universidade candido mendes instituto a vez do … · lista de siglas da = deficiente auditivo pne=...

69
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU O ESPAÇO PEDAGÓGICO DO ALUNO DEFICIENTE AUDITIVO (DA) NA REDE REGULAR DE ENSINO: UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL MONICA LOUREIRO Prof. Orientador: Dr. Vilson Sérgio de Carvalho RIO DE JANEIRO-RJ 2010

Upload: others

Post on 27-Aug-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

O ESPAÇO PEDAGÓGICO DO ALUNO DEFICIENTE AUDITIVO (DA) NA REDE REGULAR DE ENSINO: UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

MONICA LOUREIRO

Prof. Orientador: Dr. Vilson Sérgio de Carvalho

RIO DE JANEIRO-RJ

2010

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

O ESPAÇO PEDAGÓGICO DO ALUNO DEFICIENTE AUDITIVO (DA) NA REDE REGULAR DE ENSINO: UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

MÔNICA LOUREIRO

Monografia apresentada ao Instituto A Vez do Mestre como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Psicopedagogia Institucional

Orientador: Dr. Vilson Sérgio de Carvalho

RIO DE JANEIRO-RJ

2010

3

AGRADECIMENTOS

TRECHO DA CARTA DE PAULO AOS CORÍNTIOS

"Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.

Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência: ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, nada serei.

E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso se aproveitará.

O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se enraivece, não se ensoberbece, não se conduz incovenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais acaba... Agora, pois, permanecem: a Fé, a Esperança e o Amor. Estes três. Porém o maior deles é o “Amor”.

4

DEDICATÓRIA

Waldirzinho,

estou muito emocionada... talvez seja porque, para mim, você represente todas as crianças, que imagino, tenham sofrido física, emocional e psicologicamente, por falta de uma simples oportunidade, de Políticas Publicas adequadas que assegurassem as famílias o direito de cuidar com dignidade de seus filhos, amenizando tanto sofrimento. Que com este simples trabalho, acrescido de tantos outros com a mesma finalidade, criemos mais oportunidades para que estas crianças tenham um pronto e adequado atendimento medico, e uma escola estruturada, com profissionais qualificados, preservando o direito delas/você de serem felizes, aproveitando sua infância sem dor nem sofrimento e, até quem sabe, podendo ter durante toda a vida, uma qualidade auditiva melhor e que trouxesse mais alegrias e, menos cirurgias, além de menos preocupações e angustias para todas as mães, como “D.Alegria” – uma Linda mulher - mãe especialíssima, que D”us o presenteou desde o seu nascimento.

Um brinde!!!!

Lehaim!!!! A Vida!!!!!

5

EPÍGRAFE

“A música mais perfeita da história foi composta por um homem surdo: Beethoven – 9ª Sinfonia.” Isso prova que ninguém pode deter uma pessoa, a não ser ela mesma!

Edson Trokideias Falcão

6

RESUMO

Este trabalho examina a trajetória percorrida pelos Portadores de

Necessidades Especiais, especificamente os Deficientes Auditivos. Considera-se a

evolução sócio-histórica, desde a época da exclusão social e segregação

institucional, até a conquista dos direitos humanos e o efetivo processo de inclusão.

Os avanços feitos, especialmente no campo educacional, são destacados sob uma

ótica psicopedagogica. Examina-se um ambiente escolar possibilitador de

aprendizagens e construção de conhecimentos, com o objetivo de unir os seres

“diferentes”, oportunizando o crescimento de todos. Percebe-se a necessidade da

formação adequada e continuada dos educadores, assim como dos demais

integrantes de um colégio, todos envolvidos num mesmo processo de atendimento

aos alunos, seus familiares e a toda comunidade. Examina-se também, o mobiliário

adequado, as instalações, os materiais pedagógicos e as estratégias de intervenção

neste ambiente educacional. Propõe-se, sob o enfoque e olhar da Psicopedagogia

Institucional, que a Escola seja um espaço pedagógico possibilitador de construção

de aprendizagem significativa, ressignificando o olhar preconceituoso do ser humano

diante de seu próprio semelhante.No final da primeira década do inicio do século XXI

é emergencial gerenciar esse espaço educacional sob um novo olhar de um

profissional qualificado para mediar, intervir, facilitar, colaborar com as Instituições.

Este espaço deve oportunizar e favorecer que haja esta integração e inclusão de

fato. Respeitando as limitações e valorizando o potencial, habilidades e o

desenvolvimento das competências vai possibilitar uma ação prática e eficaz na vida

de cada um desses seres.

7

ABSTRAT

This work examines the recent history of Special Needs Students, in particular those

who are Hearing Impaired. Their socio-historic evolution is considered, since the time

when social exclusion and institutional segregation where the norm, to the

achievement of human rights and an effective process of inclusion. Advances made,

especially in the educational field, are highlighted under a psychopedagogical point of

view. We examine a school environment that enables learning and the building of

knowledge, with the goal of uniting special needs individuals, and promoting

everyone’s growth.We take note of the need for adequate and continued training of

education professionals, as well as of other school personnel, all involved in the

process of serving students, their families, and their communities. Also examined are

issues such as adequate furniture, installations, educational materials, and

intervention strategies in this teaching environment.We propose, under the guide and

prism of Institutional Psychopedagogy, that the school plays the role of an

educational realm that enables the implementation of significant learning

experiences, changing current prejudiced attitudes towards human beings.At the end

of the first decade of the twentieth first century it becomes imperative to manage that

educational space under the guidance of a professional who is well qualified to

mediate, intervene, facilitate, and collaborate with Institutions. This space must

promote and catalyze such integration and actual inclusion. Respecting limitations

and valuing potential, abilities, and the development of competency will achieve

practical and effective results in the life of special needs individuals.

8

LISTA DE SIGLAS

DA = Deficiente Auditivo

PNE= Portador de Necessidades Especiais

ABBR= Associação Brasileira de Reabilitação

R.R.E.= Rede Regular de Ensino

LIBRAS= Língua Brasileira de Sinais

MEC = Ministério da Educação e Cultura

APAE= Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

AACD = Associação de Assistência à Criança Deficiente

CENESP = Centro Nacional de Educação Especial

SEESP = Secretaria de Educação Especial

PEE = Política de Educação Especial

PNEE = Portador de Necessidades Educativas Especiais

DM = Deficiência Mental

9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................10

2 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL...........................16

2.1 Política de Educação Especial...........................................................18

3 – O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DEFICIENTE

AUDITIVA.............................................................................................27

3.1 – A Contribuição de Vigotsky.................................................................30

3.2. – LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais................................................31

4 – A APRENDIZAGEM DO DEFICIENTE AUDITIVO................................35

5 – A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL..............................................36

5.1 – Psicopedagogia Institucional: qual a sua real função? Será um

profissional que trabalha* como Educador?......................................37

5.2 – Objeto de Estudo da Psicopedagogia.................................................40

5.3 – Educação para o século XXI...............................................................41

5.4 – Psicopedagogia Institucional Hoje......................................................42

6. - APRENDIZAGEM.................................................................................46

6.1 – Aquisição do Saber.............................................................................47

6.2- Dificuldade de Aprendizagem...............................................................51

7– O QUE É SER “NORMAL”?” ................................................................54

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ...........................................................57

APÊNDICE...................................................................................................60

10

1. INTRODUÇÃO

Graduada em Pedagogia em 1982, foi em 1989 que tive o primeiro contato

profissional com crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais,

numa pequena Escola de nome Colibri localizada no Bairro da Lagoa Rodrigo de

Freitas, no Rio de Janeiro - RJ. A partir desta significativa experiência iniciei uma

longa caminhada na área educacional, e em 1991 estagiei num Colégio Municipal

localizado dentro da ABBR-RJ. Foi então, convivendo com as crianças que lá

estudavam separadas de todas as outras crianças ditas como “normais”, e estas

com as mais diversas deficiências física e mental, que me senti desafiada mais uma

vez e, muito estimulada a desbravar e atuar neste campo da educação e saúde.

Entretanto, a vida pessoal e profissional levou-me por outros caminhos. Há dois

anos me deparei, mais uma vez, com a questão da deficiência, mas desta vez com a

deficiência auditiva (DA) e, renasceu o desejo de dedicar-me e, aprofundar meus

estudos, especificamente, sobre este tema, focando minha pesquisa em crianças

DA. Procurei compreender como se dá o processo de ensino-aprendizagem da

leitura, sua integração social, a lida com o preconceito, e como as Políticas Públicas

vem colaborando para amenizar e abrir novos caminhos para uma abordagem

eficiente e não discriminatória deste novo contexto que se apresenta. Se houve uma

preocupação significativa, direcionada e atenta para a chegada dessas crianças,

ditas “incluídas” nas turmas da rede regular de ensino.

Os DA tendo como primeira língua a ”Língua Brasileira de Sinais” – LIBRAS –

desejei conhecer melhor todo este processo educacional e saber se realmente estas

crianças estão incluídas e integradas às escolas, e também, como se dá a formação

dos educadores, e demais funcionários das Instituições Publicas e Privadas, e se as

mesmas estão, de fato, capacitadas para esta nova realidade que nos é apresentada

atualmente. Observei também, o espaço físico das Escolas, se há segurança para a

locomoção dessas crianças, assim como, mobiliário adequado.

LIBRAS é uma maneira especifica de se comunicar com os surdos, um meio de

comunicação e um instrumento para sua aprendizagem.

11

A Instituição, e isso engloba todos os seres que dela participam, teria então de

conhecer e de estar apta a esta nova maneira de comunicação, adquirindo

habilidades e desenvolvendo expressões corporais e faciais, alem de conhecimentos

específicos quanto à estrutura da língua, que é extremamente diferente da

linguagem dos ouvintes.

Ao longo desses meses, as observações, pesquisas, visitações informais a Colégios

Públicos e Privados, assim como o dialogo com professores/coordenadores destas

mesmas Instituições, e a convivência com surdos – parcial e/ou integral, foi possível

aprender um pouco deste Universo tão vasto e complexo e, analisar o quanto esta

língua – LIBRAS - é representativa e capaz de expressar sentimentos e

conhecimentos.

Mediante o que vi, ouvi e li, percebi a real importância de um profissional que

agregasse conhecimentos específicos e que fosse capaz de interagir e integrar

educadores e alunos num mesmo espaço educacional, e este profissional seria o

Psicopedagogo Institucional, que com seus conhecimentos, mediaria à comunicação

e real integração e inclusão, entre surdos e ouvintes. Então, decidi aprimorar o

estudo em relação à linguagem com a aprendizagem do D.A. definindo o tema deste

trabalho.

O estudo tem por finalidade levantar e discutir questões metodológicas à língua de

LIBRAS, como língua materna e de gramática própria, sendo articuladora na

compreensão e assimilação da língua portuguesa. Acreditando ser possível este

trabalho, com a intervenção e mediação de um Psicopedagogo Institucional, partindo

da premissa que nossos educadores não estão preparados para acolher essas

crianças afetiva e profissionalmente, o mesmo será desenvolvido, basicamente,

através de pesquisa bibliográfica e situações vivenciadas pela

graduanda/pesquisadora, e contemplarão questões históricas, seus primeiros sinais

de necessidade de um profissional especifico na área e, dando um panorama da

realidade atual, do Universo Educacional Brasileiro.

Ao refletir a partir de leituras realizadas e de depoimentos a respeito da linguagem

como condutora da aprendizagem, foi possível compreender a carência, e o “vácuo”

instalado, entre a comunicação de ouvintes e surdos, e até onde as Políticas

Publicas são responsáveis por este fato.

12

Exemplificando, os ouvintes possuem uma língua natural, língua oral que para os

D.A. não é compreendida; são apenas palavras soltas, já que eles não ouvem os

sons, e não há uma relação de pensamento, impossibilitando a compreensão e

assimilação do que está sendo discutido.

Percebe-se, de maneira clara, que o problema da criança DA está, basicamente na

dificuldade de assimilação decorrente do comprometimento orgânico e da

metodologia inadequada, por total despreparo e desconhecimento do professor, com

o agravante da pouca valorização da família por total desconhecimento de como se

desenvolve e como as relações são estabelecidas e processadas no cérebro desta

criança. O cerne da questão está de como se dá este processo de ensino-

aprendizagem, que se faz necessário que seja de forma diferenciada e adequada, e

principalmente, valorizada e respeitada por todos a sua volta.

O Psicopedagogo Institucional através de sua especialização, busca a participação

permanente de toda a equipe da escola e da família, para incluir de fato, este ser em

nossa comunidade e para que ele possa exercer em sua plenitude seu lugar de

cidadão no mundo.

Inquietava-me perceber nas Instituições as quais trabalhei a negligencia ou mesmo

falta de conhecimentos básicos de ambas as partes – família e escola – quando, que

se o Psicopedagogo Institucional ocupasse esta lacuna, trabalharia numa avaliação

especifica e, certamente, atenuaria muitas dessas dificuldades

Este profissional busca articular e inserir a família neste processo, mostrando-lhe

que é de fundamental importância o seu papel, esclarecendo-a e encorajando-a a

valorizar as potencialidades de seus filhos, colaborando com o desenvolvimento de

suas habilidades, em especial, para a aquisição da leitura e escrita.

Acreditamos ser este o principal papel desse especialista: o desejo de atualizar e

resignificar conceitos, investir, intervir, participar, esclarecer...entre tantas outras

atribuições junto as Instituições Educacionais, as Famílias e com a própria criança.

Em 1986 já se falava em “integração” em algumas escolas, mas uma questão ainda

pairava no ar: a integração estava acontecendo por força da Lei (Constituição

Federal, cap.III, Seção I, Art. 205, pag. 137), seu comprimento tornava-se

13

obrigatório, independente da realidade, da qualificação dos profissionais, da

adequação física, material, metodológica e até mesmo a comunidade envolvida.

Grande equívoco estava por acontecer!

A partir da Política Nacional de Educação Especial (1994) traçaram-se conceitos de

integração e a necessidade de realizar uma ação inclusiva. Atualmente, integração

transformou-se em inclusão, e é exatamente neste contexto que deverá ser

introduzido um olhar psicopedagogico, para que a partir dele a inclusão se torne real,

e não utópica.

Nos dias de hoje, ainda se constata que a falta de uma reflexão educativa eficaz

sobre a Educação Especial é questão fundamental para atribuirmos o fracasso

escolar dos alunos de DA na Rede Regular de Ensino. O descaso a inclusão é o

resultado de complexo mecanismo que reúne fatores sociais, políticos, lingüísticos,

históricos, culturais, que provem de profissionais sem ou com pouca qualificação e

capacitação para lidar com o diferente.

A idéia de integração e inclusão escolar não garante uma educação crítica por parte

da equipe pedagogica, que por vezes reforçando as diferenças, contribuem para o

isolamento e escassa as possibilidades educativas dessas crianças.

Dito isto, este trabalho visa o estudo sobre a inclusão de portadores de deficientes

auditivos em escolas da Rede Regular de Ensino e a percepção da emergencial

contratação e atuação do Psicopedagogo Institucional minimizando preconceitos

diante dessa inclusão.

Define-se como deficiência “auditiva” ou “surdez” a incapacidade parcial ou total de

audição. Pode ser de nascença ou causada posteriormente por doença. Descartada

a hipótese de que a surdez era acompanhada por algum tipo de déficit de

inteligência, com a inclusão dos surdos no processo educativo compreendeu-se de

forma mais adequada em sua maioria, percebendo-se que muitos deles não tinham

a possibilidade de desenvolver a inteligência em virtude do pouco estimulo que

recebiam, e que isto era devido à dificuldade de comunicação entre surdos e

ouvintes. Uma vez estabelecido os critérios relevantes para o ensino-aprendizagem

dos surdos com desenvolvimento das diversas línguas de sinais e o trabalho de

14

ensino das línguas orais permitiram aos surdos os meios de desenvolvimento de sua

inteligência.

Atualmente, a educação inclusiva é uma realidade no Brasil. A partir da declaração

de Salamanca iniciou-se efetivamente, uma nova tendência educacional e social.

A inclusão nas escolas de ensino regular cresce a cada ano, e com ela, o desafio de

garantir uma educação de qualidade para todos. Na educação inclusiva, os alunos

aprendem a conviver com as diferenças e se tornam cidadãos mais solidários.

Entretanto essas novas realidades tornar-se-ão realidade de fato, com a efetiva

participação e contribuição do Psicopedagogo Institucional junto ao Corpo Docente e

toda a Equipe da Instituição.

Apresentar a trajetória percorrida pela Educação Especial, sua evolução sócio-

histórica, direitos humanos reconhecidos, conceituação, o processo de aquisição da

leitura e escrita e, seus efeitos sobre o desenvolvimento do individuo, sua etiologia, e

o que caracteriza o DA (deficiente auditivo) no seu aprender, constitui-se também

um importante compromisso desta pesquisa, bem como, a harmonia da família e a

escola, e sua integração social até a efetiva inclusão em todos os setores da vida, e

na superação de suas diferenças.

Compete a Psicopedagogia Institucional mediar e facilitar este processo, integrando

o portador dessas necessidades, e fazê-lo reconhecer-se e ser reconhecido como

ser pensante e atuante em nossa sociedade.

Vale o adendo de que 10% (dez por cento) da população brasileira vive ou convive

com alguém com algum grau de DA.

O que nos parece de maior relevância na oficialização desta nossa profissão está na

colaboração e contribuição, colocando os excluídos em pé de igualdade com

qualquer outro ser humano, para competir, intervir, mudar, facilitar, estimular e

minimizar as diferenças.

A base do nosso trabalho se insere na formação e continuo acompanhamento

destes alunos, dando-lhes possibilidades que garantam a sua verdadeira integração

à sociedade, enaltecendo suas potencialidades, respeitando seu ritmo, limitações e

valorizando suas habilidades e seu desejo em aprender e adquirir novos

15

conhecimentos através do desenvolvimento de sua competência para uma pratica e

ação eficazes em sua vida cotidiana, unindo-as, inseridos, incluídos nessa troca

constante e em prazerosas vivências, durante todo o seu processo de vida.

16

2.HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL

"Muitas coisas permanecerão inobservadas, se não divermos a possibilidade de dar-lhes um sentido”.

Yetta Goodman

Percorrendo a História da Educação Especial no Brasil, constatamos que sua

trajetória acompanha a evolução da conquista dos direitos humanos. Como a

filosofia humanista ainda estava delineando seus contornos, o homem não tinha

espaço definido na vida social, econômica, política e religiosa.

Antigamente os seres humanos “diferentes” eram segregados, afastados de

qualquer convívio social, pois sua diferença era vista como maldição, destino,

castigo, e todo tipo de crença, pois afinal, o que era desconhecido, era fonte de

medo. O medo gera preconceito e consequentemente, a exclusão.

A medida que os princípios humanistas se firmaram, o direito do homem à

igualdade e a cidadania, começou a surgir uma movimentação e preocupação a

este respeito, e a história da educação especial começou a mudar.

A exclusão e rejeição aos diferentes, deram lugar a compaixão, a atos

paternalistas e filantrópicos e que até hoje prevalecem, apesar dos esforços para

modificar essa postura. Reconhecer os direitos do cidadão, sem preconceitos e

discriminações, foi um espaço considerado por poucos, uma conquista, e por

muitos uma imposição. Infelizmente !

A partir do século XIX, tempo de grandes descobertas no campo da biologia e da

saúde, passou-se a estudar os “deficientes” de modo a procurar respostas para seus

problemas. Deu-se então, a "segregação institucional”. Privados do convívio da família e

da sociedade, os portadores de deficiências eram acolhidos em asilos, quase sempre

17

religiosos, passando ali, praticamente toda a sua vida. Aos poucos, foram surgindo

movimentos, como escolas especiais, e centros de reabilitação, pois a sociedade começou

a admitir que os deficientes pudessem ser produtivos se fossem estimulados.

Organizações não-governamentais como Associação de Assistência à Criança Deficiente,

Sociedade Pestalozzi, APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), o

conjunto de temas sobre deficiência, foi-se inserindo além do âmbito da saúde, ao

espaço educacional.

No século XX, e até os dias de hoje, no âmbito legal, destacam-se a Lei de

Diretrizes e Bases 9424/96, em seu Capítulo V, Artigo 58°: "Entende-se por

Educação Especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de Educação

Escolar, oferecida, preferencialmente, na Rede Regular de Ensino, para

educandos portadores de necessidades especiais"; e a Constituição Federal,

Capítulo III, Seção I, Artigo 205: "A educação, direito de todos e dever do Estado

e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o

pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho"; e ainda nos Artigos 206 e 208 e, em todo o texto da Carta

Magna* aplicada ao Portador de Necessidades Especiais.

Ainda no século XX, no ano de 1986 o termo "alunos excepcionais" foi

substituído por "alunos portadores de necessidades educativas especiais".

Segundo Sassaki (1998), é incorreto o termo "necessidades educativas especiais".

As necessidades especiais podem ser educacionais, ou seja, concernentes ao campo de

educação. Portanto "necessidades educativas especiais" é um termo que não traduz o

que os educadores realmente querem dizer, pois "educativas" significa: "que educa,

instrutivo, que serve para educar" (artigo publicado na Revista Integração, n° 8, pág, 9). O

certo seria, então, utilizar o termo "necessidades educacionais especiais".

No final do século XX, a intenção de estabelecer e garantir o atendimento

pedagógico em Educação Especial concretizou-se em 1972, quando o Governo

elegeu a Educação Especial como meta prioritária, formulando o I Plano

Setorial de Educação. Da elaboração desse plano, foi criado o Centro Nacional

de Educação Especial (CENESP), que deu início a centralização e

direcionamento das ações sistematizadas nesta área.

18

Hoje, no século XXI, cabe a Secretaria de Educação Especial (SEESP)/MEC,

a responsabilidade de coordenar a formulação das Políticas de Educação

Especial, em consonância com as organizações governamentais e não

governamentais, estando em nível de igualdade às demais categorias do ensino

brasileiro.

Ao final do século XX e início do século XXI constata-se um significativo

aumento na produção teórica dessa área, substituindo praticas empíricas e

sem cunho cientifico existentes até então, em propostas pedagógicas. A partir

de então os movimentos em prol da operacionalização do processo de integração

escolar, bem como no campo profissional, teve um lugar de destaque, e

consequente crescimento e respeito junto à sociedade.

Apesar das grandes conquistas, até os dias de hoje, persistem dificuldades,

algumas estruturais da sociedade, e outras específicas da educação dos

portadores de necessidades especiais.

2.1 Política de Educação Especial

Segundo a Política Nacional de Educação Especial (MEC,

1994), dentre as dificuldades encontradas nas diversas instâncias, podemos

destacar:

• Insuficiência de ações organizadas articuladas e coordenadas nos

diferentes níveis de planejamento (Federal, Estadual, Municipal e

Particular) entre as esferas da saúde, educação, previdência social,

trabalho e justiça;

• Planejamentos fora da realidade educacional, prejudicando o atendimento;

• Descontinuidade dos planejamentos e ações devido a mudanças

administrativas;

19

• Descumprimento dos critérios para alocação de recursos e definição de

prioridades;

• Escassez de recursos financeiros para programas nesta área de ensino;

• Desigualdade nas oportunidades educacionais oferecidas nas

diferentes regiões, decorrente do desequilíbrio geográfico, social e

econômico;

• Insuficiência de incentivos a pesquisa e divulgação;

• Identificação tardia da deficiência, prejudicando a eficácia do atendimento;

• Falta de sistematização do processo de avaliação e acompanhamento

do processo do alunado, envolvendo tanto a educação especial quanto a

educação comum;

• Insuficiência, na maioria dos estados, de atendimento na fase pré-

escolar, bem como serviços de estimulação essencial nas primeiras fases

do desenvolvimento infantil;

• Poucas ofertas de vagas para o portador de necessidades educativas

especiais no sistema regular de ensino;

• Dificuldades do sistema de ensino em viabilizar a permanência do PNEE

na escola;

• Despreparo dos professores, técnicos e funcionários das escolas

regulares para atender tal clientela;

• Carência de técnicos para orientação, acompanhamento e

avaliação da proposta pedagógica a ser desenvolvida; (em especial, a

obrigatoriedade de um Psicopedagogo Institucional)

• Inadequação de currículos;

20

• Insuficiência de propostas inovadoras como alternativas educacionais;

• Indefinição de critérios para encarar o processo escolar dos portadores

de deficiência, especialmente o DM;

• Inadaptação da estrutura física e carência de materiais e equipamentos

especializados, dificultando o acesso e permanência da PPNE na escola;

• Falta de consenso sobre a melhor forma de operacionalizar o processo de

integração escolar do PNEE;

• Carência de programas adequados para orientação da família do aluno

da educação especial;

• Desinformação da sociedade e do corpo da escola sobre as reais

necessidades do aluno, prejudicando assim sua integração;

• Lentidão na concepção e adoção de mecanismos de ações e de condições

para assegurar a integração no sistema regular de ensino baseado na Lei

existente.

Sabe-se que a Educação Especial deve ser iniciada no momento em que

são identificadas alterações ou atrasos no desenvolvimento global da criança de

forma que sejam valorizadas suas potencialidades, favorecendo meios para

seu pleno desenvolvimento.

De acordo com a Política Nacional de Educação Especial (MEC, 1994), além

de seguir bases democráticas de igualdade e respeito, a Educação Especial

baseia-se nos seguintes princípios norteadores:

• Principio de Normatização

• Princípio da Integração

• Princípio da Individualização

21

• Princípio Sociológico da Interdependência

• Principio Epistemológico da Construção do Real

• Princípio da Efetividade dos Modelos de Atendimento Educacional

• Princípio do Ajuste Econômico com a Dimensão Humana

• Principio da Legitimidade

Embora em linhas gerais, a Educação Especial possua os mesmos

objetivos da Educação Comum, faz-se necessário a utilização de metodologias

alternativas, material humano especializado e fundamentos específicos que

orientem e caracterizem as necessidades especiais, proporcionando-lhes

condições que favoreçam seu pleno desenvolvimento.

Tomando por base a questão filosófica, a Educação Especial fundamenta-se

na "Declaração Universal dos Direitos do Homem"(1948 ), na "Convenção sobre

os Direitos da Criança"(1990 ) e, nas Declarações das Nações Unidas

(Declaração de Salamanca/1994), que deram origem ao documento "Regras

Padrões sobre a Equalização de Oportunidades para Pessoa com

Deficiência"(1994).

São vários os princípios que norteiam a “Declaração Universal dos

Direitos do Homem”, mas consideraremos apenas as bases fundamentais para a

Educação Especial:

• Todo ser humano é elemento valioso, qualquer que seja a idade,

sexo, nível mental, condições emocionais e antecedentes culturais que

possua, ou grupo étnico, nível social e credo a que pertença. Seu valor

é inerente à natureza do homem e as potencialidades que trás em si;

• Todo ser humano, em todas as suas dimensões, é o centro e o foco de

qualquer movimento para sua promoção. O princípio é válido tanto

para as pessoas consideradas normais e para as ligeiramente

afetadas, como também para as gravemente prejudicadas, que exigem

uma ação integrada de responsabilidade e de realizações

22

pluridimencionais;

• Todo ser humano conta com possibilidades reais, por mínimas que

sejam, de alcançar pleno desenvolvimento de suas habilidades e

de obter positiva adaptação ao ambiente normal;

• Todo ser humano tem direito de reivindicar condições

apropriadas de vida, aprendizagem e ação, de desfrutar de

convivência condigna e de aproveitar das experiências que lhes são

oferecidas para se desempenhar como pessoa e membro atuante de

uma comunidade;

• Todo ser humano, por menor contribuição que possa dar à

sociedade, deve fazer jus ao direito de igualdade de oportunidades, que

lhes assiste como integrante de uma sociedade;

• Todo ser humano, sejam quais forem as suas condições de vida,

tem direito de ser tratado com respeito e dignidade.

No que se refere à “Convenção dos Direitos da Criança” - CDC (1989), seu

quinto princípio explicita que: os direitos dos PNEE, levando os educadores em

geral a assumirem, conscientemente, a responsabilidade de valorizá-los como

indivíduos e como seres sociais, e prescreve, em seu artigo 23 (vinte e três):

"1- Os Estados Partes reconhecem que a criança portadora de deficiências

físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida plena e decente em

condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e

facilitem sua participação ativa na comunidade.

2- Os Estados Partes reconhecem o direito da criança deficiente de

receber cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre

que a criança ou seus responsáveis reunam as condições requeridas,

estimularão e assegurarão a prestação da assistência solicitada, que seja

23

adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das

pessoas encarregadas de seus cuidados.

3- Atendendo às necessidades especiais da criança deficiente, a

assistência prestada, conforme disposto no parágrafo 2° do presente

artigo, será gratuita sempre que possível, levando em consideração a

situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança, e

visará a assegurar à criança deficiente o acesso efetivo à educação, à

capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, à

preparação para o emprego e às oportunidades de lazer, de maneira

que a criança atinja a mais completa integração social possível e o

maior desenvolvimento individual factível, inclusive seu desenvolvimento

cultural e espiritual.

4- Os Estados Parte promoverão, com espírito de cooperação internacional,

um intercâmbio adequado de informações nos campos da assistência médica

preventiva e do tratamento médico, psicológico e funcional das crianças

deficientes, inclusive a divulgação de informações a respeito dos métodos de

reabilitação e dos serviços de ensino e formação profissional, bem como o

acesso a essa informação, afim de que os Estados Partes possam

aprimorar sua capacidade e seus conhecimentos e ampliar sua experiência

nesses campos. Nesse sentido, serão levadas especialmente em conta as

necessidades dos países em desenvolvimento " (in Política Nacional de

Educação Especial, 1995).

Outro documento que consideramos importante fazer menção é a

“Declaração de Salamanca”, que proclama que:

• Toda criança tem direito fundamental à educação e deve ser

dada a oportunidade de atingir e manter um nível adequado de

aprendizagem;

• Toda criança possui características, interesses, habilidades e

necessidades da aprendizagem que são únicas;

• Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas

24

educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em

conta vasta diversidade de tais características e necessidades;

• Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso

à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma

pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades;

• Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os

meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se

comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e

alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem de

uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e,

em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.

Dentre as diferentes modalidades de atendimento ao PNEE, no Sistema

Educacional Brasileiro, podemos citar:

§ as classes especiais do Ensino Regular, com ou sem professor

especializado;

§ apoio pedagógico complementar em sala de recurso;

§ ensino com professor itinerante;

§ classes especiais em escolas comuns; escolas ou centros de educação

especial.

Com o aumento das oportunidades aos PNEE's em adquirir conhecimento

curricular, elegeu-se as seguintes prioridades:

• Acelerar o processo de integração no Sistema Regular de Ensino,

respeitando-se as necessidades e as características diferenciadas

desse aluno;

• Identificá-lo e atendê-lo o mais cedo possível, de modo a prevenir

e/ou reduzir as suas limitações, no que tange aos processos de

25

aprendizagem escolar e de adaptação social;

• Intensificar os processos de triagem e de avaliação do aluno;

• Propiciar continuidade do atendimento até o grau de

finalização do atendimento acadêmico (terminalidade) compatível

com as suas aptidões;

• Elevar o padrão de qualidade dos serviços especializados da

Educação Especial, incentivando estudos, pesquisas e renovação de

metodologias especiais;

• Favorecer ações integradas e mecanismos de articulação entre as

diversas agências de atendimento, intensificando a participação do

aluno no contexto sócio-cultural;

• Desenvolver programas sistemáticos de informação à família

e à comunidade, em geral;

• Incentivar e apoiar a capacitação de recursos humanos;

• Incentivar as alternativas educacionais na área de Educação Especial.

Diante dos princípios específicos aos quais nos referimos, percebemos que

a Política Nacional de Educação Especial(1994) tem em seu objetivo maior a

criação de condições adequadas para o desenvolvimento global do PNEE

valorizando suas potencialidades, visando o pleno exercício de sua cidadania.

No sentido de enfatizar e ampliar quantitativa e qualitativamente os

atendimentos aos PNEE, as políticas do governo se voltam aos Estados e

Municípios, impondo uma ação articulada entre os diversos órgãos, públicos e

particulares, na tentativa de superar as lacunas no processo, através da

expansão da infra-estrutura escolar, melhoria na prática do planejamento e

administração, melhor qualificação do corpo docente e na implantação de novos

métodos e técnicas educacionais.

26

Com o intuito de melhor atender aos requisitos básicos dos atendimentos aos

PNEE, o MEC embasou-se nas prescrições legais, não diferenciando a Educação

Especial da Educação Comum e seguindo as orientações constitucionais contidas no

artigo 208. Durante a organização dessa pesquisa percebemos que tanto os organismos

governamentais como os não governamentais não vem seguindo tais propostas,

preocupando-se com o que vem a ser integração e/ou inclusão. Percebemos ainda

grandes dificuldades na operacionalização dessa proposta.

27

3. O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DEFICIENTE AUDITIVA

(...) A educação é um suporte essencial no

crescimento da pessoa. A educação da criança surda

é um direito, faz parte da sua condição como ser

humano, e o dever de educar é uma exigência do ser

humano adutto, do pai e do educador.

Para a criança surda, tal como para a criança ouvinte, o pleno desenvolvimento

das suas capacidades linguísticas, emocionais e sociais é uma condição

imprescindível para o seu desenvolvimento como pessoa.

É por meio dos relacionamentos sociais que descobrimos o que é necessário

para viver na nossa sociedade.

A família é o fator principal no que diz respeito à aprendizagem das questões

sociais básicas. À medida que cresce, a criança convive cada vez mais com pessoas

fora do círculo familiar, pessoas essas que, por sua vez, passam a ter parte ativa

na socialização da criança. Também a escola é importante quase tanto quanto

a família, pois proporciona à criança a convivência num grupo mais amplo de

indivíduos (os seus pares). Os mediadores exercem um papel modelador nos

comportamentos sociais da criança e a educação religiosa é também um meio de

transmissão de valores.

Na primeira infância, as interações ocorridas desempenham um papel

determinante no desenvolvimento social da criança. Estudos recentes concluem

que, a voz dos pais, pode ser compensada, com outros estímulos, tais como:

sorrisos, carícias, expressões, etc. o educador estabelece a ligação com a criança

surda por intermédio de gestos, estímulos visuais e táteis, de forma natural.

28

Já na idade escolar, pais e educadores mostram frequentemente, alguma

preocupação relativamente ao isolamento social da criança e ao aparecimento de

comportamentos anti-sociais, ou falta de educação. Dentre os fatores de insucesso

entre as crianças surdas, um dos mais relevantes, será a falta do desenvolvimento

da linguagem, uma vez que competência comunicativa. É também de extrema

importância que a criança surda seja estimulada a ter uma boa auto estima, a

aceitar o seu modo único de ser e a aceitar a surdez.,

Quanto ao comportamento desajustado de algumas crianças surdas, esse fato

deve-se, em muitas das vezes, à incompreensão das regras da sociedade, pelo que

as mesmas lhes devem ser transmitidas com clareza e concisamente (se for

necessáno. usar ajudas visuais, tais como desenhos ou fotografias). A surdez em si,

não influencia o desenvolvimento sócio emocional da criança.,

A surdez é uma deficiência não visível fisicamente e se limita a atingir uma

pequena parte da anatomia do indivíduo. Suas consequências, no entanto, são

extraordinária no que diz respeito ao desenvolvimento emocional, social e

educacional.

O conhecimento sobre as características da surdez permite aqueles que se

relacionam ou que pretende desenvolver algum tipo de trabalho pedagógico com

pessoas surdas, a compreensão desse fenómeno, aumentando sua possibilidade de

atender as necessidades especiais constatadas.

A ausência da audição, um dos principais sentidos humanos, segundo

Costa(2003):

(...) impede que os indivíduos conheçam os sons, e

consequentemente tenham problemas de

comunicação através da linguagem oral. O

Documento Política Nacional de Educação Especial

- MEC / Secretaria de Educação Especial caracteriza

a surdez como "perda total ou parcial, congénita

29

ou adquirida, da capacidade de compreender a

fala através do ouvido". (BRASIL, 1994)

Pois bem, para sabermos melhor as consequências, decorrente da surdez é

importante sabermos mais sobre o processamento normal da audição, que inclui o

conhecimento das estruturas anatómicas do ouvido humano e de seu

funcionamento.

Segundo Gomes, C.A.V.(2000), há diversas causas para a surdez, podendo

ocorrer desde a vida uterina até a idade adulta. Quanto ao período de aquisição, a

surdez pode ser dividida em dois grandes grupos:

• Congénitas, quando o indivíduo já nasceu surdo. Neste caso a surdez é

pré-lingual, ou seja, ocorreu antes da aquisição da linguagem.

• Adquiridas, quando o indivíduo perde a audição no decorrer da sua vida.

Neste caso a surdez poderá ser pré ou pós-lingual, dependendo da sua

ocorrência ter se dado antes ou depois da aquisição da linguagem.

Quanto à etiologia (causas da surdez), elas se dividem em:

• Pré-natal - acometem o sistema auditivo do bebé durante a gestação;

provocada por fatores genéticos e hereditários, doenças adquiridas pela

mãe na época da gestação (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus), e

exposição da mãe a drogas ototóxicas (medicamentos que podem afetar a

audição).

• Peri-natal - lesam o sistema auditivo no momento do nascimento ou até o

oitavo dia de vida; provocada mais frequentemente por parto prematuro,

anóxia cerebral (falta de oxigenação no cérebro logo após o nascimento) e

trauma de parto (uso inadequado de fórceps, parto excessivamente

rápido, parto demorado).

30

• Pós-natal - enfermidades que acometem o sistema auditivo depois do

oitavo dia; provocada por doenças adquiridas pelo indivíduo ao longo da

vida, como: meningite, caxumba. sarampo. Além do uso de medicamentos

atotóxicos, outros fatores também têm relação com a surdez, como

avanço da idade e acidentes.

3.1 - A Contribuição de Vigotsky

Estudos behaviorístas realizados por Thorndike e Waston enfatizam a linguagem

como um dos hábitos motores sem nenhuma relação específica com a formação

intelectual do ser humano.

Neste mesmo período, o pensamento foi considerado como uma atividade

espiritual pelos pesquisadores, K. Búhler e Ch.Biihler, acreditando que a linguagem

não fazia a menor ligação com as atividades mentaisjrealizadas pelo homem.

Somente após estudos decorridos por Vygotsky por volta de 1934 é que o papel

da linguagem passou a ser relacionado com a formação mental do ser humano. Após

uma série de experiências realizadas em que testaram a formação da atenção e a

memorização através da linguagem, chegou-se a conclusão que a mesma tem um

papel de grande valor no desenvolvimento mental.

Outros estudiosos como Goldstein (psicopatólogo) e Gelb (psicólogo),

defenderam em 1920,1934 e 1937 a ideia de que, a aquisição da linguagem possibilita o

ser humano a fazer uma análise reflexiva e profunda dos dados percebidos pela visão.

Vários estudiosos demonstraram por meio de pesquisas a importância da

linguagem com relação ao desenvolvimento mental, ao desenvolvimento da

conduta e comportamento, identificando assim as consequências que a ausência da

linguagem pode causar.

O indivíduo que não desenvolve a linguagem não consegue estabelecer sentido

de diferenças entre objetos e conceitos que as palavras são capazes de oferecer.

De acordo com Fernandes (1990) foi realizada uma pesquisa pelos Gardeners

no ano de 1969, com um chipanzé que ao aprender a linguagem americana de sinais

31

(ASL) conseguiu espontaneamente expressar pensamentos e sentimentos mesmo

quando estava só levantando hipóteses de que a linguagem possibilitou o chipanzé a

desenvolver processos mentais.

Diante desta pesquisa é notória a influência que a linguagem exerce no

desenvolvimento mental de qualquer ser, A linguagem tem grande influência na

formação da consciência e é fundamental como veículo de transmissão de informação.

A psicologia sociointeracionista, representada por autores da ex-União

Soviética, em especial por Vygotsky estuda a linguagem com uma visão social. Em

seu livro "Pensamento e Linguagem", Vygotsky considera o contato social como função

primordial da fala.

Apesar da teoria de Vygotsky não ter sido formulada com um olhar voltado para

área da surdez, o autor é um grande contribuidor para área, pois focaliza o

desenvolvimento cognitivo como um processo social, dependendo de experiências de

linguagem que não está necessariamente ligada ao som da fala, propiciando ao surdo

um desenvolvimento cognitivo conforme suas experiências de acordo com sua

diferença linguística.

3.2 – LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais

A escola tem a responsabilidade de construir um trabalho de conscientizar e se

empenhar em "fazer todo dia uma pequena revolução", agindo para construir uma

sociedade mais justa e democrática.

Por ser uma construção histórica e social, as línguas de sinais não constituem

um sistema linguístico universal. Cada país tem a sua própria língua, produtos das

condições culturais de cada comunidade. No Brasil, a língua de sinais de surdos dos

centros urbanos é denominada Linguagem Brasileira de Sinais e vem sendo

estudada por vários linguistas e pesquisadores. Por ser uma língua de modalidade viso-

espacial, que é produzida / codificada a partir de recursos especiais e percebida /

decodificada por meio da visão, faz uso de mecanismos simultâneos ao contrário do

que ocorre nas línguas orais cujos mecanismos são sequenciais.

32

Com os estudos do linguista Chomsky (1994), obteve-se um melhor

entendimento acerca da linguagem e de seu funcionamento. Suas considerações

partem do fato de que é muito difícil explicar como a linguagem pode ser adquirida de

forma tão rápida e tão precisa, apesar das impurezas nas amostras de fala que a criança

ouve. Idem, junto com outros estudiosos, admite, ainda, que as crianças não seriam

capazes de aprender a linguagem, caso não fizessem determinadas suposições

iniciais sobre como o código deve ou não operar. E acrescenta que tais suposições

estariam embutidas no próprio sistema nervoso humano.

As crianças ditas "normais" e também um grande numero de crianças "com

necessidades especiais" aprendem a língua de uma forma semelhante e num

mesmo espaço de tempo. No entanto, não se pode esquecer das diferenças

individuais. Essas são encontradas nos tipos de palavras que as crianças

pronunciam primeiro. Algumas emitem nome de coisas, enquanto outras, evitando

substantivos, preferem exclamações. Outras, ainda expressam automaticamente os

elementos emitidos pelos mais velhos.,

Há crianças, no entanto, que apresentam dificuldades na aquisição da

linguagem. Às vezes, a dificuldade aparece, principalmente, no que se refere à

percepção e à discriminação auditiva, o que trás transtornos à compreensão da

linguagem. Outras vezes, a dificuldade é relativa à articulação e a emissão da

voz, o que produz transtornos na emissão da linguagem. Tudo isso pode ou não ter

relação com a surdez, visto que muitas crianças que apresentam dificuldades

linguísticas não têm audição prejudicada. Por exemplo: a capacidade de processar

rapidamente mensagens linguisticas - um pré-requisito para entendimento da fala -

parece depender do lóbulo temporal esquerdo do cérebro. Danos a essa zona neural ou

seu desenvolvimento "anormal" geralmente são suficientes para produzir problemas de

linguagem.

Segundo Luria (1986), os processos de desenvolvimento do pensamento e da

linguagem incluem o conjunto de interações entre a criança e o meio ambiente,

33

podendo os fatores externos afetar esses processos, positiva ou negativamente. Torna-

se, pois, necessário desenvolver alternativas que possibilitem às crianças com

necessidades especiais, meios de comunicação que as habilitem a desenvolver o seu

potencial linguístico. Pessoas surdas podem adquirir linguagem, comprovando assim

seu potencial linguístico.

Já está comprovado cientificamente que o ser humano possui dois sistemas

para a produção e o reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial, que faz uso

da anatomia visual/auditiva e vocal (línguas orais) e o sistema motor, que faz uso da

anatomia visual e da anatomia da mão e do braço (língua de sinais). Essa é

considerada a língua natural dos surdos, emitida através de gestos e com estrutura

sintética própria. Na aquisição da linguagem, as pessoas surdas utilizam o segundo

sistema, porque apresentam o primeiro sistema seriamente prejudicado. Várias

pesquisas já comprovaram que as crianças surdas procuram criar e desenvolver

alguma forma de linguagem, mesmo não sendo expostas à língua de sinais. Essas

crianças desenvolvem espontaneamente um sistema de gesticulação manual que tem

semelhança com outros sistemas desenvolvidos por outros surdos que nunca tiveram

contato entre si e com as línguas de sinais já conhecidas. Existem estudos que

demonstram as características morfológicas desses sistemas.

A capacidade de comunicação linguística apresenta-se como um dos principais

responsáveis pelo processo de desenvolvimento da criança surda em toda a sua

potencialidade, para que possa desempenhar seu papel social e integrar-se

verdadeiramente na sociedade.

Entre os grandes desafios para pesquisadores e professores de surdos situa-se

o de explicar e superar as muitas dificuldades que esses alunos apresentam no

aprendizado e no uso de línguas orais, como o caso da língua portuguesa. Sabe-se

que, quanto mais cedo tenha sido privado de audição e quanto mais profundo for o

comprometimento, maiores serão as dificuldades.

No que se refere à língua portuguesa, a grande maioria das pessoas surdas, já

escolarizadas, continua demonstrando dificuldades tanto nos níveis fonológico e

morfossintático como nos níveis semântico e pragmático (Fernandes, 1990)

34

É de fundamental importância que os efeitos da língua oral portuguesa

sobre a cognição não sejam supervalorizados em relação ao desempenho do

aluno com surdez, dificultando sua aprendizagem e diminuendo suas chances de

integração plena. Faz-se necessário, por conseguinte, a utilização de

alternativas de comunicação que possam propiciar um melhor intercâmbio, em

todas as áreas, entre surdos e ouvintes. Essas alternativas devem basear-se na

substituição da audição por outros canais, destacando-se a visão, o tato e o

movimento além do aproveitamento dos restos auditivos existentes.

Face ao exposto, pode-se concluir que o aluno com surdez tem as mesmas

possibilidades de desenvolvimento que a pessoa ouvinte, precisando, somente, que

tenha suas necessidades especiais supridas, visto que o natural do homem é a

linguagem.

35

4. A APRENDIZAGEM DO DEFICIENTE AUDITIVO

Autores como Brito, Fernandes e outros acreditam que a criança surda ao

adquirir uma linguagem tardiamente apresentará problemas emocionais, sociais e

cognitivos, pois esses autores afirmam que é por meio da linguagem natural que o

indivíduo desenvolve o pensamento.

Segundo Vygotsky os problemas cognitivos das crianças surdas está relacionado

ao meio social pelo qual a mesma está inserida, sedo este o principal responsável pelo

atraso cognitivo do surdo. Para ele a linguagem vem do exterior, ou seja, do social para

o interior do indivíduo.,

Sacks (1998) relata a partir de estudos realizados por um pesquisador que os

surdos que fazem uso da língua de sinais demonstram maior velocidade aos estímulos

e maior precisão para detectar a direção do movimento, pois segundo esse estudioso, o

indivíduo surdo possui um aumento de capacidade no cérebro que esta relacionada

com as áreas de recepção da visão, que quando são desenvolvidos pela aquisição

da língua de sinais, habilita o surdo a construir no espaço, podendo a linguagem alterar

o desenvolvimento do cérebro.

Para Sacks (1998), o desenvolvimento cerebral dos surdos congénitos não

ocorre espontaneamente, dependendo então, do uso adequado da linguagem. A

linguagem precisa ser introduzida o mais cedo para que a criança surda atinja uma

maturidade cerebral sem que aconteça um atraso no desenvolvimento mental.

36

5 – PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL

“Formar-se não é instruir-se, é antes de mais nada refletir, pensar numa experiência vivida (...) formar-se é aprender a construir uma distância face à sua própria experiência de vida, é aprender a contá-la através de palavras, é ser capaz de a conceitualizar “

(Remy Hess)

A Psicopedagogia Clinica/Institucional nasceu da necessidade de

compreender os possíveis problemas de aprendizagem, comprometimentos

cognitivos, afetivos e psicomotores, num primeiro momento da criança em

idade escolar. Portanto, há uma rede de fatores que interferem neste

complexo processo.

Buarque define a “Psicopedagogia” como aplicação da psicologia

experimental à pedagogia. Definição que para nós, graduandas e graduandas

sabemos que não confere com o papel definido para a atuação deste profissional

da área da saúde, nem clinicamente e nem institucionalmente.

Kiguel (1991, p.22), nos remete ao conceito histórico afirmando:

historicamente a psicopedagogia surgiu na fronteira entre a pedagogia e a

psicologia, a partir das necessidades de atendimento de crianças com distúrbio

de aprendizagem, consideradas inaptas dentro do sistema educacional

convencional. Ele afirma também que os fatores etiológicos utilizados para

explicar índices alarmantes do fracasso escolar envolviam quase que,

exclusivamente, fatores individuais como desnutrição, problemas neurológicos,

psicológicos, etc., acrescenta ainda que no Brasil, particularmente na década de

70, do século passado, foi amplamente difundido o rótulo de “Disfunção

Cerebral Mínima” para crianças que apresentavam, como sintoma proeminente,

distúrbios de escolaridade.

37

Essas citações, nos levam a pensar que o fracasso escolar direciona

suas causas às questões psicológicas, negando, dessa forma as questões

pedagógicas, sugerindo maior preocupação com o biológico e o emocioal,

delegando a segundo plano o pedagógico. De certo, ainda por vezes nos

deparamos com essas questões mas com a atuação cada vez mais

responsável e qualificada do Psicopedagogo Institucional, vem sendo

esclarecida e melhor entendida sua função tanto no âmbito escolar quanto

clínico.

5.1 – Psicopedagogia Institucional: qual a sua real função? Será um profissional que trabalha* como Educador?

Espera-se do Educador conhecimentos adequados sobre o que pretende

ensinar, as habilidades necessárias à organização e à transmissão do saber, o

conhecimento das metas educacionais, das relações estabelecidas no âmbito da

escola e a consciência das relações entre a escola e a sociedade.

O Educador que se dedica ao trabalho com crianças PNE, necessita de alguns

pré-requisitos, como por exemplo conhecer as particularidades da educação dessas

crianças, suas potencialidades, necessidades especiais, características especificas,

bem como os avanços das Políticas da Educação Especial.

38

* – Utilizo o termo “trabalho” me reportando à Lei de Diretrizes e Bases da Educação nos artigos 1º e 2º, onde coloca a articulação da educação com o trabalho.

A formação de professores tem sido um grande desafio para as Políticas

Educacionais Brasileiras. A consciência política e a importância social dos

professores no quadro do desenvolvimento do país ainda precisa ser reavaliada e

adequadamente elaborada, estimulando os gestores da educação em desenvolver

novas propostas e implementá-las.

Mostra-se urgente a qualificação e formação continuada dos docentes do Brasil

para ajudar a reverter este quadro.

O que nos parece é que a formação academica do professor é pouco

valorizada e com isso encontramos um alto índice de "analfabetismo funcional".

Surgem programas compensatórios, supletivos ou mesmo formação em serviço.

Cabe lembrar que a formação em serviço, existe para aprimorar profissionais nos

avanços e inovações ocorridas em sua área de atuação, e não para suprir sua má

formação anterior.

Diante disso, não cabe a hipótese de culpar os professores, uma vez que

estes não tiveram sua formação inicial adequada.

Faz-se necessário explicitar as modalidades de formação de professores

que encontramos atualmente:

• Formação Inicial

• Formação Continuada

• Formação Complementar

O Psicopedagogo Institucional poderá subsidiar a prática do professor, pois

dedica-se ao estudo do processo de aprendizagem. Sua atuação é específica, da

ordem do conhecimento, não é didática nem psicológica, mas todos esses aspectos

estão presentes, buscando resgatar o prazer de aprender. A função deste

profissional não está em trabalhar os conteúdos escolares formais, mas com

situações cognitivas, com o processo de pensamento e de soluções de problemas

39

de aprendizagem, suas diferentes formas de representação nas suas múltiplas

interrelações.

Este profissional prepara-se para partilhar questões escolares, familiares

e sociais. O Psicopedagogo faz uma intervenção diferenciada do Psicólogo pois trata

da dinâmica de métodos de ensino, dos conteúdos; do relacionamento com o

aluno, com o professor e com o aprender de maneira interdisciplinar, juntos

a outros profissionais da área de educação e saúde. Enfim, para esclarecer

problemas de aprendizagem, precisamos dos diagnósticos de diferentes

profissionais.

Cabe à reflexão: Quem entende de Educação? O Professor ou o

Psicopedagogo Institucional?

Fernández coloca: “tire o “ou” e ponha o “e”, pois o Psicopedagogo não é um

Professor melhorado. A Psicopedagogia é outra forma de ver e entender a Educação.

É importante contar com os dois. A Pedagoga (Professora) trabalha com a

informação e o conhecimento, a Psicopedagoga com seus aspectos subjetivos da

Educação”. Compreendo que com esses dois elementos que encontramos a riqueza

do processo educacional.

Acreditamos que a Educação numa democracia é o principal meio de

instrumentalizar o cidadão para o exercício de suas funções na sociedade.

Os atuais PCN’s, não tem nenhuma referência à Educação Especial. Será

que foram esquecidos? Inicialmente, há um equívoco nesse aspecto, bem como na

Legislação, no momento em que se distingue Educação Especial da Educação

Básica, pois ainda está por vir algum material que subsidiará o Professor que

lida diretamente com tal segmento. Consideramos que haja uma contradição entre

o discurso e a prática, a medida em que tentamos uma sintonia com a realidade da

proposta acerca da inclusão. O próprio Governo a excluiu, no momento em que

elaborou uma proposta específica.

Será que isso implicaria aos professores “reaprender a aprender”? Morin,

nos diz “Servirmo-nos de nosso pensamento para repensar nossa estrutura de

pensamentos". O enigma dessa questão é a interrogação atual das ciências

40

cognitivas. O caminho do conhecimento implica busca e aprofundamento das

relações que seja possível estabelecer em torno de um tema, relação tanto

procedimentais como disciplinais; mas também do desenvolvimento da capacidade

de propor-se problemas, de aprender a utilizar fontes de informações contrapostas

ou complementares, e saber que todo ponto de chegada constitui em si um novo

ponto de partida.

No sentido de se dar um novo significado ao conteúdo dado em sala de aula,

será preciso dar uma nova significação para o professor, devolvendo-lhe a

dignidade e a integridade como ser humano, redimensionando o conceito de

Educação, de homem, de mundo, de sociedade, fazendo com que esse Professor

transforme-se num profissional da educação competente, criativo e crítico e, que

possa fazer com que seus alunos se transformem também, transformando a

sociedade. E o Psicopedagogo Institucional também esteja inserido nesta tarefa

de valorização e encaminhamento desta proposta; levando-nos a uma reflexão

sobre o conceito mais utilizado para se referir as novas tendências da formação

de professores. A palavra vem do latim, reflectere, que significa “voltar atrás". E

portanto, repensar, retornar continuamente a caminhos já percorridos, reconsiderar os

dados disponíveis, reexaminar a prática pedagógica de forma crítica e criteriosa

numa busca constante de novos significados.

Consideramos positiva a parceria entre o Psicopedagogo Institucional e o

Professor/Educador que fizerem da reflexão a sua prática, reavaliando e

resignificando o seu fazer, transformando este ato de educar em algo significativo e

prazeroso para todos os envolvidos.

5.2 Objeto de Estudo da Psicopedagogia

Para Kiguel (1991, p. 24), o objeto de estudo da psicopedagogia está se

estruturando em torno do processo da aprendizagem humana: seus padrões

evolutivos normais e patológicos – bem como influência do meio (familia, escola,

sociedade) no seu desenvolvimento.

41

De acordo com Neves (1991, p. 1 2), a psicopedagogia estuda o ato de

aprender e ensinar, levando sempre em conta as realidades interna e externa da

aprendizagem, tomadas em conjunto, procurando colocar em pé de igualdade os

aspectos cognitivos, afetivos e sociais que lhes estão implicitos.

Para Scoz (1992, p. 2), a psicopedagogia estuda o processo de

aprendizagem e suas dificuldades, e numa ação profissional deve englobar vários

campos do conhecimento, integrando-os e sintetizando-os.

Rubinstein (1992, p. 103) afirma, num primeiro momento que a

Psicopedagogia esteve voltada para a busca e o desenvolvimento de metodologias

que melhor atendessem aos portadores de dificuldades, tendo como objetivo fazer a

reeducação destes, e assim, promover o desaparecimento do sintoma.

O termo “sintoma”, traduz o que está ligado aos distúrbios funcionais ou

lesionais que o determinam; é indício, sinal de algo. Na Psicopedagogia

percebemos desta maneira: o sintoma pode estar diretamente ligado ou pode estar

ocasionando a quebra no processo ensino-aprendizagem.

5.3 – Educação para o Século XXI

De acordo com a Comissão Internacional e o Relatório para UNESCO sobre

Educação para o Século XXI (Delors,1999), estabeleceu-se o compromisso mundial

para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários a uma vida

mais digna, constituindo assim, numa elaboração admirável ao exercício da reflexão.

Diante do quadro atual e das diversidades do mundo globalizado, o Relatório

aponta quatro pilares básicos essenciais a um novo conceito de educação, a

saber: aprender a viver juntos - desenvolvendo conhecimento acerca dos outros,

da sua história, tradições e espiritualidade; aprender a conhecer - levando em

consideração as alterações provocadas pelo rápido progresso científico e as formas

atuais de atividades econômicas e sociais; aprender a fazer - ultrapassando a

aprendizagem profissional e adquirindo uma competência mais ampla, que

42

possibilite o ser humano a enfrentar diversas situações, várias delas imprevisíveis,

facilitando o trabalho em equipe, dimensão hoje muito negligenciada pelos métodos

pedagógicos; aprender a ser - exigindo de todos nós, grande capacidade de

autonomia e de discernimento, juntamente com o compromisso da responsabilidade

pessoal, da realização de um objetivo coletivo.

A educação deve adaptar-se constantemente as transformações da

sociedade, sem deixar de transmitir as aquisições, os saberes básicos frutos da

experiência humana.

O Professor junto com o Psicopedagogo Institucional precisarão

perceber seu papel, e na riqueza dessa descoberta, conquistar seu lugar,

fazendo-os agir como seres pensantes, críticos e atuantes. Desta forma, o ato

educativo terá um significado que ultrapassará os limites do saber fazer e a

aprendizagem deverá apoiar-se em bases sólidas, culminando na construção do

conhecimento.

5.4 Psicopedagogia Institucional Hoje

Atualmente, as Construções Psicopedagógicas extrapolam as questões

relacionadas apenas aos problemas de aprendizagem e as pesquisas e, se dirigem

para duas vertentes: a Psicopedagogia Clínica (terapêutica) e, a Psicopedagogia

Institucional (preventiva). A primeira, tem corno objetivo contribuir para uma

melhor organização do processo da construção do conhecimento da criança que

apresente problemas de aprendizagem e, a segunda, tem como objetivo, refletir e

desenvolver projetos pedagógicos/educacionais, enriquecendo os procedimentos

em sala de aula, as avaliações e planejamentos na educação sistemática e

assistemática.

,

43

A Psicopedagogia Institucional hoje, articula a inteligência, o desejo, o corpo e

o organismo de quem está aprendendo em relação a quem está ensinando,

estabelece-se a relação entre ambos, sem concentrar-se apenas no conhecimento.

A Psicopedagogia Institucional procura resgatar no indivíduo a sua auto-

estima dando-lhe a possibilidade de sentir-se capaz e perceber-se como ser

aprendente. O indivíduo aprendente é ilimitado no seu aprender. Ele transcende o

conhecimento. Feurestein nos afirma que “havendo um mediador haverá a

possibilidade de melhor desenvolver as funções cognitivas de "input", de "output" e de

"elaboração", ou melhor dizendo, do que vem de dentro, de fora e de como

operacionalizar este conhecimento”.

A Psicopedagogia Institucional tem se mostrado eficiente para uma

atuação preventiva e muito tem a contribuir na Rede de Ensino. Hoje em dia,

sabe-se que este profissional, utiliza-se de seus próprios instrumentos para sua

atuação de trabalho. Tais como:

> técnicas de observação livre;

> anamnese familiar, clínica e escolar;

> desenho livre;

> recorte, colagem, pintura, desenho, etc;

> testes projetivos: destacamos o "par educativo";

> jogos livres e jogos com regras.

A Psicopedagogia vem tentando compreender os problemas que atingem

os indivíduos “dEficientes” e suas multiplas implicações e manifestações.

Utilizei-me de conhecimentos adquiridos e observações de campo, para

explicar os diferentes fatores envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem do

sujeito aprendente. Os primeiros momentos desta busca caracterizaram-se como

44

uma etapa de acolhimento a criança e a familia. Percebi a atuação da proissional e

fiz uma reflexão, alem de ter uma visão crítica, e se a mesma estava com

embasamentos psicopedagógicos necessários, que fortalecessem sua prática e

atuação, na Instituição, colaborando com o crescimento de todos e de cada um ao

mesmo tempo.

Entendo que cabe ao Psicopedagogo Institucional também a

habilidade de formatar a prática de um trabalho interdisciplinar e transdisciplinar.

visando as possibilidades dos outros profissionais, favorecendo o pleno

desenvolvimento do grupo e tornando-se capaz de assumir-se como uma

pessoa conhecedora das possibilidades de integração e interação, alem de

inclusão da propria Equipe.

O Psicopedagogo Institucional se propõe a realizar um trabalho

diferenciado, não só favorecendo o ajustamento social e emocional, mas

promovendo o sujeito em sua totalidade, sem segregá-lo ou fragmentá-lo em

áreas específicas (neurológica, emocional, cognitiva, fonoaudiológica, familiar entre

outras).

É fundamental oferecer a esse indivíduo, a condição de assumir seu papel

de aprendente, considerando seus limites, mas percebendo suas possibilidades e

habilidades, pois atrás do sujeito “dEfidente”, há um ser que pensa, que deseja e

que pode.

Baseando-me nas premissas da teoria psicanalítica, buscando-se no

inconsciente explicações para que o sujeito se reconheça como sujeito,

detentor de conhecimentos e aptidões é que o olhar Psicopedagógico deve

contribuir, tirando esse indivíduo da posição de doente e ensinando-o a pensar

(metacognição), como nos explicam as ideias de Feuerstein (Fierro, p.241).

Considero que se faz necessário realizar uma intervenção

psicopedagógica, mesmo que na instituição, não só com aprendente, mas

também com o ensinante, pois muitas vezes é este ensinante que gera os

problemas de aprendizagem, distanciando o sujeito do objeto do conhecimento

e desacreditando em seu potencial criativo.

45

É fundamental desenvolver uma proposta mais fecunda a partir da

compreensão do sujeito “dEfidente”, pensante, e capaz de ser incluído na

sociedade, agindo e modificando-se a si mesmo, e o meio em que vive. É preciso

que esse profissional que o acompanhará durante determinada etapa de sua vida

infantil, acredite e valorize suas potencialidade, pois é um ponto primordial para

que se construa uma rede das relações entre esse sujeito e o mundo. No

momento em que for vencida essa barreira e este profissional convicto que seu

papel não é somente o de ensinar, poderá criar situações através das quais este

sujeito aprenda, cresça e se reconheça como um ser humano capaz, seja ele

deficiente auditivo ou portador de outra deficiência.

Para a Psicopedagogia, o sujeito “dEfidente”, deve, sempre,

integrar-se à sociedade, aprender a aprender, fazer para criar e produzir para

desenvolver-se.

O Psicopedagogo Institucional ainda está conquistando seu espaço na

Rede Regular de Ensino pois, não é suficiente, apenas, o cumprirmento da Lei,

mas adequando condições, conquistando recursos e executando projetos, ainda

que modestamente, ocupando seu espaço, demonstrando sua fundamental

importancia e calgando o lugar almejado, contribuindo para a melhoria da qualidade

do ensino para o educador e para o aprendente.

Com a participação ativa do Psicopedagogo Institucional, nós

especialistas/profissionais poderemos, juntos, construir novas perspectivas para que

esta ação coletiva seja implementada, superando as dificuldades que estarão por vir

oportunizando efetivas conquistas a comunidade escolar, com a participação e

aceitação de todas as crianças, portadoras de necessidades especiais ou não, na

Rede Regular de Ensino.

Finalizando es tópico, se faz urgente e necessário a criação de Programas

de Formação Continuada de Professores, com excelência em qualidade,

favorecendo e incentivando esses profissionais em sua capacitação e atualização.

Novos caminhos se abrirão e as habilidades e competencias de cada um de nós,

aparecerão. Nós, profissionais da área da Educação e Saúde trilhamos o caminho da

46

exclusão do paternalismo e da negligência, caracteristicas que não dignificam um ser

humano.

6. APRENDIZAGEM

A aprendizagem, ao contrário do que muitos pensam, não depende

só das condições internas do indivíduo que aprende, ela constitui a relação do

equilíbrio interno, ligadas à aprendizagem com as condições externas do

ensino, pertinentes a quem ensina. Isso só reforça o que Piaget nos sugere nas

situações de equilíbrio, onde entram em sintonia os processos de assimilação (

de fora para dentro) e acomodação (de dentro para fora) das situações de

aprendizagem.

De acordo com Pain (1987), Grossi (1990) entre outros autores, várias

instâncias interferem na aprendizagem, podendo destacar a intelectual ou

lógica, a simbólica ou dramática, o corpo e o organismo. Cada uma delas foi

valorizada, ou excluida na tentativa de explicar a construção do

conhecimento. Um grupo de estudiosos do tema defendeu que a formação

do conhecimento era competência exclusiva da inteligêcia estando assim,

distante do corpo; e outro afirmou que o sujeito já trazia consigo conteúdos

47

preformados, inatos, para depois complementar com as informações que vinham

de fora, através das pessoas que as cercam.

Quando se começou a trabalhar com crianças PNEE, logo percebia-se que

suas dificuldades de aprendizagem passavam pela percepção no funcionamento

dos esquemas do pensamento. Notava-se que a melhora na percepção garantia

o desenvolvimento da inteligência, concordando, assim, com a famosa frase:

"nada chega à inteligência que não tenha antes passado pelos sentidos".

Vários outros estudos foram feitos posteriormente, e descobriu-se a

importância do movimento para o funcionamento da inteligência. Mas o que

adiantava os sentidos e os movimentos se a afetividade fosse esquecida ?

Com os estudos de Freud e seus seguidores, foi evidenciada a importância do

afeto, do desejo, da motivação que são determinados na esfera do inconsciente.

A partir dessas descobertas, a Educação passou a ver a aprendizagem como

resultante de problemas emocionais.

As relações afetivas fazem fluir mais facilmente o processo de construção

do conhecimento. Em contraponto é importante destacar que um determinado tipo

vínculo pode remeter a uma relação paternalista, ou a um sentimento de rejeição

inconsciente, causando aprisionando a criança em sua deficiência, não

permitindo, assim, que ela cresça. O insucesso da criança deficiente ou não,

é também o resultado de outros insucessos, tais como: sociais, políticos,

culturais, educacionais, pedagógicos, entre outros. As dificuldades de

aprendizagem deveriam dar lugar a atitudes reais e concretas e considera-las um

reflexo das dificuldades de ensino.

Na perspectiva construtivista, Piaget considerava que, para aprender eram

necessários dois personagens: um ensinante e um aprendente, e um vínculo que

se estabelece entre ambos. Para que ocorra a aprendizagem coloca-se em

jogo quatro fatores essenciais. Sao eles:

• um organismo individual;

48

• um corpo;

• uma inteligência construída na interrelação com outros seres humanos;

• o desejo que está sempre relacionado ao desejo do outro.

6.1 – Aquisição do Saber

Sob a perspectiva construtivista de Jean Piaget e baseada naa

interação desses quatro fatores acima citados, que Alicia Fernández (1990)

explica como se dá a aquisição do saber:

Aprendente Ensinante

A aprendizagem é um processo vincular, ou seja, acontece no íntimo de um

vínculo humano, cuja matriz se constrói nos primeiros vínculos do filho com a mãe,

com o pai, com os irmãos. Se o desenvolvimento de um comportamento social

"adequado" é também objetivo da educação familiar, é no âmbito da escola que

o indivíduo encontra mais possibilidades de se exercer pela própria situação do

grupo, a qual cada um tem que se adaptar, e, para tanto, desenvolver

comportamentos aceitáveis.

49

Paín (1987) distingue “corpo e organismo”, dizendo que um “organismo” é

comparável a um aparelho de recepção programada, possuidor de células

nervosas - transmissores -capazes de registrar certos tipos de informações e

reproduzi-las. Já o “corpo” não se reduz a esse aparato somático; o organismo,

quando atravessado pelo desejo e pela inteligência, compõe uma corporeidade,

um corpo que aprende, que pensa, que atua.

O organismo bem estruturado é uma boa base para a aprendizagem,

consequentemente, as deficiências orgânicas podem condicionar ou dificultar esse

processo.

Pelo corpo nos apropriamos do organismo. É isto o que o bebê deve

aprender a fazer, dominar seu corpo pela consciência que, gradativamente, adquire

seu poder sobre ele. Não há aprendizagem que não esteja registrada no corpo. A

participação do corpo no processo de aprendizagem se dá pela ação e pela

representação. Todo conhecimento tem um nível de ação (fazer os movimentos) e

um nível figurativo, dado pela imagem que se inscreve no corpo.

O organismo constitui a infra-estrutura neurofisiológica de todas as

coordenações e que torna possível a memória dos automatismos. Um organismo

"doente" ou “deficiente” pode prejudicar a aprendizagem na medida em que afeta o

corpo, o desejo, a inteligência. Pode haver, entretanto, um organismo lesado e uma

imagem corporal saudável. Ou, pelo contrário, um organismo não muito lesado que

se prenda a um corpo (imagem corporal) de inválido. Tudo depende das relações

emocionais que se estabelecem entre os pais e o filho, que condicionam sua

aceitação de lesão ou não.

Quando lidamos com pessoas que possuem o organismo lesado,

temos que objetivar o seu desenvolvimento global, sadio, levando em conta a

relação emocional Assim é importante favorecer a transmissão de

informações verdadeiras sobre seu organismo, levando-o a aceitação de sua

deficiência e à descoberta de sua eficiência, suas possibilidades de apropriação e

domínio do corpo, e objetos do meio.

O fato da criança nascer portadora de deficiência não é “determinante” do

seu futuro mas, sim, “condicionante”. Ou seja, a reprodução biológica não garante a

50

reprodução do ser humano como ser completo, ele se completa pela

aprendizagem. O homem é um ser histórico e se torna humano porque aprende

com os outros humanos. Constata-se daí que a inteligência, da mesma forma, não

é herdada biologicamente; ou seja, o que é inscrito no código genético é a

possibilidade de adquirir as estruturas inteligentes. Esta aquisição dependerá da

aprendizagem.

Da mesma maneira que no âmbito biológico o organismo se desenvolve,

criando estruturas para se adaptar ao meio, há que se pensar na adaptação das

pessoas portadoras de deficiências, abrindo possibilidades para que ela própria

crie estruturas de adaptação, no âmbito da inteligência e da afetividade.

No momento em que nasce um bebê, este traz consigo uma

gama de possibilidades, de capacidades para se adaptar ao meio em que vive e

é, através dessa troca com o meio que as estruturas mentais, intelectuais e

afetivas irão dar a ele condições de fazer com que haja a circulação do

conhecimento. É a partir desse conhecimento que este bebê poderá se

desenvolver e construir suas próprias aquisições e formar seu caráter e

personalidade. Compete a família favorecer essas construções e a medida em que

a criança vai se desenvolvendo, descobrem suas qualidades, habilidades e

potencialidades.

Cabe afirmar que as intervenções sendo realizadas precocemente, as

chances de se reverter um quadro de deficiência instalado - seja ele qual for-

são muitas. Feurestein, acredita que as condições genéticas, neurofisiológicas

adversas, podem ser modificadas, ainda que num estágio de desenvolvimento

adiantado, devido a modificabilidade cognitiva, pois ele considera o organismo

humano como um sistema aberto e a inteligência um processo auto-regulado e

não fixo ou imutável (Fonseca, 1995, p.364).

A teoria de Piaget nos ajuda a compreender melhor a criança com

deficiência porque permite entender as diferentes respostas a mesma questão, não

como erros, como são consideradas e julgadas do ponto de vista da lógica do

adulto, mas sim, a partir da lógica da própria criança.

51

Piaget, em seus estudos, deixou para os profissionais desta área, uma

visão revolucionária, distinguindo no processo ensino-aprendizagem, duas

realidade diferentes. Um conteúdo pode ser ensinado (sem que seja especificado

nenhum método), mas o que se aprende a partir deste ensino depende da

possibilidade do processamento desse conteúdo, que por sua vez, depende das

estruturas cognitivas que cada indivíduo possui. O que é relevante nesse

processo é descobrir como a criança deficiente aprende para, a partir daí intervir

na sua adaptação.

Torna-se fundamental, então, a família saber que tipo de escola quer para

seu filho: qual a filosofia, método, regras disciplinares, e a escola precisa conhecer

e saber quais os valores e expectativas desta familia para que se permita um bom

entendimento entre os dois segmentos (escola-família).

Se faz de real importância que esteja presente em nossos pensamentos e

ações que Escola e Família são duas instâncias onde a criança passa a maior

parte de sua vida. Por este motivo, refiro-me a importância dessa boa relação entre

ambas. É preciso evitar contradições de princípios para que não ocorra

desorientações ou desvios de objetivos.

Sabe-se que a criança é um ser pensante em desenvolvimento, que

renasce e se descobre a cada instante na riqueza de seu imaginário, e se a família,

seu primeiro núcleo educativo, não se fizer presente de forma significativa, poderá

desviar o caminho da busca de seu conhecimento para construção de seu

pensamento lógico e a formação de sua cidadania.

Para uma criança DA é essencial a adequação do método, das atividades,

das técnicas didáticas, da qualificação do professor e dos atendimentos

complementares, que muitas vezes podem ser psicopedagogico, psicomotor,

psicológico, fonoaudiológico ou mesmo audiológico (nos casos de

comprometimento organico).

6.2 Dificuldade de Aprendizagem

52

Para o termo "dificuldade de aprendizagem", encontramos diversas

definições, mas a que mais se enquadra neste trabalho seria a definição de Fonseca

(1995, p. 71), “Dificuldade de Aprendizagem” é um termo geral que se refere a um

grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na

aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita

e do raciocínio matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao

indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema

nervoso central - SNC, podem ocorrer durante toda a vida. Problemas na

autorregulação do comportamento, na percepção social e na interação social,

também podem existir com as dificuldades de aprendizagem. Apesar das

dificuldades de aprendizagem ocorrerem com outras deficiências (sensorial,

mental, distúrbios sócio-emocionais) ou com influências extrínsecas do tipo,

diferenças culturais, insuficiente ou inapropriada instrução, etc.), elas não são o

resultado dessas condições.

Outros fatores que podem vir a desencadear dificuldades de

aprendizagem são: maturação das funções psicológicas, responsáveis pelas

alterações de condutas, conhecidas também como hiperatividade, défict de

atenção, distúrbios de integração, especialização e lateralização hemisférica, dando

lugar a problemas perceptivo-visuais, coordenação viso-manual, entre outros.

O que constatamos é que, essas crianças e jovens com

dificuldades de aprendizagem encontram-se entre a educação especial e a

educação regular, muitas vezes sem um diagnóstico adequado, dificultando a

identificação dessa "deficiência". Uma gama de características cognitivas e

comportamentais abrangem esta não aprendizagem. E até essa identificação

ocorrer, os índices de repetência e evazam escolar, se torna, cada vez, mais

alarmantes. Percebendo esta lacuna, a aluna/graduanda foi buscar conhecimentos

e constatar, in loco, a importância e a necessidade da intervenção

psicopedagógica na Rede Regular de Ensino Publico e Privado, no sentido de

minimizar e/ou prevenir as questões expostas acima.

Diante de relatos informais, às visitações que fiz, as escolas públicas e

privadas na Cidade do Rio de Janeiro, quando era permitida a presença para

simples observação, percebi os termos empregados pelos educadores aos

53

alunos, sem nenhum critério e, sem os mesmos terem sido avaliados por um

especialista para um encaminhamento correto. Entre tantos outros termos

atribuídos a essas crianças, disseram: criança-problema; com distúrbio de

aprendizagem; indisciplinado; hiperativo; com disfunção cerebral, entre outros.

Observando ainda, esta nomenclatura inadequada e talvez uma postura junto a

estes alunos condizante com seu discurso, acredito que tais dificuldades

prejudicarão, não só o desempenho escolar desta criança, mas também sua

interação com o mundo social e, até mesmo com o brincar, gerando uma grande

sensação de fracasso.

Para Weiss,cabe à escola conhecer o modelo de aprendizagem de cada

aluno para poder ampliá-lo ou reformulá-lo. A partir da análise dos aspectos

orgânicos, cognitivos, afetivos e sociais, a escola terá condições de identificar como

o aluno pode aprender e como realmente aprende, que recursos mobiliza, o que já

conhece e como se utiliza do que conhece, quais são seus interesses e motivações.

Identificar o aluno através de seu modelo de aprendizagem significa compreender o

que pode servir de reforço para a ação educativa: permite também discriminar

dificuldades geradas na escola e aquelas que já acompanham a criança antes da fase

escolar e para as quais a escola pode concorrer, ampliando-se ou

colaborando na sua solução (1991,p.8)

7. O QUE É SER “NORMAL”?

"o organismo se domestica se acostuma, se medica; o corpo ensaia se equivoca, se corrige. aprende". (Sara Paín)

Sabe-se que algo pede uma atenção especial, um olhar diferenciado.

Tudo o que consideramos especial se constitui em algo revestido de diferente,

novo. O que para uns é especial, para outros pode ser doença, tudo vai

depender dos padrões que a sociedade impõe ou do ponto de vista de cada um.

A importância da parcela de contribuição que a Declaração dos Direitos

54

Universais do Homem deu a sociedade, afirmando que somos todos iguais,

apesar das diferenças, nos fez pensar que devemos aprender a respeitar as

diferenças e nos adaptar a elas.

Através deste paradigma podemos pensar: Então, que é ser "normal"? A

resposta envolve questões complexas ligadas à medicina, à antropologia, à

filosofia, a educação, entre outras ciências. De acordo com Buarque, “normal” é

segundo a norma, habitual, natural. “Normal” é aquilo que é comum ou frequente

para uma determinada população, que segue um critério de valor ou daquilo que

consideramos ideal.

No caso da palavra "doença", Buarque refere-se como falta ou

perturbação de saúde; moléstia, mal, enfermidade; mania, vício ou defeito. Pode

também ser definida por algum tipo de alteração do funcionamento “normal” do

organismo. Quando a causa da doença é conhecida e bem definida, fica mais fácil

fazer a distinção entre normalidade e doença. Conhecer bem a causa de uma

doença permite delimitar sua ocorrência e tratá-la a partir de seus sintomas.

Baseando-me no Programa da Ação Mundial para Pessoa com Deficiência

(1996), os conceitos de "deficiência" e "incapacidade" foram amplamente

discutidos, e aparentemente refletem a evolução ocorrida em cima deste polêmico

tema, que gira em torno do que vem a ser “normal” ou “doença”.

Já o termo "incapacidade" sintetiza um grande número de diferentes

limitações funcionais. A incapacidade pode revestir-se de forma de uma

deficiência física, intelectual ou sensorial, de uma doença que requeira cuidados

médicos ou uma enfermidade mental. Essas deficiências, doenças ou

enfermidades podem ser de caráter permanente ou transitório. Já o termo

"deficiência" é a perda ou limitação de oportunidades de participar da vida

comunitária em condições de igualdade com as demais pessoas. O termo

"deficiência" descreve a situação da pessoa incapaz em função de seu meio.

Essa questão tem como objetivo centralizar o interesse nas deficiências da

configuração do meio físico e de muitas atividades organizadas da sociedade,

55

por exemplo, informação, comunicação e educação, que dificultam que a pessoa

com deficiência participe em condições de igualdade.

O emprego desses termos: “incapacidade e deficiência” – passou a ser

considerado a partir da História Moderna. No século XX, década de 70,

representantes de organismos no campo da deficiência questionaram a

terminologia, alegando que a utilização do termo mostrava-se de forma confusa,

prejudicando as medidas normativas e a ação política. Tal terminologia refletia

um enfoque meramente médico e de diagnóstico. Em 1980, a OMS ( aprovou

uma classificação internacional de “deficiências, incapacidades e limitações”, que

sugeria um enfoque mais preciso e, ao mesmo tempo, relativo. Essa

classificação que distingue “deficiência, incapacidade e limitacão”, tem sido

bastante utilizado nos campos da reabilitação, educação, política, sociologia, e

antropologia, entretanto ainda define, especificamente, um caráter médico.

Tais terminologias reconhecem a necessidade de se levar em conta as

carências individuais, as deficiências da sociedade, impondo dessa maneira,

vários obstáculos à participação dessa população.

56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho foi elaborado com a intenção de mostrar um tema ainda novo

e polêmico, que é a inclusão dos portadores de deficiência auditiva em escolas da

Rede Regular de Ensino e a importância do Psicopedagogo Institucional nesta

mediação.

Ao término deste, esperamos que venha contribuir de modo geral, com

educadores e psicopedagogos possibilitando alternativas de um convivio

responsável a respeito desta inclusão, oferecendo oportunidades e condições para

que a criança especial não se sinta constrangida num ambiente que também lhe

pertence. A escola precisa estar preparada para se adaptar às normas e padrões,

considerados adequados para receber um aluno portador de necessidades

educativas especiais, e entre tantos outros requisitos, a presença do

psicopedagogo se mostra de fundamental importância.

É também intenção deste estudo a contribuição para a desmistificação de

preconceitos assim como o esclarecimento do que vem a ser a deficiência auditiva,

possibilitando uma reflexão social sobre o tema.

Esperamos que esse trabalho traga informações relevantes e que deste

modo haja um envolvimento crítico e consciente da sociedade como um todo, pois

ainda encontramos muito preconceito e discriminação e por isso também se faz

fundamental a presença nas escolas deste profissional, e que o mesmo possa

contribuir para uma reflexão sobre o tema escolhido.

É primordial que todas essas ações que apontam para a inclusão das

crianças portadoras de necessidades educativas especiais sejam bem planejadas e

estruturadas, assegurando aos educadores e educandos o respeito ao próximo.

Acreditamos numa atuação responsável de educadores e psicopedagogos quando

se discute a inclusão de pessoas que históricamente foram excluidas da sociedade

praticamente em todos os segmentos de suas vidas.

57

Acreditamos que a escola inclusiva só será fortalecida com a união e

integração da escola, família, e sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. Rio de Janeiro: junho,2008.

BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação

Especial: livro l MEC/SEESP. Brasília: a Secretaria, 1994.

BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Encaminhamento de alunos do ensino

regular para atendimento especializado/ Ministério da Educação e do Desporto.

Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994.

BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Linha programáticas para o

atendimento especializado na sala de apoio pedagógico específico! Ministério da

Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Brasília:

MEC/SEESP, 1994. (Diretrizes; 2).

BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Expansão e melhoria da educação

especial nos municípios brasileiros /MEC/SEESP. Brasília. SEESP, 1994.

Diretrizes n° 4.

BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Subsídios para organização e

funcionamento de serviços de educação especial/ Ministério da Educação e do

Desporto, Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1995.

(Séries Diretrizes; 5).

BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Subsídios para organização e

funcionamento de serviços de educação especial: área de deficiência auditiva!

Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Especial.

Brasília: MEC/SEESP, 1995.

58

BRASIL, Secretaria de Educação Especial. O processo de integração escolar dos

alunos portadores de necessidades educativas especiais no sistema

educacional brasileiro/Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de

Educação Especial. Brasília: SEESP. 1995 (Série Diretrizesn0 11).

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares

nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais/ Secretaria de

Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CHAMAT, Leila Sara. Relações Vinculares e aprendizagem: um enfoque

psicopedagógico. São Paulo. Vetor, 1997.

CONSTITUIÇÃO, República Federativa do Brasil. Brasília. 1988.

DECLARAÇÃO de Salamanca, e linha de ação sobre necessidades educativas

especiais / tradução: Edilson Alkmim da Cunha. 2 ed. - Brasília: CORDE, 1997.

DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir - Relatório para a

UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 2a ed.

São Paulo: Cortez; Brasília, DF, MEC: UNESCO, 1999.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira

FERNANDEZ, Alicia, A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Arte Médicas,

1990.

FONSECA, Vítor, Dificuldades de aprendizagem. 2a edição. 1995.

Educação especial: programa de estimulação precoce - Uma introdução às

ideias de Feuerstein. 2a ed. rev. aum. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

FREIRE, Madalena...[et ai.]. Paixão de aprender, Esther Pillar Grossi, org. -

Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.

GASPARIAN, Maria Cecília Castro. Contribuições do modelo relacional sistémico para

a psicopedagogia institucional. São Paulo. Lemos Editorial, 1997.

59

GUIMARÃES, Adrianna Flávia de F. Melo Pereira. Portadores de

dificuldades de aprendizagem x portadores de potencialidades especiais: o

olhar psicopedagogico na construção de um processo especial de escrita,

monografia da especialização em psicopedagogia. Universidade Potiguar,

Natal, 2000.

JUPP, Kenn. Viver plenamente: convivendo com as dificuldade de

aprendizagem, tradução Lúcia Helena Reily - Campinas, SP: Papirus, 1998. -

(Série Educação especial).

KIGUEL, Sônia. "Normalidade x patologia no processo de aprendizagem:

abordagem psicopedagógica", artigo da revista 'Psicopedagogia", n°21, vol. 10,

Assocoação Brasileira de Psicopedagogia, São Paulo: 1991.

PIAGET, Jean - Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1975.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão - Construindo uma sociedade para todos.

Rio de Janeiro: WVA, 1997.

SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia : contextualização, formação e atualização

profissional, org. Beatriz Scoz...et ai., Porto Alegre, Artes Médicas, 1991.

WEISS, Maria Lúcia. Psicopedagogia Clínica : uma visão diagnostica do problemas

de aprendizagem escolar, Rio de Janeiro, DP & A editora, 3a edição, 1997.

60

APÊNDICES

1. AS DIVERSAS NOMECLATURAS USADAS PARA OS DEFICIENTES

Como chamar as pessoas que têm deficiência? *

Romeu Kazumi Sassaki **

São Paulo, janeiro de 2005.

* A primeira versão desta matéria foi publicada no livreto de Romeu Sassaki: Vida

Independente: história, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São

Paulo: RNR, 2003, p. 12-16.

** Consultor de inclusão social. E-mail: [email protected]. Autor do livro Inclusão:

Construindo uma Sociedade para Todos (3.ed., Rio de Janeiro: Editora WVA, 1999)

e do livro Inclusão no Lazer e Turismo: Em Busca da Qualidade de Vida (São Paulo:

Áurea, 2003). Co-autor do livro Trabalho e Deficiência Mental: Perspectivas Atuais

(Brasília: Apae-DF, 2003) e do livro Inclusão dá Trabalho (Belo Horizonte: Armazém

de Idéias, 2000)

Em todas as épocas e localidades, a pergunta que não quer calar-se tem sido esta,

com alguma variação: “Qual é o termo correto - portador de deficiência, pessoa

portadora de deficiência ou portador de necessidades especiais?” Responder esta

pergunta tão simples é simplesmente trabalhoso, por incrível que possa parecer.

Comecemos por deixar bem claro que jamais houve ou haverá um único termo

correto, válido definitivamente em todos os tempos e espaços, ou seja, latitudinal e

longitudinalmente. A razão disto reside no fato de que a cada época são utilizados

61

termos cujo significado seja compatível com os valores vigentes em cada sociedade

enquanto esta evolui em seu relacionamento com as pessoas que possuem este ou

aquele tipo de deficiência. Percorramos, mesmo que superficialmente, a trajetória

dos termos utilizados ao longo da história da atenção às pessoas com deficiência,

no Brasil.

ÉPOCA TERMOS E SIGNIFICADOS

VALOR DA PESSOA

No começo da história, durante séculos.

Romances, nomes de instituições, leis, mídia e outros meios mencionavam “os inválidos”. Exemplos: “A reabilitação profissional visa a proporcionar aos beneficiários inválidos ...” (Decreto federal nº 60.501, de 14/3/67, dando nova redação ao Decreto nº 48.959-A, de 19/9/60).

“os inválidos”. O termo significava “indivíduos sem valor”. Em pleno século 20, ainda se utilizava este termo, embora já sem nenhum sentido pejorativo.

Outro exemplo:

“Inválidos insatisfeitos com lei relativa aos ambulantes” (Diário Popular, 21/4/76).

Aquele que tinha deficiência era tido como socialmente inútil, um peso morto para a sociedade, um fardo para a família, alguém sem valor profissional.

Outros exemplos:

“Servidor inválido pode voltar” (Folha de S. Paulo, 20/7/82).

“Os cegos e o inválido” (IstoÉ, 7/7/99).

Século 20 até ±±±± 1960.

“Derivativo para incapacitados” (Shopping News, Coluna Radioamadorismo, 1973).

“Escolas para crianças incapazes” (Shopping News, 13/12/64).

Após a I e a II Guerras Mundiais, a mídia usava o termo assim: “A guerra produziu incapacitados”,

“os incapacitados”. O termo significava, de início, “indivíduos sem capacidade” e, mais tarde, evoluiu e passou a significar “indivíduos com capacidade residual”. Durante várias décadas, era comum o uso deste termo para designar pessoas com deficiência de qualquer idade. Uma variação foi o termo “os incapazes”, que significava “indivíduos

Foi um avanço da sociedade reconhecer que a pessoa com deficiência poderia ter capacidade residual, mesmo que reduzida.

Mas, ao mesmo tempo, considerava-se que a deficiência, qualquer que fosse o tipo, eliminava ou reduzia a capacidade da pessoa em todos os aspectos: físico,

62

“Os incapacitados agora exigem reabilitação física”.

que não são capazes” de fazer algumas coisas por causa da deficiência que tinham.

psicológico, social, profissional etc.

De ±±±± 1960 até ±±±± 1980.

“Crianças defeituosas na Grã-Bretanha tem educação especial” (Shopping News, 31/8/65).

No final da década de 50, foi fundada a Associação de Assistência à Criança Defeituosa – AACD (hoje denominada Associação de Assistência à Criança Deficiente).

Na década de 50 surgiram as primeiras unidades da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - Apae.

“os defeituosos”. O termo significava “indivíduos com deformidade” (principalmente física).

“os deficientes”. Este termo significava “indivíduos com deficiência” física, intelectual, auditiva, visual ou múltipla, que os levava a executar as funções básicas de vida (andar, sentar-se, correr, escrever, tomar banho etc.) de uma forma diferente daquela como as pessoas sem deficiência faziam. E isto começou a ser aceito pela sociedade.

“os excepcionais”. O termo significava “indivíduos com deficiência intelectual”.

A sociedade passou a utilizar estes três termos, que focalizam as deficiências em si sem reforçarem o que as pessoas não conseguiam fazer como a maioria.

Simultaneamente, difundia-se o movimento em defesa dos direitos das pessoas superdotadas (expressão substituída por “pessoas com altas habilidades” ou “pessoas com indícios de altas habilidades”). O movimento mostrou que o termo “os excepcionais” não poderia referir-se exclusivamente aos que tinham deficiência intelectual, pois as pessoas com superdotação também são excepcionais por estarem na outra ponta da curva da inteligência humana.

De 1981 até ±±±± 1987.

Por pressão das organizações de pessoas com deficiência, a ONU deu o nome de “Ano Internacional das

“pessoas deficientes”. Pela primeira vez em todo o mundo, o substantivo “deficientes” (como em “os deficientes”) passou a

Foi atribuído o valor “pessoas” àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direitos e dignidade à maioria dos membros de

63

Pessoas Deficientes” ao ano de 1981.

E o mundo achou difícil começar a dizer ou escrever “pessoas deficientes”. O impacto desta terminologia foi profundo e ajudou a melhorar a imagem destas pessoas.

ser utilizado como adjetivo, sendo-lhe acrescentado o substantivo “pessoas”.

A partir de 1981, nunca mais se utilizou a palavra “indivíduos” para se referir às pessoas com deficiência.

qualquer sociedade ou país.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou em 1980 a Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades, mostrando que estas três dimensões existem simultaneamente em cada pessoa com deficiência.

De ±±±± 1988 até ±±±± 1993.

Alguns líderes de organizações de pessoas com deficiência contestaram o termo “pessoa deficiente” alegando que ele sinaliza que a pessoa inteira é deficiente, o que era inaceitável para eles.

“pessoas portadoras de deficiência”. Termo que, utilizado somente em países de língua portuguesa, foi proposto para substituir o termo “pessoas deficientes”.

Pela lei do menor esforço, logo reduziram este termo para “portadores de deficiência”.

O “portar uma deficiência” passou a ser um valor agregado à pessoa. A deficiência passou a ser um detalhe da pessoa. O termo foi adotado nas Constituições federal e estaduais e em todas as leis e políticas pertinentes ao campo das deficiências. Conselhos, coordenadorias e associações passaram a incluir o termo em seus nomes oficiais.

De ±±±± 1990 até hoje.

O art. 5° da Resolução CNE/CEB n° 2, de 11/9/01, explica que as

“pessoas com necessidades especiais”. O termo surgiu primeiramente para substituir

De início, “necessidades especiais” representava apenas um novo termo.

Depois, com a vigência

64

necessidades especiais decorrem de três situações, uma das quais envolvendo dificuldades vinculadas a deficiências e dificuldades não-vinculadas a uma causa orgânica.

“deficiência” por “necessidades especiais”. daí a expressão “portadores de necessidades especiais”. Depois, esse termo passou a ter significado próprio sem substituir o nome “pessoas com deficiência”.

da Resolução n° 2, “necessidades especiais” passou a ser um valor agregado tanto à pessoa com deficiência quanto a outras pessoas.

Mesma época acima.

Surgiram expressões como “crianças especiais”, “alunos especiais”, “pacientes especiais” e assim por diante numa tentativa de amenizar a contundência da palavra “deficientes”.

“pessoas especiais”. O termo apareceu como uma forma reduzida da expressão “pessoas com necessidades especiais”, constituindo um eufemismo dificilmente aceitável para designar um segmento populacional.

O adjetivo “especiais” permanece como uma simples palavra, sem agregar valor diferenciado às pessoas com deficiência. O “especial” não é qualificativo exclusivo das pessoas que têm deficiência, pois ele se aplica a qualquer pessoa.

Em junho de 1994.

A Declaração de Salamanca preconiza a educação inclusiva para todos, tenham ou não uma deficiência.

“pessoas com deficiência” e pessoas sem deficiência, quando tiverem necessidades educacionais especiais e se encontrarem segregadas, têm o direito de fazer parte das escolas inclusivas e da sociedade inclusiva.

O valor agregado às pessoas é o de elas fazerem parte do grande segmento dos excluídos que, com o seu poder pessoal, exigem sua inclusão em todos os aspectos da vida da sociedade. Trata-se do empoderamento.

Em maio de 2002.

O Frei Betto escreveu no jornal O Estado de

“portadores de direitos especiais”. O termo e a sigla apresentam problemas que

Não há valor a ser agregado com a adoção deste termo, por motivos expostos na coluna ao

65

S.Paulo um artigo em que propõe o termo “portadores de direitos especiais” e a sigla PODE.

Alega o proponente que o substantivo “deficientes” e o adjetivo “deficientes” encerram o significado de falha ou imperfeição enquanto que a sigla PODE exprime capacidade.

O artigo, ou parte dele, foi reproduzido em revistas especializadas em assuntos de deficiência.

inviabilizam a sua adoção em substituição a qualquer outro termo para designar pessoas que têm deficiência. O termo “portadores” já vem sendo questionado por sua alusão a “carregadores”, pessoas que “portam” (levam) uma deficiência. O termo “direitos especiais” é contraditório porque as pessoas com deficiência exigem equiparação de direitos e não direitos especiais. E mesmo que defendessem direitos especiais, o nome “portadores de direitos especiais” não poderia ser exclusivo das pessoas com deficiência, pois qualquer outro grupo vulnerável pode reivindicar direitos especiais.

lado e nesta.

A sigla PODE, apesar de lembrar “capacidade”, apresenta problemas de uso:

1) Imaginem a mídia e outros autores escrevendo ou falando assim: “Os Podes de Osasco terão audiência com o Prefeito...”, “A Pode Maria de Souza manifestou-se a favor ...”, “A sugestão de José Maurício, que é um Pode, pode ser aprovada hoje ...”

2) Pelas normas brasileiras de ortografia, a sigla PODE precisa ser grafada “Pode”.

Norma: Toda sigla com mais de 3 letras, pronunciada como uma palavra, deve ser grafada em caixa baixa com exceção da letra inicial.

De ±±±± 1990 até hoje e “pessoas com deficiência” passa a ser

Os valores agregados às pessoas com deficiência

66

além.

A década de 90 e a primeira década do século 21 e do Terceiro Milênio estão sendo marcadas por eventos mundiais, liderados por organizações de pessoas com deficiência.

A relação de documentos produzidos nesses eventos pode ser vista no final deste artigo.

o termo preferido por um número cada vez maior de adeptos, boa parte dos quais é constituída por pessoas com deficiência que, no maior evento (“Encontrão”) das organizações de pessoas com deficiência, realizado no Recife em 2000, conclamaram o público a adotar este termo. Elas esclareceram que não são “portadoras de deficiência” e que não querem ser chamadas com tal nome.

são:

1) o do empoderamento [uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação de cada um] e

2) o da responsabilidade de contribuir com seus talentos para mudar a sociedade rumo à inclusão de todas as pessoas, com ou sem deficiência.

Os movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo os do Brasil,

estão debatendo o nome pelo qual elas desejam ser chamadas. Mundialmente, já

fecharam a questão: querem ser chamadas de “pessoas com deficiência” em todos

os idiomas. E esse termo faz parte do texto da Convenção Internacional para

Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, a ser

aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 2005 ou 2006 e a ser promulgada

posteriormente através de lei nacional de todos os Países-Membros.

Eis os princípios básicos para os movimentos terem chegado ao nome

“pessoas com deficiência”:

1. Não esconder ou camuflar a deficiência;

2. Não aceitar o consolo da falsa idéia de que todo mundo tem

deficiência;

3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;

4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;

67

5. Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como

“pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”,

“pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas dEficientes”, “pessoas

especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós

somos imperfeitos”, “não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça

dentro da areia” (i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”);

6. Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em

termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para

pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades

especiais, que não devem ser ignoradas;

7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí

encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou

eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas

pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência).

Conclusão

A tendência é no sentido de parar de dizer ou escrever a palavra “portadora” (como

substantivo e como adjetivo). A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa

e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo

“portar” como o substantivo ou o adjetivo “portadora” não se aplicam a uma condição

inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo, não dizemos e nem

escrevemos que uma certa pessoa é portadora de olhos verdes ou pele morena.

Uma pessoa só porta algo que ela possa não portar, deliberada ou casualmente. Por

exemplo, uma pessoa pode portar um guarda-chuva se houver necessidade e deixá-

lo em algum lugar por esquecimento ou por assim decidir. Não se pode fazer isto

com uma deficiência, é claro.

A quase totalidade dos documentos, a seguir mencionados, foi escrita e aprovada

por organizações de pessoas com deficiência que, no atual debate sobre a

Convenção da ONU a ser aprovada em 2003, estão chegando ao consenso quanto

a adotar a expressão “pessoas com deficiência” em todas as suas manifestações

orais ou escritas.

68

Documentos do Sistema ONU

• 1990 - Declaração Mundial sobre Educação para Todos / Unesco.

• 1993 - Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com

Deficiência / ONU.

• 1993 - Inclusão Plena e Positiva de Pessoas com Deficiência em Todos os

Aspectos da Sociedade / ONU.

• 1994 - Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Educação para

Necessidades Especiais / Unesco.

• 1999 - Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da

Guatemala) / OEA.

• 2001 - Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF) /

OMS, que substituiu a Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e

Incapacidades / OMS, de 1980.

• 2003 - Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e

Dignidade das Pessoas com Deficiência / ONU.

Documentos de outros organismos mundiais

• 1992 - Declaração de Vancouver.

• 1993 - Declaração de Santiago.

• 1993 - Declaração de Maastricht.

• 1993 - Declaração de Manágua.

• 1999 - Carta para o Terceiro Milênio.

• 1999 - Declaração de Washington.

• 2000 - Declaração de Pequim.

• 2000 - Declaração de Manchester sobre Educação Inclusiva.

69

• 2002 - Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão.

• 2002 - Declaração de Madri.

• 2002 - Declaração de Sapporo.

• 2002 - Declaração de Caracas.

• 2003 – Declaração de Kochi.

• 2003 – Declaração de Quito.

• 2004 – Declaração Mundial sobre Deficiência Intelectual.