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REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 A PRESCRIÇÃO PENAL ANTECIPADA COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO | 141 A PRESCRIÇÃO PENAL ANTECIPADA COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO Juliano Serpa 1 Resumo: O objeto deste artigo, desenvolvido pelo método dedutivo, diz respeito ao estudo acerca do reconhecimento da prescrição penal antecipada como forma de extinção da punibilidade, discorrendo acerca do direito de punir do Es- tado e, em contrapartida, o reconhecimento da prescrição como causa extintiva da punibilidade, demonstrando suas espécies, dentre as quais a prescrição penal antecipada, tam- bém denominada de virtual, tendo como principal funda- mento a falta de interesse de agir do Estado. O operador do direito, diante das circunstâncias do caso concreto, anteven- do que a pena aplicada em eventual sentença condenatória seria alcançada pela prescrição, poderá reconhecer, ainda na fase do inquérito policial, ou já durante a tramitação da ação penal, a prescrição penal. Ainda que não prevista em lei, a aplicação da prescrição virtual mostra-se possível, já que evitará que atos processuais desnecessários sejam prati- cados, obedecendo-se, com isso, os princípios da economia e celeridade processuais, bem como evita que outros proce- 1 Juiz Substituto em Santa Catarina, Bacharel em Direito e Especialista em Direito Tributário pelo FURB e Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Unoesc/Videira. E-mail: [email protected]. gov.br

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REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008

A PRESCRIÇÃO PENAL ANTECIPADA COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO | 141

A PRESCRIÇÃO PENAL ANTECIPADA COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO DIREITO PENAL

BRASILEIRO

Juliano Serpa1

Resumo: O objeto deste artigo, desenvolvido pelo método dedutivo, diz respeito ao estudo acerca do reconhecimento da prescrição penal antecipada como forma de extinção da punibilidade, discorrendo acerca do direito de punir do Es-tado e, em contrapartida, o reconhecimento da prescrição como causa extintiva da punibilidade, demonstrando suas espécies, dentre as quais a prescrição penal antecipada, tam-bém denominada de virtual, tendo como principal funda-mento a falta de interesse de agir do Estado. O operador do direito, diante das circunstâncias do caso concreto, anteven-do que a pena aplicada em eventual sentença condenatória seria alcançada pela prescrição, poderá reconhecer, ainda na fase do inquérito policial, ou já durante a tramitação da ação penal, a prescrição penal. Ainda que não prevista em lei, a aplicação da prescrição virtual mostra-se possível, já que evitará que atos processuais desnecessários sejam prati-cados, obedecendo-se, com isso, os princípios da economia e celeridade processuais, bem como evita que outros proce-

1 Juiz Substituto em Santa Catarina, Bacharel em Direito e Especialista em Direito Tributário pelo FURB e Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Unoesc/Videira. E-mail: [email protected]

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dimentos ou processos também sejam atingidos pela mesma causa extintiva da punibilidade.

Palavras-chave: Direito de punir. Extinção da punibilida-de. Prescrição penal antecipada.

Abstract: (e present article, elaborated through deductive method, concerns the recognition of the anticipated criminal prescription as a manner of extinguishing punibility. It reasons about the State’s right to punish, on the one hand, and the recognition of the prescription as the cause of extinction of punibility, on the other hand. It demonstrates that the anticipated criminal prescription, denominated virtual prescription as well, has its basis on the State’s lack of interest in taking action. Either throughout the police investigation or in the course of the legal inquiry, the operator of the law can foresee whether the anticipated prescription may be applied to the sentence. Yet not predicted by law, the application of the virtual prescription is likely to occur, given that its implementation can circumvent unnecessary legal-procedural actions to take place. Consequently, its implementation observes the principles of procedural economy and celerity, as well as avoids that other legal actions and processes are affected by the same matter of extinctive punibility.

Keywords: Right to punish. Extinction of punibility. Anticipated criminal prescription.

1. INTRODUÇÃO

O objeto do presente artigo é traçar um estudo sobre a prescri-ção penal antecipada como causa de extinção da punibilidade no Direito Penal Brasileiro.

Atualmente, muito se tem discutido acerca da possibilidade, ou não, do reconhecimento da prescrição penal antecipada como forma de extinção da punibilidade. Existem posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais para os dois lados.

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Este tema merece um estudo mais detalhado, especialmente devido ao grande número de processos criminais que abarrotam as comarcas espalhadas por todo o Brasil.

No processo criminal, a demora na prestação jurisdicional acar-retará a prescrição da pretensão punitiva ou executória, e, em conse-qüência, a falta de interesse de agir do Estado, ocorrendo situações em que, diante da pena aplicada na sentença condenatória, o reco-nhecimento da prescrição mostrar-se inevitável, tornando em vão todo o trabalho e tempo despendido.

Para tanto, será analisado o direito de punir do Estado, a puni-bilidade, a prescrição penal, verificando-se a sua natureza jurídica, como também seus fundamentos e espécies, no contexto atual, com a possibilidade do seu reconhecimento antecipado como causa de extinção da punibilidade.

Ressalta-se que a abordagem que aqui será efetuada não tem a pretensão de esgotar as vias de debate, mas apenas demonstrar a importância da aplicação da prescrição penal na sua modalidade an-tecipada na atual conjuntura do Direito Penal brasileiro.

2 O DIREITO DE PUNIR E A PUNIBILIDADE

2.1 O Direito de Punir do Estado

Antes de falarmos a respeito da prescrição penal, mostra-se ne-cessária uma análise acerca do direito de punir do Estado. Isto por-que, a prescrição penal incide sobre o jus puniendi que o Estado possui.

Segundo Jawsnicker (2008, p. 27)

A pesquisa histórica mostra que o Direito Penal evoluiu da vingança privada para a assunção pelo Estado do monopólio da justiça punitiva. O Estado exerce esse monopólio em diversos momentos e de diversos modos. Daí porque se pode falar em direito de punir abstrato e direito de punir concreto.

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O direito de punir abstrato consiste no direito que o Estado tem de definir quais violações à ordem jurídica devem ser consideradas infrações penais, por afrontarem os bens jurídicos mais caros à socie-dade. Com isso, no exercício do direito de punir abstrato, o Estado, além de definir violações, estabelece as sanções aplicáveis aos que forem por ela responsáveis (JAWSNICKER , 2008, p. 27).

Por outro lado, tem-se o direito de punir concreto, em que o Estado tem o direito de “punir aquele que praticou uma conduta descrita como criminosa na lei penal anteriormente criada” (LOZA-NO JR., 2002, p. 06).

Acerca do tema, Betanho e Zilli (2007, p. 555-556) lecionam que

Ao eleger determinados valores como essenciais para o resguardo do bem-estar social, o Estado chama para si a responsabilidade de protegê-los. Nesse campo, o Direito Penal constitui apenas uma das vias prote-tivas. É a mais grave, aliás. Afinal, ao responsável pela prática de condu-tas lesivas àqueles valores, o legislador comina uma sanção de natureza penal. A simples previsão, note-se, fixa para o Estado um poder-dever punitivo que, em um primeiro momento, é latente, mas que assume concretude com a realização de uma conduta criminosa. Com efeito, é a partir desse momento que ao Estado incumbe a recomposição da ordem social mediante a imposição da sanção penal.

O exercício do poder-dever punitivo projeta-se em dois momentos. No primeiro, o Estado declara a ocorrência do fato criminoso e fixa a responsabilidade penal do agente. No segundo, executa o comando emergente da sentença condenatória transitada em julgado. [...]

Assim, o Estado detém o monopólio de punir, o jus puniendi, surgindo daí uma limitação ao próprio poder-dever de punir. Con-tudo, o Estado não faz justiça com as próprias mãos, daí se valer do Estado Administração, pelos seus órgãos de persecução penal, que, inicialmente, mediante a ação da polícia judiciária, investiga os fatos e os apresenta ao Ministério Público, que, por sua vez, deduzirá uma pretensão punitiva ao Estado-Juiz, que chamará o pretenso acusado apontando-lhe a pretensão do Estado pela infringência da norma.

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A partir de então, o acusado terá direito ao devido processo legal com a ampla defesa e contraditório, para, em seguida, o Estado-Juiz proferir uma decisão absolutória ou condenatória, para finalmente o Estado então poder executar a pena imposta.

Na obra “Prescrição penal” Damásio de Jesus (1999, p. 25) ex-plica que

a norma penal incriminadora cria para o Estado, seu único titular, o direito de punir abstrato. Passa a ter o direito de exigir que os cidadãos não cometam o fato nela descrito. De sua parte, estes têm a obrigação de não realizar a infração penal determinada. Cometida a infração pe-nal, o direito de punir, que era abstrato, passa a ser concreto. Antes o Estado tinha o direito de exigir a abstenção da prática criminosa. Realizado o fato delituoso, a relação entre o Estado e o delinqüen-te, que antes era de simples obediência à lei penal, consubstanciada no preceito primário da lei incriminadora, tem seu suporte legal no preceituo secundário, que comina a sanção, denominando-se relação jurídico-punitiva. Esse jus puniendi concreto, verdadeiro poder-dever de punir, e não simples faculdade de punir, estabelece uma relação real de natureza jurídico-penal, entre o Estado e o sujeito ativo do crime.

Desta forma, a sanção penal imposta pelo Estado só pode ocor-rer mediante o devido processo legal, isto por meio de jurisdição, porquanto o direito de punir é um direito de coação indireta, que so-mente se efetiva quando obedecidas as regras do due processo of law.

2.2 Punibilidade

Segundo a teoria finalista, adotada pelo Código Penal Brasileiro, o crime é a ação ou omissão típica, antijurídica e culpável.

Para Mirabete (2002, p. 97)

Com a enunciação da teoria da ação finalista proposta por Hanz Welzel, porém, passou-se a entender que a ação (ou conduta) é uma atividade que sempre tem uma finalidade. Admitindo-se sempre que o delito é uma conduta humana voluntária, é evidente que tem ela, necessa-riamente, uma finalidade. Por isso, no conceito analítico de crime, a conduta abrange o dolo (querer ou assumir o risco de produzir o resul-tado) e a culpa em sentido estrito. Se a conduta é um dos componentes

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do fato típico, deve-se definir o crime como “fato típico e antijurídico”. O crime existe em si mesmo, por ser um fato típico e antijurídico, e a culpabilidade não contém o dolo ou a culpa em sentido estrito, mas significa apenas a reprovabilidade ou censurabilidade da conduta. [...]

Como se verifica, a punibilidade não integra o conceito analí-tico de delito. Na verdade, a partir do momento em que um agente pratica um ilícito penal, o direito de punir do Estado, que antes era abstrato, torna-se concreto, surgindo, em conseqüência, a punibili-dade.

Verifica-se, com isso, que “a punibilidade é a aplicabilidade da pena, ou seja, a possibilidade jurídica de impor a sanção penal. Dessa forma, a punibilidade é mera condicionante ou pressuposto da con-seqüência jurídica do delito (pena/medida de segurança)” (PRADO, 2006, p. 705).

A punibilidade, assim, não integra o conceito de crime, consis-tindo em uma conseqüência sua, não podendo, por tanto, conside-rar-se como seu elemento.

Ainda acerca da punibilidade, Mirabete (2002, p. 381) afirma que

A prática de um fato definido na lei como crime traz consigo a punibi-lidade, isto é, a aplicabilidade da pena que lhe é cominada em abstrato na norma penal. Não é a punibilidade elemento ou requisito do crime, mas sua conseqüência jurídica, devendo ser aplicada a sanção quando se verificar que houve o crime e a conduta do agente é culpável. Com a prática do crime, o direito de punir do Estado, que era abstrato, torna-se concreto, surgindo a punibilidade, que é a possibilidade jurídica de impor a sanção.

Para Ricardo Lemos (2008, p. 36)

Punibilidade é a possibilidade de efetivação em concreto da pretensão punitiva estatal, que deverá ocorrer obedecendo a parâmetros, como o prazo, daí pode ocorrer uma causa extintiva da punibilidade, no caso a prescrição penal, isto se não observado o prazo para conclusão da pretensão punitiva ou executória. Podemos afirmar que a punibilidade

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é a relação entre o Estado e o infrator que se estabelece com a violação da norma. [...]

Assim, a punibilidade é a possibilidade de efetivação em con-creto da pretensão punitiva estatal, que deverá ocorrer obedecendo a parâmetros, como o prazo.

2.3 Causas Extintivas da Punibilidade

Ordinariamente, a punibilidade se extingue com o cumprimento da sanção penal imposta ao autor do delito. No entanto, existem ocor-rências que determinam a extinção da punibilidade antes que o Esta-do tenha a oportunidade de exercer o direito de punir concreto. Tais ocorrências são denominadas causas de extinção da punibilidade.

Dispõe o artigo 107 do Código Penal brasileiro:

Art. 107. Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos cri-mes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII - (revogado)

VIII - (revogado)

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

As causas extintivas da punibilidade acima descritas não julgam o crime, não isentam de pena e nem excluem a tipicidade, mas fazem cessar o processo sem apreciar o mérito, ou seja, a punibilidade se ex-tingue antes que o Estado tenha a oportunidade de exercer o direito de punir em concreto.

Segundo a doutrina de Mirabete (2002, p. 382),

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Originado o jus puniendi, concretizado com a prática do crime, podem ocorrer causas que obstem a aplicação das sanções penais pela renúncia do Estado em punir o autor do delito, falando-se, então, em causas de

extinção da punibilidade.

Há causas de extinção gerais (ou comuns) que podem ocorrer em todos os delitos (prescrição, morte do agente, etc.) e as causas especiais (ou particulares), relativas a determinados delitos (retratação do agente nos crimes contra a honra, casamento com a ofendida em certos delitos contra os costumes, etc.).

Da obra de Luiz Regis Prado (2006, p. 719) extrai-se que

Após a realização da ação ou omissão típica, ilícita e culpável, podem sobrevir determinadas causas que extinguem a possibilidade jurídica de imposição ou execução da sanção penal correspondente. São as denominadas causas de extinção da punibilidade, motivadas por certas contingências ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política.[...]

As causas de extinção da punibilidade implicam renúncia, pelo Esta-do, do exercício do direito de punir, seja pela não-imposição de uma pena, seja pela não-execução ou interrupção do cumprimento daquela já aplicada.

Para Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 455) a extinção da punibilidade consiste no “desaparecimento da pretensão punitiva ou executória do Estado, em razão de específicos obstáculos previstos na lei”.

As causas extintivas podem ocorrer antes ou depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. No primeiro caso, como re-gra geral, atinge-se o próprio jus puniendi, não persistindo qualquer efeito do processo ou mesmo da sentença condenatória. Em ocor-rendo depois do trânsito em julgado da sentença, extingue-se apenas o título executório ou apenas alguns de seus efeitos, como a pena (MIRABETE, 2002, p. 383).

É preciso registrar que o elenco das causas extintivas da punibi-lidade constante do artigo 107 do Código Penal não é taxativa, visto

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que existem outras causas que não estão previstas neste artigo, tanto no próprio Código Penal, como em leis extravagantes.

3 PRESCRIÇÃO

3.1 Conceito, Natureza Jurídica e Fundamento

O direito de punir do Estado, no caso concreto, não é eterno, haja vista que deverá ser concretizado dentro de um prazo estabeleci-do na lei, já que esta também se aplica ao Estado. Em não sendo este prazo obedecido, pode ocorrer uma causa extintiva da punibilidade, no caso a prescrição penal.

Assim, o Estado tem um prazo para efetivar a punição, ou me-lhor, para apurar tudo que aconteceu. Se o Estado não consegue apurar dentro do lapso temporal previsto em lei, rompe-se a relação existente entre as partes, Estado e infrator, declara-se extinta a pu-nibilidade, em face do prazo escoado, que chamamos de prescrição (LEMOS, 2008, p. 36).

A prescrição é a perda do poder-dever de punir o infrator por desídia ou inércia do aparelho estatal durante certo lapso temporal estabelecido em lei, tendo como fundamento o decurso do tempo, devido ao desinteresse do Estado em apurar o fato criminoso ocorri-do, e a negligência com que se houve a autoridade.

Para Damásio Evangelista de Jesus, “a prescrição penal é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo” (1999, p. 36).

José Frederico Marques leciona que a prescrição é a “extinção do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo” (1996, p. 403). No mesmo diapasão, Magalhães Noronha leciona que a prescrição “é a perda do direito de punir, pelo decurso do tempo” (1975, p. 391).

Luiz Régis Prado leciona que “a prescrição corresponde, por-tanto, à perda do direito de punir pela inércia do Estado, que não

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o exercitou dentro do lapso temporal previamente fixado” (2006, p. 730).

De acordo com Álvaro Mayrink da Costa (1998, p. 2066),

a prescrição penal é um instituto de direito material que se constitui em causa extintiva da punibilidade, constituindo-se em um impedi-mento ao exercício do ius puniendi estatal pela inércia do ius persequen-di in iudicio ou dos ius executationis, por não ter exercido a pretensão punitiva ou a pretensão executória em tempo determinado, em virtude da ausência de interesse na apuração do fato punível, ou pela emenda da condenado pela via da ausência de reiteração delitiva.

Percebe-se, assim, que a prescrição, por consistir na perda do poder-dever de punir do Estado pelo não-exercício da pretensão pu-nitiva ou da pretensão executória durante certo tempo, atinge, em primeiro lugar, o direito de punir do Estado e, em conseqüência, extingue a direito de ação, diante da ausência de interesse processual no exercício do ius puniendi, porque seria inútil a utilização da má-quina estatal, se ela, em tese, ao término, não for apta a produzir a punição do autor do ilícito.

No tocante a sua natureza jurídica, ainda que existam doutrina-dores que entendam que a prescrição apresenta caráter processual2 e outros misto (material e processual)3, a corrente dominante a con-sidera como de Direito Penal, embora haja conseqüências imediatas no Direito Processual Penal.

2 Na lição de Heleno Cláudio Fragoso, “os que afirmam o caráter puramente processual da prescrição, vêem nela apenas uma suspensão ou impedimento do processo, entendendo que o decurso do tempo não pode transformar a punibilidade em impunibilidade”. Para essa corrente, acrescenta Damásio Evan-gelista de Jesus, “subsiste o direito de punir do Estado, não atingido pelo decurso do tempo”. Segundo Antonio Rodrigues Porto, Carnelutti e Lourié adotam esse entendimento. (Jawsnicker, 2008, p. 32)

3 Entre essas duas orientações, situa-se a teoria mista, que vê na prescrição tanto o caráter material quanto o processual. De acordo com Heleno Cláudio Fragoso, “a prescrição representa, por um lado, a perda do interesse na perseguição e no castigo, porque, com o decurso do tempo, desaparecem as razões que justificam a pena. Por outro lado, a prescrição constitui impedimento processual”.[...] Entendimento semelhante é adotado por Adolphe Prins, “que considerava a prescrição da ação como sendo de processo penal e a prescrição da pena como pertencente ao direito substantivo” (Ja-wsnicker, 2008, p. 32-33)

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Luiz Regis Prado afirma que a prescrição se trata de “instituto de direito material, embora algumas de suas conseqüências influam sobre a ação penal e a condenação” (2006, p. 731).

Para José Julio Lozano Jr., “a prescrição penal tem natureza mate-rial, pertencendo aos limites do Direito Penal. Isto porque ela extingue o direito de punir do Estado, surgido com a prática do crime; é dizer, aniquila a punibilidade de maneira direta e imediata” (2002, p. 24).

Já Antônio Rodrigues Porto, citado por Ricardo Lemos, afirma que a prescrição penal pertence ao direito material, ou substantivo, e não ao direito formal, ou adjetivo, embora algumas de suas conse-qüências imediatas sobre a ação penal e a condenação pertençam ao direito processual (2008, p. 21).

Fábio Guedes de Paula Machado, citado por Ricardo Lemos (2008, p. 23) define que

Alguns doutrinadores vêem na prescrição um instituto de Direito ma-terial, levado em consideração que a mesma representa uma renúncia do Estado à pretensão punitiva ou à efetiva potestade de castigar, isto é, contemplando o conteúdo material da relação processual ou da re-lação executiva, figurando as suas duas acepções, pretensão punitiva e pretensão executória, como causa de exclusão da pena, conduzindo, portanto, à absolvição do sujeito, posição adotada por Baumgarten, Kohler, Finger e Loening. Franz Von Liszt é taxativo ao afirmar que a prescrição é circunstância extintiva da pena. Não só impede o processo, senão também extingue o direito de punir. Como prescrição do direito, e não como mera prescrição da ação, ela pertence, por sua matéria e natureza, não ao direito Processual, e sim ao Direito Material.

Verifica-se, com isso, que a prescrição, apesar de seu caráter de Direito Material, apresenta conseqüências pertencentes ao Direito Processual, estando, inclusive, regulamentada nos dois ramos do di-reito de forma adequada.

Diversos são os fundamentos da prescrição. De forma sintetiza-da, Palotti Junior (1994, p. 303) afirma que

Merecem destaque apenas os mais significativos: a presunção de emen-da do criminoso, dela decorrendo a desnecessidade do castigo; o esque-

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cimento, pela sociedade, do crime cometido, acarretando o desinteres-se na punição; o remorso do criminoso, que presume-se tenha expiado sua culpa de forma suficiente, durante determinado lapso de tempo; a transmutação psíquica do infrator, conseqüência do decurso do tempo e que o transforma em outro Homem, não mais aquele que perpetrou o crime e, finalmente, a dificuldade na coleção de provas, que impossi-bilitaria “uma justa apreciação do delito cometido”, no dizer de Aníbal Bruno, secundado por Antonio Rodrigues Porto.

De qualquer forma, como observa Giuseppe Bettiol, traçando um pa-ralelo entre a prescrição civil e a prescrição penal, “no setor penal é do ângulo do interesse estatal que nos devemos antes de tudo situar para a compreensão do funcionamento desta causa de extinção do crime”.

Depois de breve demonstração das teorias acima referidas, mos-tra-se salutar trazer o ensinamento de José Júlio Lozano Jr (2002, p. 1-4), o qual pondera que

a inconstância das teorias que tentam explicar a prescrição penal faz-nos concluir que ela, antes de ser pautada por razões de técnica jurí-dica, consiste em verdadeira construção de Política Criminal derivada de um sentimento de justiça relacionado à consciência altruística de que ‘o tempo, com sua ação modificadora de todos os acontecimentos humanos, se não os cancela, enfraquece-os enormemente’ (Girolano PENSO).

Ainda que presentes outros fundamentos da prescrição, verifi-ca-se que o seu verdadeiro fundamento consiste no desinteresse do Estado de punir o infrator depois de ocorrido certo tempo, desapa-recendo, com isso, a razão para a punição.

3.2 Espécies de Prescrição Penal

A prescrição é matéria de ordem pública, devendo, por isso, ser reconhecida, ex officio, pelo juiz em qualquer fase do inquérito po-licial ou da ação penal, conforme determinação do artigo 61 do Código de Processo Penal4.

4 Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-la de ofício.

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Assim, como bem afirma Ricardo Lemos, “a prescrição pela sua magnitude é questão de ordem pública, pode não, mas deve sim, a qualquer momento ser decretada de ofício ou por provocação da parte” (2008, p. 45).

Dependo do momento em que for reconhecida, a prescrição divide-se em prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.

A prescrição da pretensão punitiva produz-se antes de a sentença penal condenatório galgar foros de definitividade, ou seja, antes da decisão transitar em julgado. O reconhecimento da pretensão puni-tiva encontra-se, de modo geral, lastreado na pena máxima abstra-tamente cominada ao tipo penal (prescrição da pretensão punitiva propriamente dita). Não obstante, é possível que a prescrição ante-rior ao trânsito em julgado da sentença condenatória tenha por base a pena concreta - prescrição superveniente e prescrição retroativa.

Na lição de Lozano Jr. a prescrição da pretensão punitiva acarre-ta a perda do Direito do Estado-Administração de exigir do Estado-Juiz uma decisão sobre o mérito da acusação judicialmente formu-lada (2002, p. 26).

Acerca do tema, Julio Fabbrini Mirabete (2002, p. 401) afirma que

Ocorrido o crime, nasce para o estado a pretensão de punir o autor do fato criminoso. Essa pretensão deve, no entanto, ser exercida den-tro de determinado lapso temporal que varia de acordo com a figura criminosa composta pelo legislador e seguindo o critério do máximo da cominado em abstrato da pena privativa de liberdade. Escoado esse prazo, que é submetido a interrupções ou suspensões, ocorre a pres-crição da pretensão punitiva, chamada impropriamente de prescrição da ação penal. Nessa hipótese, que ocorre sempre antes de transitar em julgado a sentença condenatória, são totalmente apagados todos os seus efeitos, tal como se jamais tivesse sido praticado o crime ou tivesse existido sentença condenatória.

A primeira espécie de prescrição da pretensão punitiva é a de-nominada propriamente dita, ou em sentido estrito, a qual é calculada

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tomando por base o máximo da pena abstratamente cominada ao delito em cotejo com os prazos prescricionais estabelecidos no artigo 109 do Código Penal5.

Importante ressaltar que na definição da pena máxima comina-da ao crime devem ser consideradas as causas de aumento e diminui-ção, quer previstas na Parte Geral quer existentes na Parte Especial do Código Penal, tomando-se como base o aumento máximo e a diminuição mínima. Como exceção, não se computam para a de-finição da pena máxima cominada ao crime as causas de aumento decorrentes do reconhecimento do concurso formal (art. 70, CP) e do crime continuado (art. 71, CP) 6, por força do artigo 119 do Código Penal7 (JAWSNICKER, 2008, p. 46).

Por outro lado, a existência de circunstâncias agravantes (arts. 60 e 61, CP) e atenuantes (art. 65, CP) não gera nenhum efeito sobre o cálculo da pena da prescrição abstrata.

Frise-se, também, que se aplicam às penas restritivas de direito os mesmos prazos prescricionais previstos para as penas privativas de liberdade (art. 109, CP).

Já a prescrição da pretensão punitiva superveniente, também co-nhecida por prescrição intercorrente, subseqüente ou ad quem, é regulada pela pena in concreto e deve ser reconhecida apenas nas ins-tâncias superiores.

5 Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1° e 2° do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada no crime, verificando-se:I – em (20) vinte anos, se o máximo da pena é superior a (12) doze;II - em (16) dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a 12 (doze);III – em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito);IV - em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro);V - em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois);VI - em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

6 Súmula 497, STF – “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.”

7 Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

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Esta modalidade de prescrição encontra-se regulada pelo § 1° do artigo 110 do Código Penal, o qual estabelece que “a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada”.

O marco inicial da prescrição superveniente é a publicação da sentença condenatória, consistindo o seu marco final o trânsito em julgado daquela para ambas as partes, cujo prazo é calculado pelo enquadramento da pena em um dos incisos do artigo 109 do Códi-go Penal.

José Júlio Lozano Jr. alerta, ainda, para o fato de que “não obs-tante a ausência de previsão legal a respeito, também poderá advir a prescrição em exame no caso de recurso provido da acusação, desde que não altere o prazo prescricional” (2002, p. 90).

A prescrição retroativa, por sua vez, resulta da combinação dos artigos 109, caput, e 100, §§ 1° e 2°, do Código Penal.

Regula-se, também, pela pena in concreto, sendo que seu prazo é contado regressivamente, podendo sobrevir entre inúmeros marcos.

Na lição de Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 472), a pres-crição retroativa

é a prescrição da pretensão punitiva com base na pena aplicada, sem recurso da acusação, ou improvido este, levando-se em conta prazos anteriores á própria sentença. Trata-se do cálculo prescricional que se faz de frente para trás [...].

Para uma melhor compreensão da prescrição retroativa, mostra-se salutar o ensinamento de Luiz Regis Prado (2006, p. 738), o qual leciona que

Assim, se entre a data da consumação do crime e a do recebimento da denúncia ou da queixa, ou se entre a data do recebimento da denúncia ou da queixa e a da publicação da sentença condenatória excede-se o lapso prescricional – aferido com base na pena in concreto -, aplica-se a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa.

Em caso de sentença absolutória em primeira instância e condenatória em segunda instância, conta-se a prescrição retroativa da data da con-

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denação à data do recebimento da denúncia ou queixa, ou da data do recebimento da denúncia ou queixa à data de consumação do delito.

Já nos processos de competência do tribunal do júri, sendo a sentença condenatória, a prescrição é contada da sentença à data da pronúncia (ou da decisão que a confirmou), da sentença de pronúncia ao recebi-mento da denúncia ou do recebimento da denúncia à data em que o crime se consumou.

Assim, o prazo prescricional na prescrição retroativa conta-se da data da publicação da sentença para trás, até a data do recebimento da denúncia ou queixa ou entre esta dada do recebimento da exor-dial até o dia da consumação do delito, verificando-se, para tanto, o termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença, previsto no artigo 111 do Código Penal8, como também as causas interruptivas do lapso prescricional, estabelecidas taxativamente no artigo 117 do mesmo Diploma legal9.

Ao contrário do que ocorre na prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, na prescrição retroativa e superveniente, como regra geral, as causas de aumento ou diminuição da pena, bem como as agravantes e atenuantes, não influem no prazo prescricional, haja vista já terem sido consideradas na sentença condenatória.

8 Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:I - do dia em que o crime se consumou; II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.

9 Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II - pela pronúncia; III - pela decisão confirmatória da pronúncia; IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI - pela reincidência. § 1º - Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. § 2º - Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção.

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Ressalta-se que nas modalidades de prescrição da pretensão pu-nitiva, uma vez declarada a extinção da punibilidade, o juiz ordena o encerramento do processo e se houver sentença condenatória, ela deixa de existir, não havendo, por conseqüência, que se falar em re-gistros de antecedentes criminais. A vítima poderá, contudo, discutir por meio de um processo de conhecimento no cível os seus direitos (LEMOS, 2008, p. 114).

A prescrição da pretensão executória, por sua vez, encontra-se regulada no artigo 110 do Código Penal, o qual estabelece que “a prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no ar-tigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente”.

Como bem exposto por Mirabete (2002, p. 401),

Transitada em julgado a sentença condenatória para ambas as partes, surge o título penal a ser executado dentro de certo lapso de tempo, variável de acordo com a pena concretamente aplicada. Tal título perde sua força executória se não for exercitado pelos órgãos estatais o direito dele decorrente, verificando-se então a prescrição da pretensão executó-

ria, também denominada prescrição da pena, da condenação, ou da execução da pena.

Assim, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o prazo prescricional é calculado levando em conta a pena in concreto, ou seja, a pena fixada na sentença. Assim, irrecorrível a sentença condenatória, o curso do lapso prescricional terá por base a pena aplicada.

Verifica-se, então, que com a prescrição da pretensão executória (ou da condenação), desaparece o direito de execução da sanção pe-nal imposta, bem como a medida de segurança (art. 96, parágrafo único, CP).

O termo inicial da prescrição da pretensão executória encontra-se regulada pelo artigo 112 do Código Penal, in verbis:

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Art. 112. No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr:

I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livra-mento condicional;

II do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.

Suspende-se a prescrição, depois de passada em julgado a sen-tença condenatória, durante o tempo em que o condenado está pre-so por outro motivo (art. 116, parágrafo único, CP).

De outro lado, interrompe-se o curso prescricional da execução pelo início ou continuação do cumprimento da pena e pela reinci-dência (art. 117, V e VI, CP).

No caso de evasão do condenado, após o início do cumprimento da pena, tem início novo prazo prescricional, regulado pelo tempo que resta da pena (arts. 112, II e 113, CP).

A reincidência, marco interruptivo apenas da pretensão executó-ria10, interrompe a prescrição a partir da data em que transita em jul-gado a sentença condenatória prolatada pela prática de novo crime.

Ao contrário do que acontece com a prescrição da pretensão punitiva, a partir do reconhecimento da prescrição da pretensão executória todos os efeitos principais e decorrentes da condenação permanecem intactos, inclusive a obrigação de reparar o dano, sendo que apenas o infrator não cumpre a pena.

Os prazos de prescrição, tanto da pretensão punitiva, como da pretensão executória, são reduzidos de metade quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos de idade (art. 115, CP).

Por fim, estabelece o artigo 114 do Código Penal que a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando foi a única aplicada ou cominada, ou no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da

10 Súmula 220, STJ – “A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva.”

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pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativamente ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.

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Além das modalidades de prescrição da pretensão punitiva acima descritas, vem ganhando força na jurisprudência atualmente uma for-ma anômala de prescrição, denominada de prescrição antecipada.

A prescrição antecipada, também chamada virtual, hipotética, projetada ou em perspectiva, não é prevista na lei de forma expressa, tratando-se, pois, como dito, de uma criação jurisprudencial e dou-trinária.

A prescrição virtual leva em conta a pena a ser virtualmente apli-cada ao réu, ou seja, a pena que seria, em tese, cabível ao réu em caso de futura sentença condenatória (NUCCI, 2005, p. 536).

De acordo com Osvaldo Palotti Júnior, a prescrição antecipada constitui “o reconhecimento da prescrição retroativa, tomando-se por base a pena que possível ou provavelmente seria imposta ao réu no caso de condenação” (1994, p. 303).

Já Júlio Lozano Jr (2002, p. 181) ensina que a prescrição ante-cipada

consiste no reconhecimento da prescrição retroativa antes mesmo do oferecimento da denúncia ou da queixa e, no curso do processo, an-teriormente à prolação da sentença, sob o raciocínio de que eventual pena a ser aplicada em caso de hipotética condenação trata a lume um prazo prescricional já decorrido.

Antonio Lopes Baltazar define a prescrição antecipada como “o reconhecimento da prescrição retroativa, antes da sentença, com base na pena a que o réu seria condenado, evitando assim, o des-perdício de tempo na apuração de coisa nenhuma, pois já se sabe, antecipadamente, que o resultado será a extinção da punibilidade” (2003, p. 107).

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Com isso, a referida prescrição permite ao magistrado vislum-brar a possibilidade de, em caso de condenação, e dependendo da pena aplicada, antever que, ao final, eventual pena imposta seria al-cançada pela prescrição.

Nestes casos, o juiz tem o poder-dever de reconhecer a prescri-ção retroativa antes mesmo do recebimento da denúncia, ou ante-riormente a sentença, evitando, com isso, o dispêndio de tempo com um processo fadada à extinção da punibilidade.

A aplicação da prescrição antecipada baseia-se essencialmente na perda do direito material de punir pelo Estado, já que lhe faltará uma das condições para a propositura da ação penal, ou o seu pros-seguimento, qual seja, o interesse de agir, posto que não se alcançará com a propositura da ação penal o resultado que dela se espera, no caso, a punição de indivíduo que praticou ato ilícito.

Aliás, a certeza de que o processo pena será inútil constitui falta de justa causa para o início da ação penal, pois, inexistindo inte-resse de agir para tanto, faltaria uma das condições da ação, o que ensejaria o seu arquivamento com fulcro no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal11.

O interesse de agir desdobra-se no trinômio necessidade e utili-dade do uso das vias jurisdicionais para a defesa do interesse material pretendido, e adequação à causa, do procedimento e do provimento, de forma a possibilitar a atuação da vontade concreta da lei segundo os parâmetros do devido processo legal. (NUCCI, 2005, p. 536).

A necessidade é inerente ao processo penal, tendo em vista a impossibilidade de se impor pena sem o devido processo legal. Já a utilidade traduz-se na eficácia da atividade jurisdicional para satisfa-

11 Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:I - o fato narrado evidentemente não constituir crime;II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.Parágrafo único. Nos casos do no III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

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zer o interesse do Estado. Por último, a adequação reside no processo penal condenatório e no pedido de aplicação da sanção penal.

O interesse de agir, como uma das condições da ação penal, consubstancia-se na necessidade de uma tutela jurisdicional que seja útil e ao mesmo tempo apta a produzir a punição do autor do ilícito penal, levando em conta que a prestação jurisdicional pleiteada não seja inócua do ponto de vista prático, devendo culminar em algum resultado objetivo.

Assim, o interesse processual é uma relação de necessidade e uma relação de adequação, porque seria inútil a provocação da máquina estatal, se ela, em tese, ao término, não for apta a produzir a punição do autor do ilícito.

Segundo Osvaldo Júnior (1994, p. 303)

O interesse de agir está jungido à utilidade do provimento jurisdicional pleiteado. Destarte, se a prestação jurisdicional mostra-se, de antemão, inútil, exsurge daí o desaparecimento do interesse de agir, o que jus-tifica o trancamento da ação penal em curso ou mesmo o não recebi-mento de denúncia oferecida. Em outras palavras: ausente o interesse de agir, inexiste pretensão digna de ser julgada.

Para os defensores desta corrente, se o Juiz constatar, no caso concre-to, que à vista das circunstâncias de fato e das condições pessoais do réu - especialmente sua primariedade e bons antecedentes - a pena, no caso de condenação, seria atingida pela prescrição, pode reconhecer o desaparecimento do interesse de agir do Estado e, por conseqüência, declarar extinta a punibilidade do réu pelo reconhecimento antecipa-do da prescrição retroativa. E tem esse poder porque o processo penal ‘não se justifica sem um objetivo: dar resposta jurisdicional à pretensão punitiva estatal, sob feição final da coisa julgada’, no dizer do e. Juiz Walter (eodosio, na declaração de voto constante do v. aresto publi-cado na RT 699/315-317.

Tendo em vista estas regras determinantes do interesse de agir, Maurício Antonio Ribeiro Lopes, em se vislumbrando a probabili-dade do reconhecimento da prescrição retroativa em caso de conde-nação, considera o Ministério Público carecedor de ação, por falta de interesse de agir. De fato, para Ribeiro Lopes (1993, p. 136-137),

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não se poderia chamar de adequada a providência jurisdicional que impusesse ao condenado uma pena, fosse privativa de liberdade, res-tritiva de direitos ou pecuniária, e esta não pudesse vir a ser executada, restando como mero símbolo de reprovação judicial sem efetividade e sem corresponder, minimamente que fosse, às expectativas do autor e da sociedade.

Ademais, o Direito Penal só pode ser aplicado em último caso, não se mostrando condizente dele se tirar proveitos políticos, fazen-do com que a vida dos cidadãos se torne insuportável, em função de processos inúteis de desgastantes.

Para Fabio Guedes Machado (2000, p. 197)

Pode-se afirmar que o Direito Penal que exercesse seu fundamento im-perativo nessas condições, isto é, com a constatação da perda do valor simbólico de sua intervenção, é ilegítimo, pois que somente a danosi-dade social pode constituir-se como fundamento para a legitimação da punibilidade, e, por conseqüência, onde houver estabilização social com o resultado da prática de um fato delituoso alcançado pela prescri-ção projetada não se justifica a interferência do Direito Penal. Destarte, a tolerabilidade social com um fato ocorrido não pleiteia a resposta do sistema através do processo e da pena.

Além da falta de interesse de agir do Estado, a prescrição virtu-al também encontra amparo no princípio da economia processual, pois seria absolutamente inútil dar prosseguimento ao feito, gerando dispêndio de esforços inúteis, em prejuízo de outros processos, que, por tal fato, também se defrontarão com a prescrição.

Maurício Ribeiro Lopes informa que os argumentos em favor da prescrição antecipada “encontram respaldo suficiente no princípio da economia processual, vez que é de indagar a razão de movimen-tar-se inutilmente a máquina judiciária com um processo onde já se sabe de antemão que, após a prolação de um édito condenatório, será impossível a imposição da sanção penal, face à ocorrência da prescrição” (1995, p. 524).

Antonio Lopes Baltazar ensina que o princípio da economia processual manda que, entre duas alternativas, deve ser escolhida

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aquela que for menos onerosa à parte e ao Estado. O que se procura, com a efetivação desse princípio, é “o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atividades processuais e, conse-quentemente, de despesas, sem contudo, suprimir atos previstos no rito processual em prejuízo às partes” (BALTAZAR, 2003, p. 107).

Por outro lado, o decurso prolongado do processo penal, por cer-to, causará constrangimento ilegal ao réu, mormente quando, mesmo após a sentença condenatória, mostra-se impossível a imposição da sanção penal, diante do reconhecimento da prescrição retroativa.

Assim, “é evidente o constrangimento a que está sujeito o réu, que aguardará por longos meses seu julgamento para que, mesmo se condenado for, somente então se possa ter a prescrição reconhecida” (BRANDÃO, 1994, p. 391-392).

Por isso, não se compreende que depois de toda a movimenta-ção do aparelho repressivo do Estado e da máquina judiciária, o que demanda recursos materiais e intelectuais, declara-se que, embora o réu tivesse sido condenado a cumprir determinada pena, aquela condenação na verdade não existe.

Não se desconhece a posição doutrinária contrária ao reconhe-cimento da prescrição antecipada, defendendo o oferecimento e o recebimento da denúncia, como também o regular processamento do feito, com instrução e sentença, para só então, conforme a pena aplicada em concreto, considerar-se extinta a punibilidade.

De acordo com este posicionamento, seria dado o fiel cumpri-mento à lei, com total respeito ao princípio do devido processo legal, resguardando ao acusado o direito à ampla defesa e ao contraditório, sem qualquer violação ao princípio da presunção de inocência.

Contudo, o reconhecimento da prescrição virtual não pode ser afastado diante da ausência de previsão legal, pois, como leciona Ri-cardo Pieri Nunes (2002, p. 10)

dentro do atual contexto da evolução da ciência jurídica, identifica-se um nítido esgotamento do clássico modelo positivista, com início de

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uma fase onde desponta a normatização de postulados. Nesta incipien-te era, os operadores do Direito extraem princípios do ordenamento jurídico enquanto todo harmônico, imputando-lhes densidade norma-tiva, a fim de aplicá-los no deslinde de questões desprovidas de uma solução justa diante da legislação em vigor.

Ricardo Nunes (2002, p. 11) afirma, ainda, que a prescrição antecipada não viola o princípio do devido processo legal

pelo simples fato de que a prescrição retroativa, mesmo quando reco-nhecida após a preclusão da faculdade recursal da acusação ou o des-provimento de seu recurso, afasta a condenação inicialmente imposta ao réu. Logo, se reconhecida antecipadamente, não haverá condenação sem processo, pois a condenação, de toda sorte, jamais chega a se con-sumar. Verifica-se, tão-somente, a constatação preliminar da ocorrência da extinção da punibilidade, ato que dispensa a formação da relação processual e que, por demais óbvio, não traz nenhum prejuízo para o suposto agente.

Ricardo Pieri Nunes vai além e afirma que a prescrição antecipa-da “visa justamente a homenagear a magna garantia do devido pro-cesso legal, notadamente em seu prisma substancial (substantive due process) que, como visto, descansa no princípio da razoabilidade”. Isso porque não é razoável, “quando possível antever seguramente o patamar da sanção, a propositura da ação penal para que ao final, preclusa a faculdade recursal da acusação ou desprovido seu recurso, se constate que o direito de punir foi fulminado pelo decurso do tempo” (2002, p. 11).

Da mesma forma, inexiste ofensa ao direito à ampla defesa e ao contraditório. Estes nascem a partir do exercício do direito de ação. Ora, no caso da prescrição antecipada, o direito de ação não pode ser exercido, em função da ausência do interesse de agir. Assim, não sendo possível o exercício do direito de ação, não haverá lugar para a ampla defesa e o contraditório.

Por outro lado, o reconhecimento da prescrição virtual não acar-reta violação ao princípio da presunção de inocência, haja vista que, nestes casos, sequer há reconhecimento da condenação. Na verdade,

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o magistrado, verificando uma possível condenação (até porque se ausentes indícios de autoria estaria obviamente obstada a ação penal, por ausência de justa causa), antecipa seu raciocínio para verificar, de plano, qual a maior pena possível de ser aplicada no caso concreto apresentado, dentro do critério da individualização da pena.

Não obstante entendimentos contrários, mostra-se possível o re-conhecimento da prescrição da pretensão punitiva antecipada, por uma simples questão prática, uma vez que não haveria razão de se es-perar o final do processo, com o trânsito em julgado da sentença, para, então, declarar extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição.

Ora, se o Estado já prevê de antemão, quase que com absoluta certeza, a futura extinção da punibilidade pela prescrição, seria inú-til e dispendioso movimentar toda a sua máquina para condenar alguém que, certamente, não será punido.

Assim, se a máquina do Estado não for capaz de, dentro do prazo que lhe é designado, dar fiel cumprimento à lei, haja vista os órgãos de persecução penal não disporem de recursos materiais e hu-manos para exercer com eficiência suas funções, não deverá ocupar-se inutilmente naquele caso já prescrito virtualmente, e possibilitar que com outros o mesmo ocorra.

Alguns tribunais no país já vem se utilizando do instrumento da prescrição antecipada para desafogar os órgãos de persecução penal, tornando viáveis as investigações de crimes mais recentes e colabo-rando com o término da morosidade na justiça criminal:

1) TRF 4, RSE n. 2007.072.09.000935-7/SC, rel. Desembargador Fe-deral Élcio Pinheiro de Castro, Oitava Turma, j. 10.10.2007:

PENAL. ESTELIONATO TENTADO. RAZOÁVEL DURAÇÃO DA LIDE. EXTINÇÃO DO IUS PUNIENDI. PRESCRIÇÃO AN-TECIPADA. EXCEPCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE IN-TERESSE PROCESSUAL. FALTA DE JUSTA CAUSA.

1. Assegura a Constituição Federal a todos os cidadãos, a razoável dura-ção do processo. Não somente o ofendido, mas também o acusado têm o direito de obter prestação jurisdicional em prazo adequado.

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2. A prescrição pela pena em perspectiva, embora não prevista na lei, é construção jurisprudencial tolerada em casos excepcionalíssimos, quando existe convicção plena de que a sanção a ser aplicada não será apta a impedir a extinção da punibilidade, em razão do tempo decorri-do entre os fatos e a denúncia.

3. Na hipótese dos autos, há elementos corroborando tal inteligência eis que, considerando o período transcorrido desde as condutas deli-tuosas (mais de 6 anos) sem que a peça acusatória tenha sido ofereci-da, a prescrição fatalmente incidirá sobre a pena aplicada em eventual sentença condenatória - que, provavelmente, muito não se afastará do mínimo legal cominado ao delito por que responde o acusado (1 ano de reclusão) mormente levando-se em conta a redução prevista no art. 14, II, do CP.

4. Falece interesse processual (art. 43, inc. II, CPP) na continuidade do feito, ocasionando, assim, ausência de justa causa em face da prescrição antecipada.

5. Extensão do decisum aos demais acusados (art. 580 da Lei Proces-sual).

2) TJRS, Apelação Crime Nº 70021410014, rel. Desembargadora Ge-nacéia da Silva Alberton, Quinta Câmara Criminal, j. 14.11.2007:

CRIME DE DANO. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU PROJE-TADA. POSSIBILIDADE. Possível declarar a extinção da punibilida-de do acusado quando se antevê o reconhecimento da prescrição em caso de eventual condenação. RECURSO IMPROVIDO.

Ressalta-se que este estudo não tem por objetivo defender a im-punibilidade. Longe disso. O que se almeja defender é a possibilida-de dos operadores do Direito, em especial os magistrados, reconhe-cer a prescrição antecipada como causa extintiva da punibilidade, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto – especialmente circunstâncias de fato e das condições pessoais, em respeito ao princípio da economia processual, evitando, em conseqüência, um constrangimento desnecessário ao réu causa-do pela demora na prestação jurisdicional, diante de flagrante falta de interesse de agir do Estado.

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5 CONCLUSÃO

A partir do momento em que é praticada a infração penal, o direito de punir, que anteriormente era abstrato, transforma-se em jus puniendi in concreto, nascendo para o Estado o direito de aplicar, por meio do Estado-Juiz, a punição prevista em lei ao transgressor, fazendo surgir a punibilidade, o que deverá ocorrer obedecendo a parâmetros, como o prazo previsto em lei.

Ordinariamente, a punibilidade se extingue com o cumprimen-to da sanção penal imposta ao autor do delito. No entanto, existem ocorrências que determinam a extinção da punibilidade antes que o Estado tenha a oportunidade de exercer o direito de punir concreto. Tais ocorrências são denominadas causas de extinção da punibili-dade e estão previstas, de forma taxativa, no artigo 107 do Código Penal, dentre as quais se encontra a prescrição (art. 107, inciso IV, 1° figura, CP).

A prescrição, que é matéria de ordem pública e, por este motivo, deve ser reconhecida, de ofício, pelo juiz em qualquer fase do inqué-rito ou da ação penal (art. 61, CPP), consiste na perda do poder-dever de punir do Estado pelo não-exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo.

Dependo do momento em que for reconhecida, a prescrição divide-se em prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.

A prescrição da pretensão punitiva produz-se antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado. Já a prescrição da pretensão executória ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenató-ria, regulando-se pela pena aplicada.

O reconhecimento da pretensão punitiva encontra-se, de modo geral, lastreado na pena máxima abstratamente cominada (prescrição da pretensão punitiva propriamente dita). Não obstante, é possível que a prescrição anterior ao trânsito em julgado da sentença conde-

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natória tenha por base a pena concreta - prescrição superveniente e prescrição retroativa.

Além destas modalidades de prescrição da pretensão punitiva, vem ganhando força na jurisprudência atualmente, uma nova moda-lidade de prescrição, denominada de antecipada, também conhecida como virtual, hipotética, projetada ou em perspectiva, não prevista na lei de forma expressa e que leva em conta a pena a ser virtualmen-te aplicada ao réu em eventual sentença condenatória, atendendo as circunstâncias do caso concreto, em especial as condições pessoais do agente.

A aplicação da prescrição antecipada baseia-se essencialmente na perda do direito material de punir pelo Estado, já que lhe faltará uma das condições para a propositura da ação penal, ou o seu pros-seguimento, qual seja, o interesse de agir, posto que não se alcança-rá com a propositura da ação penal o resultado que dela se espera, no caso, a punição de indivíduo que praticou ato ilícito, porquanto eventual pena imposta seria alcançada pela prescrição.

Assim, a prescrição virtual, ainda que não prevista em nenhum dispositivo legal expresso, deve ser aplicada pelos operadores do di-reito, fundamentando-se em princípios de ordem pública, como a economia e celeridade processual.

Não é porque a lei não prevê expressamente a figura da prescri-ção antecipada, que a mesma não possa ser alcançada por meio de uma interpretação sistemática ou finalista.

Mesmo porque, a aplicação da prescrição antecipada reduziria significativamente a quantidade de inquéritos policiais que abarro-tam as prateleiras das delegacias, como também processos criminais que lotam os cartórios judiciais, proporcionando tempo e melhores condições para evitar que outros inquéritos ou ações penais mais recentes não se vejam na mesma situação num futuro muito próxi-mo, prevenindo, assim, a prescrição que certamente fulminaria o jus puniendi futuramente.

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A PRESCRIÇÃO PENAL ANTECIPADA COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO | 169

Ressalta-se que o reconhecimento da prescrição antecipada não acarreta a violação aos princípios inerentes ao processo penal, dentre os quais o do devido processo legal, da ampla defesa e do contradi-tório e, ainda, o princípio da presunção de inocência.

A partir desse entendimento, conclui-se que o interesse-utili-dade compreende a idéia de eficácia do provimento do pedido, de modo que inexistirá interesse de agir quando se verificar que o provi-mento condenatório não poderá ser aplicado. Verifica-se que apesar do nome prescrição antecipada ou virtual, trata-se na verdade de um caso de falta de interesse de agir ou justa causa.

Assim, não existe lógica racional e jurídica em prosseguir com um procedimento ou processo que se sabe, de antemão, ser absolutamente infrutífero a sair do mundo dos autos para o mundo dos fatos.

Por este motivo, deve o jurista, principalmente se o seu inten-to for o de Promover eficientemente a Justiça, verificar, em análise ainda que hipotética, a viabilidade real da causa, sem se apaixonar pela mesma, aplicando a prescrição “em perspectiva” ou virtual da pretensão punitiva, paralisando o prosseguimento do feito e deter-minando seu arquivamento definitivo pela extinção da punibilidade (art. 107, IV, CP) em todos os casos em que a análise de futura pena, que poderia vir, já se apresentasse, no futuro, prescrita in concreto, sob pena de fulminar inquéritos e ações judiciais mais recentes com a mesma causa extintiva da punibilidade.

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