o capitão fracasso 26

1 O Captião Fracasso | Capítulo 26

O Capitão Fracasso

Novela deEvana Ribeiro

Livremente baseada emLe Capitaine Fracasse, The Fortunes and Misfortunes of the Famous Moll Flanders

e Arlequim, il servitore di due patroni

Capítulo 26


CENA 01. ALBERGUE. RESTAURANTE. INT. NOITE

CONTINUAÇÃO IMEDIATA DO FINAL DO CAPÍTULO ANTERIOR. CLARICE

COMEÇA A CHORAR.

CLARICE - Morto? [T] Sílvio morreu?

DR. LOMBARDI - Não, mas/

CLARICE - [grita] Pelo amor de Deus, não me diga que o meu

amor está morto! Se ele estiver morto, eu me mato!

ESMERALDA - Isso não!

DR. LOMBARDI - Calma, filha! Ele ainda está vivo. Não está bem, mas

ainda vive.

PASCOAL - Oséias e eu passamos a noite vigiando. Pelo menos o

remédio começou a fazer efeito.

HORÁCIO - Que remédio é esse?

DR. LOMBARDI - Ainda não posso revelar, não foi patenteado.

ISABELLE - Mas voltando ao envenenamento, isso é a prova de

que não houve absolutamente nada entre Sílvio e eu.

CLARICE OLHA PARA ISABELLE COMO SE QUISESSE PEDIR DESCULPAS.

ISABELLE - Arthur também precisa saber disso! Se ao menos ele

se dispusesse a conversar...

OSÉIAS - Eu posso falar com ele.

ISABELLE ESBOÇA UM SORRISO DE AGRADECIMENTO.

CLARICE - Posso vê-lo? Posso ficar com ele, doutor?

DR. LOMBARDI - Por mim, tudo bem. Pascoal, acompanha a menina até

minha casa.


CLARICE SAI CORRENDO, PASCOAL SAI ATRÁS DELA. OSÉIAS SE LEVANTA.

OSÉIAS - Vou ao solar, volto logo.

ELE SAI.

CENA 02. SOLAR WHITFORD. EXT. DIA

TAKE DA FACHADA DO PRÉDIO.

CENA 03. SOLAR WHITFORD. QUARTO DE ARTHUR. INT. DIA

O LOCAL ESTÁ POUCO ILUMINADO. A LUZ DO SOL QUE ATRAVESSA A JANELA

SE CONCENTRA NO ROSTO DE ARTHUR, QUE ESTÁ SENTADO NA CAMA,

CHORANDO MUITO. OLHA PARA O CARRINHO DE BRINQUEDO SOBRE O

CRIADO-MUDO.

CENA 04. RUA. EXT. DIA

FLASHBACK DE CENA DO PRIMEIRO CAPÍTULO. ARTHUR ESTÁ COM A MÃE

AO LADO, OLHANDO PARA O CARRINHO NA VITRINE. ISABELLE PÁRA AO

LADO DELE E OLHA PARA A BONECA. O MENINO OLHA PARA O LADO, SEU

OLHAR CRUZA COM O DE ISABELLE.

CENA 05. SOLAR WHITFORD. SALA. INT. DIA

FLASHBACK DO FINAL DO CAPÍTULO 07.

ARTHUR - Eu gostaria de agradecer por ontem. Devo minha vida

a você.


ISABELLE - Deva sua vida a Deus, não a uma pobre comediante.

ARTHUR - Então agradeço a Deus por ter sido tão bom com esse

desgraçado e ter colocado no meu caminho a comediante mais linda que eu

já vi na vida.

ELE TOMA AS MÃOS DELA E AS BEIJA. ELA DESVIA O OLHAR PARA O CHÃO,

ENCABULADA.

CENA 06. SOLAR WHITFORD. QUARTO DE ARTHUR. INT. NOITE

FLASHBACK DO CAPÍTULO 19. ARTHUR E ISABELLE ESTÃO ABRAÇADOS SOB

O LENÇOL E SE BEIJAM. ELA FICA O OLHANDO, COM UM SORRISO; FAZ UM

CARINHO NOS CABELOS DELE.

ISABELLE - Acho que eu nunca me senti tão feliz em toda a minha

vida.

ARTHUR - Vamos ficar assim sempre, aqui ou onde você quiser.

ISABELLE - Onde eu quiser mesmo?

ARTHUR - Estou nos seus braços, faça o que quiser comigo!

ELA O BEIJA.

ISABELLE - Então me espera, bem aqui. A nossa vida vai ser

muito, mas muito feliz.

ARTHUR - Ela já é.


VOLTA AO TEMPO NORMAL. ARTHUR AINDA CHORA E TEM O BRINQUEDO NA

MÃO. VAI DESMEMBRANDO PEÇA POR PEÇA E AS JOGANDO PELA JANELA.


CENA 08. SOLAR WHITFORD. JARDIM. EXT. DIA

OSÉIAS CHEGA AO SOLAR. UMA PEÇA DO CARRINHO CAI DA JANELA E QUASE

BATE NA CABEÇA DELE, MAS DESVIA A TEMPO. OLHA PARA CIMA E VER

OUTRA PEÇA VOANDO JANELA AFORA. ACENA NEGATIVAMENTE COM A

CABEÇA E ENTRA.

CENA 09. SOLAR WHITFORD. QUARTO DE ARTHUR. INT. NOITE

ARTHUR LANÇA O ÚLTIMO PEDAÇO DO BRINQUEDO E FICA PARADO JUNTO À

JANELA. OSÉIAS ENTRA E VAI DIRETO PARA JUNTO DELE.

OSÉIAS - O que você fez?

ARTHUR - Eu só estava me livrando dessas porcarias de

lembranças que não servem para nada.

OSÉIAS - Destruir o carro vai apagar o que Isabelle representa

para você? Vai esquecer tudo destruindo uma das poucas coisas que ainda

eram inteiras aqui?

ARTHUR - Não. Porque ela não representa nada, ela é!

OSÉIAS - Meu amigo, não há por que ficar chorando desse jeito.

ARTHUR - Ela me traiu.

OSÉIAS - Traiu coisa nenhuma, homem! Lembra que o doutor

disse que Sílvio estava morrendo?

ARTHUR - Acho que eu não ouvi isso.

OSÉIAS - Claro, devia estar surdo de ódio, de ciúme. Mas abra

bem esses ouvidos agora e ouça o seu velho amigo. [T] Aquilo que você e

Clarice viram ontem foi uma cena; muito bem armada, mas uma cena.

Sílvio foi envenenado por ópio e quando vocês o encontraram ele estava

mais morto do que vivo; aliás, foi esse mesmo envenenamento que matou

Matamouros.


ARTHUR ENCARA OSÉIAS, COM SURPRESA. PARECE QUERER SORRIR.

CENA 10. RUA. EXT. DIA

CLARICE ATRAVESSA A RUA CORRENDO E QUASE É ATROPELADA POR UMA

BICICLETA. PANTALEÃO ESTÁ SAINDO DE CASA E CORRE PARA ACUDIR A

FILHA.

PANTALEÃO - Clarice, ficou maluca?

CLARICE - [rindo] Papai, estou maluca de felicidade!

PANTALEÃO - Mas como se até ontem estava de luto?

PASCOAL - [correndo] Dona Clarice, não adianta correr! As

chaves da casa ainda estão comigo. [mostra o molho de chaves]

CLARICE - Ai, Pascoal, até parece que não entende! Estou ansiosa

demais, quero ver Sílvio!

PANTALEÃO - Agradeço a quem me explicar. Ontem à noite você

disse com todas as letras que não queria vê-lo nem pintado. E essa agora?

CLARICE - Eu não estava no meu juízo perfeito. Sílvio está

doente e vou cuidar dele. Vamos, Pascoal!

PANTALEÃO - Vocês dois? Sozinhos?

CLARICE - Sim.

PANTALEÃO - E vai ficar no quarto, sozinha com ele? Sem o pai

presente?

CLARICE - Sim.

PANTALEÃO - Pode dar meia volta e ir para casa, mocinha.

CLARICE - Ah, não!

PANTALEÃO - Ah, sim! Está pensando que eu sou maluco de deixar

você ir e se enfiar sozinha no quarto com seu noivo?

PASCOAL - Ele está doente demais, incapaz de mover um dedo

sequer!

PANTALEÃO - Mas pode acordar. Eu é que não vou correr o risco,


volta para casa, Clarice!

CLARICE - [firme] Só depois de ver Sílvio.

PASCOAL - Escute, seu Pantaleão, Clarice não vai ficar sozinha

por nenhum minuto. Doutor Lombardi me mandou justamente para ficar

com os dois, porque ele também se preocupa com a manutenção da honra da

sua filha até o casamento e...

PANTALEÃO - Se preocupa demais. Sei...

PASCOAL - Mas eu tomo conta de tudo, pode confiar.

PANTALEÃO - Já que insiste, vá. Mas cuidado, hein, dona Clarice?

CLARICE - Vou me comportar bem, papai.

PANTALEÃO SEGUE RUA ABAIXO ENQUANTO PASCOAL E CLARICE

TERMINAM DE ATRAVESSAR A RUA.

CENA 11. SOLAR WHITFORD. SALA DE JANTAR. INT. DIA

LEOPOLDINA TOMA CAFÉ DA MANHÃ SOZINHA. SUA EXPRESSÃO EXPRESSA

COMPLETA INSATISFAÇÃO. LEVI ENTRA.

LEVI - Bom dia.

LEOPOLDINA - Bom dia. Dormiu no cemitério?

LEVI - Para falar a verdade, não consegui dormir. Como o

morto não é da nossa família, foi uma burocracia imensa para liberar o

enterro em nosso jazigo.

LEOPOLDINA - [indignada] No jazigo de nossa família?

LEVI - O pobre homem não tem onde ser enterrado.

LEOPOLDINA - Admirável. Acho louvável de verdade que você queira

ajudar o grupo que contratou, é seu dever inclusive; mas enterrá-lo com

honras de um autêntico Bronkhart já é demais! Passa dos limites do

aceitável!

LEVI - Só se for do aceitável para você, minha cara; porque


para mim está tudo certo. E outra, o jazigo é meu e eu decido enterrar quem

eu quiser lá.

LEOPOLDINA - Você não faria isso em seu juízo perfeito, tenho

certeza.

LEVI - Prova de que não me conhece bem.

LEOPOLDINA - Ao contrário, conheço bem demais. Conheço o

mulherengo que você é! [T] Primeiro aparece a bastardinha; agora

resolve sepultar o comediante no seu jazigo para que mesmo? Para ter um

motivo que seja para agarrar uma das saltimbancas!

LEVI - Só uma mente doente para imaginar que eu seduziria

uma mulher enterrando um homem que ela admirasse!

LEOPOLDINA - Pode me dizer qual delas. A amante do Arthur

Fracasso, a viúva, a dama de vermelho ou aquela com quem você trocou

olhares na festa?

LEVI - Já chega dessa conversa.

LEOPOLDINA - Chega nada; você não respondeu a minha pergunta.

LEVI - Eu não fui o único a trocar olhares ardentes com

comediantes. Você também estava flertando com aquele ator dos olhos

azuis.

LEOPOLDINA - Mas não passei dos olhares.

LEVI - Eu também não.

LEOPOLDINA - Mas quer passar.

LEVI - Você também deve querer. E eu não vou me estender

nesse assunto, esse enterro precisa sair logo. [vai saindo]

LEOPOLDINA - Não vai tomar café?

LEVI - Como qualquer coisa no albergue.

LEVI SAI. LEOPOLDINA MORDE UM WAFFLE, MASTIGA SEM VONTADE.



CONTINUAÇÃO DA CENA 09.

ARTHUR - Quer dizer que Isabelle é inocente?

OSÉIAS - Sempre foi.

ARTHUR - Meu Deus, e eu a tratei tão mal. Como se não bastasse

a dor pela morte de Matamouros!

OSÉIAS - Clarice já foi correndo para os braços do noivo; agora

é a sua vez.

ARTHUR - Não sei, tenho medo de como ela pode me receber

depois de tudo o que eu disse.

OSÉIAS - Engraçado que ela estava morrendo de medo que você

não quisesse ouvir o que ela tinha a dizer. Mas ela quer que você a perdoe,

mesmo sem ter feito nada! Vai deixar a oportunidade passar?

ARTHUR - De jeito nenhum. Vai que aquele sobrinho do Levi

tenta se aproveitar da situação.

OSÉIAS - Te adorando como ela te adora, isso é impossível. Mas

é bom correr mesmo.

CENA 13. CASA DO DR. LOMBARDI. QUARTO DE SÍLVIO. INT. DIA

SÍLVIO ESTÁ DEITADO NA CAMA, COBERTO APENAS POR UM LENÇOL.

CLARICE ESTÁ SENTADA JUNTO À CAMA DELE, O OBSERVANDO CARINHOSA.

PASCOAL FICA À PORTA, ASSISTINDO A TUDO.

CLARICE - Pascoal, pode sair um pouco, por favor?

PASCOAL - Eu disse a seu pai que não sairia daqui.

CLARICE - Ora essa, mas o que pode acontecer nesse quarto se

ele está doente?

PASCOAL - É que não me sinto bem descumprindo a palavra.

CLARICE - Por favor, saia só um pouco...


PASCOAL FICA QUIETO POR UM INSTANTE, COMO SE PENSASSE. SUSPIRA.

PASCOAL - Muito bem, eu vou sair. Mas por alguns minutos

apenas, depois eu volto. Se por acaso ele acordar, é só dar um grito.

CLARICE - Pode deixar.

PASCOAL SAI. CLARICE SORRI OLHANDO PARA SÍLVIO, INCLINA-SE SOBRE

ELE E O BEIJA DELICADAMENTE; É UM BEIJO RÁPIDO. ELE NÃO SE MOVE.

CLARICE TOCA O PEITO DE SÍLVIO COM A PONTA DOS DEDOS E SE INCLINA

OUTRA VEZ PARA BEIJÁ-LO NOVAMENTE, DESSA VEZ MAIS

DEMORADAMENTE. INSTANTES DEPOIS, ELE PARECE CORRESPONDER AO

BEIJO. ELA SE ERGUE, ASSUSTADA.

CLARICE - Sílvio?

SÍLVIO RESPONDE COM UM GEMIDO.

CLARICE - Pode me ouvir, meu amor?

ELE ABRE UM POUCO OS OLHOS, TORNA A FECHAR E ABRE NOVAMENTE.

PARECE CONFUSO.

SÍLVIO - O que aconteceu? Onde estamos?

CLARICE - Agora estamos em sua casa, seu quarto. [lança-se

sobre ele] Você me deixou tão aflita!

SÍLVIO - O que foi que eu fiz?

CLARICE - Quase morreu. E eu pensando que tinha me traído...

Me perdoa por ter pensado tão mal?

SÍLVIO - Eu quase morri e você já estava de luto?

CLARICE - Me perdoa por isso também?

SÍLVIO - Claro, meu anjo.


CLARICE - [o beija] Quando seu pai disse que você estava

morrendo, eu quis me matar, sério.

SÍLVIO - Como a minha noivinha é dramática, meu Deus...

CLARICE - Sou mesmo. Como você se sente agora?

SÍLVIO - Não sinto nada.

CLARICE - Nada?

SÍLVIO - Quer dizer... Eu sinto uma vontade incontrolável de te

dar mil beijos!

SÍLVIO PUXA CLARICE CONTRA SI E ELES SE BEIJAM.

CENA 14. ESTRADA. EXT. DIA

UM CARRO PUXADO POR DOIS CAVALOS PASSA POR UM TRECHO

COMPLETAMENTE DESERTO.

CENA 15. CARRO. INT. DIA

THEO GUIA O CARRO E FERNANDO SEGUE AO SEU LADO.

THEO - Onde quer parar?

FERNANDO - Em qualquer lugar.

THEO - Bem, acho que o senhor devia procurar a guarda ou

alguma autoridade e contar sua história. Talvez consiga descobrir o

paradeiro dos assaltantes.

FERNANDO - Não, acho que já é tarde demais para isso.

THEO - Mas não custa nada tentar.

FERNANDO - Faz muito tempo que isso aconteceu!

THEO - Mas não estamos tão longe assim de onde tudo

aconteceu.

FERNANDO - É melhor esquecer.


THEO - Por quê? Teme que aconteça algo a você?

FERNANDO - Não, por quê?

THEO - Por nada. [T] Só me pareceu que você teme por

alguma coisa. Está fugindo de alguém, por acaso?

EM FERNANDO, TENSO,

CENA 16. CASA DO DR. LOMBARDI. QUARTO DE SÍLVIO. INT. DIA

CONTINUAÇÃO DA CENA 13. SÍLVIO AGORA ESTÁ SENTADO E O LENÇOL QUE

O COBRIA AGORA SÓ COBRE SUAS PERNAS, MOSTRANDO SEU PEITO NU.

CLARICE ESTÁ EM SEU COLO, COMPLETAMENTE ENTREGUE AOS BEIJOS QUE

O RAPAZ DÁ EM SUA BOCA, DESCENDO ATÉ O PESCOÇO E COLO.

CLARICE - Sílvio, é melhor não!

SÍLVIO - Estamos sozinhos, não estamos?

CLARICE - Não, Pascoal está lá fora e pode voltar a qualquer

minuto. É melhor você me largar.

SÍLVIO - Me larga primeiro.

CLARICE FICA OLHANDO PARA SÍLVIO POR UM INSTANTE, E LOGO ELES

ESTÃO SE BEIJANDO OUTRA VEZ. INSTANTES. PASCOAL ABRE A PORTA E FAZ

CARA DE SURPRESA AO VER O CASAL EM PLENO AMASSO.

PASCOAL - O que é isso?

SÍLVIO SOLTA CLARICE, INSATISFEITO. A MOÇA LEVANTA E COMEÇA A SE

RECOMPOR, ENVERGONHADA.

SÍLVIO - O que você acha, Pascoal?

PASCOAL - Acho que o senhor devia estar se recompondo depois


de quase ir pro beleléu.

SÍLVIO - Seja lá o que tenha acontecido, já me sinto ótimo.

Ainda mais com Clarice por perto...

PASCOAL - E a senhorita, hein? Dei minha palavra de honra ao

seu pai e é só eu dar as costas que você fica aí se dando ao desfrute?

SÍLVIO - Olha o respeito, homem! Está falando com a minha

futura esposa.

CLARICE - Bem, eu tenho mesmo que ir. Só vim saber como você

estava.

SÍLVIO - Pronto para outra.

CLARICE - Deus te livre! [T] Vou ao enterro do Matamouros.

SÍLVIO - Ele morreu?

CLARICE - É, ontem à noite. Envenenado, pobrezinho... Bem,

preciso mesmo ir.

SÍLVIO - Vai com Deus, meu amor. Depois eu vou à sua casa e

marcamos a data.

SÍLVIO PISCA PARA CLARICE E SORRI, ELA MANDA UM BEIJO PARA ELE E SAI

DO QUARTO.

CENA 17. CARRO. INT. DIA

CONTINUAÇÃO DA CENA 15. FERNANDO PARECE NÃO SABER O QUE

RESPONDER; THEO VAI PERDENDO A PACIÊNCIA.

THEO - Pode dizer. Qual é o seu problema?

FERNANDO - [irritado] Não tenho problema algum, já falei!

THEO - Não minta para mim!

FERNANDO - Não estou mentindo.

THEO - Você teve algum problema com a justiça?

FERNANDO - Nunca.


THEO - Então pode ir até eles tranquilamente e tentar reaver

suas coisas.

FERNANDO - Mas você insiste, hein?

THEO - Faça apenas isso e eu paro de desconfiar de você,

Hector.

FERNANDO E THEO FICAM SE ENCARANDO POR UM INSTANTE. DEPOIS,

FERNANDO VIRA O ROSTO. A VIAGEM SEGUE EM SILÊNCIO.

FERNANDO - [baixinho] Ele vai me entregar.

THEO OLHA LIGEIRAMENTE PARA FERNANDO, MAS LOGO VOLTA SUAS

ATENÇÕES PARA A ESTRADA.

CENA 18. MILLSHIRE. EXT. TARDE

TAKES DE VÁRIAS RUAS. O CORTEJO FÚNEBRE SAI DO ALBERGUE.

CENA 19. RUAS. EXT. TARDE

O CORTEJO FÚNEBRE DE MATAMOUROS. OSÉIAS E PASCOAL CARREGAM O

CAIXÃO, QUE É SEGUIDO PRIMEIRO POR ALICE, LADEADA POR SIMONE E

ISABELLE; ATRÁS DELAS, HORÁCIO, ESMERALDA E CLARICE; E MAIS ATRÁS,

LEVI E CHIQUITA. ARTHUR SEGUE POR ÚLTIMO. ALGUMAS PESSOAS PARAM

PARA OBSERVAR A PASSAGEM DO CORTEJO E FAZEM COMENTÁRIOS FORA DE

ÁUDIO.

CENA 20. SOLAR BRONKHART. JARDIM. INT. TARDE

LEOPOLDINA ESTÁ SENTADA A UM DOS BANQUINHOS DE JARDIM, JUNTO À

FONTE, LENDO UM LIVRO. SÉRGIO SAI DO SOLAR, TODO PARAMENTADO COM


ROUPAS DE CAÇA. ELA PERCEBE A SAÍDA DO SOBRINHO.

LEOPOLDINA - Onde vai, Sérgio?

SÉRGIO - Vou à caçada. Preciso relaxar um pouco depois das

confusões de ontem.

LEOPOLDINA - Tomara que consiga, porque para mim está quase

impossível! [T] Diga, meu filho, que fascínio é esse que essas atrizes têm

sobre vocês?

SÉRGIO - É muito simples, tia. [T] Elas podem nos dar tudo o

que um homem deseja de uma mulher, sem que precisemos assumir

compromisso com elas. Vão... Vem...

LEOPOLDINA - Que vão e não voltem nunca mais.

SÉRGIO - Não precisa ficar tão irritada por isso, titia. Logo, logo

todas elas vão estar a milhas de distância daqui. [T]

LEOPOLDINA - Isso inclui a sua musa.

SÉRGIO - Não, ela não. Darei um jeito de impedir que ela parta.

[T] Bem, titia, vou andando. Volto no fim da tarde.

LEOPOLDINA - Boa caçada.

SÉRGIO DÁ UM BEIJO NA CABEÇA DE LEOPOLDINA E SAI. ELA RETOMA A

LEITURA.

CENA 21. ESTRADA. EXT. TARDE

O CARRO DE THEO ESTÁ SE APROXIMANDO DE UMA ÁREA ONDE AS

ÁRVORES COMEÇAM A RAREAR. VÊ-SE A POUCA DISTÂNCIA UMA

CONCENTRAÇÃO DA CAVALARIA. OS CAVALOS DIMINUEM O PASSO.

CENA 22. CARRO. INT. TARDE

THEO FAZENDO OS CAVALOS DIMINUIREM MAIS O PASSO. FERNANDO OLHA


PARA ELE COM DESCONFIANÇA E OLHA PARA FORA; VÊ A CAVALARIA

FICANDO MAIS PRÓXIMA.

FERNANDO - [para si mesmo] Ele vai me entregar.

FERNANDO ALTERNA OLHARES ENTRE THEO E A GUARDA. NERVOSO, ESTICA

A MÃO ATÉ O ASSOALHO E PROCURA POR UMA ARMA QUALQUER. AO

ERGUER A MÃO, SEGURA UMA BARRA DE MADEIRA. THEO NÃO PERCEBE A

MOVIMENTAÇÃO DO COMPANHEIRO. FERNANDO O GOLPEIA DUAS VEZES NA

CABEÇA E O HOMEM DESMAIA. ESTÃO BEM PERTO DA GUARDA. FERNANDO

SAI EM DESABALADA CARREIRA E THEO FICA ALI, DESACORDADO E COM A

CABEÇA SANGRANDO.

CENA 23. CEMITÉRIO. EXT. TARDE

O SEPULTAMENTO JÁ ACABOU. AS PESSOAS PRESENTES COMEÇAM A SE

DISPERSAR, À EXCEÇÃO DE ALICE, ISABELLE E SIMONE. ARTHUR VAI SE

APROXIMANDO DELAS, PÁRA BEM AO LADO DE ISABELLE E SEGURA

FORTEMENTE SUA MÃO. ELES NÃO SE OLHAM.

CLARICE E ESMERALDA VÃO ANDANDO JUNTAS RUMO À SAÍDA.

ESMERALDA PÁRA AO VER HORÁCIO PARADO ENTRE UM TÚMULO E OUTRO,

OLHANDO FIXAMENTE PARA ALICE, QUE ESTÁ DE COSTAS PARA ELE.

CLARICE - O que foi?

ESMERALDA - A viúva... Já contei que seu Horácio está apaixonado

por ela, não é?

CLARICE - Acho que já.

ESMERALDA - Coitadinho, passou os últimos dias vivendo em função

dela e do falecido e nem uma palavra de agradecimento!

CLARICE - Vai ver ela não consegue nem falar com uma situação

dessas.


ESMERALDA - Ele não me parece muito bem, vou ficar por aqui.

CLARICE - Está bem. Mas depois quero contar uma coisa a você,

sobre Sílvio e eu.

ESMERALDA - Certo. Amanhã conversamos.

ESMERALDA SE DESPEDE DA AMIGA COM UM BEIJO E VAI PARA PERTO DE

HORÁCIO. LEVI ESTÁ SAINDO DO LOCAL, E OLHA PARA TRÁS O TEMPO TODO,

PARA VER SIMONE. ESTA NÃO OLHA PARA ELE.

CORTA DE VOLTA PARA TÚMULO DE MATAMOUROS. ISABELLE E ARTHUR

AINDA DIANTE DELE, COM AS MÃOS ENTRELAÇADAS.

ARTHUR - Não sei se essa é a hora certa, mas acho que se eu não

falar agora mesmo, Matamouros vai ficar muito bravo comigo.

ISABELLE NÃO CONTÉM UMA BREVE RISADA, MAS LOGO VOLTA A FICAR

SÉRIA.

ISABELLE - Já sei o que você quer falar. [T] Você me acusou

muito injustamente, Arthur.

ARTHUR - Eu só quis acreditar no que eu vi. [T] Fui muito

estúpido... Acho que é esse medo de perder tudo de novo.

ISABELLE - Se eu fosse um desses objetos de ouro, prata ou

qualquer coisa assim, talvez você me perdesse mesmo. Mas o meu coração

não se perde assim tão fácil.

ELA ERGUE A MÃO DELE E A LEVA A SEU PEITO, DO LADO DO CORAÇÃO.

MANTÉM A MÃO DELE ALI POR UM TEMPO.

ISABELLE - Lembra disso. Enquanto meu coração estiver batendo,

ele é seu; não importa onde nem quando. [T] Entendeu?

ARTHUR - Pergunte a ele.


ARTHUR PEGA A MÃO DE ISABELLE E A LEVA A SEU PEITO, TAMBÉM DO LADO

ESQUERDO. SORRIEM UM PARA O OUTRO.

CENA 24. MILLSHIRE. EXT. DIA

ANOITECE NA CIDADE.

CENA 25. ALBERGUE. QUARTO DE HORÁCIO. INT. NOITE

HORÁCIO TIRA OS SAPATOS E SENTA NA CAMA, MUITO CANSADO.

ESMERALDA ENTRA, CARREGANDO CUIDADOSAMENTE UM BALDE D'ÁGUA

QUE COLOCA DIANTE DELE.

ESMERALDA - Pronto! Agora seus pés vão ficar descansadinhos.

HORÁCIO - Pelo jeito, só os pés mesmo, filha...

ESMERALDA - Quando o senhor dormir, vai descansar o resto

também.

HORÁCIO - Esse é o problema. Essa sensação de impotência, de

não poder acabar com a dor que Alice está sentindo; isso não vai me deixar

dormir.

ESMERALDA - Quando eu era sua única preocupação era bem mais

fácil, não é?

HORÁCIO - Nem tanto! [T] Eu achei que nunca mais fosse sentir o

que estou sentindo agora.

ESMERALDA - Eu queria poder ajudar o senhor.

HORÁCIO - Você já me ajuda desde que se entende por gente!

HORÁCIO FAZ UM CARINHO NO ROSTO DE ESMERALDA, QUE SORRI.

ESMERALDA - Queria fazer mais.


HORÁCIO - Então vá dormir e descanse bem, que amanhã o

comando do hotel é seu.

ESMERALDA - Descanse também. Boa noite.

HORÁCIO - Boa noite, querida.

ESMERALDA SE DESPEDE DE HORÁCIO DANDO UM BEIJO NA TESTA DELE,

QUE RETRIBUI O GESTO. ELA SAI.

CENA 26. MILLSHIRE. EXT. NOITE/DIA

TAKES DA CIDADE DURANTE A MADRUGADA. VAI AMANHECENDO.

CENA 27. SOLAR WHITFORD. QUARTO DE HÓSPEDES. INT. DIA

A LUZ DO SOL ATRAVESSA POR UMA FRESTA DA JANELA, BATENDO NO ROSTO

DE ALICE, QUE ESTÁ DORMINDO. OUVEM-SE TRÊS BATIDAS DE LEVE NA

PORTA. INSTANTES. A PORTA SE ABRE, ISABELLE E SIMONE ENTRAM E SE

APROXIMAM DA CAMA CUIDADOSAMENTE. SIMONE TOCA OS CABELOS DE

ALICE.

SIMONE - Como foi que ela conseguiu dormir?

ISABELLE - Arthur preparou um chá, que ela nem queria tomar,

mas acabamos convencendo.

SIMONE - Sabe, eu não consegui dormir pensando no que vai ser

de nós agora que não temos mais Matamouros. Tenho medo que tudo acabe

agora.

ISABELLE - Se nós ficarmos unidos, nada vai acabar. [T] O que

me preocupa mesmo é que nem Leonardo nem Sarah apareceram no

enterro, nem em lugar nenhum.

CENA 28. SOLAR WHITFORD. SALA. INT. DIA


LEVI VAI ENTRANDO SOZINHO, SEM CERIMÔNIA ALGUMA. TRAZ CONSIGO

QUATRO PEQUENAS CAIXAS DE MADEIRA TRABALHADA. ARTHUR ENTRA,

VINDO DE OUTRO CÔMODO, E DEMONSTRA TER SE IRRITADO COM A

PRESENÇA DO VISITANTE.

ARTHUR - A casa ainda não está abandonada, sabia?

LEVI - A porta estava aberta.

ARTHUR - Escuta aqui, Levi; se você acha que apenas pela

minha atual situação pode se comportar na minha casa do jeito que quiser/

LEVI - Calma! Perdoe-me a intromissão, mas eu só vim falar

com as moças da companhia.

NESSE INSTANTE, SIMONE E ISABELLE ESTÃO DESCENDO A ESCADA.

EMOCIONADA, SIMONE APRESSA OS PASSOS E TROPEÇA NOS ÚLTIMOS

DEGRAUS; LEVI SE APRESSA E A SEGURA. FICA EVIDENTE O CLIMA ENTRE

ELES. ISABELLE VAI PARA PERTO DE ARTHUR. INSTANTES; LEVI SOLTA

SIMONE E ELA BAIXA OS OLHOS, SORRINDO.

LEVI - Eu estava justamente falando de vocês.

SIMONE - O que falava?

LEVI - Bem, primeiramente eu gostaria de prestar as minhas

condolências a vocês pela perda do companheiro.

ISABELLE - Muito obrigada.

LEVI - Também gostaria de dizer que a atuação de vocês foi

excelente, meus parabéns. Resolvi materializar a minha admiração pelas

senhoras com esta pequena lembrança.

LEVI PASSA ÀS MÃOS DE ISABELLE UMA DAS CAIXAS E DÁ OUTRA A SIMONE.

ISABELLE ABRE SUA CAIXA E TIRA DELA UMA PULSEIRA DE PRATA

CRAVEJADA DE SAFIRAS.


ISABELLE - É muito bonita, obrigada. Pena que Alice não esteja

disposta a receber ninguém por enquanto, mas guardarei o presente dela.

LEVI - E a outra?

ISABELLE - De Sarah não sabemos.

LEVI - Não vai abrir o seu, Simone?

SIMONE ABRE A CAIXA E ENCONTRA NELA UMA GARGANTILHA E UM ANEL,

OS DOIS DE OURO CRAVEJADA DE BRILHANTES. ELA SORRI, ENCANTADA.

SIMONE - Isso tudo é para mim?

LEVI - Deixe-me colocar o colar em você.

LEVI PEGA A GARGANTILHA E A COLOCA NO PESCOÇO DE SIMONE.

APROVEITA PARA ACARICIAR OS CABELOS DELA E SENTIR SEU PERFUME.

ESTÁ BEM PERTO DE BEIJÁ-LA NO PESCOÇO.

ARTHUR - [baixinho] Essas pessoas que não mudam nunca...

ISABELLE E ARTHUR ESTÃO SAINDO, QUANDO UM CRIADO ENTRA, TAMBÉM

SEM BATER NA PORTA NEM SE ANUNCIAR DE FORMA ALGUMA. TRAZ UMA

CAIXA E UM ENVELOPE. AO PERCEBER A CHEGADA DO CRIADO, LEVI SE

AFASTA BRUSCAMENTE DE SIMONE.

LEVI - Preciso ir.

SIMONE - Já?

LEVI - Tenho uma reunião marcada. Tenha um bom dia. [sai]

ARTHUR - [irritado] Meu Deus, é hoje...

CRIADO - Eu trago uma encomenda da parte do senhor Sérgio

Kramer para a senhorita Isabelle.


ARTHUR DEMONSTRA NÃO TER GOSTADO NADA DO QUE ACABA DE OUVIR.

ISABELLE OLHA RAPIDAMENTE PARA ARTHUR; PEGA O ENVELOPE E O ABRE.

SÉRGIO - [off] Querida Isabelle, minhas mais sinceras

condolências. Receba esta joia representando toda a minha admiração e –

por que não dizer? - a paixão arrebatadora que você despertou em mim. Teu

mais devotado admirador, Sérgio.

ISABELLE RECOLOCA A CARTA EM SEU ENVELOPE E DEVOLVE AO CRIADO.

ISABELLE - Diga que agradeço as condolências, mas não aceito

joia nenhuma.

CRIADO - Mas ele recomendou que/

ISABELLE - Sinto muito, mas não posso aceitar. Diga a seu patrão

que não aceitarei nenhum presente dele.

EM ISABELLE IRRITADA,

CENA 29. SOLAR BRONKHART. QUARTO DE SÉRGIO. INT. DIA

O MESMO CRIADO DA CENA ANTERIOR ENTREGA A CAIXA E O ENVELOPE

NAS MÃOS DE SÉRGIO.

SÉRGIO - Então quer dizer que ela não quis nem saber da joia.

CRIADO - Nem sequer abriu a caixa. Só leu a carta e disse que

não aceitaria presente algum.

SÉRGIO FAZ A CARTA EM PEDACINHOS.

SÉRGIO - Muito bem.

CRIADO - O que faço com o colar?


SÉRGIO - Faça o que quiser. E encomende flores. Mande o

máximo de flores possíveis para o solar Whitford.

CRIADO - Mas a moça disse que/

SÉRGIO - [irritado] Não questione, só mande as flores!

O CRIADO SAI COM A CAIXA. SÉRGIO JOGA OS PEDAÇOS DA CARTA PELA

JANELA.

SÉRGIO - Mais difícil do que eu pensei. Desse jeito eu vou

acabar pedindo essa mulher em casamento!

NO SORRISO SARCÁSTICO DE SÉRGIO,

[Fim do capitulo]

o capitão fracasso 26

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