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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “ LATO SENSU “ PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL JORGE LUIZ DA SILVA PEREIRA Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “ LATO SENSU “

PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL

JORGE LUIZ DA SILVA PEREIRA

Rio de Janeiro

2008

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PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação¨lato sensu ¨da Universidade Cândido Mendes Instituto a Vez do Mestre campus,Carmo como requisito parcial para obtenção de Pos Graduação Direito e ProcessoPenal .

Orientadora: Professora. Valesca Rodrigues.

Rio de Janeiro

2008

JORGE LUIZ DA SILVA PEREIRA

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PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL

Professora.Valesca Rodrigues . – Orientadora

Universidade Candido Mendes

Rio de Janeiro

2008

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SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................. 6

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 7

I – NOÇÕES PRELIMINARES................................................................................... 9

1.1 Relação do Direito Processual Penal com outros Ramos do Direito................ 11

II – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PROCESSO PENAL................................ 14

2.1 A Evolução do Processo Penal na Grécia......................................................... 14

2.2 A Evolução do Processo Penal em Roma......................................................... 16

2.3 A Evolução do Processo Penal entre os Germânicos....................................... 19

2.4 A Evolução Penal Canônico............................................................................. 20

2.5 O Sistema Inquisitivo nas Legislações Laicas.................................................. 21

2.6 As Inovações após a Revolução Francesa........................................................ 25

III – AS ESPÉCIES DE PRINCÍPIOS........................................................................ 27

3.1 Princípio da Verdade Real................................................................................ 27

3.2 Princípio da Legalidade.................................................................................... 29

3.3 Princípio da Oficialidade.................................................................................. 31

3.4 Princípio da Indisponibilidade do Processo...................................................... 34

3.5 Princípio da Publicidade................................................................................... 38

3.6 Princípio do Contraditório................................................................................ 40

3.7 Princípio da Iniciativa das Partes...................................................................... 43

5

3.8 Ne eat judex ultra petita partium..................................................................... 44

3.9 Identidade Física do Magistrado....................................................................... 45

3.10 Princípio do Devido Processo Legal............................................................... 46

3.11 Princípio da Inadmissibilidade das Provas Obtidas por meios Ilícitos........... 48

3.12 Princípio da Inocência.................................................................................... 49

3.13 Princípio do Favor Rei.................................................................................... 52

IV – SISTEMAS DO PROCESSO PENAL................................................................... 54

4.1 Sistema Acusatório........................................................................................... 54

4.2 Sistema Inquisitório.......................................................................................... 56

4.3 Sistema Misto................................................................................................... 58

4.4 Sistema do Processo Penal Brasileiro............................................................... 61

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 63

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 64

6

RESUMO

Esse trabalho tem a finalidade examinar os princípios constitucionais inerentes ao processo penal, verificando como estes limitam o poder punitivo do Estado, dentro da perspectiva da Constituição Federal como norma de controle e de validade para o diploma legal. Numa primeira abordagem será analisada a importância desses princípios no ordenamento jurídico brasileiro, posto que a Constituição Federal deve ser o ponto inicial para as demandas civis, penais e processuais, sendo analisados os princípios mais importantes do processo penal. Apresentando posteriormente, a análise dos sistemas utilizados no processo penal, fazendo sempre uma interpretação à luz da Carta Constitucional, e da orientação fornecida por ela ao processo penal.

7

INTRODUÇÃO

Para uma adequada aplicação do Direito, bem como para a constituição da norma

no processo, em especial, o intérprete não pode se abster de uma visão exordial, baseada,

principalmente, na Constituição.

Expressamente, como norma fundamental do esqueleto jurídico, a Constituição

deve ser o ponto de partida esclarecedor, isto é, interpretativo, seja nas lides civis, seja nas

demandas penais.

Desta forma, este trabalho tem o objetivo, inicial, de analisar os princípios

constitucionais que aplicam-se ao processo penal, para, com isso, centrar atenção nas

diretrizes específicas desse ramo processual, que finca suas raízes no solo constitucional.

Não se deixará, contudo, de examinar os sistemas utilizados no processo penal,

principalmente o sistema processual pátrio.

Os Capítulos I, II e III, expõe todas as suas limitações, é deveras importante, bem

como as fontes primárias das normas, os princípios, axiomas e postulados são propostas

não deduzidas de nenhuma outra dentro do sistema; são, por isso, a própria essência do

Direito; são o Direito essencial ou primordial. Por isso qualquer estudo correto de uma

disciplina jurídica deve iniciar-se por eles.

Por fim o Capítulo IV, falar-se-á sobre os novos princípios no sistema, pois uma

nova lei fundamental reclama novos padrões e soluções. E por isso também, desde 1988,

exige-se um novo processo penal, pela atualização e eliminação de modelos arcaicos,

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positivados há cinqüenta anos, ou ao menos por uma nova forma de aplicar a lei processual

penal, com mais atenção à pessoa humana e à efetiva harmonização social.

9

CAPÍTULO I – NOÇÕES PRELIMINARES

Quando conseguimos fazer com que a sociedade se organize, tendo por base o

sentimento de solidariedade que liga os cidadãos que vivem em determinado território,

constitui-se em Nação que organiza e utiliza o Estado para alcançar seus objetivos. Como o

Estado revela os estudos do Direito Constitucional, tem dois fins a ser cumpridos, o de criar

e manter a Ordem e o de realizar o Bem-Comum, que desde o princípio João XXIII

conceituou como sendo a realização dos requisitos mínimos para que o homem tenha

resguardadas suas características primordiais, tais como, sua liberdade e dignidade, ou seja,

atributos inerentes ao ser humano.

O Direito, por representar a essência da Ordem, constitui por isto, um conjunto

com duas fundamentais funções a de criação e a de manutenção da Ordem, e através desta,

a de beneficiar e garantir a realização do Bem-Comum.

A função de instituir a Ordem, o Estado desempenha através do Poder Legislativo,

bem como a função de manutenção da Ordem é da economia dos Poderes Administrativos e

Jurisdicionais. Pois, a função jurisdição nasce quando, dentre a sociedade, criam-se os

conflitos de interesse por violação das normas, por meio dos quais a Ordem Jurídica imputa

direitos e estabelece obrigações.

A criação, manutenção, modificação e a extinção dos direitos, poderes, deveres e

obrigações, se constituem através de normas que, formam o chamado Direito Substantivo.

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Essas normas, quando violadas, exigem do Estado uma atitude imediata para o

resguardo da sua observância (ou de medidas preventivas para evitar sua inobservância para

aqueles que se encontre submetidos ao seu controle), o que se cumpre por meio da função

administrativa, ou então, se insuficientes ou ineficazes aquelas, a de fixar a observância da

norma substantiva, editando o Estado norma concreta obrigatória para as partes em conflito

e, dessa forma dissolvendo o conflito é restabelecida a Ordem.

Para o exercício da função jurisdicional dependem, o Estado e a sociedade, de

outra classe de normas que, em seu conjunto, compõem o chamado Direito Processual.

Fernando Tourinho nos seus ensinamentos diz que,

“O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não representam senão postulados fundamentais, da política processual penal do Estado, e que informam o conteúdo das normas que regem o processo em seu conjunto, dizendo a respeito, pois, ao seu conteúdo material, aos poderes jurídicos de seus sujeitos e à sua finalidade imediata”.

O estudo dos variados princípios e sistemas de processo penal, que não são

universais e passam pelos séculos de maneira cíclica é de incontestável importância,

permite fazer uma comparação lógica entre as ideologias dos estados e ainda, mensurar o

grau de liberdade de cada individual dentro de um país em um determinado período.

Sua classificação representa uma angústia para alguns processualistas. Podemos

destacar que, dentre os princípios e normas pesquisadas nas diferentes classificações, tem

maior relevância o princípio da verdade real, o da indisponibilidade do processo, o da

legalidade ou obrigatoriedade, o princípio da oficialidade, do contraditório, da publicidade

e por fim, da iniciativa das partes. Mas, não podemos deixar de citar os seguintes

princípios, do qual também falaremos nos capítulos seguintes, Ne eat judex ultra petita

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partium, Identidade física do Juiz, princípio do devido processo legal, da inadmissibilidade

das provas obtidas por meios ilícitos, da inocência e princípio do favor rei.

1.1 RELAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL COM OUTROS RAMOS DO DIREITO

É impossível a criação de um ordenamento jurídico em que diversos ramos do

Direito que o compõem se contradizem, ou seja, o ordenamento deve apresentar-se de

maneira única.

Tourinho preceitua que, “Ora, sendo o Direito Processual Penal parte desse

ordenamento, vive em íntima comunicação com os demais ramos do Direito”.

Existem íntimas relações entre o Direito Processual Penal e o Direito

Constitucional, visto que é este que determina e expõe os princípios que servem de base à

jurisdição penal. O direito de ação, no sentido abstrato, genérico e indeterminado, como

garantia constitucional, é estabelecido no texto constitucional, cumprindo ao legislador

ordinário disciplinar-lhe o exercício.

O Direito Processual Penal prescreve as normas segundo as quais deve o Direito

Penal atuar. Em razão de ser tão interligadas, elas ficaram por muito tempo disciplinadas

formando um só conjunto, chegando a ponto de dizer que o Direito Processual Penal era um

ramo, um anexo do Direito Penal. Hodiernamente, ainda existem institutos como os da

ação, suspensão condicional da pena, livramento condicional, que são regulados pelos dois

institutos.

Fernando Tourinho cita uma frase de Lucchinni, onde ele diz que o Direito é a

substância, e o processo é a forma, ou seja, o Direito é a força em potência e o processo é a

força ato. Graças ao processo, podemos dizer que o Direito passa e pode passar do abstrato

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ao concreto, da idéia à realidade.

Vale dizer que é o Direito Processual Penal que da dinâmica ao Direito Penal. São

tão estreitas as relações entre ambos, que não se imagina e existência do Direito Processual

Penal sem que haja um Direito Penal. É através do processo que o jus puniendi alcança sua

magnífica força. No Estado de Direito, não podemos conceber a aplicação da pena senão

por meio de regular processo. O processo tem o intuito de regular o exercício da ação.

O Direito Processual Penal também interage com o Direito Civil, principalmente

nos atos o qual a prova é estipulada pela lei civil, como por exemplo, na reparação do dano

ex delicto, no instituto da capacidade, nas questões prejudiciais civis e dentre outras. Em

muita das vezes, uma infração penal pode depender da solução de uma relação de Direito

Civil. Podemos expor o caso de crimes contra o patrimônio, em que pode ser provocada

discussão sobre a propriedade da coisa, ou seja, se o indivíduo prova que a coisa era própria

e não alheia, desaparece a conduta ilícita.

Já no Direito Administrativo, diversas são as relações entre o Direito Processual

Penal. Concilia-se com o Direito Administrativo, no que respeita à organização judiciária,

às atividades administrativas dos órgãos jurisdicionais e no que refere-se à Polícia

Judiciária. Existem ainda alguns autores, como é o caso de Manzini, que defende que as

medidas de segurança previstas no Código Penal, são disposições administrativas e não

penais e, no entanto, possuem caráter especialmente administrativo as correspondentes

regras formais contidas no CPP. Devemos ainda considerar, que o Direito, conforme o qual

cumprem as penas, é, em parte, indispensavelmente administrativo.

Mesmo depois de citarmos todos os outros diplomas legais, não poderíamos

esquecer do Direito Processual Civil, onde importantes relações se constituem entre o

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Direito Processual Penal e o Direito Processual Civil. Merecedor de nota as influências

recíprocas das ações e sentenças penais e civis.

Vale destacar que se a vítima pretender, no juízo cível, obter ressarcimento do

dano originário de crime, no caso de também ser proposta a ação penal, deverá o

magistrado da vara cível impedir o prosseguimento da ação, até que se julgue em

totalmente por aquela, para que assim se evite o antagonismo de julgados. Na área das

prejudicialidades, observam-se, estreitos laços entre os dois ramos do Direito, quando

tratamos do Processo Penal, se levanta uma questão prejudicial que diga respeito ao estado

das pessoas, o Juiz penal decidi pela suspensão do processo e fica aguardando a solução

oferecida pelo Juízo cível à questão que, ratione materiae, é da sua competência. Destaca-se

ainda, a enorme afinidade que existe entre ambos, pelo simples fato de se terem surgido de

um único tronco, o Direito Processual, e, a certa altura, se desdobrado.

Por essas e outras razões, vários institutos são comuns aos dois ramos do processo.

O Direito Comercial relaciona-se com o Processo Penal no campo da falência. A

nova Lei de Falências é bastante incisiva, pois, além de fixar determinadas figuras delituais,

fixa normas pertinentes à fase preparatória da ação penal, bem como defini regras

pertinentes à propositura da ação, prazos etc.

O Direito Processual Penal tem inúmeros contatos com o Direito Internacional. As

regras do Direito Internacional, os tratados, as convenções, o instituto das rogatórias, a

matéria atinente à extradição, aquela referente às imunidades diplomáticas dentre outros,

são assuntos que estreitam os laços entre esses dois ramos do Direito.

E para finalizar, existem ainda, as Ciências Auxiliares, que são todas aquelas que

servem aos fins do Direito Processual Penal.

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CAPÍTULO II – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PROCESSO PENAL

2.1 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO PENAL NA GRÉCIA

Os habitantes de Atenas, como os romanos, faziam separação entre os crimes

públicos e os crimes privados. Os primeiros prejudicavam a sociedade, e, em razão disso,

sua repressão não podia ficar à mercê do ofendido, quanto aos romanos, o dano produzido

era de menor valor para o Estado, e , assim, a repressão dependia da exclusiva iniciativa da

parte. Entre os atenienses, o Processo Penal se caracterizava através da participação direta

dos cidadãos no exercício da acusação e da jurisdição, bem como pela oralidade e

publicidade dos debates. Alguns dos delitos graves que atentavam contra a própria cidade

eram denunciados perante a Assembléia do Povo, ou diante do Senado, pelos Tesmotetas, e

a Assembléia ou Senado indicava o cidadão que deveria realizar a acusação.

Passada a acusação, as provas e prestado o juramento, o Arconte (magistrado da

Grécia Antiga) instaurava a prelibação da seriedade da acusação e designava o Tribunal

competente, convocando as pessoas que deveriam constituí-lo.

No dia do julgamento, falava-se primeiro o julgador, inclusive inquirindo suas

testemunhas e logo em seguida a defesa.

Já os Juízes, se colocava puramente na posição passiva de árbitros de uma luta leal

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entre as partes, pois afinal, votavam sem deliberar. Concluía-se a decisão pela maioria dos

votos, e no caso de empate, o acusado era absolvido.

A Assembléia do Povo, que se reunia, especialmente, para julgar os crimes

políticos mais graves, considerava os tribunais atenienses os mais importantes, da época.

O Areópago, o mais notável tribunal ateniense, era competente para julgar os

homicídios premeditados, incêndios, traição, enfim, todos os crimes a que se impunha pena

capital.

O julgamento impressionava muito, pois o tribunal se reunia ao cair do sol, as

partes não podiam se afastar da matéria de fato e a votação era secreta. Existia também, o

tribunal Éfatas, que era composto por cinqüenta juízes, dentre os membros do Senado, e

cuja competência se restringia aos homicídios involuntários e premeditados. Já a jurisdição

comum, era exercida pelo Tribunal dos Heliastas, algumas vezes chegavam a funcionar no

mesmo julgamento até 6.000 magistrados. Eles acreditavam que muitas cabeças iriam

assegurar uma melhor justiça, ou ainda à explicação esteja na cobiça de três óbolos

(pequena moeda grega) que o Estado destinava a cada um dos Juízes, por crime que

julgavam.

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2.2 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO PENAL EM ROMA

Conforme já fora mencionado, os romanos, diferenciava os delicta publica dos

delicta privata e, por isso mesmo, deu-se origem ao Processo Penal Privado e ao Processo

Penal Público. No primeiro, o Estado admitia o papel de simples árbitro com o intuito de

resolver o litígio entre as partes. O Juiz limitava-se a analisar as provas apresentadas pelas

partes e emitia a sentença. Já no Público, o Estado atuava como sujeito de um poder público

de repressão; com o passar dos anos, o Processo Penal Privado foi inutilizado quase que

absolutamente.

Em Roma, o Processo Penal Público, passou por fases interessantes. No início da

monarquia não existia nenhuma limitação ao poder de julgar. Bastava a notitia criminis

para que o próprio Juiz se pusesse em campo, a fim de executar as necessárias

investigações. A essa fase preliminar damos o nome de inquisitio. A partir das

investigações, o Juiz fixa a pena. Prescindia-se da acusação. Não era dado nenhum tipo de

garantia ao acusado. Não existiam limites ao arbítrio dos Juízes, “y la defensa se ejerce em

la medida que el magistrado tiene a bien concederla”. Era o que chamávamos de processo

Cognitio.

No intuito de regular o arbítrio do Magistrado, deu-se origem a provocatio ad

populum, com intenso colorido de apelação, concedida pela “Lex Valeria de

Provocatione”. O Apenado tinha a opção de recorrer da decisão para o povo reunido em

comício. O Juiz que proferira a condenação, fundamentado nas provas coligidas durante a

inquisitio, devia apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão.

Vale ressaltar que o provocatio ad populum, não adiantava muita coisas, porém

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somente os civis romanus podiam usufruir tal remédio.

Surgiu uma nova forma de procedimento, no último século da República, a

accusatio, quer dizer, qualquer cidadão tinha o direito de acusar, salvo os Juízes, as

mulheres, os menores e as pessoas “que por seus antecedentes não oferecessem garantias de

honorabilidade”.

Iniciava-se o processo com a postulatio dirigida pelo acusador ao quaesitor, aquele

que decidia se o fato alegado constituía ou não crime e se não existia nenhum obstáculo

para que a demanda fosse admitida. Uma vez aceita a postulatio, dava-se a inscriptio, isto

é, inscrevia-se a postulatio no registro do Tribunal, e sendo inscrita, não podia o acusador

desistir e, ao mesmo tempo, nascia para ele o direito de proceder às investigações

necessárias para apresentar em juízo a acusação. Pois, a acusação, devia acompanhar a

causa desde a postulatio até a sentença final “perseveraturum se incrimine usque ad

sententiam”. A tergiversação (rodeio) era punida com multa, ficando ainda o tergiversador

vedado de proceder a outras acusações. Caso apresentasse acontecimentos falsos, incorreria

no crime de calúnia logo seria punido.

Vale destacar, que a administração da justiça ficava a cargo de um tribunal popular

composto de judices jurati, a princípio eleitos dentre os senadores (patres conscripti) e,

depois, dentre os cidadãos, analisadas suas condições “morais, econômicas e sociais”.

No caso de existis diversos acusadores contra o mesmo réu e mesmo crime, dava-

se lugar a divinatio, ou seja, decidia-se qual dos postulantes deveria ser acusado.

Com o passar do tempo, admitiu-se a possibilidade da acusação ficar sob a

responsabilidade de vários cidadãos. O acusador tinha o prazo de 3 horas disponíveis para

apresentar a procedência da acusação; igual prazo também era conferido à defesa.

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O Tribunal era presidido pelo quaesitor, que se restringia em manter a ordem e a

lavrar a sentença, que era ditada pelos judices jurati. Existia réplica e tréplica. No início, a

votação era realizada oralmente, e depois, passou a ser secreta. Cada judex recebia uma

tábua sobre a qual escrevia a letra A (absolvo), ou a letra C (condemno) ou, ainda, as letras

N.L. non liquet (abstenho-me). A decisão era tomada por maioria absoluta. Esse assunto é

um pouco controverso, pois há quem diga que havia necessidade de maioria absoluta, e

aqueles que entendem que bastava uma simples maioria.

Caso ocorresse maioria de tábuas contendo as iniciais N.L., dava-se a ampliatio:

os debates eram repetidos e se procedia a uma nova votação. No caso de empate, o acusado

era absolvido.

Na época do Império, com o passar do tempo, a accusatio foi abrindo espaço para

outra forma de procedimentos a Cognitio Extra Ordinem. Pois, conforme ensina Manzini,

os poderes do Juiz foram invadindo o setor das atribuições já reservadas ao acusador

privado, a tal ponto, que em determinado tempo, reunia-se no mesmo órgão do Estrado as

funções que nos atuais dias competem ao Ministério Público e ao Magistrado.

Com o advento do novo procedimento, procurou-se evitar aquela degeneração

(corrupção). Instaurava-se uma inquisição preliminar, e havia, à semelhança da nossa

Polícia Judiciária, funcionários incumbidos de procederem a tais investigações

preliminares. Eram os curiosi, os irenarchae, os nuntiatores, os stationarii, os digiti duri. É

necessário ressaltar, que depois o Juiz atuava ex officio, ou seja, sem atender nem à

acusação nem à denúncia, procedimento que se tornou regra geral.

Tanto o acusador quanto o julgador estavam ligados numa só pessoa. O

julgamento não mais ficava afeto aos judices jurati, mas a um Juiz, o praefectus urbis ou o

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praefectus vigilum.

Neste novo procedimento, a apelação era dirigida pelo Imperador, appelatio ad

principem. Posteriormente o recurso passou a ser direcionados a Juízes Superiores, “Y el

Emperador no conoce más que de la apalación interpuesta contra los fallos de los judices

ilustres”.

Por fim, o processo da cognitio extra ordinem faz introduzir, entre os romanos, a

tortura, para que assim se obtenham as confissões. No início, torturava-se o réu, mas

depois, não só o réu como também as testemunhas para que falassem somente a verdade.

2.3 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO PENAL ENTRE OS GERMÂNICOS

A diferença entre crimes públicos e crimes privados, também, ocorreu entre os

germânicos. Conforme já fora mencionado, para os primeiros, a justiça era administrada

por uma assembléia presidida pelo rei, príncipe, duque ou conde. A confissão possuía um

valor extraordinário. Se o apenado confessasse seu crime, seria condenado. Feita a

acusação, era o réu citado para comparecer perante a Assembléia. O ônus da prova, era

incumbência do réu e não do autor, que devia comprovar sua inocência, sob pena de ser

condenado.

As primordiais provas eram os ordálios (prova judiciária sem combate), ou Juízes

Divinos, e o juramento. O apenado jurava não ter praticado o crime do qual era processado,

e tal juramento poderia ser fortalecido pelos Juízes, os quais declaravam sob juramento que

o acusado incapaz de afirmar qualquer falsidade. Essa prova era baseada na crença,

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conhecendo o passado, pode castigar aquele que jura por falsidade.

Segundo alguns doutrinadores, em especial Manzini, quanto ao Juízo Divino, não

era propriamente um prova, porém uma devolução da decisão sobre a controvérsia, sua

prática foi muito propagada. Em conformidade com as pessoas, realizava-se, como Juízo

Divino, que dizer, o duelo judicial, no caso do acusado vencer, seria absolvido, pois era

considerado inocente. Depois existiram outros juízos, posteriormente chamados de

purgationes vulgares, como o dá “água fria” e o da “água fervente”. O primeiro baseava-se

em arremessar o acusado à água , se submergisse, era considerado inocente, caso

permanecesse à superfície, era culpado. Já o outro constituía-se em fazer o condenado

colocar o braço dentro da água fervente e, se, ao retirá-lo, não houvesse sofrido lesão

alguma, era tido como inocente.

Após Roma ser invadida pelos germânicos, eles levaram consigo todos os seus

costumes, manifestando-se, dessa forma, entre os romanos, um misto processo, formado de

princípios germânicos e romanos.

2.4 A EVOLUÇÃO PENAL CANÔNICO

A influência eclesiástica, doutrina Mariconde, aparece primeiramente como objeto

de defesa para os interesses da Igreja, bem como subtrair os clérigos (sacerdote cristão) da

jurisdição secular. Até o século XII, o processo era do tipo acusatório, não existia juízo sem

acusação. O acusador devia apresentar aos Bispos, Arcebispos ou Oficiais encarregados de

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exercerem a função jurisdicional a acusação por escrito e oferecer as respectivas provas. A

calúnia era punia, e não podia processar o acusado ausente.

A partir do século XIII em diante, não utilizava-se mais o sistema acusatório,

estabeleceu-se o “sistema inquisitivo”. Ainda que Inocêncio III elegeu o princípio de que

Tribus modis processi possit: per accusationem, per denuntiationem et per inquisitionem, o

certo é que só as denúncias anônimas e a inquisição se generalizaram, elevando-se o

processo inquisitivo, per inquisitionem, em tornar-se comum.

A acusação foi extinta dos crimes de ação pública. A publicidade do processo

também foi extinta. O magistrado procedia ex officio e em segredo, os depoimentos do rol

de testemunhas eram tomados secretamente. O interrogatório do imputado era antecedido

ou seguido de torturas. A tortura foi regulamentada, deve cessar quando o acusado

expressar a vontade de se confessar. Caso confesse durante os tormentos e, para que a

confissão seja considerada válida, deve ser confirmada no dia seguinte.

Baseados no interesse superior de defender a fé, estimulava-se a indignidade e a

covardia.

Não era dada nenhuma garantia ao acusado. Uma simples denúncia anônima era

suficiente para dar início ao processo. A defesa não era permitida, pois era alegado que esta

poderia criar obstáculos no descobrimento da verdade.

2.5 O SISTEMA INQUISITIVO NAS LEGISLAÇÕES LAICAS

O sistema inquisitivo, que fora estabelecido pelos canonistas, pouco a pouco

dominava as legislações laicas da Europa Continental, transformando-se me verdadeiro

objeto de denominação política.

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Os processos per denuntiationem em per inquisitionem, na Itália, desenvolveram-

se de uma forma, que até hoje, alguns autores dizem que, podem ser vistas no Palácio

Ducal de Veneza “as bocas da verdade”, destinadas a receber as denúncias secretas. Este

processo, iniciado por informações anônimas, foi caindo em desuso, e já, no século XVI,

Farinácio expôs que processus per viam secreti denuntiatores improbatus est a jure... Male

faciunt judices et notarii recipientes istas notificationes...(o processo iniciado por

denúncias secretas é reprovado pelo direito... agem mal os Juízes e notários que recebem

tais comunicações).

O Código chamado Libro de las Leyes, mais conhecido como Las Siete Partidas,

foi o que teve vigência na Espanha.

O sistema inquisitivo vigorou-se, na Alemanha, no final do século XV, por

diversas leis, destacando-se a Lei Imperial de 1.503, mais conhecida como Constitutio

Criminalis Carolina. Foi ao extremo no Tribunal da Santa Punição (Vehmgericht), criado

para perseguir os delitos contra a religião, a paz pública e a honra. O lugar e forma do

processo eram secretos. Os Juízes, o acusador e até mesmo a sentença não eram

conhecidos.

O sistema inquisitivo também foi adotado, na França, a defesa era proibida. O

processo corria em segredo, eles diziam-se que se o imputado era inocente, não precisava

de defensor, e, se, o culpado, não era digno de defesa, o processo iniciava-se de ofício. O

acusador e o julgador eram a mesma pessoa. Pois, torturava-se o imputado para conseguir-

lhe à confissão.

Durante o reinado de Luiz XIV, em 1.670, em virtude da iniciativa de Colbert,

surgiu a grande Ordonnance sur la procédure criminelle (a mais perfeita expressão técnica

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do sistema inquisitivo). O processo Penal de que tratava a Ordonnance de Luiz XIV era

altamente inquisitivo. Ele era escrito, secreto e não-contraditório.

Era composto de três fases: a primeira, que era a faz das informações, a segunda,

que era a da instrução preparatória, e por último, a fase do julgamento. A fase das

informações, restringia-se somente as averiguações, à colheita de provas. Estas

averiguações eram realizadas em segredo.

Esta fase era dirigida por um Magistrado, que não época era conhecido como

lieutenant criminel dubailliage. Já acusador ou era o Procureur du roi ou o próprio

Magistrado. Dava-se continuidade a fase de instrução, que era dirigida pelo mesmo

Magistrado. O interrogatório do acusado era realizado em segredo e sempre antecedido de

um juramento. O acusado, até o presente momento, desconhecia as provas contra si

apuradas. Nesta fase de instrução, o Juiz, se o crime lhe parecesse pouco grave, fazia

prosseguir o processo segundo as normas do Processo Civil. Caso fosse grave, tinha lugar o

processo extraordinário, isto é, a instrução tinha continuidade conforme os princípios do

processo inquisitivo.

À medida que o sistema inquisitivo dominava a Europa Continental, por meio de

seus processos secretos e com indispensáveis torturas, na Inglaterra, o processo era

considerado um fair trial, ou seja, entendia-se que o acusado deveria ser tratado como um

gentleman. Naquele clássico país do liberalismo, dominava a instituição do Júri, sendo que

a persecução ficava a cargo de qualquer do povo.

Existia o grande Júri e o pequeno Júri. Quando acontecia um crime, o acusador

solicitava do justice of peace uma ordem de detenção, ou de citação do imputado. Caso o

Juiz considerasse a acusação fundada séria, emitia um warrant contra o acusado. O caso era

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remetido à apreciação do grande Júri, que era composto de vinte e três membros. O grande

Júri ou Júri de acusação manifestava-se, tão somente, sobre a procedência da acusação. A

votação era tomada por maioria absoluta. No caso do grande Júri declarar procedente a

acusação, o imputado era levado à presença do Juiz presidente do pequeno Júri, que lhe

perguntava se considerava culpado ou inocente (guilty or not guilty). Após ter confessado o

crime, o Magistrado impunha-lhe a pena. Negado, reunia-se o pequeno Júri, constituído de

doze jurados. A matéria referente à prova era analisada, seguindo-se os debates.

Após a conclusão, o Juiz fazia o seu resumo, e os jurados se reuniam para proferir

o seu veredictum. Enquanto a Inglaterra continuava a cultuar suas instituições liberais, na

Europa continental surgia, no século XVIII, um movimento de combate ao sistema

inquisitivo. Montesquieu reprovava as torturas, elogiava a Instituição do Ministério

público, uma vez que fazia desaparecer os delatores. Beccaria anunciava que o direito de

punir nada mais senão o direito de defesa da sociedade e que, por isso mesmo, devia ser

exercido dentro dos limites da justiça e da utilidade. Voltaire, por sua vez, criticava a

Ordonnance de Luiz XIV. A lei, dizia, parece obrigar o juiz a se conduzir em frente ao

acusado mais como inimigo do que como Magistrado. Em Nápoles, extingui-se as torturas,

e, já por volta do ano de 1774, começou-se a exigir sentença motivada. Em Toscana as

denúncias secretas e as torturas eram proibidas. Na França, um édito (ordem judicial) de

1788 vedava as torturas, exigia sentença motivada e concedia ao acusado absolvido uma

reparação moral consistente na publicação da sentença.

25

2.6 AS INOVAÇÕES APÓS A REVOLUÇÃO FRANCESA

Logo após a maior revolução de que se tem memória, na França, foram adotadas

três ordens de jurisdições que correspondiam a três espécies de infrações: o tribunal

municipal para os delitos, o tribunal correcional para as contravenções, e o tribunal criminal

para os crimes.

O Júri foi introduzido para os crimes e, à maneira do Direito Inglês compunha-se

de duas etapas: o Júri de acusação e o Júri de julgamento. Na primeira etapa, que era a fase

de instrução, interrogava-se o condenado e tomavam-se os depoimentos das testemunhas. O

Júri de acusação era dirigido por um Magistrado, e oito cidadãos formavam o conselho. A

decisão era tomada pela maioria.

Com o advento do Código de Napoleão, em 1808. que teve sua vigência a partir de

janeiro de 1811, foi mantida a tripartição dos tribunais, quer dizer, os Tribunais

correcionais, que eram compostos de três Juízes e Corte de Apelação, julgavam os delitos

em primeira e segunda instâncias, os Tribunais de Polícia, as contravenções, e as Cours d’

Assises, formadas por cinco Juízes (um presidente e quatro assessores) e mais um jurado

popular para o julgamento dos crimes, salvo quando estes eram de rebelião, homicídio

praticado por bando armado, e, nesses casos, a competência era das cortes Especiais,

composta de cinco Magistrados e de três militares de alta graduação.

A ação penal sempre era pública e exercida pelo Ministério público. Ao ofendido

só era permitido o direito de propor a ação para o ressarcimento do dano.

26

O Processo Penal que acontece deis da revolução passa por alteração. Adota-se um

sistema misto, de inquisitivo e acusatório. Existiam três fases no processo o da Polícia

Judiciária, da instrução e do julgamento.

É necessário destacar que o sistema misto teve reflexos bem marcantes em quase

toda a Europa penetrando em todas as partes.

De 1930 pra cá, novas alterações surgiram. O liberalismo exerceu bastante

influência na França, por volta do ano de 1933, porém, a partir de 1935 em diante, operou-

se à volta ao sistema restaurando-se o caratê inquisitivo da instrução criminal. Na

atualidade, na Europa, em quase todas as legislações predomina, com maior ou menor

intensidade, o sistema misto.

Após tudo que estudamos sobre o desenvolvimento histórico do Processo Penal,

podemos afirmar que no decurso da História três sistemas ou tipos de processo

desenvolveram-se: o acusatório, o inquisitivo e o misto, cujas características analisarmos

mais à frente.

27

CAPÍTULO III – ESPÉCIES DE PRINCÍPIOS

Analisaremos as espécies mais importantes dos princípios que regem o direito

processual, todos são de suma importância ao processo penal.

3.1 PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

Este princípio indica ao julgador e às partes, em especial ao Ministério Público,

que se dedique ao processo para que assim se atinja a verdade real, no intuito de desvendá-

la, para determinar os fatos exatamente como aconteceram, a fim de permitir a correta e

justa resposta estatal.

Levando em consideração a doutrina mais moderna, não é possível alcançar a

verdade real. No máximo, obtém-se a verdade processual ou a verdade judicial, o que dá no

mesmo.

Vale observar é que não será possível reconstruir inteiramente o iter criminis,

porquanto parte dele se processa no mundo subjetivo, quer dizer, na mente do delinqüente,

sendo não alcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo mediante confissão.

O princípio da verdade real, que deve ser aplicado também ao processo civil, não

obstante a resistência da doutrina obriga:

28

a) à busca do verdadeiro autor da infração;

b) à punição desse pelo fato praticado, como praticado;

c) à exata delimitação da culpabilidade do agente.

Para atingir o que se almeja, permite-se, ao lado da iniciativa das partes, o impulso

oficial pelo magistrado e a produção de provas ex officio, faculdade que muitos criticam,

pois pode contaminar o ente de razão do juiz, levando-o ao pré-julgamento.

Desse princípio, sucede também a redução das faculdades dispositivas das partes,

quanto a prazos, procedimentos e formas, todos de ordem pública, bem como a drástica

limitação das ficções, transações e presunções, características peculiar ao processo civil,

porém quase que vedadas ao processo penal.

Em razão da verdade real, a confissão do réu, para muitos, tida como regina

probationum, passa a ser vista no processo penal como prova comum (art. 197 do CPP), "O

valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e

para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,

verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância".

E finalizando, o dispositivo esclarece que a confissão só será considerável se

estiver em conformidade com a verdade processual, extraída das outras provas colhidas na

instrução criminal, e desde que tenha sido obtida voluntariamente, sem coação.

Contudo, existem institutos processuais que impedem que se alcance a verdade

real. Portanto, são exceções a esse princípio:

a) a impossibilidade de rescisão de absolvição indevida

(res judicata pro veritate habetur), ou seja, não é

possível a revisão criminal pro societate;

29

b) a perempção, que extingue o processo, na ação penal

privada, em razão da contumácia ou da simples inércia

do querelante;

c) o perdão do ofendido na ação penal privada, como

forma de extinguir o processo, impedindo a declaração

da verdade real.

3.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Este princípio, dotado de evidente interesse processual, não se encontra apenas no

art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, onde se anuncia que "ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Este artigo está também, como conseqüência, no art. 22, inciso I, da mesma

Constituição, que estabelece que compete privativamente à União legislar sobre direito

processual, o que invalida, de pronto, qualquer iniciativa dos Estados-membros, do Distrito

Federal e dos Municípios de dispor sobre a matéria, com exceção, para os dois primeiros

entes, no tocante a procedimentos (art. 24, inciso XI, CF).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão afirmava já em 1789 que

"Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de

acordo com as formas por estas prescritas", garantia que confere relevante importância ao

Poder Legislativo, órgão de onde derivam as leis stricto sensu.

Claramente, na lacuna (ausência) de lei nenhum indivíduo submete-se à vontade

30

do Estado. Processualmente, para que ocorra a sujeição do acusado às regras

procedimentais e às restrições próprias do processo penal, exige-se um plus, que a lei tenha

sido produzida pelo ente competente, que, neste caso, é a União Federal e que se trate de lei

formal e lei material.

Dessa forma, justifica-se porque os códigos de processo são difundidos por lei

federal, de âmbito nacional, diferentemente do que ocorria outrora, no regime

constitucional de 1891, em que o processo era estadualizado, ou seja, por estado. A

unificação aconteceu com o Código de Processo Penal em 3 de outubro de 1941.

Na esfera penal-processual, o princípio da legalidade encontra amparo também no

art. 5º, XXXIX, da Carta Federal. Talvez essa seja a mais importante faceta da idéia de

legalidade no campo penal, a que reproduz o brocardo nullum crimen, nulla pœna sine

prævia lege, que acaba por conduzir à irretroatividade da lei penal gravior (inciso XL).

É válido ressaltar, que no processo penal vige a regra tempus regit actum ou

princípio do efeito imediato (art. 2º, CPP), segundo o qual os atos processuais praticados na

forma da lei anterior são válidos, passando os atos futuros à esfera jurídica da lei processual

nova. Conseqüentemente, embora se deva atender ao critério de legalidade, não há o que se

falar em irretroatividade da lei processual penal.

Ainda assim, nos casos de normas mistas, penais e processuais, o instituto

processual não poderá ser aplicado de pronto, para os processos em curso, pois isso

significaria também a retroatividade da norma estritamente penal, o que é vedado pelo

ordenamento quando a norma for desfavorável ao réu. Nesse caso teríamos então a ultra-

atividade da lei processual anterior.

31

3.3 PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE

A função penal de índole eminentemente pública, a pretensão punitiva do Estado

deve ser feita valer por um órgão público, dando origem ao processo de ofício. Destaca-se,

que o princípio da oficialidade consiste nisto, ou seja, os órgão encarregados da persecutio

criminis são os órgãos do Estado. São dois os órgãos: a Autoridade Policial responsável

pela instauração do inquérito policial; e o Ministério Público responsável em promover a

ação penal.

Intimamente relacionada com os princípios da legalidade e da obrigatoriedade, as

regras da oficialidade baseia-se no interesse público de defesa social.

Através da leitura do art. 5º, caput da Constituição Federal, compreende-se que a

segurança também é um direito individual, competindo ao Estado provê-la e assegurá-la

por meio de seus órgãos.

Daí serem criados por lei órgãos oficiais de persecução criminal, para investigação

dos delitos e processamento dos crimes, no sistema acusatório. A Declaração Francesa de

1789 já especificava, em seu art. 12, que "A garantia dos direitos do homem e do cidadão

necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não

para utilidade particular daqueles a quem é confiada".

O art. 144 da Constituição Federal organiza a segurança pública do Brasil, à

medida que o art. 4º do CPP determina as atribuições de Polícia Judiciária e o art. 129, I da

Constituição Federal especifica o munus do Ministério Público no tocante à ação penal

pública.

32

Este princípio sofre exceção, pois nos casos de ação penal privada, não é

promovida pelo órgão oficial, mas pelo próprio ofendido, quem legalmente o represente ou

qualquer uma das pessoas relacionadas no art. 31 do CPP.

As exceções ao princípio da oficialidade estão fixadas no art. 30 do CPP, para a

ação penal privada; e no art. 29 do mesmo código para a ação penal privada subsidiária da

pública.

Observe-se, todavia, que existe uma outra aparente exceção à oficialidade da ação

penal. Trata-se da ação penal popular, instituída no art. 14 da Lei 1.079/50, que trata dos

impropriamente chamados "crimes" de responsabilidade do Presidente da República.

Trata-se esta da lei especial a que alude o art. 85, § único da Constituição Federal.

Perceba-se que os delitos previstos na legislação de 1950, que foi recepcionada pela Carta

de 1988, não estabelecem sanção privativa de liberdade. A sanção é a perda do cargo com a

inabilitação para a função pública, na forma do art. 52, § único, da Constituição Federal c/c

o art. 2º da Lei 1079/50.

Está claro, portanto, que, embora chamadas de "crimes" de responsabilidade, as

infrações previstas na Lei 1079/50 e no art. 85 da Constituição Federal não são de fato

delitos criminais, mas sim infrações político-administrativas, que acarretam o impeachment

do Presidente da República.

Logo, não se pode falar na existência de ação penal popular, conforme o

entendimento de alguns comentaristas do art. 14 da Lei 1079/50.

De igual modo, não há ação penal popular (conquanto assim denominada) no art.

41-A da mesma Lei, para as ações "penais" por "crime" de responsabilidade previstos no

art. 10 da Lei 1.079/50. Esses delitos podem ser atribuídos ao Presidente do Supremo

33

Tribunal Federal, aos presidentes dos tribunais superiores, tribunais regionais e cortes de

contas, tribunais de justiça e de alçada, aos juízes diretores de fóruns, ao Procurador-Geral

da República, ao Advogado-Geral da União, aos membros do Ministério Público e da AGU

com função de dirigir as unidades regionais, entre outros.

A disposição merece a mesma crítica endereçada ao art. 14 da Lei 1.079/50. Os

crimes de responsabilidade previstos no art. 10 não são de fato "crimes", mas infrações

político-administrativas sancionadas com a perda do cargo. Assim, não havendo crimes

stricto sensu a punir, a via punitiva não será a da ação penal pública, iniciada por "denúncia

de qualquer do povo". A razão do óbice é evidente, pois se assim fosse estaríamos diante de

uma violação ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal, que confere ao Ministério

Público a privatividade da ação penal pública. Ora, lei ordinária não pode ferir essa regra,

senão será marcada com o labéu de inconstitucional.

Alguns doutrinadores preceituam que se for compreendido que as condutas

previstas no art. 10 da Lei 1.079/50 são de caráter penal, torna-se absurdo permitir a todo

cidadão o oferecimento da denúncia, pois amplia o rol dos legitimados para propositura de

ação penal, em total afronta ao art. 129, I, da Constituição, que preceitua a competência

privativa do Ministério Público.

Uma pequena parte da doutrina defende a idéia de que a "denúncia" de que trata a

referida Lei em seu art. 14, é simplesmente uma notitia criminis postulatória, pois a

verdadeira acusação contra o Presidente da República nos chamados crimes de

responsabilidade ficaria a cargo da Câmara dos Deputados, autoridade competente

consoante o art. 51, I, da Constituição Federal.

34

3.4 PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO PROCESSO

Este princípio interfere na fase pré-processual, sendo assim, a Autoridade Policial,

quando tiver ciência de uma infração que enseja ação pública, tem o dever de dar início às

investigações preliminares, sem obedecer nenhum critério político ou de utilidade social.

Tanto o inquérito policial quanto o processo penal são indisponíveis. Esta

realidade origina-se do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e do brocardo

Nec delicta maneant impunita.

Com isso, proíbe-se a paralisação injustificada da investigação policial ou seu

arquivamento pelo delegado de Polícia, o mesmo valendo para a própria ação penal, que

não pode ser impedida, exceto por justa causa.

Tal princípio positiva-se pelo o art. 10 do CPP, que estabelece prazo rigoroso para

a conclusão do inquérito policial; o art. 17 do mesmo código, que impede o arquivamento

do Inquérito Policial pela autoridade policial; e o art. 28, que situa o juiz como fiscal do

princípio da obrigatoriedade da ação penal, permitindo-lhe discordar da promoção feita

pelo Ministério Público.

São também corporificações do princípio o art. 42 do CPP, que proíbe que o

Ministério Público desista da ação penal que tenha proposto e o art. 576 também do CPP,

que impede o Parquet de desistir de recurso que haja interposto em ação penal pública.

Critica-se, no entanto, a disposição do art. 385 do CPP, que autoriza o juiz a

condenar o réu, mesmo em face de pedido absolutório apresentado pelo Ministério Público

na ação penal pública.

35

Os defensores do cânon alegam que se trata de regra destinada a assegurar a busca

da verdade real e a defesa social. O juiz, nesse mister, não estaria vinculado ao

posicionamento do Ministério Público, porque está, na outra ponta, sujeito à missão de

desvendar a verdade real.

Não obstante, já foi dito noutro passo que no processo não se atinge a verdade real,

senão a verdade judicial, e a constante busca por essa "verdade" somente ocorre na ação

penal pública incondicionada, porquanto, mesmo na ação penal pública condicionada pode

o ofendido impedir a persecução se não oferece a representação ou dela se retrata, antes do

oferecimento da denúncia (art. 25 do CPP).

Além disso, no art. 385 há aparente violação ao sistema acusatório, misturando-se

as funções de acusação e julgamento. Diz-se também que a regra é prejudicial aos acusados

e, por isso deveria ser interpretada restritivamente, no sentido de que o magistrado somente

poderia proferir sentença condenatória quando o Ministério Público não fundamentasse

devidamente o pedido absolutório.

Agora, se o órgão encarregado pela Constituição Federal de promover a acusação

em nome do Estado entende que há causa excludente de ilicitude, que o fato é atípico ou

que outro foi o seu autor e pede a absolvição do réu, por que haveria o julgador, órgão

imparcial, de assumir ele a pretensão estatal acusatória e condenar o réu quando pedido

nesse sentido não mais existe. Não seria essa uma forma de julgamento extra ou ultra

petita? Parece que sim, pois o julgador, situado imparcialmente entre e acima das partes,

estaria quase que assumindo uma pretensão que não é nem pode ser sua.

O pedido de absolvição pelo Ministério Público equivale à inexistência de

acusação. A acusação é estabelecida, pela regra do art. 129, I, da Constituição Federal,

36

somente o Ministério Público é titular.

Não existe nada de estranho nesse proceder, uma vez que noutros sistemas

jurídicos pode o Ministério Público simplesmente retirar a acusação apresentada contra o

réu, findando-se a instância.

Com a introdução dessa medida, baseada em idéias de política criminal, de

necessidade, utilidade, conveniência e intervenção mínima, não se estaria violando o

princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, Constituição Federal), pois o

Poder Judiciário seria chamado a verificar em cada ação se há justa causa para a retirada da

denúncia e se as causas legais que a condicionam estão presentes in concrecto.

Idêntica censura se faça quanto à previsão da segunda parte do art. 385 do CPP,

que autoriza a autoridade judiciária a reconhecer agravantes que não tenham sido alegadas

na denúncia ou nas alegações finais do Ministério Público. A proposição é estranha, porque

representa forma de julgamento ultra petita, além do pedido. A sentença não terá

correlação com a acusação.

Disposição como esta tinha sentido na década de 1940, quando da introdução do

CPP, época em que o Ministério Público não estava organizado nacionalmente com a

devida estrutura e capilarizado em todas as comarcas do País, como instituição inteiramente

profissional. Hoje, com as responsabilidades que foram atribuídas ao Parquet e com o

desenvolvimento de uma cultura de Ministério Público é desarrazoada a regra ora

examinada, tanto quanto o é a que determina o reexame necessário em certos casos.

Em apoio à tese ora esposada, lembremos que na fase recursal o tribunal de

apelação não pode piorar a situação jurídica do réu caso não haja recurso da acusação. Ou

seja, se o Ministério Público não interpuser apelação, o colegiado ad quem não poderá

37

reformar sentença que tenha absolvido o réu e nem mesmo poderá agravar a pena que lhe

tenha sido aplicada.

Por outro lado, se o Ministério Público (ou o querelante) apresentar apelação, o

tribunal estará livre para manter a decisão de primeira instância, para reformá-la (inclusive

condenando réu que tenha sido absolvido) ou para alterar a pena, minorando-a ou

agravando-a.

Conclui-se, portanto, que se o tribunal, órgão de superior hierarquia na pirâmide

judiciária, não pode condenar o réu (apelante exclusivo) quando o Ministério Público haja

silenciado na fase recursal ou quando tenha se conformado com a sentença do juízo a quo,

por que este, de instância inferior, poderia fazê-lo (condenar o réu) quando o Ministério

Público houvesse pedido a absolvição?!

Ora, o tribunal ad quem não pode nem mesmo aumentar a pena do réu, no caso de

recurso exclusivo da defesa, que corresponde à hipótese de silêncio ou conformação do

Ministério Público, com cessação da tarefa acusatória. Como então admitir que o juiz a quo

possa condenar o réu a pena maior do que a pedida pela acusação, reconhecendo agravante

não alegada?!

A resposta parece estar no princípio da verdade real. Mas esse princípio não pode

aplicar-se apenas à primeira instância, esquecendo a fase recursal. Há assim um evidente

descompasso entre a regra do art. 385 do Código de Processo Penal e o princípio non

reformatio in pejus.

38

3.5 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Princípio de suma importância para o CPP, e de vigência no Processo Civil,

segundo o qual dão publicidade aos atos públicos

Este princípio é característico do processo acusatório. Tal princípio da publicidade

absoluta ou geral vem fixada como regra do art. 792 do CPP

Igualmente relevante é o princípio da publicidade, que se dirige a toda a

Administração Pública (art. 37) e também à administração da justiça penal.

Decorrência da democracia e do sistema acusatório, o princípio processual da

publicidade encontra guarida no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que declara: "a

lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade

ou o interesse social o exigirem".

A publicidade surge como uma garantia individual determinando que os processos

civis e penais sejam, em regra, públicos, para evitar abusos dos órgãos julgadores, limitar

formas opressivas de atuação da justiça criminal e facilitar o controle social sobre o

Judiciário e o Ministério Público.

"O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os

interesses da justiça", determina o art. 8º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos. A regra, tamanha a sua importância, é reafirmada no art. 93, inciso IX, da

Constituição Federal, conforme o qual "todos os julgamentos do Poder Judiciário serão

públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)".

A publicidade, como garantia, aparece também no art. 5º, XXXIII, da Constituição

Federal, que assegura a todos o direito de "receber dos órgãos públicos informações de seu

39

interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (...)".

Há dois aspectos do princípio da publicidade:

a) a publicidade geral ou plena, como regra para todo e

qualquer processo;

b) a publicidade especial, em que se restringe a audiência

nos atos processuais e as informações sobre o processo

às partes e procuradores, ou somente a estes.

Como crítica ao princípio, reconhecem benefícios e malefícios. O maior dos

benefícios é a dificuldade de abusos, exageros, omissões e leviandades processuais, pela

possibilidade de constante controle das partes, dos advogados, do Ministério Público, da

imprensa e da sociedade. O mais deplorável dos malefícios (ou talvez o único) é a

possibilidade de haver, com a publicidade, a exploração fantasiosa ou sensacionalista de

fatos levados à discussão nos tribunais.

Para evitar esses abusos midiáticos, em certas causas e situações há exceções ao

princípio da publicidade plena, como quando a divulgação da informação ou diligência

represente risco à defesa do interesse social ou do interesse público; à defesa da intimidade,

imagem, honra e da vida privada das partes; e à segurança da sociedade e do Estado.

Exemplos dessas restrições estão no:

a) art. 792 e §1º, do CPP (caso genérico);

b) arts. 476 e 481 do CPP (votação no júri);

c) art. 217 do CPP (retirada do réu);

d) art. 748 do CPP (registro da reabilitação);

e) art. 20 do CPP (sigilo no inquérito policial);

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f) art. 202 da Lei das Execuções Penais; e

g) art. 3º da Lei Federal n. 9.034/95.

No Brasil vigora o princípio da publicidade absoluta, ou seja, as audiências, as

sessões e a realização de outros atos processuais são colocados à disposição do público em

geral.

3.6 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

No Brasil, este princípio funciona como um dogma constitucional, pois a defesa

não pode sofre restrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre

acusação e defesa.

Correspondem ao movimento democratizante, humanizador e garantista do

processo penal, os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, CF),

segundo os quais "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados

em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes".

A Sexta Emenda a Constituição dos Estados Unidos declara que "In all criminal

prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial

jury of the State and district wherein the crime shall have been committed, which district

shall have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause

of the accusation; to be confronted with the witnesses against him; to have compulsory

process for obtaining witnesses in his favor, and to have the Assistance of Counsel for his

41

defence".

Como se vê tais princípios destina-se ao processo em geral, tanto o civil quanto o

penal e ainda o processo administrativo, que, no Brasil, é de natureza não-judicial.

Todavia, não são garantias absolutas. Há situações em que o contraditório

(acusação e defesa, prova e contra-prova) não pode ser garantido desde logo, tendo sua

aplicação diferida. É o que ocorre, por exemplo, com o procedimento de interceptação de

comunicações telefônicas, regulado pela Lei n. 9.296/96, em que não se pode em nenhuma

hipótese anunciar previamente ao investigado a realização da diligência de escuta

judicialmente autorizada, sob pena de total insucesso da investigação criminal.

Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora, também,

nos pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações o anúncio da

disclosure poderá levar à mobilização de somas em dinheiro e sua conversão em ativos

móveis, o que dificultaria sobremaneira a reparação do dano ou o eventual seqüestro dos

bens.

Tais considerações, entretanto, precisam ser bem entendidas. Não é que de fato

inexista contraditório nesses procedimentos. Significa apenas que a oportunidade de

conhecimento da medida apuratória ou das provas colhidas na investigação inquisitorial, e

o ensejo de contestação a elas e produção de contra-provas serão dados ao investigado/réu

em momento posterior, garantindo-se assim a ampla defesa.

Certo, por outro lado, é que não há incidência do contraditório no inquérito

policial, que é procedimento administrativo pré-processual, inquisitorial, presidido pela

Polícia Judiciária, destinado à formação da opinio delicti do Ministério Público e a

subsidiar a ação responsável do Estado em juízo, evitando lides penais temerárias.

42

Destarte, o contraditório, que em lógica implica a existência de "duas proposições

tais que uma afirma o que a outra nega", tem como corolários ou implicações:

a) a igualdade das partes ou isonomia processual;

b) a bilateralidade da audiência e a ciência bilateral dos

atos processuais (audiatur et altera pars);

c) o direito à ciência prévia e a tempo da acusação,

podendo o acusado "dispor do tempo e dos meios

necessários à preparação de sua defesa";

d) o direito à ciência precisa e detalhada dessa acusação;

e) direito à compreensão da acusação e do julgamento,

ainda que por meio de tradutor ou intérprete;

f) o direito à ciência dos fundamentos fático-jurídicos da

acusação;

g) a oportunidade de contrariar a acusação e de apresentar

provas e fazer ouvir testemunhas;

h) a liberdade processual de especificar suas provas e linha

de defesa, escolher seu defensor e mesmo de fazer-se

revel.

Não se pode deixar de perceber a relação da idéia de contraditório com o princípio

filosófico do terceiro excluído, segundo o qual "Se duas proposições são contraditórias,

uma delas é verdadeira e a outra é falsa". Na dialética processual, caberá ao magistrado

realizar a síntese das posições antitéticas (a tese do Ministério Público e a antítese do

defensor), declarando, ao fim, a verdade da acusação e a falsidade da defesa, ou vice-versa.

43

Salienta-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, somente no inquérito é que

não existe a igualdade processual. Se ocorresse esta regra no inquérito, a Polícia encontraria

obstáculos maiores ainda na apuração de provas, por razões que nos parecem óbvias.

3.7 PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES

É conhecido o axioma latino Ne procedat judex ex officio, que assinala o sistema

acusatório. O juiz não age de ofício, não inicia a ação por iniciativa própria; depende da

provocação do Ministério Público ou da parte ofendida, que atuará como querelante. Não

há Juiz sem autor, ou o Juiz não pode proceder, não pode dar início ao processo, sem a

provocação da parte.

Dessa regra deriva a de que Nemo judex sine actore, ou seja, de que não há juiz

sem autor, que equivale a dizer que não há jurisdição sem ação. O direito germânico

conhece a diretriz na forma Wo kein Anklägler ist, da ist auch kein Richter, que se traduz

por "onde não há acusador, não há também julgador".

No ordenamento brasileiro, a diretiva está no art. 24 do Código de Processo Penal

(ação penal pública), e nos arts. 29 e 30 do mesmo código (ação penal privada e privada

subsidiária). Deles se depreende o princípio da iniciativa das partes, sendo hoje uma regra

absoluta, pois não mais subsiste o procedimento judicialiforme, previsto na Lei 4.611/65,

em que o juiz ou o delegado de Polícia, mesmo não sendo partes, podiam iniciar a ação

penal em certos crimes (lesão corporal e homicídio culposos) e nas contravenções penais

(art. 531 do CPP), bem como em razão da Lei Federal 1.508/51, que cuidava do rito

44

sumário para a contravenção de jogo do bicho.

A conseqüência imediata do princípio da iniciativa é que o juiz estará adstrito ao

pedido do promovente da ação. Não poderá julgar além do pedido das partes. Ne eat judex

ultra petita partium, pois, caso contrário, estaria dando início a uma acusação diversa da

apresentada, pois mais ampla. Define-o bem a regra do art. 128 do Código de Processo

Civil, segundo a qual "O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe

defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito à lei exige a iniciativa das

partes".

Também caracteriza o princípio da iniciativa das partes o axioma sententia debet

esse conformis libello, o de que a sentença deve estar em conformidade com a acusação.

Este princípio é também denominado de princípio da correlação.

São exceções à regra os institutos da mutatio libelli (art. 384 do CPP) e da

emendatio libelli (art. 383 do CPP). Embora desejável, não estão às partes obrigadas a

tipificar corretamente o pedido. Diz-se que o juiz conhece o Direito (jura novit curia) e que

basta a narração do fato ao julgador para que se tenha o veredicto (narra mihi factum dabo

tibi jus). Em face disto, o juiz pode ver-se na contingência de alterar a qualificação legal

dada ao crime ou sugerir o agravamento da imputação.

3.8 NE EAT JUDEX ULTRA PETITA PARTIUM

Instituída a ação, quer na área cível, quer na penal, estabelecem-se os contornos da

res in judicio deducta, de sorte que o magistrado deve pronunciar-se sobre aquilo que lhe

foi pedido, que ficou à vista na exordial pela parte. Daí “se segue que o magistrado não

45

permite pronunciar-se, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autor e sobre as

exceções e nos limites das exceções deduzidas pelo réu”. Quer dizer então que , do

princípio do ne procedat judex ex officio, onde não há acusador não há Juiz. Decorre uma

regra de suma importância, o magistrado não pode dar mais do que foi pedido, não pode

decidir sobre o que não requerido.

Tourinho Filho em seu livro faz menção de como tal princípio se manifesta no

processo penal:

“se o Promotor, imputa ao réu um crime de furto, e, afinal, se apura que ele cometeu outro crime completamente diverso (estupro, p. ex.) e não de furto, não pode o Juiz proferir condenação pelo estupro, que não foi pedida, e muito menos quanto ao furto que não ocorreu. Todavia, se o Promotor, na denúncia, descreve um crime de estupro (que efetivamente ocorreu), mas, ao classificar a infração, tal como exige o art. 41 do CPP, classifica-a como sedução (art.217 do CP), ou furto (art. 155 do CP), o Juiz, ao proferir sentença, poderá condenar o réu nas penas do art. 213 (estupro), sem necessidade de qualquer providências, tal como lhe permite o at. 383 do CPP. Diz-se, que, até, nesse caso, nem existe a mutatio libelli (modificação, alteração da peça acusatória), e sim uma verdadeira emendatio libelli. Aí, evidentemente, não há julgamento ultra petitum. O Juiz deu aos fatos, tão-somente, a correta classificação. É o jura novit curia, livre dicção do direito objetivo, porque o Juiz conhece o direito”.

3.9 IDENTIDADE FÍSICA DO MAGISTRADO

Até bem pouco tempo, não vigorava no código de processo penal, ou até mesmo

em qualquer lei processual extravagante, regra que obrigasse o Juiz que houvesse iniciado à

instrução a julgar a lide. O Ato Institucional nº 2, em seu art. 24, determinou que “o

julgamento nos processos instaurados segundo a Lei 2.083/53, competia ao Juiz de Direito

que houvesse dirigido a instrução”. Este princípio, contudo, teve pouca duração, uma vez

que o referido Ato vigeu até 15/03/1967 e, além disso, em fevereiro do mesmo ano, surgiu

a Lei 5.250, dando nova forma aos crimes de imprensa e criando-lhes novo procedimento,

46

sem determinar a vinculação do magistrado.

O princípio foi adotado com muito singileza, timidez e, ainda, restrito ao juízo de

periculosidade real.

Na atualidade, contudo, em face da Lei 7.209/84, dando nova redação à Parte

Geral do CP, extinguiu-se do nosso diploma legal a figura da medida de segurança real.

Hodiernamente a medida de segurança é utilizada nos casos de inimputabilidade.

Nos casos de crime impossível e de participação impunível (arts. 17 e 31 d CP),

não existe mais imposição de medida de segurança. Dessa forma, o problema relativo à

discussão que se tratava quanto à existência, ou não, do princípio da identidade física do

Juiz do Processo Penal, pelo menos por momentaneamente foi afastada. È possível que,

com o advento do novo CPP, venha ocorrer alteração na matéria.

3.10 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Estabelecido no art. 5º, LIV, da CRFB/88, o princípio due process of law

determina que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo

legal".

A garantia vale tanto para o processo civil ("de seus bens") quanto para o processo

penal ("da liberdade") e é uma conquista do humanismo britânico, repartindo-se em

procedural due process e substantive due process.

A França não descuidou desse princípio. A Declaração dos Direitos do Homem e

do Cidadão asseverava já em 1789 que "Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão

47

nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que

solicitam, expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos

(...)".

A Declaração das Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art. IX: "Ninguém

pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência

de lei ou o abuso de direito.

Está claro que tal liberdade pública mantém íntima relação com o princípio da

legalidade (ora, trata-se do devido processo legal), reclamando a devida persecução penal,

limitada pela lei processual.

Por igual, verifica-se também facilmente que é do due process of law que se retira

à proibição de admissão de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI, CF). Descumprida tal

garantia, a sanção é de nulidade em conformidade com a teoria fruit of the poisonous tree

("fruto da árvore envenenada"), acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Lembre-se,

contudo, que essa vedação não é absoluta, devendo ser vista em cotejo com o princípio da

proporcionalidade, a fim de que não haja grave prejuízo material ao direito substancial

discutido ou protegido, apenas para se dar atendimento a uma forma procedimental.

O princípio da vedação de provas ilicitamente obtidas foi acolhido no plano

internacional pela Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,

Desumanos ou Degradantes, adotada pelo ONU em 10 de dezembro de 1984. Integrado ao

ordenamento brasileiro pelo Decreto n. 40/91, o tratado tem força de lei ordinária em nosso

País.

Segundo o art. 15 dessa Convenção "Cada Estado-Parte assegurará que nenhuma

declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser

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invocada como prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa acusada de tortura

como prova de que a declaração foi prestada".

Em consonância com a garantia contra a auto-incriminação, o depoimento de

pessoa torturada (declaração viciada e, portanto, nula) não pode ser utilizado no processo

civil ou penal para servir de prova contra ela. Admite-se apenas a sua utilização processual

para sustentar a acusação, noutro processo, contra o próprio torturador.

Vale ressaltar, que já houve quem pensasse que, perante tal princípio, haveria

dificuldade para a decretação de prisão preventiva. Sem razão, todavia, pois as prisões

preventivas continuarão, desde que observadas as regras legais.

3.11 PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS

No Brasil, até o advento da CRFB/88, não existia qualquer norma impeditiva de se

produzir em juízo “prova obtida através de transgressões a normas de direito material”,

apenas o art. 233 do CPP. Hoje em dia, com toda e qualquer prova, obtida por meios

ilícitos, não será admitida em juízo, conforme preceitua o art. 5º, LVI da CRFB/88.

È válido destacar, que qualquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à

Constituição, seja em desrespeito ao direito material ou processual, não será admitida em

juízo. Trata-se de uma demonstração de respeito não só à dignidade humana, como,

também, à seriedade a justiça e ao ordenamento jurídico.

No direito comparado encontra-se duas posições absolutamente opostas: a da

admissibilidade e a da inadmissibilidade. Nas legislações que adotam a primeira posição,

49

não existe nenhuma inflexibilidade. É o que acontece, por exemplo, no direito Belga, em

que a inadmissibilidade da prova ilícita está condicionada ao sistema de nulidades previstas

pela lei processual. Em Portugal, a inadmissibilidade está condicionada ao que dispuser a

lei processual. Já em outras legislações, a inadmissibilidade tem sido proclamada, em maior

ou menor proporção. A Emenda IV da Constituição norte-americana proclama que toda a

prova (evidence) obtida por busca e apreensão (search and seizure) em violação à

Constituição é inadmissível nas corte estaduais. Igualmente também as Constituições da

Nicarágua, Bolívia e El Savador.

Nenhuma legislação, salvo a brasileira, proclama, de maneira absoluta e

peremptória, a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos.

Passamos à frente de todas as outras, pois nenhum texto constitucional proíbe,

taxativamente, as provas obtidas por meios ilícitos, somente a brasileira.

3.12 PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA

Este princípio representa o coroamento do due processo f law.

Previsto no art. 5º, LVII, da Constituição, este princípio é também denominado "da

presunção de inocência" ou da "presunção de não-culpabilidade".

Acolhida também nos tratados internacionais sobre direitos humanos, esta garantia

representou ao tempo de sua introdução nos sistemas jurídicos um enorme avanço.

Ninguém poderia ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença

penal condenatória. Já constava da Declaração Francesa de 1789 no art. 9º: "Todo acusado

50

é considerado inocente até ser declarado culpado (...)".

A Declaração Universal de 1948 assentou, com mais detalhes, que "Toda pessoa

acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a

culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe

tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI).

Como corolário dessa idéia, foi preciso desenvolver o sistema acusatório,

atribuindo-se a um órgão público a missão de alegar e provar os fatos criminais, em nome

do Estado, desfazendo a presunção legal que vigora em prol do indivíduo.

A presunção de inocência prevista, de forma positivada, desde 1789, foi repetida

também no art. 8º, §2º, do Pacto de São José da Costa Rica (introduzido no Brasil pelo

Decreto Federal 678/92) e no art. 14, §2º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos, de 1966.

A jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, tem afirmado

que as medidas coercitivas ou as providências restritivas do jus libertatis anteriores à

decisão condenatória definitiva não ofendem o princípio da presunção de inocência.

Sinaliza a Súmula 9 do STJ no sentido de que "A exigência de prisão provisória,

para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". Tal

enunciado não passou imune a críticas, mas desde que bem compreendido e aplicado com

restrições, não causa dano ao jus libertatis nem ao estado de inocência do acusado.

Assim, observados atenta e devidamente os requisitos de necessidade e cautela;

cumprido o art. 312 do CPP; e atendida a exigência constitucional de fundamentação das

decisões judiciais, não violam tal garantia provimentos que dêem aplicação ao art. 393, I,

do CPP, que trata do recolhimento à prisão como efeito da sentença condenatória

51

recorrível, bem como ao art. 594, do mesmo código e ao art. 35, da Lei Federal 6.368/76,

que exigem, ambos, o recolhimento do réu à prisão como condição para a apelação.

É também constitucional, para o STJ, o art. 2º, §2º, da Lei Federal 8.072/90, que

determina que em caso de sentença condenatória por crime hediondo "o juiz decidirá

fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade". Este posicionamento é

censurável, tendo em conta que a presunção legal é de não-culpabilidade. Portanto, o que o

juiz deveria decidir fundamentadamente é se o réu precisaria recolher-se à prisão para

apelar até o trânsito em julgado da decisão, e não o contrário. Isto é evidente, porque a

regra é poder o réu, em qualquer caso, apelar em liberdade.

Dito isto, é preciso observar que as conseqüências do princípio do estado de

inocência são resumidamente:

a) a de estar obrigado o julgador a verificar detidamente a

necessidade da restrição antecipada ao jus libertatis do

acusado, fundamentando sua decisão;

b) a de atribuir inexoravelmente o ônus da prova da

culpabilidade do acusado ao Ministério Público ou à

parte privada acusadora (querelante);

c) concomitantemente, o efeito de desobrigar o réu de

provar a sua inocência;

d) o de assegurar a validade da regra universal In dubio pro

reo, aplicada no direito anglo-saxônico com o nome de

reasonable doubt, que sempre favorece a posição

jurídica do acusado; e

52

e) a revogação (ou não recepção) do art. 393, II, do Código

de Processo Penal, que mandava lançar o nome do réu

no rol dos culpados, por ocasião da sentença

condenatória recorrível.

3.13 PRINCÍPIO DO FAVOR REI

Alguns doutrinadores conceituam este princípio como a base de toda a legislação

processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no seu ordenamento

jurídico, por um critério superior de liberdade. Não existe, efetivamente, Estado

autenticamente livre e democrático em que tal princípio não encontre acolhimento. É uma

invariável das articulações jurídicas de semelhante Estado um particular empenho no

reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana.. No conflito entre o jus

puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis do acusado, por outro lado, a balança

deve inclinar-se a favor deste último se no caso quiser assistir ao triunfamento da liberdade.

Este princípio constitui um princípio inspirador da interpretação, isto é, significa

que nas hipóteses em que não for possível uma interpretação homogênea, porém se conclua

pela possibilidade de duas interpretações antagônicas de uma norma legal (antinomia

interpretativa), a obrigação é de se escolher a interpretação mais favorável ao réu.

No processo penal, são inúmeras as disposições quanto ao princípio, dessa forma,

a regra do art. 386, VI, impõe a absolvição por insuficiência de prova; a proibição

reformatio in pejus (art. 617); os recursos privativos de defesa, como o protesto por novo

53

júri e os embargos infringentes ou de nulidade (arts. 607 e 609, § único); a revisão criminal

como direito exclusivo do réu (arts. 621 e segintes do CPP); a regra do art. 615, § 1º do

CPP, e por fim, como desfecho deste princípio, o da presunção de inocência, hoje elevado à

categoria de dogma constitucional.

54

CAPÍTULO IV – SISTEMAS DO PROCESSO PENAL

Não pode-se falar em sistemas processuais, sem antes, esclarecer o significado

etimológico da expressão sistema.

Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, sistema significa,

“Conjunto de elementos, materiais ou idéias, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação; Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada, por exemplo: sistema penitenciário, sistema econômico etc.; Reunião de elementos naturais da mesma espécie, que constituem um conjunto intimamente relacionado”.

Paulo Rangel define o sistema processual penal como, “o conjunto de princípios e

regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece

as diretrizes a serem seguidas para aplicação do direito penal a cada caso concreto”.

Em conformidade com as formas com que se apresentam e os princípios, divide-se

em três os sistemas processuais utilizados ao longo da evolução histórica do direito, quais

sejam, o acusatório, o inquisitivo, e o misto.

4.1 SISTEMA ACUSATÓRIO

Alguns doutrinadores defendem que o sistema acusatório possui suas raízes

fincadas na Grécia e em Roma, o qual foi instalado com fundamento na acusação oficial,

muito embora se permitisse, a iniciativa da vítima, de parentes próximos e até de qualquer

do povo.

55

Cabe destacar, que esse sistema se desenvolveu na Inglaterra e na França, após a

Revolução de 1789, sendo hoje adotado na maioria dos países americanos e em muitos da

Europa.

Historicamente, o que distingui o processo acusatório é a rígida separação entre o

juiz e acusador, a imparcialidade, a ampla defesa, o contraditório e, em decorrência, a

paridade entre a acusação e a defesa, a publicidade dos atos processuais, entre outros.

Na realidade, a atua causa do processo acusatório é preservar a imparcialidade do

juiz, para que seja um legítimo julgado supra partes.

Paulo Rangel destaca em seu livro algumas características desse sistema:

a) há separação entre as funções de acusar, julgar e defender, co três personagens distintos: autor, juiz e réu (ne procedat iudex ex officio); b) o processo e regido pelo princípio da publicidade dos atos processais, admitindo-se, como exceção, o sigilo na prática de determinados atos (no direito brasileiro, vide art. 93, IX, da CRFB/88 c/c art. 792, § 1º c/c art. 481, ambos do CPP); c) os princípios do contraditório e da ampla defesa informam todo o processo. O réu é sujeito de direitos, gozando de todas as garantias constitucionais que lhe são outorgadas. d) o sistema de provas adotado é o livre convencimento, ou seja, a sentença deve ser motivada com base nas provas carreadas para os autos. O juiz está livre na sua apreciação, porém não pode se afastar do que consta no processo (art. 157 do CPP c/c art. 93, IX, da CRFB/88); e) imparcialidade do órgão julgador, pois o juiz está distante d conflito de interesses instaurado entre as partes, mantendo seu equilíbrio, porém dirigindo o processo adotado as providências necessárias à instauração do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 130 do CPC).

Hodiernamente, no nosso ordenamento jurídico, vigora o sistema acusatório,

conforme consta no art. 129, I da CRFB/88, pois a função de acusar compete,

especialmente, ao Ministério Público, e, nos casos excepcionais, ao particular. Não existe a

figura do juiz instrutor, porém a fase preliminar e informativa que temos antes da

propositura da ação penal é a do inquérito policial e este é dirigido pela Autoridade Policial.

56

Hélio Tornaghi preceitua com bastante clareza a distinção entre os sistemas

acusatório e inquisitivo:

“O que distingue a forma acusatória da inquisitória: na primeira, as três funções de acusar, defender e julgar estão atribuídas a três órgãos diferentes: acusador, defensor e juiz; na segunda, as três funções estão confiadas ao mesmo órgão. O inquisitor deve proceder espontaneamente e suprir as necessidades da defesa. O réu é tratado como objeto do processo e não como sujeito, isto é, como pessoa titular do direito de defesa; nada pode exigir”.

Ressalta-se, que em um Estado Democrático de Direito, este sistema é a garantia

do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrario sensu, no Estado totalitário,

onde a repressão é a mola mestra e existe supressão dos direitos e garantias individuais, o

sistema inquisitivo encontra sua proteção.

4.2 SISTEMA INQUISITÓRIO

Este sistema originou-se nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante

período canônico, o qual passou a ser adotado em quase todas as legislações

européias dos séculos XVI, XVII e XVIII. O sistema inquisitivo surgiu após o

acusatório privado, fundamentando-se na afirmativa de que não pode-se deixar que

a defesa social dependa da boa vontade dos particulares, uma vez que estes iniciam,

a persecução penal. O cerne de tal sistema era a reivindicação que o Estado fazia

para si do poder de conter a prática dos delitos, não sendo admissível que tal

repressão fosse encomendada ou delegada aos particulares.

Inquisitivo é relativo ou que envolve inquisição, isto é, antigo tribunal

57

eclesiástico estabelecido com a finalidade de investigar e o punir crimes contra a fé

católica.

Conseqüentemente, o próprio órgão que investiga é o mesmo que pune. No

sistema inquisitório, não existe separação de funções, pois o juiz inicia a ação,

defende o réu e, ao mesmo tempo, julga-o.

Destaca-se, que neste sistema, o magistrado não forma seu convencimento

diante das provas dos autos que lhes foram trazidas pelas partes, mas tem por

objetivo convencer as partes de sua íntima convicção, porém já emitiu,

antecipadamente, em juízo de valor ao iniciar a ação.

Paulo Rangel em seu livro também destaca as características deste sistema:

a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade; b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo; c) não há contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto de processo e não sujeito de direitos, não se lhe conferindo nenhuma garantia; d) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal e, conseqüentemente, a confissão é a rainha das provas.

O professor Nelson de Miranda Coutinho ensina-nos a principal

característica do sistema inquisitório:

“a característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a, secretamente, sendo que “a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informa-se sobre a verdade dos fatos – de todos os fatos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na ‘acusação’ – dado seu domínio único e onipotente do processo em qualquer das suas fases”. O trabalho do juiz, de fato, é delicado. Afastado do contraditório e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que tem (ou faz) do fato”.

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Dessa forma, o sistema inquisitivo, apresenta total incompatibilidade com

as garantias constitucionais que devem existir dentro de um Estado Democrático de

Direito e, portanto, deve ser banido das legislações modernas que visem garantir ao

cidadão as mínimas garantias quanto à dignidade da pessoa humana.

4.3 SISTEMA MISTO OU ACUSATÓRIO FORMAL

O sistema misto também conhecido como acusatório formal sofreu grandes

influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema

inquisitivo desenvolvido após o Direito canônico e da formação dos Estados

nacionais sob o regime da monarquia absolutista. Tentou-se com ele suavizar a

impunidade que estava predominando no sistema acusatório, em que nem sempre o

cidadão levava ao conhecimento do Estado a prática da infração penal, fosse por

desinteresse ou por falta de estrutura mínima e necessária para suportar as despesas

referentes àquela atividade; ou, quando levava, em alguns casos, fazia-o movido por

um espírito de simples vingança. Neste caso, continuava nas mãos do Estado a

persecução penal, porém realizada na fase anterior à ação penal e levada a cabo pelo

Estado-juiz.

Ressalta-se, que as investigações criminais eram realizadas pelo

magistrado com primordiais comprometimentos de sua imparcialidade, porém a

acusação passava a ser feita, agora, pelo Estado-administração, isto é, o Ministério

Público.

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Este sistema divide-se em duas fases procedimentais:

1. Instrução preliminar: inspirada no sistema inquisitivo, o

procedimento é levado a cabo pelo juiz, que procede às

investigações, colhendo as informações necessárias a fim de que se

possa, futuramente, realizar a acusação perante o tribunal

competente;

2. Judicial: nesta fase, nasce a acusação propriamente dita, onde as

partes iniciam um debate oral e público, com a acusação sendo feita

por um órgão diferente do que irá julgar, em regra, o Ministério

Público.

Como não poderia ser diferente, Paulo Rangel, também menciona em seu

livro, as características próprias deste sistema:

a) a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra, por um magistrado que, com o auxílio da polícia judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de “juizado de instrução” (v.g. Espanha e França). Há nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não havendo processo sem acusação (nemo judicio sine actore); b) na fase preliminar, o procedimento é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face à influência do procedimento inquisitivo; c) a fase judicial é inaugurada com acusação penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de direitos entre a acusação e a defesa; d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o estado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir este estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério público; e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantida a publicidade dos atos processuais e regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência.

Entende-se que o sistema misto, todavia, ser um avanço frente ao sistema

60

inquisitivo, destaca-se que não é o melhor sistema, pois ainda mantém o juiz na apuração

de provas, mesmo que na fase preliminar da acusação.

Sabe-se, que a função jurisdicional deve ser preservada ao máximo, repetindo-se,

ns Estados democráticos de direito, o magistrado da fase persecutória e entregando-se ao

Ministério público, que é quem deve exercer domínio quanto as diligências investigatórias

realizadas pela polícia judiciária, ou, se necessário for, realiza-las pessoalmente, formando

sua opinio delicti e iniciando a ação penal.

Os sistemas processuais mencionados acima são resultados de um período político

de cada época, porém, conforme o Estado se aproxima do autoritarismo, diminuem as

garantias do acusado. Pois, à medida que se aproxima do Estado Democrático de Direito, as

garantias constitucionais são-lhe entregues.

Conforme já fora dito, o sistema adotado no Brasil, é o sistema acusatório, pois

não é puro em sua essência, mas inquérito policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade,

tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os autos do processo, e o

magistrado, muitas vezes, pergunta, em audiência, se os fatos que constam do inquérito

policial são verdadeiros. Até mesmo, ao tomar depoimento de uma testemunha, primeiro lê

seu depoimento prestado, sem critério do contraditório, durante a fase do inquérito, para

saber se confirma ou não, e, depois, passa a fazer as perguntas que entende necessárias.

Nesta hipótese, o procedimento simplesmente informativo, inquisitivo e sigiloso dá o

pontapé inicial na atividade jurisdicional à procura da verdade real. Dessa forma, não pode-

se dizer, que o sistema acusatório adotado no nosso ordenamento é puro, pois ainda existe

resquícios do sistema inquisitivo, todavia, já avançamos muito.

61

4.4 SISTEMA DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Falou-se exaustivamente, que no Brasil, o sistema adotado é o acusatório. A

acusação nos crimes de ação pública, está sob a responsabilidade do Ministério

público.Nos delitos de ação privada, compete exclusivamente a própria vítima o jus

persequendi injudicio. Poderá também a vítima, nos crimes de ação pública, exercer a

acusação, se, por acaso, o órgão do Ministério público não intentar a ação penal no praz

previsto em lei.

Exceto o caso especial do processo do impeachment, a função de julgar fica sob a

competência dos Juízes permanentes, e, excepcionalmente, o julgamento está afeto a Juízes

populares (Tribunal do Júri), isto nos crimes dolosos contra a vida, consumados ou

tentados..

O processo é altamente contraditório. Pois não temos a figura do Juiz instrutor. A

fase processual propriamente dita é antecedida de uma fase preparatória, em que a

Autoridade Policial procede a uma investigação não contraditória, apurando, à maneira do

Juiz instrutor, as primeiras informações relativas ao fato infringente da norma e da

respectiva autoria. Fundamentando-se nessa investigação preparatória, o acusador, seja ele

o órgão do Ministério Público, seja a vítima, instaura o processo através de denúncia ou

queixa. Já agora, em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se altamente

contraditório, público e escrito, destaca-se, que alguns aos são realizados oralmente, tais

como debates em audiência ou sessão. O ônus da prova incumbe às partes, porém o Juiz

não é um espectador inerte na sua produção, podendo, a qualquer instante, determinar, de

62

ofício, quaisquer diligências para dirimir dúvida quanto ao ponto relevante.

Possibilita-se às partes uma série de recursos, e, protegendo ainda mais o direito de

liberdade, concedem-se à defesa recursos que lhe são exclusivos, como o protesto por novo

Júri e os embargos infringentes e de nulidade. Não adotamos a revisão pro societate..

Somente o réu pode promovê-la.

Somente nos casos privilegiados, como é o caso dos procedimentos

contravencionais e nos relativos ao homicídio e lesão culposos, nestas últimas hipóteses,

quando a autoria fosse conhecida nos primeiros 15 dias, o ato de iniciativa era da

Autoridade Policial ou do Juiz. Atualmente, o direito pertencente ao magistrado vinha

outorgando, também, ao Ministério público, nesses procedimentos, o ato de iniciativa.

Hoje, contudo, a Constituição Federal extinguiu completamente o procedimento ex officio.

O art. 129, I da CRFB/88 determina que “cabe ao Ministério Público, privativamente, o

exercício da ação penal pública”.

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CONCLUSÃO

Esta monografia foi formulada em razão da necessidade de revelar a importância

do estudo dos princípios constitucionais e dos princípios gerais do processo penal. Sem a

análise e o conhecimento dessas diretrizes e postulados, não pode a Justiça Criminal

funcionar satisfatoriamente, nem estarão os juldadores, os membros do Ministério Público e

os defensores habilitados a promover o bom direito.

Os princípios não se exaurem no rol analisado. Existem outros como, por exemplo,

o da fundamentação, o do acesso universal à Justiça, o da duração razoável do processo, o

direito à ação civil indenizatória contra o Estado, entre outros.

Um direito constitucional processual está assinalado na Carta Constitucional de

1988. Nela, além dos princípios estritamente processuais, existem outros, igualmente

importantes, que devem servir de orientação ao jurista e ao aplicador do Direito. Afinal de

contas, este não é somente a norma positiva. Certamente, como alguém já disse, mais grave

do que ofender uma norma é violar um princípio, pois aquela é o corpo material, ao passo

que este é o espírito, que o anima.

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