Sentimento do mundo: Drummond através da poética fotográfica

Fernanda Sayuri Gutiyama

Universidade Estadual de CampinasDepartamento de Multimeios

Comunicação Social – Habilidade em Midialogia

Introdução

As implicações desse projeto eram estritamente pessoais, não só pelo desenvolvimento da prática fotográfica, mas também por afeição pelas poesias de Carlos Drummond de Andrade, por causa dos temas abordados e também por causa da maneira que Drummond os transmite, com angústia e ironia, de forma versátil. Essa maneira de abordagem é que despertou o interesse em produzir esse trabalho fotográfico, pois sempre acreditei que imagens possuem um potencial muito grande de significação, que exigem criatividade e imaginação, mas que permitem as mais diversas leituras independentemente da maneira como são vistas.

As narrativas fotográficas nos propõem diversos caminhos de interpretação, assim como as poesias, aos quais podemos estabelecer uma relação. Através da fotografia, podemos captar um fragmento singular do tempo, já passado. Esse recorte de tempo qualquer, contém uma carga de subjetividade ao qual a linguagem poética se apropria, e muda a percepção do nosso olhar sobre o mundo e sobre nós mesmos (MENEZES, 2006).

Carlos Drummond de Andrade, poeta moderno, recorrentemente escreve poesias que nos remete a concepção da memória e do tempo. As imagens construídas, através de suas poesias, evocam uma angústia profunda de forma irônica, sobre a passagem do tempo e a sociedade. A fugacidade do tempo retratada por Drummond, estabelece uma ligação muito forte com a concepção fotográfica, pois a fotografia traduz esse registro de um momento que está prestes a desaparecer, onde o presente incessantemente marcha sobre o passado, assim como foi mencionado por Henri-Cartier Bresson, que a fotografia é o reconhecimento simultâneo e instantâneo de um acontecimento de acordo com uma organização que lhe dê a expressão adequada (MENEZES, 2006).

O projeto desenvolvido visava à criação de um portfólio fotográfico composto por fotografias analógicas e digitais, que pudessem traduzir a poesia “Sentimento do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade (Andrade, 2001), em imagens. Para isso, durante a pré-produção objetivou-se estudar mais a fundo sobre linguagem fotográfica e poética, além de aprofundar nos trabalhos produzidos por Drummond, através da leitura, principalmente da poesia escolhida. Feito isso, o local para tirar as fotos deveria ser escolhido, assim como a providência dos equipamentos e materiais a serem utilizados, ou seja, a reserva e empréstimo das máquinas fotográficas, a compra de filmes fotográficos coloridos e dos materiais para a realização do portfólio.

A produção constituía-se basicamente em fotografar no local determinado, revelar as fotos tanto digitais como as analógicas, ampliá-las, selecionar imagens, montar o portfólio com o material já providenciado, e também criar uma apresentação, para facilitar a demonstração do produto. Pronto o portfólio, este deveria ser apresentado na data determinada para a apresentação e um relatório sobre o desenvolvimento do produto deveria ser elaborado, constituindo assim, a pós-produção.

Resultados do projeto

Pré-produção:

A pré-produção iniciou-se com a pesquisa na internet, de artigos sobre o trabalho desenvolvido por Drummond (12/05). O único encontrado que possuiu relevância foi o “Fotografia na poesia de Carlos Drummond de Andrade e Ruy Belo” (Menezes, 2006), em que Menezes analisa a potencialidade de formação de imagens a partir das poesias de Drummond, assim como de Ruy Belo. Tal artigo ajudou não só na escolha do local, mas também a planejar as fotografias que seriam feitas e como iriam ser feitas, pois trazia maneiras de analisar a poesia de Drummond, e também como o processo de formação de imagens, a partir de poesias, podem ocorrer.

O local escolhido foi a minha casa em Sorocaba - por causa da facilidade, qualidade de luz e por conter vários elementos que poderiam ser aproveitados - e também um bairro rural, também de Sorocaba - para compor com elementos da natureza. A partir disso, reservei câmera fotográfica analógica (Nikon FM10 – figura 1), no Departamento de Multimeios do Instituto de Artes, para dois finais de semana (30/05-31/05 e 06/06-07/06).

Também peguei emprestada a câmera digital (Canon EOS – figura 2) do meu irmão. Efetuei a compra de filmes fotográficos coloridos (28/05), e de material para compor o portfólio (papel canson A4 de 120mg – figura 3, canetas coloridas e fita dupla-face- dia 04/06).

Figura 1 Figura 2 Figura 3

Produção:

Finalizada a pré-produção, a atividade de fotografar pôde ser iniciada, porém devido às condições de tempo nublado em todos os dias escolhidos, não permitia a utilização de câmera analógica, por isso, utilizei somente a câmera digital.

Fotografei nos lugares escolhidos (11/06) e inclusive no cinema (figura 10- dia 12/06) do Shopping Panorâmico (Sorocaba), porque estando nele, pude perceber uma ligação de composição com a proposta do portfólio. O resultado dessa atividade foi bastante satisfatório, porque pude obter fotografias suficientes que contemplassem, ao menos um pouco, a minha intenção.

Depois de fotografar, transferi as imagens produzidas pela câmera para o computador (13/06). Fiz uma seleção de 7 imagens (figuras 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10) que possuíam uma maior correspondência conceitual com a poesia, e levei-as para revelar numa loja especializada em Sorocaba (13/06).

Já com as imagens reveladas, comecei a montar o portfólio: produzi a capa através do Microsoft Word e a imprimi, separei a poesia em 7 partes, de acordo com as imagens e de uma maneira que não perdesse sua essência. Decidi que cada parte separada, seria escrita em folhas diferentes – elaborando uma maneira de disposição mais agradável esteticamente - e, feito isso, as fotografias poderiam ser coladas com fita dupla-face (14/06).

Pronto o portfólio, produzi uma apresentação (em anexo-14/06), via Microsoft Word, que fosse semelhante com o portfólio, e transformei o arquivo em PDF, para que ficasse menor e facilitasse sua transferência para o Teleduc. A apresentação foi feita para que na demonstração do produto, para a classe e para o professor, José Armando Valente, ficasse mais dinâmica e também para que o portfólio em si, não fosse danificado.

Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7

Figura 8 Figura 9 Figura 10

Pós-produção:

A pós-produção, foi composta pela apresentação do produto ao professor e aos alunos de Midialogia de 2009, na data prevista (15/06), e também pela elaboração deste relatório, feito no Microsoft Word, para descrever o desenvolvimento do produto, respeitando-se as dicas de elaboração propostas pelo professor.

Discussão sobre os fatores negativos e positivos que interferiram na execução do projeto

Negativos:

O principal fator negativo foi a falta de tempo, pois para fotografar só me restava os fins de semana e feriados, que mesmo assim também eram tomados por trabalhos de outras disciplinas, o que acabou atrasando o desenvolvimento do produto. Outro fator, foi de que as bibliotecas do IFCH e do IA entraram em greve, assim não pude fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre linguagem fotográfica. Um terceiro fator foi de que a poesia escolhida possui muita densidade representativa, que dificulta na escolha do que fotografar e como transformar todo o seu conteúdo de forma que pudesse ser realmente entendida. O quarto fator, foi o estado do tempo climático durante as datas que foram possíveis fotografar, o qual me impediu de utilizar câmera analógica.

Positivos:

O desenvolvimento desse projeto serviu de aprendizado para manipulação de câmera digital, da mesma forma que ajudou a desenvolver meu senso crítico quanto à composição fotográfica, que contempla fatores de luminosidade, tonalidades das cores e enquadramento dos elementos. Um segundo fator positivo, foi de perceber o quanto fica mais prático e muito mais fácil de atingir os objetivos pré-determinados, quando se há uma um planejamento das atividades por meio de um projeto, pois permite-nos traçar um cronograma e também ter uma visão mais crítica quanto o que realmente é possível se realizar.

Conclusão

Acredito ter atingido minhas expectativas, pois sabia das dificuldades que enfrentaria logo na escolha da poesia de Carlos Drummond de Andrade, devido à riqueza de significados que ela possui, como já foi explicado. Além disso, a indisponibilidade de tempo fez com que a qualidade do trabalho final diminuísse, pois não houve tempo suficiente para pesquisar sobre a linguagem fotografia. Tais dificuldades demonstraram a importância do planejamento, pois imprevistos podem ocorrer em todas as etapas de produção.

Vale ressaltar também, que nem todos os imprevistos podem ser negativos, pois como foi mencionado, com o mau tempo só pude utilizar câmera digital, o que me possibilitou explorar mais seus recursos e dessa forma obter um enorme aprendizado. Ou seja, o mais importante é saber lidar com os imprevistos.

Com toda certeza, é muito interessante desenvolver fotografias a partir de poesias, textos em geral, dos mais diversos autores, porque ajuda a desenvolver o nosso poder não só de imaginação, mas também o de interpretação e da comunicação, pois entender a essência de qualquer produção literária e transmiti-la, exige muita dedicação. Por isso, considero muito produtivo continuar com o projeto, desde que haja bastante dedicação.

Esse projeto pode ser implementado pela produção de ilustrações, aliadas às fotografias, que poderiam enriquecer o portfólio. A publicação na internet também seria interessante, porque pessoas diferentes poderiam opinar sobre o trabalho, assim como produzir suas próprias fotografias, e dessa forma, criar um meio de interação que enriquecesse a produção fotográfica.

Referências

-ANDRADE, C. D. Sentimento do mundo.1ª ed. São Paulo: Record, 2001. 117 p.

-MENEZES, A. C. M. Fotografia na poesia de Carlos Drummond de Andrade e Ruy Belo: transporte no tempo. Niterói. 2006. Disponível em: <http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=875>. Acessado em: 13 de Maio de 2009.

Anexo

P.1

Sentimento do MundoCarlos Drummond Andrade

Fotografias por Fernanda Sayuri Gutiyama

P.2

Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo,

P.3mas estou cheio de escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor.

P.4

Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado,eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem acordes.

P.5

Os camaradas não disseram que havia uma guerra

e era necessário trazer fogo e alimento. P.6

Sinto-me disperso, anterior a fronteiras,humildemente vos peço que me perdoeis.

P.7

Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho desfiando a recordação do sineiro, da viúva e do microscopista que habitavam a barraca e não foram encontrados ao amanhecer

P.8esse amanhecer

mais noite que a noite.