universidade candido mendes avm faculdade …escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL AUTORA DÉBORA DOS SANTOS RODRIGUES ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2012

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  • UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

    PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

    O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

    AUTORA

    DÉBORA DOS SANTOS RODRIGUES

    ORIENTADOR

    PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

    RIO DE JANEIRO 2012

  • 2

    UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

    PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

    O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – AVM Faculdade Integrada, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito e Processo do Trabalho. Por: Débora dos Santos Rodrigues

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, à minha família, principalmente minha filha Priscila Azevedo, por compreender minha ausência, e minha irmã Deise Rodrigues, por minimizar esta ausência; à minha colaboradora Valquíria Tralhão; aos meus amigos de trabalho e colegas de sala de aula: Verônica Lamas, Ericson Brum, Dalmo de Souza, Ingrid Pereira, Marcelo Ricardo Oliveira, José Carlos Pereira, em especial a Danielle da Silva Lima e Leonardo de Jesus, por todo o apoio no decorrer do curso e na elaboração desta monografia; e a Glaucia Gomes, pela generosidade em ceder o material bibliográfico.

  • 4

    DEDICATÓRIA À minha filha Priscila Azevedo, razão da minha vida, meu amor eterno.

  • 5

    RESUMO O trabalho escravo ocorre até hoje no Brasil, apesar dessa prática ter sido abolida por meio da Lei Áurea, em 1988. As diversas formas do trabalho escravo têm em comum o uso da coação e o cerceamento a liberdade e é apontado com maior freqüência na área rural, onde muitas vezes também há indícios de trabalho infantil. O Ministério Público trabalha em conjunto com entidades federais, entidades sem fins lucrativos e ONGs que visam o mesmo objetivo, qual seja, o de prevenir, reprimir e erradicar as práticas do trabalho escravo, ou qualquer outro trabalho ilegal. Há vários acordos e convenções pactuados neste sentido. A atuação do Ministério do Trabalho e Emprego é essencial nesse combate, e seus servidores têm trabalhado com afinco para erradicar a chaga do trabalho escravo em nosso país, por meio do inquérito público, impetração de ação civil pública, fiscalização e resgate dos trabalhadores que se encontram nesta deplorável situação.

  • 6

    METODOLOGIA

    O presente trabalho constitui-se em uma descrição detalhada das

    características do trabalho escravo no Brasil, do tratamento conferido pelos

    órgãos envolvidos em seu combate, assim como pelo ordenamento jurídico

    nacional e de sua interpretação pela doutrina especializada, tudo sob o ponto de

    vista específico do direito positivo brasileiro.

    Para tanto, o estudo que ora se apresenta foi levado a efeito a partir do

    método da pesquisa bibliográfica, em que se buscou o conhecimento em diversos

    tipos de publicações, como livros e artigos em jornais, revistas e outros periódicos

    especializados, além de publicações oficiais da legislação e da jurisprudência

    disponíveis on line.

    Por outro lado, a pesquisa que resultou nesta monografia também foi

    empreendida através do método dogmático, porque teve como marco referencial

    e fundamento exclusivo a dogmática desenvolvida pelos estudiosos que já se

    debruçaram sobre o tema anteriormente, e positivista, porque buscou apenas

    identificar a realidade social em estudo e o tratamento jurídico a ela conferido, sob

    o ponto de vista específico do direito positivo brasileiro.

    Adicionalmente, o estudo que resultou neste trabalho identifica-se,

    também, com o método da pesquisa aplicada, por pretender produzir

    conhecimento para aplicação prática, assim como com o método da pesquisa

    qualitativa, porque procurou entender a realidade a partir da interpretação e

    qualificação dos fenômenos estudados; identifica-se, ainda, com a pesquisa

    exploratória, porque buscou proporcionar maior conhecimento sobre a questão

    proposta, além da pesquisa descritiva, porque visou a obtenção de um resultado

    puramente descritivo, sem a pretensão de uma análise crítica do tema.

  • 7

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

    CAPÍTULO I

    DEFINIÇÃO E FORMAS DE TRABALHO ESCRAVO........................................ 10

    1.1 – CONCEITOS DE TRABALHO ESCRAVO.................................................. 12

    1.2 – FORMAS DE TRABALHO ESCRAVO........................................................ 14

    CAPÍTULO II

    INSTITUIÇÕES ATUANTES NA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO

    ESCRAVO............................................................................................................ 22

    CAPÍTULO III

    A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO NO COMBATE AO TRABALHO

    ESCRAVO............................................................................................................ 32

    3.1 DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA............................................................................ 34

    3.2 DO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO...................................................................37

    3.3 CASOS RECENTES DE TRABALHO ESCRAVO..........................................38

    3.4 DO CADASTRO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO................39

    CONCLUSÃO....................................................................................................... 44

    BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 46

    ANEXOS............................................................................................................... 48

  • 8

    INTRODUÇÃO

    O presente trabalho é um estudo sobre o trabalho escravo no Brasil.

    Nesse contexto, o trabalho dedica-se a evidenciar a definição e formas do

    trabalho escravo, bem como as Instituições atuantes na erradicação dessa prática

    lamentável. Adicionalmente, a presente pesquisa apresenta as medidas adotadas

    pelo Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho escravo.

    O estudo do tema e das questões analisadas em torno do mesmo

    justifica-se pela importância em identificar as ações do Ministério Público Laboral

    em conjunto com outras Instituições, perante a absurda e degradante realidade da

    escravidão no Brasil que persiste ainda nos dias atuais.

    A pesquisa que precedeu esta monografia teve como pressuposto que

    apesar dos esforços do Ministério Público Laboral e de algumas Instituições em

    abolir a vergonhosa situação da escravidão do ser humano nos dias atuais, as

    medidas aplicadas são ineficazes para a solução do problema.

    Visando um trabalho objetivo, cujo objeto de estudo seja bem

    delineado e especificado, a presente monografia dedica-se, especificamente, às

    questões ocorridas apenas no âmbito nacional e limitando-se à atualidade.

    O primeiro capítulo tem como objetivo apresentar as definições do

    trabalho escravo sob a ótica de algumas instituições e de alguns autores

    engajados no combate ao trabalho escravo. Analisa ainda as formas de trabalho

    escravo, como uma pessoa livre é aliciada e se torna escrava, a figura do gato,

    como ocorre a escravidão por dívida, uma das principais formas utilizadas pelo

    empregador para manter o empregado sob seu controle, e a escravidão infantil

    como consequência do trabalho escravo.

    O segundo capítulo apresenta as Instituições que atuam em conjunto

    com o Ministério Publico do Trabalho na erradicação do trabalho escravo. Cita os

    acordos mais importantes celebrados entre essas Instituições e suas

    incumbências. Foi também abordada a importante atuação do Governo Federal

    nessa luta com a instituição do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho

    Escravo e a Proposta de Emenda à Constituição que se encontra em andamento.

  • 9

    O terceiro capítulo analisa a atuação do Ministério do Trabalho e

    Emprego no combate ao trabalho escravo. Discorre sobre a atribuição do MTE em

    promover a ação pública civil no âmbito da Justiça do Trabalho e a instauração do

    inquérito civil público. Analisa ainda o pleito do dano moral coletivo pelo MTE em

    razão do trabalho escravo. Examina a importância do Grupo Especial de

    Fiscalização Móvel do MTE e o cadastro de empregadores que tenham submetido

    trabalhadores à condição análoga à de escrava. Apresenta ainda alguns casos

    recentes de trabalho escravo noticiados em nosso país.

    A pesquisa teve como base, principalmente, o trabalho escrito por Jairo

    Lins de Alburquerque Sento-Sé, Procurador do Ministério Público do Trabalho,

    Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de

    São Paulo, e outros autores e entidades comprometidos com o combate ao

    trabalho escravo.

    Boa leitura.

  • 10

    CAPÍTULO I

    DEFINIÇÃO E FORMAS DE TRABALHO ESCRAVO

    Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a

    escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em

    todas as suas formas.

    Declaração Universal dos Direitos Humanos - Artigo IV

    Com a abolição da escravatura por meio da Lei Áurea em 13 de maio

    de 1988, a maioria dos cidadãos acreditou que seria o fim do direito da

    propriedade de uma pessoa sobre a outra. Porém, infelizmente até hoje temos

    notícia de escravidão em nosso país.

    Atualmente, a restrição da liberdade não ocorre da mesma forma

    outrora, como estudada em livros de História onde os senhores compravam os

    escravos, mas por coação moral, pelo medo, pelo terror psicológico imposto nas

    mentes desses trabalhadores.

    O medo sentido por esses trabalhadores é tão devastador que uma das

    coordenadoras do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM)1, Valderez

    Maria Monte Rodrigues depõe que eles têm um medo exagerado. O medo às

    vezes é tão grande que as pessoas passam mal, têm febre, vomitam, perdem o

    apetite. Demonstram o medo através do estado emocional ou físico (FIGUEIRA,

    2004, p. 158).

    A palavra trabalho, quanto à etimologia, tem sua origem no vocábulo

    latino TRIPALIU – denominação de um instrumento de tortura formado por três(tri)

    paus(paliu). Assim, trabalhar significava ser torturado no tripaliu e somente eram

    torturados os escravos e os pobres que não podiam pagar impostos. Este sentido

    foi de uso comum na Antiguidade e em quase toda a Idade Média. A partir do

    1 GEFM criado em 1995, ligado a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Empregado (MTE)

  • 11

    século XIV é que começou a ter o significado genérico de hoje, qual seja, o de

    aplicação dos talentos e habilidades2.

    A definição acima indica que nos primórdios havia uma estreita relação

    entre trabalho e escravidão, haja vista que o ato de trabalhar era para os escravos

    e àquelas pessoas destituídas de posses.

    Sobre a escravidão, destacamos a Convenção sobre a escravatura

    assinada em 26 de setembro de 1926, que declara em seu artigo 1º que a

    escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total

    ou parcialmente, os atributos do direito da propriedade 3.

    Em 1995, o Brasil reconheceu oficialmente a existência de formas

    contemporâneas de escravidão no país levado pela forte pressão da sociedade

    civil nacional e internacional, associado à pressão política de organismos

    internacionais, vale citar alguns eventos importantes desse processo 4:

    Desde 1987, a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções da OIT encaminhou inúmeras observações ao Brasil, resultantes de análise da aplicação da Convenção no. 29 (1930). Em 1992, o Governo Brasileiro foi chamado à comissão para prestar explicações, e seu representante negou a existência de trabalho escravo no país, alegando que eram apenas violações da legislação trabalhista. A Comissão voltou a chamar o Governo Brasileiro em 1993, 1996 e 1997.

    Em 1993, a Central Latino-americana de Trabalhadores (CLAT) apresentou uma reclamação contra o Brasil, alegando inobservância das Convenções no. 29 e no. 105 sobre trabalho forçado. No mesmo ano, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU e o Parlamento Europeu, a omissão do governo brasileiro na apuração dos casos de trabalho escravo. Também em 1993, a OIT reconheceu, em um relatório, o trabalho escravo no Brasil, registrando 8.886 casos.

    Em 1994, a CPT e as ONGs Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) e Human Rights Watch apresentaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos

    2 Disponível na Internet em . Acesso em 02/02/2012. 3 Disponível na Internet em . Acesso em 02/02/2012. 4 Disponível na Internet em . Acesso em 02/02/2012.

    http://www.dicionarioetimologico.com.br/searchController.do?hidArtigo=2E396FAABE8D6F214CB9A445DEC29156http://www.dicionarioetimologico.com.br/searchController.do?hidArtigo=2E396FAABE8D6F214CB9A445DEC29156http://www.mp.pe.gov.br/uploads/THByIxrkHmVyOtuVBBKQSQ/eciX6GHWArurJlvMAzhHzg/CONVENO_SOBRE_A_ESCRAVATURA_ASSINADA_EM_GENEBRA.dochttp://www.mp.pe.gov.br/uploads/THByIxrkHmVyOtuVBBKQSQ/eciX6GHWArurJlvMAzhHzg/CONVENO_SOBRE_A_ESCRAVATURA_ASSINADA_EM_GENEBRA.dochttp://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/labour_inspection/pub/trabalho_escravo_inspecao_279.pdfhttp://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/labour_inspection/pub/trabalho_escravo_inspecao_279.pdf

  • 12

    (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), acusando o Estado Brasileiro de não cumprir com suas obrigações de proteção dos direitos humanos no caso de José Pereira 5 .

    A tramitação do processo na CIDH levou o governo brasileiro a reconhecer sua responsabilidade e a assinar com os peticionários em 2003 um Acordo de Solução Amistosa, comprometendo-se a uma série de medidas para a erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo.

    1.1 – CONCEITOS DE TRABALHO ESCRAVO

    Atualmente, existem vários conceitos sobre o que seja trabalho

    escravo, alguns autores chamam de trabalho forçado, escravidão branca, semi-

    escravidão, super exploração do trabalho, escravidão por dívida, denominações

    estas que serão detalhadas na sequência.

    O conceito de trabalho forçado foi definido pela OIT - Organização

    Internacional do Trabalho - por meio da Convenção n. 29/1930, art. 2º, nos

    seguintes termos: Trabalho forçado ou obrigatório compreenderá todo trabalho ou

    serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se

    tenha oferecido espontaneamente. De acordo com entendimento pacificado na

    OIT, esposado na Convenção 29, não se inclui como trabalhos forçados a

    imposição de serviço militar ou obrigações cívicas6.

    Os Autores Dirceu Galdino e Aparecido Domingos Errerias Lopes

    preferem chamar o trabalho escravo de escravidão branca, onde sustentam a

    condição em que o trabalhador é considerado como coisa ou objeto de trabalho,

    sem o reconhecimento de nenhum direito pelo empregador (GALDINO, LOPES,

    1995, p. 85).

    Já o ex-Deputado Estadual Eudoro Santana, político conhecido pelo

    combate em defesa das causas do campo, principalmente quanto à reforma

    agrária, e que atuou como relator da Comissão Parlamentar de Inquérito na

    5 Caso Jose Pereira: Em setembro de 1989, quando tinha somente 17 anos, José Pereira e um companheiro, com o apelido de Paraná, tentaram escapar de uma fazenda onde eles e outros 60 trabalhadores eram forçados a trabalhar sem remuneração e em condições desumanas. Eles foram surpreendidos por funcionários da fazenda e atacados com tiros de fuzil. Paraná morreu. José Pereira sobreviveu porque foi julgado morto. Ele e o corpo do companheiro foram enrolados em uma lona e abandonados na rodovia PA-150. 6 Disponível na Internet . Acesso em 02/02/2012.

    http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/convencoes.php

  • 13

    apuração da ocorrência de trabalho escravo no Estado do Ceará, instaurado pela

    Assembléia Legislativa daquele Estado, também se refere ao trabalho escravo

    utilizando o termo de escravidão branca ou semi-escravidão, conforme destacado

    abaixo (SANTANA, 1993, p. 43):

    Geralmente são utilizados os termos semi-escravidão e escravidão branca para os casos de grave inobservância à legislação trabalhista e também para expressar que, na atualidade, a prática escravagista atinge indistintamente homens brancos e negros no Brasil.

    A expressão de super exploração do trabalho, conforme ensinamento

    do Mestre e Doutor Jairo Lins de Albuquerque Sento Sé, põe em destaque a

    situação em que o empregado não tem respeitadas as garantias básicas previstas

    em nosso ordenamento jurídico, tais como, jornadas de trabalho indefinidas,

    ausência de contrato de trabalho, falta de pagamento de salários, e todos os

    demais atos lesivos ao empregado em uma relação trabalhista (SENTO-SÉ, 2001,

    p. 19).

    O douto Procurador do Trabalho Carlos Henrique Bezerra Leite declara

    que todos os conceitos sobre trabalho escravo têm 03 pontos em comum em

    relação ao tipo de coação (LEITE, 2005, pp. 146-173):

    O fator determinante para caracterizar trabalho análogo ao de escravo é o cerceamento da liberdade. O trabalhador fica sem condições de sair do local onde está sendo explorado, sofrendo, a rigor, três tipos de coação:

    a) coação econômica - dívida contraída com o transporte para fazenda e compra de alimento. O empregado tenta saldar a dívida, mas não consegue devido aos elevados valores cobrados;

    b) coação moral/psicológica – ameaças físicas, e até de morte, por parte do responsável pela fazenda e constante presença de capataz, armado, em meio aos trabalhadores;

    c) coação física – agressão aos trabalhadores como forma de intimidação.

    Dessa forma, não se configura trabalho escravo se não há

    cerceamento de liberdade do trabalhador, ou seja, deve haver a proibição de

    locomoção fora do ambiente de trabalho.

  • 14

    De igual modo, não há que se falar em trabalho escravo apenas pelo

    fato de o empregador não pagar os salários dos trabalhadores. É necessário que

    esta situação seja coadunada com tratamento desumano e proibição de liberdade

    de locomoção do empregado.

    1.2 FORMAS DE TRABALHO ESCRAVO

    As diversas formas de trabalho escravo têm em comum duas

    premissas: o uso da coação e a negação de liberdade. Aqui no Brasil, o

    trabalhador que fica preso a alguma dívida ou tem seus documentos retidos, ou é

    levado a algum local isolado geograficamente onde impeça o seu retorno para

    casa, ou ainda que seja impedido de sair do local do trabalho por seguranças

    armados é designado como trabalho escravo7.

    A ONG Repórter Brasil fundada em 2001 por jornalistas, cientistas

    sociais e educadores com o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a

    violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores do campo no Brasil

    destaca oito passos que transformam um homem livre em um escravo, que pode

    sofrer variações dependendo da situação e do local 8:

    1) Ao ouvir rumores de que existe serviço farto em fazendas, mesmo em terras distantes, o trabalhador ruma para esses locais. O Tocantins e a região Nordeste, tendo à frente os Estados do Maranhão e Piauí, são grandes fornecedores de mão-de-obra.

    2) Alguns vão espontaneamente. Outros são aliciados por "gatos" (contratadores de mão-de-obra a serviço do fazendeiro). Estes, muitas vezes, vêm buscá-los de ônibus, de caminhão - o velho pau-de-arara - ou, para fugir da fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, pagam passagens para os trabalhadores em ônibus ou trens de linha.

    3) O destino principal é a região de expansão agrícola, onde a floresta amazônica tomba diariamente para dar lugar a pastos e plantações. Os estados do Pará e Mato Grosso são os campeões em resgates de trabalhadores pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

    4) Há os "peões do trecho" que deixaram sua terra um dia e, sem residência fixa, vão de trecho em trecho, de um canto a outro em busca de trabalho. Nos chamados "hotéis peoneiros",

    7 Disponível na Internet em . Acesso em 12/02/2012. 8 Disponível na Internet em . Acesso em 12/02/2012.

    http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=55http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=6

  • 15

    onde se hospedam a espera de serviço, são encontrados pelos gatos, que "compram" suas dívidas e os levam às fazendas. A partir daí, os peões tornam-se seus devedores e devem trabalhar para abater o saldo. Alguns seguem contrariados, por estarem sendo negociados. Mas há os que vão felizes, pois acreditam ter conseguido um emprego que possibilitará honrar seus compromissos e ganhar dinheiro.

    5) Já na chegada, o peão vê que a realidade é bem diferente. A dívida que tem por conta do transporte aumentará em um ritmo crescente, uma vez que o material de trabalho pessoal, como botas, é comprado na cantina do próprio gato, do dono da fazenda ou de alguém indicado por eles. Os gastos com refeições, remédios, pilhas ou cigarros vão sendo anotados em um "caderninho", e o que é cobrado por um produto dificilmente será o seu preço real. Um par de chinelos pode custar o triplo. Além disso, é costume do gato não informar o montante, só anotar. Uma foice, que é um instrumento de trabalho e, portanto, deveria ser fornecido gratuitamente pelo empregador, já foi comprada por um peão por R$ 12,00 do gato. O equipamento mínimo de segurança também não costuma existir.

    6) Após meses de serviço, o trabalhador não vê nada de dinheiro. Sob a promessa de que vai receber tudo no final, ele continua a derrubar a mata, aplicar veneno, erguer cercas, catar raízes e outras atividades agropecuárias, sempre em situações degradantes e insalubres. Cobra-se pelo uso de alojamentos sem condições de higiene.

    7) No dia do pagamento, a dívida do trabalhador é maior do que o total que ele teria a receber. O acordo verbal com o gato também costuma ser quebrado, e o peão ganha um valor bem menor que o combinado inicialmente. Ao final, quem trabalhou meses sem receber nada acaba devedor do gato e do dono da fazenda e tem de continuar a suar para quitar a dívida. Ameaças psicológicas, força física e armas também podem ser usadas para mantê-lo no serviço.

    Dos passos acima, há dois fatos que merecem ser salientados: a

    existência dos aliciadores de trabalhadores, chamados vulgarmente de gatos, e a

    escravidão do empregado em razão de dívida supostamente devida ao

    empregador.

    O autor Jairo Sento-Sé afirma que a contratação de empregados por

    meio dos gatos, também conhecidos como zangão ou turmeiro, é uma

    circunstância muito comum no meio rural. O gato é a pessoa que escolhe quem

    vai trabalhar, providencia o transporte do empregado, determina quanto ele vai

    ganhar, fiscaliza seu trabalho e fixa todas as regras da relação jurídica

    estabelecida com o trabalhador rural. Em geral, o gato é a única referência que os

  • 16

    empregados possuem na região onde vão trabalhar. Na realidade, o gato não

    passa de um intermediário do dono da terra, ele não tem idoneidade financeira e

    econômica para celebrar relações jurídicas de empregados com os obreiros

    contratados, assim ele é um capataz e preposto falando em seu nome do

    verdadeiro proprietário da terra e defendendo seus interesses (SENTO-SÉ, 2011,

    pp. 53-54).

    Entretanto, a pesquisa veiculada pela OIT revelou que o recrutamento

    e a contratação de mão de obra para o trabalho em condições análogas à

    escravidão têm sofrido transformações, provavelmente em razão do trabalho de

    fiscalização realizado pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e da

    repressão do tráfico de trabalhadores, como relatado abaixo:

    As funções anteriormente desempenhadas pelo gato (aliciamento, contratação e controle da força de trabalho) têm sido assumidas, em alguns casos, por outros agentes. É necessário, portanto, entender as novas formas de arregimentação existentes. Tal estudo observou que os próprios trabalhadores podem atuar como agente recrutador de mão de obra como aconteceu em uma das fazendas visitadas pelos pesquisadores. Após o término do trabalho temporário na fazenda, alguns empregados voltaram aos seus locais de origem e recrutaram seus vizinhos e parentes. Além disso, trabalhadores ou gatos de locais longínquos podem facilmente contatar outros trabalhadores por um telefone comu-nitário do município e avisá-los sobre possíveis locais de empre-go. A expansão das estradas e dos meios de transporte também contribui para que os trabalhadores cheguem à fazenda por conta própria. Cria-se, assim, uma rede informal pulverizada, multipli-cando-se os agentes que participam do recrutamento, o que certa-mente dificulta a fiscalização e a atribuição de responsabilidades. Em alguns casos, o gerente da fazenda assumiu a função do gato, contratando diretamente os trabalhadores e responsabilizando-se pelo controle do processo de trabalho. Em outros, os próprios proprietários das fazendas assumiram a contratação da mão de obra, registrando-a com carteira assinada. Escritórios de contabi-lidade também foram utilizados para agenciar os trabalhadores. Esses escritórios assumiam todo trabalho burocrático relativo à contratação e pagamento dos trabalhadores. Deve-se dizer que as mudanças notadas pelo estudo não melhoram necessariamente as condições de trabalho, alimentação e alojamento dos trabalha-dores temporários.

    Não se pode afirmar que os grandes empreiteiros tenham desaparecido, principalmente em áreas distantes e de difícil acesso da floresta amazônica. As alterações identificadas acima revelam que a presença dos gatos é menos forte e freqüente do que em épocas passadas, principalmente nas áreas onde é maior a fiscalização. Os gatos continuam atuando,

  • 17

    geralmente com grupos não muito grandes de trabalhadores, utilizando mecanismos já conhecidos de manutenção de cantina na fazenda com preços superfaturados, ameaças verbais e mesmo violência física, principalmente em áreas de fronteira, onde é mais difícil de serem alcançados pela fiscalização9.

    Quanto ao aspecto da escravidão pelo endividamento, conhecida como

    escravidão por dívida, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) define como o estado

    ou condição resultante do fato de que um devedor tenha se comprometido a

    fornecer em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém

    sobre o qual tenha autoridade, na condição de que esses serviços não tenham

    sido avaliados equitativamente no ato da liquidação da dívida. (CPT, 1999, p. 50).

    A CPT alega que milhares de trabalhadores brasileiros endividados

    estão presos aos seus empregadores e postos de emprego, devido a

    empréstimos que eles e seus parentes receberam. E ainda acrescenta que:

    Tradicionalmente, a escravidão por dívida ocorre principalmente no setor agrícola em áreas rurais, onde os trabalhadores escravizados fazem os serviços gerais e o cultivo. Em casos de escravidão crônica, as dívidas são transmitidas de uma geração a outra, em pagamento de um antigo empréstimo cujos detalhes já foram esquecidos. Em alguns casos, os empregadores vendem a dívida, transação muito parecida como o comércio de escravos. Frequentemente os trabalhadores escravizados não recebem salários, mas apenas alimentação e algumas roupas. Em outros caos, os pais empenham os próprios filhos, algumas vezes com menos de quatro anos, em pagamento por empréstimos; em conseqüência, as crianças permanecem como trabalhadores escravos pelo resto de sua infância. (CPT, 1999, p. 51)

    Sobre o assunto, o mestre Jairo Sento-Sé faz a seguinte observação

    (SENTO-SÉ, 2001, p. 49):

    Muitas vezes, costuma se constituir num abuso por parte do empregador, pelo fato de ele efetuar o pagamento somente através da concessão de bens in natura, entregando-os por meio de vales ou borós, a serem descontados do salário no final do mês. Este abuso se amplia quando o patrão, valendo-se da boa-fé e da falta de discernimento do empregado rural, obriga-

    9 Disponível na Internet em . Acesso em 15/02/2012.

    http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/pub/perfil_atores_rev_632.pdf

  • 18

    o a adquirir os referidos bens ao invés de receber a contraprestação em pecúnia e os vende por preços bem acima do mercado, aumentando de forma considerável e ilegal a dívida do obreiro.

    O jurista Arnaldo Süssekind afirma que a prática acima não é aceita no

    âmbito do Direito Internacional do Trabalho. Diz que a convenção nº 95 da OIT,

    que trata da proteção ao salário, aprovada em 1949, e que foi ratificada pelo

    Brasil e entrou em vigor em 25 de abril de 1958, estabelece várias restrições

    contra tal abuso. Destaca o artigo 7º, itens 1 e 2 (Süssekind, 1994, p.186) :

    Art. 7º - 1. Quando em uma empresa forem instaladas lojas para vender mercadorias aos trabalhadores ou serviços a ela ligados e destinados a fazer-lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores interessados para que eles façam uso dessas lojas ou serviços.

    2. Quando o acesso a outras lojas ou serviços não for possível, a autoridade competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que as mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou serviços estabelecidos pelo empregador não sejam explorados com fins lucrativos, mas sim no interesse dos trabalhadores.

    A legislação aqui no Brasil também proíbe a adoção desta prática pelo

    empregador quando realizada por meio de coação ou induzimento, ou quando

    tem o objetivo de ampliar os ganhos do patrão, conforme preceitua o art. 462, § 2º

    e § 3º da CLT 10.

    Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

    (...)

    § 2º - É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou serviços estimados a proporcionar-lhes prestações " in natura " exercer qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

    § 3º - Sempre que não for possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços não mantidos pela Empresa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de medidas

    10 Disponível na Internet em . Acesso em 15/02/2012.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0229.htm#art462http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0229.htm#art462http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm

  • 19

    adequadas, visando a que as mercadorias sejam vendidas e os serviços prestados a preços razoáveis, sem intuito de lucro e sempre em benefício dos empregados. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

    A Lei n. 5.889/73, que institui normas regulamentadoras do trabalho

    rural, estabelece em seu artigo 9º, letras a e b, e § 1º, um limite de desconto de

    20% por ocupação da moradia e 25% para fornecimento de alimentação sobre o

    salário do empregado rural, calculadas sobre o salário mínimo 11.

    Jairo Sento-Sé afirma que a situação se agrava quando ocasiona a

    acumulação de endividamento do empregado que, mesmo laborando horas a fio,

    em jornadas longas e insuportáveis, fica absolutamente impossibilitado de pagar a

    dívida (Sento-Sé, 2001, p. 51).

    O estudo da OIT apurou um dado preocupante sobre a escravidão

    contemporânea no Brasil, o qual merece importante destaque:

    A escravidão contemporânea no país é precedida pelo trabalho infantil. Praticamente todos os entrevistados na pesquisa de campo (92,6%) iniciaram sua vida profissional antes dos 16 anos. A idade média em que começaram a trabalhar é de 11,4 anos, sendo que aproximadamente 40% iniciaram antes desta idade. Na maioria dos casos (69,4%), tratava-se de trabalho infantil realizado no âmbito familiar. No entanto, os demais já trabalhavam para um empregador, juntamente com a família (10%) ou diretamente para um patrão (20,6%). Entre os que começaram a trabalhar com menos de 11 anos, 83% faziam apenas trabalho familiar. Os demais trabalhavam para fora já nesta idade. As atividades desempenhadas pelas crianças e adolescentes era o de auxiliar nos trabalhos agrícolas: carpinar, roçar, plantar e colher, especialmente ajudando o pai 12.

    Assim, existe uma afinidade entre o trabalho infantil e o trabalho

    escravo contemporâneo, na medida em que em algumas situações o trabalho

    infantil é consequência do trabalho escravo, como bem colocado pelo mestre

    Jairo Sento-Sé (SENTO-SÉ, 2001, p. 64):

    11 Disponível na Internet em . Acesso em 19/02/2012. 12 Disponível na Internet em . Acesso em 20/02/2012.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0229.htm#art462http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0229.htm#art462http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5889.htmhttp://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/pub/perfil_atores_rev_632.pdf

  • 20

    De fato, no momento que o rurícola recebe, por parte do gato, a atraente oferta de emprego para laborar em uma região muito distante da sua de origem e para lá se muda com toda a família, ele começa a traçar o seu sombrio destino. Inevitavelmente, tal situação de exploração levará o trabalhador a disponibilizar as suas crianças, de forma precoce, como mão de obra para a atividade produtiva.

    A mão de obra infantil, além de ser utilizada na zona rural, é também

    muito empregada no trabalho doméstico, que é um dos mais difíceis de ser

    combatido justamente por ser realizado em âmbito doméstico, longe das ações

    fiscais. Durante o I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo,

    Virginia Baumann, diretora de parcerias da ONG Free The Slaves afirmou que o

    Brasil pode empenhar seu poder econômico e diplomático dentro da ONU para

    que a OIT consiga fechar um novo acordo sobre combate ao trabalho forçado

    doméstico 13.

    De acordo com Leonardo Soares de Oliveira, Diretor do Departamento

    de Fiscalização do Trabalho e Coordenador da CONAETI (Comissão Nacional de

    Erradicação do Trabalho Infantil) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),

    todas as regionais devem ter um grupo de Combate ao Trabalho Infantil com, no

    mínimo, três auditores fiscais do trabalho, sem contar com a equipe de apoio.

    Ainda de acordo com a avaliação do Sr. Leonardo 14:

    Em 2007, foram realizadas 981 ações fiscais no Brasil com o afastamento de 6.117 crianças e adolescentes. No ano de 2008, foram realizadas 1.110 ações fiscais com o afastamento de 5.957 crianças e adolescentes. Já no ano de 2009, foram realizadas 1.240 ações fiscais com o afastamento de 4.872 crianças e adolescentes. Como se pode ver, ainda que o número de ações fiscais venha aumentando ao longo dos anos, o número de crianças e adolescentes flagrados em situação de trabalho vem caindo.

    Resta demonstrado que a engrenagem que move o processo de

    trabalho escravo é muito complexa, pois atua de várias formas o que dificulta seu

    combate, entretanto, como bem dito pelo mestre Jairo Sento Sé, os programas

    para a erradicação do trabalho infantil cria uma nova esperança para todas as

    13 Disponível na Internet em . Acesso em 20/02/2012. 14 Disponível na Internet em . Acesso em 20/02/2012.

    http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1756http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1756

  • 21

    crianças envolvidas, mantendo a semente de que esta chaga social pode ser

    expurgada, ou pelo menos, ter os seus efeitos minimizados da realidade brasileira

    (SENTO-SÉ, 2001, p. 74).

  • 22

    CAPÍTULO II

    INSTITUIÇÕES ATUANTES NA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO

    ESCRAVO

    A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) no combate ao

    trabalho escravo não acontece de forma isolada; mas em conjunto com outras

    entidades que visam o mesmo objetivo, qual seja o de erradicar esta vergonha no

    Brasil.

    Dentre essas entidades, pode-se citar a parceria importantíssima com

    o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Comissão Pastoral da Terra (CPT),

    a Polícia Federal (PF), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o

    Ministério Público Federal e a Policia Rodoviária Federal, a própria Justiça do

    Trabalho e a Justiça Federal.

    Vale destacar que em 08 de novembro de 1994 foi firmado o Termo de

    Cooperação do Trabalho Escravo entre o Ministério do Trabalho, o Ministério

    Público Federal, Ministério Público do Trabalho e a Secretaria de Policia Federal

    buscando a conjugação de esforços visando a prevenção, repressão e

    erradicação de praticas de trabalho forçado, de trabalho ilegal de crianças e

    adolescentes, de crimes contra a organização e de outras violências aos direitos à

    saúde dos trabalhadores, especialmente no ambiente rural 15.

    No citado termo os signatários se obrigaram a comunicar uns aos

    outros o teor de todas as denúncias e representações formuladas; informar aos

    demais signatários sobre o resultado dos procedimentos de que tenham se

    desincumbido; solicitar a atuação dos signatários para providências afetas às

    suas atribuições; acompanhar o andamento das ações e dos procedimentos;

    implantar e manter um único sistema de informações e cadastros; designar

    15 Disponível na Internet em . Acesso em 21/02/2012.

    http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812B21345B012B2AAC72DA5C89/termo.pdf

  • 23

    representante para acompanhar a execução do Termo em questão e comunicar a

    órgãos não signatários fatos que necessitem de sua atuação.

    Além disso, ficaram acordadas as seguintes incumbências:

    - Ao Ministério do Trabalho:

    a) Adotar providências de fiscalização sempre que tomar conhecimento

    de violação de direito assegurados aos trabalhadores, inclusive no que respeita à

    saúde e segurança, ou quando houver solicitação dos demais signatários;

    b) Acompanhar e coadjuvar os demais signatários nas diligências e

    investigações que procederem, sempre que solicitado, adotando as medidas

    legais cabíveis, dentro da respectiva área de atuação;

    c) Informar aos demais signatários sobre o resultado das ações que lhe

    forem especificamente solicitadas.

    - Ao Ministério Público Federal:

    a) Utilizar os instrumentos legais de sua atuação, previstos nos artigos

    6º 7º e 8º da Lei Complementar nº 75/93, em prol dos objetivos do presente

    Termo de Compromisso, especialmente os seguintes:

    1) inquérito civil e outros procedimentos administrativos;

    2) ação civil pública, ação civil coletiva e outras ações necessárias ao

    exercício de suas funções institucionais, no âmbito da Justiça do Trabalho

    b) representar ao órgão judicial competente, visando à aplicação de

    penalidades por infrações contra as normas de proteção à infância e à juventude,

    sem prejuízo da promoção da responsabilidade trabalhista do infrator, quando se

    tratar de trabalho de criança e adolescente;

    c) expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e

    de relevância pública, bem como ao respeito a interesses, direitos e bens cuja

    defesa lhe caiba promover, fixando prazo razoável para a adoção das

    providências cabíveis;

    d) requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos

    administrativos, acompanhá-los e produzir provas;

  • 24

    e) notificar os responsáveis pelo desrespeito aos direitos dos

    trabalhadores, para que tomem as providências necessárias a prevenir a

    repetição ou a cessação do desrespeito verificado;

    f) adotar as providências previstas no Art. 8º incisos I a IX, da Lei

    Complementar 75/93; divulgar, no âmbito do Ministério do Trabalho Público do

    Trabalho, os termos deste compromisso, bem como expedir às Procuradorias

    Regionais do Trabalho as instruções necessárias à sua implementação;

    h) informar aos órgãos signatários sobre os procedimentos instaurados,

    bem como sobre as ações propostas pelo MPT, cientificando-os quando às

    medidas adotadas em cada caso.

    - À Secretaria de Polícia Federal:

    a) adotar providências de repressão sempre que tomar conhecimento

    de violação de direitos assegurados aos trabalhadores, ou quando houver

    solicitação dos demais signatários;

    b) acompanhar e coadjuvar os demais signatários nas diligências e

    investigações que procederem, sempre que solicitado, adotando as medidas

    legais cabíveis, dentro da respectiva área de atuação;

    c) informar aos demais signatários sobre o resultado das ações que lhe

    forem especificamente solicitadas;

    d) articular-se com os órgãos policiais estaduais visando à instauração

    de inquérito policial, quando o assunto exceder suas atribuições;

    e) organizar e manter um cadastro criminal específico, com dados

    empresariais e pessoais de interesse dos signatários do presente Termo de

    Compromisso.

    O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) disponibiliza várias

    informações sobre operações em conjunto com demais órgãos, ressaltando assim

    a importância desta parceria conforme notícia destacada:

    Brasília, 30/10/2008 - O Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego realizou nova operação no estado do Pará e o resultado foi o resgate de 51 trabalhadores de situação degradante. A ação aconteceu nos municípios de Abel Figueiredo e Rondon, entre os dias 21 e 30 de outubro, sendo

  • 25

    vistoriadas no período seis carvoarias e uma fazenda. Cinco delas estavam irregulares tanto em questões ambientas quanto trabalhistas.

    Essa foi uma ação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego e da Polícia Rodoviária Federal, motivada por meio de denúncias da Comissão Pastoral da Terra e do Ministério Público do Trabalho. Entre os trabalhadores resgatados havia sete mulheres e um menor de idade (15 anos). 16

    A Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi criada em junho de 1975

    durante o Encontro Pastoral da Amazônia, convocada pela Conferência Nacional

    dos Bispos do Brasil, realizado em Goiânia (GO). É uma entidade civil, sem fins

    lucrativos, ligada à Igreja Católica, luta pela defesa dos direitos humanos em

    várias vertentes, inclusive no combate ao trabalho escravo 17.

    A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919,

    como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial.

    Fundou-se sobre a convicção primordial de que a paz universal e permanente

    somente pode estar baseada na justiça social. É a única das agências do Sistema

    das Nações Unidas com uma estrutura tripartite, composta de representantes de

    governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores. A OIT é

    responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho

    (convenções e recomendações). As convenções, uma vez ratificadas por decisão

    soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. O Brasil

    está entre os membros fundadores da OIT e participa da Conferência

    Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião. É uma organização

    internacional com mandato constitucional e competência para estabelecer

    Normas Internacionais do Trabalho e ocupar-se das mesmas, ademais goza de

    apoio e reconhecimento universais na promoção dos direitos fundamentais no

    trabalho como expressão de seus princípios constitucionais 18.

    A OIT trata acerca do trabalho forçado nas convenções número 29 e

    105 - ambas ratificadas pelo Brasil. A Convenção sobre Trabalho Forçado nº.29

    dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas

    16Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012. 17 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012. 18 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012.

    http://portal.mte.gov.br/delegacias/pa/fiscalizacao-movel-resgata-51-trabalhadores-no-para.htmhttp://portal.mte.gov.br/delegacias/pa/fiscalizacao-movel-resgata-51-trabalhadores-no-para.htmhttp://www.cptsp.com.br/historico_cpt.htmlhttp://www.oit.org.br/content/hist%C3%B3ria

  • 26

    formas. Admite exceções tais como: o serviço militar, o trabalho penitenciário

    adequadamente supervisionado e o trabalho obrigatório em situações de

    emergência, como guerras, incêndios, terremotos. A Convenção sobre Abolição

    do Trabalho Forçado nº.105 trata da proibição do uso de toda forma de trabalho

    forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; castigo por

    expressão de opiniões políticas ou ideológicas; medida disciplinar no trabalho,

    punição por participação em greves; como medida de discriminação19.

    Procurando dar seguimento aos compromissos assumidos pelo Brasil

    quando da ratificação das Convenções nº 29 e 105 e da adoção da Declaração da

    OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, a OIT e o Governo

    Brasileiro deram início, em 2002, ao Projeto de Cooperação Combate ao Trabalho

    Escravo no Brasil 20.

    Este projeto busca promover a atuação integrada e fortalecer as ações

    de todas as instituições nacionais parceiras que defendem os direitos humanos,

    principalmente no âmbito da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho

    Escravo. O Projeto prevê ainda a reabilitação de trabalhadores resgatados a fim

    de evitar seu retorno ao trabalho escravo 21.

    Agindo em conjunto com o governo federal, a OIT ajudou a criar

    medidas eficazes de combate ao trabalho escravo, especialmente com a

    implantação do Plano nacional para erradicação do trabalho escravo, lançado em

    2003.

    O Governo Federal no mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

    lançou em 11 de março de 2003, o Plano Nacional para a Erradicação do

    Trabalho Escravo, fruto das aspirações de todas as instituições que futuramente

    comporiam a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo –

    CONATRAE, fundada em 01 de agosto de 2003. O Plano, de cuja elaboração a

    19 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012. 20 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012. 21 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012.

    http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=55http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/projetos/projetos.phphttp://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/projetos/documento.php

  • 27

    OIT participou ativamente, continha 72 metas de curto, médio e longo prazo que

    norteavam as ações em um período de quatro anos 22.

    Um dos avanços mais importantes obtidos na luta contra o trabalho

    escravo pela OIT foi a assinatura de um compromisso público pelo qual diversas

    empresas do ramo siderúrgico que atuam na região de Carajás, no Pará, se

    comprometem a não mais comprar carvão vegetal de empresas que

    comprovadamente utilizam mão de obra escrava. Tal compromisso, tendo como

    testemunhas a OIT, o Tribunal Superior do Trabalho e o Ministério Público do

    Trabalho, foi assinado no dia 13 de agosto de 2004. O acordo foi intermediado

    pelo Instituto Ethos, parceiro permanente da OIT em sua missão no Brasil.

    Em setembro de 2008 o governo federal lançou o 2º Plano Nacional

    para Erradicação do Trabalho Escravo. Entre as 66 metas do plano, está a

    aprovação de propostas que tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de

    combater o crime de exploração de trabalho escravo. Entre as medidas a serem

    tomadas pelo governo, está a melhoria da fiscalização e do apoio logístico ao

    grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, principal responsável pela

    libertação de trabalhadores em todo o país 23.

    Esse segundo plano foi elaborado pela Comissão Nacional para a

    Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e expressa uma política pública

    permanente dedicada à repressão de tal prática. O programa estabelece ações

    para o enfrentamento, a repressão e a prevenção deste tipo de crime, além de

    iniciativas para garantir a capacitação dos trabalhadores libertados e sua

    reinserção no mercado de trabalho.

    Das ações previstas no plano, quinze têm abrangência geral e tratam

    de tópicos como a manutenção do combate ao trabalho escravo como prioridade

    do Estado e a criação de um órgão responsável por articular ações conjuntas das

    equipes de diversos organismos que combatem esse crime. O plano prevê ainda

    dezesseis ações de enfrentamento e repressão a esse tipo de crime, dezesseis

    de reinserção e prevenção e nove iniciativas de informação e capacitação.

    22 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012. 23 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012.

    http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/projetos/documento.phphttp://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2009/01/26/2-plano-nacional-para-erradicar-o-trabalho-escravo-tem-66-metashttp://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2009/01/26/2-plano-nacional-para-erradicar-o-trabalho-escravo-tem-66-metas

  • 28

    O plano contém também dez ações específicas de repressão

    econômica, entre as quais a de promoção do desenvolvimento do Pacto Nacional

    pela Erradicação do Trabalho Escravo - acordo pelo qual os empresários

    signatários comprometem-se a não adquirir qualquer produto cuja produção

    incorpore trabalho escravo em sua cadeia produtiva.

    No aspecto criminal, nosso Código Penal Brasileiro em seu artigo 149

    prevê como crime a redução à condição análoga à de escravo, conforme

    transcrito abaixo:

    Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

    Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

    § 1º Nas mesmas penas incorre quem:

    I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

    II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

    § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

    I - contra criança ou adolescente;

    II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

    A pena mínima prevista no art. 149 do Código Penal (dois anos) tem

    enfraquecido uma repressão penal efetiva, pois uma vez julgado, há diversos

    dispositivos que permitem abrandar a eventual execução da pena. Esta pena

    pode ser convertida, por exemplo, em distribuição de cestas básicas ou prestação

    de serviços à comunidade. O primeiro condenado criminalmente por trabalho

    escravo foi Antonio Barbosa de Melo da Fazenda Alvorada, em Água Asul do

  • 29

    Norte, Sul do Pará, e sua pena foi convertida no pagamento de 30 cestas básicas

    por seis meses 24.

    Felizmente, esta situação benevolente está sendo modificada,

    conforme notícia datada de 15/05/2008 25:

    Gilberto Andrade foi condenado a 11 anos de reclusão, sendo oito anos pelo crime de redução à condição análoga à de escravo (artigo 149), e três anos pelo crime de ocultação de cadáver (artigo 211), mais três anos de detenção por aliciamento de trabalhadores (artigo 207). Além da multa de 7,2 mil salários-mínimos, no valor vigente à época dos crimes. De acordo com a sentença, não será possível a suspensão da execução das penas, bem como a substituição das penas privativas de liberdade por outras, como doação de cestas básicas e serviços à comunidade.

    A Constituição de 1988, pelo seu conjunto de princípios, repudia a

    prática do trabalho escravo ou forçado. Em todo o texto constitucional é latente a

    ideologia da igualdade dos seres humanos e sua dignidade. Vale citar o art. 1º,

    incisos II, III e IV, que declara como um dos fundamentos da República Federativa

    do Brasil a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho; o art. 3º,

    inciso III, o qual estabelece que um dos objetivos fundamentais da República seja

    a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das

    desigualdades sociais e regionais; o art. 5º, incisos III, XXXV, XLI, que dispõe

    acerca da igualdade de todos perante a lei, principalmente seu inciso III, onde

    resta declarado que ninguém será submetido à tortura nem tratamento desumano

    ou degradante; e o art. 186 que condiciona a posse da propriedade rural ao

    cumprimento de sua função social.

    Tendo como base a condição imposta pelo art. 186 da Carta Maior, o

    governo federal, pela primeira vez na história, decretou em 2004 a

    desapropriação de uma fazenda para fins de reforma agrária em razão de não

    cumprir sua função social-trabalhista e degradar o meio ambiente 26.

    24 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012. 25 Disponível na Internet em . Acesso em 26/02/2012. 26 Disponível na Internet em . Acesso em 28/02/2012.

    http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=55http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1350http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=55

  • 30

    Uma das principais reivindicações daqueles que combatem o trabalho

    escravo é a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 438

    apresentada em 2001, conhecida como a PEC do Trabalho Escravo, que prevê a

    expropriação e destinação para reforma agrária de propriedades onde forem

    flagrados trabalhadores em condições de escravidão. A referida PEC já foi

    aprovada no Senado e na Câmara em primeiro turno e espera a votação no

    segundo turno pelos deputados desde 2004 27.

    A razão da demora para a votação deve-se ao fato de que uma PEC

    necessita de grande número de votos para ser aprovada (308 deputados). Basta

    que um pequeno grupo não compareça à votação para que ela seja considerada

    rejeitada. Ainda que a votação tenha obtido 307 votos favoráveis e nenhum

    contrário, todas as votações favoráveis, inclusive no Senado, são prejudicadas e

    o processo legislativo tem que começar do zero.

    O Senado Federal noticia que para dificultar ainda mais, entre os

    grupos interessados em que a PEC 438 não seja transformada em Emenda

    Constitucional está um dos mais poderosos e bem organizados do Congresso: a

    bancada ruralista, que congrega mais de 150 deputados. E acrescenta 28:

    A aprovação da PEC 438 na Câmara em 2004, com 326 votos favoráveis (apenas dez contrários e oito abstenções), garantiu pouco mais que o mínimo necessário, mesmo com a votação acontecendo após o assassinato dos auditores fiscais do trabalho em Unaí, no interior mineiro. A comoção do momento fez com que a Câmara oferecesse a PEC 438 como resposta à sociedade, como costuma acontecer quando ocorrem crimes hediondos no país.

    Se, por um lado, a Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outros, consideram a PEC 438 uma “Segunda Lei Áurea”, já que oferece punição severa para quem patrocina a escravidão, os opositores da proposta temem que a expropriação de terras seja aplicada de forma arbitrária, prejudicando não apenas o proprietário, mas toda a sua família.

    Há ainda quem argumente que a legislação atual já é suficiente para coibir o crime. Com tantos percalços, o capítulo final da PEC 438 ainda deve demorar a ser escrito.

    27 Disponível na Internet em . Acesso em 28/02/2012. 28 Disponível na Internet em < http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/pec-438.aspx>. Acesso em 28/02/2012.

    http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/pec-438.aspxhttp://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/pec-438.aspxhttp://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/pec-438.aspxhttp://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/pec-438.aspx

  • 31

    A Ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da

    Presidência da República, anunciou em 28 de janeiro de 2012, durante o debate

    Com trabalho escravo, não há desenvolvimento sustentável, evento realizado no

    Fórum Social de Porto Alegre (RS) que, em reunião com a presidenta Dilma, a

    aprovação da PEC 438/01 foi definida como prioridade da sua pasta no ano

    corrente. Afirmou a Ministra que a presidenta se mostrou favorável à legislação

    proposta, e que a PEC 438 é a principal agenda política de Direitos Humanos no

    Congresso Nacional, e ressaltou que não é uma agenda a mais, mas a principal

    agenda. Finalizou afirmando que esse ano a nossa verdade seja plenamente o

    enfrentamento ao trabalho escravo. O Brasil precisa enfrentar essa chaga,

    precisamos criar condições para retirada da terra de quem a utiliza para

    exploração do trabalho escravo 29.

    O trabalho em conjunto dos órgãos envolvidos no combate ao trabalho

    escravo é de suma importância para a erradicação deste problema.

    29 Disponível na Internet em . Acesso em 28/02/2012.

    http://reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1991

  • 32

    CAPÍTULO III

    A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO NO COMBATE AO

    TRABALHO ESCRAVO

    A atuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem sido

    primordial para o combate do trabalho escravo no Brasil, uma vez que uma de

    suas importantes atribuições é evitar a violação dos direitos humanos, prezando

    pela dignidade da pessoa humana.

    Um dos objetivos do MTE é erradicar o trabalho escravo e degradante,

    por meio de ações fiscais coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho,

    nos focos previamente mapeados. A fiscalização do trabalho visa regularizar os

    vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e demais consectários e

    libertá-los da condição de escravidão 30.

    O Ministério Público Laboral exerce duas atribuições de destacado

    relevo: funciona como órgão interveniente, elaborando pareceres em todos os

    processos a serem analisados pelos Tribunais Regionais e pelo Colendo Tribunal

    Superior do Trabalho, podendo também recorrer de suas decisões; e ainda atua

    como órgão agente, exercendo a legitimidade para proteger os direitos difusos,

    coletivos e individuais homogêneos que se encontrarem violados (SENTO, 2001,

    p. 113).

    Os três direitos acima foram conceituados pelo professor Ives Gandra

    da Silva Martins Filho da forma que se segue (MARTINS FILHO, 1993, p.1430):

    a) interesses difusos – caracterizados pela impossibilidade de determinação da coletividade atingida pelo ato ou procedimento lesivo ao ordenamento jurídico, da qual decorre inexistência de vínculo jurídico entre os membros da coletividade atingida ou entre estes e a parte contrária, autora da lesão;

    b) interesses coletivos – caracterizados pela existência do vínculo jurídico entre os membros da coletividade afetada pela lesão e a parte contrária, origem do procedimento genérico continuativo, que afeta

    30 Disponível na Internet em . Acesso em 02/03/2012.

    http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/

  • 33

    potencialmente todos os membros dessa coletividade, presentes e futuros, passíveis de determinação; e

    c) interesses individuais homogêneos – decorrentes de uma origem comum, fixa no tempo, correspondente a ato concreto lesivo ao ordenamento jurídico, que permite a determinação imediata das quais membros da coletividade foram atingidos.

    A Constituição Federal de 1988, art. 129, inciso III, elasteceu as

    situações de impetração da Ação Civil Pública ao preceituar que dentre as

    funções institucionais do Ministério Público encontra-se o ajuizamento do inquérito

    civil e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do

    meio-ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

    A Lei Complementar nº 75/93, em seu artigo 83, III, fixou que compete

    ao Ministério Público do Trabalho, dentre outras atribuições, a de promover a

    ação pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a defesa de interesses

    coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente

    garantidos.

    Assim, entende o autor Jairo Sento-Sé que como a lei citada acima não

    especifica qual o instrumento mais eficaz para cumprir a tal desiderato, poderá ser

    perfeitamente a ação pública civil pública, desde que se trate de tutela de

    interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (SENTO SÉ, 2001, p.

    117).

    Nestas ações públicas, o Ministério Público do trabalho tem pleiteado

    danos morais, as quais têm sido aceitas cada vez mais pelos juízes do Trabalho,

    a fim de tentar atingir economicamente quem se vale do tipo do trabalho escravo.

    A lei que regulamenta a ação civil pública de responsabilidade por danos é a de nº

    7.347 de 24 de julho de 1985, e foi a primeira vez que um instrumento normativo

    disciplinou a proteção dos interesses de toda a coletividade. Tal ação é de

    competência dos tribunais trabalhistas por força do artigo 114 da Constituição

    Federal, inciso VI, incluído pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 31.

    31 Disponível na Internet em . Acesso em 02/03/3012.

    http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=55

  • 34

    A justificativa para gerar o dever de indenizar baseia-se na violação

    dos direitos básicos do ser humano, sujeitando-o a posição degradante,

    humilhante e sem justificativa legal para amparar tal comportamento.

    Faz-se necessário registrar o papel relevante desempenhado pelo

    Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), criado em 1995, ligado a

    Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Empregado

    (MTE). Ele é composto de Auditores Fiscais do Trabalho, policiais federais e

    procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) 32.

    O portal do Ministério do Trabalho e Emprego noticia em 28/10/2011

    que desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel já foram realizadas

    1.082 ações de fiscalizações com 39.169 trabalhadores resgatados 33.

    O MTE ao resgatar trabalhadores submetidos ao trabalho degradante

    encarrega-se também da assistência a esses cidadãos, garantindo o

    ressarcimento dos direitos trabalhistas e o pagamento de seguro-desemprego;

    entre outras medidas. Em 2009 o MTE iniciou o programa Marco Zero de

    intermediação de mão de obra rural para coibir o aliciamento de trabalhadores por

    intermediadores em busca de trabalhadores para trabalho análogo ao de escravo.

    O MTE montou postos do Marco Zero, com apoio dos governos locais, nos

    estados do Maranhão, Pará, Piauí e Mato Grosso, identificados entre os estados

    com mais registros de trabalho degradante no país 34.

    A OIT reconhece o Brasil como referência positiva no combate ao

    trabalho degradante e as iniciativas do MTE são citadas como exemplo bem

    sucedido em pesquisa, investigação, vigilância e fiscalização do trabalho 35.

    3.1 DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

    32 Disponível na Internet em < http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/combate-ao-trabalho-escravo/gefm.aspx>. Acesso em 02/03/2012. 33 Disponível na Internet em . Acesso em 02/03/2012. 34 Disponível na Internet em . Acesso em 02/03/2012. 35 Disponível na Internet em . Acesso em 02/03/2012.

    http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/combate-ao-trabalho-escravo/gefm.aspxhttp://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/combate-ao-trabalho-escravo/gefm.aspxhttp://portal.mte.gov.br/imprensa/dia-nacional-de-combate-ao-trabalho-escravo-e-lembrado-nesta-sexta-feira.htmhttp://portal.mte.gov.br/imprensa/dia-nacional-de-combate-ao-trabalho-escravo-e-lembrado-nesta-sexta-feira.htmhttp://portal.mte.gov.br/imprensa/oit-reconhece-brasil-como-referencia-positiva-no-combate-ao-trabalho-degradante.htmhttp://portal.mte.gov.br/imprensa/oit-reconhece-brasil-como-referencia-positiva-no-combate-ao-trabalho-degradante.htmhttp://portal.mte.gov.br/imprensa/oit-reconhece-brasil-como-referencia-positiva-no-combate-ao-trabalho-degradante.htmhttp://portal.mte.gov.br/imprensa/oit-reconhece-brasil-como-referencia-positiva-no-combate-ao-trabalho-degradante.htm

  • 35

    Conforme ensinamento do mestre Jairo Lins Sento-Sé, a Ação Civil

    Pública é uma das marcas mais importante da atuação do Parquet Laboral na

    esfera trabalhista, pois visa assegurar o cumprimento dos ditames constitucionais

    e evitar a violação aos interesses metaindividuais. (SENTO-SÉ, 2001, p. 118)

    O mesmo autor ensina que se convencionou chamar de interesses

    metaindividuais, o combate ao trabalho escravo pelo Ministério Público Laboral

    em três vertentes: proteger o interesse difuso, interesse coletivo em sentido estrito

    ou interesse individual homogêneo.

    Este não seria o único caso em que um mesmo fato poderia dar origem

    a interesses distintos. O juiz Márcio Túlio Viana defende que:

    O que aconteceria, por exemplo, se a chaminé defeituosa de uma usina esfumaçasse um bairro próximo, poluísse o seu próprio ambiente e provocasse doença de alguns empregados. Nessa hipótese, o interesse seria difuso no tocante aos moradores do bairro, coletivo no que se refere ao grupo inteiro de empregados e individual homogêneo em relação aos doentes. (VIANA,1995, p. 183)

    A questão dos danos morais coletivos merece destaque. A doutrina

    entende que algumas práticas de empregadores, em razão de sua gravidade,

    lesionam não somente a honra individual do trabalhador, mas também de toda

    comunidade. A lição de José Hortência Ribeiro Júnior diz que (RIBEIRO JUNIOR,

    2006, p.154):

    O dano moral coletivo consiste na injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade. Vale dizer que há violação de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma comunidade determinada (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há de se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa).

    Ainda sobre o mesmo assunto, o ensinamento de Francisco Milton

    Araújo Júnior merece relevo:

  • 36

    O dano moral pode afetar o indivíduo e, concomitantemente, a coletividade, haja vista que os valores éticos do indivíduo podem ser amplificados para a órbita coletiva. Xisto Tiago de Medeiros Neto comenta que ‘não apenas o indivíduo, isoladamente, é dotado de determinado padrão ético, mas também o são os grupos sociais, ou seja, as coletividades, titulares de direitos transindividuais. (...)’. Nessa perspectiva, verifica-se que o trabalho em condições análogas à de escravo afeta individualmente os valores do obreiro e propiciam negativas repercussões psicológicas em cada uma das vítimas, como também, concomitantemente, afeta valores difusos, a teor do art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/90, haja vista que o trabalho em condição análoga à de escravo atinge objeto indivisível e sujeitos indeterminados, na medida em que viola os preceitos constitucionais, como os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), de modo que não se pode declinar ou quantificar o número de pessoas que sentirá o abalo psicológico, a sensação de angústia, desprezo, infelicidade ou impotência em razão da violação das garantias constitucionais causada pela barbárie do trabalho escravo. (ARAÚJO JÚNIOR, 2006, p. 99)

    Acrescente-se ainda a jurisprudência proferida pelo Tribunal do

    Trabalho de Minas Gerais – 3ª Região:

    EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSA A DIGNIDADE DOS TRABALHADORES. DANOS MORAIS COLETIVOS. Revelado nos autos que o Réu impôs aos trabalhadores condições de trabalho degradantes, decorrentes de proporcionar alojamento sem camas, com ratos e goteiras, permitir a feitura de comidas em trempes no chão, falta de alimentos, banheiro sem funcionamento e com esgoto correndo ao lado; e considerando também a não insurgência do réu contra a decisão que reconheceu a existência de danos morais coletivos, cabe acolher a pretensão recursal do Ministério Público de Trabalho de majoração da monta indenizatória de modo a ficar compatível com os danos causados (TRT 3ª Região; 2ª Turma; Relator: Sebastião Geraldo de Oliveira; RO 0001134-60.2010.5.03.0048; julgado em 28/06/2008) 36.

    Conforme demonstrado a ação competente para pleitear os danos

    morais coletivos é a Ação Civil Pública e ainda, na fixação da indenização devem

    ser levados em conta os danos causados aos empregados e a situação

    36 Disponível na Internet em . Acesso em 04/03/2012.

    https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=1323

  • 37

    econômica do empregador, ou seja, as mesmas bases que norteiam o judiciário

    para a aplicação do dano moral individual.

    3.2 DO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO

    O inquérito civil público é um instrumento de investigação exclusivo do

    Ministério Público para a apuração das irregularidades que lhes forem

    apresentadas. Quando há a possibilidade de ocorrência de lesão à ordem jurídica

    laboral, em especial, da prática de trabalho escravo, o MTE poderá se utilizar do

    inquérito civil público como fonte de informação para aferir a veracidade ou não

    dos fatos. (SENTO-SÉ, 2001, p. 122)

    A Lei Complementar 75/93 de 20 de maio de 1993 dispõe sobre a

    organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público, e declara em seu

    artigo 84, inciso II, que incumbe ao Ministério Público do Trabalho instaurar

    inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para

    assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores 37.

    Já a Resolução nº 69, de 12 de dezembro de 2007, disciplina no

    âmbito do MTE, a instauração e tramitação do inquérito civil. Esta Resolução

    sucintamente dispõe que o inquérito civil pode ser instaurado de ofício por

    qualquer integrante da instituição ou por meio de denúncia formulada por

    qualquer pessoa. Na apuração dos fatos serão colhidas todas as provas possíveis

    a fim de confirmar a veracidade das denúncias que levaram a instaurar o

    inquérito. Constatada a ilicitude, caberá ao membro do Ministério Público do

    Trabalho investido da atribuição para propositura da ação civil pública a

    responsabilidade pela instauração de inquérito civil. Por outro lado, ele está

    autorizado a firmar termo de ajuste de conduta (TAC), por meio do qual o inquirido

    se compromete a corrigir a ilegalidade e/ou reparar o dano causado, inclusive,

    com previsão de multa pelo seu descumprimento, a ser revertida em favor do

    Fundo de Amparo ao Trabalhador (SENTO-SÉ, 2001, p. 123-124).

    Frise-se que, conforme resolução acima, qualquer cidadão pode

    denunciar circunstâncias suspeitas da existência de trabalho escravo ou de 37 Disponível na Internet via http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm. Acesso em 04/03/2012.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm

  • 38

    condição análoga ao trabalho escravo, colaborando assim com o importante

    trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.

    Cabe consignar que o termo de ajuste de conduta (TAC) celebrado

    perante o Ministério Público do Trabalho constitui título executivo extrajudicial, por

    força da Lei nº 7.347/85, art. 5º, § 6º, com a redação conferida pelo art. 113 do

    Código de Defesa do Consumidor.

    3.3 CASOS RECENTES DE TRABALHO ESCRAVO

    Um dos episódios mais comentados na mídia foi o de Unaí, Estado de

    Minas Gerais, ocorrido em 28 de janeiro de 2004, onde os fiscais, atendendo a

    uma denúncia, faziam inspeções nas fazendas da região para averiguação de

    irregularidades trabalhistas, dentre as quais, submissão de pessoas à condição

    análoga à de escravo. Estes fiscais foram surpreendidos em emboscada que

    resultou na morte de três deles e do motorista oficial que os conduzia38.

    Até o final do presente estudo, os suspeitos das mortes dos fiscais do

    trabalho não haviam sido julgados, o que motivou manifestação dos funcionários

    da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Amazonas (SRTE/AM)

    na comemoração ao dia do Auditor Fiscal e dia nacional de combate ao Trabalho

    Escravo comemorado em 27 de janeiro39.

    Em 20 de agosto de 2011 foi veiculada a notícia pelo Jornal O Globo

    de que naquela semana tinham sido encontrados trabalhadores em situação

    degradante em duas confecções que prestavam serviços para a grife Zara. A

    empresa alegou que não tinha conhecimento do uso de mão de obra escrava no

    local (Jornal O Globo, 2011, p. 34).

    A mesma edição informa que a Superintendência Regional do Trabalho

    de São Paulo já havia multado outras empresas de grande porte no ramo de

    roupas por envolvimento com trabalho análogo ao de escravo, tais como Marisa,

    Pernambucanas, Collings e FG Confeções.

    38 Disponível na Internet via . Acesso em 01/03/2012. 39 Disponível na Internet via . Acesso em 01/03/2012.

    http://www.folha.uol.com.br/http://g1.globo.com/amazonas/noticia/2012/01/dia-do-auditor-fiscal-e-celebrado-no-am-relembrando-chacina-de-unai.htmlhttp://g1.globo.com/amazonas/noticia/2012/01/dia-do-auditor-fiscal-e-celebrado-no-am-relembrando-chacina-de-unai.html

  • 39

    No dia 19 de dezembro de 2011, a empresa Zara Brasil, o MPT e o

    MTE firmaram um termo de ajuste de conduta (TAC) no qual a empresa se

    comprometeu em eliminar as condições de trabalho precárias, garantindo assim,

    a qualidade de vida dos empregados 40.

    A notícia mais recente sobre trabalho escravo no Brasil até o término

    deste estudo ocorreu em 01 de março de 2012 em duas fazendas no Município de

    Abel Figueiredo e Itupiranga, no Sudoeste do Pará. Os fiscais encontraram

    pessoas vivendo em um curral dividindo espaço com o gado, e em barracas de

    lona, sem as condições saudáveis mínimas que um ser humano necessita para

    viver, e subjugadas às ameaças do dono da fazenda. A maioria dos trabalhadores

    era originária do Maranhão. Ao todo, os fiscais do Ministério do Trabalho

    libertaram 36 empregados e os empregadores tiveram que pagar os salários e

    fazer as rescisões e poderão responder a ações trabalhistas e penais41.

    3.4 DO CADASTRO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

    O intuito da criação do cadastro de empregadores que tenham

    submetido trabalhados à condição análoga à de escravo, conhecida como Lista

    Suja, foi dar conhecimento público ao nome daqueles que cometiam ou ainda

    cometem esta prática reprovável, além de limitar a concessão de financiamentos.

    O MTE – Ministério do Trabalho e Emprego, por meio das portarias

    1.234/2003 de 18/11/2003, reeditada com a portaria nº 540/2004 em 19/10/2004,

    a qual foi revogada pela portaria Interministerial nº 2, de 12/05/2011 criou o

    cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições

    análogas à de trabalho escravo, vulgarmente conhecido como “Lista Suja”, a fim

    de tornar público o nome dos infratores à legislação trabalhista. Também na data

    de 18 de novembro de 2003 houve a edição da Portaria nº 1.150 pelo Ministério

    da Integração Nacional – MIN, com o objetivo de recomendar aos bancos públicos

    40 Disponível na Internet em . Acesso em 05/03/2012. 41 Disponível na Internet em . Acesso em 05/03/2012.

    http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1205023http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2012/03/lavradores-em-situacao-de-escravidao-sao-libertados-no-para.htmlhttp://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2012/03/lavradores-em-situacao-de-escravidao-sao-libertados-no-para.html

  • 40

    que se abstivessem de conceder financiamento ou qualquer outro recurso às

    pessoas físicas ou jurídicas inseridas nesta situação 42.

    O Ministério do Trabalho e Emprego atualmente é o único órgão capaz

    de incluir o nome dos acusados na mencionada lista e tal cadastro é atualizado

    semestralmente. Além disso, é dado conhecimento a diversos órgãos, dentre

    eles, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Banco Central do

    Brasil, Banco do Brasil S/A e Caixa Econômica.

    Neste ato de atualização são incluídos os nomes de todos os infratores

    que não possam mais recorrer na esfera administrativa, bem como são excluídos

    os empregadores que obedeceram aos requisitos pré-estabelecidos, tais como

    pagamento das verbas trabalhistas, multas e não-reincidência pelo prazo de dois

    anos.

    No portal eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego consta a

    notícia datada de 03/01/2011 de que houve a atualização do Cadastro de

    Empregadores flagrados explorando mão de obra escrava no país, conhecida

    como “Lista Suja”. E ainda de que foram incluídos 88 novos empregadores,

    tratando-se da maior inclusão de infratores desde o início da instituição do

    referido cadastro. Com esta inclusão, o cadastro passou a conter 220 infratores,

    entre pessoas físicas e jurídicas, sem considerar os casos de exclusão por força

    de decisão judicial43.

    Consta também a informação de que foram excluídos

    permanentemente 14 empregadores que cumpriram os requisitos exigidos pela

    Portaria n° 540/2004, e um temporariamente, por força de decisão judicial.

    Foi noticiado no Jornal O Globo de 28 de agosto de 2011 que a lista de

    empregadores flagrados e incluídos no cadastro do Ministério do Trabalho

    aumentou 65% em apenas um ano (O GLOBO, 2011, p. 38).

    A Lista Suja tem caráter coercitivo, na medida em que cria o receio nos

    empregadores de que suas condutas ilegais se tornem públicas, gerando prejuízo

    42 Disponível na Internet via < http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htm >. Acesso em 05/03/2012. 43 Disponível na Internet via . Acesso em 05/03/2012.

    http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htmhttp://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htmhttp://portal.mte.gov.br/portal-mte/includes/include/atualizada-a-lista-suja-de-trabalho-escravo.htmhttp://portal.mte.gov.br/portal-mte/includes/include/atualizada-a-lista-suja-de-trabalho-escravo.htm

  • 41

    à imagem do empregador, entretanto, não é a solução para coibir a prática

    hedionda do trabalho escravo, uma vez que alguns empregadores após serem

    retirados da lista, voltam a ser incluídos pela mesma prática.

    O panorama do trabalho escravo abordado neste estudo é muito bem

    retratado nas duas notícias abaixo veiculadas pelo MTE 44:

    Brasília, 14/07/2008 - Um total de 18 trabalhadores foi retirado hoje (14) da fazenda Diadema, em Xinguara, no Pará. O proprietário, Eurélio Piazza, é reincidente no crime, já tendo figurado na "lista suja" de empregadores que utilizam mão-de-obra análoga a de escrava de 2003 a 2005, por manter trabalhadores em situação irregular em novembro de 2000.

    Um dos trabalhadores resgatados é remanescente da retirada de 18 trabalhadores da mesma fazenda em 2000, que retornou a trabalhar novamente para Piazza e desde então não receber salário, em função de dívidas contraídas com o pagamento de comida, material de uso pessoal, equipamentos de segurança, entre outras despesas.

    Também nessa operação são 18 trabalhadores encontrados em situação degradante de trabalho, inclusive um menor de 14 anos de idade que exerce a função de vaqueiro, prestando serviço de 6h às 17h na fazenda. Todos contraíram dívidas com o patrão e eram ameaçados pelo "gato", de nome Waldemar, que impedia a saída deles da propriedade.

    "Muitos trabalhadores tinham medo de sair do local, já que sofriam ameaças. Dormiam em barracos de palha e lona plástica, sem as mínimas condições de higiene, sem água potável e equipamentos de proteção exigidos por Lei, executando tarefas de roço (limpeza do pasto com as mãos) e aplicação de agrotóxico", informa a auditora fiscal do Trabalho, Inês Almeida.

    Os trabalhadores são oriundos do Maranhão e estavam na propriedade e vários meses, sem carteira assinada, além de outras garantias trabalhistas. Por manter o grupo em situação degradante de trabalho, o empregador terá de arcar com as indenizações trabalhistas devidas, além de pagar pelo retorno deles às suas cidades de origem.

    Todos os trabalhadores resgatados têm direito a três parcelas do seguro-desemprego.

    Outras propriedades de Eurélio Piazza também já receberam visitas do Grupo Móvel de Fiscalização, sendo retirados trabalhadores em situação irregular de trabalho. Em 2002 foram duas ações, sendo resgatados cinco trabalhadores das fazendas Diadema e Surucucu, em São Feliz do Xingu, no Pará.

    44 Disponível na Internet em . Acesso em 10/03/2012.

    http://portal.mte.gov.br/delegacias/pa/grupo-movel-resgata-18-trabalhadores-em-fazenda-de-empregador-reincidente.htmhttp://portal.mte.gov.br/delegacias/pa/grupo-movel-resgata-18-trabalhadores-em-fazenda-de-empregador-reincidente.htm

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    O trabalho dos fiscais continua no local, com previsão de pagamento das indenizações na quarta-feira. Fazem parte do Grupo Móvel, além dos auditores do MTE, procurador do Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal .

    Brasília, 20/02/2008 - A equipe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Pará (SRTE/PA) retirou na semana passada 35 trabalhadores encontrados em situação análoga a de escravo na fazenda Bonsucesso, município de Paragominas, no Leste do Pará. Na última terça-feira (12), a fiscalização rural da Superintendência esteve na fazenda para averiguar a denúncia de um trabalhador submetido a condições subumanas de trabalho. Ele relatou à fiscalização que os trabalhadores moravam em um curral abandonado, junto com esterco de boi e eram alimentados com restos de carne.

    No corpo do trabalhador que fez a denúncia havia várias cicatrizes recentes de ferro quente. Ele garantiu que foi torturado pelo patrão e mais dois homens quando reclamou das más condições de alimentação e do salário atrasado. Após fugir da propriedade, andando dezenas de quilômetros a