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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
A Construção do Self a partir do consumo do luxo: estratégias
de Marketing
Por: Geraldine Cássia Moniz de Souza Tonoli
Orientador
Prof. Jorge Vieira
Rio de Janeiro
2011
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
A Construção do Self a partir do consumo do luxo: estratégias
de Marketing
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Marketing.
Por: Geraldine Cássia Moniz de Souza Tonoli
3
AGRADECIMENTOS
A conclusão desse trabalho não teria sido possível não fosse a preciosa ajuda
das pessoas a quem agradeço agora:
Em primeiro lugar, aos meus pais, Bernadete e Valter, pelo amor e pela
maneira incondicional com que sempre me apoiaram.
Aos queridos amigos Andrea Duchesne, Bruno Taveira, Bruno Mello, Daniele
Salomão, Emma Garcia, Gabriela Alcofra, Renato Benevenuto e Vanessa
Klevenhusen, pela amizade, conversas, conselhos e apoio em todas as horas,
mesmo naquelas mais “obscuras e desesperadas”.
Ao meu orientador, Prof. Jorge Vieira, pela atenção dispensada.
Aos meus professores do IVAM que me ajudaram a vislumbrar novas
possibilidades profissionais.
A todas as pessoas com quem trabalhei ao longo desses seis anos na H.Stern
e que de alguma maneira contribuíram para que hoje eu pudesse concluir esse
trabalho.
À Rosa Kalmman, que sempre esteve disponível quando precisei.
À minha grande amiga e confidente Miriã Andrade, que entrou em minha vida
pelas portas do IVAM e que hoje tem lugar cativo em meu coração.
À minha irmã Branca, que me ensinou uma linda estória de superação.
5
RESUMO
O propósito do presente trabalho foi buscar melhor compreensão de
como o conceito de construção da identidade a partir de hábitos de consumo
pode ser usado como ferramenta de Marketing, mais especificamente quando
nos referimos ao mercado de luxo. Através da revisão de literatura, foram
identificadas algumas hipóteses que nos permitem vislumbrar parte da
simbologia envolvida na experiência do consumo de artigos de luxo. O
entendimento das diferentes representações embutidas no consumo de luxo e
de seu caráter simbólico nos ajuda a explorar melhor a ideia de construção do
sujeito por meio de suas escolhas de compra e, consequentemente, nos
instiga a pensar estratégias de marketing do luxo e gestão de marcas.
6
METODOLOGIA
O presente estudo caracteriza-se por ser fruto de pesquisas bibliográficas,
buscando explicar os conceitos acerca dos temas “identidade” “Consumo” e
“Marketing de luxo”. A opção de um determinado tema de pesquisa parece ter
início em nossas experiências acumuladas, tonando-se quase natural o fato
dessas experiências se tornarem indagações e se formalizem como desafios
intelectuais. No meu caso, o interesse pelo assunto foi despertado
inicialmente, por ter sido através desse segmento que entrei no mercado de
trabalho. Após desempenhar diversas funções em uma das maiores empresas
brasileiras do mercado de luxo, a leitura de jornais e revistas que abordassem
a crescente expectativa da economia em relação a esse setor específico foi
obrigatória, e a busca de referencial teórico que me ajudasse a melhor
compreender o consumo de luxo tornou-se uma necessidade intelectual.
Assim, foram buscados livros que abordassem conceitos de marketing,
marketing de luxo, marca e, sobretudo, que elucidassem questões
relacionadas ao comportamento do consumidor em si. Essa busca se iniciou
através artigos e reviews que já tratassem do assunto, orientando essa
pesquisa. Não foi acidental a escolha por uma abordagem que incorporasse
conceitos da Antropologia, Sociologia e Filosofia, dada a minha formação
original ser em Ciências Sociais.
A análise desse artigo busca associar esses conhecimentos, sem qualquer
pretensão de fazer uma abordagem econômica ou julgamentos de valor sobre
o consumo de luxo, de forma a aprimorar o entendimento acerca desse
assunto.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................8
CAPÍTULO I - Luxo, Identidade e Comportamento do Consumidor: conceitos e
contextualização...............................................................................................14
1. Luxo....................................................................................................14
1.1. Contextualização do conceito de luxo.............................................16
2. Identidade e descentralização do sujeito contemporâneo..................17
2.1. Contextualização do conceito de identidade e descentralização do
sujeito contemporâneo...........................................................................18
3. Motivação e comportamento do consumidor......................................19
CAPÍTULO II - Eu compro, logo existo: o consumo de luxo e o Self................23
CAPÍTULO III – O Marketing de luxo................................................................31
CONCLUSÃO...................................................................................................34
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................36
ÍNDICE..............................................................................................................41
FOLHA DE AVALIAÇÃO...................................................................................42
8
INTRODUÇÃO
“Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
9
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
10
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.”
(Eu Etiqueta)
Carlos Drummond de Andrade
O poema que abre esse trabalho é provocador na medida em que esse
estudo se propõe, justamente, a pensar o caráter simbólico e os significados
sociais e psicológicos do consumo, mais especificamente do consumo de luxo.
Estaríamos nós perdendo nossa essência e individualidade, nos transformando
em meros consumidores de produtos, marcas e serviços, dentro de um caldo
sócio-cultural pasteurizado, que nos reifica e idiotiza? (Horkheimer & Adorno,
1985)
Possuir o que o outro não pode ter, encontrar um meio de tornar-se
dono de uma peça exclusiva ou limitada, hedonismo, recompensa, busca por
status, entre outros, parecem ser motivações que, segundo o jornal Brasil
Econômico, fizeram com que os brasileiros desembolsassem
aproximadamente US$ 6 milhões em 2009. Esses dados trazidos a público
pela consultoria americana Bain&Co. são somente 2,8% dos US$ 213,5
11
bilhões movimentados pela fantástica indústria mundial do luxo no referido
ano.
Os números acima citados são expressivos se levarmos em
consideração a ocorrência da crise financeira mundial no final de 2008. No
entanto, diante da estabilização ou desaceleração do consumo de luxo nos
países de Primeiro Mundo, fato esse que provocou uma retração de 8% nas
vendas de grupos renomados como Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH),
empresas do segmento obrigaram-se a voltar suas estratégias de crescimento,
a médio e longo prazo, para mercados emergentes, como Rússia, China e,
claro, Brasil.
Podemos atribuir a escolha de investimento por parte dos grandes
nomes da indústria mundial do luxo, no caso do Brasil, a fatores como (a)
grande número de habitantes do país; (b) recuperação e estabilidade da
economia; (c) a desvalorização do dólar perante à moeda local; (d) facilidades
no sistema de crédito e parcelamento ao consumidor; (e) não haver
constrangimentos religiosos ou culturais; (f) evolução da mulher no mercado de
trabalho; e (g) o homem começa a preocupar-se mais com a aparência
(Carozzi, 2005).
O mercado brasileiro do luxo é jovem, efervescente, e a importância de
estudos mais aprofundados sobre o assunto é dada devido ao fato de que
esse segmento de mercado está longe da saturação. Ou seja, existe muito
espaço para as empresas crescerem, o que exige profissionais com
conhecimento de mercado e cada vez mais inovadores, buscando sempre a
diferenciação frente a seus concorrentes.
Dentro desse cenário, esse estudo busca lançar uma luz sobre as
possíveis motivações do consumidor de luxo, baseando-se em conceitos
oriundos da Psicologia, Antropologia, Sociologia e Filosofia, a fim de contribuir
12
para os estudos de estratégias de Marketing e Gestão para as marcas que
atuam nesse segmento.
Assim, optou-se por realizar uma revisão teórica para responder
questões como:
Quais são os valores e representações embutidos no ato de
consumir luxo? Como isto está relacionado com a construção de
identidade do sujeito? Como o entendimento das questões acima
mencionadas podem nos orientar na elaboração de estratégias assertivas
de marketing para o mercado de luxo?
Devido ao enorme potencial de crescimento nos países emergentes e a
aparente inelasticidade da demanda, mesmo em momentos de crise
econômico-financeira, parece natural que a discussão sobre o mercado dos
produtos e serviços de luxo chame tanto a atenção de pesquisadores e do
público em geral. Em decorrência dos consideráveis volumes de negócios que
o setor movimenta, cada vez mais profissionais de marketing buscam
compreender melhor o comportamento desse consumidor. Não caberá nesse
estudo, portanto, discussões sobre desigualdades econômicas e juízos de
valor. A proposta desse trabalho é a busca pelas especificidades do consumo
de luxo e a análise de sua administração mercadológica, a investigação do
comportamento de seus consumidores, valores e motivações, procurando
alinhar os conceitos da teoria do comportamento do consumidor com essas
peculiaridades, sem deixar de pensar, um só momento, em como tudo isso
perpassa e é perpassado pela questão da construção do sujeito (Self) pós-
moderno.
O objetivo principal desse trabalho é contribuir, portanto, para o
entendimento das diferentes representações e símbolos embutidos no
consumo de luxo e também suscitar questões que nos permitam pensar como
13
tudo isso se relaciona com a questão da identidade do indivíduo
contemporâneo. Indivíduo esse que se mostra hoje, fragmentado por uma
multiplicidade de sistemas de significação (Hall, 1999). O entendimento da
interrelação entre construção do “Eu” e consumo de luxo deverá nos levar a
indagações de como isso pode ser aplicado, empiricamente, à elaboração de
estratégias de marketing para o setor de luxo. Para tanto, são considerados os
seguintes objetivos intermediários:
ü Contextualização e definição do conceito de luxo.
ü Contextualização e definição do conceito de identidade.
ü Investigar as principais discussões teóricas sobre a correlação entre
construção do sujeito (self) contemporâneo e seus hábitos de
consumo.
ü Identificar os principais fatores que motivam o consumo de produtos e
serviços de luxo.
14
CAPÍTULO I
Luxo, Identidade e Comportamento do Consumidor:
conceitos e contextualização
O presente capítulo tem como propósito a discussão sobre identidade
cultural e representações do consumo de luxo pelo consumidor. Os tópicos de
estudo escolhidos são: luxo, Identidade e descentralização do sujeito
contemporâneo e, por último, motivação e comportamento do consumidor.
1. Luxo
“O luxo é tudo aquilo que não se vê.”
Coco Chanel
A fim de contextualizarmos o assunto em uma perspectiva histórica é
necessário fazer uso de Lipovetsky e Roux (2005) uma vez que afirmam que o
luxo, ao contrário do que se imagina, não começou com a produção de bens
de preço elevado, mas com o espírito de dispêndio, que procedeu do
entesouramento das coisas raras. Ou seja, muito antes de se tornar referência
de status, o luxo foi um fenômeno de caráter social e divino, o que o tornou
distintivo também entre os ricos e pobres.
De acordo com os referidos autores, em todas as épocas, o uso de
objetos de luxo se verifica, principalmente, para marcar a fronteira entre uma
classe social favorecida e o resto da população. Portanto, não há sociedade
que rejeite o conceito de luxo, seja esse traduzido em hábitos como o uso de
adornos, festas, consumo exacerbado de bens, entre outros.
15
O luxo moderno surgiu no século XVIII, com o desenvolvimento trazido
pela Revolução Industrial. A partir desse momento, o luxo ganha uma
dimensão de satisfação pessoal do indivíduo, sendo necessário destacar que
mais do que outra coisa, ele se traduz em um instrumento de diferenciação
social. (Allérès, 2006).
Conforme nos diz Strehlau (2008), é comum no marketing definir o luxo
utilizando o composto mercadológico baseado na premissa de que um produto
de luxo se define por alta qualidade, preço diferenciado, comunicação e
distribuição seletiva ou exclusiva. Essa definição não se sustentaria no longo
prazo, pois o conceito de luxo é mais amplo e perene, razão essa que dificulta
também a definição do conceito por associação a marcas estabelecidas no
mercado.
Ainda para Strehlau (2008), a última dificuldade para a definição do
conceito de luxo é de natureza semântica, pois o uso indiscriminado da palavra
“luxo”, colocando-a como antônimo de palavras como “normal” ou “comum”,
constitui um adjetivo cujo significado se aproximaria do “especial”, mas sem
estar, necessariamente, ligado ao conceito de luxo em si.
Devido à existência de elementos abstratos, subjetivos e relativos por
natureza, Allérès (2006) explica que existe certa dificuldade para definir o exato
conceito de luxo, mas na análise da autora, sob a perspectiva de questões
econômicas, o luxo pode ser classificado como caro, raro, original, diferente,
superior ao convencional, com qualidade e durabilidade e vinculado a uma
marca de prestígio, de alto nível e glamour.
Para D`Ângelo (2004) o luxo pode ser associado a significados como:
compensação, ostentação, elegância, prestígio, conforto, exclusividade, status,
caro, raro, original, belo, precioso, esnobe, entre outros. O que não são
necessariamente, segundo o autor, significados positivos. Strehlau (2008)
16
complementa que o luxo pode ser colocado em contraposição à necessidade,
seu grau de utilidade ou ser supérfluo. De qualquer forma, para D’Angelo, o
luxo possui como característica intrínseca à satisfação pessoal, através do
prazer derivado da exclusividade, em consequência da demonstração de
riqueza.
Com tudo que foi dito anteriormente, o que se pretende ressaltar aqui
são os fatores importantes para compreensão do conceito de luxo, tal qual
pontua Strehlau (2008): estabilidade do conceito, mas instabilidades de suas
representações; o grau de distinção social associado e o conhecimento
embutido no consumo.
1.1. Contextualização do conceito de luxo
Para Allérès (2006) é necessário entender o ‘contexto cultural’ – meio
social e cultural no qual as pessoas convivem – pois essa, para o autor, é a
origem do significado dado pelo consumidor a produtos e serviços. O contexto
cultural, conforme a autora, divide-se em categorias culturais (que classificam
inúmeros fenômenos sociais de acordo com referenciais como gênero, idade,
classe social, etc.) e princípios culturais (idéias e valores de uma determinada
cultura).
A partir das representações sócio-culturais dos grupos sociais é que se
busca a matéria-prima através da qual a propaganda e a moda irão transferir
aos produtos e serviços os seus diversos significados. A transferência desses
significados do produto até o consumidor ocorre através de rituais típicos da
sociedade de consumo, como a posse (comparação, avaliação, demonstração
de bens pessoais), a troca (especialmente o ato de presentear), a arrumação
(cuidados dedicados a pertences pessoais) e o descarte (aquisição de
produtos que eram de outra pessoa ou descarte de um produto próprio).
17
2. Identidade e descentralização do sujeito contemporâneo
“Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.”
Fernando Pessoa
A partir do prisma da natureza subjetiva e multidimensional do construto
do luxo, é que vamos pensar aqui a questão da identidade e descentralização
do sujeito contemporâneo.
Conforme Hall (1999), a questão da identidade vem sendo discutida
extensamente na teoria social, dado que velhas identidades que estabilizaram
o mundo moderno entraram em declínio, dando origem a novas identidades e
fragmentando o indivíduo contemporâneo, antes entendido como um sujeito
unificado.
Evidentemente, o conceito de identidade é demasiadamente complexo e
não há a intenção aqui de discorrer teorias epistemológicas sobre o tema.
Assim, partimos do pressuposto sugerido por Hall de pensarmos o construto
de identidade contemporânea como algo deslocado e/ou fragmentado. Isso
quer dizer que com o advento das transformações institucionais que estão em
curso, particularmente aquelas que nos mostram que estamos nos deslocando
para um sistema centralmente baseado na informação (Giddens, 1991),
devemos pensar o sujeito pós-moderno como um ser cambiante de
identidades possíveis e mais ainda, como um sujeito que vive identidades
descentralizadas, muitas vezes justapostas e, aparentemente, paradoxais
(Dholakia et al, 1995).
18
2.1. Contextualização do conceito de identidade e descentralização do
sujeito contemporâneo
Conforme nos explica Velho (1999), no mundo contemporâneo, “os
indivíduos transitam entre os domínios do trabalho, do lazer, do sagrado, etc.,
com passagens às vezes quase imperceptíveis. Estão na interseção de
diferentes mundos. Podem a qualquer momento transitar de um para o outro,
em função de um código relevante para suas existências. (...) Mas o trânsito
entre os domínios de dá, constantemente, de modo desdramatizado. Os
indivíduos vivem múltiplos papéis, em função dos diferentes planos em que se
movem, que poderiam parecer incompatíveis sob o ponto de vista de uma ótica
linear. (...) Assim, na sociedade complexa, particularmente, a coexistência de
diferentes mundos constitui sua própria dinâmica.”1
Dessa maneira, o indivíduo contemporâneo permite e sustenta grandes
possibilidades de circulação entre as mais diferentes dimensões sociais e
esferas simbólicas. Esse moderno campo de circulação permite ao indivíduo
experimentar múltiplas identidades, no nível mais individual possível até
mesmo identidades desindividualizantes, com ênfase numa identidade coletiva.
Há evidências que sugerem que as pessoas, efetivamente, se
expressam e se comunicam através do consumo (Bahn et al, 1982) e é nesse
contexto de multiplicidade de possibilidades e fragmentação do EU pós-
moderno em que devemos pensá-lo então como o indivíduo que elege, define
e se define através de diversas práticas sócio-culturais, que sugerimos
entender o consumo como uma poderosa fonte de organização cultural
contemporânea (Rocha, 2006).
1. VELHO, G., Projeto e Metamorfose – Antropologia das Sociedades Complexas, p.
26-27
19
3. Motivação e comportamento do consumidor
Estudar o comportamento do consumidor é uma das maneiras de tentar
entender o “homem contemporâneo em seus múltiplos papéis e funções,
observando como esses são construídos no cotidiano. Construímos nossa
identidade, amamos, incluímos, desprezamos e excluímos via atos de
consumo sem nos darmos conta disso”. 2
A fim de entender o estado impulsionador - a motivação (Hawkins et al, 2007)
que influencia o consumidor a perceber algo como relevante e finalmente
consumi-lo, várias tipologias foram criadas e diversas abordagens foram feitas,
desde o modelo da Hierarquia das Necessidades de Maslow aos Motivos
Psicológicos propostos por McGuire, passando pela Pesquisa de Valores
de Rokeach. Aqui, vamos utilizar o modelo proposto por Shalom Schwartz
como referencial teórico, onde são reconhecidos dez tipos de valores básicos,
que compreendem ainda outros tipos motivacionais.
2 MIGUELES, C. Antropologia do Consumo – casos brasileiros. p. 9.
20
Figura 1 – Modelo teórico de Schwartz das dez relações entre os tipos de
valores motivacionais.
Onde,
PODER: Posição social e prestígio, controle ou dominação das pessoas
e de recursos (poder social, autoridade, riqueza, preservação da imagem
pública)
REALIZAÇÃO: Sucesso pessoal por meio de demonstração de
competência, de acordo com os padrões sociais (sucesso, capacidade,
ambição, influência)
HEDONISMO: Prazer e gratificação sensual para o próprio indivíduo
(prazer, curtir a vida, autoindulgência)
ESTIMULAÇÃO: Excitação, novidades e desafios na vida (ousadia, vida
21
variada, vida emocionante)
AUTODIREÇÃO: Pensamento independente e liberdade de ação,
criação, exploração (criatividade, liberdade, independência, curiosidade,
escolha das próprias metas)
UNIVERSALISMO: Compreensão, apreço, tolerância e proteção ao
bem-estar de todas as pessoas e natureza (visão ampla, sabedoria,
justiça social, igualdade, a paz no mundo, um mundo de beleza, união
com a natureza, proteção ao meio ambiente.
BENEVOLÊNCIA: Preservação e melhoria do bem-estar das pessoas
com as quais se está em freqüente contato (solidário, honesto, saber
perdoar, leal, responsável)
TRADIÇÃO: Respeito, compromisso e aceitação dos costumes e ideais
que a cultura tradicional e a religião proporcionam ao indivíduo (humilde,
aceitação de sua porção na vida, devoto, respeitar às tradições,
moderado)
CONFORMISMO: Limitação nas suas ações, inclinações e impulsos
capazes de irritar ou prejudicar os outros, ou violar as normas e
expectativas sociais (polidez, obediência, autodisciplina, respeitar os pais
e os idosos)
SEGURANÇA: Segurança, harmonia, e estabilidade da sociedade, dos
relacionamentos, e de si mesmo (segurança da família, segurança
nacional, ordem social, limpo, favores recíprocos
Tabela 1 - Definições dos tipos motivacionais de valores, em termos objetivos e conceitos mais simples que os representam. (SCHWARTZ apud BATEY, M. O Significado da Marca – como as marcas ganham vida na mente dos consumidores, 2010)
E qual a importância de estudarmos os valores motivacionais?
Rokeach (1973) considera que as funções dos valores são dar expressão
às necessidades humanas básicas e guiar decisões. Servem como critérios
22
para julgamento de si e dos outros, bem como para auto-apresentação, além
de auxiliarem na avaliação global da situação para resolução de conflitos.
Rokeach (1973) também atribui aos valores funções motivacionais, de
ajustamento, de defesa do ego e de auto-realização. Assim, os valores
orientam o comportamento dos indivíduos, e não seria diferente no
comportamento do sujeito no ato de consumir.
A identificação dos fatores motivacionais e variáveis que influenciam o
consumidor a fazer uma decisão de compra, e os tipos de valores, motivos,
emoções pessoais que direcionam o sujeito à compra se tornou condição sine
qua non para que uma empresa, marca ou produto alcance de maneira efetiva
e eficaz o lugar que almeja no mercado-alvo.
Mais ainda, quando falamos de um mercado altamente focado na
diferenciação, como o mercado de luxo, valer-se de um modelo teórico testado
em várias partes do mundo como o modelo de Schwartz, é possível fazer uma
“etnografia” do consumo do luxo, testando as mudanças de prioridades de
valores relacionados a fatores como faixa etária, envelhecimento físico e fases
da vida.
Strehlau (2008) afirma que, no que se refere ao mercado de luxo, a idade
é um fator influenciador no ato da compra, não apenas devido ao valor
aquisitivo, mas também porque a percepção do que é luxo ou uma
necessidade é influenciada pelo momento histórico que partilham. Um exemplo
seria a percepção da tecnologia como um luxo é maior entre os mais velhos do
que entre os mais jovens.
23
CAPÍTULO II
Eu compro, logo existo: o consumo de luxo e o Self
“O homem é uma criação do desejo e não da necessidade”
(Bachelard apud Allérès, 2006)
Mais do que um fenômeno econômico, o consumo é uma questão
cultural e social. Ainda que o indivíduo tome sozinho a decisão de consumir, o
comportamento do mesmo é orientado pelo contexto no qual os sujeitos vivem
e interagem. Assim, há, portanto, uma lógica muito mais complexa que envolve
o ato do consumo, que ultrapassa a ideia de que consumo significa apenas
comprar bens. (Miller, 2007)
Para autores como Firat e Venkatesh, a lógica dicotômica PRODUÇÃO
x CONSUMO, onde a produção é o espaço onde o valor é criado e o consumo
onde esse valor é destruído, é finda. A produção perdeu sua condição
privilegiada na cultura e o consumo passou ser o significado pelo qual os
indivíduos definem a si mesmos. (Dholakia et al, 1995) Assim, é imprescindível
que os estudiosos do Comportamento do Consumidor, Marketing e áreas afins
voltem seus olhares não apenas para a questão da materialidade econômica,
mas também para o subsequente impacto gerado pelo consumo a fim de
incorporar novos conceitos às teorias existentes.
Um exemplo claro das variáveis contemporâneas do consumo que
escapam à lógica que opõe produção ao consumo é aquela que nos explica
que o produto hoje, no mundo pós-moderno, passa a ser, cada vez mais, um
PROCESSO no qual o consumidor pode imergir e contribuir para a produção
do mesmo. O próprio consumo teria se tornado no processo produtivo em si. O
consumidor deixa de ser um alvo estático de produtos para se tornar uma
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ligação contínua na (re)produção de imagens e significados simbólicos daquilo
que consome. (Dholakia et al, 1995)
Definições básicas como sexo, raça, nacionalidade, etnia, religião e
hobbies não são mais suficientes para responder à pergunta “quem sou eu?”.
Ainda que especifiquem parâmetros daquilo que consideramos ser, esses
identificadores não são capazes mais de encapsular a nossa “real” identidade,
pois essa deriva também, e principalmente, da nossa mescla de escolhas
plurais, tão característica da sociedade consumidora contemporânea. Não
cabe aqui afirmar que a identidade do sujeito contemporâneo deriva de um
produto, mas é evidente que o que compramos diz algo sobre quem somos.
(Campbell, 2006).
Arnould e Wallendorf concebem que os objetos transmitem nossa
conexão com os outros e ajuda a expressar nosso conceito de self. A
expressão do self se daria através de três processos sociais: o da
diferenciação, da comparação e o da integração. Essa afirmação nos remete a
Belk, que propôs que os objetos não seriam apenas parte do self, mas um
instrumento para a construção do próprio self. (Belk, 1988)
Belk sugere a compreensão do “eu” como um “eu ampliado/extendido”
(extended self), na medida em que os pertences/objetos são um meio prático e
conveniente de guardar memórias e sentimentos que unem nosso sentido de
passado, sentido esse fundamental para a definição do self. Os objetos
serviriam como “confirmadores” de nossas identidades e mais ainda, em
muitos casos, a identidade pode estar mais no “eu extendido” do que no
próprio “eu”. E na medida em que nossa identidade não se resume ao “eu”
individual, os objetos podem indicar não somente aquilo que é do indivíduo,
mas também uma identidade de grupo, a fim de expressar pertencimento. Ao
se exprimir através do desejo ontológico de possuir algo que proporcione
segurança e continuidade de um vínculo com outros, podemos perceber o
papel do simbólico na construção das necessidades.
25
É necessário também compreender o contexto de desterritorialização e
dessubstancialização do consumo. Todas as identidades estão localizadas na
relação espaço-tempo. Quando o espaço e o lugar deixam de ser coincidentes,
reforçamos “relações entre os outros ‘ausentes’, localmente distantes de
qualquer situação dada ou interação face a face. Em condições de
modernidade..., os locais são completamente penetrados e moldados por
influências sociais bastante distante deles. O que estrutura o local não é
simplesmente aquilo que está presente na cena; a ‘forma visível’ do local
oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza.”3 A
consequência dessa reorganização da relação espaço-tempo – onde residem
as identidades – é a descentralização do sujeito, e a fragmentação do “eu”.
Fica evidente que, no mundo contemporâneo, o consumidor age sobre o
objeto que adquire e o recontextualiza de acordo com os sentidos pertinentes
ao seu universo de significados, por sua vez produzido na complexa dinâmica
sujeito-objeto que o atravessa. Devemos assim, pensar o papel do consumo
como um processo plural de autoconstrução e construção cultural, no qual há
um sistema de classificação que antecede as práticas, pontuando o caráter
processual e múltiplo da identidade. Essa é discursivamente construída pelas
narrativas do eu e elaborada na ampla relação com os outros, com os bens e
com os lugares socialmente significativos. (Leitão et al, 2006)
A pluralidade do sujeito contemporâneo leva, no entanto, a um grau de
comprometimento baixo e momentâneo em relação a todas as coisas,
sobretudo no consumo. Podemos afirmar que os consumidores de hoje são
mais volúveis, na medida em que tudo o que era fixo e essencial passa a ser
arbitrário e efêmero. Como então conquistar a lealdade do consumidor?
Quando tudo se torna extremamente volátil, a marca se torna um ponto-
chave que ao ser bem trabalhado e levado em conta na estratégia de
26
sobrevivência de um produto, torna a relação objeto x consumidor mais
humana, ajuda a criar uma lealdade/identificação do consumidor com o
produto e, em alguns casos extremos, cativa uma paixão nos usuários do
produto.
Existem vários exemplos de relações entre consumidor e objeto que
servem como lembretes de nossa(s) identidade(s) e que fazem do ato da
compra uma forma de (co)criação. A aquisição do último modelo de
computador da Apple, a compra de uma joia Van Cleef & Arpels, ou ainda a
opção de consumir somente alimentos orgânicos muito falam (a nós mesmos
e aos outros) quem somos ou, pelo menos, quem desejamos ser. A Harley
Davidson, por exemplo, tem consumidores que tatuam a marca no próprio
corpo. Existirá prova maior de identificação de um sujeito com um produto?
(D’Angelo, 2004)
Figura 2 – Harley-Davidson’s tatoo. Retirada do site www.tatooroot.blogspot.com
3 GUIDDENS, A. As consequências da modernidade. p. 27
27
Assim como é extremamente complexo definir o conceito de luxo, é
extremamente difícil pensarmos numa definição de consumo de luxo. Seria o
consumo do supérfulo? O consumo desnecessário? O consumo de produtos
sem equivalentes no mercado?
Gilles e Roux tentam resolver a questão com a seguinte afirmativa:
“Por definição, o domínio do luxo é o da excelência e da emoção.
Como diz um dos principais dirigentes do setor, ‘no domínio do luxo não se
deve enganar no produto, nem na criação e inovação, nem na qualidade, nem
no preço, nem na acolhida’”4
Ou ainda:
“Um produto de luxo é um conjunto: um objeto (produto ou serviço),
mais um conjunto de representações: imagens, conceitos, sensações, que são
associados a ele pelo consumidor e, portanto, que o consumidor compra com o
objeto e pelos quais está disposto a pagar um preço superior ao que aceitaria
pagar por um objeto ou um serviço de características funcionais equivalentes,
mas sem estas representações associadas”5
Partindo da conceituação proposta por McCracken, onde o consumo
pode ser definido como a criação, a compra e o uso de produtos e serviços, e
que os produtos são depositários de significados culturais que podem estar
evidentes ou escondidos para o consumidor (McCraken apud D’Angelo, 2004),
entendemos que no consumo de luxo, os produtos são mais do que o
resultado de aspectos tangíveis do produto em si, tais como matéria-prima,
qualidade e custo de produção; o produto representa, para o consumidor de
artigos de luxo uma satisfação, seja ela social, emocional ou econômica. O
4 LIPOVETSKY & ROUX. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. p. 99 5 LIPOVETSKY & ROUX. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. p.
127
28
luxo seria o espaço da intangibilidade e a imaterialidade, uma característica
dominante no consumo de luxo. (Passarelli, 2010; Strehlau, 2008)
Dessa forma, se torna evidente que:
“Há uma relação entre dimensões culturais e o consumo de bens de
luxo. Relacionando cultura e os rendimentos para a aquisição de bens de luxo,
existem duas formas diferentes de acesso: a tradicional (baseada na utilidade
para o consumidor) e a relativa ao consumo hedônico e aos modelos de
extensão do self, segundo os quais os consumidores compram o significado
simbólico”.6
Ainda que inferências sobre os indivíduos baseados em seus hábitos de
consumo pode levar à uma análise superficial e até mesmo à estereotipagem,
inferir baseado nas escolhas de consumo é parte de um processo que pode
permitir identificar formas não-verbais de comunicação e expressão do self
(Bahn et al, 1982).
Podemos então, para a melhor compreensão do que é o consumidor de
luxo, nos valer da tipologia proposta por Schwartz e dos resultados obtidos por
D’Angelo em sua pesquisa de campo (cujo objetivo principal era justamente
estabelecer quais são os valores associados a essa modalidade de consumo a
partir de uma investigação qualitativa entre consumidores na cidade de São
Paulo) para identificar algumas motivações recorrentes no consumidor de
artigos de luxo.
Entre os trezes principais resultados da pesquisa enumerados por
D’Angelo (2004), foram selecionados oito que parecem significativos para o
presente trabalho:
6 STREHLAU, S. Marketing do luxo. p. 77.
29
ü Consumidores valorizam os produtos de luxo e justificam sua aquisição
devido à qualidade intrínseca dos objetos (conforto proporcionado,
durabilidade, design, matéria-prima, etc.)
ü Os consumidores procuram as marcas de luxo, e em especial as de
vestuário, também porque se preocupam muito com a sua aparência e
imagem. A aparência é vista como um reflexo das qualidades da pessoa,
um sinal de cuidado consigo mesmo e um instrumento importante no
ambiente profissional.
ü Os produtos de luxo também são considerados fontes de prazer, pois
apelam aos sentidos, à fantasia e à emoção das pessoas.
ü Além disso, a compra é considerada prazerosa e o produto de luxo funciona
como uma recompensa, uma forma de se autopresentear.
ü Os entrevistados diferenciaram dois tipos de consumo de luxo: um,
orientado pelo status da marca e a vontade de aparecer e ostentar; o outro,
orientado pela qualidade dos produtos, a intenção de ter uma boa
aparência e de extrair prazer da experiência de consumo. O primeiro foi
identificado como negativo, enquanto o segundo, como positivo.
ü São influenciadores do consumo de luxo o círculo social no qual a pessoa
transita, o ambiente profissional e a própria família, que muitas vezes
durante a infância e a adolescência, estimula o gosto por esse tipo de
produto.
ü Não existe crítica moral referente a consumo de produtos de luxo;
predomina a visão de que cada pessoa sabe onde gastar o dinheiro que
possui.
30
ü É possível afirmar que as marcas de luxo possuem diferentes
‘personalidades’; o consumidor identifica-se com algumas delas justamente
de acordo com esse perfil, esse conjunto de características básicas que a
marca apresenta.7
A partir dos resultados obtidos por D’Angelo em sua pesquisa,
identificamos, valendo-se da tipologia proposta por Schwartz, os seguintes
tipos motivacionais de valores que serviriam então à análise do consumidor
de bens e serviços de luxo: (a) Poder, onde prestígio e preservação da
imagem pública estão presentes; (b) Realização, em que estão contidos
conceitos como sucesso, ambição e influência; (c) HEDONISMO, que traz
conceitos como prazer e autoindulgência, e que, sobretudo, parece ser o
principal valor motivacional nesse tipo de consumo; e finalmente (d)
Tradição, onde o respeito às tradições pode ser entendido também como a
manutenção de hábitos de consumo “herdados” da família ou do grupo
social a que pertence o indivíduo.
E no que a identificação de tipos motivacionais pode ajudar os
profissionais de marketing na formulação de estratégias voltadas para o
universo do luxo e gestão de marcas? Esse assunto será discutido no
capítulo que se segue.
7 D’ANGELO, A. Valores e significados do consumo de produtos de luxo. Anexos p.288-
289
31
CAPÍTULO III
O Marketing de luxo
Dado que “o campo do comportamento do consumidor envolve o estudo
de indivíduos, grupos e organizações e o processo que eles usam para
selecionar, obter, usar e dispor de produtos, serviços, experiências ou ideias
para satisfazer necessidades e o impacto que esses processos tem sobre o
consumidor e a sociedade”8, e que “todas as decisões e regulamentações de
marketing se baseiam nas premissas e no conhecimento acerca do
comportamento do consumidor”9, devemos pensar em estratégias e táticas de
marketing para o mercado do luxo sempre levando em consideração as
motivações identificadas como recorrentes no comportamento desses
consumidores.
Percebemos hoje algumas tendências do consumo que suscitam
questões e impõem desafios aos profissionais de marketing. São tópicos que
aparecem como tendências do consumo de hoje, de forma geral: (a) a relação
dialética entre globalização e interiorização, (b) fluidez cultural e impacto no
consumo local, (c) afirmação de identidades e construções sociais, (d)
individualização/customização, (e) experiência como parte intrínseca ao ato
de consumir, experiência essa que deve ser agradável e excitante, (f) e
consequentemente leva a necessidade de se vivienciar uma hiperrealidade,
(g) perda de comprometimento por parte do consumidor em relação a uma
marca específica ou produto, (h) hedonismo, (i) consumo consciente e
sustentável, entre outros.
8 HAWKINS, D et al. Comportamento do consumidor: construindo a estratégia de
marketing. p. 4. 9 HAWKINS, D et al. Comportamento do consumidor: construindo a estratégia de
marketing. p. 6.
32
Diante de tantos desafios impostos pela sociedade de consumo, é
possível pensar em estratégias específicas para um segmento de mercado tão
específico (e ao mesmo tempo tão amplo) quanto o luxo? A bibliografia
estudada nos direciona para a seguinte resposta: SIM.
Os tipos motivacionais identificados como principais fatores
impulsionadores na compra de artigos de luxo (poder, realização, hedonismo e
tradição) convergem para uma questão amplamente discutida por Beverland et
al, 2010: A questão da AUTENTICIDADE, que abarca três interpretações que
se complementam – o que é genuíno; o que é real; e o que é verdadeiro. O
consumidor do luxo busca a autenticidade, como uma resposta à padronização
e homogeneização do mercado.
Com a compreensão de que “o consumo de bens e serviços de luxo
existe há séculos, por exemplo, os casamentos e funerais dispendiosos. Isso
pode ser visto como uma conduta proposital, na qual as considerações com
status predominam, em que a intenção é demonstrar sua posição privilegiada
na sociedade (...) Porém, com a industrialização foi possível adquirir bens mais
facilmente para demonstrar sua posição social e, posteriormente, com as
ferramentas de marketing houve um esforço para se criar um imaginário
específico relacionado à posse de um objeto. Assim sendo, o consumo passa
a ser fonte de identidade e os produtos carregam uma simbologia, sendo
avaliados e adquiridos pelo seu conteúdo simbólico”.10 E é exatamente nesse
universo simbólico que reside a autenticidade, dado que é consensualmente
aceito entre os teóricos que o conceito de autenticidade se trata de uma
interpretação socialmente construída (Beverland et al, 2010).
Na busca pela autenticidade, o consumidor de luxo constrói o que é
“real”, “genuíno” e “verdadeiro” a partir de seu universo simbólico sem que esse
tenha referência com a realidade objetiva. Esse movimento é tão forte que
tende a liberar o processo de representação do controle das organizações de
10 STREHLAU, S. Marketing do luxo. p. 68.
33
marketing. Ele escapa às ferramentas do marketing tradicional, pois leva o
consumo a um espaço de delimitações fluidas (Firat & Venkatesh, 1995).
Cabe ao profissional de marketing que pretende atuar no mercado de
luxo compreender os valores e o universo simbólico dos consumidores do luxo
para então escolher os meios adequados para se comunicar com eles e
desenvolver ações que os mobilizem. Enfatiza-se assim a necessidade
inexorável das empresas atentarem para a variável cultural/simbólica dentro
das estratégias de marketing, do aporte antropológico à gestão de marketing e
à gestão de marcas, para que elas não pereçam facilmente e se banalizem.
Roberts (2004) conceitua a marca sob aspectos fundamentais, tais
quais: a marca oferece proteção legal para as qualidades únicas de seus
produtos e faz ligação direta sobre os interesses de negócio da empresa, por
isso, a marca define um território. É importante ressaltar que os consumidores
apegam-se a certas marcas devido à segurança quanto à qualidade por elas
oferecida.
No que tange ao mercado do luxo, criar uma identidade de marca exige
ações consistentes, em relação a aspectos tangíveis dos produtos (design,
materiais nobres, entre outros) e também nos intangíveis (tradição da marca,
imagem do usuário alvo, personalidade da marca, etc). E os profissionais de
marketing devem atentar para o que foi dito acima em todo processo de
formulação de estratégias voltadas para o mercado de luxo.
34
CONCLUSÃO
A primeira parte desse trabalho pretendeu elucidar três construtos teóricos
essenciais para se pensar a questão da construção do self a partir do consumo
de luxo, de modo que tentamos trazer referências que corroborassem para a
análise e contextualização dos conceitos de luxo, identidade e motivação do
consumidor.
O foco do estudo recaiu, portanto, sobre como o entendimento da esfera
simbólica no ato de consumir bens e serviços de luxo podem direcionar ações
de marketing voltadas para esse mercado específico. Tal questão se mostra
importante na medida em que o mercado de luxo movimenta uma considerável
quantia no mercado mundial e que países em desenvolvimento como o Brasil
tornam-se alvos de grandes conglomerados que administram inúmeras marcas
de luxo.
Para atingir aos objetivos pretendidos realizou-se extensa pesquisa
bibliográfica e foram utilizados arcabouços teóricos de autores de diversas
áreas de pesquisa como Antropologia, Sociologia, Comportamento do
Consumidor e Marketing.
Como foi dito anteriormente, fica explícita a necessidade de introduzir as
variáveis simbólicas na elaboração de estratégias de marketing, para que se
consiga estabelecer uma comunicação eficaz com o consumidor-alvo, em
nosso caso, o consumidor de luxo. Compreender que o consumo é também
um espaço de trocas simbólicas é inexorável ao profissional de marketing de
hoje.
Como desdobramentos futuros, essa linha de pesquisa pode ser
extendida através de investigação de estudos de caso e estudos comparativos
que apresentem estratégias de empresas voltadas ao mercado de luxo que se
35
mostraram bem-sucedidas ou ainda que falharam, tentando identificar quais as
variáveis que levam ao sucesso ou ao fracasso de uma marca.
36
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41
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO............................................................................................2
AGRADECIMENTO............................................................................................3
DEDICATÓRIA....................................................................................................4
RESUMO............................................................................................................5
METODOLOGIA.................................................................................................6
SUMÁRIO...........................................................................................................7
INTRODUÇÃO....................................................................................................8
CAPÍTULO I
Luxo, Identidade e Comportamento do Consumidor: conceitos e
contextualização...............................................................................................14
1. Luxo....................................................................................................14
1.1. Contextualização do conceito de luxo.............................................16
2. Identidade e descentralização do sujeito contemporâneo..................17
2.1. Contextualização do conceito de identidade e descentralização do
sujeito contemporâneo...........................................................................18
3. Motivação e comportamento do consumidor......................................19
CAPÍTULO II - Eu compro, logo existo: o consumo de luxo e o Self................23
CAPÍTULO III – O Marketing de luxo................................................................31
CONCLUSÃO...................................................................................................34
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................36
ÍNDICE..............................................................................................................41
42
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição:
Universidade Candido Mendes - Faculdade Integrada AVM
Título da Monografia:
A Construção do Self a partir do consumo do luxo: estratégias de
Marketing
Autor:
Geraldine Cássia Moniz de Souza Tonoli
Data da entrega:
11 de Março de 2011.
Avaliado por:
Conceito: