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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL AMBIENTAL Por: Edson Mattos Gesteira Orientador Prof. William Rocha Rio de Janeiro (2009)

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

AMBIENTAL

Por: Edson Mattos Gesteira

Orientador

Prof. William Rocha

Rio de Janeiro

(2009)

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

AMBIENTAL

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Cândido Mendes como requisito

parcial para obtenção do grau de especialista em

Direito Ambiental

Por: Edson Mattos Gesteira

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Natureza ama esconder-se.

HERACLITO DE ÉFESO

(540 – 470 a.C.)

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AGRADECIMENTOS

Ao orientador, professor William Rocha pela atenção, paciência e

colaboração na elaboração desta monografia.

Ao coordenador e professor Francisco Carrera pelos ensinamentos,

erudição e entusiasmo que nos contagia e sensibiliza.

Ao instituto a vez do mestre pela oportunidade de assimilar novos

conhecimentos que serão importantes na minha formação pessoal e profissional.

Ao corpo docente do curso pelas valiosas informações e

experiências compartilhadas.

Aos colegas do curso, pelos bons momentos de convivência.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha esposa

Jaqueline pela compreensão necessária à

conclusão da monografia.

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RESUMO

A sociedade atual vem passando por uma intensa e abrangente

crise ambiental, proveniente dos efeitos deletérios da sociedade de risco,

fundamentada na produção industrial, gestão econômica e forma de organização

que se apropria do bônus da produção consumista e socializa globalmente os

resíduos. O fundamento filosófico desta visão de mundo tem raízes no período

iluminista, a partir da visão cartesiana que promove a cisão entre sujeito-objeto,

por extensão homem-natureza, entende que os recursos naturais eram infinitos.

No ordenamento jurídico brasileiro, o tratamento da matéria meio

ambiente se encontra disperso. Entretanto, já se podem vislumbrar avanços

significativos como a constitucionalização desse direito, o advento da lei de

crimes ambientais e a responsabilização das pessoas jurídicas que são as

grandes causadoras de poluições.

O tipo penal em nosso ordenamento é caracterizado pela

individualização da pena, o que muitas vezes conflitua com a construção do tipo

penal ambiental que tem amplitude ou indeterminação, descrevendo o chamado

“tipo aberto”, onde pode não aparecer, por completo, a norma e o agente que

transgride com a sua ação infratora.

O princípio da insignificância, por ser um instrumento de interpretação

restritiva do direito penal, visa a descriminalização de determinadas condutas em

razão da irrelevância destas, entretanto, no âmbito do direito penal ambiental,

dada a natureza do bem jurídico que se pretende tutelar, necessário se faz que o

mesmo seja submetido a um enfoque transdisciplinar que permita concluir se

determinada ação penal e sua consequência lesiva se revestem de caráter

relevante ou não.

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METODOLOGIA

O método de abordagem foi de natureza dedutiva visando um

estudo crítico e reflexivo das fontes bibliográficas consultadas, fazendo-se uma

correlação com a amplitude do conceito de meio ambiente e sua natureza

jurídica, visando verificar a aplicação do princípio da insignificância como um

instrumento de interpretação restritiva do direito penal, na descriminalização de

ilícitos penais ambientais, humanizando o sistema judiciário no julgamento das

decisões dos tribunais.

No presente trabalho, buscou-se correlacionar a crise ambiental

como expressão da contradição no sistema de produção da sociedade de risco

que já vislumbram a emergência de novos paradigmas na gestão de um Estado

democrático ambiental.

Cabe ressaltar a natureza transdisciplinar do Direito Ambiental, já

que é por meio do diálogo com outros continentes de saberes que o operador do

direito poderá utilizar com segurança o princípio da insignificância no julgamento

de delitos ambientais, na busca da efetivação da Justiça.

As principais fontes de consultas a utilizadas para a realização do

presente trabalho monográfico foram: livros, periódicos, artigos científicos,

legislações, jurisprudência.

A pesquisa foi realizada em bibliotecas e em materiais adquiridos ou

obtidos em consulta à Internet.

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SUMÁRIO

Introdução.......................................................................................................9

Capítulo 1

1 O direito ambiental.......................................................................................13

1.1 O conceito de Meio AmbienteIIIIIIIIIIIIIIII13

1.2 O meio ambiente como bem jurídicoIIIII...IIIIIII.14

1.3 A tutela penal do meio ambienteIIIIII...IIIIIIII16

Capítulo 2

2- O principio da insignificância no direito penal ambientalIIIIII.II20

2.1 Os princípios do Direito Penal subsidiários na aplicação do princípio

da insignificância..............................................................................................20

2.2 A hipertrofia do Direito Penal na sociedade atual...........................24

2.3 O Direito Penal na sociedade do riscoIIIIIIIIII...I. 26

Capítulo 3

3.1 A aplicação jurisprudencial do princípio da insignificância aos crimes

ambientais........................................................................................................28

3.1.1 Da aplicação do Princípio da insignificância pelo Superior

Tribunal Federal e critérios

utilizados.........................................................................................................28

3.1.2 Da aplicabilidade do Princípio da Insignificância pelo Superior

Tribunal de Justiça em matéria de meio

ambiente.........................................................................................................30

3.1.3 Da aplicabilidade do Princípio da Insignificância pelos Tribunais

de Justiça Estaduais em matéria de meio

ambiente.........................................................................................................35

Conclusão......................................................................................................44

Referência Bibliográfica...............................................................................47

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INTRODUÇÃO

A época moderna caracteriza-se pela crise de categorias

paradigmáticas que propiciaram um descomunal controle da natureza pelo

homem e a conseqüente transformação do espaço natural a serviço de uma visão

utilitarista dos recursos naturais. O fundamento filosófico desta visão de mundo

tem raízes no período iluminista que a partir da visão cartesiana promove a cisão

entre sujeito-objeto, por extensão homem-natureza, entende que os recursos

naturais são infinitos e a relação do homem com o meio ambiente é de

justaposição, e este ilimitado domínio, seria a via que se pavimentaria o

desenvolvimento progressivo da humanidade.

Segundo OTS (1995), a modernidade modificou a natureza em três

níveis: na primeira fase, o homem se intitula “dono e senhor”; depois, passou a

ser considerada um reservatório de recursos; por fim, num estágio final, “depósito

de resíduos”. Dessa forma, tudo está legitimado em nome do progresso, da

geração de renda e de trabalho, todas as tentativas foram erguidas visando ao

“bem-estar” social e de uma vida mais segura, confortável e prazerosa para o

indivíduo.

Este projeto de progresso entrou em crise, sofrendo um

esgotamento do paradigma vigente. Um dos aspectos mais destacável está

relacionado à escassez de recursos naturais e à descrença no mito de que o

homem, através da ciência e da tecnologia, poderia resolver todos os problemas

criados pela natureza e por ele mesmo. O questionamento de determinadas

“verdades” que foram indispensáveis em determinados momentos históricos,

poderá nos iluminar e ajudar a entender algumas questões atuais na proteção

jurídica do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Como bem expõe Sirvinskas (2006), há a necessidade de se

construir uma base ética normativa da proteção do meio ambiente. Todos os

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10recursos naturais são considerados coisas e apropriáveis sob o ponto de vista

econômico. Há, no entanto, quem entenda que a flora, a fauna e a biodiversidade

também são sujeitos de direitos, devendo ser protegidos pelo biocentrismo.

Todos os seres vivos têm o direito de viver. Partindo-se de uma visão moderna do

meio ambiente, faz-se necessário analisar a natureza do ponto de vista filosófico,

econômico e jurídico.

Com este discurso de que os elementos da natureza são apenas

sujeitos de direito, trata-se de um enfoque parcial do ambiente, nos dando uma

ideia que desses elementos o homem pudesse prescindir, ter uma relação de

complementaridade e justaposição. Ao contrário, a relação homem – natureza é

de existência intrínseca, dialética e ontológica. A morte da fauna ou flora é um

caminho sem volta para sobrevivência da humanidade no planeta. A evolução e a

existência da espécie humana estão condicionadas à permanência e à

preservação da vida na terra.

Corroborando esta linha de raciocínio, Milaré (2000) explica que os

riscos globais, a extinção de espécies animais e vegetais, assim como a

satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro

que o fenômeno biológico e suas manifestações sobre o planeta estão sendo

perigosamente alterados. E as consequências desse processo são imprevisíveis,

já que as rápidas mudanças climáticas provocarão a menor diversidade de

espécies, que diminuirá a capacidade de adaptação por causa da menor

variabilidade genética e isto estará limitando o processo evolutivo,

comprometendo direta ou indireta a sobrevivência de grandes contingentes

populacionais da espécie humana.

Na atualidade, pode-se observar na sociedade brasileira um embate

ideológico entre os adeptos do desenvolvimento a qualquer custo, pregando o

crescimento econômico como valor social supremo, que representam os

herdeiros ideológicos do modelo paradigmático em substituição e, do outro lado,

os movimentos ecológicos, que é expressão de uma nova visão de integração

orgânica do homem-natureza. Estes entendem ser necessária a cautela quando

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11se advoga a idéia de desenvolvimento, uma vez que a preservação ambiental

deve atender as demandas das gerações atuais e o direito à vida das futuras

gerações.

Como forma de se equacionar estas posições antagônicas na

proposta de desenvolvimento pode-se vislumbrar uma outra via, como bem

atestam Leite & Ayala (2003), observando que, com a emergência da crise

ambiental e o surgimento de “novo” direito ambiental, existe a necessidade da

gestão da complexidade atual e do enfrentamento da situação de globalização

rumo ao modelo de transição da sociedade para um desenvolvimento

sustentável, o que se daria com a construção de um Estado de direito do

ambiente que seria, segundo Vicente Bellver Capella (1994), citado pelos

mesmos autores, como “um Estado que se propõe a aplicar o princípio da

solidariedade econômica e social, para um desenvolvimento sustentável

orientado na buscar da igualdade substancial entre os cidadãos mediante o

controle jurídico do uso racional do património natural”.

No ordenamento jurídico brasileiro, o tratamento da matéria meio

ambiente se encontra disperso, entretanto, pode-se destacar quatro momentos

de elevada importância, segundo Corrêa (2002). O primeiro dispõe sobre a

Politica Nacional do Meio Ambiente (Lei no 6938/81), que trouxe em seu cerne os

requisitos capazes de transmudar o Direito Ambiental em Ciência Jurídica

independente. Logo em seguida, entraria em vigor a Lei no 7347/85 que trata da

Ação Civil Pública. Contudo, a partir da promulgação da constituição em 1988, o

constituinte eleva a tutela do meio ambiente para a esfera constitucional,

tratando-o como um macrobem. Por último, a publicação da Lei no 9605/98, a “Lei

de crimes ambientais”, que, apesar de ter sido questionada por alguns

operadores do direito, por falhas técnicas, representou um significativo avanço na

criminalização de condutas delituosas contra o meio ambiente.

A disciplina Direito Ambiental é um ramo emergente nas Ciências

Jurídicas, que necessita estabelecer o seu objeto de estudo e, devido ao seu

caráter multidisciplinar e interdisciplinar, somente a partir desta complexa

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12interação é que será possível o entendimento e operacionalidade plena desse

“Novo Direito”, uma vez que seus conceitos invadem as ciências biológicas, a

ecologia, geografia, etc. Por outro lado, dentro da ciência jurídica, existe ainda a

necessidade da interface horizontal com outros ramos do direito clássico.

O presente trabalho tem como objetivo traçar algumas considerações

acerca do Direito Penal Ambiental pátrio, dando especial ênfase à interpretação

do princípio da bagatela ou da insignificância e a sua aplicação subsidiária nas

decisões de nossos tribunais, relativas aos crimes praticados contra o meio

ambiente.

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CAPÍTULO I

1- O Direito Ambiental

1.1 - Conceito de Meio Ambiente

O conceito em si de meio ambiente provoca celeumas tanto na

doutrina, como na legislação vigente, por não ser de natureza consensual.

Em primeiro lugar, como destaca Fiorillo (2004), temos a crítica que

se faz ao emprego da própria terminologia meio ambiente uma vez que a mesma

relaciona-se a tudo aquilo que nos circunda. Como tal, a denominação teria um

efeito pleonástico, redundante, em razão de ambiente já trazer em seu bojo a

ideia “âmbito que circunda”, sendo desnecessária a complementação pela

palavra meio.

A lei no 6938/81, no inciso l, do seu artigo 3o, estabeleceu de modo

incompleto, o conceito de meio ambiente, como “o conjunto de condições, leis,

influências, alterações e interações de ordem física, química e biológica, que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Esta definição supracitada é restritiva à dimensão natural do

conceito de meio ambiente, olvidando-se de fazer referência aos demais bens

jurídicos tutelados. Por sua vez, Machado (2001) buscou ampliar o conceito de

meio ambiente, ainda que não tenha feito referência explícita ao meio ambiente

do trabalho, definindo aquele como “(..) a interação do conjunto de elementos

naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da

vida em todas as suas formas.”

De maneira mais específica e precisa Milaré (2000) define meio

ambiente como: “O ambiente elevado a categoria de bem jurídico essencial à

vida, à saúde, e à felicidade do homem, integra-se, em verdade, de um conjunto

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14de elementos naturais, artificiais e culturais, de modo a possibilitar o seguinte

detalhamento: meio ambiente natural (constituído pelo solo, água, o ar

atmosférico, a flora, a fauna, enfim a biosfera), meio ambiente cultural (integrado

pelo património artístico, histórico, turístico, paisagístico, arqueológico,

espeleológico e meio ambiente artificial (formado pelo espaço urbano construído,

consubstanciado no conjunto de edificações, e pelos equipamentos públicos:

ruas, praças, áreas verdes, enfim, todos os assentamentos de reflexo

urbanístico.”

Entretanto, mesmo assim, o conceito de meio ambiente definido

pela lei no 6938/81 foi amplamente recepcionado pela Constituição que, em seu

artigo 225, utiliza a expressão sadia qualidade de vida. O legislador constituinte

optou por tutelar dois bens: 1) a qualidade do meio ambiente; e 2) a saúde, o bem

estar e a segurança da população, abrangida pela expressão qualidade de vida.

A definição de meio ambiente é propositadamente ampla e

relacional. Observar-se que o legislador pátrio optou por trazer um conceito

jurídico indeterminado, a fim de criar condições positivas na aplicação do direito

ambiental brasileiro.

1.2 – Meio ambiente como bem jurídico

A natureza jurídica do bem ambiental está intimamente relacionada

com a amplitude do conceito de meio ambiente que anteriormente se estudou.

O art. 225 da constituição de 1988 estabelece que o meio ambiente

ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à

qualidade de vida. Com isso, se estabelece a existência jurídica de um bem que

se configura dentro de uma nova realidade, disciplinando bem que não é público

e tampouco, particular.

A constituição estabelece que todos são titulares do referido direito.

Não se restringindo a uma pessoa individualmente entendida e sim a uma

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15coletividade de pessoas indefinidas, o que demarca um critério transindividual,

em que não se determinam, de forma rigorosa, as pessoas titulares desse direito.

Portanto, são duas grandes características básicas em que se

assenta constitucionalmente o bem ambiental: ser de uso comum do povo e

garantidor da sadia qualidade de vida.

O bem ambiental, por essa razão, não pode ser classificado como

bem público ou bem particular, ficando numa faixa intermediária denominada bem

difuso.

Segundo Fiorillo e Rodrigues (1999) pode-se afirmar que foi a partir

da segunda metade do século passado, em decorrência dos fenômenos de

massa, quando se formou uma sociedade de igual nome, que os bens de

natureza difusa passaram a ser objeto de uma maior preocupação do cientista,

legislador e aplicador do direito. Emergiram os denominados bens de natureza

difusa e, de modo proporcional à quebra da dicotomia público e o privado, criou-

se uma lacuna preenchida pelos direitos metaindividuais.

As principais características dos direitos difusos podem ser

observadas em Mancuso (1997) que são:

1) a indeterminação dos sujeitos, uma vez que certa lesão a esses

bens é distribuída a um número indefinido de pessoas;

2) indivisibilidade do objeto, pois são insusceptíveis de divisão em

cotas dentro desse número indefinido de pessoas, ou seja, há uma “uniformidade

de conteúdo”;

3) litigiosidade interna, já que não se tratam de “controvérsias

envolvendo situações jurídicas definidas, mas de litígios que tem por causa

remota verdadeiras escolhas politicas” e;

4) tendência à transição e mutação no tempo e no espaço, pois

vinculados a “situações contingentes”, ou seja, que podem ou não ocorrer.

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16O meio ambiente como bem jurídico a ser tutelado pelo direito penal

necessita ter uma outra concepção no seu entendimento e aplicação, pois com o

advento de diversas leis protetoras dos direitos difusos ou coletivos, os

denominados de terceira geração ou dimensão, a Ciência Jurídica está buscando

novas ferramentas e métodos para um tratamento mais rigoroso do bem jurídico-

penal ambiente que é por natureza um bem complexo, multimodo e autônomo.

1.3 – Tutela Penal do Meio Ambiente

No presente, a tutela penal do meio ambiente constitui um

importante recurso de proteção, quando se esgotam as providências cabíveis em

outras esferas. A medida penal tem como objetivo prevenir e reprimir condutas

praticadas contra a natureza. A moderna doutrina penal vem substituindo a pena

privativa de liberdade por penas alternativas. Assim, a tutela penal deve ser

reservada à lei, partindo-se do princípio da intervenção mínima, tal proteção deve

ser a ultima ratio, ou seja, somente depois de se esgotarem os outros

mecanismos intimidatórios é que se buscará a eficácia punitiva na esfera penal.

A constituição de 1988 elevou o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado à condição de direito fundamental da pessoa

humana, convergindo para o mandamento presente no caput do artigo 225 da Lei

Magna que, em última análise, objetiva assegurar o respeito à dignidade humana,

princípio básico expressamente arrolado no art. 1o, lll, da CF.

Com a crescente consciência ecológica e a magnitude dos danos

ambientais em nossa sociedade consumista e industrial, em função da natureza

do bem ambiental ser difuso, a tipificação penal é complexa, emergindo difíceis

questões no plano da relação de causalidade, isto é, relação causal de vontade e

o resultado, estando muitas vezes diante de uma impossibilidade prática de

verificação da existência de nexo causal que coliga determinado dano ecológico a

uma certa conduta.

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17Atualmente, os danos ambientais encontram desdobramentos em

três dimensões jurídicas. O infrator poderá sofrer sanção nas esferas

administrativas, civil e penal, de forma alternativa ou cumulada. Segundo Brandão

(2005), a reparação civil, fundada na responsabilidade objetiva, já encontrava

tutela com a introdução da lei de Politica Nacional do Meio Ambiente. Entretanto,

as esferas administrativas e penais careciam urgentemente de tratamento mais

apropriado, o que somente ocorreu com a edição da Lei n lei no 9605 de 1998,

impondo acertadas reprimendas penais e administrativas aos atos e atividades

ambientalmente prejudiciais.

O meio ambiente – com todos os elementos que ele pode conjugar –

deve ser visto dentro de uma concepção totalizadora e sistêmica, o que

obstaculiza a construção da tipificação penal destinada a tutelá-lo.

Como assevera Ivete Senise Ferreira, citada por Milaré (2000), uma

questão de grande relevância na construção do tipo penal ambiental é o da sua

amplitude ou indeterminação, caracterizando o chamado “tipo aberto”, onde não

aparecem, por completo, a norma, como também, o agente que transgride com o

seu comportamento.

Com certa frequência é observado que as leis ambientais fazem

remissão a disposições externas, a normas e conceitos de outras jurisdições,

para auxiliar na tutela jurídica, caracterizando-se como o uso típico de norma

penal em branco.

Acrescenta-se, ainda, que na construção da tipificação penal não se

deve olvidar que a norma tem caráter fundamentalmente preventivo, se possível,

de antecipação do dano ambiental. As disciplinas jurídicas têm o desafio de

buscar gerir os riscos e não somente os danos, uma vez que o consequência

ambiental é de difícil determinação, de larga amplitude e irreparável. A ciência

moderna penal tende a conceber o crime ecológico cada vez mais como crime de

perigo.

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18Um outro aspecto relevante que se pode observar no ordenamento

jurídico pátrio é a tendência à responsabilidade penal de pessoas jurídicas, que,

na prática, são os grandes agentes causadores de poluição. Esta medida visa

seguir as linhas gerais do Direito Penal Moderno. Na Constituição Federal de

1988 em seu art. 225 § 3o, o legislador brasileiro elevou a pessoa jurídica ao

status de sujeito ativo da relação processual penal, impondo, no art. 3o da Lei

9605/98, que “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente,

civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração

seja cometida por decisão do seu representante legal ou contratual, ou de seu

órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.

Por sua vez, Morais (2004) tece crítica à legislação de

responsabilização penal de pessoas jurídicas para ilícito ambiental penal por

entender haver problema de adequação da culpabilidade e a aplicação da pena à

pessoa jurídica, pois o Direito Penal e Processual Penal não possuem

ferramentas necessárias ao manejo de questões de danos causados por pessoas

jurídicas ao ambiente, uma vez que os fundamentos da culpabilidade estão

assentados na responsabilidade individual do agente. A aplicação da lei de

crimes ambientais é realizada de maneira simbólica e a presença de tipos penais

se baseiam em preceitos morais, e ademais, há uma profusão de normas penais

em branco que em última análise servem para apenas promover e auto-legitimar

a ordem estatal vigente.

Rothenburg (1997) citado por Machado (2008) reafirma a

importância de se adaptar o conceito de “vontade criminosa”, construído em

função exclusiva da pessoa física, para a realidade dos entes coletivos para se

poder trabalhar a “imputabilidade” da pessoa jurídica com o instrumento teórico

sugerido pela Dogmática Tradicional. A conservar-se só a responsabilidade da

pessoa física frente aos crimes ambientais é de se aceitar a imprestabilidade ou a

inutilidade do Direito Penal para colaborar na melhoria e recuperação do meio

ambiente.

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19Um outro importante ponto a ser considerado e que terá forte

impacto na utilização do princípio da insignificância no Direito Penal Ambiental

relaciona-se às cláusulas excludentes da antijuridicidade.

Tendo em vista a subsidiariedade da Lei de Crimes Ambientais à lei

penal comum, o art. 23 do Código Penal, diz: não há crime quando o agente

pratica o fato (l) em estado de necessidade; (ll) em legitima defesa; (lll) em estrito

cumprimento de dever legal ou exercício regular do direito.

O art. 37 da Lei 9605/98 descriminaliza o abate de animais: 1) “para

saciar a fome do agente e da família”, 2) “para proteger lavouras ou rebanhos da

ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente

autorizada pela autoridade competente”; 3) “por ser nocivo o animal, desde que

assim caracterizado pelo órgão competente”. No caso de caça famélica,

evidencia-se a redundância, uma vez que não passa de espécie do estado de

necessidade já previsto genericamente no art 23 do código penal.

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CAPÍTULO II

2 – O princípio da Insignificância no Direito Penal Ambiental

2.1- Os princípios do direito penal subsidiários na aplicação do principio da

insignificância.

A instituição de um sistema de leis para reger as relações entre os

homens corresponde a uma necessidade da sociedade de garantir uma situação

de segurança e de estabilidade das suas condições de existência, bem como de

uma co-existência pacífica de seus membros.

Ao Estado cabe o papel de garantir a sua observância e para isso

utiliza do poder coercitivo que, em última instância, lhe é delegado pela própria

sociedade. O Estado tem o poder e o dever de coibir ações de infração a essas

leis e de, em situações de conflitos, prestar a adequada tutela jurisdicional que o

caso requer.

O princípio da insignificância ou, como também é conhecido,

princípio da bagatela consiste da consideração de que determinado

comportamento, por sua repercussão mínima e seu caráter de “bagatela”, não

impõe prejuízo relevante que justifique a tutela do direito penal.

O princípio da insignificância surgiu na Europa, a partir do século

XX, causado pelas crises econômicas, sobretudo no período seguinte às duas

grandes guerras mundiais, que provocou desemprego em massa, acarretando

pequenos furtos, subtrações de pouca importância, fenômeno que recebeu da

doutrina alemã a denominação de “delitos de bagatela”.

Existem doutrinadores que vislumbram que a aplicação do princípio

da insignificância já vigorava no Direito Romano, onde o pretor não cuidava, de

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21modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no

brocardo “minima non curat praetor”.

No Direito Penal, o princípio da insignificância é um princípio geral,

que, embora também não esteja expresso em nenhum dispositivo legal, foi

consolidado pela jurisprudência, onde se verifica ser comum o recurso ao mesmo,

nos casos em que se verifique o comportamento acima mencionado. Porém, em

matéria de crime ambiental, objeto do Direito Penal Ambiental, a jurisprudência é

bastante reticente e limitada no recurso a esse princípio.

Existe uma corrente que entende que o princípio da insignificância

atenta contra a segurança jurídica e outra que entende que sua aplicabilidade

depende do caso concreto apresentado, sem que isso implique em qualquer

ameaça àquela.

O Direito Penal se rege, pelos seguintes princípios: da legalidade,

subsidiariedade, fragmentariedade, intervenção mínima, proporcionalidade,

irrelevância do fato penal, lesividade, humanidade e culpabilidade. Como bem

expõe a seguir Castro (2008):

1) Princípio da legalidade

O princípio da legalidade preceitua que nenhum fato pode ser

considerado crime e nenhuma pena pode ser aplicada sem que haja lei anterior

definindo o delito e cominando a pena. Essa é uma das maiores garantias do

indivíduo em face do poder estatal, limitando de forma genérica o jus puniendi do

Estado. Já o princípio da insignificância também serve para limitar o poder

estatal, só que o faz de forma específica, in concreto, inviabilizando que o sujeito

seja punido se o fato praticado é irrisório.

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222) Princípio da fragmentariedade

O princípio da fragmentariedade assevera que o Direito Penal não se

concentra sobre o todo de uma realidade, mas apenas sobre fragmentos desta, é

dizer, sobre interesses jurídicos relevantes cuja proteção seja indispensável.

Como a lei penal é produto da atividade legislativa, está sujeita a imperfeições de

ordem técnica, podendo, por isso mesmo, abranger situações de nenhuma

relevância para a sociedade. É nesse momento que o princípio da insignificância

atua para obviar que os excessos da imperfeição técnica legislativa incidam sobre

condutas socialmente insignificantes.

3) Princípio da subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade acentua que somente deve haver

tutela penal depois que os outros ramos do direito (constitucional, civil,

administrativo, trabalhista etc.) tenham fracassado em seu desiderato de reprimir

determinada conduta. Ocorre que, ainda que tenha havido esse malogro dos

outros ramos, a tutela penal não deverá ser invocada para reprimir condutas

desprovidas de ofensividade.

4) Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade apregoa o justo equilíbrio que deve

haver entre o resultado do delito e a pena, entre a gravidade do fato e a pena

cominada. Enfim, é a relação de magnitude da lesão ao bem jurídico. Percebe-se

que esse princípio é dos mais importantes, podendo ser considerado um dos

fundamentos do princípio da insignificância, já que este visa exatamente

inviabilizar a punição das condutas que afetem infimamente o bem jurídico

tutelado.

5) Princípio da intervenção mínima

O princípio da intervenção mínima estabelece que o Direito Penal só

deve atuar na defesa dos bens jurídicos mais relevantes para o indivíduo e a

sociedade, que sejam imprescindíveis à convivência pacífica de todos. Assim, a

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23tutela penal só se justifica para as hipóteses de perturbações realmente graves.

Nesse contexto, o princípio da insignificância é usado para verificar se os bens

jurídicos vulnerados foram efetiva e gravemente afetados, carecendo da proteção

estatal.

6) Princípio da irrelevância do fato penal

O princípio da irrelevância do fato penal é a causa de dispensa da

pena, em razão da sua desnecessidade no caso concreto.

7) Princípio da humanidade

O princípio da humanidade decorre de declarações e tratados

internacionais, que preceituam, em síntese, que ninguém será submetido a

tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante. Ou seja, a pessoa privada de

sua liberdade deve ser tratada de forma respeitosa e digna. Assim, existem fatos

que de tão irrelevantes para a sociedade não podem ocasionar a repressão

estatal, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana e ao princípio da

insignificância.

8) Princípio da culpabilidade

O princípio da culpabilidade assenta que não há crime sem culpa. É,

por assim dizer, um claro repúdio à responsabilidade objetiva em matéria penal.

Além disso, exige que a pena não seja infligida a não ser quando a conduta,

mesmo associada a um resultado, seja reprovável. Nesse diapasão, ainda que a

lesão ao bem jurídico seja culposa, mas irrisória a afetação, não haverá crime.

9) Princípio da lesividade

Por fim, o princípio da lesividade informa que se não houver lesão

não haverá crime. Há necessidade, portanto, que haja um sujeito ativo (autor do

delito), um sujeito passivo (vítima) e que haja um abalo no patrimônio jurídico

desse último. Só se castiga o comportamento que lesione direitos de outrem, não

bastando, para tanto, que o comportamento seja meramente pecaminoso ou

imoral, sem qualquer liame com o bem jurídico alheio.

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24Os princípios do direito penal são conceitos abstratos-normativos,

de aplicação genérica que alicerçam as Ciências Jurídicas, devendo ser utilizados

para ordenar as normas dentro das possibilidades reais existentes e

juridicamente aplicáveis. Os princípios analisados são complementares e se

articulam coerentemente com o princípio da insignificância. Para uma otimização

em sua aplicação, deverão levar em conta as especificidades do caso concreto e

saber os critérios de avaliação que modularam o fenômeno sob apreciação.

2.2 – A hipertrofia do Direito Penal na sociedade atual

A complexa vida moderna propiciou, entretanto, um alargamento da

esfera de abrangência do Direito Penal, levando à tipificação de novos delitos

penais. A criação de novos tipos penais decorreu da necessidade do Estado de

atender aos anseios de uma sociedade que se vê ameaçada por novos riscos,

que não se sente suficientemente segura com a proteção já oferecida e que

também passa a reconhecer certos bens jurídicos como merecedores de maior

tutela. Assim, algumas condutas que antes eram penalizadas apenas

administrativa ou civilmente, passam também ao âmbito de censura criminal.

Esse fenômeno não seria novo nem isolado, conforme afirmam

Gomes e Bianchini (2002) decorrendo da evolução história da sociedade e da

própria concepção do Estado de Direito. A hipertrofia do direito penal é fruto de

uma evolução histórica progressiva e segue pari passu a evolução do Estado de

Direito, que nasce com a pretensão de submeter o Estado ao Direito. O Direito

penal foi se hipertrofiando na medida em que o Estado foi crescendo e ganhando

novas missões.

Essa hipertrofia do direito penal não se deu tão somente pela

criminalização de condutas antes submetidas apenas a sanções de natureza

administrativa ou civil, mas também pela criminalização de condutas que antes

eram consideradas pequenas infrações não merecedoras de atenção. O que

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25ocorreu, portanto, foi um redimensionamento pela sociedade do potencial lesivo

de algumas condutas.

A reação jurídica ao comportamento prejudicial ao meio ambiente é

um exemplo desse processo.

Alguns autores consideram que algumas condutas hoje tipificadas

como crimes de natureza ambiental não deveriam ter deixado sua condição de

mero ilícito administrativo para se tornar ilícito penal, entendendo que a sanção

administrativa nesses casos seria eficaz e suficiente para coibir a sua prática.

Segundo Gomes e Bianchini (2002), a proliferação indiscriminada

de ilícitos administrativos com etiqueta de ilícitos penais ou, em outras palavras, a

criminalização de condutas de escassa (ou nenhuma) ofensividade (isso é o que

ocorreu abundantemente na Lei Ambiental – Lei 9.605/98), indubitavelmente,

continua sendo uma preocupação proeminente da política criminal que, nesse

assunto, nunca seguiu uma direção única.

Vários autores consideram que muitas dessas condutas podem ser

caracterizáveis como “crimes de bagatela”, porém, a possibilidade de aplicação

às mesmas do “princípio da insignificância” é matéria controversa na doutrina,

não existindo na legislação ambiental nenhum dispositivo que expressamente o

admita.

A Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), – que “Dispõe sobre as

sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao

meio ambiente, e dá outras providências” -, em seu art. 6º dispõe sobre a

aplicabilidade da sanção penal nos seguintes termos:

“Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade

competente observará”:

I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e

suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;

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26II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da

legislação de interesse ambiental;

III – a situação econômica do infrator, no caso de multa”

Note-se que o legislador permitiu à autoridade competente a

ponderação, na análise do caso, da gravidade do fato, dos antecedentes do

infrator e sua situação econômica para efeito de aplicação de penalidade.

A Lei dos Crimes Ambientais, por outro lado, também admite a

aplicação subsidiária do Código Penal e do Código de Processo Penal (art. 79), o

que, por sua vez, reafirma a possibilidade de recurso aos princípios gerais

pertinentes ao campo do Direito Penal, como é o princípio da insignificância.

2-3 - O direito penal ambiental na sociedade do risco

O conceito de sociedade de risco foi sistematicamente construído por

Ulrich Beck que separa a modernidade simples da modernidade reflexiva, que

representa a dicotomia entre sociedade industrial clássica e a nova configuração

que o autor denomina sociedade mundial do risco. Como assevera Machado

(2005), os padrões coletivos de vida, progresso de vida, progresso,

controlabilidade e exploração da natureza típica da primeira modernidade são

revolucionados pela ocorrência interligada de processos como a globalização,

revolução de gêneros, desemprego em massa e principalmente, pelo surgimento

de riscos globais.

Esta nova ordem mundial colocou em xeque a mentalidade iluminista

de previsibilidade, certeza e segurança no futuro; percebe-se, na modernidade

avançada que a produção social da riqueza vem acompanhada integralmente

pela produção social do risco.

Foi exatamente a partir desse diagnóstico traçado por Beck que se

vem sendo incorporado ao debate jurídico-penal e utilizado pela dogmática tanto

para analisar algumas tendências importantes verificadas no sistema penal a

partir da ideia de risco.

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27 O modelo de direito penal clássico, prudente e dotado de um arsenal

de meios limitadores de sua atuação mostra-se incapaz de atender às atuais e

crescentes demandas preventivas. Esta insuficiência de resposta à complexidade

do mundo atual, reforça a necessidade de modificações em suas premissas e

métodos de atuação.

Nesta linha de raciocino, os deslocamentos mais significativos serão

dados na proteção de bens jurídicos supra-individuais, difusos como o caso dos

bens ambientais, da antecipação da tutela penal, da flexibilização das regras de

causalidade e de imputação de responsabilidades, inclusive no sentido de abolir o

imperativo da individualização que constitui a base do ordenamento penal.

Neste momento de crise da modernidade atual, o direito penal revela-

se um campo repleto de contradições e rupturas, no qual se defronta com as

novas exigências de controle da sociedade de risco e os princípios tradicionais de

atuação do sistema penal.

No contexto da sociedade de risco, o bem jurídico ambiental se

encontra em maior possibilidade de ameaça pelos riscos tecnológicos e a forma

mais adequada para enfrentar estes desafios num contexto de mudança

paradigmática no direito penal ambiental é a articulação da tutela penal para a

proteção de bens jurídicos difusos; uma melhor definição dos tipos de mera

conduta e as incriminações de perigo abstrato; os tipos omissivos e culposos; e

também, os tipos cumulativos.

Numa sociedade em que a produção social do risco é globalizada, a

aplicação do princípio da insignificância ganha novos contornos, pois um

julgamento precipitado ou pouco criterioso de um ilícito penal poderá trazer

consequência imprevisíveis, uma vez o que aparentemente seja ato inofensivo

para a visão do operador do direito, na apreciação de um técnico ambiental

poderá ser de efeito significativamente impactante ao ambiente, inclusive em

nível planetário.

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28

CAPÍTULO III

3.1 A aplicação jurisprudencial do principio da insignificância aos crimes

penais ambientais

Em pesquisa de jurisprudência realizada, em 12/07/2009, nos

endereços eletrônicos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal

de Justiça (STF), utilizando os mesmos termos (expressões de busca) como

parâmetros de pesquisa, verificou-se que naquela Corte Superior não existem

decisões relacionadas à aplicação do princípio da insignificância em matéria de

direito ambiental, sendo que na segunda Corte referida foram encontradas

apenas duas ocorrências.

Em ambos os tribunais, foram encontradas várias ocorrências de

decisões com referência ao princípio da insignificância (498 resultados no STJ e

95 do STF, utilizando-se a expressão de busca “principio adj da adj

insignificância”) ou da bagatela (101 resultados do STJ), mas nenhuma delas

relacionadas ao campo do direito ambiental.

3.1.1 Da aplicação do Princípio da Insignificância pelo Superior Tribunal

Federal e critérios utilizados:

A partir do estudo das ementas das decisões proferidas pelo STF,

no que respeita ao princípio da insignificância, foram feitas as seguintes

observações:

A maioria das decisões foi proferida a partir do ano de 2008, os

registros anteriores a esta data são em menor número.

Foi aplicado nos casos de: furto de coisas de pequeno valor, em

crime de moeda falsa num valor considerado pequeno e/ou de falsificação

grosseira, mas não em crime idêntico envolvendo valor expressivo por violação

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29da fé pública depositada pela população em sua moeda; em crime de estelionato

e crime de descaminho, quando envolvidos pequenos valores; abandono de

serviço por militar; em caso de crimes militares relacionados à posse de pequena

quantidade de entorpecente; em caso de tentativa de furto; em caso de crime de

peculato; etc.

Não foi aplicado nos casos de furto de coisas de valor considerável

sob a justificativa de que as mesmas foram devolvidas, o que seria apenas

circunstância atenuante, não capaz de justificar sua aplicação; invasão do

domicílio da vítima, considerado elevado o grau de reprovabilidade do ato; em

caso de roubo, mesmo que a quantia tenha sido de pequena monta, já que esse

tipo penal visa a proteger não só o património como a integridade da pessoa; em

razão da qualidade da pessoa e dos valores envolvidos, em se tratando de

Prefeito e de coisa pública; em caso de não recolhimento de contribuição

previdenciária (apropriação indébita); em crimes em que as quantias subtraídas

das vítimas não poderiam ser consideradas insignificantes; em crime de tráfico de

entorpecentes; em caso de crime contra a saúde pública, consistente na

comercialização de refrigerantes em condições impróprias para o consumo; em

face de ato libidinoso praticado por militar na condição de dentista; etc.

Notou-se, especialmente, que o princípio foi considerado inaplicável

no caso de furto qualificado (HC 94765 / RS - §4º do art. 155 do CP) ou

privilegiado (HC 96003 / MS - §2º do art. 155 do CP), casos em que não ficou

demonstrada a irrelevância da ação a justificar a consideração de sua atipicidade.

O princípio foi considerado aplicável, nos casos acima relatados,

com base ponderação conjunta dos seguintes critérios:

a) o baixo valor do objeto furtado ou inexpressividade da lesão

jurídica provocada (HC 84.412/SP; HC 92988 / RS; HC 96688 / RS; HC 93393 /

RS; HC 97048 / RS; HC 84687 / MS; HC 83526 / CE; etc.).

b) as circunstâncias relevantes (como ausência de fuga, reação,

violência dos meios empregados ou causa de dano outro - HC 92988 / RS; HC

94427 / RS);

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30c) a não periculosidade social ou mínima ofensividade da ação (HC

94931 / PR; HC 93482 / PR; HC 94524 / DF); e

d) o reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente (HC

98152/ MG; HC 97048 / RS; HC 92531 / RS; HC 92411 / RS; HC 84687 / MS; HC

94415 / RS).

3.1.2 Da aplicabilidade do Princípio da Insignificância pelo Superior Tribunal

de Justiça em matéria de meio ambiente:

Abaixo, por serem paradigmáticas, apresenta-se a síntese das duas

únicas decisões do STJ, até a presente data, existentes sobre a aplicação do

princípio da insignificância no âmbito do Direito Ambiental:

a) Decisão, datada de 09/10/2007, publicada no DJ de 05/11/2007, p. 307,

proferida nos autos do processo nº 2006/0272965-2 (HABEAS CORPUS nº

72234 / PE):

“EMENTA HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. GUARDA, EM RESIDÊNCIA, DE AVES SILVESTRES NÃO AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO (UMA ARARA VERMELHA, UM PASSARINHO CONCRIZ E UM XEXÉU, DOIS GALOS DE CAMPINA E UM PAPAGAIO). FLAGRANTE DURANTE BUSCA E APREENSÃO REALIZADA POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL EM OUTRO PROCESSO, QUE APURAVA CRIME TRIBUTÁRIO (OPERAÇÃO CEVADA). INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DO PACIENTE DESAUTORIZADAS, NAQUELES AUTOS, POR FALTA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE (LANÇAMENTO DEFINITIVO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO). CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS. FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. INEXISTÊNCIA. DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. CRIME PERMANENTE. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. ART. 5, XI DA CF. PRECEDENTES DO STJ. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE LESÃO AO BEM JURÍDICO PROTEGIDO PELA NORMA PENAL DE PROTEÇÃO À FAUNA. ORDEM CONCEDIDA, PARA TRANCAR O INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO CONTRA O PACIENTE.” (HABEAS CORPUS nº 72234 / PE, 5ª Turma, relator o

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31Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Impetrante: Fernando Augusto Fernandes e outros, Impetrado: Tribunal Regional Federal da 5ª região, Paciente: Marinaldo Rosendo de Albuquerque).

O presente processo trata de Habeas Corpus impetrado em favor de

Marinaldo Rosendo de Albuquerque contra acórdão proferido pelo Tribunal

Regional Federal da 5ª Região.

Como resultado de uma ação policial, foram apreendidos na

residência do paciente uma espingarda calibre 12 e 6 (seis) animais silvestres em

condições de cativeiro. Foi então instaurado Inquérito Policial para a apuração da

eventual ocorrência das infrações tipificadas nos arts. 12 da Lei 10.826/03 (posse

irregular de arma de fogo de uso permitido) e 29, § 1o., III da Lei 9.605/98

(guarda de espécimes da fauna silvestre, sem permissão, licença ou autorização

da autoridade competente).

Tendo sido impetrado Habeas Corpus perante o Tribunal Regional

Federal da 5ª Região, objetivando o trancamento do Inquérito Policial, a ordem foi

concedida apenas em parte pelo Tribunal a quo. Como a apreensão ocorreu

dentro do período de entrega de armas prorrogado pela Lei 11.191/2005,

reconheceu-se a “abolitio criminis” em relação ao crime de posse ilegal de arma

de uso permitido, restando, porém, a acusação de crime ambiental.

O impetrante alegou estar sofrendo constrangimento ilegal pela

manutenção do Inquérito Policial, argumentando que a busca e apreensão que

culminou com a apreensão dos animais originaram-se de interceptação telefônica

declarada ilegal, e ainda ser patente a “falta de lesividade da conduta no que

concerne à suposta deterioração do meio ambiente, uma vez tratar-se de apenas

seis animais, que sequer pertenciam à natureza antes de o paciente levá-los para

a sua residência - o que só feito pelo falecimento do dono anterior, tio do

paciente, e não estão ameaçados de extinção”, apelando para o princípio da

insignificância, que seria aplicável aos crimes ambientes, segundo a

jurisprudência pátria.

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32Defendeu, ainda, o enquadramento do caso concreto à hipótese

prevista no § 2º do art. 29 da Lei 9.605/98, que defere ao Juiz a possibilidade de

não aplicação da pena, “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não

considerada ameaçada de extinção”.

Houve manifestação do Ministério Público Federal, em parecer

subscrito pela ilustre Subprocuradora-Geral da República.MARIA ELIANE

MENEZES DE FARIAS, opinou pela denegação da ordem.

No entanto, o Tribunal decidiu pela concessão da ordem no que se

refere à apreensão das aves, acolhendo o voto favorável do relator ao

trancamento do Inquérito Policial, que defendeu que, para a incidência da norma

penal incriminadora seria indispensável que a guarda, a manutenção em cativeiro

ou em depósito de animais silvestres, pudesse, efetivamente, causar risco às

espécies ou ao ecosistema, situação não verificada no caso concreto, o que

justificaria a aplicação do princípio da insignificância penal.

b) Decisão, datada de 28/05/2008, publicada no DJ de 04/08/2008, proferida

nos autos do processo nº 2007/0162966-6 (HABEAS CORPUS nº 86.913 –

PR):

“EMENTA HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI 9.605/98. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA.” (HABEAS CORPUS nº 86.913 - PR, 5ª Turma, relator o Ministro MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, Impetrante: RAFAEL JÚNIOR SOARES, Impetrado: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, Pacientes: OSMAR BARBOSA GARCIA; GERALDO BISPO DE LUCENA e JOÃO JÚNIOR DA SILVA)

O presente processo trata de Habeas Corpus impetrado contra

acórdão proferido pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do

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33Estado do Paraná que denegou a ordem originária, que objetivava o trancamento

da ação penal por falta de justa causa.

O trancamento da ação penal é requerido sob os seguintes

argumentos, expostos pelo relator: “(a) atipicidade da conduta praticada pelos

pacientes, uma vez que penalmente irrelevante; (b) a aplicação do princípio da

insignificância, em razão de não terem provocado dano significativo aomeio

ambiente, tendo em vista a pequena quantidade de peixe apreendida (3 traíras

pesando 574 gramas no total) e o material utilizado (vara de bambu, anzóis e

bóias); e (c) inépcia da denúncia, por não ter indicado a lei ou ato normativo que

proíbe a atividade pesqueira e a autoridade competente para expedir tal norma.”

Neste caso, o Ministério Público Federal, por meio do parecer

subscrito pelo Subprocurador-Geral da República EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME

DE ARAGÃO, opinou pela concessão da ordem.

Os pacientes foram presos em flagrante em 30/9/04 e denunciados

pela prática do delito previsto no art. 34 c/c 15, II, alíneas e e i, ambos da Lei

9.605/98, em razão de terem sido encontrados exercendo atividade pesqueira e

na posse cerca de 03 (três) peixes da espécie 'traíra', no Parque Ecológico

Municipal Daisaku Ikeda, localizado na Usina Três Bocas, em Londrina/PR.

Tendo sido impetrado Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná, objetivando o trancamento da ação penal, a ordem foi

denegada, tendo sido manifestado o entendimento de que a via do habeas

corpus não era cabível porque os pacientes deveriam ter argumentado o princípio

da insignificância durante a instrução criminal, o que não ocorreu porque

aceitaram a suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério

Público, observando que poderiam os mesmos postular a revogação da aceitação

do benefício e, durante a instrução probatória, demonstrar a atipicidade da

conduta que pretendem ver desconstituída.

O relator do processo, observando, preliminarmente, que o Superior

Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a circunstância de o

acusado ter aceitado a proposta de suspensão condicional do processo

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34formulada pelo Ministério Público não impede o conhecimento do pleito de

trancamento da ação penal, concluiu tratar-se de hipótese de aplicação do

princípio da insignificância, concedendo a ordem impetrada, para determinar a

extinção da ação, e, em consequência, tornando sem efeito o termo de proposta

e aceitação da suspensão condicional do processo, homologado pelo Juízo da 5ª

Vara Criminal da Comarca de Londrina/PR.

No seu voto, o relator, após discorrer sobre o desmembramento feito

pela moderna doutrina (Teoria Constitucionalista do Delito) da tipicidade em

tipicidade formal ou objetivo (“subsunção da conduta do agente ao tipo” previsto

na lei penal), tipicidade subjetiva (que “expressa o caráter psicológico do agente,

consistente no dolo”) e a tipicidade material (verificação da relevância penal da

conduta “em face da significância da lesão provocada no bem jurídico tutelado”),

defendeu que o princípio da insignificância “cuja análise deve ser feita à luz dos

postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima, tem assento

exatamente na análise da tipicidade material e implica, caso acolhido, a

atipicidade da conduta.”

Observou também que a conduta pode incorrer em duas hipóteses

de insignificância: a insignificância da conduta e a insignificância do resultado.

Assim, podemos ter tanto a prática de conduta absolutamente insignificante

geradora de risco igualmente insignificante (como o atirar uma bolinha de papel

num ônibus ou jogar um copo de água numa represa de 10 milhões de litros),

como a prática de conduta relevante com resultado, entretanto, insignificante

(como no caso dado como exemplo de furto de uma cebola ou um dente de alho),

caracterizando fatos atípicos.

Assim, a intervenção do direito penal, expõe o relator, “apenas se

justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano

impregnado de significativa lesividade”. Sem a tipicidade material, a conduta não

possuirá relevância jurídica e não será justificável a intervenção da tutela penal,

em face do postulado da intervenção mínima.

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35A conduta sob análise enquadra-se perfeitamente no delito tipificado

pelo art. 34 da Lei dos Crimes Ambientais – 9.605/98 –, que prevê a detenção de

um a três anos ou multa, ou a cumulação dessas penas, a quem “Pescar no

período em que a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão

competente”, podendo ser definido como crime ambiental.

Também se amolda à tipicidade subjetiva, já que está presente o

dolo, porém “não ultrapassa a análise da tipicidade material, mostrando-se

desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que,

embora existente o desvalor da ação – por ter praticado uma conduta relevante –,

o resultado jurídico, ou seja, a lesão, é absolutamente irrelevante. É dizer, nos

termos do voto proferido pelo Ministro CELSO DE MELLO, a lesão ao bem

jurídico se revelou inexpressiva.”

Foi a partir dessa exposição que o relator manifestou seu

entendimento, acolhido por unanimidade, de que se impunha a aplicação do

princípio da insignificância à espécie, concordando com o parecer do

Subprocurador-Geral da República de que "realmente, a pesca, nos moldes como

praticada, com varas rústicas de bambu, linha e anzol, bem como a quantidade

de peixe apreendida, apenas três, de uma espécie que está não ameaçada de

extinção (traíra), não tem o condão de causar lesividade ao bem jurídico tutelado,

qual seja, o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF)

(fls. 132/133).”

3.1.3 Da aplicabilidade do Princípio da Insignificância pelos Tribunais de

Justiça Estaduais em matéria de meio ambiente

Apenas a título de ilustração e de forma a não ultrapassar os limites

do presente estudo, a partir da leitura das decisões da jurisprudência dos

Tribunais de Justiça Estaduais que mais aplicaram o princípio da insignificância

(TJSP, TJRS e TJSC) no âmbito do Direito Ambiental, far-se-á uma pequena

síntese de como o mesmo tem sido aplicado por esses tribunais com a exposição

de qual tem sido a sua orientação na sua aplicação nos mais diversos casos.

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36 Observa-se que os julgamentos das decisões desses tribunais são

pontuais, isto é, cada caso é analisado em sua especificidade, porém a regra é a

do não aplicação do princípio da insignificância em matéria de crime ambiental,

havendo uma tendência a se considerar inafastável a tipificação da conduta

lesiva e à consideração de que a menor ofensa ao bem jurídico tutelado sempre

se revestirá de caráter significativo.

A aplicação de penas, mesmo que sejam restritivas de direitos (como

a prestação de serviços à comunidade), tem a finalidade de oferecer segurança

jurídica à sociedade e de desestimular futuras condutas penais por meio do efeito

pedagógico da aplicação da pena.

Foi constado que, em alguns casos, quando necessário, foi solicitado

pelos magistrados o pronunciamento técnico, por meio de laudo pericial, de

profissionais da área ambiental, para a certificação da existência do dano ou do

grau de comprometimento da ação lesiva ao meio ambiente, bem como em razão

da necessidade de informações complementares na formação de opinião para o

pronunciamento formal.

Pode-se observar que os Tribunal de São Paulo e aqueles da região

sul do país são os que mais analisam questões em que se discute a aplicação do

princípio da insignificância em matéria de crimes ambientais.

Em pesquisa realizada, em 22/07/2009, no site dos Tribunais de

Justiça da Bahia, de Amazonas, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, por

exemplo, ao utilizar-se os termos de pesquisa “princípio da insignificância e meio

ambiente/ambiental”, nada se encontrou, enquanto que, em pesquisa livre

utilizando os termos “‘princípio da insignificância’ e ‘meio ambiente’”, sem

determinação de período, no Trbunal de Justiça do Estado de São Paulo

(http://www.tj.sp.gov.br/consulta/Jurisprudencia.aspx) encontrou-se 69 (sessenta

e nove) resultados; no de Santa Catarina

(http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/index.php), utilizando os termos “princípio

da insignificância” e “meio ambiente” (este como palavra exata), sem

determinação de período, 25 (vinte e cinco) resultados; no do Paraná

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37(http://portal.tjpr.jus.br/asp/consultas/consultajurisprudencia.asp?consulta=0),

utilizando o verbete “princípio da insignificância e meio ambiente”, no período de

2000 a 2009, encontrou-se, nas decisões de 2º grau, 03 (três) resultados; no do

Rio Grande do Sul (http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/index.php), utilizando-se,

na pesquisa livre, limitada aos acórdãos, os termos “princípio da insignificância e

meio ambiente” e “princípio da insignificância e ambiental”, encontrou-se,

respectivamente, 05 (cinco) e 10 (dez) resultados, ao todo 13 (treze) sem as

repetições.

Considerando que a regra tem sido a da não aplicação do princípio

da insignificância, será exposta a síntese de duas decisões do TJSP, uma

consistente na negativa da aplicação do princípio e outra em que este mereceu

acolhida, que, por seus fundamentos, consideramos paradigmáticas.

a) Decisão que negou a aplicação do princípio:

“CRIME AMBIENTAL — PESCA UTILIZANDO PETRECHO PROIBIDO (Lei n° 9605/98, art. 34, inciso II) — CARACTERIZAÇÃO — OCORRÊNCIA — MATERIALIDADE EFETIVADA (AUTO DE INFRAÇÃO E TERMO DE APREENSÃO E DEPÓSITO) — AUSÊNCIA DE ELISÃO PELO APELANTE OU PELO CONJUNTO PROBATÓRIO — OCORRÊNCIA — TESTEMUNHOS DE POLICIAL MILITAR — VALIDADE JURÍDICA (equivalência aos depoimentos de testemunhas civis) — PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA — APLICAÇÃO — IMPOSSIBILIDADE — Diante de bens jurídicos de tamanha importância (como a vida e o próprio meio ambiente), não se pode cogitar no retromencionado princípio, seja de forma abstrata, ou, menos ainda, de forma concreta — APENAMENTO BEM DIMENSIONADO — RECURSODEFENSÓRIO IMPROVIDO.” (Apelação Criminal no. 815899.3/0-0000-000; da Comarca de Araras; APELANTE: LUIZ BENEDITO ZACHARO; APELADO: MINISTÉRIO PUBLICO; 11ª Câmara do 6º Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo; Relator Massami Uyeda)

Page 38: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · ilícitos penais ambientais, humanizando o sistema judiciário no julgamento das decisões dos tribunais. ... obtidos em

38Luiz Benedito foi condenado à pena de detenção em regime

prisional inicial aberto, substituída por pena restritiva de direitos, mais o

pagamento de multa, por violação das disposições do art. 34, II, da Lei 9605/98.

O acusado foi surpreendido pescando em um barranco da Represa

Serra Velha, localizada no Município de Araras, com quatro varas de bambu e

uma de nylon com linha e garatéia, nos termos do art. T, “j”, da Portaria nº 466,

de 08/11/72, expedida pelo IBAMA. Sua absolvição foi pleiteada alegando “[1] o

delito não se configurou, sustentando que a pesca se realizava em propriedade

particular; [2] nenhum peixe foi encontrado com o ora apelante”, acenando-se

para a possibilidade de aplicação do “princípio da insignificância”.

O acusado, ouvido na fase administrativa, relatou que estava

pescando com três varas no local indicado, que tinha pescado três tilápias até

chegada dos Policiais, para consumo de próprio e de sua família, e que havia

próximo de si várias varas que não lhe pertenciam. Em Pretório, confirmou os

fatos constantes da denúncia.

Em seu voto, o relator, o Ministro Massami Uyeda, quanto ao pleito

de aplicação do princípio da insignificância, de pronto manifestou o entendimento

de que, em tema de crime ambiental, este não comporta acolhida, observando,

com relação à redação dos arts. 34 e 36 da Lei n° 9605/98, “que a tutela dos

bens jurídicos na referida Legislação tem como objetivo o intuito de resguardar

interesses muito maiores: a proteção de toda a fauna aquática, incluídos tanto

aspectos econômicos quanto ambientais.”

E disserta:

“Superada a questão da relevância do bem jurídico tutelado — no

que concerne à inconveniência da aplicação do Direito Penal

Mínimo às questões penais-ambientais —, impende ainda ressaltar

o fato de a Lei 9.605/98 ser um estatuto normativo recente, o que

tem feito surgirem algumas dúvidas acerca da aplicação de certos

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39dispositivos, principalmente quando não existe jurisprudência sobre

o tema e a doutrina escusa-se em enfrentá-lo com mais vagar.

(I)

(I.) Como bem ensina Francisco de Assis Toledo, o que

determinará se a sanção penal é necessária ou não é a

'(in)significância" do bem protegido, qual seja, o meio ambiente

como um todo, no caso dos crimes ambientais (Lei 9.605/98).

Assim, face à relevância da proteção ao meio ambiente, existe lesão

contra ele que seja insignificante? É possível classificar dessa forma

qualquer ato que lese algo tão grandioso e importante como o meio

ambiente?

De fato, não deve haver confusão — em termos de aplicação do

Princípio da Insignificância — entre relevância do bem jurídico

tutelado e ofensividade da conduta, ou ainda, entre aquela e o grau

de exposição do bem. Não há de se falar, por exemplo, em

aplicação desse princípio quando se está diante de crimes contra a

vida. Nesse caso, a magnitude do bem tutelado — o maior deles, a

vida — de nenhum modo autoriza o emprego desse preceito de

política criminal, mesmo quando o agente — não obstante estar

investido do animus necandi — tenha desferido golpes ou disparado

tiros que, por sua inaptidão ou qualquer outro fator externo, em

momento algum tenha colocado em risco a vida do sujeito passivo.

Mesmo que o grau de exposição tenha sido pequeno ou mínimo,

aplica-se a tentativa, mas não a bagatela.

Em sentido contrário, no que concerne aos crimes contra o

patrimônio, até como forma de corrigir as freqüentes violações ao

princípio da proporcionalidade existentes no Código Penal, pode ser

aplicada a insignificância quando o grau da lesão não é tão

proeminente, quando não há grande exposição do bem, visto que o

bem jurídico tutelado, mesmo sendo penalmente protegido, não é

axiologicamente tão relevante frente a outros merecedores de tutela

penal. Por conseguinte, forçoso concluir que a análise acerca da

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40aplicação do Princípio da Insignificância passa por duas fases

bastante distintas. Primeiramente, considera-se a relevância do bem

jurídico tutelado pela norma penal, a qual, sendo pequena,

autorizará a aplicação, in abstracto, do ora referido princípio. Em

seguida, passa-se à análise do grau de ofensividade da conduta (ou

de exposição do bem jurídico), o que definirá, in concreto, a

possibilidade de aplicação do princípio da bagatela. Portanto,

quando se está diante de bens jurídicos de tamanha

importância como a vida e o próprio meio ambiente, não há

falar em Princípio da Insignificância, seja de forma abstrata ou,

menos ainda, de forma concreta. Destarte, temos que em matéria

ambiental não se chega nem mesmo à 'segunda fase" aqui

preconizada, i.e., à análise do grau de ofensividade da conduta. De

fato, diante da impossibilidade em se medir as conseqüências de

abater um animal ou despejar substâncias poluentes em um riacho

para o equilíbrio ecológico da região, é difícil imaginar um delito que

tenha característica 'insignificante', que não exija do Estado uma

rígida repressão, feita através da sanção penal. Atribuir esse

adjetivo aos crimes que 'lesam pouco a natureza' é considerar

insignificante o próprio objeto jurídico da norma em análise, i.e., o

próprio meio ambiente.” (grifou-se)

O Relator observa, também, em seu voto, que a existência ou não

de lesão efetiva ao meio ambiente não é o ponto determinante na aplicação da

sanção penal no caso, pois a conduta típica descrita no caput do artigo 34 da Lei

9.605/98 refere-se a crime formal, observando que, para a aplicação de sanção, o

resultado, no crime de pesca, “não é exigido para a consumação do delito,

bastando apenas a realização da conduta descrita no tipo penal”, ou seja, praticar

os tais atos tendentes retirar, extrair, coletar apanhar, apreender ou capturar as

espécimes elencadas na lei.

Observando que o fim do art. 36 da Lei 9.605/98 é exatamente dar

maior abrangência à conduta do tipo em questão (consubstanciada no verbo

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41“pescar”) tratando-se de um tipo penal aberto, considera essa espécie de norma

“de extrema utilidade — e até mesmo de presença necessária — em matéria

de Direito Penal Ambiental”, já que, neste campo, nem sempre é possível a

descrição clara e objetiva da conduta lesiva ao meio ambiente.

Com base nos fundamentos acima expostos, reafirmando não se

aplicar à espécie o princípio da insignificância, concluiu que o delito atribuído ao

acusado ficou devidamente caracterizado, as provas constantes dos autos foram

devidamente apreciadas e o apenamento imposto foi bem dimensionado.

b) Decisão que procedeu à aplicação do princípio:

Apelação Criminal no. 00988528.3/6-0000-000; da Comarca de

Miracatu; Apelante: SEBASTIÃO EFIGÊNIO DA SILVA; Apelado: MINISTÉRIO

PÚBLICO; 13ª Câmara do 7º Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de

São Paulo; Relator René Ricupero.

O acusado Sebastião Efigénio da Silva foi condenado a pena de

reclusão, substituída por pena restritiva de direito e sanção pecuniária, como

incurso no artigo 155, § 4o, inciso II (abuso de confiança), do Código Penal e,

ainda, à pena de 01 ano de prestação de serviços à comunidade e ao pagamento

de 10 dias-multa, por infração ao artigo 40, caput, da Lei n° 9.608/98.

Apelando por sua absolvição, argumentou que as varas de bambu

cortadas eram frutos de mudas por ele mesmo plantadas para prover ao seu

sustento e sustentou a inexistência de crime ambiental, alegando que não se

tratavam de plantas nativas, mas plantadas, e invocando, também, o princípio da

insignificância.

Duas condutas foram imputadas ao apelante: a) a subtração,

mediante abuso de confiança, de trinta mil varas de bambu, do "Sitio Baba Labojo

II", de propriedade particular; b) a causação de dano à Unidade de Conservação,

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42mediante o corte de 0,12 hectares de "bambu", em estágio pioneiro de

regeneração, integrantes da Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar.

O acusado disse em seu depoimento que era caseiro do referido

Sítio, então pertencente a Ubaldo Ceciliano de Freitas, que mantinha no local

uma plantação de bambus. Que, com as mudas dessa plantação, plantou no

mesmo Sítio mais meio alqueire de bambus, que vendeu para terceiro, advertindo

ao comprador de que os bambus plantados juntos à área do rio não deveriam ser

cortados.

Quase cinco anos após o falecimento de Ubaldo, a filha deste

apareceu no local, surpreendendo trabalhadores cortando os bambus e chamou a

Polícia Florestal.

Afirmou que, após o falecimento de Ubaldo, nenhum de seus

herdeiros apareceu no local, e que vendeu para terceiro os bambus que tinha

plantado pois não estava recebendo o salário de caseiro e perdera a ação

trabalhista movida.

Sem adentrar na discussão em torno do tipo penal imputado ao

acusado, o que releva nesta decisão é que foi levada em consideração no caso

concreto a conduta do acusado, que não teria procedido como procede o ladrão,

não tendo apresentado nenhuma preocupação em ocultar sua conduta,

parecendo estar imbuído de boa-fé, embora carecesse de razão jurídica.

O Relator considerou que, ainda que a conduta do sentenciado

também pudesse ser associada à crença da impunidade, decorrente da inércia

dos herdeiros do antigo proprietário, que se ausentaram por muitos anos do local,

“há dúvidas sobre o elemento subjetivo do crime, que devem reverter em favor

daquele, decretando-se a sua absolvição.”

A mesma solução foi adotada quanto delito ambiental, mas por

motivo diverso, levando-se em consideração a inexistência de tipicidade “se a

lesão ao bem tutelado é mínima e de nenhuma relevância ofensiva, não

demandando punição penal. De minimis non curat pretor, diz o brocardo romano.”

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43O Relator, afirmando que o crime ao meio ambiente não se avalia

pela extensão da área atingida, mas pela natureza da lesão causada, reporta-se

à perícia realizada por engenheiro florestal, que observou que se trata "de dano

ambiental de pequena monta, não foi constatado princípio de erosão no local da

exploração. Propormos o total abandono da área, considerado o elevado

potencial de crescimento do bambu (gramínea)".

Considerando o exposto, concluiu:

“Se o dano ao ambiente foi de pequena monta e não causou erosão,

tornando desnecessária intervenção humana para a sua

regeneração, é razoável concluir que se cuida de infração de

bagatela, não demandando tutela penal.”

Foi com base nos fundamentos acima expostos que o relator René

Ricupero, manifestou seu voto no sentido de dar provimento à apelação do

acusado SEBASTIÃO EFIGENIO DA SILVA para absolvê-lo do crime de furto e

do crime ambiental., com fundamento no art. 386,VI (existirem circunstâncias que

excluam o crime ou isentem o réu de pena ou mesmo se houver fundada dúvida

sobre sua existência), do Código de Processo Penal, do crime de furto e, com

fulcro no art.386, III (“não constituir o fato infração penal”), do mesmo Estatuto, do

crime ambiental.

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CONCLUSÃO

Para a aplicação adequada do princípio da insignificância é

importante que não se confunda conduta irrelevante com conduta de baixo poder

lesivo. Em regra, quando o agente pratica uma ação com tipicidade formal, o juiz

deve impor uma sanção, ainda que, reconhecendo o menor potencial ofensivo do

delito, venha a aplicar penas alternativas, como as restritivas de direito.

Diferentemente ocorrerá no caso dos crimes de bagatela, nos quais, mesmo

estes se ajustando ao fato típico, uma conjunção de fatores, como as

circunstâncias atenuantes do evento, a inexistência de periculosidade ou a

mínima ofensividade da ação, o seu grau mínimo de reprovabilidade social e o

baixo valor ou inexpressividade da ofensa ao bem jurídico sob tutela, conduzirá

ao reconhecimento de uma atipicidade material.

Como base na ponderação dos fatores acima mencionados, é

possível ao julgador recorrer ao princípio da insignificância na formação do seu

convencimento, por ser um instrumento de interpretação restritiva do Direito

Penal, visando a descriminalização de determinadas condutas. Entretanto, em

matéria ambiental, dada a natureza do bem jurídico que se pretende tutelar,

necessário se faz que o mesmo seja submetido a um enfoque transdisciplinar que

permita seguramente concluir se determinada ação e a sua consequência lesiva

se reveste ou não de caráter irrelevante.

Os posicionamentos dos doutrinadores e dos tribunais na aplicação

do principio da insignificância em matéria de crime ambiental são conflituantes,

tanto na interpretação quanto na efetivação. Nota-se tanto uma vertente mais

radical, em que sequer se cogita a aplicação do princípio, considerando que

nenhuma ação pode ser considerada insignificante quando o bem jurídico de que

se trata é o “meio ambiente”, cuja tutela considera-se que deve ser equiparada a

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45do bem jurídico “vida”, que, em última instância, aquele também visa garantir, e

uma vertente mais flexível que admite a sua aplicação quando for possível

considerar inexpressivos a conduta e o resultados verificados.

Com efeito, a especificidade do bem jurídico a ser tutelado exige

uma cautela diferenciada na aplicação do princípio na seara do direito ambiental

O operador do direito em alguns casos não tem condições de aplicar o princípio

da insignificância nesse âmbito sem antes ouvir, para a real avaliação do dano

ambiental ocorrido, a manifestação de cientistas e técnicos especializados na

área a que se refere, de forma que as decisões judiciais a respeito possam,

fundamentadas em laudos periciais, envolver uma ponderação que faça uma

interface com outros campos do saber, dada a natureza complexa do Direito

Ambiental Penal.

A base ética para a aplicação do princípio da bagatela é a garantia

de direitos inalienáveis da pessoa humana como a liberdade e a dignidade

humana, uma vez que condenar à privação da liberdade e submeter alguém ao

constrangimento do processo legal por conduta pouco lesiva é desproporcional

na ponderação de bens jurídicos tutelados. Por outro lado, a sua aplicação

impede em muitos casos que se movimente a máquina judiciária em razão de

condutas que não se revestem da menor importância para a sociedade.

Entretanto, como todo principio das Ciências Jurídicas, deve ser cautelosamente

aplicado, visto que a sua utilização objetiva a humanização do Direito Penal, sem

provocar insegurança jurídica na sociedade.

A própria lei penal apresenta mecanismos aos quais se pode

recorrer na penalização de condutas com baixo potencial ofensivo, devendo o

princípio da insignificância ser adotado apenas em hipóteses excepcionais. A

segurança jurídica na aplicação do princípio da bagatela, como já foi observado

pela doutrina, irá advir da observância de outros princípios como: da legalidade,

subsidiariedade, fragmentariedade, intervenção mínima, proporcionalidade,

irrelevância do fato penal, lesividade, humanidade e culpabilidade que dão

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46sustentação interpretativa e legitimidade ao operador do direito no julgamento

criteriosos das lides no campo do Direito Penal Ambiental.

A importância do princípio da insignificância é inegável e, quando

devidamente aplicado, não impedirá que sejam punidas as ações que

efetivamente sejam lesivas ao meio ambiente, cabendo ao poder judiciário, na

sua seara, atuar com senso de responsabilidade social e razoabilidade na sua

aplicação, sempre visando garantir a concretização do direito fundamental a um

ambiente saudável e equilibrado.

Numa sociedade em que a produção social do risco é globalizada, a

aplicação do princípio da insignificância ganha novos contornos. O desafio que se

apresenta à sociedade contemporânea é conseguir o abandono da visão

individualizadora da sanção penal representada no direito penal clássico, onde a

relação de nexo causal é segura, para o deslocamento dessa visão no sentido da

proteção de bens jurídicos supra-individuais, da flexibilização das regras de

causalidade e da imputação de responsabilidades.

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