivera até então. A atitude do professor Migliatti

havia me surpreendido: eu que já me acostumara com as reprimendas, de repente,

me vi prestigiado e aceito.

A atitude do professor Migliatti significou para mim uma revelação de um

professor que eu não havia conhecido antes, e nem imaginava que pudesse existir:

ele ouviu um aluno que acabara de ingressar na escola e questionara o curso que

funcionava muito bem há tanto tempo. Sua tranquilidade em acreditar no aluno e seu

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desprendimento com o equipamento (no caso o computador em sua mesa) foi

realmente o ápice de meu “momento-charneira” (JOSSO: 2010, 90). Professores

assim que realmente desejam que os estudantes alcancem a autonomia, conforme

Amorim Neto/ May Berkenbrock:

Os professores deverão proporcionar coerência entre os valores proclamados pela escola e o modo como conduzem o processo educativo em sala de aula. No sentido de que os alunos possam perceber que valores como justiça e respeito não são meras teorias ou simples “valores proclamados”, mas de fato são parâmetros para as relações estabelecidas dentro e fora da sala de aula. (AMORIM NETO/ MAY BERKENBROCK, 2009: p.77).

Havia outros professores especiais. Contamos com a paciência de ensinar a

matéria que era fruto do nítido desejo de ver o aluno obter sucesso e que foi a marca

registrada do professor Carlos Magalhães, com a simplicidade e acessibilidade do

professor Mário dos Santos e os desafios que eram impostos, pelo professor Edson

Antônio. A relação dialógica entre o corpo docente e discente vai muito além da sala

de aula, a maior parte dos professores estava sempre presente com os alunos, sem

distinção.

Para a melhoria da educação, era oportuna a presença de uma escola mais

agradável, definida por “Escola Nova Popular” (SAVIANI, 2009: p.61). O número de

alunos em classe era menor; eles se dividiam em dias alternados, com jornada

escolar maior e aulas aos sábados, quando gostávamos de ir de bicicleta, pois

também havia um estacionamento para elas. Essa era uma escola capaz de

despertar o interesse dos alunos, de estimular-lhes a iniciativa, de permitir-lhes

assumir ativamente o trabalho escolar, uma escola acessível para as camadas

populares, onde, supostamente, as dificuldades de aprendizagem e o desinteresse

são maiores. Referindo-se à pedagogia, Saviani comenta os métodos para além dos

tradicionais e novos:

Serão métodos que estimularão as atividades e iniciativas dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagens e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos. (SAVIANI, 2009: p.62).

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No momento não me preocupei em definir o que significava a escola para

mim sentia que o lugar é bom, com gente para ajudar, com hierarquia, ordem e ao

mesmo tempo flexível, me senti um aluno sem culpa, eu estava me perdoando pelos

erros do ensino fundamental fazendo as pazes comigo, realmente eu sentia que o

momento era de mudança. No tempo em que cursei a escola técnica da UNESP, fiz

amizades com alunos, funcionários e todos os professores, foi sem dúvida o melhor

tempo que passei como aluno, a escola formou um técnico e um professor, digo isso

porque anos depois de formado, voltei à escola no papel de professor e foi lá junto

com meus professores e colegas de trabalho que aprendi as primeiras práticas

docentes.

1.2 A descoberta da docência

Fiquei no CTI da UNESP durante, aproximadamente, nove anos, juntamente

com outras escolas nas quais passei no corpo discente e docente. Formei-me em

Pedagogia e hoje vejo a escola com outros olhos, a escola adquire o significado, de

acordo com a resposta ao sinal do aluno. Como aluno, experimentei a falta de

sintonia com a escola e o resultado caminhou para o descontrole. Como poderia um

jovem inexperiente retomar a sintonia com a escola através de ações de si mesmo,

uma vez que já experimentou o fracasso? Essa situação é discutida por Almeida

quando fala da inclusão dos alunos que foram convidados a se retirar da escola:

A inclusão dos que foram convidados a se retirar foi um processo extremamente complicado porque todos que receberam o tal convite após atritos diversos com pessoas da escola e o retorno desses alunos à escola não foram aceito por essas pessoas (ALMEIDA, 2005: p.67).

O trecho mostra que retomar a sintonia com a escola não é tarefa fácil e, em

muitas situações, mesmo o aluno querendo, nem sempre isso é possível. Mesmo

quando há na escola algum educador que deseja dar nova oportunidade, há aquele

que se sente ofendido com o retorno, como é possível observar no trecho seguinte:

Foram criadas situações de conflitos que me deixaram duas alternativas: não tomar atitude e o funcionário se sentir desprestigiado, trabalhando e resmungando pela instabilidade da direção, ou aceitar a pressão e colocar o menino para fora novamente, contrariando meu compromisso na qualidade

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de educador e infringindo a lei de proteção à criança e ao adolescente (ALMEIDA, 2005: p.67).

Além de evidenciar que, mesmo quando deseja voltar, o aluno encontra

dificuldade, o trecho acima mostra também que, na escola, encontram-se pessoas

compreensivas, que não esqueceram o seu tempo de aluno e que até tentam ajudar.

Lembro-me de quando cursava o segundo ano do ensino fundamental, havia

uma professora chamada Vera, que lecionava Matemática, era uma professora bem

tranquila e demonstrava sempre confiança nos seus alunos. A maior referência dela

era que ela costumava conferir “de carteira em carteira” os exercícios da sala toda. A

professora Vera ficou marcada na minha memória, no momento de uma correção de

tarefas. Tratava-se de uma lista de exercícios de Matemática, que, em sala de aula,

eu resolvi com facilidade, mas em casa, eu já não me recordava como era a

resolução. Nas últimas páginas do livro de Matemática havia todas as respostas dos

exercícios propostos, porém havia somente as respostas. No desejo de utilizar

aquela facilidade para resolver o meu problema no momento, eu “inventei” um

desenvolvimento das questões com um conjunto de números em cima de números,

ligados por sinais de soma, subtração, multiplicação, divisão e igualdade e, no final

de cada exercício, estava a resposta devidamente correta, copiada das páginas de

respostas do livro.

No dia da entrega foi tudo bem, era uma folha à parte, com nome e lista de

exercícios resolvida. Todos a colocávamos na mesa da professora logo na entrada

da aula. Na outra aula de Matemática, a professora Vera entregou as folhas dos

exercícios de volta e, na minha folha, estava tudo certo. Havia duas hipóteses: a

primeira era que a professora não corrigira olhando os exercícios, ela conferira

somente a resposta; a segunda era que eu acertara o desenvolvimento dos

exercícios o que significava que eu até sabia resolvê-los e nem percebera isso. O

que mais importava para mim é que eu assumia novamente a posição de aluno que

participa da aula, senti o prazer de fazer a tarefa de casa e acertar tudo, era uma

posição realmente confortável, uma sensação de missão cumprida. No final da aula,

quando todos estávamos saindo a professora Vera veio conversar comigo e me

questionou sobre os exercícios, ela perguntou como eu havia feito para resolver os

exercícios porque ela não conhecia aquele modo de resolução, disse também que

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na matemática podemos resolver as mesmas questões por métodos diferentes, ela

sabia o que o livro ensinava mas queria saber se eu poderia explicar o meu pra ela.

No momento fiquei com medo e senti que estava sendo desmascarado, mas depois

confiei nas palavras da professora que havia confiado no meu trabalho. Retirei a

folha de exercícios da pasta e coloquei sobre a carteira, estavam lá, todos os

exercícios corretos, não havia rasuras, nem um enorme “x” em vermelho em cima de

cada exercício. Comecei a explicar, da mesma forma, como os números foram parar

ali, uma verdadeira bagunça de informações com o objetivo de confundir. E a

professora Vera não se incomodou e deixou eu falar o quanto eu quis, ela me

escutou pacientemente demonstrando muita atenção, até eu concluir o meu

“raciocínio”.

Ela olhou bem nos meus olhos e me disse que não tinha entendido, eu achei

que naquele momento eu seria revelado um trapaceiro e sofreria as piores

consequências que um aluno poderia sofrer, mas não foi assim, a professora Vera

disse que o jeito que ela tinha aprendido ela achava mais fácil e era justamente o

mesmo do livro, e ela foi explicando e conduzindo em uma aula particular o ensino

daqueles cálculos que eu, até então, não havia aprendido, e foi naqueles trinta

minutos que eu aprendi o que não havia entendido em semanas.

Na época, senti que a professora Vera era uma professora muito especial,

que não me castigou, não me reprovou, me protegeu do castigo, considerou os

meus exercícios certos e, por fim, eu ainda acabei por aprender os exercícios e não

precisei mais de “consultar” as páginas de respostas do livro para poder resolvê-los.

Hoje, como educador, percebo o que na época não pude perceber, a

professora havia, sim, notado que eu tinha inventado uma resolução dos exercícios

e que, provavelmente, eu tinha aproveitado as respostas no final do livro. Entretanto,

ela não tinha, como objetivo, revelar o que eu tinha feito, provavelmente, não

acreditava que isso me faria entender a matemática, ela aproveitou o fato para

demonstrar confiança, o que, consequentemente, suscitou a minha confiança. Isso

foi fundamental para abrir caminho para uma nova chance de ensino e

aprendizagem que, dessa vez, transformou-se em um sucesso.

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As disciplinas práticas do curso técnico profissionalizante eram desenvolvidas

de forma significativa e era possível estabelecer relação direta com o ofício no qual

estava me formando, continuei a ajudar meu pai em atividades práticas em

mecânica e fazia outras atividades mecânicas na motocicleta que tinha. O ingresso

em uma escola na qual havia aulas de mecânica me deixou numa posição facilitada,

pois o contexto da manutenção mecânica e industrial já cercava a minha vida seja

pelas atividades que fazia nos finais de semana ou pela própria profissão de meu

pai. Eu já podia imaginar que seria um profissional e, ao menos, teria profissão

reconhecida. Já no primeiro ano, comecei a trabalhar como desenhista de máquinas

em uma indústria da cidade, eu mal tinha entrado na escola e já estava obtendo

resultados concretos.

A aprendizagem na escola tinha relação com a minha vida, a escola propunha

atividades que me davam prazer, estudar ficou gostoso, essa prática me despertou o

desejo de cursar uma faculdade e, o mais importante, que tal faculdade estivesse no

campo da educação. Nesse momento, o meu interesse pela educação havia se

destacado em relação à própria mecânica industrial, mais do que aprendendo uma

profissão eu estava aprendendo a aprender e já desejava aprender a ensinar.

As disciplinas com caráter mais propedêutico não tinham significado direto,

eram descontextualizadas sem relação com a prática da profissão de técnico

mecânica. A justificativa muito forte de ser assim era o fato de o ensino técnico ter,

como objetivo, a formação de técnicos de nível médio, sem o objetivo de

prosseguirem em nível superior. Mas, não era isso o que acontecia na prática, a

maioria dos colegas continuava os estudos em nível superior. Como os colegas,

também busquei a formação superior e, após alguns anos no curso de engenharia,

tranquei a matrícula e não prossegui com os estudos, me dedicando somente à

educação.

A escolha pela profissão certamente tem influência direta com minha

experiência de vida; eu, que nos primeiros anos da vida escolar, cheguei a acreditar

que a escola não era para mim, ao conviver com colegas de classe que atingiam

sucesso rapidamente com os exercícios e, consequentemente, o reconhecimento ou

admiração do professor, pensava que os estudos eram apenas para os que tinham

vocação. Somente depois do ingresso na escola técnica estadual, eu passei por

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uma mudança radical em experiência escolar e, mais do que passar a acreditar na

escola como um lugar bom, onde tenho um valor igual aos outros alunos,

independente de minhas características, foi onde comecei a ousar pensar em um dia

eu também me tornar professor. Vi na profissão de professor algo além do trabalhar

para ganhar dinheiro, o sucesso do aluno é diretamente ligado ao sucesso do

professor e, mais do que o sucesso no panorama da escola, um bom trabalho

docente pode impulsionar positivamente o futuro do estudante, o futuro do sujeito. E

através dessas situações, passei a acreditar em muito mais do que eu ser um aluno

que realmente aprende e participa, passei a acreditar em ser um professor.

No último ano em que cursava o ensino técnico industrial e trabalhava de

projetista mecânico em uma indústria da cidade de Bauru no interior de São Paulo,

comecei a pensar em cursar Pedagogia, queria lecionar na escola técnica, mas para

isso diziam os professores, era bom ter o curso de engenharia. Logo após a minha

formatura como técnico industrial eu fui cursar engenharia eletrônica na escola de

engenharia de Lins no interior de São Paulo, distante 110km de Bauru. O curso era

em período integral e, durante o curso, fiz um concurso para vaga de professor

substituto no colégio técnico de Bauru, o mesmo em que havia me formado. Assumi

o cargo em aulas noturnas em Bauru e estudava durante o dia em Lins na escola de

engenharia.

Lecionei durante seis anos na rede Senai – serviço nacional de aprendizagem

industrial, na cidade de Bauru, e lecionei por várias cidades do interior paulista, Lins,

Jaú, Lençóis Paulista e Pederneiras foram algumas cidades onde eu trabalhava

dando aulas de desenho técnico mecânico e projetos industriais.

1.3 Primeiro contato com o Projeto Alavanca Brasil

Mudei para São Paulo no inicio de 2006 e fui chamado para trabalhar na

escola Senai da Vila Leopoldina, na Zona Oeste da cidade, lá eu lecionava desenho

e projetos, e dava suporte a empresas da região, por intermédio do Senai. Em

agosto de 2006, dois alunos do curso noturno de projetos mecânicos em

computador eram funcionários de uma empresa chamada Semikron, essa empresa

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tem sede na Alemanha e apoia o projeto Alavanca Brasil, com recursos financeiros e

materiais. Os alunos tinham dificuldade de redesenhar um projeto de um produto

plástico que se tratava de um brinquedo pedagógico muito utilizado em toda

Alemanha. Como eu conheço projetos e sou educador, me disponibilizei a ajudá-los,

eles pediram se poderia levar à responsável pela ONG, juntamente com o brinquedo

pedagógico, pois havia algumas mudanças a fazer. Na outra semana de aulas,

recebi, na escola SENAI, a visita da diretora da ONG Alavanca Brasil na época,

Dorothea Swartz, que trouxe uma amostra do brinquedo e algumas alterações que

seriam necessárias para produzir no Brasil. A principal delas é a presença de dois

pinos metálicos que, segundo os profissionais, para a certificação junto ao órgão

INMETRO, não poderia existir, pois crianças até cinco anos de idade poderiam

engoli-los.

Foi então que resolvi conhecer melhor o brinquedo, para depois pensar em

alguma alteração do projeto original. Funciona como um tabuleiro composto por

lacunas em fileiras e colunas em baixo relevo, onde se devem encaixar peças no

formato quadrado da lacuna. Essas peças possuem um traço geométrico na frente e

um número ou figura de animais e plantas (para o uso do público não alfabetizado)

no verso, juntamente com livros didáticos de matemática, geografia entre outras

disciplinas cujas respostas das questões dos livros, são feitas encaixando-as nas

lacunas, conforme o número da peça corresponda à resposta correta do livro

didático servindo como gabarito.

O tabuleiro é então fechado com outra parte que funciona como tampa e é

ligada à parte principal por pinos, como se fosse uma dobradiça. Vira-se todo

conjunto fechado e abre-se com a face principal para baixo; o lado inverso das

peças quadradas expõe os desenhos de traço geométrico e juntos formam uma

figura geométrica que esta desenhada em escala menor, no canto de cada folha das

questões dos livros didáticos.

Desenhei um novo brinquedo respeitando a ideia original, sem os pinos

metálicos, mais leve e com suporte para segurar apenas com uma das mãos,

injetado em plástico reciclado e mais econômico. Com o novo desenho simétrico, a

base e a tampa são a mesma peça, o que faz o investimento dos moldes baixar para

metade. A Dorothea Swartz levou para a Alemanha o novo desenho e foi tão bem

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aceito que a empresa “LUK”, detentora dos direitos do brinquedo me telefonou e

questionou o valor da mudança. Como eu não tinha a intenção de cobrar algum

valor em dinheiro e a Alavanca Brasil pagaria os direitos para explorar

comercialmente no Brasil, a minha proposta foi de ceder os direitos da Alavanca

Brasil em explorar comercialmente em prol da manutenção de uma escola

profissionalizante na Zona Oeste de São Paulo.

Engajei-me no projeto, a fim de montar a escola profissionalizante, trabalhei

na montagem da grade curricular e no projeto de um novo prédio situado dentro da

comunidade, para que a escola esteja presente na comunidade e a comunidade

assuma, aos poucos, toda a administração da escola.

O interesse em fazer o Mestrado em Educação, veio juntamente com os

projetos que fazem parte da Alavanca Brasil. A intenção inicial era fazer com que a

escola entrasse nas comunidades mais carentes e favelas para começar a fazer

parte da vida dos jovens que ali moram, pois é notável o desinteresse nos estudos

por parte dos jovens moradores de comunidades pobres, afastadas e favelas. Se a

escola estiver presente e fizer parte da comunidade, ela pode trazer cultura para

desenvolvimento da própria comunidade e assim passar a fazer parte da vida dos

jovens.

Cursando o mestrado conheci o projeto Escola Aberta, Almeida (2005),

estudei o projeto e utilizei como no exemplo do projeto Escola Aberta a função da

comunidade em exercer o poder de decisão na administração da escola, tornando,

assim, a escola uma parte ativa da sociedade local.

Em reunião com o professor Almeida, fui apresentado à educação

contextualizada Dowbor (2006), os projetos que já haviam sido feitos no Brasil, com

sucesso, identifiquei na educação contextualizada o panorama para o

desenvolvimento de minha pesquisa e do projeto Alavanca Brasil.

O interesse pelo tema está relacionado com a minha história de vida: as

dificuldades que enfrentei dentro de um modelo de escola que privilegia a ordem, em

detrimento da inteligência e da criatividade. Lidar com a escola foi muito difícil,

quando não havia uma ligação direta com as atividades que cercavam minha vida. A

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minha relação com a escola começou a melhorar quando ingressei na escola técnica

e pude relacionar aquilo que aprendia na escola com a experiência que havia

adquirido com a prática em casa. Isso me fez compreender as disciplinas teóricas

com maior facilidade, o que por sua vez despertou em mim um prazer em estudar,

uma afinidade com a escola que se contextualiza com meu cotidiano.

Desta forma, ao entrar em contato com a noção de educação contextualizada,

com o ingresso no programa de mestrado em educação passei a ver nesta proposta

uma possibilidade de construção de uma escola que valoriza as experiências e as

expectativas do sujeito.

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CAPÍTULO 2

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA:

UMA PROPOSTA PARA A METRÓPOLE?

Introdução

O objetivo deste capítulo, como anunciado no capítulo anterior, é apresentar a

educação contextualizada como proposta educacional e discutir em que medida

essa proposta é capaz de promover a inclusão social. Para isso pretendo estudar o

conceito por meio da realização de uma revisão da literatura sobre o assunto. Para

isso recorri aos estudos de Dowbor (2006, 2010), Almeida (2008, 2005, 2010),

(Saviani, 2003, 2009), (Sawaia, 2010), (Sen, 2000), (Morin, 2002), entre outros.

Recorri também ao banco de dados do IBGE, onde pude encontrar dados

estatísticos sobre questões importantes para este estudo, tais como, o índice de

desigualdade social, área e densidade demográfica na cidade de São Paulo e no

seu entorno. Na região metropolitana de São Paulo, se concentram os maiores

índices de pobreza. Esta pobreza é caracterizada pela baixa renda da população,

naqueles que habitam a Região Oeste metropolitana paulista como Osasco,

Carapicuíba, Santana de Parnaíba, Barueri, Taboão da Serra e Cajamar, parte

importante do contorno da capital paulistana.

Para fazer uma interface com a situação de pobreza, aparentemente, sem

saída da região metropolitana de São Paulo, busquei também dados sobre a cidade

de São Joaquim, no estado de Santa Catarina; Pimenteiras e Juazeiro, ambas no

estado da Bahia, cidades onde os habitantes vêm transformando as potencialidades

locais em riquezas que beneficiam a todos. Nestas cidades, parcerias entre

universidades e o poder público possibilitaram programas e pesquisas que criaram

condições para investimento de recursos no desenvolvimento local, por meio do

aproveitamento consciente dos recursos naturais. Esses programas e parcerias vêm

modificando os dados de pobreza e desigualdade social nestas cidades e permitindo

a fixação das pessoas em seus territórios de origem, por meio da melhoria das

condições de vida.

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Um dos diferenciais dessas cidades tem sido a educação que vem sendo

repensada para que esteja cada vez mais voltada para as necessidades da

comunidade. Para isso, vem sendo adotada a educação contextualizada como

proposta. O conceito de educação contextualizada é uma proposta que é bastante

desenvolvida no semi-árido nordestino e que está, cada vez mais, presente em

outras regiões do Brasil, por meio de experiências que articulam universidades,

governos e sociedade civil. Desta forma, tem contribuído para o desenvolvimento

destas regiões e promovido melhoria na qualidade de vida, por meio da descoberta

da vocação de cada região.

2.1 Desigualdade Social

Segundo Dowbor (2010), a desigualdade social é o grande problema da

educação no Brasil e o atual modelo de escola, em muito, tem contribuído para a

reprodução desta desigualdade. No entanto, segundo esse autor, a educação pode

assumir outra dinâmica e passar a integrar o movimento de articulação da sociedade

com vistas à construção de um ambiente sustentável, onde a melhoria da qualidade

de vida humana coletiva seja uma realidade.

A desigualdade social no Brasil é um tema fortemente presente nas questões

das políticas sociais. Quando comparados dados de regiões distantes como a região

sul e norte, as características econômicas reforçam uma grande diferença entre as

regiões com um maior índice de pobreza e as regiões mais ricas. Mas as

desigualdades não ocorrem apenas entre as regiões, ela existe também entre as

cidades de uma mesma região, entre os bairros de uma mesma cidade e assim por

diante. Essa situação vem apresentando mudanças em cidades que fizeram opção

pelo investimento no desenvolvimento local, tendo na proposta de educação

contextualizada, um instrumento importante nesse processo. Nessas cidades, os

índices de pobreza estão sendo reduzidos. Um sinal dessa situação é a redução dos

fluxos migratórios para os grandes centros, o fragmento de texto seguinte confirma

essa situação:

No município de Pintadas, na Bahia, pequeno município distante da modernidade do asfalto, todo ano quase a metade dos homens viajava para o sudeste para o corte de cana. A parceria de uma prefeita dinâmica, de alguns produtores e de pessoas com visão das necessidades locais permitiram que os que buscavam emprego em lugares distantes se

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voltassem para a construção do próprio município. Começaram com uma parceria da secretaria da educação local com uma universidade de Salvador, para elaborar um plano de saneamento básico da cidade, o que reduziu os custos de saúde, liberou terras e verbas para a produção e assim por diante. A geração de conhecimentos sobre a realidade local, e a promoção de uma atitude pro-ativa para o desenvolvimento, fazem parte evidente de uma educação que pode se tornar no instrumento científico e pedagógico da transformação local. São visões que vão se concretizando gradualmente, com experiências que buscam de forma diferenciada, segundo as realidades locais e regionais, caminhos práticos que permitam dar à educação um papel mais amplo de irradiador de conhecimentos para o desenvolvimento local, formando uma nova geração de pessoas conhecedoras dos desafios que terão de enfrentar. (DOWBOR, 2006: p.13).

Os dados coletados junto ao IBGE mostram, com muita clareza, a situação

de desigualdade presente no Brasil. Apresento em seguida alguns gráficos com o

objetivo de comparar a comunidade como um pedacinho da cidade de São Paulo

com as cidades periféricas da Zona Oeste.

indice pobreza e desigualdade

28%39%

47% 43% 45%40%

57%

31%

53%45%

0%10%20%30%40%50%60%

São P

aulo-

SP

Osasc

o-SP

Carapicu

íba-S

P

Santan

a de Parn

aíba-S

P

Barueri

-SP

Taboão

da S

erra-S

P

Cajamar-

SP

São Jo

aquim

-SC

Pimente

iras-P

I

Juaz

eiro-B

A

Figura 1 Fonte: IBGE, 2003.

43

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área da unidade territorial (Km²)

1.523,278

64,037 34,605 179,807 66,141 20,293 131,403

1.885,610

4.563,103

6.500,679

01.0002.0003.0004.0005.0006.0007.000

São Pau

lo-SP

Osasc

o-SP

Carapicu

íba-S

P

Santan

a de Parn

aíba-S

P

Barueri

-SP

Taboão

da Serr

a-SP

Cajamar-S

P

São Jo

aquim

-SC

Pimen

teiras-P

I

Juaz

eiro-B

A

Figura 2 Fonte: IBGE, 2003.

densidade demográfica (hab/Km²)

7.387,69

10.411,7910.680,08

605,17

3.639,94

12.049,87

487,9213,16 2,57 30,45

01.0002.0003.0004.0005.0006.0007.0008.0009.000

10.00011.00012.00013.000

São P

aulo-

SP

Osasc

o-SP

Carapicu

íba-S

P

Santan

a de Parn

aíba-S

P

Barueri

-SP

Taboão

da S

erra-S

P

Cajamar-

SP

São Jo

aquim

-SC

Pimente

iras-P

I

Juaz

eiro-B

A

Figura 3 Fonte: IBGE, 2003.

No gráfico de índice de pobreza e de desigualdade, no qual se comparam

cidades no entorno da Zona Oeste da região metropolitana paulista com cidades na

região Nordeste e Sul do país, de elevado índice de desigualdade social, a cidade

de São Paulo possui o índice mais baixo, embora seja próximo ao de São Joaquim,

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porém essa desigualdade ocorre num espaço geográfico mais denso se observados

os dados de densidade demográfica e a área da unidade territorial.

No panorama observado, as cidades da região oeste da cidade de São

Paulo funcionam como a periferia da cidade, uma vez que ocorre a troca de mão de

obra e serviços com pouca ou sem qualificação. A população das cidades vizinhas

da Zona Oeste paulistana possui uma densidade demográfica e um índice de

desigualdade social maior do que a da cidade de São Paulo. Um importante fato a

considerar é que, dentre essas cidades, as que possuem limites municipais com a

cidade de São Paulo apresentam o maior desenvolvimento populacional nessas

regiões, além de não haver trecho rural entre as cidades e a capital, ou seja, elas

compartilham suas riquezas e pobrezas como se fossem bairros mais afastados da

capital paulista. Lembrando que a cidade de Osasco era um bairro da capital

paulista, emancipando somente em 1962.

Por meio desse panorama, podemos concluir que parte da densidade

demográfica e do índice de pobreza e desigualdade pode ser agregada aos dados

da capital paulista que ficaram com valores de uma cidade com maior

desenvolvimento local. Porém, grande parte de sua pobreza e desigualdade é

amenizada pelo fato de que os valores de índice de pobreza estão concentrados nas

cidades vizinhas, se considerarmos a região da grande São Paulo.

Neste contexto, programas de assistência à população, sobretudo em forma

de ajuda financeira têm se tornado políticas dos sucessivos governos. Tais

programas têm rendido dividendos eleitorais, mas sua eficácia em termos de

desenvolvimento efetivo é bastante duvidosa, porque eles não têm vindo

acompanhados de uma proposta educacional capaz de recuperar a credibilidade das

pessoas. A garantia do direito à saúde, à moradia, à alimentação e à educação é

fundamental e atua como um alicerce para o desenvolvimento sadio da população,

sobretudo dos jovens. Porém, não podem ser reduzidos a programas

assistencialistas e induzem à acomodação na situação de pessoa que vive de

benefício e impede a busca de uma vida digna. Esses direitos precisam se tornar

políticas públicas que vinculam a garantia dos direitos básicos a uma perspectiva de

superação gradativa da desigualdade social. É importante evitar a dependência dos

programas de assistência social e investir no combate à desigualdade social com a

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viabilização por meio do acesso a uma formação dinâmica e que promova uma

sinergia entre os anseios pessoais, as potencialidades locais e as demandas sociais.

Neste sentido é fundamental o desenvolvimento de uma proposta

educacional que garanta o domínio dos conceitos científicos básicos a todos e que

crie condições para que estes conceitos sejam utilizados como instrumento para

compreender a própria vida e a história da comunidade onde está inserido. A

educação precisa preocupar-se com equipar o jovem com instrumentos que

permitam intervir na sua realidade, descobrir a vocação de cada território e formar

profissionais que desenvolvam essa vocação.

O nomadismo profissional é uma decorrência da falta de planejamento

educacional. A escola está voltada para os grandes centros, forma para as

profissões da moda promovendo excessos em determinadas áreas e falta em

outras. A educação contextualizada articula as necessidades locais com as

exigências globais.

2.2 Modelo de escola atual

Hoje há entendimento segundo o qual o modelo de escola dominante

no Brasil precisa ser repensado. As divergências começam a surgir, quando se

discute o perfil de um novo modelo. O modelo de escola vigente ainda é aquele

concebido no século XIX, voltado para a classificação dos alunos. Tal modelo de

escola se funda na ideia de que o professor é autoridade moral de conhecimento,

capaz de inserir os alunos na cultura por meio da transmissão de conhecimento e de

comportamentos adequados ao convívio social. Esse modelo de escola tem sido

fortemente questionado por educadores e pesquisadores, que buscam um modelo

de escola inserido no cenário social e econômico contemporâneo. Em decorrência

desta situação, a legislação educacional e mesmo as políticas públicas dela

decorrentes têm proclamado o compromisso com a inovação da escola.

Embora toda legislação educacional em vigor proclame a educação

inclusiva, esse modelo de escola ainda é dominante na sociedade brasileira. Hoje

se busca uma escola que priorize a educação inclusiva, isto é, uma educação

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entendida como direito de todos. Essa proposta vem sendo defendida, mas sua

implantação enfrenta sérias dificuldades, uma vez que se trata de uma escola que

questiona práticas antigas no cenário educacional. Levando em consideração que a

implantação de uma nova escola interfere na cultura organizacional tal implantação

não pode feita de forma rápida, demanda tempo para amadurecimento. A

implantação rápida, sem uma preparação específica, tem levado a leituras também

apressadas e fortalecido a tendência de resistência à transformação preconizada,

conduzindo a escola a avanços e recuos.

Os sinais da implantação deste novo modelo, porém já podem ser

visualizados, quando se pensa nas adaptações nos aspectos estruturais da escola e

em seu mobiliário para garantir acessibilidade às crianças com necessidades

educacionais especiais. Hoje, já não se constroem escolas sem rampas de acesso

ou elevadores, banheiros adaptados, sem sinais que orientem os deficientes visuais.

Nos cursos de formação inicial e continuada vem se tornando presença cada vez

mais forte, a preocupação com o preparo dos educadores para trabalhar com

pessoas com deficiência. Todos reconhecem a importância do preparo do corpo

docente para atuar em situações complexas como aquelas em que estão inseridas

as crianças que chegam à escola para serem educadas. Outro aspecto que merece

destaque é a inserção da língua brasileira dos sinais no currículo dos cursos de

pedagogia e licenciatura a fim de melhorar as condições de permanência dos alunos

com deficiência auditiva nos cursos regulares das escolas públicas. Embora a

implantação da língua brasileira dos sinais no currículo dos professores seja uma

realidade legal, na prática essa implantação ainda é um desafio a ser enfrentado

pelos gestores das políticas públicas de educação.

De forma mais lenta, também vêm ocorrendo adaptações curriculares com

vistas à inclusão das crianças que, embora não apresentem deficiência aparente,

apresentam dificuldades de aprendizagem.

Dos avanços na educação, a inclusão que acabo de citar diz respeito à

logística, arquitetura e treinamento de professores e é um movimento importante

para a educação no Brasil, porém a inclusão mais urgente e menos difundida é a do

movimento contrário à exclusão dos estudantes e da sociedade local como afirma

Almeida:

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Quando se fala em incluir, é preciso saber de que a pessoa esta falando e que lugar ela ocupa no processo. Muitos educadores se proclamam favoráveis a inclusão quando aquele que necessita ser incluído esta longe, depende da ação de outro. Quando o que precisa ser incluído esta ao lado, os problemas começam: falta formação especifica, falta especialista na escola, falta apoio do sistema e assim por diante. De fato há necessidade de tudo isso, porém, a obsessão pela falta aparece como um argumento contra a inclusão. (ALMEIDA, 2005: p.62).

Os estudantes aos quais me refiro são os que se encontram em situação de

vulnerabilidade social como aqueles que moram em favelas, de famílias pobres e,

em sua grande maioria, de origem nordestina. Esses estudantes não possuem as

características que grande parte dos professores reconhece como ideais para o

aprendizado. São crianças que, nem sempre, percebem o valor social da leitura e da

escrita ou, embora o percebam, são obrigadas a colocar acima destes valores as

estratégias de sobrevivência no meio onde vivem. O discurso que coloca a escola

como fator de ascensão social, hoje, tem recebido adesão pequena, na medida em

que propõe, para todos, uma possibilidade de equalização social que, quando bem

sucedida contempla apenas alguns. Para entender essa situação vale atentar para o

que afirma Dowbor (2010):

Discutir educação sem levar em conta o problema de desigualdade é esquecer o fator principal. Educação tem que ser um elemento de rearticulação da sociedade e não de reprodução da desigualdade. Veja, por exemplo, que as boas famílias mandam os filhos para a USP que é gratuita, e a gente mais pobre, que não consegue, tem que pagar universidade privada; então esse é o referencial para o qual a gente tem de estar atento. Trata-se, portanto, de assegurar que a educação seja um instrumento efetivo de inclusão social. A idéia do trampolim, de ver a educação no sentido de você encontrar espaço mais no topo da pirâmide social passa justamente por essa polarização entre ricos e pobres que temos. E a idéia, ao invés de trampolim, deve ser a de somar a educação a um vetor de promoção do conjunto da comunidade. A idéia de que individualmente um ou outro pobre conseguirá, digamos, vencer na vida, como se diz, não se trata de vencer na vida e ninguém vencer ninguém, trata-se de promover um desenvolvimento equilibrado, inteligente, decente, uma relação humana, uma relação digna. A escola pode ser um construtor deste processo, desta dinâmica. Esse é o eixo, e tudo isso passa por um conjunto de reformulações. (ALMEIDA; NHOQUE, apud DOWBOR, 2010: p.2).

Essa escola que se estrutura com base na ideia, segundo a qual o sucesso

é resultado em uma disputa que precisamos vencer, foi construída social e

historicamente. Até o inicio da república, as atividades de letramento eram

desenvolvidas por conta dos mestres-escola que estavam ligados diretamente com a

comunidade e, por autonomia desses, era decidido o melhor recurso e método

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didático. Nessa época somente os estudantes de famílias com muito dinheiro e

influências podiam ter acesso aos estudos. Nas famílias mais populares, era comum

que os filhos seguissem as profissões dos pais, que aprendiam trabalhando e

perpetuando o oficio nas gerações da família. O ensino era marcado pelo movimento

da pedagogia tradicional.

Somente depois do início republicano, pelo menos em termos legais, as

escolas deixaram de ser unidades autônomas, centradas na figura do professor e

passaram a seguir as normas de funcionamento definidas pelo estado, assumindo

assim a identidade de unidade dentro de um sistema mais amplo. Ao falar da

relação entre unidade e sistema Silva (1996) assim se manifesta:

Dessa forma, aos dirigentes do sistema escola cumpre fixar as políticas derivadas das decisões do governo eleito, e aos dirigentes das unidades escolares compete a execução dessas mesmas políticas. Tendo como parâmetro essa divisão de competências, as relações entre sistema e unidade devem pautar-se pelos princípios já citados de complementaridade e subsidiaridade, ou seja, não devem existir ações concorrentes e tudo o que puder ser efetuado pelo nível local – no caso a unidade escolar – não deverá ser atribuição do sistema. (SILVA, 1996: p.103).

Na década de 1930, houve sob a influência do pensamento escolanovista,

materializado no “Manifesto dos pioneiros da educação nova”, a criação do

Ministério da Educação, com o objetivo de estabelecer as condições de infra-

estrutura administrativa, com vistas à criação de um Plano Nacional de Educação.

Os pioneiros eram a favor de uma educação pública, gratuita, mista, laica e

obrigatória. Isto quer dizer que o Estado deveria se responsabilizar pelo dever de

educar o povo, responsabilidade esta que era, a princípio, atribuída à família. O

Estado, para este fim, deveria proporcionar uma escola de qualidade e gratuita,

possibilitando assim a concretização do direito dos indivíduos à educação e, tendo

em vista os interesses dos indivíduos em formação e a necessidade de progresso,

consideram que esta educação deva ter caráter obrigatório. Contrários ao costume

de muitas escolas da época, os pioneiros pronunciaram-se favoráveis à escola mista

e, questionando os princípios da educação católica, defendem uma educação laica,

o que distanciaria a educação de questões religiosas e a aproximaria das questões

sociais, dando oportunidades iguais a pessoas de ambos os sexos, e de diferentes

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credos e camadas sociais. O Manifesto dos Pioneiros também primava pela relação

entre diferentes níveis da educação entre si, e destes níveis com o nível de

desenvolvimento psico-biológico dos alunos, bem como pela relação entre a escola,

o trabalho e a vida: entre a teoria e a prática, em favor do progresso. O

estabelecimento destas relações é defendido através do desejo de sistemas de

ensino, de um sistema de organização escolar que levasse em conta as

necessidades sociais daquela época, visando assim atingir a funcionalidade

educativa.

A partir do “Manifesto dos pioneiros da educação nova” o uso da palavra

“autonomia” foi escasso nos documentos educacionais e, em nenhum momento,

teve um significado que fosse mobilizador do magistério ou fosse um indicativo que

direcionasse as soluções para problemas educacionais. Em relação ao pensamento

escolanovista Azanha afirma que:

Como se pode ver, o tema da autonomia desde o “Manifesto dos pioneiros”, sempre mereceu escassa atenção e quando havia alguma, ela não ultrapassava o nível de reivindicação de maior liberdade regimental. No Máximo, reivindicava-se maior liberdade dos professores com relação ao diretor e da escola com outras instâncias administrativas. Mas, afinal de contas, liberdade para que? Esta, que é a questão essencial não tem sido suficientemente examinada nem respondida. No entanto, só a resposta clara a essa questão poderá situá-la nos seus devidos termos, já que a autonomia da escola apenas ganha importância se significar autonomia da tarefa educativa. Se assim não for, o assunto se reduz a uma mera questão regimental. É claro que regimentos escolares são importantes para a organização e disciplinas das rotinas escolares, mas não podemos confundir autonomia da escola com a existência de um regimento próprio. Aliás, regimento escolar é apenas uma condição administrativa para as tarefas essenciais da escola, entendidas como a elaboração e execução de um projeto pedagógico. (AZANHA, 2006: p.92).

Embora o pensamento escolanovista defendesse a democratização da

escola, nessa época o ideal de universalização da escola básica ainda era muito

distante. As famílias mais pobres não tinham garantia de acesso de seus filhos à

escola embora esse fosse um sonho de muitos, a principal crítica a respeito da

educação brasileira daquele momento é de que se compunha de um ensino

fragmentado, sem articulação entre os diversos ensinamentos e deles com o mundo.

Os conhecimentos teóricos oferecidos pela escola não obtinham resultados práticos

em suas vidas, uma vez que os postos de trabalho intelectual eram destinados aos

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filhos das famílias abastadas. Os pobres que lograram estudar, no final do século

XIX e início do século XX, tiveram sérias dificuldades para encontrarem espaço nas

instituições sociais, como foram os casos de Cruz e Souza e Lima Barreto, para ficar

apenas nos dois casos. Os filhos de famílias mais pobres começavam a trabalhar

muito jovens para contribuir com o sustento da família que, além de numerosa, vivia

em situação precária. Nesta época a população no Brasil era predominantemente

rural e as escolas estavam nas áreas urbanas o que tornava ainda mais difícil o

acesso. O processo de industrialização trouxe a necessidade de ampliação do

exército de mão de obra especializada, surge então a possibilidade de acesso às

crianças de origem mais humilde aos bancos escolares. Porém aos bancos de uma

escola técnica, voltada para a formação de mão de obra para a indústria nascente.

Os bancos da escola propedêutica, voltada para formação daqueles que iriam

assumir as posições de comando, continuava sendo privilegio da elite.

Para atender a essa demanda, em 1942 é criado o SENAI – serviço

nacional de aprendizagem industrial com o objetivo de formar mão de obra para

indústria de base que começava crescer. O ensino de ofícios para servir a indústria

era frequentado por filhos de famílias de classe média, baixa e pobre, porém as

escolas eram locadas em cidades de centros urbanos próximos ás indústrias. Dessa

forma, foi desenvolvida uma proposta educacional voltada para os grandes centros.

A década de 50 foi marcada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e

início de um período em que a democracia foi assumida como um valor universal. A

partir deste momento, os diferentes governos passaram a se proclamarem

democráticos, mesmo quando, na prática, destruíam as instituições e oprimiam os

cidadãos, como foi o caso das ditaduras instaladas em diversos países da América

Latina, inclusive no Brasil. A partir dessa situação, se estruturou no Brasil diversos

movimentos sociais reivindicando a democratização de fato. Ao referir-se a essa

situação Silva assim se manifesta:

A afirmação da democracia, após a Segunda Guerra Mundial, como valor a ser buscado universalmente pelos governos e pelos povos, atingiu a escola, apresentando-se sob a forma de reivindicação do direito ao acesso, por todos os interessados, ao ensino. Isso trouxe, especialmente aos sistemas públicos, a necessidade de atender a um grande número de alunos, levando à duplicação, triplicação e mesmo até a quintuplicação dos períodos letivos em um só dia na mesma escola (SILVA, 1999: p.67).

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Esta situação obrigou o governo brasileiro a adotar políticas que permitissem

o atendimento a todos que procurassem a escola. Com a criação do Conselho

Federal de Educação (CFE), em 1961, houve a uniformização da estrutura do

sistema escolar brasileiro, através da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educação

nacional (lei nº 4.024/61), o Brasil começa a crescer industrialmente e precisa de

mão de obra.

Em 1967, foi criado o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização -

em pleno contexto do regime militar brasileiro, cujo governo passa a controlar os

programas, centralizando a alfabetização que objetivava o aumento do grau de

instrução do brasileiro ensinando a ler e escrever. Pois até então, cerca de duas

décadas antes, os debates sobre o analfabetismo no Brasil caminhavam para um

novo modelo pedagógico onde o analfabetismo era tido como efeito da condição de

pobreza gerada por uma sociedade desigual. Os modelos em pauta tinham a

alfabetização e a educação partindo de um estudo crítico da realidade dos

educandos, identificando as origens de seus problemas e desenvolvendo as

possibilidades de superá-los. Os programas de alfabetização com bases nessas

orientações foram interrompidos pelo golpe militar e substituídos pelo MOBRAL.

Havia, no plano do MOBRAL, a proposta de alfabetização funcional de

jovens e de adultos, que visava conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de

leitura escrita e cálculo, como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo

melhores condições de vida. Mas os resultados práticos permaneceram apenas na

alfabetização. O modelo foi bastante criticado por ter como preocupação principal

apenas ensinar a ler e escrever, sem nenhuma relação com a formação do homem

intenção do desenvolvimento social dos educandos do programa, nesse período se

destaca o movimento pedagógico tecnicista.

A partir de 1964, durante o regime militar brasileiro, um acordo contendo

uma série de convênios entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States

Agency for International Development (USAID), tinha o objetivo de realizar uma

reforma universitária através da implantação do modelo norte americano, visando à

contratação de assessores americanos para auxiliar nas reformas da educação

pública em todos os níveis de ensino. O movimento estudantil da época discordou

dos acordos. O resultado disso foi a ida das organizações estudantis para a

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clandestinidade. Para estudiosos da época o ensino superior exerceria um papel

estratégico, porque caberia a ele forjar o novo quadro técnico que desse conta do

novo projeto econômico brasileiro, alinhado com a política norte-americana.

Alguns setores acreditavam que o acordo MEC/USAID acabaria levando a

educação brasileira à privatização do ensino no Brasil, por conta da violenta

oposição aos acordos MEC/USAID nos meios estudantis e intelectuais, o governo

criou em 1968 um grupo de trabalho encarregado de estudar a reforma e propor

outro modelo.

A educação como direito subjetivo é garantida na Constituição de 1988, na

Lei 9.394/96 e no Plano Nacional de Educação sancionado em 2001 pelo presidente

da republica Fernando Henrique Cardoso, com duração de dez anos. Em síntese o

plano tem como objetivos:

• A elevação global do nível de escolaridade da população;

• A melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis;

• A redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao

acesso a permanência, com sucesso, na educação pública e;

• Democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos

oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na

elaboração do projeto pedagógico e a participação das comunidades escolar e local

em conselhos escolares ou equivalentes.

Passados quase dez anos da promulgação do plano, os resultados não são

positivos, segundo dados do MEC (2008), o plano aprimorou os sistemas de

informação e avaliação com exceção da educação infantil, implantou o ensino

fundamental de nove anos. Por outro lado, em 2008, os índices mostram que ainda

se está longe da universalização do ensino fundamental, 2,4% dos brasileiros de 7 a

14 anos ainda estavam fora da escola, uma queda de 1,1% em relação aos dados

de 2001. Apesar do avanço e do percentual baixo, os números absolutos ainda

assustam: são 680 mil crianças sem estudar - 450 mil delas negras e pardas; nas

creches somente 17,1% das crianças são atendidas (veja o gráfico abaixo),

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Figura 4

São 33 pontos percentuais abaixo do esperado de atender 50% das crianças

de até três anos. No que diz respeito às metas referentes ao abandono escolar, os

resultados são bons: entre 2001 e 2007, os índices no Ensino Fundamental caíram

de 9,6 para 4,8% (exatos 50%). Mas o mesmo não aconteceu para as metas

referentes à reprovação que, por sua vez, aumentou de 11 para 12,1% no mesmo

período. Quanto à erradicação do analfabetismo, entre 2001 e 2008, a taxa de

analfabetismo caiu apenas de 13% (16 milhões de pessoas) para 10% (14,5

milhões), assegurar a EJA para 50% da população que não cursou o ensino regular,

10,9 milhões de pessoas fizeram parte de turmas de Educação de Jovens e Adultos

(EJA) (veja o gráfico abaixo).

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Figura 5

Parece muito, mas representa apenas um terço dos mais de 29 milhões de

pessoas que não chegaram à 4ª série e seria o público-alvo dessa faixa de ensino. A

implantação do piso salarial e dos planos de carreira previstos para cumprir a meta

já em 2001, não foi concretizada e veio bem depois: o piso se tornou uma realidade

apenas em 2009, com o valor, que neste ano chega a 1.024 reais para 40 horas

trabalhadas. Hoje se discute um novo plano, porém as principais questões são

referentes às garantias da qualidade do ensino.

2.3 Educação escolar: um modelo a ser repensado

No planejamento da educação, estão presentes recursos básicos para se

obter o desenvolvimento local da escola, juntamente com a comunidade, mas a

escola que conhecemos no Brasil tem como referência a burocracia, seja no sistema

de ensino ou na organização e nos resultados práticos não contribui para que a

classe trabalhadora obtenha uma competente formação que possibilite ascensão

social.

A escola de hoje não gera a divisão de classes, como se imaginava há

algum tempo, são as sociedades de classe que geram a escola e inserem nela as

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referências intelectuais e morais de interesse da classe e cultura dominante. Como

descreve Saviani:

A escola é determinada socialmente; a sociedade em que vivemos, fundada no modo de produção capitalista, é dividida em classes fundada em interesses opostos; portanto, a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade. Considerando-se que a classe dominante não tem o interesse na transformação histórica da escola (ela está empenhada na preservação de seu domínio, portanto, apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação) (SAVIANI, 2009: p.28).

Em seu interior, a escola funciona de maneira burocrática tanto nos níveis

administrativos quanto pedagógicos e as características de funcionamento têm suas

funções delimitadas pelo sistema empresarial capitalista. As buscas por resultados

eficientes e eficazes são as referências que norteiam as práticas e processos

pedagógicos, reduzindo o papel do professor como agente das operações a serem

executadas e, dessa forma, reduzindo a autonomia docente de autor do processo de

ensino. A pedagogia tecnicista (SAVIANI, 1983, p. 13-19), implantada pelas políticas

educacionais dos anos 60 e 70, tinha, como primeiro plano, a racionalidade, a

eficiência e a produtividade. Ela buscava fazer do ensino racional e objetivo. O

ensino era direcionado no movimento da escola tecnicista, no qual a escola era

totalmente voltada para o mercado de trabalho. O movimento não priorizava o

desenvolvimento da cidadania ou o desenvolvimento social; ele era eficaz para o

preparo de mão de obra para servir o setor produtivo industrial, hoje o movimento

pedagógico é pautado em interações do aluno, da escola e da sociedade local.

Hoje, a educação no Brasil preconiza como objetivo o desenvolvimento

humano e o desenvolvimento do território. Para isso, veem nas demandas da

comunidade elementos estruturantes do processo pedagógico. Neste sentido,

busca-se um ensino com foco no local, mas que não negligencia as questões

globais.

Nas grandes cidades, ou mesmo metrópoles, como é o caso da cidade de

São Paulo, a população de baixa renda é, em sua maioria, formada por migrantes e

a maior parte deles mora em periferias, nos limites da cidade ou em cidades

vizinhas. Em grande parte, moram em ocupações como é o caso das construções

em margens de córregos, em encostas e em áreas de manancial ou de preservação

ambiental. 56

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As famílias que moram nessas comunidades possuem culturas e costumes

variados, em muitos aspectos, por exemplo, os moradores das favelas possuem

carro novo e recolhem a taxa para ter a garagem privativa na própria comunidade,

tudo bem organizado, possuem os eletrodomésticos e instalações essenciais de um

lar, como é o caso de rede de canais de televisão pagos, Internet de alta velocidade,

telefone, aparelho de micro-ondas, reprodutor de DVD, televisores de LED entre

outros equipamentos. As crianças brincam de “games” nos computadores e nos

televisores, jogam bola, empinam pipas entre outras atividades.

Antes da educação organizada, sistematizada e intencional que se tem na

escola, a criança é educada pela família e pelo meio em que vive, no caso dessas

favelas dos grandes centros, elas crescem com uma comunidade que conquista

objetos de consumo e difundem sua cultura na gíria, música, atitudes entre outros

aspectos que são admirados e servem de referência como identidade das

conquistas dos moradores locais. Uma maneira difundida de conceito cultural sobre

as conquistas, nesse meio, é a de que a escola não tem muita serventia na vida de

uma pessoa, como é o caso dos jovens que cresceram nas comunidades,

acompanhando a evolução dos adultos mais próximos, sejam os familiares ou

vizinhos, que não precisaram diretamente de uma escola para conquistar os

objetivos alcançados na vida. São pessoas que não estudaram para atingir uma

estabilidade na comunidade local, a escola por sua vez é vista pela comunidade

mais pobre como algo de pouca utilidade, importante apenas para ficar longe do

analfabetismo. A escola pública de hoje possui a fama de aprovar os alunos sem

precisar necessariamente que eles aprendam o mínimo do conteúdo, seguir os

estudos em nível superior é algo que poucos almejam, pois a maioria atinge

algumas conquistas sem precisar da escola, a cultura de estudar para conquistar um

bom emprego é algo longe da realidade dessas comunidades.

Os moradores dessas comunidades estão locados ao lado de outras

comunidades, que são os moradores dos condomínios que estão logo ali, no mesmo

bairro, são os moradores de classe média que possuem uma grande preocupação

com os estudos, porque em geral não são herdeiros de propriedades e indústrias.

Trata-se de uma classe social que, em geral, considera os estudos como uma

possibilidade de ascensão ou, no mínimo, a manutenção dos padrões de qualidade

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de vida que possuem. Nesse caso, os pais, quando têm condições financeiras,

matriculam seus filhos em escolas privadas, em busca de uma melhor qualidade e

ensino, ou recorrem ao ensino publico, local. Os dois grupos sociais descritos acima

dividem um pequeno espaço que é o bairro onde vivem, a proximidade física é

inversamente proporcional à convivência social.

A educação contextualizada surge nas regiões metropolitanas como

alternativa a essas comunidades de culturas variadas, que não acreditam na

educação escolar da forma que lhes é apresentada. A escola pública de bairro

convive com grande diversidade e tem, entre seus objetivos, a convivência produtiva

entre diferentes, contudo, na prática, não é bem o que acontece a ação da escola

acaba promovendo o acirramento do conflito.

A escola acaba não dando conta de lidar com o jovem estudante que chega

à sala de aula sem muita perspectiva. Ele cresceu em famílias cujos componentes

não tiveram histórias de sucesso na escola e acabam assumindo a ideia de que a

escola é para alguns, para aqueles que têm jeito para o estudo e não para todos

como preconiza a lei. Essas pessoas, embora valorizem a escola como um caminho

importante para as conquistas pessoais de seus filhos, em muitos casos, veem no

fracasso destes, uma repetição da própria história. Isto gera dificuldades para

acompanhar o desenvolvimento dos filhos, sobretudo, quando estes apresentam

dificuldades na escola. São aqueles que, no processo de escolarização, assumiram

uma identidade subalterna. Almeida (2005) ao referir-se à inclusão do subalternizado

assim se manifesta:

Aos poucos foi ficando evidente que muitas crianças que frequentam a escola todos os dias, na realidade estão excluídas porque não participam do que acontece dentro da sala de aula, assumindo uma condição de subalterno (Almeida, 2005: p.69).

Para esse autor:

Essa condição não é construída apenas no universo escolar, mas na escola é reforçada, transformada em estigma. Muitas crianças que chegam à escola, em função da cor da pele, do lugar onde mora ou da condição social assumem o estigma de inferiores. (Almeida, 2005: p.69).

Os jovens que vivem em situação de pobreza e vulnerabilidade social e

cujas famílias são analfabetas ou semi alfabetizadas, não tendo a cultura escrita

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como uma referência para a sua sobrevivência, na escola, convivem com os outros

jovens, cujas famílias possuem maior grau de escolarização e que, na convivência

familiar, é enfatizado o valor social da escola. Isso faz com que as crianças que vêm

de famílias escolarizadas se desenvolvam melhor nos estudos justamente pelo fato

de o processo de escolarização fazer alguma diferença na qualidade de vida das

famílias. Essas famílias se apresentam com maiores condições de acompanhar o

desenvolvimento dos filhos ou mesmo de cobrar da escola um ensino de melhor

qualidade, interferindo inclusive nas discussões sobre os resultados apresentados

nas reuniões.

Aqueles que vivem em situação de pobreza chegam à escola sem acreditar

nela. Como não possuem no núcleo familiar histórias de sucesso na escola têm

muito mais dificuldade de acreditar que com ele será diferente. Incluir na vida a

necessidade de escolarização é mais difícil quando a experiência de vida familiar

não corrobora com isso, embora mesmo as famílias pobres assumam diante dos

seus filhos o discurso segundo o qual a escola é o caminho para as conquistas

pessoais.

Frente a esse panorama, temos uma escola que, por si, já possui uma

estrutura de convivência que separa os estudantes. O termo separação não se

refere à separação física e, sim, à separação de culturas. Os alunos são

provenientes de culturas muito distintas, nas quais os processos de escolarização

são vividos de modo diferente. Na escola, as crianças organizam-se naturalmente

em grupos com maiores afinidades nas diversas atividades.

Há grupos distintos por diversos motivos, o corpo docente encontra

facilidade de ensinar aos estudantes que se esforçam em aprender, fazer as tarefas

e participar das aulas ativamente, isso torna o ensino na sala de aula “nivelado por

cima”. Os estudantes que não acompanham são vistos como “abaixo da média”.

Deslocados no ambiente escolar desenvolvem a prática da indisciplina. Alunos que

dão problemas na sala de aula são facilmente rejeitados pelo corpo docente que não

quer esses “problemas” em sua aula, e consequentemente a rejeição ou reprovação

migra para o nível da escola e reforça como prática comum como afirma Almeida:

Uma idéia bastante frequente nos discursos da escola e que se configura como poderosa aliada à exclusão é oposição de uma minoria de alunos que

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não querem nada a uma suposta maioria de alunos ávida pelo saber (ALMEIDA, 2005: p.63).

Os resultados negativos que por sua vez retornam para os pais, durante as

reuniões, os insucessos de seus filhos, também acaba por afastar as famílias do

convívio escolar. Essa diferença entre os grupos de alunos e dos pais faz da sala de

aula um local onde se aumenta a diferença entre os estudantes onde os que não

vão bem nos estudos têm reforçado o conceito de que escola não é para ele. Enfim,

a escola, em um primeiro momento, afasta os alunos com baixo aproveitamento e

indisciplina e, em um segundo momento, afasta os pais desses alunos. Com essa

falta de sucesso a escola reforça o conceito de estar distante da comunidade local.

Neste contexto se fortalece a necessidade de repensar a escola, construir

uma escola capaz de lidar com os diferentes, sem expulsar aquele que não está de

acordo com o padrão. Uma escola com esse perfil entende que os pais dos alunos

com dificuldades são geralmente filhos de pais que também tiveram dificuldades e

que precisam ser inseridos em um movimento de desconstrução de uma imagem de

escola como espaço para apenas alguns. A afirmação de uma nova imagem de

escola, fundada na ideia de que a educação escolar é um direito e que o próprio

fracasso na escola se relaciona também a diversos fatores externos e não apenas à

falta de dedicação ou de aptidão para o estudo. A educação contextualizada surge

neste cenário como uma possibilidade de repensar o atual modelo de escola.

2.4 Educação contextualizada

A sociedade é formada por um conjunto de pessoas que dividem e

compartilham de uma cultura comum. Se o conhecimento de um estudante tiver

alguma ligação com a matéria estudada, o conteúdo transmitido é reconhecido e

associado à experiência de vida e se torna mais fácil de ser absorvido. Há uma

conexão entre o conhecimento que se possui e o ensino, o estudante pode conectar

as informações do conhecimento que possui com as referências do ensino

sistematizado pelo professor, se o mesmo estiver atento à abertura para os

conhecimentos que o estudante possui. Segundo Morin (2002), o conhecimento está

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focado em todos os níveis de educação “dizem respeito aos sete buracos negros da

educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos

programas educativos”.

Durante o desenvolvimento da criança, ela inicia a fala e depois a escrita, os

conhecimentos vão sendo encaixados e acumulados, sendo que um antigo

conhecimento serve de alicerce e fornece estrutura para um novo conhecimento. Ao

ingressar na escola, os novos conhecimentos virão de uma maneira sistematizada e

intencional para o sucesso da aprendizagem. Nesse período o estudante passa a

seguir regras necessárias para resolver operações matemáticas, produzir textos com

regras gramaticais. A preocupação maior fica por conta dos objetivos a serem

atingidos no futuro, a começar pelo resultado de uma tarefa ou uma prova. A

aprovação na disciplina aponta para a hipótese de que, no futuro, pode-se ter uma

vida profissional bem sucedida. A ligação natural de contextualização do que já se

sabe (e que é natural da aprendizagem), passa a ficar em segundo plano, o

professor prepara o aluno com as mudanças na estrutura de como ele aprende,

depois de ser moldado o professor deve fazer do aluno um cidadão crítico. Segundo

MORIN:

Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isso não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em matemática que podem dar sosinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto. (MORIN, 2002: p.27).

A educação contextualizada está sendo desenvolvida em todos os graus de

ensino, em todas as regiões do país. O ensino aproxima-se da cultura local e,

através do contexto, se identifica com o aluno. Referências do local como a cultura,

moradia, agricultura, indústrias, comércios passam a ser mais importantes do que as

referências globais, o educador sabe, por exemplo, que não irá tratar de questões de

desenvolvimento industrial com alunos de uma comunidade rural.

Segundo Dowbor (2006), “a educação contextualizada visa a uma

compreensão por parte dos alunos sobre o ambiente e da realidade em que se estão

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inseridos e são chamados para uma participação como cidadão e profissional”. A

educação contextualizada tem, como eixo central, a criação de condições para a

permanência do cidadão na sua região, com a finalidade de transformá-la com vistas

a produzir melhoria da qualidade de vida humana coletiva. Ela questiona modelo de

escola que trata a educação como um trampolim para escapar da região de origem

ou para alcançar um lugar na parte mais alta da pirâmide social. A educação

contextualizada vem se constituindo na base para desenvolvimento local, uma

alternativa para a superação da desigualdade entre as pessoas, entre as cidades e

mesmo entre as regiões do país.

No trecho seguinte Dowbor (2006) apresenta a educação contextualizada

como um instrumento importante para o desenvolvimento local que ele aponta como

uma possibilidade concreta dos cidadãos tomarem nas mãos a própria história.

Esta visão de que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e social, de que o desenvolvimento não se espera mas se faz, constitui uma das mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Tira-nos da atitude de espectadores críticos de um governo sempre insuficiente, ou do pessimismo passivo. Devolve ao cidadão a compreensão de que pode tomar o seu destino em suas mãos, conquanto haja uma dinâmica social local que facilite o processo, gerando sinergia entre diversos esforços. (DOWBOR, 2006: p.1).

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente

vinculada a esta compreensão e à necessidade de se formar pessoas que possam

participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de

gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover iniciativas deste tipo,

constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos desconhecem, desde a

origem do nome da sua própria rua, até os potenciais geográficos da região onde se

criaram. A educação atual se constitui de valores e concepções equivocadas sobre a

realidade da região em que se vive. Ela reproduz nas escolas a imagem

estereotipada de uma sociedade improdutiva, pobre e sem potencial de

desenvolvimento, reforçando a imagem, sobretudo nas regiões pobres, de que se

devem procurar recursos para viver em outro lugar. Essa é uma visão que durante

muito tempo foi cultivada no Brasil com relação à região Nordeste e que hoje vem

sendo modificada pela educação contextualizada. Isso ocorre, em outras regiões do

país, como mostra o trecho seguinte:

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Nos municípios médios e pequenos é muito mais fácil perceber uma articulação do desenvolvimento com as necessidades locais. São exemplos óbvios como Pintadas, na Bahia, que, como está no semiárido, está ensinando para a realidade do semiárido, está educando as pessoas para enfrentar a realidade da própria região. E isso funciona também em Santa Catarina e em tantos outros municípios. Há um programa chamado Minha escola, meu lugar, em que numa pequena localidade adaptaram, com as propostas do trabalho realizado pelo Doutor Marcos Jacob, da Embrapa Meio-Norte, a garantia no município de uma educação que não seja simplesmente voltada para o contexto dos grandes centros, mas da implantação, no currículo escolar, de ações voltadas à realidade local. No plano metropolitano, tudo é mais complexo. A escola atinge praticamente um terço da população. Somando alunos, professores, administradores, escolares, etc., no Brasil, são 60 milhões de pessoas, o que corresponde a um terço da população do País. Então, um país extremamente capilar, são todas as famílias, são todos os bairros, daí você precisa pensar não apenas na visão, digamos de Brasil, você tem que pensar para o caso de regiões metropolitanas. Você já tinha que pensar num bairro, porque a escola tem que se inserir de maneira extremamente densa no bairro. E aí o próprio conceito de administração desses processos tem que ser revisto. É importante que as crianças frequentem as escolas, não escolhendo a escola melhorzinha aqui e ali, mas uma escola que fique a uma distância em que se possa ir a pé. Hoje se trabalha muito o conceito de a criança poder ir a pé da escola para a casa, o que significa tornar as escolas menores. (ALMEIDA; NHOQUE, apud DOWBOR, 2010: p.2).

Para que haja cidadania ativa, deve haver uma cidadania informada, e isto

começa cedo. A educação não deve servir apenas como trampolim para uma

pessoa escapar da sua região, e sim lhe dar os conhecimentos necessários para

ajudar a transformá-la e com isto melhorar a qualidade de vida humana coletiva.

2.5 Desenvolvimento local

Em geral, um município se desenvolve com influência direta de eventos

vindos de fora, como, por exemplo, uma pequena cidade de interior onde a maior

fonte de trabalho e de riquezas está sujeita às variações da agricultura ou da

pecuária local, não oferece perspectivas para o desenvolvimento local e social. Os

cidadãos que almejarem viver em um local com maior desenvolvimento possuem

basicamente a alternativa de migrar para outro espaço, para poder se desenvolver.

Em Lins, uma cidade do interior de São Paulo, com 73.000 habitantes, distante 455

km da capital, havia a segunda maior indústria de processamento de carnes da

América Latina. Tratava-se do maior complexo industrial da região que empregava

1200 funcionários diretos. Não havia outra empresa em um raio de 70 km, as

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cidades mais próximas com maior população são Araçatuba distante 70 km com

uma população de 181.000 habitantes e Bauru, distante 108 km com uma população

de 360.000 habitantes. Com esse panorama, a cidade vivia basicamente da indústria

de processamento de carnes, direta ou indiretamente, ressaltando o fato de ser a

única indústria da região.

A indústria da cidade, em conjunto com o SENAI, implantou dentro da

fábrica, cursos técnicos profissionalizantes somente para os funcionários, esses,

mesmo estudando fora do horário de trabalho, pagavam para estudar, ou seja, quem

não trabalhava na grande indústria de carnes, não podia frequentar a escola e, por

outro lado, a faculdade de engenharia da cidade era privada e não oferecia curso

superior no período noturno. Além disso, as suas mensalidades não condiziam com

a realidade econômica da cidade. É óbvio que a indústria em questão não tinha

interesse em compartilhar com a sociedade local os cursos técnicos que oferecia em

parceria com o Senai, pois o corpo discente se manifestava ansioso para concluir o

curso e assim poder sair da cidade e almejar uma vida melhor em uma cidade mais

desenvolvida, por razões óbvias, em especial por conta da faixa salarial muito

abaixo da média no interior paulista. Diante dessa situação, os moradores da cidade

não tinham perspectiva de desenvolvimento se não fosse através da indústria local

ou de outra grande indústria que se instalasse na cidade, uma vez que as cidades

ligeiramente maiores estão no mínimo a uma distância de 70 km.

Percebe-se um cenário no qual as pessoas com desejo de ascensão social

buscam trabalhar em uma indústria para ter a chance de estudar e mudar-se da

cidade, “a nossa tradição nos leva as economias de escala. Quando pensamos em

empresas que, de certa forma, simbolizam para nós o desenvolvimento moderno,

vemos escalas de produção muito elevadas, como é o caso de empresas

automobilísticas ou de eletrodomésticos” (DOWBOR, 2008: p.33). As políticas

públicas também não ajudavam para reverter esse quadro. O processo de

industrialização de uma região desenvolve a cultura dessa dependência da

sociedade, pois se torna mais prático para o cidadão a passividade, “por outro lado,

como o gigantismo das empresas as leva em geral a produzir em massa, de forma

muito padronizada, perde-se, na produção em grande escala, a flexibilidade de

resposta ao que é realmente necessário para os diferentes indivíduos ou grupos que

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compõe a sociedade” (DOWBOR, 2008: p.34). Ainda se referindo à passividade da

sociedade frente ao poder centralizado no interesse das grandes economias Dowbor

discorre, apontando duas fontes principais:

A nossa passividade tem sido alimentada e realimentada em duas fontes. A primeira é o liberalismo, que nos ensina que devemos evitar de nos intrometer na construção do mundo que nos cerca, porque existe uma “mão invisível”, o mercado, que assegura que chegaremos automaticamente ao “melhor dos mundos”. O que nos explicam, na impossibilidade de negar os absurdos, é que os outros caminhos são piores. A segunda é a da visão “estatizante”, que nos assegura que o planejamento central porá ordem em nossas vidas, simplificação que já foi desmentida pelos fatos. (DOWBOR, 2008: p.12).

A sociedade local não tinha autonomia para desenvolver-se e vivia à espera

da chegada de outra grande indústria, entretanto, isso não ocorreu. A solução seria

a educação, conforme resume Dowbor:

A idéia de educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão, e a necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover iniciativas desse tipo, constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos desconhecem desde a origem do nome de sua própria rua até os potenciais do subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania ativa, temos de ter uma cidadania informada, e isto começa cedo. A educação não deve apenas servir como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la. (DOWBOR, 2006: p.1).

A visão de que o desenvolvimento chega até uma região através de

investimentos de instalações de empresas privadas ou uma grande obra

governamental, sempre prevaleceu na cultura brasileira. A comunidade espera, de

forma passiva, que o desenvolvimento venha de fora com dinâmicas de políticas

públicas. Os recursos e projetos externos são importantes, mas devem existir

apenas como um complemento da dinâmica da própria sociedade local. Várias

regiões, municípios e comunidades, construíram espaços de mobilização,

organizaram-se e desenvolveram-se através dos potenciais disponíveis no local; a

relevância do desenvolvimento acontecer através da organização local da

comunidade leva ao desenvolvimento cultural e social como afirma Dowbor:

Décadas de experiências com projetos de desenvolvimento comprovam, no entanto, que a capacidade de auto-organização local, a riqueza do capital social, a participação cidadã e o sentimento de apropriação do processo pela comunidade são elementos vitais em sua consolidação. O desenvolvimento não é, meramente, um conjunto de projetos voltados ao

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crescimento econômico. É uma dinâmica cultural e política que transforma a vida social. (DOWBOR, 2009: p.5).

Outras experiências no campo da educação contextualizada ocorreram na

região do semi-árido nordestino. Dessa forma os moradores deixaram de esperar

pelo desenvolvimento e passaram a fazê-lo. No caso citado, o desenvolvimento da

qualidade de vida não dependeu diretamente da ação da globalização, e sim do

desenvolvimento local como afirma Dowbor:

“Promover o desenvolvimento local não significa voltar às costas para os processos mais amplos, inclusive os planetários: significa utilizar as diversas dimensões territoriais segundo os interesses da comunidade” (DOWBOR, 2006: p.3).

Hoje, em quase todos os assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento,

nos vetores das causas está a globalização, mas nem tudo é globalizado, de uma

maneira mais simples, o espaço local está mais próximo da sociedade. Segundo

Dowbor:

É interessante constatar que quanto mais se desenvolve a globalização, mais as pessoas estão resgatando o espaço local, e buscando melhorar as condições de vida no seu entorno imediato. (DOWBOR, 2006: p.3).

Dessa forma o desenvolvimento local contribui para a inclusão social,

sobretudo, a inclusão da comunidade em questão, o conhecimento da cultura local

em detrimento da cultura global – não em nível de substituição – como veículo

urgente pela busca da autonomia particular e coletiva.

2.6 Inclusão Social

A questão da exclusão social no Brasil não é novidade, o que no início da

colonização excluía os índios, excluiu a comunidade de escravos de origem africana,

passou por mudanças de meios e formas de exclusão, e hoje exclui uma vasta

variedade de grupos, nos grandes centros urbanos, dentre os mais comuns estão os

moradores das comunidades de baixa renda, são os favelados, sem renda,

migrantes, sem teto entre outros de um modo geral. A evolução capitalista no Brasil

vem provocando uma série de problemas sociais, conhecidos com a urbanização

das grandes cidades. Nos anos 70 e 80, entendia-se que a formação da pobreza

nos grandes centros urbanos era uma consequência do êxodo rural que os

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problemas de mendicância, da formação de favelas, da delinquência e da violência,

tinham origem nos movimentos migratórios, em especial das regiões norte e

nordeste do país.

O fenômeno da pobreza urbana manifesta-se na luta pelo mercado de

trabalho, pela renda, pelo acesso a bens de serviços. Há ainda raízes deste

fenômeno no modo de produção capitalista cujos resultados, entre outros,

manifestam-se na exclusão. Inclui-se aqui o fato de as pessoas fugirem do campo

em busca de melhores condições de vida na cidade, estes já ingressam no cenário

urbano de forma desigual seja por baixa escolaridade ou qualificação profissional,

somadas à falta de oportunidade de emprego.

Nos gráficos, a seguir, busca-se identificar a movimentação da população

entre as regiões, somente na cidade de São Paulo e em relação ao rendimento

familiar, para tal buscam-se os valores do total de migrantes por região do país no

período de 2001 a 2007.

Figura 6 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007

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Os valores consultados junto ao IBGE referem-se ao percentual de

migrantes de outras regiões brasileiras. No gráfico, ao fundo, está a região centro-

oeste com 37 por cento da população sendo migrantes, a maior representação de

pessoas residentes não-naturais da região de residência; a região sudeste está ao

centro com quase 20 por cento de migrantes e a região nordeste com variações

inferiores a um ponto percentual, apresenta o menor valor em migrantes.

Os dados disponibilizados pelo IBGE remetem a uma procura maior na

região Centro-oeste e a menor pela região Nordeste, a primeira impressão que se

tem é que há um interesse maior pela região Centro-oeste, Norte e Sudeste,

respectivamente, e que os migrantes sejam na maioria da região Nordeste. Vale

ressaltar que a região sudeste apresenta queda no período conforme tabela abaixo:

Tabela 1; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007

No gráfico a seguir, recorre-se ao mesmo período e às mesmas regiões,

porém os dados são de população em milhões de habitantes. A região sudeste, ao

fundo, se destaca das outras regiões devido a seus 80 milhões de habitantes, em

seguida, está a região nordeste também populosa com 54 milhões de habitantes, a

região centro-oeste, com uma população de quase 14 milhões de habitantes é a de

menor número de habitantes.

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Figura 7; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007

A seguir, o novo gráfico das pessoas não-naturais da região de residência

com a população migrante de outras regiões em milhões de habitantes.

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Figura 8

O que se constata é que se analisarmos a migração de pessoas por regiões,

teremos uma impressão de que a região Centro-oeste é a mais procurada por

pessoas que buscam viver em outra região, e a região Nordeste é a que tem a

menor procura, o que ocorre é que ao converter os dados de percentual para

número de habitantes, a região sudeste posiciona-se com o maior volume de

migrantes de outras regiões, são 14 milhões de migrantes de outras regiões vivendo

na região sudeste, o volume é maior do que toda a população da região Centro-

oeste, analisando esses valores é notório que a região sudeste é a mais procurada

pelas pessoas que buscam viver em outra região.

No gráfico abaixo, a cidade de São Paulo foi isolada para expor a evolução

do percentual de migrantes de outras regiões no período de 2001 a 2007.

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2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

17

17,5

18

18,5

19

em %

Período

taxa de migrantes em São Paulo - SP

Figura 9; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2007.

Da região Sudeste, a cidade de São Paulo, até há uma década atrás, era

considerada como a que mais recebia migrantes de todas as regiões do país, em

busca de melhores condições de vida. A grande maioria é de pessoas naturais das

regiões Norte e Nordeste. De acordo com os dados anteriores, observamos que a

região Sudeste ainda concentra um grande volume de migrantes, porém é notório

que o percentual decresce nos últimos anos. Em relação à cidade de São Paulo, a

redução é mais expressiva, o que expõe a evolução do desinteresse pela cidade,

conforme Dowbor discorre:

Hoje, com o esgotamento de grande parte do êxodo rural, o crescimento demográfico migratório arrefeceu. A taxa de crescimento demográfico de São Paulo foi de 0,9% na última década. Mas as médias enganam. Enquanto bairros mais antigos têm hoje uma população estacionária, e o centro antigo de São Paulo apresenta até um crescimento negativo, na periferia convivemos com taxas de expansão muito fortes: Cidade Tiradentes, por exemplo, na periferia leste de São Paulo, apresentou uma taxa de crescimento de 8% ao ano durante a última década, Parelheiros de 7%, enquanto a Sé no centro recuava numa taxa de 2,2% ao ano. Na dimensão da Grande São Paulo, observamos uma lógica semelhante. Estimativas do Seade para 200/2003 apresentam uma taxa de crescimento anual de 6,9% para Itapevi, 5,1% para Caieiras, de 4,7% para Itapecirica da Serra, só para dar alguns exemplos. (DOWBOR, 2004: p.1).

Esse panorama tem influência com o desenvolvimento local através da

ampliação do microcrédito, como política de promoção econômica e social que,

entre outros recursos, ajudaram a promover o desenvolvimento em outras regiões

distantes da capital paulista. Segundo a Coordenação do Programa Nacional de

Microcredito Orientado (PNMPO), junto ao MT, Ministério do Trabalho e emprego,

em referência aos clientes de carteira ativa com data base de 31 de março de 2005,

temos:

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MICROCRÉDITO POR REGIÃO

REGIÃO CLIENTES

ATIVOS VALOR DA CARTEIRA

ATIVA VALOR MEDIO DOS

CRÉDITOS

SUL 24.003 52.987.455,00 2.208,00

CENTRO-OESTE 3.194 3.766.863,00 1.179,00

SUDESTE 19.432 20.629.421,00 1.062,00

NORDESTE 43.073 32.935.334,00 765,00

NORTE 2.571 5.242.812,00 2.039,00

TOTAL BRASIL 92.273 115.561.885,00 1.252,00

Tabela 2; Fonte: DOWBOR (2008) apud Ministério do trabalho (2005: p.311).

O maior número de clientes está no Nordeste, 43.073, para uma carteira

ativa de R$ 32.935.334,00, o que representa um credito médio de R$ 765,00.

A região Sul apresenta o maior valor em carteira ativa: R$ 52.987.455,00, e

a segunda posição de clientes ativos, 24.003, com o maior valor médio de crédito:

R$ 2.208,00.

Os dados revelam uma solicitação de microcrédito para estrutura interna da

microempresa informal, maior nas regiões Nordeste e Sul. Nota-se que os dados da

região Nordeste apontam para a maior quantidade de clientes ativos e o menor valor

médio de crédito em relação às outras regiões, isso significa o maior volume de

micro empreendedores.

Por outro lado, o gráfico abaixo mostra a constante queda no rendimento

familiar na cidade de São Paulo.

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Famílias, por classes de rendimento mensal familiar (em salários mínimos)Unidade territorial São Paulo - SP

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Período

Uni

dade

(100

0 fa

míli

as) Ate 1 salário

de 1 a 2 salários

de 2 a 3 salários

de 3 a 5 salários

de 5 a 10 salários

de 10 a 20 salários

Mais de 20 salários

Figura 10; Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2009.

No gráfico acima, o volume de famílias da cidade de São Paulo, no período

de 2001 a 2009, é apontado pela renda mensal em salários mínimo. Analisando os

dados dos gráficos acima, é simples constatar que mesmo a região Sudeste, sendo

a que recebe o maior número de migrantes de outras regiões, a grande taxa de

migrantes vem sendo reduzida em seu maior referencial, a cidade de São Paulo.

No gráfico da quantidade de famílias por renda em unidades de salários

mínimo, é nítido o aumento das famílias que possuem um rendimento mensal

familiar de até 6 salários mínimo e a redução nas famílias que possuem um

rendimento mensal acima de 10 salários mínimo. Pode-se concluir que, ao longo de

quase dez anos, o número de pessoas vindas de outras regiões vem sofrendo uma

constante redução. A grande massa que, nos anos 1970 e 1980, migrava do Norte e

Nordeste do país, em busca de melhores condições de vida, diminuiu e, hoje, não se

aponta para grande interesse em mudar para região Sudeste. Por outro lado, a

população de São Paulo está crescendo, a população de baixa renda também

cresce, enquanto a população com renda maior está sendo reduzida ano a ano, em

suma, a pobreza está crescendo tanto quanto a população, a riqueza está reduzindo

e o número de migrantes também. Podemos resumir que, de fato, hoje não são os

migrantes a maior parcela componente da pobreza e má distribuição de renda da

cidade de São Paulo. A pobreza aumenta por questões econômicas e sociais e,

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junto com ela, a desigualdade nos grandes centros urbanos e, junto com isso, a

cultura da exclusão social. As causas econômicas da exclusão incluem motivos

globais, no caso a educação, e também razões históricas. Por ter sido iniciada na

vida das pessoas ainda quando crianças, juntamente com o convívio social, acaba

por ser a principal razão da exclusão, desde o momento de formação. A escola

possui a característica de poder atuar de maneira descentralizada procurando

atender as necessidades da sociedade local. Se a urgência na educação de uma

metrópole for o desenvolvimento da cultura da inclusão, a educação contextualizada

é a ferramenta de acesso local para iniciar o movimento da cultura de

desenvolvimento local na própria comunidade.

A inclusão social é um processo complexo, se configura em dimensões

materiais, afetivas, políticas, relacionais e subjetivas. É um processo dialético em

relação à exclusão, envolve o homem e sua relação com os outros, sendo um

produto do funcionamento do sistema e do meio. Está ligada diretamente à pobreza

e à desigualdade. A pobreza não é somente a pobreza como referência de baixa

renda, uma vez que a questão da renda está diretamente ligada às questões fiscais

do estado detentor de recursos de redução de pobreza e desigualdade com

programas governamentais assistencialistas como é o caso do programa “bolsa

família” ou “bolsa escola”; a pobreza em questão é a pobreza como privação das

capacidades básicas (SEN, 2000: p.35), como define Sen:

Existem boas razões para que se veja a pobreza como uma privação de capacidades básicas, e não apenas como baixa renda. A privação de capacidades elementares pode refletir-se em morte prematura, subnutrição significativa (especialmente de crianças), morbidez persistente, analfabetismo muito disseminado e outras deficiências. (SEN, 2000: p.35).

O autor discorre sobre a distinção conceitual de pobreza, como inadequação

de capacidades, e pobreza, como baixo nível de renda, sem desvinculá-las, uma vez

que a renda é um meio importante de obter capacidades, o que se busca é a

obtenção de capacidades para conduzir um poder de auferir renda. Em relação à

aquisição de capacidades como fonte de obtenção de renda Sen discorre:

Não ocorre apenas que, digamos, melhor educação básica e serviços de saúde elevem diretamente a qualidade de vida; esses dois fatores também aumentem o potencial de a pessoa auferir renda e assim livrar-se da pobreza medida pela renda. Quanto mais inclusivo for o alcance da

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educação básica e dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria. (SEN, 2000: p.113).

Frente a esses dados, vemos que existe uma tendência à educação se

tornar nivelada por baixo, pois as comunidades das periferias e bairros pobres da

capital paulista estão aumentando e consigo a cultura do desinteresse pela

formação acadêmica. Nas salas de aula das escolas públicas, as diferenças que

deveriam ser uma boa razão para se trabalhar e pôr em prática a inclusão e se

tornar uma cultura dos grandes centros, apenas se reforçam.

Os diferentes grupos sociais condensados na metrópole promovem o reforço

das diferenças, em especial no ambiente escolar, onde deveria haver promoção

social resulta em fracasso escolar, uma vez que o ambiente escolar atende

estudantes com enormes diferenças culturais. A partir das diferenças e da cultura

que cada um possui, surge uma proposta de ligação para iniciar, de fato, um

processo de convivência dos diferentes grupos sociais.

É neste plano que desponta a imensa riqueza da iniciativa local: como cada localidade é diferenciada, segundo o seu grau de desenvolvimento, a região onde se situa, a cultura herdada, as atividades predominantes na região, a disponibilidade de determinados recursos naturais, as soluções terão de ser diferentes para cada uma. E só as pessoas que vivem na localidade, que a conhecem efetivamente, é que sabem realmente quais são as necessidades mais prementes, os principais recursos subutilizados e assim por diante. Se elas não tomarem iniciativas, dificilmente alguém o fará para elas. (DOWBOR, 2006: p.4).

A educação contextualizada, no panorama atual, se torna uma importante

ferramenta nos projetos, onde se pretende reduzir a exclusão social em uma

comunidade que possui grande desigualdade social. O crescimento das favelas

urbanizadas é um grande exemplo disso, essas comunidades são provenientes de

ocupação territorial que, com o passar do tempo, se desenvolveu e, de certa

maneira, houve a urbanização do local, como é o caso da comunidade que será

estudada no capítulo seguinte, com um projeto de escola onde os princípios das

atividades se baseiam na educação para desenvolvimento local através de uma

proposta de educação contextualizada na cidade de São Paulo.

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CAPÍTULO 3

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA:

UMA POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO SOCIAL NA METRÓPOLE

O objetivo deste capítulo é discutir a possibilidade de inclusão social de crianças e

adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade em regiões metropolitanas,

por meio do desenvolvimento de uma proposta de educação contextualizada. Para

isso, pretende-se apresentar uma descrição pormenorizada do Projeto Alavanca,

que funciona desde 2003, na comunidade São Remo, buscando com isso encontrar

evidências de que a ação por ele proposta na comunidade tem contribuído para a

inclusão social dos jovens dessa comunidade.

A escolha da educação contextualizada, como instrumento de inclusão

social, como problema de pesquisa, está relacionada com a minha própria história

de vida e a escolha deste projeto, em particular, como objeto da pesquisa está

relacionada à minha atuação nele, desde o início de sua implantação. Assim,

estudá-lo, em certo sentido, é entender uma ação da qual participo e, por meio da

qual, busca-se a construção desta sociedade, ao lado de outras pessoas que têm as

mesmas aspirações.

Para o desenvolvimento da pesquisa, adotou-se uma abordagem qualitativa.

Embora elementos, como os gráficos, tenham sido usados, a preocupação maior foi

utilizar estes dados para compreender o objeto pesquisado, buscando situá-lo no

cenário mais amplo e buscando verificar a sua contribuição para a comunidade onde

está inserido. Como técnica de coleta de dados, recorreu-se ao estudo bibliográfico

e documental que foi completado pelo relato da história de vida do pesquisador e

pela observação participante uma vez que também este pesquisador é um dos

colaboradores do projeto.

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Antes de falar mais especificamente do projeto é importante falar da

comunidade onde ele está instalado.

3.1 A comunidade São Remo

A comunidade denominada São Remo fica na Região Oeste da cidade,

próximo à cidade Universitária. Embora se trate de uma comunidade pobre, tem

como vizinhos bairros de classe media como Bonfiglioli, Jaguaré e Butantã. A

comunidade surgiu há cerca de 30 anos, em uma área pertencente à universidade

de São Paulo, ocupada por pessoas que trabalharam na construção da

universidade. A origem do nome da comunidade é uma pequena rua chamada São

Remo que existe no local.

A cidade universitária, campus da Universidade de São Paulo, cuja

construção durou entre 1952 e 1972, contou com a colaboração de muitos operários

que ali trabalharam. A maior parte dessa mão de obra era composta por operários

migrantes de outros estados sendo a maioria do Norte e Nordeste. Esses formaram

uma vila de operários, na margem oeste do terreno, com barracos de madeira e

sobras de materiais de construção. Ali permaneceram devido à localização e, com o

tempo, foram formando famílias. A área pertence à Universidade de São Paulo e

tem 74.300m2, nos limites nordeste da comunidade há um grande muro da Cidade

Universitária com dois acessos de pedestres, ao norte há outro muro do 16º

Batalhão da Policia Militar, a sudoeste o limite é a Avenida Corifeu de Azevedo

Marques, um importante acesso à cidade de Osasco. O mapa abaixo mostra a

localização da comunidade no bairro.

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Figura 11; Fonte: Google mapas.

A comunidade possui saneamento básico, postes de iluminação pública,

2,2km de ruas asfaltadas com sarjetas e calçadas que foram construídas através da

influência e mobilização de candidatos políticos em campanha eleitoral. Possui

também um comércio local com mercados, lanchonetes, “lan-house”, bares, lojas de

roupas, oficina mecânica, borracharia, duas serralherias entre uma grande

diversidade de produtos e serviços que são oferecidos. No limite onde a comunidade

faz divisa com os muros da cidade universitária da Universidade de São Paulo, há

um campo de futebol em terra com dimensões oficiais e uma quadra poliesportiva

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em concreto também com dimensões oficiais. Um grande número de moradores que

vivem na comunidade São Remo trabalha no campus da USP seja diretamente ou

indiretamente em lanchonetes, restaurantes entre outros. A comunidade possui um

centro comunitário para organizar as necessidades da comunidade local, um circo

escola e outras organizações não governamentais.

Foto 1– comunidade São Remo vista do bairro.

Foto 2– interior da Comunidade São Remo.

O transporte é facilitado por ônibus das diversas linhas que circulam nas

avenidas Corifeu de Azevedo Marques, Escola Politécnica e Rio Pequeno, outras

linhas circulam dentro do campus da Universidade de São Paulo que permite o

acesso a pedestre em dois lugares, um é ao lado de um ponto de ônibus e o outro

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dá acesso ao Hospital Universitário. Em um raio de 400m do centro da comunidade,

há dois grandes supermercados, farmácias, caixas eletrônicos bancário, loja de

materiais de construção, oficinas mecânicas, padaria, lojas de produtos e serviços

que dispensam a necessidade de um deslocamento maior para buscar o que possa

precisar.

Segundo dados coletados pelo Projeto Alavanca Brasil através de seus

voluntários, hoje vive na comunidade São Remo cerca de 6.000 habitantes cuja faixa

etária é apresentada no gráfico abaixo.

Figura 12; Fonte: Projeto Alavanca Brasil.

Concluímos que a comunidade possui uma população de 3600 crianças,

jovens e adolescentes que são, portanto, maioria absoluta e estão por toda parte.

Nas horas livres, a principal atividade dos jovens é jogar bola, soltar pipas, e andar

de bicicleta, frequentam muito a “lan-house” para acesso à Internet, e para jogar

“vídeo games”. O ambiente de Internet oferecido pelo projeto é a atividade de que

eles mais gostam, mas os jovens que não frequentam um curso regular ou

participam de alguma forma no Projeto Alavanca não costumam fazer uso dos

computadores do projeto, mesmo sendo convidados a fazer uso eles rejeitam.

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Foto 3– crianças jogando bola.

Em uma parte do tempo livre, estão guiando automóveis e pilotando

motocicletas, sempre sem capacete em alta velocidade, pelas ruas estreitas da

comunidade, muitos aparentando cerca de dez anos de idade. Isso se dá

principalmente pela ausência de policiais que não fazem ronda na comunidade. A

ausência do estado deixa as crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social

e exposta ao tráfico e outras formas de violência. Esta ausência do estado é ponto

importante no que diz respeito à manutenção da situação de marginalidade em uma

comunidade como a São Remo, ao lado da comunidade está um batalhão de polícia,

na comunidade passa o caminhão de lixo, o carteiro, o agente de leitura da energia

elétrica, mas não passa nenhum policial ou viatura em ronda. Essa postura é um

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facilitador para os jovens ficarem mais à vontade em seu bairro, perpetuando uma

situação de abandono, às vezes, chamada de liberdade. Segundo Sen (2000):

Os papeis instrumentais da liberdade incluem vários componentes distintos, porém inter-relacionados, como facilidades econômicas, liberdades políticas, oportunidades sociais, garantias de transparências e segurança protetora. Esses direitos, oportunidades e intitulamentos instrumentais possuem fortes encadeamentos entre si, que podem se dar em diferentes direções. O processo de desenvolvimento é crucialmente influenciado por essas inter-relações. (SEN, 2000: p.71).

O desenvolvimento dos jovens na comunidade São Remo possui uma

liberdade distinta da liberdade das pessoas que não moram na São Remo, isso

influencia diretamente a formação deles e os conceitos de relações dos valores

sociais. Quando é conveniente para o estado intervir, ele o faz, quando não, basta

se ausentar e a comunidade cuida de se desenvolver. Se o estado não fizer uma

intervenção, não será a organização dos moradores locais que a fará. Dowbor

(2008) afirma que somos educados a acreditar que a organização de nosso

cotidiano ocorre por uma esfera superior, o Estado.

Os moradores da comunidade São Remo sofrem com o estigma de compor a

maior comunidade do bairro de Bonfiglioli, onde há moradores de classe média a

media baixa. Eles sentem seu bairro desvalorizado pela presença de favelas

urbanizadas que trazem consigo drogas e criminalidade. Em algumas situações em

sala de aula, na escola SENAI, onde há alunos bolsistas, moradores de

comunidades e de favelas da região e também durante a convivência com os

moradores da comunidade São Remo, pode-se notar que há duas situações

distintas de conduta: quando se está fora da comunidade e na presença de outras

pessoas. Se no caso, o interlocutor for uma pessoa de classe média e o assunto é

referente à moradia ou bairro onde vive, o jovem morador da comunidade conduz o

diálogo, omitindo quaisquer referências ao local onde mora, ou se no caso, a pessoa

for alguém com maior proximidade o assunto constantemente é desviado e nunca é

possível se aprofundar no tema. Porém, se o interlocutor for morador de outra

comunidade, o tema se desenvolve sem obstáculos e, sobretudo é tratado com

orgulho pelos jovens, como uma situação de superioridade e coragem. A situação

apresentada por Almeida (2003) descreve esta situação:

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Neste contexto, a agressividade parece ser um sinal de que o tratamento dispensado a estas crianças e adolescentes, quer pela escola quer pelos colegas da parte mais nobre do bairro, não é bom, sendo este conflito um sinal de como se dá o relacionamento na escola. As crianças são bem tratadas, respeitadas, integradas ou estigmatizadas, rejeitadas, discriminadas. As conversas com crianças e adolescentes têm revelado que a agressividade aparente esconde um complexo de inferioridade crônico, sendo o enfrentamento uma atitude de autodefesa. Este complexo de inferioridade fica evidente quando olhamos as fichas de matrícula do pessoal do Vera Cruz. Quase todos dão o endereço da Rua Leonice Alves Rodrigues. Geralmente, não colocam o endereço correto com vergonha de dizer que são da favela, o que dificulta o encontro das crianças que desaparecem da escola. (ALMEIDA, 2003: p.108).

A questão acima descrita revela os reflexos do estigma que sofrem os

moradores jovens da comunidade em questão, os jovens buscam eventos de

inclusão como é o caso de bolsas de estudo em escolas do bairro, esses eventos

têm o objetivo de oferecer chance de estudo e promover a inclusão. O que ocorre

com a chance de estudo que alguns jovens recebem, se torna o início de um

processo de preparo para o desenvolvimento pessoal seguido da mudança para

outro local já desenvolvido, segundo Dowbor:

De certa forma, o cidadão que vive num bairro que não lhe agrada pensa em mudar de bairro, ou de cidade, mas não pensa muito na possibilidade e direito de intervir no espaço em que vive, de participar da criação de qualidade de vida para si e para sua família. (DOWBOR, 2008: p.30).

A questão da inclusão na prática é um panorama subjetivo a cada indivíduo,

uma vez que os relacionamentos com outros jovens do mesmo bairro, com classes

sociais muito distintas não se desenvolvem além dos limites da escola. Dessa

maneira, a sociabilidade entre os jovens moradores da comunidade em questão,

sofre com a falta de organização, mesmo que haja os eventos promotores de

inclusão, os recursos de defesa da imagem é o resultado da exclusão por

diferenciações sociais como descreve Sawaya (2010):

Fica claro que um “vazio social” ganhou toda a periferia e que não existe nenhum sinal de sociabilidade organizada nos bairros populares. Ao nos reportarmos à descrições dos sociólogos e etnólogos dos anos 50 e 60, constatamos que a intensidade das relações sociais nesses bairros diminuiu

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muito. A vida coletiva se transformou, sob o efeito das diferenciações sociais, no mundo operário: alguns grupos em ascensão mudaram de bairro, outros, ao contrário, passaram por um processo de desqualificação e empobreceram. Um número crescente de famílias não pode contar com nenhuma outra possibilidade que morar em cidades desvalorizadas. Interiorizando uma imagem negativa e adotando atitudes marcadas pela introspecção, procuram evitar seus vizinhos. É sabido como se constituem as reputações familiares; dessa forma tudo incita a se calar e a tornar o menos visível possível das inseguranças da vida cotidiana. É digno de nota o fato de que muitos ainda têm esperança de encontrar um emprego e de mudar de bairro. (SAWAIA, 2010: p.74-75).

Na comunidade São Remo, existe um centro comunitário que funciona como

a associação de moradores. Neste centro organizam-se e viabilizam-se atividades

de cunho social, de interesse dos moradores. Há ainda o auxílio com mão de obra e

local, inclusive para projetos de outras entidades, como em várias atividades e

projetos desenvolvidos pelo Projeto Alavanca. Funciona como uma associação

parceira de grande proximidade com a população local e assim também solicitam

das outras organizações no bairro e fora dele recursos e apoio para as atividades. É

uma relação de parceria com troca de favores sendo facilitadores para ambos. A

associação de moradores foi a mediadora entre a comunidade São Remo e o

Projeto Alavanca, na realização do projeto de uma escola com um prédio maior

dentro da comunidade. Como a comunidade não dispõe de espaço para que se

possa construir mais um prédio, a solução encontrada foi construir o prédio no lugar

onde fica a quadra poliesportiva, pois, por diversas vezes a associação solicitou, ao

Projeto Alavanca Brasil, a instalação de um sistema de iluminação na quadra,

infelizmente não está dentro do perfil de investimento, mas uma proposta veio

atender tanto a comunidade São Remo quanto o Projeto Alavanca Brasil. Foi feito

um projeto de um prédio que seria construído no local onde hoje é a quadra

poliesportiva; no prédio haveria três pavimentos sendo, o primeiro no térreo, para

atividades de marcenaria, fábrica de brinquedos, oficina para exposições e

atividades em geral, outro pavimento logo acima do térreo com salas de aula e

diretório acadêmico, e o último pavimento com uma quadra poliesportiva coberta,

com dimensões inferiores à anterior, porém compatíveis com as atividades,

iluminação, uma pequena arquibancada, banheiros e acesso com rampa pelo lado

externo do prédio. Depois dos desenhos técnicos construiu-se com a ajuda dos

jovens da comunidade uma maquete que foi apresentada aos representantes das

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indústrias interessadas em financiar a construção. Projeto para apresentação do

prédio vide apêndice.

Foto 4– maquete do projeto de um novo prédio.

Há problemas com o lixo da comunidade São Remo, no que se refere à

armazenagem e à manutenção da limpeza nas ruas e nas calçadas. Na parte mais

alta da comunidade, existe um depósito de lixo construído de alvenaria, fruto de

campanha para a organização do lixo, o local possui um portão para proteger os

sacos de lixo dos cães que vivem na rua. No inicio do uso do local, os moradores

organizavam o lixo devidamente em sacos e mantinham o portão fechado, com o

passar do tempo essa prática deixa de existir e se torna comum os moradores

jogarem os sacos de lixo do lado de fora do local de armazenagem, isso faz com

que os sacos se espalhem e ocupem um maior espaço, e o portão fica impedido de

manter-se fechado, os cães rasgam os sacos e ajudam a espalhar o lixo. Quando

essa situação se torna insuportável, alguns moradores se manifestam incomodados

com o lixo invadindo a rua e reclamam com a associação dos moradores para

providenciar uma reforma de ampliação do depósito de lixo, nessa hora se faz

necessário uma intervenção de alguma organização para realizar um novo evento.

As campanhas em geral apresentam resultados imediatos, mas com o passar do

tempo acabam sendo esquecidos, devido à baixa adesão às praticas de organização

do lixo, com isso as campanhas continuam e revelam-se mal sucedidas.

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Foto 5– lixo espalhado pela calçada.

Na parte mais baixa da comunidade, passa um córrego que é canalizado

antes e depois de passar por ela. É apelidado pelos moradores de “Riacho Doce”,

passa a céu aberto pela comunidade, o cheiro forte e a poluição são somados aos

lixos que os moradores jogam nele. No pequeno espaço de margem, estão

construídas algumas casas de alvenaria e barracos de madeira, em época de chuva

forte, a velocidade e o volume da água aumentam e fazem com que as casas e os

barracos nas margens da água ou sobre palafitas caiam parcialmente nas águas.

Quando isso acontece os moradores se mobilizam, ajudam como podem as famílias

que tiveram suas casas e barracos destruídos e, em pouco tempo, os barracos são

reconstruídos.

Foto 6– casas às margens do riacho.

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3.2 O projeto alavanca

O nascimento do Projeto Alavanca Brasil, se deu entre abril e julho de 2003,

quando a coordenadora geral Dorothea Swartz veio da Alemanha para o Brasil

cursar a faculdade de administração de empresas na Universidade de São Paulo

(USP).

Nas redondezas do prédio da faculdade, Dorothea conheceu uma família que

morava na comunidade São Remo. Era uma família que, como muitas da

comunidade, vivia do trabalho informal. O pai reciclava papel e alguns dos filhos

vendiam pequenos materiais como lápis, borrachas e canetas. Após obter maior

aproximação com essa família, descobriu que essas crianças apresentavam grande

defasagem escolar. A partir deste momento, sensibilizada com a situação, ela iniciou

seus trabalhos.

Em agosto de 2003, tentando compreender o sistema escolar brasileiro,

Dorothea matriculou uma criança dessa família em um curso de computação e

inglês e, em seus horários vagos, dava aulas para crianças desta família e realizava

passeios culturais expandindo o universo de conhecimento dessas crianças. Até

então, a ajuda que ela tinha para oferecer às crianças, vinha de recursos próprios,

com o tempo a situação tornou-se insustentável.

As pessoas do circulo de amizade de Dorothea sensibilizaram-se com a

situação e iniciaram um processo de ajuda financeira, a ajuda era paliativa e ela

sentia-se desconfortável que recursos viessem de pessoas físicas e resolveu fundar

a ONG “Projeto Alavanca Brasil” e assim buscar recursos em empresas privadas.

As empresas com as quais Dorothea iniciou os contatos são multinacionais

que possuem matriz na Alemanha, isso devido à facilidade de acesso. Com o tempo,

os recursos passaram a vir de doações dessas parcerias formadas com empresas,

indústrias, instituições governamentais e não-governamentais; os recursos são em

dinheiro, máquinas e equipamentos utilizados em aulas e manutenção da escola. A

maior parte das empresas continua sendo de matriz na Alemanha, e requisitam a

manutenção constante de cursos de idiomas alemão e inglês para ampliar as

possibilidades de criação de mão de obra tanto para o Brasil quanto para Alemanha.

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Outras parcerias são firmadas no Brasil mais especificamente em São Paulo,

com estabelecimentos de ensino privado que destinam algumas bolsas de estudo

integral para moradores da comunidade São Remo, materiais didáticos e

participações em campanhas. São colégios da região e até, em uma distância maior,

como é o caso de um colégio privado que atende à classe alta da sociedade.

Os colaboradores que atuam com mão de obra eram, no início do projeto,

compostos por pessoal externo da comunidade, eram professores voluntários,

estudantes de curso superior em Matemática, Letras, História, Análise de Sistemas,

entre outros. Com o tempo, o projeto foi preparando colaboradores e voluntários

para substituir os atuais por duas razões, a primeira é que o objetivo central do

Projeto Alavanca é fazer com que os moradores locais administrem o projeto

somente com moradores, e que os conhecimentos e as práticas sejam repassadas

para outras pessoas poderem substituir as atuais. Como o objetivo central do projeto

é que a administração e a mão de obra sejam totalmente compostas por moradores

da comunidade São Remo, com o passar do tempo os moradores seriam a maioria

no projeto até atingir a totalidade; a segunda, é que os voluntários e colaboradores

de fora da comunidade, em geral têm sua disposição desgastada com o tempo,

existe uma força impulsionadora do trabalho no Projeto Alavanca, em que as

pessoas que estão de passagem e têm um objetivo a atingir, entre ensinar e

participar com os jovens das diversas atividades a maior missão é promover um ou

mais multiplicadores para substituir a função.

Foi proposta a criação de uma escola profissionalizante de desenho mecânico

industrial, em conjunto com as aulas de desenho técnico na tradicional prancheta e

em computadores via sistema CAD “computer aided design”, surge então o projeto

de uma escola fábrica.

Assim que surgiu o projeto de escola pensou-se em uma escola cidadã

com formação para cidadania ativa e educação para o desenvolvimento (GADOTTI;

ROMÃO 1997), uma estrutura organizacional que fosse aderente aos objetivos do

projeto. Buscou-se uma organização com estrutura flexível e que permitisse o

desenvolvimento sustentável dos projetos existentes e iniciar novos projetos ou

encerrar ações sem necessidade de rever a estrutura organizacional. Pensou-se

também que esta estrutura deveria permitir que o projeto disseminasse sua

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metodologia e replicasse suas ações em outros locais. Desta forma, o Projeto

Alavanca adotou uma divisão de estrutura celular, pois esta, atendia melhor a estes

requisitos.

A estrutura organizacional do Projeto Alavanca é composta pela Coordenação

Geral, Comissões de Formação de Multiplicadores e a Comissão de

Desenvolvimento Organizacional e Ética e por quatro secretarias.

ESTRUTURA DO PROJETO ALAVANCA BRASIL

COORDENAÇÃO GERAL

FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES

DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL E ÉTICA

SECRETARIA EXECUTIVA

SECRETARIA DE COMUNIDADES

SECRETARIA DE RELAÇÕES PÚBLICAS

SECRETARIA ADMINISTRATIVA

Figura 13

Os objetivos do projeto são definidos em reuniões das secretarias com a

coordenação geral do projeto, representante dos alunos e representante da

comunidade local, os tópicos são divididos em pontos de maior e menor urgência,

durante a reunião é definido o modo de como será acompanhado o desenvolvimento

e quais serão os responsáveis pelo acompanhamento e avaliação. Os parceiros

externos são as indústrias, escolas e voluntários, eles acompanham o

desenvolvimento de todo o projeto inclusive dos investimentos em recursos

financeiros.

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As secretarias promovem todos os trabalhos do Projeto Alavanca. Na

Secretaria Administrativa são organizadas todas as células que executam tarefas de

planejamento e organização de projetos, ou seja, estas células dão suporte às

células executivas. As secretarias cuidam da captação de recursos, compra de

materiais, recrutamento de voluntários e sistemas de informação, entre outros. Caso

o Projeto Alavanca seja replicado em outra comunidade, as células administrativas

não precisam ser duplicadas.

A Secretaria Executiva reúne todas as células relacionadas a programas

educacionais, de desenvolvimento comunitário e geração de renda, ou seja, as

ações que o Projeto Alavanca promove junto com as comunidades locais. Quando

uma ação for replicada em outra comunidade, as células executivas garantem que

sejam aproveitadas todas as lições aprendidas voltadas à determinada ação no novo

local.

Células vinculadas à Secretaria de Relações Públicas cuidam das relações

que o Projeto Alavanca mantém com públicos internos e externos. O sucesso de um

trabalho social em grande parte depende de sua capacidade de estabelecer diálogos

frutíferos com moradores da comunidade local, voluntários, instituições públicas,

empresas e doadores. O diálogo constitui a condição básica para promoção de

ações de melhoria em conjunto, mobilização em prol de um mesmo objetivo e

colaboração duradoura.

A Secretaria de Comunidades organiza células de diversas comunidades

onde o Projeto Alavanca atua em conjunto com outras organizações. Esta secretaria

toma conta que as ações sejam suficientemente adaptadas às necessidades locais e

que os moradores participem de todo processo de planejamento, implantação e

avaliação das ações propostas.

A coordenação geral garante que todas as células se comuniquem entre si e

colaborem na realização da mesma visão - a implantação de um projeto de melhoria

local auto-sustentável e auto-financiado. As comissões dão ênfase a duas

estratégias principais para o alcance desta visão:

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1. a comissão de formação de multiplicadores é responsável por

elaborar e promover formação para os moradores se tornarem multiplicadores.

Para isso, precisam aprender todos os processos indispensáveis para a

continuidade de uma ação social, além de atitudes de líderes comunitários.

2. a comissão de desenvolvimento organizacional e ética garante que

regularmente seja revisada a metodologia de trabalho do projeto alavanca,

analisando quais programas devem ser iniciados, precisam de adaptação ou

devem ser encerrados. Além disso, promove um diálogo constante entre

voluntários moradores e doadores sobre os valores que devem nortear os

trabalhos do projeto alavanca nas comunidades onde atua. Dessa forma a

comunidade participa com representantes pais, alunos, voluntários e

representantes da associação de amigos do bairro.

O poder público acompanha a escola nas questões de registros fiscais e

legais, a organização possui sede própria, tem registro como organização não-

governamental, CNPJ, registro na prefeitura de São Paulo, reconhecimento da

UNICEF e do governo alemão.

Os alunos que frequentam a escola são certificados pela própria escola nos

cursos de curta duração como é o caso dos cursos de informática, inglês, alemão,

marcenaria entre outros, estamos no terceiro ano aguardando o processo de

reconhecimento pela rede SENAI com cursos de aprendizagem industrial. Os cursos

do tipo reforço escolar não emitem certificado.

O Projeto Alavanca Brasil é uma instituição sem fins lucrativos que visa

promover a emancipação política e inclusão social autodirigidas de comunidades de

baixa renda. Rejeitando quaisquer formas de paternalismo e assistencialismo, a

instituição integra pessoas de todas as classes em um processo democrático e

participativo de planejamento e direção. Compreende que este processo de

libertação e inclusão tem que acontecer em quatro níveis:

1. Dando acesso à cultura, educação, economia e lazer pelo

estabelecimento de programas sócio-educativos e de geração de renda nas

comunidades pobres,

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2. Promovendo o acesso das classes pobres a instituições de

educação e cultura fora do seu alcance,

3. Contribuindo para a melhoria do ensino público,

4. Desenvolvendo programas de formação cidadã e sensibilização

junto a classes mais elevadas, visando à redução de pré-conceitos e a

aproximação de todas as partes. Julga-se necessária esta aproximação para

que as classes que integram o povo brasileiro, cada vez mais, se enxerguem

como "irmãos” e juntamente promovam políticas públicas mais justas e

igualitárias.

O Projeto Alavanca Brasil se compreende como incubadora de núcleos de

educação e transformação social. Os núcleos necessitam auto-gestão e auto-

sustentabilidade financeira. Todos os núcleos devem atuar em rede, trocando

experiências, criando sinergias e propiciando a força necessária para a luta social

que enfrentam.

Responsáveis: Rosângela dos Santos Costa, Reginaldo dos Santos Luz;

Atendimento: 05 crianças e adolescentes da comunidade São Remo, aulas no

Colégio Universitário Jardim Bonfiglioli acontecem em meio-período, sendo que no

outro período as crianças têm aulas de acompanhamento escolar individual ou em

grupo, encontros para planejar seu projeto bimestral de intervenção na comunidade,

atendimento semanal médio: 10 horas. Realização dos encontros em casa dos

bolsistas ou na Sede do Projeto Alavanca Brasil, Participação do Grupo de

Formação Cidadã.

3.2.1 Objetivos do Projeto Alavanca Brasil:

- Promover a inclusão social mediante oportunidades de formação escolar

melhor para crianças e adolescentes com alto potencial e de baixa renda;

- Estruturar um programa educacional de longo prazo e altamente integrado,

composto de atividades de formação escolar, pessoal, bem como cidadã;

- Formar mediante o programa de “Bolsas para Escolas Particulares”

multiplicadores para atuar na transformação social;

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- Envolver toda a comunidade neste projeto de inclusão social – familiares,

professores, bolsistas, parceiros e voluntários do Projeto.

3.2.2 Perfil dos Bolsistas:

O Projeto Alavanca Brasil seleciona para o Programa de Bolsas para Escolas

Particulares crianças que se destacam pela sua curiosidade, criticidade,

persistência, responsabilidade e desempenho escolar. Considera-se o apoio e a

estrutura familiares, bem como seu reconhecimento do valor da educação. Dá-se

preferência a crianças e adolescentes com uma atitude cidadã, ou seja, participação

de um voluntariado ou movimento popular.

Na comunidade São Remo há várias crianças que surpreendem pela sua

curiosidade e potencial, porém faltam as oportunidades de estudo para elas

desenvolverem o mesmo e se tornarem transformadores sociais. Julga-se

importante promover a integração entre vários níveis sociais para combater pré-

conceitos e inquietações existentes nos dois lados. Busca-se formar um conjunto de

atitudes voltadas à personalidade (responsabilidade, consciência em relação com a

oportunidade e seu papel social, humildade), à escola e participação do Projeto

(organização, pontualidade, alto desempenho, assiduidade, interesse) e em relação

com a comunidade (participação, iniciativa, integração). Para isto são desenvolvidas

atividades de formação pessoal, escolar e cidadã. Acredita-se que a família e a

escola são agentes-chaves na formação da criança, portanto o Projeto tenta integrar

seu trabalho com estes agentes mediante envolvimento dos mesmos no

planejamento, na execução e avaliação da proposta. Além disso, são desenvolvidas

conversas pedagógicas com os educadores voluntários para integrar o máximo a

metodologia. Bimestralmente, são realizados encontros de avaliação com bolsistas e

seus familiares para discutir o rendimento obtido e estabelecer novas metas. Os

bolsistas, a partir da 3° série, atuam como voluntários. Cada um, bimestralmente,

elabora uma redação segundo um tema sugerido.

3.2.3 Histórico de eventos:

Abril a Julho de 2003: Contato com pessoas da comunidade São Remo e

compreensão maior do estado do sistema escolar brasileiro.

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Agosto de 2003: Matrícula de uma criança da comunidade em um curso de

computação e de inglês.

Janeiro de 2004: Captação de recursos com pessoas físicas na Alemanha

para poder matricular crianças em escolas particulares, negociação com vários

colégios privados.

Fevereiro de 2004: Matrícula de duas crianças no Colégio Jardim Bonfiglioli

(pagamento integral).

Março de 2004: Recrutamento de voluntários, início das aulas de

acompanhamento escolar.

Junho de 2004: Divulgação do Projeto em escolas públicas para encontrar

mais alunos com condições de futuramente entrar em escola particular.

Julho de 2004: Alcance de mais 11 bolsas no Colégio Jardim Bonfiglioli (troca

por serviços que o Projeto Alavanca Brasil presta na escola).

Agosto de 2004: Ampliação do programa de Acompanhamento Escolar para a

comunidade toda, formulação do perfil que se pretende formar nos bolsistas, início

dos serviços prestados junto ao colégio (reforço de matemática e oficina de web-

site), início do voluntariado dos bolsistas no Projeto.

Setembro de 2004: Estruturação da célula pela contratação de uma pessoa

para a sua administração.

Outubro de 2004: Início do atendimento psicológico para apoiar a integração

das crianças na nova escola, início da elaboração do plano estratégico, captação de

apostilas para as crianças junto com a Editora Moderna, saída de uma bolsista.

Dezembro de 2004: Presença do Projeto no Sábado Cultural do Colégio

Jardim Bonfiglioli.

Fevereiro de 2005: Recebimento de doações de apostilas usadas no colégio,

sistema de troca de serviços para todos os bolsistas.

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Junho de 2005: Elaboração de um contrato de parceria com o Colégio Jardim

Bonfiglioli, mudança da proposta de trabalho realizado no Colégio (incubação de

projetos sociais junto com alunos dentro do Programa “Despertar o Olhar”), saída de

mais uma bolsista.

Agosto de 2005: Elaboração de um sistema de avaliação dos bolsistas,

participação dos pais dos bolsistas como voluntários, início da participação frequente

nas reuniões pedagógicas do Colégio.

Novembro de 2005: Envolvimento de voluntários para discussão da

metodologia, decisão de lançar projetos bimestrais de organização de eventos

comunitários sob responsabilidade dos bolsistas.

Dezembro de 2005: Festa de encerramento do ano letivo no Colégio

Externato Jardim Bonfiglioli, com apresentações de alunos.

Janeiro de 2006: Compra de materiais para os bolsistas, início das aulas no

Externato.

Fevereiro de 2006: Rosângela e Reginaldo passam a coordenarem a célula

dos bolsistas.

Março de 2006: Conversa com a diretora e acordo quanto à situação dos

bolsistas.

Marco de 2006: Reginaldo, voluntário do Projeto Alavanca Brasil, passa a

prestar serviço na biblioteca do Externato Jardim Bonfiglioli.

Maio de 2006: Os bolsistas passam a ser financiados por doação vinda da

França, através da voluntária Katiuscia.

Junho de 2006: Devido ao acordo feito, os pais participam da decoração da

festa Junina do Externato Jardim Bonfiglioli.

Julho de 2006: Avaliação dos pais sobre o Programa de bolsas, Avaliação

com os bolsistas sobre o Programa de bolsas: recesso escolar, retirada dos enfeites

da festa junina.

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Agosto de 2006: Saída de uma bolsista, reinício das aulas do segundo

semestre, Marcos, voluntário do Projeto Alavanca Brasil, inicia as aulas no Externato

Jardim Bonfiglioli, dando continuidade ao Programa Despertar o Olhar, junto com a

diretora e professora Edna. Nesse período, também foram confeccionadas

camisetas do Externato Jardim Bonfiglioli para os bolsistas e a apresentação das

camisetas para a diretora Edna. Ainda em agosto, ocorreu a seleção de novos

bolsistas e contato com o colégio COC em Osasco, para a aceitação de novos

bolsistas no programa de bolsas: Aulas de desafio para futuros bolsistas, Prova de

avaliação para futuros bolsistas. Aluno do Projeto Alavanca presta vestibulinho no

colégio COC em Osasco; é aprovado no vestibulinho; Dorothea e Rosângela fazem

apresentação do Programa de bolsas e conversa com pedagogas e direção do

colégio COC em Osasco, Psicóloga da escola COC em Osasco se interessa pelo

programa de bolsas do Projeto Alavanca Brasil.

Setembro de 2006: Boletim informativo Geral tendo como destaque os

Bolsistas.

Outubro de 2006: Alunos do Projeto Alavanca Brasil prestam prova no

Colégio COC em Osasco e todos passam na prova, porém não foram matriculados.

Dezembro de 2006: Apresentação de final de ano no colégio Externato Jardim

Bonfiglioli com a participação dos bolsistas, Saída de três alunos do Programa de

bolsas, por não estarem de acordo com as normas propostas pelo Projeto Alavanca

Brasil, início de negociação para substituição de bolsas que foram desocupadas.

Janeiro de 2007: Pedido de doação de materiais escolares, para papelarias

da região e Editora Moderna.

Março de 2007, por opção da mãe, dois alunos se desligam do programa de

bolsas.

Junho de 2007: durante quatro dias pais e voluntários do Projeto Alavanca

enfeitam a escola para festa junina, Festa junina do colégio com a participação de

todos os alunos do programa de bolsas: Retirada de boletins de alunos bolsistas,

todos com bom rendimento, Festa de encerramento do primeiro semestre, Reunião

de pais e mestres no colégio, Retirada de bandeirinhas da escola. Janeiro: Reunião

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com os bolsistas que reafirmam seus ideais quanto à comunidade, após a reunião

foi realizado a distribuição de materiais.

Fevereiro de 2008: reinício das aulas no antes denominado Externato Jardim

Bonfiglioli, atual Colégio Universitário Bonfiglioli.

3.2.4 Desafios atuais:

• Aumentar o número de educadores para as atividades.

• Captação de recursos para manutenção das atividades.

• Estruturação de um material didático.

• Aperfeiçoamento das atividades para conseguir maior

alinhamento com os interesses e necessidades da comunidade.

• Projeto de motivação dos alunos para aumentar sua participação,

frequência e permanência.

• Doadores físicos para compra de materiais didáticos, para-

didáticos, e uniforme escolar dos alunos bolsistas.

Hoje a comunidade São Remo vê o Projeto Alavanca como uma instituição da

própria comunidade com a real possibilidade de desenvolvimento pessoal tanto dos

estudantes que são acompanhados diariamente no reforço escolar como dos

estudantes que aprendem idiomas e almejam uma experiência de fazer parte do

programa de intercâmbio, e assim ter a chance de conhecer outros países. Há ainda

a possibilidade de desenvolvimento pessoal dos funcionários e voluntários que

percebem diretamente o reconhecimento do seu trabalho pelos moradores do bairro

e da comunidade local pelo desenvolvimento das pessoas e, sobretudo, da

relevância do Projeto Alavanca Brasil em âmbito nacional e internacional. Isso se

passa em um ambiente agradável que já é parte da identidade da comunidade São

Remo, a presença de amigos e vizinhos faz do Projeto Alavanca Brasil uma escola

da comunidade por conta da administração ser aberta e composta de pessoas da

comunidade local, como afirma Almeida (2005), se referindo ao movimento Escola

Aberta, não caber em uma grade curricular fechada, pois esse tipo de instituição

exige mudança nos tempos e espaços tanto da escola quanto das pessoas, o autor

se refere à escola como espaço da comunidade local:

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Quando se fala que a escola é da comunidade, é necessário evitar a confusão entre a escola como patrimônio público, cujo serviço se destina a todos que necessitam e a escola como “espaço privatizado” por pessoas ou instituições que se autodeterminam representantes destes e, quando não, seus substitutos. A escola não é patrimônio privado de uma pessoa, de um grupo ou de uma instituição, por mais representativos que se digam ou que efetivamente sejam. Ela é sempre um lugar de todos, sobretudo daqueles que as adversidades acabaram por deixar sem voz, os excluídos. É diferente a escola ser um espaço público, cujo serviço é democratizado, e um espaço de que alguns se apossam como se fosse privado, até mesmo considerando o servidor público como se fosse seu empregado particular. (ALMEIDA, 2005: p.56).

Nas atividades do cotidiano do Projeto Alavanca Brasil, convive-se com

resultados práticos, quanto à contextualização da escola em promover o

desenvolvimento local. Nas semanas que antecedem as eleições é comum que os

partidos busquem nas favelas mão de obra para panfletagem nos semáforos e nos

calçadões; isso não é diferente na comunidade São Remo: presenciou-se na época

das eleições para governador de estado, em 2008, uma evasão dos funcionários, o

telefone do Projeto Alavanca Brasil estava constantemente recebendo ligações à

procura dos funcionários, os mesmos conversavam em tom baixinho ao telefone ou

eram muito breves na ligação. Na sequência, pediam para sair um instante alegando

a busca da solução de um problema pessoal, nos dias seguintes, não vinham

trabalhar e, quando retornavam, alegavam problemas pessoais. Todos os outros que

ficavam, além dos alunos sabiam que aqueles funcionários trabalhavam nos

semáforos da região com panfletagens, em troca de um “bom dinheiro” como diziam,

a prática nunca foi repreendida por ninguém no Projeto Alavanca Brasil.

Nas eleições para presidente da república em 2010, notou-se uma grande

mudança nos hábitos dos mesmos funcionários, com a proximidade do período das

eleições, as ligações começaram a acontecer, como de costume, ninguém se

manifestou sobre as decisões pessoais do funcionário, mas dessa vez, notou-se que

falavam no telefone com expressões negativas, seguidas de um sussurro “não vai

dar, eu estou trabalhando”. O que acontecia fora confirmado nas conversas com os

outros funcionários: as pessoas que fazem parte do Projeto Alavanca Brasil dessa

vez recusaram as propostas de trabalho temporário. Continuamos deixando as

pessoas à vontade para decidir onde e como querem trabalhar.

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Esse fato pode ser entendido como uma sensação de propriedade, as

pessoas que trabalham no Projeto Alavanca Brasil, sentem a importância de estar

presentes para as tarefas acontecerem, o conceito de desenvolvimento local está

presente, principalmente, nas decisões das pessoas em valorizar sua atividade,

comunidade e cultura.

3.3 Intercâmbio e atividades

Dorothea estava descendo a rua, ao passar ao lado de um grupo de crianças,

ela percebeu que um deles estava brincando com uma metralhadora de madeira.

Ela parou e, aparentemente zangada, olhou para o menino que aparentava cinco

anos de idade. Nesse momento, o menino apontou a “arma” e com a boca fez um

som de uma rajada; foi o que bastou para Dorothea ficar furiosa e tomar do menino

o brinquedo, com certa dificuldade, devido à resistência da criança. Quando ela tirou

o brinquedo do menino, ele pegou uma pedra e ameaçou atirar nela. Ela devolveu o

brinquedo ao menino que a agrediu verbalmente. Tal reação foi suficiente para que a

mãe do menino, em companhia de outras mulheres que estavam sentadas na

calçada, rirem da cena.

Na primeira oportunidade em que o episódio foi rememorado, ela disse não

concordar com crianças brincando com armas. Ela ainda alegou que sabia que um

marceneiro da comunidade construía armas com sobras de retalhos de madeira e as

dava para as crianças. Ela já conversara com ele a respeito, e tudo se repetia: no

momento da conversa ele concordava, mas quando ela vira as costas, ele voltava a

fazer as armas de brinquedo. Ela comentou que, na Alemanha, as crianças não

brincam de armas, em hipótese nenhuma, se isso acontecer a criança deve ser

repreendida e ter o seu brinquedo destruído.

Explicou-se que, até alguns anos atrás, no Brasil, as armas de brinquedo

eram comuns e, para os adultos, nisso, não havia nenhum problema.

Como comentamos antes, o estado é conivente com a liberdade informal nas

ruas da comunidade São Remo, isso se reflete na segurança que o menino teve em

enfrentar um adulto que tomou seu brinquedo, independentemente, de que tipo de

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brinquedo fosse. Pergunta-se: em um ambiente fora da comunidade como, por

exemplo, na escola o menino teria a mesma reação?

A partir desse evento, propuseram-se cursos para ensinar as crianças a

desenhar outros tipos de brinquedos com retalhos de madeira dos marceneiros. O

próprio marceneiro iria aprender a construir outros brinquedos, dessa vez, com maior

valor educativo, assim como as crianças seriam induzidas a desejarem brinquedos

mais adequados, sobretudo, sobretudo, de cunho pacífico. Depois do ocorrido com o

menino, direcionou-se o foco para uma educação cultural, pensando no isolamento

que os moradores da comunidade São Remo sofrem tanto por parte do estado como

parte da sociedade, propôs-se um projeto maior, um intercâmbio cultural entre

jovens brasileiros e alemães. Os jovens estudantes alemães entram em contato com

os colaboradores na sede em Krummensee, Brandenburg, Alemanha, passam por

uma triagem, recebem material com a descrição do Brasil, contendo informações

culturais, geográficas, populacional, educacional e política, informações e histórico

da comunidade São Remo e de seus moradores, estudam a língua portuguesa e

escrevem um projeto contendo o que poderiam fazer para os jovens da comunidade

São Remo experimentar outra cultura, o que eles poderiam acrescentar para o

desenvolvimento local e como poderiam receber um intercambista da comunidade

São Remo.

Após a escolha do voluntário intercambista, ele recebe mais materiais

contendo informações mais detalhadas do projeto e seus objetivos, exercita a língua

portuguesa com o pessoal do Projeto Alavanca é definido o tempo pré-determinado

de permanência no Brasil, o projeto cuida da carta ofício para obtenção do visto de

um ano e em seguida o voluntário viaja para o Brasil.

O voluntário estrangeiro deve ficar morando na comunidade São Remo,

convivendo com os moradores locais, eles são levados aos pontos turísticos da

cidade de São Paulo e até em outras cidades, possuem um banco de horas para

trabalho na sede do projeto, trabalham como monitores em quase todas as

atividades do Projeto Alavanca e colocam em prática o projeto que idealizaram ainda

na Alemanha, recebem uma quantia em dinheiro mensal para gastos pessoais e no

final do período passam quinze dias em qualquer cidade do Brasil por conta do

Projeto Alavanca Brasil.

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Os projetos dos alemães são variados e vão ao encontro de habilidades

pessoais, como é o caso de um jovem marceneiro de móveis rústicos, de madeira

não industrializada. Através de processos manuais usando serrote, formão e arco de

pua, ministrou cursos de desenho e fabricação de móveis e, juntamente com os

alunos, construiu uma diversidade de mobiliário para o Projeto Alavanca. O curso

possui uma base em geometria bastante desenvolvida e requer pouco recurso e

baixo investimento em ferramentas. Nas aulas, releva-se o fato de esse trabalho é

muito valorizado na Alemanha.

Foto 7– curso de marcenaria e moveis rústicos.

Outro projeto desenvolvido por um estudante de Geografia foi um curso de

mapeamento da comunidade, com pesquisa social, houve também uma escola de

futebol para meninas com uma jovem jogadora de futebol amador, jogos

cooperativos, reforço escolar com o ensino da Matemática praticado na Alemanha,

construção e organização da biblioteca comunitária, entre outras atividades, mas

todos os voluntários alemães lecionam o idioma alemão e, assim, preparam os

jovens da comunidade para viajar à Alemanha.

Cinco jovens, sendo duas moças e três rapazes, com idades entre 17 e 22

anos, moradores da comunidade São Remo, viajaram para a Alemanha, compondo

parte do programa de intercâmbio cultural. Os jovens ficaram entre seis meses e um

ano, durante esse tempo, eles convivem na casa de uma família fazendo parte do

cotidiano local, estudam o idioma alemão, fazem cursos de capacitação e trabalham

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junto com os voluntários alemães que vivem na Alemanha. Fazem visitas às

empresas dos colaboradores e participam das apresentações e reuniões para

obtenção de recursos. Fazem um “diário de bordo” e, semanalmente, realizam uma

videoconferência com os amigos, alunos e gestores no Projeto Alavanca Brasil, na

comunidade São Remo. Com isso, dividem parte das experiências vividas no

momento em que acontecem. O projeto envia para o intercâmbio os jovens

moradores da comunidade São Remo, que devem possuir condição mínima de ler,

escrever e falar o idioma alemão, ler razoavelmente o idioma inglês, e

comprometem-se em organizar e ministrar palestra e curso para os outros alunos e

integrantes do Projeto Alavanca sobre as experiências vividas fora do Brasil e

relacionar com o futuro.

O resultado disso é bastante positivo na questão do desenvolvimento, os

jovens voltaram com uma visão mais ampla de sociedade e participam da reunião de

secretaria e coordenação, demonstram maturidade para discutir os caminhos a

seguir tanto no Projeto Alavanca Brasil como na comunidade São Remo.

Com a convivência diária de vários jovens alemães na comunidade São

Remo, é notável a mudança nos moradores em relação à valorização do espaço

local, é como se a casa recebesse visita de fora e, antes que a visita se torne

totalmente da casa, ela vai embora e outras novas chegam. Com o tempo, os

moradores foram se acostumando com o trânsito de pessoas que não são da

comunidade. Constantemente, organizam-se almoços e cada um tem o espaço para

colocar em prática suas aptidões culinárias, ministram-se oficinas de fazer pão de

queijo, preenchem-se as vagas na cozinha rapidamente, inclusive pelos alemães.

Em conversas com moradores sobre a presença de estrangeiros na comunidade, a

imagem é sempre positiva com valorização do local somado com a experiência que

alguns adquirem fora do Brasil, e orgulham-se da comunidade São Remo ser

reconhecida internacionalmente. A conquista da doação de um automóvel por

intermédio da câmara de comercio Brasil-Alemanha, foi motivo de muita alegria para

a comunidade, a entrega do veículo foi feita pela Chanceler da Alemanha Angela

Merkel e os diretores das fábricas do Brasil e da Alemanha receberam alguns alunos

na unidade fabril da Volkswagen em São Bernardo do Campo.

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Foto 8– Doação do automóvel.

Algumas atividades são do tipo mutirão, como foi o caso da pintura do Projeto

Alavanca Brasil. Logo após as obras de construção estar terminadas, as paredes do

prédio precisavam de pintura. Buscou-se contato e conseguiu-se junto a uma

indústria fabricante de tinta, todo o material para fazer a pintura do prédio. Quando o

material chegou, a indústria enviou os pintores para começarem o trabalho.

Convocaram-se todos os jovens para pintar o prédio. A experiência deu muito

trabalho, pois no início era tudo motivo de alegria. O envolvimento foi tão grande que

houve disputa na escolha das cores e dos pintores da escada. quando se

completavam Após duas semanas de trabalho, tudo estava pronto. Os bons

resultados são devidos ao fato de que o prédio é pintado pela comunidade local e,

também, é conservado pela comunidade local.

Foto 9– Fachada do prédio.

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Outras atividades são promovidas como é o caso de passeios culturais em

conjunto com a realização dos cursos, são oferecidos várias atividades e oficinas

com profissionais das áreas relacionadas com o tema. No caso, a educação para o

meio ambiente tem um objetivo em comum, o conhecimento do espaço quanto à

geografia, ecologia e biodiversidade local.

Foto 10– oficina de reciclagem e meio ambiente.

Os alunos fotografam e identificam as espécies de animais que vivem na

região como, por exemplo, as capivaras que vivem nas margens do rio Pinheiros e

transitam entre as galerias, dutos e pelo córrego Pirajussara, das margens do rio até

o interior do campus universitário da USP.

Os alunos e voluntários vão a passeios de barco no rio Tietê. Entre as

atividades, há passeios em locais de cultura e lazer próximos como é o caso do pico

do Jaraguá, Bienal de arte moderna, Bienal do livro, Museu do Ipiranga, Museu da

língua portuguesa, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Estação ciência, Vila de

Paranapiacaba, entre outros.

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Foto 11 – passeio de barco pelo rio Tietê.

Foto 12– visita à Bienal do livro.

Foto 13– passeio ao Pico do Jaraguá.

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Foto 14– Passeio ao sítio São Lourenço da Serra.

As fotos acima registram alguns das atividades externas em grupo, são

passeios de cunho cultural e recreativo. Os passeios são escolhidos, conforme o

aproveitamento do conteúdo cultural, em relação à localidade e conforme o custo

financeiro. Quanto mais longe for o local de visita, mais conteúdo ele deve oferecer,

por exemplo, as atividades na cidade de São Paulo são avaliadas, com base no

custo financeiro, isso porque a região possui uma oferta muito grande de atividades

culturais gratuitas ou de baixo custo, as atividades de investimento elevado

necessitam de uma avaliação mais apurada. Essa prática mantém as condições

primárias de acesso do grupo social, são passeios que as pessoas da comunidade

São Remo poderiam fazer sem muito esforço financeiro, mas o desconhecimento

dos programas culturais gratuitos e de baixo custo resultam na acomodação e o

Projeto Alavanca Brasil atua praticando a cultura da busca de recursos possíveis

para o local, ou seja, os passeios não são soluções paliativas, os jovens que vão

aos passeios, com o tempo, percebem que também podem ir sem depender de

outro. Referindo-se à questão da democratização da cultura, Freire discorre:

Partíamos de que a posição normal do homem, (...) era e não apenas estar no mundo, mas com ele. A de travar relações permanentes com este mundo, de que decorre pelos atos de criação e recriação, o acrescentamento que ele faz ao mundo, natural, que não fez, representado na realidade cultural. E de que, nestas relações com a realidade e na realidade, trava o homem uma relação especifica – de sujeito para objeto – de que resulta o conhecimento, que expressa pela linguagem. (FREIRE, 2003: p.112-113).

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3.4 Impactos do Projeto Alavanca Brasil

As bolsas de estudo são, sem dúvida, um bom recurso para o

desenvolvimento dos estudantes da comunidade São Remo, desde o início do

projeto, as bolsas de estudo estão presentes e são desejadas por diversas mães

que buscam um futuro melhor para o seus filhos.

Inicialmente o projeto tinha como prioridades as atividades divididas em

grupos, são eles: intercâmbio cultural, passeios e eventos, participação dos

moradores, reforço escolar e bolsas de estudo. Na figura abaixo as setas indicam o

grau de prioridade para a seta de maior tamanho e menor prioridade para a seta

menor.

O intercâmbio cultural é de baixa prioridade por limitações financeiras,

passeios e eventos são de média prioridade pela fácil realização, a participação de

moradores em todas as atividades é de maior importância para continuidade dos

trabalhos, o reforço escolar é de média prioridade por limitações de espaço físico e

baixa adesão e as bolsas de estudo são de baixa prioridade.

PRIORIDADE DAS ATIVIDADES

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA

DESENVOLVIMENTO LOCAL

BOLSAS DE ESTUDO

INTERCÂMBIO CULTURAL

PASSEIOS E EVENTOS

REFORÇO ESCOLAR

PARTICIPAÇÃO DE MORADORES

Figura 14

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Durante a realização das atividades, as bolsas de estudo se destacaram em

relação às outras.

REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA

DESENVOLVIMENTO LOCAL

BOLSAS DE ESTUDO

INTERCÂMBIO CULTURAL

PASSEIOS E EVENTOS

REFORÇO ESCOLAR

PARTICIPAÇÃO DE MORADORES

Figura 15

Os resultados das atividades levaram ao desenvolvimento pessoal e local

conforme a figura abaixo.

RESULTADO DAS ATIVIDADES

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA

DESENVOLVIMENTO LOCAL

BOLSAS DE ESTUDO

INTERCÂMBIO CULTURAL

PASSEIOS E EVENTOS

REFORÇO ESCOLAR

PARTICIPAÇÃO DE MORADORES

DESENVOLVIMENTO LOCAL / PESSOAL

DESENVOLVIMENTO PESSOAL

DESENVOLVIMENTO PESSOAL

CONFLITO PESSOAL

Figura 16

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Nos resultados das atividades as bolsas de estudo se destacam com a

geração de conflitos pessoais devido à dificuldade de acompanhamento no grupo

escolar.

Percebeu-se que a condição de permanência no local não deve ser base para

os objetivos das atividades, e sim uma questão de opção uma vez que o próprio

local pode gerar desenvolvimento nos moradores.

Figura 17

Os ajustes nos planejamentos são necessários para adequar o

desenvolvimento no contexto metropolitano onde este se faz em uma condição de

desigualdade social.

Seria senso comum imaginar que, ao matricular uma criança em uma escola

de grupo social abastado, se está fazendo inclusão e reduzindo as distâncias entre

os grupos sociais em questão. Na dimensão teórica, estaria realmente reduzindo as

distâncias dos grupos, na dimensão prática da escola, as diferenças são reforçadas

pelos aspectos físicos, culturais e, em especial, pelo desenvolvimento escolar, este

último, por sua vez, pode gerar uma condição de isolamento do grupo de

convivência escolar, resultando em mais dificuldades de aprendizagem até a

condição de exclusão velada. Não se pretende aqui, criticar o trabalho que se tem

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feito em relação às bolsas de estudo em instituições de ensino privado, a solução é

válida, mas é paliativa, e a maior parcela do desenvolvimento local não está na

educação formal, segundo Gohn:

(...) é importante reiterar novamente que a educação não formal não deve ser vista, em hipótese alguma, como algum tipo de proposta contra ou alternativa à educação formal, escolar. Já afirmamos: ela não deve ser definida pelo que não é, mas sim pelo que ela é – um espaço concreto de formação com a aprendizagem de saberes para vida em coletivos, para a cidadania. Esta formação envolve aprendizagens tanto de ordem subjetiva – relativa ao plano emocional e cognitivo das pessoas – como aprendizagem de habilidades corporais, técnicas, manuais etc. que os capacitam para o desenvolvimento de uma atividade de criação, resultado de um produto como fruto do trabalho realizado. Estes saberes não podem ser valores impostos, de cima para baixo, desconsiderando a autonomia de cidadãos(ãs). Mas estes(as) cidadãos(ãs) não podem ser vistos isoladamente. A contextualização do lugar e tempo onde ocorrem processos de educação não formal é algo de suma importância para entender seu caráter, sentido e significado também. (GOHN, 2010: p.40).

A proposta do Projeto Alavanca Brasil é de desenvolvimento local por

consequência do desenvolvimento cultural do sujeito no local, há intenção de que as

pessoas se desenvolvam com recursos próprios, como acontece com as atividades

de reforço escolar. Os jovens que iniciaram as aulas de acompanhamento e reforço

escolar eram voluntários de fora da comunidade São Remo, com o tempo foram

substituídos por monitores que um dia foram estudantes do Projeto Alavanca Brasil.

Hoje muitos já foram substituídos por outros e assim sucessivamente. Aprender e

ensinar fazem parte da vida, da existência humana (FREIRE, 1997). A descoberta, a

criação, a linguagem, a monitoria, assim como os outros ofícios, já são

desenvolvidos por moradores locais.

Outras atividades acontecem com maior frequência como é o caso do

cineclube que acontece nos sábados à tarde. Antes do filme, é feita uma pequena

reunião e o assunto relacionado ao tema do filme é discutido abertamente para

depois iniciar a projeção, é feita uma pequena pausa de alguns minutos para

distribuir ao público refresco e pipoca, e ao término do filme são questionadas as

conclusões de cada um.

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Hoje o Projeto Alavanca Brasil possui no quadro de funcionários, secretarias,

coordenação e direção, somente moradores locais, as crianças têm a liberdade de

entrar e sair, vão a pé, pois estão a uma pequena caminhada de casa, têm como

monitores seus colegas de bairro mais experientes, respeitam as instalações,

ajudam a manter as instalações. Estes são alguns dos valores locais, valores

comunitários, as amizades e experiências internacionais, o uso de computadores em

rede, os idiomas que se aprendem fazem o mundo menor para os olhos dos jovens

da Comunidade São Remo. Essa forma de educação integral, ou seja, na escola, no

bairro, em casa, promove a autonomia crítica e de escolha e é nesse sentido que

Dowbor afirma:

O que visamos é uma escola um pouco menos lecionadora, e um pouco mais articuladora dos diversos espaços do conhecimento que existem em cada localidade, em cada região. E educar os alunos de forma a que se sintam familiarizados e inseridos nesta realidade. (DOWBOR, 2006: p.8).

A cultura de administrar uma ONG que é da comunidade São Remo para a

comunidade São Remo faz dos moradores, gestores do próprio destino, somente

quem é morador saberá as necessidades do local, portanto é preciso fazer conhecer

a dinâmica do grupo social para posteriormente poder intervir.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo inicial da pesquisa foi compreender em que medida a proposta de

educação contextualizada atua como instrumento de inclusão social em regiões

metropolitanas. Para isso buscou-se entender a noção de educação contextualizada,

a partir de uma revisão da literatura sobre o assunto, uma reflexão sobre o próprio

processo formativo, por meio do qual foi possível destacar as dificuldades que um

jovem enfrenta em um modelo de escola que privilegia a ordem, em detrimento da

inteligência e da criatividade. Recorreu-se também à observação participante uma

vez que o pesquisador atua no projeto onde é realizada a pesquisa.

O trabalho de campo foi realizado no Projeto Alavanca Brasil, uma entidade

do terceiro setor que surgiu como apoio à escolarização das crianças de uma favela

e que, com o passar do tempo, teve seu raio de atuação ampliado e passou a

trabalhar, visando a matricular as crianças que estavam fora da escola, a buscar

bolsas de estudo em escolas da região para os alunos que se destacavam e a

promover atividades de profissionalização para jovens e adultos da comunidade

com perspectiva de colocação no mercado de trabalho. O projeto teve início a partir

de uma iniciativa individual e, aos poucos, foi conseguindo adesões de pessoas e

empresas que passaram a contribuir para o seu desenvolvimento.

Uma das principais bandeiras do projeto é promover o desenvolvimento local

por meio da garantia de direito à escola para as crianças, do aumento da

escolarização dos jovens e adultos e da profissionalização. Para isso, hoje a

entidade viabiliza 300 bolsas de estudo para crianças em escolas particulares da

região local, possui cursos preparatórios pré-vestibular, reforço escolar, cursos de

capacitação em atividades como informática, marcenaria e artes gráficas; cursos de

línguas em inglês e alemão e um programa de intercâmbio cultural de estudantes e

profissionais de diversas partes da Alemanha que atuam como voluntários. Desta

forma, não se caracteriza como uma escola e, sim, como uma atividade paralela à

escola.

O projeto hoje conta com apoio do programa de voluntariado do governo

alemão, que fornece recursos para a viagem e estadia dos voluntários, os demais

cursos e bolsas têm o apoio financeiro de parcerias com empresas situadas na

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Região Oeste de São Paulo com sede na Alemanha como é o caso da Semikron.

Outros incentivos, como doações, são de origem em outras empresas (Volkswagen,

Basf, Bosch, Votorantim, Munte) e da câmara de comercio Brasil-Alemanha. A

entidade possui o reconhecimento da Unicef.

A pesquisa mostra que o desenvolvimento do projeto tem contribuído para a

facilitação do percurso dos jovens na escola e para a sua profissionalização.

Contudo, ainda há uma certa distância entre a ideia de formação e permanência no

local. Muitos jovens, quando adquirem certa capacitação profissional e conseguem

emprego, vão procurar lugar melhor para viver. Mas, há aqueles que ficam e que

procuram melhorar as condições de vida no local. Neste sentido, podemos destacar

a participação de pessoas da comunidade na coordenação da escola, preocupação

com a destinação do lixo e maior interesse pelo acompanhamento das carianças na

escola.

A viabilização de bolsas em escolas particulares tem se mostrado uma

proposta, em certo sentido, inadequada para a comunidade e há necessidade de ser

revista. As crianças do projeto geralmente não se adaptam nas escolas de classe

média para onde vão. Incluí-los nestas escolas apresentou-se como uma iniciativa

que promovia angústia e sofrimento para aqueles que não aceitavam se converter à

ideologia da escola.

Essa situação tem mostrado que, aos poucos, a ideia de educação como

trampolim para uma pessoa escapar da sua região ou galgar um posto mais alto na

pirâmide social vem sendo substituída pela ideia de uma educação voltada para a

rearticulação social. À medida que a comunidade começa a ter mais acesso ao

conhecimento e vai aprendendo a lidar com ele pode intervir na própria realidade

com vista a transformá-la para melhor e com isto promover a qualidade de vida

humana coletiva. A educação contextualizada é um instrumento importante para

este processo, na medida em que ela aponta para uma possibilidade concreta de os

cidadãos tomarem nas mãos a própria história.

Construir uma proposta deste tipo, em um cenário complexo da cidade de

São Paulo, não é tarefa fácil ainda mais em uma realidade onde a situação de

desigualdade em que vivem as pessoas provoca sentimentos e reações diversas

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naqueles que tentam nela intervir. Mas, mesmo neste cenário, se desenvolve o

projeto Alavanca que vem procurando criar um espaço de preparação do jovem para

atuar na sociedade na qualidade de profissional e cidadão.

O projeto tem contribuído para o fortalecimento da visão, segundo a qual

podemos ser donos da nossa própria história e promover nela a transformação

econômica social e cultural necessária. Fortalece a percepção de que o

desenvolvimento não se espera, mas se faz, e que pode promover uma das

mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Dessa forma, será possível

tirar cada um de nós da atitude cômoda de espectadores críticos da ineficiência

alheia (Dowbor, 2006) e colocar-nos como construtores do nosso próprio destino. A

experiência de educação voltada para o desenvolvimento local vem acontecendo em

muitos municípios do Brasil, sobretudo, no semi-arido nordestino. Surge daí uma

promessa no sentido de superação da desigualdade social que promove tanta

incerteza para nossos jovens.

A reflexão sobre estas experiências mostrou certa semelhança entre os

princípios que as orientam e os princípios que vêm orientando o trabalho

desenvolvido, por meio do projeto Alavanca. A pesquisa mostrou que é possível o

desenvolvimento de uma proposta de educação contextualizada em um contexto

complexo como o de uma metrópole como São Paulo.

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REFERÊNCIAS

AMORIM NETO, Roque do Carmo; MAY BERKENBROCK, Margaréte . Ética e moral na educação. Rio de Janeiro: Wak, 2009.

ALMEIDA, Júlio Gomes. A ação supervisora como intervenção nas práticas escolares. 2011. No prelo.

___________________. A intervenção do (im)possível no cotidiano de uma escola; relato de trajeto de um diretor de escola na rede municipal de ensino. Tese

de doutoramento. São Paulo, Faculdade de Educação da Universidade de São

Paulo, 2003.

___________________. Como se faz escola aberta? Experiência de abertura de

uma escola na periferia de São Paulo. São Paulo: Paulus, 2005.

___________________. Práticas institucionais e formação de educadores: O

universo da escola como ambiente de aprendizagem coletiva. Notandum-revista

científica da Universidade de São Paulo. Vol. 1, n. 7, jul/dez. 2008, p. 69-78.

___________________. Ser professor na metrópole: o desafio de construir

significado para o trabalho na escola. Sinergia, revista do centro federal de

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APÊNDICE

Projeto de escola profissionalizante

Escopo do projeto:

O projeto a seguir destina-se a construção de uma edificação na comunidade

do jardim São Remo, no local onde atualmente há uma quadra poliesportiva.

Perspectiva frontal e lateral com cobertura

O prédio deverá conter três pisos, sendo um piso térreo “piso prática”, onde

haverá oficinas de marcenaria com 180 m2 com sistema de exaustão de pó-de-serra

e artes gráficas com 300 m2, esta segunda possuirá uma área de serigrafia com

37m2.

A divisão dessas áreas deverá ser por blocos de concreto ou divisórias em

madeira.

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Na figura acima, a perspectiva do piso térreo, a fachada possui dois portões

de entrada, o maior 4m x 2,7m que dá acesso à oficina de artes gráficas; e um

menor de acesso à escada que leva ao piso superior. Na lateral esquerda do prédio,

onde há um corredor de 4 metros de largura fica o portão de acesso à oficina de

marcenaria e a rampa de acesso aos pisos superiores.

Na figura acima, detalhe da rampa de acesso aos pisos superiores.

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Detalhe da tubulação de exaustão.

No fundo da oficina de artes gráficas, ficam os banheiros e espaço para

bebedouros; a laje dos banheiros servirá de piso para um mezanino do setor de

manutenção de informática.

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RUA AQUIANÉS

Acima o layout em planta do piso térreo.

Acima, a figura ilustra um possível posicionamento dos pilares distanciados

em 10 metros de vão na profundidade da edificação e em 7,5 metros de vão na

largura da edificação.

O segundo piso “piso teórico” possuirá acesso interno ao prédio via escada na

porta da fachada e via rampa lateral externa ao prédio.

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Este piso deverá conter os banheiros na mesma configuração do piso térreo e

12 ambientes divididos em: 5 salas de aula, 2 laboratórios de informática, 1 sala de

reunião, 1 auditório, 1 biblioteca, 1 refeitório e 1 grêmio acadêmico. Haverá 2

corredores principais na direção longitudinal ao prédio, e um corredor transversal ao

prédio; as salas serão divididas por divisórias em madeira ou material similar com

janelas de vidro entre as salas por conta da propagação de luz, amplitude visual.

Perspectiva do “piso teórica”.

O piso superior “piso convivência” será logo acima do “piso teórica”, o acesso

será somente pela rampa externa do prédio, este piso terá dois banheiros na mesma

configuração e localização dos pisos inferiores, em sua laje ficarão as caixas d’água.

Em sua área central haverá uma quadra poli esportiva no tamanho mínimo

oficial, nas laterais uma arquibancada de cada lado com uma área do tipo “dispensa”

para acomodação de materiais esportivos.

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Perspectiva dos fundos e lateral

Perspectiva frontal e lateral

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Perspectiva dos acessos frontal e lateral

Perspectiva frontal sem a parede da fachada.

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Perspectiva sem a parede do fundo do prédio.

Fachada do prédio

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Lateral esquerda do prédio.

Lateral direita do prédio.

Fundo do prédio

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Perspectiva frontal e lateral do pavimento para as oficinas

Perspectiva frontal e lateral do pavimento para as salas de aula

Perspectiva frontal e lateral da quadra poliesportiva

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