sentimento do mundo - drummond(completo)

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posfácio Murilo Marcondes de Moura CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE SENTIMENTO DO MUNDO

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  • 1. carlos drummondde andradeSentimento do mundoposfcioMurilo Marcondes de Moura

2. Carlos Drummond de Andrade Graa Drummondwww.carlosdrummond.com.brGrafia atualizada segundo o AcordoOrtogrfico da Lngua Portuguesa de 1990,que entrou em vigor no Brasil em 2009.capa e projeto grficowarrakloureirosobre Engenho, de Ccero Dias,litografia, 97x63 cm.Cortesia da Galeria Simes de Assispesquisa iconogrficaRegina Souza Vieiraestabelecimento de textoJlio Castaon Guimares (Casa de Rui Barbosa)reviso finalAntonio Carlos SecchinpreparaoMrcia CopolarevisoMarina NogueiraJane PessoaDados Internacionais de Catalogao na Publicao (cip)(Cmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)Andrade, Carlos Drummond de, 1902-1987. Sentimento do mundo/ Carlos Drummondde Andrade. 1a ed. So Paulo: Companhiadas Letras, 2012.isbn 978-85-359-2118-21. Poesia brasileira i. Ttulo.12-05857 cdd-869.91ndice para catlogo sistemtico:1. Poesia: Literatura brasileira 869.91[2012]Todos os direitos desta edio reservados editora schwarcz s.a.Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 So Paulo spTelefone (11) 3707-3500Fax (11) 3707-3501www.companhiadasletras.com.brwww.blogdacompanhia.com.br 3. Sumrio 9Sentimento do mundo 10 Confidncia do itabirano 11 Poema da necessidade 12 Cano da Moa-Fantasma de Belo Horizonte 15 Tristeza do Imprio16O operrio no mar 18 Menino chorando na noite 19 Morro da Babilnia20Congresso Internacional do Medo 21 Os mortos de sobrecasaca22Brinde no Juzo Final 23 Privilgio do mar24Inocentes do Leblon 25 Cano de bero27Indeciso do Mier28Bolero de Ravel29La possession du monde30Ode no cinquentenrio do poeta brasileiro 33 Os ombros suportam o mundo34Mos dadas 35 Dentaduras duplas 38 Revelao do subrbio39A noite dissolve os homens 41 Madrigal lgubre 43 Lembrana do mundo antigo44Elegia 1938 45 Mundo grande47Noturno janela do apartamento 4. 49 Posfcio Desejo de transformao,murilo marcondes de moura67 Leituras recomendadas68 Cronologia74 Crdito das imagens 75 ndice de primeiros versos 5. SENTIMENTO DO MUNDO 6. sentimento do mundoTenho apenas duas mose o sentimento do mundo,mas estou cheio de escravos,minhas lembranas escorreme o corpo transigena confluncia do amor.Quando me levantar, o cuestar morto e saqueado,eu mesmo estarei morto,morto meu desejo, mortoo pntano sem acordes.Os camaradas no disseramque havia uma guerrae era necessriotrazer fogo e alimento.Sinto-me disperso,anterior a fronteiras,humildemente vos peoque me perdoeis.Quando os corpos passarem,eu ficarei sozinhodesfiando a recordaodo sineiro, da viva e do microscopistaque habitavam a barracae no foram encontradosao amanheceresse amanhecermais noite que a noite.9 7. confidncia do itabiranoAlguns anos vivi em Itabira.Principalmente nasci em Itabira.Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.Noventa por cento de ferro nas caladas.Oitenta por cento de ferro nas almas.E esse alheamento do que na vida porosidade e comunicao.A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem[horizontes.E o hbito de sofrer, que tanto me diverte, doce herana itabirana.De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereo:esta pedra de ferro, futuro ao do Brasil;este So Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;este couro de anta, estendido no sof da sala de visitas;este orgulho, esta cabea baixaTive ouro, tive gado, tive fazendas.Hoje sou funcionrio pblico.Itabira apenas uma fotografia na parede.Mas como di!10 8. poema da necessidade preciso casar Joo, preciso suportar Antnio, preciso odiar Melquades, preciso substituir ns todos. preciso salvar o pas, preciso crer em Deus, preciso pagar as dvidas, preciso comprar um rdio, preciso esquecer fulana. preciso estudar volapuque, preciso estar sempre bbedo, preciso ler Baudelaire, preciso colher as floresde que rezam velhos autores. preciso viver com os homens, preciso no assassin-los, preciso ter mos plidase anunciar o fim do mundo.11 9. cano da moa-fantasmade belo horizonteEu sou a Moa-Fantasmaque espera na Rua do Chumboo carro da madrugada.Eu sou branca e longa e fria,a minha carne um suspirona madrugada da serra.Eu sou a Moa-Fantasma.O meu nome era Maria,Maria-Que-Morreu-Antes.Sou a vossa namoradaque morreu de apendicite,no desastre de automvelou suicidou-se na praiae seus cabelos ficaramlongos na vossa lembrana.Eu nunca fui deste mundo:Se beijava, minha bocadizia de outros planetasem que os amantes se queimamnum fogo casto e se tornamestrelas, sem ironia.Morri sem ter tido tempode ser vossa, como as outras.No me conformo com isso,e quando as polcias dormemem mim e fora de mim,meu espectro itinerantedesce a Serra do Curral,vai olhando as casas novas,ronda as hortas amorosas12 10. (Rua Cludio Manuel da Costa),para no Abrigo Cear,no h abrigo. Um perfumeque no conheo me invade: o cheiro do vosso sonoquente, doce, enrodilhadonos braos das espanholasOh! deixai-me dormir convosco.E vai, como no encontronenhum dos meus namorados,que as francesas conquistaram,e que beberam todo o usqueexistente no Brasil(agora dormem embriagados),espreito os carros que passamcom choferes que no suspeitamde minha brancura e fogem.Os tmidos guardas-civis,coitados! um quis me prender.Abri-lhe os braos Incrdulo,me apalpou. No tinha carnee por cima do vestidoe por baixo do vestidoera a mesma ausncia branca,um s desespero brancoPodeis ver: o que era corpofoi comido pelo gato.As moas que ainda esto vivas(ho de morrer, ficai certos)tm medo que eu apareae lhes puxe a perna Engano.Eu fui moa, serei moadeserta, per omnia saecula.No quero saber de moas.Mas os moos me perturbam. 13 11. No sei como libertar-me.Se o fantasma no sofresse,se eles ainda me gostasseme o espiritismo consentisse,mas eu sei que proibido,vs sois carne, eu sou vapor.Um vapor que se dissolvequando o sol rompe na Serra.Agora estou consolada,disse tudo que queria,subirei quela nuvem,serei lmina gelada,cintilarei sobre os homens.Meu reflexo na piscinada Avenida Parana(estrelas no se compreendem),ningum o compreender.14 12. tristeza do imprioOs conselheiros angustiadosante o colo ebrneodas donzelas opulentasque ao piano abemolavambus-co a cam-pi-na se-re-napa-ra li-vre sus-pi-raresqueciam a guerra do Paraguai,o enfado bolorento de So Cristvo,a dor cada vez mais forte dos negrose sorvendo mecnicosuma pitada de rapsonhavam a futura libertao dos instintose ninhos de amor a serem instalados nos arranha-cus [de Copacabana, com rdio e telefone automtico. 15