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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE
CAMINHANDO COM ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
LEDA EDILEIDE OLIVEIRA DE LIMA
Orientador: Prof.Marco Antonio Chaves
Rio de Janeiro, RJ, julho / 2002
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE
CAMINHANDO COM ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
LEDA EDILEIDE OLIVEIRA DE LIMA
Trabalho Monográfico apresentado como requisito parcial para obtençâo do Grau de Especialista em Supervisão Escolar
Rio de Janeiro, RJ, julho / 2002
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Agradeço a Deus , por tudo o que me foi dado para conseguir chegar até aqui .Ao meu marido, Roberto e ao meu sogro Alírio, pelo apoio em todos os momentos .Ao meu orientador, Marco Antonio , pela paciência e sabedoria em que me conduziu . Enfim, a todos aqueles que, de algum modo contribuíram na organização deste trabalho .
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“A Arte não nasceu adulta e armada do cérebro de Zeus.
Formou-se lentamente na consciência e na ação humana; e nunca, nem mesmo nos mais grosseiros impulsos
operativos do primitivismo, houve um ato separado da consciência do ato, do sentido ainda que apenas inicial da sua historicidade intrínseca” .
Giulio Argan
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RESUMO
O presente trabalho estabelece, em si mesmo fases crescente que
interferem no desenvolvimento da criança .
Estabeleceram-se , as fases da evolução – conjunção mão , olho , cérebro
– os três sistemas consubstanciados no percurso da capacidade artística do ser
(criança) – o que faz , o que percebe e o que sente – e finalmente o trabalho e a
importância exercida pelo professor na condução do processo, determinando o
grau de compreensão da criança por meio da sua capacidade criadora .
Como se afirma neste trabalho “na arte não existe tema pré-determinado e
como atividade criadora o seu significado se distingue dos demais campos de
ensino”. Por isso mesmo é que a atividade artística é essencialmente uma das
formas de a criança expressar alegrias , tristezas, emoções , enfim , o seu
pensamento com espontaneidade , sem o compromisso de trabalhar com a forma,
apenas descobrindo-se no seu poder criativo , cabendo ao professor , no
aproveitamento do espaço, estimular a criança a deparar-se com novas
descobertas , espelhando assim o seu senso de imaginação e criatividade .
Desde cedo pode-se levar os alunos a exposições, fazer leitura com ilustrações
de livros e imagens apresentadas em jornais, “slides” sobre trabalhos artísticos ,
tudo no sentido de enriquecer o seu universo de conhecimento plástico,
motivando-os e desenvolvendo o seu conhecimento criador .
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SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ........................................................... 06
2 – POR QUE A CRIANÇA DESENHA ? ................................. 13
3 – ARTES VISUAIS NA ESCOLA ........................................... 19
4 – DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA PELO DESENHO ..... 33
5 – CONCLUSÃO ..................................................................... 41
6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................... 43
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A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE ARTÍSTICA PARA O DESENVOLVIMENTO
DA CRIANÇA
INTRODUÇÃO
A importância do pensamento artístico como modalidade de conhecer e
intervir na realidade mostra-se como forma de expressão humana ao longo da
história, e de conhecimento e acesso ao desconhecido .
Para o homem pré-histórico, a arte cumpria uma função de domínio mágico
sobre as forças da natureza . Ao desenhar um bisão nas profundezas de uma
caverna, supunha ter poderes sobre ele. A arte era produzida pelo homem
caçador.
Não havia distinção clara entre o homem e o objeto artístico produzido. O
homem pré-histórico não tinha consciência da produção simbólica, seu raciocínio
pré-mágico levava-o a não diferenciar a ação artística da ação sobre a natureza.
Tendo poderes sobre a imagem do bisão, supunha ter poderes sobre a caça.
Na civilização egípcia, a arte tinha uma função religiosa. Reassegurava a
crença na imortalidade da alma e eternizava o poder dos faraós. Sua produção
era administrada pelos sacerdotes e possuía leis rígidas de representação que se
mantinham por várias dinastias.
Percebe-se nos exemplos das duas civilizações mencionadas que, a arte
sempre foi parte da vida do homem, apresentando-se com significados diferentes
conforme a cultura onde era produzida .
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Hoje em dia, pode-se retomar esses significados e reinterpretá-los, pois
quanto mais desenvolvido é o pensamento humano, maiores são as
possibilidades de observar e recriar o passado, criar o presente e projetar o
futuro.
Vive-se num tempo em que a arte também pode ser pensada como parte
integrante de nosso cotidiano, presente em muitos objetos. Um lápis, o emblema
de uma blusa, o desenho de uma cadeira, ou mesmo a disposição do espaço de
uma casa podem ser realizados com uma intenção estética .
Segundo Coli (1988), essa é uma idéia que dessacraliza a obra de arte,
alargando a extensão de seu domínio a faixas mais amplas de realização, ou
seja, tornando-a acessível a todos os que queiram participar dessa forma de
pensar a realidade, ou , ainda , de pensar artisticamente o universo circundante .
Este trabalho pretende discutir as questões de aprendizagem em
atividades artísticas e situar o papel da escola hoje, como instituição mediadora
de cultura e agente de aprendizagem .
Surgiu da minha prática em Educação Infantil, das questões que as
crianças colocavam com seus trabalhos plásticos.
O desenho infantil é o objeto principal para discussão . Isso não desmerece
a necessidade de reflexões dos demais objetos artísticos .
A maioria dos planejamentos de educação infantil justifica a presença das
atividades artísticas no currículo, pelo simples fato destas colaborarem para o
desenvolvimento geral da criança, no que se refere aos aspectos perceptivos,
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motores e psicológicos. Descrevem listas de técnicas adequadas a cada faixa
etária e, geralmente, enfatizam, sem fundamentação convincente , a importância
da criatividade .
Nos últimos anos, observam-se dois grandes equívocos nas nossas
escolas de educação infantil: primeiro, a prática da livre expressão onde impera a
falsa crença de que a simples ação física sobre os materiais, através de
diferentes técnicas, leva à construção de conhecimento em atividades artísticas;
segundo, a prática voltada para o treino de habilidades de aprendizagem pela
cópia do modelo correto (do mais simples para o mais complexo) .
Essa metodologia através de “passos” revela um “modelo curricular” que
não leva em conta a real verificação dos métodos que a criança utiliza para
construir conhecimento .
O segundo equívoco acarreta conseqüências mais desastrosas para o
aluno, pois impõe modelos alheios à natureza da atividade artística, na qual cada
produtor individual decide pelo seu percurso. Os desenhos mimeografados e
estereotipados, dados com o objetivo de ensinar a desenhar, e os exercícios
mecânicos, dados como treino motor e perceptivo, não têm sentido nem para as
atividades artísticas nem estão a serviço da “prontidão para alfabetização”. Após
as formulações de Ferreiro e Teberosky (1988), ficou claro para os educadores
que a aprendizagem da leitura e da escrita está correlacionada, principalmente, a
fatores conceituais. Portanto, o treino de habilidades e a cópia mecânica não
alcançam uma situação de aprendizagem e, ainda prejudicam a criança em
relação às atividades artísticas onde ela poderia criar seus desenhos .
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A concepção de aprendizagem pautada nas formulações de teoria
piagetiana implica uma visão interacionista-construtivista de aquisição do
conhecimento, que supõe um sujeito ativo realizando suas construções, ou
melhor, um sujeito que age física e mentalmente sobre a realidade para aprender.
Portanto, para a construção de conhecimento interagem fatores do meio e fatores
internos ao sujeito da ação .
O professor de educação infantil precisa conhecer a gênese do desenho
infantil para estruturar propostas que promovam no aluno avanços conceituais
nesta atividade . Aqui pode-se localizar a importância de intervenção do professor
como fator de aprendizagem . Outro fator fundamental de intervenção é a
interação com a produção de outras crianças e a produção do universo
circundante(crianças e adultos) .
Uma transformação conceitual instalou-se entre os educadores brasileiros,
tendo como marco teórico, o acesso ao trabalho de educadores que fizeram
avançar a teoria piagetiana por intermédio de suas pesquisas em educação e a
recuperação de Vigotsky .
É o caso do trabalho de Ferreiro e Teberosky (1986) e a recente tradução
dos ensaios de Vigotsky (1984), que valoriza a questão da interação – construtiva
com os “objetos sócios-culturais” como a forma privilegiada na relação entre a
aprendizagem e o desenvolvimento do aluno .
A proposta da intervenção pedagógica fica clara quando Vigotsky(1984),
descreve o “desenvolvimento real”, como aquele que a criança dispõe para
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solucionar problemas com seus próprios recursos e o “desenvolvimento potencial”
como aquele que a criança alcança solucionando problemas como a ajuda de
colegas mais capazes e com a orientação do professor .
Acrescenta-se que, para as intervenções pedagógicas promoverem o
desenvolvimento do aluno, favorecendo a transformação de seu nível de
“desenvolvimento real” em seu nível de “desenvolvimento potencial”, as propostas
para as situações de aprendizagem deverão atuar na “zona de desenvolvimento
proximal” do aluno, que está inserida entre os níveis descritos .
O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com os seus companheiros . Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança.(Vygotsky, 1989, p.)
É comum pensar que é natural a criança desenhar e que o seu
desenvolvimento em desenho se dá espontaneamente, fora das influências do
meio.
Observa-se que as crianças com maiores possibilidades de desenvolver-se
com desenhos, fazendo e observando desenhos de outras crianças e adultos,
avançam mais e mais rapidamente do que as que têm menos oportunidades .
Hoje a criança nasce num meio onde o desenho é muito presente no
cotidiano e, cedo ou tarde, conforme as oportunidades, entrará em contato com
ele, através de rótulos de produtos, cartazes de rua, revistinhas, etc. .
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Conforme Weisz(1988), a escola é o local privilegiado para “oportunizar” as
situações de aprendizagem dentro de seu espaço e no da comunidade onde está
inserida.
E segundo Cavalcanti (1995), em muitas escolas brasileiras, até hoje a arte
é compreendida como atividade e não como disciplina . Temas e técnicas ocupam
o lugar de conteúdos e objetivos .
As atividades artísticas das crianças se reduzem a uma sucessão de fazeres em que a criança é “deixado que faça” sem nenhuma orientação ou intervenção do professor. A criança desenha , pinta , cola, constrói, modela, etc., fazendo o que pode, com o que lhe é oferecido como material de trabalho e seus recursos expressivos e pessoais. (Cavalcanti,1995 , p.5)
Para Cavalcanti, no entanto, uma nova forma de reconhecer a relação das
crianças com a produção artística, tem tornado possível um novo conceito de
aprendizagem e uma nova forma de ação pedagógica .
Segundo a autora, deste novo ponto de vista a educação artística da
criança passa por um amplo processo de aprendizagem, que se dá tanto dentro
quanto fora da escola. No entanto, afirma que :
É a escola que cabe organizar, sistematizar esse aprendizado em atividades onde o aluno possa estar tanto no lugar de quem produz como no de quem pode conhecer e apreciar sua “herança” artística, num processo onde o fazer é retro alimentado pelo conhecimento de outros produtores e pela possibilidade de “ler” seus produtos”. (Cavalcanti, 1995 p.6)
O presente trabalho visa a contribuir, para que os professores de Educação
Infantil tenham outra visão sobre a importância das atividades artísticas no
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desenvolvimento de seus alunos, no sentido de prover uma aprendizagem mais
dinâmica e criativa .
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POR QUE A CRIANÇA DESENHA ?
O DESENHO É LINGUAGEM
“O desenho é apenas a a configuração daquilo que
você vê”. Paul Cézanne
O desenho é brincadeira e experimentação, é vivência de mundo .
Segundo Moreira (1984) , toda a criança desenha. Tendo um instrumento
que deixa uma marca : a varinha na areia, a pedra na terra, o caco de tijolo no
cimento, o carvão nos muros e calçadas, o lápis, o pincel com tinta no papel, a
criança brincando vai deixando sua marca, criando jogos, contando histórias .
A criança desenha para brincar. Desenhando, cria em torno de si um espaço de jogo, silencioso e concentrado ou ruidoso de comentários e canções, mas sempre um espaço de criação. A criança desenha para brincar. (Moreira, p:15)
“Desenhar é bom para tirar as idéias da cabeça . Porque sempre que a
gente tem uma idéia, a gente quer ter ela, brincar com ela, aí a gente desenha
ela”. Observou Eduardo, um menino de 8 anos .
O desenho é uma possibilidade de lançar-se para frente projetar-se .
Ao desenhar, a criança parece projetar um desejo ou, talvez, uma tentativa
de possuir o objeto; se na realidade não o tem, pelo menos tem uma imagem do
mesmo .
O desenho é manifestação do desejo de representação, mas é, antes de
mais nada, alegria, medo, opressão, curiosidade, afirmação, negação, tristeza,
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afetos. É uma memória visível de coisas passadas: fotografia mental, emocional e
psíquica .
Segundo Artigas (1967), a palavra desenho tem originalmente um
compromisso com a palavra desígnio. Ambas se identificam. Na medida em que
restabelecermos, efetivamente, os vínculos entre as duas palavras estaremos
também recuperando a capacidade de influir no nosso viver. Assim o desenho se
aproximará da noção de projeto, de uma espécie de lançar-se para frente .
Moreira (1984), acredita que a criança quando desenha está afirmando a
sua capacidade de designar . “Desenha, brinquedos, brinca com desenhos”(p.16).
É desenho a maneira como organiza as pedras e folhas ao redor do castelo de areia, ou como organiza as panelinhas, os pratos, as colheres na brincadeira de casinha. Entendo por desenho o traço no papel ou em qualquer superfície, mas também a maneira como a criança concebe o seu espaço de jogo com os materiais de que dispõe. (Moreira, 1984, p.16)
Em concordância com esta autora, observando a brincadeira livre das
crianças, pode-se notar diferenças individuais na maneira de dispor seus
brinquedos no espaço . Na maneira de desenhar o seu espaço .
Entrar no quarto da criança, terminada a brincadeira, mas onde ainda estão presentes os seus vestígios, é entrar em contato com um recorte da história daquela criança. É a possibilidade de conhecer aquela criança através de uma outra linguagem : o desenho do seu espaço lúdico. As bonecas sentadas no chão e os carrinhos enfileirados falam sobre a criança que os arrumou . Contam sobre o seu projeto”. (Moreira.1984, p.17)
Segundo Widlocher (1971), para melhor conhecer a criança é preciso
apreender a vê-la. Observá-la enquanto brinca: o brilho dos olhos, a mudança de
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expressão do rosto, a movimentação do corpo . Estar atento à maneira como
desenha o seu espaço, aprende a ler a maneira como escreve a sua história .
O que é preciso considerar diante de uma criança que desenha é aquilo que ela pretende fazer: contar-nos uma história e nada menos que uma história, mas devemos também reconhecer, nesta intenção, os múltiplos caminhos de que ela serve para exprimir aos outros a marcha dos seus desejos, de seus conflitos e receios. (Widlocher,1971,p:19)
Enquanto atividade lúdica, o desenho reúne os aspectos operacionais e
imaginários. Todo ato de brincar reúne esses dois aspectos correspondentes. A
operacionalidade envolve o funcionamento físico, temporal, espacial, material, as
regras; o imaginário envolve o projetar, o pensar, o idealizar, o imaginar
situações.
No ato de desenhar está implícita uma conversa entre o pensar e o agir,
entre o que está dentro e o que está fora . Todo sujeito recebe inúmeros
estímulos a todo instante. Alguns são por ele relacionados, outros selecionados,
valorizados, negados... Desse movimento interno é que vão surgindo
configurações e constelações de significados que se transformam em símbolos
gráficos .
Há símbolos que aparecem mais carregados de conteúdo interno do que
outros, pois vinculam-se a história da vida do sujeito, trazendo à tona, de forma
consciente ou não, a memória afetiva .
O desenho é para a criança uma linguagem como o gesto ou a fala . A
criança desenha para falar e poder registrar a sua fala. A criança desenha para
falar de seus medos, suas descobertas, suas alegrias e tristezas.
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“Antes o desenho estava super triste, agora está mais alegre”, comenta
Letícia aos 7 anos, ao terminar uma série de desenhos .
Neste lançar-se para frente que é o desenhar, existe a possibilidade de ver-
se e rever-se : antes “o desenho” estava super triste. Existe neste projetar-se um
movimento de dentro para fora e de fora para dentro . A criança, mesmo sem ter
uma compreensão intelectual do processo, está modificando e sendo modificada
pelo desenhar .
Enquanto linguagem, desenhar não é copiar formas ou figuras, nem se
restringe a proporção, escala ou a efeitos de luz e sombras . É uma tentativa de
aproximação com o mundo por meio da imagem de objetos, pessoas, situações,
animais, plantas, emoções, idéias, etc. ...
O ato de desenhar por si só, carrega consigo o poder de elaborar . O
desenho é sempre uma revelação de natureza emocional e psíquica, onde
consciente e inconsciente se misturam, trazendo a capacidade de compreender,
relacionar, ordenar, configurar, significar .
O ato de desenhar impulsiona outras manifestações, que acontecem
juntas, numa unidade indissolúvel, possibilitando o acesso ao universo imaginário,
pois enquanto desenha, a criança canta, conta história, teatraliza e até silencia ...
Para uma criança livre de repressões, desenhar, criar e agir, manifestam-
se de forma solta, flexível, às vezes aparentemente caótica. O que uma criança
realiza, o faz por uma necessidade de seu próprio crescimento .
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O desenho é uma atividade do imaginário. A representação pode estar
fortemente aliada a um desejo expressivo de captar e se apropriar de conteúdos
sob signos gráficos. A criança, ao agilizar os conteúdos do imaginário,
contracenando com os elementos da realidade física e cultural, inventa e repete
figurações gráficas .
Nos desenhos, assim como no sonho, podem participar de níveis de leitura.
Pode-se detectar o conteúdo manifesto do desenho, representado pelas imagens
ali presentes no papel, e o conteúdo latente, que trata das mensagens
subliminares, escondidas também ali no papel. Assim, o desenho, além de
envolver uma operacionalidade prática, o manejo de materiais e instrumentos,
envolve um resgate de simbologia complexa que existe por trás de uma
representação visual por meio de signos gráficos, fruto de intenso exercício
mental, emocional e intelectual que o ato de desenhar promove .
O desenho também é manifestação da inteligência. Mostra a forma como a
criança percebe e entende o mundo, inventando explicações, hipóteses e teorias
para compreender a realidade. Como esta não é para ela, estática, reinventa-a
continuamente . Ela constrói suas próprias hipóteses e desenvolve a sua
capacidade intelectiva e projetiva , principalmente quando existem possibilidades
e condições físicas, emocionais e intelectuais para elaborar estas “teorias” sob
forma de atividades expressivas .
Todo o desenho constitui uma atividade total, englobando o conjunto de
potencialidade do sujeito. Ao desenhar, a criança expressa sua maneira de ser e
existir . O desenvolvimento do potencial criativo na criança, seja qual for o tipo de
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atividade em que esta se expresse, é essencialmente seu ciclo inato de
crescimento.
O desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade
de falar marca o desenvolvimento da infância, porém em cada estágio, o desenho
assume um caráter próprio .
Segundo Ostrower (1977) estes estágios definem maneiras de desenhar
que são bastante similares em todas as crianças, apesar das diferenças
individuais de temperamento e sensibilidade . Inclusive esta maneira de desenhar,
própria de cada idade, varia muito pouco de cultura .
“Comparem-se os trabalhos infantis em exposições internacionais. São bastante uniformes as pinturas de uma mesma faixa etária, embora procedentes de países de diversas estruturas sociais, países ocidentais, orientais, industrializados, agrícolas, altamente desenvolvidos, subdesenvolvidos . O que muda, naturalmente, são os objetos significativos que compõe o ambiente vivencial da criança e a caracterização, ou seja, a função e a importância cultural em que a criança vem a conhecer estes objetos”
Objeto de estudo de diferentes áreas, o desenho é uma antiga linguagem
que permanece presente ainda em nossos dias, atravessando a história e todas
as fronteiras geográficas e culturais .
O desenho é visto por muitos observadores como extremamente
importante para a criança, na educação infantil. Ele é linguagem de comunicação
e expressão que a criança naturalmente utiliza no seu processo de crescimento,
elaborando o conhecimento de mundo e desencadeando seu próprio
desenvolvimento .
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ARTES VISUAIS NA ESCOLA
O fazer artístico em artes visuais está significativamente presente no
cotidiano da vida infantil. A criança rabisca desenha no chão, na areia,; nos
muros; pinta seus objetos, seu corpo; utiliza vários materiais que encontra ao
acaso, gravetos, pedras, carvão. Ao brincar de desenhar, exercita a construção e
a representação do mundo, seleciona imagens visuais que lhe são significativas,
exercita o saber fazer .
As representações transformam-se ao longo do desenvolvimento infantil, à
medida que avança o processo de aprendizagem em arte e a capacidade de ler e
significar o mundo. Embora práticas de artes visuais façam parte da maioria das
instituições de educação infantil, alguns trabalhos realizados têm demonstrado um
enorme descompasso entre a produção teórica, que tem um trajeto de constantes
perguntas e formulações, e o acesso dos educadores a essa produção .
Em muitas propostas para educação infantil, por exemplo , as práticas de
artes visuais são entendidas apenas como meros passatempos em que atividades
de desenhar, colar, pintar e modelar com argila ou massinha, são destituídas de
significado .
Outra prática comum considera que o trabalho na área deve ter uma
conotação decorativa, servindo para ilustrar temas de datas comemorativas,
enfeitar as paredes com motivos considerados infantis, elaborar convites,
cartazes e pequenos presentes para os pais. Nessa situação, é comum que os
adultos façam grande parte do trabalho adequado .
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Sobre tudo isso Cavalcanti (1995), faz uma colocação de grande
importância:
As crianças brasileiras têm acesso a expressão artística de diferentes produtores, através da televisão, dos grafites impressos nos muros, dos artefatos vinculados a festas populares, da arte primitiva dos produtores mais próximos à comunidade em que vivem e tantas outras fontes de informação . A fonte menos usual, infeliz e ironicamente, tem sido a escola.(Cavalcanti,1995 p.7)
Observa-se que com isso a escola esvazia os objetos artísticos de seu
significado social dentro de práticas ora acadêmicas, ora espontaneistas, que
transformam o fazer artístico em “arte escolar”, totalmente alienada daquilo que é
produzido no meio sócio – cultural onde a escola está inserida .
O fazer em artes visuais tem sido também utilizado como reforço para a
aprendizagem dos mais variados conteúdos. São comuns as práticas de colorir
imagens feitas por adultos em folhas mimeografadas como exercícios de
coordenação motora, que expressam uma visão secundária e minimizada da
importância do fazer artístico para a criança .
No entanto, há também práticas na educação infantil cuja fundamentação
está em consonância com as transformações educacionais deste século. A
oposição ao ensino baseado na transmissão de conteúdos fez com que se
passasse a valorizar o processo de aprendizagem das crianças .
Segundo o Referencial Curricular Nacional Para A Educação
Infantil(1998), pesquisas desenvolvidas a partir do início do século em vários
campos das ciências humanas, trouxeram dados importantes sobre o
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desenvolvimento da criança, sobre o seu processo criador, sobre as artes das
várias culturas .
Na confluência da antropologia, da filosofia, da psicologia, da psicanálise,
da crítica de arte, da psicopedagogia e das tendências estéticas da modernidade,
surgiram autores que formularam os princípios inovadores para o ensino das artes
plásticas, da música, do teatro e da dança¹.
Tais princípios reconhecem a arte da criança como manifestação
espontânea e auto-expressiva: valorizam a livre expressão e a sensibilização para
o experimento artístico como orientações que visam ao desenvolvimento do
potencial criador, ou seja, as propostas são centradas nas questões do
desenvolvimento da criança.
Tais orientações trouxeram inegável contribuição para que se valorizasse a
produção criadora infantil, mas o princípio revolucionário que advogava a todos a
necessidade e a capacidade da expressão artística foi aos poucos se
transformando em “um deixar fazer” sem nenhum tipo de intervenção. Houve uma
descaracterização da área e a aprendizagem das crianças pôde evoluir muito
pouco .
O questionamento à livre expressão e a idéia de que a aprendizagem artística era uma conseqüência automática dos processos de maturação fizeram com que houvesse um movimento, principalmente nos Estados Unidos, pela _________________________________________________ ¹ Esses princípios influenciaram o que se chamou”Movimento da Educação através da Arte”, fundamentado principalmente nas idéias do filósofo inglês Herbert Read. Esse movimento teve como manifestação mais conhecida a tendência da livre expressão que, ao mesmo tempo, foi largamente influenciada pelo trabalho inovador de Viktor Lowenfeld, divulgado no final da década de 40. V. Lowenfeld, entre outros acreditava que a potencialidade criadora se desenvolveria naturalmente em estágios sucessivos desde que se oferecessem condições adequadas para que a criança pudesse se expressar livremente.
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mudança nos rumos do ensino de arte.
Surge a constatação de que o desenvolvimento artístico é resultado de
formas complexas de aprendizagem e, portanto , não ocorre automaticamente à
medida que a criança cresce . É necessária uma intervenção intencional
do educador para propiciar a aprendizagem por meio de instrução . Segundo
Vygotsky (1982) , se não houver um desenvolvimento da linguagem do desenho,
são pouquíssimas as crianças que superam por seus próprios meios, sem ajuda
de educadores ou parceiros mais experientes, a fase de desenvolvimento do
desenho.
O desenvolvimento da capacidade artística da criança, ou o percurso
criativo, envolve um trabalho que deve ser intensamente cultivado, e apoia-se em
uma tríade que, na educação infantil, começa com o desenvolvimento de três
sistemas existentes no ser humano² : o sistema que faz(operativo), o sistema que
percebe(cognitivo) e o sistema que sente(afetivo) .
O desenvolvimento desses três sistemas, desde o nascimento, são de
fundamental importância para a aprendizagem das artes, porque eles estão
presentes como subsídios para a construção dos produtores da linguagem
artística .
Sendo assim , o sistema executor, isto é, o que faz, refere-se a atividades
_________________________________
²Howard Gardner, um dos psicólogos norte-americanos que desenvolvem pesquisa sobre a mente humana, analisando as artes e o desenvolvimento do homem, elege esses três sistemas como os desencadeadores do conhecimento estético. O desenvolvimento deles e suas interrelações desde a fase de bebê até a idade de seis anos é que vai contribuir para uma construção de conhecimento das linguagens das artes e do ser humano em geral.
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motoras desde o piscar de olhos, abrir e fechar as mãos, correr, nadar, cantar,
comer e realizar operações mentais . Dizem respeito então a atos, elementos
ou esquemas de comportamento que tendem a se combinar em habilidades
elaboradas cada vez mais complexas e ordenadas .
O sistema que percebe é aquele que lida com a ação de perceber ou fazer
discriminações do mundo externo. Apesar do poder fazer arte, o sistema
operativo é aquele que se distingue, considerando que como sistema executor
envolve membros e músculos do corpo combinados de várias maneiras,
resultando a gradual internalização dessas ações em operações mentais. O
sistema que percebe lida com os órgãos dos sentidos e com as diferenciações
que eles gradualmente conseguem fazer externa e internamente. As primeiras
percepções a que os bebês estão sensíveis são as de orientação e se referem a
aspectos distintos do meio ambiente . Ex: movimento, linhas, barulhos, luz etc. .
Segundo o Referencial Curricular Nacional Para A Educação Infantil
(1998), existe outra percepção que se distingue para aquisição do conhecimento
de artes: é a percepção de “gestalt”, isto é, a capacidade de discernir e
reconhecer identidades entre padrões ou objetos em diferentes contextos. Essa
percepção se desenvolve diretamente conectada ao meio ambiente das formas
simples para as mais complexas . Ela é muito valiosa no uso de complexos
sistemas simbólicos como é o caso dos envolvidos nas artes. O desenvolvimento
desse sistema possibilitará a discriminação de formas e detalhes mais finos e
complexos por toda a vida do indivíduo .
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O sistema que sente se refere à vida de sentimento do ser humano e é de
crucial importância no processo artístico. Parte das sensações e afetos do corpo e
se desenvolvem por complexas combinações de emoções . O conhecimento do
sistema que sente vai sendo elaborado e construído do sorriso do bebê como
manifestação de um estado afetivo à divisão de mundo em bom e mau, bonito e
feio etc., que aparece na criança de dois anos como maneira de processar
informações e perceber o mundo das pessoas e objetos .
Esses três sistemas se desenvolvem, também numa inter-relação
complexa. Assim, o sistema que sente vai se integrando às discriminações que a
criança vai se tornando capaz de realizar .
Ainda de acordo com o Referencial Curricular Nacional Para a Educação
Infantil, pode-se afirmar que, para que aconteça uma aprendizagem em geral e
em artes em particular, o ser humano precisa ser sensível ao meio ambiente, ser
capaz de reter informação e ser capaz de elaborar outras informações . Se ele
desenvolver essas três habilidades, estará trabalhando com os processos que
envolvem a elaboração de conhecimentos em artes visuais .
As artes visuais, patrimônio cultural construído pelo homem através de sua
história, vão se expressar por meio da pintura, do desenho, da escultura, da
gravura, da arquitetura, do desenho industrial e de modalidades que resultam dos
avanços tecnológicos e das transformações estéticas a partir da modernidade –
fotografia, artes gráficas, cinema, televisão, vídeo, computação, performance etc..
As formas artísticas apresentam uma síntese subjetiva de significações
construídas por meio de imagens poéticas. Não é um discurso linear sobre
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objetos, fatos , questões , idéias e sentimentos. A forma artística é , antes, uma
combinação de imagens que são objetos, fatos, questões, idéias, e sentimentos,
ordenados não pelas leis da lógica objetiva mas por uma lógica intrínseca ao
domínio do imaginário humano .
As artes visuais são compreendidas, nestes referenciais, como linguagem
que pode ser ensinada e aprendida na educação infantil, abrangendo conceitos e
conteúdos próprios e específicos . Nesta perspectiva, o ensino de artes, desde a
mais tenra idade, visa a desenvolver nas crianças as capacidades de ler e
produzir imagens de tal maneira que ampliem o conhecimento sobre elas, sobre o
mundo e sobre a linguagem da arte.
A exposição das crianças a diferentes linguagens expressivas possibilita ampliar seus sistemas de representação do mundo. As informações em artes visuais de âmbito regional, nacional e internacional de todos os tempos, poderão dar suporte para a criança ampliar suas formas de representação e expressão, enriquecendo seu repertório na área. Através deste contato, a criança poderá exercitar seu olhar e sua capacidade estética, enriquecendo seu repertório nessa área . (1998, p. 10).
O desenvolvimento da imaginação criadora, da expressão e da
sensibilidade ocorre a partir da ampliação de conhecimento do sistema que faz,
do sistema que percebe e do sistema que sente, vistos como sistemas que se
inter-relacionam cada vez mais e com maior complexidade quando em contato
sistemático com os grupos sociais, a natureza e a produção cultural .
Sendo assim, a aprendizagem das linguagens das artes visuais já envolve
nesse período da primeira infância o desenvolvimento de habilidades, a entrada
no mundo simbólico e a comunicação.
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Ao mesmo tempo em que a linguagem verbal vai sendo adquirida , a
linguagem visual, principalmente através do desenho e da pintura, emerge na vida
da criança naturalmente e, por meio delas, ela vai apreendendo as referências
significativas no mundo, ampliando sua comunicação e seus conhecimentos de
linguagens.
O ensino das artes visuais na educação infantil requer profunda atenção às
peculiaridades e esquemas em que se processa o conhecimento em cada faixa
etária, para que sejam dadas às crianças as possibilidades de desenvolvimento
dos seus sistemas de execução, do afetivo e do perceptivo, assim como os da
instância do mundo simbólico.
Há um percurso muito próprio e individual que pode ser enriquecido pelo
educador que coordena as atividades e encaminha as propostas das crianças . O
instante em que se dá o conhecimento é o domínio e exclusividade de cada
criança. A aprendizagem e o conhecimento em artes se elabora a partir dessa
individualidade e na conveniência com outros grupos .
Portanto, a construção de conhecimento em artes parte do princípio de que
as crianças, no seu contato com os elementos das linguagens artísticas e
interação com seu grupo social, vão elaborando suas hipóteses diante de suas
percepções e afetividades, construindo representações, reorganizando e
modificando seu saber .
Na produção de imagens visuais, que caminha do prazer do gesto ao prazer da representação e da visualidade, é que se processa a elaboração do conhecimento das linguagens visuais . (1998, p.12)
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Se fosse possível que as crianças se desenvolvessem sem
nenhuma Interferência do mundo exterior, não seria necessário estímulo algum
para seu trabalho artístico . Toda criança usaria seus impulsos criadores,
profundamente arraigados, sem inibição, confiante em seus próprios meios de
exprimir-se .
Para Garcia (1993), a educação infantil, como espaço onde se trabalha
com as mais variadas linguagens, pode criar condições para que todas as
crianças desenvolvam e materializem seus potenciais criativos. Para isto é
indispensável que a criança tenha acesso na escola às diferentes linguagens –
gráfica, gestual, plástica, cinestésica, musical, corporal, televisiva, informática,
etc.
A educação infantil de acordo com Garcia é o espaço, por excelência, de
iniciação nessas linguagens . É imprescindível que a criança desenhe, não para
desenvolver “habilidades”, mas para ter acesso à linguagem pictórica; ao cantar,
não é para simplesmente , ocupar o tempo na pré-escola , e sim ter a
possibilidade de acesso à linguagem musical ; ao modelar, pintar, recortar e colar,
ter acesso à linguagem plástica; ao liberar seus movimentos , está se
expressando com todo o seu corpo, tendo acesso, portanto à linguagem
corporal...
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O que acontece na educação infantil não pode ser apenas uma ocupação de tempo e de espaço – tem de ser o uso, com sentido, das linguagens que estão postas na sociedade. O trabalho realizado precisa ser de permanentes descobertas, de permanentes construções, de permanentes apropriações . O prazer em descobrir, em criar, em querer saber mais precisa estar presente. O prazer em aprender. O prazer em ensinar . (Garcia, 1993, p.62) .
O ato de copiar, de realizar exercícios e outras propostas que exigem um
controle motor (os quais nem sempre a criança se encontra física e mentalmente
pronta) , acompanhado da atribuição de resultados, como : bonito, feio, certo,
errado, limpo, sujo, acabam por o desenvolvimento e o desabrochar de uma
imagem pessoal, que expressa uma visão e uma leitura de mundo.
Tais métodos carregam um significado sensor, opressor, controlador, que
não inclui nem autoriza o sujeito ser autor de sua própria ação . Resulta por
encontrar desenhos vazios de conteúdo, meras reproduções impessoais .
O trabalho plástico infantil, revela dados significativos do mundo interior da
criança, pois a representação plástica é uma linguagem . É o meio de expressão
e comunicação da criança.
Enquanto manipula materiais plásticos, reflete seus sentimentos, sua
capacidade intelectual, seu desenvolvimento físico, sua acuidade perceptiva, sua
criatividade, seu gosto estético, sua auto imagem e, até mesmo, sua evolução
social.
A atividade plástica da criança tem no desenho um de seu principal meio
de expressão. Segundo Freinet(1977) , desenhar é comunicar !
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Quando se estudam os trabalhos criadores infantis, devem-se considerar,
acima de tudo, o propósito que preside tal estudo. Existem diferentes razões para
examinar-se os trabalhos de uma criança. Na maioria dos casos, isto é feito
unicamente com o intuito de avaliação, mostrando-lhe suas virtudes e fraquezas,
sua habilidade ou falta de habilidade e seu grau de aptidão artística . Por outro
lado, os desenhos podem ser valiosos para se adquirir uma idéia mais profunda
de seu crescimento, para se compreenderem suas emoções, para se sentir a
extensão exata de seus interesses, de seus problemas e de suas experiências .
Ao apreciar o significado do produto artístico se compreende-se a criança e
considerando seu desenho como parte integrante de sua vida.
Cada obra de arte deve ser considerada em suas próprias bases, um
princípio válido para todos os níveis de ensino .
A educação artística, como parte essencial do processo educativo, pode
significar muito a diferença entre um indivíduo criador e flexível e um outro que
não tenha capacidade para aplicar o que aprendeu carente de recursos íntimos e
com dificuldades no estabelecimento de relações com o seu meio .
Num sistema educacional bem equilibrado, em que é possível mostrar o
desenvolvimento do ser, devem igualmente desenvolver-se o pensamento, o
sentimento e a percepção do indivíduo, para que ele possa desabrochar em
potencial toda a sua capacidade criadora .
No estudo da arte infantil, há que se observar que para trabalhar com
crianças é necessário compreender as várias fases de evolução a que estará
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sujeita e estar a par das possibilidades de crescimento que ela possa alcançar.
Tal consciência é necessária para que o professor determine até que ponto a
criança pode compreender e utilizar a experiência artística .
Na arte não existe tema pré-determinado e como atividade criadora o seu
significado se distingue dos demais campos de ensino .
A atividade artística é um dos modos de a criança refletir as suas alegrias e
tristezas, revelar suas emoções, enfim, exercer seu pensamento. Na educação
infantil esta atividade poderá ser iniciada com o desenho, a pintura, a colagem, a
modelagem, bem como a música, o teatro, a dança, a literatura.
Para Garcia (2000), o professor deve ter a capacidade de perceber que a
criança por meio do seu desenho, da dança, do ritmo, da construção está
realizando atividades do currículo escolar . Não de maneira tradicional, mas de
forma espontânea, integrada ao seu meio de expressão .
O trabalho do professor é o de usar os meios dessas diferentes linguagens,
naturais da criança, e as dele próprio para alcançar outros caminhos de
descobertas e de novas criações .
O papel do professor é o de desafiar a criança para a conquista de novas
capacidades .
O professor da educação infantil precisa ousar, romper, mudar,
transformar, sair de uma formação mecanicista, destruir valores e certezas
cristalizadas para arriscar-se a “construir” o novo, a fim de transformar o espaço
escolar, num espaço de descobertas de imaginação, de criatividade, enfim, num
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lugar onde professores e alunos sintam prazer pelo ato de conhecer, através de
ensinar e aprender .
Ao observar e analisar a produção das crianças, o professor pode
apreender muito sobre a sua concepção de mundo, porque ela se restringe a um
campo específico, isto é, a uma síntese daquilo que é demonstrado pela criança .
Ao desenhar, pintar e esculpir , a criança formula conceito sobre as coisas .
As crianças são, também, excelentes observadores de seu próprio
trabalho. Expondo desenhos, pinturas nas paredes da classe, fazendo uma
apreciação, comentários, investigando os processos utilizados, todos, professor e
crianças, podem realizar troca de informações, experiências, valores estéticos e
preferências que enriquecem sua sensibilidade e inteligência .
Assim, crianças e professores podem, maravilhados, aprender muito com a
brincadeira de desenhar e também com a brincadeira de olhar e contar o que
vêem nos desenhos .
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Desenvolvimento Da Criança Pelo Desenho
Até um pouco mais de um ano, a criança se comunica pelo movimento .
Somente chorando e sacudindo seus bracinhos e perninhas , a criança pode
manifestar dor e prazer. Não há representação gráfica nesta fase . Quando em
contato com o material plástico, ela o leva à boca.
Por volta dos treze meses, surgem as primeiras representações gráficas
infantis, que vão até mais ou menos três anos. São linhas traçadas
desordenadamente em qualquer direção. Inicialmente não têm nenhum controle
sobre o que faz, aperfeiçoando uma importante função: a coordenação motora. ,
O desenho desta fase é, inicialmente, cinestésico. A criança observa
atentamente o movimento, deixando a sua marca na superfície, agindo por
atividades reflexas e pensa através da atividade motora .
Observada a maneira como desenha no papel ou em qualquer outra
superfície, objetos que existem fora dela, vê-se que ela interage com eles, assim
como com o lápis, a cor, o chão, a parede, ligando a sua ação com os mais
diversos movimentos corporais. A criança promove uma comunhão entre ela e o
meio, como se esses fossem uma unidade .
A forma como interage com os objetos, com as situações, depende da
intensidade afetiva, do tônus energético que ela mantém como qualidade de
relação com o mundo .
Quando desenha, o corpo inteiro está presente na ação, concentrado na
ponta do lápis, que funciona como uma ponte de comunicação entre o corpo e o
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papel , sendo um elemento mediador da manifestação física e vivencial da
criança, espelho de sua “ebulição” interna. O lápis e qualquer outro material
plástico é um prolongamento da mão, assim como o mundo é um prolongamento
de seu corpo . A relação física e sensorial que estabelece com o desenho
possibilita a experiência de novas realidades .
A conjunção mão/olho/cérebro torna-se presente e evidente no ato de
desenhar, embora seus rabiscos não indiquem necessariamente um controle
visual dos movimentos. Os rabiscos feitos espontaneamente sem treinamento ou
cópia, são freqüentemente uma resposta visual que advém do próprio ato de
rabiscar .
Lowenfeld (1977) desenvolveu as fases evolutivas do grafismo que
mostram a transformação da expressão artística na criança à medida que ela se
desenvolve, passando por estágios sucessivos e definidos :
- a fase das garatujas , dos 2 aos 4 anos ; a fase
pré-esquemática, dos 4 aos 7 anos; a fase
esquemática, dos 7 aos 9 anos; a fase do
realismo, dos 9 aos 12 anos e a fase de
decisão, dos 14 aos 17 anos .
A evolução das garatujas segue uma ordem previsível, classificando-se
em três categorias : as garatujas desordenadas ; as garatujas controladas e as
garatujas controladas e as com atribuição de nomes .
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É por volta dos 18 meses que a criança faz seu primeiro registro no papel .
Movimentando o braço para a frente e para trás os traços vão surgindo . São as
garatujas desordenadas . A criança utiliza o punho e os dedos apertados para
segurar o instrumento, contudo , o pulso e os dedos não são usados para
controlá-los .
A criança desta fase não tenta retratar o seu meio visual . Os seus
desenhos surgem de modo acidental. Se alguma coisa lhe chamar a atenção, ela
deixa de olhar para o papel mas continua garatujando.
Devido ao estágio de desenvolvimento da criança dessa fase, os seus
rabiscos não têm controle motor, são feitos ao acaso. São traçados com
movimentos que, para a criança são amplos, se considerarmos o tamanho do seu
braço e têm grande dificuldade de permanecer nos limites do papel.
As garatujas desordenadas podem ter rabiscos longitudinais ou circulares .
Contudo, uma criança de 2 anos, em geral, não é capaz de copiar um círculo .
Aos poucos, os traços desordenados da criança vão adquirindo um certo
controle. Quando a criança adquiri a coordenação entre a atividade visual e a
motora, os seus movimentos tornam-se contínuos e controlados.
Esta é a fase da garatuja ordenada e pode ocorrer, seis meses após ter
começado a garatujar . Nessa etapa, a criança varia seus movimentos que ainda
não são amplos e podem ser longitudinais ou circulares. As linhas são traçadas
com força e, raramente, a criança levanta o lápis do papel .
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As crianças desta fase ficam concentradas nos seus desenhos e dedicam a
estes o dobro do tempo, que dedicavam antes . Podem explorar cores diferentes
e geralmente , enchem a folha com seus rabiscos .
Esta criança utilizará diversas maneiras de segurar o lápis. Mas aos 3 anos
ela começará a tentar segurá-lo da maneira usual do adulto . É, também , por
volta dos 3 anos que ela será capaz de copiar um círculo . Ainda será muito raro
encontrar alguma relação entre o que a criança desenhou e a representação
visual a que ela se refere.
Pouco a pouco, a criança vai ligando os seus desenhos ao mundo que a
cerca e começa a dar nome as garatujas . É a fase das garatujas com atribuição
de nomes . Acontece, geralmente , por volta dos 3 anos e meio. Agora, a criança
desenha com uma intenção, embora seus traços não tenham muita diferença das
primeiras garatujas .
A criança, nessa fase, dedicará um tempo muito maior aos seus desenhos
e estes serão mais diferenciados . O desenho estará distribuído por todo papel e
a criança poderá falar, descrevendo o que está desenhado . Se ela não quiser
falar, não se deve insistir para que explique o que faz .
Nessa fase, ainda, a criança anunciará o que vai desenhar, embora ela não
saiba que forma terá o seu trabalho final. Contudo, para ela , seus traços terão um
significado real .
O movimento se torna gradativamente direcionado a um objetivo, à medida
que o controle cortical vai se estabelecendo . No final desta fase, aparecem ,
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então, as primeiras linhas circulares, que são movimentos executados com todo o
braço. Surgem, então, espirais e caracóis, que nascem de dentro para fora e de
fora para dentro .
A figura humana, o espaço e a cor conscientes, não existem nessa fase.
Ao final desta, movimentos circulares aparecem gradualmente e, aos poucos,
predominam .
Torna-se importante ressaltar que, ainda que haja uma ordem seqüencial
no aparecimento de cada uma dessas fases, a criança pode voltar a uma fase
anterior, sem que isso implique em problemas .
Lentamente a criança passa para uma experiência mais consciente frente
ao mundo exterior . Num círculo casualmente desenhado, a criança vislumbra um
objeto . Esse círculo, denominado célula, é primeiro símbolo gráfico representado
pela criança .
Na medida em que adquire a noção de si mesma, passa a operar, interferir,
representar, estabelecer analogias, semelhanças e diferenças . Torna-se capaz
de extrair do fundo móvel de suas sensações elementos mais permanentes .
Passa da ação em si a noção de si, da percepção indiferenciada à capacidade de
emitir conceitos .
A criança começa, nesta fase, a funcionar simbolicamente, o que se reflete
em seus desenhos pela representação de linhas e formas . Já é possível
visualizar o que a criança fala de sua representação , o que oferece ao adulto
uma maior possibilidade de conhecer o mundo infantil, com seus problemas e
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fantasias. Quando deixada livre para desenhar, ou seja, sem ser obrigada a fazê-
lo para agradar o adulto, só desenha aquilo que é importante para ela .
Durante essa etapa, a criança muda constantemente conceitos que lhes
são familiares, o que pode ser observado em seus desenhos pela forma como
modifica constantemente seus conteúdos . Pode-se perceber isso mais facilmente
observando o desenho da figura humana, que começa a ser representada a partir
o movimento circular para a cabeça e longitudinalmente para os membros
(representação cabeça-pés) .
Evidentemente a criança sabe que existem mais elementos do que ela é
capaz de representar. Através de seus desenhos, percebe-se o grau de
compreensão que ela tem da realidade : a respeito de si mesmo e do mundo que
a cerca .
Nesta fase, é comum o exagero, a desproporção e a omissão. Esses sinais
não são indícios de patologia . A criança exagera a parte do corpo que está em
ação, que faz algo (Ex: a mão que segura algo é sempre maior do que a que não
segura nada) . Tal fato não deve ser sinalizado . Quanto mais sensível e livre for a
criança , maior será o número de desproporções , omissões e exageros .
Nesta fase, crianças bloqueadas em sua livre expressão começam a se
utilizar de estereótipos, escondendo-se atrás de um desenho já aprendido e
repetido.
Fascinada por descobrir a relação existente entre a realidade e seus
desenhos, a criança fica satisfeita pela relação em si . Inicialmente apresenta
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necessidade de circular cada objeto, necessidade esta que vai gradativamente
desaparecendo .
Os desenhos desta fase são despertos e fragmentados no papel. A criança
representa várias coisas soltas no espaço. Sua fala acerca de seu desenho é:
“Aqui é a casa, aqui é a árvore, aqui é o sol, aqui é menino”. A incapacidade de
relacionar os elementos no espaço é típica desta fase. A criança não se sente
parte do todo, sendo bastante egocêntrica , isso indica que ela ainda não está
preparada para ser alfabetizada, pois ainda não relaciona letras e sons .
Alfabetizá-la nesta fase, pode danificar sua auto-confiança e bloqueá-la para
aprendizagem futuras .
Seus desenhos são lineares . A criança já se preocupa com as formas que
vão ficando cada vez mais nítidas . Seu interesse pela cor é baseado unicamente
no afeto: não relaciona a cor a um objeto definido . A cor é, assim, ligada
unicamente a fatores emocionais .
É a flexibilidade evidenciada pela mudança constante dos esquemas, pelo
exagero e omissões, bem como a presença de detalhes , o uso não apenas de
linhas geométricas e os conceitos criados espontaneamente , que mostram o
desenvolvimento de uma criança livre emocionalmente, com bom
desenvolvimento intelectual, boa percepção de formas e ótima capacidade
criadora .
Conforme a criança se desenvolve, cada pedacinho do seu corpo vai
adquirindo autonomia, assumindo um significado, uma especificidade: a mão, o
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olho, o pé, a boca, o nariz, o braço, o tronco, relacionam-se com suas funções :
pegar, olhar, andar, comer, cheirar.
Se na fase anterior, o olho da criança acompanhava sua mão, que guiava o
movimento no papel, agora, ao contrário, é a mão quem acompanha o
movimento ocular. A criança assume, assim, uma nova postura no desenhar,
onde a mão e olho estabelecem um diálogo: a mão sai e volta para o papel, há
uma segurança na permanência da linha . Do traço contínuo, impulsivo e motor, a
criança passa para o traço descontinuo, em ritmo mais lento. O olho ajuda não só
na construção das formas, como na memorização das mesmas , tornando
possível à criança reconhecer seu desenho mesmo passado algum tempo .
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CONCLUSÃO
Uma das primeiras referências da existência humana na Terra aparece nas
imagens desenhadas nas cavernas, que hoje chamamos de imagens artísticas.
Neste sentido, pode-se dizer que a arte está presente no mundo desde que o
homem é homem .
A arte, portanto, se faz presente, desde as primeiras manifestações de que
se tem conhecimento, como linguagem, produto da relação homem / mundo .
A arte, enquanto linguagem, interpretação e representação do mundo, é
parte deste movimento. Enquanto forma privilegiada dos processos de
representação humana, é instrumento essencial para o desenvolvimento da
consciência, pois propicia ao homem contato consigo mesmo e com o universo .
Por isso, a Arte é uma forma de o homem entender o contexto ao seu redor e
relacionar-se com ele .
Partindo da concepção de que a arte é uma linguagem manifestada desde
os primeiros momentos da história do homem e estruturada, em cada época e
cultura, de maneira singular, o conhecimento dessa linguagem contribuirá para
maior conhecimento do homem e do mundo. Portanto, a finalidade da arte na
educação é propiciar uma relação mais consciente do ser humano no mundo e
para o mundo, contribuindo na formação de indivíduos mais críticos e criativos
que, no futuro, atuarão na transformação da sociedade.
Ao expressar-se por meio da arte, o aluno manifesta seus desejos,
expressa seus sentimentos, expõe enfim sua personalidade. Livre de
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julgamentos, seu subconsciente encontra espaço para se conhecer, relacionar,
crescer dentro de um contexto que o antecede e norteia sua conduta .
É nesse sentido que se pode vislumbrar toda a importância que a
compreensão da arte pode ter no ensino escolar. É necessário conquistar um
espaço para a arte dentro da escola, espaço que ficou perdido no tempo e que, se
recuperado, poderá mostrar-se tão significativo como qualquer outra matéria do
currículo .
E acredito que o professor possa ser um estimulador da percepção visual,
da expressão, da imaginação criadora e dos processos de cognição do aluno,
dentro de um projeto pedagógico, ajudando–o a construir o conhecimento da
linguagem da arte, assim como, possibilitando ao aluno a ampliação do
conhecimento de si mesmo e do mundo do qual faz parte .
A prática de autora tem mostrado que o fazer artístico incorporado
aoprocesso ensino/aprendizagem pode ajudar a criança a utilizar seu pensamento
analógico e divergente , criando novas possibilidades de re-significar , ajudando-a
na construção de conhecimentos e incorporando o fazer artístico em sua própria
visão do mundo .
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