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Unicom n.02, julho de 2010

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EXPEDIENTE

EDITORIAL

Mesmo que você, caro leitor, cara leitora, recém esteja na segun-da página do jornal, já deve ter desconfiado que esta edição do Unicom – a segunda do semestre – é diferente da anterior princi-palmente pelo conteúdo.

Se, antes, dirigimos nossos esfor-ços em torno de “hábitos” os mais diversos, dessa vez não há uma preocupação temática exclusiva.

Ou seja, todas as matérias da edi-ção são diferentes. Ou desiguais.

Se isso agora é assim; se, dessa vez, cada reportagem tem um tema específico, é porque já exercitamos, na edição anterior, o trabalho em equipe por meio de um produto que exigiu atenção de todos em relação ao mesmo propósito.

É chegada, portanto, a hora de utilizarmos esta habilidade; esta capacidade de trabalhar em grupo e em torno de um mesmo propósito, mas de forma individu-al, ainda que voltados a um obje-tivo maior, neste caso o Unicom.

Mais que exercitar capacidades, ainda que também o façamos, estamos, com isso, buscando desenvolver, desde a instância formação, a compreensão que, particularmente quando o as-sunto é jornalismo, bem poucas coisas são feitas individualmente.

Também porque entendemos que, quando o assunto é fazer jornal, a compreensão de que a essência do trabalho é a equipe, mesmo quando estamos sozi-nhos em uma pauta, é fundamen-tal para o bom desenvolvimento do processo como um todo.

BLOG

Para saber mais sobre o processo do jornal e con-ferir conteúdo exclusivo:

blogdounicom.blogspot.com

Siga-nos em:@JornalUnicom

Editor-chefeDemétrio Soster

EditoraMarília Nascimento

Projeto gráficoVanessa Kannenberg

Editor de arteHenrique Scherer

Editor multimídiaPedro Piccoli Garcia

ReportagemAndréia BuenoFernando DoebberJoão Cléber CaramezLuana BackesMarília NascimentoPatrícia ParreiraPedro Piccoli GarciaRenan SilvaRosibel Fagundes

IlustraçãoAmanda MendonçaGiuzepe FontanariMariana Pellegrini

ImpressãoGraphoset

Tiragem500 exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Este Jornal foi produzido na disci-plina de Produção em Mídia Impressa, ministrada pelo professor Demétrio Soster. Colaboração dos alunos da disci-plina de Jornalismo Impresso II.

Um jornal de matérias desiguais

TWITTER

UNISC– Universidade de Santa Cruz do SulAv. Independência, 2293 Bairro Universitário Santa Cruz do Sul – RS CEP 96815-900

Curso de Comunicação Social - JornalismoBloco 15 – Sala 1506 Telefone: 51 3717-7383 Coordenadora do curso: Fabiana Piccinin

INFOGRÁFICO

Como o Unicomse multiplica

O primeiro semestre de 2010 chega ao fim com uma nova e importante regra instituída, no que toca a produção jornalística expe-rimental da Unisc: convergir. Em sintonia com movimentos verifi-

cados em nível mundial, o Unicom vem há dois anos apostando em ultrapassar os limites do tradicio-nal suporte impresso e estender o seu conteúdo para outros espaços. Deixamos de ser apenas uma fon-

te de leitura e nos transformamos também em objeto para se assistir, ouvir, clicar e interagir. Entenda o processo que faz do Unicom um veículo jornalístico absolutamente multimidiático:

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BASTIDORES

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O que um filme pode ter de inspira-dor, o seu processo de projeção em tela de cinema tem de enfadonho. Rara-mente a curiosidade de um espectador volta-se para a forma como os filmes se cristalizam em largas dimensões diante dos olhos. É um trabalho braçal, mecânico, que em nada lembra a poe-sia visual que desprende-se das telas – mas sem o qual, essa jamais existiria.

A reportagem acompanhou uma tarde de trabalho nos bastidores do Cine Santa Cruz, um complexo de pe-queno porte em um shopping center. Era sexta-feira, dia da semana em que a programação sofre alterações: títulos novos chegam, alguns deixam o circuito e outros ficam, mas saltam de uma sala para outra. Dois funcioná-rios dividem-se na montagem e roda-gem dos filmes.

Antes de ganharem as telas, os grandes romances, as eletrizantes aventuras e as encantadoras fantasias são comprimidas em latas redondas. A grande maioria dos cinemas ainda projeta filmes em película, embora a tendência a médio prazo seja a digita-lização generalizada. Os rolos, que de tão compridos parecem ser capazes de embrulhar arranha-céus, viajam en-latados entre cidades em caminhões ou ônibus, às vezes com identificação disfarçada para despistar a pirataria. O comprimento varia conforme a du-ração do filme, assim como o número de partes em que será dividido para o transporte – não há lata grande o sufi-ciente para um longa-metragem.

A preparação do filme para ser ro-dado leva cerca de meia hora. Tudo acontece em um compartimento iso-lado. No caso do Cine Santa Cruz, para se chegar lá é preciso passar por uma porta discreta entre as guloseimas da bomboneira, e uma escada em caracol. Os projetores ficam em uma espécie de sótão, nada recomendado para claus-trofóbicos ou quem seja alto demais – o

Onde não há balas de gomaNada pode ser menos romântico que o processo de preparação de filmes para serem projetados

nas telonas de cinema: antes de chegarem lá, passam por mãos e máquinas

PEDRO GARCIA REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

risco de uma cabeçada é eminente.Saído das latas, o rolo cortado em

partes deve ser recomposto em uma torre para que o filme rode do início ao fim na tela. As torres são máquinas altas, com duas grandes espirais de aço chamadas rolões. Na de baixo, a menor, o rolo é instalado para depois deslizar por meio de uma bobina para o de cima. O fim de um rolo é cuida-dosamente unido ao começo de outro com uma fita adesiva, e assim o filme vai se completando na espiral maior.

Essa montagem começa pela última parte, de maneira que ao final o extre-mo acessível do rolo na máquina seja a abertura do filme. Antes de passar para o projetor, ainda são anexados os trailers, isso quando estes vêm em la-tas menores separadas.

Projetores são geringonças pesa-das e caras – chegam a custar 350 mil reais. Apontam sempre para uma janelinha, através da qual a imagem atravessará a sala e se difundirá na te-lona. Um detalhe interessante é que os filmes saem da torre e chegam ao pro-jetor invertidos, de cabeça para baixo. É a lente da máquina que irá distorcer a imagem durante a projeção.

Na parede, um relógio repousa per-to de uma folha onde estão apontados os horários das sessões. Pontualmen-te, apaga-se as luzes, aciona-se um bo-tão e começa a peregrinação: as cenas trilham do topo da torre para a lente do projetor e retornam para a espiral inferior. No meio do caminho, voam para a tela e assim se configura o ri-tual espetacular praticado em todo o mundo há mais de cem anos.

O operador atento verifica o enqua-dramento de vez em quando. Quando o último espectador deixa a sala, o rolo é rebobinado e a próxima sessão é aguardada. Não há pipoca nem balas de goma por ali, muito menos refrige-rante. Tudo é muito concreto no quarto de onde brotam os sonhos.

DA ESTRADA À TELONA

1 Os rolos de filmes viajam de cidade em cidade cortados em partes e dentro de latas redondas

Com fitas adesivas, as partes são unidas, da última para a primeira, na chamada torre2

O extremo acessível do rolo (abertura do filme) é instalado no projetor3

A máquina é ligada: o filme roda da torre para o projetor, é jogado na tela, e volta à torre4

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dia

Quem disse que freira tem que parecer freira?

Elas não seguem os padrões tachados pela

sociedade para religiosas. Assumiram um jeito diferente que

conquista os jovens com quem trabalham

todos os dias

MARíLIA NASCIMENTO REPORTAGEM

LUCIANA BASTOS FOTOGRAFIA

Amigas de longa data, nascidas no mesmo dia, 26 de julho, e hoje traba-lhando na mesma instituição. Em poucas palavras, estas são a Irmã Sônia e a Irmã Saionara, religiosas da Congregação do Imaculado Co-ração de Maria. Na aparência, elas são diferentes dos estereótipos que associamos às freiras: não usam o hábito e nem saias compridas. Usam roupas normais. São pessoas co-muns que apenas escolheram o ca-minho da vida religiosa.

Atualmente fazem parte da co-munidade da Congregação em Rio Pardo, município da região central do estado, com pouco mais de 37 mil habitantes. Quem chegou primeiro à pequena cidade foi a Irmã Saionara, em 2005. Na época ela já trabalhava na área da contabilidade, e chegou ao Colégio Nossa Senhora Auxilia-dora em um período complicado. A escola estava com problemas, corria o risco de fechar as portas.

Com disposição e vontade de fa-zer acontecer, a Irmã contou com a ajuda de uma equipe, e novamente a escola estava no caminho certo, e ocupando o espaço que o nome e a tradição lhe reservam. Tudo isso é contado com orgulho, e um brilho nos olhos de alguém que tem como maior objetivo fazer o bem para

quem está perto. Sem contar o sor-riso sempre presente. Hoje, o colégio está funcionando a pleno vapor, e ela é a coordenadora da tesouraria.

Depois de quatro anos na cidade, em 2009, Irmã Saionara ganhou a companhia da amiga, a Irmã Sônia. A chegada da futura diretora ao co-légio e à cidade, não passou tão des-percebida quanto no caso da amiga. Imagine uma religiosa que chega à uma cidade pequena e com certos modelos impostos como corretos e únicos, usando mega hair, aparelho nos dentes, e freqüentando a aca-demia todos os dias às 6h30min. Obviamente causou comentários e estranheza, mas nem por isso foi mal tratada ou recriminada. Ape-nas teve que conquistar o mundo a sua volta, e assim o fez, adquiriu a confiança e o carisma de todos que a rodeiam. Hoje, a diretora Irmã Sô-nia, fala com um brilho no olhar do pouco tempo que está à frente da instituição, de um jeito que só quem gosta do que faz pode falar.

A formação acadêmica comprova isto. Graduada em Letras pela Uni-fra de Santa Maria, fez especiali-zação em Gestão de Administração, Mestrado em Educação pela Unisi-nos, e agora está escrevendo artigos para iniciar o Doutorado. Ainda não

definiu o tema, mas enfatiza que será na área da Educação e também ligado à Administração “É o que eu gosto.”

Na comunidade da Congregação em Rio Pardo moram cinco Irmãs, todas desempenham atividades re-lacionadas ao colégio. E algumas já estão ali há mais de 50 anos. As mais novas na idade e na convivência são as duas jovens, amigas de longa data, mas que nunca haviam traba-lhado juntas. Hoje elas convertem a união, disposição e vontade que têm de sobra para fazer cada vez mais, e a cada dia ver que fizeram o bem para o próximo. Seja em atividades do colégio, ou em atividades extras.

Se Irmã Sônia já está iniciando o processo para ser doutora, Irmã Saionara ainda é uma estudante da graduação. Todas as noites pega o ônibus e tem como destino a Univer-sidade de Santa Cruz do Sul, onde cursa Ciências Contábeis.

É neste período, o da vida acadê-mica, a maior incidência de espan-tos, nem todos que a rodeiam na Uni-versidade sabem que ela é religiosa, e quando descobrem ficam, muitas vezes, boquiabertos. Ela conta isso e se diverte: “Eu sou uma pessoa co-mum, não preciso e nem quero tra-tamento especial.“ Com a Irmã Sônia

Na foto acima, a Irmã Sônia com o mega hair, em 2009. Já na foto à esquerda, é ela atualmente, em seu escritório no Colégio Auxiliadora .

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CRÔNICA

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não é diferente. Quem passa por ela na rua não dirá que é religiosa.

Por essas situações e pela manei-ra como agem, como falam, como tratam quem está ao redor, e pela maneira como se vestem, que elas fogem do modelo que a sociedade tem como padrão. Assumem um ar menos sério, mais próximo da rea-lidade com a qual convivem. Todos os dias lidam com muitos alunos, de diferentes idades. E provam para quem quiser ver que fizeram esta escolha perpétua por conta própria, e com amor.

A ESCOLhA

Em meados dos anos 80, a jovem Sônia Oliveira mudou-se com a fa-mília para o Paraguai, pelas pro-messas de terras mais baratas e férteis. Vários grupos familiares debandaram para o país vizinho nesta época, por isso também foram enviados religiosos brasileiros para a comunidade que havia se criado.

As Irmãs da Congregação do Ima-culado Coração de Maria foram para lá desenvolver trabalhos comunitá-rios, e foi esta atividade que chamou a atenção da adolescente de 15 anos e a encantou. A menina não mais

voltou à sua cidade natal – Toledo, no Paraná. Quando retornou ao Bra-sil, foi direto para Canoas, onde fica a casa de formação da Congregação.

Algum tempo depois, este tam-bém se tornou o objetivo da jovem gaúcha de Santa Maria, Saionara Ribeiro, que está na Congregação há mais de dez anos. Ela conta que a possibilidade de poder ajudar o próximo e acolher quem necessita a fez seguir este caminho. “É poder humanizar o sofrimento e os desa-fios das pessoas.”

As coincidências entre as religio-sas vão além do dia do aniversário. No início, a aceitação da família não foi fácil. Irmã Sônia é a oitava de doze irmãos, e Irmã Saionara a ca-çula de cinco. Hoje as duas afirmam que as famílias são unidas, apesar da distância e dos caminhos dife-rentes que cada irmão seguiu.

Quando ingressaram na vida religiosa e fizeram os três votos perpétuos, de castidade, pobreza e obediência, elas se tornaram par-tes de várias famílias. Afinal dia-riamente elas têm contato com inú-meros grupos familiares, seja hoje em Rio Pardo ou nas diversas cida-des que já trabalharam. Juntas, as religiosas já passaram por mais de dez cidades em todas as regiões do Rio Grande do Sul.

Nunca fui muito adepta dos rótulos. Sempre detestei aqueles que se acham dignos de definir algo ou alguém. Não gosto pelo sim-ples motivo de que, para mim, quando definimos certa coisa, es-tamos automaticamente pondo limites à isso, e inevitavelmente fazendo com que tudo o que se relacione à “coisa” em questão se torne exatamente igual.

Mas as pessoas gostam mesmo é de dar “nome aos bois”. Defi-nir gerações então, parece algo divertido. Vamos a um exemplo? Anos 80 é a geração do rock, da discoteca. Preciso confessar que ao ler a definição imagino uma galera de coturnos, roupas pretas, uma turma dançante, agitada, animada, com guitarras nas costas e cigarros nas mãos, uma turma que passa a festa e música o dia todo.

O cenário imaginado pode não ser exatamente este, mas o sen-tido das definições insinuam isso. O óbvio é que não era só isso, não era bem assim. Em meio ao movimento citado, existiam obje-tivos sendo buscados, expressões sendo declaradas, paradigmas sendo quebrados em uma sociedade em constante construção, com jovens em busca de uma identidade.

Nos dias de hoje, a coisa não vai muito além disso. Vivemos uma era em que a tecnologia domina todo e qualquer mercado de trabalho. A cada dia que passa, somos impulsionados a saber mais, a saber de tudo, bombardeados por informações de todos os lados e transmitidas de todos os jeitos. Precisamos ser bons alunos e não desviar o foco dos objetivos para o futuro, buscan-do assim excelência na vida profissional.

Mas é preciso ter tempo para a família, prezar o diálogo e cor-responder aos sonhos dos nossos pais. Isso tudo sem deixar de sonhar. É só saber o que se quer que a força do pensamento nos leva até lá. Aos 20 ou 21 anos de idade, não tente se declarar insatisfeito ou sem saber exatamente o que quer para o futu-ro. Veja só: estão agora nos definindo como uma geração “tanto faz”, uma geração whatever.

Há menos de quatro anos, me encaixavam na tal geração canguru (aquela que não sai da proteção da mãe, sabe?), e isso já me dei-xava muito indignada, afinal, não me achava “imatura” por decidir morar com meus pais e assim garantir melhores condições de es-tudos. Me achava, sim, consciente!

Como se não bastasse, hoje me encontro na tal geração que não quer nada com nada, que tanto faz e tanto fez, sou parte da gera-ção whatever e isso me provoca um pesar sem tamanho. É injusto.

Não concordo quando dizem que para nós tanto faz, ao con-trário, nunca fomos tão esclarecidos quanto aos nossos gostos e vontades. Eu, aos 22 anos, sei bem o que eu quero e o que eu não quero para minha vida, e o mesmo percebo nos que me cercam. Que uns são mais decididos e persistentes que outros eu não posso negar, mas até definir esta como uma juventude indiferente, é demais.

Galera, mostrem sua cara, declarem suas opiniões, lutem pelos seus espaços, antes que sejamos de vez considerados parte de uma geração que até nome estrangeiro leva, e que eu (me descul-pem os mais velhos) discordo total e completamente.

OPINIÃO

Geração tanto fazANDRÉIA BUENO

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RED

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Todas as noites, Rosy coloca o pe-queno Iohan para dormir antes da novela das oito. A dona de casa tem 50 anos. Sua rotina noturna é simples: as-sistir ao folhetim, cuidar dos afazeres domésticos e sentar-se em frente ao computador. Ela se diz uma viciada em internet, mas não acha isso ruim. Seu nome real é Rosmary Moreira Wae-chter, mas ela gosta de ser chamada de Rosy. Seu vício começou há cerca de 12 anos, e desde então fica, pelo menos, até às 3 horas da manhã conectada. Fã de fotografia, adora fazer monta-gens e manipulações, e usa a rede para pesquisar sobre o assunto. Além disso, recebe muitos e-mails diariamente (no mínimo 50), e passa muito tempo res-pondendo-os. Não costuma ler nada em papel também. “Até a Gazeta do Sul, a gente assina mas eu prefiro ler pela internet. Acho menos cansativo.”

As facilidades da internet também proporcionaram à Rosy uma das me-lhores experiências de sua vida, como ela mesma relata. “Tinha um concurso no programa da Ana Maria Braga, e eu mandei uma receita. Quem fazia essa receita era minha vó, de uma torta de batata doce com nozes. Não lembro quantas mil receitas estavam concor-rendo, e eu tirei o primeiro lugar.” Na

Uma vida conectada no mundo real

bit.l

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Uma dona de casa viciada em internet e fotografia. Aos 50

anos, a santa-cruzense possui histórias

surpreendentes, e vive o presente em conexão

com o passado

RENAN SILVA REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

época, Rosy ganhou um prêmio de dez mil reais e uma viagem com acompa-nhante para os estúdios da Rede Glo-bo, em São Paulo, onde tomou café com a Ana Maria e participou das grava-ções de duas edições do Programa do Jô, a quem ela chama de velho gordo e rabugento. “O Bira, o Tomate e o Deri-co são muito simpáticos, mas o Jô é um velho chato que só fala palavrão.” Em São Paulo, ficou hospedada em um ho-tel cinco estrelas.

Mas essa não é a única curiosidade sobre Rosmary. Ela conta ainda que quase casou pela internet. “Faz uns sete anos que terminamos. Nos conhe-cemos no ‘Alma Gêmeas’ - nem sei se o site ainda existe – e ele era uma pessoa bem parecida comigo.” Após a troca de e-mails, o namoro começou. Recursos como MSN e webcam ainda estavam engatinhando. Mesmo assim, namora-ram via internet e telefone por um ano e dois meses. “Teve uma noite em que ficamos da meia-noite até às 8 (horas) da manhã direto no telefone.” Após esse período, ele começou a pressioná-la. “Ele queria me conhecer, queria vir me ver.” Mas Rosy não queria. Sen-tada à mesa, olhar distante, como se estivesse revivendo aquele momento em seus pensamentos, confessou que

tinha medo. Medo de que o encanto do relacionamento pela internet fos-se quebrado. Ele ameaçou terminar o namoro, e ela aceitou conhecê-lo. A relação durou cerca de 5 anos. O pau-lista, descendente de japoneses, vinha visitá-la com frequência. E ela tam-bém costumava ir a São Paulo passar alguns dias. “Mas eu não gosto daquela cidade. Muito violenta, muito feia.”

Além disso, Rosy retrata o medo que sentia a cada visita ao namorado. “Ele tem dois filhos. Um é ‘meio gênio’, e passou na USP, em Odontologia, em primeiro lugar. O outro, drogado, não aceitava nossa relação.” Ela conta que a todo instante a casa era invadida por traficantes. Eles levavam o que quisessem como forma de pagamento. “Na última vez em que fui, fiquei em um hotel, com medo.” Mas não foi essa a razão do término do relacionamen-to virtual. Mesmo tendo dois filhos, o namorado queria mais um. Rosma-ry submeteu-se ao tratamento, mas não conseguiu engravidar. Foi então que optou pela adoção. Ele se ofendeu com a ideia e a mandou escolher entre o relacionamento e o filho adotivo. O pequeno Iohan é o resultado de sua de-cisão. Emocionada, reconhece: “Tudo isso a internet me proporcionou”.

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EMOÇÃO

bit.ly/uniset

A três meses de o maior atentado terrorista contra os Estados Uni-dos da América completar nove anos, o povo norte-americano ain-da chora suas perdas e se refere ao 11 de setembro de 2001 com tris-teza no olhar e uma voz engasgada pela emoção. Naquela manhã, Sha-ron Maddern, americana que mora em Connecticut (estado que faz divisa com Nova Iorque), mãe de Derek, 12 anos, e Trevor, 11, sentiu o medo correr em suas veias desde o momento em que viu as imagens na televisão até quando finalmen-te conseguiu abraçar os dois filhos, que foram levados para casa minu-tos após a queda da primeira torre. Medo que persiste até hoje. “Você não faz ideia de como ficou a nossa vida após o atentado; Derek e Tre-vor não queriam mais dormir em seus quartos, todo barulho forte vindo da rua era motivo para que eles se escondessem e chorassem; tive que buscar tratamento psico-lógico para os dois”, relata.

Enquanto para a família Maddern o final foi feliz, pois não perderam nenhum parente no atentado, para os Mc’laugh tudo foi muito diferen-te. John trabalhava em um edifício que ficava a uma quadra das torres gêmeas. Seu irmão mais novo traba-lhava dentro do complexo do World Trade Center. “Eu me lembro de um barulho de motor de avião zumbin-do nos meus ouvidos, quando olhei pela janela, tudo que avistei foi um avião enorme entrando em uma das torres”, conta John. “Ao chegar na calçada em frente ao prédio onde eu trabalhava, policiais seguravam todas as pessoas, impedindo qual-quer um de chegar mais perto do local do que, até então, para nós era um acidente.”

John puxa a respiração, levan-ta do sofá e caminha em direção à cozinha. De lá, resmunga: “Meu irmão foi um dos mortos naquele dia.” A nanny (babá) da casa da fa-mília Mc’laugh, a brasileira Diana Burigo, lembra que John conseguiu ir até o memorial do 11 de Setem-bro com a filha Meg (sete anos) so-mente no ano passado. Levou uma

O 11 de Setembro que você não viu

Passados quase nove anos do maior

atentado terrorista da era moderna, o medo e

a insegurança ainda estão vivos na memória dos

norte-americanos

ANDREIA BUENO REPORTAGEM

foto para colocar no mural da ex-posição, em homenagem ao irmão. Segundo Diana, tudo o que ele con-seguiu foi chegar até a porta. Bar-rado pelo choro e pela emoção, ape-nas entregou o retrato ao porteiro.

CASOS COMUNS

Casos como destas duas famílias são comuns entre os que vivem nos arredores de Nova Iorque. Mais comovente que escutar estas nar-rativas é saber o que ocorreu na-quele dia por meio dos destroços, fotos, vídeos e ligações de traba-lhadores que, de dentro do prédio, ligaram por socorro ao corpo de bombeiros (as ligações podem ser ouvidas no memorial pois foram grampeadas e salvas como arqui-vo de memória).

Esse material faz parte de uma exposição que permite, ao visitan-te, apertar um botão e ouvir uma mensagem que foi deixada na cai-xa postal do celular de uma mulher chamada Jules por um dos passa-geiros dos aviões sequestrados. Uma mensagem de adeus. O local paralisa, sequestra os pensamen-tos, faz notar mais do que nunca que não importa a raça, a cor, a re-ligião: somos seres que precisamos uns do outros, do amor do próximo.

E se ainda, ao final desta maté-ria, tu não sentiste nada, termino reescrevendo aqui o que aquele homem declarou à sua mulher mi-nutos antes de seu avião ter sido jogado contra uma das torres gê-meas (e eu espero que ele não te-nha deixado para declarar aquilo somente naquele momento!): “Hey, Jules, aqui é o Brian. Ah, escuta... Eu estou no avião que foi seques-trado... Se as coisas não forem bem, e elas não me parecem muito boas, eu quero que você saiba que eu absolutamente te amo. Eu quero que você se saia bem, tenha bons momentos, o mesmo para os meus pais. Eu te vejo quando você che-gar aqui. Eu quero que você saiba que eu te amo totalmente. Tchau, bebê, espero que eu vá te ligar!”

ANTES

DURANTE

DEPOIS

FOTO

S/INTER

NET

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AMOR

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Em maio de 2007, Veridiana, ban-cária de 25 anos, adicionou o Diego, farmacêutico de 26 anos, no site de relacionamentos Orkut. Naquela época, era uma estudante de enge-nharia agrícola, da UFPEL (Univer-sidade Federal de Pelotas). Ao lado da amiga Suelen, pesquisava comu-nidades relacionadas ao nativismo. Era viciada em internet. A foto do rapaz chamou sua atenção e pelo perfil, pôde perceber que ele gostava de nativismo. A guria era uma gran-de fã do cantor Jairo “Lambari” Fer-nandes. Deixou um recado que dizia assim: “Entrei por engano, mas gos-taria de saber se tu tens a música Vai Coração, porque estou à procura.” Diego respondeu que tinha o vídeo. Ela gostou muito, achou o máximo. Os endereços de MSN (programa de mensagens instantâneas) foram tro-

Um romance embalado pelos nós da internet

O primeiro beijo de Diego Moura e

Veridiana Aires foi ao nascer do sol, em

março de 2008, aos pés da cruz no Largo

do Redentor, em São Lourenço do Sul

JOÃO CLÉBER CARAMEZREPORTAGEM E FOTOGRAFIA

hENRIQUE SChERERILUSTRAÇÃO

cados. Logo em seguida, conversa-ram por muito tempo.

O rapaz achou Veridiana “muito in-teligente, uma guria de conteúdo. Sa-bia conversar sobre nativismo com consistência.” Mas era da distante Capão do Leão. Para ele, o negócio era só amizade mesmo. Foi uma semana de conversas sobre tudo. Dois meses antes, tinha rompido seu noivado e estava solteiro. Por coincidência, ela também tinha terminado um rela-cionamento há pouco tempo. Apesar do nativismo não combinar muito com tecnologia, os dois passaram a conviver juntos. O computador é par-ceiro do gaúcho.

Logo depois, as conversas cessa-ram. Inclusive, voltaram para seus parceiros antigos. Diego reatou o seu noivado e Veridiana ficou noiva du-rante a Semana Farroupilha, em cima de um cavalo. Neste momento, os dois eram completamente estranhos um para o outro. Não tinham mais os la-ços que tiveram antes. Ela ficou sol-teira em novembro. Na sequência, em uma conversa com a amiga Clarissa, recebeu o convite para ir ao Reponte da Canção (festival de música nativis-ta), no final de março. Para combinar os preparativos da viagem, Veridiana acessou o MSN. “E de repente, como se fosse um estalo, vi a frase do Diego: ‘São Lourenço me espera’.” Do outro lado, depois de romper novamente seu noivado, era um homem solteiro rumo ao festival. “Como a maioria faz, dei-

xei aquela frase como uma deixa para as gurias”, brinca ele.

Pelo MSN, Veridiana puxou assun-to, em razão da frase, e pediu a ele al-gumas dicas sobre a cidade. Diego con-ta que “já tinha uns casos arrumados por lá, nem dei bola pra ela.” Ainda fa-laram sobre se encontrar, mas na ver-dade, ela também já tinha um “esque-ma” para o festival. Tinha o costume de marcar os encontros pela internet. Diferente do Diego, que só a utilizava depois do contato pessoal.

Já em São Lourenço do Sul, o en-contro dele não deu certo. No final da noite de sexta-feira, estava na copa do festival. Nesse momento, mirou a mo-rena. “Tinha muitas outras ali naquele lugar, mas quem me chamou atenção foi aquela”, relembra. Ele ficou em lu-gar estratégico, para que ela o visse. E viu. Depois de comentar algo com as amigas, veio para conversar. Fica-ram muito tempo de bate-papo e para ele, “amizade já não tinha mais.” Diego pensou naquele momento que “primei-ro devo conquistar as amigas, para re-forçar minha boa impressão.” Não teve erro. Esse foi o seu grande trunfo.

O PRIMEIRO BEIJO

Foram muitas conversas e algumas cervejas. Estavam todos entre amigos. Veridiana sofria o assédio de muitos no Bar da Cruz. Mas o escolhido foi o Diego. Era quase hora do sol nascer e, com a vista para a Lagoa dos Patos, nasceu o primeiro beijo. “Eu achava ele muito lindo, sempre tinha outras mu-lheres na volta. Nunca pensei que iria querer algo comigo.” O restante do fi-

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AMOR

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nal de semana foi fantástico. Para ela, foi “uma aventura, não queria um en-volvimento. Mas não aconteceu dessa forma como imaginei.”

Voltaram para suas vidas. Diego em Santa Cruz do Sul e Veridiana, em Pe-lotas. O MSN foi a forma de matar as saudades. “As minhas atividades con-sumiam meu tempo e por isso nunca tive tempo de visitá-la”, define Diego. Estão guardados até hoje os depoi-mentos no Orkut. Foram 30 dias até o próximo encontro, na cidade dele. Para eles, “foi outro final de semana mágico.” A família dele já conheceu a moça. A segurança foi maior. Depois, apenas com o feriado de Tiradentes, Diego teve folga do trabalho para ir a Pelotas. Ele também conheceu a famí-lia dela que, por sinal, gostou muito do rapaz. Assim, a relação se solidificou. E foram intercalando as visitas. As pas-sagens são caras. Segundo eles, “cada encontro era uma coisa diferente, como se fosse o último. Isso alimenta-va nossa relação.”

A GRAVIDEZ

Foi no feriado de Corpus Christi que ela foi vê-lo. Ainda voltaram a se ver em Encruzilhada do Sul, terra natal de Diego, e na Vigília do Canto Gaú-cho (festival de música nativista) em Cachoeira do Sul. Após este encontro, descobriu que estava grávida. O MSN serviu para que o teste de gravidez fos-se mostrado e que ele soubesse da no-vidade. “Foi um momento difícil para mim, mas como tinha um trabalho, deixei-a tranquila. Garanti que a situ-ação seria resolvida.” Foi a Capão do

Leão para falar com os pais dela. Não apoiaram por acreditarem que foi um ato impensado e por se tratar de uma família conservadora. Queriam que os dois se casassem. “Eu estava mais pre-ocupado com o bebê, essa era a priori-dade. O casamento não era o impor-tante no momento”, conta Diego. Quem sempre esteve do lado de Veridiana foi sua tia Ceila.

Após problemas na gravidez, e sem o apoio da família, Veridiana decidiu aceitar a proposta do namorado e foi morar em Santa Cruz do Sul. Teria o apoio médico necessário. Foi a tia Ceila quem o trouxe ela. Nesse meio tempo, Diego era o presidente da Manoca do Canto Gaúcho (festival de música na-tivista) e estava cheio de atribuições. O nativismo sempre fez parte da rela-ção. A casa em que a família dele mora-va precisou ser adaptada para receber uma gestante. Nesta etapa, a situação financeira foi um fator complicado. Providenciou uma casa para que os dois fossem morar sozinhos. Estão lá até hoje. As pazes com a família vie-ram quando ela foi visitá-los com seis meses de gravidez.

O nome escolhido para a criança foi Anita. Nasceu em Encruzilhada do Sul, um pouco além do prazo. Com 21 dias, após complicações em função de uma meningite, ela morreu. Exatamente no mesmo dia e hora do primeiro bei-jo, um ano antes, na cruz do Largo do Redentor. Para eles, “ela é um anjo da guarda que nos dá energia para conti-

nuarmos juntos todos os dias.” Para todos os envolvidos, serviu

de lição. Diego diz que “saiu de cons-ciência tranquila porque fez tudo o que pôde.” Os festivais serviram de reconforto, pois estavam ao lado dos amigos e ao fazer o que gostavam, ganhavam força para superar a per-da. Eles dizem que “a Anita é a força espiritual. Depois que a tivemos em nossas vidas, muitas coisas boas nos aconteceram.” No Reponte deste ano, a emoção tomou conta dos dois quan-do Lisandro Amaral, aos pés da cruz, cantou De alma, campo e silêncio, a música que embalou o romance dos dois. Essa foi uma das tantas letras que o Diego mandou para a Veridiana no MSN. Se ficarão juntos por um lon-go tempo, nem eles sabem. Vivem o dia de hoje como se fosse o último dia que estarão juntos. Da mesma forma que faziam nos primeiros encontros.

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Quando terremotos assustam mais que bombas

FERNANDO DOEBBER REPORTAGEM

O que lhe motivou seguir no rumo da ajuda humanitária?

Eu estudei saúde pública na Espanha, onde fiquei três anos

morando em Barcelona. Lá eu tive muita aula de antropologia, com muitos professores que relatavam experiências de estudos na África. A partir daí, comecei a me interes-sar por esse lado, pois eu gosto de viajar para conhecer culturas diferentes.

Como repercute na sua família a sua atuação frente a ONGs humanitárias?

Agora eles já se acostumaram. Mas, no início, minha mãe se

assustava um pouco. No ano pas-sado, estive no Paquistão e acho que foi o maior baque para ela porque começaram todos aque-les atentados a bomba que agora estão se repetindo. Isso deixou ela apavorada. Até mesmo porque senti um atentado a bomba pró-ximo do nosso escritório. Depois, houve um atentado que atingiu nosso escritório. Ainda bem que eu não estava no local. Foi às 6 horas e havia dois colegas lá, mas graças a Deus ninguém saiu feri-do. Foi só um susto. Minha família está acostumada agora. Quando falei a eles que ia para o Haiti, disseram-me que agora estava tudo bem e que, depois do Paquis-tão, eu poderia ir para qualquer lugar (risos).

Você já teve experiência comterremotos. Como é?

Tive esta experiência em dois momentos: no Paquistão e na

Indonésia. Mas o mais forte foi no Paquistão, onde estava acontecen-do uma série de terremotos. O que eu passei foi por um de magnitude 6.4. Estava dormindo e acordei, mas não sabia o que fazer, se saía para a rua ou ficava deitada. Foi muito forte. Estava com mais medo dos terremotos do que dos atentados a bomba.

Qual é a sensação de ficar de frente com o perigo, como no Paquistão por exemplo?

Como não estou acostumada com guerras, fiquei um pouco

assustada em ver a repercussão, pois se vê muitas pessoas inocen-tes morrendo. É bastante estres-sante, na realidade.

E vivenciando essas tragédias, você não perdeu a sensibilidade?

Acho que não dá para perder. Como humanitária, devemos

lidar com isso, mas temos que tentar não transparecer muito nervosismo.

Você é convocada para estas missões ou se dispõe? Como se dá esse processo?

Eles convidam. Como eles têm o meu currículo e já me

conhecem, me convidam. Tenho liberdade total, não tenho contra-to com eles. Tudo é custeado pela ONG. Já fui convidada para ir ao Afeganistão duas vezes, mas eu disse que não (risos), principal-mente depois da experiência do Paquistão. Eu não quero voltar tão cedo para um local onde existe não apenas a questão de guerra, mas também uma cultu-ra muito diferente da nossa. Onde temos que acabar nos vestindo como eles e agir como eles, para não chocar e para não ser alvo.

E como é esse choque cultural?

Como temos que respei-tar tudo, cultura, religião

e política, e ficarmos neutros, temos que demonstrar que os entendemos. Nos vestimos como eles, entre outras coisas. Para sair na rua, tem que ser acom-panhada de um homem sempre. Pois temos de fazer isso para não corrermos risco de vida, já que para eles é algo extremamen-te importante a submissão da mulher. Se acabamos ofendendo, fica ruim para a própria organi-

Cosmopolita desde os primeiros passos, a fisioterapeuta Letícia Pokorny preferiu a causa

humanitária como projeto de vida, ao invés do conforto das tecnologias dos modernos consultórios. Mesmo sabendo que isso

representava privações e perigos à sua vida. Ingressou na ONG Médicos Sem Fronteiras em

2006 e foi indicada para ser voluntária na Handicap International, pela qual foi em missão

à capital do Haiti, Porto Príncipe

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CAMINhOS PERCORRIDOS - arquivo pessoal

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PING PON

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sional da saúde saber que isso vai acontecer por uma questão reli-giosa e cultural. Para nós, a vida é mais importante. Porém, podemos apenas dar nossa opinião e se eles não aceitam, não podemos fazer nada além.

Neste sentido, se faz necessário o acompanhamento de um psicólogo para estas pessoas...

Tem que ter sempre. Quando trabalhei na Indonésia, eu lida-

va com paraplégicos e amputados, e nenhuma ONG tinha psicólogo na época. Senti muito a falta de um. Já na Nigéria, não tínhamos psi-cólogos, mas haviam conselhei-ros que orientavam as pessoas. Agora, no Paquistão, a assistência psicossocial está sendo incluída nos projetos de ajuda humanitária.

Como é o dia-a-dia num lugar que necessita de ajuda humanitária?

Na Nigéria, por exemplo, chegavam pessoas ampu-

tadas o tempo inteiro, com tiro,

zação. Podemos até mesmo ser expulsos do país.

Você já sofreu algum preconceito por ser de outro país?

Não. Muita gente achava que eu era do Paquistão ou do Irã,

então não tinha muito problema com isso, usando a vestimenta. Mas caso não nos vestimos como eles, levamos muitas olhadas e aí acabamos nos sentindo incomo-dados. A melhor coisa para passar despercebidos por eles é tentando se passar por um deles.

Qual o maior tabu cultural que você já enfrentou?

Foi na Nigéria onde eles acredi-tam que a pessoa tem que ser

enterrada com o corpo completo e muitas vezes essa pessoa chegava com uma gangrena. O problema era tentar convencer o familiar ou o próprio paciente de que o melhor seria a amputação e ele não acei-tar. Você sabe que ele vai morrer e é muito frustrante para o profis-

perna quebrada, etc. A cena mais bizarra que eu vi foi de um rapaz que chegou só com o buraco do ouvido, pois haviam tirado a sua orelha com uma machete. São coisas bárbaras que a gente não consegue imaginar, mas que pro-vavelmente também acontecem no Brasil.

Qual o momento que mais lhe marcou até agora nas suas experiências?

Foi uma paciente na Nigéria, em 2008, que perdeu toda a pele

da coxa num acidente e por es-tar há meses enferma, disse que não queria mais ficar internada, queria ir para casa. Ela tinha 17 anos e pesava, sei lá, 25kg, então foi para casa para morrer perto da família. Esta foi minha expe-riência mais frustrante, porque ficamos meses e meses tratando esta pessoa, pois queríamos que ela sobrevivesse. Realizamos cirurgias caras nela para tentar salvá-la. Essa foi a cena que mais me deixou deprimida.

O que mais aprendeu nas suas viagens?

Uma coisa boa que eu apren-di com as minhas viagens

foi escutar e conversar com as pessoas. Quando estamos na correria, não paramos para fazer isso. Não devemos parar apenas para escutar as queixas das pessoas, mas também para ouvir as coisas boas que elas têm para nos dizer. Nos luga-res por onde passei, nos vemos obrigados a desabafar um com o outro porque estamos longe de nossas famílias. Outra coi-sa importante é que além de aprendermos a escutar, também aprendemos outras coisas com as pessoas que encontramos. São amizades gostosas que a gente faz e guarda de lembrança no coração. Sempre digo que a gente tem que amar as coisas que fazemos, se não for por amor e só pelo dinheiro, então não faça. Minha profissão, aqui no Brasil, é muito difícil, mas gosto dela e trabalho com amor. Meu trabalho me faz feliz.

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No interior, todos sabem, as pes-soas trabalham duro e têm poucas opções de lazer. No Vale do Rio Par-do não é diferente. Durante a se-mana, as “vendas” são as mais fre-quentadas. É o caso da maioria dos homens, que possuem destino certo à tardinha. Jogam cartas e bebem cerveja, com direito a petiscos como salame e linguiça. As mulheres, por sua vez, ficam em casa e cuidam dos afazeres domésticos, como tirar leite, dar milho às galinhas, e pre-parar o jantar. No final de semana a rotina muda. As mulheres visitam suas vizinhas e familiares, e os ho-mens, além do baralho, podem jogar bocha e sinuca.

Durante a safra do fumo, quando os agricultores já receberam o paga-mento do trabalho de todo o ano, é que as festividades ganham força. A festa que mais caracteriza a diver-são no interior é a quermesse que, na maioria das vezes, é promovida por alguma entidade, seja ela religiosa ou não. A preparação acontece du-rante todo o ano e é a própria comu-nidade que faz tudo: o churrasco, as

O interior se diverte

LUANA BACKESREPORTAGEM E FOTOGRAFIA

MARIANA PELLEGRINIILUSTRAÇÃO

Shopping, pub, balada, nada disso, o interior

tem uma forma peculiar de diversão.

Cada região tem suas características mas, todos têm o mesmo

objetivo, aproveitar ao máximo a festa

saladas, os doces, além de escolher a banda e limpar o salão. O trabalho pesado começa com bastante ante-cedência, já que rifas e bandeirinhas devem ser feitas para incrementar o lucro da festa. No dia que antecede o evento, são preparadas as linguiças que serão consumidas.

O grande dia tem início pela ma-drugada, quando as mulheres pre-param a maionese. Após a celebra-ção religiosa, os participantes se dirigem ao salão, onde compram suas fichas e aguardam o almoço. Ao meio-dia, cada um retira seu es-peto e, na falta de mesa para todos, muitos saboreiam seu churrasco do lado de fora, com o espeto cravado no chão. Não existe preocupação nem com os restos de comida, já que sempre há um cachorro de algum vi-zinho para ajudar na limpeza. Uma prática bem peculiar é que, ao che-garem, as pessoas se direcionam às mesas para pegar para si os enfeites, e há aquelas que pegam vários - uma espécie de disputa.

Muitas mudanças já podem ser no-tadas nos salões das comunidades.

As que já estão melhor estruturadas financeiramente oferecem pratos e talheres aos visitantes. A maioria já tem banheiro, dentro ou fora do sa-lão. Ainda há aqueles de chão batido ou com o salão caindo aos pedaços, e muitas que alugam um local melhor para seu evento, como é o caso de Li-nha Branca. O Presidente da Comu-nidade Evangélica, Nilson Pranke, conta que todas as festas que ocor-rem na localidade acontecem no pa-vilhão Evangélico, já que é o único na redondeza. Pranke também sa-lienta que os eventos ajudam a for-talecer qualquer associação. “É com o dinheiro que arrecadamos naque-le dia que podemos fazer melhorias no salão. Já compramos geladeira, fogão e freezer.”

No interior existe uma espécie de lista de participantes. Cada comu-nidade presta atenção em quem são as pessoas e de qual lugar elas vêm, para que depois a visita possa ser retribuída. Os lucros são contabili-zados no dia seguinte. A operação é chefiada pelo presidente e tesourei-ros da comunidade. O sucesso é cer-

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DIVERSÃO

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to, já que até os ingredientes para a confecção dos bolos são doados.

Quem pensa que as pessoas par-ticipam desses eventos porque não têm opção, está enganado. Muitos vêm da cidade para o interior por gostar do ambiente, além de poder reunir a família, e outros têm a oportunidade de ir para as baladas da cidade, mas preferem os eventos tradicionais. A empresária Dione Silveira, de 25 anos, mora em Pi-nhal Santo Antônio e frequenta os eventos no interior. “Aqui a festa é muito mais divertida, além dos homens serem mais educados.” Ela também conta que o que pode es-tragar uma boa festa são as pessoas que vão só para brigar e, geralmen-te, a única justificativa é o uso abu-sivo de bebida alcoólica.

Hoje em dia empresas de segu-rança são contratadas, ao contrário de antigamente, quando pessoas da própria comunidade eram designa-das para cuidar do bem estar dos participantes. Mas ainda hoje al-guns convidados levam suas facas e, ao chegar, as deixam na copa, em sinal de respeito. Como muitos vêm de longe, o instrumento pode se fa-zer necessário no percurso.

O interior está em desenvolvi-mento, mas mesmo assim a maioria ainda não possui automóvel. A saída pode ser o cavalo, ou a carona com o vizinho e até a carroça. Muitos fre-tam um caminhão que os levam ao evento, o que nem é permitido por lei, porém isso não é problema, já que dificilmente encontram-se policiais pela região. O aposentado Adão Lo-pes, de 74 anos, em visita à sua ter-ra natal, fez questão de relembrar o passado. Viúvo, foi a cavalo à festa em Linha Marcondes, interior de Herveiras. Adão conta que os doze quilômetros que o separam da festa não foram problema. “Antigamente não tinha linha de ônibus por aqui, fazíamos tudo a cavalo ou a pé.”

DICAS PARA UMA BOA FESTA

Para garantir seu almoço é bom chegar cedo. Se a festa for um sucesso e você chegar tarde, todas as fichas já podem ter sido vendidas e terá que se contentar com um cachorro-quente. Se você for prestigiar uma quer-messe, leve sua própria cadeira, além de pratos e talheres.

Não tire ninguém para dançar antes de certificar-se que a pessoa está desacompanhada. No interior as pessoas levam essas situações muito a sério, o que pode terminar em briga. O respeito é fundamental.

Alguns eventos, geralmente bailes, têm algumas exigências. Alguns não deixam entrar de boné, de chinelo ou de bermuda. Em alguns lugares usar acessó-rios na cabeça é desrespeitoso, e em outros é motivo de briga, já que um pode pegar o boné do outro e gerar tumulto.

Se você for a um baile, antes de entrar no salão verifique que está levando tudo o que preci-sa, pois em alguns lugares as pessoas só podem sair (e voltar) depois de um certo horário - geralmente, às 2h da manhã.

Em terra de alemão você deve estar preparado para dançar muita bandinha. Se a coloniza-ção for outra, os ritmos são mais variados. A festança durar horas é fato, portanto vista o que tiver de mais confortável.

Se bater aquela fome, não se preocupe. Pastel, cachorro-quente, torta e cuca estarão a sua disposição - mediante um pequeno valor, é claro.

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Uma cidade que adora flores

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Sem produção local suficiente para atender

à demanda, lojas de Santa Cruz do Sul

precisam recorrer a produtores paulistas

ROSIBEL FAGUNDESREPORTAGEM E FOTOGRAFIA

Você provavelmente, em algum momento da sua vida, já presenteou alguém com uma flor ou planta. No mínimo, já admirou alguma espécie que encontrou por aí. Mas já parou para pensar de onde ela veio? Enga-na-se quem acha que ela foi cultiva-da em Santa Cruz do Sul. Nos últi-mos anos, as floriculturas tiveram que buscar o produto em outros es-tados. Boa parte vem do interior de São Paulo. O município é Holambra, uma mistura de Holanda com Brasil. A cidade hoje é destaque nacional na produção das mais diferentes quali-dades de plantas. E é justamente de lá que vem o produto que abastece as floriculturas de Santa Cruz.

Apesar da compra ocorrer em outro estado, o preço ao consumi-dor final não é diferente do que se-ria se a produção fosse local. “Como eles compram lá (Holambra) em grande quantidade, o preço aca-ba sendo mais em conta e o nosso cliente não percebe nenhuma ele-vação no que ele paga, apesar da planta apresentar muitas qualida-des”, afirma Robson Viana, gerente da Weiss Blumenn.

O responsável pela floricultura guarda na lembrança várias his-tórias em que as flores serviram

de pano de fundo para declarações apaixonadas. “Em uma oportunida-de, nós entregamos mil e quinhen-tas rosas para uma mulher. Elas foram um presente especial pela passagem do aniversário de namo-ro”, relata. Em outro caso, um apai-xonado que brigou com a amada tentou reatar com oitocentas rosas de presente. “O estranho é que ela não quis receber. Então tivemos que deixar no hall de entrada porque ela não aceitou”, recorda o florista.

Na Floricultura Berger, os pedi-dos mais comuns envolvem datas especiais como Dia dos Namorados ou mesmo aniversário de namoro ou de casamento. “O pedido mais es-tranho é a entrega de hora em hora. Isso requer um cuidado especial. Ge-ralmente o cliente define o tipo de flor que deseja e a gente entrega a cada hora um buquê diferente. É um presente que encanta quem recebe”, conta a responsável pela floricultu-ra, Ângela Berger.

Por causa do aumento da pro-cura por flores no município, os produtores santa-cruzenses não conseguem mais atender à deman-da nem à exigência do mercado consumidor. “Até existem algumas variedades por aqui. O problema é

que, quando se precisa em grandes quantidades, a produção local não consegue suprir. Então nos resta comprar as flores onde elas exis-tem em grande oferta, que é em São Paulo”, explica Robson Viana.

A presidente da rede Aflor, en-tidade que congrega seis floricul-turas de Santa Cruz, confirma que faltam especialmente flores de cor-te no município. Elas são usadas em arranjos ou mesmo em buquês. Se-gundo Ângela Berger, o pólo produ-tor local é forte, mas atende somen-te espécies plantadas em vasos ou folhagens. “Quando se precisa em maior quantidade ou as flores para arranjos, nós temos que buscar fora do estado”, garante.

Ao longo do ano, o ritmo de ven-das oscila. É maior em épocas como Dia das Mães e dos Namorados. Fora isso, a procura é menor e se concen-tra em dias específicos que marcam aniversários de familiares e amigos ou mesmo datas de namoro ou ca-samento. A representante da Aflor revela que a procura tem crescido em determinados períodos. “No Dia da Mulher, por exemplo, não era co-mum se presentear com flores. Ago-ra, a tradição cresce cada vez mais nesse período.”

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Holambra

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ENSAIO

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Espelho: quem sou eu?

Por que as pessoas se olham no espelho? Sabe-se que homem é bi-cho vaidoso, a mulher também, não cabe retratar aqui as semelhanças de sexos opostos. E sim identificar o ser humano, o “eu” que pensa, ouve, vê e se vê. Quem não passou por uma janela procurando ver a si próprio na imagem que o vidro reflete? Ou en-trou em um elevador com espelho e aproveitou para ajeitar o cabelo que o vento bagunçou ou o rímel da ma-quiagem que borrou? Ainda, não se sentiu aborrecido, inseguro ou de-sesperado ao entrar em um banheiro sem espelho? Pois este é o “desespe-ro humano”, expressão que batizou obra do filósofo dinamarquês Soren Abey Kierkegaard.

O “eu” cai em inconsciente tenta-ção quando se apaixona pelas vir-tudes ou simples características de alguém enquanto possui as mesmas em si; o “eu” de tanto observar-se na frente do espelho enxerga as míni-mas imperfeições e detalhes, embo-ra provavelmente ninguém vá notar ou o “eu” de tanto olhar-se, acostu-ma-se com a imagem e passa, assim, a apreciá-la. Como Narciso, que de-pois de se debruçar sobre um rio e enxergar a própria imagem, mergu-lha para si.

Kierkegaard divide estas ações da seguinte forma: “O desespero in-consciente de ter um eu, o deses-perado que não quer e o desespero que quer ser ele próprio.” No entanto, esse papo de desespero também não é tão desesperador assim. Essas situ-ações constituem parte do processo de desenvolvimento do indivíduo, para alguns mais natural, para outros em ritmo mais lento.

Ainda bebê, com seis meses de existência, o ser humano vê o pró-prio reflexo no espelho sem enten-der que se trata de uma imagem. Somente com um ano e sete meses descobre que a imagem refletida é o “eu”. Assim, cada “gracinha” em fren-te ao espelho representa uma nova brincadeira, uma surpresa diante de si. É o autoconhecimento que, de iní-cio, se tinha em partes, como o pé, as mãos, o cabelo, agora, compreende-se como um todo.

É na escola e, mais precisamente, na puberdade e adolescência que ocorre uma adição a este proces-so: reconhecer-se. Excluindo os fa-tores biológicos como a mudança

RAISA MAChADO

de voz nos meninos e crescimento dos seios nas meninas, é aqui que o prévio conhecimento de si entra em contato com outros “eu” e passa a buscar este reconhecimento no con-vívio em grupo.

Para Gerárd Bernard Mailhiot, autor do livro Dinâmica e gênese de gru-pos, parte dessa aprendizagem é a percepção de si e do outro. Tem-se, assim, o “eu autêntico”- aquele que o ser humano pode ser se conseguir atualizar em si recursos e capacida-des de superação; o “eu ideal” - o ser que gostaria de ser para atender as expectativas dos outros, e o “eu atu-al” - a pessoa que acredita ser ou pa-recer perante os outros.

Passada esta fase, muitas pessoas caem na mesma conclusão: a de que ninguém é perfeito. Algumas sentem vontade de desistir do “eu”, fato que Kierkegaard vai chamar de “deses-pero-fraqueza”, é o “sofrimento pas-sivo do eu, o oposto do desespero em que o eu se afirma. Mas, graças à pequena bagagem de reflexão so-bre si, tenta, também aqui, diferente do espontâneo puro, defender o eu.” Em outras palavras, o ser humano nunca está completamente satisfeito com a própria imagem, porém vive nessa constante busca: é a dieta que começa na segunda (sem falta!), o novo corte que apareceu na TV ou, quem sabe, uma mudança radical para animar.

Essa história toda não acaba aí. Re-conhecer-se não é algo que termina. O ser humano continua a conhecer-se todos os dias e, para tal, parte des-sa construção, ainda, é a mímese – a imitação ou representação do outro, ação que o ser humano realiza in-conscientemente ao copiar um tre-jeito do pai ou conscientemente ao comprar os óculos que a Lady Gaga usa no clipe da música Paparazzi – o que não representa problema algum, pelo contrário, essas ações se inse-rem na construção do “eu.”

Cabe ressaltar que o processo é infinito. O ser humano vive para a construção do conhecimento e re-conhecimento de si no mundo, em sociedade, em família, no trabalho. Por isso, o ato de olhar-se em qual-quer superfície espelhada por aí é normal, é parte da eterna tentati-va de enxergar para dentro de si no meio de um todo. Como diria a com-posição de Caetano Veloso:

jeito do pai ou conscientemente ao comprar os óculos que a Lady Gaga

– o que não representa problema algum,

...quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto,chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto

é que Narciso acha feio o que não é espelhoe a mente apavora o que não é mesmo velho

nada do que não era antes quando não somos mutantese foste um difícil começo, afasta o que não conheço,

quem vem de outro sonho feliz...

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Nunca é tarde para aprender, e nem cedo para ensinar

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Aos 76 anos, dona Brunilda aceitou o

desafio de aprender português, e sua bisneta cumpre o

papel de professora, dentro de casa

PATRíCIA PARREIRAREPORTAGEM E FOTOGRAFIA

Mesmo com limitações há pesso-as que buscam nos seus obstáculos, força para alcançar objetivos, que em algumas situações parecem ser impossíveis. Uma história que serve de lição de vida para toda a humani-dade está na localidade de Vila Pa-raíso, em Paraíso do Sul, na região Central do Estado. Djeine Kauene Gressler, 10 anos, está cursando a 5ª série do Ensino Fundamental, na Escola Estadual Duque de Caxias, e desde seu nascimento, tem limi-tações para enxergar. Sua mãe Le-tícia contraiu, ainda grávida, uma doença chamada citomegalovirus, que pode afetar diversas funções no organismo da criança. No caso dela, a visão foi prejudicada e até hoje, a menina somente identifica os obje-tos bem de perto. Djeine mudou-se de Santa Cruz do Sul para Paraíso do Sul há cinco anos, desde que a mãe enfermeira passou a trabalhar no Hospital da cidade. Sua bisavó, a quem já era muito apegada, acom-panhou as duas, e dessa relação que se fortaleceu ainda mais, nasceu a ideia de Djene ensiná-la a ler, escre-ver e falar em português.

Dona Brunilda Olinda Seiboth tem 76 anos, é descendente de ale-mães e nunca frequentou a sala de aula. Seu passatempo é cuidar da horta, da casa e preparar deliciosos pratos. Escreveu seu nome pela pri-meira vez quando assinou a aposen-tadoria, e somente se comunicava por meio da língua alemã. Usando aparelho auditivo, Brunilda aceitou o desafio de aprender, e hoje recebe aulas diárias de português, mate-mática e leitura. Segundo Djeine, a ideia de ensinar sua bisavó surgiu naturalmente pela convivência de ambas, e mesmo mantendo o papel de professora, a estudante no futuro quer ser arquiteta. Nas horas vagas, além de estudar, Djeine já ensaia sua vida profissional, produzindo diversos desenhos.

Cumprindo rigorosamente o ho-rário de início da lição, dona Bru-nilda chega à sala de aula com sua pasta cor-de-rosa e cheia de vontade de aprender. A professora-bisneta segue a risca o roteiro da aula, que planejou cuidadosamente no dia anterior. Primeiramente, o lembre-te do dia, que é escrito no quadro

negro, e transcrito pela aluna em seu caderno. Depois, é proposto um exercício de leitura: dona Brunilda assiste atenta à Djeine escrever as palavras no quadro, e depois as lê em voz alta. Nos olhos, no semblan-te e no sorriso da senhora, a euforia de acertar os desafios impostos pela neta. Desafios esses de conseguir ler palavras como: macaco, lua, casa e amor. Já no olhar de Djeine, a sen-sação de recompensa por uma dedi-cação pacienciosa que já dura mais de um ano e meio.

Seguindo o roteiro da aula, após o exercício de leitura, é a vez de dona Brunilda escrever. Mesmo com a di-ficuldade de audição, primeiro ouve as palavras ditadas pela bisneta, e em seguida, uma por uma, as escre-ve no quadro. Quando as palavras não são compreendidas, a professo-ra usa de gestos para exemplificar os termos desejados. As dificuldades na escrita e dicção de dona Brunilda são principalmente com as consoan-tes x, y, w e z. Na hora de escrever, saem letras maiúsculas misturadas com outras minúsculas, mas a aluna cumpre corretamente a atividade

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proposta pela professora. Questões de matemática en-

cerram a aula. Djeine propõe uma série de contas de soma, as quais a bisavó resolve em silêncio, com a ajuda apenas dos seus dedos da mão, que servem de apoio para os cálculos. Após o término, é feita a correção no quadro e em seguida o processo se repete com outros cál-culos, dessa vez de subtração.

Observando o cenário, a sala im-provisada dentro da casa da família remete à uma aula curricular, como em qualquer escola. Na parede, um quadro negro e um painel feito de papel cartolina, com o alfabeto com-pleto. A mesa da professora é deco-rada com um porta canetas e livros. A classe da aluna é moderna e fica próxima ao armário, onde se encon-tra todo o material usado durante as aulas: livros, cadernos, jogos didáti-cos e materiais esportivos.

Segundo Djeine, a experiência de ensinar é fantástica. “O que aprendi até agora é que, para ensinar, é pre-ciso ter muita paciência; é assim que faço, com muita calma, que tive que aprender a ter, busco ensinar minha bisavó a poder se comunicar melhor e aprender mais”, disse a estudan-te. No início, dona Brunilda achou estranha a ideia de aprender, nem fazia a lição de casa, mas agora quer ter aulas até nos finais de semana.

MÉTODOS DE ENSINO

Os conteúdos passados à bisavó são tirados dos cadernos da 1ª série de Djeine. A sala de aula é impro-visada na casa da família, e as au-

las duram de trinta minutos a uma hora. Djeine já tentou aumentar a carga, mas dona Brunilda começou a confundir os conteúdos, então as aulas têm horários fixos, mas todos os dias impreterivelmente. As lições são passadas por meio de desenhos, jogos, gestos, momentos lúdicos e, claro, no quadro negro.

O quadro auxilia a aluna a juntar as sílabas e a praticar o que apren-deu. Já os desenhos servem como ilustrações, os gestos são auxílios, pelo fato da dificuldade de audição da bisavó, e os momentos lúdicos ficam para ocasiões especiais. Um exemplo, conta Djeine, ocorreu no dia da árvore, quando ambas foram passear pelo pátio. Dona Brunilda desenhou árvores e aprendeu os sig-nificados do tema estudado. Djeine planeja, neste ano, encerrar o con-teúdo da 1ª série, e a aprendizagem seguirá para outras fases.

O que podemos aprender ao longo dessa história é que nunca é tarde para aprender, e nem cedo para en-sinar, e que educar é, antes de tudo, uma arte de encontro e de comuni-cação destinada a provocar relações positivas com a vida, com as pessoas, com a história, com os espaços, com a leitura, com a escrita, com a esco-la, com as regras da sociedade, entre outros. Seja na infância, na adoles-cência ou na melhor idade, seja em contexto escolar ou extra-escolar, educar verdadeiramente é quando tocamos o outro, ao ponto de conse-guirmos despertar nele a vontade de aprender, se dispondo a andar no caminho de esforço, de disciplina, de paciência, e de serenidade exigido pela aventura do conhecimento.

O som que embalou os campos africanos durante a Copa do Mundo vai muito além das já famosas vuvu-zelas. A África do Sul tem, em comum com o resto do planeta, a paixão pela música. E nesse clima de amor pelo futebol e pela música, foi lançado o CD oficial da Copa da África. Listen Up é resultado da colaboração de vários artistas africanos com artistas internacionais. A grande estrela do álbum é Shakira, com a música Waka Waka, canção oficial da Copa 2010. Além da colombia-na, outros astros de renome internacional participaram do álbum, como é o caso do cantor estadunidense R. Kelly, da japonesa Misia e da brasileira Claudia Leite.

A produção propõe a mistura de estilos. Já na primeira faixa, Sign of a Victory, parceria entre R. Kelly e Soweto Spiritual Singers, percebe-se a mistura entre o R&B de Kelly e um estilo mais harmonioso do grupo africano. Na canção Move On Up, de Angelique Kidjo e John Le-gend, o som marcante da percussão africana mistura-se ao jogo de metais que lembram ritmos como a lam-bada e o mambo em muitos aspectos. A música Spirit of Freedom, gravada por Judy Bailey e Uju, tem traços de música eletrônica misturados ao ritmo africano. Já a brasileira Claudia Leite faz parceria com a cantora Lira, com o tema As Mascaras (South Africa ‘10 to Brasil ‘14). A canção mistura pop, axé e música eletrônica e refle-te o clima de festa que, tanto a Copa da África do Sul quanto a do Brasil em 2014 deverão ter em comum.

Outra trilha que merece destaque é Ke Nako, de J Pre. A canção foi escolhida por Nelson Mandela como tema de sua campanha eleitoral, e nessa regravação ganhou força com a presença de Wyclef, Jazmine Sullivan e B Howard, três astros reconhecidos mun-dialmente. A obra propõe mesclas interessantes de estilos e olhares sobre a música. Por um mês, a África do Sul recebeu o mundo todo em sua casa. Como anfitriã, o clima foi de festa, e o álbum foi a trilha so-nora que embalou o planeta.

Assim, Listen Up representa tudo o aquilo que a Copa do Mundo significou para o país. Mais do que falar sobre a pobreza e a precariedade das condições de vida, a África do Sul quer ser lembrada pela alegria de seu povo. E é isso que está presente no álbum ofi-cial da Fifa. A mistura de ritmos é questionável, certa-mente. A escolha de Shakira como grande estrela da produção pode ter um caráter puramente comercial. Mesmo assim, é inegável o mérito da obra. Gêneros diferentes unindo-se para formarem algo diferente. Mais do que as qualidades ou os defeitos de cada música, o grande diferencial desse álbum foi a pro-posta de unir estilos e cantores tão distantes, tanto geograficamente quanto musicalmente. E essa virtu-de não pode ser ignorada.

OPINIÃO

Nos embalos de uma copa na ÁfricaRENAN SILVA

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CIN

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Uma profissão que não existeO Brasil tem a melhor

dublagem do mundoe um público cadavez mais curioso.

Ainda assim,a lei não reconhece

os profissionaise a qualidade às vezes

deixa a desejar

PEDRO GARCIAREPORTAGEM

A cena era improvável. Centenas de jovens dirigiam-se a uma escola em pleno final de semana. O local era São Paulo, na verdade um bair-ro de classe média alta, mas por ali encostavam ônibus lotados com placas de várias partes do País. Na programação do evento dedicado a amantes de desenhos animados, duas presenças despontavam como atrações principais. Quem olhasse de fora, não entenderia o alvoroço. Os nomes nada diziam, menos ain-da seus semblantes. Estavam ali por suas vozes.

Não faz muito tempo que o pro-fissional de dublagem ganhou sta-tus de celebridade. De pouco mais de uma década para cá, fanáticos por animações orientais e séries antigas, espalhados por todos os cantos, organizaram-se em gran-des comunidades na internet. Blo-gs especializados e fóruns de dis-cussão temáticos multiplicaram-se pela rede, e os donos das vozes dos personagens mais queridos vira-ram objetos de culto. Em eventos como o da escola paulista, dublado-res recebem tratamento de lorde. São ovacionados por plateias entu-siasmadas, distribuem autógrafos, posam para fotografias e repetem bordões clássicos para câmeras de vídeo. Em nada se parecem com os

profissionais de antigamente, que sequer topavam conceder entre-vistas, quando por acaso eram lem-brados por algum jornalista.

A dublagem é uma das raras ati-vidades cuja lista de pré-requisitos é curta e o salário é razoável. Para dublar não é preciso estudo, idio-mas ou atualização. Os cursos até existem, mas em boa parte das ve-zes são dispensados. “Me diga outro trabalho que pague 70 reais a hora e não se precise ler uma Veja ou Istoé toda semana?”, provoca Da-niella Piquet, dubladora há 24 anos – já deu voz à Brooke Shields, Wi-nona Ryder, um ursinho carinhoso e uma penca de heroínas japonesas.

Dubladores são autônomos e fa-zem suas próprias agendas, mas integram um esquema produtivo quase industrial. Aguardam o te-lefonema de uma empresa ofere-cendo horas de serviço para o dia seguinte, e aceitam caso já não te-nham fechado com outra. Entram no estúdio sabendo apenas o ho-rário de saída. Os personagens que ganharão suas vozes lhes são apre-sentados minutos antes da grava-ção. Assistem uma vez, ensaiam duas e gravam quantas forem ne-cessárias – geralmente, uma única.

O timing ensandecido não os li-vra de um penoso desafio, o de co-

piar com perfeição. “O trabalho do dublador é imediato: escuta e tenta fazer igual”, explica o calejado Nel-son Machado, com quatro décadas de experiência e conhecido por in-terpretar o personagem Quico no seriado mexicano Chaves. Recen-temente registradas no livro Ver-são Brasileira – o título remete aos carimbos sonoros aplicados aos fil-mes, que indicam o estúdio e a cida-de onde a dublagem foi produzida, e tornaram familiares nomes de empresas como Herbert Richards, BKS, Álamo e Marshmallow.

Dublar é, acima de tudo, dupli-car (ou dobrar, como gostam de di-zer os portugueses). O bom dubla-dor, continua Nelson, não torna o personagem mais interessante ou divertido, apenas reproduz com fi-delidade. “Se alguém diz ‘o fulano é um péssimo ator mas o dublador melhorou bastante’, então o dubla-dor estragou o filme.”

A tecnologia ajuda cada vez mais. Hoje, os dubladores ocupam os estúdios sozinhos, um por vez. Nada de dividir o microfone com um, dois ou dez colegas, como se fazia, conforme o número de per-sonagens presentes nas cenas. As-sim, até o constrangimento de dar voz à um personagem em meio a uma relação sexual deixou de ser

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CINEM

A E TVbit.ly/unipis

um problema com a digitalização do processo.

Na contramão, as leis. Primeiro, a lei de fato: a profissão de dubla-dor sequer existe. Entre as dezenas de funções discriminadas pelo Mi-nistério do Trabalho como próprias dos profissionais da arte estão a de comedor de fogo e a de faquir, mas não a de dublador. Quem dese-ja se dedicar à dublagem consegue no máximo o registro de ator. Isso porque aquele que interpreta uma ação dramática pode fazê-lo “sobre a voz de outrem.”

Está certo que dublar é também interpretar. Não por acaso, para as primeiras dublagens realizadas no País, no final dos anos 30, foram convocados os astros das radiono-velas. Eram os únicos treinados na representação apenas por meio da voz e sem tirar os pés do mesmo lugar – diferente do teatro e do ci-nema, onde se utiliza de todos os recursos corporais possíveis. Há quem se divida entre os palcos e os estúdios, mas a parcela mais ex-pressiva é a de profissionais que passam quarenta horas por sema-na fazendo falar português galãs de Hollywood, canastrões mexica-nos e guerreiros orientais de olhos estalados. Como chamá-los, senão dubladores?

Sempre foi um processo rápido, mas isso se po-tencializa com o avanço das tecnologias de edição, gravação e mixagem. As distribuidoras de filmes e emissoras de televisão con-tratam o serviço das empre-sas de dublagem, e recebem o áudio finalizado em cer-ca de dez dias – pode ser mais ou menos, conforme a quantidade de diálogos.

O filme (ou seriado, novela, desenho) chega à empresa digitalizado e passa pelas seguintes etapas:

COMO SE DUBLA UM FILME?

Os anéis são

distribuídos entre

os personagens

e, portanto, entre

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programador orga-

niza a escala e os

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serviço free lan-

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recebem cachê por

hora de trabalho.

emissoras de televisão con-tratam o serviço das empre-sas de dublagem, e recebem

mais ou menos, conforme a

O filme (ou seriado, novela, desenho) chega à empresa

COMO SE DUBLA UM FILME?

PRIMEIROS PASSOSCom uma cópia do filme e outra do script no idioma original em mãos, o tradutor passa o texto para o por-tuguês. Esse trabalho exige sensi-bilidade principalmente para que certas palavras ou expressões não percam o seu sentido. Uma gíria em inglês pode não dizer nada em por-tuguês se traduzida literalmente.

O programador divide o roteiro já traduzido em trechos, que são cha-mados de anéis. Esse termo vem do tempo em que os filmes chegavam em películas de 16mm e costuma-va-se marcá-los e cortá-los em pe-daços para dividir os trechos. Cada pedaço tinha suas pontas ligadas, formando um anel contínuo.

PRODUÇÃO E FINALIZAÇÃOParalelamente à programação, são ajustados e/ou completados os efeitos e trilhas sonoras, quando há neces-sidade. É a chamada checagem M&E (música e efeitos).

Os dubladores só descobrem o que vão dublar alguns minutos antes de come-çar a gravação. No estúdio, ficam ape-nas o diretor, o dublador (um de cada vez) e o técnico. Geralmente, ensaia-se apenas duas vezes antes de gravar, uma para marcar pausas e outra para verificar sincronismo e medida.

Na etapa final, a mixagem, os diálogos são unidos às trilhas, é feita a equaliza-ção de volume, ajustes na sincronização e adicionados efeitos (se uma voz sai de um telefone no filme, por exemplo). Fi-nalizado, o áudio é transcrito para uma fita ou DVD e entregue ao cliente.

Depois, a lei de mercado. Uma pesquisa recente mostrou que 56% do público de cinema brasileiro prefere dublagem à legenda – inva-lidando o discurso corriqueiro de que filme dublado é para analfabe-tos. Nos cinemas, porém, a dubla-gem segue reservada aos títulos de gênero, especialmente os infantis. A explicação é simples: legendar custa menos. Assombradas pela pirataria, as distribuidoras resis-tem em investir na dublagem, ou apelam para estúdios picaretas de fundo de garagem, que trans-formam filmes em experiências desagradáveis. “O mercado está re-pleto desses curiosos que tem ape-nas um computador em casa e fa-zem dublagem”, lamenta Daniella Piquet. “Tem muita dublagem mal feita por aí.”

Mesmo assim, proliferou-se a máxima de que o Brasil faz a me-lhor dublagem do planeta. O palpite é arriscado, embora seja certo que estamos à frente de Estados Uni-dos e Europa, por questão de prá-tica. “Esses países tem indústrias cinematográficas mais poderosas, então importam menos produtos estrangeiros e por isso dublam me-nos”, diz Nelson Machado. “É nossa obrigação sermos melhores: somos mais treinados.”

AS VOZES DE NELSON MAChADO

AS VOZES DE DANIELLA PIQUET

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ILUSTR

AÇÃO PEPE FONTAN

ARI