unidos pela separação

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12 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR Croata a produtora de filmes Olinka Vištica conheceu o artista plástico Dražen Grubišić em uma noite em Zagreb no fim dos anos 1990. Ele nasceu e cresceu na ca- pital da Croácia. Ela é de Split, a segunda maior cidade do país, localizada na cos- ta dálmata. Começaram a namorar em 1999. Durou quatro anos. Ao se separa- rem, olharam para os objetos que os fa- ziam lembrar um do outro e brincaram: “A gente deveria fazer um museu”. Em 2006, a brincadeira virou uma ex- posição de sucesso. Quatro anos mais tar- de, tornou-se realidade: nascia o Museu dos Relacionamentos Rompidos. Cora- ções partidos de todo o mundo podem preencher um formulário no site www. brokenships.com e doar itens ligados ao fim de um namoro, casamento, relação casual ou amor platônico. Os objetos e os respectivos relatos pas- sam pela curadoria do ex-casal fundador do museu antes de serem expostos em uma galeria encravada a poucos passos da Praça São Marcos, sede dos Três Poderes croatas, na cidade alta, maior das porções medievais remanescentes – e, portanto, superturísticas – de Zagreb. A variedade dos itens expostos só é superada pela diversidade das histórias a eles ligadas. Os protagonistas não são identificados, apenas o local e a dura- ção do relacionamento. “Um presente da S.K. de 1987”, lê-se na placa ao lado de Unidos pela separação De namorados a curadores do Museu dos Relacionamentos Rompidos POR JOSÉ GABRIEL NAVARRO, DE ZAGREB Vištica e Grubišić reúnem na capital da Croácia objetos que simbolizam amores partidos ANA OPALIC um combalido relógio. “Ela amava coisas antigas, até que elas envelhecessem e pa- rassem de funcionar. Foi precisamente esse o motivo de não estarmos mais jun- tos”, conclui o zagrebino anônimo. Um machado traz o seguinte relato en- viado de Berlim sobre uma relação de 1995: “Ela foi a primeira mulher que deixei vir morar comigo. Meses depois de ela se mu- dar, me ofereceram uma viagem aos EUA. Ela não poderia vir junto. No aeroporto, nos despedimos chorando, e ela assegurou que não conseguiria sobreviver três sema- nas sem mim. Voltei e ela disse: ‘Me apai- xonei por outra pessoa. Conheci essa mu- lher há só quatro dias, mas sei que ela pode me dar tudo o que você não pode’. Pergun- tei-lhe quais eram seus planos para nossa vida juntas. No dia seguinte, ela ainda não tinha resposta, então a expulsei. Ela ime- diatamente saiu de férias com a nova na- morada enquanto os móveis dela continu- aram comigo. Sem saber o que fazer com a minha raiva, finalmente comprei este ma- chado para desestressar e causar nela ao A primeira prova tinha gosto de pão ••CCBrasilianaCroacia799.indd 12 07/05/14 17:57

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12 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR

Croata

a produtora de filmes Olinka Vištica conheceu o artista plástico Dražen Grubišić em uma noite em Zagreb no fim dos anos 1990. Ele nasceu e cresceu na ca-pital da Croácia. Ela é de Split, a segunda maior cidade do país, localizada na cos-ta dálmata. Começaram a namorar em 1999. Durou quatro anos. Ao se separa-rem, olharam para os objetos que os fa-ziam lembrar um do outro e brincaram: “A gente deveria fazer um museu”.

Em 2006, a brincadeira virou uma ex-posição de sucesso. Quatro anos mais tar-de, tornou-se realidade: nascia o Museu dos Relacionamentos Rompidos. Cora-ções partidos de todo o mundo podem preencher um formulário no site www.brokenships.com e doar itens ligados ao fim de um namoro, casamento, relação casual ou amor platônico.

Os objetos e os respectivos relatos pas-sam pela curadoria do ex-casal fundador do museu antes de serem expostos em uma galeria encravada a poucos passos da Praça São Marcos, sede dos Três Poderes croatas, na cidade alta, maior das porções medievais remanescentes – e, portanto, superturísticas – de Zagreb.

A variedade dos itens expostos só é superada pela diversidade das histórias a eles ligadas. Os protagonistas não são identificados, apenas o local e a dura-ção do relacionamento. “Um presente da S.K. de 1987”, lê-se na placa ao lado de

Unidos pela separaçãoDe namorados a curadores do Museu dos Relacionamentos RompidosPOR JOSÉ GABRIEL NAVARRO, DE ZAGREB

Vištica e Grubišić reúnem na capital da Croácia objetos que simbolizam amores partidos A

NA

OPA

LIC

um combalido relógio. “Ela amava coisas antigas, até que elas envelhecessem e pa-rassem de funcionar. Foi precisamente esse o motivo de não estarmos mais jun-tos”, conclui o zagrebino anônimo.

Um machado traz o seguinte relato en-viado de Berlim sobre uma relação de 1995: “Ela foi a primeira mulher que deixei vir morar comigo. Meses depois de ela se mu-dar, me ofereceram uma viagem aos EUA. Ela não poderia vir junto. No aeroporto, nos despedimos chorando, e ela assegurou que não conseguiria sobreviver três sema-nas sem mim. Voltei e ela disse: ‘Me apai-xonei por outra pessoa. Conheci essa mu-lher há só quatro dias, mas sei que ela pode me dar tudo o que você não pode’. Pergun-tei-lhe quais eram seus planos para nossa vida juntas. No dia seguinte, ela ainda não tinha resposta, então a expulsei. Ela ime-diatamente saiu de férias com a nova na-morada enquanto os móveis dela continu-aram comigo. Sem saber o que fazer com a minha raiva, finalmente comprei este ma-chado para desestressar e causar nela ao

A primeira prova tinha gosto de pão

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CARTACAPITAL — 14 DE MAIO DE 2013 13

à capital paulista em 2015. Dois meses antes de uma exposição, o casal promo-ve uma campanha de arrecadação de ob-jetos no país escolhido para que metade do material exposto pertença a nativos.

Existem regras para a seleção dos ob-jetos. “Não aceitamos nada que implique vingança, contenha xingamentos ou in-formações pessoais, como número de ce-lular, nem nada que soe ofensivo, racista”, explica Grubišić. Não tem sido necessá-rio aplicá-las, porém. “Os indivíduos re-passam as coisas quando superam o fim da relação. Não é o mesmo sentimento de quando querem jogar o objeto fora nem o mesmo de quando o querem manter em casa, por qualquer motivo.”

Essa crença faz Grubišić e Vištica sen-tirem-se promotores de uma boa ação co-letiva por meio do museu e da mostra iti-nerante. Autoajuda palpável: dá-se um pedaço físico do passado para inspirar a si mesmo e aos demais a vencerem os fan-tasmas do desamor.

 A tese explicaria a doação de pílulas de ecstasy por um policial que havia si-do traficante em Amsterdã com um na-morado no tempo da faculdade? Permiti-ria entender a exposição da intimação da Justiça francesa contra um suposto mo-lestador de crianças, feita décadas após o crime, depois de uma vítima se reconhe-cer apaixonada pelo algoz e finalmente procurar as autoridades? Ou consolar a septuagenária armênia que enviou ao museu um cartão-postal passado por de-baixo de sua porta quando ela era jovem por um adolescente apaixonado? “Os pais dele vieram à minha casa pedir a minha mão. Meus pais negaram, dizendo que o filho deles não me merecia. Eles foram embora bravos e muito decepcionados. Naquela mesma noite, o filho deles en-trou com o carro num precipício”, con-ta a senhora. No Japão ou na Armênia, o amor impossível dói do mesmo jeito. •

menos um mínimo de sentimento de per-da, que ela obviamente não havia sentido ao rompermos. Nos 14 dias das férias dela, a cada dia eu destroçava um móvel. O ma-chado foi promovido a instrumento tera-pêutico”. O anonimato parece garantir a li-berdade narrativa que surpreende os visi-tantes (62 mil no ano passado).

 Além da galeria, Vištica e Grubišić, ambos com 44 anos, mantêm parale-lamente uma exposição itinerante. Até meados de junho, ela permanece na Ci-dade do México. O plano original era le-vá-la a São Paulo, mas a Copa do Mundo atrapalhou os planos dos curadores. A intenção, diz Grubišić, é levar a mostra

Superação. Grubišić e Vištica ficaram juntos por quatro anos.

Hoje coletam memórias de paixões frustradas, entre

elas este bizarro machado

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