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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A (DES) CONSTRUÇÃO DO AMOR MATERNO Por: Tatiane Lima de Avelar Teixeira Orientador Prof. Ana Abreu Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A (DES) CONSTRUÇÃO DO AMOR MATERNO

Por: Tatiane Lima de Avelar Teixeira

Orientador

Prof. Ana Abreu

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A (DES) CONSTRUÇÃO DO AMOR MATERNO

Apresentação de monografia ao

Instituto A Vez do Mestre – Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em

Psicologia Jurídica.

Por: Tatiane Lima de Avelar Teixeira

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu amigo Leandro

Gerpe pelas palavras de motivação dadas ao

longo da especialização e em especial ao

meu esposo Leandro Avelar por todo o

carinho, compreensão e cumplicidade

dedicados a mim em mais uma realização

acadêmica.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todas as

mulheres que acolheram ou não os seus filhos

biológicos.

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RESUMO

Este trabalho pretende abordar o tema abandono materno. Apesar de

ser uma prática observada ao longo da história, existem poucas referências

sobre o que leva uma mãe a abandonar seu filho, o que torna o assunto

polêmico e permeado de conceitos criminalizantes. A sociedade atual busca no

instinto materno a garantia de uma mãe boa para o bebê, capaz de cuidar e

zelar pelo bem estar da criança. Buscamos desconstruir o mito do amor

materno inato, dando ênfase ao papel do vínculo entre mãe-bebê,

compreendendo que a falta deste elemento poderá levar ao abandono.

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METODOLOGIA

Será adotada a metodologia de pesquisa bibliográfica, baseada na

análise da literatura em forma de livros, artigos e textos científicos impressos

ou disponibilizados na Internet. Esta metodologia de pesquisa contribuirá para

a revisão histórica proposta na pesquisa e suas implicações na atualidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - O Abandono ao longo da história 09

CAPÍTULO II - Amor materno inato – o mito 14

CAPÍTULO III – A mãe que abandona 16

CONCLUSÃO 18

BIBLIOGRAFIA 20

ÍNDICE 22

FOLHA DE AVALIAÇÃO 23

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INTRODUÇÃO

Sabemos que o vínculo afetivo mãe-bebê é considerado essencial para

a construção da vida psíquica do ser humano. Segundo Winnicott (2001), a

mãe é aquela que apresentará o mundo para o bebê, mas, como a mãe

adquire condições para fazer uma boa apresentação desse mundo para o seu

bebê? Todas as mulheres nascem prontas para exercerem o papel materno?

O ditado “quando nasce um bebê, nasce também uma mãe” é válido

mas, compreender que o nascimento de uma mãe requer aprendizado também

pode ser observado. A anatomia comum a todas as mulheres – o que

possibilita a maternidade – faz com que haja uma idealização em torno das

mulheres, sendo que nem todas conseguem exercer a maternagem devido,

apenas, pelas características biológicas. Uma mulher precisa ir além disso.

Winnicott (2001) faz referência a função da mãe suficientemente boa, na

qual a genitora é capaz de identificar as vontades do seu filho através do

vínculo, no entanto, essa mulher poderá sentir-se incapaz de cuidar e saciar as

necessidades básicas do seu bebê, delegando a outro este papel.

Nesse sentido, este trabalho pretende abordar a história do abandono

materno ao longo dos tempos e buscará refletir sobre a construção do amor

entre mãe e filho que provocará o vínculo capaz de dar suporte à mulher que

necessita ser cuidadora.

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CAPÍTULO I

O ABANDONO AO LONGO DA HISTÓRIA

O abandono de bebês por suas mães é um fenômeno social,

dependendo do local em que ocorra terá maior ou menor repercussão. A

prática do abandono materno sempre existiu ao longo da história. Encontra-se

em relatos bíblicos, na mitologia grega e em outras citações antigas.

Grimal (2000) faz referência a personagens da mitologia que foram

deixados pelos pais em bosques, montanhas ou que foram lançados ao mar.

Algumas lendas mencionam que crianças eram criadas por animais ou por

outros seres.

Na mitologia grega há mitos que visam à exclusão dos seres recém-

nascidos, alguns considerados maléficos devido aparência física fora do

padrão ou por constituírem ameaça as figura de autoridade local. O abandono

na Antiguidade era uma prática frequente, na Grécia e na Roma o chefe de

família podia rejeitar, escolher dar ou vender como escravos seus filhos. Todo

bebê com deformidade podia ser morto, queimado ou atirado ao mar.

Conforme Badinter (1980) estudos constatam a indiferença materna ao

longo da história. Se na mitologia crianças que apresentavam alguma

deformidade eram vistas como uma ameaça e devido a isso não eram queridas

por suas mães, no antigo continente as mães apresentavam frieza no contato

com seus filhos pelo fato de haver muitas possibilidades do bebê morrer. Na

tentativa de evitar sofrimento, caso isso ocorresse, a mãe deixava de nutrir

carinho pelo pequeno ser.

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Com a difusão do Cristianismo no Império Romano as condutas

maternas não foram alteradas, as leis não proibiam ou negavam o direito dos

pais de abandonarem ou venderem seus filhos, somente na Idade Média a

Igreja assumiu o controle criando novas leis sobre a venda e exposição dos

bebês.

Marcílio (1998) refere que a Igreja procurou novos destinos para as

crianças abandonadas, ao invés de serem mortas, criou-se as Rodas dos

Enjeitados, que eram cilindros giratórios com uma abertura, instalados nas

entradas dos conventos onde eram depositadas as crianças cujas mães não

tinham o interesse de cuidar, sem que as mulheres tivessem a necessidade de

se identificarem.

A partir do século XII, a demanda nas rodas começou a tornar-se

superior a capacidade de atendimento pelos conventos e a responsabilidade

pelos bebês abandonados passou a ser do governo, surgindo então os abrigos.

Tal modelo de cuidado teve continuidade no Novo Mundo e conforme Marcílio

(1998), as mudanças advindas da industrialização fez crescer o “fenômeno do

abandono”.

Badinter (1980) discorre sobre a prática da entrega de recém nascidos

as amas de leite, sem que houvesse nenhuma retalhação a mãe, bebês

encontravam a sobrevivência em mulheres escolhidas por suas mães e estas

recebiam festa de familiares no período pós natal. Na Europa, século XVIII, o

fenômeno do abandono tornava-se cada vez mais intenso e as crianças mais

crescidas passaram a serem vistas como cidadãos úteis e foram introduzidos

nas atividades militares, nos trabalhos pesados e também utilizados como

cobaias para experimentos médicos. Esta fase durou até a Guerra Mundial e

somente a partir do século XX o Estado assumiu a responsabilidade pela

proteção da infância dando início ao Estado do Bem-estar Social.

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A primeira manifestação a favor dos direitos da criança ocorreu em

1924, em Genebra. Surgiu a Declaração dos Direitos da Criança, onde foram

proclamados dez princípios, entre eles:

“Para o desenvolvimento completo e harmonioso

de sua personalidade, a criança precisa de amor e

compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos

cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em

qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de

segurança moral e material, salvo circunstâncias

excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada

da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a

obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças

sem família e àquelas que carecem de meios adequados

de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial

e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de

famílias numerosas.” (ONU. Declaração dos Direitos

da Criança, 1959, art. 84, inciso XXI)

A partir deste documento, a criança, desde o nascimento, foi adquirindo

importância e o abandono deixou de ser aceito.

1.1 – O Brasil e o abandono

De acordo com Marcílio (1998), a história brasileira apresenta fases

semelhantes as vivenciadas na Europa, no entanto, percebe-se processos que

ocorreram tardiamente. Os bebês abandonados podem ser vistos na literatura

a partir do antigo sistema colonial e posteriormente na tardia industrialização.

Em uma época denominada caritativa, onde o atendimento das crianças

enjeitadas era realizado por famílias substitutas ou amas de leite, havia o apoio

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econômico financiado pelas Câmaras Municipais, ou seja, criar um bebê

abandonado significava receber ajuda financeira. Após algum tempo,

percebeu-se gastos elevados relacionados a essa prática e por volta do século

XVIII, a partir de um modelo europeu, foram implantadas as rodas de expostos.

Ainda segundo Marcílio (1998), a roda dos expostos tinha como principal

função, fazer com que diminuíssem os casos de abortos muito frequentes na

época. Da mesma forma, pretendia-se preservar a ordem familiar, já que o

número de crianças nascidas de relacionamentos ilegítimos, de padres e mães

solteiras era muito alto. Retirar das ruas crianças oriundas de famílias

miseráveis também era função da roda dos expostos.

Até o século XX, os bebês abandonados revelavam de certa maneira o

sofrimento dos genitores, por não terem apoio financeiro ou emocional para

cuidarem de sua prole. Essas crianças, quando adotadas, eram vistas como

mão de obra gratuita e mais eficiente que os escravos devido a relação de

gratidão que mantinham com seus cuidadores.

A partir dos processos de industrialização, as cidades iniciaram

crescimento, aumentando assim o número de pessoas pobres que passou a

gerar marginais, mendigos, poucas condições de higiene e doenças

contagiosas. Abre-se espaço para o controle social praticado por médicos

higienistas os quais, passaram a proibir as rodas de expostos. Marcílio (1998)

refere o alto índice mortes de bebês criados por amas de leite que, devido a

ajuda econômica que tinham para cuidar das crianças abandonadas, pegavam

mais de um bebê para cuidar, e não conseguindo exercer todos os cuidados,

os deixavam morrer por falta de condições básicas de higiene e alimentação.

Para evitar o processo de marginalização e exclusão social da criança,

em 1990, é sancionado no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA) e desta maneira o abandono passa a ser o resultado de um não

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cumprimento da lei, ou seja, um não cumprimento de direitos. Embora, o ECA

determine a obrigatoriedade dos pais em garantir a vida material dos filhos,

desde 2009 com a nova disposição no Estatuto, vigora que não há lei que

impeça o pai de entregar o filho para terceiros.

‘§ 4º Incumbe ao poder público proporcionar

assistência psicológica à gestante e à mãe, no

período pré e pós-natal, inclusive como forma de

prevenir ou minorar as consequências do estado

puerperal.

§ 5o A assistência referida no § 4o deste artigo

deverá ser também prestada a gestantes ou mães

que manifestem interesse em entregar seus filhos

para adoção.”

Parágrafo único. As gestantes ou mães que

manifestem interesse em entregar seus filhos para

adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à

Justiça da Infância e da Juventude.” (LEI Nº

12.010, DE 3 DE AGOSTO DE 2009, ECA)

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CAPÍTULO II

AMOR MATERNO INATO – O MITO

A crença de que toda mulher nasceu para ser mãe devido à anatomia

comum, faz com que a sociedade idealize o amor materno. No entanto, os

estudos psicológicos apoiam-se no fato de que a maternagem para existir deve

partir de uma construção que começa a ser realizada mesmo antes do

nascimento do bebê.

Conforme Badinter (1980) antes da crença no amor materno tínhamos a

valorização do instinto materno, ou seja, a ideia de que o fenômeno biológico e

fisiológico da gravidez desencadearia na maternagem. Devido a decadência

dos termos instinto e natureza humana, o conceito de instinto entrou em

desuso todavia foi substituído pelo conceito de amor, acreditando-se ainda na

existência de um padrão de relacionamento entre mãe-bebê mantido apenas

pelo viés da biologia.

Por vínculo, Klaus, Kennel e Klaus (2000) entendem como sendo um

investimento emocional da mãe em seu filho. Esse processo é formado através

das repetidas experiências prazerosas entre a dupla. A formação do vínculo

entre mãe e filho não é automática, necessita de tempo e condições para

existir. O amor e a rejeição são possíveis de ocorrer durante a gestação e a

prevalência de um dos sentimentos após o nascimento, dependerá de muitos

fatores. Badinter (1980) defende a não existência de uma norma regendo a

maternagem, a relação dependerá dos sentimentos despertos na mulher, que

sofrerá influência das suas emoções e do ambiente externo.

Mudanças corporais como ganho de peso, seios doloridos e pesados,

sonolência, enjoos, enxaquecas e refluxos podem afetar a rotina da grávida

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assim como podem interferir em sua autoestima e autoconfiança. Existem

mudanças sutis que operam silenciosamente no corpo e na mente da mulher e

podem determinar o vínculo positivo ou negativo com o bebê.

Conforme Duque (2006), a gravidez traz mudanças biológicas e afetivas

que provocam na mulher a necessidade de buscar recursos internos para

adaptar-se à nova situação. A mulher vê-se obrigada a assumir um projeto de

vida a longo prazo, o que transcende o período da gravidez. A mesma autora

refere ainda que, uma gravidez que surge numa fase de vida da mulher cuja

gravidez não é esperada ou que não estão presentes condições econômicas,

de saúde física e emocional a dinâmica do processo de aceitação da gestação

poderá ser afetada. É observado que o desejo de uma gravidez não é

obrigatoriamente equivalente ao desejo de ter um filho visto que, em momentos

históricos passados, o desejo da reprodução estava ligado à função sexual

numa perspectiva biológica, de manutenção da própria espécie. Somente no

decorrer da história, o desejo ligado ao afeto passou a existir e com ele os

sentimentos ambíguos de aceitação e rejeição do filho.

Quando ocorre a prevalência do sentimento negativo, mulheres grávidas

acabam por rejeitar o papel materno, não conseguem construir afeto pelo bebê

e abandonam o filho e com ele todas as expectativas impostas pela sociedade.

Badinter (1980) corrobora afirmando que o amor é um sentimento frágil

podendo desencadear ou não interesse e dedicação da mãe pelo filho.

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CAPÍTULO III

A MÃE QUE ABANDONA: DO CRIME A

CRIMINALIZAÇÃO

A sociedade acredita que toda mulher nasceu para ser mãe devido ao

processo de idealização do amor materno inato, não sendo aceito, na

atualidade, o abandono de um bebê por sua mãe. No entanto, estudos na área

da psicologia referem que os cuidados maternos para existirem deverão partir

de uma construção que começa a ser realizada mesmo antes do nascimento

do bebê. Winnicott (2001) nomea tal construção de vínculo mãe-bebê.

O fenômeno do abandono materno apresenta-se de duas maneiras, a

primeira refere-se ao abandono de criança em local inseguro, sem defesa e a

segunda quando os cuidados maternos são atribuídos a outro. Ambos os casos

apontam para o crime e para a criminalização relacionados à mãe.

Conforme Zaffaroni (2004) condutas reprováveis pela sociedade foram

punidas das mais diferentes formas. Devido a um processo dinâmico a

realidade social todos os dias passa por avaliações e são pautas de discussões

formais e informais. As normas de uma sociedade sofrem alterações e

fenômenos aceitos no passado ganham importância e crítica social, como no

caso do abandono praticado por mães.

Toda sociedade apresenta-se através de uma estrutura e para ela

funcionar há o controle social da conduta dos homens. Zaffaroni (2004) cita que

este controle divide-se em formal e informal onde o primeiro é regido pela

polícia, justiça entre outros e o segundo pela família, opinião pública e religião.

As instâncias formais dão origem a sanções legais e vigoram como crimes na

estrutura social já as instâncias informais condicionarão o indivíduo através dos

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cessos de criminalização tão estigmatizantes quanto o apresentado pelo

controle formal.

Bastos (2007) faz referência à estrutura jurídica do crime de abandono

previsto no artigo 133 do Código Penal que cita: “Abandonar pessoa que está

sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo,

incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono” (Nucci, 2011),

neste sentido, torna-se importante observar e compreender o contexto que

ocorre o abandono e se ele configura ou não um crime.

A sociedade tende a ir em busca dos indivíduos criminalizáveis,

buscando fatos identificáveis como crime e àqueles que não conseguem

escapar da condenação social. Zaffaroni (2004) refere que o controle é seletivo

e atinge determinada camada da população, sendo este o caso das mulheres

que rejeitam seus filhos. O abandono materno parece ser sempre avaliado

como crime pela sociedade, mesmo quando a criança não está em situação de

risco pois, convencionou-se que a mulher que gera deverá ser a cuidadora de

seu bebê, tendo ou não condições emocionais para isso. O fenômeno do

abandono na atualidade é uma conduta repudiada pela sociedade, a qual

considera um crime a mãe que não cuida do seu filho. (Zaffaroni, 2004).

Para tanto, no Brasil, vigora a lei 12.010 que dispõe no Estatuto da

Criança e do Adolescente (2009) referindo que toda mulher pode entregar seu

filho para adoção, sem que seja incriminada por esse ato. No entanto, por

ignorância ou por medo do meio social, muitas mães assustadas com a

condenação, decidem abandonar seus filhos de forma clandestina.

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CONCLUSÃO

Chegar à conclusão deste trabalho de pesquisa não implica defender o

fenômeno do abandono. O tema é amplo, complexo e mobiliza a sociedade

que muitas vezes criminaliza a mulher que não consegue dar conta do papel de

mãe.

Embora, na atualidade, tenhamos muitas notícias veiculadas na mídia, o

abandono de crianças é tema presente ao longo da história e expressa valores

culturais. A ausência do vínculo mãe-bebê é observada com frequência nos

estudos históricos onde questões econômicas e de dimensão afetiva podem

favorecer a dificuldade da produção e manutenção do vínculo.

A mulher que decide não cuidar do seu filho recebe condenação popular

mesmo quando não coloca em risco a criança. É comum a sociedade

criminalizar o ato de não cuidar estigmatizando a mãe, vitimizando o filho e

enaltecendo o papel de quem adota.

Este trabalho propiciou uma grande reflexão acerca da necessidade da

construção do vínculo mãe-bebê para o não abandono materno, da mesma

forma que permitiu observar a carência de arcabouço teórico para realizar com

qualidade o presente estudo científico. Embora tenhamos necessidade de

compreender o fenômeno do abandono materno, evidencia-se pela falta de

material, total preconceito envolvendo o tema.

Conclui-se, portanto, que existem fenômenos histórico-sociais que

determinam o vínculo entre mãe e filho, situações vivenciadas ao longo da

gestação, no parto ou no período pós-natal que podem dar origem ao

fenômeno do abandono.

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O ato de abandonar a criança dando espaço para que outro assuma os

cuidados maternos não é crime. Perceber que a ignorância social, que condena

a mulher incapaz de exercer o papel materno, pode levar a mãe assustada a

cometer o abandono deixando a criança em situação de risco. O tema deste

estudo deverá ser observado e problematizado visto que vivemos em uma

sociedade que expõe a caridade e os atos benevolentes de quem assume uma

criança em adoção.

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BIBLIOGRAFIA

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dogmática penal. 2007. Disponível em: http://jus.com.br. Acesso em:

29/05/2012.

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http://www.fiocruz.br/redeblh/media/livrodigital%20(pdf)%20(rev).pdf. Acesso

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http://pt.scribd.com. Acesso em: 01/07/2012.

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NUCCI, G. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

O ABANDONO AO LONGO DA HISTÓRIA 09

1.1 - O Brasil e o abandono 11

CAPÍTULO II

AMOR MATERNO INATO – O MITO 14

CAPÍTULO III

A MÃE QUE ABANDONA 16

CONCLUSÃO 18

BIBLIOGRAFIA 20

ÍNDICE 22

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FOLHA DE AVALIAÇÃO