universalidade dos direitos humanos e a tortura

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57 Luiz Antonio da Silva Junior* UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E A TORTURA UNIVERSALITY OF HUMAN RIGHTS AND TORTURE UNIVERSALIDAD DE LOS DERECHOS HUMANOS Y LA TORTURA Resumo: A tortura é utilizada pelo homem contra o seu semelhante desde os tempos mais remotos. Historicamente, o seu uso tem ligação com o momento vivido pela sociedade, tendo, inclusive, em algumas épo- cas, aparecido de forma legalizada nos ordenamentos jurídicos. Ho- diernamente, a tortura é considerada crime contra a humanidade, existindo inúmeros instrumentos internacionais de combate a essa prática. No Brasil, mesmo diante dos diversos tratados e convenções internacionais ratificados pelo país e com a edição da Lei n. 9.455/97, a tortura ainda é utilizada de forma indiscriminada pelas autoridades públicas nacionais, visto que se encontra enraizada dentro das es- truturas policiais, sendo raras as punições dos torturadores pelo Poder Judiciário, um total desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o presente trabalho tem a finalidade de traçar um panorama da prática da tortura na história e de seus reflexos nos dias atuais, bem como de tentar estabelecer as causas que explicam o descompasso entre a tortura noticiada pelas organi- zações de direitos humanos e pela imprensa e a tortura efetivamente investigada e punida pelas instituições públicas. Abstract: Torture is used by man against his fellow man since time immemorial. * Especialista em Direito do Consumidor pela ESA/SP. Mestrando pela PUC/GO. Professor de Direito Penal da UNIP/GO. Advogado.

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A tortura é utilizada pelo homem contra o seu semelhante desde os tempos mais remotos. Historicamente, o seu uso tem ligação com o momento vivido pela sociedade, tendo, inclusive, em algumas épocas, aparecido de forma legalizada nos ordenamentos jurídicos

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Luiz Antonio da Silva Junior*

UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E A TORTURA

UNIVERSALITY OF HUMAN RIGHTS AND TORTURE

UNIVERSALIDAD DE LOS DERECHOS HUMANOS Y LA TORTURA

Resumo:

A tortura é utilizada pelo homem contra o seu semelhante desde os

tempos mais remotos. Historicamente, o seu uso tem ligação com o

momento vivido pela sociedade, tendo, inclusive, em algumas épo-

cas, aparecido de forma legalizada nos ordenamentos jurídicos. Ho-

diernamente, a tortura é considerada crime contra a humanidade,

existindo inúmeros instrumentos internacionais de combate a essa

prática. No Brasil, mesmo diante dos diversos tratados e convenções

internacionais ratificados pelo país e com a edição da Lei n. 9.455/97,

a tortura ainda é utilizada de forma indiscriminada pelas autoridades

públicas nacionais, visto que se encontra enraizada dentro das es-

truturas policiais, sendo raras as punições dos torturadores pelo

Poder Judiciário, um total desrespeito ao princípio da dignidade da

pessoa humana. Nesse sentido, o presente trabalho tem a finalidade

de traçar um panorama da prática da tortura na história e de seus

reflexos nos dias atuais, bem como de tentar estabelecer as causas

que explicam o descompasso entre a tortura noticiada pelas organi-

zações de direitos humanos e pela imprensa e a tortura efetivamente

investigada e punida pelas instituições públicas.

Abstract:

Torture is used by man against his fellow man since time immemorial.

* Especialista em Direito do Consumidor pela ESA/SP. Mestrando pela PUC/GO.Professor de Direito Penal da UNIP/GO. Advogado.

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Historically, its use is linked to the time lived by society, and even at

some times, appeared in the form of legalized jurisdictions. In our

times torture is a crime against humanity, there are numerous inter-

national instruments to combat this practice. In Brazil, even with the

various treaties and conventions ratified by the country and the enac-

tment of Law nº 9.455/97, torture is still used indiscriminately by na-

tional public authorities, since they are rooted within the police

structures, are rare punishment of torturers by the judiciary, a total

disregard to the principle of human dignity. In this sense, this paper

aims to draw a picture of torture in history and its impact today as

well as trying to establish the causes that explain the gap between

the reported torture by human rights organizations and the press and

torture effectively investigated and punished by public institutions.

Resumen:

La tortura es utilizada por el hombre en contra de sus semejantes

desde los tiempos más remotos. Históricamente, su uso corres-

ponde al momento vivido por la sociedad, inclusive habiendo sur-

gido, en algunas épocas, de forma legalizada en los ordenamientos

jurídicos. Actualmente, la tortura es considerada un crimen contra

la humanidad, existiendo innumerables instrumentos internacionales

de combate a dicha práctica. En Brasil, no obstante los diversos tra-

tados y convenciones internacionales ratificados por el país y la edi-

ción de la Ley n. 9.455/97, la tortura todavía es utilizada de modo

indiscriminado por las autoridades públicas nacionales, cuya prác-

tica se encuentra enraizada dentro de las estructuras policiales,

siendo nulas e, incluso, inexistentes las sanciones a dichos tortura-

dores por parte del Poder Judicial; derivándose en una total falta de

respeto al principio de la dignidad del individuo. En ese sentido, el

presente trabajo tiene la finalidad de trazar un panorama respecto a

la práctica de la tortura en la historia y sus reflejos en los días ac-

tuales, así como intentar establecer las causas que explican la di-

ferencia existente entre la tortura denunciada por las organizaciones

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de derechos humanos y que se muestra en los diversos medios de

comunicación, y la tortura efectivamente investigada, perseguida y

sancionada por las instituciones públicas.

Palavras-chaves:

Direitos humanos, tortura, punição, dignidade humana.

Keywords:

Human rights, torture, punishment, human dignity.

Palabras clave:

Derechos humanos, tortura, sanciones, dignidad humana.

UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS

A ideia de universalizar os direitos humanos está expressa naDeclaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Na-ções Unidas, data de 10 de dezembro de 1948. No preâmbulo da alu-dida declaração encontram-se as premissas a partir das quais seusidealizadores afirmaram o caráter universal dos direitos humanos:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todosos membros da família humana e de seus direitos iguais e inalie-náveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, naCarta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidadee no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos ho-mens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso so-cial e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.Considerando que os Estados-Membros se comprometerama desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o res-peito universal aos direitos humanos e liberdades fundamen-tais e a observância desses direitos e liberdades.

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Dessa forma, para os adeptos da corrente universalista dosdireitos humanos, significa afirmar amplamente a sua validade, nãotolerando a diversidade existente no mundo, negando, assim, as di-ferenças pluralistas de religião, da cultura e do social. Por isso hágrande divergência nesse entendimento.

A universalização dos direitos humanos está ligada ao pen-samento ocidental, pós Revolução Francesa e independência dosEstados Unidos da América.

Segundo Culleton, Bragato e Fajardo (2009, p. 236) há vários:

argumentos contrários à ideia de universalidade dos direitoshumanos, tais como: a irrelevância da concepção liberal e dasocial-democracia dos direitos humanos para grande parte dahumanidade, inclusive o Terceiro Mundo; a dissocialização ea aculturação que se impõem mediante o desrespeito à diver-sidade cultural; e o fato de que, em muitas sociedades, inclu-sive ocidentais, o próprio conceito de direitos humanos érecente ou, até mesmo, ignorado.

Para os defensores do relativismo dos direitos humanos, de-vemos ter em mente o multiculturalismo do planeta, sendo impossí-vel estabelecer normas universais aplicáveis a todos os povos.Nesse aspecto, Boaventura de Sousa Santos (s/d) comenta que:

enquanto forem concebidos como direitos humanos universais,os direitos humanos tenderão a operar como localismo globali-zado - uma forma de globalização de-cima-para-baixo. Serãosempre um instrumento do "choque de civilizações" tal como oconcebe Samuel Huntington (1993), ou seja, como arma do Oci-dente contra o resto do mundo.

Já Flávia Piovesan (2008, p. 149) nos traz a diferenciaçãode ambas as correntes: “Na ótica relativista, há o primado do cole-tivismo. Isto é, o ponto de partida é a coletividade, e o indivíduo épercebido como parte integrante da sociedade. [...] na ótica univer-salista, há o primado do individualismo”.

Apesar das diferentes visões sobre a existência de um direito

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universal, podemos afirmar que há princípios morais e éticos que sãocomuns a toda a humanidade, que estão além das especificidades decultura, como a vida, a dignidade humana, a não exposição à tortura, etc.

Assim, partindo dessa premissa, traçaremos algumas con-siderações sobre o crime de tortura, fazendo um retrospecto histó-rico, analisando as legislações e a prática desse delito no país.

A TORTURA NO MUNDO: DA ANTIGUIDADE AOS DIAS ATUAIS

Tortura, do latim tortum, particípio do verbo torquere, significatorcer, tormento, causar suplício físico ou psicológico. Sua prática sefaz presente na História desde os tempos mais remotos como meio deconsecução da confissão, de punição e de afirmação do poder, sobe-rano ou divino, civil ou militar. Como observa Pietro Verri (1992, p. 90):

A origem de uma invenção tão feroz ultrapassa os limites da eru-dição, e é provável que a tortura seja tão antiga, quão antigo é osentimento do homem de dominar despoticamente outro homem,quão antigo é o caso de que nem sempre o poder vem acompa-nhado pelas luzes e pela virtude, e quão antigo é o instinto, nohomem armado de força prepotente, de estender suas ações se-gundo a medida antes do poderio do que da razão.

A violência, como exacerbação do poder, confunde-se com a pró-pria história do homem. No dizer de Paulo Sérgio Leite Fernandes e AnaMaria Babette Fernandes (1996, p.149), “a tortura, forma extremada deviolência, parece ter se entranhado no homem ao primeiro sinal de inteli-gência deste”. A tortura e a violência sempre andam juntas. Quando sepensa em tortura vem imediatamente à luz a característica da força física.

Vigorou na Babilônia o Código de Hamurabi, ordenamentolegal do século XVIII a.C. que tinha como base o Princípios de Talião"olho por olho, dente por dente". Esse axioma previa aos criminosos

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a aplicação do mesmo mal que haviam causado. Estavam destina-das aos infratores penas como a empalação, a amputação de mem-bros, a quebra de ossos, o apedrejamento e a fogueira.

Via de regra, todos os povos antigos utilizaram a tortura comomeio de confissão dos acusados. Na “Grécia desconhecia-se o usoda tortura contra os homens livres, salvo se fossem estrangeiros oumetecos” (FERREIRA, 1991, p. 30). Aplicava-se a tortura, em prin-cípio, apenas aos escravos, que eram considerados como “coisas”pelo sistema jurídico daquela civilização. Sua utilização “destinava-se a extrair depoimentos dos indivíduos de classes inferiores, paraque assim suas declarações pudessem ter a mesma validade quetinham as de um cidadão grego” (FALKOSKI, 1999, p. 35).

Em Roma, durante a Monarquia e a República, do mesmomodo que como os helênicos, somente os escravos e os estrangei-ros eram torturados. No Alto Império, houve uma profunda alteraçãono processo romano. Apesar dos julgamentos continuarem públicos,a instrução dos processos feita pelos juízes se tornou secreta. Tem-se início o sistema inquisitivo. Segundo Verri (1992), foi a corrupçãodo sistema romano o fato gerador do amplo uso da tortura. Os im-peradores, buscando agradar a plebe e enfraquecer os nobres, úni-cos que poderiam refrear a tirania dos déspotas, equiparou estesaos servos. À medida em que se consolidava a tirania, a tortura,antes aplicada apenas aos servos, foi estendida aos homens livres.

Com a invasão bárbara a Roma, a sacralidade foi nova-mente utilizada como meio de determinar a culpabilidade ou inocên-cia de alguém. Nos chamados "Juízos de Deus" ou Ordáliasapelava-se para processos supersticiosos na busca da revelaçãodivina. Conforme Basileu Garcia (apud FERREIRA, 1991, p. 36):

Os homens, na dificuldade em que se enleavam para apurar osfatos que pudessem determinar as penas, apelavam para aeventualidade do poder das forças sobrenaturais. Queriam,então, que na deficiência dos meios de conseguir a verdade,fosse ela trazida pela revelação divina. [...]. Assim, na mais re-mota antigüidade, o acusado pelo crime era largado à correnteza

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de um rio, tendo os pés amarrados a uma das mãos. Se sub-mergisse, deduzia-se-lhe a culpa.

Nos "Juízos de Deus" também se utilizava a prova do fogo,na qual o réu, para provar que falava a verdade, colocava a mão sobrea chama ou dentro de uma tina com óleo fervendo para ver se supor-tava o tormento. Era um procedimento que se assemelhava à tortura,mas não se caracterizava como tortura judiciária, pois o acusado po-deria negar se submeter a tal prova, correndo o risco de perder a ação.

Com o reflorescimento dos princípios do Direito Romano Im-perial, a tortura foi reintroduzida nos processos europeus a partir doséculo XII e estendeu-se até a Idade Moderna (HUNT, 2009). No sé-culo XIII, a tortura passa a fazer parte dos códigos processuais, prin-cipalmente dos Estados centralizados, como Castella, Sicília e aFrança. Concomitantemente, a Igreja passa a admitir o uso processualda tortura, e o Papa Inocêncio IV, na Bula “Ad extirpanda”, autoriza asua aplicação nos tribunais da Inquisição, contanto que não houvessemutilação, nem perigo de vida aos torturados (FERREIRA, 1991).

A tortura era aplicada visando obter a confissão do acusado.Nos Tribunais Eclesiásticos da Inquisição era por demais valorizada,sendo reconhecida como a "rainha das provas". Os interrogatórios se-cretos facilitavam a prática da tortura, já que não havia testemunhas.Para Cesare Beccaria (1997, p. 61), as acusações secretas eram de-correntes da "fraqueza da organização". Segundo o citado autor:

Crueldade, consagrada pelo uso, na maioria das nações, é atortura do réu durante a instrução do processo, ou para forçá-lo a confessar o delito, ou por haver caído em contradição, oupara descobrir os cúmplices, ou por qual metafísica e incom-preensível purgação da infâmia, ou finalmente, por outros de-litos de que poderia ser réu, mas dos quais não é acusado.

Foram ditadas normas minuciosas que regulavam a aplicaçãoda tortura, como o "Manual do Inquisidor" - Directorium Inquisitorum,escrito em 1376 pelo frei Nicolas Eymeric, utilizado pelo Santo Ofício.

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De acordo com o Capítulo V desse Manual, objetivava-se, atravésda tortura, a confissão do acusado de seus crimes contra a fé.

No sistema inquisitorial que incidiu sobre os procedimen-tos processuais penais europeus desse período, o juiz procediaex officio, representando a acusação e prolatando a sentença. Eletinha como função averiguar os delitos que chegavam ao seu co-nhecimento e prolatar a sentença condenatória, se ficasse compro-vada a culpabilidade do acusado. Caso não houvesse prova de suaculpabilidade nem a confissão, o próprio juiz determinava os meioscoercitivos para obtê-la, ou seja, era ele quem escolhia o tipo de tor-tura, sua duração e intensidade (FERREIRA, 1991).

Com a condenação, a tortura assumia definitivamente seucaráter de pena. A execução da pena ocorria de forma pública, tor-nando-se um verdadeiro espetáculo. Essa cerimônia era imprescin-dível para estabelecer o terror entre a população, que deveriaobservar os exemplos daqueles que lesaram a coletividade e o pró-prio soberano (FOUCAULT, 1994).

No fim do século XVIII e começo do século XIX, a tortura eo espetáculo da punição vão se extinguindo. Tem-se início uma novaépoca, com a abolição dos antigos ordenamentos e a supressãodos costumes, projetos e redações de códigos modernos, novasteorias sobre a lei, o crime e o direito de punir.

A abolição da tortura legal na Europa teve como pontode partida um decreto de 1740 do rei Frederico II, da Prússia.A ele seguiram vários Estados no final do século XVIII, movi-mento que ganhou força com a Revolução Francesa e com asprimeiras declarações de direitos fundamentais, como a "De-claração de Direitos do Bom Povo de Virgínia", de 1776, e a"Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", adotadapela França em 1789.

A partir desse momento esses direitos passam a ser inscri-tos nas cartas políticas das nações ocidentais. Contudo, como ob-serva Hélio Bicudo (1997, p. 34):

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A trajetória da humanidade demonstra que aos povos não bastam,para o seu aperfeiçoamento, os direitos e deveres inscritos emseus códigos de conduta. A exigência de novos direitos e deveressurge na medida em que o homem se insere na comunidade -que não é estática, mas cada vez mais dinâmica - e se qualificacomo cidadão.

Todavia após as atrocidades ocorridas na Segunda GuerraMundial, os direitos das pessoas passaram a ser concebidos comodireitos dos povos e deveriam ser protegidos internacionalmente.Daí decorreu o movimento internacional de proteção dos direitoshumanos, que teve como marco inicial a Declaração Universal dosDireitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.

No Brasil, nos

dois períodos ditatoriais republicanos, de 1937 a 1945, no chamadoEstado Novo, e entre 1964 e 1985, durante a ditadura militar, houveuma inovação na prática da tortura, que se voltou para o campo daluta política. Apesar da tortura ser sempre tortura em qualquer idioma,época ou país, é preciso examiná-la em função da política utilizadana sua aplicação. (FERNANDES E FERNANDES, 1996, p. 150)

A violência praticada com o aval indireto do Estado nessesdois momentos históricos atingiu diretamente todos que ousavamdiscordar do regime vigente, grupos que incluíam estudantes, inte-lectuais, jornalistas, artistas e políticos.

A grande maioria dos processos judiciais se encontravamcercados de irregularidades, caracterizando-se por investigaçõesilegais, "pela coação, confissões obtidas sob tortura, denúnciasvagas, gerais e imprecisas", que acarretavam “sentenças marcadaspelo absurdo, pela injustiça e pela ilegalidade” (ARQUIDIOESE DESÃO PAULO, 1985, p. 203). As confissões obtidas sob tortura cons-tituíam a base dos inquéritos policiais militares.

Com a redemocratização, em 1985, a prática da tortura comfins políticos cessou em nosso país. Entretanto, a omissão de nossasautoridades em apurar e punir os crimes cometidos durante a dita-dura militar “criou uma cultura de impunidade no âmbito das forças

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de segurança pública, o que permitiu o florescimento da prática detortura e maus-tratos” (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001, p. 14).

Como método de investigação e de punição, a tortura é em-pregada atualmente no Brasil contra os presos comuns, os “suspei-tos”, nas instituições para menores infratores, principalmente negrose pobres, confirmando, assim, nossa herança cultural de policiamentorepressivo e truculento, com raízes colonizadoras, agravada pelosdois períodos republicanos totalitários que passamos: o Estado Novoe a Ditadura Militar.

Segundo a Anistia Internacional, há relatos de tortura praticadapor agentes do Estado atualmente em mais de 150 países. As penas cor-porais judiciais estão presentes nas leis de, pelo menos, 31 países, taiscomo Afeganistão, Arábia Saudita, Nigéria e Cingapura. De acordo comessa organização, a impunidade dos torturadores é endêmica, citandocomo exemplo “a Turquia, país no qual as investigações contra 5777agentes de segurança acusados de tortura entre 1995 e 1999 resultaramem apenas 10 condenações” (ANISTIA INTERNACIONAL, 2000, p. 79).

A ineficiência das punições acarreta em mais violência, poiscria a consciência da impunidade nos torturadores, afrontando a dig-nidade e negando a justiça às vítimas, que se veem impedidas deestabelecer a verdade.

TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA TORTURA NO BRASIL

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,marco legislativo da transição democrática do país, fundamenta-se noprincípio da dignidade humana. Na prevalência dos direitos humanos,proibiu a prática da tortura, tornando-a crime inafiançável e insuscetívelde anistia ou graça. Além disso, garantiu ao indivíduo preso o direitode ver respeitada sua integridade física e moral. Outrossim, determina

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que todos os demais direitos fundamentais porventura não previstosno texto constitucional, mas consagrados em diplomas legais interna-cionais, estão automaticamente incorporados ao nosso ordenamento.

O princípio da dignidade humana está consagrado em nossaConstituição como um dos fundamentos da República (artigo 1°, III),e, como valor supremo, abrange todos os direitos fundamentais, ouseja, os direitos de ordem econômica e social, civis e políticos. ParaFábio Konder Comparato (2003, p. 1), "o primeiro postulado da ciênciajurídica é o de que a finalidade-função ou razão de ser do Direito é aproteção da dignidade humana, ou seja, da nossa condição de únicoser no mundo, capaz de amar, descobrir a verdade e criar a beleza".

Para Alexandre de Moraes (2000, p. 60), referido princípioapresenta-se em nossa Carta Magna com

dupla concepção: como direito individual protetivo em relação aos

indivíduos e ao próprio Estado e como verdadeiro dever fundamen-

tal de tratamento dos próprios semelhantes, ou seja, o indivíduo

deve respeitar a dignidade de seu semelhante do mesmo modo

que a Constituição da República exige que lhe respeitem a própria.

Consequentemente, tal princípio está ligado intimamente aorespeito à vida humana, principal objeto de direito assegurado peloartigo 5º, caput, da Constituição Federal. No dizer do professor JoséAfonso da Silva (2008, p. 182), a vida humana "constitui a fonte pri-mária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Cons-tituição assegurar outros direitos fundamentais [...] se não erigisse avida humana num desses direitos". É no respeito à vida humana querepousam conceitos como o direito à existência digna, o direito à in-tegridade física e moral, dentre outros. Trata-se de um direito inalie-nável e indisponível.

Nesse sentido, “ofender a integridade física de alguém écomo agredir a vida” (SILVA, 2008, p. 183). Concluímos, dessaforma, que a integridade corporal constitui um direito fundamental

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do indivíduo, que interessa não só ao Estado, mas à própria huma-nidade. Apresenta-se a tortura retratada nesse contexto não sócomo um crime que atinge a pessoa individualmente, mas toda ahumanidade.

Diferentemente das Constituições anteriores, a ConstituiçãoFederal de 1988, como resposta específica às arbitrariedades cometi-das durante o regime militar, proíbe expressamente a prática da tortura,fazendo-o nos seguintes termos: “Art. 5°; inciso III - ninguém será sub-metido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...]”.

Por fim, a Carta de 1988, em seu artigo 4°, inciso II, determinaa prevalência dos direitos humanos como princípio orientador das re-lações internacionais, bem como assegura, nos parágrafos 1° e 2°,do artigo 5°, a aplicação imediata das normas definidoras dos direitose garantias fundamentais, conferindo status de norma constitucionalaos tratados de direitos humanos firmados pelo Brasil. Essas inova-ções constitucionais refletiram imediatamente no Direito Brasileiro,tendo sido ratificada, em 1989, a Convenção contra a Tortura e OutrosTratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

MECANISMOS INTERNACIONAIS DE PUNIÇÃO E PREVENÇÃODA TORTURA

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em10 de dezembro de 1948, constitui um marco na construção do Di-reito Internacional dos Direitos Humanos, tem como pilares a digni-dade e a igualdade de todos os homens, reconhecendo a condiçãode pessoa como único requisito para a titularidade de direitos, inde-pendendo, desse modo, das condições sociais, culturais e econô-micas de determinada sociedade.

Acerca da tortura, a Declaração proclama que “ninguém

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será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desu-mano ou degradante” (artigo 5°). Dessa forma, podemos dizer quea Declaração Universal dos Direitos Humanos é, sem dúvida al-guma, o texto mais importante de proteção contra a prática da tor-tura. Dela decorreu uma série de pactos e convenções, no âmbitodos sistemas global e regional, além de influenciar as Constituiçõese leis nacionais. A partir dela reconheceu-se a tortura como delitoprevisto no direito internacional positivo, obrigando-se os Estados areprimi-la e impondo-se sanções aos violadores da norma. Sãoexemplos: a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950); oPacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966); a ConvençãoAmericana de Direitos Humanos (1969 - Pacto San José da CostaRica); a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou PenasCruéis, Desumanas ou Degradantes (1984); e a Convenção Intera-mericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985).

Todos esses tratados internacionais baseiam-se no respeitoà dignidade humana e na necessidade de tornar mais eficaz a lutacontra a tortura em todo o mundo. O termo “tortura” assim está de-finido no artigo 1° da Convenção da ONU:

qualquer ato pelo qual uma violenta dor ou sofrimento, físicoou mental, é infligido intencionalmente a uma pessoa, com ofim de se obter dela ou de uma terceira pessoa informações ouconfissão; de puni-la por um ato que ela ou uma terceira pes-soa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de inti-midar ou coagir ela ou uma terceira pessoa; ou por qualquerrazão baseada em discriminação de qualquer espécie, quandotal dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público oupor outra pessoa atuando no exercício de funções públicas, ouainda por instigação dele ou com o seu consentimento ouaquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou so-frimentos que sejam conseqüência, inerentes ou decorrentesde sanções legítimas.

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A LEI N. 9.455/97 - LEGISLAÇÃO ESPECIAL PÁTRIA

A Lei n. 9.455, de 07 de abril de 1997, é, sem dúvida alguma,o principal instrumento de combate à tortura nacional, em que pesedisposição constitucional que a vede e convenções sobre o temaratificadas pelo Brasil. A citada lei foi votada e promulgada após otriste episódio da Favela Naval, em Diadema, São Paulo, época emque a sociedade clamava pela edição de uma lei que contivesse aviolência cotidiana, inclusive a policial.

Antes da regulamentação da lei em comento, nas raras hipóte-ses em que a tortura chegou ao conhecimento do Poder Judiciário, osmembros do Ministério Público e os juízes tinham de utilizar a legislaçãoque mais se aproximasse do delito de tortura. Tipificava-se sempre comomeio ou fim de execução de outros crimes, como homicídio, lesão cor-poral e abuso de autoridade, que possuem penas menos rigorosas.

A Lei n. 9.455/97 é a primeira norma nacional que traz a de-finição do que seja o crime de tortura, atendendo-se, assim, ao artigo5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal, e ao artigo 1°, do CódigoPenal Brasileiro, que consagram o Princípio da Reserva Legal ouda Anterioridade da Lei Penal: “não há crime sem lei anterior que odefina, nem pena sem prévia cominação legal”.

A presente lei estabelece diversas condutas típicas do delito detortura, que podem se praticadas por qualquer pessoa, e não exclusiva-mente por agentes públicos. Nesse aspecto, a lei brasileira não se coa-duna com as convenções internacionais, que exigem seja o sujeito ativofuncionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas. Al-berto Silva Franco (1997, p. 58) fez crítica a esse aspecto da lei, pelo fatode a tortura não ter sido tipificada “como crime próprio - aquele que requer,no sujeito ativo, uma determinada qualidade - mas sim, como crimecomum, isto é, aquele que pode ser executado por qualquer pessoa”.

Apesar de descaracterizado como crime próprio de funcionáriopúblico, consideramos válida a iniciativa da lei pátria em ampliar o rol

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de sujeitos ativos do crime de tortura, pois se poderá punir com maisabrangência e rigor essa prática repugnante, que não é reservada so-mente à atividade pública.

A INEFICÁCIA DA LEI DA TORTURA

A omissão generalizada do Poder Público em investigar epunir os perpetradores de tortura tem constituído um dos principaisfatores que contribuem para o uso sistemático e recorrente dessaprática no país. De acordo com Simone Schreiber (2000, p. 46):

Apesar da existência de um sistema integrado de proteção de di-reitos humanos, com normas e mecanismos de proteção de di-reito interno e de direito internacional, ao examinarmos os efeitosconcretos de atuação de tais aparatos de proteção, a realidade éextremamente preocupante. Há grande dificuldade de apuraçãoefetiva e de instauração de ação penal para a punição do crimede tortura e grande desinteresse do Estado Brasileiro em viabili-zar um sistema eficiente de prevenção. [...]. Apesar dos raroscasos de apuração de tortura, para responsabilização civil e cri-minal do agente, partiremos da premissa de que há tortura noBrasil. E há em grande escala, ou seja, tratando especificamenteda tortura do preso pelos agentes responsáveis pela investigação(polícia judiciária) e pelo encarceramento (agentes administrati-vos dentro das penitenciárias). Podemos afirmar que há práticacorriqueira de submeter o preso à sofrimentos físicos e morais, àtratamento cruel e degradante, pelos mais diversos motivos,desde a investigação, até a contenção da massa carcerária,como mecanismo de imposição de disciplina.

O Ministério da Justiça implementou, em 30 de outubro de2001, em parceria com a organização não governamental Movi-mento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), o SOS Tortura,serviço telefônico gratuito operado para receber denúncias sobre

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casos de tortura. Em menos de um ano, segundo dados divulgadospelo órgão, foram recebidas 1302 ligações referentes a tortura outratamento desumano ou degradante em todo o país. Os agentespúblicos concentram 71% das denúncias, das quais 57% relacio-nam envolvimento de policiais civis ou militares (DANTAS, p. C7).

O primeiro levantamento feito pelo Conselho Nacional dos Pro-curadores-Gerais de Justiça revelou que, do período entre a promul-gação da lei contra a tortura até o final de 2000, tinham sido oferecidas258 denúncias pelo Ministério Público em todo o país, mas somentedezesseis terminaram em condenação dos agressores. Do períodomencionado até agosto de 2001, o número de denúncias ofertadaspelo Ministério Público subiu para 502, ou seja, houve um aumento dequase 100%. Contudo, tivemos apenas mais duas condenações, alémdas dezesseis já citadas. Essas condenações incluem as definitivas etambém aquelas em que o réu ainda tem direito a recurso (ANISTIAINTERNACIONAL, 2001, p. 89).

Em setembro de 2010 a Pastoral Carcerária da ConferênciaNacional dos Bispos do Brasil – CNBB – lançou um relatório sobrea prática de tortura em estabelecimentos prisionais e delegacias quechegaram ao conhecimento da Pastoral; no total foram catalogados211 casos. Segundo esse levantamento, dentre os 26 estados e Dis-trito Federal, a Pastoral mapeou casos em vinte estados, sendo omaior número de ocorrências nos estados de São Paulo (71), Ma-ranhão (30) e Goiás (25) (PASTORAL..., 2010, p. 7).

Outro estudo, realizado em 2009 na Faculdade de Sociologiada USP, analisou 51 processos criminais de tortura no Estado de SãoPaulo, entre 2000 e 2004, que incluíam um total de 203 réus, dosquais 181 eram agentes do Estado, destes 127 foram absolvidos, 33foram condenados por crime de tortura e 21 por outro crime (lesãocorporal ou maus tratos). Disso se conclui que apenas 18% dos réusforam condenados pelo crime de tortura (PASTORAL..., 2010, p. 7).

Após 10 anos da vigência da lei nacional contra a tortura, oBrasil, através do Decreto n. 6085/07, promulgou Protocolo Facultativo

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à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes, que prevê a implementação do Meca-nismo Preventivo Nacional - MPN - de combate a esse crime. Todavia,passados quatro anos sequer foi enviado ao Congresso Nacional umprojeto de lei criando e regulando o MPN.

Um grande instrumento previsto no Protocolo é a criação deuma Comissão ou Comitê de prevenção à tortura. Dentre seus ob-jetivos estariam o monitoramento e a fiscalização dos locais de pri-vação de liberdade, públicos ou privados, podendo fazer inspeçõessem a necessidade de autorização prévia, bem como requisitar do-cumentos, com a finalidade de combater e prevenir com mais eficá-cia a prática da tortura.

Dada a importância de se erradicar a impunidade relacio-nada a esse tipo de crime e a articulação dos movimentos sociaisde direitos humanos cariocas, o estado do Rio Janeiro foi pioneiroem aprovar uma legislação (Lei n. 5.778/10) que instituiu o Comitêe o Mecanismo Estadual de Prevenção à Tortura, que contribuirápara a apuração e a punição dos sujeitos ativos do crime de tortura.

Recentemente, em Goiás, a Polícia Federal deflagrou a“Operação Sexto Mandamento”, cujo principal objetivo foi prenderuma organização criminosa com alto poder de influência e de inti-midação composta por policiais militares estaduais das mais diver-sas patentes. As investigações demonstraram que os policiaiscometiam homicídios e simulavam confrontos com as vítimas no in-tuito de justificar as mortes. Dentre as 36 vítimas figuram casos detortura, ocultação de cadáver e execução de crianças, adolescentese mulheres sem qualquer envolvimento com práticas de crimes.

No final de junho do corrente ano, a Comissão Especial de De-fesa da Cidadania, instituída pelo governo do Estado de Goiás para apu-rar os crimes cometidos pelos policiais militares ligados a grupo deextermínio, apresentou ao chefe do Poder Executivo 45 propostas parapromoção e defesa dos direitos humanos no estado e dentre as primeirasestá a criação do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura.

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CONCLUSÃO

Podemos concluir que o caráter repressivo e violento denossos agentes públicos, que geralmente se expressam através daviolência fatal ou da tortura, têm origens colonizadoras, fortalecidasno Estado Novo e na ditadura militar.

Nem mesmo com a previsão constitucional que veda expressa-mente o uso da tortura, com a ratificação de importantes tratados inter-nacionais e com a edição da Lei n. 9.455/97 essa prática foi erradicadade nosso cotidiano. Conforme alguns dados estatísticos demonstraram,há pouquíssimas condenações de tortura. Contudo, essa subutilização daLei da Tortura não se dá, infelizmente, porque a prática é pouco difundida.

A legislação antitortura brasileira é relativamente adequada;entretanto, os operadores do direito ainda relutam em utilizá-la. Umdos motivos reside na cultura da violência, ou seja, no incentivo co-letivo de empregar a violência como arma contra a própria violência.No entanto, o Estado Democrático de Direito não pode permitirações que se colocam acima do ordenamento jurídico.

Nas palavras do cientista político senegalês Pierre Sané(2001, p. A3):

O ciclo de violência que atinge a sociedade brasileira se forta-lece com a ausência de reações adequadas à cultura de bru-talidade e impunidade na qual operam os agentes do Estado.Esse círculo vicioso nunca será rompido sem uma reforma pro-funda em todo o sistema criminal. O fim das violações gravesdos direitos humanos no Brasil só será alcançado quando osresponsáveis por esses crimes terríveis souberem que nãoestão acima da lei. Sem um compromisso autêntico de pôr fimà impunidade e conferir substância aos muitos mecanismosde proteção aos direitos humanos que o Brasil possui nopapel, a retórica de hoje apenas abre caminho para mais vio-lações dos direitos humanos. Um dos desafios cruciais donovo Brasil é mostrar que as preocupações de ordem públicapodem ser resolvidas com eficácia, ao mesmo tempo em que

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se garantem os direitos humanos fundamentais de todos. Éuma lição que o Brasil precisa aprender com a sua história.

Sendo a tortura uma das mais graves violações dos direitoshumanos, sua prática sistemática representa um obstáculo impor-tante à consolidação da democracia. A impunidade também impedeo surgimento de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Eli-miná-las é uma das condições essenciais para a prevalência do sis-tema democrático, dos direitos humanos e para o desenvolvimentode uma autêntica cultura de paz.

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