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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
FRANCINETI DA SILVA MATTOS
FRACASSO ESCOLAR
TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO REQUISITOPARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE ESPECIALISTA EM
SUPERVISÃO ESCOLAR.
FRANCINETI DA SILVA MATTOS
NELSOM JOSÉ VEIGA DE MAGALHÃES
APROVADO POR:
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASILFEVEREIRO/2002
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Dedico, cada página desta monografia aos
meus dois filhos queridos Luís Gustavo e Luís
Guilherme, que são a razão do meu viver.
Através deles posso imaginar e esperar um
mundo bem melhor porque as crianças são
iluminadas e refletem na pureza e sinceridade
de seus atos a alegria, a paz e a esperança
que todos procuram.
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Esta monografia é resultado de um trabalho de
dedicação e preservação. Foi muito gratificante e por
isso agradeço imensamente ao bom Deus por ter me
concedido a oportunidade de concluir mais este
desafio.
Ao meu marido, Luís Antônio, pelo amor, carinho,
apoio, compreensão e respeito que me dedicou
durante todo o curso.
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO REQUISITOPARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE ESPECIALISTA EM
SUPERVISÃO ESCOLAR.
FRANCINETI DA SILVA MATTOS
FRACASSO ESCOLAR
ORIENTADOR: NELSOM JOSÉ VEIGA DE MAGALHÃES
Este trabalho desenvolve uma questão na qual o meio familiar influideterminantemente no desempenho escolar das crianças brasileiras, ou seja, noseu fracasso escolar e social. Mostramos que o processo de fracasso escolarreforça e alimenta o perverso ciclo que envolve a pobreza, analfabetismo, odesemprego e a exclusão social. Consideramos neste texto que o processoavança direta e rapidamente, de modo a atingir as zonas urbanas das cidades emgeral. No entanto percebemos que para as crianças oriundas de famílias bemestruturadas interna e economicamente, o desenvolvimento escolar e social está,assegurado, independentemente de residirem em zonas urbana ou periférica.Todavia, para as crianças de famílias economicamente desfavorecidas, o fracassotem-se mostrado um fato real, e assustadoramente presente, já na 1ª série doEnsino Fundamental, mesmo para aquelas que freqüentam escolas situadas emzona urbanas.Concluímos que para o eficaz combate ao fracasso escolar nas escolasbrasileiras, necessitando da elaboração de um projeto baseado em fatosverdadeiros – norteado pela concepção do fazer como fonte do saber comabrangência no processo – aprendizagem, o qual, por sua vez, só poderáconcretizar-se em tipos de organização do trabalho pedagógico e emdeterminadas condições de trabalho quando alterem a forma hierárquica em que aescolas estão organizadas, para que possamos obter conhecimento dosproblemas e principalmente das crianças.
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INDICE
CAPÍTULO I
Introdução
1.1. Tema 2
1.2. Delimitação do tema 2
1.3. Justificativa 2
1.4. Objetivo 3
1.5. Problema 3
1.6. Hipóteses 4
1.7. Metodologia 4
1.8. Fundamentação teórica 4
1.9. Definição dos termos da pesquisa 6
1.10. Conteúdo do trabalho 7
CAPÍTULO II
Fracasso Escolar?
2.1 Introdução 9
2.2 Fracasso Escolar? 10
2.3 Questionamento a ética do êxito 14
2.4 Para ensinar melhor, aprender melhor 16
2.5 Diferenças entre fracasso escolar e problema de aprendizagem 18
2.6 Intervir ou interferir 22
2.7 Intervenção psicopedagógica na escola 23
2.8 Intervenção psicopedagógica com os professores 24
2.9 O que entendemos por intervenção psicopedagógica clínica 25
2.10 Conclusão 25
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CAPÍTULO III
Fracasso – Sucesso: O peso da cultura escolar e do ordenamento da educação
básica
3.1 Introdução 28
3.2 O fracasso – sucesso escolar – Velhos problemas, novos olhares 29
3.3 O peso da cultura escolar 31
3.4 Escola – Instituição excludente 32
3.5 Novo ordenamento para a educação básica 34
3.6 Conclusão 35
CAPÍTULO IV
Conclusão 38
ANEXO A 39
ANEXO B 41
ANEXO C 42
GLOSSÁRIO 44
BIBLIOGRAFIA 45
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1.1. TEMA:
Aprendizagem.
1.2. DELIMITAÇÃO DO TEMA:
Fracasso Escolar
1.3. JUSTIFICATIVA:
O “fracasso escolar” tem sido visto como um dos grandes sintomas da
realidade brasileira atual. É o desafio educacional dos nossos tempos que pode
ser sintetizado no embate entre a persistência de uma herança histórica
extremamente pesada em termos de fracasso escolar e os crescentes esforços
que estão sendo empreendidos para reverter este quadro através de um
conjunto de políticas voltadas para a melhoria da qualidade da educação no
País. A situação de alunos com mais de dois anos de atraso escolar, gerado na
maioria das vezes por reprovações contínuas, não é um fenômeno novo entre
nós; ao contrário, é antigo e tão freqüente que se tornou um fato corriqueiro,
naturalizado aliás, como outras manifestações do fracasso escolar. Ignora-lo é o
mesmo que considerar inevitável haver ainda problemas de acesso, reprovações
numerosas, evasão significativas, baixa aprendizagem e, também escolas mal
equipadas e deterioradas, salários miseráveis dos professores, etc. _ porque
sempre estiveram presentes na realidade do sistema público de ensino. É muito
pouco dizer que esses problemas são agora tratados apenas por uma questão
de economia e racionalização de recursos, e que por isso não questões a serem
enfrentadas pelos educadores progressistas. Em que pese à política econômica
impondo aos sistemas de ensino redução de custos e enxugamento dos
desperdícios causados pelo acúmulo de alunos repetentes, enfrentar o problema
da perspectiva pedagógica significa respeitar pessoas reais que enfrentam a
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escola e contam com ele para organizar suas vidas, que aguardam o
atendimento prometido, mesmo carregando insucessos e dificuldades. Na
situação de desvantagem há alunos reais, excluídos e diminuídos em sua auto-
estima. Os alunos prejudicados têm rosto, nome, sonhos, história – não são
números ou índices, assim como seus professores e suas professoras. Entender
a situação da educação como um problema sem solução a curto e médio prazo
não pode impedir de adentrar a sala de aula. É necessário enfrentá-lo, fortalecer
a escola nas questões pedagógicas visando a melhoria na qualidade do ensino
para todos.
1.4. OBJETIVO:
GERAL: Estudar a possibilidade de implantar ações inovadoras no
processo de aprendizagem que atenda os anseios da clientela e que estejam de
acordo com as necessidades e realidades apresentadas, criando assim
ambiente e situações favoráveis para o sucesso dos alunos.
ESPECÍFICO: Identificar através do conhecimento diário das escolas
do Ensino Fundamental que o fracasso escolar se constitui em um processo
gestado a partir de pequenas ações e reações vividas no cotidiano.
1.5. PROBLEMAS:
Como a educação oferecida atualmente, atende aos alunos do ensino
fundamental?
A quem podemos atribuir o fracasso escolar?
Quais as causas possíveis do fracasso escolar?
1.6. HIPÓTESES:
Possibilitar o sucesso dos alunos nas questões pedagógicas, significa
uma participação efetiva de todos (educadores, pais e comunidade escolar) em
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ações polêmicas, que ofereça muitas possibilidades de acertos e erros em sua
aplicação.
O fortalecimento da escola em seu trabalho específico deve fazer
parte da luta maior pela conquista de serviços públicos de boa qualidade, que
garantam atendimento digno e justo a toda a população educacional.
Resgate da família na escola.
1.7. METODOLOGIA:
Ü Pesquisa bibliográfica
Ü Entrevistas publicadas em revistas pedagógicas
Ü Pesquisa de campo
Ü Estatísticas
Ü Gráficos
Ü Relatórios
1.8. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:
O conhecimento do cotidiano das escolas de Ensino Fundamental nos
permite afirmar que o fracasso escolar se constitui em um processo administrado
a partir de pequenas ações e reações vividas diariamente. Estudos
desenvolvidos em escolas de Ensino Fundamental da rede pública observaram
como se formam as representações de sucesso e fracasso escolar dos
professores, alunos e pais. O estudo das representações constitui-se em uma
alternativa promissora na tentativa de identificação das que obstruem mudanças
e das que se apresentam como alternativas para a viabilização das mesmas.
Entretanto a afirmação mais freqüente junto aos alunos, é a de que um dos
elementos mais fortes, presentes em suas representações de fracasso escolar é
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a atribuição dos mesmos apenas ao resultado do comportamento adotado. Os
pais reforçam tal postura, destacando-se no caso do fracasso escolar, os
problemas familiares, doenças ou dom. Com relação aos profissionais da
escola, a isenção total de responsabilidade no processo, atribui-se
exclusivamente a fatores extra-escolares. Através do conhecimento das
representações, é possível constatar que estas se constituem em guias de
ações norteadoras da prática pedagógica desenvolvida, necessitando serem
conhecidas e trabalhadas para o aprimoramento da mesma, oportunizando a
construção do sucesso escolar.
É preciso entender a questão do fracasso escolar a partir de uma
queixa com alta demanda nos serviços oferecidos.
O fracasso escolar não deve ser encarado como o fracasso do aluno,
mas sim discutida como resultados da presença familiar na escola, apoiando e
participando de maneira efetiva do aprendizado do filho. O meio familiar influi
determinantemente no desempenho escolar das crianças brasileiras, ou seja, no
seu fracasso escolar e social. Isso mostra que o processo de fracasso escolar
infantil reforça e alimenta o perverso ciclo que envolve a pobreza, o
analfabetismo, o desemprego e a exclusão social. Lamentavelmente, este
processo avança rapidamente, de modo a atingir as zonas urbanas da cidade
em geral. Às crianças oriundas de famílias bem estruturadas interna e
economicamente, o desenvolvimento escolar e social está, de certo modo,
assegurado, independentemente de residirem em zonas urbanas ou periféricas.
Todavia, para as crianças de família desfavorecidas, o fracasso tem-se mostrado
um fato real, e assustadoramente, já na 1ª série do Ensino Fundamental, mesmo
para aquelas que freqüentam escolas situadas em zonas urbanas. Esta situação
se agrava e se torna mais complexa em nosso país tendo em vista que os
avanços da modernidade se distribuem de forma muito desigual.
Por outro lado, a falha fica também no sistema de ensino que não
está cumprindo com o seu papel básico que é de ensinar.
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O sistema escolar produziu e continua produzindo suas disciplinas,
sua seriação, suas grandes; e se limita a ensinar suas próprias produções e a
aprovar e reprovar com base em critérios de precedência que ele mesmo definiu
como mínimos para transitar no seu próprio curso, percurso – escolar. Neste
sentido afirmar-se que o sucesso ou o fracasso escolar é produzido
deliberadamente pelo sistema de ensino.
Para prevenir o fracasso escolar, é necessário trabalhar em e com a
escola, realizar um trabalho para o professor possa conectar-se com sua própria
autoria e, portanto, seu aluno possa aprender com prazer, denunciar a violência
encoberta e aberta instalada no sistema educativo.
1.9. DEFINIÇÃO DOS TERMOS DA PESQUISA:
Segundo Texto publicado na revista EM ABERTO (v.17, p.57 – 73,
janeiro de 2000, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais –
Inep – Brasília) – O fracasso escolar se justifica pela falta de investimento
financeiro na educação.
Segundo Fonseca, Luiz /Eduardo na sua dissertação de mestrado
(Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública, 1988. iii,227p.Mapas) _ O
fracasso escolar não pode ser visto como simples questão de saúde, as causas
possíveis são atribuídas a questão familiar da escola propriamente dita e outras
questões que são colocadas como justificativa da repetência e do mau
aproveitamento escolar.
1.10. CONTEÚDO DO TRABALHO:
No capítulo II, é feita uma abordagem sobre o Fracasso Escolar.
Apresentamos um histórico sobre o questionamento da ética do êxito, diferenças
entre fracasso escolar e problema de aprendizagem, e as intervenções
psicopedagógicas na escola, com professores e em clínicas.
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No capítulo III, desenvolve-se a conceituação de Fracasso –
Sucesso. O estudo versa sobre tema em que o reconhecimento do mesmo vem
sendo recolocado nas preocupações dos profissionais da educação.
No capítulo IV está reservado às conclusões, comentários e
sugestões sobre o tema abordado, com suas principais contribuições e seus
possíveis desdobramentos contínuos e futuros, contextualizando-os em nossa
realidade cotidiana.
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CAPÍTULO II
FRACASSO ESCOLAR?
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2.1. INTRODUÇÃO:
O capitulo II faz uma referência singular sobre o trabalho
psicopedagógico desenvolvido pelos profissionais da educação, com o objetivo
de produzir uma maravilhosa e transformadora atividade do pensamento.
Atividade esta que será abordada com ênfase no decorrer deste capítulo.
Desenvolver e potencializar questões relacionadas ao pensamento só
faz sentido se o trabalho for realizado com o propósito de responder sobre o
conhecimento do lugar onde o pensamento acontece.
É certo que a fábrica dos pensamentos não se situa nem dentro
nem fora da pessoa; localiza-se entre. A atividade do pensar nasce na
intersubjetividade, promovida pelo desejo de fazer próprio o que é alheio, mas
também é nutrida pela necessidade de nos entender e de que nos entendam.
O pensar alimenta-se de nos diferenciarmos o máximo possível do
outro, mas, por sua vez, de que esse outro nos aceite como seu semelhante.
Entre o verbo ensinar e o verbo aprender situam-se diversas
operações, muitas delas opostas entre si: Transmissão – Herança – Reprodução
– Transformação – Construção – Mudança – Repetição – Novidade –
Permanência – Mutação.
Um campo de produção de diferenças abre-se entre quem aprende,
pois cada indivíduo tem uma modalidade de aprendizagem, um idioma próprio
para tomar do outro e fazê-lo seu. A modalidade de aprendizagem é como um
idioma que cada um utiliza para entender os outros e fazer-se entender por eles.
O conhecimento do idioma falado enriquece a maioria de como se
interpreta o mundo e a nós mesmos. O reconhecimento do idioma utilizado pelos
indivíduos para aprender e ensinar, permite que todos sejam mais livres e
criativos.
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Quando o sujeito renuncia aa história ou é impedido de ser autor dela,
a primeira conseqüência desse impedimento manifesta-se no enrijecimento de
sua modalidade de aprendizagem. Ele não apenas deixa de transformar o
mundo, mas abandona a tarefa humana de transformar a si mesmo.
No entanto, a potência da pulsão transformadora da vida é tão grande
que é válido apelar para que ela descongele tudo aquilo que foi congelado.
Melhor, o que o sujeito construiu, ele pode destruir.
Por outro lado, na fase inicial, a maioria das dificuldades escolares
que as crianças apresentam ainda não alterou suas modalidades de
aprendizagem.
Mesmo que, com mais ou menos intensidade aqueles que nos
precederam tenham insistido para que repetíssemos o seu legado, nós, seus
descendentes, sempre nos revelaremos rebeldes, assim como farão aqueles
que nos seguirão.
Já a postura psicopedagógica é vista por alguns estudiosos como
uma proposta que deve propiciar modalidades de aprendizagem que
potencializem possibilidades singulares de cada pessoa, oferecendo-lhe
espaços em que possa realizar experiências com ensinantes que favoreçam
esse processo.
2.2. FRACASSO ESCOLAR:
Segundo Sara Pain (1982), “o sujeito que não aprende nenhuma das
funções sociais da educação, acusando, sem dúvida, o fracasso dela, mas
sucumbindo a esse fracasso”.
Na maioria das vezes, os profissionais de educação se sentem
responsáveis por um crime similar ao de confundir um desnutrido com um
anoréxico pelo fato de ambos estarem mal alimentados. Os dois não comem,
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mas as causas que os levaram a desnutrição são totalmente diferentes, por
tanto, as soluções também deveriam ser diferentes.
O alimento é o conhecimento que o aprendente precisa incorporar,
transformar, metabolizar.
O individuo desnutrido não pode ser tachado como paciente com
doença no aparelho digestivo, sem antes ser diagnosticado pela medicina, já em
outras situações, o especialista diz que o fracasso escolar pode ter como causa
provável, a disritmia ou a hipercinesia (ADD ou ADHD)1, situando no organismo
do aluno as disritmias, hipercinesias e desatenções do sistema educativo.
O fracasso escolar pode intervir como fator desencadeante de um
“problema de aprendizagem” que, de outro modo, não teria aparecido. Sendo
assim o diagnóstico se torna mais complexo e difícil exigindo da psicopedagogia
uma maior responsabilidade e precisão teórica baseada em dados concretos.
O fracasso escolar afeta o sujeito em sua totalidade e para resolver
este problema devemos intervir no contexto que o priva de um espaço de autoria
de pensamento. Ou seja, devemos intervir no sistema ensinante.
A criança que se encontra inclusa no grupo dos fracassados, sofre
pela subestimação que sente ao não poder responder às expectativas dos pais e
professores. Por sua vez, a identidade não é algo que se adquire de uma vez e
para sempre, mas é produto de construções identificatórias para as quais
cumpre um papel importante os modos como os demais nos definem.
Para qualquer aluno, a sua escola e seus professores costumam ter
lugar reservado e de reconhecimento nas suas aptidões a partir dos resultados
obtidos.
1ADD – Transtorno por Déficit de Atenção
ADHD – Transtorno por Déficit de Atenção com Hiperatividade
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“Por que o êxito ocupa um lugar tão grande na vida de nossos
contemporâneos, crianças, pais, educadores, governantes? Que projetos,
que fantasmas recobrem essa aspiração ao êxito?”. Segundo CORDIÉ,
Anny apud FERNÁNDEZ, Alicia.
O objeto de qualquer intervenção psicopedagógica pode ser o abrir
espaços objetivos e subjetivos de autoria de pensamento. O psicopedagogo
aposta em que o desejo de conhecer e de saber possa sustentar-se apesar das
carências nas condições econômicas, orgânicas, educativas, apesar das
injustiças dos déficits ou das lesões biológicas.
A problemática da realidade é uma aprendizagem alienante e
imobilizadora que pode apresentar-se tanto no individual quanto no coletivo. Em
qualquer produção, intervêm fatores que dizem respeito ao socioeconômico, ao
educacional, ao intelectual, ao orgânico e ao corporal. Porém, visando
tratamento terapêutico e prevenção, impõe-se o encontro entre diferentes áreas
de especialização: psicopedagogia, psicologia, psicanálise, pedagogia, pediatria,
sociologia e outras.
A desnutrição alimentar e a carência afetiva, o fracasso dos
ensinantes e da instituição educativa ou as lesões cerebrais não dão conta por si
só da existência do problema de aprendizagem em um sujeito individual.
A desnutrição alimentar e a carência afetiva, a fracasso dos
ensinantes e da instituição educativa ou as lesões cerebrais não dão conta por si
só da existência do problema de aprendizagem em um sujeito individual.
A psicopedagogia clínica comprova que, embora seja necessário
trabalhar estudar os determinantes orgânicos, sociais, políticos..., a capacidade
de pensar e aprender podem sobreviver ou ainda renascer nas situações
educativas, sociais, econômicas e orgânicas consideradas as mais
desfavoráveis.
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A liberação da inteligência aprisionada só poderá dar-se através do
encontro com o prazer de aprender que foi perdido. Por razão, acredita-se que
nossa principal tarefa na relação com os pacientes é a de ajuda-los a recuperar
o prazer de aprender e, de igual modo, pretender, para nós mesmos, recuperar o
prazer de trabalhar aprendendo e de aprender trabalhando.
Uma tarefa só pode ser considerada renovadora, se buscar mudança
nos serviços da saúde mental em geral. Essa busca deve estar articulada com
os diferentes enfoques profissionais e os importantes recursos humanos com os
escassos recursos econômicos e institucionais, para satisfazer a ampla
demanda de assistência e a urgente necessidade de promoção de saúde na
aprendizagem.
O significado inconsciente do conhecer e do aprender e o
posicionamento diante do escondido são questões, segundo a psicopedagogia,
que intervêm na fabricação do problema de aprendizagem.
E para finalizar, é importante ressaltar, que a psicopedagogia clínica
vem para dizer também que, na fabricação do fracasso escolar, participam
questões relativas ao posicionamento dos ensinantes médicos e do poder
médico, as quais, exibindo, por vezes, um conjunto de informações hegemônicas
e monopolistas, supõem o aprendente como um sistema nervoso central
caminhando.
Existe um paradoxo que exemplifica bem como andam nossas
crianças com relação as que estão aprendendo: na escola, aprendem como
cabeças sem corpo e, quando não aprendem, são enviadas ao hospital onde
são consideradas organismos sem inteligência nem desejo.
Considera-se que todo lugar de saber é um lugar de poder, e todos os
psicopedagogos devem pretender conhecer sobre o conhecer, o não conhecer e
sobre os que não podem aprender, para que seja encontrada na solução dos
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problemas uma posição de certeza, que muitas das vezes também é solicitada
pelos consultantes.
A inteligência é construída e produzida na interação social, de acordo
com processos identificatórios.
Nossa teoria é frágil, mas nosso suporte é uma atitude clara e
compartilhada e um principio quase piagetiano: na base de toda cognição está
ação, primeiro material e, logo, possível de ser interiorizada.
2.3. QUETIONANDO A ÉTICA DO ÊXITO:
“O fracasso oposto ao êxito implica um juízo de valor e esse
valor é função de um ideal. O sujeito constrói-se perseguindo as idéias que
lhe são propostas ao longo de sua existência. Dessa maneira, é produto
dessas identificações sucessivas que formam a trama de seu eu. Esses
ideais são essencialmente os de seu meio sociocultural e os de sua família,
ela mesma marcada pelos valores da sociedade a que pertence”. Segundo
CORDIÉ, Anny apud FERNÁNDEZ, Alicia.
Perdoa-se, menos fracasso, atualmente parece ser o lema de
algumas famílias e escolas que estão preocupadas com seus jovens e com isto
procuram implementar projetos voltados para a solução deste problema. O
fracasso é o oposto ao êxito. Não será que, para evitar ou buscar diminuir o
fracasso escolar, é necessário reverter essa ética do êxito?
O melhor caminho seria repensar o uso da denominação fracasso
escolar? Tal termo surge como parte de um questionamento necessário à
postura que depositava o problema na criança, chamando de problema de
aprendizagem o que era um problema de ensino.
Entretanto, não se cairá nas redes da ética do êxito ao nomear como
fracasso que se tenta analisar como processo?
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Anny Cordié (1994) assinala que”... a evolução da sociedade deu
lugar a uma nova patologia: o fracasso escolar (...) trata-se rápida mudança do
mundo do trabalho em uma sociedade cada vez mais tecnicista. Às novas
exigências desta sociedade agregam-se os estragos provocados pela
exploração dos testes de nível...”.
O uso que se faz dos testes nas escolas é cada vez mais
discriminatório. É necessário um posicionamento clinico correto, que respeite as
diversas questões que envolvem o momento da aprendizagem.
Para atuar sobre as causas que geram o fracasso escolar, é
necessário que a psicopedagogia saia do consultório e, ao dirigir-se a outros
âmbitos, como a escola, não tente levar o consultório à escola, nem propor uma
psicopedagogia superior, que exclua ou desvirtue a pedagogia. A intervenção
psicopedagógica precisa atuar em interdisciplina com outras disciplinas, em
particular com a pedagogia, sem tentar copiá-la, nem substituí-la.
Visando melhor atuação e resultados positivos nos trabalhos, uma
escola deverá possuir em sua equipe de educadores, profissionais com
formação psicanalítica talvez maior do que quando atende em seu consultório, já
que deverá dar conta dos fenômenos transferências em suas diversas
manifestações. Por sua vez, deverá conhecer questões que dizem respeito ao
grupal e ao institucional.
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2.4. PARA ENSINAR MELHOR, APRENDER MELHOR:
Já que o fracasso escolar é uma resposta reativa à situação escolar, a
psicopedagogia precisa trabalhar com professoras e professores, educadoras e
educadores, mesmo que eles sofram e possam ser vítimas da iatrogenia da
instituição, até porque, sem dúvida, eles são a cara visível da escola para as
crianças.
Tendo em vista sua prática na formação de formadores, Jacky
Beilerot (1996) assinala:
... A formação (do professor) relaciona-se com toda a pessoa: suas
capacidades conscientes, assim como sua afetividade, seu imaginário e seu
inconsciente total. Isto é, fantasmas, resistências, inibições, etc.
A psicopedagogia Argentina Silva Iannantuoni (1996) escreve:
... a escola como instituição tende à submissão a determinadas
pautas, em vez de promover o fato artístico e a autoria da produção; não
surpreende o fato de que não conte com a possibilidade de questionar a si
mesma. As respostas de que as crianças não lêem, não gostam de ler,
escrevem sempre as mesmas orações, apresentam muitos erros de
ortografia, etc., sempre encontram linearmente suas causas fora do ambiente
escolar. Não servem para questionar-se dentro dele.
Como a escola pode propiciar o surgimento de sujeitos escritores,
representantes de suas idéias, gestores de atos criativos? Talvez não apenas
enunciado-os formalmente em objetivos e/ou expectativas de sucesso. Talvez
possibilitando que os docentes possam mostrar-se como modelos de autoria de
pensamento e de palavras, como sujeitos que possa, demonstrar seus “duendes
e suas princesas”, porque, como pretender que o aluno que vai à escola seja
construtor de suas próprias aprendizagens, se não se outorga ao docente que,
como ensinante, se encontre com sua autoria?...
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Geralmente professores, recebem nos cursos informações e dicas
interessantes sobre como ensinar, mas que são, de fato, uma representação
dramática de como ensinar. Tal contradição, comum em muitos âmbitos
educativos, ocorre porque as professoras e professores, mais do que cursos
precisam de formação e “a formação é clinica, pois toma lugar na historia
individual; porque une, necessariamente, saberes e saber, o passado e o futuro
do sujeito” (Beilerot, 1996).
Referindo-se à experiência de cursos de capacitação docente, a
psicopedagoga Argentina Soledad Lugones (1999) escreve:
... fazemos apontamentos em silêncio, com o olhar centrado no
professor e com nosso corpo quieto, aderido à cadeira... uma só voz, um só
rosto...
... esta é uma cena que se repete invariavelmente em nossa história
como alunos. Essa matriz encarnada em nosso corpo omite o Saber e a
Potencia de nossos ser aprendentes.
Para autorizar-nos a Ensinar, devemos fazer-nos autores... acreditar
em nós. Olhar o valor que tem o que fazemos, apropriar-nos da singularidade
que possuímos... Fazer-nos autores de nossos pensamentos.
Hoje em dia, fala-se muito sobre a necessidade de Capacitação
Docente. Todavia, muito pouco se fala e se reflete sobre como os Docentes e as
Instituições se capacitam e como são seus espaços de formação...
Não aprender na escola supõe um ato de violência da escola frente à
criança.
O propósito do trabalho psicopedagógico na escola consiste em
conseguir que o fracasso escolar não seja denúncia que renuncia a denunciar.
É construir espaços para que as professoras e os professores encontrem-se
23
com suas autorias e, assim, sintam a paixão por produzir com seus alunos e
com suas alunas.
2.5. DIFERENÇAS ENTRE FRACASSO ESCOLAR E PROBLEMA
DE APRENDIZAGEM:
Para Sara Pain, uma análise econômica das superestruturas
educativas permite-nos compreender por que o sujeito aliena-se na
ignorância, mas necessitamos ver qual a estrutura que possibilita a
disfunção da inteligência e como o faz.
O fracasso escolar responde a duas ordens de causas que se
encontram imbricadas na história de um sujeito – próprio da estrutura familiar e
individual daquele que fracassa em aprender e próprios do sistema escolar,
sendo estes últimos determinantes. Não se deve confundir os fracassos
escolares (desnutrição de conhecimentos) com os problemas de aprendizagem
(anorexia-bulimia do conhecimento) para poder intervir antes que sejam
produzidos, pois, muitas vezes, um pode derivar do outro.
Ao ser diagnosticado, um fracasso escolar pode diferenciar-se de um
problema de aprendizagem, sendo analisada a modalidade de aprendizagem do
aprendente em sua relação com a modalidade ensinante da escola. Nos casos
de fracasso escolar, a modalidade de aprendizagem do sujeito não se torna
patológica; quando se constitui um problema de aprendizagem, a modalidade de
aprendizagem altera-se.
Uma intervenção psicopedagógica pontual se torna necessário
quando se trata de resolver o problema de aprendizagem que se origina de
causas provenientes de estrutura individual e familiar da criança. De acordo com
cada situação, será possível optar por:
a) Tratamento individual e familiar psicopegagógico;
24
b) Grupo de tratamento psicopedagógico de crianças;
c) Grupo de orientação paralelo de mães;
d) Oficinas de arte, arte-terapia, recreação com objetivos terapêuticos, etc.;
e) Entrevistas familiares psicopedagógica, etc.
O fracasso pode responder, em proporção menor do número de
crianças, à construção de um modo de pensamento derivado de uma estrutura
psicótica e, em uma proporção ainda menor, pode ser devido a fatores de déficit
orgânico. Em ambas as situações, em geral, ainda que por diferentes causas, a
criança não pode estabelecer uma comunicação compreensível coma realidade,
ou seja, poderá ter dificuldades para aprender.
Desse modo fica estabelecida a diferença entre as diversas respostas
que as crianças assumem para expressar diferentes problemáticas em sua
aprendizagem.
Na aprendizagem escolar, reflete-se toda dinâmica social e familiar. O
trabalho do educador será o de saber escutar e olhar para além e para aquém
daquilo que se percebe. Existem situações que se mostram como não-
aprendizagem, respondendo a diversas causas:
• Fracasso escolar;
• Problemas de aprendizagem da ordem do sintoma;
• Inibição cognitiva;
• Oligotimia, baseada em uma estrutura psicótica.
A gravidade da problemática corresponde à crescente ordem do
enunciado. Todavia, a extensão da problemática corresponde de forma
decrescente à ordem do enunciado.
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O fracasso escolar afeta o aprender do sujeito na suas varias
manifestações, mas não chega a aprisionar a inteligência porque surge do
choque entre o aprendente e a instituição educativa que funciona de forma
segregadora. Para melhor atender e abordar o tema, é preciso apelar para a
situação promotora do bloqueio.
A criança que por ventura estiver nessa situação não precisará, na
sua maioria, de tratamento psicopedagógico, mas caso seja necessário à
intervenção do psicopedagogo será dirigida, fundamentada pela instituição
educativa.
Intervenção terapêutica psicopedagógica não é recomendada para
abordar oligotimia social que, pode funcionar como resseguro do sistema se o
psicopedagogo, ao equivocar-se no diagnóstico, torna-se cúmplice
ingenuamente da situação. Os transtornos de aprendizagem reativos exigem da
picopegagogia clínica o planejamento de novas e mais eficazes propostas de
abordagem, assim como impõem a necessidade de perfilar estratégias
preventivas.
Uma observação na manifestação dos problemas, sem uma análise
profunda na modalidade de aprendizagem, indica fracassos escolares de forma
equivocados e tratados por diferentes especialistas como problemas de
aprendizagem.
Quando se diagnostica a partir do que se observa como resultado,
trabalha-se com modalidade de pensamento que confunde a conseqüência com
as causas múltiplas. Como conseqüência de tal confusão resulta marginalização,
expulsão e culpa do aprendente, eximindo o sistema educativo e a instituição
ensinante se serem interpelados e de interpelarem-se por sua participação na
produção e/ou na manutenção desse fracasso na aprendizagem.
Além disso, são diagnosticadas, de forma errônea, como
deficiências mentais, no conhecimento dos diagnosticadores.
26
Por sua vez, diagnosticam-se de forma errônea, com excessiva
leviandade, dislexias, discalculias, disgrafias, hipercinesias, ADDs2, sendo assim
fica excluída, para professores a responsabilidade por seu ensinar, para os pais
a implicação nessa questão, e o mais grave, que é colocar as crianças como
objetos de manipulação.
Crianças nessa situação produzem um problema de aprendizagem
como mensagem inconsciente que quer ser escutada. E nessa escuta o
psicopedagogo se inclui.
Uma criança rotulada perde toda possibilidade de comunicação,
funciona como método de controle.
Tanto no fracasso escolar quanto no problema de aprendizagem, o
aluno mostra que não aprende, mas, no primeiro caso, a patologia está instalada
nas modalidades de ensino da escola, e esse é o lugar sobre qual se deve,
prioritariamente, intervir. Por outro lado, é preciso considerar situações que não
chegam a conformar um fracasso escolar nem um problema de aprendizagem.
Para entender a significação do problema de aprendizagem, é dever
descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da estrutura familiar e aproximar da
historia singular do sujeito e da análise dos níveis que operam. Já para buscar a
remissão dessa problemática, necessita-se apelar a um tratamento
psicopedagógico clínico que se oriente para a liberação da inteligência e
mobilize a circulação patológica do conhecimento em seu grupo familiar.
1ADD – Transtornos por Déficits de Atenções
27
2.6. INTERVIR OU INTERFERIR:
O psicopedagogo ou a psicopedagoga deve abandonar seu
consultório quando requisitado para atendimento às crianças, professores e
outros dentro da escola.
Muitas vezes, a escola solicita ao psicopedagogo ou ao psicólogo
escolar uma tarefa não possível: que realize um tratamento individual com
crianças que fracassam, ou que as diagnostique e encaminhe a profissionais
que as atendam fora escola. Essa função não é apenas impossível de ser
abarcada, mas também incapacitante para o exercício da psicopedagogia, já que
a presença de um psicopedagogo nunca poderia atender, desse modo, à
quantidade de alunos apontados como problema. O psicopedagogo,
assoberbado com ma demanda impossível, sente-se fracassado e a escola,
assim, o expulsa. Dessa forma, aparecem escola que acumulam erros,
expulsam número considerado alarmante de crianças com fracasso escolar e
com diversos orientadores educacionais também expulsos por fracasso
profissional. Nem em um caso nem em outro se pode falar de um fracasso
pessoal, seja da criança, seja do profissional.
Qual é a posição que o psicopedagogo deve assumir em uma escola?
Quem são os que demandam? Como escuta a demanda obturada escondida do
professor na queixa que explicita?
Caso o psicopedagogo ou a psicopedagoga aceite o lugar de poder
resolver tudo o que solicitam, estará aceitando incapacitar seu lugar. Aceitar que
pode o que não pode resultará em desconhecer o que, de fato, pode:
desmoralizar-se e abandonar.
Já dentro da escola, estes profissionais, precisam utilizar os
conhecimentos e a atitude clinica para situarem-se em outros lugares, diferente
ao que têm no consultório. A experiência de consultório pode servi-lhes
28
muitíssimo para situarem-se diante de professores, alunos e de si mesmos como
alguém que propicia espaços de autoria de pensamentos.
Os psicopegagogos devem atuar com total liberdade e conhecimento
necessários para convocar todos a refletirem sobre sua atividade, a
reconhecerem-se com autores, a desfrutarem o que têm para dar. Induzir o
sujeito a descobrir o que ele pensa, embora permaneça muito sepultado, no
fundo de cada aluno e de cada professor. Criar situação que conduta o professor
ou à professora a recordar-se de quando era menino ou menina. Alguém que
permite a cada habitante da escola sentir a alegria de aprender para além das
exigências de currículos e notas.
2.7. INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA ESCOLA:
Pensar e atender a Diversidade e a Diferença como critérios de
Promoção de Saúde em Instituições Educativas é um desafio. Segundo
MONTALDO, Beatriz Rama apud FERNÁNDEZ, Alicia.
A psicopedagogia dirige-se para a relação entre a modalidade
ensinante da escola e a modalidade de aprendizagem de cada aluno, e a este
como aprendente e ensinante em seu grupo de pares.
A constituição do sujeito autor se dá quando o sujeito ensinante e
aprendente, em cada individuo, pode entrar em um dialogo. Quando é que o
sujeito ensinante entra em um dialogo? Quando se autoriza mostra-se naquilo
que aprende. Interagir com o outro, mostrar-lhe o que sabe. Às vezes, pode-se
conhecer o que se sabe somente a partir de mostrar ao outro.
A intervenção psicopedagógica nas escolas deve dirigir seu olhar
simultaneamente para seis instâncias:
29
• Ao sujeito aprendente que sustenta cada aluno;
• Ao sujeito ensinante que habita e nutre cada aluno;
• À relação particular do professor com seu grupo e com seus alunos;
• A modalidade de aprendizagem do professor e, em conseqüência, à sua
modalidade de ensino;
• Ao grupo de pares real e imaginário a que pertence o professor;
• Ao sistema educativo como um todo.
E, nessas seis instâncias, deve dirigir um olhar para a circulação
singular de conhecimento que se estabeleceu entre os diversos personagens e o
conhecimento.
2.8. INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA COM PROFESSORES:
A intervenção da psicopedagogia deve acontecer de maneira racional,
para que os profissionais não se sintam aprisionados pela exigência de
eficiência, na tentativa de ajudar o aluno em questão, esquecendo inclusive o
professor.
A intervenção da psicopedagogia deverá partir de próprio espaço de
autoria de pensamento e estar direcionada a abrir um espaço de autoria do
próprio profissional. Antes de qualquer trabalho, propriamente dito, os
psicopedagogos devem escutar a si mesmos, reconhecer-se importantes e
descobrir o quanto podem ajudar as pessoas apenas olhando de maneira
diferente.
30
2.9. O QUE ENTENDEMOS POR INTERVENÇÃO
PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA:
A intervenção psicopedagógica clinica é muito diferente da
reeducação, já que esta ultima tende a corrigir ou remediar. Assim, muitas
crianças são submetidas a métodos reeducativos que tentam uma ortopedia
mental como se fosse possível colocar próteses cognitivas.
O fracasso escolar ou o problema de aprendizagem deve ser sempre
um enigma a ser decifrado que não deve ser calado, mas escutado. Sendo
assim, quando o não sei aparece como principal resposta, é possível perguntar
o que é que não está permitido saber.
A escuta de cada individuo não se dirige aos conteúdos não-
aprendidos, nem aos aprendidos, nem às operações cognitivas não-logradas ou
logradas, nem aos condicionadores orgânicos, nem aos inconscientes, mas às
articulações entre essas diferentes instâncias.
Não se situa no aluno, nem no professor, nem na sociedade, nem nos
meios de comunicação como ensinantes, mas nas múltiplas relações entre eles.
2.10. CONCLUSÃO:
Sendo assim a abordagem do fracasso escolar no item 2.2 destaca a
importância de um bom especialista na realização do diagnóstico a respeito do
problema de aprendizagem, tão complexo, difícil e que exige muita
responsabilidade e precisão teórica.
Prosseguindo então, a leitura dos outros itens deste capitulo podemos
conferir que o fracasso escolar é uma patologia nova. Apareceu recentemente
31
com a instauração da escolaridade obrigatória nos finais dos séculos XIX e
adquiriu uma importância considerável entre as preocupações de nossos
contemporâneos devido à mudanças radical da sociedade. Também, neste caso,
não é somente a exigência da sociedade moderna a que engendra os
problemas, como se pensa com freqüência, mas um sujeito que expressa seu
mal-estar na linguagem de uma época em que o dinheiro e o êxito social são
valores predominantes, constitui-se um problema de aprendizagem que pode
afetar a dinâmica de articulação entre os níveis de inteligência, desejo,
organismo e corpo.
Condições devem existir para que se crie um ambiente facilitador e
este se transforme em gerador de potência para a saúde, possibilitando que o
saudável possa ser mostrado e fazê-lo andar.
O desafio está em concordar com as novas estratégias que
estimulem, desenvolvem e possibilitem as condições para que se instale a
saúde.
Enfim, para prevenir o fracasso escolar, todos os profissionais da
educação, necessitam trabalhar de forma harmônica com a escola. O trabalho
deve ser realizado de modo que o professor possa conectar-se consigo mesmo
e, portanto, seu aluno possa aprender verdadeiramente com prazer,
denunciando a violência encoberta e aberta no sistema educativo. Mas uma vez
gerado fracasso e conforme o tempo de permanência, o psicopedagogo também
deverá intervir para que o fracasso do aprendente, encontrado um terreno fértil
na criança e me sua família, não se constitua em um sintoma neurótico.
32
CAPÍTULO III
FRACASSO – SUCESSO:
PARA ENSINAR MELHOR, APRENDER MELHOR
33
3.1. INTRODUÇÃO:
Este capítulo tem como finalidade delinear a própria noção do
fracasso escolar, desenvolvendo uma abordagem complexa no aspecto das
diferenças de olhares sobre o que vem a ser fracasso escolar. Diferenças em
termos de abordagens teóricas. Diferenças entre os alunos. Diferenças nas
leituras das estatísticas em que se baseiam as políticas públicas. Diferenças de
aprendizes que a escola desqualificada por meio das repetências e das
expulsões escolares. Diferenças que estão presentes no cotidiano escolar
produzindo transformações, visíveis ou não. Diferenças que são vozes vivas dos
alunos das classes populares nas suas lutas e conquistas por uma qualidade
melhor de ensino. Entretanto o tema fracasso escolar não resulta conversa
atraente para os educadores. É como rever um velho filme ou seriado de TV.
Será que mudar de discurso e falar de sucesso resolverá o problema?
O ardor cívico do inicio dos anos 80 nos empolgou com os temas
mais atraentes: a construção da cidadania critica e participante. Reformar
currículos, transmitir conteúdos críticos foi a empolgação do momento.
Infelizmente os sonhos cívicos não foram acompanhados pelo desenvolvimento
econômico e social. Os anos 80 passaram como uma década perdida. A
marginalidade, a pobreza e a miséria estão presentes e afetando os setores
populares, os trabalhadores, a infância e a adolescência de nossas escolas.
O momento em particular está sensível às velhas realidades: as
desigualdades e os múltiplos processos de exclusão e marginalização. Por outro
lado os educadores, não poderiam ser diferentes, retomaram velhos seriados tão
atuais como: as desiguais oportunidades socioculturais da infância pobre e os
perenes mecanismos de exclusão de nosso sistema escolar. O fracasso volta
com toda força, ou melhor, na verdade nunca deixou de estar presente. As
motivações para tanta sensibilidade são diversas, desde o medo dos conflitos
sociais, da violência dos meninos de rua, até os velhos idéias de uma escola
igualitária, passando pela redução de custos na administração de reprovados –
repetentes.
34
O tema fracasso – sucesso escolar está posto pela realidade social
com toda urgência que o caso necessito. O tema continua desafiante, mas a
forma de encara-lo ainda é preocupante. E preocupante também continua a
teimosia em fazer as mesmas análises clínicas e individuais como se houvesse
uma epidemia, uma doença crônica que se impõe à competência profissional e a
ousadia pedagógica.
3.2. O FRACASSO – SUCESSO ESCOLAR: VELHOS
PROBLEMAS, NOVOS OLHARES:
Podemos partir da hipótese de que existe entre nós uma cultura do
fracasso que dele se alimenta e o reproduz. Cultura que legitima praticas rotula
fracassados, trabalha com preconceitos de raça, gênero e classe, e que exclui,
porque reprovar faz parte da pratica de ensinar-aprender-avaliar.
Resultados de pesquisas indicam que nas últimas décadas se
instalou, no ensino privado, sobretudo, não exclusivamente, uma indústria da
reprovação. Colégio e professor que pretendam manter seu status no mercado
tem de ser exigentes, preservar o alto nível, eliminar os medíocres, selecionar os
cobras e assim valorizar sua disciplina, sua área e seu prestigio. Sem dúvida
que esse não é o tipo de fracasso que vem preocupando por décadas os
educadores e administradores do ensino público popular.
Se partirmos da hipótese de que tanto na escola privada quando na
pública a lógica não é muito diferente, observa-se que há uma indústria, uma
cultura de exclusão. Cultura essa que não é desse ou daquele colégio, desse ou
daquele professor, nem apenas do sistema escolar, mas das instituições sociais
brasileiras, geradas e mantidas, ao longo deste século republicano, para reforçar
uma sociedade desigual e excludente. Ela faz parte da lógica e da política da
exclusão que permeia todas as instituições sociais e políticas o Estado, os
clubes, os hospitais, os partidos, as igrejas, as escolas, ... A política de exclusão
não é próprias dos longos momentos de administração autoritária e de regimes
35
totalitários, ela perpassa por todas estas instituições, inclusive aquelas que
trazem no seu sentido e função a democratização de direitos
constitucionalmente garantidos como a saúde ou a educação.
Infelizmente a instituição continua seletiva e excludente, pois não
conseguiu se estrutura a ponto de garantir o direito à educação básica universal.
A escola como instituição ainda mantém a mesma estrutura de rigidez e
exclusão que há séculos se faz presente, permanece o domínio seriado e
disciplinar de um conjunto de habilidades e saberes que provoca a perda
irrecuperável do direito de uma experiência sociocultural formadora.
Outra hipótese que norteia a análise do fracasso-sucesso escolar é
que a cultura da exclusão que está materializada na organização e na estrutura
do sistema escolar. Está estruturado para excluir. A cultura do fracasso, tão
freqüente no sistema escolar, não é privilegio de alguns diretores, especialistas
ou professores, nem se quer está na rigidez das avaliações. É uma cultura que
se materializou ao longo de décadas na própria organização da escola e do
processo de ensino. No próprio sistema. Aí radica sua força e sua persistência,
desafiando a competência dos mestres e das administrações mais progressistas.
Uma escola como modelo social e cultural de funcionamento
organizativo, deve praticar análises tanto do fracasso quando do sucesso
escolar, para além dos tradicionais diagnósticos reducionistas que os identificam
com supostas capacidades dos alunos e dos mestres ou com o grau de
eficiência dos métodos, isolando a estrutura e o funcionamento do próprio
sistema educacional. Esses aspectos são determinantes dos processos e dos
produtos, são os produtores dos fracassos e dos sucessos.
3.3. O PESO DA CULTURA ESCOLAR:
O processo ensino-aprendizagem passou a ser avaliado como
qualquer processo de produção, pois o produto escolar estaria condicionado
pelos materiais empregados e pelos recursos utilizados: os alunos, suas
36
aptidões, suas deficiências; e os recursos didáticos, os conteúdos, as
competências dos mestres, a eficiência das técnicas. Se os recursos forem de
boa qualidade, acontece o sucesso escolar. Se forem de baixa qualidade,
acontece o fracasso escolar.
Por outro lado estas análises vêm sendo criticadas por esquecer que
a escola é uma instituição sociocultural. Está organizada e pautada por valores,
concepções e expectativas. Está perpassada por relações sociais na
organização do trabalho e da produção. Em outros termos, os alunos, os
professores, a direção, os pais e as comunidades não são meros recursos e
materiais, são sujeitos históricos, culturais. A própria instituição escolar é um
produto histórico, cultural, e age e interage numa trama de complexos processos
socioculturais. A escola é uma organização socialmente constituída e
reconstituída, tem uma dinâmica cultural. Diante da ênfase nas imagens
racionais, mecânicas, determinantes, entrada-processo-saída-produto, as
imagens de cores sociocultural teriam maior poder de compreensão e explicação
dos resultados escolares. Se a escola está impregnada de uma cultura
construída lentamente e em permanente interação com a cultura mais ampla, a
questão que passa a ser central é qual cultura escolar é essa, quais seus
competentes e qual seu peso sobre o fracasso ou sucesso escolar.
Falar da cultura escolar é reconhecer, sobretudo que os alunos e os
profissionais da escola carregam para esta suas crenças, seus valores, suas
expectativas e seus comportamentos, o que certamente poderá condicionar os
resultados esperados. Portanto, aceitar que existe uma cultura escolar significa
trabalhar com o suposto de que os diversos indivíduos que nela entram e
trabalham adaptam seus valores aos valores, às crenças, às expectativas e aos
comportamentos da instituição. Adaptam-se à sua cultura materializada no
conjunto de práticas, processos, lógicas, rituais construtivos da instituição.
.
37
3.4. ESCOLA – INSTITUICÃO EXCLUDENTE:
A cultura do estigma e da exclusão das camadas populares e seus
efeitos sobre o rendimento escolar não são novas. As pesquisas que por ventura
poderiam trazer novidades seriam aquelas que aprofundassem a compreensão
das formas sutis em que essa cultura do estigma se materializa na instituição
escolar e impregna todas as suas práticas. Por exemplo, as crianças das
camadas populares são colocadas em condições de instrução menos exigentes,
em classes especiais; os conteúdos são reduzidos ao mínimo; o currículo é
adaptado às suas condições etc. A proposta, hoje tão freqüente, vai nessa
direção: facilitar a passagem de serie, eliminar a reprovação por decreto, mas
mantendo a cultura escolar seletiva, hierarquizadora, seriada e gradeada.
A pedagogia, a didática e a teoria do currículo tentam justificar a
estrutura disciplinar e seriada no suposto de que as disciplinas escolares são
condensações das ciências, dos saberes e dos conhecimentos técnicos
produzidos e acumulados socialmente. Os recortes e as diferenças entre uma e
outra se justificam pela necessidade de simplificar e, na infância, até vulgarizar
esses saberes que nessa idade não podem ser transmitidos em estado puro,
nem em sua globalidade. As disciplinas escolares seriam a expressão
metodológica e didática da arte de preparar o alimenta do saber adaptado ao
paladar e ao aparelho intelectual de cada idade mental. Se cada disciplina e
cada série são conjuntos de saberes e métodos cujo domínio garantiria a cada
cidadão o direito ao conjunto do saber total, e se entre elas há uma
complementaridade e precedência, tem de haver uma permanente avaliação da
capacidade de cada educando de aprender esses saberes e essa disciplinas. O
domínio insuficiente de um desses recortes disciplinares e seriados exclui da
possibilidade de prosseguir no direito ao saber socialmente produzido. Justifica-
se a reprovação e a repetência ou retenção - negação do direito ao saber e a
cultura em nome da concepção disciplinar e seriada da vulgarização pedagógica
do direito ao saber total.
38
Entretanto, se o olhar se volta para história das disciplinas escolares,
descobre-se que o termo disciplina escolar é novo, não ultrapassa este século.
Ele aparece num momento em que se dá uma mudança bastante radical na
educação básica e na natureza da formação: o momento da crise dos estudos
clássicos e da pedagogia clássica. Em vez de centrar-se no domínio dos
conhecimentos, dos valores e da cultura, a ênfase vai sendo posta na disciplina
intelectual, na ginástica da mente, na capacidade metódica, regrada, de
raciocinar e de formar as mentes pelo e para o exercício intelectual.
A proposta de educação básica ou de formação de todas as
capacidades do ser humano, cognitiva, volitiva, tecnológica, presente nos
ilustrados e no classicismo pedagógico, vai ficando distante. As disciplinas
escolares, que passam a ser a espinha dorsal da educação escolar, vão sendo
reduzidas a um simples rubrica para classificar materiais de ensino, à margem
de qualquer referencia à formação total, nem sequer à formação intelectual.
Inclusive, sem referência ao saber socialmente produzido e acumulado, a ser
socializado a todo cidadão.
A cultura da excludência instalou-se na espinha dorsal da organização
escolar. Sem uma revisão profunda dessa ossatura, dificilmente poderemos
pensar numa cultura do sucesso. A nova Lei de Diretrizes e Bases pouco
avançou nessa direção. A oportunidade para mexer nessa ossatura fica perdida.
O pensamento educacional progressista tinha outras preocupações, aquelas que
o empolgaram no ardor cívico do inicio dos anos 80: formar cidadãos
conscientes e politécnicos. Esquecemos que 80% são expulsos dessa escola
sem completar as quatro primeiras séries, por causa de sua estrutura seriada e
disciplinar. A ossatura excludente ficou intocada. Até reforçada com o
alargamento da pirâmide disciplinar e seriada da educação básica, que incluirá o
ensino fundamental e o ensino médio. Note-se que não se manteve o termo
educação fundamental e media e sim ensino. O direito à educação básica
continua entendido como ensino com todas as conotações disciplinares
seriadas, escalonadas, avaliativas e seletivas que esse conceito foi adquirindo
39
ao longo do século XX. O termo educação foi mantido apenas para educação
infantil e educação superior.
3.5. NOVO ORDENAMENTO PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA:
A superação da cultura do fracasso passa pela retomada de uma
discussão séria sobre os componentes do direito a formação básica e universal
e sobre a busca de um novo ordenamento que garanta essa formação. Seria
necessário pesquisar por onde caminharam as leis de educação de outros
paises. Parece-nos que uma das tendências é retomar a ênfase no direito à
educação básica e no direito a não sacrifica-la a ritmos diferenciados de avanço
no processo de ensino-aprendizagem. Esta linha redefine as ênfases na
avaliação – reprovação – repetência e avança alem da velha cultura da
exclusão.
Os termos sistema de educação ou sistema de ensino deixam de ser
uma questão semântica para ser uma questão política, expressando os conflitos
em torno do conteúdo dado ao direito à educação básica.
Vários movimentos sociais, com ênfase nos direitos humanos, à
cultura, à dignidade e à formação de valores individuais, vêm acontecendo com
o objetivo de pressionar a escola no sentido de perder as conotações
excessivamente adestradoras que tanto prejudicam o sentido pleno de formação
humana.
Essa ênfase na escola como experiência sociocultural, formadora,
recoloca como central a relação entre a formação e as disciplinas e os
tradicionais processos de avaliação. A retomada da velha função da escola –
educar – leva a que a velha função docente – ensina -, seja avaliada como um
dos componentes dessa função educativa mais ampla. Fora desta ou contra
40
esta, a função docente perde seu sentido. Os conteúdos disciplinares, os
domínios requeridos, aprovação – reprovação só adquirem sentido enquanto
materializam um percurso formador diferenciado conforme a idade e a vivencia
sociocultural.
Toda transmissão cultural de uma geração a outra recorre a
processos que se diferenciam conforme a idade daqueles que são educados. O
tradicional critério para aprovação – reprovação, avanço – retenção, era domínio
de conteúdos predefinidos por disciplina e serie, perde qualquer sentido próprio
e não passa de uma pedagógica maquiagem da cultura da exclusão. O direito
maior a uma vivência sociocultural adequada a cada idade – ciclo de formação
se impõe como critério mais justo, igualitário.
“A modificação estrutural se converte em um dos fins da reforma
educativa e em condição essencial para a melhoria dos níveis de qualidade
da instituição escolar...” (Reforma Educativa, p.97).
3.6. CONCLUSÃO:
Por fim, há muito se discute esta temática, contudo a persistência do
fracasso escolar expresso em dados estatísticos espantosos aponta sua
complexidade e sua atualidade. Muitos trabalhos foram realizados sobre a
história, as políticas, os processos de marginalização e exclusão das classes
populares, a desmistificação da patologização e da medicalização do fracasso
escolar, as incoerências e debilidades das estatísticas oficiais, as relações entre
gênero e fracasso escolar. Entretanto o sistema escolar produziu e continua
reproduzindo suas disciplinas, sua seriação, suas grades; e se limita a ensinar
suas próprias produções e a aprovar ou reprovar com base em critérios de
precedência que ele mesmo definiu como mínimos para transitar no seu próprio
curso, percurso-escolar.
41
No entanto, numa perspectiva otimista, é preciso ousar na
implementação de reformas educacionais nos sistemas escolares em paises
como o nosso, onde o fracasso escolar é bem gritante entre nós. As reformas
devem retomar a centralidade da formação e da experiência cultural, adequada
a cada ciclo de idade. Uma concepção bem mais rica e democrática do direito de
todo cidadão à educação básica. Direito que não pode ser impedido de seguir
seu percurso normal. A reprovação e a repetência a que são condenadas
nossas crianças, sem o menor escrúpulo, passam a ser tratadas com seriedade,
como um caso excepcional julgado coletivamente e nunca deixado à mercê do
elitismo e da rigidez de cada escola, cada especialista ou cada mestre.
Sem duvida, reformas nessa direção vão além da nossa LDB3,
refletem e materializam uma nova cultura do direito à educação. A cultura
democrática conquistada lentamente pela diversidade dos movimentos sociais.
3LDB – Lei de Diretrizes e Bases
42
O problema aqui abordado está atualmente no coração dos
problemas educacionais da realidade brasileira. É o desafio de uma reforma
dentro do sistema educacional que só será maior se forem beneficiados
prioritariamente os alunos que fracassam na escola. Na maioria das vezes, as
reformas escolares pretendem, periodicamente, tacar as desigualdades
existentes na escola para melhor democratiza o ensino, enquanto o fracasso
escolar leva alguns estudantes para carreira menos exigentes.
A questão de saber se o fracasso escolar é o fracasso do aluno ou da
escola divide hoje alguns autores, portanto, é necessário promover uma reforma
educacional que seja devidamente baseada na relação estabelecida entre
competência e fracasso escolar, e principalmente apoiada pela opinião publica,
porque sendo aceita pela maioria, será implementada com sucesso e
apresentará efeitos positivos.
43
ANEXO – A
RECONHECER O FRACASSO, NÃO CONSTRUIR SOBRE A AREIA
A escola seleciona e fabrica fracasso, com freqüência, de maneira a
esconder seu próprio fracasso. Espera-se que os alunos saibam ler
fluentemente. Uma proporção muito importante de cada geração não alcançar
ou conserva esse nível de domínio da leitura (Bentolila, 1996). O que é feito com
essa desoladora constatação? Nada decisivo nada que ataque o problema na
raiz e transforme a situação em 5 ou 10 anos. Aconteceu que os médicos
cruzam os braços e resignam-se a acompanhar uma doença incurável. Porém,
antes de chegar a isso, via de regra, eles “fizeram de tudo”. Não se pode dizer o
mesmo da escola, cuja própria organização impede que se tente tudo. A cada
fim de ano letivo, seria necessário que fossem tomadas medidas específicas,
intensivas e originais para parte dos alunos. O que é letivo, seria necessário que
fossem tomadas medidas especificadas, intensivas e originais para parte dos
alunos. O que é feito? Os mais fracos repetem a ano, como se isso fosse
garantia de sólidos aprendizados”.
Desenvolver competências não é contentar-se em ter seguindo um
programa, e sim não parar com sua construção e testagem. Pouco importa o
programa; o que se deve fazer é enfrentar o problema, e o problema é que a
ação pedagógica não alcançou sua meta. Deve-se, então, teimar, sem cair na
persistência pedagógica, sem fazer “mais a mesma coisa”, procurando novas
estratégias. Ora, se os programas não são realmente concebidos para incentivar
uma construção gradual das competências. Fazem-se os alunos progredirem de
série para série, enquanto as bases fundamentais não foram dominadas.
A criação de ciclos de aprendizado é, nesse caso, um progresso, pois
põe fim ao principio que prega “um programa, um nível”, do qual decorre que é
feito no precisa mais ser feito”. Como se, ao construir uma casa, os operários
dissessem uns aos outros: “Nós não construímos o segundo andar. Vê-se que
não vai resistir, mas façamos como se fosse e construamos o terceiro!”. Nenhum
construtor sobreviveria à tamanha cegueira. Ora, assim é que funciona a escola:
44
cada um “faz o que tem a fazer”, ciente de que, freqüentemente, está
construindo, se não sobre a areia, ao menos sobre bases frágeis. A divisão
vertical do trabalho pedagógico é tal, que nem sequer nos sentimos autorizados
(ou capazes) de (re) construir o andar anterior. Na verdade, pode-se dizer até
que os docentes não são pagos para isso! Uma abordagem por competência
deveria permitir uma maior continuidade. É uma razão para ligá-la aos ciclos
plurianuais, que estão sendo introduzidos por toda parte no ensino fundamental
e, em certos países, no ensino médio.
Trabalhar uma competência requer visar a uma continuidade do
processo durante, no mínimo, três anos. Durante um ciclo, todos os professores
responsabilizaram-se pela formação das “competências de fim de ciclo” e
intervem para favorecer seu pensar que o ciclo seguinte construirá competências
totalmente diferentes, mas sim a pensar as competências como entidades que
se começa a trabalhar em um dado nível do currículo e que continuam sendo
construídas até o fim da formação inicial. Assim, verifica-se sua aquisição e, no
mínimo, ajuda-se a consolida-la, para provê-la enquanto permanece inacabada.
A introdução de ciclos de aprendizado é um passo rumo à pedagogia das
competências, mas não é pequeno o risco de cada ciclo visar competências
distintas, ignorando que ele participa de um empreendimento educacional de
longo prazo, que atravessa todos os ciclos, dos 4 aos 6 anos de idade. Nesse
sentido, falar em “competência de fim de ciclo” é uma expressão infeliz e seria
melhor dizer “nível mínimo a ser alcançado no final do ciclo nos campos de
competências a serem desenvolvidas pela escolaridade obrigatória”.
Nessa perspectiva, seria possível imaginar uma escola fundamental
que continuasse ensinando a leitura a alunos com 15 anos de idade, se ainda
não a dominassem, antes de convidá-los a ler e surpreendê-los de que não
conseguissem. A abordagem por competências acentua ainda mais a
necessidade de uma diferenciação do ensino, de uma individualização dos
percursos de formação e de ruptura com a segmentação do currículo em
programas anuais.
(Phillipe Perrnoud)
45
ANEXO – B
FRACASSO ESCOLAR: UMA QUESTÃO SOCIAL
O fracasso escolar seletivo das camadas pobres da população requer
explicações de ordem social, econômica e cultural. No entanto, para evitar um
determinismo mecânico destes fatores, é necessário analisar também o que
acontece na escola e a contribuição da criança para o processo de apropriação
do conhecimento escolar. Adotando o enfoque piagetiano a contribuição da
criança para a aprendizagem da matemática se dá através da:
a) Análise das relações entre o conhecimento escolar e o desenvolvimento
cognitivo da criança;
b) Caracterização do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem escolar
das crianças “destinadas”ao fracasso;
c) Comparação sistemática interclasses para detectar diferenças na
contribuição da criança para a aprendizagem escolar em função de sua origem
social.
Constatou-se que:
a) A aprendizagem da matemática está relacionada ao nível de
desenvolvimento cognitivo independentemente da origem social da criança;
b) Ao iniciar a instrução matemática, as crianças de camadas sociais
diversas encontram-se em níveis de desenvolvimento cognitivo comparável;
c) A aprendizagem não é significativamente diferente em crianças de
camadas sociais diversas, embora os índices de reprovação em matemática
difiram marcadamente. Os resultados refutam explicações cognitivas para o
fracasso escolar seletivo das camadas pobres e apontam a necessidade de
pesquisas sobre o que acontece na sala de aula para melhor esclarecimento do
problema.
(Terezinha Nunes Carraher / Analúcia Dias Schliemann)
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ANEXO – C
COMO FAZER? “O MAIS PROFUNDO É A PELE”
Prezada professora,
A força de um projeto é como a de um projétil, um arremesso. Um
impulso em direção a uma escola sem repetentes. Um projeto com crianças
multirrepetentes é um projeto cuja eficácia está na sua destruição, ou seja, no
desaparecimento das crianças multirrepetentes. Não podemos mais pensar uma
escola que exclua aprendizes. Não se trata do obscurecimento das diferenças,
mas da explicação, do acolhimento e da escuta delas. Uma escola que alarga
suas fronteiras e consegue “acelerar” o processo de aprendizagem das crianças
e dos adolescentes penetra em algo invisível que é a energia que gera a
aprendizagem. Isto não é fácil, é preciso ferramentas finas, um olhar e uma
escuta mais cuidadosos, conteúdos menos alienantes, e, sobretudo um desejo
de outras coisas, de outra escola.
O “Tempo de Planck”, que talvez tenha provocado alguma
estranheza, é um tempo preciso: o do arrombamento de todos os limites; o
nascimento do mundo num instante determinado, quando, no milésimo de
segundo anterior, não era nada, e, no instante seguinte, tem-se o mundo. Um
misto de acaso e determinação. Poderíamos dizer que o nada era o esconderijo
do tudo. Com os repetentes é preciso produzir este arrombamento, um momento
irrecuperável, em que, às vezes, com um toque, um olhar, uma palavra, um
gesto e uma forca desejante, o campo das possibilidades se abre novamente.
Aqui também, o lugar do nada, do menos, esconde um universo.
É preciso aceitar o desafio urgente e necessário de democratizar de
fato a escola: trazer a criança, o adolescente e sua família para dentro da
escola, acolher, ensinar e se encantar.
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Poderemos então (re) escrever novas e inéditas historias e
proporcionar às crianças e aos adolescentes uma perspectiva mais à superfície,
sair do subterrâneo. Pois o mais profundo está na superfície, ou seja, “o mais
profundo é a pele”.
(Anete Abramowicz / Jaqueline Moll)
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GLOSSÁRIO
Abarcada - alcançada com a vista, em torno
Anorexia - inapetência
Ardor - calor intenso, paixão, energia, entusiasmo
Assoberbado - sobrecarregado
Bulimia - mover um pouco, mudar de lugar
Cognitiva - área do conhecimento
Déficit - o que falta para completar uma conta ou algo
Demanda - procuram, requerem, disputam, perguntam
Desatenções - falta de atenções ou cuidados, descasos
Disritmias - disfunção do ritmo cardíaco, cerebral, etc
Enigma - enunciado ou preposição formulados em termos ambíguos,
obscuros, para decifração. Coisa difícil de definir ou de
resolver
Estigma - cicatriz, marca, sinal infamante
Imbricadas - entrosadas umas nas outras, ligadas
Oligotimia social - diagnostico e tratamento dos problemas de aprendizagem
Patológica - relativo à patologia (parte da medicina que estuda as
doenças, sintomas e natureza)
Perenes - que dura muitos anos, eterno, incessante
Semântica - estudo da evolução do sentido das palavras através do
tempo e do espaço
Superação - dominação
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BIBLIOGRAFIA
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre: Artmed Editora,
2001.
COSTA, Dóris Anita Freire. Fracasso Escolar: diferenças ou deficiências?
Porto Alegre: Kuarup, 1994.
ABRAMOWICZ, Anete e Moll, Jaqueline. Para além do fracasso escolar /
(orgs.). Campinas , SP: Papirus, 1997 (Coleção Magistério: Formação e
Trabalho Pedagógico).
Site: www.cenpec.org.br
www.educacaoonline.pro.br