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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A CONTRIBUIÇÃO DOS CONTOS DE FADAS PARA O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Por: Vivian de Melo Hammes
Orientador
Prof. Dr. Carlos Alberto Cereja de Barros
Rio de Janeiro
2007
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A CONTRIBUIÇÃO DOS CONTOS DE FADAS PARA O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em
psicopedagogia.
Por: . Vivian de Melo Hammes
3
AGRADECIMENTOS
À Deus pela minha vida, ao meu
esposo pelo incentivo de todos os dias,
aos meus pais por sempre
acreditarem, aos amigos pelas
alegrias.
4
DEDICATÓRIA
A todos que acreditaram em minha
capacidade.
5
RESUMO
A presente pesquisa tem por objetivo apresentar os benefícios dos
contos de fadas para o desenvolvimento infantil. O estudo se deu na área da
psicologia, pois investiga o processo de desenvolvimento psicológico através
do imaginário infantil, tendo como instrumento, os contos de fadas.
6
METODOLOGIA
A presente pesquisa teve como base estudos bibliográficos.
Primeiramente foram selecionados livros de autores especialistas no tema e a
partir da leitura destes, houve uma seleção de subtemas relacionados ao tema
central da pesquisa.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I 10
CAPÍTULO II 16
CAPÍTULO III 31
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CITADA 46
ÍNDICE 47
8
INTRODUÇÃO
Quem nunca viajou na mágica de um conto de fada?
“Se quiser falar ao coração dos homens, há de se contar
uma história. Dessas onde não faltem animais, ou deuses
e muita fantasia. Porque é assim – suave e docemente que
se despertam consciências”. LA FONTAINE
Os contos de fadas perpassam a infância da criança envolvendo,
encantando e transformando a vida de cada uma delas. Histórias conhecidas
de todos são as preferidas dos pequenos, tais como: A Bela Adormecida, A
Branca de Neve, Os Três Porquinhos entre outras. Percebe-se que cada uma
delas apresenta estrutura semelhante. Um início bom, obstáculos no
desenrolar das estórias, bruxas, pessoas malvadas, lobos traiçoeiros,
desobediência com conseqüências graves e em seguida ações que levam as
soluções. O bem e o mal se confrontam todo o tempo, porém todas terminam
com um final feliz, é a fada que protege, a bruxa que leva a pior, o caçador que
mata o lobo, o príncipe encantado que chega a cavalo com todo o seu encanto
e amor, salva a princesa, casa com ela e vivem felizes para sempre em um
grande castelo.
De certo, tantas emoções e informações contribuem positivamente
para o desenvolvimento da personalidade das crianças. O mundo da fantasia, o
acreditar que existe o bem e que ele é mais forte e sempre vence o mal traz a
certeza de que tudo é possível. Essa crença adquirida quando criança
possivelmente contribuirá para que, quando adultos, encarem as dificuldades
da vida de forma mais otimista. A fantasia e o sonho são direitos de todas as
crianças.
No decorrer dos capítulos iremos perceber a grandiosidade dos
contos de fadas para o pensamento infantil uma vez que, na fase adulta
percebemos as dificuldades de um adulto em aceitar e enfrentar suas próprias
incertezas expressas nas aventuras dos contos, já com criança este
9envolvimento se dá de forma imediata. A beleza e a linguagem dos contos são
captadas, pois se aproximam de seu próprio mundo inconsciente. Ao ouvir os
contos a criança desenvolve o psiquismo. Primeiramente, porque ela tem o
desafio intelectual de compreender uma narrativa tão rica, intrincada e bem
urdida, como a dessas histórias, pedindo para ouvi-la várias vezes, até
alcançar este objetivo. E também porque, dominando o conflito da história, ela
está dominando seus próprios conflitos internos, ou seja, para retornar à
afirmação de Tolstói, os contos, com toda a sua fantasia, não transmitem
falácias, e sim a mais profunda verdade.
Pelo encanto que produzem e pela importante função afetiva que
têm para crianças, jovens e adultos, os contos de fadas deveriam ser
retomados pela escola, não apenas em momentos esporádicos e
descomprometidos de leitura, mas como uma parte da herança cultural da
humanidade sobre a qual os alunos possam pensar e agir, das mais diferentes
formas – em atividades plásticas, simbólicas, cênicas, de leitura e escrita, e
tantas outras quanto a realidade de cada sala de aula, nas diversas faixas-
etárias, possa propor como desafio a pais e educadores.
Pela imensa riqueza e poder de suas palavras, os contos de fadas
merecem um espaço a eles reservado em qualquer projeto político-
pedagógico.
10
CAPÍTULO I
A HISTÓRIA DA ESTÓRIA
1.1) Etimologia da expressão “contos de fadas”
A palavra portuguesa "fada" vem do latim fatum (destino, fatalidade, fado
etc). O termo se reflete nos idiomas das principais nações européias: fée em
francês, fairy em inglês, fata em italiano, feen em alemão e hada em espanhol.
Por analogia, os "contos de fadas" são denominados conte de fées na França,
fairy tale na Inglaterra, cuento de hadas na Espanha e racconto di fata na Itália.
Na Alemanha, até o século XVIII era utilizada a expressão feenmarchen, sendo
substituída por märchen ("fábula popular", "história fantasiosa") depois do
trabalho dos Irmãos Grimm. No Brasil e em Portugal, os contos de fadas, na
forma como são hoje conhecidos, surgiram em fins do século XIX sob o nome
de contos da carochinha. Esta denominação foi substituída por "contos de
fadas" no século XX.
1.2) A origem dos contos de fadas
Os contos de fada têm perpetuado há milênios, atravessando todas as
geografias, mostrando toda a força e a perenidade do folclore dos povos.
Antes de entendermos a influência e a importância dos contos na vida de uma
criança primeiro é certo compreendermos o que este significa, como se
compõe e suas personagens. Uma das persogem importante é a Fada, estas
são entidades fantásticas.Apresentam-se como mulheres de grande beleza,
imortais e dotadas de poderes sobrenaturais, capazes de interferir na vida dos
mortais em situações-limite. As fadas também podem ser seres ruins e
diabólicos, sendo chamadas "bruxas" em tal condição; embora as bruxas
"reais" sejam usualmente retratadas como megeras, nem sempre os contos
descrevem fadas "do mal" como desprovidas de sua estonteante beleza.
As primeiras referências às fadas surgem na literatura cortesã da Idade
Média e nas novelas de cavalaria do Ciclo Arturiano, tomando por base textos-
11fontes de origem reconhecidamente céltico-bretã. Tal literatura destaca o amor
mágico e imortal vinculado às figuras de fadas como Morgana e Viviana, o que
evidencia o status social elevado das mulheres na cultura celta, na qual
possuíam uma ascendência e um poder muito maiores do que entre outros
povos contemporâneos (ou posteriores). Conforme destaca Coelho (1987, p.
34):
“Na maioria das tradições, as fadas aparecem ligadas ao
amor, ou sendo elas próprias as amadas, ou sendo
mediadoras entre os amantes. A partir da cristianização
do mundo, foi esse último sentido que predominou,
perdendo-se completamente aquela outra dimensão
"mágica", sobrenatural.“
Porém é importante ressaltar que um conto pode ou não ter a presença
de uma fada, mas sempre terá a presença de magia e encantamentos.
Em sua estrutura os contos de fada sempre apresentará no núcleo da
história um “problema” de ordem existencial, isto é o herói ou a heroína almeja
a realização e a superação pessoal. Os problemas anteriormente citados
constituem de verdadeiros rituais de iniciação para esses heróis, pois a partir
de sua vitória a sua vida terá uma mudança significativa.
Esopo, herói popular da Trácia, a quem se reputa o ofício de ter sido no
século VI a.C. um proeminente contador de fábulas.Segundo Philip (1998)
quem lê “Cinderela” não imagina que há registros de que essa história já era
contada na China, durante o século IX d.C e assim como tantas outras. Logo
percebemos a força que essas estórias detêm. A primeira coleção de contos,
porém, com motivos do folclore europeu, denominada Gesta Romanorum, só
surgiria no século XIV, escrita em latim. Precedeu em poucos anos As Mil e
uma Noites, famosos contos árabes de magia e aventura, de origem persa, que
datam dos séculos XIV a XVI. Tudo começa com a desilusão do califa Shahryar
ao descobrir que seu irmão Shazeman era traído pela esposa. Resolve então
que nunca deixaria que consigo acontecesse tamanha desonra, e decide
dormir com mulheres sempre virgens para no dia seguinte entregá-las a seus
12soldados para a morte. Até que a corajosa Sherazade, filha de seu principal
vizir, contrariando os conselhos de seu pai, oferece-se para o califa. Propondo-
se a evitar maior matança, passa a contar-lhe todas as noites, após se
amarem, uma história que ela sempre interrompia em seu ponto culminante,
fazendo com que seu amo a poupasse até a noite seguinte, quando então,
continuava a narrativa.
As Mil e uma Noites têm por pano de fundo o apogeu do mundo árabe
alcançado durante o reinado de Harum-el-Raschid, quinto califa da dinastia dos
Abácidas, século VIII d.C. Aladim e o gênio da lâmpada, Simbá, o marujo, e Ali
Babá são alguns dos personagens que por três anos mantiveram viva
Sherazade, até que, por fim, estando o califa completamente apaixonado por
ela e transformado interiormente pela beleza de suas histórias, liberta-se de
sua depressão, suspende a pena, e a pede em casamento. Os contos das
"Noites Árabes" haviam servido a el-Raschid como verdadeira terapia! A
propósito, este é o procedimento adotado desde a antigüidade pela medicina
hindu, chamada Ayurveda, na qual os pacientes são convidados a meditar
sobre contos de fadas para que suas mentes se purifiquem, condição prévia
para que qualquer cura seja alcançada.
O título dado às histórias de Sherazade, assim como o modelo adotado
por Bocaccio (1313-1375) no Decameron, bem serviram ao italiano Giovanni
Straparola (1480-1557) que imaginou uma reunião de jovens, isolados do
mundo, entretidos em suas narrativas de fadas. O conjunto, batizado por
Piacevoli Notti (Noites de Prazer), foi publicado de 1550 a 1553. Muitas de suas
idéias seriam depois adaptadas pelo francês Charles Perrault (1628-1703), até
nossos dias lembrado por seus Contos da Mamãe Gansa, que vieram a público
em 1697 trazendo uma versão de "Chapeuzinho Vermelho" em que o lobo sai
vitorioso da história, após haver jantado a vovó e comido em seguida a menina
de sobremesa.
O literato justificava-se dizendo que sua narrativa era de valor eminentemente
moral, e que as crianças bem deviam saber o preço da desobediência aos pais.
Foi seu contemporâneo Jean de La Fontaine (1621-1695), imortalizado
por suas Fábulas, publicadas entre 1668 e 1694, de cunho igualmente moral,
13que passaram a ser contadas nas escolas da época e permanecem populares
até hoje. O alemão Gotthold Lessing, por considerar as sátiras de La Fontaine
muito leves, em 1759 edita seu Fabels (Fábulas), cujo teor trazia lições bem
mais severas que as da moral francesa.
Somente no século seguinte, porém, é que o jardim da infância
floresceria definitivamente com a paciente pesquisa feita pelos irmãos Grimm
na Alemanha. Os filólogos Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-
1859), lingüistas e folcloristas, colecionaram contos de encantamento por toda
parte da Europa, e lançaram de 1812 a 1815, em dois tomos, Os Contos de
Fadas dos Irmãos Grimm, que, desde então, vêm sendo adaptados em quase
todos os idiomas, e transformados em elemento essencial da literatura infantil.
Jacob era o mais intelectualizado dos irmãos, mas Wilhelm era quem detinha a
verve da poesia; juntos chegaram a editar 210 histórias, a maior parte delas
encontrada nos dois volumes originais. Em 1983, descobriu-se um manuscrito
com conto inédito na coleção dos Grimm.
Outro autor de novelas, peças de teatro, roteiros de viagens, memórias
e poesias, consagrado por seus contos de fada, foi o dinamarquês Hans
Christian Andersen (1802-1875), filho de um humilde sapateiro e de uma
iletrada mãe, mulher supersticiosa que o influenciou bastante por passar-lhe a
tradição oral do campo. Em 1835 publicou Histórias Contadas às Crianças,
com seus quatro primeiros contos. Até 1872, produziu 168 histórias, logo
traduzidas em diversos países, comumente publicadas em séries de quatro
narrativas por livro. Combinando à fantasia infantil sua aguçada sabedoria,
encantou igualmente o público adulto, repetindo a mística do fenômeno
provocado pelos irmãos Grimm; hoje sua obra acha-se traduzida em mais de
100 línguas.
Ainda no século XIX, os românticos alemães Goethe e Ernst Hoffman , e
o inglês Oscar Wilde são exemplos dos que também se dedicaram à literatura
infantil. E citemos com orgulho Monteiro Lobato (1882-1948) que, preocupado
em edificar os jovens, produziu extensa literatura infanto-juvenil de cunho
pedagógico, adaptando para as crianças brasileiras as Fábulas de Esopo.
14Já nos séculos XVI e XVII d.C, na França, explica Cadermatori (1986),
os de maior repressão religiosa, devido as contradições econômica e
repressões religiosas (a violência da Contra Reforma). Os legisladores e bispos
impunham a sua vontade as massas camponesas, porém seus objetivos não
eram de educar, mas sim o controle da fé e, por conseguinte a lealdade. Nesse
período o processo de cristianização se mistura com o paganismo residual e é
nesse contexto que se situa o folclore. Dentre as manifestações folclóricas do
povo há os contos, que refletiam as contradições e crises pelas quais o povo
passava e apresentavam uma solução possível, o da classe sofrida e
marginalizada que o gerou.
Segundo o autor, a literatura Infantil começa adaptada, primeiramente
pelo francês Charles Perrault, que escreveu os clássicos Chapeuzinho
Vermelho e Cinderela, que são contos e lendas da Idade Média adaptados, é
importante ressaltar que os contos de fadas foram os primeiros livros
destinados à criança. Já no século XIX os alemães irmãos Grimm coletam
outros contos populares, Rapunzel, João e Maria, alargando a antologia dos
contos de fadas. O dinamarquês Christian Andersen escreve O patinho Feio e
Os trajes do imperador, o italiano Collodi , Pinóquio, O inglês Lewis Carrol,
Alice no país das maravilhas, o americanos Frank Baum, O Mágico de Oz e o
escocês James Barrie, Peter Pan.
Mas por que nos impressionam tanto aos adultos quanto as crianças, os
contos de fada? Por certo, não apenas pelos homens que ao longo dos
séculos dedicaram-se à sua compilação, visto que tais contos sempre foram
populares como tradição oral, mas, antes, porque suas histórias são
instigantes. Não há como alcançar completamente seu sentido em termos
puramente intelectuais, fato que nos desperta a percepção intuitiva e não sabe-
se ainda em que e porque encanta a todos.
1.3) Os contos de fada e a psicanálise
Os contos de fada podem ser vistos como verdadeiras e pequenas obras
de arte; são capazes de tocar e envolver em seu enredo. Eles nos instigam a
15mente e comovem com a história de seus personagens e toda a sua fantasia.
O impacto causado em nosso psiquismo vem devido às nossas experiências
vivenciadas. Os contos oportunizam que nos identifiquemos com as
dificuldades ou alegrias dos heróis, cujos feitos narrados expressam a condição
humana frente às dificuldades da vida.
De certo ficou mundialmente reconhecido que os contos de fada e a
psicanálise tem uma ligação, já que aqueles mexem e falam das emoções
humanas. Grandes autores falam dessa ligação. Franz (1990, p.25) cita Jung:
“...é nos contos de fada onde melhor se pode estudar a
anatomia comparada da psique. Nos mitos, lendas ou
qualquer outro material mitológico mais elaborado obtém-
se as estruturas básicas da psique humana através da
grande quantidade de material cultural. Mas nos contos
de fada, existe um material consciente culturalmente
muito menos específico e, conseqüentemente, eles
oferecem uma imagem mais clara das estruturas
psíquicas.” (FRANZ, 1990: 25).
O Dr. Bruno Bettelheim, em sua obra (1980, p. 13), traz a contribuição
de que a vida é desconsertante para a criança, e ela precisa aprender a
entendê-la, para saber lidar com ela. Para ser bem suscedida nesse aspecto
ela deve receber ajuda para que possa, assim, dar algum sentido à vida e aos
seus sentimentos. A criança encontra este tipo de significado nos contos de
fadas.
16
CAPÍTULO II
OS CONTOS DE FADAS, UMA ABORDAGEM
PSICANALÍTICA
Para fazermos uma ligação entre os contos e a psicanálise
primeiramente, de forma reduzida é preciso colocar em pauta alguns conceitos
psicanalíticos. Nossa psique se constitui de três estruturas dinâmicas, o Id
(princípio do prazer), o Ego (princípio da realidade) e o Superego (princípio
moral). Dessas três estruturas, nascemos dotados apenas do Id, sendo que as
outras duas estruturas terão de ser construídas na relação do sujeito com o
mundo que o cerca.
O Id é a fonte de nossa energia original (libido), que nos sustenta e
motiva a mover-nos em direção ao mundo, buscando satisfazer nossos desejos
(pulsões). Mas o Id não se preocupa que esses desejos se realizem de forma
concreta. Ele se satisfaz com realizações alucinatórias, através de imagens
que condensam muitos desejos num só objeto criado pela imaginação.
Também não se preocupa com tempo e espaço. Para o Id, tudo o que
acontece é aqui e agora.
As crianças pequenas, que passarão ainda por longo processo de
sublimação dos desejos libidinais do Id, estão sob forte influência desse
aparelho de nossa mente, e a linguagem simbólica, não-verbal desses contos,
comunica-se diretamente com o imaginário da criança.
Quando se pensa em contos de fada, temos como questionamento
como estes influenciam as crianças, o que falam as pequenas cabecinhas e a
mensagem que toca nos seus corações. Os contos de fada falam diretamente
à criança e a atinge no mais íntimo de seus sentimentos. Aproximadamente
nos últimos 100 anos, os contos de fadas e seu significado oculto têm sido
objeto da análise dos seguidores de diversas correntes da Psicologia. Cashdan
(2000, p. 33), por exemplo, sugere que os contos seriam "psicodramas da
infância" espelhando "lutas reais". Na visão de Cashdan (2000, p. 25), "embora
o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade de
17encantar e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar as crianças
a lidar com os conflitos internos que elas enfrentam no processo de
crescimento". A luz da psicanálise, os contos de fadas revelam os conflitos de
cada um e a forma de superá-los e recuperar a harmonia existencial. Assim a
tão famosa dicotomia entre o bem e o mal, presta-se numa terapia, a uma
análise mais contundente da personalidade, na qual se permite trabalhar com
sentimentos inconscientes que revelam a verdadeira personalidade
(CEZARETTI, 1989: 26).
Diz Bettelheim (1980: 16):
“Para dominar os problemas psicológicos do crescimento -
separar decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades
fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis; obter
um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um
sentido de obrigação moral - a criança necessita entender o que
se está passando dentro de seu eu inconsciente. Ela pode atingir
essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as
coisas, não através da compreensão racional da natureza e
conteúdo de seu inconsciente, mas familiarizando-se com ele
através de devaneios prolongados - ruminando, reorganizando e
fantasiando sobre elementos adequados da estória em resposta a
pressões inconscientes. Com isto, a criança adequa o conteúdo
inconsciente às fantasias conscientes, o que a capacita a lidar
com este conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor
inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação
da criança que ela não poderia descobrir verdadeiramente por si
só. Ajuda mais importante: a forma e estrutura dos contos de
fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode
estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua
vida.“
18Segundo Bettelheim (1980), a fantasia facilita a compreensão das
crianças, pois se aproxima mais da maneira como vêem o mundo, já que ainda
são incapazes de compreender respostas realistas. Não esqueçamos que as
crianças dão vida a tudo. Para elas, o sol é vivo, a lua é viva, assim como todas
os outros elementos do mundo, da natureza e da vida. "Os "Contos De Fadas"
são significativos para a criança que ainda não consegue compreender o
sentido dos conceitos éticos abstratos.Eles trazem mensagens á mente
consciente, á pré,consciente e á inconsciente,em qualquer nível que a mente
esteja funcionando no momento. Lidando com problemas humanos
universais,particularmente os que preocupam o pensamento da criança,estas
estórias falam ao ego em germinação e encorajam o seu
desenvolvimento,enquanto aliviam as pressões pré-conscientes e
inconscientes.À medida que as estórias se desenrolam, dão validade e corpo
ás pressões do id, mostrando caminhos para satisfaze-las e que estão de
acordo com as requisições do ego do super ego. E o Dr. Bettelheim prossegue:
" A mensagem dos "Contos De Fadas" transmitem o seguinte recado ás
crianças e de uma forma múltipla : que uma luta contra dificuldades graves na
vida é inevitável,é parte intrínseca da existência humana - mas que se a
pessoa não se intimida mas se defronta de modo firme com as opressões
inesperadas e muitas vezes injustas,ela dominará
todos os obstáculos e, ao fim emergirá vitoriosa”
Falar sobre histórias infantis é sem dúvida, falar sobre a imaginação.
Sosa,(1982), assinala essa importância quando menciona a etapa criadora
dentro do problema geral da imaginação, uma vez que não se sabe bem em
que idade, nem em que forma e circunstâncias ela aparece na criança.
Concluindo o capítulo sobre os “caracteres da imaginação infantil”, o mesmo
autor afirma que a imaginação é a “faculdade soberana” e a forma mais
elevada do desenvolvimento intelectual. Se em outros componentes
curriculares, dá-se atenção concentrada a conteúdos significativos para as
crianças,nos contos ou na literatura infantil encontramos o espaço privilegiado
para estimular o sujeito como elemento gerador das hipóteses mágicas.
19Pela maneira que expõe o inusitado por toda a fantasia apresentada em
cada frase da história, os contos provocam uma reviravolta em nosso mundo
psíquico que, estimulado, aguça-se na tentativa de compreendê-las. E não há
como explicá-las pelos padrões da razão metódica. As histórias de fadas é por
si sua melhor explicação, do mesmo modo que as obras de arte encerram
aspectos que fogem do alcance do intelecto, já que suscitam emoções capazes
de comover os que diante delas se colocam. O significado desses contos está
guardado na totalidade de seu conjunto, perpassado pelos fios invisíveis de
sua trama narrativa. Claro que, diante desse mistério, muitas formas de
abordá-lo são possíveis e igualmente válidas, posto que acrescentam luz à sua
compreensão.
A origem dos contos de fadas, segundo Marie Louise Von Franz (apud
GIGLIO, 1991: 3), parece residir em uma potencialidade humana arquetípica
(aliás, não somente os contos de fada, como todas as fantasias). Antigamente
os pastores, lenhadores e caçadores, passavam bom tempo de suas vidas
sozinhos nas florestas, campos e montanhas. Acontecia que repentinamente
eram assaltados por uma visão interior muito forte, que os alvoroçava por
inteiro. Corriam então de volta a suas aldeias e relatavam o que lhes tinha
acontecido a todos que o quisessem ouvir. Daquela visão inicial, iam-se
formando lendas, e mais tarde “contos maravilhosos”. O pensamento mítico, no
caso dessas visões espontâneas, é compreendido como um pensamento
essencialmente pré-lógico, elementar e arquetípico. Os arquetípicos por
definição, são fatores e motivos que ordenam os elementos psíquicos em
imagens, de modo típico.
Como afirma Jung (apud GIGLIO, 1991: 15), os contos de fada
constituíram através dos séculos instrumentos para a expressão do
pensamento mítico, perpetuando-se no tempo por desempenharem uma
função psíquica importante relacionada ao processo da individuação: através
deles toma-se consciência e vivencia-se arquétipos do inconsciente coletivo.
Esses arquétipos, por sua vez, ao serem trazidos à consciência e
dramaticamente vivenciados permitem a Psique cumprir as etapas de
integração progressiva do desenvolvimento da persona, conscientização da
20sombra, confrontação com a anima / animus e outros arquétipos, e finalmente
atingir um estado onde a comunicação Ego-Self seja fluente e criativa (apud
THOMPSON, 1969: 152). Ainda a partir de uma perspectiva junguiana, (apud
THOMPSON, 1969: 152) existe um lado masculino e um lado feminino em
cada um de nós. Se o masculino é dominante, o feminino é recalcado. O
indivíduo bem conformado necessita desenvolver ambos os aspectos. Também
existem quatro características principais em cada um de nós: pensamento,
sentimento, sensação e intuição. Constituem pares de oponentes. Nos homens
o pensamento e a sensação constituem, habitualmente, características
conscientes, ao passo que o sentimento e a intuição encontram-se recalcados.
Nas mulheres, sentimentos e intuição são predominantes. O lado feminino
recalcado do homem é denominado anima, o lado masculino da mulher é o seu
animus.
Em Franz (apud GIGLIO, 1991: 6), os contos de fada numa visão
junguiana são uma representação simbólica de problemas gerais humanos e
suas soluções possíveis, ou seja, as representações da fantasia são tão
primárias e originais como os próprios desejos e instintos. Nos conteúdos dos
contos de fada é possível ver uma projeção dos estágios originais e
arquetípicos do desenvolvimento da consciência humana. Nos símbolos do
inconsciente, nos sonhos e fantasias, encontram-se os mesmos princípios da
expressão dos mitos e contos de fada, o que, representa um recurso
fundamental no processo do desenvolvimento humano.
Conforme Araújo (1980: 39), para Jung certas lendas, mitos e símbolos
têm origem na infância da humanidade em que faltando recursos intelectuais, o
homem apresentava uma disposição natural para aceitar o sobrenatural. Seria
assim uma necessidade psicológica de buscar soluções mágicas e de criar
seres fantásticos para superar uma realidade que lhe impunha limitações. O
inconsciente coletivo, guardaria assim, uma necessidade de retorno as origens
do homem revivendo experiências anteriores da humanidade.
À luz da psicanálise, os contos de fadas revelam os conflitos de cada um
e a forma de superá-los e recuperar a harmonia existencial. Assim a tão
famosa dicotomia entre o bem e o mal, presta-se numa terapia, a uma análise
21mais contundente da personalidade, na qual se permite trabalhar com
sentimentos inconscientes que revelam a verdadeira personalidade
(CEZARETTI, 1989: 26).
Diz Bettelheim (1980: 16):
“Para dominar os problemas psicológicos do crescimento
- separar decepções narcisistas, dilemas edípicos,
rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar
dependências infantis; obter um sentimento de
individualidade e de autovalorização, e um sentido de
obrigação moral - a criança necessita entender o que se
está passando dentro de seu eu inconsciente. Ela pode
atingir essa compreensão, e com isto a habilidade de
lidar com as coisas, não através da compreensão
racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente,
mas familiarizando-se com ele através de devaneios
prolongados - ruminando, reorganizando e fantasiando
sobre elementos adequados da estória em resposta a
pressões inconscientes. Com isto, a criança adequa o
conteúdo inconsciente às fantasias conscientes, o que a
capacita a lidar com este conteúdo. É aqui que os contos
de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem
novas dimensões à imaginação da criança que ela não
poderia descobrir verdadeiramente por si só. Ajuda mais
importante: a forma e estrutura dos contos de fadas
sugerem imagens à criança com as quais ela pode
estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção
à sua vida.”
A psicóloga e psicoterapeuta Sophia Rozzana Caracushansky, doutora
em Psicologia pela USP (apud CEZARETTI, 1989: 26), afirma que os contos de
22fadas, usados em terapia, fornecem o estilo e a personalidade. Sua utilidade
deu-se primeiramente, pelo criador da Psicanálise, Sigmund Freud, que, a título
de estudo, analisou a vida de personalidades como Leonardo da Vinci através
do confronto com mitos.
A psicanálise freudiana propõe que, numa análise, confronta-se o aqui e
agora do paciente com sua história passada à luz dos contos de fadas. Tal
sistemática permite que se reviva a primeira impressão, aquela que causou o
trauma, a base do conflito (edipiano) que assemelha-se sempre a um conflito
existente em um conto de fadas. A partir da localização do problema, o
paciente pode ser tratado adequadamente - explica Sophia Caracushansky
(apud CEZARETTI, 1989: 26).
Já dentro do enfoque oferecido pelo psicanalista Carl Gustav Jung (apud
CEZARETTI, 1989: 26), a análise terapêutica tem por base os sonhos que
fornecem uma indicação precisa da problemática. Analisando os sonhos o
terapeuta consegue precisar ou localizar o conflito do paciente, ou o “conto de
fadas” que está vivendo, orientando-o para enfrentar os obstáculos à sua
realização.
Os contos de fadas inseridos em seu universo maravilhoso impele a
criança em seu imaginário viver uma situação que pode acontecerr na
realidade, mas de forma mais branda em sua imaginação e emoção. Ao
mesmo tempo que a que elas vivem a estória essa tem a certeza de que ao se
passar num lugar que é apenas esboçado, fora dos limites do tempo e do
espaço, mas onde qualquer um pode caminhar não as deixam ansiosas,
porque todo esse processo é vivido através da fantasia, do imaginário, com
intervenção de entidades fantásticas , tais como, bruxas, fadas, duendes,
gigantes entre outros. (ABRAMOVICH, 1995, p.120).
Os personagens dos contos eternizados pela humanidade através dos
séculos, tem os seus perfis muito bem traçados, eles resumem sentimentos e
características em uma forma de representação não verbal da qual a criança se
apropria sendo utilizada como referência pelo seu Id. A respeito desses
personagens, diz-nos Abramovich:
23“Daí que haver numa história fadinhas atrapalhadas,
bruxinhas que são boas ou gigantes comilões não
significa – nem remotamente – que ela seja um conto de
fadas... Muito pelo contrário. Tomar emprestado o nome
das personagens-chaves desses contos não faz com que
essas histórias adquiram sua dimensão simbólica... A
magia não está no fato de haver uma fada anunciada já
no título, mas na sua forma de ação, de aparição, de
comportamento, de abertura de portas...”
(ABRAMOVICH, 1995, p.121).
O motivo pelo qual as crianças se idetificam com os personagens é em
primeiro lugar é que, os personagens de contos de fadas não têm nome
próprio, mas sim nomes que são ligados às suas características físicas e
emocionais. “Branca de Neve” tem esse nome porque sua pele é branca como
a neve; “Bela Adormecida” assim se chama porque de fato adormece por 100
longos anos; e “Gata Borralheira” porque suas irmãs invejosas obrigam-na a
dormir no borralho (cinza), significado de onde também vem seu outro nome,
“Cinderela”.Com isso a identificação se torna mais fácil. Não tendo nome, ele
não tem uma identidade própria, e assim pode emprestar sua personalidade
aquele que ouve a estória e pode se imaginar como tal personagem. vale
ressaltar o detalhe que os personagens não têm idade cronológica definida;
podemos dizer que sua idade situa-se, aproximadamente, entre os 8 e os 80
anos.
As características presentes na infância (vergonha, medo, insegurança
etc.) tembém são caracteríticas se torna uma dos principais vínculos entre os
personagens e a criança, já que tais característica também fazem parte da
personalidade dos personagens.Seus familiares também não têm idade
definida; a mãe tem idade para ser qualquer mãe, e o pai idade para ser
qualquer pai. Nos contos, ou o personagem é o herói “completamente bom” ou
o vilão “completamente mau” dessa forma, os personagens funcionam da
mesma maneira que a mente infantil.
24A criança tende a separar os objetos de sua afeição em bons ou maus,
pois é difícil para ela aceitar que alguém que ela ama possa negar-lhe, por
vezes, a realização de seus desejos, e desgostar-se com isso, sem, contudo,
deixar de amar a pessoa querida.Essa é uma característica de cunho
psicanalítico é presente no bebê, que ao ser amamentado, vê a mãe “boa” que
o alimenta, bem como a mãe “má” que o desmama. A fim de assim poder
manter o relacionamento amoroso com a mãe, projeta as características
negativas em algum outro objeto que ele possa rejeitar. Sendo assim,
pensamento mágico, que projeta no outro as suas próprias deficiências,
perdura durante toda a primeira infância e retorna na adolescência. Logo, é
muito fácil para as crianças e jovens identificarem-se com os personagens do
conto, pois possuem essa mesma estrutura. Porém essa projeção não acarreta
à criança a negaçaode sua própria parte má, pois ela não se identifica apenas
com a “Chapeuzinho Vermelho” boazinha, mas também com o “Lobo Mau” .
Sobre esse processo de identificação com os personagens do conto, diz-nos
Marly Amarilha:
“Através do processo de identificação com os
personagens, a criança passa a viver o jogo ficcional
projetando-se na trama da narrativa. Acrescenta-se à
experiência o momento catártico, em que a identificação
atinge o grau de elação emocional, concluindo de forma
liberadora todo o processo de envolvimento. Portanto, o
próprio jogo de ficção pode ser responsabilizado,
parcialmente, pelo fascínio que (o conto de fadas) exerce
sobre o receptor.”(AMARILHA, 1997, p. 18)
Dessa forma, os contos de fadas e os personagens ao servirem de
suporte referencial de identificações com o ouvinte desempenham um
importante papel para a saúde mental desse último, permitindo-lhe elaborar
seus sentimentos mais profundos e contraditórios. Esse tipo de identificação se
dá através do jogo simbólico, presente em muitas das brincadeiras
25espontâneas infantis, como brincar de casinha, médico, escola e tantas outras
brincadeiras que qualquer criança faz, sem que seja necessária a intervenção
de um adulto. Mas, nos contos, essas fantasias adquirem uma dimensão mais
ampla e profunda:
“Na brincadeira normal, objetos tais como bonecas e
animais de brinquedo são usados para incorporar vários
aspectos da personalidade da criança que são muito
complexos, inaceitáveis e contraditórios para ela
enfrentar. Isso permite que o ego da criança consiga
algum domínio sobre estes elementos, o que ela não
pode fazer quando solicitada ou forçada pelas
circunstâncias a reconhecê-los como projeções de seus
processos internos.Algumas pressões inconscientes nas
crianças podem ser elaboradas na brincadeira. Mas
muitas não se prestam a isso porque são muito
complexas e contraditórias, ou muito perigosas e
socialmente desaprovadas.”(BETTELHEIM, 1980, p. 71)
As profundas pressões inconscientes profundas não podem ser
representadas por uma simples brincadeira de casinha, por exemplo, devido ao
seu conteúdo potencialmente violento e destrutivo, mas estão representadas
no universo simbólico dos contos de fadas, através das vitórias dos heróis e da
crueldade que os vilões dos contos de fadas podem desempenhar.
Ao pensarmos no Lobo engolindo a Vovozinha, na bruxa desejando
comer Joãozinho, não imaginamos como as crianças podem gostar de
histórias tão violentas?. Daí nasce a censura por parte dos adultos, dando-lhes
uma aspecto moralizante, como o fez Perrault na corte francesa, e Walt Disney
nos tempos atuais, esvaziando seu potencial conteúdo mágico.
Sob esse aspecto, vale lembrar duas características dos contos de
fadas, uma histórica, e outra, psicológica.Como já o havíamos demonstrado
antes, esses contos originam-se da tradição oral popular, portanto de classes
26sociais cuja vida era triste e dura como as crueldades das histórias que
criaram.Diz-nos Lígia Cadermatori, sobre o aparente horror dos contos de
fadas:
“Esses aspectos estão no âmago dos contos de fada e,
malgrado a cristianização e os propósitos moralizantes,
eles permanecem perversos, amorais e angustiantes
como legítimo produto da classe sofrida e marginalizada
que os gerou.”(CADERMATORI, 1986, 38)
Já sob a faceta psicológica, podemos afirmar que são exatamente os
detalhes escabrosos dos contos os de maior significado na
história.Invariavelmente, qualquer conto de fada segue um enredo no qual o
herói abandona a casa de seus pais, passa por diversas privações (seja na
floresta escura, na casa de doces da bruxa, no castelo mal-assombrado) e
então, como Fênix, renasce das cinzas, glorioso e triunfante, e vive “feliz para
sempre”.
O ponto crucial dos contos de fadas está justamente na superação do
herói, pois se ele não fosse capaz de superar as privações que passa, oriundas
das atrocidades dos vilões, ele não conseguira triunfar no final da história – é
exatamente aí que reside a mensagem positiva que as crianças guardam dos
contos e seus horrores.
Isso acontece porque a narrativa dos contos reproduz a história de vida
de qualquer criança. Ela nasce protegida pela família (equivalente à casa
paterna dos contos), e vive lá até alcançar a maturidade. Quando madura, é
obrigada a deixar a segurança da casa paterna para conquistar outros
mundos viver outras situações: começa a freqüentar a escola, a fazer amigos
fora de casa e a ter de resolver seus conflitos com eles. É justamente essas
relaçòes que a fará uma adulto independente e autônomo nas relações adultas.
Os contos permitem as crianças, por mais que tenham problemas, poder
enfretar e superar os obstáculos impostos. Diz-nos Amarilha:
27“Pelo processo de ‘viver’ temporariamente as conflitos,
angústias e alegrias dos personagens da história, o
receptor multiplica as suas próprias alternativas de
experiências do mundo, sem que com isso corra risco
algum.” (AMARILHA, 1997, p. 19)
Por esse motimo se tornam tão significativas as estróias com cunho
moralizante contadas às crianças, juma vez que enfatizadas e internalizada
essa mensagens, as que deveriam ser válidas acabam passando
despercebidas pelas crianças.
“Se o adulto não tiver condições emocionais para contar
a história inteira, com todos os seus elementos, suas
facetas de crueldade, de angústia (que fazem parte da
vida, senão não fariam parte do repertório popular...),
então é melhor dar outro livro para a criança ler... Ou
esperar o momento em que ela queira ou necessite dele
e que o adulto esteja preparado para contá-lo... De
qualquer maneira, ou se respeita a integridade, a
inteireza, a totalidade da narrativa, ou se muda a
história... (e isso vale, aliás, como conduta para qualquer
obra literária, produzida em qualquer época, por qualquer
autor... Mutilar a obra alheia, acho que é um dos poucos
pecados indesculpáveis...).” (ABRAMOVICH, 1995,
p.121)
Cabe aos pais e professores oportunizar o pensamento e a fantasia da
criança sobre o conto, sugerindo-lhe que desenhe livremente sobre a história,
reconte-na a seu próprio modo, deixando-a brincar de faz de conta com
28fantasia. Isso porque, ao ouvir de novo o conto, a criança está empenhada em
uma das mais importantes tarefas, segundo a psicanálise, para a construção
de sua personalidade. Tarefa essa que somente ela mesma, e nenhum agente
externo, pode fazer, e que o conto permite-lhe compreender e elaborar a nível
simbólico: a sublimação e resolução do Complexo de Édipo.
O complexo edípico é um dos mais controversos postulados defendidos
por Freud; porém, nenhum psicanalista, nem mesmo os que mais discordaram
das idéias freudianas, como Jung, pôde negá-lo ou fugir integralmente à sua
idéia original. É necessário, por tanto, esclarecer esse conceito, antes de
analisá-lo dentro do contexto dos contos de fadas.
Segundo o conceito psicanalítico, por volta dos 4 aos 7 anos de idade, a
criança desenvolve um desejo pelo seu progenitor do sexo oposto (o menino,
pela mãe; a menina, pelo pai). Essa é a primeira tentativa da criança em
compreender, a nível simbólico, a sexualidade adulta. A tentativa de conquista
do progenitor que é objeto de seu desejo, a criança passa a identificar-se e a
imitar o progenitor do seu sexo – a menina começa a imitar sua mãe, como
cuidar da casa, dos filhos, trabalhar, enfeitar-se com jóias, etc.; e o menino,
passa a imitar seu pai, brincando de dirigir, lutar, trabalhar ,cuidar dos filhos,
etc.
Porém, logo a criança percebe que para a sociedade em que ela vive,
esse dejeso de casamento não é viável. Com isso ela sublima seus interesses
sexuais, voltando-se para atividades aceitas e valorizadas pela sociedade –
como para a escola, a prática de esportes, as brincadeiras, etc. Esses desejos,
ao serem sublimados, de certa maneira, “adormecem” até o início da
adolescência, quando retornam, porém agora voltados para a busca de
parceiros sexuais fora da família. Por tanto, a vivência e a resolução do conflito
edipiano, fazem com que a criança defina as bases de sua futura sexualidade
adulta, ao identificar-se com o pai e a mãe, e também faz com que ela introjete
os valores morais e sociais, dando início à formação do Superego, bem como
promove o interesse da criança pela aprendizagem de atividades socialmente
valorizadas, seja esta aprendizagem dentro ou fora da escola.
29Podemos ffirmar que os contos de fadas expressam simbolicamente a
resolução do Complexo de Édipo, e ajudam as crianças a superarem tais
conflitos. Já esses apresentam uma narrativa muito parecida, reproduzindo os
estágios da vida humana. Recontam, de várias maneiras, o complexo de Édipo.
As histórias de fadas se iniciam com o herói deixando sua casa, esse fato
simboliza tanto a criança pequena, que parte para a conquista de suas
identificações sexuais precoces, quanto o adolescente, que deixa o ambiente
familiar para buscar parceiros sexuais fora de casa’.
Em muitos casos os heróis saem de casa por ordem dos pais, tais como
nas narrativas de: Chapeuzinho Vermelho, que é enviada por sua mãe para
levar doces à avó; Branca de Neve, que é expulsa pela madrasta invejosa,
entre outras.
A sublimação do complexo de Édipo também acontece devido à
intervenção da sociedade, de maneira geral, e dos pais, de maneira mais
direta. A criança abandona o desejo de casar-se com o pai ou a mãe devido a
rejeição por parte da sociedade, mas principalmente, porque percebe que, por
mais que ela imite o progenitor do mesmo sexo, sempre haverá
relacionamentos que seu parente desejado manterá apenas com outros
adultos, e não com a criança.
O enfretamento de assombrações, Lobo, Bruxa e as dificuldades
enfrentadas faz com que o herói vivencie papel de adulto: tornando-se capaz
de assegurar sua própria existência, de superar a dificuldade sozinho, em
suma, vem a ser autônomo e independente. Como João e Maria, que não
apenas foram capazes de escapar da Bruxa, mas também encontram um rico
tesouro escondido na casa de doces, que os tornou capazes de sustentar a si e
à sua família, superando o estado de pobreza do início da história.
Estando agora preparado, herói é capaz de encontrar o seu próprio
parceiro, formar família, casar-se, ter filhos, assim como uma vez,
remotamente, em sua infância, desejara casar e ter filhos com seu pai ou sua
mãe: No conto, o sapo transforma-se em príncipe para casar-se com a
princesa; o cavaleiro desperta Bela Adormecida de seu profundo sono; o
Patinho Feio torna-se um lindo e esplendoroso cisne.Ouvir essas histórias
30assegura à criança que ela também será capaz de superar as dificuldades, os
sentimentos profundos e contraditórios, despertados por seu delicado e
complexo conflito emocional, e virá a encontrar a felicidade.
Por isso, cabe a ela mesma vivenciar o conto e tirar dele a mensagem
que lhe é útil – e não ao adulto. Quando o adulto se apressa em fazê-lo, como
disse Bettelheim, ele não apenas acaba com a magia do conto, mas também
priva a criança da satisfação em conseguir chegar à mensagem positiva que o
conto carrega sozinha. A mensagem embutida no simbolismo do conto é a que
a criança busca dominar quando nos pede que recontemos uma mesma
história infinitas vezes, sabendo que, ao ouvi-las, está de certo modo ouvindo a
sua própria história, e dessa forma tornando-se mais capaz de superar seus
próprios conflitos.
Este é o poder mágico dos contos de fadas – o poder de fazer-nos
conhecer e compreender melhor a nós mesmos – e esta a razão de sua
permanência entre nós através dos séculos, bem como a razão do fascínio que
o simples ato de sentar-se junto a um adulto para ouvir uma história ainda
consegue despertar, mesmo frente a um mundo cheio de brinquedos e
maravilhas tecnológicas.
A mensagem de sucesso e segurança que os contos carregam os fazem
não apenas sempre presentes e fascinantes, mas sobretudo únicos e
insubstituíveis em sua importância para o imaginário infantil.
31
CAPÍTULO III
A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS PARA O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Antes de destacarmos a importância dos contos também para a educação
é preciso esclarecer que por muito tempo esses estavam vinculados a literatura
infantil, por isso muitas das citações feitas ao londo desse capítulo, mencionará
os contos como literatura infantil.
Para a criança é essencial que seja oferecida oportunidades de leitura de
forma convidativa e prazerosa. E é nesse sentido que os contos desempenha
um importante papel, o de conduzir as crianças não só à aprendizagem,
contribuindo para uma sistematizada escrita, mas que permita que se realize
na leitura, que sinta prazer ao estar lendo. E isso é ótimo, pois é fundamental
que as crianças sintam o gosto pela leitura. A literatura possibilita então, que
essas consigam redigir melhor desenvolvendo sua criatividade, pois o ato de
ler e o ato de escrever estão intimamente ligados.
“(...) a literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou
melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa
o mundo, o homem a vida, através da palavra. Funde os
sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e
sua possível/impossível realização.” (COELHO, 2000,
p.27).
A literatura infantil desenvolve não só a imaginação das crianças, como
também permite que elas se coloquem como personagens das histórias, das
fábulas e dos contos de fada, além de facilitar a expressão de idéias. Sendo
assim, o objetivo da literatura infantil é o de formar leitores, pois por uma série
de características e fatores ela desempenha esse papel melhor do que a
literatura adulta, uma vez que é mais convidativa. O que se procura hoje é
assegurar ao maior número de pessoas possíveis o direito de ler. “A literatura
32infantil contribui para que não se deixe esta tarefa por acaso...”
(CAGNETI:1986, p.21).
O leitor precisa estabelecer um envolvimento integral com aquilo que lê.
De maneira que a cada leitura, possa adquirir mais profundidade e intimidade
com o texto, que se consiga estabelecer um diálogo, fazendo perguntas e
buscando respostas, seja o texto uma história, uma fábula, um conto de fadas
ou qualquer outro. Nesse sentido, pode-se mencionar ainda que a leitura, além
de produzir um contínuo aprendizado, desenvolve a reflexão e o espírito crítico.
“é fonte inesgotável de assuntos para melhor compreender a si e ao mundo.”
(CAGNETI, 1986, p.23).
A ludicidade, presente na literatura infantil é importante, pois como ponto
de ancoragem, apresenta a possibilidade da criança desencadear
aprendizagem, sem mesmo ter vivenciado no real a situação descrita pelo livro.
O lúdico motiva a criança a expor-se a estímulos através do prazer e do desejo
de experienciar novas descobertas e aventuras. Aliviada a resistência, o leitor
tende a explorar melhor o texto e utilizar toda a capacidade investigativa
possível. Bettelheim (1989, p.69) nos diz que “estórias extremamente realistas
correm contra as experiências internas da criança; ela escutará e talvez tirará
alguma coisa delas, mas não pode extrair muito significado pessoal que
transcenda o conteúdo óbvio”.
A linguagem simbólica trabalha com os estados emocionais da criança e
a auxilia a lidar com sua insegurança e auto-estima. Os símbolos, presentes
nas estórias infantis, penetram profundamente na consciência infantil. O
maravilhoso, o imaginário e o fantástico deixaram de ser considerados como
pura fantasia para serem vistos e tratados como portas que se abrem para as
verdades humanas. Assim, a visão mágica do mundo passa a ser assumida
pelas crianças. O que segundo Bettelheim (1989, p.60) acontece porque “para
uma criança não existe uma linha clara separando os objetos das coisas vivas ;
e o que quer que tenha vida tem vida muito parecida com a nossa”.
A linguagem verbal, o ato de contar estórias, pode ser considerada como
meio formador do pensamento abstrato. É um sistema de códigos capaz de
transmitir qualquer informação mesmo fora do contexto de uma ação prática
33imediata. Observa-se perfeitamente esta diferença ao analisarmos que o
homem é capaz de comunicar pensamentos, opiniões e desejos através de um
aparelho como o telefone, ou seja, pode comunicar-se usando apenas um
elemento abstrato: a palavra.
Ao contar uma história para a criança, utilizamos uma estrutura própria
da linguagem oral que pode apresentar junto com os componentes verbais,
outros elementos: os gestos, a entonação, a pausa. Quando lemos a estória do
livro, utilizamos estruturas gramaticalmente organizadas próprias da linguagem
escrita (pontuação). Embora nos dois momentos seja possível perceber as
reações da criança e, portanto, corrigir, modificar, reler, explicar e
complementar a leitura, cada uma delas possui estruturas próprias e ambas
vão ser importantes para o desenvolvimento da linguagem: oral e escrita.
Quanto maior for o contato com literatura, melhor preparada estará a
criança para ser clara ao exprimir seus pensamentos. Ao ouvir uma estória,
aprende a colocar-se no lugar do outro e assim perceber diferentes pontos de
vista. Aprende a conhecer o poder da palavra para provocar atos e despertar
sentimentos. Percebe que através da linguagem pode exercer ação sobre o
pensamento do outro. Com a intenção de fazer valer seu ponto de vista,
desenvolve uma linguagem interior que lhe permite levantar hipóteses e se
preparar para argumentar e contra-argumentar. Na tentativa de evitar
incompreensões e contradições, aos poucos estabelece uma coerência entre
suas argumentações, clareando a sua maneira de se expressar.
É importante ressaltar que a compreensão de um texto pode depender
do conhecimento de textos anteriores, ou seja, as relações de associação com
leituras anteriores podem servir para estimular a percepção dos significados no
texto atual. Somente quando a criança exercita várias leituras (de formigas, de
fadas e bruxas, de lobo mau, de um mesmo autor, de um mesmo gênero
literário, com um mesmo tema gerador) pode compreender as relações entre
diversos textos e abrir-se verdadeiramente à reflexão, logo é valoroso para a
criança o contato com estórias desde cedo, para que assim esta possa
estabelecer vários referenciais literários.
34Os contos de fadas com o seu grande poder de encantar fascinam as
crianças com sua magia que despertando-a para a fantasia. Essas estórias
carregam uma força profunda capaz de nao somente distrair e embalar o sono,
mas também educar.
A criança ao ter contato com o livro adquirem ganhos significativos junto
com a leitura e a escrita, nela é despertada principalmente a imaginação,
porém acontece algo maravilhoso, a construção de uma aprendizagem
significativa e prazerosa. A criança elabora novas hipóteses, experimenta e
interpreta os contos. O desdobramento dos contos para as crianças é infinito, já
que, no último momento do “viveram felizes para sempre” não determina o fim
para criança, que pode contar e recontar as estórias.
Mundança significativa para o máximo aproveitamento dos contos e sua
magia deverá ser por parte da escola superando o conceito de transmissão de
conhecimento. Os contos podem contribuir para a formação pessoal de cada
indivíduo. Pois através dos contos a criança, como antes mencionado, aliviam
suas pressões incoscientes e ajudam o desenvolvimento do simbólico,
podendo assim serem considerados intrumentos pedagógico.
Infelizmente, muitos pais desejam ver seus filhos com as cabeças
funcionando racionalmente como as suas, e acreditam que a maturidade deles
dependa exclusivamente do ensinamento lógico oferecido pela maioria das
escolas que, via de regra, em nossa sociedade moderna, nada mais fazem que
repassar um conteúdo pedagógico desprovido de maiores significados para a
vida. Esquecem-se de explorar os sentimentos como fundamental ingrediente
para a formação do caráter e, ainda que bem alfabetizem, desconsideram os
contos de fadas como se estes só gerassem confusões quanto aos conceitos
sólidos de realidade que devem ser ensinados às crianças. Pecam gravemente
por isso.
A arma mais poderosa para uma sociedade é a educação de qualidade
para crianças, jovens e adultos, essa norteando o desenvolvimento à liberdade
e a uma leitura de mundo diferenciada. Infelizmente, a realidade que se abate
sobre a educação brasileira não é a idealizada, o que nos faz apontar como
importante passo a ser dado na direção da qualidade seja a conscientização
35dos instrumentos de ensino. A literatura infantil para uma educação visando o
desenvolvimento e a autonomia é um valoroso recurso para proporcionar o
ensino de qualidade dentro e fora do espaço escolar.
A escola como principal interlocutora no processo educacional tem
um papel fundamental de construção e desenvolvimento do conhecimento.
Calcada na realidade de seu alunado, respeitando diferentes ritmos de
aprendizagem e conhecimentos pré adquiridos. Masetto (1997,p.23) faz
referências a escola de acordo com a realidade sociocultural brasileira:
“A escola é uma instituição social e, como tal, está
inserida na história. Ela é uma instituição que sofre
influência e influencia aquilo que acontece ao seu redor.
Em outras palavras a escola está inserida em uma
realidade da qual ela sofre e exerce influência.”
Algumas indagações surgem referente a literatura infantil e o seu uso em
sala de aula como por exemplo: qual a função da literatura infantil na Escola?
Em que essa literatura desenvolve o sujeito? Questionamentos esses que nem
sempre os educadores fazem, apenas exigem o ato da leitura esquecendo-se
do valor que essa pode representar para um aluno. “Ao reconhecermos a
atividade de leitura como instrumento, estamos nos posicionando criticamente
frente ao mundo” (BELMIRO,1999,p.117).
Os professores, ao entenderem que, para haver desenvolvimento na
literatura seus alunos não podem ser obrigados, cobrados e ameaçados. O
texto literário está diretamente ligado à imaginação e a sensibilidade, logo deve
ser utilizado de forma criativa, lúdica e diversificada, assim fomentando
interesse dos alunos. Deve-se incentivar também o uso da literatura fora da
escola, pois não é somente no ambiente escolar e os livros propostos pela
escola que o aluno deverá ler, mas também todo o tipo de literatura que o
interessar deverá ser incentivada e que ele o faça em outros locais.
A literatura infantil, seja na escola ou em qualquer outro ambiente, tem o
papel de alargamento do horizonte, permitindo ao indivíduo a descoberta de
36novas formas de viver e sentir, sejam essas internas ou externas. O diferencial
do ler na escola se dá devido as pessoas que aproximam a criança à essa
leitura, tais como professores, supervisores orientadores, enfim, todo o
pessoal que tem um convívio aberto para além das paredes da sala de aula e
que por conseguinte estimula na criança essa vivência intensa do mundo e o
reconhecimento do seu lugar nesse. A criança levará consigo a consciência da
prática da leitura e da importância dessa para a sua vida, pois quanto mais
cedo essa for estimulada mais rápido perceberá essa importância.
E para uma clara compreensão da importância da Literatura Infantil na
sala de aula é preciso o conhecimento da sua história ao longo do tempo, do
seu desenvolvimento, e dos seus benefícios.
Ao perpassarmos pela história da Literatura Infantil compreenderemos
que esta surgiu como uma necessidade nos séculos XVII e XVIII com a
decadência do feudalismo e a ascensão da burguesia. Necessidade essa que
desenvolveu-se à medida que as concepções de criança e de família mudaram
e evoluíram. A primeira mudança foi a composição da família como núcleo
unicelular, originando também a valorização da infância, antes inexistente, não
reconhecida. Até então, os adultos e as crianças compartilhavam as mesmas
exigências, eventos, direitos e experiências. A criança era vista como um
adulto em miniatura.
A escola e sua organização aos poucos ampliou seus espaços, bem
como o gênero literário dirigido ao jovem, a literatura infantil. Também a
valorização da criança, enquanto faixa etária, mudou a concepção de infância e
tratados de Pedagogia foram escritos para assegurar sua singularidade. Porém
concomitantemente a essa valorização da criança, surgiram também os meios
de controle e desenvolvimento intelectual desta e a manipulação de suas
emoções. A escola e a Literatura foram convocadas para cumprir tal função.
Segundo Zilberman (2003, p.16) os primeiros textos foram escritos por
professores e eram de cunho pedagógico, ou seja, moralizantes, fechados,
ditavam ensinamentos morais. Dessa maneira, podemos dizer que a literatura
infantil foi uma extensão da Pedagogia; não sendo aceita como arte, tinha
como intuito dominar a criança e colocá-la como ser inferior, sob o controle do
37adulto. Mas, a infância expandia, também o sonho dos adultos: já que a criança
era boa, era preciso conservar sua naturalidade. “A criança é o bom selvagem,
cuja naturalidade é preciso conservar enquanto o ser humano atravessa o
período infantil. (ZILBERMAN : 2003, p.18)
Assim, ela era isolada da sociedade para preservar sua pureza infantil.
Os adultos, com isso, asseguravam seu prestígio e dominação: a criança era o
reflexo do que o adulto e a sociedade queriam e planejavam que ela se
tornasse.
Na escola se refletia essa imagem: uma divisão entre indivíduo e
sociedade, reunia-se um grupo homogeneizado perante a autoridade do
mestre, a escola fechava suas portas para o mundo exterior, e no interior, o
professor era detentor do poder. Era negado a livre expressão e impostas as
regras da época.
“A criança verdadeira era ilhada, porque tornada alheia
aos meios de produção, e comprimida pelos mais velhos,
que assim asseguravam seu prestígio e dominação , foi
elaborado uma série de atributos (...) a menoridade, a
fragilidade física e moral, a imaturidade intelectual e
afetiva.” (ZILBERMAN: 2003,p.20)
A escola controlava ideologicamente a criança e a Literatura Infantil
serviu para multiplicar e garantir essas normas que vigoravam, transmitindo um
ensinamento de acordo com a visão dos adultos. O texto passou a ser um
apoio para educação das crianças da época, um manual de instruções.
E hoje, como a escola trabalha com a Literatura Infantil?
A escola e a literatura são de natureza formativa, estão voltadas à
formação do indivíduo. A literatura resume uma realidade servindo de auxílio
para conhecê-la melhor. Esta função também é desempenhada pela escola.
Mas através da máxima exploração das potencialidades sociais e cognitivas
da literatura é que se garante a transformação da sociedade e ampliam-se as
visões de mundo.
38
“(...) por mais exacerbada que seja a fantasia do escritor
ou mais distanciadas e diferentes circunstâncias de
espaço e tempo dentro das quais a obra foi concebida
(...) ela continua a se comunicar com o destinatário atual,
porque ainda fala de seu mundo, com suas dificuldades e
soluções, ajudando-os a conhecê-lo melhor.” (
ZILBERMAN: 2003, p.25)
A escolha dos textos literários feita pelo professor deve responder a
alguns critérios, tais como: qualidade estética e aspecto inovador. A escolha e
a atitude do professor frente ao livro é importante. O professor não pode ser um
redutor, transformando o sentido do texto em um número limitado de
observações tidas como corretas. É preciso fazer com que o leitor se situe e
tenha relações com sua realidade, através do livro. Segundo Zilberman (2000,
p.28) “ao professor cabe o detonar as múltiplas visões que cada criação
literária sugere”, possibilitar o espaço para as interpretações pessoais e
individuais da compreensão do livro.
O professor necessita estar sempre sintonizado e atento as
transformações do momento presente, e reorganizando o seu próprio
conhecimento. E, segundo Coelho (2000:p.18) “orientado em três direções
principais: da literatura (como leitor atento), da realidade social que o cerca
(como cidadão consciente da “idéia geral” dominante e de suas possíveis
causas) da docência (como profissional competente)”
Coelho (idem, p.19-24), aponta para os valores que a Literatura Infantil
pode veicular. A Literatura infantil oferece novos valores, estes favorecendo a
formação de uma nova mentalidade da sociedade, por isso requerem uma
melhor atenção. Um confronto nos é apresentado por ela entre os valores
tradicionais e os valores novos. O professor precisa estar alerta ao trabalhar
com Literatura Infantil, atentando-se para não incentivar os valores tradicionais
como o individualismo e a competitividade, pois estes baseiam-se em verdades
únicas, contribuindo para o fortalecimento do poder de uma minoria da
39população. Padrões ideais que são seguidos por grandes heróis das histórias
infantis, aventureiros que tudo podem, mas só eles. É necessário trabalhar a
idéia de que o indivíduo é a parte essencial do todo, porém sozinho ele pouco
fará. Logo deverá ser sinalizado para a criança o senso de comunidade e
buscar livros que substituam o herói individual pelo grupal.
A atenção também é necessária quando trabalha-se a moral rígida das
fábulas. Um bom e claro exemplo de fábula é “A cigarra e a formiga”. A cigarra,
que estava com muita fome, pede comida à formiga, que tinha acumulado
durante o verão. A formiga, sabendo que a cigarra cantava e não trabalhava
neste período, negou ajuda. Segundo Bettelheim (1980, p.54) , a fábula “com a
finalidade de dar instrução moral, (...) sempre afirma explicitamente uma
verdade moral; não há significado oculto, nada é deixado à nossa imaginação”.
Qual seria a conclusão, a mensagem que a criança internalizaria dessa
fábula? “Tenho que trabalhar sempre, e não brincar, caso contrário não terei
nada no futuro...”. Logo ressalta-se a importância de um trabalho consciente
que deve ser realizado pelo professor em sala. É necessário que se adote uma
postura crítica-reflexiva das fábulas sem que essa perca seu encanto aos olhos
da criança. Tal postura deve ser iniciada pelo professor, para que seus alunos
também adquiram tais atitudes.
A história “Os três porquinhos”, apesar da moral ser um pouco mais
velada do que das fábulas, também leva a criança pequenina a saber, da
forma mais deliciosa e dramática, que não devemos ser preguiçosos e levar
tudo que é feito a sério, porque caso o contrário poder-se-á sofrer
conseqüências. Encontra-se nos contos de fadas, a conduta certa ou errada,
que se firma nos castigos quando os personagens são ruins ou prêmios
quando eles são bons. “Os três porquinhos é um conto de fadas devido ao seu
final feliz, e porque o lobo recebe o que merece (BETTELHEIN:1980, p.56)
É preciso interpretar, questionar com o aluno estas estórias, para que
ele tenha consciência que sempre há mais de um ponto de vista e que as
diferenças existem. Em sala de aula isso é fundamental. Valorizar as diferentes
etnias, culturas, religião, classes sociais, costumes, são objetivos da literatura
infantil a serem conquistados. Esses são alguns pontos fundamentais para que
40aconteçam justiça e igualdade entre todos partindo de uma socialização da
leitura. Segundo Coelho (2000, p.24) tais dados são básicos para o exercício
de uma leitura crítica avaliadora dessa literatura nova, que, sem deixar de ser
um instrumento de emoção, diversão ou prazer, poderá auxiliar, e muito, a
tarefa da Educação, no abrir caminho aos que estão chegando, em direção à
nova mentalidade a ser conquistada por todos, em breve tempo.
Todos têm direito à leitura, e o acesso a ela também precisa ser um
direito comum a todas as pessoas. Somente quando a leitura for
democratizada, poderá se dizer que todos, realmente, são iguais. Contudo a
literatura exige muito mais que uma simples decodificação de letras: envolve
reflexão e criticidade melhor e mais nítida, compreensão de mundo, da
realidade, dos conhecimentos e novas idéias. Porém ela não precisa deixar de
ser prazer, emoção, aventura, realização, para que se possa ter um bom
desenvolvimento, refletindo sobre seu conteúdo sem perder a imaginação.
Basta que seja trabalhada de forma criativa e autêntica.
O prazer da leitura, se não conquistado em casa, na família, a escola
tem por obrigação esse despertar e de maneira única e particular para que este
valor se torne, posteriormente, esse prazer perdure por toda vida do aluno
leitor para adulto leitor.
“A justificativa que legitima o uso do livro na escola
nasce, pois, de um lado, da relação que estabelece com
o seu leitor; convertendo-o num ser crítico perante as
circunstância; e, de outro o papel transformador que
pode exercer dentro do ensino, trazendo-o para a
realidade do estudante e não submetendo-o a esse
ambiente rarefeito do qual foi suprida toda a referência
concreta.” (ZILBERMAN: 2003, p.30)
A escola, oferecendo esta oportunidade, está ajudando seus
professores, alunos e a si própria como propulsora do idealizar e do fazer para
uma prática educativa consciente voltada para a autonomia dos seus alunos ,
41pois se a literatura infantil é ao mesmo tempo prazer, realização, ludicidade, e
fonte de conhecimentos, e criticidade, para os alunos traduz-se como:
“aprender com prazer”.
“A literatura infantil (...) propicia os elementos para uma
emancipação pessoal, o que é finalidade implícita ao
próprio saber . Integrando-se a esse projeto libertador, a
escola rompe suas limitações inerentes à situação com
a qual comprometeu a sua gênese.” (ZILBERMAN:
2003, p.29)
Mas não resume em colocar diante da criança um monte de livros e
dizer: agora leiam, ou resumir o papel dos livros de literatura infantil em
trabalhinhos em sala, quando alguns dos alunos terminam mais rápidos as
atividades. Então, para que incomodem os colegas de classe, coloca como
ocupação o livrinho de literatura infantil. Nada discutido, interpretado,
comentado ou mesmo mostrado. Apenas ocupação. E quando todos os alunos
terminam as atividades, mesmo que não tenham terminado de ler um livro
começado, devem guardá-lo, pois é hora de fazer outras atividades mais
importantes.
“A literatura infantil (...) aproveitada na sala de aula em
sua natureza ficcional, que aponta a um conhecimento de
mundo, e não como súdita do ensino bem comportado,
ela se apresenta como elemento propulsor que levará a
escola à ruptura com a educação contraditória e
tradicional.” (ZILBERMAN: 2003, p.30)
É importante que a literatura infantil seja trabalhada. O professor precisa
estar oportunizando uma relação entre a literatura infantil e a realidade do
aluno. Caso contrário, a história não terá significado e, certamente, será
esquecida. Conhecendo a importância da Literatura Infantil em sala de aula e
42estando consciente dos valores que ela oferece, é que o professor se mantém
num processo de construção de alunos leitores, e mais que isso, alunos
leitores críticos, que saibam interpretar as várias visões de mundo, usufruindo
delas para a compreensão do seu próprio mundo interior.
O professor tem em suas mãos a tarefa de propor ao aluno situações de
aprendizagens para (re) construção do conhecimento. A literatura infantil é um
instrumento que contribui para elaboração destas situações. Sendo assim, é
importante que ele tenha conhecimentos sobre este elemento tão importante e
também saiba como utilizá-lo de forma que se preserve a função real da
literatura.
Um projeto que privilegie a literatura infantil, segundo Coelho (2002),
deve ter claro a concepção de infância, enxergar a literatura como um
fenômeno da linguagem, estabelecer relações entre literatura, história e cultura,
entender a leitura como um diálogo entre o leitor e o texto tendo consciência
que a escrita é fruto dessa leitura e olhar a escola como um espaço
privilegiado.
O trabalho com a literatura infantil, segundo Zilberman(2001):
“(...)desemboca num exercício de hermenêutica, uma vez
que é mister da relevância ao processo de compreensão,
pois é esta que complementa a recepção, na medida em
que não apenas evidencia a captação de um sentido,
mas as relações que existem entre a significação e a
situação atual e histórica do leitor.”
Assim convém ao professor estabelecer critérios para a seleção do livro
a ser trabalhado em sala de aula. Ele deve estar atento à escolha do texto e
sua adequação ao leitor considerando sua qualidade estética e não veiculando
ela apenas ao ensino de regras gramaticais ou normas de obediência. As
crianças necessitam ler bons textos para compreenderem a literatura como um
meio de pensar a realidade e não de apenas vê-la como algo imutável, com
43regras a serem obedecidas. E, além disso, enxergar estes textos com um
elemento que não traz o ensino da língua como um único fim.
Sendo assim, além da qualidade estética, deve-se considerar o aspecto
inovador da obra, assinalando aquilo que vivemos, mas desconhecemos. É
relevante analisarmos o enredo, os personagens, os valores impressos, porém
é importante notar que é esta coincidência entre o mundo representado no
texto e o contexto do qual participa seu destinatário que emerge a relação entre
a obra e o leitor. E este é o principal critério a ser considerado: escolher um
livro que faça nascer uma relação entre ele e a criança, que dificilmente será
rompida com o passar do tempo.
44
CONCLUSÃO
A proposta desta monogafia foi a possibilidade de um mergulho na
magia e na fantasia presente nos contos de fadas e o leque de
possibilidades oferecidas nas estórias.
Os contos de fadas não descrevem o mundo de acordo com a
simples realidade objetiva. Mas sim, através de sua riqueza simbólica,
descrevem a realidade subjetiva da mente humana. Isso os torna mais
verdadeiros, pois nos faz refletir sobre os aspectos mais obscuros da
nossa psique, que não podem serem alcançados diretamente através do
pensamento consciente.
Esse poder de atuação dos contos de fadas é maior ainda para o
pensamento infantil pois, se o adulto tem dificuldade em aceitar e
enfrentar suas próprias incertezas expressas nas aventuras dos contos,
a criança é imediatamente captada pela beleza e a linguagem destes,
que muito se aproxima de seu próprio mundo inconsciente.
Por isso, ao ouvir contos, o psiquismo da criança se desenvolve.
Primeiramente, porque ela tem o desafio intelectual de compreender
uma narrativa tão rica, intrincada e bem urdida, como a dessas histórias,
pedindo para ouvi-la várias vezes, até alcançar este objetivo. E também
porque, dominando o conflito da história, ela está dominando seus
próprios conflitos internos. Ou seja, para retornar à afirmação de Tolstói,
os contos, com toda a sua fantasia, não transmitem falácias, e sim a
mais profunda verdade.
Pelo encanto que produzem e pela importante função afetiva que
têm para crianças, jovens e adultos, os contos de fadas deveriam ser
retomados pela escola, não apenas em momentos esporádicos e
descomprometidos de leitura, mas como uma parte da herança cultural
da humanidade sobre a qual os alunos possam pensar e agir, das mais
diferentes formas – em atividades plásticas, simbólicas, cênicas, de
leitura e escrita, e tantas outras quanto a realidade de cada sala de aula,
45nas diversas faixas-etárias, possa propor como desafio a pais e
educadores.
46
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil – gostosuras e bobices. São Paulo.
Scipione, 1986.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 8ª ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1980.
CADERMATORI, Lígia. O que é Literatura Infantil. São Paulo: Brasiliense,1986.
CAGNETTI, Sueli de Souza. Livros que te quero livre. Rio de Janeiro: Ática,
1980.
CASHDAN, Sheldon. Os 7 pecados capitais nos contos de fadas: como os
contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro:Campus, 2000.
CEZARETTI, Maria Elisa. Nem só de fantasias vivem os contos de fadas.
Família Cristã. São Paulo, p. 24-26, maio 1989.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo:
Moderna, 2000.
COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. São Paulo:Ática, 1987.
GERALDI, João Wanderley. O Texto na Sala de Aula. São Paulo:Ática, 1999.
MASSETTO, Marcos. Didática – aula como centro. 4ª edição. São Paulo: FTD,
1997
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola.11ª edição São Paulo:
Global, 2003.
47
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
A HISTÓRIA DA ESTÓRIA 10
1.1 – A etimologia da expressão “contos de fadas” 10
1.2 – A origem dos contos de fadas 10
1.3 – Os contos de fadas e a psicanálise 14
CAPÍTULO II
OS CONTOS DE FADAS
UMA ABORDAGEM PSICANÁLITICA 16
CAPÍTULO III
A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS
PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL 31
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CITADA 46
ÍNDICE 47
48
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes – Projeto A Vez
do Mestre
Título da Monografia: A contribuição dos contos de fadas para o
desenvolvimento infantil
Autora: Vivian de Melo Hammes
Data da entrega: 27/01/2007
Avaliado por: Conceito: