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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A IMPORTÂNCIA DO AFETO NO CONTEXTO FAMILIAR PARA A
FORMAÇÃO DA SAÚDE EMOCIONAL DO INDIVÍDUO
Por: Márcia Lima Silva
Orientador
Prof.ª Fabiane Muniz
Rio de Janeiro
2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A IMPORTÂNCIA DO AFETO NO CONTEXTO FAMILIAR PARA A
FORMAÇÃO DA SAÚDE EMOCIONAL DO INDIVÍDUO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Terapia Familiar
Por: Márcia Lima Silva
3
AGRADECIMENTOS
À Dr.ª Cláudia Nunes, minha terapeuta,
sempre generosa, competente e
afetuosa. Aos meus amigos, pela força
e carinho; aos clientes, motivo para o
aprimoramento do meu saber; a equipe
da AVM, pela oportunidade de
crescimento e aprimoramento. A todos
os professores e colegas de turma em
especial à Renata Lucas e Elizangela
Rodrigues, com as quais troquei
experiências e compartilhei angústias e
alegrias. À minha orientadora, pelo seu
apoio.
4
DEDICATÓRIA
À minha família, a de origem, e a que construí,
por todo o amor e apoio incondicional, por
estarem sempre presentes na minha vida.
Pelos sorrisos que me aquecem o coração e
me dão forças para continuar.
5
RESUMO
O presente trabalho investigou e identificou os vários aspectos e
fatores que contribuem para a formação de uma estrutura emocionalmente
saudável do ser humano, tendo como foco a importância do afeto no contexto
familiar na educação de filhos sendo a sua ausência ou deficiência fator
principal para o surgimento de problemas de ordem emocional do indivíduo.
No primeiro momento desta pesquisa observou-se que a família é
um grupo natural que através dos tempos tem desenvolvido padrões de
interação. Estes padrões constituem a estrutura familiar, que por sua vez
governa o funcionamento dos membros da família, delineando sua gama de
comportamento e facilitando sua interação. Uma forma viável de estrutura
familiar é necessária para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio
para a individuação ao mesmo tempo em que provê um sentido de pertinência.
Os membros da família não se experienciam normalmente como parte desta
estrutura familiar. Todo ser humano se vê como unidade, um todo, interagindo
com outras unidades. Sabe que influi sobre o comportamento de outros
indivíduos e que eles influenciam o seu. E quando interage dentro de sua
família, experiencia o mapeamento do mundo da família.
No segundo momento identificou-se que é no convívio estabelecido
desde a gestação, que surgem as primeiras dúvidas dos pais a respeito da
criação de filhos e como as primeiras relações podem influenciar na formação
de uma estrutura emocional saudável desse filho.
Nesse contexto, observa-se o significativo papel do afeto, bem como
a qualidade das primeiras relações no ambiente familiar que pode, ou não
favorecer o desenvolvimento saudável do indivíduo.
E, finalmente, o terceiro capítulo discorreu-se sobre a terapia
familiar, sua história e funcionamento como ferramenta para ajudar famílias
que, por algum motivo procuram ajuda para a resolução dos seus problemas
emocionais.
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METODOLOGIA
O presente estudo tem como instrumento o método de pesquisa
bibliográfica, ou seja, o levantamento de informações e leitura em livros, artigos
científicos, materiais coletados em internet, revistas e diversos trabalhos de
pesquisas publicados a respeito do tema em questão. O objetivo é fazer um
estudo bibliográfico do assunto.
Serão colocados em anexo, além de outros materiais, dois casos
como material para estudo de caso em terapia de família, como mostra da
abordagem a ser utilizada.
Os principais autores e teóricos utilizados para a realização desta
pesquisa foram, Phillipe Ariès, Salvador Minuchin, Donald W. Winnicott, Tânia
Zagury, Içami Tiba, Maria tereza Maldonado, Bruno Bettelheim e Daniel
Goleman.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Família e historicidade: Idade Média aos dias atuais 11
CAPÍTULO II - Educação de filhos e suas vicissitudes na atualidade 37
CAPÍTULO III – Terapia de Família 81
CONCLUSÃO 93
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 103
ANEXOS 94
ÍNDICE 108
8
INTRODUÇÃO
A complexidade e a riqueza dos
relacionamentos familiares, a sutileza dos afetos, os
desdobramentos da vida no cotidiano das famílias não
cabem inteiramente nas palavras. (Maldonado, 2006).
O presente trabalho de pesquisa tem por objetivo investigar e
identificar os vários aspectos e fatores que contribuem para a formação de
uma estrutura emocional saudável no ser humano desde o seu nascimento,
sendo a afetividade no núcleo familiar fator importante para a boa formação da
estrutura emocional do indivíduo.
Nos dias atuais, educar um filho traz consigo uma série de dúvidas e
angústias aos pais, que se sentem inseguros quanto ao seu papel e ao modo
de educar.
Frequentemente ouvimos falar sobre qual seria a melhor maneira de
educar filhos e se existe algum modelo a seguir, como se fosse uma receita.
Na clinica psicológica ouve-se frequentemente perguntas relacionadas com a
questão do trauma e do que fazer para que o filho tenha uma boa saúde
emocional.
Devido às várias mudanças ocorridas em nossa sociedade,
atualmente com modelos de famílias dos mais variados, se faz necessário um
estudo aprofundado e algumas reflexões acerca da criação de filhos em suas
diversas dinâmicas familiares e, como essas dinâmicas podem influenciar para
o surgimento de problemas emocionais em seus filhos, sendo a deficiência na
relação afetiva no interior da família, como ponto principal de estudo deste
trabalho.
Na era pós-moderna os pais tem se ausentado muito de seus
lares, deixando a educação do filho em mãos de terceiros. Filhos tem se
queixado de não receberem afeto e atenção, muitos apresentando
comportamentos considerados inadequados por seus familiares.
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Vemos pais que não se relacionam afetivamente com seus filhos,
alegando falta de tempo por terem que trabalhar muito para sustentar seus
filhos.
A família representa um dos pilares da sociedade e é o contexto
primário e privilegiado de socialização, permitindo aos indivíduos influenciar-se
mutuamente no contato com as diferentes gerações (Cruz, 2005).
De acordo com Maldonado (2006), as crianças são agentes de
mudança na família pelo simples fato de nascerem, com suas características e
necessidades, mexem profundamente com a afetividade dos pais e de outros
familiares (p.222).
Segundo Goleman (1995) é na tenra infância, no berço, que as
crianças recebem dos pais os ensinamentos emocionais que levarão para suas
vidas.
Os adolescentes, com seu olhar sobre o mundo, questionam e
desafiam o que está estabelecido, muitas vezes por hábitos arraigados ou por
posturas rígidas que não passaram por uma reflexão mais cuidadosa;
comportamentos rebeldes e contestadores podem estimular revisões
importantes nos adultos, assim como as contribuições advindas do
relacionamento com outras pessoas podem enriquecer o conhecimento e as
ações da família. (p. 206 e p. 222).
Neste sentido, a estrutura familiar representa a teia invisível que
organiza o modo como os subsistemas familiares e os seus membros
interagem entre si (Minuchin, 1974).
A parentalidade ao constituir-se como uma das etapas mais
marcantes e significativas do ciclo vital da família, está em constante
desenvolvimento e crescimento, de acordo com a idade dos filhos (Cruz,
2005). No subsistema parental, também a aliança parental estabelecida pelos
pais, assume um papel preponderante na vida familiar, contribuindo para a sua
progressão e para o seu bem estar. Para um terapeuta de família, entretanto,
10
a rede das transações familiares aparece em toda a sua complexidade. Ele vê
o todo, que é maior que a soma de suas partes.
De acordo com Minuchin (2007), a família como um todo se
assemelha a uma colônia animal, esta entidade composta por uma forma de
vida diferente, cada parte cumprindo o seu papel, porém, o todo formando um
organismo multicelular que em si mesmo é uma forma de vida.
Perceber as famílias como elas são, e não como desejamos que
elas sejam, tem sido o desafio enfrentado pelos profissionais de saúde.
11
CAPÍTULO I
FAMÍLIA E HISTORIDADE: IDADE MÉDIA AOS DIAS
ATUAIS
As famílias felizes parecem-se
todas; as famílias infelizes são
infelizes cada uma à sua
maneira. Léon Tolstói
Este primeiro capítulo discorrerá sobre o processo histórico da
família desde o período da Idade Média até os dias atuais, como forma de
entender a importância da família na vida do indivíduo.
A família é um grupo natural que através dos tempos tem
desenvolvido padrões de interação. Estes padrões constituem a estrutura
familiar, que por sua vez governa o funcionamento dos membros da família,
delineando sua gama de comportamento e facilitando sua interação. Uma
forma viável de estrutura familiar é necessária segundo MINUCHIN (2007),
para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio para a individuação ao
mesmo tempo em que provê um sentido de pertinência.
Segundo Roudinesco (2003), existiriam três fases de evolução da
família. A primeira se referia a família dita tradicional, que serviria acima de
tudo para assegurar a transmissão de um patrimônio. A família moderna se
enquadraria na 2ª fase, a qual seria o receptáculo de uma lógica afetiva, seria
fundada no amor romântico, sanciona a reciprocidade de sentimentos e dos
desejos carnais por intermédio do casamento, valoriza a divisão de trabalho
entre os esposos – busca de satisfação pessoal, concede a educação dos
filhos ao Estado. Já a família contemporânea/ pós-moderna, estaria na 3ª
fase, onde: dois indivíduos se unem em busca de relações íntimas ou
realização sexual.
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Para Figueira (1987), a diferença entre a família “tradicional” e a
"moderna” consiste em que na família "hierárquica", ou tradicional, a identidade
de seus membros é "posicional": (...) todos tendem a serem definidos a partir
de sua posição, sexo e idade. Há várias ideias em tomo do que é 'certo' e
'errado', e há vários mecanismos dentro e fora dos sujeitos para tentar suprimir
ou controlar as várias formas de desvio do comportamento. As regras emanam
de uma autoridade exterior. “Já a família igualitária, ou moderna, é definida
como aquela em que seus membros percebem-se como iguais porque
indivíduos, e ao mesmo tempo diferentes pessoal e idiossincraticamente”. Nela
as diferenças pessoais sobrepõem-se às diferenças sexuais, etárias e
posicionais. (...) As noções bem delineadas de 'certo' e 'errado' perdem suas
fronteiras, a noção de desvio de comportamento, pensamento ou desejo perde
clareza, e instaura-se, aparentemente, o reino da pluralidade de escolhas, que
só são limitadas pelo respeito à individualidade do outro. O que regula as
relações entre as pessoas não seria, então, um conjunto de regras de
comportamento com conteúdo fixo e visível, mas sim aquelas que, tendo como
eixo a ideia de indivíduo, incidem no sujeito deixando-lhe o direito de opção, o
que pode levar a comportamentos bastante variáveis, de tal forma que,
imoralidade agora é “contrariar os princípios da ideologia individualista:
respeito, igualdade, direito ao autodesenvolvimento etc.”
A estrutura familiar atual, centrada na afeição e na intensificação
das relações entre pais e filhos na privacidade de suas casas, é uma invenção
relativamente recente na história do Homem ocidental, ganhando contornos
mais nítidos a partir do século XVII na Europa.
A originalidade da Idade Média é justamente a sua organização
baseada na família, e em um novo modelo de família, fundado no modelo de
casamento cristão. Ao compreender-se o matrimônio como um contrato a ser
estabelecido entre o casal, dá-se voz também à mulher. A família se funda
assim na união do homem e da mulher e nos filhos que naturalmente virão
dessa união. É uma visão que toma por modelo inclusive a Sagrada Família,
cuja devoção aumenta continuamente ao longo da Idade Média. Claro que os
13
casamentos arranjados continuam a acontecer, mas valem quase sempre
tanto para o homem quanto para a mulher, ou seja, os pais decidem o
casamento dos filhos, em oposição ao modelo antigo, no qual o homem
tomava para si uma mulher. (p.15 e 26).
Ariès (1981) em seus estudos retrata com detalhes, partindo
principalmente de fontes francesas, o processo histórico que resultou na
constituição de valores e dos costumes da família moderna que praticamente
subsistem até os dias atuais.
Historicamente o conceito de família esteve associado ao aspecto
de linhagem, pois ela confundia-se com a sociedade como um todo. Com o
passar dos anos, ela afastou-se cada vez mais desse conceito de linhagem, de
feudalismo, e começou a moldar-se no modelo burguês nuclear - pai, mãe e
filhos (Ariès, 1986).
Ao longo dos anos, a família foi dividida em tipos e subtipos. Bach
(1983) apontou diferentes tipos e subtipos de família. Para esse autor existia a
família parental onde a procriação e a educação eram o eixo fundamental e
essa compreendia a família patriarcal e a família doméstica. Já a família
conjugal era aquela em que a moral encontrava-se nas relações entre o marido
e a mulher e englobava a família nuclear.
A família está atrelada ao processo dinâmico da história e sofre
modificações, pois sua estruturação está intimamente vinculada com o
momento histórico em que atravessa a sociedade da qual faz parte, uma vez
que os diferentes tipos de estruturas familiares são determinados por um
conjunto significativo de variáveis ambientais, sociais, econômicas,culturais,
políticas, religiosas e históricas. Sendo assim, observa-se atualmente o
surgimento de novas configurações familiares, como as famílias com base em
união livre, as famílias monoparentais comandadas por um dos cônjuges,
famílias divorciadas gerando novas uniões, famílias recompostas, mulheres
com filhos sem companheiro estável, entre outras. (SINGLY, 2000). Elucidando
este aspecto histórico da família, cabe ressaltar que nos anos 60 e 70, durante
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a revolução sexual, o movimento feminista questionou a família nuclear.
(Goodrich, Rampage, Ellman; Halstead, 1990).
Desse modo, a família, que anteriormente seguia um modelo rígido
a partir dessas transformações sociais, políticas e econômicas, passou a ser
vista sob outras formas.
Entretanto, Féres-Carneiro e Ponciano (2003) apontam outros tipos
de família, como a família determinada por valores, entre os quais relações,
como: o sentimento de amor, a realização pessoal na convivência com o outro
significativo, e, por consequência, a formação da identidade humana por meio
da filiação e da transmissão intergeracional. E, ainda, essas autoras observam
que, embora o modelo nuclear tenha sido questionado, a família não foi
substituída por nenhum outro grupo ou instituição social. Atualmente, observa-
se a tendência atual das famílias igualitárias, estruturas familiares onde há
igualdade na divisão de tarefas domésticas e maior participação da mulher no
mercado de trabalho (Pratta e Santos, 2007).
1.1 – A descoberta da infância
Para compreendermos melhor a situação da criança nos dias de
hoje, se faz necessário um relato sobre o aparecimento da valorização de ser
criança em determinado contexto histórico.
Até o século XII, as condições gerais de higiene e saúde eram muito
precárias, o que tornava o índice de mortalidade infantil muito alto. Pode-se
apresentar um argumento contundente para demonstrar que a suposta
indiferença com relação à infância nos períodos medieval e moderno resultou
em uma postura insensível com relação à criação de filhos. Os bebês abaixo
de 2 anos, em particular, sofriam de descaso assustador, com os pais
considerando pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um “
pobre animal suspirante”, que tinha tantas probabilidades de morrer com pouca
idade. (Heywood, 2004, p.87)
15
E, ainda sim, as crianças que conseguiam atingir certa idade não
possuíam identidade própria, só vinda a tê-la quando conseguissem fazer
coisas semelhantes àquelas realizadas pelos adultos, com as quais estavam
misturadas. Sendo assim, dos adultos que lidavam com as crianças não era
exigida nenhuma preparação. Tal atendimento contava com as chamadas
criadeiras, amas de leite ou mães mercenárias.
Contudo, um sentimento superficial da criança – a que chamei de
“paparicação” – era reservado á criancinha em seus primeiros anos de vida,
enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam
com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se
ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar
desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo
a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato
(Áries, 1981, p.10).
Vale ressaltar também que o tratamento dado a uma criança do
sexo masculino era, em muitos casos, diferente do tratamento recebido por
uma criança do sexo feminino, pois “as meninas costumavam ser consideradas
como o produto de relações sexuais corrompidas pela enfermidade,
libertinagem ou a desobediência a uma proibição” (Heywood, 2004, p.76).
E sendo assim, a celebração do nascimento de uma criança se
diferenciava de acordo com o sexo da mesma. Um exemplo é a Bretanha do
século XIX, em que a chegada de uma criança do sexo masculino era saudada
com três badaladas de um grande sino, enquanto a chegada de uma criança
do sexo feminino era saudada com apenas duas badaladas e de um sino
pequeno.
Até mesmo na arte a infância foi ignorada. “Até por volta do século
XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É
difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou a falta de
habilidade.
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“É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse
mundo” (Ariès, 1981, p.50).
No século XIII, atribuíram-se à criança modos de pensar e
sentimentos anteriores à razão e aos bons costumes. Cabia aos adultos
desenvolver nelas o caráter e a razão. No lugar de procurar entender e aceitar
as diferenças e semelhanças das crianças, a originalidade de seu pensamento,
pensava-se nelas como páginas em branco a serem preenchidas, preparadas
para a vida adulta.
Sendo que até o fim do século XVIII, não existem crianças caracterizadas por
sua expressão particular, sendo retratadas então como homens de tamanho
reduzido.
“A “descoberta” da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e
XVII, quando então se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento
especial, “uma espécie de quarentena”, antes que pudessem integrar o mundo
dos adultos”. Fazendo assim com que as crianças deixassem de ser
misturadas aos adultos. Essa quarentena foi a escola, que substituiu a
aprendizagem como meio de comunicação.
A passagem da família medieval para a moderna implicou numa
lenta e insidiosa construção de um novo sentimento de família. Esta
transformação foi possível porque a família modificou suas relações e
atribuições com a criança (Heywood, 2004, p.23)
Àries (1981) defende a ideia de que a escola se constituiu no marco
fundamental dessa passagem, na medida em que deixou de ser reservada
somente aos clérigos para se tornar um instrumental normal da iniciação
social, do percurso da infância à idade adulta. A escola substituiu a
aprendizagem como meio de educação, rompendo o convívio da criança com o
mundo dos adultos.
A escolarização não foi imediatamente generalizada a todos os
setores da sociedade. A partir do século XVII criou-se uma extensa rede de
17
instituições escolares de importância variável. A escolarização restringiu-se,
inicialmente, apenas à camada média da população. A alta nobreza e os
artesãos permaneceram por mais tempo fiéis à antiga aprendizagem. No
mundo artesanal e operário ainda persistem vestígios desse modelo os dias
atuais. O acesso das meninas, por outro lado, só se fundiu no final do século
XVIII e início do XIX.
Gradativamente, por meio da ampliação de seus efetivos, do
aumento e do fortalecimento do número de instituições de ensino, a escola
venceu as resistências e impôs sua autoridade moral. A escola passou a
confinar a infância, antes livre no universo dos adultos, num regime disciplinar
cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX resultou no
enclausuramento total do internato.
Simultaneamente ao fortalecimento da escola, a casa da família foi
perdendo seu caráter de espaço social aberto à visitação pública e aos
negócios, para se fechar em sua privacidade. A casa privada modificou sua
organização e arquitetura para expressar a nova preocupação com a vida
doméstica, particular, e para se defender de um mundo exterior percebido mais
e mais como perigoso.
Àries (1981, p.43) acredita que, a formação dessa ideia de família
limitou-se, inicialmente, à burguesia e à nobreza. Os criados foram alojados
em áreas separadas e camas tiveram seu uso reservado apenas ao quarto de
dormir. Os visitantes, como sinal de boa educação, passaram a marcar
antecipadamente suas visitas, e eram recebidos em salas apropriadas para
este fim. A necessidade de conforto e da diferenciação dos espaços na casa
espelhou o desejo recente de intimidade e isolamento.
A partir do século XVIII, esse modelo de família nuclear e
sentimental, que antes se limitava às classes abastadas, será lentamente
imposto à consciência de todas as camadas da população. Ainda no início do
século XIX, grande parte dos setores pobres ainda vivia como as famílias
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medievais, afastando as crianças da casa dos pais, como do processo de sua
formação.
Rousseau, ainda no século XVIII, marcou um novo conceito de
infância: ela não era corrupta, mas poderia ser corruptível. Não era algo contra
o que se devesse lutar, mas era preciso cuidá-la para que não se deformasse
em erro (Mello Neto,1998). A criança começou a ser valorizada como um ser
humano que necessita de cuidados e atenção especiais. Esse período marcou
uma maior aproximação entre os filhos e seus pais verdadeiros, pois, nos
séculos anteriores, a criança ficava sob cuidados de pessoas alheias à família,
mas gradativamente ela passou a ter um contato mais intenso e também
afetivo com seus pais (Ariès, 1978; Roig & Ochotorena, 1993)
Trata-se de um sentimento inteiramente novo: os pais se
interessavam pelos estudos dos seus filhos e os acompanhava com solicitude
habitual nos séculos XIX e XX, mas outrora desconhecida.
A família começou a se organizar em torno da criança e a lhe dar tal
importância que a criança saiu de seu antigo anonimato, que se tornou
impossível perdê–la ou substituí–la sem uma enorme dor, que ela não pôde
mais ser reproduzida muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu
número para melhor cuidar dela (Ariès, 1981, p.12). (...) A família moderna
construiu-se ao redor da preocupação dos adultos em torno da infância, o que
lhes exigiu dedicação considerável. Ariès (1981, p.91).
A mudança de paradigma no que se refere ao conceito de infância
está diretamente ligada com o fato de que as crianças eram consideradas
adultos imperfeitos. Sendo assim, essa etapa da vida provavelmente seria de
pouco interesse. “Somente em épocas comparativamente recentes veio a
surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e,
portanto, dignas de serem estudadas por si sós” (Heywood, 2004, p.10).
A valorização da criança foi muito tardia. Legalmente, ela só se
tornou um sujeito de direitos no século XX, em 1959, na Assembleia Geral da
19
ONU, na qual foi promulgada a Declaração dos Direitos da Criança. A
conscientização sobre a particularidade infantil levou muitos estudiosos a
pesquisarem e conhecerem melhor todo o processo de desenvolvimento
infantil, as práticas educativas usadas pelos pais e suas relações com o
comportamento dos filhos.
Como pudemos perceber, a maneira como a infância é vista
atualmente é consequência das constantes transformações pelas quais
passamos, e que é de extrema importância nos darmos conta destas
transformações para compreendermos a dimensão que a infância ocupa
atualmente. “Este percurso (esta história), por outro lado, só foi possível
porque também se modificaram na sociedade as maneiras de se pensar o que
é ser criança e a importância que foi dada ao momento específico da infância”
(Bujes, 2001, p.13)
Uma infância que requer “especialistas” não é, certamente, uma
infância qualquer, mas sim, uma que supostamente necessita de um séquito
de “conhecedores para lhe revelar sua verdade”. Assim, a noção de infância na
modernidade se articula dentro de uma política de verdades, amparada pela
autoridade do saber de seus porta vozes. (Cirino apud Castro, 1999, p.24)
Atualmente, a infância ganha um destaque em relação ao papel que
lhe era atribuído na Antiguidade. Hoje é reconhecido o período cronológico da
infância e inclusive a legislação assegura os direitos e deveres das crianças.
(Angerami-Camon, 2011, p. 263). Para assegurar que a infância seja efetivada,
existe a legislação, que serve para regular a sociedade. É a legislação que
determina o período da infância, quais são os direitos e os deveres das
crianças e quais são as responsabilidades dos pais ou responsáveis. O
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado para normatizar a
infância. É ele que define quando começam e quando terminam a infância e a
adolescência: (Angerami-Camon, 2011, p. 262)
Considera-se criança, para efeitos desta lei, a pessoa até
doze anos de idade incompletos; e adolescente aquela
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entre doze e dezoito anos de idade. (Brazil, 1990, artigo
2º, título I).
O direito à educação é assegurado na Constituição Federal (CF) da
República Federativa do Brasil de 1988, em que, pela primeira vez na história
constitucional do país, explicita-se a declaração dos direitos sociais,
destacando-se, com primazia, a educação. No artigo 205, afirma-se que “a
educação, direito de todos e dever do Estado e da família”.
Além de garantir os direitos assegurados às crianças, a lei ajuda a
definir a compreensão da infância e das atividades que são permitidas e
esperadas das crianças. Por exemplo, a obrigatoriedade do ensino
fundamental garante que a criança de determinada faixa etária estará
matriculada na escola, dificultando o trabalho infantil, que também é proibido
por lei, e garantindo que a criança desenvolva s aptidões e habilidades
determinadas para seu desenvolvimento cognitivo.
Porém, é importante salientar que muitos dos mitos do passado
ainda assombram o presente e perpetuam preconceitos contra crianças.
Dentre eles podemos destacar o da criança como ser irracional ou mesmo
imaturo. Os preconceitos constroem uma linha imaginária que separa entre
dois mundos distintos as crianças dos adultos, seguindo a mesma lógica que
rege os preconceitos raciais. Assim, tem-se a ideia de que a criança, ao se
emancipar e se tornar um adulto maduro e racional, deixará de ser um “ser
infantil”.
É importante reconhecer que a infância vai sendo construída cultural
e historicamente, que alguns preconceitos perpetuam e que sua conceituação
não é universal tampouco se limita a aspectos biológicos. Uma reflexão acerca
da infância nos dá possibilidades de pensá-la de outra forma, dando novas
possibilidades às crianças (Angerami-Camon, p.263, 2011).
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1.2 – Família e afetividade
Sobre sentimentos, ao olhá-los pelas lentes dos
padrões transacionais manifestos pelas famílias,
vemos que eles regulam o modo como os familiares
se relacionam. (Minuchin, 1982).
Antes de falarmos de família e afetividade precisamos conceituar
afeto de acordo com alguns teóricos e pesquisadores.
Afeto é um termo que a psicanálise foi buscar na terminologia
psicológica alemã (affekt) e que exprime qualquer estado afetivo, penoso ou
desagradável, vago ou qualificado, quer se apresente sob a forma de uma
descarga maciça, quer como tonalidade geral. Segundo Freud, toda pulsão se
exprime nos dois registros, do afeto e da representação. O afeto é a expressão
qualitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações.
(Laplanche e Pontalis, 2004, p.9).
Para Cabral e Nick (2003), afeto é o estado sentimental que se
caracteriza, por uma parte, pela inebriação física perceptível e, por outra parte,
por uma perturbação peculiar do processo representativo. Jung empregou o
termo emoção como sinônimo de afeto, quando se afastou de Bleuler ao
distinguir entre sentimento e afeto. “O sentimento só se converte em afeto
quando adquire certa intensidade que provoca intervenções físicas
perceptíveis, acrescentando que “o sentimento pode ser função
voluntariamente disponível, enquanto o afeto não costuma ser.” Dos dois
conceitos originais, poderemos extrair o significado de afeto como qualquer
espécie de sentimento e (ou) emoção associada a ideias ou a complxos de
ideias.(p.16).
O estado afetivo pode ser manifestado por emoções positivas (amor
e alegria) e, ainda, por emoções negativas (raiva, tristeza e medo); a
predominância dos aspectos positivos ou negativos vai depender do alicerce
familiar. É nas relações entre as pessoas que a criança começa a criar dentro
dela sentimentos dominantes, que serão manifestados pelos comportamentos.
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O relacionamento mais importante para a formação desta base emocional,
afetiva, é o relacionamento entre filho e os pais.(Castro, p.27 e 28, 2012)
A afetividade diz respeito a ações e reações internas, que interferem
no externo. É por meio dos sentimentos (que são dirigidos para o interior e são
privados) que as emoções (que são dirigidas para o exterior e são públicas)
iniciam o seu impacto na mente. (Castro, p.27, 2012).
O século XX assistiu a uma profusão de trabalhos cujo propósito era
compreender as formas de relacionamento em família, as mudanças que o
modelo impôs à construção das subjetividades, os impactos causados sobre o
campo social e mais recentemente as mudanças que esse mesmo modelo
vem por sua vez sofrendo em razão de demandas da sociedade con-
temporânea. A emergência da noção de infância provocou igualmente
inúmeros estudos acerca do desenvolvimento afetivo no interior da família, dos
variados padrões educacionais adotados e sua variação ao longo do tempo e
conforme os valores de cada cultura.
Wallon (1993) se debruçou, durante grande parte de sua vida, sobre
o estudo das emoções e da afetividade, em busca de fundamentar a sua
pesquisa sobre a psicogênese da pessoa completa, considerada em todos os
aspectos: afetivo, cognitivo e motor. Identificou as primeiras manifestações
afetivas do ser humano e suas características. Estudou, também, a grande
complexidade que a afetividade e as emoções sofrem no decorrer do
desenvolvimento, assim como suas múltiplas relações com outras atividades
psíquicas. Para ele, a afetividade é fator fundamental na constituição do
sujeito. É entendida como instrumento de sobrevivência do ser humano, pois
corresponde à primeira manifestação do psiquismo, propulsiona o
desenvolvimento cognitivo ao instaurar vínculos imediatos com o meio social,
abstraindo deste o seu universo simbólico, culturalmente elaborado e
historicamente acumulado pela humanidade. Por conseguinte, os instrumentos
mediante os quais se desenvolverá o aprimoramento intelectual são,
irremediavelmente, garantidos por estes vínculos, estabelecidos pela
consciência afetiva. Desde pequeno, ainda recém-nascido, o ser humano
utiliza a emoção para comunicar-se com o mundo. O bebê, antes mesmo da
23
aquisição da linguagem, consegue estabelecer relação com a mãe, ou pessoa
que dele cuida, através de movimentos de expressão, primeiramente
fisiológica:
“O recém-nascido não tem ainda outras formas de se comunicar
com o outro, que não a emoção [...] Cada movimento, cada expressão corporal
dessa criança, acaba por receber um significado, atribuído pelo outro,
significado esse do qual ela se apropria. Uma criança que chora porque seu
estômago dói de fome, não chora inicialmente para alguém vir alimentá-la, mas
chora por causa da dor. Ao receber a atenção que necessita, vai construindo
os significados de cada ação sua. (Gonçalves, 2003, p. 14 e15)”.
Portanto, o ser humano é produtor de cultura e só depois se torna
produto dela. Ou seja, a linguagem do choro, que é uma produção cultural, e
os movimentos e gestos do recém-nascido são carregados de significados
afetivos, sendo expressões da necessidade alimentar e do humor. Assim, o
bebê estabelece uma comunicação com a mãe (ou substituta) através das
manifestações não-verbais. Dessa forma, as reações corporais, antes limitadas
ao próprio espaço corporal, agora se dirigem ao mundo.
O recém-nascido e a criança, no seu primeiro ano de vida, utilizam
gestos e expressões carregadas de significados afetivos, anteriores à
inteligência (Wallon, 1993).
Para Mchaffie apud Pinheiro, 1999), a sua importância é primordial,
pois considera o alimento afectivo tão imprescindível, como os
nutrientes orgânicos. “Sem o afecto de um adulto, o ser humano enquanto
criança não desenvolve a sua capacidade de confiar e de se relacionar com o
outro” (Idem; p. 30).
Para Almeida (1999, p.42), “a afetividade manifesta-se
primitivamente no comportamento, nos gestos expressivos da criança”.
Bowlby (2004) vê como pontos importantes no desenvolvimento da
criança a presença da mãe, sua disponibilidade e a continuidade de cuidado,
24
que datam do início da vida pessoal do bebê, quer dizer, antes mesmo que ele
possa perceber objetivamente a mãe total.
“Sabemos que o mundo estava lá antes do bebê, mas o bebê não sabe
disso, e no início tem a ilusão de que o que ele encontra foi por ele criado”.
Esse estado de coisas, no entanto, só ocorre quando a mãe age de maneira
suficientemente boa. (Winnicott, 1982)
Em sua teoria do desenvolvimento emocional, Winnicott afirma que
“A dinâmica é um processo de crescimento, sendo este herdado por cada
indivíduo. Toma-se como certo aqui, o meio ambiente facilitante e
suficientemente bom, que, no início do crescimento e desenvolvimento de cada
indivíduo, constitui um sine qua non. Há genes que determinam padrões, e
uma tendência herdada a crescer e a alcançar a maturidade; entretanto, nada
se realiza no crescimento emocional, sem que esteja em conjunção à provisão
ambiental, que tem de ser suficientemente boa. Observa-se que a palavra
perfeito não figura nesse enunciado; a perfeição é própria das máquinas e as
imperfeições, características da adaptação humana à necessidade, constituem
qualidade essencial do meio ambiente que facilita.”.
Winnicott (apud Macedo, 1987, p. 8) afirma ainda que, a criança vai
se desenvolvendo para ser uma pessoa saudável e poder se relacionar com as
outras pessoas. Para isto, também terá que passar do estado de relação de
objeto para o estado de uso do objeto. Aí ela estará com plena consciência da
existência de um mundo não-eu onde ela não será mais onipotente e seu ego
estará integrado.
Para Vigotski (1998) a experiência social exerce seu papel através
do processo de imitação; quando a criança imita a forma pela qual o adulto usa
o instrumento e manipula objetos, ela está dominando o seu verdadeiro
princípio envolvido numa atividade particular. Os gestos de carinho, as formas
de aconchego, as trocas de olhares devem ser estimuladas pela família,
buscando valorização destes momentos.
25
A criança começa a explorar o ambiente materno através da
imitação, vivenciando as situações através de experiências realizadas com o
propósito de reforçar o seu vínculo com a mãe e os demais familiares (Vigotski,
1998).
Para Reich (1974) o afeto é o construtor do psiquismo. O gesto é
pleno de afeto, senão ele se mecaniza, se encouraça. O afeto ainda existe
para manter e lembrar da existência da vida. O afeto é a nossa ligação
imediata com a vida. É através dele que percebemos que fazemos parte do
universo.
Em Freud, o conceito de afeto (affekt) está ligado ao de
pulsão (trieb). A pulsão é uma produção teórica de Freud, "conceito situado na
fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos
estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como
uma medida de exigência feita à mente no sentido de trabalhar em
consequência de sua ligação com o corpo" (1915a, Ed. St. Br., 1974, p. 142).
Quanto aos destinos do afeto, Freud (1915c) aponta três
possibilidades: ou ele permanece, no todo ou em parte, como é; ou é
transformado num afeto qualitativamente diferente, sobretudo em angústia; ou
é suprimido, isto é, impedido de se desenvolver. Suprimir o desenvolvimento
do afeto constitui, para Freud, a verdadeira finalidade do recalcamento (e da
repressão). Aliás, ele admite falar de "afetos inconscientes" apenas nos casos
em que estes foram inibidos, em seu desenvolvimento, pelo processo de
recalcamento.
Freud chama a atenção, no entanto, para a diferença produzida pela
incidência do recalcamento na idéia e no afeto. Após o processo de
recalcamento, diz ele, "as idéias inconscientes continuam a existir como
estruturas reais no sistema inconsciente, ao passo que tudo o que naquele
sistema corresponde aos afetos inconscientes é um início potencial impedido
de se desenvolver" (1915c, Ed. St. Br., 1974, p. 204). Portanto, não existem,
26
para Freud, rigorosamente falando, afetos inconscientes da mesma forma que
existem idéias inconscientes.
Referindo-se ainda ao afeto, Pain (1991) situa dois níveis: "a) o da
categoria dos afetos, reconhecíveis como estados ou sinais específicos de um
estado emocional e b) o da categoria dos valores afetivos, onde se produz a
transformação da emoção em um valor dentro de um sistema simbólico (p.39).
Inúmeros estudos da década de setenta mostram que, além de
poder dispensar cuidados ao bebê, o pai também se torna um elemento de
ligação afetiva, embora sua atuação não seja igual à da mãe. O que essas
pesquisas mostraram também é que o próprio pai se considera importante
tanto no que se refere aos cuidados de vida prática dispensada à criança,
como na formação dos filhos. Revelaram ainda que o contato, o brinquedo e a
companhia dos filhos são sentidos como prazerosos.
Tal como a mãe, o pai sente-se hoje responsável pelo filho. Pensa,
por sua vez, que lhe deve cuidados, amor e sacrifícios. E que, para ser bom
pai, já não basta aparecer episodicamente no quarto do bebê, enquanto ainda
não pode conversar com o homenzinho e levá-lo para passear e ver coisas
interessantes.
Antigamente, pensava-se que nos primeiros meses o bebê só se
relacionava com a mãe e dela dependia a satisfação de suas necessidades
básicas de sobrevivência física e emocional. No entanto, sobretudo a partir da
década de 80, as pesquisas e a observação refinada do comportamento dos
recém-nascidos no contexto familiar mostram que desde os primeiros dias há
também a percepção do pai. Portanto, o pai entra muito mais cedo na vida da
criança do que se costumava supor. É importante que ele participe dos
cuidados do filho, para construir um vínculo sólido com o bebê, o vínculo pai-
filho (a), influenciando qualitativamente o desenvolvimento emocional mais
saudável, minimizando possíveis rivalidades, somatizações e regressões.
27
Assim, quanto mais fortes forem os laços afetivos fixados entre pai e
filho (a) na gravidez, melhor será o desenvolvimento da paternidade e do
vínculo pai-filho (a) na vida fora do útero, sendo o estabelecimento desses
laços, nos primeiros estágios de vida, a chave para reviver a instituição da
paternidade.
Segundo Carvalho (2003), os pais (gênero masculino) devem ter um
papel importante na divisão da responsabilidade, nos cuidados com a criança e
de apoio à vulnerável dupla mãe-filho, desde as primeiras semanas de vida da
criança. Antes de se tornarem pais, o homem e a mulher passam boa parte do
seu tempo juntos conhecendo-se melhor e fortalecendo seu relacionamento.
Mas, uma vez que o bebê nasce tudo muda, o novo foco de praticamente tudo
que se faz é para o bebê. Neste momento, esse casal passa a reelaborar suas
atividades conjugais e opta como prioridade cotidiana o cuidado com o recém-
nascido. A partir de estudos sobre a ausência paterna, alguns psicólogos
defendem que tanto o pai, quanto a mãe, tem importante papel no
desenvolvimento infantil, não apenas na provisão das necessidades materiais,
mas, também nas relações de afeto. A nova disposição para assumir o
exercício da paternidade, a responsabilidade cotidiana pelo cuidar do outro, o
ocupar-se e o permitir-se ser ocupado cotidianamente pelo filho, representa
uma grande humanização e contribui para a desconstrução do papel
tradicional do masculino.
Para Winnicott (1982), o pai seria vivido pela criança como se fosse
outra mãe, não sendo reconhecido como uma pessoa de outro sexo. O modelo
do relacionamento inicial com o bebê seria o modelo materno, mesmo que
desempenhado pelo pai. Tal fator está relacionado à valorização do vínculo
materno na formação da personalidade da criança, baseada num modelo de
família em que cabia à mulher a exclusividade dos cuidados com os bebês, e
numa compreensão das origens do amor na satisfação das necessidades da
nutrição.
28
Nos dias atuais, o novo pai materna o filho à imagem e semelhança
da mãe. Ele se insinua, como uma outra mãe, entre a mãe e o filho, o qual
experimenta quase indistintamente um corpo a corpo tão íntimo com a mãe
quanto com o pai. Para nos convencermos disso, basta observarmos as
fotografias, estampadas com freqüência cada vez maior nas revistas, de pais
seminus estreitando nos braços seus filhos recém-nascidos. Percebe-se em
seu rosto uma ternura toda materna que não escandaliza ninguém. Sim,
depois de séculos de autoridade e de ausência do pai, parece surgir um novo
conceito, o "amor paterno", semelhante em tudo e por tudo ao amor materno.
É provável que essa nova experiência da paternidade seja
amplamente imputável à influência das mulheres que reclamam cada vez mais
a divisão de todas as tarefas, e mesmo do amor a ser dado aos filhos. Elas
pressionam, portanto nesse sentido os homens que as amam. É possível
também que a parte de feminilidade que existe em todo homem tire algum
proveito disso. Mas não se pode excluir o fato de que as mulheres atribuem
aos homens uma responsabilidade tão grande e exercem sobre eles uma
pressão tão forte quanto aquelas que os homens dos séculos XVIII e XIX
fizeram pesar sobre elas.
A partir do momento social em que a mulher começou a integrar de
forma mais significativa, à força de trabalho, os papéis masculino e feminino,
dentro do lar, deixaram de ser tão estanques, e o pai passou a ser visto como
um elemento importante para o desenvolvimento da personalidade da criança
desde a infância inicial. (Osório, 1996)
1.3 – Família: universo de gerações
Ouve-se muito que a família contemporânea estaria em crise. Para
fazer essa afirmação, cabe-se ir ao conceito de crise, que etimologicamente
significa “decisão”, “juízo”, “discriminação” (do grego krisis derivado de krino:
eu decido, separo, distingo, julgo), diferentemente do sentido apocalíptico ou
de ruptura com que foi o termo empregado através dos tempos (Osório, 1996).
29
As crises, segundo o mesmo autor, remetem ao acúmulo de
experiências e a uma melhor definição de objetivos. O que está em jogo "não é
o desaparecimento da família, mas sua profunda diversificação e a mudança
do seu sistema de poder" (Castells, 1999).
A família contemporânea, em suas múltiplas configurações, pode
ser importante núcleo afetivo, de apoio e de proteção. Pode, também, ser
agência de desigualdades, de controle e de repressão, quando não de
violência, fator de risco para seus membros (Antoni & Koller, 2000, p.59).
A família suscita desde sempre sentimentos ambivalentes. A vida
familiar é uma das primeiras experiências significativas de vida do indivíduo.
Weiss (1992) afirma que, os relacionamentos humanos possuem
múltiplas facetas, pois cada indivíduo desempenha na vida uma enorme
variedade de papéis, muitos dos quais com alicerces na dinâmica
familiar/individual: papel de pai, mãe, de filho, avó, irmão, irmã etc. Papéis que
são determinantes no desenvolvimento tanto afetivo quanto físico.
O sucesso ou o insucesso dos outros inumeráveis papéis que os
indivíduos irão exercer ao longo de sua história (aluno, profissional, por
exemplo), dependerão, em grande parte, do sucesso ou insucesso de suas
relações dentro do sistema familiar.
Segundo Rubinstein (2003), os pais às vezes deixam de acertar,
mas não quer dizer que erram com seus filhos. Eles, os pais, fazem o que
podem e como podem em relação à educação dos filhos, pois o que entra em
cena é a gama de relações possíveis sustentadas ou não pela família, que é
tecida pelas expectativas, desejos, frustrações, enfim cumprindo a profecia
destinada a cada sujeito, seguindo as histórias de vida de cada um.
Uma boa relação familiar, de acordo com muitos teóricos, deve ter
início na infância, pois isso pode ser fundamental no que diz respeito às
escolhas feitas e aos caminhos a serem percorridos até a vida adulta. Pois
aqui, todas as influências que ele recebeu da família, influências estas que
30
formaram sua identidade até então, servirão para que o indivíduo constitua
uma nova gestalt original e funcional de si mesmo, ou seja, busque sua própria
identidade, a partir das múltiplas identificações que recebeu até aquele
momento.
Erikson (2000), afirma que duas são as condições para que se
desenvolva o sentimento da identidade: a percepção da uniformidade e
continuidade da existência pessoal no tempo e no espaço; a percepção do fato
de os outros reconhecerem essa uniformidade e continuidade da pessoa.
(p.19)
De acordo com Neuburger, (1999), quando se trata da família, a
compreensão dos seus processos internos passa inevitavelmente pelas
noções de intra-subjetividade, intersubjetividade e transubjetividade como
referências que permitem o discernimento daquilo que é próprio ao sujeito, ao
outro e ao campo social. Em outros termos, essas noções permitem,
simultaneamente, conceber o sujeito em seu contexto histórico e cultural, o
grupo como sujeito coletivo e a sociedade como contorno para ambos: sujeito
e grupo.
Em conjunto, essas três referências constituem o eixo central que
organiza a família e, como tal, balizam suas transformações. Cada uma delas
possui particularidades que revelam, seja individual ou entrelaçadamente, as
distintas formas pelas quais os sujeitos se movimentam no grupo. A intra-
subjetividade diz respeito àquilo que é próprio à realidade interna, à relação
que o sujeito mantém com instâncias da ordem do intrapsiquismo, como
desejos, sonhos, fantasias etc. A intersubjetividade dimensiona, mais
especificamente, as relações entre os sujeitos quase sempre inscritos em
algum espaço grupal, seja de família, de amigos, de trabalho etc. A
transubjetividade, por sua vez, se refere àquilo que é próprio a uma dimensão
social, em seu sentido mais amplo, e tem uma profunda repercussão no sujeito
e nas relações entre os sujeitos inseridos nas distintas modalidades
institucionais. Neste caso, poderíamos pensar nas implicações que têm
31
determinadas incidências do contexto social na família ou mesmo em seus
membros.
Como função primordial da família, a filiação depende de uma certa
reorganização psíquica que os pais processam no momento da gestação. De
acordo com Darchis (2000), tal movimento pressupõe um retorno que os pais
fazem à sua família de origem, por meio do qual eles reorganizam suas
identidades e suas posições tanto no que tange à conjugalidade, quanto ao
familiar e ao transgeracional. Para esta autora, é necessário que os laços
primários com os pais sejam ressignificados para que os novos laços se façam
e a parentalidade seja instaurada. Quando há traumas não elaborados e
feridas recalcadas, o encontro com o filho se revela difícil, e a parentalidade
pode se instaurar de forma defensiva.
É preciso ressaltar que o laço de filiação coexiste com outros laços
no interior da família, a saber: os laços do casal, os laços fraternos e também o
laço que associa a criança a seus antepassados. Todos eles dependem do
nível de investimentos que são feitos reciprocamente. Esses investimentos, por
sua vez, dependem do reconhecimento que cada um faz do outro no interior do
grupo e, particularmente, entre as parcerias. Isso significa dizer que, no
processo de filiação, assim como na formação dos demais laços, é
fundamental que cada sujeito se reconheça em uma determinada posição, ao
mesmo tempo em que legitima a posição do outro.
A família não se define, portanto, pelos indivíduos unidos por laços
biológicos, mas pelos significantes que criam os elos de sentido nas relações,
sem os quais essas relações se esfacelam, precisamente pela perda, ou
inexistência, de sentido. Se os laços biológicos unem as famílias é porque são,
em si, significantes. Ninguém se atreveria a contestar a força simbólica dos
“laços de sangue” em nossa cultura ibérica/ocidental, com os “nomes de
família”, as semelhanças físicas, os traços de personalidade (ou de caráter)
“que se puxa” de algum parente próximo ou distante... (Sarti, 1999).
32
As fronteiras da família, delimitadas pela história que vai sendo
contada aos indivíduos ao longo de suas vidas, são, entretanto,
constantemente redefinidas pelas várias mensagens que lhe chegam, vindas
do mundo ao seu redor. Além disso, cada um conta esta história do seu jeito.
Ela é recontada de maneiras diferentes por e para cada um dos membros que
compõem a família, dependendo do lugar a partir do qual ouvem e falam,
construindo várias (e variadas) histórias.
Os discursos são distintos porque os lugares nas relações são
diferenciados. O discurso muda não apenas de acordo com quem fala, mas
também em relação a quem se fala. A família, universo de relações, embora
comporte a equidade entre o homem e a mulher, implica autoridade, pela sua
função de socialização dos menores, definindo-se, assim, como um mundo de
relações recíprocas, complementares e assimétricas.
Crescer significa precisamente poder relativizar as referências
familiares, desnaturalizando-as, o que permite, no mundo moderno, o processo
de singularização do “indivíduo”. Este processo atualiza-se permanentemente
ao longo da vida e diz respeito não apenas ao indivíduo com relação à sua
família, mas refere, ainda, às formas alternativas de organização familiar frente
ao “modelos” legitimados socialmente. O "crescimento" passa a ser entendido
não verticalmente, mas horizontalmente como mudanças de lugares.
Os limites do mundo familiar, demarcados pela história que a família
conta sobre si, criando sua identidade, são abalados pela ação individualizada
de cada um de seus membros, que reagem singularmente às relações internas
e que trazem à convivência cotidiana a experiência também singular com o
mundo exterior.
A família é definida como um grupo de indivíduos vinculados por
uma ligação emotiva profunda e por um sentimento de pertença ao grupo, isto
é que se identificam como fazendo parte daquele grupo. Esta definição é
flexível o suficiente para incluir as diferentes configurações e composições de
famílias que estão presentes na sociedade atual.
33
“Somos cinco irmãos, moramos em cidades diferentes, alguns de nós estão no
exterior. Quando nos encontramos podemos ser, um com o outro, indiferentes
ou distraídos. Mas, entre nós, basta uma palavra, uma frase: uma daquelas
frases antigas, ouvidas ou repetidas infinitas vezes, no tempo de nossa
infância.(....) Uma dessas frases ou palavras que faria com que nós, irmãos,
nos reconhecêssemos uns aos outros, na escuridão de uma gruta, entre
milhões de pessoas. Essas frases são o nosso latim, o vocabulário de nossos
tempos idos, são como os hieróglifos dos egípcios ou dos assírios babilônicos,
o testemunho de um núcleo vital que deixou de existir, mas que sobrevive em
seus textos, salvo da fúria das águas, da corrupção do tempo. Essas palavras
são o fundamento da nossa unidade familiar, que subsistirá enquanto
estivermos no mundo, recriando-se e ressuscitando nos mais diferentes pontos
do planeta (...) ( Ginzburg, 1988)
Segundo Castilho (2003), a história da geração precedente
transmite significados, através da mediação dos pais que, com as lembranças,
seus hábitos de vida e seu modo de se relacionar com outros entes queridos
nos informa sobre relações passadas e seu valor. Podemos pensar então na
presença de uma continuidade histórica evolutiva entre os significados que
distinguem os modelos relacionais do passado e os atuais. O que nos permite
falar em uma identidade cultural da família, de um sistema de valores
ideológicos e afetivos que no tempo de várias gerações modela
comportamentos e expectativas de como ser pai, mãe, etc., e também de
como enfrentar eventos significativos na família como lutos, separações,
nascimentos, etc. A família está, então, apoiada em imagens idealizadas
construídas através de gerações: o mito familiar, elemento de coesão e matriz
do conhecimento.
A adesão ao mito é uma garantia de integração familiar, através
dele se transmitem às novas gerações modalidades de como relacionar-se, de
valores, papéis e funções. Ele estabelece significados e está impregnado no
tecido relacional da família, como um tapete multicor onde todos jogam um
jogo que ele gerencia.
34
Os mitos se convertem em verdadeiras portas de entrada para
quem se prepara para descer nas profundezas do universo de valores
compartilhados por um grupo. Invisível, é ele o arquiteto das regras de relação
de uma família, regras silenciadas que podem ser lidas em todas as paredes.
Deste contexto brota uma comunicação verbal e não verbal, entrecortada de
silêncios e olhares eficientes para transmitir “mensagens” importantes que vão
além de seu conteúdo manifesto: o que pode ser falado e o que deve ser
silenciado. O mito como a fábula, se constrói sobre uma rede de eventos, de
“personagens”, de papéis, de conteúdos simbólicos conectados entre eles.
Dele despontam elementos “organizadores” que assumem importância diante
de alguns temas ou tramas.
Nossa compreensão sobre a família nos remete a uma unidade de
interação entre os subsistemas que a compõem em sua totalidade e suas
redes de relações mais amplas, ou seja, o universo de suas inter-relações intra
e extrafamiliar. É a família em si o conjunto e a interseção de relação entre
suas partes e o todo. No entanto, este é um tema oriundo de muitas
definições, muitas das quais ao longo da história de estudos foram desviando-
se do que se acredita ser a família, uma vez que num sentido genérico ela
muda e se adapta às circunstâncias históricas e às diferentes exigências dos
estádios de desenvolvimento. “uma família é um sistema que opera através de
padrões transacionais”, ou seja, de relações de quem, como e quando a
família se relaciona dentro do sistema familiar. Minuchin (1982, p. 57).
Sobre este entendimento, Maturana e Varela (2005) ressaltam que
toda entidade viva somente pode perceber, responder, pensar, acreditar e agir
de acordo com os limites de sua estrutura única e como um ser em acoplagem
estrutural. Em outras palavras, só temos o mundo que criamos com o outro.
Esse conceito salienta que a realidade descrita por uma pessoa não existe
independente dela, pois é uma reformulação de sua experiência.
Consequentemente, a realidade descrita por uma pessoa não é uma “realidade
objetiva”, pois é uma reformulação de uma experiência vivida.
35
Na concepção de Minuchin (2000), “uma família é uma classe
especial de sistema, com estrutura, pautas e propriedades que organizam a
estabilidade na mudança. Também é uma pequena sociedade humana cujos
membros em contato cara a cara têm vínculos emocionais e uma história
compartilhada”. Desse modo, a explicação que nos permite transitar sobre
esse tema está na compreensão de perceber a pessoa como unidade do
sistema familiar, uma parte separada, mas também uma parte do conjunto.
Assim, é necessário compreender a pessoa e a família simultaneamente. (p.
27)
As famílias estão em “estado de fluxo constante e sempre em
alteração”. (Wrigth & Leahey, 2002, p. 41). Portanto, alerta-nos para a
interação de toda a família e para o relacionamento paradoxal entre
estabilidade e mudança. Nesse sentido, se destacam nas interações a forma
de construção de padrões de relações ao longo do ciclo vital da família.
(Relvas, 1996; Carter & Mcgoldrick, 2001).
Assim, é fundamental conhecer cada família de maneira
individualizada, seus vínculos e sua rede de relações, para compreender como
se desenvolvem seus laços de sangue, solidariedade e vínculos, entre outros.
(minuchin, 2000).
Segundo Foley (1990), a família “tem que manter um senso de si em
meio ao conflito e, ainda assim, permitir o crescimento e a mudança”. Refere
ainda que as marcas distintas da unidade familiar, que são a afeição, o
cuidado e a lealdade, só são possíveis mediante a referida
complementaridade. O núcleo central dessa citação está na
complementaridade, e pressupõe a singularidade do todo familiar e suas
partes ( p. 64 e p.65).
Assim, partimos do princípio de que cada tipo de família cria suas
próprias demandas, não inteiramente novas, produzidas por um complexo
entrecruzamento entre o novo e o velho, o individual e o coletivo, o visível e o
invisível. Figueira (1989, p. 21)
36
CAPÍTULO II
EDUCAÇÃO DE FILHOS E SUAS VICISSITUDES NA
ATUALIDADE
Nada mais fácil que ter um filho. Nada mais imperativo que
fazer dele um homem. Nada mais difícil que fazer dele um
homem realizado em todos os planos. Schmidt
Neste capítulo falaremos sobre a educação de filhos, bem como suas
implicações, dúvidas e dificuldades que pais e educadores estão enfrentando
nos dias atuais.
0 mundo atualmente está passando por muitas mudanças, mudanças
que afetam tanto psicologicamente quanto fisicamente a vida destas pessoas
que estão alienadas neste turbulento processo chamado de globalização. A
civilização está sempre oferecendo produtos de última geração para
justamente facilitar a qualidade de vida dos indivíduos.
Quanto mais novo, mais moderno, melhores serão os recursos do novo,
mais garantia, mais segurança, mais tranqüilidade, mais tecnologia, mais
inteligência e mais potencialidade. Porém, o novo, essa promessa de uma vida
melhor, é o que mais rapidamente envelhece, por isso, os sujeitos estão
sempre usando vestimentas de última moda, ou seja, qualquer objeto que
através de seu uso é capaz de gerar laços sociais segundo o tipo de ideal de
cada sexo. Percebe-se, portanto, a marca do ter, talvez quem sabe, para fazer
frente ao não ser com o qual o ser humano se vê confrontado.
O progresso da tecnologia e o avanço das telecomunicações nos
permitem acompanhar os acontecimentos do mundo em tempo real, ter acesso
às diferentes culturas, cujos valores são em parte semelhantes aos nossos e
em parte bem diferentes deles. A exposição a essa grande diversidade
humana, juntamente com a mudança do olhar sobre a infância e a juventude (
o reconhecimento dos direitos da criança, a maior visibilidade do problema da
37
violência doméstica, a mudança dos modelos educacionais, a divulgação das
teorias psicológicas sobreo desenvolvimento emocional), resultou num grande
questionamento dos modelos tradicionais de educar os filhos e dos conceitos
de “certo” e “errado”.
Os pais modernos, perdidos e confusos, sentem-se atordoados com
os filhos, que, desde pequenos, questionam o que é dito, resistem às tarefas
necessárias e demonstram irresistível atração pelas inúmeras opções de lazer
e entretenimento.
O que fazer para que os filhos sejam capazes de fazer boas
escolhas, cuidar bem de si mesmos e de seus relacionamentos, administrar o
tempo para cumprir as tarefas e se divertir?(Maldonado, p.15, 2006).
Rojas (1996) afirma que o indivíduo pós-moderno busca o conforto
durante todos os períodos de sua vida, já não esperando a última fase da vida
para viver melhor, para desfrutar a comodidade, sem sufocos. Apesar desta
busca incessante pela comodidade e conforto, encontramos uma sociedade
ansiosa, em estado constante de alerta, sem ideais, descompromissada, mas
com um desejo muito grande de experimentar sensações diversas e
excitantes.
Rojas (1996) nomeia este novo modelo de existência, como uma
"vida light", “onde tudo está sem calorias, sem gosto ou interesse, a essência
das coisas não importa, só o que é quente e superficial”.
A cultura contemporânea, segundo Hobbs, citado por Yalom (1983)
produz uma neurose caracterizada não pela falta de conhecimento interno,
mas por uma carência de propósito e de um significado para a vida. 0 indivíduo
contemporâneo é levado a colocar a significação de sua vida nos objetos
(Parecer-Ter).
Nos dias atuais o Parecer-Ser e o Parecer-Ter já é parte integrante
das relações estabelecidas entres as pessoas no trabalho, educação, família,
38
religião e até mesmo nas relações mais intimas, enquanto forma de
comunicação e relacionamento afetivo.
De acordo com Rudio (2001) Ser, enquanto construção pessoal, é
fruto da responsabilidade assumida com relação à própria existência, na busca
de mantê-la e aperfeiçoá-la; é buscar realizar-se dentro das condições de seu
existir no mundo.
Nesse novo contexto, o aspecto corporal assume um valor
fundamental: é preciso exibir na pele a personalidade de cada um, e essa
exposição deve respeitar certos requisitos. As telas sejam do computador, da
televisão, do celular, da câmera de foto ou da mídia que for, expandem o
campo de visibilidade, esse espaço onde cada um pode se construir como uma
subjetividade alterdirigida. A profusão de telas multiplica ao infinito as
possibilidades de se exibir diante dos olhares alheios e, desse modo, tornar-se
um eu visível.
Nesta cultura das aparências, do espetáculo e da visibilidade,
tendências exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um efeito: o
reconhecimento nos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto.
Cada vez mais é preciso aparecer para ser. Pois tudo aquilo que permanece
oculto, fora do campo da visibilidade, seja dentro de si trancado no lar ou no
interior do quarto próprio, corre o triste risco de não ser interceptado por olho
algum. E, de acordo com as premissas básicas da sociedade do espetáculo e
da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem provável que essa
coisa não exista. (...) Nesse monopólio da aparência, tudo o que ficar do lado
de fora, simplesmente não é. (Sibília, p.111 e 112, 2008).
Neste sentido, Ariès (1981) afirma que atualmente somos
“obcecados” pelos problemas físicos, morais e sexuais da infância,
convidando-nos a um olhar para a História que deixa patente o quanto essa
mentalidade é recente.
39
E qual é o objetivo da educação de filhos? A ação de quem educa
guia-se por objetivos imediatos e mediatos, que são determinados por valores
sócio histórico e culturalmente estabelecidos (Caldana, 1994).
Em outras palavras, a conduta do educador é guiada pelo ideário,
pelos valores e costumes do contexto no qual está inserido. Tais valores de
alguma forma determinarão as imagens da criança ideal e do adulto ideal de
determinado contexto sócio-histórico-cultural, que certamente influirão nos
objetivos da educação.
Com efeito, Newson e Newson (1974) trazem a noção de que o
aspecto mais interessante da preocupação contemporânea com as práticas
educativas é a consciência e atenção às possíveis conseqüências psicológicas
dos métodos que se usam na criação de uma criança. Isto é um fenômeno
novo, já que as gerações anteriores de pais estiveram especialmente
preocupadas com temas relacionados à sobrevivência física e ao
desenvolvimento moral, mais do que com conceitos de saúde mental e bem-
estar emocional.
Vivemos numa sociedade que democratiza o conhecimento,
aumentando o acesso à informação e aos bens culturais, sem controle estatal.
O excesso de informações e de escolhas de produtos e serviços é irreversível.
Assim como precisamos orientar os filhos (e nós mesmos) na seleção de
alimentos saudáveis e de exercícios que ajudem a cuidar bem do corpo, é
importante guiá-los (e igualmente a nós próprios) na escolha dos alimentos
para o cérebro e as emoções. Também, neste sentido, temos de nos
alfabetizar. (Maldonado, 2006)
Alfabetização de mídia é o processo de seleção consciente do que
vamos assistir e de construção do equilíbrio entre o tempo gasto com a mídia e
com outras atividades da nossa vida. Significa também desenvolver a visão
crítica e a reflexão sobre o conteúdo dos programas e da publicidade. (...). É
claro que existe a ciberpatologia aditiva, com os seguintes sintomas:
sentimento de euforia diante do computador, pensamento na internet quando
40
se está fazendo outras coisas, aumento crescente da navegação, navegar sem
rumo, dificuldade de se desconectar, alteração da vida relacional, desinteresse
por outras atividades.
2.1 – Nascimento dos filhos: a importância das primeiras
experiências
No momento em que a boca encontra o seio,
ela encontra e absorve um primeiro gole do mundo. Afeto,
sentido, cultura estão co-presentes e são os responsáveis
pelo gosto das primeiras gotas de leite. (Aulagnier, 1975)
Nos registros deixados pela nossa primeira infância, encontramos a
base de nossa vida emocional adulta. Somos, nesta fase, extremamente
sensível ao meio em que vivemos.
Neste contexto, Winnicott (1982) afirma que o meio ambiente
maternante – relação mãe/bebê é essencial no desenvolvimento e
amadurecimento saudável do ser humano. Ele coloca esse ambiente como
fundamental para a saúde. Falhas deste meio ambiente poderão ter como
consequência, diferentes quadros psicopatológicos.
Rappaport (2000), bem como a própria literatura popular, exaltam a
importância da qualidade do relacionamento criança-mãe para o
desenvolvimento da personalidade.
Muitos teóricos da aprendizagem social que aceitam o conceito de
dependência como impulsos adquiridos explicam que o início da formação do
elo mãe-criança se relaciona com a satisfação de necessidades fisiológicas
básicas.
A criança aprende a jogar com a mãe, e com os seus sentimentos.
Ela sabe que um brinquedo que cai poderá ser recuperado em seguida, sem
que este precise, necessariamente, sumir ou quebrar-se. A participação da
mãe nesse brincar de jogar objetos e recuperá-los é muito importante. Pegar o
brinquedo do chão e devolvê-lo à criança é uma prova de que ela pode ir-se e
41
voltar para ele; de que mesmo odiada e quebrada continuará com ele,
amando-o. Isto feito repetidamente, o quanto a criança deseje, estará
fortificando uma confiança na mãe, consequentemente, no mundo que a cerca,
visto que sua mãe é a referência desse mundo (winnicott, 1975 apud Macedo,
1987, p.20).
Todo o processo de desenvolvimento saudável dependerá de um
ambiente que seja facilitador, que não tenha estímulos excessivos e que
proporcione suporte para que o bebê e futuramente a criança possam
desenvolver seus potenciais. Neste ambiente facilitador do processo de
amadurecimento proporcionado pela mãe, o bebê se desenvolve. Ela é
responsável por todos os cuidados físicos e afetivos necessários, para
preencher as necessidades do bebê, e de acordo com Winnicott, esta é a
única forma de amor que o bebê pode reconhecer nesta fase.
À conduta emocional da mãe ao cuidar de seu filho, onde não
somente administra cuidados físicos, mas também lhe dá suporte e afeto,
Winnicott (1982) denominou de “holding”. É através do “holding” que o bebê
terá a experiência de continuidade do ser. Essa experiência de continuidade é
decorrente de uma adaptação do meio às necessidades da criança, que não
se sente invadida pela mãe-ambiente, nem mantida num meio inconstante e
sentido como ameaçador. Todo esse suporte necessário contido no “holding”
está estreitamente conjugado com o manejo ou “handling”, segundo Winnicott.
Será através do manejo cuidadoso, sensível e, portanto carinhoso, que a
relação positiva vai sendo construída e mantida pela mãe. Esse contato físico,
que se deu pelo manejo, levará a criança, a um reconhecimento gradativo de
seu corpo, possibilitando uma construção imaginária do mesmo, resultando na
psique encontrando o corpo como sua morada. Este momento é importante por
assinalar o êxito de um marco no desenvolvimento. No processo de integração,
o bebê reconhece-se como “eu sou”; neste momento há um reforço mútuo
entre o funcionamento do corpo e o desenvolvimento do ego. “Na posição ‘eu
sou’, o indivíduo pode ou não, por razões internas ou externas (e o bebê ainda
é altamente dependente), conseguir lidar com a rivalidade que isto engendra”.
42
Para Winnicott (1982), torna-se importante nesse processo um
reforço de ego da mãe para o seu bebê e sua capacidade de adaptar-se as
necessidades dele fornecendo uma realidade de dependência, a sensação de
segurança e confiabilidade possa vir a se integrar gradativamente, ligando a
psique com o soma. A psique encontrará, aos poucos, a sua morada no corpo.
A psique se incumbe da elaboração imaginativa das funções somáticas e vai
se desenvolvendo, resultando no processo de “personificação” que é fruto da
ligação psique-soma. Desta forma, teremos o surgimento do Self como
unidade, levando ao gradual reconhecimento da mãe como um “outro”. Este
Self constituído será então chamado de Self verdadeiro, sendo deste modo o
núcleo da personalidade, o núcleo do ego que permanecerá oculto e integrado.
A mente, segundo a concepção de Winnicott, é uma instância especializada da
psique, que se desenvolverá a medida que a criança começa a ter consciência
do meio externo, e permitirá que ela possa lidar com as falhas crescentes do
meio ambiente, de acordo com o estágio e possibilidades no seu processo de
amadurecimento crescentes do meio ambiente, de acordo com o estágio e
possibilidades no seu processo de amadurecimento.
Winnicott (1982) afirma ainda que numa relação patológica com o
meio ambiente, o falso Self é utilizado como uma forte defesa onde seu uso se
torna exclusivo, a fim de atender e simplesmente agradar ao meio ambiente. O
uso do falso Self numa forma excessiva encobriria, nos casos mais graves, o
verdadeiro Self, deixando transparecer somente a “casca”, o “socialmente
aceito” e não a real pessoa. Nas pacientes de lúpus, supõe-se um uso maior
do falso Self, pela dificuldade que se observa nas pacientes em “negociar” com
o meio ambiente, passando a mostrar-se” flexíveis” nos relacionamentos com
as outras pessoas, pela sua dificuldade de expor seus desejos. Podemos,
portanto, facilmente depreender como este ser em desenvolvimento precisa de
um “meio ambiente maternante”, capaz de dar o “holding” e o “handling” que o
bebê necessita, para que possa alcançar um desenvolvimento saudável.
Porém, nem sempre é possível um desenvolvimento infantil sustentado, com
uma mãe capaz de dar o “holding” e “handling” que a criança necessita.
43
Winnicott (1982), afirma que uma boa proporção de mães e pais,
em virtude de doenças sociais, familiares e pessoais, não consegue fornecer à
criança condições suficientemente boas a época de seu nascimento. Durante o
desenvolvimento, o bebê é capaz de suportar adversidades e tensões,
contanto que ele possa confiar no “meio ambiente maternante”. Porém, se o
meio ambiente primário se apresentar como inóspito provocando “tensão” e/ou
inconstância afetiva, a sensação de segurança e continuidade de ser deixa de
existir, e surge, então, uma tendência natural de sobrevivência, de buscar
defesa fazendo uso do falso Self, a fim de poder lidar com este meio ambiente
e se adequar a ele.
A maior força motivadora da personalidade é o impulso para a
realização do self. Embora essa ânsia pela auto realização seja inata, pode
ser incentivada ou reprimida por experiências da infância e por aprendizagem.
Rogers enfatizava a importância da relação entre mãe e filho por ela afetar no
senso de self em evolução na criança. Se a mãe satisfaz a necessidade de
amor do bebê, que Rogers chamou de atenção positiva, ele provavelmente
terá uma personalidade saudável. (Rogers, 1961).
Para Rogers (1961), se a mãe condiciona o amor pelo filho a um
comportamento adequado (atenção positiva condicional), ele internalizará essa
atitude e desenvolverá condições de valor. Nesse caso, a criança se sentirá
valorizada somente sob determinadas condições e tentará evitar
comportamentos considerados reprováveis. Consequentemente, a noção de si
mesma não se desenvolverá plenamente. A criança não será capaz de
expressar todos os aspectos de si própria porque aprendeu que alguns desses
comportamentos produzem rejeição.
Desse modo, o principal requisito para o desenvolvimento da saúde
psicológica é a atenção positiva incondicional na infância. O ideal seria que a
mãe demonstrasse o amor e a aceitação à criança, independentemente do seu
comportamento. A criança que recebe atenção positiva incondicional não
desenvolve condições de valorização e assim não terá de reprimir nenhuma
44
parte emergente de si. Somente dessa maneira a pessoa eventualmente é
capaz de obter a auto-realização (Rogers, 1961).
A teoria dos objetos de Klein concentrava-se na ligação emocional
intensa entre mãe e filho, principalmente durante os seis primeiros meses de
vida do bebê. Descreveu a ligação entre o bebê e a mãe em termos
emocionais e cognitivos e não em termos sexuais. Na visão de Klein, o seio
materno seria o primeiro objeto parcial para o bebê, que o julgaria como sendo
bom ou não, dependendo da satisfação do instinto do id. Dessa forma, o bebê
percebe o seu ambiente, definido e representado com base
nesse objeto parcial bom ou ruim, como satisfatório ou hostil. À medida que se
expande o objeto do bebê, ele se relaciona com objetos completos (a mãe
como pessoa, por exemplo) e não com objetos parciais, e define
aqueles objetos completos do mesmo modo como definiu o seio, ou seja,
satisfatórios ou hostis. A interação social inicial entre a mãe e o bebê é
generalizada a todos os objetos (pessoais) da vida da criança e assim a
formação da personalidade do adulto baseia-se na natureza da relação dos
primeiros seis meses de vida. O existir humano é marcado pelo ser e atuar
com o outro no mundo e ao mesmo tempo atribuir significação, dar sentido, a
esta experiência.
Para Heidegger (1989), a relação humana autêntica desvela-se por
seu caráter envolvente e significante. O relacionar-se com o outro de maneira
envolvente e significante é o que Heidegger chama de “solicitude”, que implica
o “ter consideração” para com o outro e o “ter paciência” com o outro.
Essas características da solicitude – o ter paciência e consideração
– não se fundam em princípios morais, “mas na maneira como se vive com os
outros através das experiências e expectativas”. A consideração que se devota
ao outro tem por referente a experiência que com ele se vivenciou – funda-se
no passado. Enquanto que a paciência decorre da esperança de que algo
venha a acontecer – apresenta um sentido presente-futuro. Conforme
Heidegger, a solicitude pode ser vivenciada no cotidiano de duas maneiras
45
extremas: a primeira desvela-se pelo cuidar do outro “saltando sobre ele” e o
dominando e, a segunda, caracteriza-se pelo “saltar diante do outro”,
libertando-o. A primeira forma de solicitude implica tudo fazer pelo outro, em
“por o outro no colo”, manipulá-lo, mesmo que de modo sutil. A segunda
maneira de solicitude consiste em se antecipar ao outro em sua existência,
possibilitando a ele “assumir seus próprios caminhos, crescer, amadurecer,
encontrar-se consigo mesmo”. A solicitude pode ser vivenciada de modo
deficitário nas relações humanas, expressando-se, neste caso, como descuido,
desinteresse, descaso, indiferença, desconsideração, competição.
Cuidar em sua expressão latina significa zelar, relacionar com algo,
e Heidegger denomina o cuidar como a estrutura fundamental do ser-aí, do
humano. O cuidado ou "cura" define o homem como ser-no-mundo no seu
existir, no seu estar-lançado no mundo, na ocupação com os entes que vêm ao
seu encontro: "Todos os comportamentos e atitudes do homem são dotados
de cura e guiados por uma dedicação" (Heidegger, 1989, p. 265).
O cuidado é, de fato, primordial e não pode ser reduzido a
fenômenos como o desejar, o querer, o urgir, etc. Pelo contrário, ele mostra
que são estes fenômenos que estão baseados no cuidado.
Esse cuidado proporciona a possibilidade do bebê se sentir seguro e
confiante para poder-ser já desde o início, lançar mão do seu potencial criativo.
Poder criar é o requisito essencial para a futura vida emocional, cultural e
social, bem como para se poder-ser-no-mundo.(Heidegger, 1989).
Para consternação de muitos pais, a criança constrói em sua
personalidade, os aspectos da personalidade deles que lhe causaram
impressão mais profunda, não os que gostariam que ela internalizasse. São
frequentemente traços que os próprios pais não aprovam, mas que se
adaptam às necessidades ou aos desejos atuais do filho (Betellheim, p.129).
46
2.1.1 – Filho real ou ideal?
Um filho nasce, na verdade, mesmo antes do seu nascimento, isto
é, quando um casal se une e sonha em constituir uma família, já naquele
momento a futura criança passa a existir na imaginação dos futuros pais.
Quantos jovens namorados escolhem os nomes dos seus improváveis filhos?
Quantos deles sonham que terão um casal de filhos, com certa diferença de
idade entre eles e que a menininha será loira como a mãe e o menininho será
teimoso como o pai? Quando surge a gravidez amplia-se esse campo fértil em
que todo tipo de expectativa e idealização, em relação ao futuro bebê, é
colocado em marcha. O bebê passa a ser “sonhado” pelo casal; sonho que já
define qual será o seu lugar na atmosfera emocional da família. Essas coisas
sempre se dão dessa maneira e faz parte da natureza humana; todos nós,
desejados ou não, somos frutos dessa expectativa dos nossos pais. O
problema surge quando não há outro destino possível para a criança e ela
precisa atender, a qualquer custo, as exigências dos seus pais. São pais bem
intencionados, mas que não percebem que aprisionam os seus filhos numa
trama, muitas vezes, incompreensível para todos. Essas crianças se tornam
inseguras e incapazes de se sentirem boas o suficiente porque sentem que
nunca poderão agradar, verdadeiramente, os seus pais. Lembro-me de um
garoto de oito anos a quem darei o nome de Mário. Seus pais se preocuparam
porque Mário se isolava e apresentava dificuldades na escola tanto na
aprendizagem quanto no convívio com os outros garotos. Mário sentia-se
inseguro e sempre tinha dúvidas se estava fazendo a coisa certa. Seus pais
eram inteligentes, fortes e vaidosos e não podiam, inconscientemente, aceitar
que seu filho tivesse algum tipo de dificuldade ou fraqueza. Mário foi “sonhado”
pelos pais como um menino ideal, mas ele não conseguia atender a pressão
desse ideal. Para Mário não seria possível ser médico, bem-sucedido e
engraçado como seu pai e, portanto, ele seria nada. Aos poucos, percebemos
que Mário interessava-se por música e era muito talentoso com as palavras.
Ele era inteligente, sensível e com humor refinado. Seus pais precisaram de
ajuda para elaborar o luto daquele filho idealizado que, de fato, nunca existiu.
47
Aos poucos, foi surgindo um Mário que queria experimentar as coisas do seu
próprio jeito, mas que precisava, sobretudo, do verdadeiro consentimento e
reconhecimento de seus pais. Assim, aos poucos, surgia o verdadeiro Márioi
(Barsuglia, 2011).
Muitos são os motivos que levam um casal a planejar o nascimento
de um filho ou a se organizar para recebê-lo. Mesmo quando a criança não é
planejada, alguns fatores irão determinar o lugar que ela ocupará na família. A
decisão de ter um filho está relacionada com o momento de vida dos genitores.
O filho pode ser planejado de acordo com o cotidiano dos pais, porém algumas
crianças podem ser geradas como substitutas de realizações não alcançadas
pelos pais ou quando eles têm pouco contato social ou poucas atividades extra
domésticas. Podem ser geradas, também, para tentar encobrir um momento
de crise, falta de intimidade do casal ou como resolução de conflitos.
Segundo Sole (2005), os pais revivem seu narcisismo e atribuem ao
bebê todas as suas perfeições, além de concederem a ele privilégios que eles
próprios foram obrigados a abandonar. É na confluência da imagem desse
corpo idealizado e unificado pelo discurso apaixonado dos pais que se constitui
a primeira forma do Eu do sujeito, segundo Freud (1973 d), o Eu ideal.
Dessa forma, a imagem corporal idealizada, unificada, refletida no discurso e
nos olhos dos pais vai dar ao bebê a ilusão que mais tarde terá que reformular:
a posição de “sua majestade, o bebê”.
Muitas são também, as expectativas criadas em torno de um filho no
que se refere ao seu futuro, se ele vai corresponder ou não às idealizações
que lhe são colocadas desde o momento da concepção. É comum que essas
fantasias estejam ligadas aos conteúdos emocionais dos genitores e que
atendam a uma idealização dentro dos padrões de nossa sociedade, padrões
que enfatizam o perfeito, o saudável, o bonito.
De acordo com Laplanche & Pontalis, 1995, a idealização é um
processo psíquico, pelo qual, as qualidades e o valor do objeto são levados à
perfeição.
48
A relação entre a mãe e seu bebê começa antes mesmo da criança
ser gerada, já pelo lugar que ela ocupa no inconsciente materno enquanto
objeto de desejo. Esse corpo imaginado passa a se tornar objeto de
investimentos afetivos. A mãe atribui ao filho todas as perfeições possíveis e
ocultas e esquece todas as deficiências, salientando que a doença, a morte, a
renúncia ao prazer, e quaisquer restrições a sua própria vontade, não o
atingirão. (Aulagnier, 1991).
2.2 – Os vínculos definem a qualidade da relação
Conceituando vínculo, de acordo com Cabral e Nick, (2003) é a
conexão entre estímulo e reação ou, mais genericamente, entre dois
processos psicológicos de qualquer natureza (p.321).
Cury (2003) afirma que os filhos registram tudo sobre os pais, tanto
as imagens negativas quanto as positivas. Todas. Eles arquivam diariamente
os seus comportamentos, sejam eles inteligentes ou estúpidos. O que gera os
vínculos inconscientes não é só o que os pais dizem aos filhos, mas também, o
que eles veem nos pais. Muitos pais falam coisas maravilhosas para suas
crianças, mas tem péssimas reações na frente delas: são intolerantes,
agressivos, parciais, dissimulados. Com o tempo, cria-se um abismo emocional
entre pais e filhos. Pouco afeto, mas muitos atritos e críticas. Tudo o que é
registrado não pode mais ser deletado, apenas reeditado através de novas
experiências sobre experiências antigas. Reeditar é um processo possível,
mas complicado. A imagem que seu filho construiu de você não pode mais ser
apagada, só reescrita. Construir uma excelente imagem estabelece a riqueza
da relação que você terá com seus filhos.
As maneiras de os pais criarem seus filhos tem enorme influência
sobre seu desenvolvimento e sobre o tipo de pessoa em que se transformarão
(p.23) .
De acordo com (Tiba, 2002), a incoerência, a insegurança e a
inconstância são venenos mortais para a boa educação (p.111).
49
Shinyashiki (1992), afirma que, segundo o psicólogo norte-
americano Stephen Karpman, quando as pessoas não aprendem a crescer
juntas desenvolvem personagens negativos que atrapalham sua vida.
Perseguidores, Salvadores e Vítimas são personagens negativos
das pessoas que dedicam muito mais energia a criar problemas do que
desenvolver relacionamentos construtivos.
Segundo Shinyashiki (1992), a rigidez pode transformar o pai no
perseguidor que vive apontando defeitos e corrigindo os filhos. Esse tipo de pai
acredita que a única maneira de ajudar o filho a crescer é pressionar e exigir
perfeição. Para se sentir no direito de apontar os erros dos outros, consideram-
se perfeitos e fogem a qualquer topo de autocrítica. O restante do mundo está
aí para ser corrigido. São pessoas que nunca relaxam e provocam na vida dos
entes queridos uma tensão contínua.
Os pais perseguidores querem mostrar que estão sempre certos e
que o filho está sempre errado. Consideram-se os donos da verdade e da
virtude. Criam filhos assustados, que se sentem constantemente vigiados e
vivem com medo de serem surpreendidos e criticados.
Pais salvadores superprotegem os filhos e impedem que sua corda
se estique ao ponto em que os filhos possam tocar a música da sua vida. Eles
querem ser a fonte eterna de afeto e compreensão dos filhos e fazem deles
seres mimados que, mais tarde, se sentirão perdidos diante do menor
obstáculo. Filhos que não andam sobre as próprias pernas desconhecem sua
capacidade de superar desafios e não aprendem a ir além das suas limitações.
Não se confunda afeto com superproteção. Enquanto o primeiro favorece o
crescimento, a segunda aniquila a motivação para crescer, castra a
capacidade de autonomia e inibe a conquista da liberdade. Ser pai não é
eliminar os obstáculos da vida dos filhos, mas oferecer-lhes ajuda para que
desenvolvam a capacidade de superá-los.
50
Pais vítimas do destino não conseguem tocar sua música pessoal e
vivem querendo ensinar aos filhos que a realização pessoal é um sonho
impossível. São pessoas que se colocam como vítimas, pois, se sentem
injustiçadas e desamparadas. Não conseguem dar um sentido de realização à
própria vida. Estão sempre culpando os outros por seus fracassos.
Os pais vítimas precisam aprender que cada pessoa tem dentro de
si a capacidade de estabelecer metas e de atingi-las. Muitas vezes, o maior
obstáculo está em complicar os próprios problemas para poder reclamar
bastante da vida.
Quando os filhos recebem o afeto e a estrutura de que necessitam,
podem transformar-se em adultos que se sentem amados e confiantes em si
mesmos e na vida.
A neurociência afetiva mostra a influência do relacionamento familiar
sobre o desenvolvimento do cérebro, da empatia e das várias inteligências nos
primeiros anos de vida. Portanto, é possível plantar as sementes da paz e da
solidariedade nos primórdios da vida (Goleman, 1995).
Segundo Bettelheim (1998):
O objetivo ao se criar um filho é permitir que ele, em primeiro lugar,
descubra quem quer ser e, depois se torne uma pessoa capaz de satisfazer-se
consigo mesma e com sua maneira de viver. Eventualmente deve ser capaz de
fazer na vida o que lhe pareça importante, desejável e conveniente; de
desenvolver relações construtivas, satisfatórias e mutuamente enriquecedoras
com outras pessoas, e de suportar bem as pressões e as dificuldades que,
inevitavelmente, encontrará durante a vida. Em relação a tudo isso os pais não
são apenas os primeiros professores do filho, são aqueles a partir de quem e
através de quem ele se orienta; ele os observa e estuda todo o tempo para ver
o que estão fazendo, como estão fazendo e com que sentimentos, exibidos
abertamente, oras negados ou até mesmo reprimidos. Assim os pais mostram-
lhe quem ser e como ser o ultimo sempre decorrendo do primeiro. Esse
51
conhecimento é muito mais importante para a vida presente e futura da criança
do que a aquisição de fatos ou habilidades.
Portanto, Goleman (1995) afirma que, o ato de educar e cuidar se
constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao
conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu
modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no
espaço de convivência. Ocorrendo durante a infância e a juventude a
possibilidade do ser converter-se num ser capaz de aceitar e respeitar o outro
a partir da aceitação e do respeito de si mesma, se tornando no começo de
uma vida adulta, social e individualmente responsável.
A vida em família é onde iniciamos a aprendizagem emocional;
nesse caldeirão íntimo aprendemos como nos sentir em relação a nós mesmos
e como os outros vão reagir a nossos sentimentos; aprendemos como avaliar
nossos sentimentos e como reagir a eles; aprendemos como interpretar e
manifestar nossas expectativas e temores. Aprendemos tudo isso não somente
através do que nossos pais e do que dizem, mas, também através do modelo
que oferecem quando lidam, individualmente, com os seus próprios
sentimentos e com aqueles sentimentos que se passam na vida conjugal.
Alguns pais são professores emocionais talentosos, outros são atrozes.
Há centenas de estudos que demonstram que a forma como os pais
tratam os filhos – se com rígida disciplina ou empática compreensão,
indiferença ou simpatia, etc – tem consequências profundas e duradouras para
a vida afetiva da criança. Mas só recentemente surgiram dados concretos que
mostram que ter pais emocionalmente inteligentes é em si de enorme proveito
para a criança. A maneira como um casal lida com os seus sentimentos, além
do trato direto com a criança, passa poderosas lições para seus filhos, que são
aprendizes astutos, sintonizados com os mais sutis intercâmbios emocionais
na família. ( p.204).
Goleman, (1995), cita os três mais comuns padrões de pais
emocionalmente inábeis. São eles:
52
• Ignorar qualquer tipo de sentimento. Esses pais consideram a
perturbação emocional do filho como algo banal ou que os chateia, uma
coisa que passará com o tempo. Não aproveitam o momento para uma
aproximação maior com o filho ou para iniciá-lo na competência
emocional.
• Laissez-faire. Esses pais sabem o que o filho está sentindo, mas
partem do princípio que qualquer que seja a forma com que a criança vá
lidar com a tempestade emocional está ótimo- por exemplo, até mesmo
batendo em alguém. Tal como aqueles pais que ignoram os sentimentos
da criança, estes pais raramente intervêm para sugerir ao filho um
sentimento diferente. Tentam aliviar todas as perturbações e, por
exemplo, serão capazes de “comprar” acriança para que ela não fique
triste ou zangada.
• Ser muito rigoroso, não respeitar o que a criança sente. Esses pais
são em geral desaprovadores, severos nas críticas e nos castigos.
Podem, por exemplo, proibir qualquer manifestação de raiva e castigá-
las ao menor sinal de irritabilidade. São os pais que berram irados com
a criança que tenta argumentar: “Não fale assim comigo!”
Há pais que aproveitam um momento de perturbação do filho para
agir como uma espécie de treinador ou mentor emocional. Levam os
sentimentos do filho tão a sério que fazem tudo para entender o que
exatamente se passou e para ajudá-lo a encontrar uma forma de não se sentir
tão mal.
Para serem treinadores tão eficientes, os próprios pais devem ter
uma compreensão profunda acerca dos rudimentos da inteligência emocional.
Uma das coisas que uma criança deve saber, e que faz parte de sua
aprendizagem emocional, é, por exemplo, distinguir sentimentos; se, por
exemplo, um pai está fora de sintonia com seu próprio sentimento de tristeza,
ele não será capaz de ajudar o filho, a saber, a diferença que há entre
lamentar uma perda, sentir-se triste num filme triste e sentir tristeza porque
53
alguma coisa ruim aconteceu com alguém que a criança gosta. Além dessa
distinção, há compreensões mais sofisticadas acerca de emoções, como, por
exemplo, saber que a raiva vem do fato de nos sentirmos magoados (p.205).
Segundo Shinyashiki (1992), a criança também tem reações e
necessidades que ela mesma precisa conhecer e com as quais deve aprender
a lidar: são as carências, que cessam com alimento, carinho, sono e colo. Ela
se descobre em um mundo cheio de acontecimentos que, às vezes, tem lógica
e outras não. Percebe-se dentro de um universo que necessariamente tem de
compreender, pois, não há chance de voltar a seu “país de origem”. Ser pai de
uma criança é apresentá-la a si mesma e ao mundo com carinho, atenção e
respeito.
Para Goleman (1995) os problemas são maiores para as crianças
cujos pais são grosseiramente ineptos, imaturos, viciados em drogas,
deprimidos ou cronicamente raivosos, ou simplesmente desnorteados e
vivendo de forma desordenada. Pais nessa situação tendem a não cuidar
adequadamente dos filhos e, muito menos, a entrarem em sintonia com as
necessidades emocionais deles. Há estudos que constatam que a negligência,
pura e simples, pode ser mais prejudicial que os maus tratos diretos. Uma
pesquisa feita com crianças maltratadas constatou que os jovens que foram
negligenciados eram os que tinham o pior desempenho escolar: eram os mais
ansiosos, desatentos e apáticos, alternando agressividade com retraimento.
É na tenra infância, no berço, que as crianças recebem dos pais os
ensinamentos emocionais que levarão para suas vidas (p.206).
Á medida que crescem, as crianças vão adquirindo maturidade para
chegar a um outro nível de aprendizagem emocional. Mudam as crianças e
muda a forma como elas lidam com as emoções. As lições de empatia
começam na infância, com pais em sintonia com os sentimentos de seus
bebês. Embora algumas aptidões emocionais sejam aperfeiçoadas com os
amigos ao longo da vida, pais emocionalmente aptos muito podem fazer para
ajudar os filhos em relação a cada um dos elementos básicos da inteligência
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emocional: aprender a reconhecer, controlar e canalizar os sentimentos; ter
empatia; e lidar com os sentimentos que afloram em seus relacionamentos
(Goleman, p.205, p. 206, 1995).
2.3 – Limites e disciplina
Os psicólogos têm tido muito trabalho para corrigir uma das maiores
distorções que o uso popular fez das teorias psicológicas: a de que não se
deve frustrar a criança para que ela não fique traumatizada. Não existe teoria
cientificamente validada que recomende a falta de limites como método de
criar filhos sem problemas.
São nebulosas as origens desse erro de interpretação: remontam à
década de 60, com as experiências de Summerhill, a onda da liberação sexual
e do movimento hippie. No Brasil, a revolta contra o autoritarismo não só da
família patriarcal como também do regime ditatorial, o horror à repressão e à
censura(“é proibido proibir”), entre outros fatores, acrescentaram outras
pinceladas a esse quadro que, segundo o ditador inglês, fez com que muitas
famílias acabassem “jogando o bebê fora com a água do banho”. Temendo
serem vistos como castradores, repressivos e autoritários, muitos pais
deixaram de exercer a autoridade parental e tornaram-se permissivos,
inaugurando a “era da infantocracia”, que tem tido resultados desastrosos,
porque não consegue transmitir os valores básicos do convívio: respeito,
consideração, cooperação, generosidade, solidariedade, responsabilidade.
Entre as causas mais comuns da educação permissiva,
encontramos o desejo de oferecer aos filhos uma educação diferente da que
receberam no regime autoritário; sentimentos de culpa ( por trabalharem muito,
por terem se separado, por disporem de pouco tempo com os filhos), gerando
a necessidade de “indenizá-los”, dando-lhes tudo o que pedem ou deixando
que façam tudo o que querem; o desejo de conquistar o amor do filho, o que os
leva a distorcer a noção de “bons pais” como sendo aqueles que cedem a
todos os desejos.
55
A falta de limites prejudica o controle da agressividade (a criança
cresce pensando que os outros têm obrigação de satisfazer seus desejos de
imediato e aceitá-la “do jeito que ela é”, mesmo quando se torna insuportável);
dificulta o controle da raiva (agride as pessoas quando contrariada, não
aprende a atacar o problema sem desrespeitar os outros); diminui a tolerância
à frustração (dificuldade de pensar em alternativas criativas quando não obtêm
o que deseja) e a capacidade de esperar para conseguir o que quer; estimula a
tirania, o egocentrismo (dificuldade de perceber que os outros também tem
direitos e desejos). Isso resulta em distúrbios de conduta e na sensação de
vazio e de insatisfação (quanto mais tem, mais quer). O uso de drogas e outras
formas de consumo compulsivo tentam preencher, inutilmente, esse vazio.
Entre autoritarismo e permissividade “há o caminho do meio”:
existem ocasiões em que “não é não” (questões inegociáveis) e outras em que
crianças e jovens buscam, junto com os adultos, meios de solucionar impasses
e conflitos de modo satisfatório para todos, em clima de respeito e
consideração. Limites colocados com firmeza e serenidade são expressões de
amor e de cuidado que estimulam crianças e jovens a serem pessoas capazes
de contribuir positivamente para a sociedade (Maldonado, 2006, p. 27 e 28).
De acordo com Tiba (1996), as crianças aprendem a comportar-se
em sociedade ao conviver com outras pessoas, principalmente com os próprios
pais. A maioria dos comportamentos infantis é aprendida por meio da imitação,
da experimentação e da invenção. Quando os pais permitem que os filhos, por
menores que sejam, façam tudo o que desejam, não estão lhes ensinando
noções de limites individuais e relacionais, não estão lhes passando noções do
que podem ou não podem fazer. Os pais usam diversos argumentos para isso:
“eles não sabem o que estão fazendo”; “são muito pequenos para aprender”;
“vamos ensinar quando forem maiores”; “sabemos que não devemos deixar...
mas é tão engraçadinho” etc. É preciso lembrar que uma criança, quando faz
algo pela primeira vez, sempre olha em volta para ver se agradou alguém. Se
agradou, repete o comportamento, pois entende que agrado é aprovação, e ela
ainda não tem condições de avaliar a adequação do seu gesto. Portanto, cada
56
vez que os pais aceitam uma contrariedade, um desrespeito, uma quebra de
limites, estão fazendo com que seus filhos não compreendam e rompam o
limite natural para seu comportamento em família e em sociedade.
Tiba (1996) ainda afirma que, hoje, os grandes responsáveis pela
educação dos jovens na família e na escola não estão sabendo cumprir bem
seu papel. É a falência da autoridade dos pais em casa, do professor em sala
de aula, do orientador na escola. Discussões homéricas surgem nas famílias
por causa de indisciplina, dificultando bastante a convivência entre as partes.
Mães ficam mal-humoradas porque as crianças bagunçam o quarto e pais se
exasperam porque os filhos se esquecem de apagar a luz.
Porém o pior ocorre quando um filho responde mal. Isso lhes estraga o
dia. Muitos alunos também não respeitam seus professores, e essa indisciplina
prejudica o ensino e a aprendizagem. Professores e orientadores têm
dificuldade em estabelecer limites na sala de aula e não sabem até que ponto
devem intervir em comportamentos inadequados que ocorrem nos pátios
escolares. Onde foi que os educadores se perderam? Antes de responder a
qualquer pergunta, é preciso levar em conta que essa geração viveu a questão
da disciplina de um modo peculiar e sofrido. Primeira, a geração dos avós;
segunda, a geração dos pais e professores; terceira, a geração dos jovens.
Pois bem, a primeira geração educou seus filhos de maneira patriarcal
com autoridade vertical — o pai no ápice e os filhos na base. Esta era obrigada
a cumprir tudo o que o ápice determinava. Com isso, a segunda geração foi
massacrada pelo autoritarismo dos pais, e decidiu refutar esse sistema
educacional na educação dos próprios filhos.
Tiba (2006) afirma que, na tentativa de proporcionar a eles o que
nunca tiveram, os pais da segunda geração acabaram caindo no extremo
oposto da primeira: a permissividade.
57
Para Maldonado (2006), a Psicologia contribuiu muito para isso ao
divulgar frases como: “Não reprima seu filho”, “Seja amigo de seus filhos”,
“Liberdade sem medo”.
Boa parte dos adultos quis aderir ao modelo horizontal, em que pais
e filhos têm os mesmos direitos, evitando neuroticamente o uso da autoridade,
por confundi-la com autoritarismo.
As intensas mudanças vividas de maneira muito rápida pela
segunda geração tiveram um custo na educação da terceira, cujo preço,
provavelmente alto, ainda não podemos estimar. Esses jovens ficaram sem
noção de padrões de comportamento e limites, formando uma geração de
“príncipes” e “princesas” com mais direitos que deveres, mais liberdade que
responsabilidade, mais “receber” que “dar” ou “retribuir”. Tais “príncipes
domésticos” querem ser, também, “príncipes sociais”, mas acabam frustrados,
pois as regras da sociedade são outras, muito diferentes das válidas na
família. As instituições de ensino, cuja tarefa é introduzir as crianças nas
normas da sociedade, muitas vezes se omitem. O professor também perdeu a
autoridade inerente à sua função. Quanto maior a perda, mais anárquica
tornou-se a aula. Ao admitir um “príncipe escolar”, em vez de ajudar o aluno a
viver em sociedade, o professor acaba por prejudicar seu crescimento.
É preciso recuperar a autoridade fisiológica, o que não significa ser
autoritário, cheio de desmandos, injustiças e inadequações.
Autoridade é algo natural e que deve existir sem descargas de
adrenalina, seja para se impor, seja para se submeter, pois é reconhecida
espontaneamente por ambas as partes. Desse modo, o relacionamento
desenvolve-se sem atropelos.
O autoritarismo, ao contrário, é uma imposição que não respeita as
características alheias, provocando submissão e mal-estar tanto na adrenalina
daquele que impõe quanto na depressão daquele que se submete. É essencial
58
à educação saber estabelecer limites e valorizar a disciplina. E para isso é
necessária a presença de uma autoridade saudável.
O segredo que difere autoritarismo do comportamento de autoridade
adotado para que a outra pessoa (no caso, filhos ou alunos) torne-se mais
educada ou disciplinada está no respeito à autoestima (p. 15 à p.19).
Desenvolver a paciência e a flexibilidade para descobrir a melhor
via de acesso ao diálogo com a criança é o grande desafio de pais e
educadores. Um limite colocado de modo duro e incisivo pode ser muito eficaz
para algumas crianças, mas assustar desnecessariamente as mais sensíveis.
Os limites são importantes para desenvolver a flexibilidade de aceitar uma
impossibilidade e se interessar pelas alternativas possíveis (2006, p. 30).
Nesse sentido, Brown (1990) aconselha:
“Veja e ouça seu filho, respire fundo e sinta sua própria
pessoa. Trabalhar com o agora abre caminho para a
resposta autêntica, para a comunicação. Não há mágica,
tampouco perfeição. A mudança necessária para se
estabelecer o contato leva tempo”.
Afirma ainda que, os pais tem medo excessivo de que, se revelarem
sua falibilidade humana, venham a perder parte da autoridade e do poder de
seu papel. Nosso verdadeiro poder nasce daqueles momentos plenos e frágeis
em que nos ligamos intimamente com os membros de nossa família. (Brown,
1990, p.146)
Para Zagury (2002), é fundamental acreditar que dar limites aos
filhos é iniciar o processo de compreensão e apreensão do outro (atualmente
muita gente acredita que o limite provoca necessariamente um trauma
psicológico e, em consequência, acaba abrindo mão desse elemento
fundamental na educação). Ninguém pode respeitar seus semelhantes se não
aprender quais são os seus limites — e isso inclui compreender que nem
sempre se pode fazer tudo que se deseja na vida. É necessário que a criança
59
interiorize a ideia de que poderá fazer muitas, milhares, a maioria das coisas
que deseja — mas nem tudo e nem sempre. Essa diferença pode parecer sutil,
mas é fundamental. Entre satisfazer o próprio desejo e pensar no direito do
outro, muitos tendem a preferir satisfazer o próprio desejo, ainda que, por
vezes, prejudique alguém. A criança que não aprende a ter limites para o seu
querer, para os seus desejos e vontades, que tudo quer e tudo pode, tende a
desenvolver um quadro de dificuldades que se vai instalando passo a passo.
Afirma ainda que, existem comportamentos nos filhos que para se
confirmarem mais tarde precisam, na infância, ser internalizados
imperativamente. Assim, manter a firmeza com os filhos e não se deixar vencer
pelo “choro” ou pela “birra”, também ajuda a educá-lo, pois a definição da
autoridade dos pais não se dá pela violência, mas pela palavra cumprida e
segura.
Sobre tal, afirma Zagury (2002):
“Enquanto nossos filhos são pequenos e até que eles tenham
maturidade para tomar decisões, é bom que eles pensem que não lhes
daremos opções sobre alguns assuntos” (p.35).
Assim, hoje em dia percebe-se, sobretudo, refletido na escola, que
faltou essa internalização de autoridade na personalidade do aluno, uma vez
que não ficou definida nos seus conceitos essa autoridade como capacidade
de mostrar o melhor, de sinalizar o perigo, de zelar e cuidar, o adolescente não
se submete à obediência de ninguém e muito menos aceitará fazer o que o
adulto (professor, orientador, diretor) lhe sugerir. Tudo isso porque sempre
burlou a autoridade dos pais ou se acostumou a ver seus pais voltando atrás
na autoridade e na palavra empenhada.
Dessa forma, educar os filhos exercitando com eles a obediência e
a capacidade de se submeter à autoridade dos pais, é um excelente
laboratório para fazê-lo valorizar as pessoas e saber ouvi-las. Para tal, a única
coisa que pode garantir a aprendizagem do filho sobre esse exercício é o
60
exemplo. Fazer “o que eu faço” e não apenas “o que digo”, desperta no filho
confiança e segurança no que os pais dizem, como comenta Zagury (2002):
“Só assim o jovem e a criança
entendem que as coisas com você
são para valer” (p.40).
Nessa outra perspectiva, a tendência dos filhos será de copiar para
si a atitude dos pais já que junto da firmeza existe a docilidade e não a rigidez.
Com essa postura, o filho se sentirá orientado e educado e não amedrontado,
sem referencial ou o centro das atenções. No último caso, ele poderá até
mesmo sentir-se precocemente “dono do próprio nariz” e não reconhecer a
autoridade dos professores em sala. Diante disso, o exercício da firmeza deve
continuar conduzindo a educação dos filhos no discernimento de suas
atribuições em casa, os resultados poderão ser observados na convivência, na
escola e no seu relacionamento social.
Portanto, assim como o exemplo pode convencer os filhos, a prática
de pequenas obrigações na família pode desenvolver lhes o valor da
responsabilidade.
Sobre isso, afirma ainda Zagury (2002):
“Assumir funções fará com que o jovem se
sinta participante de uma comunidade, e não
mero usufruidor do que os pais produzem”.
Diante disso, Zagury (2002) afirma que é bastante salutar educar os
filhos como seres cooperadores para que na escola os mesmos aperfeiçoem o
relacionamento interpessoal, a capacidade de responder a solicitações, para
ser participativo do meio que o cerca. Entretanto, muitos pais pedem socorro à
escola, porém, de modo errado quando transferem à mesma suas
responsabilidades primeiras, pois, observa-se que a relação entre pais e filhos
vem mudando as últimas gerações, tornando-se mais racionalizada e menos
afetiva, do que se conclui que nem tudo é positivo nessa mudança.
61
Infelizmente, como sinônimo de modernidade, o autoritarismo torna-
se prática comum na relação familiar marcando a impotência dos pais diante
de muitas situações (p.43).
A esse respeito afirma López (2002):
O autoritarismo provoca irresponsabilidade, imaturidade, o “deixar
fazer”, a falta de atuação convincente deixam a criança sem referência e
provoca angústia, insegurança, o que será aproveitado por outros “modelos”
para cobrir o vazio existente... a televisão, os amigos, ou a rua. As
consequências serão, então, facilmente previsíveis, e de nada adiantará
lamentar-se ou jogar a culpa nos outros.
Sabe-se que educar não é uma tarefa fácil e o que deve estar mais
claro é que através do autoritarismo não se conseguirá confiança e
aproximação dos filhos. Esta atitude, geradora de grandes prejuízos para a
família e para a escola, traz passividade, agressividade, imaturidade, etc.
Convém, no entanto, que os pais não abandonem, por excesso de
modernismo, a autoridade que lhes cabe no dia-a-dia dos filhos. Essa prática
só confirma o envolvimento da família, no desenvolvimento da criança
solidificando as relações no lar e, consequentemente, na escola, colaborando
com a autoridade do professor que é seu mediador e amigo (p.20).
Segundo Castro (2012), “o grande desafio hoje é achar o
equilíbrio entre exercer autoridade sem ser autoritário. É
saber impor os limites necessários quando crianças e
negociar os limites quando adolescentes e jovens.(..)
Cabe ao adulto não apenas dizer o que não deve ser
feito, mas o que e como fazer” ( p. 30).
Junto com o limite, a criança cria um senso de satisfação. Quando a
criança tem todos os seus desejos satisfeitos, ela continua com a ideia inicial
de “onipotência”, e isto gera um alto grau de insatisfação. Apesar de terem
tudo, esses meninos estão sempre mal-humorados, insatisfeitos, como
62
“pequenos tiranos”. Estabelecer limites é oferece a criança ou ao adolescente
os extremos, a fronteira até ela pode ir. Determinar esta fronteira é dever,
inicialmente, dos pais e, posteriormente, também dos educadores, na escola.
Quando estes limites são estabelecidos, a criança, ou o adolescente pode vir a
achar ruim, ficar de cara feia, mas fique tranquilo. Está tudo certo. Eles reagem
e, junto com esta reação, há um aprendizado para o resto da vida: aprender a
lidar com a frustração; o que é necessário e saudável. (Castro, p.33, 2012)
Segundo Tiba (1996), os limites são importantes para a formação
da personalidade. São eles que vão ajudar a criança a desenvolver a
capacidade de suportar frustrações. A colocação de limites deve iniciar cedo.
Ao nascer, a criança inicia seu processo de individualização que se
dará através dos cuidados da mãe com o bebê. Sabe-se que bebês sem
disciplina tendem a tornarem-se adolescentes e adultos que não sabem adiar
seus desejos, tendo dificuldades em lidar com seus próprios impulsos e, até
mesmo, com a realidade.
A falta de limites pode provocar desgastes na relação familiar,
excesso de castigo, culpa nos pais, e, por tudo isso, sofrimento. Além do mais,
a birra da infância pode transformar-se, mais tarde, em agressividade, violência
ou depressão.
Os pais devem ter coerência ao educar seus filhos, além de manter
suas decisões e atitudes. As crianças não entendem o “de vez em quando”,
então, se o não, vira sim, de vez em quando, o limite torna-se elástico. Por
isso, sim, deve ser sempre sim, e não, sempre não.
Apesar da revolta que os adolescentes manifestam contra
imposições de horários e de regras de conduta por seus pais considerados
ultrapassados, Rappaport (2000) diz que, “eles precisam de limites”.
Muitas vezes, os jovens que têm pais excessivamente
permissivos, que não colocam limites e não exigem explicações, chegam, por
exemplo, a imaginar um horário para chegar em casa. Isto mostra que as
imposições dos pais, desde que não sejam excessivas, é claro, servem como
63
referencial para que o jovem encontre seu próprio caminho. Ele pode ir a favor
ou contra, mas terá uma linha mestra de conduta delineada.
Embora muitas vezes seja mais fácil dizer sim, é preciso colocar
limites, e assim, ensinar aos filhos a fazer renúncias e respeitar o espaço e o
direito dos outros. Essa atitude contribuirá para que as crianças cresçam
saudáveis e felizes, aptas a se relacionarem com os outros e a viverem em
sociedade. (Rappaport, 2000).
Segundo Erikson (2000), os pais não devem se limitar a métodos
fixos de orientar por meio da proibição e da permissão; devem também ser
capazes de afirmar principalmente à criança uma convicção profunda, quase
somática, de que tudo o que fazem tem um significado. Enfim, as crianças não
ficam neuróticas por causa das frustrações, mas da falta ou da perda de
significado social nessas frustrações (p.77).
Para Brown, (1990) o mal que causamos à nossa família prejudica e
distorce todos os seus membros, tanto pais como filhos são menos do que
poderiam ser. Os filhos crescem e se transformam em adultos que são menos
do que poderiam ser vivendo com mais dor e sofrimento do que o inevitável. O
fato de o mal ser inocente não o torna benigno. Nenhum de nós quer impingir
intencionalmente os próprios problemas aos filhos. Evitar isso não significa que
tenhamos de resolver todas as questões, ou refazer nossos pais, ou anular
nossa infância por completo. Significa que é necessário nos descartar de
nossa inocência, que nos mantém amarrados a velhos modelos destrutivos,
que nos mantém culpados por usar os filhos para satisfazer nossas
necessidades emocionais. Cabe a nós desvendar a realidade do que estamos
fazendo de verdade, do que estamos sentindo de verdade e do que
precisamos de verdade em relação a nossos filhos. O perigo real está naquilo
que ocultamos (p.147).
Muitos pais não sabem frustrar seus filhos porque eles próprios não
toleram frustração. Para os pais, na maioria das vezes, o ato de estabelecer
limites é agir sem sentir prazer, para frustrar desejos imediatos em nome de
outro desejo: ver o sujeito de quem está cuidando crescer sadio e equilibrado.
64
Na construção desta educação, afetividade e limites andam juntos.( Castro,
2012, p.33).
A esse respeito, afirma Calaes (2003):
“A arte de educar exige sabedoria para distinguir aquilo em que o
educando pode ter liberdade para escolher e decidir sozinho, daquilo em que
deve ser orientado, precisando de limites claramente definidos para nortear
sua ação. Essa sabedoria requer a capacidade de ser firme e exigente, sem
perder a afetividade, a paciência, a serenidade; de ser autoridade, garantindo a
segurança dos educandos, sem ser autoritário, intransigente, sem exercer
pressão excessiva que atemoriza e inibe a iniciativa dos jovens...É na relação
afetiva explicitada, no diálogo franco e amigo, no aconchego do lar e na
interação social que se completa a personalidade humana, pela aquisição da
autonomia, princípios, valores e normas de conduta social.”(p.2).
2.3.1 – O uso de palmadas e surras como prática educativa
Por vários séculos, a imagem da infância foi aquela expressa por
Santo Agostinho (354-430 D.C.), que afirmava não existir inocência infantil.
Para ele, a criança trazia o pecado original desde o ventre de sua mãe, e
assim, representava a condenação da humanidade, e tendia sempre para o
mal. Se a infância era a personificação do pecado, a redenção deste pecado
deveria ocorrer pelo combate da infância, pela anulação da sua corrupção,
justificando as ameaças, varas e palmatórias (Ariès, 1978; Badinter, 1985;
Guerra, 1998).
O castigo físico e o infanticídio foram permitidos por lei durante
muitos séculos; a primeira lei conhecida proibindo o infanticídio só foi
promulgada no ano 374 d.C. (Badinter,1985; Gallardo, 1988; Marinopoulos,
1998; Roig & Ochotorena, 1993; Postman, 1999) (apud WEBER e tal.).
Weber, Viezzer e Brandenburg (2004) realizaram uma pesquisa pela
Universidade Federal do Paraná (UFPN) sobre o uso de palmadas e surras
como prática educativa.
65
De acordo com estas autoras, a referida pesquisa teve o objetivo de
descrever a incidência de práticas educativas parentais coercitivas,
especialmente o uso da punição corporal utilizada contingentemente ao
comportamento de crianças e adolescentes de diferentes níveis
socioeconômicos.
Responderam a um questionário com 61 questões, 472 crianças e
adolescentes de ambos os sexos e com idade entre oito e 16 anos. A maioria
dos participantes relatou que já recebera punições corporais (88,1%) e
castigos (64,8%). Sobre punições corporais, 86,1% apanharam da mãe e
58,6% apanharam do pai; 36,9% dos participantes relataram que já ficaram
machucados. A maioria dos participantes apanhou nas nádegas (64,7%), e os
punidores utilizaram mais frequentemente as próprias mãos (62,3%), embora
cinto (43,0%) e chinelo (42,3%) também tenham servido para punir. A
avaliação que os participantes fizeram sobre os métodos disciplinares revelou
uma contradição: 75,2% concordaram que, quando fazem coisas erradas, as
crianças devem apanhar, mas somente 34,5% afirmaram que utilizarão
punições corporais em seus filhos, e um número considerável (27,1%) afirmou
estar em dúvida. As implicações do uso da punição corporal foram discutidas.
Weber et tal afirmaram que as pesquisas relatadas neste trabalho
mostraram problemas com o uso de punições corporais como uma prática
educativa e, portanto, que os pais atuais precisam ter acesso ao conhecimento
de outras práticas educativas que sejam eficazes para criar e manter um
repertório de comportamentos adequados, ajudar o desenvolvimento de
habilidades sociais em seus filhos e manter uma dinâmica familiar com muita
responsividade, afeto e comprometimento. Eventualmente será preciso utilizar
alguma estratégia para reduzir ou eliminar comportamentos inadequados e/ou
transgressões aos limites. Porém, se o uso da disciplina positiva (uso de
reforçadores) for sistemática, se o estabelecimento de regras (limites) for
consistente e lógico, se houver supervisão constante, modelos positivos,
incentivo à autonomia da criança e fortalecimento de sua autoestima, não
sobrará muito espaço para a ocorrência de comportamentos inadequados
66
significativos. Os poucos que surgirem poderá ser resolvido com estratégias
menos dolorosas e indignas do que as punições corporais, tais como time out,
uso de consequências lógicas, adiamento de reforçamento, entre outras.
(Weber, Viezzer e Brandenburg, 2004)
Skinner (1953/1976), já na década de 1950, mostrava-se contrário
ao uso da punição corporal para ensinar comportamentos adequados. Apesar
de a punição corporal produzir efeito imediato que mantém a utilização desta
prática educativa, há efeitos nocivos, tais como emoções de raiva e medo e
comportamentos de esquiva diante da pessoa que pune, respostas emocionais
geradas pela punição (choro, medo, ansiedade, raiva) podem também ser
condicionadas, por meio do condicionamento pavloviano, a aparecerem em
outras ocasiões não punitivas. Assim, a punição do comportamento de mentir
de uma criança pode levá-la a apresentar os mesmos comportamentos
emocionais advindos com a punição (choro, rubor, suor) em uma situação em
que precise se expressar verbalmente.
Além da eliciação de comportamentos emocionais, há o
condicionamento de comportamentos de fuga e esquiva (por meio do
reforçamento negativo), que reduzem ou livram a criança da estimulação
aversiva ou pré-aversiva, ou seja, a criança pode simplesmente passar a fugir
e/ou evitar o agente punidor. Portanto, os comportamentos inadequados
continuam no repertório comportamental da criança, mas deixam de ser
punidos quando ela esconde-se ou mente para seus pais. Além de tudo,
Skinner enfatiza que punir um comportamento não faz com que o
comportamento adequado apareça e, ao lado disso, reforça o comportamento
dos pais que passarão a ter maior probabilidade de utilizar a punição corporal
em outras ocasiões semelhantes. Existe ainda outro aspecto importante em
relação às punições, estudado pela Análise do Comportamento, o fenômeno
chamado desamparo aprendido (Seligman, 1975/1977). O desamparo
aprendido é a incapacidade de aprendizagem de novas respostas de esquiva
diante de uma história de exposição a estímulos aversivos não contingentes a
qualquer resposta. Se as punições, especialmente corporais, não são
67
contingentes e dependem do humor dos pais, pode acontecer que ocorra o
fenômeno de desamparo, e a criança simplesmente não saiba o que fazer, não
saiba qual resposta deverá emitir para evitar as punições. O trágico, como
ressalta Matos (1982), é que a pessoa pode generalizar esse comportamento
para outras situações aversivas.
Ainda, na aplicação da punição corporal pode ocorrer uma
associação entre a dor que a criança sente e o amor em relação aos seus pais.
Geralmente a punição corporal é acompanhada por um discurso dos pais que
amam a criança e que batem para o bem dela (Cornet, 1997). Assim, a
associação entre a dor e o amor, por meio de emparelhamento de estímulos,
vai ensinar a criança a usar o mesmo método em outras situações de sua vida
ou, ainda, a suportar situações aversivas e disfuncionais que deveriam ser
terminadas (Weber, 2001).
Se o comportamento de punir é reforçador tanto para os pais quanto
para os filhos, forma-se um círculo vicioso. Este círculo perpetua-se pela falta
de conhecimento dos efeitos deste método e de outros que possam substituir a
punição corporal, como também dos próprios efeitos que reforçam o
comportamento de quem pune e, portanto, ajudam a manter tal
comportamento. Justamente pelo desconhecimento, para muitos pais bater é
considerado a melhor forma de disciplinar os filhos. Porém, disciplinar possui
diferentes significados. A maioria das definições de disciplinar encontra-se em
dois grandes campos: controlar, punir e corrigir; ou ensinar, guiar e influenciar.
Os estudos atuais (Garbarino, 1999; Hyman, 1997; Patterson, Reid, & Dishion,
1992; Straus, 2000, 2001), em sua maioria, mostram que a segunda definição
é mais efetiva na produção de comportamentos desejados.
O debate “bater versus não bater” apresenta alguns complicadores.
Em primeiro lugar, definições operacionais não diferenciam perfeitamente os
termos palmada, surra, punição corporal, espancamento. Enquanto a punição
corporal é definida como “punição aplicada em qualquer parte do corpo e de
qualquer tipo”, a famosa palmada (spanking) define-se como “um tapa,
68
aplicado com a mão aberta, nas nádegas ou em extremidades do corpo,
visando a modificação do comportamento” (Baumrind, 2001, p. 1). Em segundo
lugar, este debate volta-se para a ética e os direitos da criança. Em terceiro
lugar, a questão dos efeitos da palmada, da punição corporal, da surra leve, do
“psicotapa”, é controversa entre leigos e especialistas.
Os dados de algumas pesquisas empíricas apontam para a
condenação do uso da punição corporal (Bryant & Range, 1995; Glueck &
Glueck, 1968; Gomide, 2001; Patterson et al., 1992; Reid, Taplin, & Lorber,
1981; Welsh, 1976; Wilson & Hernstein, 1985;). Entretanto, Larzelere (2000)
defende o uso de punição corporal não muito severa para crianças de 2 a 6
anos. Um estudo liderado pelo mesmo autor indicou que a punição moderada
aliada ao diálogo (reasoning) foi a forma mais eficaz de corrigir os erros de
crianças pequenas. Os autores concluíram que a maneira pela qual a punição
é usada é mais importante do que o tipo dela (física ou não), porque as duas
formas demonstraram eficácia quando combinadas com diálogo (Larzelere,
Schneider, Larson, & Pike, 1996).
Para Straus (1991), autor que tem forte posição contra a palmada,
Larzelere somente tem certa razão em afirmar que a punição corporal traz
efeitos positivos pelo fato de ela ser imediata, ou seja, a criança pára de emitir
o comportamento inadequado. Este “efeito positivo” traz benefício para os pais,
ou seja, a obediência imediata da criança. Porém é amplamente discutido pela
Análise do Comportamento: é muito mais provável que se obtenham
consequências imediatas apresentando um estímulo punitivo do que
apresentando um reforçador (Skinner, 1953/1976; Sidman, 1995), e isso
“significa que uma pessoa, provavelmente, acha mais fácil aprender técnicas
de controle aversivo do que técnicas de reforço. No entanto, isso não significa
que as técnicas aversivas sejam melhores” (Catania, 1999, p. 128). Esse efeito
positivo imediato pode ser alcançado igualmente por uma punição não-física,
como mostram pesquisas que compararam métodos disciplinares que fazem
uso da punição corporal (a palmada) com aqueles que não o fazem (o time
69
out), e chegaram à conclusão de que os dois métodos funcionam igualmente
(Day & Roberts, 1983; Roberts & Powers 1990).
Straus (1998) ainda defende que a punição corporal pode ser eficaz
no instante em que é aplicada, mas ela traz muitos prejuízos a longo prazo,
não somente para o indivíduo como também para os outros com quem
convive, devido ao risco de delinqüência, de criminalidade violenta, de
violência contra o cônjuge.
Pesquisas realizadas com o objetivo de relacionar o recebimento de
punição corporal com alguma variável comportamental da criança encontraram
prejuízos para o desenvolvimento infantil: as crianças que apanhavam
(comparadas com as que não apanhavam) apresentaram auto-estima mais
baixa (Larzelere, Klein, Schumm, & Alibrando, 1990), comportamento mais
agressivo (Stormshak, Bierman, McMahon, & Lengua, 2000; Strassberg,
Dodge, Pettit, & Bates, 1994), altos níveis de sintomas psiquiátricos e baixo
bem-estar geral (Bachar, Canetti, Bonne, De Nour, & Shaley, 1997).
A ineficácia da punição corporal refere-se ao princípio de qualquer
punição: não mostra o que deve ser feito, apenas o que não deve. A punição
enfoca o erro e não ensina o certo (Bettner & Lew, 2000; Sidman, 1995;
Skinner, 1953/1976); então, tal comportamento pode deixar de ser emitido por
algum tempo, mas não necessariamente há a aprendizagem de qual deve ser
o comportamento adequado: “quando muito, punição somente o ensina o que
não fazer” (Sidman, 1995, p. 60).
Para Sidman (1995), além de a punição não ser eficaz na
eliminação de um comportamento em longo prazo, não contribui na construção
de um repertório comportamental mais adequado e está inserida num contexto
coercitivo. Sidman (1995) afirma que “coerção entra em cena quando nossas
ações são controladas por reforçamento negativo ou punição” (p. 51).
Para mudar as atitudes dos pais é preciso entender o que os leva a
baterem em seus filhos. Em verdade, a punição corporal é utilizada
70
principalmente pela produção de um efeito imediato, mas também pela falta de
conhecimento dos pais sobre as fases do desenvolvimento infantil, sobre
outras estratégias educativas e sobre os malefícios da educação coercitiva. A
falta de conhecimento dos pais pode produzir sentimentos de incompetência e
irritação por não saber como se comportar diante do filho. A pesquisa de
Graziano e Namaste (1990) mostra que 90,7% dos sujeitos relataram que seus
pais mostraram expressões de irritação quando bateram, e Cornet (1997)
afirma que os pais descontam nos filhos suas irritações presentes ou mesmo
passadas (pais que apanharam na infância) e tornam a agressividade um
círculo vicioso. Tendo em vista que as emoções alteram a probabilidade de
ocorrência de comportamentos públicos (Skinner, 1953/1976), compreende-se
que quando os pais estão irritados e nervosos, há maior probabilidade de eles
baterem em um nível de violência maior apenas por um pequeno
comportamento inadequado da criança. Neste caso, a punição corporal deixa
de ter um caráter educativo para transformar-se realmente em falta de
autocontrole dos pais e levar à agressão.
A associação entre “amor e dor” faz parecer para as crianças que
as pessoas que mais a amam também têm o direito de lhe infligir dor.
Igualmente nocivo é quando essa associação traz o componente de fazer da
punição um estímulo discriminativo. Se a criança recebe pouca atenção dos
pais em situações adequadas e passa a recebê-la somente quando se
comporta inadequadamente, estes comportamentos passam a ser
selecionados e aumentam de frequência.
Catania (1999) apresenta o exemplo de uma criança que foi surrada
com muita intensidade, sendo que, em geral, tal comportamento paterno pode
ser seguido por uma quantidade de atenção do pai arrependido que é maior do
que a atenção nas interações cotidianas entre pai e filho. Se essa atenção do
pai for reforçadora a ponto de suplantar os efeitos dos estímulos aversivos,
estabelece-se um efeito discriminativo da punição, e a criança pode emitir
comportamentos inadequados para, com isso, receber algum estímulo aversivo
71
e depois a atenção do pai, ou seja, antes isso do que não receber qualquer
tipo de atenção.
Por um lado, as crianças são persuadidas por seus pais a
acreditarem que tapa é uma boa punição e tendem a repetir o modelo da
palmada; por outro, elas recebem os tapas e as surras como algo
desagradável, e assim manifestam reações negativas como a tristeza, a raiva,
o medo e a ansiedade. Estes pontos contraditórios colocam a criança em uma
situação de conflito em relação ao código moral sobre o que é certo e errado.
Os próprios pais podem contribuir para a ambivalência dos filhos
quando dizem que a criança precisa apanhar para ser corrigida, porém ela não
pode bater no seu irmão ou no seu amiguinho, por exemplo.
De acordo com Sidman (1995), as pessoas que usam punição
tornam-se elas mesmas punidores condicionados. A punição corporal é uma
forma de opressão e de coerção, e ela, infelizmente, encontra eco favorável na
própria estrutura familiar. Todo tipo de agressão é injustificável, tanto do ponto
de vista ético, moral, social, humano, quanto psicológico e científico. Ela
simplesmente perpetua um círculo vicioso no qual o agredido pode passar a
tornar-se agressor (p.103).
Gershoff (2002) apud L.N.D. Weber et tal. estudou comportamentos
positivos e negativos associados à punição corporal na infância e encontrou
forte associação entre punição corporal e agressão infantil e comportamento
antissocial.
Gershoff (2002) reporta que o único efeito positivo encontrado para
a punição corporal foi a imediata obediência da criança e argumenta que,
enquanto não forem encontrados efeitos benéficos para as palmadas, e não
apenas ausência de efeitos negativos, os psicólogos não podem ter a
responsabilidade de recomendar o seu uso.
É claro que a punição corporal como prática educativa não é uma
variável isolada, pois ela ocorre em um contexto que inclui outras práticas e
72
diferentes estilos parentais. Se os pais forem muito competentes e equilibrados
em níveis de exigência e responsividade, uma palmada ocasional não causa
um dano terrível, de acordo com Baumrind (2001). Então, se os pais são muito
competentes, é preciso fazer uma pergunta retórica: por que usar as
palmadas? Disciplina não é um sinônimo para punição e muito menos para
punição corporal.
Disciplinar é ajudar uma criança a desenvolver seu autocontrole,
estabelecer limites, ensinar comportamentos adequados e corrigir os
inadequados. Disciplinar também envolve encorajar a criança, ajudá-la a
desenvolver a sua autoestima e sua autonomia, ou seja, prepará-la para
enfrentar o mundo sem que precise emitir comportamentos simplesmente para
evitar as punições e aprender que a coerção é uma solução inaceitável para a
resolução de problemas. A questão da punição, como estratégia disciplinar,
ultrapassa o conhecimento da ciência e chega à ética; é preciso entender
“quando e por que os pais escolhem a punição como uma tática de
socialização” (Parke, 2002, p. 600) e que direito temos para infringir dor a uma
criança se há tantas outras possibilidades e outros métodos. (L.N.D. Weber et
al. )
Neste sentido, Castro (2012) afirma que, ao ouvirmos a palavra
“disciplinar”, a primeira ideia que vem à mente é a definição segundo o
Dicionário Aurélio: “corrigir, fazer obedecer, sujeitar”. A palavra disciplinar vem
do latim discipulus, de onde também provém a conhecida palavra discípulo.
Neste enfoque, o destaque é o discipulado. Para disciplinar (discipular), é
preciso relacionar-se. Quem é discipulado segue um modelo, um exemplo; no
caso dos filhos, este exemplo deve ser dos pais. Quando o foco está nas
motivações, trata-se o caráter. “Caráter é quem você é quando não há
ninguém por perto”; já o comportamento limita-se a uma ação vigiada (p.57).
Para Zagury (2002), bater nada tem a ver com ensinar a ter limites;
na verdade, são atitudes até opostas. Quem bate dá uma verdadeira aula de
falta de limites próprios e até de covardia; porque existem formas infinitamente
73
mais eficientes e humanas de manter a disciplina, com mensagens bem mais
positivas do que a agressão física;
• porque, com o tempo, a famosa "palmadinha leve no bumbum", que tanta
gente defende como inofensiva, deixa de surtir efeito e acaba se
transformando em palmadas cada vez mais fortes e, ao final, em verdadeiras
surras;
• porque só bate quem não age antes de "perder a cabeça";
• porque, mesmo obedecendo, a criança não aprende verdadeiramente,
apenas deixa de fazer certas coisas por medo de apanhar;
• porque bater não resolve os problemas da relação, apenas encobre os
conflitos e, ainda assim, por pouco tempo;
• porque depois, quando os pais se acalmam, sentem-se culpados e tendem a
"afrouxar" de novo os limites, para aplacar a sensação aflitiva de culpa,
perpetuando a situação de conflito;
• porque bater é assinar seu próprio atestado de fracasso como educador. O
que a palmada realmente ensina é...
• a temer o maior, o mais forte ou o mais poderoso;
• a perda de interesse pela atividade que estava desenvolvendo no momento
em que apanhou;
• que o comportamento agressivo é válido;
• que a agressão física é uma atitude normal e praticável (afinal se papai e
mamãe estão fazendo...);
• que a força bruta é mais importante que a razão e o diálogo;
• que os pais, figuras de quem a criança espera proteção e amparo, não são
confiáveis;
74
• que ocultar ou omitir fatos pode dar bons resultados e evitar umas "boas
palmadas" — afinal, quando os pais não ficam sabendo dos erros ou faltas dos
filhos, não batem;
• que de quem se espera amor podem vir pancada e agressão.
2.4 – Maus-tratos emocionais
As palavras ferinas constituem os maus-tratos emocionais. Essa
forma de violência é mais difícil de detectar do que a violência física: não
fratura ossos, mas fratura a autoestima; não provoca hematomas, mas
machuca o coração, gerando mágoas profundas. São atitudes que transmitem
desamor e rejeição, que repercutem em sentimentos de desamparo: xingar,
colocar rótulos ou apelidos depreciativos, ridicularizar, humilhar, intimidar,
ameaçar, fazer chantagens, perseguir implacavelmente, isolar do grupo social
pela discriminação, ignorar a presença, fazer exigências excessivas,
aterrorizar, corromper.
Como todas as espécies de violência, maus-tratos emocionais
acontecem em qualquer classe social, com pessoas dos mais variados graus
de escolaridade, em todos os tipos de relacionamento: ntre pais e filhos,
namorados e cônjuges, crianças e jovens, entre irmãos, professores e alunos,
chefes e subordinados, entre colegas de trabalho.
O prazer derivado da aparente superioridade do opressor (que
tantas vezes utiliza esse canal para disfarçar até de si mesmo seus
sentimentos de inferioridade e insegurança) o motiva a sistematicamente
lançar mão de condutas e palavras que humilham e depreciam o outro
(Maldonado, 2006, p.192).
Para Maldonado (2006), os maus-tratos emocionais são tolerados
na falsa esperança de obter momentos de carinho e bem-estar. Há quem
permaneça no relacionamento por não vislumbrar saídas para viver de outro
modo. As justificativas para os maus tratos costumam ser o mau gênio, o
temperamento explosivo, os rompantes ou a tensão pré-menstrual. O agressor
75
tipicamente coloca a culpa na vítima por tê-lo provocado, achando-se no direito
de exigir dela maior paciência, tolerância e compreensão, enquanto racionaliza
sua resistência à mudança dizendo: “Eu sou assim mesmo, não tem jeito.”
Outras justificativas para os maus-tratos emocionais são argumentos do tipo:”
O ciúme é o tempero do amor”;” A briga entre irmãos é normal.” Com tudo isso,
torna-se difícil, para muitas pessoas, diferenciar entre os episódios eventuais
de destempero e os padrões mais consistentes de agressão.
As palavras ásperas das críticas arrasadoras costumam ser ditas
com a desculpa de estimular a pessoa e efetuar as mudanças consideradas
necessárias: “Digo isso para o seu bem: você é insuportável, nunca vai
conseguir encontrar um homem que aguente viver com você!”. Muitas pessoas
definem “relação de intimidade” como aquela em que se pode dizer tudo o que
vem à cabeça, confundindo espontaneidade com grosseria. Comumente, são
gentis e bem-educadas nos relacionamentos sociais e profissionais, e
verbalmente abusivas com os familiares.
Com frequência, a palavra “força” está associada com brutalidade,
abuso de poder, prepotência, autoritarismo. Profissionais competentes,
batalhadores, os bem-sucedidos que “chegaram lá” e que estão à frente de
grandes escritórios com dezenas de arquitetos ou advogados, chefes de
clínicas com uma numerosa equipe de saúde, comerciantes que dirigem
importantes cadeias de lojas podem ser emocionalmente destemperados.
Indignados quando o desempenho não alcança o padrão de qualidade exigido,
explodem violentamente, desqualificando e reduzindo a pó os méritos
anteriores. Nessa “terra arrasada”, criam um clima de profundo mal-estar,
temor, mágoa, ressentimento. Então, fica difícil conseguir a retenção de
talentos: assim que surge outra perspectiva de trabalho ou de transferência de
setor, os colaboradores preferem sair de perto do chefe rude, que passa como
trator em cima do reconhecimento, da apreciação das competências, da
sensibilidade.
76
Ter gênio forte não é força, é falha da capacidade de administrar a
própria raiva. Um dos componentes básicos da inteligência emocional é
aprender a tomar conta da raiva antes que ela tome conta da gente.
A força também está associada à perseverança, à capacidade de
suportar adversidades e superar obstáculos. Força é ainda firmeza,
assertividade, definição de metas, clareza da visão e da missão, dos valores
que norteiam as ações estratégicas de pessoas e empresas.
Um dos pontos centrais do trabalho com o agressor é fazer com que
assuma a responsabilidade por seus atos e aprenda a controlar a
impulsividade, dizendo o que sente sem ofender, humilhar nem depreciar os
outros. Um aspecto essencial do trabalho com as vítimas de maus-tratos
emocionais é desenvolver a assertividade para colocar os limites devidos,
desarmando os ataques verbais do agressor (p.193, p.194 e p. 195).
Nesse sentido, Bettelheim, (1988) afirma que, os pais que querem
castigar e magoar seu filho são capazes de usar qualquer oportunidade para
fazê-lo. Assim, não chega a ser surpreendente que alguns pais não tão bons
tirem vantagem do método de retirada do afeto para seus objetivos nefandos, o
que podem fazer, porque, aí a agressão física não está presente (p.110).
De acordo com Goleman (1995), a mente emocional é muito mais
rápida que a racional, agindo irrefletidamente, sem parar para pensar. (p.305).
Goleman (1995) afirma ainda que, na ocorrência de um evento que
traga para a mente emocional, por um mínimo detalhe, fortes sensações do
passado, a reação que se desencadeia é idêntica àquela vivida originalmente.
A mente emocional reage ao presente como reagiu no passado. Isto é
problemático, especialmente quando essa avaliação é rápida e automática,
porque às vezes não percebemos que o que valeu antes agora não vale mais.
Uma pessoa adulta que, durante a infância, sofreu castigos dolorosos e por
isso aprendeu a sentir muito medo e antipatia diante de uma cara raivosa, terá
77
sensações similares ao ver uma cara raivosa que, efetivamente, não constitua
ameaça (p.309).
Nesse contexto, Castro (2012), chama a atenção para a forma do
uso das palavras. Há palavras proferidas que marcam a alma de crianças e
adolescentes e funcionam como atrativo para os aspectos positivos ou
negativos da vida.
Castro (2012) cita as seguintes frases como exemplo:
“Você é malvado!”
“Este menino é impossível, não aguento mais!”
“Você é um desastre!”
“Você só sabe fazer as coisas erradas!”
“Você é um preguiçoso!”
“Você não quer nada com a vida!”
“Você só quer saber do que não presta!”
“Ninguém gosta de você!”
“Você não vai ser nada na vida!”
“Você é tão ruim que não morreu quando eu quis te matar em
minha barriga!”
Estes são exemplos de palavras proferidas por pais e relembradas
por adultos. Infelizmente, palavras como estas continuam sendo faladas hoje
para crianças e adolescentes, marcando negativamente a alma, trazendo um
sentimento de rejeição, desvalorização e desamor.
Quando um adolescente ou uma criança tiver uma atitude
inadequada, ele deve ser afetivamente corrigido, inclusive, com palavras.
78
Vejamos algumas das ideias expressas acima, transmitindo uma
mensagem alternativa.
“Você é malvado!” – alternativa: “ Sua atitude não foi boa, mas você
pode agir diferente! Vamos pensar nas consequências desta atitude? Estou
com você para encontrarmos uma solução!”
É preciso separar a criança ou o adolescente da atitude. Nada
adianta um discurso, sem a compreensão, sem o desejo e ouvir e a certeza de
ser ouvido.
“Este menino é impossível, não aguento mais!”- alternativa: “Preciso
encontrar uma forma de alcançar o coração deste menino, pois as estratégias
que tenho utilizado não funcionaram.”
Lembre que este menino está seguindo o caminho marcado pelos
pais e pelos professores. Em muitos casos, este menino só é visto quando faz
algo indesejado.
“Você é um desastre!” – alternativa: “Precisa tomar mais cuidado,
pois tem quebrado ou perdido muitas coisas. Vamos pensar o que pode ser
feito para melhorar esta situação?”
Neste aspecto, preciso destacar a facilidade de a criança dispersar-
se em seus interesses e de o adolescente ter um crescimento maior nas
extremidades (mãos e pés), o que, muitas vezes, facilita derramar ou quebrar
as coisas.
“Você é um preguiçoso!” – alternativa: Você tem utilizado muito do
seu tempo para dormir ou assistir à televisão. “Precisamos reorganizar a sua
rotina.”
Quando se fala em organização de rotina, isso mexe com a rotina
dos pais também, pois exige um maior acompanhamento das atitudes dos
filhos. Não funciona dizer o que não deve ser feito, é preciso orientar sobre o
que deve ser feito e como deve ser feito. Outra observação é quanto ao
79
desenvolvimento hormonal dos adolescentes, que naturalmente causa o
aumento do sono e um leve cansaço.
“Ninguém gosta de você!” – alternativa: “As suas atitudes têm
afastado as pessoas de você, mas você pode mudar esta atitude e fazer muito
amigos”. Vamos pensar nestas atitudes que precisam ser redirecionadas?”
Quando o educador diz que ninguém gosta dele, está incluindo-se e,
naturalmente, cria uma barreira para ser ouvido ou fecha as possibilidades de
ajuda-lo.
“Você não vai ser nada na vida!” – alternativa: “Você precisa pensar
em seu Projeto de Vida. Já pensou no que será daqui a 10 ou 20 anos agindo
assim?”
Orientar a criança ou o adolescente sobre as consequências de
suas atitudes no futuro tem um efeito bem positivo. Uma criança ou um
adolescente que não quer estudar, por exemplo, pode estar simplesmente
querendo afrontar seus educadores, pois estudar é algo que depende
exclusivamente dele. Uma das saídas: averiguar como está o relacionamento
entre ele e os educadores e buscar o conserto, se necessário.
“Você é tão ruim que não morreu quando eu quis te matar em minha
barriga!” – alternativa: Ficar calada. Quando uma mãe tem necessidade de
dizer algo deste tipo, isto significa que está muito mal, que tem um sentimento
de destruição e precisa de ajuda para elevar sua autoestima e, depois, poder
ajudar a melhorar a autoestima do seu filho.
As palavras podem ser bênção ou maldição na vida da família. As
palavras de bênçãos são sementes que germinarão em atitudes positivas
diante da vida (p.43 à p.47).
Neste sentido, Relvas (2011) afirma que:
“Aprendizagem emocional é uma parte integral da aparente
aprendizagem cognitiva. A aprendizagem emocional acontece em um contexto
80
dinâmico, relacional e emocional inconsciente. Processos cognitivos e
emocionais quase sempre dirigem o crescimento exitoso das capacidades
cognitivas. A emoção vai dando forma à cognição e à aprendizagem. As crises
emocionais, naturais ao desenvolvimento ou específica da pessoa, vão
influenciar de forma crônica a evolução desta mesma aprendizagem. A criança
desenvolve desde posturas rudimentares até a capacidade de socializar-se
com objetividade. Descentralizando pensamento, buscando a autoimagem em
prol de novos conhecimentos. A eficácia emocional da criança se relaciona
com a percepção da própria capacidade de lidar, monitorar, manejar e mudar
sentimentos adversos que inibem a persistência da busca de um objetivo”
(p.95).
A razão intervém quando se trata de estabelecer quais são os
deveres, quando se trata de lembrá-los na hora certa de conter um forte
desejo. Porém, por detrás dos ditames da razão, permanece a emoção.
(Relvas, 2011, p. 128).
81
CAPÍTULO III
TERAPIA DE FAMÍLIA
Neste terceiro e último capítulo o enfoque será dado à história da
terapia de família desde o seu surgimento às diversas possibilidades do fazer
terapêutico, descrevendo as etapas do processo e suas implicações.
O movimento da terapia de família surgiu após a Segunda Grande
Guerra, num contexto de crise em que as pessoas estavam chocadas com a
destruição recente e mais conscientes das contradições e interdependências
econômicas e ecológicas. Da crise também apareceram sementes de
mudanças construtivas: os movimentos antirracistas e anticolonialistas, o
movimento feminista e o movimento ecológico. Neste período, as Ciências
Humanas, como um todo, preocuparam-se em aprofundar os conhecimentos
sobre as relações entre o indivíduo e o contexto.
A terapia familiar se desenvolveu nos Estados Unidos, na década de
50, de duas vertentes principais: o trabalho com os esquizofrênicos e com
crianças, ambos dependentes de suas famílias. Ackerman é um dos teóricos
que provem da psiquiatria infantil. No leste, Bowen, Winne, Lidz, Witeaker e
outros psicanalistas insatisfeitos com o resultado com os tratamentos
individuais com esquizofrênicos, passaram a incluir a família na terapia. Na
década de 60, Minuchin e colaboradores, trabalharam em Nova Yorque com
famílias de adolescentes delinquentes. Nas décadas de 60 e 70, várias escolas
se diferenciaram dentro das terapias sistêmicas. Bowen desenvolveu a escola
trigeracional de terapia de família, mesmo trabalhando as vezes só com o
adulto da família. Witaeker e Virgínia Satir foram expoentes da escola
existencial, que enfatiza o trabalho intenso com as emoções e vivências no
aqui e agora da família e do terapeuta. Minuchin criou a terapia familiar
estrutural, que enfatiza as questões organizacionais da família na gênese e
resolução dos problemas. Em Palo Alto desenvolveu-se a escola
comunicacional, na qual o trabalho concentra-se nas comunicações
interpessoais verbais e não verbais. Haley, originário desse grupo, criou a
82
escola estratégica, em que intervenções terapêuticas criativas tendem a
reestruturar o funcionamento familiar estabelecido ao redor do sintoma.
Há grupos que enfatizam a teoria comportamental em seu trabalho
com famílias, privilegiando as intervenções destinadas a extinguir os sintomas.
A partir da década de 80, tornou-se mais nítida a tentativa de
síntese e integração (Valdemar, 1986).
O indivíduo voltou a ganhar destaque dentro do contexto familiar.
Integraram-se várias técnicas oriundas de diversas escolas. Valorizou-se cada
vez mais a função e a pessoa do terapeuta como parte do sistema terapêutico
(dentro do que se convencionou chamar de segunda cibernética) (Sluzky,
1987).
Também ganhou destaque o trabalho com as instituições e
comunidades com um enfoque sistêmico (Elizur, 1990).
3.1 – Mudanças ao longo do Ciclo Vital da Familia
A família é mais do que a soma dos seus membros. É um
organismo com leis próprias de funcionamento. Essas leis configuram uma
estrutura estável (homeostase, mais com flexibilidade para mudar com o
passar do tempo (Bateson, 1971)).
Alguns consideram que a família começa pela união de dois
indivíduos e se torna mais complexa com a chegada do primeiro filho. A família
com filhos pequenos é muito diferente daq família com filhos grandes. E
quando os filhos crescem e saem de casa, o casal volta a situação de estar só.
(Carter, 1995).
Idealmente, em nossa sociedade, a família nuclear surge do
encontro de dois adultos jovens, já independentes e diferenciados de suas
famílias de origem, que se escolhem livremente logo após um período de
namoro e de noivado. A eleição é feita de ações conscientes e inconscientes.
quando menos contraditórias forem as razões, mais chances terá o casamento
de ser satisfatório. De modo geral, os casais com afinidades culturais,
religiosas, políticas e provenientes de classes sociais não muito diferentes tem
maiores facilidades de adaptação. O casal funciona em nossa cultura
predominantemente de forma complementar, com o homem sendo
83
considerado a cabeça do casal, aquele que garante a subsistência, mesmo
quando a mulher trabalha também fora do lar. As decisões são tomadas em
conjunto, mas há uma grande predominância de um ou outro em áreas
diferentes. Por exemplo, as finanças sendo do marido e a casa da mulher.
Muito dos problemas enfrentados atualmente pelos casais saudáveis se
relacionam com as mudanças no papel da mulher na sociedade e com a
necessidade da família de se adaptar a uma mulher profissional e autônoma.
Nos casamentos saudáveis há equilíbrio entre os aspectos
complementares e simétricos do casal (Satir, 1980).
A tarefa fundamental do princípio do casamento é o conhecimento
recíproco e a construção de regras próprias de funcionamento, guardando
semelhanças, mas também diferenças das famílias de origem é um período no
qual o casal vive mais distanciado das famílias, renegociando as relações com
os pais de ambos os cônjuges e com os amigos, velhos e novos.
A chegada do primeiro filho é um período difícil, de acomodação a
uma terceira pessoa (Brazelton, 1988). Idealmente o pai oferece a segurança
necessária à formação de um bom vínculo mãe-filho, sem que o ciúme, que
naturalmente existe, interfira na sua ligação com o filho e a esposa. É um
momento em que a família diminui os contatos com o meio externo e em que
muitos hábitos mudam. Com frequência, há uma reaproximação com os avós,
que os ajudam no cuidado do bebê, sem competir com os pais. As dificuldades
das famílias de bom funcionamento, em geral, decorrem das exigências
externas do trabalho, em que o pai, a mãe, ou ambos são muito solicitados,
por estar em idade de investir profissionalmente, o que é difícil conciliar com as
diversas demandas do bebê. A cada filho que nasce a situação se torna mais
complexa, sendo necessária a preparação não só dos pais, mas também dos
irmãos, que sofrem com medo de perder o seu lugar na família. Os pais devem
adequar seus cuidados de forma especial á idade e à personalidade de cada
um dos filhos.
À medida que os filhos crescem, a família vai, gradativamente, se
abrindo para o exterior, fazendo contato cada vez mais íntimo com a
sociedade, por meio das creches, maternais e da escola de primeiro grau. Aí
84
se dá o teste da capacidade de criar filhos saudáveis e capazes de enfrentar
as exigências da vida fora de casa.
Quando os filhos chegam a adolescência, os pais estão chegando a
meia idade e os avós a aposentadoria e a velhice. Não só o adolescente, mas
toda a família vive uma crise de desenvolvimento. Com frequência, a crise se
manifesta por meio de brigas dos filhos com os pais por mais liberdade.
Quanto mais em paz estão os pais e os avós com a nova etapa de suas
próprias vidas, mas tranquila é a adolescência dos filhos. O adolescente tem
por tarefa principal encontrar a sua própria identidade. Nesse processo, em
especial nos primeiros anos da adolescência, os jovens apresentam ansiedade
e períodos de depressão, acompanhados de conflitos com os pais. Porém, a
ideia de que a adolescência seria normalmente um período de conflitos
severos, não é comprovada por estudos epidemiológicos (Valdemar, 1983).
No final da adolescência, o jovem se define vocacionalmente e
busca um parceiro sexual. Quando os filhos saem de casa, deixam atrás de si,
os pais sozinhos outra vez, face a face consigo mesmos e um com o outro,
vivendo o início da velhice e a perspectiva da morte de seus próprios pais.
Nesta fase, ocorre a chamada síndrome do ninho vazio. Resumindo, as fases
do ciclo vital da família são: individuação do adulto, casamento, nascimento do
primeiro filho, família com filhos pequenos, família com filhos adolescentes e o
chamado “ninho vazio”. Cada fase exige acomodação e mudança de cada
membro e da família como um todo.
Todavia, vivemos hoje numa sociedade em crise onde valores e
ideologias presentes em nosso cotidiano têm sido questionados
constantemente. Essas mudanças são observáveis em diversas instituições,
sendo a família uma delas. A partir dessa perspectiva, pode-se constatar que o
ciclo evolutivo da família brasileira vem sofrendo alterações e que essas, por
sua vez, refletem as aceleradas modificações na estrutura e na configuração
familiar na atualidade. Dentre elas, podemos observar índices menores de
natalidade, uma expectativa de vida mais longa, um aumento no número de
divórcios e recasamentos, além da diferenciação nos papéis de gênero. Desse
modo, o ciclo vital familiar correspondente às gerações passadas necessita de
85
novas leituras e adaptações em algumas de suas fases (Carter; Mcgoldrick,
1995; Cerveny; Berthoud, 1997).
Nessa perspectiva, O estágio do ciclo vital familiar, denominado
“lançamento dos filhos” (Carter; McGoldrick, 1995), também conhecido por
“ninho vazio”, inicia-se com a saída do primeiro filho da casa dos pais e
estende-se até a partida do último. Essa etapa é geralmente associada a um
período de depressão e solidão, principalmente para as mães.
Entretanto, atualmente, percebe-se uma profunda transformação
nessa fase, pois para muitas famílias os filhos adultos permanecem morando
em casa. As mudanças no ciclo de vida familiar estão cada vez mais evidentes,
pois, a casa dos pais de meia idade já não está mais ficando tão vazia como
antigamente. Em outros tempos, os jovens aos 18 anos já tinham autonomia e
independência em muitas áreas de suas vidas, e almejavam a liberdade, mas
esse desejo só era realizado através da saída da casa parental (Nascimento,
2006; Oliveira, 2007).
Todavia, nos dias atuais, os filhos adultos frequentemente
permanecem em casa e a convivência familiar parental está se prolongando.
Este fenômeno também ocorre em outros países. Veiga (1998) aponta que
este comportamento também ocorre nos países da Europa, como a Espanha,
onde 60% das pessoas entre 25 e 30 anos moram com os pais e apenas um
em cada cinco adolescentes faz questão de morar sozinho, pois a maioria
(54%) não deseja sair da casa dos pais. Corroborando esses dados, Féres-
Carneiro, Henriques e Jablonski (2004) apontam que este comportamento
também ocorre em países como Itália, França, Portugal e Estados Unidos.
O fenômeno do “ninho cheio” parece mais característico da classe
média já que esse prolongamento da juventude não ocorreu com tanta
frequência nas classes menos favorecidas. Esse distanciamento entre as
classes sociais é evidenciado, principalmente no adiamento da maternidade
que é mais comum nas mulheres privilegiadas economicamente.
86
Em muitos casos, a idade escolhida por elas para engravidar,
coincide com a faixa etária em que mulheres de classe mais baixa se tornam
avós.
Percebe-se que o “ninho cheio” é um fenômeno atual de caráter
multidimensional em que estão envolvidos fatores pessoais do adulto jovem e,
também, da dinâmica familiar em que ele está inserido. Deve-se salientar,
ainda, que essas famílias se encontram situadas no tempo e no espaço, ou
seja, fazem parte de um determinado contexto socioeconômico o que justifica
a necessidade de se levar em consideração os fatores psicossociais no estudo
desse tema. (Vieira e Rava, 2010).
3.2 – Consulta Terapêutica
Winnicott foi o primeiro a utilizar este termo (La consultation
thérapeutique et l’enfant, 1971). A consulta terapêutica envolve a observação
da interação entre mãe, bebê, ou criança, pai e outros membros da família.
A procura de atendimento, em geral, ocorre por meio de um membro
da família que se diz necessitado de tratamento ou que pede ajuda para outro
membro da família, definido como problemático.
Cada vez mais em nossos dias, as crianças se esforçam por
corresponder a padrões de um ambiente exigente tanto dentro da família como
na sociedade. Desta forma passam por períodos transitórios, ao longo de seu
desenvolvimento, nos quais surgem ansiedades, que se manifestam por meio
de comportamentos “discrepantes” e desadaptados. Muitos pais ficam
assustados com estes comportamentos e podem senti-los como sinal de
fracasso, e pelas dificuldades de seus filhos, podem evocar questões não
resolvidas de seu próprio passado.
No primeiro encontro, deve-se procurar estabelecer um clima de
confiança e intimidade que permita às pessoas envolvidas revelar sus
preocupações e segredos e mostrar suas formas peculiares de interagir. O
objetivo da primeira consulta é estabelecer uma boa relação e fazer uma
87
hipótese diagnóstica do problema, que, uma vez compartilhado com a família,
permite combinar um plano terapêutico. Já nesse primeiro encontro, em geral,
o problema que era considerado como sendo deum indivíduo, passa a ser
percebido como influenciando e influenciado por todos.
Às vezes, a existência de segredos, como, por exemplo, adoção,
maus-tratos e casos extraconjugais exige entrevistas individuais.
Pode ser também necessário, já de início, o encaminhamento para avaliação a
outros especialistas: pediatra ou clínico, neurologista, psicólogo, assistente
social, fonoaudiólogo, psicopedagogo e terapeuta ocupacional.
3.2.1- Diagnóstico da Estrutura e da Dinâmica Familiar
Durante a primeira entrevista é possível conhecer o paciente
identificado e sua família, de modo a estabelecer um perfil diagnóstico. O
diagnóstico é um processo dinâmico e longitudinal (Minuchin, 1982 e 1984).
Muitas vezes uma família ou pessoa em grave crise situacional
aparenta ter uma patologia muito mais grave do que se evidencia após a crise
estar resolvida. É importante evitar os rótulos definitivos que muitas vezes
acompanham as pessoas ao longo de sua vida e podem diminuir as
oportunidades que lhe são oferecidas.
Devem considerar os seguintes aspectos aos formular o diagnóstico:
• Nível socioeconômico e características étnico-culturais.
• Crise vital ou crise situacional? Estágio de desenvolvimento da
família; compreender os sintomas em relação à crise existencial que a
família vive.
• Estrutura: alianças, hierarquia, estilo de funcionamento.
• Capacidade de resolver problemas, comunicação e expressão de
afeto.
88
• Função do sintoma e presença, ou não, de diagnóstico psiquiátrico
positivo.
• Classificação do funcionamento familiar.
• Motivação para o tratamento.
3.3 – Classificação do Funcionamento Familiar
Uma das formas clinicamente mais úteis de classificar o
funcionamento familiar é o utilizado por Bavers (1982), que identifica
sete tipos:
1) – Famílias ótimas: seus membros passam por períodos de
dificuldades, mas não estruturam patologia psiquiátrica.
2) Famílias adequadas: formadas por indivíduos competentes e sem
patologia, mas frequentemente observa-se um ambiente mais tenso
e sofrimento em algum membro da família, em geral depressão ou
manifestação psicossomática nas mães.
3) Famílias médias, de estilo centrípeto: frequentemente apresentam
indivíduos neuróticos. Nessas famílias, a coalisão parental não é
nunca igualitária e sem conflito (o padrão é de submissão-
dominação, ou é de constante luta pelo controle) a interação dos
pais com os filhos é caracterizada por luta por poder explícitas ou
subliminares. Coalizões “edípicas” são frequentes. O clima geral é
contido por métodos de controle que, em geral, são eficazes. Essas
famílias excluem de seu repertório, boa parte das suas experiências
humanas, não aceitando, por exemplo, o fenômeno universal da
ambivalência. Funcionam baseadas em um estilo rígido de arbítrio
(as regras podem ser de origem religiosa, política ou outra). Os
estereótipos de gênero de “homem forte” e “mulher dadivosa” são
frequentemente rígidos.
89
4) Famílias médias, de estilo centrífugo: frequentemente apresentam
pessoas com transtornos de comportamento. Em contraste com o
grupo anterior, a coalisão parental não é eficaz; ambos os pais se
sentem ineficazes para seguir regras e habitualmente brigam pelo
controle dos filhos, acusando um ao outro dos fracassos. Alianças
ilícitas entre um outro dos pais e filhos são frequentes. Acreditam
nos estereótipos sexuais do gênero.
5) Famílias médias mistas: alternam comportamentos centrífugos e
centrípetos. Tipicamente a coalizão parental varia de momentos de
dominação-submissão a outros de luta por poder. Os filhos alternam
aceitação e desafio do controle parental.
6) Famílias severamente disfuncionais, de estilo centrípeto:
frequentemente apresentam filhos esquizofrênicos. São famílias
inflexíveis, com pouca diferenciação individual e ineficazes, ao
enfrentarem problemas do desenvolvimento ou situacionais. A
estrutura de poder é mal definida; a comunicação não é clara, é
inefetiva e insatisfatória, não havendo foco comum de atenção; há
problemas extremos com limites interpessoais; pouca capacidade de
negociação e um ambiente afetivo predominantemente deprimido ou
cínico, com ambivalência tipicamente aparecendo de forma
sequencial. Nega-se à passagem do tempo. Além dessas
características, a família centrípeta, tem uma fronteira, ao seu redor,
quase impermeável, sendo frequentemente vista como “estranha”
pelos vizinhos e não facilitando a separação dos filhos.
7) Famílias severamente disfuncionais, de estilo centrífugo:
frequentemente apresentam filhos sociopáticos. Caracterizam-se
por ter uma fronteira extremamente difusa com o meio ambiente e
uma organização familiar instável. Os pais são inconstantes, filhos
fogem de casa, sendo difícil definir quem faz parte da família. As
interações são marcadas por competição, manipulação do humor e
90
conflito aberto que nunca é resolvido. Como as habilidades
interpessoais são escassas, mesmo quando pais e filhos deixam a
casa, tendem a ser malsucedidos e voltar tão carentes e hostis
quanto antes. A disciplina é tentada por meio de intimidação, mas,
em geral, falha por sua inconsistência e falta de relações
interpessoais positivas. A falta de empatia é marcante, sendo
frequentes as brigas e comportamentos antissociais, que podem ser
entendidos como defesas contra a dor e a tristeza da carência
emocional, que não se permitem expressar.
3.4 – Técnicas psicoterapêuticas
Uma das peculiaridades do tratamento da família é a ênfase na
busca e na mobilização dos aspectos saudáveis do grupo, inclusive muitas
vezes, redefinindo o sintoma como uma tentativa de manter e proteger a
família.
Em geral, trabalha-se muito no presente, procurando que apareçam
ao vivo, na sessão, os problemas interacionais sentidos pela família ( Minuchin,
1984).
Para trabalhar problemas transgeracionais mais estruturados,
frequentemente se trabalha diretamente também com os avós (Andolfi, 1989).
O terapeuta utiliza-se de sua personalidade, do seu self, em vários
graus, procurando criar um clima de empatia e confiança. Dentro dessa
atmosfera se desenvolve o complexo processo terapêutico, que tem como
objetivo permitir aos membros da família participarem plenamente dela e, ao
mesmo tempo, promoverem a individuação de cada um deles.
Alguns terapeutas buscam, através do humor e do uso da
imaginação, criar novos tipos de experiência e de relacionamento emocional.
Buscam introduzir novas formas de perceber e relacionar-se com os
problemas, de modo a ampliar o repertório de respostas da família.
91
A psicoterapia do grupo familiar em geral se inicia com sessões que
duram, pelo menos, uma hora, com frequência semanal e com a participação
de todos os membros. Se o paciente for adulto, a família pode ser incluída
mais tarde, ou mesmo ir a apenas algumas sessões. À medida que a terapia
progride, a frequência pode passar a quinzenal ou mensal (ou, em casos
especiais, pode já se iniciar assim).
A terapia de família se utiliza de muitos co-terapeutas. Todos os
familiares são incluídos no tratamento e este continua necessariamente fora do
consultório. Além disso, mobiliza-se também, quando necessário, outros
sistemas: a escola, o trabalho ou as instituições envolvidas com o paciente
(Elizur, 1990).
Apesar da amplitude dos recursos utilizados, o trabalho é sempre
focal, visando algumas mudanças objetivas, decididas em combinação com a
família, o que faz com que o tratamento seja, em geral, de curta duração. Isto é
importante, principalmente no caso de crianças e adolescentes em plena fase
de desenvolvimento (Prado, 1996).
3.5–Capacidade de resolver problemas, comunicação e
expressão de afeto
A estrutura básica da família nuclear funcional envolve uma sólida
aliança entre os cônjuges que se apoiam mutuamente na tarefa de nutrir,
prover, orientar, dar afeto e limites aos filhos. O subsistema conjugal é
permeável às solicitações dos filhos, mas a aliança principal e
hierarquicamente mais importante é entre os cônjuges. Da mesma forma,
relaciona-se com as famílias de origem promovendo trocas, mas mantendo
sua unidade básica.
O subsistema fraterno tem sua própria estruturação com papéis
diferentes para irmãos adolescentes e irmãos ainda em idade escolar ou pré-
escolar, com muitas questões podendo ser resolvidas dentro do próprio
subsistema fraterno. Além da nuclear, há muitas configurações possíveis para
92
a família funcional, por exemplo: aquela de um único pai ou mãe, responsável
pelos filhos ou aqueles que funcionam em aliança com a avó no cuidado das
crianças ou ainda aquela em que um irmão mais velho recebe dos pais a
delegação de cuidar dos irmãos em sua ausência.
Recentemente, novas constelações familiares, como casais
homossexuais com filhos, ou mulheres que decidem ter filhos sós, desafiam
nossos conceitos tradicionais em relação ao que é uma família. Entretanto, os
relatos da literatura mostram que podem ser capazes de criar filhos
competentes.
A disfunção ocorre quando há ruptura duradoura da hierarquia
familiar com as alianças, ocorrendo, por exemplo, entre mãe e filho, deixando o
pai como figura periférica, ou entre avó e neto, tratando a mãe (ou os pais)
como incompetente (Minuchin, 1992).
O trabalho com famílias tem um grande poder preventivo: por
intermédio de um irmão, tratam-se os demais; trabalhando o casal, evita-se
muitas vezes o surgimento de novos problemas e incluindo os avós (direta ou
indiretamente), trabalham-se antecipadamente futuros problemas que podem
surgir durante o ciclo vital.
Todas as famílias apresentam problemas. O que diferencia as que
funcionam bem é que são capazes de utilizar adequadamente os seus
recursos de comunicação verbal e não-verbal) e de estimular a expressão de
afeto (tanto amoroso quanto crítico) de forma a identificar, elaborar e dar
resolução aos problemas, com a participação de todos os membros da família.
93
CONCLUSÃO
Com o presente estudo foi possível detectar que, mesmo na era
pós-moderna, com a internet, o surgimento de novas patologias como a
“ciberpatologia” entre outras, e toda a mudança que um mundo globalizado e
“midializado” puderam trazer, ainda assim é através do contato afetivo e do
diálogo que as famílias conseguirão apoiar seus filhos e ajudá-los a
aprenderem a lidar com suas primeiras frustrações e outras que surgirão ao
longo de sua infância e juventude, auxiliando-os a encontrarem soluções para
as suas dificuldades.
Nesse sentido, a família exerce um papel essencial como
preparadores emocionais e mediadores de futuras gerações.
No presente trabalho ficou claro que é bastante significativo o
papel do afeto no ambiente familiar para a formação da saúde emocional do
indivíduo. Valorizar e reconhecer explicitamente as contribuições positivas de
cada membro da família melhora a vida de todos e cria um clima agradável de
convívio, em que a compreensão e o consenso predominam sobre as
desavenças. A dimensão afetiva é responsável pelo sentimento de confiança,
de segurança, e pela construção da autoestima, relacionado com a
necessidade de se sentir amado, valorizado, respeitado, aceito.
A ausência desta dimensão pode gerar ansiedade, insegurança,
falta de iniciativa, dificuldades de aprendizagem, isolamento e agressividade ou
timidez excessiva.
Sendo assim, pode-se concluir que, a ausência ou deficiência do afeto
em ambiente familiar pode ser fator desencadeante de problemas emocionais
na criação de filhos.
94
ANEXO 1
A seguir serão relatados dois estudos de casos extraídos do Livro
Psicoterapias – Abordagens Atuais de Aristides Volpato Cordioli. Ed ArtMed,
1998.
ESTUDOS DE CASO
Caso 1
Uma Mulher Adulta na Crise de Meia-idade: Mandatos que Passam de
Geração em Geração.
Maria, 39 anos, mulher atraente, casada, profissional que abandonou
o trabalho para criar os filhos (Ana, de 13, e Pedro, de 15 anos) vem à consulta
por sentir-se muito deprimida, ainda que sem prejuízo aparente de suas
funções materna e conjugal. Trabalhamos durante algum tempo a sua crise
vital da meia-idade, busca de novos objetivos de vida, as dificuldades com os
filhos adolescentes e as queixas em relação ao marido, centrado em si mesmo
e em seu trabalho. Trabalhamos, também, o luto mal elaborado pela morte, há
dois anos, de seu pai, uma pessoa carismática e contraditória, a quem era
extremamente ligada. O marido participa de uma consulta. Para ele a relação
está satisfatória. Quando Maria já se sente melhor da depressão, revela que
nunca entendeu porque sua vida sexual mudou após ter filhos. Queixa-se de
que é relativamente monótona agora, enquanto que, antes, ela e o marido
tinham relações sexuais “a toda hora” com muita criatividade e prazer. Ela
gostava de “sentir-se uma puta na cama”.
No esforço de compreendê-la melhor, peço que traga sua mãe, Vera,
e surpreendo-me quando a primeira verbalização desta é a respeito de estar
“vestida como uma puta”. Mais adiante, fico sabendo que a mãe de Vera fora
acusada pelo marido de ser puta e, em consequência, obrigada a deixar a casa
e os filhos. Vera parece ter suprido a carência materna com o marido
95
autoritário, mas protetor, e, principalmente, após sua morte, com Maria, a filha
mais velha, que se debate para suprir, sem nunca conseguir, as necessidades
da mãe.
Mais tarde, examinando as dificuldades sexuais de Maria à luz dessas
informações, ela se dá conta, com profunda emoção, de que sente como se
corresse o risco de perder os filhos, se fosse considerada puta por sua família.
Este insight parece liberá-la deste mandato passado da avó para a filha e da
filha para a neta e, com isso, das restrições na sua vida sexual atual.
Caso 2
Uma Família em Crise de Separação
Joana, 35 anos, arquiteta, trabalhando em uma repartição pública,
vem à consulta por profunda depressão, motivada pela desintegração de seu
casamento de 11 anos com Pedro, médico, que foi seu primeiro e único
namorado. Tem dois filhos: Rodrigo, de 10, e João, de 4 anos. Queixa-se de
solidão, desesperança e brigas constantes com Pedro nos últimos três anos. As
brigas pioraram há um ano, quando ele passou a ausentar-se muito de casa.
Reconhece, com culpa, que neste período teve dificuldades para cuidar de seus
filhos. É a terceira de cinco irmãos de uma família do interior, muito
conservadora, em que nunca houve separações. Está assustada porque o irmão
mais moço tem diagnóstico de esquizofrenia e sente-se parecida com ele.
Na segunda consulta, solicito conversar a sós com Pedro, como fizera
com Joana. Ele me diz que efetivamente o casamento está a caminho do fim,
que ele inclusive tem uma “relação em vista para o futuro”. Afirma que não tem
esperança de reconstruir seu casamento com Joana e que pessoalmente está
bem.
A terceira consulta é com Joana e Pedro. Pedro, pela primeira vez,
coloca claramente sua decisão de separar-se. Lembra a Joana que ela o
ameaçara de ir embora várias vezes e que ele cansara das brigas. Joana está
96
ainda mais deprimida, pedindo ajuda terapêutica de forma quase patética.
Pedro diz que tem condições de enfrentar a situação sozinho.
Combinamos que verei Joana individualmente uma vez por semana e
o casal (ou família), outra. Contra a vontade de Joana, Pedro combina que em
15 dias sairá de casa. Quando isso acontece, ela se entristece, mas, para sua
surpresa, também se alivia, pois começa o fim da sua longa batalha para
preservar o casamento.
Com o casal, são trabalhadas as combinações práticas referentes aos
cuidados com os filhos. Cuidando para evitar falar do passado e de assuntos
pessoais (a esta altura já está claro que Pedro tem outra mulher), conseguem
combinar regras de visitação e contato. Pedro verá os meninos praticamente
todos os dias e dormirão com ele um dia por semana e em finais de semanas
alternados.
Joana está mais triste que raivosa. Nas sessões individuais culpa-se
de tudo. Concentra-se, agora, nos cuidados dos filhos. Informa que João não
está querendo entrar em aula e que ela passa as manhãs sentada na porta da
sala. Esse comportamento já ocorrera no ano passado, levando-os a tirar o
menino da escola. A primeira tentativa terapêutica é incluir o pai, combinando
com ele que substitua Joana, levando João à escola. Ele o faz, mas o problema
se repete.
Com as crianças estão vivendo com Joana, a terapia passa a ser só
com ela e com os filhos. Percebe-se, então, que João é um menino sem limites,
a quem ela nunca diz não. Brinca-se na sessão e criam-se várias situações em
que ela é obrigada a repreendê-lo, ao que ele reage chorando exageradamente
e fazendo-a voltar atrás. É mostrada a analogia com o que acontece na escola:
ele chora, ela desanima da intenção de deixá-lo lá. Quando Joana se dá conta,
muda de atitude e passa a ser mais firme na sessão.
97
Na semana seguinte, Joana relata que após três dias em que João
ficou chorando na escola, com a assistência da orientadora, está, agora,
entrando e ficando na aula sem problemas. Não houve aparecimento de novos
sintomas.
Em outra sessão, Com Joana e os meninos, a concentração é nos
medos de Rodrigo. Ele não consegue dormir porque fica pensando em
monstros. Esse é um sintoma antigo. Rodrigo é cuidadosamente instruído a
observar todos os detalhes dos monstros, para que relate na próxima semana.
Com Joana inicia-se a tarefa de trabalhar aspectos de sua baixa auto
estima relacionados com sua história pessoal que a incapacitaram durante o
casamento.
Em nova sessão com os meninos e os pais, Pedro conta que ele
também tinha dificuldades para dormir quando pequeno, que também dormia
pouco. Joana está mais tranquila. Rodrigo está dormindo melhor, parecendo
menos interessado nos monstros. João continua bem.
Com o casal são trabalhados aspectos econômicos da separação. Mas
a tensão é muito grande e combinamos esperar algum tempo pra definir a
separação dos bens, já que estão podendo resolver a questão urgente da
pensão.
Joana continua a terapia individualmente. A terapia fica disponível
para Pedro no que se refere a questões da separação, e combina-se que se ele
vier a precisar de tratamento será encaminhado a outro profissional. No
trabalho com Joana, é incluída sua família de origem. Por um período curto
participa de um grupo de mulheres com problemas semelhantes em suas
relações amorosas. Recebeu alta quase um ano depois, tendo marcado
consultas eventuais após esse período. Passado um ano da alta, Joana e sua
família estão bem adaptados à nova situação.
98
ANEXO 2
INTERNET
http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/afp/2012/07/02/surras-podem-
aumentar-as-chances-de-transtornos-mentais-diz-estudo.htm
Home › Psicologia › Notícias
Punição física pode elevar chances de transtornos mentais Crianças que levam surras na infância têm maiores chances de desenvolver doenças mentais quando adultas 4 de julho de 2012
Punição física pode elevar chances de transtornos mentais Crianças que levam surras na infância têm maiores chances de desenvolver doenças mentais
quando adultas. Há ainda registros de distúrbios de humor e ansiedade e de problemas com o
uso abusivo de álcool e drogas.
O estudo liderado por canadenses, divulgado nesta segunda-feira (2), é o primeiro a examinar a
relação entre problemas psicológicos e danos físicos para medir, de forma isolada, os efeitos
da punição física. Agressões mais graves ou abuso sexual foram desconsideradas.
Segundo a equipe, as pessoas que apanharam quando eram crianças apresentaram uma
probabilidade entre 2% e 7% maior de sofrer de doenças mentais. A pesquisa, publicada na
revista "Pediatrics", sondou mais de 600 adultos nos Estados Unidos para chegar a esse
resultado.
A taxa parece pequena, especialmente porque cerca de metade da população americana
99
afirma ter apanhado na infância. No entanto, fornece indícios que os castigos físicos podem
levar a consequências futuras.
"O estudo é importante porque sugere uma reflexão sobre a paternidade", diz o psiquiatra de
crianças e adolescentes Victor Fornari, diretor do Sistema Judaico de Saúde de North Shore-
Long Island, em Nova York, que não esteve envolvido no trabalho.
Os pesquisadores destacaram que o estudo não garante que os castigos físicos tenham sido a
causa das doenças em alguns adultos, e sim que há uma ligação entre as lembranças
relacionadas a essas punições e uma maior incidência de problemas mentais.
ATOS VIOLENTOS
Pesquisas prévias já demonstraram que crianças abusadas fisicamente eram mais propensas a
ter distúrbios mentais e adquirir um comportamento agressivo no futuro que crianças que não
apanharam.
Entretanto, essas abordagens anteriores geralmente lidavam com abusos mais graves. A atual
exclui o abuso sexual e qualquer outro abuso físico que deixe hematomas, cicatrizes ou
ferimentos. No lugar, ele foca em outros castigos físicos, como empurrões, agarrões, tapas ou
palmadas.
Dos entrevistados, de 2% a 5% sofriam de depressão, ansiedade, transtorno bipolar, anorexia
ou bulimia, o que pode ser atribuído aos castigos na infância.
Já entre 4% e 7% afirmaram problemas mais sérios, incluindo transtornos de personalidade,
TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e dificuldades de raciocínio.
O estudo serve ainda para lembrar que existem outras opções para disciplinar as crianças,
como o reforço positivo e a proibição de algum lazer, algo mais aconselhado pelos pediatras.
"O fato é que metade da população (americana) apanhou no passado. Há maneiras melhores
de os pais disciplinarem as crianças", opinou Fornari.
Fonte: folha.uol.com.br
100
ANEXO 3
INTERNET
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2004000200004
Pesquisa realizada pela UFPN - Estudos de Psicologia 2004, 9, (2), 227-237
102
ANEXO 5
INTERNET
http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/07/problemas-na-infancia-
tem-efeito-no-desenvolvimento-cerebral-diz-estudo.html
24/07/2012 06h30 - Atualizado em 24/07/2012 06h30
Problemas na infância têm efeito no desenvolvimento cerebral, diz estudo Crianças abandonadas podem ter redução de massa cinzenta e branca. Pesquisadores americanos analisaram exames de 74 menores romenos. Do G1, em São Paulo
Um novo estudo feito nos EUA com exames de ressonância magnética mostra que problemas
físicos e psicológicos na infância podem ter um efeito mensurável sobre o desenvolvimento
cerebral. As conclusões estão publicadas na edição desta segunda-feira (23) da revista científica
americana “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS).
A pesquisa, feita no Laboratório de Neurociência Cognitiva do Hospital Infantil de Boston,
revela que algumas das crianças romenas analisadas apresentaram uma diminuição da massa
cinzenta (constituída por neurônios e células da “glia”, que suportam e nutrem os neurônios) e
da massa branca (formada por fibras que ligam os neurônios).
No sentido contrário, quando as circunstâncias sociais e ambientais melhoraram, a massa branca
foi capaz de dar sinais de recuperação e reverter parcialmente essas mudanças. Nesse caso, os
menores avaliados viviam em orfanatos e foram transferidos para lares de adoção.
Ao todo, foram observadas 74 crianças de 8 a 11 anos, divididas em três grupos. O primeiro
incluía 29 menores criados em alguma instituição, 25 escolhidos para deixarem o orfanato e
serem adotados após três anos, e 20 que nunca estiverem em lugares como esses.
Segundo os autores, crianças expostas a abuso, violência, abandono, pobreza extrema e outras
adversidades podem sofrer os mesmos efeitos.
O pesquisador Charles Nelson, um dos responsáveis pelo estudo, diz que esses trabalhos
cognitivos sugerem que pode haver um período sensível que abrange os dois primeiros anos de
vida e que, quanto antes uma criança receber cuidados assistenciais, melhores os resultados.
Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontam que pelo menos 8 milhões
de crianças no mundo vivem em instituições como orfanatos, sendo expostas a situações de
negligência física e psicológica grave.
103
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108
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I 11
FAMÍLIA E HISTORICIDADE: IDADE MÉDIA AOS DIAS ATUAIS
1.1 – A descoberta da infância 14
1.2 – Família e afetividade 21
1.3 – Família: universo de gerações 28
CAPÍTULO II 36
EDUCAÇÃO DE FILHOS E SUAS VICISSITUDES NA ATUALIDADE
2.1 – Nascimento dos filhos: a importância das primeiras experiências 40
2.1.1 – Filho real ou ideal? 46
2.2 – Os vínculos definem a qualidade da relação 48
2.3 – Limites e disciplina 54
2.3.1 – O uso de palmadas e surras como prática educativa 65
2.4 – Maus-tratos emocionais 74
CAPÍTULO III 81
TERAPIA DE FAMÍLIA
3.1 – Mudanças ao longo do Ciclo Vital da Família 82
3.2 – Consulta Terapêutica 86
3.3 – Classificação do funcionamento familiar 88
3.4 – Técnicas psicoterapêuticas 90
3.5 – Capacidade de resolver problemas, comunicação e expressão 91
de afeto
CONCLUSÃO 93