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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Amanda Haydn Uma liderança feminina no laicato católico: a trajetória política e intelectual de Amélia Rezende Martins na Ação Social Brasileira (1918-1932) MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE SÃO PAULO SP 2017

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Page 1: Uma liderança feminina no laicato católico: a trajetória política e intelectual de ... · 2017-03-17 · Universidade de Campinas (UNICAMP). Na imprensa, foi objeto de análise

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Amanda Haydn

Uma liderança feminina no laicato católico: a trajetória política e

intelectual de Amélia Rezende Martins na

Ação Social Brasileira (1918-1932)

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

SÃO PAULO – SP

2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Amanda Haydn

Uma liderança feminina no laicato católico: a trajetória política e

intelectual de Amélia Rezende Martins na

Ação Social Brasileira (1918-1932)

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Dissertação apresentada à Banca examinadora

na Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em Educação: História,

Política, Sociedade, sob a orientação do

Professor Doutor Mauro Castilho Gonçalves.

SÃO PAULO – SP

2017

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ERRATA

HAYDN, Amanda. 2017. Uma liderança feminina no laicato católico: a trajetória política e intelectual de Amélia de Rezende Martins na Ação Social Brasileira (1918 – 1932). Dissertação (mestrado em Educação) São Paulo: Programa de Estudos de Pós Graduados em Educação, História, Política, Sociedade – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Orientação: profº Doutor Mauro Castilho Gonçalves.

Folha Linhas Onde se lê Leia-se 55 Nota de Rodapé nº32

Linha 5 secundárias32 secundárias

56 Nota de Rodapé nº32 Linha 2

esquecer existência esquecer a existência

57 Nota de Rodapé nº35 Linha 11

Nossa senhora do Carmo Nossa Senhora do Carmo

69 Linha 28 (MARTINS, 1918) (MARTINS, 1919) 81 Citação

Linha 7 (A União, Rio de Janeiro, 8

de abril de 1920,p.1). (A União, 8 de abril de

1920,p.1). 92 Citação

Linha 3 (A Rua, Rio de Janeiro, 26

de março de 1917,p.1). (A Rua, 26 de março de

1917,p.1). 93 Nota de Rodapé nº53 e 54

Linha 5 e 8 2 de mar. de 19123,p.1. 2 de mar. de 1923,p.1.

109 Citação Linha 13

(A União,5 de mar.De 1925,p.2)

(A União,5 de março de 1925,p.2).

149 15 e 17 1929 1928 150 Citação

Linha 20 O Imparcial, 9 dez de

1929,p.6. O Imparcial, 9 de dezembro de

1928,p.6. 185 12 Muito para além de Muito diferente de

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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Do ventre aos seus braços, amor eterno e incondicional.

Para minha mãe, Marly e minha filha Júlia.

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AGRADECIMENTOS

Em fase de conclusão, reporto-me às diversas fases do percurso. Inevitavelmente,

recordo-me das pessoas que colaboraram ao longo do processo de pesquisa e que, das mais

diversas formas e pelos mais diferentes motivos, assumiram um papel fulcral e expressivo no

seu desenvolvimento. Não é preciso dizer o quanto essa experiência de sociabilidade

contribuiu para a minha formação.

Primeiramente, agradeço ao meu marido, Pablo, por partilhar comigo todo o processo

de produção, desde o projeto de pesquisa. Ele foi minha mais importante fonte de apoio

intelectual e afetivo. Sua existência é minha festa interior.

Também se faz necessário agradecer ao programa de Estudos Pós-Graduados em

Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

principalmente aos professores com os quais tive o prazer de conviver e que ministraram

disciplinas importantes para a minha formação. Aos professores doutores Alda Junqueira

Marin, Carlos Giovinazzo Júnior, Circe Maria Fernandes Bittencourt e Kazumi Munakata.

Os mais sinceros agradecimentos ao coordenador do Programa, Prof º Dr. José

Geraldo Silveira Bueno. Sua confiança e orientação foram capazes de me fazer trilhar por um

crescimento pessoal e profissional que julgava impossível em tão pouco tempo. Referencial

de competência profissional e de capacidade cognoscente. Meu ponto cardeal de inspiração e

saber.

Sinto-me particularmente grata ao meu orientador, Professor Dr. Mauro Castilho

Gonçalves, pela precisa orientação durante os trabalhos de pesquisa, pelas unidades didáticas

ministradas e pelo aconselhamento durante a elaboração da presente dissertação de mestrado.

Aos professores Drª Marta Maria Chagas de Carvalho e Dr. Daniel Ferraz Chiozzini pelos

incentivos e valiosas contribuições no exame de qualificação.

À Elisabete Adania, pelo apoio, carinho e solicitude, mas principalmente por

proporcionar segurança em todo processo.

Aos integrantes do programa, amigos e colegas. Em especial: Thatiane Coutinho

Melguinha Pereira, Luana Aguiar Werneck, Luciana Leal, José Fagner Alves Santos, Maria

Cecília Rizzi Lima, Angelica Riello de Souza e Samuel Robes Loureiro. A amizade de vocês

foi o maior presente que recebi.

Não poderia esquecer as agências de fomento: CNPq e CAPES, pelo financiamento

desta pesquisa.

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Contudo, este trabalho é completamente dedicado aos meus irmãos Marcos e Fábio

Haydn e aos meus pais, Flávio R. Haydn e Marly F. Haydn, pela inesgotável compreensão e

apoio incondicional, pela paciência e grande amizade com que sempre me ouviram, e a

sensatez com que sempre me ajudaram. Mas especialmente, pelos momentos de

disponibilidade e atenção para o cuidado de minha querida e amada filha.

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RESUMO

A presente pesquisa examina aspectos relacionados à trajetória política e intelectual de

Amélia Rezende Martins (1877-1948), nos âmbitos da educação e da cultura,

privilegiadamente entre os anos de 1918 a 1932. A justificativa da periodização proposta

ateve-se ao fato de que foi nessa fase que Martins publicou suas ideias, veiculou seus projetos

e atuou em organismos ligados à educação escolar e à cultura em geral. Destacam-se, nestes

âmbitos, a imprensa periódica carioca, a Associação Brasileira de Educação (ABE) e a Ação

Social Brasileira (ASB). Ligada a grupos católicos, Rezende Martins circulou em diferentes

“lugares institucionais” e a investigação se propôs a mapear sua atuação, a partir de

referenciais teórico-analíticos sugeridos por J. F. Sirinelli, tais como: geração, itinerário, redes

de sociabilidade e produção intelectual. Estes permitiram investigar, em perspectiva histórica,

a sua formação e seus coletivos, seus espaços e redes de relacionamento sociais, intelectuais e

políticos, bem como verificar o alcance de sua intervenção como intelectual. Na pesquisa,

foram utilizadas as fontes disponíveis nos Arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa

(FCRB), da Associação Brasileira de Educação (ABE) e do Centro de Memória da

Universidade de Campinas (UNICAMP). Na imprensa, foi objeto de análise a atuação de

Rezende Martins nos jornais A União, O Paiz, A Cruz, Correio da Manhã, Jornal do Brasil,

O Jornal, A Noite e Diário de Notícias, fontes consideradas centrais no escopo da presente

investigação.

Palavras-chave: Amélia de Rezende Martins. Trajetória intelectual e política. Ação Social

Brasileira.

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ABSTRACT

This dissertation examines the political and intellectual trajectory of Amélia Rezende Martins

(1877-1948), in the spheres of education and culture, between 1918 and 1932. The

justification for the proposed periodization adhered to the fact that at this period, Martins

published her ideas, implemented her projects and acted in organizations related to school

education and overall culture. The periodic press in Rio de Janeiro, the Associação Brasileira

de Educação (ABE) and the Ação Social Brasileira (ASB) stand out in these areas. Involved

with Catholic groups, Rezende Martins circulated within distinct "institutional places" and the

present dissertation proposes to investigate her acting, based on theoretical and analytical

references suggested by J. F. Sirinelli, such as generation, itinerary, networks of sociability

and intellectual production. These sources allowed to investigate, from a historical

perspective, her formation and collectives, her social networks and acting areas, her

intellectual and political relations, as well as to verify the range of her intervention as

intellectual. In the research, sources available in the archives of the Fundação Casa de Rui

Barbosa (FCRB), the Associação Brasileira de Educação (ABE) and the Memory Center of

University of Campinas (UNICAMP) were used. In the press, mentions of Rezende Martins

in the newspapers A União, O Paiz, A Cruz, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Jornal, A

Noite and Diário de Notícias were analyzed, these sources are considered central in the scope

of the present study.

Keywords: Amélia de Rezende Martins. Intellectual and political trajectory. Ação Social

Brasileira.

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Meninos da minha terra!

Sabem vocês que um thesouro

Está occulto no sólo

E vale tanto como ouro?

Não querem ir lá buscal-o?

Não querem enriquecer,

Enriquecendo esta Patria

Que tanto precisa de homens

Que saibam na bem querer?

Acceita este meu conselho

Oh! Meu pequeno leitor...

A terra esconde um thesouro,

Um thesouro de valor...

Estuda o que vale a terra

E vae ser agricultor.

(Amélia de Rezende Martins.

Correio da Manhã, 31 de maio de

1930, p.3)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................14

1. NA MOLDURA DA MEMÓRIA: AMÉLIA DE REZENDE MARTINS (1877-1948) .....37

1.1. Ambiente familiar e primeiros anos de formação.....................................................................38

1.2. A mundividência de uma monarquista ruralista.......................................................................46

1.3. A vivência religiosa num ambiente de forte pregação católico social.....................................55

2. “A CRUZ DE CHRISTO” NO CAMPO, NAS FÁBRICAS E NAS ESCOLAS: O

PENSAMENTO CATÓLICO SOCIAL DE AMÉLIA DE REZENDE MARTINS...............69

2.1. A chamada “Questão Social”...................................................................................................70

2.2. Amélia de Rezende Martins na cidade de Mendes (Rio de Janeiro)........................................74

2.3. Cristo nas fábricas para animar o operário: o olhar de Amélia de Rezende sobre a “questão

social”..............................................................................................................................................79

2.4. Entre intelectuais católicos na cidade do Rio de Janeiro: A rede de sociabilidade de Amélia de

Rezende Martins..............................................................................................................................99

2.5. Sob o modelo dos núcleos coloniais: A experiência do núcleo colonial Campos Salles (1896)

“os viveiros de trabalhadores”.......................................................................................................105

2.6. Os núcleos de Amélia de Rezende Martins: O sanatório das almas femininas......................109

3. PARA CATEQUESE, PARA EDUCAÇÃO, PARA FORMAÇÃO DO POVO! A AÇÃO

SOCIAL BRASILEIRA (ASB) ..................................................................................................120

3.1. A preocupação com a educação cristã: Amélia de Rezende Martins e a Primeira Conferência

Nacional de Educação (1927)........................................................................................................120

3.2. Ensino leigo: Quais são seus frutos?.....................................................................................129

3.3. Entre católicos, parentes e amigos: A rede de conexões de Amélia de Rezende Martins na

Associação Brasileira de Educação (ABE)....................................................................................134

3.4. O contexto e as expectativas na criação da Ação Social Brasileira........................................164

3.5. Uma nova fundação educacional e de assistência social: A Ação Social Brasileira e o Edifício

Anchieta.........................................................................................................................................181

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CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................192

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................195

APÊNDICES................................................................................................................................206

ANEXOS.......................................................................................................................................207

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LISTA DE SIGLAS

ABE Associação Brasileira de Educação

AEC Associação dos Empregados no Comércio

ASB Ação Social Brasileira

AA.EE.SS Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários

FCRB Fundação Casa de Rui Barbosa

LDN Liga da Defesa Nacional

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadro I - Documentos Textuais de Arquivo.............................................................................28

Quadro II - Periódicos (Jornais e revistas)..................................................................................31

Quadro III- Livros e folhetos......................................................................................................33

Quadro IV- Apresentação do Plano da Ação Social Brasileira- Edifício Anchieta..................189

Figura I- Capa e Quarta Capa de Compendio de Historia do Brasil (1937).............................138

Figura II - Folha de Guarda de Compendio de Historia do Brasil (1937). Edições de 1918 a

1936.........................................................................................................................................139

Figura III- Apresentação Gráfica da Ação Social Brasileira - Edifício Anchieta.................170

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14

INTRODUÇÃO

Em julho de 1929, Fernando Magalhães, líder do grupo católico sediado na

ABE carioca submete ao Conselho Diretor da Associação um projeto de

organização social cometido por D. Amelia de Rezende Martins, a ser

desenvolvido como Ação Social Brasileira.

A autora já fizera sentir sua presença no círculo da ABE propondo, em 1927,

na Primeira Conferência Nacional de Educação, que o ensino religioso

fundado na doutrina católica integrasse o programa das escolas oficiais. Mais

tarde, em 1931, D. Amélia também seria a responsável pela Liga da Defesa

Nacional, a convite do mesmo Fernando Magalhães. D. Amélia, contudo,

não integrava os órgãos diretores da associação, nem se destacava como

sócia atuante (CARVALHO, 1989, p.67-68).

Seja como um elemento de uma paisagem na qual a fisionomia da personagem adquire

toda a sua singularidade ou como uma função a meio caminho entre o particular e o coletivo,

a sentença acima engendrada por Marta Maria Chagas de Carvalho, constitui-se em uma

oportunidade para apresentar meu interesse pelo presente trabalho.

Adstritamente, pode-se afirmar que o encontro com o objeto surgiu após a leitura

deste alígero excerto presente na obra A escola e a República (1989), quando Carvalho

(1989) disserta sobre a atuação de Amélia Rezende Martins na campanha cívico-educacional,

promovida pela Associação Brasileira Educação na década de 19201.

Nesse contexto, a curiosidade epistemológica pela temática originou-se da tentativa de

entender como essa “senhora” ou “dona Amélia”, que não integrava os órgãos diretores e nem

se destacava como sócia, conseguiu veicular suas ideias e projetos dentro da organização?

Na época da elaboração do projeto, esta indagação representou a questão central da

investigação, já que para respondê-la, outra se fazia pertinente: quem foi Amélia de Rezende

Martins?

Posteriormente, tive a oportunidade de aprofundar a reflexão inicialmente esboçada,

por meio da vinculação do tema à linha de pesquisa “Educação Brasileira: produção,

circulação e apropriação cultural ” e ao projeto “História das Instituições e dos Intelectuais da

Educação Brasileira”.

O Projeto perseguiu a mesma questão central, no entanto, tornou-se evidente a

necessidade de um investimento mais detido em uma série de aspectos, possíveis de explorar

1A abordagem de Carvalho (1998) em sua tese de doutorado Molde Nacional e Fôrma cívica: higiene, moral e

trabalho no Projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931), sobre a participação de Amélia R.

Martins na campanha cívico-educacional promovida pela ABE não é fundamentalmente diferente da obra A

Escola e a República de 1989.Ver por exemplo, Carvalho (1998, p.170-178) e Carvalho (1989, p.67-68).

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somente no contato direto com as fontes e após situar o projeto no campo de estudos das

sempre “estreitas e tensas relações entre intelectuais e a política” (GOMES, 1996, p.9).

Nessa acepção, a primeira chave para o entendimento da questão residiu, sem dúvida,

na compreensão de dois movimentos. O primeiro consistiu no compartilhamento de uma

concepção de história dos intelectuais como um campo autônomo, que ao situar-se

contextualmente “no cruzamento das histórias política, social e cultural” (SIRINELLI, 2003,

p.232) conseguiu ressignificar a tradicional história das ideias2, reinserindo por exemplo na

cultura historiográfica, o indivíduo, os intelectuais, os “atores do político” (SIRINELLI, 2003,

p.233), oferecendo, assim, uma outra possibilidade, uma outra maneira de entender e escrever

a história.

Isto é possível de ser notado, especialmente, se tomarmos como parâmetro o estudo

realizado por Carlos Eduardo Vieira em Intelligentsia e intelectuais sentidos, conceitos e

possibilidades para a história intelectual, publicado no ano de 2008. Nele, Vieira coloca que:

A premissa principal da história dos intelectuais, entendida como campo de

pesquisa associado à história política, está no investimento de desenclausurar

os intelectuais das suas obras de pensamento, pois, assim, é possível pensá-

los no que concerne às suas ações políticas na ágora moderna. Quando

muito os textos filosóficos, científicos e literários ganham sentido como

fonte ou como acontecimento nessa forma de escrita da história, quando

estes encerram significados políticos específicos. De forma similar, a história

intelectual investe na análise dos processos de produção, circulação e

recepção das ideias e dos discursos científicos, políticos, pedagógicos ou

artísticos, desenclausurando-os da lógica e do método internalista da

tradicional história das ideias (2008, p.80).

Nessa perspectiva para Vieira, o grande desafio é escrever, em um só tempo, a história

intelectual e dos intelectuais, “interpretando a singularidade dos seus problemas, da mesma

forma que os articulam a movimentos, tendências e cenários mais amplos, evitando tanto o

determinismo do contextualismo, como o a-historicismo do textualismo” (2015, p.8).

O outro movimento que se quer destacar tem relação com a própria dinâmica da

história dos intelectuais, beneficiada pela apropriação ou reelaboração de outras

possibilidades temáticas. Conforme assevera Vieira:

2 Sobre a “ressignificação da história das ideias”, Vieira (2015, p.7) disserta que a história intelectual necessitou

superar o textualismo da história da filosofia, que enclausura o texto ao círculo hermenêutico, sem adotar uma

posição contextualista, assim como impõe de forma causal e mecânica o contexto aos textos que materializam os

sentidos que caracterizam os discursos políticos, científicos e filosóficos. Já para a compreensão da história das

ideias, ver: HAHN (2007).

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16

Nos anos dois mil os congressos e as publicações da área revelam a

continuidade do debate sobre tema dos intelectuais do campo educacional,

não obstante a abrangência do mapa intelectual se alterou significativamente.

Intelectuais e tradições intelectuais antes desconhecidas vieram à tona,

retirando das sombras personagens e cenários antes eclipsados pelo volume

significativo de pesquisas sobre alguns líderes do Movimento pela Escola

Nova no país, entre os quais destacamos Fernando de Azevedo, Anísio

Teixeira e Lourenço Filho (2008, p.67).

Nesse processo de reflexão a delimitação do meu objeto foi se constituindo e,

indubitavelmente, admito que essa possibilidade de contribuir por meio da pesquisa para a

sequência desses estudos historiográficos que “retiram das sombras” personagens ainda

“eclipsados” pelos grandes “líderes” (VIEIRA, 2008, p.67) constituiu-se em um grande

motivador para o prosseguimento da temática.

Não cumpre aqui tergiversar, mas na busca por informações acerca de Amélia

Rezende Martins foi possível observar o que Michelle Perrot (2006) em sua obra Os excluídos

da história: Operários, Mulheres e Prisioneiros chamou de “recalcamento do tema” ou

“exclusão da narrativa histórica” (PERROT, 2006, p.185). Nessa acepção, é relevante dizer

que apesar de algumas fontes serem conhecidas – principalmente aquelas que fazem

referências à extensa produção de Amélia de Rezende no campo da cultura escrita – foi

possível observar que as mesmas foram poucas vezes, alvo de uma reflexão historiográfica

mais aprofundada, o que se encontrou no percurso de investigação foram apenas informações,

descrições ou citações, espargidas e complementares a outros temas. Junte-se a isso, a falta de

um consenso e variantes argumentativas entre os textos que dissertam sobre sua trajetória de

vida, atuação e até mesmo de sua data de morte.

Bonadio (2002) em seu artigo História “debaixo dos panos”: Descobrindo a

linguagem da moda utilizou o Dicionário dos autores Paulistas de 1954, Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo, de Luís Correia de Melo, para discorrer em nota a

biografia de Amélia Rezende Martins; nele é possível observar a supressão de sua data de

falecimento e algumas informações mais genéricas sobre sua atuação, entre elas, a mais

relevante é a de que Martins teria participado como conferencista no IX Congresso

Internacional de Cooperadores Salesianos, realizado na cidade de Buenos Aires (ARG) e, em

outras ocasiões, em Minas Gerais, além de ter publicado tais trabalhos na revista Educação da

ABE3. Outro exemplo é o registro histórico elaborado por Nelly Novaes Coelho em

3 No que se refere às publicações na revista da Associação Brasileira de Educação – ABE, posso relatar que, em

pesquisa ao acervo histórico da Instituição não foi possível encontrar nenhuma referência aos trabalhos de

Amélia R. Martins. Revistas consultadas: A Educação. Rio de Janeiro: ABE, maio de 1923, Anno II, nº 10;

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17

Dicionário Crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001 (2002), que indica apenas o ano de

nascimento de Amélia (1877) e diz que esta “morreu em data desconhecida” (COELHO,

2002, p.48); no entanto, fornece algumas pistas interessantes, como a indicação de alguns

livros sobre história e geografia publicados pela autora.

Por outro lado, Souza (2011) em sua tese Entre palcos e páginas: a produção escrita

por mulheres sobre música na história da educação musical no Brasil (1907-1958) assevera

que encontrou “em diversas fontes, o ano de 1948, como data de falecimento de Amélia”

(SOUZA, 2011, p.131), e referencia sua assertiva em Escritoras Brasileiras do Século XIX,

organizado por Muzart (2004), onde descreve a data de nascimento em 23 de abril de 1877 e o

falecimento em 03 de fevereiro de 1948.4

Mas as dificuldades não foram apenas essas, obstáculos paralelos se impuseram, e

entre eles, indubitavelmente, Souza (2011) teve razão ao afirmar que o primeiro desafio ao

estudo da produção de Amélia Rezende Martins foi desfazer os equívocos que confundem sua

biografia com a de seus familiares, devido à semelhança dos nomes. Só para aclarar, a filha de

Amélia recebeu o nome da avó: Maria Amélia Barbosa de Oliveira, nascida em 1853, que

assim como a filha e a neta, também dedicou-se à música, à produção literária e à prática de

escrever, trocar e colecionar missivas5.

No caso de Amélia Martins, Souza (2011) assegura que as cartas mantinham um papel

fundamental e não eram vistas como “documentos efêmeros” (SOUZA, 2011, p.134). Para a

autora:

Amélia posiciona-se como verdadeira guardiã da memória familiar,

assumindo a função descrita por Myriam Moraes Lins de Barros em sua

novembro de 1923, nº 16; dezembro de 1923, Anno II, nº 17; julho/agosto de 1925, Anno IV, nº 7 e 8; e revistas:

Educação. Rio de Janeiro: ABE, junho de 1928, vol IIII, nº 3; jan/fev de 1929, vol VI, nº 1 e 2; maio de 1928,

vol IIII, nº 2. 4 Em primeira visita ao Rio de Janeiro, em julho de 2015, fase inicial do projeto, tive a oportunidade de visitar o

cemitério São João Batista (lugar onde ocorreu o sepultamento de Amélia de Rezende), o Acervo Geral da Casa

de Misericórdia e o Cartório Catete; estes cederam os documentos que definitivamente finalizaram a questão: o

Registro e a Declaração de Óbito de Amélia Rezende Martins. Sendo assim, pode-se concluir que ela faleceu aos

setenta anos em sua residência, localizada na rua São Sebastião Lacerda, nº 70, na cidade do Rio de Janeiro, às

2h30 da manhã, de colapso cardíaco no dia 03 de fevereiro de 1948. O registro de óbito de Amélia Rezende

Martins foi efetuado no Cartório Catete (RCPN-RJ), no Rio de Janeiro, na 4ª Circunscrição, às folhas 150, Livro

117, Termo 21110, lavrado em 03-02-1948. Sua lápide encontra-se no Cemitério São João Batista, CP 954-F,

Quadra 8. Ver: ANEXO-A. 5 Vale ressaltar, em consonância com Malatian (2009), que a partir do século XVIII, as cartas adquiriram um

papel central e constituíram-se em uma prática cultural bastante apreciada na Europa e na América, tornando-se

um dos principais gêneros de escritura feminina. A autora disserta ainda que o século XIX foi um período em

que a cultura epistolar e a prática arquivística deixaram de ser preferencialmente masculinas para tornarem-se

cultivadas em maior extensão pelas mulheres. As cartas tornaram-se objetos de coleção, moda e, até mesmo,

“tesouros de autógrafos” (MALATIAN, 2009, p.196). “Para elas, o ato de escrever e trocar missivas inaugurou

novos hábitos e adquiriu relevância ao canalizar vocações literárias” (MALATIAN, 2009, p.197).

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pesquisa sobre a família brasileira, a partir dos estudos sobre memória

coletiva e memória individual de Halbwachs (BARROS, 1989). Nesse papel

de “guardiã do museu familiar”, Amélia Rezende Martins, confere

importância documental à correspondência de família, de documentos e

fotografias, que mescla às suas memórias, ao diário da mãe e a outros

registros escritos, além de transformar as memórias orais dos familiares em

um relato escrito, em forma de livro (SOUZA, 2011, p.134).

Constata-se então que o gosto pela cultura epistolar foi uma característica partilhada

entre as gerações de “Amélias”, e, em especial, entre Maria Amélia Barbosa de Oliveira e

Amélia Rezende Martins. Todavia, uma prática compartilhada entre sujeitos que possuem

relativamente o mesmo nome e grau de parentesco, pode, em algumas situações, mesclar ou

hibridizar as informações.

Outro óbice à pesquisa, também observado por Souza (2011) e relativamente

homólogo ao exposto, refere-se ao enleio entre as biografias e obras cuja temática envolve as

ações de Amélia Rezende Martins e sua filha Maria Amélia de Rezende Martins, nos campos

musical, artístico e educacional6.

Coaduno, novamente, da afirmação de Souza, quando descreve que os textos referem-

se as duas (mãe e filha) “como se fossem uma mesma pessoa, atribuindo alguns

acontecimentos ora a uma, ora a outra pessoa” (SOUZA, 2011, p.131), o que não

condescendeu o processo de investigação preliminar. No entanto, em perspectiva mais

otimista e em arreglo a Bassanezi (2009) esses registros interceptados, ou seja, essas fontes

nominativas “que se prestam a cruzamentos entre si e com outras fontes nominativas”

(BASSANEZI, 2009, p.143) podem possibilitar entre outros objetivos,

a reconstituição de famílias e de redes sociais e a identificação de diversos

aspectos que marcaram as vidas de pessoas e grupos, relacionados, por

exemplo às hierarquias sociais, às práticas religiosas, aos sistemas de

compadrio (...) (BASSANEZI, 2009, p.143).

Assim, em alguns textos pesquisados, principalmente aqueles dedicados a biografar a

vida de Amélia R. Martins, é possível notar algumas variantes (acréscimo ou decréscimo de

informações) nas descrições referentes a sua atuação, produção e trajetória de vida. Dito de

outra maneira, parece não existir uma anuência entre os textos, o que contribuiu por gerar

6 Alguns jornais correspondentes aos anos de 1925 a 1949 mostram esse enleio entre a atuação da mãe(Amélia)

e sua filha (Maria Amélia). Em um trecho selecionado do jornal carioca A manhã, de 14 de maio de 1949, por

exemplo, cita que a Ação Social Brasileira foi fundada por Maria Amélia (filha), no entanto, a Fundação

Educacional e de Assistência Social (ASB), foi fundada pela própria presidente: Amélia de Rezende Martins.

Ver: ANEXO-B.

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dúvidas sobre o que de fato ela teria realizado em vida, mas também, contribuiu para instigar

mais a curiosidade sobre o objeto.

Por outro lado, no conjunto de trabalhos que tratam especificamente de sua atuação e

produções, os investimentos mais significativos são as reflexões de Marta Maria Chagas de

Carvalho em suas obras A Escola e a República(1989) e Molde Nacional e Fôrma cívica:

higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação(1924-1931); e de

Susana Cecília Almeida Igayara Souza em sua tese Entre palcos e páginas: a produção

escrita por mulheres sobre música na história da educação musical no Brasil (1907-1958)

que, sem dúvida, abriram o precedente para uma análise mais acurada da questão.

Diante desse quadro, o desenho metodológico da presente proposição apresentou

uma fase preliminar, cujo ponto de partida deu-se por meio de um processo de sondagem, de

cunho exploratório, que teve como objetivo proporcionar uma visão mais geral do objeto, e

contribuir para uma melhor definição conceitual e aprimoramento do tema. Acrescento, ainda,

que a pesquisa exploratória em consonância com a pesquisa bibliográfica possibilitaram um

amplo alcance de informações e permitiram a utilização de dados dispersos para a seleção das

minhas fontes.

Nos termos dessa lógica o levantamento do acervo coletado teve como material de

apoio investigativo livros, artigos, teses e, até mesmo, retalhos de textos (notas e pequenas

citações) que possibilitaram descobrir fontes primárias, biográficas, documentais e impressas

pertinentes ao tema. Hasteou-se ainda, na referência temática, voltada para falas específicas

sobre a atuação e produção de Amélia Rezende Martins.

O meu primeiro acesso a essas fontes deu-se através de duas visitas que realizei às

cidades de Campinas e Rio de Janeiro. A primeira com duração de cinco dias em Campinas

possibilitou encontrar cinco livros, dois folhetos e dois dossiês. E dentre os livros encontrados

posso citar: A Moda, de 1920, Pontos de História Universal: História Antiga e Edade Media

(s.d.), Complemento às reflexões sobre o momento social, de 1919, História da Música, de

1918, e Acção Social Brasileira: Edifício Anchieta, de 1933. O dossiê de Amélia possui um

folheto de autoria de Cordélia de Magalhães Castro, sob o título: Uma Vida bem Vivida e

outro de sua autoria denominado Festa das Noelistas, assim como recortes de jornais do

período de 1948, 1949 e 1955. Já o dossiê de Maria Amélia, muito mais vultoso, continha

recortes de jornais, revistas, fotos, folhetins e folders de concertos e apresentações referentes à

musicista. O setor de Arquivos constava ainda com um extenso acervo fotográfico da família

de Amélia: o Fundo de Coleção João Falchi Trinca. Foi possível ainda observar os inventários

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post-mortem dos pais de Amélia: o Barão e a Baronesa Geraldo de Rezende e o Acervo do

Tribunal de Justiça de São Paulo, Comarca de Campinas, onde consta três processos do pai de

Amélia.

Já a pesquisa no Rio de Janeiro demandou um maior tempo e esforço, principalmente

no setor de arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB); a pesquisa documental neste

acervo demonstrou um vasto material a ser devidamente analisado. No dossiê de Amélia de

Rezende Martins, por exemplo, foi possível encontrar algumas correspondências com papel

timbrado do organismo Ação Social Brasileira, de Amélia Martins para familiares, amigos e

sócios; um documento de cinco folhas sob o título Para onde vai a mocidade nas horas de

lazer; um dossiê de Estevão de Rezende Martins, filho de Amélia, de 12 de janeiro de 1924, e

dois folhetos sob os títulos: Boas Festas, de 11 de abril de 1912, e Diversões Permitidas e

Diversões Proibidas, de 1940. Pude encontrar ainda sete livros de autoria de Amélia, entre os

anos de 1919 a 1929.

Vale ressaltar que a série arquivada sob o título Família Geraldo de Rezende, inclui,

além do dossiê de Amélia, os dossiês de João de Assis Lopes Martins, marido de Amélia, de

Maria Amélia, sua filha, e os de Eliza Rezende e Marieta de Rezende, suas irmãs. Acrescento

também que o grau de parentesco entre Amélia e a família Jacobina Lacombe7 ampliou ainda

mais a perspectiva em busca pelas fontes, pois o acervo possui um grande conjunto de

documentos desta família8.

Por fim, na Associação Brasileira de Educação – ABE, encontrei o livro organizado

por Maria Auxiliadora Schmidt, com a participação de Maria José Costa e Denílson Shena,

sob o título: I Conferência Nacional de Educação, de 1997, e nele consta a tese nº 27: Uma

palavra de Atualidade, de Amélia Rezende Martins. Também localizei o livro Acção Social

Brasileira, direcionado nomeadamente para a IV Conferência Nacional de Educação; a carta

de agradecimento da Associação Brasileira de Educação à Amélia pela oferta do livro, em 23

de junho de 1932, e o Livro-Ata da 120a Sessão do Conselho Diretor, realizada a 29 de julho

7 A mãe de Amélia, Maria Amélia Barbosa de Oliveira, era tia de Isabel Lacombe, fundadora do colégio

Progresso, em 1878, no Rio de Janeiro, posteriormente denominado Colégio Jacobina. No setor de arquivos da

Casa Rui Barbosa existe um dossiê com o título Instituições – Colégio Progresso, nele consta um documento

textual referente a primeira parte de um programa de atividades desenvolvidos no colégio, um dos nomes

citados é o de Amélia Rezende Martins, que realiza uma Cançoneta: Le Prepitre à Secret. Vale ressaltar que,

nesta primeira visita em busca pelas fontes, não foi possível analisar todos os documentos da família Jacobina

Lacombe, visto que os mesmos suplantam, em primazia (quantitativa), os dossiês da Família Geraldo de

Rezende, foco principal da pesquisa. 8 Esta produção deliberada de um acervo de memória da família Lacombe mereceria uma discussão mais

aprofundada, contudo, não tenho espaço para desenvolver. Interessa apenas referir que tal conjunto está

localizado nos acervos dos arquivos da Fundação de Casa Rui Barbosa, sob a série: Família Jacobina / Nº de

Chamada: CFBO CFBO SFJ DFBOJ 21-01-1860 a 14-09-1950.

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de 1929, que contém o registro da submissão de Fernando Magalhães, do Projeto Acção

Social Brasileira, de Amélia à ABE.

Dentro, ainda, deste movimento de busca por fontes, foram consultados os acervos e

leilões virtuais – especialmente os que conectam diversos sebos, livreiros e leitores ao redor

Brasil –, onde foi possível adquirir nove livros: Um idealista realizador: Barão Geraldo de

Rezende, de 1939; Curiosidades Musicaes, de 1920, Meu Brasil (1930); Quinzena

Anchietiana: A Acção Social Brasileira pela voz: Brasil a Anchieta (1534-1934); Meu

livrinho de missa: explicação do santo sacrifício da missa (1926); O meu Brasil: feriados

nacionais e pontos importantes da História (s.d.), Pontos de História Universal- História

antiga e Edade Media (s.d.); O livro de José Maria (1930) e Compêndio de História do

Brasil(1937).

Os dados encontrados nessas fontes possibilitaram uma análise preliminar de quem era

Amélia de Rezende Martins, desde a sua filiação, formação, itinerário profissional e

intelectual. Indicaram ainda que o seu envolvimento, enquanto católica, traçava o itinerário de

um percurso militante e intelectual desde 1905, nomeadamente através de sua atuação em

associações, na imprensa periódica e na publicação de suas obras. Ali se pode perceber a

interligação da religião com a dimensão social, acabando inevitavelmente por assumir o

terreno do político.

À vista disso, e a partir de uma criteriosa seleção dessas fontes, o tema e o objetivo

desta pesquisa centrou-se em analisar os aspectos relacionados à trajetória política, intelectual

e a militância de Amélia de Rezende Martins nos âmbitos da educação e da cultura,

privilegiadamente entre os anos de 1918 a 1932. A justificativa da periodização ateve-se ao

fato de que foi nessa fase que Martins publicou suas ideias, veiculou seus projetos e atuou

com mais intensidade em organismos ligados à educação escolar e a cultura em geral.

Destacando-se, nestes âmbitos, a imprensa periódica carioca, a Associação Brasileira de

Educação e a Ação Social Brasileira.

Quanto ao fato de ter escolhido a trajetória desta intelectual como objeto de estudo, é

pelo motivo de ela nos permitir pensar de modo privilegiado a relação de três categorias no

Brasil durante a Primeira República: a política, a mulher e o catolicismo.

Ao reconstituir a trajetória política de Amélia de Rezende Martins, sua formação

intelectual, evidenciando sua participação em múltiplas redes de sociabilidade tecidas na

imprensa, no movimento católico, nas associações religiosas ou de ensino, possibilita-nos-

além de trazer à cena uma mulher cujo pensamento e ação permaneceu de certa forma, no

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limbo da historiografia sobre a educação católica no Brasil- verificar, por exemplo, como o

alcance de sua trajetória contribuiu para a legitimação das estratégias utilizadas pela Igreja

para se fazer presente na sociedade no período histórico demarcado.

Além disso, é possível dizer que, grande parte da relevância da pesquisa aqui proposta

reside no fato de que “as mulheres e a política é ainda um vasto campo de reflexão para

nossos esforços conjuntos” (PERROT, 2006, p.115).

Todavia, para estudar e decifrar o fazer histórico de Amélia de Rezende Martins no ato

de sua produção intelectual e de sua atuação política foi necessário considerar duas questões

fundamentais: primeiramente, entender que a história como disciplina tem um método lógico

de investigação adequado a materiais históricos, destinado, na medida do possível, a testar

hipóteses quanto às noções de estrutura, causação, de contradição, de mediação e de

organização de vida social, política, econômica e intelectual (THOMPSON, 1981, p.49) e, em

segundo, foi preciso pensar nas possibilidades de Amélia de Rezende, mesmo que sob certas

circunstâncias9, enquanto sujeito ativo na construção de sua história. Distanciando-se,

portanto, de um entendimento histórico que anula o sujeito.

É importante ainda dizer que ao investigar o fazer histórico de Amélia de Rezende ,

com recortes que a valorizam como sujeito ou como indivíduo histórico, não levou à aceitação

da impossibilidade de um tipo de conhecimento mais estrutural. Sobre esta questão, Ginzburg

(2014) em sua obra Mitos, Emblemas, Sinais notadamente no capítulo intitulado “Sinais:

Raízes de um paradigma indiciário” auxiliou-me a refletir, quando pontuou:

Se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais

como veleidades, nem por isso a ideia de totalidade deve ser abandonada.

Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os

fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma

que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é

opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-

la (GINZBURG, 2014, p.177).

Ou seja, a trajetória de Rezende Martins, neste caso, constituiu-se também como uma

entrada para a compreensão de projetos, atores, políticas e contextos sociais mais amplos do

que aqueles circunscritos à sua vida pessoal.

Amélia R. Martins não agiu livremente, ela se relacionou com outros atores. Ser

sujeito é antes de tudo pertencer conscientemente e, de alguma maneira, à coletividade. Em

outras palavras, Martins construiu a sua história, mas o fez atrelada às questões econômicas,

9A inspiração teórica que melhor informa o uso da expressão “circunstância” neste projeto é aquela desenvolvida

por Charle (2000).

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culturais, políticas e sociais de seu momento histórico. Parafraseando Charle (2000), em sua

obra Los intelectuales em El siglo XIX. Precursores del pensamiento moderno, pode-se dizer

que Martins construiu sua história dialogando com seu tempo – mesmo que sob certas

“circunstâncias” (CHARLE, 2000, p.5) –, com o modo de vida naquele cosmo, cujas questões

sociais, econômicas, culturais e políticas se constituíram não como um presumível contexto,

no qual os indivíduos circularam, mas sim, como componentes históricos com os quais ela se

deparou na sua constituição enquanto sujeito.

Para Charle (2000), as circunstâncias históricas, políticas, socioculturais e econômicas

possuem um “peso” relativo no modo de atuação e reação dos intelectuais. Dito de outra

maneira, pode-se dizer que os distintos grupos de intelectuais, inseridos à “uma realidade

multiforme” e “não homogênea” (CHARLE, 2000, p.5), possuem numerosas possibilidades

de atuação e reação (individual ou coletiva) dentro de um horizonte histórico, mas essa

atuação sofre “o peso das circunstâncias” em que se encontram submetidos tais sujeitos, sofre

o “peso” da forma como esses intelectuais irão “reagir” as tais circunstâncias. Nas palavras

de Sirinelli: “o meio intelectual não é um simples camaleão que toma espontaneamente as

cores ideológicas de seu tempo. Concorre, pelo contrário, para colorir o seu ambiente” (1998,

p.265). Neste contexto, foi operacionalizado, para o processo de compreensão das ações de

Amélia R. Martins, a noção de intelectual. Dada a polissemia e os diversos usos do termo10

,

cabe explicitar que a noção adotada neste estudo recorreu a Sirinelli (2003, p.242), que sugere

uma definição de “geometria variável, mas baseada em invariantes”.

Estas, segundo o autor, podem desembocar em duas acepções, que podem ser

complementares e articuladas: “uma ampla e sociocultural, englobando os criadores e os

“mediadores” culturais, a outra mais estreita, baseada na noção de engajamento”

(SIRINELLI, 2003, p.242-243).

10

Sem dúvida, a literatura sobre o assunto é ampla, já é fortemente debatida e conhecida, principalmente em

relação aos diversos usos do termo intelectual. Todavia, podemos aclarar a assertiva fazendo referência

novamente a Christophe Charle (2000), quando disserta: “los intelectuales forman sin duda parte de aquellos

objetos de la investigación histórica o sociológica que, dentro de los distintos países, pero también em el plano

internacional, han provocado las mayores discusiones y diferencias de opinión entre los especialistas de las

distintas ciencias sociales.tanto si trata de artículos de enciclopédia, de teorias sociológicas de conjunto, de

ensayos críticos o de trabajos historiográficos em sentido estricto, cada autor propone su propia definición del

concepto, o critica las definiciones ajenas(CHARLE, 2000, p.15-16). Importante também ressaltar o

posicionamento do autor em relação a utilização do conceito intelectual, concluindo em seu arrazoado que: “el

historiador de esta especial sociedade de los intelectuales tiene que considerar este concepto em todos los

significados históricos que se le atribuyen em el espacio de tempo estudado, hasta llegar a esse momento

decisivo em el que han surgido nuevas denominaciones que han hallado cabida em nuestro linguaje cotidiano o

científico(...)(CHARLE, 2000, p.16). Para o autor, a utilização do termo deve abarcar, de modo mais estreito,

três dimensões que são triarticuladas: uma dimensão social, uma dimensão cultural e uma dimensão política.

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A segunda definição, importante para a presente análise, ampara-se na ideia de

engajamento na vida da cidade como ator, testemunha ou consciência. Nesta extensão, é

sublinhada a “especialização” do intelectual reconhecida pela sociedade em que vive – capaz

de legitimar e, até privilegiar sua intervenção no debate da cidade –, especialização esta que o

intelectual põe a serviço da causa que defende (SIRINELLI, 2003, p.243). Importante aqui

foi procurar conhecer os espaços e o clima em que se movia e atuava Amélia R. Martins nas

cidades de Campinas-SP e Rio de Janeiro-RJ, dentro do limite temporal delimitado pela

pesquisa.

Mas, principalmente, examinar quais eram suas referências intelectuais e seus

interesses dentro da cidade. Conforme afirma Gomes (1993):

O Rio de Janeiro convivia, desde fins do século XIX, com duas presenças

fundamentais em termos de referências para o mundo intelectual: a

Academia Brasileira de Letras e o “grupo boêmio" da rua do Ouvidor. Tais

referências, embora possam parecer excludentes e basicamente conflitantes,

não o eram, havendo coabitação e complementaridade entre elas. A terceira

presença data dos anos 20 e relaciona com o forte e militante movimento

católico que se organiza na cidade sob auspícios de dom Sebastião Leme.

Dirigido em particular para as elites, e com destaque para intelectuais, o

movimento tinha como grande figura na luta pelas conversões Jackson de

Figueiredo, ele mesmo boêmio e líder de grande retórica. Academia, boemia

e catolicidade – esta última materializada e potencializada posteriormente

pela figura do crítico literário Tristão de Ataíde – conjugam-se, não sem

tensões, neste mundo intelectual das décadas de 20 e 30 (GOMES, 1993,

p.63-64).

Um outro desdobramento possível e complementar da noção de engajamento na

cidade, diz respeito à questão do protagonismo ou liderança feminina de Martins no militante

movimento católico que se organizou na cidade do Rio de Janeiro. Nesse contexto, o aporte

teórico de Perrot (2006) pode nos ajudar a enxergar um ponto específico desta pesquisa como

parte de uma discussão mais ampla: o espaço da cidade como produto e produtor das ações

das mulheres. Como aborda Perrot:

Além do lar, as mulheres agem na cidade, e o inventário de suas

intervenções, formais ou informais, pontuais ou habituais, seria longa.

Solicita-se cada vez mais às burguesas – as mulheres do mundo – que saiam

de casa e pratiquem a caridade ou a filantropia (2006, p.182).

E acrescenta:

Na cidade, na própria fábrica, elas tem outras práticas cotidianas, formas

concretas de resistência – à hierarquia, à disciplina – que derrotam a

racionalidade do poder, enxertadas sobre seu uso próprio do tempo e do

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espaço. Elas traçam um caminho que é preciso reencontrar. Uma história

outra. Uma outra história (2006, p.212).

Em suma, investigar quaisquer manifestações culturais sob a ótica do urbano é,

conforme explicita Gomes (1999) “trabalhar com a cidade enquanto um campo de

possibilidades que delimita as escolhas realizadas por seus atores, dando a elas significados

apreensíveis pelas próprias experiências por eles compartilhadas” (GOMES,1999. p.23).

No que concerne a supressão da liderança feminina desenvolvida por Martins, na

cidade do Rio de Janeiro, pela historiografia católica, iniciarei pelo fulcro que alavanca a

reflexão de Perrot (2006) em sua obra Os excluídos da história: operários, mulheres e

prisioneiros, ou seja, a asserção de que a mulher foi excluída muitas vezes da história.

Segundo a autora, o positivismo seria um dos responsáveis pelo verdadeiro recalcamento do

tema feminino, e de modo geral, do cotidiano. Complementa sua assertiva afirmando que o

“oficio do historiador” é um ofício de homens que escrevem a história no masculino. E nesses

termos, “os campos que abordam são os da ação e do poder masculinos, mesmo quando

anexam novos territórios”. Nesse contexto, as mulheres apareceriam como “meras

coadjuvantes da História”, alimentando-se apenas das “crônicas da ‘pequena’ história”

(PERROT, 2006, p.185).

Para Perrot,

no teatro da memória, as mulheres são sombras tênues. A narrativa histórica

tradicional reserva-lhes pouco espaço, justamente na medida em que

privilegia a cena pública- a política, a guerra- onde elas pouco aparecem(...)

Mas existem aspectos ainda mais graves. Essa ausência no nível da narrativa

se amplia pela carência de pistas no domínio das “fontes” com as quais se

nutre o historiador, devido à deficiência dos registros primários

(PERROT,1989,p.9).

Cabe ressaltar, contudo, que não pretendo suprir essa lacuna historiográfica, nem

problematizar e aprofundar sobre a questão do gênero. No entanto, não podemos deixar de

refletir e de nos indagar sobre os motivos do “silêncio” que fizeram com que Amélia R.

Martins, mulher de vasta produção e atuação na imprensa carioca, na educação e na cultura,

entre os anos de 1918 a 1932, não ter, por exemplo, sequer a data de morte nos textos que

dissertam sobre sua trajetória de vida. Nesses termos, acredito que o estudo de Perrot (2006)

se faz importante como um primeiro entendimento dessa questão, que sem dúvida, residiu nos

paradigmas da própria historiografia.

Contudo, a vida de um intelectual pode ser concebida e narrada de diversas maneiras,

para repetir a expressão de Paul Veyne: “como o romance, a história seleciona, simplifica,

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organiza, faz com que um século caiba numa página”(VEYNE,1998,p.11). Logo, é necessário

que o historiador realize suas escolhas.

Assim, a seleção, simplificação e organização que orienta este trabalho, se pautaram

em outros instrumentos analíticos desenvolvidos por Sirinelli (2003). Trata-se das noções

conceituais de itinerário, geração e sociabilidade. A tomada dos mesmos é significativa,

considerando o fato de que, a tônica e o propósito deste trabalho passam pela observação e o

cotejo do itinerário político e intelectual de Amélia R. Martins.

Com a noção de itinerário, objetivou-se, como bem pontuou Sirinelli (2003, p.245),

“permitir desenhar mapas mais precisos dos grandes eixos” de seu engajamento. Já a noção de

“estruturas de sociabilidade” nas quais atuam os intelectuais, auxiliou a apreender, em

primeiro lugar, as “sensibilidades ideológicas e culturais comuns e de afinidades mais difusas,

mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver”

(SIRINELLI, 2003, p.248) e, em segundo lugar, as “redes” que secretam (...) microclimas à

sombra dos quais a atividade e o comportamento dos intelectuais envolvidos frequentemente

apresentam traços específicos” (SIRINELLI, 2003, p.252). Conforme descreve Sirinelli: “o

meio intelectual constitui, ao menos para seu núcleo central, um “pequeno mundo estreito”,

onde os laços se atam, por exemplo, em torno da redação de uma revista ou do conselho

editorial de uma editora” (2003, p.248).

Essa noção de sociabilidade constituiu-se em uma profícua ferramenta, já que

contribuiu para deslindar a hipótese de como Amélia Rezende Martins tornou-se portadora de

diagnósticos e propostas para a reforma da questão social e educacional, como fez uso de

diferentes meios e formas (jornais, livros, revistas, rádio, conferências e, até mesmo, por meio

da fundação de uma associação: a Ação Social Brasileira) para divulgar suas ideias.

Nesses termos, trabalhar com a história dos intelectuais é também procurar desvelar o

duplo sentido que se reveste a noção de sociabilidade. Assim, ao mesmo tempo em que

constitui um espaço “geográfico” privilegiado de “aprendizagem e de trocas

intelectuais”(GOMES, 1999,p.20) é também o lugar onde afetividade adquire uma

especificidade própria:

neles se podendo e devendo captar não só vínculos de amizade/cumplicidade

ou de competição/hostilidade, como igualmente a marca de uma certa

sensibilidade produzida e cimentada por eventos, personalidades ou grupos

especiais. Trata-se de pensar em uma espécie de “ecossistema”, onde

amores, ódios, projetos, ideais, ilusões se chocam , fazendo parte da

organização da vida relacional.(GOMES, 1999,p.20)

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O conceito de geração, aqui entendido “como objeto de história e como instrumento de

análise” (SIRINELLI, 1998, p.137), contribuiu com o presente trabalho na medida em que se

buscou compreender como Amélia de Rezende se relacionou e articulou suas ações em

comparação aos seus referenciais geracionais. Conforme propõe Sirinelli:

(...) um intelectual se define sempre por referência a uma herança, como

legatário ou como filho pródigo: quer haja um fenômeno de intermediação

ou, ao contrário, ocorra uma ruptura e uma tentação de fazer tabula rasa, o

patrimônio dos mais velhos é portanto elemento de referência explícita ou

implícita (2003, p.255).

Todavia o conceito também remete, não só ao marco temporal, mas também aos

fatores culturais e a sensação de pertencimento:

(...) Certamente a geração, no sentido ‘biológico’, é aparentemente um fato

natural, mas também um fato cultural, por um lado modelado pelo

acontecimento e por outro derivado, às vezes, da auto-representação e da

auto-proclamação: o sentido de pertencer – ou de ter pertencido – a uma

faixa etária com forte identidade diferencial (SIRINELLI, 2006, p.133).

Por fim, esse corpo teórico-metodológico considerou ainda a dimensão política no

estudo dos intelectuais pois, “sob determinadas condições históricas, o intelectual se torna

um agente político marcante na sociedade, seja porque participa da organização do poder

estabelecido, seja porque é por ele reprimido e confinado” (BOMTEMPI JR., 2001, p.16).

Quanto à análise da documentação selecionada, assevero que foi feita buscando

compreender que as fontes não falam por si e nem não são verdades instituídas. Nesse sentido,

a análise das fontes teve como referência a necessidade de se atentar para os “diálogos”, a

partir dos quais se forma o conhecimento histórico. Thompson (1981), na obra A miséria da

teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser, afirma que esses

diálogos correspondem:

Primeiro, o diálogo entre o ser social e a consciência social, que dá origem à

experiência; segundo, o diálogo entre a organização teórica (em toda a sua

complexidade) da evidência, de um lado, e o caráter determinado de seu

objeto de outro (THOMPSON, 1981, p.42).

Desse modo, as fontes devem ser “interrogadas pelos historiadores repetidamente, não

só em busca de novas evidências, como também num diálogo do qual propõem novas

questões” (THOMPSON, 1981, p.37). Em suma, o posicionamento de Thompson (1981) em

relação às fontes está distante de cair em um “empirismo” ou em um “positivismo armado de

computador”. Para Thompson (1981) os “fatos não podem falar enquanto não tiverem sido

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28

interrogados” (THOMPSON, 1981, p.40), o que pede a interferência “de mentes treinadas

numa disciplina de desconfiança atenta” (THOMPSON, 1981, p.39). Esses diálogos e

cuidados em relação ao tratamento das fontes foram requisitados notadamente a todos os

documentos pertinentes para a pesquisa.

Posto, então, nestes termos, saliento que foram abordados três conjuntos documentais

fulcrais e as discussões teórico-metodológicas correspondentes.

O primeiro tipo de fonte que foi utilizado na investigação aqui proposta foram aquelas

provenientes dos arquivos. O quadro a seguir descreve as fontes documentais bem como sua

referência11

e local de guarda.

Quadro I – Documentos Textuais de Arquivo

ARQUIVOS REFERÊNCIA LUGAR DE GUARDA

MARTINS, Amélia de Rezende.

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO CFBO SFGR

DMARM 14-09-1910

Fundação Casa de Rui

Barbosa - FCRB

MARTINS, Amélia de Rezende.

Carta ao Sobrinho

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 02

MARTINS, Amélia de Rezende.

S/D Carta de Amélia a Sobrinha / Papel

timbrado da Acção Social Brasileira –

Edifício Anchieta

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 05

MARTINS, Amélia de Rezende.

Carta Americo / Sobrinho cita Dr. Belisário

P.

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 06

MARTINS, Amélia de Rezende.

Carta ao sobrinho

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 08

MARTINS, Amélia de Rezende..

Carta Maroquinha – Maria Jacobina

15/09/1892

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 10

MARTINS, Amélia de Rezende. Dossiê.

Carta / Francisca B. Oliveira Jacobina

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 11

MARTINS, Amélia de Rezende.

Carta: Mendes, 22 de setembro de 1915

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 12

MARTINS, Amélia de Rezende. 1doc 5fls.

Para onde vai a mocidade nas horas de lazer.

Folder / CD

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 17

11

O termo “referência” corresponde a indicação padronizada dos elementos necessários à identificação dos

documentos, conforme uso corrente em cada local de guarda.

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29

MARTINS, Amélia de Rezende.

Falecimento de Amélia. Cartão. 02 de 1948.

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DARM 20

Série: Família Geraldo de Rezende.

João de Assis Lopes Martins

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO SFGR DJALM

05.11.1895-01.01.1913

Série: Família JACOBINA – Doc Textual de

Arquivo

Dossiê: Laura Jacobina Lacombe

Nº de Chamada: CFBO CFBO SFJ

DFBOJ 21-01-1860 A 14-09-1950

Nº DE Chamada: CFBO CFBO SFL

DLJL 31-10-1903 A 18-01-1960

MARTINS, Amélia de Rezende.

Estevão de Resende Martins. Ano 12-01-

1924

Dossiê

Nº de Chamada: CFBO CFBO SFGR

DERM 01 12-01-1924

Fundação Casa de Rui

Barbosa-FCRB

MARTINS, Amélia de Rezende.

João Assis Lopes Martins

Dossiê

Nº de Chamada:CFBO CFBO SFGR

DARM 15-07-1892 a 03-02-1948

MARTINS, Amélia de Rezende.

Ano: 11-04-1912

Folheto: Boas Festas

Dossiê

Nº de Chamada: RB-RBCRUPF RB-

RBCRUPF 896/1 11-04-1912; 03-01-1919;

09-01-1920

INSTITUIÇÕES – Colégio Progresso

Cita Amélia de Rezende Martins /

Programma 1ª parte / Item 9 / Cançoneta: Le

Prepitre à Secret

Dossiê

Nº de Chamada:

CFBO SIDCO 05

Pasta – Arquivo referente à Primeira

Conferência Nacional de educação. Rio de

Janeiro, Arquivo ABE.

Pasta-Arquivo

Arquivo da ABE

Associação Brasileira

de Educação

Boletim da Associação Brasileira de

Educação. Rio de Janeiro: ABE.

Boletim

Anos de 1925 a 1929 nºs1-13

Livros – Ata de Reuniões da Diretoria. ABE.

RJ

Livro – Ata

Período de 29/07/1929 a 21/07/1930.

Privados: Pessoais / Familiares: João Falchi

Trinca

Dossiê

Maria Amélia de Rezende Martins Centro de Memória –

Arquivos Históricos

Unicamp

Dossiê

Amélia Rezende Martins

MARTINS, A.R. Festa das Noelistas. Folheto

MARTINS, A.R. Declaração de Óbito. Certidão de óbito Setor de Arquivos da

Santa Casa de

Misericórdia – RJ

Então, tomando como exemplo os estudos de Bacellar (2014), é importante mencionar

que para a análise desses documentos foi considerado o evoluir histórico de toda estrutura

Page 31: Uma liderança feminina no laicato católico: a trajetória política e intelectual de ... · 2017-03-17 · Universidade de Campinas (UNICAMP). Na imprensa, foi objeto de análise

30

administrativa e a possibilidade de “haver correspondência entre a estrutura dos órgãos

produtores de documentação e sua posterior organização no arquivo público” (BACELLAR,

2014, p.45). Em face disso, foi fundamental para essa pesquisa contextualizar e justapor esses

documentos, cotejar suas informações para problematizar a narração, estabelecer constantes e

identificar mudanças e permanências (BACELLAR, 2014, p.46). Nessa extensão, foi

necessário considerar que “documento algum é neutro, e sempre carrega consigo a opinião da

pessoa e/ou do órgão que o escreveu” (BACELLAR, 2014, p.46).

De modo similar, a reflexão de Palmeira (2013) em seu artigo Arquivos pessoais e

história da história: a propósito dos Finley Papers também constituiu-se como um

referencial para o uso dos arquivos, em especial os “pessoais” que foram utilizados neste

projeto, ao mesmo tempo que também iluminou o potencial do uso dessas fontes ao levar em

consideração os “movimentos” do arquivo. Como Palmeira aborda,

Assim como em qualquer estudo histórico, a disposição das fontes vale

como um dos elementos das condições sociais e epistemológicas em que se

inscreve o historiador, e interfere no campo de possibilidades da elaboração

de suas interpretações. Os movimentos do arquivo ocorrem, portanto, nas

oscilações do titular quanto ao que merece ser guardado, o que depende em

alguma medida de como o indivíduo se apropria de um padrão de

preservação que vai além daquele que executa o ato de guardar. Por

extensão, a historicidade de um conjunto documental também atinge outros

agentes da constituição desse conjunto em “arquivo” (PALMEIRA, 2013,

p.95).

Outra consideração importante de Palmeira refere-se à necessidade de mantermos uma

vigilância constante das questões que movem a pesquisa e a consideração da lógica social das

fontes, para a realização de uma história intelectual feita com base nos arquivos pessoais.

Para o autor, é fundamental exercitar a preocupação em “não naturalizar as vozes e os

silêncios desses arquivos” (PALMEIRA, 2013, p.98). E complementa:

O resultado esperado da afirmação de uma conduta crítica é que os arquivos

pessoais, que instituem certos limites à investigação (assim como qualquer

conjunto de fontes), não tornem fixos também seus marcos interpretativos.

Dito de outro modo, faz-se da reflexividade uma arma para que as

representações de uma obra, de um autor ou de um ofício corporificadas em

um arquivo não sejam acriticamente incorporadas pelo historiador como

explicações acabadas da obra, do autor e do ofício em questão. Tais

representações são o ponto de partida de quem investiga, não o de chegada

(PALMEIRA, 2013, p.98).

Nesse contexto, a leitura que foi realizada neste projeto das fontes disponíveis nos

arquivos foi, conforme propôs Palmeira (2013, p.92), “para além daquilo que elas nos dão a

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31

ver de imediato. Associará a um uso que leva em consideração os movimentos do arquivo,

desde a sua constituição e preservação até a sua doação a uma instituição. Em outras palavras,

“a virtude do levantamento de informações arquivísticas reside justamente na oportunidade

que instaura de se alterarem as condições de representação da vida intelectual” (PALMEIRA,

2013, p.92).

O segundo conjunto de fontes explorado durante a investigação aqui proposta foram os

periódicos e impressos em geral. Para a análise dessas fontes foram observados os aspectos

que envolvem a sua materialidade (periodização, impressão, papel, publicidade, etc.), sua

estruturação e conteúdo, seu público alvo e objetivos propostos, sempre levando em

consideração os contextos sociocultural e histórico em qual estão inseridos. Com efeito, foram

explorados os diversos veios da obra de Luca (2014) em Fontes impressas, história dos , nos

e por meio dos periódicos, no sentido de considerar esses periódicos não como “obras

solitárias”, mas como empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos (LUCA,

2014, p.140), com objetivos e valores em comum e que se utilizam da palavra escrita para

difundir suas ideias. A análise apontou então,

(...) para um tipo de utilização da imprensa periódica que não se limita a

extrair um ou outro texto de autores isolados, por mais representativos que

sejam, mas antes prescreve a análise circunstanciada do seu lugar de

inserção e delineia uma abordagem que faz dos impressos, a um só tempo,

fonte e objeto de pesquisa historiográfica, rigorosamente inseridos na crítica

competente (LUCA, 2014, p.141).

Os periódicos de maior interesse para o estudo da trajetória política e intelectual de

Martins, identificados por sua periodicidade, ocorrência e lugar de guarda, podem ser

visualizados no quadro abaixo:

Quadro II – Periódicos (Jornais e Revistas)

JORNAIS / PERIODIZAÇÃO (1920 a 1929)

OCORRÊNCIAS

LUGAR DE GUARDA

O Paiz 46

Hemeroteca Digital da

Biblioteca Nacional

<www.hemerotecadigital.bn.br>

A União 15

A Cruz 14

Jornal do Brasil 7

Gazeta de Notícias 5

O Imparcial 4

Correio da Manhã 3

Correio Paulistano 3

O Jornal 3

A Noite

3

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32

JORNAIS / PERIODIZAÇÃO (1930 a 1939)

OCORRÊNCIAS

LUGAR DE GUARDA

Correio da Manhã 36

Hemeroteca Digital da

Biblioteca Nacional

<www.hemerotecadigital.bn.br>

Jornal do Brasil 26

A Noite 24

O Jornal 22

Diário de Noticias 20

O Malho 19

A Cruz 13

Diário Carioca 11 Gazeta de Noticias 6

Diário da Noite 6

A Batalha 5

O Paiz 3

Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Brasileira.

Como objetos da análise, as ocorrências expostas no Quadro II corresponderam ao

resultado parcial de uma seleção. Inicialmente, na primeira versão, foram 812 ocorrências por

palavras-chaves disponíveis na Biblioteca Nacional Digital (BND); respectivamente 38 para o

período de 1910 a 1919; 186 para os anos de 1920 a 1929; 434 para o período de 1930 a 1939

e, 154 no período de 1940 a 1949. Todavia, foram selecionadas aquelas que:

a) possuíssem uma abrangência temporal que cobrisse o período fixado para a

pesquisa: 1918 a 1932;

b) possuíssem incidência direta ao nome Amélia Rezende Martins, à sua produção e

atuação. Separando o enleio nominal ocasionado devido à semelhança dos nomes entre

Amélia de Rezende Martins e Maria Amélia de Rezende Martins, por meio da análise de cada

ocorrência;

c) possuíssem questões ou informações advindas do problema de pesquisa. Nessa

acepção foi necessário também retomar a abordagem conceitual adotada, no sentido de gerar

polos específicos de interesse e interpretações possíveis para os dados, selecionando àqueles

que se mostraram de maior relevância para servirem de fontes de informação à problemática

proposta.

É pertinente enfatizar ainda que, na periodização relativa aos anos de 1910 a 1919, as

38 ocorrências referiam-se, substancialmente, à Maria Amélia R. Martins (filha), sendo no

total apenas três as citações destinadas à Amélia R. Martins (mãe), e, por isso, excluídas da

tabela. Já no período de 1940 a 1949, apenas duas ocorrências são significativas para a

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33

pesquisa proposta, já que seu conteúdo remete diretamente ao passado da Ação Social

Brasileira.

O terceiro conjunto de fontes que cabe apresentar foi composto basicamente por

livros, folhetins e artigos escritos por Amélia no período proposto. Para a abordagem desses

documentos e, em termos de decifração analítica dessas fontes, referencio minha perspectiva

a Bruno Bontempi Jr. Em sua tese defendida em 2001, sob o título de A Cadeira de História e

Filosofia da Educação da Usp entre os anos 40 e 60: um estudo das relações entre a vida

acadêmica e a grande imprensa, Bontempi Jr. (2001) sugere no item “As fontes e seu

tratamento” que ao iniciarmos a análise de obras escritas pelos intelectuais, tais como artigos,

teses e livros, faz-se necessário ir além da verificação de seus conteúdos, obtendo delas “o

diálogo, explícito ou não, que travam nos campos teórico e político” (BOMTEMPI Jr., 2001,

p.22). O autor faz referência ainda ao tratamento dos artigos e livros memorialísticos e,

segundo ele, é importante considerar na análise que

esses documentos guardam distância com relação ao tempo e ao calor dos

acontecimentos, e reformulam, consciente e inconscientemente, a ordem e o

sentido do passado. Tanto quanto possível, procurou-se identificar os

“desvios” e “distorções” que esses escritos trazem (BOMTEMPI Jr., 2001,

p.22)

Quadro III- Livros e Folhetos

LIVROS E FOLHETOS

REFERÊNCIA

LUGAR DE GUARDA

MARTINS, A.R. Uma Vida bem vivida.

Ent. Princ: CASTRO, Cordélia de Magalhães

Folheto

Nº de Chamada: 920.72 M366v

Biblioteca

Centro de Memória – Arquivos

Históricos Unicamp

MARTINS, A.R. Acção Social Brasileira:

Edifício Anchieta. Ed. Do autor, 1933.

Livro

Nº de Chamada: 302.5M366a

MARTINS, A.R. Complemento às

reflexões sobre o momento social.1919

Livro

Nº de Chamada: 320.570981

M366c

MARTINS, Amélia de Rezende. Um

idealista realizador: Barão Geraldo de

Rezende: Rio de Janeiro: Oficina Gráficas

do Almanak Laemmert, 1939.

Livro

Adquirido

em Leilão

COSTA, Maria José; SHENA, Denílson;

SCHMIDT, Maria Auxiliadora (Org). I

Conferência Nacional de Educação.

Brasília: INEP, 1997.

Livro

ABE – Associação Brasileira de

Educação

MARTINS, A.R. Acção Social Brasileira. 4ª

Conferência Nacional de Educação(s.d.).

Livro

ABE – Associação Brasileira de

Educação

(RJ)

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34

MARTINS, Amélia de Rezende. Os

problemas sociais e o feminismo (1ª edição

em 1924; 2ª edição 1925)

SP (BR): Escolas Prof. Salesianas do Liceu

Coração de Jesus, 1924

Livro

Nº de Chamada: 009770

Fundação Casa Rui Barbosa

Rua São Clemente, 134 Botafogo /

RJ MARTINS, Amélia de Rezende.

Reflexões sobre o momento social. 1919

Livro

Nº de chamada: F727

MARTINS, Amélia de Rezende. Meu

livrinho de missa. Explicação do santo

sacrifício da missa. SP (BR): Escolas Prof.

Salesianas do Liceu Coração de Jesus, 1926.

Livro

MARTINS, Amélia de Rezende. Meu

Brasil: Feriados Nacionaes e Pontos

Importantes da História. Rio de

Janeiro:Officinas Graphicas. Emp.Almanak

Laemmert Ltda.

Livro

MARTINS, Amélia de Rezende. Compêndio

de História do Brasil. Rio de Janeiro:

Officinas Graphicas. Emp.Almanak

Laemmert Ltda ,1937.

Livro

Martins, A. R. (1934). Quinzena

Anchietiana – A Acção Social Brasileira

pela voz: Brasil a Anchieta (1534-1934).

Rio de Janeiro: Officinas graphicas Almanak

Laemmert.

Livro

Adquirido em

Sebo

Esta dissertação está estruturada em três capítulos. O capítulo primeiro, intitulado Na

moldura da memória: Amélia de Rezende Martins (1877-1948), apresenta a trajetória de

Amélia de Rezende desde seus primeiros anos de formação na cidade de Campinas até sua

saída para cidade de Mendes no Estado do Rio de Janeiro em 1914, enfatizando não somente

a sua formação intelectual, mas o ambiente em que se deu a sua socialização, procurando

atentar para as redes de relações que estabeleceu e as heranças culturais e políticas que se

apropriou nos diferentes espaços de sociabilidade. Não se trata aqui de uma biografia

exaustiva da personagem com uma simples perspectiva linear de seu itinerário, estamos

cientes do caráter fragmentado e indeterminado que cercam a vida de um personagem. Nesta

direção, o presente capítulo procura evitar a denominada “ilusão biográfica”(BOURDIEU,

1996,p.184), optando por escolher, na organização e orientação da narrativa apenas “os

campos magnéticos”(SIRINELLI, 2003,p.247) da trajetória de Martins. Por fim, o conteúdo

do capítulo foi elaborado com a intenção de compreender e examinar o protagonismo de

nossa intelectual, enquanto expressão (individual e coletiva) de mundividências nos âmbitos

cultural, religioso, histórico e político.

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35

O capítulo segundo, “A cruz de Christo” no campo, nas fábricas e nas escolas: o

pensamento católico social de Amélia de Rezende Martins, tem como primado a discussão

das principais características do pensamento católico social presente em Rezende Martins,

apregoado desde a publicação da Rerum Novarum, documento pontifício escrito por Leão

XIII em 1891. Centra-se para isto, na elucidação do seu projeto político cultural: Os núcleos

coloniais proposto no círculo católico da Associação dos Empregados no Comércio (AEC)

em 1924, assim como na análise de três obras publicadas entre os anos de 1918 e 1924:

Reflexões sobre o momento social (1918), Complementos sobre o momento social (1919) e A

mulher e o feminismo(1924). Demonstra ainda, que foi neste período que Rezende Martins

ampliou sua “rede de sociabilidade” (SIRINELLI,2003,p.252), revitalizou suas convicções,

ideias e projetos que lhe granjearam maior reconhecimento e lhe maior conferiram maior

audiência no meio católico. Em suma, o capítulo revela-nos mais explicitamente um período

de intensa atividade pública, de atitude de combate e de afirmação da religião e da verdade

católica por parte de Martins, nomeadamente no que se refere a sua mobilização para

diagnosticar e projetar soluções para a chamada “questão social”.

Por fim, o terceiro capítulo, Para catequese, para a educação, para formação do

povo! A Ação Social Brasileira (ASB), aborda desde as primeiras tentativas de Rezende

Martins em veicular suas propostas educacionais e seu projeto de organização social na

Associação Brasileira de Educação (ABE) entre os anos de 1927 a 1929, até o início de 1932,

quando Rezende Martins ao lado de outros intelectuais católicos leigos de vários perfis, tais

como Fernando Magalhães, Isabel J. Lacombe, Levi Carneiro, Amalia Matarazzo, Raul Leitão

Cunha, José Piragibe, Alceu Amoroso Lima, Belisario Pena, Jonathas Serrano, Aderbal

Pougy, Afonso Celso, Maria Junqueira Schmidt, João de Assis Lopes Martins, entre outros,

reuniram-se em uma campanha para a construção da sede do organismo Ação Social

Brasileira (ASB): o Edifício Anchieta.

Dentre os mais diversos alvitres, a associação empreenderia, a partir do ano de sua

fundação, enaltecer a obra jesuítica na história nacional assim como reafirmar os valores

cristãos da sociedade brasileira, confiando o sucesso de seus planos e expectativas, na ação

do apostolado educacional e social que a instituição continuaria a exercer.

Dentro deste contexto, o capítulo pretende examinar articuladamente o projeto Ação

Social Brasileira, por meio dos livros: Meu livrinho de missa, 1926, Acção Social Brasileira:

IV Conferência Nacional de Educação (s.d.); Acção Social Brasileira: Edifício Anchieta,

1933, e Quinzena Anchietana- A Ação Social Brasileira pela voz: Brasil a Anchieta (1534-

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1934), em conjunto com os jornais A União, A Cruz, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O

Jornal, A Noite e Diário de Noticias. Isto com o propósito de compreender o legado cultural

e a atuação de Martins no âmbito intelectual e político, preferencialmente, na imprensa

periódica e nas estruturas católicas, identificando o alcance de sua intervenção, tanto no

debate educacional da época, como na configuração das instituições de que fez parte.

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1. NA MOLDURA DA MEMÓRIA: AMÉLIA DE REZENDE MARTINS (1877-1948)

Nos idos de 1954, a imprensa campineira registrou a proposta do estatístico e

historiador Alaor Malta Guimarães12

(1912-1979) ao prefeito Antônio Mendonça de Barros13

para que este desse a uma via pública a seguinte denominação:

“Senhor Prefeito:

Em 4 de fevereiro de 1948, os jornais da Capital Federal noticiavam:

“Faleceu nesta Capital a Senhora Amélia de Rezende Martins, dama das

mais prestigiosas da sociedade brasileira, perdendo a nossa literatura musical

uma das suas mais dedicadas cultoras, etc.” Seis anos são passados e em

Campinas ainda não existe uma homenagem pública que perpetue a memória

da ilustre filha da Princesa D’Oeste.

Peço, pois, seja dada a denominação de Amélia Rezende Martins a uma via

pública de Campinas14

.

De modo a justificar as exigências deste trabalho de “enquadramento” para a

memória” (POLLACK, 1989, p.7), Malta Guimarães escreve um extenso artigo sobre a vida e

a obra de Amélia Rezende Martins, assegurando parte de sua descrição no registro biográfico

elaborado por Cordélia de Magalhães Castro publicado na imprensa carioca e no jornal

campineiro Diario do Povo em 18 de abril de 1948.

Após o ofício com a sugestão do nome ser aprovado pelo chefe do executivo, o mesmo

jornal publicou em 20 de abril de 1955 uma carta de Maria A. de Rezende Martins (filha)

em agradecimento à Alaor Malta Guimarães. Nesta missiva a filha de Martins complementa

as informações presentes no ofício sobre a atuação da mãe, privilegiando sua trajetória como

escritora, publicista e ativista católica.

As informações obtidas a partir destas fontes selecionadas, cruzadas com o livro

memorialístico de Amélia de R. Martins Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende

publicado em 1939, associadas a outros periódicos, nos possibilitou examinar aspectos da

trajetória de formação e a rede de relações sócio-afetivas, intelectuais e políticas constituída

12

Alaôr Malta Guimarães: contador, estatístico, historiógrafo. Nasceu em Campinas no dia 14 de julho de 1912.

Formou-se contador pela Academia de Comércio São Luiz. Em 1947, com parceria de Francisco da Fonseca,

publicou Seção de Estatística e Arquivo da Prefeitura Municipal de Campinas. É autor de cerca de mil artigos

sobre Campinas. Preparou cerca de 550 resumos de informativos sobre os motivos dos nomes de ruas em

Campinas. Sobre o historiador, ver:

Pró-Memória Campinas. Disponível em: http://blogs.viaeptv.com/blogs/promemoriacampinas/2010/personagem-

alaor-malta-guimaraes/ Acesso em: 29 set 2016. 13

Antônio Mendonça de Barros, nasceu em Pouso Alegre, MG, em 15 de maio de 1909.

Foi escritor, jornalista, advogado e político. Eleito prefeito de Campinas, para o período de 1952-1955.

Campinas de Outrora. Disponível em: https://campinasnostalgica.wordpress.com/2014/03/21/dr-antonio-

mendonca-de-barros/. Acesso em: 29 set 2016. 14

GRANDE dama campineira: o nome de Maria Amélia Rezende para uma via pública de

Campinas.[s.n.t].Centro de Memória Arquivos Históricos UNICAMP. Coleção João Falchi Trinca. Dossiê

Amélia de Rezende Martins.

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38

por Martins no período em que residiu na cidade de Campinas (1870-1914). Pode-se aventar,

assim, que este primeiro capítulo trata das circunstâncias nas quais Amélia de Rezende

desenvolveu a sua socialização, anteferindo os “campos magnéticos”

(SIRINELLI,2003,p.247) de seu itinerário, que num determinado período a atraíram.

Coaduna-se a estes objetivos, nesta primeira seção, a possibilidade de respondermos a

problematização anteriormente esboçada: Quem foi Amélia de Rezende Martins?

1.1.Ambiente familiar e primeiros anos de formação

A minha querida filhinha; está cada dia mais

esperta e querendo falar; entende tudo, e mesmo

do francez já compreende alguma cousa. Feliz

creança é a minha Mélinha! (...) Amelinha, que é

galante por causa dos cachos e dos olhinhos azues

(MARTINS, 1939,p.239).

Amélia de Rezende Martins nasceu em 23 de março de 1877 na cidade de Campinas –

SP. Uma década marcada pelo surgimento de uma série de sintomas de crise do Segundo

Reinado: o início do movimento republicano, o problema da escravidão e os atritos do

governo imperial com o Exército e a Igreja (FAUSTO,2013,p.185). Mas também um período

em que se anunciavam “novos tempos” (LAPA, 1996, p.28) marcado pela modernização na

infraestrutura econômica - devido a prosperidade advinda da comercialização do café que

estimulou a industrialização e a urbanização , pela chegada do trem de ferro , do bonde

elétrico (Cia. Campineira de Carris Elétricos, 20.10.1878) , da iluminação a gás (1875) e do

trabalho assalariado de milhares de imigrantes15

. As lembranças de infância de Rezende

Martins em seu livro memorialístico Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende

(1939) fornecem detalhes das transformações culturais que vinham ocorrendo na cidade:

(...) em 29 de Julho de 1875, anniversario de nossa Princeza, Campinas, no

meio de geral regozijo, de foguetes, e musica, e aclamações, via

desapparecer, para sempre, com a iluminação a gaz, a tristeza das suas noites

tenebrosas... A iluminação a gaz! Na minha mais longínqua infância, e nas

raras vezes que iamos a Campinas, parecia-me uma iluminação de contos de

fadas! (...) Em 1879 deu-se a inauguração dos bonds de burro, que fizeram o

percurso da linha, levando, o da frente, uma banda de musica, e o segundo, a

directoria da Companhia, presidente da Camara Municipal, autoridades e

convidados... Como sempre, foi o enthusiasmo acompanhado de foguetaria.

15

Entraram no País 49.927 imigrantes italianos na década de 1870, enquanto na seguinte foram 276.724

(BEOZZO, 1980, p. 48). Na região de Campinas, Província de São Paulo, que se constituía no maior centro de

produção cafeeira do País na época, escravos e colonos europeus trabalhavam lado a lado desde a década de

1880 (PRATTA, 2002, p. 16).

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39

Encurtaram-se as distancias entre os bairros da cidade. No commercio já se

verificava notável expansão (MARTINS, 1939,p.128-129).

Em linhas gerais, Campinas acompanhou as grandes mudanças econômicas, sociais e

políticas que ocorreram em nível nacional na segunda metade do século XIX. Lapa (1996)

assevera que a cidade imprimiu o próprio ritmo da dinâmica local do seu desenvolvimento à

evolução urbana que sofreu no período. Para o autor, a cidade soube aproveitar a acumulação

cafeeira que se acelerou, ampliando e reestruturando a ocupação do solo urbano,

modernizando seus equipamentos e serviços, e , “em consequência, mudando o estilo de vida

da maioria dos seus moradores”(LAPA,1996,p.20). Assim, foi graças ao café, que Campinas

tornou-se a “capital agrícola da província” na década de 1870.

Contudo, apesar de existir consenso na literatura sobre o avanço da modernidade no

Brasil neste período, é necessário ter cautela na avaliação do fenômeno (J.M.CARVALHO,

1998). É preciso matizar as propostas e os alcances destes projetos modernizadores para a

população, pois, como descreveu J.M.Carvalho (1998), embora, a partir de 1870, tenha se

avançado em alguns aspectos, na modernização do Brasil predominou a tradição, o mundo

agrário, aristocrático, pré-industrial e pré-burguês (J.M.CARVALHO, 1998,p.125). Para José

Murilo de Carvalho , mais do que indiferente, a modernidade era alérgica ao povo brasileiro.

A esse respeito, comenta:

Acreditando ou não o povo, os modernizadores chegavam à mesma solução,

o autoritarismo, violento e paternalista.(...) Era uma modernidade que não se

baseava na força iniciativa da tradição anglo-saxônica, nem tinha lugar para

o exercício da fraternidade da tradição popular brasileira. A relação do

Estado com o indivíduo era uma combinação de repressão e paternalismo.

Não gerava cidadania, no máximo criava a estadania (...)

(CARVALHO,J.M;1998, p.126-127).

Segundo J.M.Carvalho (1998,p.120) a força da tradição não se revelava apenas na

reação às mudanças, mas estava presente no próprio conteúdo do que era visto e considerado

como moderno por setores da elite. Necessária é, portanto, atenção à polissemia dos conceitos

de moderno e tradicional, pois é a partir da maneira como eles se combinavam, seu maior ou

menor grau de rompimento com a tradição, que teremos o sentido da modernidade.

Desse modo, o grosso da população formado de pobres, analfabetos e negros

coexistindo com uma oligarquia de grandes proprietários em Campinas, gerou a existência

dessas “duas cidades” tão bem expostas por José Roberto do Amaral Lapa em sua obra

Cidade: cantos e antros de 1996. Essas “duas cidades” conviviam, as residências

improvisadas, as ruas sujas e insalutíferas, a escravidão, as revoltas, as injustiças sociais, o

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medo da violência cotidiana, a falta de escolas, fizeram parte dessa controversa modernização

campineira.

E entre aqueles que se beneficiaram diretamente com este o desenvolvimento

acentuado do café, entre aqueles, que se atualizaram com o progresso advindo da

modernização, e, que em troca, mantiveram “a estrutura subdesenvolvida de amplos

contigentes da população”(LAPA,1996,p.20), estava a camada social cuja família de Amélia

de Rezende é a típica representante, ou seja, aquela que detinha os meios de produção e, em

consequência, o poder econômico e político: a aristocracia cafeeira.

Amélia de Rezende Martins era neta por parte paterna do Marquês de Valença

(Estevão Ribeiro de Rezende)16

e da Marquesa de Valença (Ilídia Mafalda de Souza

Queiroz)17

. Seu pai, Geraldo Ribeiro de Souza Rezende, o Barão Geraldo de Rezende nasceu

no Rio de Janeiro, em 19 de abril de 1847. Casou-se em 20 de junho de 1876, na Igreja Santo

Antonio dos Pobres”(MARTINS, 1939,p.161) com sua prima, Maria Amélia Barbosa de

Oliveira (Baronesa Geraldo de Rezende), primeira filha do conselheiro imperial, Albino José

Barbosa de Oliveira18

e de Izabel Augusta de Souza Queiroz19

(sobrinha de Ilídia Mafalda de

16

Estevão Ribeiro de Rezende- avô paterno de Amélia de Rezende Martins- nasceu em 20 de Julho de 1777, no

Arraial dos Prados, Comarca do Rio as Mortes, Minas Gerais. Formou-se em Direito na Universidade de

Coimbra, onde tornou-se discípulo de Francisco Antônio Duarte da Fonseca Montanha Oliveira e Silva,

cavaleiro professo da Ordem de Cristo e cônego doutoral da Sé primacial de Braga. Entre 1806 e 1808, serviu

como juiz de fora, em Palmela, vila a sul de Lisboa. Em 13 de maio de 1810, ano em que retorna de Lisboa,

Estevão foi nomeado juiz de fora da cidade de São Paulo, cargo exercido até 1815. Em 1816 foi nomeado fiscal

dos diamantes do Serro do Frio, onde serviu apenas um ano. No mesmo ano em 22 de fevereiro, tornou-se

desembargador da Relação da Bahia, com exercício, mas sem ordenado. Em 17 de julho de 1817 foi nomeado

ajudante intendente geral da polícia, com exercício na Casa de Suplicação. A sua estadia em São Paulo o fizera

amigo da família Souza Queiroz, à qual se ligaria casando-se, em 1819, com Ilídia Mafalda de Sousa Queiroz

(14 mai 1805 – 2 jul 1877), filha do Brigadeiro Luiz Antônio de Sousa Queiroz e de Genebra de Barros

Leite. Entre outras funções, o avô de Amélia foi secretário do príncipe regente de todas as pastas, em 1822. Foi

procurador e deputado geral da mesma província no Conselho do Estado e membro da Assembleia Constituinte,

ministro do Império, senador por Minas, em 1826, tendo também sido eleito pela Província de São Paulo, no

mesmo ano. Oficial da ordem imperial do Cruzeiro e sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 18

de julho de 1840. Faleceu a 08 de setembro de 1856 aos 79 anos (MARTINS, 1939, p.15-56). 17

Ilídia Mafalda de Souza Queiroz – Marquesa de Valença, avó paterna de Amélia Rezende Martins, nasceu em

São Paulo,14 de maio de 1805 e faleceu no Rio de Janeiro 24 de julho de1877. Filha do Brigadeiro Luis Antonio

de Souza Queiroz e de Genebra Bastos Leite. Casou-se com Estevão de Ribeiro Rezende o conde de Valença

em 1819, ambos progenitores do futuro Barão Geraldo de Rezende, e, portanto avós paternos de Amélia

Rezende Martins. 18

Albino José Barbosa de Oliveira – avô materno de Amélia Rezende Martins- nasceu em Coimbra, 1 de

julho de 1809 e faleceu no Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1889. Foi um magistrado luso-brasileiro. Nasceu

em Portugal quando seu pai, Luiz Antonio Barboza de Oliveira, cursava a Universidade de Coimbra da mesma

cidade. Formou-se em Direito pela mesma Universidade, em 1831.Assim como seu pai, seguiu a carreira de

magistrado, sendo nomeado juiz de São João del-Rei, em 1831. Foi sucessivamente juiz

em Sabará (1832), Cachoeira, Caravelas(1833) e Nazaré(1841). Foi desembargador da Relação do Maranhão por

decreto de 22 de novembro de 1842, sendo transferido para o Rio de Janeiro um mês depois. Em 1864, foi

nomeado ministro do Supremo Tribunal de Justiça, sendo que em 1881 foi nomeado presidente, e, em 1882

recebeu a Gran Cruz da Ordem de Cristo. Aposentou-se em 1882. Casou-se com Isabel Augusta de Souza

Queiroz, neta do Brigadeiro Luiz Antonio de Souza Queiroz, herdeira da Fazenda do Rio das Pedras

(MARTINS, 1939,p.165-195).

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Souza Queiroz e neta do Brigadeiro Luiz Antônio de Souza Queiroz), “o maior proprietário de

terras na província de São Paulo”(PERECIN,2004,p.109) .

Sobre a família de Izabel Augusta de Souza Queiroz, escreveu o “avô-padrinho”de

Rezende Martins, o conselheiro Albino José Barboza de Oliveira para sua filha Maria Amélia

Barbosa de Oliveira:

Esta he a familia de tua Mãy, de Itú, numerosa, muito importante, e que deu

origem a muitas familias notáveis da Provincia: Mesquita, Costa Aguiar,

Fomm, Whitaker, Prado, Paula Machado, Costa Aguiar, Penteado,

Vasconcellos, Vergueiro, Paes de Barros, Souza Barros, Paula Souza,

Rezende, Souza Queiroz (MARTINS,1939,p.184)20

Segundo Perecin (2004), desde os tempos coloniais, os Souza Queiroz21

estavam

ligados ao vale Médio do Tiête por parentesco e interesses materiais. Os Souza Queiroz eram

cafeicultores e senhores de engenho, suas propriedades se localizavam nas melhores fronteiras

do Oeste, São Paulo, Campinas, Piracicaba, Limeira e São Carlos do Pinhal (PERECIN,

2004,p.109). A herança do brigadeiro, partilhada em 1819, rendeu bens avultados aos seus

descendentes, conforme descreveu a sua bisneta, Amélia de Rezende Martins:

Era de opulencia o ambiente em que viveu meu pae. Grandes propriedades

possuira o Marquez de Valença no Rio de Janeiro antigo, passando em

herança para minha avó e para os filhos. (...)constam em nome de minha

avó, onze sobrados na rua do Senado, do numero 59 ao 79, cinco prédios na

rua dos Invalidos(...) Além desses próprios da cidade, minha avó possuía

uma casa de residencia em Valença,- onde foi hospedado o Imperador, por

ocasião de sua visita a essa localidade-, e muitas terras, entre as quaes as

fazendas de São Luiz e das Corôas no município de Valença, São Pedro e

Piracicaba, Santa Genebra em Campinas, fazenda que passa depois aos

filhos. E só conheço da grande fortuna de meu avô e de minha avó, que

herdára avultados bens de seu pae, o Brigadeiro Luiz Antonio, a maior

fortuna da Capitania de São Paulo e uma das maiores do Brasil (MARTINS,

1939,p.59-60).

Assim sendo, os pais da futura militante católica pertenciam as antigas famílias da

aristocracia rural22

que se formaram no Brasil e que pela posição social e educação pode ser

equiparada à classe privilegiada europeia do mesmo período. Nos dizeres de Rezende

Martins, “em Santa Genebra, tínhamos mais progresso e mais conforto que na propria França

(em province)”(MARTINS, 1939,p.7).

19

Izabel Augusta de Souza Queiroz- Avó materna de Amélia Rezende Martins. Sobrinha de Ilidia Mafalda.

Nasceu em 13 de Janeiro de 1829 - Porto, Portugal e Faleceu em 16 de Junho de 1926. 20

Arquivo pessoal de Rezende Martins- Diário de 1882 e 1883- Sob os títulos Memórias e Ephemérides

(MARTINS,1939,p.166). 21

Mantive a grafia Souza Queiroz de acordo com a fonte. 22

Ver: quadro sinóptico da família em Apêndice-A.

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42

Em relação a seus primeiros passos de sua formação, Amélia de Rezende Martins

conta que foi a sua mãe, “ao lado sempre de uma professora estrangeira”(MARTINS,

1939,p.399) quem a ensinou as primeiras letras, a tarefa doméstica, a música e a religião.

Destaca que sua mãe “muito versada em literatura, poesia e musica” (MARTINS,1939,p.204)

foi educada no Collegio Leuzinger23

, e ali começou, além do programa do curso colegial, um

estudo de piano com uma professora alemã chamada “Mlle Roller, e da lingua allemã com

Mlle Sophie Adèle Charlotte von Lippe” (MARTINS,1939,p.205). Para Martins, a “culta

inteligência” de sua mãe, “que se irradiava pela casa”(MARTINS,1939,p.205) foi de

fundamental importância para sua formação.

Quanto ao seu pai, o barão Geraldo de Rezende, Amélia de Rezende escreve que o

mesmo sempre acompanhava-a em suas tarefas educativas auxiliando-a nas leituras, no estudo

do francês e do inglês, principalmente através de cartas.24

No entanto, o papel principal da educação de Amélia foi assumido pelas preceptoras.

Segundo Lapa (1996), neste período, a maioria dos fazendeiros de Campinas possuíam

professores particulares responsáveis pela educação dos seus filhos.

Ritzkat (2015) em seu estudo sobre as preceptoras alemãs no Brasil também atesta a

presença frequente dessas profissionais nas casas das elites brasileiras do século XIX. A

autora salienta que as ricas famílias brasileiras procuravam nessas educadoras estrangeiras a

certeza de estar oferecendo a seus filhos uma educação diferenciada.

Ressalta que as meninas, recebiam uma educação cuidadosamente dosada, com

padrões morais bastante rigorosos e que “geralmente se limitava aos domínios do

lar”(RITZKAT, 2015,p.281). Quanto aos conteúdos propostos pelas preceptoras, Ritzkat

aponta o francês, alemão e inglês, como as disciplinas mais mencionadas em anúncios de

professores nos jornais da época, seguindo-se: geografia, desenho, piano, música, trabalhos

manuais, aritmética, história e, só então, o português (RITZKAT, 2015,p.281).

No que diz respeito aos conteúdos, Rezende Martins, rememora:

23

Borges (2004) assevera que o “Colégio de Madame Leuzinger” situava-se, na “Rua do Príncipe do Catete,

25”. Segundo a autora, em um anúncio do Almanak Laemmert de 1895 indica que o colégio estava “localizado

entre o mar e a praia, numa passagem importante entre as regiões mais nobres”. O intitulado “Collegio de

meninas”, “possivelmente” de propriedade de Georges Leuzinger, “era um dos lugares mais salubres do Rio de

Janeiro(...)”, onde “ensina-se tudo que abrange uma educação completa tanto para a instrução geral e as artes do

recreio, como para a moral e a religião.” Para Vavy P. Borges, era uma escola de sessenta alunas, somente para

instrução primária (BORGES, 2004,p.9). 24

Malatian (2009,p.149) lembra a dimensão educativa das cartas na interiorização dos valores burgueses, sendo

elas, de certa forma, parte das regras de etiqueta do século XIX e enfatiza como crucial para sua popularização a

alfabetização das mulheres, que se corresponderão amplamente no período.

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43

Tivemos os cursos de catecismo (...) professores de canto, piano, de pintura,

de línguas- Mme Vautier, Mlle Mahieux, Mlle Plambeck-, e tambem aulas

de dansa. Minha mãe tomou licções de piano, com uma optima professora,

Mme Ratisbonne, e estudava conscienciosamente, dando-nos o bom

exemplo(MARTINS, 1939,p.527).

Apenas aos nove anos, Amélia de Rezende Martins ingressa em uma escola. A opção

em estudar no Colégio Progresso no Rio de Janeiro partiu de sua mãe, e durou apenas o

período em que seu pai exerceu o cargo de deputado geral pelo 7º Distrito de São Paulo

(1886-1889)25

.Acerca do período, Martins rememora:

Esse quadriennio da vida publica de meu pae, foi meu tempo unico do

collegio. Minha mãe escolheu o Collegio Progresso, a principio instalado em

Santa Thereza e depois em Haddock Lobo. Era eu uma menina forte, gostava

de aprender, queria bem às colegas, e fui sempre a mais moça da classe, e

saliento o facto para realçar o valor de minha mãe, minha professora até

então. Era verdadeiro, meu encanto pela Directora, Miss Leslie,- que foi

depois Mrs. Hentz, tão amiga de minha mãe-, e pelas meninas mais velhas,

entre as quaes as pequenas escolhiam a sua ‘mãesinha de collegio”. A minha

era belinha Jacobina. Tudo era bom no collegio; mas eu nunca me havia

separado de meus paes; tinha por eles adoração, estava habituada à

liberdade...e quando cahia a tarde e subíamos para a classe, em fila, os

braços cruzados atraz das costas, eu ia olhando o céu pelas janelas, como

uma avezinha privada do ninho, e suspirando pela

amplidão...(MARTINS,1939,p.352)

O Colégio Progresso – futuro Colégio Jacobina- foi fundado em 1878, por Miss

Eleanor Leslie (que assina Mrs. William B.Hentz, depois do casamento). Segundo Souza

(2011) o colégio que posteriormente seria dirigido por Isabel Lacombe - prima de Amélia-

tinha a estrutura de um pensionato para meninas, com alunas internas e externas, e foi o

primeiro a adotar métodos americanos no Rio de Janeiro. A autora elucida que entre as

principais novidades estava o estudo da geografia a partir da cartografia (SOUZA,2011,

p.132).

Para Souza (2011), a vivência de Amélia de Rezende Martins neste ambiente

educativo, que visava sempre “estimular a evolução técnica do ensino feminino” (SOUZA,

25

Era a província de São Paulo dividida em nove distritos oferecendo, portanto à Câmara, nove deputados

gerais. Com a vaga do Conselheiro Martim Francisco, nova eleição foi marcada, no seu lugar, assume o pai de

Amélia em 11 de agosto de 1886. Segundo Martins, as comissões nas quais seu pai trabalhou, ou nas Emendas

que apresentou, os assuntos referem-se às questões de: orçamentos da agricultura, núcleos de colonização,

isenção de direitos para materiais destinados a construção de estradas de ferro, licença para professores, serviços

prestados às igrejas católicas, privilegio para a Companhia Mogiana , trabalho contra anarquia, alteração na

divisão dos distritos, isenção de impostos facilitando o desenvolvimento da indústria, entre outros (MARTINS,

1939,p.356).

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2011,p.133) onde era possível ver “meninas desenhando mapas” ajuda a entender a produção

didática de Amélia de Rezende Martins para as disciplinas de geografia e história.

Além disso, cumpre destacar que ao longo de sua trajetória, a religião católica

influenciou decididamente a sua formação. Rezende Martins escreveu que desde bem pequena

“as quintas-feiras eram inteiramente para o cathecismo”(MARTINS,1939, p.528), e mesmo

depois de ter realizado a sua primeira comunhão em 1889, aos 12 anos de idade, segundo

nos conta, permaneceu estudando “rigorosamente” os princípios cristãos.

Segundo a autora, o pai sempre fez questão de que o ensino religioso fizesse parte do

cotidiano das filhas, conforme destaca: “Meus paes sempre atentos a nossa formação

espiritual, (...) havia, em nossa vida de meninas , poesia, e tradição, e alegria, e ordem, até nos

menores detalhes”(MARTINS,1939,p.476). Assim, até os 16 anos de idade, Martins

vivenciou e compartilhou de experiências educativas diferenciadas, em que colaboravam,

desde seus familiares, preceptoras até alguns “amigos sacerdotes da familia”, entre eles, o

“padre Vieira, o Vigarinho”(MARTINS,1939,p.131).

O “Vigarinho” mencionado por Martins, é uma referência ao padre José Joaquim

Vieira (1836-1917), mais tarde arcebispo do Ceará (1884-1912). De acordo com Vale et al.

(2004) o “padre Vieira” foi uma das figuras mais marcantes da crônica campineira, embora,

não fosse natural da cidade “foi um dos seus mais notáveis e queridos vultos”(VALE et

al.,2004,p.35). Para os autores, o padre tem a seu crédito “uma das maiores obras já realizada

em Campinas”, a Santa Casa de Misericórdia, inaugurada em 1876. Segundo Martins, o

“padre Vieira era ‘tão nosso amigo’ que meu pae fez questao de durante 15 annos, de 1891 a

1907, fazer parte da Mesa Administrativa da Santa Casa” (MARTINS, 1939,p.135). E

complementa, “da minha introdução ao catechismo se encarregou este bondoso sacerdote”

(MARTINS, 1939,p.135-136).

Ao casar-se com dezessete anos, em meados de 1894, Rezende Martins não alterou o

ritmo de seus estudos, adquiriu outra “situação social”, e na mesma altura em que iniciava

“os deveres de esposa e de mãe” (MARTINS, 1939,p.553) Martins intensifica a sua produção

intelectual , que se verifica na publicação de seus primeiros livros didáticos, destinados,

segundo ela, a educação de seus filhos, pois o seu maior desejo era o de ser a “inspiradora

intelectual de seus nove rebentos”.

Para os filhos, assinala, o nosso já mencionado Alaor Malta Guimarães (1912-1979),

Amélia de Rezende publicou as seguintes obras:

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História Universal – Quadros Sincrônicos de História Universal- História

Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, em três volumes, e um folheto:

Revolução Francesa-; “História do Brasil”- Compêndio de História do

Brasil, em três volumes, já em 1922 em terceira edição-; “ Quadro

Sincrônico e Sinótico de História do Brasil” em um volume; “Compêndio de

Geografia”, e dois volumes de “Geografia em recortes”- Geografia

Elementar, com gravuras e mapas coloridos-, em segunda edição em 1922;

“Livro de José Maria”- Lição de coisas; “O meu livrinho de missa”;

“História da Música”; “Curiosidades Musicais”; “As nove Sinfonias de

Beethoven”; “Reflexões sobre o momento social “Complementos sobre o

momento social”; “História da Arte”; “Literaturas antigas”;e, finalmente, o

seu monumental volume de cerca de 800 páginas intitulado “Um idealista

realizador” que é a história da família Geraldo de Rezende(...)26

De acordo com Souza (2011), Amélia de Rezende Martins inicia sua publicação de

livros didáticos e sobre música na Casa Livro Azul, empreendimento comercial que pertencia

à família Castro Mendes entre 1876 e 1958. A loja foi conhecida como livraria, papelaria ou

tipografia, mas também vendia bonecas de porcelana, brinquedos importados, pianos. Nela

eram impressos cartões e cartazes de concertos realizados em Campinas, como informa a

pesquisa de Souza (2011,p.127).

Além dos laços de amizade entre as famílias Martins e Mendes, Amélia de Rezende e

o marido frequentavam a Casa Livro Azul por que era também um “ponto de reunião de

músicos, escritores e políticos” (SOUZA, 2011,p.128). A casa que se destacava pelo comércio

de pianos, também promovia saraus musicais e literários, conhecidos, segundo Souza (2011),

como “Concertinhos Livro Azul”. Para Souza (2011), o que ajuda a compreender as primeiras

produções escritas por Amélia de Rezende Martins no período, é que por volta do início do

século XX, o livro era anunciado como um produto que chamava atenção do ambiente

campineiro. O comércio de livros destacava-se na cidade, os títulos variavam entre as áreas

de ciências, letras, artes, literatura e didáticos. Nesse meio, os autores novos que surgiam,

principalmente os locais tinham suas publicações impressas pela livraria sob encomenda, ou

seja, eram “publicadas como projeto pessoal e não por convite editorial” (SOUZA, 2011,

p.129). Nas palavras de Maria A. de Rezende, filha mais velha de Martins:

Da educação e instrução dos tres filhos mais velhos foi a inteira responsavel.

Dos “cadernos” que organizou para nos ensinar a mim e aos meus irmãos

Geraldo e Cecília, nasceram os seus livros didáticos. Geraldo matriculou-se

diretamente no segundo ano ginasial, mas a instrução das duas filhas foi toda

dada por ela, pessoalmente, sendo que nunca frequentamos colegio algum.

Dedicando-me à música, fui aluna do Mestre Chiaffarelli e Mamãi, sempre

26

GRANDE dama campineira:o nome de Maria Amélia Rezende para uma via pública de

Campinas.[s.n.t].Centro de Memória Arquivos Históricos UNICAMP. Coleção João Falchi Trinca. Dossiê

Amélia de Rezende Martins.

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com grande entusiasmo pela arte, fez-me acompanhar, através dos seus

estudos, a vida e obra dos grandes mestres. Neste setor, escreveu a História

da Música, As 9 Sinfonias de Beethoven, Curiosidades Musicais e um

quadro sinóptico de muita utilidade pedagógica. Não foram obras que

visassem resultado financeiro. Foram contribuições para a cultura de nossa

juventude e, apesar do esmero e cuidado com que foram editadas pelo

saudoso amigo Sr. Castro Mendes, na Casa Ao Livro Azul foram naquele

tempo oferecidas ao público por um preço mínimo (Diário do Povo, 20 abril

de 1955, s.p.).

Importante referenciar que os fatores que permitem abordar e compreender o seu

percurso como autora de livros não residem unicamente na sua origem social ou nos estudos

que realizou. Rezende Martins iniciará sua carreira como escritora de livros ou figura

destacada no meio intelectual por sua determinação em intervir publicamente, com obras de

divulgação e de formação cultural, mas também, pela multiplicidade de convivências que

manteve em diferentes estruturas de sociabilidade, como a já mencionada Casa Livro Azul.

Entre os anos de 1905 a 1939, o catolicismo será o tema fulcral de sua atuação pública.

Será a religião que situará suas ideias e suas tomadas de posição, e, como consequência a

ingressará na vida política, nomeadamente através de obras que interligam a religião e a

dimensão social.

1.2. A mundividência de uma monarquista ruralista

Em 1889, meus meninos, o governo do Brazil estava nas mãos do

nosso Imperador, D. Pedro II27

, monarca bondoso e liberal,

inteligente e estudioso, considerado um sábio entre os grandes

homens da Europa, digno, sob os pontos de vista, de muita

admiração, vulto veneravel com seus cabelos alvos e sua bella barba

branca, patriota virtuoso, que todo o bom brasileiro deve conhecer e

amar28

.

Parece-me significativo registrar que a nossa personagem nasceu e cresceu em

ambiente de forte arreigo monarquista. Como vimos, seu pai, Geraldo Ribeiro de Souza

Rezende, além de proprietário da fazenda Santa Genebra foi presidente do diretório do

partido conservador em 1884, posto que conservou até o fim da monarquia, sendo que, em

1886 foi eleito deputado geral pelo 7º Distrito de São Paulo. Foi considerado ainda um dos

artífices e cooperadores do Club da Lavoura de Campinas, movimento da “política de

27

Grifo meu. 28

MARTINS, Amélia de R. Meu Brasil: feriados nacionais e pontos importantes da historia da Patria. São Paulo:

Escolas Profis.do Lyceu Coração de Jesus. 1ªEdição- s.d.

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valorização do café paulistano” ao lado de seu fundador e amigo Joaquim Bonifácio do

Amaral, o Visconde de Indaiatuba.

“Monarchista de integridade absoluta” (MARTINS, 1939,p.284) recebeu o título de

Barão de Iporanga antes da Proclamação da República por decreto de 19 de junho de 1889,

assinado pela sua majestade imperial D. Pedro II, tendo mudado, a seu pedido, para Barão

Geraldo de Rezende. Martins assegura que a “fidelidade ao regime monárquico” de seu pai

poderia ser encontrada até nos espaços da casa:

Conquanto devotadíssimo ao Imperador, tendo na sua sala, em lugar de

honra, o grande retrato a óleo de D. Pedro II, obra esplendida do pintor

Papf,- retrato que até hoje figura na minha sala de visitas (MARTINS,

1939,p.441)

A questão chave aqui é que a família de Rezende Martins também possuía laços

estreitos de amizade com o imperador. Seu tio Estevão de Ribeiro de Rezende ou Barão de

Rezende, por exemplo, era afilhado de batismo de D. Pedro II e de “Sua Augusta Irmã a

Princeza Senhora Dona Francisca, Princesa de Joinville”(MARTINS, 1939,p.69). Amélia de

Rezende nos conta que na passagem do imperador em Piracicaba, em 1886, foi seu tio o

Barão de Rezende quem hospedou D. Pedro II, a imperatriz Thereza Christina e toda comitiva

em sua residência.

Outros dados sobre o ambiente familiar em que cresceu Amélia de Rezende Martins,

destacando-se a presença da política, podem ser encontrados nas cartas de seu pai Barão

Geraldo para o seu irmão Estevão Ribeiro de Souza Rezende “o tio Etiene, o grande

monarchista”(MARTINS, 1939,p.69). Nelas é bastante reiterada a referência política dentro

deste quadro do monarquismo como parte da vida cotidiana da família mesmo após a

Proclamação da República. No trecho abaixo, por exemplo, o Barão Geraldo descreve ao

irmão parte das atividades desenvolvidas por Amélia de Rezende e suas irmãs em uma

viagem que a família fez à França em 1892:

(...)As meninas é que estão pagando o imposto do pouco caso que fazem do

inverno. Estão de um monarchismo que nem imaginas. Foram à missa do

Imperador, que esteve concorridissima, e amanhã vão à missa da Imperatriz;

já estiveram umas duas vezes em casa da Princeza e só falam em lá voltar...

(MARTINS, 1939,p.530-531).

Assim, Amélia de Rezende permanecerá parte significativa de sua vida neste ambiente

político. Tudo indica que esse meio onde Martins se criou, tradicionalmente animado e

condicionado pela “extremada convicção monarchica” de seus familiares

(MARTINS,1939,p.167) foi o que marcou, de certa forma, parte de suas aspirações, atitudes

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e atividades no período de sua vida adulta. Tal foi a convicção, que Rezende Martins não se

esqueceria de mencionar em suas memórias o significado que o dia 15 de novembro de 1889

representou para ela e sua família:

Mas logo uma nuvem negra devia toldar aquelle céu de felicidade! O 15 de

novembro! Como ficou impressa em minha alma de creança, a tragédia

desse dia! Meu pai chamado ao telefone...E logo sucessivas exclamações de

dor e de espanto lhe escaparam dos labios... Angustiadas, dele nos

acercamos, ávidas por uma explicação...Acabando de ouvir as sensacionais

noticias, deixou o telefone,cahiram—lhe os braços num gesto de desalento e

voltando-se para minha mãe proferiu duas palavras apenas: “a Republica!”

Tomadas de pasmo, nos entreolhamos sem poder pronunciar uma syllaba! E

fomos para sala de bilhar e ahi ficamos atonitos , estarrecidos, sem saber o

que fazer nem o que pensar! (...) A Republica estava proclamada! O

Imperador banido! Era facto consumado! E o povo, aquelle mesmo povo que

mezes antes aclamava o seu Imperador, aquelle mesmo povo, indiferente ou

bestificado, assistia à mudança do regimen, e consentia no exilio do seu

grande Soberano! Bem dissera o grande Estadista, Barão de Cotegipe, vendo

longe nos negócios de Estado: “Depois da abolição, a

Republica!”(MARTINS, 1939,p.440-441).

Convém mencionar que, em se tratando de memórias e tendo sido escritas já na fase

adulta de Amélia de Rezende, é preciso lançar sobre elas um olhar mais crítico.

É sabido que a escrita memorialística tem sido considerada uma fonte para se conhecer

a história. A biografia histórica, hoje reabilitada, não tem por vocação esgotar o absoluto do

“eu” de um personagem, mas, como aponta Philipe Levillain (2003), ela é o melhor meio de

mostrar os laços entre passado e presente, memória e projeto, indivíduo e sociedade e de

experimentar o tempo como prova de vida (LEVILLAIN,2003, p.176). Nesse sentido, ao

estabelecer uma relação entre a rememoração das experiências pessoais e a expressão de um

contexto sócio-histórico, a escrita memorialística redimensiona a realidade passada . Para

Lacerda(2000), esta operação “acrescenta elementos que a legitima (a escrita memorialística)

como depoimento de valor e verdade”(LACERDA,2000, p.90).

E ainda que o texto memorialístico possa expor o estilo do narrador, como bem

assinalou Vavy Pacheco Borges (2014) em Grandezas e misérias da biografia, quando refere-

se que a biografia pode propiciar uma espécie de “espelho ético” , no qual podemos ver a vida

do indivíduo sob diferentes ângulos (BORGES,2014,p.218), na ótica deste trabalho sua

relevância esta mais na operação que realiza, ou seja, ao atribuir para as experiências

passadas tendo como base frações que a memória disponibiliza29

, o texto encontrará coesão

29

De acordo com BERGER e LUCKMANN (1996,p.95) somente uma pequena parte das experiências humanas

são retidas na consciência. As experiências que ficam assim retidas são sedimentadas, isto é, consolidam-se na

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ao selecionar estes fragmentos, favorecendo alguns aspectos e silenciando outros,

demonstrando sua implicação no presente.

O livro memorialístico de Rezende Martins, dedicado ao pai, intitulado, Um idealista

realizador: o barão Geraldo de Rezende insere-se nessa perspectiva, pois nossa autora

privilegia muitos aspectos de sua vida e de seus familiares e silencia outros. Ao utilizar-se da

experiência infantil para sintetizar seu sentimento no dia da Proclamação da República na

citação acima, não significa que Rezende Martins rememore apenas este momento, pelo

contrário, Rezende Martins recorre ao período “fatídico” ou seja, aquele período que

“destruiu seu céu de felicidade” com objetivo de expor aos leitores uma marca bem atual de

seu pensamento e de seu posicionamento político. Sobretudo quando encaramos a expressão

por vezes citada:“(...)eu sempre de acordo com as convicções políticas de meu pae

(...)”(MARTINS, 1939,p.508) .

Entrelaçando em suas memórias as lembranças de sua infância na fazenda Santa

Genebra como o período mais feliz de sua vida, descreve seu mundo alegre no tempo da

monarquia, ao mesmo tempo que em que remetendo ao tempo presente faz falar o narrador:

E hoje, sentindo-me por vezes desfalecer deante da futilidade da vida

moderna, deante da quase impossibilidade de arredar da nossa gente

sentimentos de indiferença e de pessimismo, deante do orgulho que tudo

destróe, da inveja que tudo envenena, da injustiça que tudo arraza, ouço

dentro de mim a voz de meu pae, uma voz firme a corajosa que repete:

“Surge et ambula” e ergo-me revigorada para reencetar a lucta! (...)Devemos

contar á geração de hoje, e ás gerações que se forem sucedendo, para que

não se percam as nossas tradições, o que era, antigamente, a vida no

Brasil(MARTINS, 1939,p.5).

Segundo, Giarola (2014) o grupo de monarquistas católicos eram um dos segmentos

que melhor representavam a força conservadora e opositiva aos novos valores da República e

à destituição da Igreja de sua posição hegemônica dentro do Estado Nacional. Os dados

encontrados nas fontes possibilitaram identificar que a mesma cosmovisão que perpassava a

lógica deste grupo é partilhada por Rezende Martins em diferentes momentos de sua atividade

literária. Em um outro texto, em seu seu livro, Acção Social Brasileira: IV Conferência

Nacional de Educação (1931), podemos observar um esforço ou tentativa de re-significação

da figura do rei por parte de Rezende Martins, no sentido de tentar consolidar uma identidade

lembrança como entidades reconhecíveis e capazes de serem lembradas. Se não houvesse esta sedimentação o

indivíduo não poderia dar sentido à sua biografia.

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nacional longe dos valores expressos pela República, enaltecendo sem dúvida os princípios de

autoridade e hierarquia. Conforme vemos:

Pelas coisas pequenas podemos avaliar as grandes: ao conjunco da sociedade

é a mesma feição que se nota: o povo despresa a autoridade e mofa do seu

poder. Antigamente quando passava o soberano todo mundo se descobria;

não era o homem, era o representante da autoridade, a condição da ordem, de

paz, de prosperidade, era como a bandeira, a imagem da Patria. Hoje, os

detentores do Governo são tratados com chufas e apelidos deprimentes ainda

para o proprio povo que os adopta, mostrando que se deixa governar por

quem não lhe merece consideração. Crise de moral!É o 4º mandamento

atingido- é o respeito à autoridade despresado,- é a desordem, a confusão

que reina sempre onde a autoridade desaparece (MARTINS, s.d., p. 18)

Continuando, para argumentar, mas seguindo a mesma linha de raciocínio, nota-se que

ao fazer uma leitura retrospectiva de seus familiares, principalmente de seu pai em sua obra

memorialística, Amélia revela uma satisfação com o estilo de vida paterno, um estilo pautado

pelo “trabalho, honra e patriotismo”(MARTINS,1939,p.5). Amélia de Rezende vê seu pai

como um homem de “inteligência e de têmpera”, “um grande político- agricultor”

(MARTINS, 1939,p.5). E essa atitude paterna serviria de modelo, não apenas para ela, mas

também para toda juventude do Brasil. Segundo ela:

o culto dos grandes homens, expoentes respeitáveis do passado, constitui

verdadeira defesa da nacionalidade!

Por isso achei meu dever de Brasileira, trazer para a galeria dos homens

ilustres do meu paiz, para o grupo excelso dos verdadeiros patriotas, um

nome que merece respeito e a veneração dos seus concidadãos, valoroso

modelo para juventude do Brasil, o nome do Barão Geraldo de

Rezende!(MARTINS, 1939,p.5).

Diga-se ainda que, a experiência que Amélia privilegia para contar a vida de seu pai, e

indiretamente, a sua vida fornece subsídios para justificar o peso da tradição em seu ideário.

Ao referir-se ao meio em que foi criada, nossa autora entende que a única maneira de se

contar “à geraçãode hoje, e ás gerações que forem sucedendo” de que no Brasil não vivia a

família “como bugres” era valorizando a tradição (MARTINS, 1939, p.7). Desse modo ao

traçar sua genealogia em seu livro memorialístico, Amélia de Rezende vinculava tradição à

herança e origem, associava-se também ao “culto dos grandes homens, expoentes respeitaveis

do passado”(MARTINS,1939,p.3). O tronco paterno era identificado por seu avô Estevão

Ribeiro de Rezende, o marquês de Valença, magistrado e “cavaleiro professo da Ordem de

Christo”, que teria sua estirpe relacionada as “famílias respeitáveis” da Capitania de Minas

Gerais e por sua avó, Ilidia Mafalda de Souza Queiroz, filha do “opulento e nobre fazendeiro

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o Brigadeiro Luiz Antonio de Souza, e de Genebra de Barros Leite, descendentes ambos dos

mais ilustres progenitores”(MARTINS,1939,p.51) os “fidalgos queirozes” que se

estabeleceram em São Paulo (MARTINS,1939,p.185). Já o tronco materno identificado por

seu avô o Conselheiro Albino José Barboza de Oliveira, “vulto nobre” “ministro e presidente

do supremo tribunal do império”(MARTINS,1939, p.759) e responsável por ligar a família

paulistana a baiana. “Ramos de quatro arvores valorosas enlaçando grandes províncias do

Brasil: Minas Gerais, São Paulo e Bahia”30

(MARTINS,1939,p.203).

Além disto, e sobretudo, essa herança e origem também remetia a uma tradição rural,

patriarcal e hierárquica que se refletiria inclusive e, sobretudo, na política:

Não podia, porém, um homem, da inteligência e da têmpera de meu pae,

num assumpto de tanta monta, qual o da agricultura em nossa patria,

interessar-se por uma parte apenas do problema sem atender ao seu conjunto.

Não podia, só materialmente, se apegar á terra...A agricultura era, como é

ainda hoje, a questão magna deste nosso Brasil, um dos grandes problemas

nacionais, e resolvem-se, os problemas nacionais, pela politica, a politica

sadía e nobre, que cuida do progresso do paiz e do bem estar do seu povo. E

foi politico, meu pae, e do mais alevantado ideal, politico por patriotismo e

convicção! Foi politico até os ultimos instantes da monarchia, e vendo então

ruir todos os seus sonhos de patriota, devotado de coração á Patria ea

Familia Imperial, deixou a arena politica, e entregou-se, de corpo e alma,á

sua terra, á sua Santa genebra, e dela fez, ainda bem servindo o seu paiz, a

finalidade de sua vida (MARTINS, 1939,p.5).

“Rumo ao Campo...” são palavras ditas e repetidas, escritas e publicadas em diferentes

momentos da trajetória de Amélia de Rezende Martins. Para ela, “na terra e só na terra reside

a salvação do Brasil”(MARTINS, 1924,p.17). De fato, Martins visivelmente advoga uma

volta ao campo. Dada à crise do pacto oligárquico, a experiência desagregadora sob a Carta de

1891, somados aos indícios de urbanização do país, Amélia de Rezende vê como saída o

resgate da verdadeira vocação do país: a agricultura.

Numa investida de interpretação para as experiências descritas em seu “relicário de

lembranças”(LACERDA,2000,p.88), posso dizer que Rezende Martins selecionou à seu

modo, já aquilo que acredito ser seu projeto de vida, aquilo que esta intelectual semeou e

construiu em toda sua trajetória: o campo como “bandeira de salvação para a pátria” como a

“questão magna desse país”(MARTINS, 1939,p.4), a tradição como algo sem o qual seria

impossível pensar o Brasil e a si mesma, a idealização do Império como modelo de virtudes

cívicas e administrativas, e o pensamento social como centro nuclear dos seus esforços em

relação à causa católica, como que veremos mais adiante.

30

Ver ANEXO-C.

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52

Por fim, a pesquisa trabalha com a hipótese de que Amélia de Rezende Martins,

possuía relações e/ou simpatias ao movimento político e cultural conhecido como

Integralismo Lusitano. É possível que esse contato tenha se estabelecido particularmente por

sua proximidade às famílias Prado e Licínio Cardoso.

Cabe destacar que a nossa personagem era prima de Paulo da Silva Prado e Marina da

Silva Prado, ambos filhos de Maria Catarina da Costa Pinto e de Antônio da Silva Prado

(1840-1929). A análise do livro memorialístico de Rezende Martins nos permite concluir que

existia um grau bem próximo de amizade entre os primos desde a infância, principalmente em

relação à Marina Prado. Ela compartilhava os mesmos espaços e atividades desenvolvidas por

Martins.

No caso da família Licínio Cardoso, pode-se dizer que Amélia de Rezende era muito

amiga dos irmãos Leontina Licinio Cardoso (1887-1961) e Vicente Licínio Cardoso (1889-

1931). Este último, intelectual atuante no âmbito da Associação Brasileira de Educação

(ABE).

Um indício claro da relação de Martins com essas famílias, e que remete diretamente

ao pressuposto acima, foi um evento ocorrido em 1934. Naquele ano a Radio Club realizou a

divulgação da Quinzena Anchietana, uma série de conferências organizadas por Amélia de

Rezende, com participação de diversos oradores, entre eles estavam: Leontina Licinio

Cardoso, Afonso Celso, Wanderley Pinho, José Piragibe, Hildebrando Gomes Barreto, Pedro

Calmon, Antônio de Alcântara Machado, Jonathas Serrano, Marquês Pinheiro, Afrânio

Peixoto, Augusto de Lima, Celso Vieira e Fernando Magalhães.

Reunidos em quinze artigos, os trabalhos apresentados tiveram como eixo temático

três assuntos principais “eminentemente patrióticos” (MARTINS, 1934, p.15): o louvor e a

glorificação de Anchieta em comemoração ao ano centenário de seu nascimento, a

reivindicação da beatificação e a subsequente canonização da figura homenageada, e a

construção de um “símbolo para o aproveitamento prático” (MARTINS, 1934, p.17) que

servisse de exemplo às futuras gerações.

Entre os consensos secretados nessa rede de sociabilidade em torno do evento, estava

também a crítica aos desdobramentos republicanos, seguida de uma exaltação da “nobre

fidalguia” lusitana (MARTINS, 1934, p.15). Para este grupo de intelectuais, os jesuítas

ocupavam um lugar com especificidade própria: o de patriarcas da civilização, o ponto de

partida do ciclo da brasilidade. Paulo e Eduardo Prado (1860-1901) são referenciados nos

textos de Martins como “ilustres patriotas paulistanos” (MARTINS, 1934, p.92). Eduardo

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Prado, para a autora, era um exemplo a ser seguido, visto que este foi “o precursor” da

“homenagem ao herói da fundação de São Paulo” (MARTINS, 1934, p.92), o organizador das

“conferências Anchietanas paulistana” de 189631

.

Outro ponto a destacar é que, tanto Eduardo Prado quanto Martins, dissertam sobre a

atividade agrícola entre os jesuítas. Há uma admiração da capacidade daqueles padres em

aproveitarem as potencialidades das plantas nativas, cultivadas ao lado das plantas trazidas da

Europa. Dito de outra maneira, a alternativa para o progresso da agricultura no Brasil estava

na reprodução das práticas jesuíticas. Neste caso, o retorno ao passado era a única alternativa

do País.

De qualquer modo, estamos cientes que, estudar a relação de Martins com os

intelectuais do integralismo lusitano requer uma criteriosa análise das fontes e um estudo mais

detido sobre essa questão, contudo, o artigo de Gonçalves (2016) intitulada Integralismo

lusitano, Nacionalismo católico e educação: contatos entre intelectuais brasileiros e

portugueses (1913-1934) pode nos fornecer algumas pistas nesta direção.

A referida pesquisa examinou as conexões estabelecidas entre intelectuais portugueses

e brasileiros vinculados ao integralismo lusitano e ao nacionalismo católico, durante a década

de 1910 até princípios dos anos de 1930. Segundo o autor, os intelectuais do integralismo

lusitano, por meio de suas publicações, contatos, viagens, dentre outras conexões,

promoveram um permanente diálogo com pensadores e militantes brasileiros de orientação

católica, que não defenderam explicitamente o retorno ao regime monárquico, mas estavam

mobilizados na crítica aos desdobramentos promovidos pela herança republicana. Revela-nos

que os editores de a “Nação Brasileira”, um dos principais veículos de divulgação doutrinária

do Integralismo Lusitano, enfatiza a presença de ‘novos’ escritores nas páginas da “Revista do

Brasil”, criada por iniciativa de Monteiro Lobato, Paulo Prado e outros intelectuais brasileiros

ligados ao campo nacionalista (GONÇALVES, 2016, p.108-109).

De acordo com Gonçalves (2016), numa das edições da revista portuguesa, do ano de

1926, três livros de autores brasileiros receberam em resenha, avaliações positivas: Perilo

Gomes, Jackson de Figueiredo e Vicente Licínio Cardoso. A estratégia dos editores era

divulgar, para os portugueses, que havia no Brasil parceiros na luta pelo mesmo ideal

31

Sobre os eventos para comemoração do III Centenário do Venerável José de Anchieta em 1896, ver:

Giarola (2014).

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nacionalista. Cabe ressaltar que o Integralismo Lusitano, em suas diferentes expressões,

caracterizou-se, conforme Gonçalves (2016), em

um movimento de combate, a partir do campo doutrinário e ideológico.

Apesar das diferenças e cisões internas que marcaram a história desta

mobilização, alguns princípios, em síntese, podem ser destacados como

nodais para os integralistas: a defesa de uma monarquia orgânica, de uma

sociedade sistêmica, pautada na verticalidade das ações, a recuperação da

Idade Média e de seus valores, o nacionalismo de base católica, a Pátria, a

família e, fundamentalmente, a ação efetiva cravada no município, na

paróquia, nas comunidades. Compreende-se, portanto, a insistência de seus

líderes em mobilizar a militância intelectual por meio de ‘juntas locais’. Para

eles, a ação local era a base fundante da ‘revolução’ que pregavam. No

passado, residia o progresso, a evolução inexorável da humanidade. A ação

integralista deu-se em condições materiais adversas. Tratava-se de combater

um inimigo visível: a república, causadora, para eles, de todos os males que

assolavam Portugal, desde o analfabetismo à ignorância cultural e artística

da sociedade. O laicismo liberal de base francesa, que fundamentou o

republicanismo, deveria de ser aniquilado. Este era o propósito espiritual das

juntas locais, que deveriam obedecer organicamente uma orientação

estatutária, cuja expressão material eram as cartilhas, os periódicos, o

impresso(...). Em síntese, esta era a epistéme e o ethos integralista: a reforma

da razão e da moral (GONÇALVES, 2016, p.112).

Propugnavam, portanto, “a defesa da tradição, da família, da retomada dos mitos e

heróis portugueses, localizados na longínqua Idade Média e o arsenal ideológico e moral do

catolicismo” (GONÇALVES, 2016, p.103).

Ante o exposto, é válido imiscuir no pensamento análogo desse grupo expresso por

Martins, que um dos objetivos da quinzena de 1934, também passava por uma construção de

um símbolo, de um “herói” nacional de referência católica. Uma tentativa de somar um ícone

ao panteão monarquista. Assim imputava Wanderley Pinho em “Algumas palavras em torno

de Anchieta”:

Mestre, poeta, músico, apostolo, abnegado, casto, humilde (...) “Héroe”- do

mais heroico dos heroísmos, o que se compõe de coragem paciente, tenaz e

fria, e não de audácias exaltadas, entrega-se á discrição, em refem à fereza

dos bárbaros e com Manoel da Nobrega espera o martyrio final que os vigia

dia e noite (MARTINS, 1934, p.62).

O grupo de Amélia procurou forjar ou resgatar a antiga figura de Anchieta como

“herói” que demonstrasse o passado glorioso do Brasil, decorrente da participação singular da

Igreja na formação do País em oposição ao conturbado presente, regido pelo governo

republicano. Como já assinalado, é, pois, indiscutível a importância que Martins atribuía à

tradição, à família, ao arquétipo monarquista e à religião. Esta última fazia parte de certa

concepção de catolicismo, traduzida na valorização de uma tradição na qual a própria

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nacionalidade se enraizava. “Não será mãe ingrata, a Patria de adopção de um dos mais

heroicos fundadores da sua nacionalidade! É tempo e mais que tempo de ser saldada, para

com Anchieta, uma divida de honra!” (MARTINS, 1934, p.29) afirmou Amélia de Rezende.

Tais características, certamente, foram partilhadas por outros intelectuais que faziam

parte do círculo de amizade de Martins, como os “Prado” e os “Licinio Cardoso”. Nessa

acepção, é bem provável que Amélia de Rezende tenha se envolvido, para utilizar a expressão

de Gonçalves (2016), neste cadinho ideológico do nacionalismo lusitano.

1.3. A vivência religiosa num ambiente de forte pregação católica

A par deste ambiente político proporcionado pela família, Amélia de Rezende Martins

despertou para outra realidade, o catolicismo. Por mão familiar e, certamente de alguns

clérigos e amigos, entrou em contato e envolveu-se nessa relação com este ambiente religioso.

Esta experiência no processo de socialização foi marcante para Rezende Martins, quer pela

sensibilidade que suscitou, quer porque modelou parte de seu comportamento e alicerçou as

estruturas de seu pensamento e de seu modo de ser32

.

Martins atribuiu a sua avó paterna o caminho espiritual que tomou toda a sua família.

Para ela a avó foi um exemplo de engajamento cristão. Nas selecionadas lembranças de

família, consta a imagem de uma mulher cônscia de suas obrigações para com a Igreja:

“minha avó trazia sempre, ou mandava da Europa, paramentos destinados às nossas

egrejas”(MARTINS,1939,p.64). Tinha, minha avó uma “religião muito sincera e esclarecida

(...) até o fim da vida, ensinou catecismo ás creoulinhas de casa, e a instituição, por ella

fundada para as creanças de côr, existe até hoje, sob o nome de “Asylo de Santa Maria”

(MARTINS, 1939,p.63).

32

É oportuno ressaltarmos que a socialização é aqui entendida em equivalência aos estudos de Berger e

Luckmann (1996), como uma “ampla e consistente introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma

sociedade ou setor dela”(BERGER e LUCKMANN, 1996,p.175). Nessa acepção, embora o mundo interiorizado

na primeira socialização familiar torne-se muito mais firmemente entrincheirado na consciência do que os

mundos interiorizados na socializações secundárias32

, o indivíduo não é simplesmente passivo no processo de

sua socialização. Em outras palavras, a interioridade de cada pessoa encontra-se revestida pela plasticidade, na

medida em que existe uma relação estreita entre o desenvolvimento e o amadurecimento de uma personalidade e

as diferentes concepções de mundo ou ambientes sócio-culturais por onde passa. Podendo inclusive existir a

possibilidade de transformação da identidade social adquirida na socialização primária. Nesses termos, “a

socialização nunca é total nem está jamais acabada”(BERGER e LUCKMANN, 1996,p.184) . Para os autores, a

auto identificação de um indivíduo como pessoa em um meio, para se conservar, necessitará sempre de uma

confirmação ou revitalização, que é outorgada pela interação do indivíduo com os outros. Assim, uma pessoa

só pode manter sua fé e se auto-identificar como católico por exemplo, se conserva uma relação significativa

com a comunidade católica (BERGER e LUCKMANN ,1996, p.205).

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Igualmente, seu pais tem , a seu crédito, o exemplo do verdadeiro apostolado “para

as obras de caridade e da assistência social”(MARTINS,1939,p.405) , àqueles, que sem

dúvida ajudaram a assinalar a história das instituições beneficentes da cidade de Campinas.

Das notas de Leopoldo Amaral, Rezende Martins transcreve o seguinte trecho:

Entre as instituições uteis a Campinas, a Santa Casa de Misericordia e o

Lyceu, dirigido por dedicados sacerdotes salesianos, tiveram sempre, no

Barão Geraldo de Rezende, um dos seus mais fervorosos cooperadores. Para

Santa Casa concorreu , por muitas vezes, em seu nome e de sua extremosa

esposa, com donativos pecuniários ou produtos de sua fazenda, não só para o

hospital, como para as órfãs abrigadas no asylo(...)

Mais a frente, Rezende Martins completa: Meu pae foi sócio, ou acionista, ou protector,ou benemérito, de quanto

surgiu, no seu tempo, pelo progresso de Campinas ou assistencia aos

necessitados, especialmente si eram creanças. Muito fez meu pae pela

cidade(MARTINS,1939,p.146)

Certamente, não deixa de ser expressiva, para a compreensão de seu pensamento e

posteriormente de sua ação, o papel que a família de Rezende Martins assumiu para o

desenvolvimento de sua identidade como católica, seja através da introdução do catecismo

como conteúdo obrigatório das “quintas-feiras”(MARTINS, 1939,p.528), seja pela relação de

amizade ou cumplicidade (política, econômica e religiosa)33

estabelecida entre seus familiares

e os sacerdotes na cidade campineira no período de sua juventude.

Conforme atesta a própria Amélia de Rezende, “pelos altares desse templo, aos quaes

está ligada grande parte da nossa vida, passaram, sucessivamente, os sacerdotes que

constituíram, e constituem ainda, verdadeira gloria do episcopado brasileiro”(MARTINS,

1939,p.125) .

Contudo, um outro aspecto que merece atenção especial, é que o início da formação

espiritual de Rezende Martins coincidiu com um período em que o padre João Batista Corrêa

Nery34

esteve à frente da paróquia Nossa Senhora do Carmo de Santa Cruz 35

, entre 1887 e

33

Mesmo que a hipótese de amizade ou simpatia pelos prelados permeasse o universo familiar de Rezende

Martins, como ela bem afirmou em seus escritos, não se pode esquecer existência de trocas simbólicas entre o

poder religioso, civil e econômico. De acordo com Rigolo Filho (2006) tais trocas seriam frutos de uma

concepção religiosa, no qual os detentores de poder econômico e consequentemente o político, deveriam

colaborar com as obras da Igreja como forma de garantirem um crédito religioso, salvífico. Duas faces de uma

mesma interpretação religiosa: o católico enquanto seguidor de Cristo através da pratica da caridade, não menos

religioso, de ser imortalizado senão pela Igreja, pela sociedade civil (RIGOLO FILHO,2006,p.22). 34

Dom João Batista Correa Nery nasceu em 6 de outubro de 1963, em Campinas (SP).Entrou para o seminário

diocesano de São Paulo em 4 de outubro de 1880. Deu-se sua ordenação sacerdotal pela imposição de Dom Lino

Deodato Rodrigues de Carvalho em 11 de abril de 1886. Após lecionar no Seminário foi nomeado Vigário

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1894, estendendo-se até sua atuação como primeiro bispo de Campinas entre 1908 e 1920. A

ligação de Rezende Martins com esse prelado render-lhe-ia a sua aproximação ao paradigma

do catolicismo social, apregoado desde a publicação da Rerum Novarum, documento

pontifício escrito por Leão XIII em 1891, e a sua primeira iniciativa no apostolado leigo

feminino, como vice-presidente da Associação das Mães Cristãs, entidade fundada a dois de

fevereiro de 1905 sobre iniciativa do então ainda pároco Francisco de Campos Barreto36

.

Em Campinas, especificamente, a história da igreja católica no final do século XIX até

os primeiros anos do século XX, foi marcada por alterações e inovações que, no conjunto

representaram um primeiro momento de reforma frente aos desafios do novo contexto

social37

.

Segundo Vale et al. (2004) a reforma católica foi originada na Europa como uma

reação às revoluções liberais que , em meados do século XIX, agitaram a política dos países

europeus e até o próprio Vaticano, constituiu-se em um movimento que condenava tanto o

capitalismo e a ordem burguesa, que se assentavam nos princípios do liberalismo. Tratava-se

de desenvolver esforços no sentido de reformulações política e administrativa voltadas para a

ampliação do poder de Roma sobre questões de liturgia, disciplina e nomeações, além de

Colado da Matriz Velha (Nossa Senhora do Carmo de Santa Cruz), em conformidade com o sistema de Padroado

então vigente no período. Permaneceu como vigário de 1887 a 1894. Em 27 de setembro de 1889, foi nomeado

Cônego Honorário do Cabido Diocesano de São Paulo. Em 1894 foi nomeado Vigário Colado da Paróquia de

Nossa Senhora da Conceição em substituição do Cônego Cipião Ferreira Goulart. Em 28 de agosto de 1896 foi

eleito Bispo do Espírito Santo, pelo Papa Leão XIII, ingressando na catedral de Vitória em 23 de maio de 1897,

permanecendo até 1901. Posteriormente D. Nery seria bispo de Pouso Alegre, Sul de Minas, permanecendo até

tomar posse em 01 de novembro de 1908 da Diocese de Campinas, onde permaneceu até 1920. Dom Nery

faleceu aos 57 anos, vítima de enfermidade hepática, em 01 de fevereiro de 1920. Ver: Capelato (2013); Vale et

al.(2004); Brito (2007) e Rigolo Filho (2006). 35

Atual Paróquia Nossa Senhora do Carmo. Importante ressaltar que a matriz da primeira paróquia de Campinas

(Nossa senhora da Conceição) foi a chamada Matriz Velha, atual Igreja Nossa senhora do Carmo. Em 18 de abril

de 1870 por ato do presidente da província, dr. Antônio Cândido da Rocha a paróquia Nossa Senhora da

Conceição foi dividida em duas: a paróquia do lado Norte Nossa Senhora do Carmo de Santa Cruz na Matriz

Velha e a do lado Sul, a Matriz Nova (atual Catedral Metropolitana de Campinas), em processo de construção,

passou a sediar a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Ver Capelato (2013,p.4); Vale et al. (2004). 36

Dom Francisco de Campos Barreto nasceu em 28 de março de 1877, no antigo Arraial dos Souzas, município

de Campinas (SP).Acólito da Escola Paroquial da Matriz da Santa Cruz, criada pelo então na época padre João

Batista Nery. Foi ordenado sacerdote aos 23 anos, a 22 de dezembro de 1900, na velha Sé de São Paulo por Dom

Cândido de Alvarenga, sendo pouco tempo depois Paróco de Americana (SP). Em 1904 foi nomeado vigário da

Matriz da Santa Cruz, em Campinas, em substituição de monsenhor Ribas d’ Avila. Em 9 de março de 1908 foi

nomeado Mons. Camareiro Secreto Extra Numerário por Papa Pio X e, nesse mesmo ano foi nomeado por Dom

Neru Cônego Arcipreste do Cabido Diocesano, Examinador Pró-Sinodal e dos Sacerdotes Novos e Substituto do

Presidente do Tribunal Eclesiástico. Em 1911 foi eleito bispo da recém criada Diocese de Pelotas, no Rio Grande

do Sul, permanecendo por 9 anos.Com o falecimento de Dom Nery em 1920, retornou a Campinas e foi

nomeado pelo Papa Bento XV pelo ato de 30 de junho desse ano como seu Sucessor, onde permaneceu por vinte

anos (1921-1941). Dom Francisco faleceu em Campinas, aos 64 anos, em 22 de agosto de 1941. Ver: Vale et

al.(2004, p.591-592). 37

Para Vale et al.(2004,p.52) a religião ou a igreja católica em particular não são uma dimensão fora da

sociedade, com a qual estabelecem uma relação de exterioridade. Trata-se de um elemento constitutivo da ordem

social que responde também aos o impactos das mudanças e transformações em estava passando a sociedade

campineira neste período.

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valorizar e reforçar a autoridade do Papa (VALE et. al.,p.59). No Brasil, este movimento teve

início por volta de 1844 e se estendeu até mais ou menos, 1926 (VIEIRA,D.R.2007). Para

Luciano Dutra (2007), esse movimento de reforma do catolicismo no Brasil teria sido

marcado por diferentes componentes, dentre os quais destaca:

O concílio Vaticano I, a proclamação do dogma da infalibilidade papal, a

publicação do Syllabus, a fundação em 1854 do Colégio Pio Latino-

Americano em Roma, a formação de clérigos embalados em tais marcos,

dentre os quais serão indicados os novos bispos do Brasil e, por fim, a

extinção do padroado e conseqüente separação entre a igreja e o Estado com

a proclamação da República (...)(DUTRA, 2006,p.28).

Tais componentes, aliados ao crescimento do protestantismo, do espiritismo, da

maçonaria e o fato das ideias positivistas estarem aparecendo como uma revolta contra a

hierarquia eclesiástica, foram motivos para que a Igreja reagisse estrategicamente para

recuperar o domínio do campo religioso. E se por um lado, o decreto provisório nº119-A, de

janeiro de 1890, de autoria de Marechal Deodoro da Fonseca, que separou a Igreja do Estado

significou a perda do status de religião oficial, assim como, deixou-a desprovida dos

dividendos antes previstos no orçamento imperial, por outro, assegurou a Igreja católica

“certa somma de liberdades como ella nunca logrou no tempo da monarchia”(FILHO apud

BRUNEAU, 1974,p.67).

Destaque para o empenho na criação de novas dioceses no período republicano. Se

em 1889 havia apenas onze dioceses e uma arquidiocese, nas quatro décadas que vão de 1890

até 1930 “foram criadas 56 dioceses, 18 prelazias e 3 prefeituras apostólicas, para as quais

foram designados aproximadamente 100 bispos” (MICELI, 2009,p.58) Luciano Dutra (2007)

ressalta ainda que nas análises sobre a história da Igreja Católica no Brasil, autores como

José Oscar Beozzo, Pedro A . Ribeiro de Oliveira e Riolando Azzi entre outros, assinalam

este movimento como um processo de “romanização” do catolicismo brasileiro , que teve

como características a reação de parte do clero, ao caráter cada vez mais regalista do

catolicismo do Império, o investimento na formação moral do clero através da criação de

seminários e das constantes visitas pastorais, a defesa das ordens religiosas, bem como a

tentativa de se criar no Brasil uma nova Igreja, de caráter apostólico-romano e sob inspiração

tridentina substituindo-se assim o catolicismo popular.

A utilização do termo romanização teria, nas visões de Luciano Dutra (2007) e Ítalo

Santirocchi (2010), se constituído enquanto um paradigma a partir do qual todas as ações

relativas ao movimento de reforma da Igreja e do catolicismo no Brasil no século XIX

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passaram a ser vistos, simplificando e construindo um senso comum acadêmico para designar

um fenômeno extremamente complexo. Santirocchi (2010) afirma que o conceito é restritivo

e que além de não englobar a complexidade do processo histórico ao qual se refere, está

excessivamente carregado de interpretações que extrapolam para posicionamentos ideológicos

e políticos empenhados (SANTIROCCHI, 2010, p.32). Para Dutra (2007) quando se fala em

reforma, “está implícito a conservação do existente e a retirada de algo que descaracteriza o

objeto ou, de detalhes lhe tiram a originalidade ou mesmo eficiência”(DUTRA, 2007,p.37-

38). Assim, mais do que falar de um processo de romanização do catolicismo brasileiro no

final do século XIX até meados do XX, parece-me mais apropriado falar em um contexto de

reforma católica.

Contudo, Luciano Dutra esclarece que este processo de reforma ou que

"convencionalmente alguns autores chamaram de “romanização”38

(2007,p.28) não foi

tranquilo e muito menos homogêneo. Seguindo esta mesma perspectiva, Santirocchi (2010)

disserta que ao pesquisar no Arquivo Secreto Vaticano e ao confrontar as instruções e ordens

enviadas por Roma ao representante no Brasil e aos bispos brasileiros, encontrou conflitos,

divergências, e resistência entre bispos, governos, ordens religiosas e a Santa Sé, não havendo

uma execução programada de decretos de Roma, por exemplo. Para os autores Santirocchi e

Dutra, tanto os bispos, como as ordens religiosas e os leigos não foram simplesmente

“agentes de Roma”, ou “executores das ordens vindas de cima”, mas sim, complexos

personagens históricos que dialogaram constantemente com o centro da sua Igreja, que era a

Santa Sé, e juntos, mas não sem divergências, implementaram uma reforma e um claro

posicionamento frente a sociedade de seu tempo (SANTIROCCHI,2010,p.33).

No obstante, a complexidade deste universo religioso será incorporado

paulatinamente na cidade campineira . Para Vale et al. (2004) a reforma não provocou uma

ruptura ou combate com a prática popular da religião católica, por exemplo. Ao contrário, por

muito tempo, ambas coexistiram e foram praticadas concomitantemente.

Parafraseando Pedro Rigolo Filho, não existiu uma cultura dominante e uma cultura

popular, mas uma amálgama de ambas (2006, p.81).

Digno de menção é o depoimento de Amélia de Rezende Martins sobre as festividades

“religiosas, patrioticas, populares”(MARTINS, 1939,p.136) no período de sua infância:

As procissões sempre mereciam o maior respeito na piedosa cidade, assim

como as festas da Semana Santa(...) As senhoras faziam vestido preto novo

38

Sobre esta questão ver também: VIEIRA,D.R. (2007).

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para as festas, e a Matriz Velha regorgitava de gente! (...)No sábado de

Allelluia a criançada malhava o Judas, boneco de panno de tamanho natural,

amarrado no alto de um mastro escorregadio(...) As festas de São João eram

todas nas fazendas, e então a cidade ficava deserta. Mas a grande festividade

Campineira era a “Festa do Divino”, na semana do Espirito Santo

(MARTINS, 1939,p. 136-137).

Segundo Vale et al.(2014) foi João Batista Corrêa Nery, ainda como vigário da

Matriz Santa Cruz que teve a missão inicial de “normatizar” a vida religiosa na cidade de

Campinas: “aproximando a vivência popular da religião católica e a prática da doutrina oficial

da Igreja católica”(VALE et al.,2004,p.64).

Nesta reforma padre Nery, no entanto, não estaria sozinho. Para além do apoio e da

interlocução de algumas lideranças eclesiásticas do país, o padre e futuro primeiro bispo de

Campinas, contaria também com uma grande adesão popular – materializada nos movimentos

leigos criados em Campinas sob a tutela do prelado e de outras lideranças católicas da cidade

– além do apoio de políticos, fazendeiros e profissionais liberais campineiros proeminentes no

cenário republicano.

Conforme assevera Rigolo Filho (2006) “nenhuma obra idealizada por D. Nery foi

realizada sem apoio de algum patrocínio econômico”, ou então o seu projeto, por si só, “não

conseguiria se impor se não tivesse havido uma demanda religiosa, na qual muitas pessoas

passaram a compartilhar daquela eclesialidade”(RIGOLO FILHO, 2006,p.33)39

.

E isso tem um grande significado, já que nesse processo, uma figura feminina iria

despontar como liderança capaz de canalizar tais interesses e de falar em nome da instituição.

Além do lar, Amélia de Rezende Martins agiria na cidade e o inventário de suas intervenções

seria longo.

É provável que a aproximação de Amélia de Rezende ao padre Nery tenha se dado

entre 1889 a 1894 , anos em que se abateram sobre a cidade as epidemias de febre amarela.

Nesta ocasião do surto, o cônego João Baptista Nery ainda vigário da Matriz Santa Cruz, alia-

se à campanha iniciada por Maria Umbelina Alves Couto, para a criação de uma instituição

para abrigar e educar as crianças que perderam os pais na epidemia40

.

39

A encíclica Litteras a Vobis, promulgada pelo Papa Leão XIII em 1894 , traz elementos importantes sobre a

situação da Igreja católica no Brasil, nela é possível observar que a militância católica não deveria ficar restrita

apenas ao clero. Leão XIII na carta diz: “Finalmente é necessário que todos os católicos lembrem que para a

Igreja interessa muitíssimo quais homens sejam admitidos na assembleia legislativa; e, portanto, sem violar o

direito das leis civis, é necessário que todos juntos se esforcem por eleger com o sufrágio geral pessoas tais que

unam ao amor pelo Estado o zelo provado pela religião”(MARIN, 2005, p. 578). 40

De acordo com Lapa (2008) o Liceu proporcionava aos órfãos educação elementar e profissional, através das

oficinas de tipografia, alfaiataria, carpintaria e sapataria. Anexa a instituição, na sequência do 1º Congresso

Eucarístico foi criada a Escola Agrícola.

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E nesta “Campanha bemfazeja, levantada pelo inolvidável Conego João Baptista

Corrêa Nery, que tinha por objetivo a construção de um Lyceu de Artes e Officios, na qual

aquelle virtuoso sacerdote encontrou dificuldades quase insuperáveis”(MARTINS,

1939,p.135), foi justamente o Barão Geraldo de Rezende e a Baronesa, com apoio de

Francisco de Miranda, que fizeram a doação do terreno, 43.443 metros quadrados no alto do

Guanabara, para a construção de um prédio para abrigar os órfãos.

A “chefia da generosa empresa” ou “padre Nery”(MARTINS,1939,p.404), não

passaria despercebido por Amélia de Rezende Martins, que aos treze anos , ainda como

menina, alegou sentir felicidade em “poder prestar serviço, tendo nas mãos a possibilidade

de dar alívio ao proximo” (MARTINS, 1939,p.404), em uma obra cujo o nome de padre Nery

“resplandece com um fulgor todo especial” (MARTINS, 1939,p.406).

Em 1893, o Padre Nery iniciou a busca de contato com os salesianos para assumirem a

obra. Assim, tendo, em 1896, o então padre Nery sido nomeado bispo da diocese do Espírito

Santo pelo Papa Leão XIII, acelerou a obra e inaugurou em 25 de julho de 1897, entregando

a direção a congregação (VALE et.al.,2004,p.448). Segundo Rigolo Filho (2006) o que

levou, o então padre Nery a escolher os salesianos foi por que os ideais de D. Bosco

poderiam ser associados a seu empenho pela consolidação de uma cultura católica e as obras

sociais.

Para Rigolo Filho (2006) é justamente o fascínio que o carisma salesiano exerceu

sobre D. Nery que permite compreender seu universo religioso e o interesse pela prática

social e política da Igreja .

Importante destacar, em consonância com os autores Capelato (2013), Rigolo

Filho(2006) Vale et al.( 2004) e Brito (1999) que a preocupação com as questões sociais foi

uma marca característica da trajetória do padre Nery, desde seu ingresso na paróquia Nossa

senhora do Carmo de Santa Cruz até seu episcopado em Campinas. Sobre essa questão,

escreve Pedro Rigolo Filho:

Embora, D. Nery tenha, ainda, vivido sob os pontificados de Pio X e Bento

XV, pode-se afirmar que sua maneira de pensar e de agir foram pautadas

pela compreensão do mundo e da Igreja do papa Leão XIII. Isso fez com que

D. Nery incorporasse grande parte da doutrina daquele papa, conhecido

como papa diplomata e grande promotor da Ação Social da

Igreja(...)(2006,p.123)

Rigolo Filho (2006) revela ainda que D. Nery, como primeiro bispo de Campinas,

escreveu diversas cartas pastorais, especialmente para divulgar a doutrina social da Igreja. O

autor salienta que em sua primeira carta Saudando Seus Diocesanos (1908), D. Nery indicou

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que a Ação Social da igreja seria o programa fundamental do seu governo. Nesta mesma

carta, D. Nery sugeria que as paróquias deveriam formar associações para todos os segmentos

sociais, principalmente para os trabalhadores; identificou os socialistas e comunistas como

inimigos da nação, assim como fez uma apologia da caridade como guia da sociedade cristã ,

indicando que “a sociedade somente seria curada pelo regresso à vida e as instituições do

cristianismo”(RIGOLO FILHO, 2006,p.136).

Com apenas três anos em Campinas, D. Nery promoveu o Primeiro Congresso

Diocesano. Ele foi realizado entre 27 e 30 de abril, no Externato São João. Em linhas gerais,

o encontro teve dois objetivos: o primeiro, o de regular a pastoral na diocese recém criada e o

segundo, o de promover a Ação Social da Igreja. Conforme evidencia Pedro R. Filho:

A ênfase dada pelo bispo e pela equipe que, supostamente, o ajudou a

preparar o Congresso Diocesano demonstra que a finalidade daquele

encontro era fazer a jovem diocese entrar na dinâmica pastoral, definida

pelas Conferências Meridionais. D. Nery pretendeu fazer os congressistas

assumirem a Ação Social da Igreja, a mais recente proposta da Igreja que

fora definida pelo papa Leão XIII. Era uma oportunidade ímpar para

“conscientizar” os membros do Congresso e a sociedade campineira de que a

Igreja tinha respostas para os problemas sociais (2006,p.49).

Capelato (2013) complementa ainda que em 1913, D. Nery escreveu a carta pastoral

“sobre a atuação do clero desta diocese nos tempos atuais”, manifestando novamente a sua

preocupação pastoral em campo social, especialmente junto ao operariado; salvaguardando os

valores cristãos diante dos riscos do pensamento socialista:

Nenhuma questão apaixona tanto os ânimos na hora presente como a

chamada questão social, e embora os governos se preocupem com alianças e

tratados que lhes garantam expansões e hegemonias, é um fato que o povo, à

grande massa anônima se agita e se revolve mais diante de um novo projeto

de legislação social, de qualquer coisa que concorra para a reivindicação de

seus direitos, para melhoria do trabalho, para mais equitativa harmonia entre

ele e o capital(...) entre todas as obras sociais, cumpre animar sobretudo a da

formação e da educação da consciência política dos católicos(...)

(CAPELATO, 2013,p.8)

Através ainda das verificações feitas por estes pesquisadores, é possível constatar que

D. Nery foi produto e produtor de uma cultura pautada na doutrina social defendida pela

Igreja naqueles tempos, que sem dúvida, foi partilhada por muitos indivíduos na cidade

campineira. De acordo com Rigolo Filho (2006) D. Nery sempre deixou claro que acreditava

que a Igreja era formadora de uma opinião católica.

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Mais especificamente, trata-se de uma cultura política que lançava suas raízes no

confronto dos católicos com os valores emergentes da Revolução e do liberalismo ao longo de

todo o século XIX, bem como da resposta dada por alguns intelectuais católicos aos novos

desafios lançados pela Proclamação da República e fim do padroado no Brasil.

Evidentemente a retomada dessas matrizes culturais políticas também constituíam uma

resposta ao crescimento e organização do movimento operário brasileiro no primeiro quarto

do século XX. Naquele momento sérias tensões sociais agitavam o país. Em abril de 1906,

por exemplo, foi realizado o Primeiro Congresso Operário Brasileiro com forte predomínio de

anarquistas estrangeiros, no mesmo ano ocorreu uma greve geral dos ferroviários paulistas,

tendo 15 dias de duração. Em 1907, foi aprovada a Lei Adolfo Gordo, legalizando a expulsão

de estrangeiros acusados de atentar contra a segurança do país e impedindo a participação nas

diretorias sindicais dos não naturalizados ou que estivessem no Brasil há menos de cinco

anos. Por outro lado, convém ressaltar em consonância com Lapa (2008), que neste período

em que atuou D. Nery, a cidade de Campinas viu-se empenhada em administrar sua pobreza.

Para o autor é na primeira década do século XX que se assiste uma aceleração ou

multiplicação de iniciativas institucionais em favor da pobreza, quer sob a liderança de

diferentes religiões, quer pela iniciativa privada, ou pelo Estado, muitas vezes consorciado

com aquelas. É a época dos asilos41 e associações, tantos quanto necessário, afirma o autor,

pois essas instituições “parecem por excelência assegurar a continuidade, a sistematização, a

normatização e o reaproveitamento, quando possível, dos excluídos do sistema, oferecendo,

portanto, a assistência social”(LAPA,2008,p.46).

Segundo Lapa (2008), esses asilos e/ou associações, como por exemplo, a Associação

São Vicente de Paulo (1891) - uma iniciativa de Nery, ainda enquanto cônego, com o padre

Camilo Passalacqua - tinham a finalidade de administrar a pobreza em suas manifestações ou

inércia, tidas de qualquer maneira como deletérias, mas também, “financiadas e legitimadas

por um amplo sentimento de caridade e solidariedade humanas, capazes de redimir e abrir

caminho para a salvação”(LAPA, 2008,p.50). Para o autor, o adestramento profissional, a

alfabetização, a educação, a higiene pessoal e coletiva perpassavam estruturalmente o ideário

dessas instituições, que se propunham a incluir os excluídos, “desde que naturalmente postos

41

De acordo com Lapa (2008), os asilos datam presença na cidade campineira desde o século XIX. Segundo o

autor, a cidade já contava com “o Asilo de Leprosos (1863), o Asilo de Orfãs da Santa Casa(1878), a

Hospedaria de Imigrantes (1891?) e o Liceu de Artes e ofícios(1897), e, na primeira década do século XX, a eles

se juntaram o Serviço de Identificação de Mendigos (1902), o Albergue Noturno (1904), o Asilo de Inválidos

(1905) e o Asilo de São Vicente de Paulo (1908)”(LAPA, 2008,p.46).

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em seus devidos lugares”, que não viessem a “comprometer o status e o poder dos que

comandam esse processo” (LAPA, 2008, p.46). Dito de outra maneira,

a obra social que Estado e Igreja se propõem a executar, para poder opor-se

com veemência à utopia socialista, que vem então num crescendo, oferece o

paraíso também, desde que respeitada a estratificação social vigorante, i.e,

ao pobre será dado sobreviver com dignidade, melhorar seu padrão de vida,

adquirir a moral que lhe falta, sem com isso quebrar a hierarquia social na

qual está posto ou que foi imposta. Era preciso fazer crer que a luta de

classes com a consequente igualdade social ou Democrata Socialista, a

inadmissão da gerarchia traz ou o abaixamento das classes superiores ao

nível dos inferiores, o que é inadmissível, ou a elevação destas ao alto

daquelas, o que seria desarmonia de usos, de costumes, de educação e de

vida e a consequente confusão social (LAPA, 2008,p.46).

A vista destas considerações, é provável que D. Nery ao divulgar sua doutrina social

tenha contribuído para a configuração de uma experiência geracional católico-social no

Brasil, particularmente em Campinas, cujo “acontecimento fundador”(SIRINELLI,

2003,p.237) pode ter sido a Proclamação da República, já que o acontecimento provocou

profundas mudanças com fortes repercussões entre os católicos, onde novas gerações

começavam a marcar a evolução da sociedade e do catolicismo.

Rezende Martins pertenceu a essa geração de católicos sociais, e, certamente parte de

seu pensamento e de suas ações foram também definidos por referência à essa herança

cultural, pelas experiências por ela compartilhadas dentro da cidade, mas também, por sua

adesão junto a outros intelectuais ao movimento católico pregado por D. Nery, em

estruturas que compartilhavam ou secretavam os chamados “microclimas” – “à sombra dos

quais a atividade e o comportamento dos intelectuais envolvidos frequentemente apresentam

traços específicos”(SIRINELLI, 2003,p.252).

Pode considerar-se que a vida socio-religiosa neste período forneceu um alargamento

de horizontes para uma jovem como Amélia de Rezende, arreigando-lhe ainda mais as suas

convicções pelas relações pessoais por ela estabelecidas. Não é casual a referência a Dom

Nery. No meio intelectual, de acordo com Sirinelli, os processos de transmissão culturais são

essenciais; um intelectual se define sempre por referência a uma herança, como legatário ou

filho pródigo: quer haja um fenômeno de intermediação ou, ao contrário, ocorra uma ruptura,

o patrimônio dos mais velhos é portanto, elemento de referência explícita ou implícita (2003,

p.254-255).

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É arriscado fazer afirmações definitivas sobre os móveis da politização dos

intelectuais católicos no período. Porém, no caso de Amélia de Rezende Martins é notória a

influência exercida por D. Nery em sua trajetória.

Amélia de Rezende Martins se autoproclamou como “filha espiritual” do bispo. O

discurso pronunciado na festa das “Bodas de Rubi do Lyceu de Nossa Senhora Auxiliadora”

em cinco de setembro de 1937, a convite do padre salesiano Emilio Miotti, é explícito neste

sentido, além de que, nos permite mostrar também uma outra auto-representação: a filiação

de Rezende Martins ao grupo de colaboradores salesianos. Amélia de Rezende Martins, disse

o seguinte preâmbulo:

Com o coração batendo forte dentro do peito, com a emoção que não sei

como tive coragem de enfrentar, atendo ao chamado do Revmo. Padre

Director do Lyceu de Nossa Senhora Auxiliadora,- que um chamado, foi

atencioso convite formulado em sua carta-(...) É no caracter da maior doçura

que aqui me tendes, Revmos. Salesianos, meus amigos, e amigos de minha

familia toda...aqui me tendes no triplice caracter de filha: filha de Nossa

Senhora Auxiliadora, a Mãe amorosissima de todos nós, e, muito

especialmente, da benemerita Congregação Salesiana; filha desta terra, meu

berço natal, onde dormem aquelles que me deram o ser; filha espiritual tanto

do 1º Bispo de Campinas, cujo nome, nesta festa comovedora, resplandece

com um fulgor todo especial, quanto do preclaro actual antistete, que

constitúe, para todos nós, um patrimônio de felicidade!(MARTINS, 1939,

p.406).

Complementarmente saliento, que esta identidade confirmada no catolicismo de

Rezende Martins, foi “revitalizada”(BERGER e LUCKMANN, 1996,p.206) também por

outro acontecimento em sua trajetória, que vale a pena mencionar. Com vimos, em 1894,

Amélia de Rezende Martins contando apenas com 17 anos, casa-se, em 10 de novembro, com

Dr. João de Assis Lopes Martins, “conceituado médico em Campinas e fervoroso

católico”(Diário do Povo, Campinas, 18 abr.1948,s.p.). Segundo Rezende Martins, tanto Dr.

João de Assis quanto o seu pai eram “amigos sinceros dos Salesianos” e estavam sempre

prontos para cooperar “com os admiráveis filhos de Dom Bosco” (MARTINS, 1939,p.406).

No artigo do jornal A Cruz, datado de 4 de abril de 1964, sob título Centenário do

Nascimento do Dr. João de Assis Lopes Martins, Orlando Chaves bispo de Cuiabá (1956-

1981), definia aquilo que, de certo modo, se pode considerar o núcleo central do perfil de

João de Assis como católico:

Nascido no dia 15 de abril de 1864 este grande católico merece ser lembrado

nas páginas “ A CRUZ” no seu centenário. Católico fervoroso de Missa e

Comunhão diárias (...)cooperou com o Cardeal Leme na construção do

Cristo Redentor do alto do Corcovado, no Rio de Janeiro. Cooperador

Salesiano dedicado foi o braço direito do Diretor Salesiano Padre Dianisio

Giudici na organização do mencionado Liceu de Nossa Senhora Auxiliadora

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de Campinas. Não só, mas distinguiu-se pelo dedicado apoio dado a Dom

Pedro Massa, Prelado missionário das Missões do Rio Negro, no Amazonas.

Como católico ilustre foi Grão Bailio da Ordem Jerosolimitana no Brasil.

Ele era presidente da Conferência Vicentina do Santuário de Nossa Senhora

Auxiliadora, por ele fundado. (...) Os filhos educados, por sua progenitora

que foi modelo de mãe cristã e de cooperadora salesiana, principalmente

como escritora, e por um tão digno pai, continuam até hoje as tradições da

família de dedicação aos seus bispos, de cooperação com as Obras

Salesianas e de ajuda aos pobres (A Cruz, 4 de abr. de 1964,s.p.).

Vale et al. (2004) acrescenta ainda que, João de Assis Lopes Martins, foi aquele que,

ao lado de outras figuras expressivas da cidade de Campinas, como Francisco Glicério César

Bierrenbach, Orozimbo Maia, Júlio Frank de Arruda , Antônio Carlos do Amaral Lapa,

Roque de Marco, Antônio Benedito de Castro Mendes, e sob liderança de Dom Nery e do

padre Francisco de Campos Barreto, movimentou-se no sentido de tornar realidade a

proposta de criação da Diocese de Campinas, a qual a Santa Sé não considerou oportuna,

entre outras razões, por ser Campinas cidade muito próxima de São Paulo.

De acordo com Capelato (2013), o processo desencadeado para que Campinas fosse

constituída Diocese , através de um pedido formal desses representantes (sacerdotes e leigos)

ao Papa Pio X, foi complexo. A questão foi longamente discutida na Sagrada Congregação

dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários (AA.EE.SS.) entre os anos de 1903 e 1908.

Tornando-se realidade apenas em 7 de junho de 1908, por meio do decreto

Consistorial intitulado Dioecesium nimiam amplitudinem, pela qual criava a nova província

eclesiástica de São Paulo, tendo como dioceses sufragâneas Curitiba e as cinco novas dioceses

paulistas de Taubaté, Campinas, Botucatu, São Carlos e Ribeirão Preto. Para o autor, foi sem

dúvidas a participação de D. Nery e dessa comissão composta por nomes influentes da cidade

e da política local no processo , que determinou a elevação de Campinas a diocese. Fato que

corrobora substancialmente à afirmação já mencionada de Dutra (2006) e Santirocchi (2010),

de que tanto os sacerdotes quanto os leigos não foram “executores de ordens vindas de cima”.

Diga-se ainda que, a ideia da criação da Diocese em Campinas partiu de um movimento no

interior da cidade, de exigências reais e palpáveis nascidas da normal administração de seus

prelados, que naquele momento desejavam implementar uma reforma para manter e ampliar

a presença da Igreja na sociedade.

Vale mencionar que neste período em que se tramitava a elevação de Campinas à

Diocese, em que D. Nery atuava como bispo de Pouso Alegre (1901- 1908) estava à frente da

Paróquia de Santa Cruz o Padre Francisco de Campos Barreto , acólito formado na Escola

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Paroquial de Santa Cruz fundada por Nery, e, ressalta-se, grande amigo de Dr. João de Assis

Martins.

Como vimos, Padre Francisco de Campos Barreto foi um colaborador junto a D. Nery

no processo de elevação de Campinas à Diocese e, portanto, colaborador do processo de

reforma também. De acordo com José Pedro Soares Martins (2010), um dos caminhos

trilhados nesse sentido pelo padre foi o seu incentivo para a maior participação da

comunidade católica no mundo dos meios de comunicação que começavam a ter cada vez

mais grande protagonismo na cidade campineira. Assim, logo nos primeiros dias que se

seguiram à posse do padre Barreto na paróquia de Santa Cruz, a 18 de dezembro de 1904, teve

início a publicação do Mensageiro Parochial (MARTINS,2010,s.p.). No dia dois de fevereiro

de 1905 foi criada em Campinas, a representação local da Liga da Boa Imprensa que tinha

como objetivo apoiar e sustentar a publicação do Diário Católico, que já circulava em São

Paulo e em todo país. Segundo o autor, a diretoria era composta pelo presidente dr. João de

Assis Lopes Martins, o então, militante católico e já mencionado marido de Amélia de

Rezende Martins, seguido de Luiz José Pereira de Queiroz como vice, dr. Antônio Rodrigues

de Melo, secretário, dr. Octavio Marcondes, tesoureiro, e Benedito Octavio, 2o secretário,

tendo como assistente eclesiástico o próprio padre Francisco de Campos Barreto. A inserção

de João de Assis na presidência da Liga da Boa Imprensa possibilitou estreitar os laços de

sociabilidade entre o prelado e Amélia de Rezende Martins, que agora aos vinte oito anos,

sentia a necessidade de atuar mais decisivamente em favor da Instituição.

Assim, a dois de fevereiro de 1905, o padre Barreto funda a Associação das Mães

Cristã tendo na sua diretoria, como vice presidente, Amélia de Rezende Martins.

De acordo José Pedro Soares Martins (2010), a Associação das Mães Cristãs tinha

como objetivo a promoção de reuniões, a participação em missas e orações como meio para

conseguir a disseminação da fé no meio das famílias. A associação era vinculada à

Arquiconfraria de Paris, sob título de Nossa Senhora do Carmo, e teve como principal

padroeira Santa Mônica.

Louis-Marie de Bazelaire, arcebispo de Chambéry, em sua obra, Os leigos também

são a igreja de 1960, afirmou que, no curso da história católica, a Igreja pôs em evidência

alguns “tipos femininos” como forma de demonstrar que as mulheres cooperam tão

eficazmente quanto os homens na sua expansão. Eis a “virgem cristã”, a “esposa cristã” como

Santa Clotilde, que trouxe a fé cristã ao seu marido Clóvis, a “viúva cristã” à qual São Paulo

já aconselhava tão judiciosamente, desejando vê-la dedicar a sua vida à oração e às obras de

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misericórdia (BAZELAIRE,1960, p.82). Para o autor o apostolado feminino terá sempre

como referência algum “tipo feminino” que servirá de modelo para a atuação das mulheres na

instituição. No caso da Associação das Mães Cristãs, o tipo que prevalece é o da “mãe

cristã”, aquela cuja oração e lágrimas garantem a fidelidade para seus filhos ou a sua

conversão:

É uma Santa Mônica que não desanimava, chorando e rezando sempre,

implorando a Deus a conversão do futuro Santo Agostinho, e que mereceu

estas palavras do bispo a quem confiava suas angústias: “Não é possível que

o filho de tal mãe seja perdido!” (...)E mais perto de nós, a mãe de João

Bosco, “Mamãe Margarida”, que na noite da ordenação sacerdotal de seu

filho, lhe predizia: Lembra-te, meu filho, do que vou te dizer: “Celebrar a

missa, é começar a sofrer” (BAZELAIRE, 1960,p.82).

Foi nessa perspectiva de “mãe cristã” que Amélia de Rezende Martins deu seus

primeiros passos no movimento de reforma católica na cidade campineira. Seu papel fora o

apostolado através do ensino dos valores católicos em todo ambiente que viesse ocupar. Sua

missão não era diferente da de seus grandes mestres da catequização: converter e educar

almas ao catolicismo, educar futuros militantes e aspirantes intelectuais católicos para suas

ações na sociedade brasileira em áreas de interesse da Igreja para defender e representá-la ,

como uma boa “ mãe cristã” que converte os filhos.

Amélia de Rezende Martins entregou-se à fé, não apenas parcialmente, mas com o que

é subjetivamente a totalidade da sua vida. Pode-se dizer que a sua socialização neste contexto

citadino, cultural e religioso adquiriu uma carga de afetividade de tal grau que a imersão na

nova realidade e o devotamento a ela foram institucionalmente necessários, ao ponto

conforme afirma, Aline Coutrot (2003), de subtender suas atitudes sociais e políticas.

Devotamento esse que faria com que, aos 41 anos, já residindo no estado do Rio de

Janeiro, Amélia de Rezende Martins se destacasse como uma intelectual engajada no militante

movimento católico que se organizou na cidade, sob os auspícios de Dom Sebastião Leme da

Silveira Cintra (1882-1942). E uma marca característica de sua atuação será o empenho pela

consolidação de uma cultura católica com as obras sociais. Conforme bem definiu Soares D’

Azevedo:

“Neste velho Brasil só faz alguma coisa, em assumpto de acção social

catholica, quem tem uma vontade de aço para querer(...) Amelia de Rezende

Martins. Podia-ser, e sêl-o perfeitamente, a cabeça de um movimento

feminino que arrastasse atraz de si todos os valores enfeixados em mãos de

mulheres catholicas brasileiras”(A União, Rio de Janeiro, 8 de abril de

1920,p.1).

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2. “A CRUZ DE CHRISTO” NO CAMPO, NAS FÁBRICAS E NAS ESCOLAS: O

PENSAMENTO CATÓLICO SOCIAL DE AMÉLIA DE REZENDE MARTINS.

Este capítulo examina as principais características do pensamento católico social presente

em Amélia de Rezende Martins. Interessa-nos, mais de perto, acompanhar a ação mediadora

de Rezende Martins na apreensão e veiculação de uma cultura política associada à pregação

da dimensão social da Igreja Católica presente na Encíclica Rerum Novarum (1891).

Para tanto, procuramos compreender seu pensamento acerca dos problemas que

afetavam o operariado no Brasil por meio da análise de três obras publicadas entre os anos de

1918 e 1924: Reflexões sobre o momento social (1918), Complementos sobre o momento

social (1919) e A mulher e o feminismo(1924). A importância de tais títulos para pesquisa

escora-se, em ampla medida, na sua interligação e continuidade. Para Rezende Martins, esses

três trabalhos se complementavam, na medida em que vislumbrava neles um aprofundamento

e, uma certa evolução, no modo que colocava os problemas, destacando a importância que

conferia à questão social enquanto articulação entre organização da sociedade, indivíduo e

religião.

Propomos, ainda, analisar brevemente o contexto histórico nacional no início do

século XX, especialmente em relação aquilo que os intelectuais católicos e as autoridades

públicas brasileiras no geral denominaram como sendo a “questão social” , para compreender

as questões políticas, sociais e intelectuais que motivaram Amélia de Rezende Martins a

projetar possíveis soluções para os problemas sociais, identificando as ideias que defendeu,

evidenciando seus traços análogos ou divergentes entre os demais projetos, então em

circulação no período proposto.

A solução da “questão social” para Martins estava atrelada a um controle social e

disciplinar da vida pública e privada, dadas as novas normas capitalistas que se impuseram à

população, procurando racionalizar o uso do espaço, introduzir e regulamentar padrões e

comportamentos por meio de normas de higiene, de moral cristã e atividade profissional no

campo. Para Martins, não se podia viver impunemente na cidade. O lazer, o uso das horas de

trabalho e o ócio deveriam ser disciplinados tendo em vista o bem estar de todos brasileiros,

só que com uma particularidade: que esse processo fosse de maneira distinta sobre

“civilizados” e “degenerados”(MARTINS,1918). Nesse panorama, o capítulo se atêm em

verificar como Martins estabeleceu para ambos - ricos e pobres- as regras desse convívio na

sociedade.

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2.1.A chamada “Questão Social”

Promettem os homens a egualdade, mas só a

sepultura é que a dá (MARTINS, 1924,p.24).

No Brasil, a questão social esteve presente nas preocupações e discussões políticas da

Primeira República. As manifestações operárias ocorridas na Europa e nos Estados Unidos

durante os três primeiros decênios do século XX acabaram por refletir também no país.

Afinal, desde o final do século passado estava em crescimento uma considerável camada

proletária, principalmente no eixo Rio-São Paulo. O trabalhador urbano, distribuído em

indústrias, vivia em péssimas condições de trabalho e habitação. Não havia legislação

trabalhista que garantisse seus direitos, mesmo os mais elementares, como descanso semanal,

férias ou licenças remuneradas.

A mão-de-obra reunia mulheres e crianças, duas categorias “lucrativas”, que não raro

recebiam salários mais baixos para as tarefas similares àquelas exercidas pelos homens

adultos. Assim, enquanto a burguesia consolidava sua posição no poder político, as condições

de vida dos nascentes trabalhadores urbanos se deterioravam, e estes não acompanhavam as

vantagens que o progresso técnico trazia para os potentados do capital.

Influenciados pelos socialistas, pelos anarcossindicalistas ou pelos comunistas, os

operários brasileiros denunciaram as injustiças do sistema capitalista, e, entre suas diversas

formas de manifestações de denúncia e reivindicações, as mais amplas e significativas foram

as greves (DOMINGUES e FIUSA, 2000,p.235).

De acordo com Boris Fausto (2013) entre 1917 e 1920 o número de greves chegou à casa

dos cem, em São Paulo, e mais de sessenta, no Rio de Janeiro. Para o autor, na raiz desse ciclo

de greves de grandes proporções estavam dois fatores:

Primeiro, o agravamento da carestia, em consequência das perturbações

causadas pela Primeira Guerra Mundial e pela especulação com gêneros

alimentícios; segundo, a existência de uma vaga revolucionária na Europa,

aberta com a revolução de 1917, seguida da Revolução de Outubro do

mesmo ano, na Rússia czarista(FAUSTO, 2013,p.256-257).

A emergência de uma nova conjuntura se torna clara por várias constatações. Além do

número de greves, a sindicalização ganhou enorme ímpeto. Um exemplo de alta taxa de

sindicalização, segundo Fausto (2013), é o da “União dos Operários em Fábricas de Tecidos

do Rio de Janeiro, que, em 1918, afirmava ter 19 mil filiados”(FAUSTO,2013,p.257).

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E como, neste período, a questão social estava atrelada principalmente ao mundo do

trabalho, os temas relacionados às condições dos operários recebiam bastante ênfase. As

denúncias sobre o abandono dos trabalhadores à sua própria sorte nos jornais eram constantes

nas pautas dos redatores e isso passou a preocupar a elite dirigente (FAUSTO, 2013, p.257).

É válido imiscuir que a imprensa operária era o lugar privilegiado para enunciação de

denúncias e informações. Segundo Frederico Duarte Bartz (2014), por maiores que fossem as

diferenças de instrução da população brasileira, a liberdade e circulação das ideias nos centros

urbanos era muito maior. Para Bartz (2014) era no jornal operário que,

as lideranças se faziam ouvir, através de uma voz que, muitas vezes, não

alcançava diretamente a rua, mas poderia passar de boca em boca, levada por

aqueles que estavam pisando no chão da fábrica, nos botecos ou nas vielas

dos bairros operários (BARTZ, 2014,p.28).

O clero e os intelectuais católicos também estavam imersos nesta questão, que aparecia

como uma das grandes preocupações do movimento de reforma católica.

Segundo Oliveira (2010) a desigualdade social, a pobreza, a violência e o

descontentamento popular eram elementos analisados recorrentemente nos meios de

divulgação católicos, que objetivavam encontrar alternativas para este problema, visto que tais

elementos, além de contribuir para o agravamento da chamada questão social, eram

considerados como consequência do exacerbado materialismo e individualismo do mundo

moderno.

Vale lembrar que desde o século XIX, a Igreja Católica foi confrontada com a questão

social. A Encíclica Rerum Novarum (1891) marcaria uma tomada de posição fundamental da

Igreja em relação ao tema, sendo levada a refletir e propor alternativas próprias a esta

situação, principalmente no momento em que ideologias como o anarquismo e o comunismo

cresciam dentro do movimento operário (OLIVEIRA, 2010,p.108). Nesse sentido, esclarece

Ramiro Barbosa de Oliveira:

Nesta encíclica, Leão XIII procurou refutar todas as teses do comunismo e

ainda propor uma reorganização social baseada nos princípios cristãos que

fosse capaz de conter os conflitos da modernidade. Para o papa Leão XIII, a

falta de proteção aos operários e o afastamento que as leis e instituições

públicas realizaram em relação à Igreja levaram a um “temível conflito” do

qual se aproveitam os comunistas para “excitar as multidões e fomentar

desordens” (2010,p. 88).

Ainda segundo Oliveira (2010), uma das ideias centrais desta encíclica é a associação da

ordem social à ordem moral. Assim, a Igreja, que se percebia como detentora da autoridade

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sobre as coisas morais “teria o direito e o dever de julgar as matérias sociais e econômicas”

(OLIVEIRA, 2010,p.114).

Em outras palavras, a Igreja como “prolongamento de Cristo”, teria “a missão de reger o

povo de Deus e conduzí-lo às passagens eternas”(BAZELAIRE, 1960,p.37) .

Para Louis-Marie de Bazelaire (1960), a Igreja tendo que cumprir sua missão pastoral,

recebeu o poder da jurisdição, isto é, o poder de governar e administrar os fiéis, estabelecendo

leis(função legislativa), aplicando-as aos casos particulares(função jurídica), cuidando em que

sejam observadas, quer mesmo pela imposição de sanções(função penal). Desta maneira:

A autoridade pastoral exerce-se , particularmente, no plano religioso. Porém,

em virtude de sua missão espiritual, pode se exercer em determinados casos

no plano das atividade profanas. Ao lado do que chamamos o poder direto da

Igreja, há um poder indireto, em virtude da incidência de princípios morais

nos problemas temporais. A esse respeito, manifestou-se Leão XIII na sua

Encíclica “Imortale Dei”: Nos negócios humanos, todo que é sagrado, sob

qualquer título que seja, tudo o que atinge a salvação das almas e o culto de

tal pela causa à qual se refere, tudo depende do poder e do julgamento da

Igreja(BAZELAIRE, 1960,p.38)

A encíclica Rerum Novarum(1891) defendia ainda o caráter natural do direito à

propriedade, a doutrina social da Igreja procurava estabelecer o seu papel e também a função

do Estado na manutenção de uma sociedade harmoniosa, na qual o bem comum e a

colaboração entre as classes guiasse as relações sociais:

O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas

natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres

para combaterem mutuamente num duelo obstinado. (...) na sociedade as

duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a

conserbarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. (LEÃO XIII. In: DE

SANCTIS, 1972,p. 22)

Para Leão XIII, eram os socialistas que instigavam nos pobres,

(...) o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda

propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum

indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração

deve voltar para os Municípios ou para o Estado.(...) Mas semelhante teoria,

longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse

posta em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos

legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a

subversão completa do edifício social(LEÃO XIII. In:DE SANCTIS, 1972,

p.15).

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Em síntese, pode-se dizer que a Encíclica Rerum Novarum foi um dos documentos mais

importantes sobre a questão social elaborado pela Igreja no século XIX, e embora não tenha

representado uma ação fundamental na emancipação dos trabalhadores, conforme afirmou

Oliveira (2010), criou alguns princípios, como o “associativismo e o colaboracionismo, que se

perpetuariam durante muito tempo nas propostas políticas dos grupos católicos”(OLIVEIRA,

2010,p.114).

No capítulo anterior vimos que Amélia de Rezende Martins partilhou de uma experiência

geracional católico social na cidade de Campinas. Ao analisarmos os ambientes em que se

deram sua socialização e formação, sua rede de relações e seus referenciais intelectuais que

circularam na cidade, permitiu-nos compreender seu universo religioso e o interesse pela

prática social e política da Igreja. Revelou também sob os auspícios de quais fatores foram

feitas as escolhas que a conduziram a relevante iniciativa no apostolado leigo feminino.

Naquele cenário não se pode perder de vista as figuras de D. João Baptista Corrêa Nery e

Padre Francisco de Campos Barreto. Vimos que na pregação de D. Nery, principalmente por

meio de suas cartas pastorais, a Ação Social da Igreja foi o programa central de seu governo.

Parafraseando Pedro Rigolo Filho (2006), em D. Nery pode ser vista a adequação dos ideais

de D. Bosco, aos quais foram associados à pregação da dimensão social da Igreja na Encíclica

Rerum Novarum. Segundo o autor, D. Nery propunha resolver os problemas sociais, em

especial o problema dos menores abandonados, “tirando-os da marginalização, impedindo-os

de se transformarem em elementos indesejáveis pela sociedade e ao inseri-los numa escola

profissional, preparava-os para serem úteis à sociedade capitalista”(RIGOLO FILHO,

2006,p.28). No caso de Padre Francisco de Campos Barreto, acólito de D. Nery, foi ele o

responsável pela inserção de João de Assis na presidência da Liga da Boa Imprensa e de

Amélia de Rezende Martins Associação das Mães Cristã.

Como consequência, a análise do mundo social de Amélia de Rezende Martins foi

referenciada a essas experiências culturais, citadinas e religiosas. E ao mudar-se para o

Estado do Rio de Janeiro, Amélia de Rezende consolidou esse conhecimento e cumplicidade

com outros leigos e eclesiásticos. Foi na antiga capital do país que a escritora desenvolveu

com maior consistência o sentido do movimento católico. A questão da emergência de novas

classes sociais, especialmente o operariado, e a resolução dos problemas sociais brasileiros se

constituíram em uma linha de frente de sua atuação, nomeadamente por meio de seus escritos

e por sua determinação em intervir publicamente em palestras, conferências e congressos

característicos da ação propagandista da época.

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2.2. Amélia de Rezende Martins na cidade de Mendes (Rio de Janeiro)

Amélia de Rezende Martins permaneceu em Campinas até meados de 1914. Não é

possível afirmar a data correta da migração de Amélia de Rezende e sua família para o Estado

do Rio de Janeiro. As ocorrências nos jornais Correio Paulistano , Gazeta de Notícias e O

Paiz entre os anos de 1900 a 1919, demonstram a atuação e participação tanto do marido de

Amélia, João Lopes de Assis Martins quanto dela em acontecimentos na cidade campineira.

Todavia, em um intertítulo do jornal Correio Paulistano denominado “Campinas” de 13 de

março de 1915 existe a seguinte menção: “Está nesta cidade o dr. João Lopes de Assis,

actualmente residente no Rio”(Correio Paulistano, São Paulo, 13 de março de 1915,p.6). No

mesmo jornal, um ano antes - datado em 9 de março de 1914 - , há uma citação a atuação de

João de Assis como Mesário da Santa Casa de Misericórdia em Campinas. O que nos

possibilita pensar que a ida para cidade do Rio de Janeiro tenha sido entre 1914 a 1915. Os

motivos que os levaram a mudar também são desconhecidos, todavia, o cruzamento entre as

fontes nos possibilita algumas pistas.

De acordo com o jornal A Rua, de 9 de novembro de 1915, João Lopes Martins é

convidado a assumir a presidência da fábrica de papéis Itacolomy ao lado de Eurípides

Coelho Magalhães e Sidney de Lovel Parker. A fábrica ficava localizada no município de

Mendes no Estado do Rio de Janeiro, e ocupava o mesmo prédio da redação e oficina do

jornal católico A União. Ambas de propriedade de Antônio Felício dos Santos (1843-1897)42

,

um grande amigo de Lopes Martins, e que futuramente desempenharia um papel fundamental

para que Amélia de Rezende iniciasse seus primeiros passos na cidade como publicista, em

meados de 1920. Os dados disponíveis nas fontes sugerem que João de Assis Lopes Martins

iniciou sua amizade com Felício dos Santos por intermédio de alguns clérigos e amigos, mas

também, por mediação do primo de sua esposa, Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923). 42

Antônio Felício dos Santos nasceu na cidade de Diamantina (MG) em 8 de Janeiro 1843. Filho do Major

Antonio Felicio dos Santos e de Mariana Fernandes dos Santos. Cursou humanidades no Seminário de Mariana

e no Atheneu S. Vicente de Paulo, após o que se matriculou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,

diplomando-se em fins de 1863, aos vinte anos. Em 1867 presidiu a Câmara municipal de Diamantina. Foi

médico e político no Rio de Janeiro. Fundou a Sociedade de Medicina e Cirurgia junto com outros médicos. Em

1873 fundou em sociedade a Casa de Saúde São Sebastião. Em 1874 a fábrica de tecidos América Fabril. Em

1890 Rui Barbosa, então ministro da fazenda do governo provisório, o chamou para presidir o Banco da

República. Em 1891 estabeleceu em Mendes, município do Rio de Janeiro a fábrica de papéis Italacomi.

Converteu-se ao catolicismo em 11 de fevereiro de 1897 e desde então foi muito conhecido no meio católico

como “apóstolo das obras sociais ”(A União, 8 de Janeiro de 1923,p.4). Em 1905 fundou o Jornal A União, após

em 1915, o periódico torna-se bissemanal integrando-se ao Centro da Boa Imprensa. Faleceu no Rio de Janeiro

a 6 de setembro de 1931.

Disponível em: http://www.cdpb.org.br/dic_bio_bibliografico_santosantonio.html. Acesso em: 20 set 2016.

TRAÇOS biográficos do Dr. Antonio Felicio dos Santos. A União, Rio de Janeiro, 8 de jan. de 1923,p.5.

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Segundo Rejane M. Magalhães, João de Assis, além de parente era um dedicado

amigo de Rui, "constante companheiro nos cinemas e na ida ao Senado, frequentavam

assiduamente a casa de São Clemente”(MAGALHÃES, 2013,p.84).

Efetivamente, alguns periódicos contribuem com a referida assertiva. Foi possível

verificar, por exemplo, a constante presença de João de Assis nos almoços, eventos e

deslocamentos de Rui Barbosa pelo país. Vejamos um trecho publicado no jornal Correio da

Manhã que ilustra o exposto:

Campinas- Dr. Ruy Barbosa

Às 11 e 16 minutos da manhã, em caro reservado da Companhia Paulista,

chegou da capital, o dr. Ruy Barbosa com sua esposa, a sra. Maria Augusta

Ruy Barbosa, e sua filha, a senhorita Baby Ruy Barbosa. (...) cumulado de

provas de carinho, o ilustre hospede tomou um “landau”, juntamente com as

exma. Esposa e filha, seguindo para a casa do dr. João de Assis Lopes

Martins. Até ahi o acompanharam muitas pessoas gradas. O dr. João de

Assis Lopes Martins ofereceu um lauto almoço, em sua vivenda, ao grande

brasileiro, parentes e intimos(Correio Paulistano, 18 dezembro de 1910,p.3).

Todavia, essa relação de amizade não era o único elemento em jogo, os favores

pessoais e interesses em angariar apoio político estavam presentes nesta relação,

principalmente por parte de Martins. Sobre este aspecto, a obra de Silvia Noronha Sarmento A

raposa e a águia: J.J. Seabra e Rui Barbosa na política baiana de 2011, permite-nos observar

o quanto a relação entre João de Assis e Rui Barbosa era complexa. A autora destaca que em

1910, João Martins pediu ao então senador Rui Barbosa que escrevesse uma carta ao

governador da Bahia, Araújo Pinho, para que seu grupo conseguisse a preferência sobre um

trecho da viação baiana, na parte que ligava a Minas Gerais. Segundo Sarmento (2011) não

ficou claro que tipo de serviço deveria ser desenvolvido na ferrovia, mas João de Assis Lopes

Martins disse que era “negócio grande, que pode nos dar a independência

financeira”(SARMENTO, 2011,p.93).

De acordo com Sarmento (2011), Martins e Batista Pereira (genro de Rui Barbosa)

faziam parte da sociedade, mas somente um terceiro sócio (Gabriel Penteado) deveria

aparecer publicamente. E apesar dessas precauções, Martins assegurava que não havia nada

de errado com a pretensão: “Só isso ambicionamos. Não se trata de um favor. Os mandatários

terão toda a vantagem de empreiteiros que mantenham boas relações com o

governador”(SARMENTO, 2011,p.93).

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A autora afirma que não há informações se o serviço foi cumprido, mas aponta que em

uma carta de janeiro de 1911 João de Assis diz otimista que a Bahia iria ficar “muito bem

servida de estradas de ferro” (SARMENTO,2011,p.94).

Para Sarmento (2011) a amizade entre João de Assis e Rui Barbosa constituiu-se em

um exemplo de como que essas relações podiam interferir nos negócios e nas decisões

políticas de personalidades públicas. Para a autora, muitos conselhos, sugestões e propostas

de João de Assis imiscuíram nas decisões de Rui, mas a recíproca também é verdadeira.

Sarmento (2011) destaca que, “o poder do verbo de Rui tinha enorme influência no país, nos

jornais, no Parlamento, nos tribunais (...) Rui Barbosa emprestava a credibilidade de sua

imagem pública para muitos negócios”(SARMENTO, 2011,p.95) que circulavam no país.

Em meados de 1914, Amélia de Rezende escreveu à sua tia, Francisca Barbosa de

Oliveira, sobre uma suposta intervenção do “primo Ruy” junto a João, “na mudança para

Mendes”43

. Não é explícito na carta qual era o tipo de ingerência, mas não se pode descartar a

hipótese de uma indicação direta de Rui Barbosa à Felicio dos Santos para que Martins

assumisse a direção da Fábrica Italacomy. Vale ressaltar que Rui Barbosa já conhecia Antonio

Felicio dos Santos desde 1890. Segundo o jornal A União foi Rui Barbosa, enquanto ministro

da Fazenda do Governo Provisório, que o chamou “para presidir o Banco da República” (A

União, 8 de janeiro de 1923,p.5).

Em relação à amizade entre Felicio dos Santos e Martins, esta pode ser evidenciada

nas próprias páginas do jornal A União. Em 8 de janeiro de 1923, por exemplo, o periódico

apresenta uma extensa matéria sobre Antônio Felício dos Santos em comemoração a

passagem de seu 80º aniversário. Segundo o articulista, foi encaminhada uma circular para

todos os Arcebispos e Bispos do Brasil, assim como para todo laicato católico para que estes

prestassem publicamente uma homenagem ao fundador do Jornal. Entre os partícipes e

líderes da comissão promotora estava João de Assis Lopes Martins, Afonso Celso, Conde de

Laet, Francisco de Paula Lacerda, José Leôncio de Medeiros, João Pedreira do Couto Ferraz

Jr, Alfredo de Almeida Russel, Thomaz de Mendonça, entre outros. Dois grandes amigos de

João de Assis que partilhavam do mesmo sentimento por Felicio dos Santos, estavam também

presentes no artigo, Dom Francisco de Campos Barreto e Dom Octávio Chagas de Miranda

bispo de Pouso Alegre. Com base nessas premissas, é bem provável que esses prelados

tenham também contribuído para uma aproximação e/ou estreitamento dessa “estratégica”

amizade entre Santos e Martins.

43

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê Amélia de Rezende Martins. RB-RBCRUPF RB-

RBCRUF 896/1, ano 1912- 1919.

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No que se refere aos motivos que fizeram com que a família de Rezende Martins se

fixasse na cidade de Mendes, no Rio de Janeiro, podemos elencar outros fatores. Por si só, a

proposta de trabalho de Felicio dos Santos a Martins já constituiria um grande motivador

para a mudança de Estado, mas esta pesquisa trabalha com a hipótese de que alguns

problemas familiares relacionados à herança tenham pesado na decisão da família. A partir de

1890, as brigas tornam-se constantes entre os familiares de Rezende Martins e os seus tios

maternos os “Barbosa de Oliveira” principalmente após a morte do Barão Geraldo de

Rezende em 190744

. Tais circunstâncias podem ser evidenciadas nas cartas trocadas entre o

marido de Amélia e Francisca Augusta Barbosa de Oliveira, tia da intelectual.

Na missiva abaixo, datada de 1895, por exemplo, João de Assis pede a intervenção da

tia de Amélia (Francisca) para amenizar os conflitos gerados entre sua família e a de Albino

B. de Oliveira (irmão de Francisca) referente à venda de uma de suas fazendas. No caso, João

de Assis queria vender a fazenda, contudo, o tio de Amélia também proprietário das terras,

não aceitou a proposta, proibindo João Martins fazer qualquer negociação em relação à

propriedade. Diante da situação, João Martins escreve ao tio:

6-11-1895 - Albino

Suas constantes “negaças” vêm provar que é impossível esta sociedade,

como sempre acreditei; tenho contrariado, a conselhos, agora digo-lhe:

BASTA! Faça para a compra da fazenda uma proposta de pegar ou largar, ou

requererei a separação, que o libertará deste vazio importunio.

João Martins

Na mesma data, escreve a tia:

Tia minha

Mandei ao Albino a carta, cuja cópia transcrevo: 6-11-1895

A isto não se responde...Reservando em direito os supôs que continua a sua

má vontade, convida-o a acreditar no meio de resolver esta situação, que

não pode continuar. Consta-me que esta resolvido ficar só com a fazenda;

faça uma proposta razoavel ou pegar ou largar. Temos o recurso da

separação, seria extremo mas aceitável como solução. Tem confiança plena

não prove haver interesses em comum, só isto é razoável. João Martins45

44

De acordo com uma carta de Amélia de Rezende Martins à Francisca Babosa de Oliveira em 11 de abril de

1907, Barão Geraldo apresentava “graves perturbações cardíacas”. Em outra missiva, João de Assis escreve a

Francisca o motivo de seu falecimento: “infarto agudo”. FUNDAÇÃO Casa Rui Barbosa. Dossiê Amélia de

Rezende Martins. CFBO SFGR DJALM. Família Geraldo de Rezende. Dossiê João de Assis Lopes Martins,

CFBO CFBO SFGR DJALM. 45

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Série: Família Geraldo de Rezende. Dossiê: João de Assis

Lopes Martins. CFBO SFGR DJALM – 06 de novembro de 1895.

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Em outra carta de 3 de janeiro de 1912, João de Assis L. Martins acarreta a Lúlú

(Albino Barbosa) o afastamento de Francisca Barbosa de Oliveira de sua família:

Minha presada tia

Muito nos pesa a demora da resposta às nossas cartas de 1º e a nossa

gentinha sofre e sofre muito, devendo recahir sobre a consciencia do Lúlú

qualquer desenlace desagradavel que o seu plano, desastradamente

concebido, possa acarretar. Não sou eu o responsável pela separação em que

infelizmente vivemos, mas as que do outro lado se provoca impiedosamente,

indifferentes. Creio, minha tia , que nosso encontro com Lúlú já não

concluirá resultado. 46

Muitos anos depois, em primeiro de janeiro de 1913, Francisca Barbosa de Oliveira

propõe a partição da propriedade, na missiva encontra-se a planta de uma das fazendas e as

suas respectivas divisões, indicando uma possível solução.

Em 22 de setembro de 1915, Rezende Martins rememora em uma missiva direcionada

a “Belinha” (Isabel Lacombe) que as frequentes discussões na cidade campineira deixaram-na

“triste e desanimada, ao ponto de não saber o que fazer no momento”47

.

Ressalte-se, por oportuno, que o Barão Geraldo de Rezende e o seu genro João Lopes

de Assis Martins, em meados de 1890, envolveram-se ativamente na criação de um núcleo

colonial e na construção de uma estrada de ferro que ligaria Campinas a região do Funil48

.

Tais empreendimentos, examinados nas páginas seguintes, associado às constantes quebras no

mercado de café no período, causadas pela política econômica do primeiro governo

Republicano, abalaram financeiramente a família. Segundo o depoimento prestado por uma

das filhas de Amélia no jornal Diário do Povo, a nossa personagem “nasceu abastada e

rica(...) fortuna que lhe deu o berço e que lhe foi arrebatada na adolescência pela catastrófica

crise do café no início do século (Diário do Povo,20 abr.1955,s.p).

As fontes revelaram que João de Assis, apesar de ter formação em medicina com

especialização em homeopatia, exercia outras funções, entre elas a direção da fazenda Santa

Amélia que também se destinava a cultura de café, e nesse caso, a crise também o abalou

profundamente. Em síntese, pai e marido proporcionalmente falidos.

46

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Série:Família Geraldo de Rezende.Dossiê. João de Assis

Lopes Martins. CFBO SFGR DJALM. 47

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê: Amélia de Rezende Martins. CFBO SFGR DARM 12-

22 de setembro de 1915. 48

Sobre a região do Funil, ver: IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.Disponível em:

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/saopaulo/paulinia.pdf. Acesso: 04 out 2016.

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Com base nessas premissas, podemos inferir que o “peso das circunstâncias” para usar

a expressão de Charle (2000), que nesse caso, em específico, podem ser tanto econômicas,

sociais, familiares e/ou até mesmo afetivas, fez com que essa tradicional família da oligarquia

brasileira, antes confortável em seus órgãos e aparatos institucionais, em suas casas de

exportação de café - vivenciando e buscando o ócio e a renda sem trabalho - fossem, de certa

maneira, obrigados a buscar outras alternativas e soluções para os seus problemas.

Assim, a oportunidade de trabalho a João Lopes Martins em outro Estado em 1915, foi

encarada - estrategicamente- como um novo recomeço pela família, no sentido de

continuarem com suas tradições, atitudes e representações no grupo à qual faziam parte.

Enfim, viver ou tentar “sobreviver” sob os mesmos padrões culturais, sociais e econômicos

que desfrutavam.

2.3. “Cristo nas fábricas para animar o operário”: O olhar de Amélia de Rezende

Martins sobre a “questão social".

Sem Deus, meus Senhores, o problema social não

tem solução!(MARTINS, 1919,p.33)

A escassez de fontes que deem por conhecer esses primeiros anos dos Rezende Martins na

cidade de Mendes, não nos permite precisar as datas, principalmente sobre o tempo de

permanência da família na região. Contudo, o mais importante é que foi neste município

localizado no Centro-Sul do Estado do Rio de Janeiro, distante a apenas 98 quilômetros da

antiga capital que Amélia de Rezende Martins escreveu seu primeiro livro sobre a chamada

“questão social”.

Cumpre destacar, segundo a bibliografia histórica à disposição49

, que a cidade de Mendes

teve sua origem em um simples rancho para pouso de tropas, num atalho que ligava a aldeia

de Valença com a cidade do Rio de Janeiro. O pequeno aglomerado, começou lentamente a se

desenvolver graças à constante circulação de tropeiros. Posteriormente, Mendes teve

características de núcleo de apoio às atividades rurais, desenvolvendo o cultivo do café. O

grande crescimento da lavoura cafeeira provocou a vinda da ferrovia para a região. Em 1864,

foi inaugurada a estação da Estrada de Ferro D. Pedro II. Às margens dessa ferrovia foram

sendo construídas as seguintes estações: Mendes, Humberto Antunes, Martins Costa, Nery

Ferreira e Morsing.

49

Foram utilizadas as seguintes referências para descrição: Portal da Prefeitura de Mendes. Disponível em:

http://www.mendes.rj.gov.br/43 e IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:

http://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?codmun=330280. Acessos em: 02 out 2016.

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Em 1889, lá se instalou a companhia de papel Itacolomy, de propriedade de Felicio dos

Santos, o então amigo de João Lopes de Assis, iniciando a fase industrial do município, onde

depois surgiram outras fábricas, como a cervejaria Teutônia, a fábrica de fósforos Serra do

Mar, o Frigorífico Anglo e outras. Desta forma, a região vivenciou duas fases distintas de

desenvolvimento: a primeira ligada ao cultivo do café, no século XIX, e a segunda, no século

XX, com a implantação das indústrias.

A família Martins vivenciou desta segunda fase da cidade. Como vimos, no início de

1915, João de Assis assume a presidência da fábrica Italacomy, levando com ele esposa e

filhos. É provável que tenham permanecido apenas o período em que João foi diretor da

empresa (informação esta que não possuímos). Por outro lado, em meados de 1920,

encontramos algumas fontes, em especial cartas de Rezende Martins que remetem o endereço

da sua casa para zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no bairro das Laranjeiras,

especificamente, na Rua Sebastião Lacerda, número 70. Ante o exposto, a pesquisa trabalha

com a hipótese de que a mudança para a antiga capital (RJ) tenha se realizado no espaço de

tempo entre final de 1919 e início de 1920. As fontes epistolares revelaram ainda alguns

dados importantes desta trajetória de Rezende Martins na cidade de Mendes, entre eles, é a

sua suposta inadaptação ao local. Em duas missivas destinadas a tia Francisca Barbosa de

Oliveira e Isabel Lacombe, a escritora demonstra uma certa insatisfação e desesperança,

associados a uma melancólica saudade de sua terra natal. Não há informações de quanto

tempo perduram esses sentimentos, mas é provável que tais emoções tenham também

contribuído na decisão da família em não ficar por muito tempo na cidade.

No entanto, os prováveis cinco anos de residência na cidade de Mendes que lhe

acalentaram “uma invasão de tristeza” não impediram Amélia de Rezende de prosseguir com

sua carreira de escritora e militante católica. Reflexões sobre o momento social, publicado

após três anos de sua migração, em 1918, foi certamente uma das obras que lhe granjearam

mais reconhecimento e lhe conferiram maior audiência no meio católico. A muitos títulos, a

obra é significativa da atitude mental de Amélia de Rezende Martins, seja pela associação que

estabelece com a doutrina social de Leão XIII, seja pelo modo como sublinha a

especificidade de suas práticas para a questão operária brasileira.

Em um artigo do jornal A União, Soares d’ Azevedo rememora que a publicação de

Reflexões sobre o momento social constituiu-se, em meados de 1918, como um grito de alerta

à sociedade brasileira “contra a onda maximalista impulsionada pela Revolução Russa”,

colocando à frente do movimento social católico brasileiro: Amélia de Rezende Martins.

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Azevedo escreve que essa “senhora de sólida cultura e de uma percepção das coisas” ao

perceber o “ambiente hostil causado pelo ciclo das grandes manifestações sociais”, na sua

condição de escritora e católica decidiu assumir um posto. Observemos uma parte do texto

onde as indicações acima são explicitadas:

Tempestades cruéis encrespararam, nos últimos anos, a face da terra. Os

homens passaram a odiar-se com dobrada violência. Systemas philosophicos

e credos políticos chocaram-se em desmedida fúria. Surgiu, apoiada em

bayonetas, a teoria do aniquilamento. A mulher veiu para a rua, gritando

aqui pela independência, ali por uma especie de masculinização que lhe

deprava o caracter e derranca a meiguice natural, acolá pelo voto e pela farda

de soldado-voluntario(...) D. Amelia de Rezende Martins, que é brasileira e

mãe, apercebeu-se de toda a vastíssima trama, compreendeu a delicadeza da

situação, mediu o perigo, deu balanço às forças em duelo, e acabou por se

resolver a assumir um posto. Foram assim atirados à publicidade alguns

milheiros de exemplares do opúsculo Reflexões sobre o momento social50

,

que é bem um grito de alerta soltado aos ouvidos de nosso

mundo.Fortalecida com o apoio e o estimulo de seu digno esposo, dr. Lopes

Martins, a fidalguia em pessoa, e um dos mais belos caracteres que conheço,

a sra. A. de Rezende Martins lança aos quatro ventos o brado forte de

repulsa à maximalisação da sua patria. Porque se há de falar então em

desanimo quando sobejam os indicios de uma proxima salutarissima reação?

(...) Esta breve resenha sobre o catholicismo mostra-nos que os nossos

irmãos não dormem, e que alli se trabalha forte e firme, o que não deixa de

ser uma saudavel e alentadora licção (A União, 8 de abril de 1920,p.1).

Na matéria é possível notar ainda o reconhecimento e prestígio do grupo católico em

relação à Rezende Martins como intelectual engajada em prol do catolicismo:

É a vontade de aço para querer e se não dobrar. É a propria vontade de aço

de d. Sebastião Leme em Pernambuco e dos demais bispos em todo o paiz. O

trabalho da sra. A. de Rezende Martins revela tambem essa vontade, essa

firmeza, essa coragem, esse desassombro, essa fortaleza christan. Motivos

para desanimo? Não é possivel. Digamos, então, como o extraordinario

padre Luiz Gonzaga Cabral: -Srursum! Para cima, para o alto, para o céo,

para Deus! (A União, Rio de Janeiro, 8 de abril de 1920,p.1).

Como resultado, o conteúdo da obra foi resumido em vários jornais, entre eles, o

Jornal do Comércio, A Cruz, O Paiz e o já mencionado A União, cujo redator era o amigo

pessoal de João Lopes Martins, o Dr. Felício dos Santos.

É certo que a repercussão de Reflexões sobre o momento social fez com que Rezende

Martins desfrutasse de um espaço privilegiado nos periódicos, especialmente os católicos,

para expor suas ideias e projetos, conforme bem pontuou Soares d’Azevedo ao dizer que,

após a “solene publicação”, Amelia de Rezende Martins mostrou que “tem vontade de aço

para querer” e “podia-ser, e sê-lo a cabeça de um movimento feminino” (A União, Rio de

50

Grifo do autor.

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82

Janeiro, 8 de abril de 1920,p.1). Mesmo assim não devemos exagerar. Certamente, a nossa

personagem já era reconhecida como intelectual engajada no movimento católico, desde sua

atuação na cidade de Campinas ao lado do primeiro bispo D. João Batista Corrêa Nery e seu

bispo auxiliar D. Joaquim Mamede da Silva Leite e de D. Francisco de Campos Barreto.

De acordo com as fontes, mesmo após a saída da família da cidade campineira, Amélia

e seu marido mantiveram contato com esses prelados, nomeadamente por meio de cartas e

encontros religiosos, principalmente nas missas comemorativas. Estas, celebradas na diocese

de Campinas constituíram-se como espaços propícios para sociabilidade e para trocas

culturais comuns, mas também e porque não, de circulação de ideias. Nessa acepção, é

verossímil afirmar que Rezende Martins tornou-se figura destacada no meio católico, também

pela multiplicidade de convivências que manteve, estas, nem sempre circunscritas a região

onde morava.

Concomitantemente, junte-se a esse quadro, o grande incentivo e colaboração do

amigo de Amélia de Rezende Martins - Padre Pedro Rotta - para que a obra fosse publicada.

Foi este sacerdote salesiano, na direção do colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói e

também responsável pela tipografia do colégio -“Escola Typographica Salesiana”-, que

proporcionou a impressão de Reflexões sobre o momento social. Como ressalta Elizete

Higino (2006), foi padre Rotta que modernizou o estabelecimento tipográfico da instituição,

possibilitando a impressão de muitas obras católicas. Segundo Higino (2006),

Padre Pedro Rotta nasceu em Lu Monfernato, Itália, em 7 de junho de 1861.

Em 1877, terminado o noviciado, padre Rotta fez seus votos perpétuos e

solicitou permissão para partir para missões salesianas na América do Sul(...)

Suas qualidades fizeram com que fosse apontado para substituir o padre

Miguel Borghino na direção do Colégio Salesiano Santa Rosa, em

Niterói.Com o padre Rotta na direção o colégio firmou-se

definitivamente(...) Foi Padre Rotta que modernizou a tipografia e a

encardenação do colégio lançando em 1890, a publicação Leituras católicas,

em português, que visava divulgar os bons costumes e defender a fé

(HIGINO, 2006,p.55).

Vale mencionar, que assim que fixaram moradia na cidade de Mendes, Amélia e seu

marido realizaram algumas doações à congregação salesiana, em especial às obras sociais de

Padre Rotta. Essa amizade permaneceu por muitos anos. Em 1924, por exemplo, foi o padre

Pedro Rotta ao lado de Amélia de Rezende e sua família que representou a “delegação

brasileira dos cooperadores salesianos no Congresso Internacional Salesiano em Buenos

Aires-Argentina” (A União, 23 de out de 1924,p.1).

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83

Assim, é pertinente a observação de Sirinelli (2003) sobre o fator “localização e

deslocamento” dos intelectuais para compreendermos “como as ideias vêm aos

intelectuais”(SIRINELLI, 2003,p.256). O autor menciona Jacques Julliard, assinalando que o

mesmo tinha razão em afirmar que “as ideias não passeiam nuas pelas ruas; que elas são

levadas por homens que pertencem eles próprios a conjuntos sociais”(SIRINELLI,

2003,p.258). Situar Amélia de Rezende neste ambiente social, cultural e religioso que

constituía a referência principal de seu cotidiano, permite-nos perceber que não era, portanto

uma pessoa isolada, além de que, nos possibilita pensar que suas ideias foram de certa forma,

para utilizar novamente a expressão de J.F.Sirinelli (2003)“aclimatadas no meio intelectual”

em que circulava, no tempo que vivenciava.

A partir dessas constatações, vamos nos concentrar em analisar o pensamento de

Rezende Martins acerca dos problemas que afetavam o operariado no Brasil, por meio da

análise de Reflexões sobre o momento social.

O livro datado de 191851

tinha entre seus objetivos, alertar a sociedade e o Estado sobre o

“vital problema da questão operaria” que “poderia levar o Brasil à própria ruína”

(MARTINS, 1919,p.4); bem como, propor a melhor solução para a questão social , que

poderia ser superada à medida que as propostas de organização social e comportamento

individual defendidas pela Igreja Católica fossem adotadas pela população brasileira e, em

especial, pelas classes dirigentes que poderiam promover um novo projeto político para o

país. E, por fim, apelar aos representantes da imprensa, diretores e redatores dos jornais para

que publicassem apenas “factos nobilitantes” do país e não crimes ou outros temas que

“encitassem a revolta do povo” (MARTINS,1919,p.12).

Em um parágrafo introdutório Amélia de Rezende Martins inicia sua argumentação

expondo que o momento atual era o “ mais crítico de toda história da humanidade”, devido

ao “sopor da revolta da Europa”, especialmente a Revolução Russa (1917), que estimulava

os operários a cometer greves e atos de violência (MARTINS, 1919,p.7). O ponto

interessante desta primeira parte do texto foi o reconhecimento que Rezende Martins fez das

aspirações do movimento operário, que “dentro dos limites propostos pelos princípios

cristãos”, considerava justas e legítimas.

Contudo, dado a certeza de que as propostas dos “maximalistas” eram contrárias aos

fundamentos de ordem e autoridade do cristianismo, a “barreira intransponivel da Caridade

Christã” caberia a ela, apelar junto ao governantes “o dever de pregar uma nova cruzada

51

A primeira versão publicada de Reflexões sobre o momento social é datada de 1918, no entanto, para esta

pesquisa utilizei sua segunda edição de 1919.

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contra a onda avassaladora do maximalismo desordenado”(MARTINS, 1919,p.29) “Estar-

nos-á talvez reservado o papel sublime de resolvermos o intrincado problema

social”(MARTINS, 1919,p.30).

Considerae que na doutrina dos revoltosos, a par de tresloucados propositos

e irrealisaveis insânias, ha tambem um fundo de verdade. É justo, meus

amigos, que vossa fortuna cresça e se multiplique e que aquelles, que nos

ajudaram no grangeio do capital, vivam como brutos e morram como

bichos?

(...) Não vos peço, Senhores, nem a mim competeria fazel-o, que attendais a

todas as reclamações, feitas em geral em forma de greves; seria uma

fraqueza e os abusos começariam: mas estudae vós mesmos o meio de dar

uma solução ao problema operario. Nem vos digo, tão pouco, que lhes

aumente os salarios, se tendes comsciencia de serem os seus serviços bem

remunerados, mas vos pergunta se eles não trabalhariam com mais amor se

soubessem que, de uma certa quantia em diante, cada um, na sua condição,

por mais humilde que fosse, por equidade participaria dos lucros da vossa

empresa. Os jornaes, por ahi ostentam, em pavorosos cabeçalhos, o

maximalismo irrompendo por toda a parte na velha Europa e bem vemos que

as barbas do nosso visinho estão a arder (MARTINS, 1919,p.10-11).

Logo em seguida, Rezende Martins apresenta aquilo que considerava ser a primeira

solução à questão operária: a instrução religiosa, moral e cívica.

Sendo ignorante, educae-o. Das nossas Escolas, sahem, por anno, centenas e

centenas de professores. Institui escolas para as crianças e cursos nocturnos

para os adultos. Será um bem para os professores, para o operário e para vós.

Dae ao nosso operário, a par da instrucção civil e religiosa, a diversão para o

espirito, que o faça participe das alegrias terrenas, que invejam aos ricos,

propriciando-lhe festas publicas , musica nos jardins, sessões de cinemas:

porém aboli, meus amigos, aboli o cinema imoral, que peverte os corações e

ensina o crime (MARTINS,1919,p.12).

De acordo com Amélia de Rezende, foi a partir da publicação de Reflexões sobre o

momento social, que ela começou a idealizar e estruturar seu futuro projeto de organização

social a ser desenvolvido como Ação Social Brasileira.

A passagem acima traz, segundo a autora, alguns dos pontos principais da construção do

seu projeto, proposto apenas, em 1929, ao Conselho Diretor da Associação Brasileira de

Educação (ABE). Tal projeto, analisado no próximo capítulo, tinha os mesmos objetivos

estabelecidos em Reflexões sobre o momento social, ou seja, propor uma solução para as

questões sociais por intermédio “do exemplo magnífico da Caridade Christã” (MARTINS,

1919,p.34). Segundo Rezende Martins,

só a Caridade Christã é remédio para o mal que aflige a sociedade. Só ella

saberá chegar até vos, procurando um a um, confortando o pae, animando a

mãe, guiando o filho pela senda da honestidade e a filha pelo caminho da

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virtude. Só a caridade Christã saberá tornar amigos o rico e o pobre. O

Christianismo é a doutrina socialista por excellencia na qual se depara o

verdadeiro ensino sobre a igualdade dos homens. O christianismo pede ao

pobre que se conforme, e suplica ao rico que dê, que dê sem contar; que dê,

ignorando a mão esquerda o que faz a direita. No Christianismo a moral é a

mesma para todas as classes: os mandamentos sublimes, que na sua divina

simplicidade abrangem os problemas mais complexos, são os mesmos para

todos. E o mesmo fim que nos espera a todos, ricos e pobres, iguala a todos

os homens(...)Trabalhadores, operários, paes de familia, olhae para Deus! Só

elle nos comforta nas agruras desta vida! (MARTINS, 1919,p.26-27).

Note que na citação acima, Rezende Martins aponta a preocupação com a questão social

como um legado mais fecundo do cristianismo, a “doutrina socialista por excelência”. Para a

autora as desigualdades e as injustiças sociais, eram tidas como naturais, como um problema

de ordem moral e só o cristianismo poderia afugentar “os pobres marginalizados” das

tentações das “propostas maximalistas”(MARTINS,1919,p.24) e conduzí-lo ao abrigo de seus

ideais de ressignificação e busca por uma sociedade fundada na colaboração entre as diversas

classes sociais. Uma outra aquiescência secretada por Martins, era a ideia de que, a partir do

desembarque dos primeiros membros da Companhia de Jesus “pelas nossas selvas inhospitas,

no sertão virgem e aspero, onde a humanidade contemporânea da primitiva tréva, se

embriagava de primavera e crime” (MARTINS,1919, p.47) iniciava-se um caminho de

civilização latina cristã52

. Neste caso, o cristianismo seria aquele que:

civilizou os bárbaros e conservou para a humanidade todo o tesouro de

sciencia da Edade Antiga. Ainda hoje demonstra possuir a mesma virtude

regeneradora de povos, a quem os missionários de Christo levam com a

palavra do Evangelho o germen dos bons costumes. O Christianismo prega a

doçura e não a revolta, a conformidade e não a inveja, a concordia e não o

crime, a esperança e não o desespero, e fora do Christianismo não se poderá

salvar a humanidade (MARTINS, 1919,p.28).

Conforme já foi dito anteriormente, a base da interpretação da realidade brasileira por

parte de Rezende Martins e suas propostas de resolução para a questão social assentavam-se

52

Sobre o compromisso da Igreja quanto a civilização, Louis-Marie de Bazelaire cita a palavra do Papa Pio XI:

“A Igreja não evangeliza civilizando, mas sim civiliza, evangelizando”(BAZELAIRE, 1960, p.150). Nesta

acepção os problemas religiosos e os relativos à civilização estão, para a Igreja, entrosados, visto que sua missão

direta é a “de unir os homens em Cristo”(BAZELAIRE, 1960, p.150), a Igreja é chamada a intervir nas questões

temporais, em nome da moral e da justiça. Cooperando assim, na obra da civilização. Ainda sobre a função

civilizadora da Igreja, podemos citar a carta encíclica IL fermo proposito de 11 de junho de 1905 de autoria do

Papa Pio X, que dizia claramente que: “a Igreja, ao mesmo tempo evidenciando Jesus crucificado “escândalo e

loucura para o mundo”, tornou-se a primeira inspiradora e promotora da civilização. Espalhou-a por toda a parte

onde seus apóstolos pregaram, conservando e aperfeiçoando os bons elementos das antigas civilizações pagãs,

arrancando à barbaria e elevando até a uma forma de sociedade civilizada os povos(...)”(PIO X.IL fermo

proposito, 1905, s.p.) Disponível em: http://w2.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-

x_enc_11061905_il-fermo-proposito.html . Acesso em: 23 ago 2016.

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86

essencialmente nos postulados da doutrina social católica estabelecida pela encíclica Rerum

Novarum (1891). Traço marcante das retóricas de Amélia de Rezende, que foram partilhadas

desde o período em que residia na cidade de Campinas, por referência direta do já

mencionado Dom João Batista Correa Nery.

Dessa forma, em linhas posteriores de Reflexões sobre o momento social, Amélia de

Rezende Martins reafirma os postulados de Leão XIII, emitindo sua opinião sobre os

princípios da “igualdade absoluta”, conceito fundamental do ideário socialista:

O maximalismo defende calorosamente a idea que julgaes a felicidade do

mundo: a confiscação de todo capital. Tudo ficará entre as mãos do governo

para ser equitativamente distribuido entre o povo , que só assim não mais

conhecera a miséria. Mas, meus amigos, neste plano já estaes vendo os que

vos hão de ser superiores? Não estareis a mercê desse governo, enfeixado

nas mãos de homens como vós, e, como vós, sujeitos as mesmas ambições,

erros e injustiças de que hoje vos queixaes? Abri os olhos! (...) Querem eles

vos fazer crer, que nos paizes, onde fervilha o socialismo adeantada, tudo

vae as mil maravilhase é tudo resolvido por meio de reuniões do povo.

Experimentae porém: fazei um comício. Emquanto não houver oque repartir

estareis todos acordes em dividir a propriedade alheia sob o sublime ideal da

justiça; logo que tiverdes o thezouro entre as mãos, lá se esvae o espirito

justiceiro, e cada qual quererá tirar para si o melhor partido da situação

(...)(MARTINS, 1919,p.16-17).

E para dar maior legitimidade a seus argumentos, Rezende Martins chega a ironizar a

questão:

Vêde sobre que base frágil repousa o socialismo. Entre vós, deve haver

quem arrisque uma vez por outra uma pequena somma num bilhete de

loteria. Supponde que vos sahe premiado o bilhete: qual será o nosso

primeiro impulso na alegria que se apoderará de vós? Correrdes a repartir

vossa fortuna com vossos visinhos e companheiros? Não! Passareis

incontinente para o lado dos capitalistas; já vos não servirão as doutrinas da

véspera.(...) Querem os socialistas a supressão do capital; mas com calma

bem deveis compreender que o capital e uma necessidade; é elle que

proporciona o meio de vida ao operário. Uma vez que desapareça o capital,

desaparece com elle a ambição, o estimulo, fraqueia a força de vontade e

esterelizam-se todas as fontes de energia humana (MARTINS, 1919,p.17-

18).

Importante referenciar, segundo Ramiro Barbosa de Oliveira (2010), que ao invés de

atacar a desigualdade social através da crítica à propriedade ou como um problema estrutural

da economia capitalista, a posição de Leão XIII na encíclica Rerum Novarum, assentou-se

na defesa do “direito legítimo ou natural” do proprietário, e na difusão da propriedade através

do pagamento de melhores salários aos trabalhadores.

Para Leão XIII, os principais deveres do patrão era o de “dar a cada um o salário que

convém” recordando-se “o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria, e especular

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com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas”(LEÃO

XIII. In:DE SANCTIS, 1972, p.23).

Correndo parelhas com esta definição, Rezende Martins escreveu:

Com que fundamento declaram esses divulgadores de falsas doutrinas que a

propriedade é um roubo? A propriedade não é um roubo, é um direito. Quem

impede o operário inteligente e audaz, economico e bem orientado de se

tornar tambem capitalista? É seu direito! E quantos casos destes não

conhecemos? Dizem eles por exemplo diante da mercadoria fabricada: É

tudo produto do operário emquanto este, o verdadeiro produtor, se deve

contentar com o magro salario que percebe, o capitalista embolsará somas

fabulosas. E uma injustiça flagrante. Mas, pelo amor Deus, dizei-me:

Poderia o operário desenvolver seu trabalho, se não encontrasse as fabricas

instaladas, os instrumentos a mão, a inteligência do gerente e dirigir-lhe o

braço e o capital da empresa a fornecer a matéria prima e tudo

mais?(MARTINS,1919,p.19).

Em relação à questão salarial, Amélia de Rezende ressalta que o mesmo é resultado de

um contrato legítimo entre patrões e empregados, sendo que o mesmo não é obrigado a

aceitar trabalhar na empresa, ou seja, a opção é do operário em se sujeitar às condições de

trabalho do patrão, “nesta ou naquela empresa”. No discurso, a autora argumenta:

E se elle chega a acordo quanto ao salario que deseja perceber, que razão

tem para se revoltar logo em seguida? O seu direito ao salario é sempre

indiscutivel: e se a empresa não da lucro? E se fracassa a empresa, que

responsabilidade recahe sobre o operario? Nenhuma, só o capitalista sofre a

ruina. O que revolta o operário é o facto do seu serviço ser considerado

como se fora uma mercadoria. Mas... o trabalho do homem é propriedade

sua e se elle prefere alienal-o ao serviço de outrem em vez de se aventurar

em alguma empreza propria quem pode impedil-o? E ainda seu direito.

Assim o operário se faça pagar o que julga valerem as suas horas de

ocupação (MARTINS, 1919,p.20).

Nota-se que semelhante raciocínio pode ser verificado no intertítulo da encíclica Rerum

Novarum denominado O quantitativo do salário dos operários, neste o papa Leão XIII

afirmou que uma vez “livremente aceito o salário por uma e outra parte, o patrão cumpre

todos os seus compromissos desde que pague e não é obrigado a mais nada”(LEÃO XIII.

In:DE SANCTIS, 1972, p.37). Nesta cadência, Leão XIII salienta que:

Em tal hipótese, a justiça só seria lesada, se ele se recusasse a saldar a dívida

ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfazer as suas condições;

e neste caso, com exclusão de qualquer outro, é que o poder público teria

que intervir para fazer valer o direito de qualquer deles(LEÃO XIII. In:DE

SANCTIS, 1972, p.37).

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88

É válido imiscuir que para Leão XIII, o trabalho é uma forma de exercer uma atividade

com a finalidade de procurar suprir as diversas necessidades do homem, mas também, e ,

principalmente, que propicie a sustentação da própria vida: “Comerás o teu pão com o suor de

teu rosto” (LEÃO XIII. In:DE SANCTIS, 1972, p.37). Nesses termos, o trabalho recebe um

duplo caráter: pessoal e necessário.

(...) é pessoal, porque a força ativa é inerente à pessoa, e porque é

propriedade daquele que a exerce e a recebeu para sua utilidade; e é

necessário, porque o homem precisa da sua existência, e porque a deve

conservar para obedecer às ordens irrefragáveis da natureza. Ora, se não se

encarar o trabalho senão pelo lado pessoal, não há dúvida de que o operário

pode a seu talange restringir a taxa do salário. A mesma vontade que dá o

trabalho, pode contentar-se com uma pequena remuneração ou mesmo não

exigir nenhuma”(LEÃO XIII. In:DE SANCTIS, 1972, p.37).

Assim o trabalho deve ser exaltado como meio nobre de manter a sobrevivência, devendo

o patrão cumprir a obrigação de pagar um salário proporcional ao esforço, de forma que

satisfaça minimamente o operário.

Outro princípio colocado em evidência pelo papa Leão XIII na encíclica Rerum Novarum

(1891), que se faz importante para a presente análise, era de que os homens deveriam aceitar

“com paciência a sua condição” pois era “impossível que na sociedade civil todos fossem

elevados ao mesmo nível”(LEÃO XIII. In: DE SANCTIS,1972,p.21) ressaltando que estes,

deveriam ater-se nos princípios cristãos e afastar-se dos fitos socialistas que preconizavam a

promessa da igualdade plena entre os indivíduos, conduzida mediante o exercício de um

poder totalitário do Estado nas esferas política, econômica e social.

Em um dos trechos da carta encíclica, o papa Leão XIII alerta para a resignação diante da

pobreza, visto que era “para as classes desafortunadas” que o coração de Deus se inclinava

mais, e neste caso, ser pobre seria uma virtude:

Quanto aos deserdados da fortuna, aprendam da Igreja que, segundo o juízo

do próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio e que não se deve corar por

ter de ganhar o pão com o suor do seu rosto. É o que Jesus Cristo Nosso

Senhor confirmou com o Seu exemplo. Ele, que “de muito rico que era, se

fez indigente”(2 Cor 8,9) para a salvação dos homens; que, Filho de Deus e

Deus Ele mesmo, quis passar aos olhos do mundo por filho dum artesão;

[...]. Quem tiver na sua frente o modelo divino, compreenderá mais

facilmente o que Nós vamos dizer: que a verdadeira dignidade do homem e a

sua excelência reside nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude

é o patrimônio comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos

grandes, dos pobres e dos ricos; só a virtude e os méritos, seja qual for a

pessoa em quem se encontrem, obterão a recompensa da eterna felicidade.

Mais ainda: é para as classes desafortunadas que o coração de Deus parece

inclinar-se mais (LEÃO XIII. In: DE SANCTIS, 1972, p.26).

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Nas palavras de Rezende Martins, “o trabalho não é um castigo; é uma benção. Uns

trabalham com a intelligengia, com os braços trabalham outros”. Para ela, Deus, na sua

infinita sabedoria, colocou cada um no seu lugar conveniente. Com este posicionamento,

Rezende Martins realiza a divisão do trabalho, ou seja, que a atividade intelectual e material,

o gozo e o trabalho, a produção e o consumo, caibam a indivíduos distintos. Segundo a autora,

“deu nos Elle a cada um a sua cruz e se nos fosse permettido ajuizar dos sofrimentos dos

nossos semelhantes, veríamos que a nossa própria cruz é a que melhor se nos ageita aos

hombros”. Por isso não haveria motivos para a revolta e nem para o ódio dos operários em

relação as “classes superiores” (MARTINS, 1919, p.15). Nesse compasso, e aos moldes de

Leão XIII, Rezende Martins direciona seus argumentos apelativos aos operários, incitando-os

a aceitação ou conformação de sua condição de trabalhador:

Não escuteis o vento de revolta que sopra no mundo inteiro. Deveis oppôr a

voz do mal, que conduz a angustia e a morte, o hymno da conformidade, que

é um balsamo contra todas as dôres. Não mais vos levantei em greves, nessas

greves que são a desgraça das vossas

famílias. Se quereis que vossos superiores para convosco usem de

humanidade, bem vêdes que não é de justiça que contra eles vos levantei

com ódio. (...) O povo, na Europa, estorce se nas garras da fome e,

desesperado, proclama seus desvairados ideaes de reforma social(...) Não!

Não é a igualdade das classes que quereis! Sabeis muito bem que, emquanto

o mundo fôr mundo, há de subsistir a desigualdade. Vêde: se tendes uma

filha, apupila dos vossos olhos não consentis que ella se case com um

homem, que lhe seja de condição inferior. Pois assim como há quem esteja

abaixo de vós, acima de vós tambem não repugna que esteja alguém. E nas

altas camadas sociaes, são porventura todos eguaes? Nem é tão pouco. (...) a

igualdade da fortuna que ambicionaes. O que ao abysmo esta levando o

mundo não é a conquista da igualdade, mas a revolta do povo, que se

encontra infeliz e o egoísmo dos ricos, que não querem olhar para o povo!

Todos querem subir, subir... Mas, até onde, meus amigos? (MARTINS,

1919,p.15-16).

Por fim, a mensagem urdida pela católica deveria alcançar não apenas as massas, mas a

totalidade da nação:

Erguei a fronte, caros patrícios meus, e vêde se não encontrais Deus em

todo o Universo!(...) Porque quereis então excluil-o da nossa Constituição:

porque excluil-o das nossas repartições publicas? Se há credos diferentes,

arredae-os do erro apontando-lhes a verdade! Sem Deus, meus Senhores, o

problema social não tem solução! Rompei os laços das convenções que vos

acorrentam e collocae, Senhores , o Christo nas Escolas para que nossos

desde pequenos aprendam a trilhar o caminho do bem; o Christo nas

Fabricas a animar o operario no seu trabalho; o Christo na Escola Militar, a

guiar a arma, que deve ser a nossa segurança ; o Christo na Marinha, que

esteve sempre sob a proteção da doce Estrella do Mar; o Christo no palácio

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do Governo, Snr. Presidente; o Christo no Senado, na Camara, no Jury; o

Christo reinando em cada coração brasileiro para que todos pulsem

uníssonos, levados pelo mesmo Ideal de dar a nossa Patria um lugar único na

Historia, o de guiar a Humanidade pelo exemplo magnifico da Caridade

Christã!(MARTINS, 1919,p.32-33).

Esse foi o discurso que Amélia de Rezende Martins apresenta tendo em vista a conversão

das forças operárias. É salutar mencionar que Reflexões sobre o momento social é uma obra

produzida ao calor da conjuntura.

Num tempo de grandes manifestações, greves e descontentamento popular geral, Amélia

de Rezende Martins decidiu intervir publicamente e marcar uma reflexão protagonista, onde a

atenção à questão social se aproximou progressivamente da reflexão que vinha sendo

realizada nos quadrantes do pensamento católico social estabelecidos pela encíclica Rerum

Novarum. Um comportamento que visava influir, através da opinião pública, na condução da

sociedade e na mudança das mentalidades, fortemente animadas por disputas culturais e

políticas.

No obstante, mesmo que o empenho pela consolidação de uma cultura católica com as

obras sociais tenha sido uma das linhas de frente da atuação de Amélia de Rezende Martins,

no sentido de propor soluções aos problemas sociais brasileiros, desde o período em que

militava na cidade de Campinas, em momento algum se olvida o fato de Rezende Martins

defender, neste momento, seus próprios interesses pessoais, políticos e econômicos, velados

por uma preocupação com as péssimas condições dos operários.

O breve posicionamento da autora no excerto abaixo, retirado de Reflexões sobre o

momento social, é singular e oportuno, no sentido em que esta se querendo apontar. Entende-

se que uma das suas finalidades foi também, o de defender e manter sua posição e liberdade -

assim como de seus familiares - para continuarem com suas prerrogativas e propriedades:

Essas teorias todas, adoptadas pelos descontentes do mundo, visam um fim

único: deprimir a alta sociedade, e tirar aos ricos a fortuna em proveito da

sociedade collectiva (...) Reflecti, meus amigos que a desgraça que eles

levarão as classes abastadas, vos ira tambem afligir na vossa familia, e ao

lado da fome tereis em vosso lar a deshonra! Os orientadores dessa revolta

social sentirão a alegria teroz de terem arruinado os ricos; esses ricos que

eles odeiam. Não há lei humana, meus amigos, que possa obrigar o

proprietário a repartir com os outros o que é seu, o que adquiriu pelo seu

esforço e inteligência (...) (MARTINS, 1919,p.25-26).

Além disso, não podemos esquecer que no período em tela, entre os anos de 1917 a

1920, a brutal exploração da mão-de-obra operária e as denúncias sobre as injustiças do

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sistema capitalista tornaram-se um dos temas mais citados no período, surgindo como uma

das maiores preocupações dos artigos e editoriais, principalmente na imprensa operária, que

objetivavam um meio de divulgação e articulação da luta de classe, assim como buscavam

uma maneira de pressionar a opinião pública e o governo. Como diz, Fausto (2013) “o

movimento operário ganhou a primeira página dos jornais e passou a preocupar a elite

dirigente” (FAUSTO,2013,p.257).

Sob este aspecto, um evento particular merece ser destacado. Em 26 de março de

1917, o jornal A Rua publicou um texto com o curioso título “Um cyclo do Inferno de Dante!

É ali em Mendes que elle se encontra”. Na matéria, o articulista realiza uma denúncia sobre a

precariedade das condições de trabalho dos operários da fábrica de papel pertencente à

Companhia Industrial Itacolomi, localizada no município de Mendes, no Rio de Janeiro,

fundada por Dr. Felicio dos Santos, cujo principal acionista e diretor-gerente da Companhia

era o já mencionado marido de Amélia de Rezende Martins.

Segundo a matéria a empresa até meados de 1914 passou de uma existência muito

precária para um enorme impulso lucrativo entre os anos de 1915 e 1916, “atingindo cerca de

mil contos de réis de lucro liquido”. Para o articulista, o principal responsável pelos

“fabulosos lucros” da empresa, ou a sua prosperidade, foi sem dúvida, a direção de João de

Assis Lopes Martins.

Em tom de aversão e denúncia, a matéria explicita o “método” adotado pelo então “rico e

muito católico” diretor da empresa:

Tem a Companhia somente em Mendes cerca de 400 operarios , entre os

quaes cerca de 150 moças e creanças, algumas menores de 10 annos e

submetidas todas a um rude serviço. Os salários, porém, são

vergonhosamente miseráveis, os homens adultos jamais percebem mais de 2

$ ou 2$200 por dia de 12 ou 13 horas de serviço; as moças ganham, em

média 1$ e as creanças percebem apenas $600. Na fabrica trabalha-se dia e

noite e os operarios revessam-se: uma turma trabalha de dia durante uma

semana e na seguinte passa a trabalhar á noite, a turma do dia, trabalhando

das 6 às 18, tem 45 minutos para o almoço; a turma da noite, porém,

trabalhando das 18 às 6, isto é, durante 12 horas, não tem um minuto de

repouso e ganha o mesmo salario. Alternando as turmas a direção da fabrica

evitou assim ter que pagar mais pelo serviço da noite, mais longo e mais

penoso. Trabalhar 12 horas, à noite, sem interrupção, para perceber apenas o

misérrimo salario de 2$ é o horror a que estão votados os proletários de

Mendes. O quadro, porém, ainda é mais negro. Em cada uma das turmas

existem creanças de menos de 10 annos que trabalham o mesmo numero de

horas que os adultos e que percebem apenas 600 $!

Obrigar uma creança de oito ou nove anos a trabalhar a pé firme, sem

descanso, 12 horas a fio, à noite, é uma barbaridade inominável de que os

humanos modernos ainda não foram acusados e que, no entanto, é praticado

no estabelecimento industrial do muito catholico e rico Sr. João Lopes

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Martins, que embolsa tranquilamente pingues lucros assim deshumanamente

alcançados. Os horrores e miséria provém do inferno que é a fabrica de papel

de Mendes (A Rua, Rio de Janeiro, 26 de março de 1917, p.1).

Nota-se, no fragmento citado, que o baixo salário era parte integrante dos instrumentos

que garantiam os lucros desejados pelo representante da fábrica. No caso, a Companhia

Itacolomy representada pelo diretor João de Assis Lopes Martins contratou 400 operários

(homens, mulheres e crianças) para trabalhar 12 horas diárias ou 60 horas semanais por um

salário de 2, 1 e 0.600 contos de réis por dia, respectivamente. Se excetuarmos o ano de 1916,

teremos um gasto anual com os trabalhadores de aproximadamente 156,24 contos de réis e um

lucro líquido de 1000 contos de réis para o patrão, sinalizando quase 86,5 %, não descontado

as despesas da fábrica, visto que é um dado não explicitado na matéria.

Por conseguinte, o artigo continua denunciando as condições de exploração dos

trabalhadores na fábrica, com uma longa descrição dos trabalhos desenvolvidos pelos

operários. Assim, além de revelar a discriminação do trabalho feminino através do valor da

remuneração, por receberem, pelo mesmo trabalho que realizavam os homens, um valor

inferior, o texto chega a descrever o precário processo de separação dos papéis e trapos do

lixo em “fardos ou balas” por crianças, que “sem prévio trabalho algum de desinfecção”

ficam “expostas ao contágio das mais horríveis moléstias”. Na abordagem do tema, o

jornalista expõe que entre os fardos abertos foram encontrados desde restos de varreduras de

casas até fetos humanos e animais em decomposição.

Detrictos asquerosos de toda a ordem são constantemente encontrados e

muitos dos operarios que ali trabalham, creanças ainda, ja contrahiram a

siphylis, apresentando, nos lábios, chagas siphyliticas. Continua a

exploração (A Rua, Rio de Janeiro, 26 de março de 1917, p.1).

Tendo como um dos objetivos intensificar o apelo à mobilização do leitor pela

instigação e pela revolta, o articulista finaliza o texto expondo a questão salarial, o atraso e a

subtração dos rendimentos dos trabalhadores através da venda das mercadorias pelos “vales”

através da manipulação de um único “armazém” provido pela fábrica:

A Companhia só paga aos seus operarios o miseravel de dois em dois mezes,

ficando sempre atrasado um mez; todas as semanas, porém, dá vales para um

armazem onde tudo é vendido por preços exorbitantes; esse armazem não

pertence à Companhia; funciona, porém, em um pardieiro, pertence à mesma

e alugado por 400$ por mez, o que é fabuloso ali em Mendes. O proletariado

é ali indignamente explorado por todo os passos enquanto os acionistas

auferem fabulosos lucros. É tal a miseria que reina ali que a maioria dos

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operários come uma só vez por dia, isso pela falta absoluta de recursos (A

Rua, Rio de Janeiro, 26 de março de 1917, p.1).

Não foi possível encontrar muitas informações sobre o referido periódico, entretanto,

parece-nos interessante registrar que, a redação do jornal localizava-se na antiga Avenida

Central - atual Avenida Rio Branco- logradouro que cruza o centro da cidade do Rio de

Janeiro53

. O jornal era impresso pela “Casa NordsKosg & C-Christiania”, ou seja, no mesmo

local em que eram impressos o jornal A Epoca e a revista O Tico-Tico, materiais de grande

circulação. De acordo com Vergueiro e Santos (2008) a publicação do título O Tico-Tico

destinada preponderantemente para a infância, desde sua inauguração em 1905, teve como

fito atingir o país inteiro. Assim, há que se considerar que o local e as “condições técnicas de

produção vigente”(LUCA, 2014,p.132) contava, no mínimo, com uma maquinaria mais

otimizada, própria daquelas que rodavam os grandes jornais e revistas da época.

Desse modo, entre as possibilidades ensejadas pela fonte54

, tais como, suas

características materiais e sua forma de organização interna dos conteúdos, com diagramação

que reservava espaço para temas diversificados, incluindo desde notícias sobre a cidade do

Rio de Janeiro, do país e do mundo, religião, esportes, notícias policiais e acontecimentos

sociais gerais, é possível dizer que os responsáveis pela publicação procuraram

estrategicamente atingir diferentes leitores.

No que diz respeito às explícitas denúncias sobre as péssimas condições de trabalho

dos operários, como um dos temas do jornal, deve-se ter em vista, que mesmo que alguns

periódicos não estivessem atrelados diretamente a associações ou entidades operárias, como o

abordado neste estudo, o conteúdo que eles tornavam público canalizava tanto as delações

como reivindicações do movimento obreiro. Assim, o jornal A Rua, trazia em sua página

inicial a voz dos excluídos da fábrica de papel de Mendes, homens, mulheres e crianças

“desumanamente explorados”. Em outras palavras, o periódico representava de alguma

53

Em 1914, a redação e administração do jornal A Rua situava-se no logradouro “Sete de setembro, nº 97”,

sendo posteriormente transferida em dezembro do mesmo ano para “Rua do Ouvidor , nº127”. Entre os anos de

1917 a 1923, encontrava-se na “Avenida Rio Branco, nº129”. No caso, todas as referências correspondem a

região central do Rio de Janeiro. Principais fontes consultadas: A Rua, 1 de jul. de 1914,p.1; 2 de dez. de

1914,p.1; 1 de nov. 1915, p.1; 26 de mar. 1917,p.1 e 2 de mar.de 19123,p.1. 54

As informações citadas sobre o jornal A Rua estabelecem alguns limites para as inferências. Dificilmente

poderíamos afirmar, por exemplo, que o periódico possuía uma circulação ampla, ou seja, em todo estado do Rio

de Janeiro ou em todo país, baseado apenas nestes indícios. Como a pesquisa não conseguiu provas empíricas em

grau suficiente, se faz necessária uma averiguação mais ampla, certamente tema para uma próxima pesquisa.

Quanto aos diretores e/ou jornalistas do jornal, vale ressaltar que nas edições anteriores a 2 de março de 1923

não foi possível visualizar os respectivos nomes, entretanto, na primeira página do jornal desta referida data,

consta o nome de Miranda Rosa na direção e, em 1927, constam Jorge Santos e F. Oberlaender (A Rua, 2 de

mar.de 19123,p.1) e (1 de nov.1927,p.1).

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forma, ainda que simbólica, a classe operária em si, na medida em que serviram de

instrumento para a denúncia sobre a falta de assistência dada a esses funcionários, os maus-

tratos e abusos promovidos pela negligência dos contratantes.

Vale mencionar que o marido de Rezende Martins foi alvo de outros ataques

verticalizados do jornal A rua. Em novembro de 1915, dois anos antes da publicação da

matéria acima, o periódico anunciou o seguinte título “A cidade foi despertada por um grande

incêndio”. No corpo da reportagem, o jornalista escreve sobre um incêndio que atingiu o

depósito da Fábrica Itacolomy e a tipografia do jornal A União deixando dois feridos: o

“padre Felicio Mogal e seu companheiro José Ferreira”. O curioso é que na matéria o autor

além de descrever as consequências do ocorrido, o jornalista acrescenta antes da palavra

“trabalhadores” o adjetivo “explorados”, salientando que os mesmos, no momento do

incêndio já tinham se retirado “às 7 horas, como de costume, pois ali não dormia nenhum

deles”. O autor aguça ainda os leitores a responsabilizar os diretores da fábrica Italacomy pelo

ocorrido, mencionando que o incêndio poderia ter sido estrategicamente provocado:

A danificação pelo fogo que, para muitos é o meio facil de liquidar negocios

em más condições, tirando desse impulso criminoso o maior proveito

possível, não foi, por certo, o que aconteceu com a empresa que explorava a

Fabrica de Papel Itacolomy, cujo deposito existente, à rua do Mercado, n. 51,

foi na madrugada de hoje devorado pelas chamas(...)Tem essa empresa, à

sua frente, os Srs., Dr. João A. Lopes Martins, seu presidente, e Euripedes

Coelho Magalhães e Sidney de Lovell Parker, que, não medindo o perigo de

que estava ameaçando o deposito , tinham-n’o no seguro de 35$000$000,

apenas, quando o “stock” ahi existente orçava por 100$000$000. A fabrica

ocupava a loja do prédio, funccionando a redação e oficinas do jornal

catholico “A União”, de propriedade do Dr. Felicio dos Santos, cujos

prejuízos foram também quase totaes. (A Rua, 9 de nov. de 1915, s/p.)

O autor conclui afirmando que Felicio dos Santos e Remigio de Almeida Pinto,

diretores do jornal A União e os funcionários da empresa prestaram depoimento à polícia, no

entanto, “todas essas pessoas disseram ignorar a causa do fogo”.

Não há indícios explícitos de quem escreveu as duas notícias citadas no jornal A rua,

no obstante, fica evidente o posicionamento e a opinião do articulista em relação ao principal

acionista e diretor da fábrica - João de Assis Lopes Martins- na primeira, como um dos

principais responsáveis pela precarização do trabalho na fábrica e na segunda, como aquele

que, ao lado de Euripedes Coelho e Sidney Lovell, fez uma manobra fraudulenta para receber

o seguro. Em ambas reportagens notamos uma preocupação em delatar as condições

operárias. Poderíamos dar outros exemplos ou ilustrações dessas iniciativas nos periódicos do

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período, contudo, o importante aqui foi procurar demonstrar o “clima” em que se moviam e

atuavam os Rezende Martins nestes primeiros anos na cidade de Mendes.

Convém ressaltar, que a resolução ou atenuação da questão social, apareceu em outras

publicações de Amélia de Rezende Martins. Em 1919, a autora publicou Complementos sobre

o momento social, e em 1924, A mulher e o feminismo, ambos textos abordavam os riscos que

esse tema poderia significar para a sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que

proporcionava ao leitor algumas soluções complementares à questão operária, em especial,

ao problema do trabalho da mulher, que era visto como consequência de um “feminismo

exacerbado e de uma febre de trabalho operário”(MARTINS, 1924,p.5), e nesse caso, “ao

lutar para conseguir os lugares mais rendosos do homem” (MARTINS, 1924,p.5) ameaçava

gravemente a força e a estabilidade da célula mater da sociedade, o edifício da ordem social e

moral: a família55

.

Entretanto, o importante para Rezende Martins, nestas duas obras, não era apenas o papel

familiar como fonte de autoridade moral, mas o papel tradicional atribuído a cada sexo. Vale

mencionar que na base da proposta católica, a mulher, a mãe, sempre caberá a maior

responsabilidade pela educação dos filhos, ou seja, a transmissão de valores morais, mas o

comando é em maior parte do homem. A esse respeito, esclarece Bazelaire (1960):

A Sagrada Escritura, com uma palavra, define a sua função natural: ela é

companheira do homem, “adjutorium símile sibi”. Nem o objeto do homem,

nem a sua escrava. Espôsa e mãe, compartilhará dos direitos e deveres do

esposo e do pai. E se o homem é a cabeça do casal, como diz São Paulo, é

sem detrimento dos direitos essenciais da mulher. (BAZELAIRE, 1960,p.80)

Ou seja, nesse acordo mútuo sacramentado em uma disciplinada união sui generis

regulada pelo direito que é o casamento cristão, certos trabalhos seriam “naturalmente

impróprios” a mulher, pois a natureza lhe destinou os labores domésticos, a incumbência da

boa educação da prole e a prosperidade da família.

Nesse sentido, para Rezende Martins, a mulher que precisava trabalhar fora, a

“mulher operária” era um problema complexo que precisava ser atenuado ou corrigido,

primeiro por que infringia o sacramento do matrimônio e o seu direito em exercer sua função,

comprometendo assim, toda a formação moral da criança e, consequentemente da sociedade

como um todo, visto que, para ela, somente a família e a Igreja poderiam conter as paixões

55

Na perspectiva de Rezende Martins, a família, originando-se através do contrato procedente da livre e mútua

anuência entre homem e mulher, sacramentado num rito simbólico de Cristo com a Igreja, origina a sociedade

doméstica, que é reflexo micro da sociedade maior.

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humanas, transformando os interesses individuais estreitos no bem comum. Segundo, por que

as péssimas condições de trabalho a que eram expostas às operárias, “exercendo muitas vezes

posições masculinas” (MARTINS, 1924,p.26) comprometiam a saúde da mulher e de sua

futura prole, contribuindo por perpetuar e acentuar mais ainda o “estigma fatal da

degenerescência” (MARTINS, 1924,p.18) do país, o estigma de “nossa raça decadente(...)

raça decahida, physica e moralmente”(MARTINS, 1924,p.10). Seria necessário cuidar da

mulher brasileira “fonte da robustez ou da miseria do Brasil”(MARTINS, 1924,p.18).

Pode-se dizer, que na obra tanto na A mulher e o feminismo quanto em Complementos

sobre o momento social, são estreitos os pensamentos de Rezende Martins com as ideias e

práticas do movimento eugenista divulgados pelos sanitaristas brasileiros durante os anos

1910 e 1920. Como se percebe em um dos trechos da obra A mulher e o feminismo:

Meus Senhores, parece-me, a mim que um dos problemas mais sérios hoje,

talvez o mais sério, é cuidarmos do fortalecimento da nossa raça,

evidentemente decadente (...)De lares bem constituídos dependerá a

grandeza e a prosperidade do Brasil...Os nossos homens são indolentes já

pelo clima, já pelas taras que lhe tiram a resistencia physica; o abuso do

alcool ainda mais arrasta o aniquilamento da raça e desgraça a familia ...As

mulheres são macilentas e as creanças já são marcadas pela senilidade. O

Governo deveria lançar os olhos para esse problema gravissimo que não é o

problema operário, senão o problema brasileiro(MARTINS, 1924,p.10).

Há de se ressaltar, conforme afirmou Vanderlei Sebastião de Souza (2006) que no início

do século XX, por ser o Brasil uma nação amplamente miscigenada, cuja população era em

sua maioria pobre, doente e analfabeta, os brasileiros foram considerados pelos discursos

científicos, sociais e políticos produzidos no “mundo civilizado”, como uma população que

apresentava tudo do que havia de mais imoral, incivilizado e “disgênico”. Segundo o autor,

ao menos durante os anos 1920, o pensamento eugenista brasileiro, foi profundamente

marcado por um estilo de eugenia preventiva, muito associada às campanhas médicas e

sanitaristas de caráter reformista. Como destacou:

(...) o interesse central do movimento eugenista consistia em elaborar um

amplo programa de propaganda e conselhos higiênicos, de combate as

doenças e outros “males sociais”, com vistas ao melhoramento da saúde

pública e do futuro da nacionalidade. Contudo, os eugenistas também

incentivaram medidas que visavam racionalizar a natalidade e orientar a

reprodução humana. O objetivo era regulamentar o matrimônio e impedir a

união conjugal entre os indivíduos considerados “inadequados”, portadores

de “taras hereditárias”, “criminosos” e “delinqüentes” (SOUZA, 2006,p.53).

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De acordo com V.S.Souza (2006), Belisário Penna (1868-1939)56

, foi um dos principais

líderes do movimento sanitarista e fundador da Liga Pró-Saneamento do Brasil. O autor

destaca que Belisário Penna denunciava, através de uma série de artigos publicados nos

jornais da época, o descaso político com que o Estado brasileiro tratava a saúde da população.

Para este sanitarista, os problemas brasileiros não seriam resolvidos enquanto as autoridades

públicas continuassem alheias às péssimas condições sanitárias do país, sobretudo em relação

às endemias e epidemias que assolavam a grande maioria da população.

Conforme Carvalho (1998) uma das propostas sugeridas por Belisário Penna no período,

foi a prescrição de uma “política agro-sanitária-colonizadora e educadora que tinha como base

a extinção do latifúndio e o incremento da pequena propriedade agrícola”(CARVALHO,

1998,p.162). Carvalho (1998) assevera que Belisário Penna estava convencido da urgente

necessidade de fixar na pequena propriedade rural, tanto o elemento nacional quanto o

estrangeiro, da organização do saneamento rural, de larga assistência e educação higiênica do

povo como medidas fundamentais de prosperidade econômica do Brasil e sua consequente e

benéfica transformação político-social(CARVALHO, 1998,p.162-163).

Dessa forma, o rural, sediado na pequena propriedade, aparece representado para Belisário

Penna como fonte de vitalidade, moralidade e patriotismo para o povo (CARVALHO,

1998,p.165).

Faces de uma mesma realidade enunciativa, inseridos dentro de um mesmo contexto

histórico nacional, Belisário Penna e Amélia de Rezende Martins, dialogam entre si. Se

Rezende Martins havia encontrado, no próprio movimento eugenista brasileiro, motivação

suficiente para embasar seus projetos, receberia também do próprio Belisário Penna uma dose

a mais de entusiasmo. Rezende Martins era amiga pessoal de Penna, e conforme ela mesmo

comentava, de que o médico e eugenista havia-lhe “ampliado as ideas”(MARTINS, s.d.,p.11).

Posteriormente, em 1927, Penna iria fazer parte do conselho consultivo da associação de

Rezende Martins – a Ação Social Brasileira. Em 1931, já no governo de Getúlio Vargas,

Belisário Penna desempenharia o papel de articulador, mediador e responsável pela

56

Belisário Augusto de Oliveira Penna (1868-1939), formado em medicina pela Faculdade de Medicina da

Bahia, iniciou sua trajetória como médico-sanitarista em 1904, ano em que assumiu o cargo de Inspetor Sanitário

da cidade do Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, realizou várias expedições médicas e sanitárias ao interior do

Brasil, quando passou a desempenhar, juntamente com Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Arthur Neiva, um

importante papel no discurso médico-sanitarista. Em 1916, assumiu o primeiro posto de profilaxia rural criado

no Brasil, instalado no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, passou a fazer várias campanhas em defesa das

políticas sanitárias, sobretudo em artigos publicados no Correio da Manhã, que dois anos depois seriam editados

no livro “Saneamento do Brasil”. Em 1918, no mesmo ano em que fundou a Liga Pró-Saneamento do Brasil,

Belisário assumiu a direção dos Serviços de Profilaxia Rural, recém criado pelo presidente Wenceslau Brás

(SOUZA,V.S.2006, p.27). Ver também: SANTOS (2012); SILVA (2013).

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divulgação do projeto no meio político, proporcionando e estabelecendo contatos diretos entre

Amélia de Rezende e o diretor geral da Diretoria de Instrução Pública, o então Anísio

Teixeira, com o interventor federal (prefeito da cidade do Rio de Janeiro) Dr. Pedro Ernesto e

com o Consultor Geral da República, Levi Fernandes Carneiro.

Neste âmbito, os discursos de Amélia de Rezende Martins assemelham-se muito às

alocuções de Penna, principalmente quando referidas a sua proposta política “agro-

sanitária”(CARVALHO, 1998,p.162) de organização da sociedade.

A solução do problema operário para Martins, dependeria de amplas reformas sociais,

educacionais, morais e sanitárias capazes de restabelecer a saúde e o vigor da nacionalidade.

Nas palavras de Rezende Martins, a solução dependeria de uma “sábia e inteligente

organisação intima, politica e social” que privilegiasse o campo (MARTINS, 1924,p.9).

É desse sentimento oceânico, ou do resquício deste, que emergiu uma de suas propostas

para a resolução dos problemas operários: os Núcleos, “sob o modelo dos núcleos

coloniaes”(MARTINS, 1924,p.11).

O Governo teria, talvez , um meio de sanar algumas dessas dificuldades... Os

nucleos, sob o modelo dos nucleos coloniaes , seriam, quem sabe, a

resolução do problema...O que as mulheres, moças e creanças, não

alcançarão em 6 mezes de Sanatorio, obteriam facilmente no ar puro do

campo... (MARTINS, 1924,p.11).

A proposição referente aos Núcleos será trabalhada em outro momento, deste mesmo

capítulo, contudo, é importante referenciar que tal proposta, expressa na obra A mulher e o

feminismo (1924), se faz importante para a presente pesquisa, pois corresponde a um

aprofundamento ou até mesmo uma atualização das ideias exteriorizadas em Reflexões sobre

o Momento Social (1918), e em Complementos sobre o Momento Social (1919), e que

indubitavelmente foram também aproveitadas e/ou atualizadas no projeto Ação Social

Brasileira proposto em 1929 no círculo da ABE.

Em outras palavras, a origem de seu tema, método, problemas e objetivos, é um contínuo

retorno a essas três obras que fundamentam a coerência e a unidade mantidas por seu

pensamento entre os anos de 1918 a 1934. O que muda é apenas seu projeto e o foco de sua

análise por sua atenção que se volta a diferentes aspectos em função do contexto histórico que

vai gerando soluções diferentes para o mesmo diagnóstico. Desse modo, para

compreendermos o projeto Ação Social Brasileira, foco central de nossa análise, exige que

pensemos na evolução desta mesma narrativa no tempo. De modo análogo, se faz importante

verificar como se constituiu o alargamento da “rede de sociabilidade”(SIRINELLI,

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2003,p.248) de Rezende Martins na cidade do Rio de Janeiro na década de 1920,

identificando as estruturas de que fez parte, suas referências intelectuais e seus interesses

dentro da cidade. Em suma, precisamos analisar “onde os laços” de Amélia de Rezende

Martins “se atam” (SIRINELLI, 2003,p.248) no período em que se transferiu de Mendes para

a antiga capital, para posteriormente analisarmos a proposta dos núcleos coloniais.

2.4. Entre intelectuais católicos na cidade do Rio de Janeiro: A rede de sociabilidade

de Amélia de Rezende Martins.

E o que direi ao meu prezado auditorio, aos meus queridos ouvintes

aqui de mais perto, da nossa capital, onde acompanhamos, todos, os

estudos e as discussões que se travam sobre as questões sociaes? O

que vos direi?(MARTINS, 1934,p.18)

Como afirmado anteriormente, a pesquisa se atém na hipótese de que Amélia de

Rezende e sua família instalaram-se de forma permanente no bairro das Laranjeiras, na cidade

do Rio de Janeiro em meados de 1920. Cabe destacar que este foi um período em que

Martins manteve e intensificou suas relações pessoais de amizade com diferentes prelados e

figuras católicas de grande significação, clérigos e leigos. Nesta constelação de relações,

Amélia ampliou e fortaleceu suas convicções, ideias e projetos, assim como afirmou sua

posição fiel aos ensinamentos pontifícios, à defesa dos interesses da Igreja e a realização de

um projeto de renovação social.

Este círculo de amizade contará com a presença marcante de grandes incentivadores

do apostolado social de Martins, entre eles: Jonathas Serrano, Laura Lacombe, Fernando

Magalhães, Levi Carneiro, Alceu Amoroso Lima, Afonso Celso, José Piragibe, Raul Leitão

Cunha, o inspetor salesiano Padre Pedro Rotta, o frei franciscano Pedro Sinzig57

, padre João

Baptista Siqueira, D. Duarte Leopoldo e Silva, arcebispo de São Paulo e Dom Helvécio

Gomes de Oliveira arcebispo de Mariana (MG).

Dois clérigos merecem uma especial atenção nesta rede, são D. Joaquim Mamede da

Silva Leite (1876-1947)58

- antigo bispo auxiliar de D. João Batista C.Nery na Diocese de

57

Pedro Sinzig (1876-1952), frade franciscano, nascido na Áustria e naturalizado brasileiro. Foi ligado à

imprensa católica e o responsável direto pelo processo de modernização da Editora Vozes, criada pelos

franciscanos, em 1897, na então Tipografia da Escola Gratuita São José, em Petrópolis, município fluminense.

Sobre o frade Sinzig, ver: Amâncio (2014). 58

Joaquim Mamede da Silva Leite- Nasceu no dia 18 de agosto de 1876, ao que as fontes indicam, numa fazenda

em Sumaré. Em 1890 seus pais foram vítimas da febre amarela que assolou a cidade de Campinas.Por isso ele e

seu irmão Maximiano foram entregues ao então padre João Batista Corrêa Nery.Ambos entraram para o

seminário. Em 1895,o futuro D.Mamede foi ordenado sacerdote por D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque

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Campinas (1916-1920) - e o próprio arcebispo e coadjutor D. Sebastião Leme da Silveira

Cintra (1882-1942). Vale et. al (2004) aponta que com a morte de Dom Nery em 1920, Dom

Mamede foi eleito bispo de Caratinga (MG), porém, renunciou à nomeação, sendo então

transferido para Arquidiocese do Rio de Janeiro a convite de Dom Sebastião Leme.

Segundo os autores foi nesta cidade que Dom Mamede assumiu a Capelania da

Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, e continuou a desenvolver todo um trabalho em

favor dos doentes, presos, homens e crianças desvalidas. Sob este aspecto, devemos lembrar

que as obras de D. Nery foram sempre coadjuvadas por D. Mamede, este, “entregue pela

própria mãe em seu leito de morte ao então padre João B. Correa Nery ainda menino”(VALE

et al.,2004,p.590) tinha enorme carinho pelo bispo e partilhava do mesmo carisma, ou

“afinidade ideológica ou cultural”(SIRINELLI, 2003,p.248) em relação a obra salesiana.

Pode-se dizer que tanto D. Mamede quanto Amélia de Rezende Martins tiveram na cidade

campineira a mesma “socialização secundária afetiva e religiosa”(BERGER e LUCKMAN,

1996,p.193) no seu processo de formação.

Quando migrou para a cidade do Rio de Janeiro, D. Mamede circulou nos principais

espaços de sociabilidade de Amélia de Rezende. Foi, indubitavelmente, este prelado que

contribuiu para o fortalecimento e legitimação de suas ações junto a outro líder eclesiástico -

D. Sebastião Leme da Silveira Cintra. Este, em 1920, ainda como arcebispo de Olinda e

Recife (1916-1921), assim que soube que Rezende Martins estava na cidade, enviou-lhe uma

carta para convidá-la a participar das reuniões e conferências “na tranquila sala do círculo

católico, no salão da Associação dos Empregados no Commercio”59

, localizado no centro do

Rio de Janeiro.

As fontes assinalaram que este espaço constituiu-se em um lugar organizado de

aprendizado e de trocas intelectuais que agrupou clérigos, políticos, jornalistas,

conferencistas, escritores e professores e diretores de escolas, não necessariamente com

vínculo direto à Associação.

Cavalcanti, bispo de São Paulo. D. Mamede completa seus estudos na Universidade Gregoriana dos Jesuítas em

Roma, ao retornar para o Brasil em 1898, a pedido de D. Nery complementa seus estudos no Seminário da

Penha. Em 1900 foi nomeado Vigário de Vila Velha (ES), foi secretário particular de D. Nery quando este foi

nomeado bispo de Pouso Alegre (MG) em 1901. Posteriormente com a nomeação de D. Nery para bispo de

Campinas, veio ele para nova diocese como bispo auxiliar de Campinas (1916-1920). Em 1920, atendendo a

convite de Dom Sebastião Leme, seu amigo particular e bispo auxiliar do Rio de Janeiro, transferiu-se para a

arquidiocese do Rio de Janeiro onde trabalhou por vinte anos. D. Mamede faleceu em Petrópolis no dia 22 de

março de 1947(VALE et al.,2004,p.589-590). 59

A Associação dos Empregados no Comércio foi fundada em 7 de março de 1880. Sua missão era trabalhar

para o amparo, recreação e defesa dos indivíduos desprovidos dos meios basilares de subsistência, assim como

prestar assistência social, educacional, esportiva, recreativa a seus associados. Ver: www.aecrj.org.br e

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê: Amélia Rezende Martins. Rio de Janeiro, nº de chamada

RB-RBCRUPF RB-RBCRUPF 896/1, anos 1912, 1919 e 1920.

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Neste espaço “geográfico” ou “ecossistema” (GOMES, 1999,p.20) no interior do

contexto citadino realizaram-se vários encontros, desde festas, cursos, apresentações e

conferências, cujo cerne era a circulação de propostas e projetos com características

socioculturais e políticas que visassem a proposição de uma identidade nacional católica,

assim como contribuir para a formação e direcionamento de uma elite intelectual, que na

condição de militantes e aspirantes católicos atuariam na sociedade.

No início dos anos de 1920 e 1921, Isabel Lacombe, proprietária do colégio Jacobina e

já mencionada prima de Amélia, organizou na Associação dos Empregados no Comércio, um

programa de conferências e cursos com a participação de eminentes personalidades do círculo

católico, entre eles Jonathas Serrano, Everardo Backeuser, J.P. Fontenelle, Laura Lacombe,

Flavio Lyra da Silva, Carlos Américo Barbosa de Oliveira, etc. “Obedecendo a um programa

elevado no qual se apura o progresso do Brasil” os temas das palestras variavam em seus

títulos, desde a “arte de ser mãe” , “higiene da infância” “a flora e a fauna brasileira” até a

“educação ativa” , esta última, enfatizava Laura Lacombe, “sob as diretrizes do Instituto J.J.

Rousseau, em Genebra” possibilitaria transformar o mundo inteiro e as mentalidades dos

professores e alunos católicos das novas gerações”60

.

Em novembro de 1922, os jornais O Paiz, A União e Correio da Manhã publicaram a

conferência “Obra das vocações” de Amélia de Rezende Martins realizada na Associação no

dia 4 do corrente mês, a pedido de D. Sebastião Leme.

A “festa das vocações” como foi denominado o encontro, empenhou-se em tornar

conhecida a obra social e religiosa do falecido e canonizado arcebispo de Milão S. Carlos

Borromeu (1538-1584)61

, primeiro bispo a fundar seminários para a formação dos futuros

padres; conhecido no meio católico como aquele que promoveu sínodos diocesanos (reunião

convocada pela autoridade eclesiástica) e que abundou os escritos catequéticos e

conhecimento da doutrina católica. De acordo com o jornal O Paiz, a Associação não poderia

lograr, um êxito maior do que obteve com a execução do programa da festa das vocações,

visto que o evento contava com a participação de lideranças do campo católico:

60

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê Instituições: Colégio Jacobina. Rio de Janeiro, nº de

chamada CFBO SIDCO 06, 11,12,13,14, 15,17 e 27. 61

São Carlos Borromeu (1538-1584) foi um cardeal italiano e arcebispo de Milão, sendo o primeiro bispo a

fundar seminários para a formação dos futuros padres; promoveu sínodos diocesanos; abundou os escritos

catequéticos e conhecimento da doutrina católica. Foi São Borromeu que auxiliou o seu tio, então Papa João

Ângelo para colocar em prática o conteúdo do Concílio de Trento(1545-1563), assumindo com todo o ardor a

missão de obedecer as decisões que levaram à contra-reforma, o qual respondia as necessidades da Igreja

daquela época, e também levar a todos os fiéis da diocese de Milão para o Cristo. Foi canonizado em 1610 pelo

Papa Paulo V. Segundo Plinio M. Solimeu (2016), “Carlos Borromeu é o santo protetor dos catequistas”

(SOLIMEU, 2016,p.1).

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A tribuna sagrada foi occupada pelo padre Henrique de Magalhães.

À mesa occupavam os seus logares , S. Em. o Sr. Cardeal S. Ex., o Sr.

Arcebispo coadjutor, monsenhor Nuncio apostólico; o Exmo, sr. Bispo eleito

de Natal; e os diretores da obra das vocações, conego Dr. Benedicto Marinho

Monsenhor Dr. André Arcoverde, Conego Gonçalves de Rezende, conde de

Laet, Drs Christiano B. Ottoni Junior e Dr. Arthur Alcantara(...) Convidada

especialmente, a Exma. Srª D. Amelia de Rezende Martins deu uma bela

conferencia que impressionou vivamente pela elevação das ideias e pela

nobreza, sinceridade de sentimentos (O Paiz,18 de nov. de 1922,p.9).

Já o Jornal A União, publicou integralmente a conferência de Amélia realizada no

encontro. Na matéria Amélia relata sobre a tarefa proposta por D. Leme a ela: ser uma das

principais responsáveis do laicato para converter e educar almas ao catolicismo, contribuir na

catequização e na obra das vocações sacerdotais, incentivando os meninos a seguirem o

sacerdócio. A passagem abaixo traz os pontos principais do discurso da autora, na verdade, o

que se pretende aqui é demonstrar e analisar a circulação de Rezende Martins nesse grupo

católico desde seu ingresso na capital, ou seja, sua relação direta com o movimento que se

organizou na cidade do Rio de Janeiro, sob os auspícios de D. Sebastião Leme. Nos termos

da conferencista, abraçar a causa católica significou uma tarefa árdua, porém, necessária:

A carta de V. Excia., Sr. Arcebispo-coadjutor, que recebi como uma ordem,

não me veiu apenas impor a tarefa, sempre perigosa para uma mulher, de

falar em publico. Deu-me ella uma responsabilidade muito mais séria, muito

mais grave, traçando-me um thema de meditação, thema que já me tem

provocado muitas lagrimas de enternecimento, sempre que, procurando

investigar o futuro de meus filhos, imagino que poderá ser padre, um dia, um

desses meus filhos que Deus me deu, mas assumpto que não me havia ainda

empolgado de molde a acender em meu peito a chamma do combate.

A vós, sr. Arcebispo, devo a pagina que acaba de me chir da penma, avós,

revmo.clero, minhas senhoras e meus senhores, ofereço o fructo da minha

meditação e, si algum valor alcançarem(...)

A premissa-chave do discurso de Rezende Martins foi legitimar estrategicamente a

imagem de São Carlos Borromeu, cuja finalidade era atingir o “imaginário”62

desse grupo

católico, no sentido de torná-lo um arquétipo de bispo e de carreira eclesiástica aos jovens. A

conferencista visava sensibilizar as futuras elites dirigentes do país para a necessidade de se

criar um ambiente propício para o desenvolvimento da vocação sacerdotal. Para isso, a obra e

imagem de São Borromeu foi reutilizada para fins de legitimação histórica, tanto de forma

retrospectiva para fundar uma ordem tradicional quanto prospectiva para fazer desse passado

o início de um novo futuro para o Brasil. Assim, expressa Martins:

62

O conceito de “imaginário” é aquele desenvolvido em Baczko (1985,p.296-332).Utilizado também por

J.M.Carvalho (2014).

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O que nos traz hoje a atender ao convite paternal do Sr. Arcebispo é a festa

de S. carlos Borromeu, Cardial Arcebispo de Milão, o grande sacerdote

pertencente a mais alta linhagem do Piemonte e da Toscana, Borromeu pelo

lado paterno, um Médicis por sua mãe, nobre portanto de nascimento, mas

possuindo ainda maior nobreza de coração. Corria o século XVI e a Egreja

atravessava uma das crises mais terriveis, entre a tibleza do Catholicismo e a

devastação chefiada por Luthero. A fé vacilante, combalida a disciplina do

clero, a Egreja, a obra soberba, que pela sua magnitude devia dominar o

Universo inteiro, a Egreja estava solapada pelos inimigos de Deus! Impunha-

se uma medida enérgica que amparasse o templo divino! Forçoso era

substituiur as pedras inutilizadas pela heresia, cimentando-as ao edifício pela

argamassa da obediência ao poder supremo-e o concilio de Trento confirma

os pontos de doutrina atacados, fortalece a disciplina ecclesiastica e

consolida a autoridade do chefe da Egreja. Para a conclusão desse grande e

longo concilio muito cooperou São carlos. Foi então que assumiu o alto

cargo de arcebispo de Millão e, supplicando de Deus uma inspiração que

salvasse o seu rebanho, infundiu-lhe o Espirito Santo a idéa da fundação de

seminários, para a formação de bons padres, os sublimes esteios para a

Egreja de Jesus. É a festa de S. Carlos Borromeu que hoje se comemora, e,

no meio das heresias que em nossos dias se levantam pelo mundo todo, é S.

Carlos Borromeu, patrono da obra grandiosa das Vocações Sacerdotaes, em

bôa hora fundada, aqui, pelo coração generoso do Eminentissimo Sr.

Cardeal, é S. carlos Borromeu que vem inspirar o Sr. Arcebispo a clamar

aos seus diocesanos: “Filhos meus, preciso de padres; minhas senhoras

dae-me vosso apoio, dae-me a vossa esmola, dae-me as vossas preces,

dae-me os vossos filhos!”63

(A União, 9 de nov. de 1922,p.2).

Logo em seguida, Amélia de Rezende apresenta o que pretendia a termo:

O problema das vocações sacerdotaes é mais um dos infinitos círculos

viciosos da intricada e complexa questão social. A sociedade precisa de

padres e essa mesma sociedade não os quer fornecer. São necessarios

sacerdotes para a regeneração da sociedade, e, sim que regenere a

sociedade, não póde ella produzir vocações sacerdotaes – e tão sério

problema que, não fora a obediencia que devo ao sr. Arcebispo, não ousaria

me aventurar ao exame da difficil controvérsia. (...) Por falta de padres não

morrerá a Egreja, porque não póde morrer a obra de Deus. Não

desapparecerá a Egreja, nem mesmo quando desaparecer o mundo (...)Não

morrerá a Egreja no Brazil.(...) Entretanto, como se poderá, sem lenha,

entreter a, fogueira, e como se dará alimento à fé si faltam os sacerdotes? (A

União, 9 de nov. de 1922,p.2).

Por fim, Amélia de Rezende conclui que muitas são as objeções contra a vocação

sacerdotal, contudo, era importante que os “filhos de famílias abastadas” abrasassem a

carreira eclesiástica como uma “alternativa pecuniária a mais” para realização das obras da

Igreja, além das ditas “esmolas”:

63

Grifo do autor.

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104

O padre precisa pedir! Mas uma solução, senhores, para diminuir as

dificuldades pecuniarias do clero, seria darmos sacerdotes à Egreja,

sacerdotes de familias abastadas, de familias ricas, que tivessem com que

exercer o seu ministerio, sem precisar contar com a caridade pública.Porque

não seduz, aos paes, a carreira sacerdotal para seus filhos?(...)Não temos

licença de impor uma vocação, já não esta um chamado de Jesus, mas temos

o dever de preparar em cada casa um ambiente onde ella possa desabrochar

e, uma vez que a percebemos, cultival-a, retirando-as das seduções do

mundo- a plantinha muito nova não se deve expor aos vendavaes (A União,

9 de nov. de 1922,p.2).

Como se nota, um dos consensos que Rezende Martins desejava secretar nesse grupo

católico reunido na Associação dos Empregados no Comércio, era a necessidade de se

preparar uma futura elite intelectual católica no Brasil. Outro aspecto a se considerar com

relação a sua exposição, é que embora ela tentasse se firmar pelo discurso social, não deixava

de ser uma versão social do autoritarismo cultural e político brasileiro.

Retrospectivamente, cabe destacar que Rezende Martins realizou outras conferências

na AEC, no final de 1920 a autora expôs uma síntese de seu livro A moda; em 1922 anunciou

o resumo do seu trabalho ou “these” sob título A moda e a Boa Imprensa” que apresentou em

26 de setembro a 1 de outubro de 1922 , no Primeiro Congresso Eucarístico Nacional em

comemoração ao 1º centenário da Independência do Brasil, celebrado no Rio de Janeiro. Em

meados de 1923, Martins participou do programa de conferências do movimento “Pro

Monumento a Christo Redemptor” organizado pela Associação do Santuário de Nossa

Senhora Auxiliadora de Niterói, entidade então criada pelo amigo de Amélia Martins: o

Padre Rotta. De acordo com o jornal O Fluminense, na edição de 6 de novembro de 1923, as

reuniões e planejamento do movimento foram realizadas no salão da AEC. A nota do referido

periódico mencionou ainda que o programa contou com uma sequência de conferências,

apresentações musicais e teatrais que foram executadas no teatro municipal no centro da

cidade do Rio de Janeiro. Entre os objetivos dessa “família salesiana” ou “filhos de Maria

Auxiliadora” reunidos na AEC, destacados na nota, era de arrecadar recursos e apoio político

para construção da estátua do Cristo Redentor.

Posteriormente, em 1924, Amélia de Rezende receberia o apoio dos salesianos para

publicar e divulgar sua obra Estudos sobre os problemas sociais e o feminismo. Alguns

intertítulos da obra como “Problema do trabalho da mulher na classe operária” , “Animação à

lavoura”, “Problema da saúde do povo” e “Perturbação no lar- feminismo” foram utilizados

em palestras e cursos na Associação dos Empregados no Comércio, com participação de

leigos e clérigos que circulavam neste espaço, entre eles, o frei Sinzig, Isabel Lacombe,

Jonathas Serrano, D, Mamede e Padre Rotta.

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105

A partir dessa breve descrição, podemos perceber que a Associação dos Empregados

no Comércio era de fato um local cultural, de diversificadas trocas intelectuais, onde tais

indivíduos se organizavam para disseminar e compartilhar suas propostas. Além disso, é

possível inferir, que Rezende Martins ao participar desses encontros na Associação dos

Empregados no Comércio, por indicação não apenas de D. Sebastião Leme, mas também de

familiares, como os “Jacobinas Lacombe” e outros amigos, ampliou sua rede de contatos, fez

com que conhecesse outros intelectuais que compartilhavam de seus mesmos ideais, e

consequentemente criou aquele “sentimento de pertencimento” (SIRINELLI, 2003,p.133)

cultural, que mobilizou para diagnosticar os problemas sociais e projetar possíveis soluções.

Foi por meio dessa experiência que sua auto identificação como católica pode continuar a ser

subjetivamente importante para ela, ou nas palavras de Berger e Luckman, Rezende Martins

sentiu-se mais uma vez “revitalizada” pelo contato social com outros católicos (1996,p.206) e

mais determinada para atuar coletivamente com eles também. Foi, portanto, inserida nesta

estrutura fervilhada por trocas ideológicas e/ou culturais, que Rezende Martins recebeu apoio

para desenvolver a sua proposta : os “Núcleos coloniais”.

2.5. Sob o modelo dos núcleos coloniais: A experiência do núcleo colonial Campos

Salles (1896) “ os viveiros de trabalhadores”.

Seguiu a alegre comitiva a visitar a belissima

Cachoeira pela qual se precipitam, sobre larga

bacia, as aguas do rio Jaguary para, em seguida,

correrem vertiginosamente comprimidas entre

duas muralhas de rocha, tomando nos últimos

pontos do trajecto, a forma de um funi64

l. D’ahi o

nome que mais tarde se estendeu à região (Diário

de Campinas, 15 dez.1896, s.p.)

A proposta dos Núcleos não era nova. De acordo com Rezende Martins, em seu livro

Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende, desde meados de 1890 seu pai e seu

marido frequentemente conversavam, sobre a conveniência da fundação de núcleos agrícolas

no nordeste de São Paulo, “destinados a prender o colono estrangeiro, que para aqui vinha a

ganhar o dinheiro do Brasil, com fito de voltar mais rico para sua terra”(MARTINS, 1939,p.

567). Segundo Martins, foi a partir dessas “constantes confabulações entre sogro e genro e

64

Grifo do autor.

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106

outros cafeicultores”65

que iniciou um movimento com a finalidade de instalar na Região do

Funil, distante aproximadamente 45km de Campinas, um núcleo de colonização66

.

Cumpre recordar que, desde 1886, o governo do estado tinha praticamente

abandonado a política de colonização, voltando-se para subsidiar e atrair imigrantes para o

engajamento na grande lavoura por meio do investimento na criação de pequenas

propriedades (PIACENTE e RAMOS, 2010, p.8).

Segundo Claudia Alessandra Tessari (2014), durante o regime republicano em São

Paulo, podem-se distinguir duas fases distintas que nortearam a criação dos núcleos. Uma

primeira fase, que se estende até aproximadamente 1896 - 1897, e uma segunda, iniciada em

1900, a qual, segundo a autora, define mais claramente o papel destes núcleos no processo de

acumulação e expansão cafeeira e que esteve associada à estratégia de viveiros de braços para

a colheita (TESSARI, 2014, p.419).

Para Tessari (2014) a primeira fase da política de núcleos coloniais foi mais apoiada

pelos representantes dos interesses do Norte do estado de São Paulo, que viram na política de

núcleos a possibilidade de valorização de suas terras e da restauração da combalida economia

regional. A partir de 1900, a localização dos núcleos deveria ocorrer de forma a atender

critérios mais técnicos e econômicos do que políticos, permitindo-lhes um melhor rendimento

produtivo, sem descuidar dos interesses dos grandes fazendeiros de café, quer pela

valorização das áreas marginais às suas fazendas, quer fornecendo trabalhadores em épocas de

maior demanda de trabalho. Além do mais, os núcleos teriam maior possibilidade de sucesso

porque seus moradores teriam a possibilidade de complementação da renda com o trabalho na

colheita das fazendas. Assim,

do ponto de vista da ampliação da oferta de mão de obra sazonal, pensava-se

que os núcleos poderiam vir a se constituir em viveiros de trabalhadores,

onde as fazendas poderiam arregimentar a mão de obra necessária para as

diferentes épocas de trabalho sem ter de manter em seu interior áreas para a

manutenção destas famílias, como vinha ocorrendo no

colonato(TESSARI,2014,p.421).

Tessari (2014) assinala ainda, que nesta segunda fase dos núcleos, os novos núcleos

estavam dentro das zonas cafeeiras e em regiões cortadas pelas estradas de ferro, servindo

aos interesses da grande lavoura “como viveiros de trabalhadores”(TESSARI, 2014,p.420).

65

Entre os cafeicultores que participaram do movimento capitaneado pelo Barão Geraldo de Rezende, segundo

Piacente e Ramos (2010), foram José Guatemozim Nogueira e Alfredo Pinheiro. Ambos possuíam terras não

exploradas na região do Funil, em função da falta de infra-estrutura e mão-de-obra disponível. 66

Ver: Núcleo Campos Salles em ANEXO-D.

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107

Segundo Marcondes (2001,p.89) citado por Piacente e Ramos (2014), o núcleo idealizado

pelo pai de Amélia de Rezende e seu marido recebeu autorização para ser instalado em 1890

na Fazenda Funil de propriedade da Companhia Sul Brasileira, empresa que congregava

várias fazendas e atividades manufatureiras, cujo diretor era o próprio Barão Geraldo. Porém,

não obteve êxito, uma das explicações segundo Piacente e Ramos(2014) foi o isolamento de

quem vivia na região, pela falta de transporte tornava-se difícil fixar imigrantes àquelas terras.

Foi com o propósito de resolver o problema de transporte para essa região que alguns

proprietários capitaneados pelo pai de Amélia de Rezende Martins e seu marido

movimentaram-se para construir uma estrada de ferro que ligaria a cidade de Campinas a

Região do Funil. Segundo os autores:

As negociações para a instalação de ferrovia foi encabeçada pelo Barão

Geraldo de Rezende que tinha como sócios incorporadores os Srs. Vicente

Ferrão e José Guatemozin Nogueira, e duraram de 1870 até 13 de abril de

1891, quando saiu definitivamente a concessão para construção da

Companhia Carril Agrícola Funilense.

(...)O planejamento da ferrovia foi baseado na perspectiva de aumento da

produção cafeeira, associada ao aumento do preço desse produto no mercado

internacional, assim, em setembro de 1890 foi criada a ferrovia. Porém, com

as sucessivas crises de preço do café, seus idealizadores não puderam

terminar os 44 km inicialmente projetados e orçados (PIACENTE e

RAMOS, 2014, p.9-10).

Os autores, na transcrição, referem-se à crise do encilhamento a “bolha econômica”

que ocorreu entre o final da Monarquia e início da República, e estourou durante o governo

provisório de Deodoro da Fonseca (1889-1891), desencadeando uma crise financeira. Desse

modo, as constantes variações no preço do café, o alto custo e escassez de mão-de-obra

acentuaram as dificuldades financeiras dos principais incorporadores da companhia, fazendo

com que as obras da estrada de ferro fossem interrompidas. Nesse ínterim foi realizado um

acordo entre os acionistas da Cia e o governo, este, estabelecia que, ao ser concluída a estrada

de ferro e ter dado início ao tráfego, a Cia deveria, ressarcir o governo dos inúmeros

investimentos destinados para sua construção. No entanto, com as sucessivas prorrogações de

prazo, a ferrovia foi concluída apenas em 189967

(PIACENTE e RAMOS, 2014,p.10).

Rezende Martins em seu livro memorialístico relembra o momento:

67

A Cia. Agrícola Carril Funilense foi oficialmente inaugurada em 18 de setembro de 1899 com um traçado

inicial de 45 km e bitola de 60 cm. Essa ferrovia ligava a Estação Guanabara, que pertencia a Companhia

Mogiana, em Campinas até a Estação Barão Geraldo (futura Estação Cosmópolis) na Região do Funil onde se

localizava o núcleo Campos Salles. Nesse trajeto existia apenas uma “chave”, que foi construída em 1899, com o

nome de Santa Genebra, e ficava localizada na fazenda do Barão Geraldo de Rezende. Essa chave ficou

reconhecida como Estação Barão Geraldo em 1905 quando o barão morreu, nesta ocasião, a Estação Barão

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Não quero ter o desprazer de reproduzir aqui o “dossier” dessa triste

historia(...) mas o enthusiasmo dos primeiros trabalhos foi logo substituído

pelo desanimo dos acionistas, tomados do panico que sucedeu à febre

vertiginosa do Jogo da Bolsa... No dizer de um artigo das Chronicas da

Cidade, “foram baldados os esforços da Camara Municipal no sentido de

reanimar a empreza” e, nessas precarias condições, foi meu pae solicitado a

assumir a presidencia da agonisante companhia. Era preciso “um homem”

para fazel-a resuscitar, e esse homem foi meu pae. Mas para trabalho tão

ingente, era necessario dispender...sem dinheiro nada se faz.

Responsabilisou-se o Governo pelos gastos; não entrando, porém, com a

quantia prometida, meu pae lançou mão do seu credito pessoal para fazer

face às despezas, e durante perto de 9 annos, teve que sustentar uma lucta

inglória com o Governo, para ser reembolsado do seu capital!(MARTINS,

1939,p.574).

É nestas circunstâncias que o barão Geraldo de Rezende, abalado financeiramente,

vendeu em 1898 a fazenda Funil para a família Nogueira. Segundo Piacente e Ramos (2014) a

família Nogueira tinha o intuito de construir uma usina, a Usina Ester, e, desse modo, a

estrada de ferro teria um papel fundamental, pois só ela poderia transportar os equipamentos

necessários à construção da usina e, quando concluída, escoar sua produção de açúcar e

aguardente. Com a ferrovia em funcionamento, o núcleo de colonização da Região do Funil

foi oficialmente constituído em 189668

. O núcleo passou a ser chamado de núcleo “Campos

Sales”, uma homenagem dos fundadores ao Governador de São Paulo, Campos Sales, que era

amigo pessoal do Barão Geraldo de Rezende e de José Paulino Nogueira. Martins descreve

esse novo núcleo que a cidade passa a oferecer:

E fundou-se o Nucleo Colonial Campos Salles, com 200 casinhas pitorescas,

em cuja construção esmeraram-se os empreiteiros; dividiram-se as terras em

lotes, e, em breve, ahi se estabeleceram familias de Suissos, Allemães,

Italianos, Nacionaes, cultivando terras e realçando-lhes o valor... e ressurgiu

a Funilense, que foi inaugurada a 18 de Setembro de 1899, passando pelas

pequenas estações de Santa Genebra, Deserto, José Paulino, Engenho, João

Aranha, Funil, tendo como ponto terminal a estação Barão Geraldo de

Rezende, no próprio Nucleo Agricola. Depois foram mudando os nomes das

estações, e hoje não mais existe a Funilense (MARTINS, 1939,p.574).

Nota-se, que a Ferrovia Funilense foi determinante para o povoamento do núcleo

“Campos Salles” durante o início do século XIX. Piacente e Ramos (2014) deixa claro o

importante papel dessa estrada de ferro para o sucesso do empreendimento, apresentando uma

evolução considerável no número de colonos instalados lá. Segundo autores, “em 1898, no

ano de inauguração da ferrovia haviam 207 colonos assentados na região, cinco anos depois, Geraldo localizada no Núcleo Campos Salles foi rebatizada com o nome de Estação Cosmópolis(PIACENTE e

RAMOS, 2014). 68

Ver em ANEXO-E as primeiras famílias de imigrantes trabalhadores que se estabeleceram no Núcleo: suíços,

alemães e italianos.

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com a estrada de ferro já instalada e em funcionamento esse número subiu para

892”(PIACENTE e RAMOS, 2014,p11).

Em linhas gerais, para Martins, a fundação do núcleo e a construção da ferrovia

funilense exerceram inquestionável influência na geografia econômica, urbana e cultural da

cidade de Campinas. Para Martins, a constituição do núcleo foi um ponto de referência para a

sequência de outros empreendimentos que valorizaram direta e indiretamente toda a vida

urbana: criou bairros, gerou empregos, acelerou a dilatação do perímetro urbano, dinamizou e

incrementou a pequena propriedade agrícola.

Colocada então, esta breve descrição do processo pelo qual se deu a construção do

núcleo colonial Campos Sales na região do Funil (SP), cumpre acrescentar,que foi

referenciada a esta experiência que Amélia de Rezende Martins, buscando intervir na

realidade social na cidade do Rio de Janeiro (visando à superação de seus problemas),

apresentou mais um projeto político cultural na forma de livro, nomeadamente, expresso em A

mulher e o feminismo de 1924.

Nas palavras do frei Pedro Sinzig (1876-1952), em “Momento literário”:

A. de Rezende Martins- Estudos sobre os Problemas Sociaes e o

Feminismo, 1ªparte.Escolas Prof. Salesianas, 1925, São Paulo.

Lembro-me com prazer de um trabalho anterior sobre o mesmo assumpto:

“A questão social”, volumesinho, cujas poucas páginas encerram mais rica

materia, de maior numero de idéas e argumentos, e programma mais bem

pensado, do que grossos volumes que percorrem o mundo. O novo trabalho

de D. Amelia de Rezende Martins é digno do anterior. Na mesma linguagem

fluente e cuidada, apresenta o triste quadro das ambições humanas, do

trabalho das operarias, da saúde do povo, da crise dos empregados, bem

como os problemas do descanso, do esporte, da escola, da formação moral,

do feminismo, etc. O trabalho, por resumido que seja encerra um numero

avultuado de ensinamentos, expostos com a convicção quente de um

apostolo que tem coração. Frei Pedro Sinzig (A União, 5 de mar. De

1925,p.2)

2.6. Os núcleos de Amélia de Rezende Martins: O sanatório das almas femininas.

Não é um trabalho litterario que ides

ler...(MARTINS, 1924,p.3)

A começar por seus primeiros escritos, em A mulher e o feminismo (1924), pode-se

afirmar que Rezende Martins é uma ruralista. Cabe, entretanto, registrar que, a adoção do

termo “ruralismo” empregado neste estudo, segue a mesma acepção utilizada por Sonia

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Regina de Mendonça (2000) em seu artigo Mundo rural, intelectuais e organização da

cultura no Brasil: o caso da Sociedade Nacional de Agricultura.

Mendonça (2000) propõe que o ruralismo deve ter uma ter uma historicidade própria e

específica, estabelecida pela análise de sua construção por sujeitos determinados, num dado

tempo e espaço, caso contrário o termo se simplifica e se transfigura num construto abstrato e

esvaziado de conteúdos que o especifiquem, a cada conjuntura histórica, não só as formas de

articulação político-cultural das frações agrárias da classe dominante, como também de toda a

sociedade brasileira do período.

Para a autora, a defesa da chamada “vocação eminentemente agrícola do país” na palavra

de ordem da ideologia ruralista vigente nas quatro primeiras décadas do século, historiografia

e história tenderam a confundir-se, tomando como ponte a "naturalidade" com que certos

autores contemporâneos o tomam de empréstimo das falas daqueles situados no período

focalizado (MENDONÇA, 2000, p.1-2). Assim, os que se dedicaram ao estudo do ruralismo

produziram, “a grosso modo” dois tipos de trabalho:

(...) os que encaram o tema como elemento ideológico, na acepção de "falsa

consciência", complementar à explicação de processos históricos mais gerais

e os que o tomam como movimentos políticos em defesa dos interesses

agrários ameaçados pela industrialização/urbanização em curso desde 1910.

Em ambos os casos, a subestimação do objeto é constante

(MENDONÇA,2000,p.2)

Nesses termos, mais do que falar de uma oposição a uma ordem urbano-industrial, o

ruralismo, para Mendonça (2000), deve ser interpretado num duplo sentido: como visão de

mundo e como movimento político - logo, cultural- integrado por “agências e agentes dotados

de uma inserção determinada na estrutura social agrária e sustentado por canais específicos de

organização, expressão e difusão de demandas, correspondentes a interesses de proprietários

agrários distintos”(MENDONÇA, 2000,p.2).

Partindo dessa orientação, pressupõe-se que o fio condutor da reordenação política,

católica e social de Rezende Martins manifestada na proposta dos Núcleos Coloniais, não

isenta, por seu turno a corrente ruralista do período analisado, que segundo Mendonça,

apresentou três postulados:

a) a reivindicação da extensão dos benefícios da ciência e da técnica ao

campo, b) a necessidade da diversificação agrícola do país e c) a demanda

pela reatualização das formas de imobilização da mão-de-obra junto à

grande lavoura, constituindo o que se chamaria, à época, de uma nova

civilização agrícola (MENDONÇA,2000,p.2).

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Referida às mulheres operárias, a questão dos Núcleos traduzia-se em propostas do

controle do lazer e do trabalho através do disciplinamento pela distribuição regulada das suas

famílias no campo. Nesta linha de raciocínio, explicava que seria necessário alguma coisa que

“tentasse as famílias” ao espaço rural, pois “ a roça, como dizem, não irão, nunca as moças

afeitas às diversões da cidade, e muito bem sabemos que não é com vinagre que se apanham

moscas”(MARTINS, 1924,p.11). Uma vez que o meio rural permite o conformismo moral e a

preponderância da vida familiar, prender as famílias no campo é a base de tranquilidade moral

do país. Nesse diapasão, “a lavoura deveria ser a vida do Brasil...Para dar alimento às fábricas

precisamos das matérias primas e tudo póde fornecer o Brasil(...) A pequena lavoura talvez

animasse os mais ousados a outras culturas de maior monta (MARTINS,1924,p.15).

Veja que tais prescrições não são inocentes, “apanhar as moscas” através de suas famílias,

controlar sua reprodução e “infestação nas cidades”, moralizando seus costumes e educação,

evidenciam uma forte expectativa e proposta política/agrário/sanitarista, “católico-

educadora”, que tinha como fito conter os fluxos migratórios para as cidades, vitalizar a

produção rural pelo incremento da pequena lavoura, fortalecer e consolidar a família pela

propriedade do lar, pela educação salutar, moral e cristã.

Nesse seguimento, é interessante notar o argumento mobilizado por Rezende Martins:

Da proteção à lavoura, até hoje agrilhoada e sacrificada, depende o futuro da

nossa Patria. Cultivado inteligentemente o solo, está solucionando o

problema de carestia e, amparada criteriosamente, pagará a lavoura, com

vantagem, os favores que receber do Governo. Protejam os nossos

Governantes as culturas, facilitando os transportes, hoje ainda tão precarios

apesar de todo nosso aparente progresso e poderão impor o preço mínimo

para os viveres de primeira necessidade, promovendo, tambem, a importação

para o estrangeiro, o que proporcionará aos lavradores fortunas

incalculaveis, não só pelas grandes culturas mas tambem, com um fim muito

mais humanitário, pela pequena lavoura. Mas não se consintam as grandes

exportações, deixando faminto o povo do Brasil... Moderados os preços dos

generos, fatalmente tudo tenderá a decrescer... O operário se contentará, com

proveito, com uma remuneração menor (MARTINS, 1924, p.17).

Destarte, Martins, chega a seguinte conclusão:

O salario para as construcções será forçosamente modificado influindo no

aumento de predios e diminuição de alugueis; a industria produzirá com

mais modicidade acrescida a sua vantagem de ser a matéria prima cultivada

em nosso solo, fugindo assim dos contratempos de importação e taxas

aduaneiras...Uma vez resguardado o bem estar do povo desaparecem os

motivos de revolta social. Não se rebella o homem que tem amparada a

familia e saciado o estomago (MARTINS, 1924,p.18).

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No quadro geral desses enfoques, Amélia de Rezende recomendava ao Governo a

repartição de terrenos que estivessem em “boas condições de salubridade e com facilidade de

transportes” em lotes. Ao Governo careceria também, facilitar os meios de pagamento desses

lotes, que seriam resgatados com uma parte da produção dos operários. “Os nucleos com boas

casinhas arejadas e apraziveis attrahiriam fatalmente a sympathia do povo”(MARTINS,

1924,p.12).

Nesses espaços ou núcleos, deveriam conter, segundo Amélia de Rezende,

obrigatoriamente uma capela, uma escola, uma farmácia, um armazém e um cinema. “Nos

cinemas dos núcleos poder-se ia observar uma orientação de moralidade (...) fitas de bons

exemplos, de trabalho na lavoura em outras terras, que estimulassem para o que é nobre e

bom”(MARTINS,1924,p.12).

Os núcleos deveriam englobar ainda um bom salão arejado para reunir “o grupo de

raparigas que não resistissem ao trabalho no campo” para se dedicarem às costuras, aos

bordados e aos trabalhos manuais em geral. “Seria isso ainda uma fonte de renda para as

familias, fornecendo essas moças seu trabalho para as casas de negócios da capital em vez de

se sujeitarem ali às tarefas pesadas, levadas a efeito até altas horas da noite, quando assim

exige o commercio”(MARTINS,1924p.12).

A proposta encaminha-se sugerindo ao Governo a exigência do ensino da música dentro

dos núcleos, “musica simples, musica para o povo (...) nossos cantos religiosos tão singelos e

tão puros ou ainda todo o folk-lore popular que póde ser importado da Mãe-Patria, Portugal

(MARTINS,1924,p.14).

De um modo geral, para Rezende Martins, a mais fácil solução do problema do

proletariado seria a volta a “roça”, “a pequena lavoura” conciliado a um intenso programa

cívico educativo, que englobasse medidas que atenuasse os conflitos de classe, organizando

e aprazando as famílias pobres “minadas pela tuberculose e outras enfermidades igualmente

perniciosas” no campo (MARTINS, 1924,p.9).

Para Rezende Martins a “mola real estava na terra... Na terra e só na terra residia a

salvação do Brasil”(MARTINS, 1924,p.17). Nessa acepção, a vida da cidade melhoraria,

“barateando-se os generos de primeira necessidade, a cidade ficaria descongestionada...e os

que permanecessem alcançariam um bem estar relativo (MARTINS, 1924,p.13).

Assim, certifica Rezende Martins:

Na terra, Senhores, nas entranhas do Brasil se esconde o thezouro, que o

elevará á altura dos mais ricos paizes do mundo....Na proteção à lavoura,

precedendo, de perto, a proteção à indústria e a todo o empreendimento

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113

nacional, residirá a nossa força e a garantia de barragem contra o

protecionismo estrangeiro(...)(MARTINS, 1924,p.18)

De acordo com Carvalho (1998), o tema da organização do trabalho na década de 1920

também condensava expectativas de fixação do homem ao campo, com objetivo de organizar

uma distribuição mais “racional” das populações pelas atividades rurais e urbanas. Segundo a

autora a questão se traduzia na valorização das escolas regionais e na idealização utópica da

vida campestre através de imagens de honradez, simplicidade e saúde, por oposição idílica a

representações da cidade como vício, corrupção e insalubridade.

Por sua vez, Carvalho (1998) corrobora a afirmação de que essa nostalgia romântica da

sociedade agrária não deve ser interpretada necessariamente como resistência objetiva à

modernização e a industrialização. Carvalho (1998) pontua que,

mais que simples proposta de retorno à tradição rural, ela pode ser pensada

também como alegoria do futuro ideal do presente, variação da ficção do

“bom selvagem”, robinsonada que, como aponta Marx nos Grundrisse,

alegoriza a livre iniciativa e a livre concorrência liberais e burguesas.

Enquanto encenação urbana do campo subordinada ao interesse de conter a

migração para as cidades, o projeto de ruralização do ensino era intento

racionalizador de distribuição das populações entre campo e a cidade. Neste

sentido, era projeto “modernizador”(CARVALHO, 1998,p.167).

Por conseguinte, Carvalho (1998) assinala que as propostas que veicularam no período,

podem ser diferenciadas em “modernizadoras” ou “tradicionalistas” na dependência de seu

maior ou menor compromisso com o enaltecimento regressivo de valores atribuídos a um

modo de vida agrário. Segundo a autora, “podem sê-lo, também, e principalmente, se

referidas à existência ou não de expectativas de modernização do campo e de sua integração

numa economia de base industrial”(CARVALHO, 1998,p.167-168). Nesta acepção, a

diferença mais relevante entre esses dois grupos estava na forma como representavam a

cidade, ou seja, nas caracterizações do citadino como reduto de doença e do vício que eram

mais presentes nos discursos dos grupos mais “tradicionalistas” - atesta Carvalho (1998).

Contudo, a autora não considera adequado hipervalorizar uma distinção entre

“modernizadores e tradicionalistas”, visto que ambos, a seus modos e a despeito de suas

propostas de moralização dos costumes citadinos contribuíam para disciplina do corpo e do

espírito, compatíveis com o mundo da fábrica.

Dentro de uma visão dialética, pode-se afirmar que tais propostas se alternaram e em

alguns momentos se complementaram. Cabe também ressaltar que estamos trabalhando com

os intelectuais como uma categoria sócio-profissional de contornos flexíveis, produtores e

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mediadores de interpretações da realidade social com um forte apelo político, segundo a

perspectiva de J.F. Sirinelli (2003).

Assim, a asserção ruralista dos Núcleos de Amélia de Rezende Martins deve ser

interpretada com base nessas premissas, ou seja, como uma proposta embasada- num dado

tempo e espaço- como movimento político-cultural, que teve como uma visão de mundo a

doutrina leonina sobre a questão social, não sendo, portanto prudente, classificar estreitamente

o projeto como “tradicionalista ou modernizador”, conforme advertiu a própria Carvalho

(1998). Neste papel de “produtora, mediadora” e intérprete da realidade social brasileira,

Amélia de Rezende estava convencida que a proposta dos Núcleos produzia resultados

prodigiosos: melhora a saúde do povo ocioso e deprimido transformando-o em mão-de-obra

útil e saudável, incentiva a cultura da nossa terra tão vasta, descongestiona os centros urbanos,

provoca o patriotismo, reduz a falta de educação e a infeliz revolta social, resolvia o problema

econômico de máxima produção da terra, barateando-se os gêneros e, por fim, regeneraria

física e moralmente as famílias pelas virtudes da vida na roça (MARTINS, 1924,p.21-22). Na

dispersão desses objetos, Martins propunha outra sugestão, específica para a questão operária

feminina, a ser também adotada nos Núcleos: A escola doméstica.

Rezende Martins solucionava os problemas femininos no interior das fábricas como uma

simples questão de “regularização do serviço doméstico”. Como já fora mencionado, em sua

pregação, certos trabalhos seriam naturalmente impróprios a mulher - ressalte-se – conforme

ela mesmo frisava, inadequados para as damas da alta sociedade. No caso da “rapariga

pobre” ou “antiga gente de servir” que precisava sair de casa e constituir seu lar através do

trabalho, a solução era estender o seu tradicional serviço doméstico também no ambiente de

trabalho.

Grande alcance teria tambem, em nossa terra, a instalação de escolas para

dar educação e formar boas creadas, Escolas Domesticas bem organizadas,

não para deprimir, senão para elevar essa classe hoje tão mal

orientada(MARTINS, 1924,p.27).

Para Martins, a liberdade ambicionada por essas raparigas “que queriam se sujeitar a

todos os sacrifícios contando que tivessem livres as suas tardes e

noites”(MARTINS,1924,p.26) causava outro problema à sociedade, ou melhor, a camada

superior das mulheres da alta sociedade: “uma sobrecarga dos trabalhos domésticos”. Para

Rezende Martins a “febre pelo trabalho nas fábricas” associadas a “pretensa utopia da

egualdade pregada pelas doutrinas revolucionárias e feministas” impedia que as meninas se

empregassem nas casas de família “onde a moralidade impunha seus limites” fazendo com

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que as donas de casa e as meninas da alta classe ficassem “sobrecarregadas por um trabalho

ao qual não foram habituadas e que lhes minava a saúde”(MARTINS, 1924,p.26). A fim de

dar cabo às suas intenções, argumentava da seguinte forma:

E não terá solução este caso? Surgem as opiniões de que toda a mulher deve

saber se ocupar dos trabalhos caseiros... De facto, e ella o sabe e deles se

encarrega sobejamente...Mas terá ella resistência para tanto? O homem, que

estudou para doutor, não se ageitará em se fazer carpinteiro, como este não

saberia dar uma sentença...o intellectual não tem a mesma capacidade

physica que o operário... Nossas meninas não tem forças para o serviço para

o qual não foram creadas... É de utilidade que saibam fazer para bem saber

mandar, mas não têm força physica para isso e têm, por outro lado, muitos

deveres que lhes são impostos e que juntos a estes as sobrecarregam(...) Na

França, diziam jornaes de lá, do anno passado, precisaram importar das

Missões da Martinicap “levas de creoulas para tirar, das mãos desfallecidas

das donas de casa francezas, os serviços caseiros, organizando-se para esse

fim os bureaux de placements (MARTINS, 1924,p.26-27).

Mais adiante, coloca que as mulheres negras, antes tidas “como bondosas e afeiçoadas

aos seus brancos”, encontrava-se agora “envoltas em pílulas douradas do venenoso

anarchismo invasor”(MARTINS, 1924,p.28). Atiradas a todos os vícios, “pelas taras que lhes

tiram a resistencia physica e pelo abuso do álcool”(MARTINS, 1924,p.10). Na percepção de

Rezende Martins, portanto, os próprios ideais libertários da civilização brasileira, teriam sido

a causa principal da degradação da raça negra. Com esse adendo criticava a forma como se

desenrolou o fim da escravidão no Brasil e a maneira como a população negra foi destituída

de assistência e educação pelo governo republicano. Segundo a autora, os negros

foram felizes enquanto tiveram “Sinhô” e “Sinhá moça”, que lhes cuidavam

da roupa, da comida, que lhes impediam, quanto possível, as bebedeiras, que

ensinavam as rapariguinhas a trabalhar, e os creoulinhos a rezar e a ser gente

de bem. Os escravos só tiveram a perder com a liberdade. Finda a

escravidão, pobre gente! com a tentação de homens livres, sem preparo para

saber usar dessa liberdade, a quantos levou á desgraça o que supunham uma

ventura!

A questão então, só teria uma solução: regularizar o tradicional trabalho dessa pobre gente

“macilenta e indolente pelo clima”(MARTINS, 1924,p.10):

Tudo se organisa neste mundo...Porque não se tenta resolver este problema

que diz respeito, tão diretamente, à saúde e bem estar da familia , atendendo

tambem à regeneração de uma classe que se perde cada vez mais no jogo e

na preguiça?... E não terá solução esta pobre causa a menos que os poderes

superiores não se empenhem em regularizar a questão gravissima do serviço

domestico (MARTINS, 1924,p.28-29).

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Como se observa, o referido projeto educacional dos Núcleos operado também na

identificação do que é nomeado “escolas domésticas”, é pertinente em assegurar tanto o lugar

da mulher branca e pobre, quanto o lugar da mulher negra na sociedade. Sendo, portanto,

evidentes os indícios eugênicos em seus registros.

De acordo com Maria Eunice Maciel (1999), nos pressupostos do ideal eugênico, a

hereditariedade determinaria o destino do indivíduo, ou seja, as condições de sua vida já

estariam determinadas, e seu futuro desenhado ao nascer segundo a classificação de alguns

critérios que o colocavam numa categoria “inferior” ou “superior”. Nessa acepção,

justificavam-se as condições de vida pelas condições biológicas, o que equivale dizer,

segundo a autora, que o pobre era pobre por ser inferior, nascendo predestinado à pobreza.

Nesta perspectiva, Maciel (1999) assegura: “não havia como escapar, a inferioridade e a

superioridade eram dados a priori, determinadas pela própria natureza”(MACIEL,

1999,p.121). Todavia, esse quadro não era aplicado apenas a indivíduos que apresentassem

determinadas enfermidades ou de ascendência pobre, mas principalmente, às raças, baseando-

se num determinismo racial (se pertence a tal raça, será de tal forma), conforme relata Maciel

(1999): “fazia com que a hierarquia social fosse traduzida por hierarquia racial”(1999,p.122).

No imaginário ou na compreensão desta prosélita da eugenia brasileira e da doutrina

social católica de Leão XIII, para essa classe “que se perde no jogo e na preguiça” restava-

lhes apenas a ressignificação diante das injustiças sociais, a moralização, disciplinarização e

o “adestramento” para exercerem as ocupações sociais consideradas, até então, por ela, como

igualmente ínferas, todavia, essenciais e necessárias para a organização do trabalho nacional.

Cabe registrar que nos discursos de Rezende Martins, assim como em outros escritos,

principalmente aqueles que dissertam sobre a história do Brasil, é possível observar o quanto

esta autora afirmara a supremacia do elemento branco, o português e, portanto, europeu, na

construção do país perante negros e índios.

Na verdade, Rezende Martins, foi muito mais além, afirmando ser a raça branca a “raça

gênese” , e por conseguinte, a “mais antiga” que deu origem as civilizações humanas. Um

exemplo que ilustra notoriamente a assertiva acima, esta presente na obra Pontos de historia

universal: historia antiga e edade media escrita em 1923, porém, impressa e publicada pela

Tipografia Almanak Lammert apenas em 1932.

Já nas suas primeiras páginas, a autora trata da origem das “primeiras formas sociaes” e

das raças humanas, afirmando:

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São três raças principaes: branca, amarela e negra.

A raça branca é a mais importante, a que apresenta as civilisações mais

adiantadas e duradouras; tem a denominação de raça historica por

excellencia. São 3 os seus ramos: Semitico, Chamitico e Japhetico, nomes

derivados dos 3 filhos de Nóe, Sem, Cham e Japhe. (...) Na raça semitica

tiveram origem 3 grandes religiões monotheistas: Judaismo, Christianismo e

Mahometismo.Os Chamitas occuparam a Asia Occidental e a Africa

Oriental, povoaram o Egyto, Ethiopia, Nubia e entraram tambem na

formação do povo de Babylonia. Os descendentes de Japhet, do seu nucleo,

Planalto de Pamir, espalharam-se pela Asia Meridional e Europa Central,

Meridional e Occidental: são os Aryanos ou Indo-Europeus raça

privilegiada entre todas69

(MARTINS, 1932,p.7-8).

Ulteriormente, a autora expõe um gráfico sinóptico específico para imprimir a

superioridade da raça branca no processo civilizatório:

Semitica Arabes/Judeus

Raça Branca Chamitica Egypcios/Ethiopes

Japhetica Aryana Na Asia Indús/Irarianos ou Persas

ou Indo-Européa Na Europa

Celtas/Pelasgos/ Italiotas Gregos-latinos

Germanos/Slavos

Fonte: MARTINS, Amélia de Rezende. Pontos de Historia Universal: Historia Antiga e Edade Media.1932,p.8)

A propósito de Amélia de Rezende Martins, e a partir da análise das fontes disponíveis,

pode-se afirmar que, praticamente desde o início de sua intervenção pública, a nossa autora,

assumiu “uma visão de colonizadora”, de verdadeira responsável pelo controle do mundo

“não-civilizado”, tal como fizeram seus antepassados portugueses,“os patriarcas da

civilização” (MARTINS,1934, p.47) que usavam o critério de “inferioridade” para justificar

a dominação a que submetiam os outros povos. Rezende Martins, na sua posição de

intelectual engajada na dinâmica do movimento social católico, também utilizou-se do

discurso eugenista para justificar e/ou robustecer a ideia sobre a “ inferioridade natural” da

classe operária.

Verifica-se, por fim, em A mulher e o feminismo, que uma das intervenções sociais que

Rezende Martins mais defendeu em relação à questão social foi a formação da juventude para

cultivar os valores cristãos. Daí o tema da educação aparecer como um elemento importante 69

Os grifos são da autora.

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em relação às suas propostas e projetos que circularam no final da década de 1920 e início de

1930, como veremos mais adiante.

Para ela, os núcleos resolveriam um dos maiores problemas do país: a supressão do ensino

religioso das escolas públicas, então, estabelecida pela Carta Constitucional da República em

1891.

E ao meu ver, Senhores e Senhoras, vem todo este mal estar da falta de

educação do povo e sobretudo de erros gravíssimos na orientação dos

estudos, e, nas escolas da supressão da palavra divina! O povo revoltado é

produto da ausência de Deus...A escola sem Deus, meus Senhores, é o

cavalo sem freio... é levantar o espirito sem que o coração acompanhe, é

ensinar sem educar, é cuidar da instrucção deixando de parte o zelo pela

consciência, é querer alimentar a inteligência sem formar o caracter, é atirar

a semente da sciencia em terreno sáfaro, nada produzirá ou melhor só dará o

triste fructo do mal! (MARTINS, 1924,p.36).

Na concepção de Martins, as escolas domésticas deveriam associar em suas propostas o

ensino religioso. Para a autora, a educação e religião eram indissociáveis, ou seja, a educação

era essencialmente religiosa, e nessa perspectiva, se a educação ignorasse a contribuição da

religião estaria fazendo o mesmo papel da escola leiga, estaria apenas instruindo pessoas com

a única função de inseri-lo na sociedade, mas não formando o caráter e educando verdadeiros

cidadãos. E neste caso, era

preferível a ignorância completa e uma sã moral, sciencia nenhuma e muito

catecismo, a todo esse simulacro de instrucção, que serve apenas para

infelicitar uma onda de meninas brasileiras... Ninguem desvirtue o meu

pensamento pretendendo que estou a acoroçoar ou a louvar o

analfabetismo(...) A minha censura não condemna como erro instruir o povo

e sim como crime instruil-o sem Deus, sem a força que impede que se

encaminhe para o mal a inteligência tentada pela má imprensa(...) Os

nucleosinhos resolveriam a questão que não é o problema do operário, senão

o problema brasileiro (MARTINS, 1924,p.36-37).

Amélia de Rezende Martins, intelectual mobilizada em favor do retorno do ensino

religioso às escolas oficiais lançou-se nos intensos debates educacionais que marcaram os

anos de 1920 e 1930. Para ela, a educação religiosa tornava-se determinante para a

reprodução das referências cristãs e para a formação de católicos de modo a permitir-lhes

adequada relação com a cultura da época, a qual estava marcada pela “onda maximalista da

revolta” , pela crítica à religião e à Igreja.

Considerava, por fim, que sem o empenho adequado em formar os fiéis, não se poderia

garantir a necessária preparação do movimento católico, enquanto instrumento de restauração

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cristã da sociedade. Para Martins, a defesa por uma educação religiosa deveria assumir uma

função de púlpito cívico, marcada pelo caráter interventivo e militante.

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3. PARA CATEQUESE, PARA EDUCAÇÃO, PARA FORMAÇÃO DO POVO! A

AÇÃO SOCIAL BRASILEIRA (ASB)

É reservada a este capítulo da dissertação uma análise mais detida da atuação de

Amélia de Rezende Martins no campo educacional, colocando-se em evidência a estratégica

plasticidade de seu catolicismo militante.

É sob esta perspectiva que apresentamos sua participação e circulação na Associação

Brasileira de Educação (ABE); na Primeira Conferência Nacional de Educação, realizada em

1927, em Curitiba (PR); no departamento de assistência social da Liga da Defesa Nacional

(LDN); na imprensa carioca e na Ação Social Brasileira (ASB).

A partir da atuação nesses diferentes espaços institucionais, Amélia de Rezende

Martins insere-se em uma rede de relações mais ampla e duradoura, porque atada pela

ideologia e afetividade da qual faziam parte familiares e amigos. Nesse sentido, destaca-se a

presença de grupos familiares organizados, tanto na Ação Social Brasileira quanto na

Associação Brasileira de Educação, principalmente em seus setores dirigentes.

O capítulo apresenta ainda uma análise do plano Ação Social Brasileira, que em

essência constituiu-se em um anteprojeto para a fundação de uma instituição educacional e

de assistência social – o Edifício Anchieta. Tal projeto revela, ora seu caráter fortemente

moralizador e disciplinador das massas, ora evidencia grande potencial formativo de uma elite

católica. Desta forma, esperamos explicitar a relação que se estabelece no período entre a

educação e a construção deste projeto cultural. Essa relação que se caracteriza por uma forte

aposta da “alta classe” na educação como força capaz de resolver os problemas do país,

através da integração da classe trabalhadora em um programa de adestramento profissional, de

educação moral e cívica e higiene coletiva, viabilizando a almejada modernização e diluindo a

problemática questão social.

3.1- A preocupação com a educação cristã: Amélia de Rezende Martins e a Primeira

Conferência Nacional de Educação (1927)

Na minha ousadia de enfrentar problemas tão complexos

se me afiguram para este caso dois alvitres que não me

parecem de todo destituídos de bom senso: I* a

orientação individual não só constando da instrucção

mas especialmente da educação e aperfeiçoamento70

dos

70

Grifo da autora.

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sentimentos de honra e dignidade de cada individuo

ministrados nas escolas às creanças e por meio de

conferências aos adultos; 2*a acção directa e immediata

do governo (MARTINS, 1919, p.11).

Em 19 de dezembro de 1927, às vinte horas, no Teatro Guaíra da cidade de Curitiba

(PR), instalou-se a Primeira Conferência Nacional de Educação promovida pela Associação

Brasileira de Educação (ABE). De acordo com o Boletim nº 12 da Associação, publicado em

agosto de 1928, a sessão exordial presidida por Caetano Munhoz da Rocha, então presidente

do Estado, foi dirigida a um público de quatrocentos congressistas, trezentos alunos da Escola

Normal Secundária e para cerca de duas mil pessoas71

. Achavam-se entre os presentes,

autoridades civis, eclesiásticas e militares, tais como D. João Braga, arcebispo metropolitano

de Curitiba, o Desembargador Manoel Bernardinho Vieira Cavalcante, Lysimaco da Costa,

que era inspetor geral do ensino do Paraná, Lourenço Filho, representante do Estado de São

Paulo e Barbosa de Oliveira, vice-presidente da Conferência.

Em consonância ainda com o Boletim, pode-se afirmar que o evento teve como tema

central a discussão dos “problemas da educação nacional”. Na interpretação de Carvalho, uma

“festa cívico-nacionalista”, cuja finalidade e única razão de ser era a “unidade e grandeza da

Pátria por um ensino bem orientado” (CARVALHO, 1998, p.308). No período de 20 a 27 de

dezembro realizou-se a conferência no Palácio do Congresso, com treze sessões plenárias para

a discussão de 113 teses. Estas foram divididas em quatro grupos e versaram sobre:

1º) A Unidade Nacional a) pela cultura literária; b) pela cultura cívica; c)

pela cultura moral. 2º) A uniformização do ensino primário, nas suas ideias

capitais, mantida a liberdade dos programas. 3º) A criação de Escolas

Normais Superiores, em diferentes pontos do país, para preparo pedagógico

de nosso professorado do ensino secundário e normal. 4º) A organização dos

quadros nacionais, corporações de aperfeiçoamento técnico, científico e

literário (BOLETIM da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro,

nº 12, agosto de 1928, p.7).

Segundo Carvalho (1998), a carência de documentação disponível sobre a primeira

Conferência dificulta detectar a tônica principal dos debates ocorridos nessas sessões

plenárias. Entretanto, a autora salienta ser possível registrar a recepção de uma proposta que

gerou polêmica e grande repercussão na imprensa curitibana: o ensino religioso. A asserção

em que Carvalho (1998) faz menção, partira, sem dúvida, da tese72

Uma Palavra de

71

Sobre a periodização e demais participantes da Primeira Conferência Nacional de Educação ver: COSTA et al

(1997); ou BOLETIM da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, agosto de 1928, nº 12, p.6-10. 72

Os trabalhos apresentados pelos conferencistas são, no período, denominados simplesmente de Teses.

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122

Atualidade, de Amélia de Rezende Martins, discutida na primeira sessão plena da conferência

no Palácio do Congresso, no dia 20 de dezembro de 192773

.

Na apresentação escrita que fez à sessão74

, Amélia de Rezende Martins iniciava

atribuindo ao público um espectro maior de atenção e receptividade, à finalidade que se

pretendia pleitear:

Falarão, nesta I Conferência Nacional de Educação, mestres especialistas na

arte de conduzir a infância e a mocidade numa preparação superior para a

vida. Falarão cientistas e filósofos, apontando os luminosos horizontes da

ciência. Permitir que uma palavra se faça ainda ouvida, uma palavra alheia

às lides do professorado, a palavra leiga da família brasileira que vos vem

também apresentar o seu estudo (MARTINS apud COSTA et al., 1997,

p.152).

Prosseguindo sua exposição, encarregava-se de justificar seu próprio engajamento na

assembleia como um dever ao qual não poderia fugir, um dever, segundo ela, que se imporia a

todos que pensam e se preocupam com a situação atual da sociedade, mas também, um dever

que a animava e estimulava a tomar parte nos trabalhos que interessavam os especialistas em

educação.

Amélia segue apresentando sua interpretação acerca da conjuntura vigente como um

momento marcado pela temeridade e pela decadência dos valores cristãos; o “tufão da

desgraça que sopra por toda parte”, ressaltando ser sublime, em teoria, o ideal de “instruir

para levantar o povo”; mas, ali mais longe, “diante da tétrica realidade” desprovida das leis de

Deus, todos os esforços seriam em vão, e complementa: “A meu ver, a questão das escolas,

presa intimamente a outra gravíssima questão, não será resolvida enquanto não se cuidar do

problema social” (MARTINS apud COSTA et al., 1997, p.153). Como já salientado, a

73 Entrecruzando a distribuição temporal presente no texto Primeira Conferência Nacional de Educação: Breve

exposição dos trabalhos realizados e das resoluções tomadas neste certâmen. In: Boletim da ABE. Rio de

Janeiro, agosto de 1928, nº 12, p.6-10. Com a sistematização de Carvalho (1998, p.307-315), foi possível aferir

que a tese de nº 27, de autoria de Amélia R. Martins, foi proposta no dia 20 de dezembro de 1927, na primeira

sessão plenária. 74 É importante salientar que não encontrei nenhum registro de que Amélia de R. Martins teria comparecido

fisicamente à sessão, na obra de Costa et al. (1997), por exemplo, é possível visualizar a assinatura de 218

partícipes; todavia, não há a subscrição de Amélia. Posteriormente ao analisar o livro Acção Social Brasileira, de

Martins, dedicado à IV Conferência de Educação (1931) encontrei o seguinte excerto: “(...) conquanto não

pertença à benemerita phalange de professores, não é a primeira vez que entro em contacto com o nobre

professorado da minha terra (...). Em Curitiba coube-me a honra de ter minha tese lida pelo nosso eminente

patrício, Dr. Belisário Penna” (MARTINS, s.d., p.30).

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questão social para o grupo católico, e particularmente para Martins, era uma questão de

moral religiosa75

.

Nessa acepção, a moral sem Deus era o principal problema que afligia a sociedade,

“problema que vai das altas camadas sociais ao povo do mais baixo calibre, que passa pelos

salões, pelas oficinas, pelas escolas, pelas salas de diversão, pelas ruas e pelos campos, que

abrange todo o nosso povo (...)” (MARTINS apud COSTA et al., 1997, p.154). E é por isso

que Amélia, reiteradamente, mantém seu ataque à “moral leiga” na apresentação, afirmando

que a moral científica conteria “princípios pervertedores”, que atuariam sobre a criança de

modo a corrompê-la com facilidade, visto que:

Tudo denota a moral doentia: a moda, a pintura, a dança, o teatro, o cinema,

a literatura, o jogo, a cocaína, e não preciso citar mais. (...) a atualidade dá a

impressão de Roma antiga, com suas festas lascivas e seus gladiadores

lutando na arena, aí preparando o fracasso do soberbo poderio. Tudo quanto

vamos gastando em ligas contra isto ou aquilo, organizações de cultura e

assistência social, parece-me trabalho perdido enquanto combatermos efeitos

sem buscarmos as causas. É o formigueiro: ataca-se aqui e ele irrompe mais

longe; enquanto não se encontrar o núcleo, baldado será todo o esforço...

(MARTINS apud COSTA et al., 1997, p.155).

Posteriormente, chega-se ao ponto nodal da tese, ou seja, o momento em que Amélia

conciliará – alegando estar de posse de argumentos irrefutáveis – que a verdadeira educação é

aquela que amálgama técnicas modernas e princípios cristãos:

Toda a gente estuda sistemas pedagógicos; todas as inteligências fervilham

de orgulho diante dos progressos da pedagogia moderna. Pedagogia,

filosofia e psicologia são palavras retumbantes que ecoam por toda parte. Os

princípios modernos devem ser adotados76

, mas quais são estes

princípios? Sob que fundamento, sob que filosofia baseamos nossa

pedagogia? Da escola leiga aí está a atualidade, parece, como uma prova

pouco favorável, como um desafio ao bom senso. Há quantos anos andamos

às voltas com problemas da instrução; apregoam-se as inovações, as

reformas de ensino... e, de fato, vemos por aí muito saber, mas o resultado

prático, o levantamento da moral, a consciência das responsabilidades...

75

Gramsci (2011) pontua as opiniões mais difundidas sobre a questão da “pobreza”, tal como resultam as

encíclicas e os documentos eclesiásticos; no que se refere à questão social, o autor assevera que para o grupo

católico a questão social “é antes de mais nada moral e religiosa, não econômica, devendo ser resolvida através

da caridade cristã e dos ditames da moral e do juízo da religião” (GRAMSCI,2011, p.153). Para o padre lazarista

Desidério Deschand, por exemplo, a questão social era também uma “questão de ideias” (DESCHAND, 1910,

p.282). Em seu intertítulo denominado “Appendice: Discurso proferido do 2º Congresso Catholico Brasileiro do

Rio-de-Janeiro, em 8 de julho de 1908”, Deschand (1910) expressa muitas das mesmas opiniões registradas por

Rezende Martins, entre elas, a convicção de que somente a Igreja católica poderia resolver o aterrado problema

da questão social. Tanto Martins como Deschand citam em seus escritos, que Leão XIII o “doutor da questão

social” o “ papa dos operários”, já tinha registrado em sua Encíclica Rerum Novarum que é “tal natureza a

questão social que, se não apellar para a Religião e para a Egreja, será impossivel achar-lhe solução eficaz”

(DESCHAND, 1910,p.287). 76

Grifo meu.

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onde encontramos? Houve o tempo em que se dizia que as escolas abertas

corresponderiam a prisões fechadas, mas o que vemos hoje, senhores?

Vemos que a escola leiga vai levando o mundo todo à ruína. Pelos frutos é

que se conhece a árvore. Quais são os frutos da escola leiga? (MARTINS

apud COSTA et al., 1997, p.154).

Provida de um método discursivo reforçado com recursos que veiculavam valores e

sentidos cristalizados de fácil compreensão, Amélia tenta criar, por meio da enunciação, a

ficção imediatista de que o mundo seria melhor se este fosse direcionado por princípios

cristãos. Utilizando determinados apelos, tais como “Deus, sentimento cristão, a família, a

pátria”, Amélia vai revelando gosto pelas construções discursivas com oposições binárias77

,

centralizadas semanticamente no jogo do bem versus mal:

(...) estudai o meio de salvar a família brasileira que se esboroa e se esfacela

e cuja ruína marcará a hora fatal para este colosso que é a nossa Pátria, para

esta maravilha que é o nosso Brasil, para esta terra cumulada de graças pelo

Criador e que tece armas contra o Seu soberano poder!... (MARTINS apud

COSTA et al., 1997, p.154).

E, por fim, encerra o seu arrazoado em tom rogativo:

Parece-me que neste momento, o mais urgente seria investigar onde se

poderia encontrar uma fonte de equilíbrio, para que não se percam tantas

esperanças!...

Eu já tomei, senhores, mais tempo do que devia. Agradeço a honra do

convite que me foi feito para tomar parte neste congresso de inteligências

lúcidas, empenhadas todas no que é nobre e no que é bom, e peço desculpas

se alguma exaltação deixei transparecer nas minhas palavras.

Não pertenço à geração da mulher moderna, a mulher cientista, a mulher

deputado, suspirando por um voto que ainda mais nos virá perturbar. Sou

tão-somente uma mulher cristã, e é com esse título e com o direito que

assiste a quem deu muitos filhos ao Brasil que vos suplico, meus senhores,

que não arranqueis do coração de nossas crianças o nome de Deus!...

Poderá não ser acatada a minha palavra, poderá não ser atendida a minha

súplica, mas permite, senhores, que não cale o que está dentro do meu peito,

o que irrompe do meu coração de católica e de brasileira!... Educai com

Deus, instruí com Deus, doador de vossa inteligência que em fulgurações

soberbas nos assombra” (MARTINS apud COSTA et al., 1997, p.158).

A celeuma suscitada por essa proposta foi tão grande que, em 7 de janeiro de 1928,

Belisário Penna ao apresentar uma sucinta exposição dos trabalhos e resoluções na Primeira

Conferência Nacional de Educação para o jornal Correio da Manhã, não esqueceu de

mencionar em seu composto que:

77

O relato de Ginzburg em “ O alto e o baixo: o tema do conhecimento proibido nos séculos XVI e XVI”, sobre

a tendência dos indivíduos em representar a realidade em termos de opostos, por exemplo, é explícito neste

sentido que se está querendo apontar. Ver: GINZBURG, 2014, p.97-98.

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A discussão de algumas theses, embora calorosa, foi sempre elevada, sem

quebra da cordialidade reinante entre os conferencistas. A que maiores

controversias provocou78

, occupando toda uma sessão, foi referente á

necessidade da educação moral na escola, com a Idéa de Deus, apresentada

pela eximia educadora, d. Amelia de Rezende Martins. Coube-me a fortuna

de relatar essa these, brilhantemente desenvolvida pela autora, e de

conseguir ver approvada a seguinte conclusão: “Que o ensino da moral, em

todos os institutos de educação no Brasil, tinha por base a Idéa religiosa, o

respeito ás crenças alheias e a solidariedade em todas as obras do progresso

nacional” (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1928, p.2).

Subsequentemente, em agosto de 1928, as resoluções tomadas em relação às propostas

sobre a educação moral ganhariam também destaque no Boletim da ABE, nº 12, através do

subtítulo Moção de applausos e voto sobre o ensino da moral.

Cruzando as informações presentes neste Boletim com os estudos de Carvalho (1998),

extrai-se que a tese de Amélia quase chegou a ser aprovada com o parecer do relator da

Comissão Belisário Penna, no entanto, foi a versão de Lourenço Filho79

que acabou sendo

aprovada por votação nominal de 117 congressistas contra 86.

Segundo Susana da Costa Ferreira (1993, p.21) o acalorado debate chegou a provocar

tumulto no recinto das votações e os jornais de oposição acusaram o professor Lysímaco de

forçar a votação pelo exemplo, votando a favor em primeiro lugar, utilizando a ascendência

do cargo de diretor da Instrução Pública para influenciar o professorado paranaense, presente

em maior número nas votações.

Todavia, se a questão religiosa causou tanta querela na Conferência, resta um

momento do real a ser explicitado e inserido, interpretativamente, aqui neste contexto. Na

verdade, nessa conjuntura histórica, torna-se evidente que a polêmica se instalara

anteriormente ao debate. Cumpre então recordar que o período republicano brasileiro, já na

terceira década de sua implantação, sedimentou-se entre os intelectuais, que estavam

interessados em remodelar a educação do país, a convicção de que a escola poderia ser

redentora do elemento nacional, aquela que transformaria uma espécie de “jeca tatu

brasileiro” (CARVALHO, 1989, p.56), “o capoeira” (CARVALHO, J. M., 2013, p.18) em

um indivíduo laborioso e disciplinado, em direção ao progresso. Para usar a expressão de

Fausto (2013, p.261), “em 1920, falava-se de reforma social, mas a maior esperança era

depositada na educação do povo”.

78

Grifo meu. 79

Lourenço Filho propôs que a instrução moral tivesse como base a ideia religiosa, porém sem qualquer

sectarismo (CARVALHO, 1998, p.314).

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A Associação Brasileira de Educação (ABE) – fundada em 1924, no Rio de Janeiro

por Heitor Lyra da Silva – constituiu-se como uma das mais importantes das tantas

organizações cívico-nacionalistas que proliferaram no país nos anos de 1910 e 1920. Neste

“órgão legítimo de opinião das classes cultas em matéria educacional” (CARVALHO, 1989,

p.45) aglutinaram-se intelectuais de diversas matizes, entre eles, católicos e liberais, para

trabalharem em prol de um denominador comum: a reforma educacional, por meio da

introdução das ciências e das técnicas modernas e o desenvolvimento da prática cidadã, de

modo a redimensionar o sistema educacional para engendrar uma nova civilização

(CARVALHO, 1998). A educação nesse contexto não poderia ser desvencilhada da instrução

moral e cívica, a fim de formar o indivíduo ideal e, por isso, era necessário que o povo

frequentasse uma escola moderna que “instrui e moraliza, que alumia e civiliza”

(CARVALHO, 1989, p.47). A organização nacional do trabalho também se constituiu como

um dos objetivos centrais da ABE, visto que no imaginário desses intelectuais, a população

apática e degenerada era o que extenuava e comprometia o que se propunha como trabalho

nacional. Consideravam, também, que pior para o Brasil eram as elites malformadas, se

fazendo urgente uma reforma do ensino superior.

Segundo J. M. Carvalho (2013), uma das consequências do rápido crescimento

populacional nas cidades na virada do século XIX para o XX foi o acúmulo de pessoas em

ocupações mal remuneradas ou sem ocupação fixa, conforme descreve: domésticos,

jornaleiros, trabalhadores em ocupações mal definidas chegavam a mais de 100 mil pessoas

em 1890 e mais de 200 mil em 1906 e viviam nas tênues fronteiras entre legalidade e a

ilegalidade, às vezes participando simultaneamente de ambas. Pouco antes da República, o

embaixador português anotava: “Está a cidade do Rio de Janeiro cheia de gatunos e

malfeitores de todas as espécies” (CARVALHO, J. M., 2013, p.17-18).

Acrescente ainda que com o processo de urbanização e industrialização as

oportunidades educacionais e ocupacionais foram limitadas, o que fez com que a população

crescesse desvinculada das atividades econômicas, tornando-se uma preocupação para as

elites nacionais. Para a maioria da população a industrialização não trouxe melhores

condições de vida, ao contrário, acabou acentuando as injustiças sociais. Neste bojo, é

pertinente a observação de Marta M. C. Carvalho (1998) sobre as propostas que circularam

em 1920 no âmbito da ABE. Para a autora, estas, não tiveram como objetivo acenar a

educação como forma de mobilidade e ascensão social para as classes populares, mas sim, a

necessidade de forjar uma nação capaz de responder aos desafios do seu tempo:

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Articuladas no âmbito de um projeto de construção da “nacionalidade”, tais

propostas privilegiaram não a satisfação de uma demanda da população e

sim a efetivação de um particular projeto de sociedade. Correspondiam,

assim, à modalidade típica de conexão entre mudança social e mudança

educacional (...) privilegiando a educação como instrumento de conformação

dos indivíduos a uma sociedade almejada (CARVALHO, 1998, p.26).

Nesse ponto, é salutar mencionar que no Conselho Diretor da Associação, avançaram-

se propositivas divergentes sobre três questões principais: a competência estatal em matéria

de educação, a polarização regionalização x uniformização do ensino, a orientação leiga ou

religiosa do ensino (CARVALHO,1998, p.212). Em vista disso, e de acordo com as posições

assumidas face a estas propostas, Carvalho (1998, p.213) identificou três grupos distintos na

ABE, o de Fernando Magalhães, o de Ferdinando Labouriau e um terceiro, constituído por

Süssekind de Mendonça, Francisco Venâncio Filho e Armanda Álvaro Alberto que, embora

nunca tenham ocupado a presidência da Associação nos anos 20, nela tiveram importante

atuação no Conselho Diretor, permanecendo na ABE depois de 1932, ano que marca o êxodo

definitivo do grupo Fernando Magalhães.

Dadas essas considerações preliminares em relação aos grupos, concentremos nossa

análise naquilo que Carvalho (1998, p.221) denominou como o “divisor de águas do Conselho

Diretor” ou seja, a questão religiosa.

Como observação geral, devemos lembrar o seguinte: apesar da ABE ter congregado,

em uma mesma causa cívico-educacional diferentes grupos que se antagonizavam com base

em propostas rivais de “(...) controle técnico e doutrinário das escolas” (CARVALHO, 1999,

p. 17), a valorização da educação moral era consensual entre os reformadores da ABE. Visto

que,

a situação era de união de forças, de fortalecimento da ABE e da campanha

educacional. Programaticamente, as divergências não eram evidenciadas, o

que fazia com que fossem relativizadas. Explicitá-las é operação que, além

de encontrar seus limites no laconismo das atas do Conselho Diretor, esbarra

na insistência com que os integrantes da Associação a constituíram como

bloco homogêneo, dedicado à “causa educacional” (CARVALHO, 1998,

p.213).

O problema se dava quando esta se traduzia na apologia da religião católica como base

da moralidade ou na “presença de rituais católicos integrando as práticas comemorativas

frequentemente promovidas pela Associação” (CARVALHO, 1998, p.221). Exemplo disso

eram as celebrações de missas nos programas de festividades, comemorações ou eventos.

Segundo Carvalho (1998), esse grupo católico dentro da ABE foi guiado por Fernando

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Magalhães. Para ela, o engajamento de Magalhães e seu grupo, neste período, “balizou-se por

proposição de caráter pontual que garantisse o objetivo último visado de imprimir orientação

católica à formação nacionalista reivindicada para a escola” (CARVALHO, 1998, p.223). No

caso do grupo de Süssekind, a assertiva predominante era de que a ABE não tinha qualquer

coloração religiosa, exercendo assim, sobre os membros católicos do Conselho diretor “o

papel de censor” das suas investidas religiosas. O próprio Edgar Süssekind de Mendonça, um

dos fundadores da ABE, líder do movimento euclidiano positivista (1911)80

e futuro

signatário do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, era um convicto ativista do ateísmo.

Este posicionamento render-lhe-ia, posteriormente, conforme Piletti e Praxedes (2010, p.75)

“uma surra, no final da tarde, em frente ao Café Emídio, na praça do Ferreira”.

Os autores de “Dom Helder Camara: o profeta da paz”, fazem referência ao atentado

sofrido por Sussekind em Fortaleza, em 1934, por ocasião da VI Conferência Nacional de

Educação por um grupo de integralistas. Segundo Piletti e Praxedes (2010), o desfecho do

debate entre Dom Helder e Mendonça na conferência a respeito da defesa da introdução do

ensino religioso nas escolas públicas, ocorreu “fora do terreno intelectual”, fazendo com que

Mendonça “levasse a pior”:

Um grupo de jovens integralistas, vestidos a caráter, com camisa verde e

gravata marrom, comandados pelo próprio padre Helder Camara, que, por

baixo da batina preta, aberta ao peito, deixava à mostra sua camisa verde

integralista, dá uma surra em Sussekind”(PILETTI e PRAXEDES, 2010,

p.75).

A questão religiosa também teve peso significativo na diferença existente entre o

nacionalismo centralista do grupo de Labouriau e dos católicos guiados, no Conselho, por

Fernando Magalhães .Nas palavras de Carvalho (1998), o nacionalismo ou “unidade

nacional” do grupo de Magalhães, traduzia-se em incorporar a tradição católica à “alma

nacional a ser moldada pela escola”, uma operação em curso no movimento educacional e na

80

De acordo com Natália Peixoto Bravo de Souza, os três intelectuais, Edgard Sussekind de Mendonça,

Francisco Venâncio Filho e Edgard Roquette-Pinto, tiveram participação ativa no Grêmio Euclides da Cunha do

Rio de Janeiro desde sua criação, em 1911, mas também participaram de diversas outras atividades ligadas ao

objetivo de popularizar e valorizar o conhecimento científico. Nesse caso a dedicação ao campo educacional de

Sussekind tinha como matriz o ideal positivista de progresso e de civilização, que seria alcançado por meio da

educação dos povos. Vale ressaltar, que Edgard Sussekind de Mendonça era irmão do também euclidiano Carlos

Sussekind de Mendonça e filho de Lucio de Mendonça, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, foi

aluno de Euclides da Cunha em seus últimos meses de vida, quando o escritor assumiu a cadeira de Lógica do

Colégio Pedro II. No ano de 1911, em que o grêmio foi fundado no interior da escola, eram os irmãos Sussekind

as principais lideranças do movimento. Com o passar dos anos, Francisco Venâncio Filho assumiu, ao lado de

Edgard, a condição de um dos principais líderes do movimento euclidiano, que antes pertencera a Carlos

Sussekind de Mendonça. Ver: B. SOUZA (2011, p.1-19).

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reação católica que se reorganizava. A promoção dessa unidade era, para Magalhães,

matizada por uma política educacional voltada para zona rural.

Já para o grupo de Labouriau a estratégia era diferente. O catolicismo não era por

tradição o cimento da unidade nacional. Na verdade, a busca pelo nacionalismo deveria

decorrer de um conjuntos de medidas de “integração nacional” que abrangiam desde a

indústria de base até a superação da agricultura de subsistência. Nessa perspectiva, a escola é

valorizada como um aparelho capaz de dinamizar a produção, na qual dependia,

impreterivelmente para funcionar, de uma articulação “num sistema, organizado, orientado e

impulsionado pelo Estado” (CARVALHO, 1998, p.224).

Não antecipemos porém a trajetória dos grupos que iriam se antagonizar mais tarde

com base em propostas rivais de “controle técnico e doutrinário das escolas, após a Revolução

de 1930” (CARVALHO, 1999, p. 17), quando, em uma conjuntura de crescimento do aparato

estatal e de disputa por hegemonia política, a luta pelo aparelho escolar se tornou, para os

referidos grupos, central.

Comecemos pelas propostas do grupo católico, atentando-nos prioritariamente sobre a

questão da orientação religiosa no ensino, visto que, para eles, esse ideal de construir uma

“nacionalidade” só poderia ser alcançado por meio de uma política afinada com os princípios

cristãos.

3.2- Ensino Leigo: Quais são seus frutos?

Muitos caminhos levam à Roma, mas só um leva à

prosperidade de um povo, o caminho da moral, o

caminho da virtude; e a virtude meus senhores,

está sendo banida do mundo (MARTINS apud

COSTA et al., 1997, p.158).

Riolando Azzi (2008) salienta que para os católicos, os verdadeiros valores do mundo

eram aqueles que traziam a conotação espiritual, sobrenatural e religiosa. Desse modo, a tese

sustentada com veemência no pensamento católico era de que um Estado leigo e um ensino

laico equivaliam, respectivamente, a um Estado ímpio e ateu, e a um ensino antirreligioso,

ateísta e, até mesmo, profano, e, portanto, “despojados dos valores éticos que permitissem a

sua legitimidade e reconhecimento por parte dos cristãos” (AZZI, 2008, p.196). Vale lembrar

ainda que para a concepção católica, o processo de descristianização81

da nação, firmado com

81

O regime republicano foi instaurado em 1889 e já no ano seguinte o conselho de ministros votou pela

separação entre a Igreja e o Estado pelo decreto 119A, de 07 de janeiro de 1890. Esta separação seria depois

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a promulgação da Constituição Republicana de 1891, foi um dos principais responsáveis pelas

inúmeras crises que abalaram a estrutura social na época. A esse respeito, Romualdo Dias

explica que,

muitos direitos católicos foram abolidos com a Carta Constitucional da

República. O Estado, sob influência de ideias positivistas, se laicizava. O

liberalismo se fortalecia nos meios políticos. A Igreja se via esquecida pelos

poderes públicos. Assistia às instituições políticas se afastarem da doutrina e

o ensino leigo conduzir o ateísmo. O indiferentismo religioso propagava-se,

crescia um “espírito de ódio sectário e satânico à Igreja e ao Sacerdócio”.

Ideias heterodoxas e os princípios da Revolução eram divulgados. O

casamento religioso começou a ser rejeitado e a família a se decompor. As

forças maçônicas organizaram-se e moveram campanhas de difamação e de

calúnia contra o catolicismo (1996, p.22).

Nesse sentido, não deixa de ser relevante para compreensão desse “sentimento” a

descrição do padre lazarista Desidério Deschand82

(1910) em seu capítulo primeiro, intitulado

“Dos graves males existentes no Brazil”. Para o autor, todo governo que se dizia democrático,

mas que, cujas leis e decretos não respeitavam os “sentimentos da maioria da população

catholica”, era uma “Republica falsa e manca”:

Ora, basta um ligeiro olhar para a Constituição que nos-rege para se poder

afirmar que nossa Republica não é verdadeiramente democrática, porquanto

são bastante numerosas na Constituição as disposições diretamente oppostas

aos sentimentos do povo catholico. A razão, todos a sabem: é que a

Republica não foi feita pelo povo, mas pelas forças armadas dirigidas pela

maçonaria e pela seita positivista; a Constituição foi redigida e imposta à

nação por um bando de ideólogos positivistas que illegitimamente se diziam

representantes do povo (DESCHAND,1910,p.19-20).

Deschand redimensiona seu texto para as consequências malfazejas da separação da

Igreja e do Estado, alegando ser esta a causa do “atheismo oficial” (DESCHAND, 1910,

p.27), e, portanto, uma afronta, um atentado à divindade e a verdadeira religião. O autor

destaca a necessidade de se implantar a religião em todas as instituições políticas, visto que só

a religião, forneceria e manteria a estabilidade e a justiça.

ratificada pela primeira constituição republicana de 1891. O termo “descristianização” utilizado no presente

texto designa essa separação entre o Estado e a Igreja, conforme, aliás, era uso corrente na época enfocada,

principalmente na imprensa periódica católica. 82

De acordo com (CAMPOS, 2002; 2005; MARCHI, 2013) Desidério Deschand, foi um dos principais líderes

da Igreja Católica no Paraná no final dos oitocentos e nas primeiras décadas dos novecentos. Segundo Marchi

(2013) após a criação da Diocese de Curitiba-PR (1892) pela bula Ad universas orbis eclesias, de Leão XIII, D.

José de Camargo Barros foi designado primeiro bispo (1894-1904). Neste período, D. José tratou de fundar o

Seminário Diocesano-PR e, para dirigi-lo, recorreu aos padres da Congregação da Missão Lazarista. Assim em

27 de janeiro de 1896 chegaria a Curitiba o visitador da Congregação no Brasil, o padre Bartholomeu Sipolis,

trazendo consigo Desidério Deschand e Guilherme Vollet.

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As inscrições de Amélia Rezende Martins também permite-nos parafrasear o léxico da

época. Existe uma sintonia muito grande entre a alocução de Amélia e os discursos

propugnados pelos prelados católicos brasileiros nas décadas de 1910 e 1920, no que se

refere às consequências da laicidade da educação. Apenas a título de exemplo, em agosto de

1893 – dois anos após o decreto que oficializou a separação entre a Igreja e o Estado –,

Amélia Martins retornou para a cidade do Rio de Janeiro, após um ano e meio de estadia na

França, e, segundo ela, este tempo

(...) fôra o sufficiente para nos fazer extranhar o que novamente aqui

encontravamos... bondes de burro, gente de tamancos pelas ruas, creanças

em vadiagem por toda a parte, desleixo na limpeza das vias publicas, atrazo,

emfim, em mil pequenos detalhes (...) (MARTINS, 1939, p.541).

Ulteriormente, em seu livro Acção Social Brasileira, Martins complementaria sua

assertiva escrevendo em Crise Mundial – Crise de Moral: Secção de Estudos Sociaes, que a

árvore da civilização tem o “verme roedor escondido na raiz”, “os galhos torturados e as

flores atrofiadas”, produtos de um Estado leigo e laicizante: o “demolidor da moral”

(MARTINS, s.d., p.15). Dizia ela,

Sr. Governantes ao envez de procurarem-se os meios de soluconar a crise

aterradora, pela rama, attendendo aos effeitos, investigue-se de onde Ella

provém, experimente-se mudar o rumo das cogitações e será encontrada a

razão de ser de todas as perturbações, numa crise única, a crise moral.Toda

questão social é uma questão de moral! (...) Ataque-se a doença de frente,

sem medo, e a planta arribará! (...) O Brasil está muito doente, sua moléstia é

gravíssima, não é porém um caso perdido. Exige medicação enérgica, mas o

tratamento é demorado e carece de palliativos, injecções de óleo

camphorado, para dar tempo ao remédio de actuar (MARTINS, s/d, p.15).

Nota-se, portanto, que tanto na tese Uma Palavra de Atualidade (apresentada na I

Conferência Nacional de Educação) como em outros escritos, que para Martins e para a

grande maioria dos pensadores católicos, a ilegitimidade da nova orientação laica da

República, a “árvore da escola leiga”, era um dos principais responsáveis pelas crises na

estrutura social, e que, consequentemente, levou o “mundo todo à ruína” (MARTINS apud

COSTA et al. 1997, p.154).

Por outro lado, vale ressaltar que era importante que o ensino continuasse vinculado à

igreja uma vez que os colégios mais conceituados da época eram privados e católicos. Nesta

perspectiva, um aspecto relevante a acrescentar é a disputa entre interesses privados e

interesses públicos, particularmente no que tange à definição dos critérios de distribuição de

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verbas estatais83

. Sem contar ainda que, pelo domínio do mercado de ensino, a Igreja

conseguia uma rentabilidade que alavancava seus empreendimentos e ajudava na sua

reorganização nacional. Nesse caso, Deschand (1910) escreve:

E no Brazil, inteiramente catholico, o dinheiro dos catholicos serve para

sustentar escolas athéas! (...)Nós somos a nação toda inteira, as escolas

devem ser nossas e quaes as queremos. Devemos , sim, consentir em que

haja escolas para os filhos dos protestantes e incréos, pódemos até admitir

que sejam mantidas com os dinheiros públicos; mas as escolas officiaes

devem ser catholicas, porque o povo assim o quer e assim deve querer

(DESCHAND, 1910, p.205).

Outro, entretanto, é o ponto de vista pedagógico. Tanto para Deschand, como para

Martins e a grande maioria dos militantes católicos, a reintrodução do ensino religioso nas

escolas se fazia necessário pois considerava como verdadeira educação apenas aquela

vinculada à visão moral cristã. Mais exatamente, no sentido de que as escolas leigas só

instruem, não educam.

Sob este aspecto, Sgarbi (1997) também ressalta que os representantes da ala católica,

antes da inauguração da ABE, organizaram-se no Centro D. Vital e, em torno de Jackson de

Figueiredo, preconizaram entre os seus objetivos a reintrodução do ensino religioso nas

escolas. Nesse bojo, a Igreja, como “sociedade sobrenatural”, comungava a ideia de que sua

missão era a de educar. Ou seja, “a Igreja educa porque recebeu de cristo essa missão – “Ides

e ensinai todos os povos” – e porque é a mãe espiritual dos homens” (SGARBI, 1997, p.71).

Assim, para os católicos do período, a Igreja estava “em estado de missão”

permanente no mundo. Nesse compasso, a reintrodução do ensino religioso nas escolas

também era uma questão de “obrigação apostólica”. Conforme afirmou a própria Amélia de

Rezende Martins:

Todo cristão deveria entrar no espírito de São Paulo, quando escrevia aos

Efésios. Ef. III, 8-12: “A mim o menor de todos os santos, me foi dada esta

graça de anunciar entre os Gentios as riquezas inescrutaveis de Christo, e de

manifestar a todos qual seja a communicação do misterio escondido, desde o

principio dos seculos em Deus (...) Ha 19 seculos que se prega a doutrina de

Christo e, crescendo de dia a desorganização da sociedade, quer o socialismo

ver nisto a prova da inefficacia do Christianismo(...) A maior parte da

humanidade crê no que ensinou o Christo, mas não faz o que Elle ordena

(MARTINS, 1919, p.6-7).

83

Este aspecto pode ser evidenciado na obra de outro prelado - Leonel Edgard da Silveira Franca. Em seu livro

Ensino Religioso e Ensino Leigo: Aspectos Pedagógicos, Sociais e Jurídicos, de 1931, Franca sugere uma

equiparação entre as escolas públicas e privadas em um regime de “repartição proporcional”(FRANCA, 1931,

p.110).

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Para Martins, defender a religião na sociedade, tema recorrente em seus debates,

implicava fazê-lo em torno da Igreja Católica, significava batalhar por esta, como esteio

fundante da própria sociedade.

Junte-se a isso, o interesse em um movimento de reação intelectual das elites

brasileiras que se firmasse pela fé, ou seja, um projeto que enfatizava o papel da elites na

construção de um nacionalismo, a partir de um sentimento patriótico baseado em uma

educação moral religiosa84

. Dizia Amelia de Rezende:

(...) prepararemos uma elite, capaz de toda a dedicação de que carece o nosso

Brasil...arregimentaremos um exercito de gente nova, que não permittirá

mais, num futuro muito proximo , a repetição dolorosa do conceito de que o

Brasil é um deserto de homens!... (MARTINS, 1934, p.100).

Conforme atesta Azzi (2008, p.153): “a principal razão para essa luta acirrada em

termos de controle da área educativa, era a convicção generalizada de que, mediante a

formação das elites nos princípios cristãos, seria possível a criação de um Estado católico”.

Convém lembrar que, do ponto de vista político, a Igreja reagiu contra as orientações laicas,

posto que ela representava uma força conservadora, comprometida com a antiga oligarquia,

permeada por uma visão de mundo autoritária e hierarquizada85

.

Acresce ainda que, o interesse de contrapor o ensino católico à atividade educacional

protestante era considerado uma prioridade pelos bispos da época, conforme certifica Azzi

(2008):

O inimigo número 1 a ser combatido na área educacional era o

protestantismo, cuja afirmação se fazia sentir no país desde o século XIX.

(...) O princípio fundamental era a consideração da crença protestante como

uma heresia. Tratava-se, portanto, de uma doutrina reprovada pela Igreja,

sendo seus adeptos destinados à condenação eterna. Como segunda razão

estava a maior abertura protestante para a educação sexual, a valorização da

mulher e a democracia liberal, aspectos esses combatidos pela instituição

católica como contrários à doutrina de Cristo. Finalmente, os protestantes

eram acusados de defender a hegemonia pró-norte-americana no país

contrariando os interesses brasileiros (AZZI, 2008, p.153-154).

Como vimos, são muitas as motivações para que o grupo dos intelectuais católicos

iniciassem uma ampla campanha de divulgação de sua política educacional, com objetivo de

84

Ver Salem (1982, p.106). 85

Gramsci (2011, p.174) propôs que o conhecimento da origem social do clero constitui-se como um elemento

importante para avaliarmos sua influência política. Visto que, dependendo da origem do clero ou dos

representantes da Igreja, eles poderiam possuir muitas propriedades privadas fundiárias e praticar a agiotagem.

Nesses termos, no sentido político o que predominava era o velho clericalismo conservador.

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conter o processo de secularização da cultura e legitimar a posição da Igreja como instância

primeira para conduzir os meios e os fins da educação.

Diante desse quadro, fica evidente o porquê da presença de um expressivo número de

militantes católicos na Associação Brasileira de Educação (ABE), mas há outra circunstância

que vem caracterizar ainda mais a organização, e que de modo mais direto se liga ao nosso

assunto: a atuação de um grupo significativo de mulheres na esfera da ação assistencial.

Mulheres que integravam o Conselho e algumas seções da ABE, que programavam eventos

e/ou justificam iniciativas. Trasladando as observações de Perrot (2006), “mulheres que

executam outras práticas cotidianas”, enxertadas sobre seu uso próprio do tempo e do espaço.

Mulheres que saiam de casa, do lar, para agir na cidade, para trabalhar, praticar caridade ou

filantropia (PERROT, 2006, p.182).

Trata-se aqui, mais especificadamente, de examinarmos como Amélia de Rezende

Martins, que não integrava os órgãos diretores da Associação, nem se destacava como sócia

atuante (CARVALHO, 1989 p.67-68), no calor da campanha de regeneração nacional

promovida pela Associação Brasileira de Educação (ABE), conseguiu veicular suas ideias e

projetos dentro da organização.

3.3- Entre católicos, parentes e amigos: A rede de conexões de Amélia de Rezende

Martins na Associação Brasileira de Educação (ABE)

A Acção Social Brasileira, Snr. Dr. Fernando Magalhães86

,

estava ardendo em desejo irreprimível de agir! A Acção Social

Brasileira estava como uma imensa fogueira do bem,

preparada com todo o esmero: as achas bem architectadas,

bem estudadas as direcções dos ventos, faltando-lhe, apenas,

atear-se-lhe o fogo! Foi a de V. Excia. a mão abençoada que

lhe atirou a fagulha da vida!(MARTINS, 1933, p.7).

A propósito de Amélia de Rezende Martins, e a partir dos elementos disponíveis, pode

afirmar-se que, em 1927, a nossa personagem já tinha consolidado um estatuto pessoal

próprio. Como escritora, publicista, palestrante ou ativista católica, criou e cultivou relações

que, através da escrita e de diversas iniciativas, lhe conferiram audiência suficiente para

intervir, diagnosticar e projetar possíveis soluções para os problemas educacionais e sociais

que circulavam no período.

86

Grifo meu.

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135

Rezende Martins era, no interior do que se designava correntemente como movimento

católico, reconhecida como: a “notavel escriptora”, a “ilustre publicista patrícia”, a “pedagôga

catholica”, a “mãe christã ”, a “líder feminina dos catholicos”87

.

As informações obtidas a partir das fontes selecionadas revelaram que os livros de

Martins, tais como, O meu Brasil, Quadro Synoptico e Synchronico de Historia Universal,

Geographia Elementar, Historia da Musica, Curiosidades Musicaes, Compendio de Historia

do Brasil, 40 Pontos de Geographia, O livro de José Maria e Meu livrinho de Missa foram

divulgados e recomendados por diferentes personalidades, em congressos, na imprensa

periódica, nas emissoras de rádio e na Associação dos Empregados do Comércio (RJ) e,

provavelmente, circularam em algumas comunidades e escolas católicas. As fontes oferecem

ainda um material significativo de que alguns livros foram adotados e aprovados pela

Instrução Pública do Distrito Federal (RJ).

Essa ilação, fazemos com base em alguns indícios. Parafraseando Ginzburg

(2014,p.177), se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios- que

permitem decifrá-la. Ou seja, por trás do paradigma indiciário (ou divinatório) proposto por

Ginzburg, “entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o

do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa”(GINZBURG, 2014, p.154).

Vejamos então, a partir de alguns dados e/ou ocorrências nos jornais, as pistas

deixadas sobre essa realidade complexa da atuação de Martins. Os “sinais” serão expostos

dentro de uma sequência narrativa, cuja formulação nos permitirá averiguar dois pontos

principais: primeiro, aferir o nível de seu protagonismo enquanto “intelectual cristã

consagrada”88

em seu papel apostólico ou “tipo feminino”89

de “mãe educadora” ,

87

(...)“D. Amelia de Rezende Martins é incontestavelmente uma das melhores escriptoras brasileiras.

Intelligencia culta, perfeitamente orientada, observadora perspícua e animada de sentimentos elevados, esposa e

mãe christan, inspirada pela caridade e pelo patriotismo, tem todos os requisitos para ser uma pensadora

excelente, como se tem revelado em seus ecriptos(...) (A União, 27 de janeiro de 1921, p.2).

Esses predicativos do sujeito podem ser evidenciados também em: Gazeta de Notícias, 26 de set de 1924, p.4; A

Cruz, 27 jan de 1929, p.6; O Imparcial, 1 de nov de 1923, p.10; O Paiz, 8 de jan de 1925, p.6.; A União, 8 de

abril de 1920, p.1; Gazeta de Noticias, 26 de setembro de 1924, p.4; entre outros. 88

A expressão foi emprestada do padre, filósofo e neotomista A. D. Sertillanges (1863-1948) em sua obra A vida

Intelectual - Seu espírito, suas condições, seus métodos, redigida originalmente em 1920. Para Sertillanges

(2016), os estudiosos cristãos, desde o início do século XVII, foram todos teólogos, e os estudiosos, cristãos ou

não, até o século XIX, foram todos filósofos. Nessa acepção todo católico consciente, tendo-se tornado

intelectual ou desejoso de sê-lo, é imprescindível que ele almeje a “intelectualidade por completo; que ele tente

abranger todas as suas dimensões e virtudes” (SERTILLANGES, 2016, p.95). Nesse caso, “a vocação e a

consagração”; “a participação em seu tempo (a ordem do espirito deve corresponder à ordem das causas) ” e “ as

virtudes de um intelectual”. Para Sertillanges (2016), todo intelectual católico deve desenvolver as seguintes

virtudes: o “espirito de oração”, da “cooperação”, “cultivar relacionamentos necessários”, “manter a dose

necessária da ação”, “simplificar a vida”, “conservar a solidão”, “ter contato com os gênios”, “sabedoria do

intercâmbio intelectual”, realizar “exercícios da virtude moral”, “sacrifícios necessários” e “disciplinar o corpo”

(SERTILLANGES, 2016, p.5-7).

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mostrando-se nesse passo, que Martins, antes mesmo do período em que apresentou a tese

Uma palavra de Atualidade na I Conferência Nacional de Educação (1927) já era tida, como

personalidade pública engajada na difusão de uma pedagogia adepta aos dogmas cristãos.

Nessa linha, é importante abrir um espaço para destacar a materialização dos esforços e

investimentos no compartilhamento de seus livros didáticos tanto na imprensa periódica como

em outras estruturas, não necessariamente católicas. O segundo ponto, complementar ao

primeiro, perfila-se por demonstrar a rede de relações sociais, incluindo-se aqui, conexões

familiares, profissionais e afetivas, que lhe forneceram os recursos sociais para projetar suas

ideias e projetos dentro da ABE.

Não por acaso o jornal O Imparcial traz nas suas páginas um artigo sobre a tese de

nossa personagem no Primeiro Congresso Eucarístico Nacional celebrado no Rio de Janeiro,

ocorrido entre 26 de setembro a 1 de outubro de 1922, em comemoração ao 1º Centenário da

Independência do Brasil90

. Na apresentação, o articulista expõe traços da trajetória de Martins

como escritora de livros e destaca:

Publicamos hoje a these de Dona Amelia de Rezende Marttins, esposa do

conhecido medico homeopata, Dr. João de Assis Martins, e filha do barão de

Rezende, apresentada no Congresso Eucharistico, na sessão feminina de 26

do corrente proximo passado.

Senhora de alto valor intellectual, D. amelia Martins é uma mãe dedicada

pelo ardor em incutir no coração de seus filhos um grande amor: o amor de

Deus, animando-os ao mesmo tempo a um nobre sentimento: o orgulho da

Patria.

Os seus inúmeros trabalhos educativos já são conhecidos e grande parte

adoptados nos nossos melhores collegios91

: “Compendio de Historia do

Brasil”, “Quadro Synoptico e Syncronico da História do Brasil”,

“Geographia Elementar” e outros, ensinam ao mesmo tempo dos pequeninos

89

Apesar das limitações temporais e precariedade dos dados disponíveis , a pesquisa trabalha com a hipótese de

que um dos fitos desse “reconhecimento de Martins” e/ ou, o compartilhamento dessa identidade coletiva de

“mãe , escritora e educadora cristã” por parte da imprensa periódica católica, era o de instituir ou construir a

imagem de um “tipo feminino” que servisse de referência ou “ arquétipo de valores” (J. M. CARVALHO,1990,

p.14) para o apostolado de outras mulheres, sobretudo no campo social e educacional. Vale dizer que Martins

participou do programa “A festa das Noelistas” que ocorreu no salão da Associação dos Empregados do

Comércio (AEC) a convite de D. Sebastião Leme em dezembro de 1924. Martins seria uma das responsáveis,

junto as “novas noelistas” pela difusão e orientação dos novos modelos de conduta que uma mulher moderna e

cristã deveria seguir.O objetivo principal do programa era estabelecer os fitos do movimento noelista, que além

da ajuda assistencialista, deveria contemplar a proteção da moralidade e dos bons costumes. Cf: A Noite, 19 de

dezembro de 1924, p.1 ; O Paiz, 5 de março de 1925,p.2. Já o jornal A Cruz revela-nos que Martins teria

colaborado junto com “Padre Enrique Magalhães, Padre Marcello, Laurencio Lumini, Maroquinha Rabello,

Maria Junqueira Schmith, Perilo Gomes, Jonathas Serrano, Berillo Neves, Silva Ramos” entre outros, para a

fundação da revista “Noel” em meados de 1922. Esta revista “instrumental” de conteúdo diversificado, que

trazia desde “chronicas literárias, estudos artísticos, curso de apologética, vida catholica, contos, poesia” até

“modelos para trabalhos manuaes” tinha como objetivo “dar maior estimulo ao esforço intellectual” do

movimento noelista brasileiro (A Cruz,20 de setembro de 1925,p.8). 90

Para um maior aprofundamento sobre o 1º Congresso Eucarístico Nacional ver: ISAIA (2013). 91

Grifo meu.

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137

a glorificarem o Creador do mundo, assim como a comprehenderem e

apreciarem a grandeza do Brazil. A sra. Rezende Martins escreveu “História

da Musica” dedicada ao talento da filha senhorita Maria Amelia de Rezende

Martins eximia pianista, que já tem dado vários concertos, livro este que

veio enriquecer a nossa literatura musical, tornando mais amplamente

conhecidos os grandes compositores estrangeiros e brasileiros e as suas

operas e composições de valor.

No último parágrafo, o jornalista anuncia:

Os livros da sra. A. de Rezende Martins à venda nas livrarias Alves,

Collegios Sallesianos de S. Paulo e Nictheroy e Centro da Bôa Imprensa (O

Imparcial, 1 de novembro de 1923, p.10).

Vejamos também a nota publicada no jornal Correio Paulistano, na edição do dia 23

de agosto de 1923, sobre a divulgação de um dos livros didáticos de Martins, cujo

prefaciador era seu parente e amigo, Afonso de Escragnolle Taunay92

:

Recebemos um exemplar do livro da sra. D. Amelia de Rezende Martins “24

pontos de historia do Brasil”. Este volume traz um prefacio de Affonso de E.

Taunay. Trata-se de uma obra interessantíssima, ao dizer do prefaciador, que

tece os melhores elogios à distincta autora. Sobre este livro diremos

opportunamente mais palavras. Por ora, agradecemos a offerta registrando

aqui os nossos louvores às officinas das Escolas Profissionaes Sallesianas

pelo excellente material que o livro revela (Correio Paulistano, 23 de ago.

de 1923, p.4).

Registre-se, contudo, que o jornal A União, no período entre 1919 a 1925, publicou

vinte e seis vezes uma mesma nota, intercalando-se em seu conteúdo apenas o título: Livros

Didáticos ou Livros escolares de A. de Rezende Martins” que os livros Compendio de

Historia do Brasil (1918) e Quadro Synoptico e Synchronicos (1918) foram adotados pela

Instrução Pública do Distrito Federal, na época, então Rio de Janeiro. Mais adiante, os

jornalistas mencionaram os lugares em que poderiam ser obtidos. Nos termos do jornal assim

aparece:

A. de Rezende Martins- Compendio de Historia do Brasil e Quadro

Synoptico e Synchronicos- Adoptados pela Instrucção Publica Federal-

Geographia Elementar- Historia Universal em três quadros synchronicos e

um folheto da Revolução Francesa- A venda nas livrarias Alves Leite

Ribeiro & Maurillo, nas livrarias Salesianas (Collegio Santa Rosa, em

Nicteroy, Lyceu Salesiano de S. Paulo, Centro da Bôa Imprensa, etc).

A. de Rezende Martins - Historia da Musica - À venda nas casas de musica

Mozart, Carlos Gomes e Vieira Machado, nas livrarias Leite Ribeiro &

Maurillo e Briguiet93

.

92

De acordo com Martins (1939, p.37), Afonso de E. Taunay era casado com Sara de Souza Queiroz, neta do

Barão de Souza Queiroz (Francisco Antonio de Souza Queiroz). Ver: Apêndice A.

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A partir da análise documental dos atos oficiais da Diretoria de Instrução Pública,

publicados no Jornal do Brasil, sob o título “Disposições Gerais da Directoria de Instrucção

Publica: Expediente do dia 26 de abril de 1924”, em seu intertítulo “Almoxarifado Geral da

Prefeitura”, constata-se que no dia primeiro de maio de 1924, às 18 horas, de acordo com as

listas afixadas na “Secção do Expediente”, o Almoxarifado recebeu e aprovou o exemplar de

“Concurrencia n. 207- Compendio de Historia do Brasil e quadros Synopticos

correspondentes, de A. de Rezende Martins” (Jornal do Brasil, 27 de abril de 1924, p.11)94

.

Nessa cadência, vale a pena mencionar que tanto na capa como na quarta capa do livro

didático Compendio de Historia do Brasil é possível visualizar a seguinte inscrição:

“Approvado e adoptado pela Instrucção Publica do Districto Federal”. A referida obra, datada

em 1937 e publicada pela “Grafica Laemmert” estava em sua oitava edição, sendo a primeira

de maio de 1918. Conforme é possível observar na imagem a seguir:

Figura I- Capa e Quarta Capa de Compendio de Historia do Brasil, de A. de Rezende Martins (1937).

93

A referida nota apresenta-se nas respectivas datas do jornal A União, 18 de set de 1919,p.3; 21 de set de

1919,p.3;25 de set de 1919,p.2;28 de set de 1919,p.2; 5 de out de 1919,p.2;9 de out de 1919,p.2;12 de out de

1919,p.3; 16 de out de 1919,p.2; 19 de out de 1919,p.3;23 de out de 1919,p.2;26 de out de 1919,p.2;30 de out de

1919,p.2; 6 de nov de 1919,p.3;9 de nov de 1919,p.3; 13 de nov de 1919,p.4; 16 de nov de 1919,p.3; 20 de nov

de 1919, p.3; 23 de nov de 1919,p.2;4 de dez de 1919,p.2;7 de dez de 1919,p.4; 11 de dez de 1919,p.3; 25 de dez

de 1919,p.4; 22 de fev de 1925,p.8;1 de mar de 1925,p.8; 8 de mar de 1925,p.5; 12 de mar de 1925,p.5. 94

Posteriormente, o mesmo periódico publicou sob o título “ Disposições Gerais da Directoria de Instrucção

Publica”, a seguinte menção: “Adoptaveis sem restricções: Compendio de Historia do Brasil de A. de Rezende

Martins ( Jornal do Brasil, 22 de maio de 1929,p.21).

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A peculiaridade está na quarta capa, nota-se a indicação de oito livros95

, que segundo a

autora, também foram aprovados pela Instrução Publica do Distrito Federal. A folha de rosto,

apresenta a mesma formatação e matéria pré-textual presentes na capa, já a folha de guarda

apresenta os respectivos anos das edições96

, como se pode observar a seguir:

Figura II - Folha de Guarda, Compendio de Historia do Brasil, de A. de Rezende Martins (1937). Edições de 1918 a 1936.

A análise dos aspectos materiais do livro de 1937, permitem delinear algumas

especificidades. A quantidade de edições publicadas sugerem reformatações ou atualizações

na estruturação interna do conteúdo. O compêndio traçava uma linha cronológica de 1492,

com o “Descobrimento da América” até 1936 , com o “atual” governo constitucional, no

caso, Getúlio Vargas. Na edição de 1921, por exemplo o capítulo “Governos

Constitucionaes” é finalizado com “Epitacio Pessoa”. O número de páginas também variam,

na versão de 1921 constam 160; e na de 1937, 175.

Observemos a parte final do texto onde as características acima podem ser elucidadas:

Dr. Getúlio Vargas

1934 –

46- Promulgada a nova Constituição, foi eleito Presidente da Republica o Dr.

Getulio Vargas, a quem, neste momento, estão entregues os destinos do

Brasil. Na hora que estamos vivendo, 24 de Novembro de 1936, o Rio de

95

Respectivamente: O meu Brasil, Quadro Synoptico e Synchronico de Historia do Brasil, 24 pontos de Historia

do Brasil,Quadros Synchronicos de Historia Universal, Geographia Elementar, O livros de josé Maria, 40

Pontos de Geographia e História Universal. 96

Edições: 1ª Maio de 1918; 2ª Maio de 1921; 3 ªMaio de 1925; 4ª Março de 1929, 5ª Maio de 1930; 6ª Maio de

1931; 7ª novembro de 1936. Todas publicadas no Rio de Janeiro.

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Janeiro prepara-se para receber festivamente o presidente dos Estados

Unidos, Franklin Roosevelt, de passagem para Buenos Ayres, onde vai dar

grande prestígio à Conferencia da Paz97

(MARTINS, 1937,p.168).

Outro aspecto que merece consideração é a sua produção como historiadora na obra

supracitada, visto que a partir dela, ainda que de um modo implícito, poderemos captar ou

identificar alguns “traços” de seus referenciais intelectuais no período.

Em resumo, Martins vê sua produção historiográfica como parte de uma campanha

nacionalista98

. A sua aguerrida veia tradicionalista (patriarcal, rural e hierárquica) revestida

de uma nuance religiosa são frequentemente exaltadas. Na apresentação de Compendio de

Historia do Brasil , Martins justifica-se:

A que atribuir a indiferença, que notamos entre os nossos pequenos patrícios

quando se fala em Historia? E não raras vezes ouvimos: “É aborrecida a

Historia do Brasil...não tem attractivo algum!”Porque? Não teremos, acaso,

no coração, as cordas, que vibram de modo especial pelo amor da pátria e

que nos outros povos impellem seus filhos os mais heroicos sacrifícios?

(...)Os estrangeiros, que aqui aportam, se extasiam deante da nossa natureza

exuberante sob um céu sempre azul. A nossa Historia está cheia de feitos

valorosos e são tantos os nomes dos nossos gloriosos patrícios! Porque então

tanta frieza? Porque não interessa a sua Historia?(...)Não me preooccupei em

fazer uma Historia do Brasil original, modificando phrases, que teriam o

mesmo sentido, só pelo capricho de ser em estylo meu; muitos factos serão

expostos na linguagem deste ou daquele compendio.A minha norma foi

apresentar a nossa Historia pátria em frase muito singela, sem muitas datas,

sem grande nomenclatura, a Historia em largos traços, tornando conhecidos

apenas os factos principaes, preparando mais o coração dos jovens

estudantes(MARTINS, 1937, p.5-6).

Em tese, Amélia de Rezende afirma ter intensificado sua “investida nacionalista” em

1931, data em que teve contato com outros “patricios preocupados em pensar a questão

nacional”. Aqui, a autora faz referência ao seu ingresso na Liga da Defesa Nacional99

em

1931, como presidente da Ação Social da Liga, a convite de Fernando Magalhães. Este, além

de fraternalmente ligado a ela, por aquilo que o padre A.D. Sertillanges (2016) denominou

97

Grifos da autora. 98

A utilização do termo “nacionalismo” neste trabalho segue a mesma adoção desenvolvida por Lúcia Lippi de

Oliveira(1990,p.43), no sentido de que, “não existe, nem nunca existiu, um único nacionalismo”. Ou seja, não é

um conceito unívoco e sim um conceito que tomou diferentes configurações. Para a autora, a ideia de

nacionalismo se fundiu com diversas correntes de pensamento, assumindo contorno singulares em cada uma

delas. Um exemplo é a ligação do nacionalismo com o romantismo que fez com que a nação fosse concebida

como “entidade emotiva símbolo da singularidade, à qual todos os homens deveriam se integrar”. Quanto ao

conservadorismo, fez com que o nacionalismo desenvolvesse os sentimentos nacionais baseados na tradição

histórica. 99

Sobre a Liga da Defesa Nacional ver: (OLIVEIRA,T.S.2012).

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de “unanimidade útil” que as relações cristãs congregam.100

Magalhães também foi aquele

que, em julho de 1929, como líder do grupo católico da ABE, submeteu ao Conselho Diretor

o projeto de Amélia de Rezende Martins, a ser desenvolvido como Ação Social Brasileira.101

Magalhães foi, conforme frisou Martins na epígrafe, “a mão abençoada que lhe atirou

a fagulha da vida”. Além disso, ele, assumiu uma posição semelhante à expressada por

Belisário Penna na ASB, ou seja, um papel de mediador político do projeto. Ao fazer parte de

seu conselho consultivo, Fernando Magalhães estabeleceu contatos com diferentes

autoridades públicas com objetivo de receber apoio e/ou patrocínio para a instalação de uma

sede para associação. Nesse sentido, e em termos de fontes, são muitas missivas dirigidas ao

interventor federal Pedro Ernesto, ao Consultor Geral da República Levi Fernandes Carneiro,

ao Coronel João Alberto, Francisco Solano Carneiro da Cunha e até mesmo, ao então Chefe

do Governo Provisório, Getúlio Vargas, no período de 1931.

Dentro deste contexto, pode-se aventar a hipótese que Magalhães - ao lado de

Belisário Penna e outros102

- tenha sido um dos intelectuais que incentivaram Martins a trazer

sua tese para a Primeira Conferência Nacional (1927), e posteriormente, filiar-se na

Associação, no final de 1929. Como salientou Saviani (2008, p.230):

Esse militante católico tornara-se a principal figura da ABE desde a morte de

Heitor Lyra Filho em 1926, tendo sido, em 1927, investido da função de

presidente das Conferencias Nacionais de Educação, posição que manteve

até 1931.

É justamente diante destas constatações, que merece uma atenção especial, a rede de

relações profissionais, intelectuais e sociais que Martins integrou no período.

É bem provável que essa ligação de Martins com o grupo de intelectuais da Liga da

Defesa Nacional (LDN), antes mesmo de seu ingresso na organização (em 1931), tenha-lhe

ampliado e facilitado a singular audiência de seus livros (e outros projetos) na imprensa

periódica. Dois indícios, especificamente, são esclarecedores neste sentido e revela-nos a

100

Um “relacionamento intelectual cooperativo” cuja união se deu “no interior de um grupo que se esforça, onde

estiver, de tal maneira para que uma tarefa, um princípio de vida ou qualquer atividade cristã se cumpra”

(SERTILLANGES, 2016, p.58). 101

A submissão do projeto de Amélia ficou registrado na Ata da 120a sessão do Conselho Diretor da ABE,

realizada em 29 de julho de 1929, à Rua Chile, 23, 1º Andar, sob presidência de Mello Leitão. Ver: ANEXO- F. 102

Nesse sentido, vale mencionar que entre àqueles que constituíram a mesa da sessão preparatória da I

Conferência Nacional de Educação, estavam: Carlos A. Barbosa de Oliveira e Victor Lacombe, então secretário

da ABE (COSTA et al., 1996, p.17); (LIVRO-ATA de reuniões do Conselho Diretor da ABE. 1927, Sessão 56ª,

p. 1). Estes, parentes de Martins.

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estratégica intenção de Amélia de Rezende em apropriar-se da imprensa, como uma

necessidade primordial para sua ação103

.

Em 1932, o jornal Diario de Noticias publicou a síntese das decisões tomadas na

reunião da comissão executiva da Liga. Na reunião estavam presentes:

srs. Professor Fernando Magalhães, presidente, Guilherme Azambuja Neves,

secretario geral, drs. Carlos Olyntho Braga e Rodrigo Delamarc São Paulo,

1º e 2º secretários, e Eduardo Carneiro de Mendonça, tesoureiro, realizou-se

a sessão semanal da Commissão Executiva da Liga de Defesa Nacional.

Especialmente convidado, compareceu o dr. Herbert Moses, presidente da

Associação Brasileira de Imprensa. Ainda estava presente a ser. Amelia de

Rezende Martins, presidente da Acção Social da Liga (Diario de Noticias,

20 de maio de 1932, p.4).

Segundo o jornalista, neste expediente foi lido o ofício ao professor Spencer Vampré

relativo à organização do diretório da Liga em São Paulo; o ofício a Clodomiro

Vasconcellos, convidando-o a participar da organização do diretório do Estado do Rio; ofício

ao presidente da Associação Brasileira de Imprensa, solicitando sua presença ou de um

representante nas sessões semanais da Comissão Executiva, e por fim, o ofício ao presidente

da Associação Brasileira de Imprensa, agradecendo o convite e felicitando pela posse da nova

diretoria. A seguir, Fernando Magalhães apresentou o plano dos assuntos que deveriam

constituir a propaganda da educação operaria, a ser realizada pela LDN:

a) Pedagogia social; b) economia social; c) orientação profissional; d)

legislação do trabalho; e) hygiene social; f) medicina domestica, primeiros

socorros medicos ; g) vicios sociaes e seus males; h) eugenia-fundamentos

moraes da bóa raça. De todos os meios se servira a Liga para a execução

desse programma de educação, solicitando particularmente a collaboração da

mocidade acadêmica para a propagação dessas idéas (Diario de Noticias, 20

de maio de 1932, p.4).

O marco fundamental aqui, é que esses encontros semanais do conselho gestor da Liga

da Defesa Nacional, envolvendo as relações profissionais de seus participantes, constituíram-

se, em essência, para além de uma simples organização formal da diretoria.

Preliminarmente, trata-se de pensar em uma espécie de lugar, “viveiro ou espaço de

sociabilidade”(SIRINELLI, 2003, p.249) de intelectuais que secretavam cumplicidades e

objetivos comuns, que possuíam não só vínculos profissionais, mas também de amizade e

cooperação.

103

Importante salientar, que para os católicos do período, a imprensa era conforme afirmava Deschand (1910,

p.12), “uma arma poderosa, insubstituivel, para vencerem no glorioso combate que a sua consciência e seu

patriotismo os obrigam a travar para a regeneração social do Brazil”.

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143

Foi a partir dessa dupla dimensão (profissional-afetiva) que Martins cultivou sua

“estratégica amizade”(SERTILLANGES, 2016, p.58) com o então presidente da Associação

Brasileira de Imprensa Herbert Moses104

. Este, além de possuir uma grande admiração por

Martins, foi outro grande fomentador de suas obras e projetos, e, segundo ele mesmo, em

carta dirigida à autora, não deixaria de “conjugar esforços” e “solidariedade para ajudá-la em

todos seus empreendimentos” 105

.

Em 1931, Martins escreveu uma missiva a Herbert Moses para que este, patrocinasse

a divulgação de seu projeto Ação Social Brasileira. O conteúdo da carta pode ser visualizado

em seu livro Acção Social Brasileira- IV Conferência Nacional de Educação, no subtítulo

“Associação Brasileira de Imprensa e a Acção Social Brasileira”:

Nunca se negou o nosso jornalismo a apoiar as obras boas em nossa terra; de

ha muito venho acompanhando a generosidade com que se tem havido a

nossa Imprensa e em particular a A. B. I. em relação às obras sociaes, e

chegou a vez da “Acção Social Brasileira” também lhe bater à porta para

contrahir uma grande divida de gratidão. Esta obra Dr. Herbert Moses, mais

cedo ou mais tarde tem que se levantar, para auxiliar outras... Patrocine-a a

nossa generosa Imprensa que será isso uma condição de victoria...mas

também, na Acção Social brasileira terão os nossos jornalistas apoio ´para

seus ideaes, do Retiro dos Jornalistas, instituição para qual ha alguns anos,

minha filha pianista, Maria Amelia de Rezende Martins oferecem o produto

do seu primeiro recital aqui no Rio de Janeiro. E será tão justo que a Acção

Social Brasileira tenha como uma de suas obras de predilecção, essa, que por

sua pena a terá auxiliado nestas primeiras horas que são as mais difíceis.

Todas as classes se unem, Dr. Herbert Moses, só a Familia não tem

prudência de pensar no futuro!(...) Empenhe-se pela obra, ilustre patrício-

diga-me de que maneira poderei interessar nessa idéa todos os jornaes da

nossa terra como uma só voz, com um só coração e o seu nome será

abençoado por todos quantos beneficiarem, hoje e sempre, da Acção Social

Brasileira. Deixe a nossa Prefeitura com o seu DD. Interventor e seu

benemérito Conselho Consultivo o presente da Acção Social Brasileira,

como um marco deslumbrante do progresso, neste momento em que o

Governo Provisório, num valoroso sentimento de idealismo cuida do

reerguimento material e moral da nossa Patria. Espero uma palavra sua, e

que seja uma palavra de adesão enthusiastica e envio-lhe, Dr. Herbert

Moses, minhas expressões de admiração e sympathia.- Amelia de Rezende

Martins (MARTINS, s.d. p.93-95).

Em seguida, Martins transcreve a resposta de Moses:

Exma. Sra. D. Amelia de Rezende Martins- Prezadissima Sra.Senhora pelos

termos atenciosos da sua carta, venho dizer-lhe que a nossa classe e a nossa

104

Herbert Moses (1884-1972) foi presidente da Associação Brasileira de Imprensa entre 1931-1964. 105

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê: Amélia de Rezende Martins. CFBO SFGR DARM

06-08.

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144

Associação de jornalistas, que no momento tenho a honra de presidir, não

poderiam regatear aplausos ou deixar de conjugar esforços com os que

realizam obras elevadas, como essa que a Acção Social Brasileira vem

realizando. Conte V. Excia., pois, com a nossa inteira solidariedade. E,

receba os sinceros agradecimentos, com que termina protestando a V. Excia.

a maior veneração, o seu attento servidor. - Herbert Moses, Presidente da

A.B.I. (MARTINS, s.d. p.93-95).

É, pois, indiscutível a importância desta relação de Martins com Herbert Moses, visto

que este foi um dos intelectuais que mais contribuiu para a promoção dos projetos de Martins

na Imprensa. Contudo, teremos ocasião de tecer mais detalhes e considerações sobre a relação

de Martins com o grupo da LDN quando apresentarmos a Ação Social Brasileira. Por ora, a

nossa narrativa não poderia se furtar, ainda que brevemente, de expor os sinais que marcaram

a questão referente à circulação dos livros didáticos de Amélia de Rezende em escolas e

outras estruturas católicas.

Se excetuarmos um único livro, veremos que, Meu livrinho de Missa, publicado em

São Paulo pela “Escolas Prof. Do Lyceu Coração de Jesus”, em 1926, foi “confiado a toda

comunidade catholica do Brasil”(MARTINS,1926, p.3).

No livro constam os posicionamentos favoráveis de D. Sebastião Leme, D. Duarte

Leopoldo e Silva - arcebispo de São Paulo; cônego João Baptista Martins Ladeira- vigário

geral da arquidiocese de São Paulo; Monsenhor Rosalvo Costa Rego- vigário capitular e geral

da arquidiocese do Rio de Janeiro; D. Francisco de Campos Barreto- bispo de Campinas;

D. Helvécio Gomes de Oliveira - padre salesiano e arcebispo de Mariana (MG) e Padre João

Baptista de Siqueira, que aceitaram reconhecê-lo como representativo dos interesses da Igreja,

mas principalmente, significativo para educação das crianças. Na apresentação da obra,

constata-se:

“Meu livrinho de Missa”- é mais uma joia com que o grande espirito de D.

Amelia de Rezende Martins vem enriquecer o escrínio literário da família

brasileira. Escripto com elevação de pensamento e extremos de maternal

delicadeza, esse precioso livrinho está destinado a ser o “livro do coração”

das mãis que se não descuidam da formação christã dos filhos. E, pois, com

todo empenho, que o recomendamos às familias catholicas, aos collegios e

communidades religiosas.

Rio, - 11 de Fevereiro de 1927

Sebastião, Arcebispo. Coadjutor

Imprima-se – Recommendo este pequenino e delicado manual, fructo da

affectuosa dedicação de uma mãe christã, a todas crianças da minha

archiodiocese, pois n’elle encontrarão optimos ensinamentos e estímulos de

solida piedade.

S.Paulo- 13 de Dezembro de 1926

Duarte, Arcebispo Metropolitano

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145

Este seu trabalho representa o esforço e dedicação do seu espírito piedoso

em pról da nossa mocidade. Merece elle ser difundido e aproveitado em

nossos meios religiosos onde, infelizmente, há muita ignorancia dos ritos do

nosso expressivo culto. Com todo prazer abençoamos e recommendamos,

aos nossos diocesanos o presente livro de missa.

Francisco, Bispo de Campinas

Meu eminente amigo Dr. Lopes Martins

Abraços em Nosso Senhor com os melhores votos para 1927

especialmente extensivos à sua Exma. Familia.Li com intenso prazer e

muito ex corde envio, devolvidas, as provas do livro “Meu livrinho de

Missa”, obra primorosa sobre ser muito oportuna com que a sua

senhora, D. Amelia, mãe exemplaríssima e piedosa, vai blindar a toda

a mocidade brasileira. Que bela e significativa maneira de comemorar

um aniversário querido! Bravos! deus os abençoe, como Elle continua

a pedir.O amigo admor

. de sempre Marianna-25 de Dezembro de 1926

Helvecio, Arcebispo de Marianna 106

(MARTINS, 1926, p.3-4)

De fato, este livro de Martins direcionado às crianças, é um longo explanar sobre a

necessidade de ser católico, uma verdadeira apologética em torno da liturgia. Como a própria

Amélia explicou: “meus prezados, é de pequenino que se torce o pepino; se não nos

ocuparmos dos nossos filhos desde o berço, quando menos pensarmos tomarão eles o freio

nos dentes e não mais os conseguiremos guiar”.

No prefácio da obra, sustenta Martins:

Sabes muito bem, meu amor, que é pecado mortal, deixar, sem motivo justo,

de ir à Missa aos domingos e dias santificados(...)

Para quantos Catholicos a Missa é uma pagina em branco ou uma

representação de theatro! As cerimonias, todas ellas symbolicas, cheias de

beleza e de poesia, nada lhes dizem...Os symbolos, tão encantadores, não são

compreendidos!... Esta pequena explicação da Santa Missa, meu filho, tem

por fim afervorar, no teu coraçãosinho e no coração de outras creanças

piedosas, o amor ao sacrifício da Missa(...)(MARTINS, 1926, p.7-8).

Nota-se no conteúdo da obra que Amélia de Rezende sublinhava a importância da

liturgia, dos ritos e da obediência, como elementos identificadores de uma identidade religiosa

assente na tradição. Não era simplesmente uma obra inocente, dedicada ao filho José Maria

e/ou outras crianças, conforme prefaciou, mas era uma obra estratégica e intencionalmente

pedagógica. Na medida em que, no ambiente brasileiro, se manifestavam posições

anticlericais e assinalavam a penetração de grupos protestantes, ensinar a liturgia é também

106

Grifos da autora.

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146

apontar para um “futuro de resistência”, de regeneração do próprio catolicismo em torno do

universo devocional.

Poderíamos aqui, elencar outros exemplos que ilustra o quanto suas obras foram

recomendadas nos veículos de comunicação, nas comunidades e escolas católicas ou até

mesmo pela diretoria de Instrução Pública do Rio de Janeiro, contudo, o objetivo aqui foi

também o de captar o “clima” de cumplicidade secretado na rede em que circulava Martins.

Nesse compasso, os “sinais”, apesar de fragmentados na presente narrativa, leva-nos a

inferir que houve, no período, uma articulação de alguns intelectuais organizados

formalmente, seja em torno dos periódicos ou de outras estruturas, em contribuir para

divulgação e promoção das suas obras. Este tipo de publicação levava a destacar

simultaneamente o trabalho desenvolvido pela autora e, de certa maneira, marcava o seu

reconhecimento público. No caso da imprensa periódica pode-se admitir, à luz das

considerações de Luca (2014,p.139) que esta, ordenou, estruturou e narrou, de uma forma

determinada, aquilo que elegeram como “digno de se chegar até o público”, aí incluídos

também, e por que não, o caráter publicitário (comercial).

Com toda esta efervescência, não era de estranhar que, em fins de 1927, Amélia de

Rezende figurasse o círculo de intelectuais da ABE. Em 1927, ano em que ocorreu a I

Conferência Nacional de Educação, a preocupação com a educação cristã das crianças era, na

perspectiva de Martins um tema prioritário. Ao enviar sua tese, Uma palavra de atualidade,

para ser lida por seu amigo e incentivador Belisário Penna, Martins já estava a par da

valorização das suas capacidades intelectuais e de sua probidade pessoal, assim como de seu

papel desempenhado no âmbito da instrução católica, não apenas pelas obras didáticas que

publicou, mas por sua atuação combativa e pública. Martins tinha o apoio e o reconhecimento

de outros intelectuais.

Em relação a ABE, pode-se afirmar que Fernando Magalhães e Belisário Penna não

foram seu único canal de veiculação da doutrina católica na Associação. Entre aqueles que

compunham o Conselho Diretor da Associação, neste período, entre 1927-1928, estavam

Carlos Américo Barbosa de Oliveira, Américo Jacobina Lacombe, Laura Lacombe, Vitor

Lacombe107

e Flávio Lyra da Silva – todos familiares e/ou parentes de Martins. No mesmo

Conselho encontravam-se Júlio da Cruz Azevedo, Everardo Backheuser e Jonathas Serrano.

No Conselho Diretor, que tomou posse em 1929, estava José Piragibe. Neste mesmo ano,

107

Secretário da ABE em 1927. Cf: COSTA et al. 1996, p.17; LIVRO-ATA de reuniões do Conselho Diretor da

ABE. 1927, Sessão 56ª, p. 1.

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147

ingressa como sócia mantenedora da Associação outra familiar, Maria Amélia Lacombe108

.

Todos amigos e incentivadores dos projetos de Martins.

Mas comecemos pelas relações familiares que circulavam na ABE. Amélia de

Rezende era, além de prima, muito amiga de Isabel Lacombe, a já referida fundadora e

diretora do colégio Jacobina e também mãe de Américo, Laura, Victor e Mabel Jacobina

Lacombe, todos sócios mantenedores da instituição (BOLETIM da Associação Brasileira de

Educação. Rio de Janeiro, nº1, set de 1925, p.4-5).

De acordo com Caruso (2006) e Berner (2011), Laura Jacobina Lacombe foi sucessora

de sua mãe, sendo, primeiramente, vice-diretora e, posteriormente, diretora do colégio

Jacobina de 1935 até meados de 1980. Segundo Berner (2011) tanto Isabel quanto Laura

Lacombe envolveram-se em causas educacionais, participando de encontros e assembleias

voltadas para o tema educação, assim como buscaram associar o projeto pedagógico da escola

às concepções pedagógicas em voga na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil,

“incorporando os conteúdos do movimento da chamada Escola Nova, às concepções católicas

com as quais se identificava” (BERNER, 2011, p.3).

Em face ao exposto, é pertinente dizer que “Jogos Escolares” – material didático

destinado às crianças para o aprendizado das disciplinas de história e geografia –

desenvolvidos por Martins, tais como: A Geographia em recortes - 1º: O Brasil; 2º: O

Mundo; Mappas Mudos; Mappas em recortes; A Geographia divertida; Estudar brincando;

A nossa Historia; Doutrina Christã e As cidades da America foram recomendados e

utilizados no colégio Jacobina109

. A própria Isabel desempenharia a função de Conselheira do

futuro projeto de Martins – Acção Social Brasileira- a convite da própria Amélia.

Diga-se ainda que, os “jogos didáticos” de Martins foram expostos no programa das

comemorações da Associação Brasileira de Educação, especificamente, na “ Terceira Semana

da Educação da ABE”. De acordo com os jornais A Batalha110

e Correio da Manhã, Martins

participou do programa “Dia do lar”, organizado por Cassilda Martins, no dia 12 de maio de

1930. Segundo os jornais, Martins realizou a “demonstração de seus jogos educativos na

Escola Rivadavia Corrêa, cedida pelo professor Fernando de Azevedo”. Na matéria

108

LIVRO-ATA da Sessão da Assembleia da ABE.10 de outubro de 1929, p.2. 109

De acordo com Souza (2011), Martins estudou no colégio Jacobina, e, entre as principais novidades do

colégio estava o estudo de geografia a partir da cartografia. Para a autora, os registros do colégio contendo

relatos de visitantes com meninas desenhando mapas ajudam “a entender a produção didática de Amélia de

Rezende Martins para disciplinas de geografia e história” (SOUZA, 2011, p.132). Nessa acepção, Martins

formou-se referenciada à essa perspectiva do colégio, mas também contribuiu para sua ampliação,

desenvolvendo jogos didáticos que auxiliassem as estudantes. Outro indício de que o Colégio Jacobina utilizava

os jogos didáticos de Martins pode também ser visualizado em: Correio da Manhã, 11 de maio de 1930, p.9. 110

A Batalha, 9 de maio de 1930, p.1.

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apresentada pelo Correio da Manhã, é possível observar que as “alumnas do Curso Jacobina”

realizam uma demonstração com os jogos de Martins, entre eles “Geographia divertida;

Estudar brincando” e “Mappas em recortes”. Assim aparece a representação desse

acontecimento:

Terá inicio amanhã a commemoração da 3ª Semana de Educação. A

Associação Brasileira de Educação chama a atenção para ao culto do lar,

tendo o Conselho diretor aprovado a seguinte invocação- O lar primeira

Escola; a familia como organização basica; a perfeição do lar. Honrarás Pae

e Mãe. Das 4 às 6 horas da tarde haverá grandes demonstrações de jogos

recreativos familiares com fins educativos e instructivos , realizados por d.

Amelia de Rezende Martins em uma das grandes salas da Escola Rivadavia

Corrêa, cedida pelo professor Fernando Azevedo. A sra. Rezende Martins

fará uma conferencia sobre Recreação; alumnas do Curso Jacobina,

acompanhados de alguns grupos de particulares farão uma demonstração

com os seguintes numeros:-Geographia divertida; Estudar brincando;

Mappas em recortes; Sport; Snip-Sanap; Quadros celebres.Realiza-se

amanhã, à rua Chile, 23, 1º andar, a reunião do Conselho Director, às 17

horas (Correio da Manhã, 11 de maio de 1930, p.9).

Destarte, Isabel, Laura Lacombe e Amélia de Rezende Martins participaram de muitos

encontros na Associação dos Empregados do Comércio, assim como Jonathas Serrano,

Everardo Backeuser, Fernando Magalhães111

e Carlos Américo Barbosa de Oliveira112

. Este

último, também integrante da família, era casado com outra prima de Amélia – Luiza Barbosa

de Oliveira, filha de Albino José Barbosa de Oliveira113

. Luiza era também amiga de Martins

e compartilhava dos mesmos sentimentos em relação ao estatuto defendido pelos católicos em

sua atuação política: a vivência espiritual, a catequese, a liturgia, a educação baseada na moral

cristã, etc. Diga-se ainda, que Carlos Américo foi um dos que integrou o Conselho Consultivo

da Ação Social Brasileira dirigida por Martins.

Podemos apontar ainda a relação de amizade e “parentesco” entre Flavio Lyra da Silva

e as famílias Lacombe e Rezende. Na obra “Como nasceu o colégio Jacobina”, de 1962,

111

De acordo com o Boletim nº12 da ABE, em 1926, por iniciativa de Fernando Magalhães a “ABE promoveu

três cursos na Associação dos Empregados do Comércio: Cambio e moeda, pelo sr. Paulo Castro Maya;

Organização do trabalho, pelo sr. Luiz Betim Paes Leme e Leis do trabalho pelo prof. Castro Rebello”. Neste

mesmo ano, Fernando Magalhães participou da série de cursos do colégio Jacobina na sala do círculo católico da

Associação dos Empregados do Comércio, sob o título Educação civica através da Historia do Brasil

(BOLETIM da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, Ago. de 1928, p.5). 112

“Curso Jacobina- Conferencia na tranquilla sala do Círculo Cathollico, no salão nobre da Associação dos

Empregados do Commercio: no empenho de proporcionar à mocidade e especialmente às suas alumnas meios

para melhor conhecer o Brazil e maior amor à Pátria , o curso Jacobina organizou de novo, com 2 annos

procedentes, uma serie de conferencias nas quaes oradores de valor terão ensejo de apresentar com enthusiasmo

e patriotismo os progressos de nossa terra nesses 100 annos de Independencia. Oradores nesta quinta-feira –

These do Dr. Everardo Backeuser: Historia e geografia; These do Dr.Jonathas Serrano: Revolução no Brazil”

FUNDAÇÃO Casa Rui Barbosa. Dossiê: Instituições - Colégio Jacobina. CFBO SIDCJ 03, 04,05. 113

Este, tinha o mesmo nome de seu pai o Conselheiro Albino José B. de Oliveira, o então primo de Ruy

Barbosa.

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Laura Jacobina Lacombe assinala que a amizade entres as famílias Lyra, Lacombe, Rezende,

Paulo Vianna, Lessa, entre outras, tiveram início em meados de 1908. Ao rememorar as

“calorosas” reuniões de família no período, Lacombe nos fornece a seguinte informação:

A nossa casa tinha um grande movimento, além do “curso”.

Todos os domingos, à noite, depois do jantar, havia uma recepção à qual

compareciam parentes e amigos. Havia recitativos, canto piano, verdadeiras

festas, que terminavam com uma mesa de doces. Vovózinha cantava e

recitava, assim como tia Maróquinha; Mamãe dizia seus monólogos, quase

sempre trágicos, que comoviam; tia Maria Lina tocava piano e, às vezes ,

também tínhamos ocasião de ouvir a nossa jovem prima: Maria Amélia de

Rezende Martins, que se anunciava grande pianista. Essa era a prata da

casa, mas, às vezes tínhamos o prazer de ouvir artistas que nos vinham

trazidos por amigos.(...) Frequentavam sempre essas reuniões, os sogros de

tia Maroquinha: Dr. Rabello e D. Maria Isabel, e o filho Tenente Alfredo

Rabello; a prima Carlotinha e os filhos Antônio e Carlos (que mais tarde se

casou com Louisette) e as filhas Lolita e Petita, esta casada com Dr. Álvaro

Lessa; a família Lyra da Silva: D. Hermínia e seus filhos: Heitor(nosso

professor), Flávio(que, depois, se casou com Lolita), Décio que também

recitava, e Maria (nossa colega).As famílias vizinhas também frequentavam

as nossas reuniões: (...) as famílias Ruy Barbosa, Nuno de Andrade, Paulo

Vianna e Azeredo (LACOMBE, 1962, p.179-180)114

.

Expliquemos então. Américo Leônidas Barbosa de Oliveira (1850-1892) e Carlota dos

Santos (?-1918) eram pais de: Carlos A. B. de Oliveira, Antônio Américo Barbosa de

Oliveira, Carlota Barbosa de Oliveira (Lolita) e de America Barbosa de Oliveira (Petita)115

.

Nesta perspectiva, ao casar-se com “Lolita”, Flavio Lyra torna-se cunhado de Carlos A. B.

de Oliveira. O mesmo ocorre com a relação à família “Lessa”, quando “Petita” casa-se com

Álvaro Lessa. Em síntese, “Lessas” e “Lyra Silvas” estavam atados por laços de “parentesco”

com a família do tronco materno de Martins, os “Barbosa de Oliveira”. É pertinente enfatizar

que Flavio Lyra da Silva também fez parte do Conselho Consultivo da Associação Social

Brasileira, sendo, na perspectiva de Martins o “seu braço direito”, o “ilustre membro”

responsável pela elaboração do “ante-projecto” da sede da ASB (MARTINS, s.d., p.63).

Uma outra marca que compõe esse caráter de relações familiares na ABE, é o próprio

ingresso de Amélia de Rezende como sócia da Associação em dezembro de 1929. Na

transcrição a seguir, valemo-nos de uma nota publicada no jornal O Imparcial em 9 de

dezembro de 1926, que diz:

Associação Brasileira de Educação

114

Grifos meus. 115

O cruzamento das fontes permitem afirmar que o epíteto “Petita” utilizado por Laura Lacombe, corresponde

a “America Barbosa de Oliveira Lessa ”. Cf: Gazeta de Noticias, 26 de setembro de 1935, p.6.

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150

O nosso diretor Dr. Mario de Britto, recebeu a seguinte carta do Dr. Manoel

Rodrigues Calheiros, medico em Borborema, no Estado de São Paulo:

“Saudações respeitosa.

Lendo hoje o apelo da Associação Brasileira de Educação, dirigido a todos

os filhos do Brasil, golpeado brutalmente pela perda inopinada e tragica de

alguns dos seus filhos mais ilustres, apresso-me em alistar-me na

mencionada associação, cujos designios devem cifrar-se no combate ao

maior dos males que desgraçam o paiz e comprometendo o seu futuro.

Democratico por convicção inabalável, mourejando neste longínquo

município paulista, ser-me-ia muito grato receber as ordens e instrucções

dessa digna associação, que se propõe a trabalhar pela realização de um dos

pontos do decalogo do nosso Partido. Attenciosamente grato, subscrevo-me,

correligionário- M. rodrigues Calheiros”. Lista de pessoas que, atendendo ao

apelo que temos publicado se inscreveram como associados: (...) Dia 6-

Prefeito Antonio Prado Junior, Leonildo Ribeiro, conego Gonçalves de

Rezende, Flavia Lyra da Silva, Elisa Rezende, Marietta de Rezende, Amelia

de Rezende Martins, Francisco de Mattos, Mario de Oliveira Penna, João

Carlos Barreto, Domingos Lacombe, general Samuel de Oliveira, conego dr.

Benedicto Marinho (...) Gustavo Barroso, Luiz Carlos, Fernando Nery,

Maria José Queiroz (...) (O Imparcial, 9 dez de 1929, p.6).

Nota-se, no excerto acima, referente à lista das pessoas que atenderam ao apelo da

ABE no dia 6, que ao lado de Martins constam alguns de seus parentes, tais como, Marieta

e Elisa de Rezende, suas irmãs, o seu primo e o então prefeito do Distrito Federal Antonio da

Silva Prado116

e Domingos Lacombe. Destaque também para o cônego Gonçalves de

Rezende, amigo próximo de Martins, Isabel e Laura Lacombe. Padre Rezende era também

colaborador do Colégio Jacobina, responsável “pela preparação das turmas para a Primeira

Comunhão”(LACOMBE, 1962, p.174). Sobre o Padre Rezende, disserta Lacombe (1962):

Padre Rezende, que passou a Cônego e, depois, a Monsenhor, é, para nós,

sempre, o Padre Rezende. Nunca abandonou o Colégio Jacobina: fundou a

Pia de Filhas de Maria, o grupo Santa Isabel, para casadas. De todos os

antigos colaboradores, é o único que não nos deixou. Deus ainda no-lo

conserve por muitos anos!(LACOMBE, 1962, p. 175).

Em relação aos laços de amizade, é possível afirmar que Amélia de Rezende tinha na

Associação Brasileira de Educação (ABE) outros admiradores pessoais, que desempenharam

um papel central na projeção de suas ideias e projetos dentro da instituição.

Além do apoio e “elevada estima de Belisário Penna” (MARTINS, s.d. p.11), Martins

contava com a aquiescência de outros amigos pessoais, como Jonathas Serrano, Levi

Carneiro, Raul Leitão Cunha, Maria Junqueira Schmidt, José Joaquim Ferreira da Costa

116

Antônio da Silva Prado Júnior (1880 -1955) filho do antigo presidente do Estado de São Paulo,

conselheiro Antônio Prado. Durante o governo de Washington Luís exerceu o cargo de prefeito do Distrito

Federal, assumindo em novembro de 1926 e ficando no cargo até outubro de 1930.

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151

Piragibe, Zelia Jacy de O’Braune, a família Guinle (Branca, Arnaldo, Carlos, Octavio, e

Celina117

), Everardo Backeuser e o já mencionado Fernando Magalhães.

Como vimos, foi Fernando Magalhães que submeteu à apreciação do Conselho Diretor

da ABE, em 29 de julho de 1929, o projeto de organização social, “Ação Social Brasileira”,

elaborado por Amélia de Rezende Martins. Posteriormente, em 1931, Magalhães convida

Martins para organizar o Departamento de Assistência Social, incorporando seu projeto Ação

Social Brasileira à Liga de Desenvolvimento Nacional. Abaixo, copiamos as palavras de

Amélia de Rezende Martins relativas ao episódio, publicadas no jornal A Noite e no livro

Acção Social Brasileira. 4ª Conferência Nacional de Educação:

Em entrevista concedida, ha dias, o Professor Fernando Magalhães,

Presidente da Liga de Defesa Nacional esclareceu a finalidade dessa

instituição e declarou que congregaria ella todos os elementos para alcançar

os seus objectivos. Sabedores agora que a Sra. Amelia de Rezende Martins

fora convidada para organizar o Departamento de Assistencia Social da Liga

da Defesa Nacional, procuramol-a com o intuito de saber de que modo

levará a cabo esse emprehendimento patriótico, extremamente complexo e

de difficil realização pratica, neste momento de confusão geral e de falta de

dinheiro. A Sra. Rezende Martins respondeu-nos com muita calma e

segurança: - Recebi , de facto, do Dr. Fernando de Magalhães, o honroso

convite para organisar o departamento de Assistencia Social da Liga de

Defesa Nacional, e nem por um momento passou-me pela idéa a

possibilidade de furtar-me ao dever de patriotismo de dar o meu contingente

aos trabalhadores, que, de todos os brasileiros, requer a Patria. Não tenho a

ingenuidade de julgar que seja o posto insensato de responsabilidades e de

preoccupações, mas tambem não o tenho como de realização insuperável,

por muitos motivos:

1º Porque acredito que “querer é poder”;

2º Porque o “impossivel” não existe para mim... É sempre possível

fazermos alguma coisa pela nossa Familia, pela nossa Patria, pelo nosso

Deus;

3º Porque a Liga de Defesa Nacional é uma organisação de

patriotismo, que encerra os nomes dentre os mais prestigiosos da nossa terra;

4º Porque entrámos para a Liga de Defesa Nacional com uma obra

feita, a Acção Social Brasileira, que se vem organisando desde 1918, quando

publiquei meu primeiro folheto sobre questões sociaes, “Reflexões sobre o

problema social”(MARTINS, s.d., p.23-24; A Noite, 12 de dezembro de

1931, p.2).

117

Os irmãos de Celina Guinle de Paula Machado: Arnaldo, Carlos e Octavio Guinle eram sócios mantenedores

da ABE. Ver: BOLETIM da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, nº1, set de 1925, p.6. Celina

Guinle de Paula Machado casada com Linneu de Paula Machado, além de muito amiga de Martins, foi

conselheira de muito de seus projetos, entre eles, o da Ação Social Brasileira (ASB). O seu marido também

participou do conselho consultivo da referida Associação de Martins. Quanto a Branca Ribeiro Guinle, esta é

prima dos irmãos Guinle acima referenciados, casada também com um deles: Eduardo Guinle. Branca R. Guinle

também fazia parte do grupo de conselheiras da ASB.

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152

Observando os excertos acima transcritos, é possível verificar os pontos de

tangenciamento com os já examinados aspectos do pensamento de Martins desenvolvidos

desde 1918, sobretudo no que diz respeito ao que a autora menciona em seu 4º item, de que

Ação Social Brasileira já vinha se organizando desde a publicação de Reflexões sobre o

problema social (1918). Em outras palavras, as fontes supra ensejam àquilo que já afirmamos

anteriormente, ou seja, o projeto Ação Social Brasileira corresponde a um aprofundamento ou

atualização das ideias exteriorizadas em Reflexões sobre o momento social, Complementos

sobre o momento social e A mulher e o feminismo. Uma evolução ou atualização destas

narrativas no tempo.

Contudo, outro aspecto merece atenção e esclarecimento. Não há anuência entre a

bibliografia pesquisada quanto a data correta da instituição da Ação Social Brasileira como

“sociedade civil” na cidade do Rio de Janeiro. Para Azzi (2008 ) por exemplo, a Ação Social

Brasileira surgiu apenas em 1931 (AZZI, 2008, p.32). Todavia, a pesquisa trabalha com a

hipótese de que a ASB neste período era ainda um projeto do Departamento de Assistência

Social da Liga. O cruzamento das fontes 118

revelaram que Martins teria fundado a sociedade

Ação Social Brasileira, em conjunto com vários intelectuais católicos, apenas em 1933. Esta

ficava oficialmente localizada na sua própria residência, na Rua Sebastião Lacerda, Zona Sul

da cidade do Rio de Janeiro. É por isso que Martins se refere frequentemente à ASB como

uma obra inconclusa, “um ideal” ou “projeto”. Entre os planos para a instituição e efetivação

de suas propostas estava justamente a necessidade de se angariar um terreno para construção

da sede da Associação “o Edifício Anchieta”, e nesse caso, a “sympathia do governo, família

e da imprensa” era pois recurso imprescindível. Assim destaca Martins:

Tudo está preparado para que a obra se levante, sem embaraços, a questão é

sermos comprehendidos pelo Brasil e angariarmos a sympathia do governo,

da família e da imprensa.O primeiro passo para começarmos o nosso

trabalho é alcançarmos o terreno, no coração da cidade, para que tenha

eficiência essa obra.A nossa petição já está entre as mãos do ilustre

interventor, Dr. Pedro Ernesto, que tanto se vem empenhando pelo progresso

do Districto Federal. Sem o campo, de nada nos servira o arado... não ha

quem possa escrever sem ter sobre quê desenhar as letras... Sem o terreno

nada poderemos iniciar... Se o governo está, sinceramente, empenhado numa

obra de salvação para o Brasil, não nol-o recusará, antes nos dará mão forte,

para mais facilmente galgarmos esta primeira etapa, seguramente a mais

difícil (...) (MARTINS, s.d., p.25) e (A Noite, 12 de dezembro de 1931, p.2).

118

As informações presentes nos livros Acção Social Brasileira: Edifício Anchieta (1933), Acção Social

Brasileira: IV Conferência Nacional de Educação (s.d.) foram cruzadas com as ocorrências nos jornais: Diario

de Noticias e O Jornal, sob o período específico de 1930 a 1940. Ver por exemplo: O Jornal, 1 de agosto de

1937, p.8; Diario de Noticias, 15 de agosto de 1935, p.6.

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153

A fim de dar cabo às suas intenções ou “para mostrar o calibre dos que amparam o

ideal perfeitamente realisavel da Ação Social Brasileira”, Martins entregou os nomes

daqueles que compunham a “directoria e conselho consultivo” da Associação:

Directoria da Acção Social Brasileira

Amelia de Rezende Martins; Anna Nabuco de Abreu, 1ª vice-presidenta;

Zelia Jacy de Oliveira Braune, 2ª vice-presidenta; Maria Junqueira Schmidt,

secretaria; Maria Eugenia Barbosa de Oliveira, tesoureira.

Conselheiras

Condessa Amalia Matarazzo, Marietta Penna, Branca Ribeiro Guinle,

Hortencia Weinschenck, Olga Burnier de Assis, Celina Guinle de Paula

Machado, Isabel Jacobina Lacombe e Elisa Rezende.

Conselho consultivo

João de Assis Lopes Martins, Flavio Lyra da Silva, Fernando Magalhães,

Raul Leitão da Cunha, Affonso Penna Junior, Alfredo Gomes, Oscar

Weinschenck, C.A. Barbosa de Oliveira, José Piragibe, Lucio José dos

Santos, F.T. de Souza Reis, Octavio Pinto, Linneu de Paula Machado, Alceu

Amoroso Lima e Belisario Penna.

Consultor jurídico

Levi Carneiro119

.

(MARTINS, s.d., p.25-26 e A Noite, 12 de dezembro de 1931, p.2).

No final de seu discurso, em tom ufanista, Martins dirigiu-se a Fernando de

Magalhães, para agradecer-lhe o convite para presidir o departamento de Assistência Social

da Liga. O interessante aqui é observar a sinalização implícita que a autora faz, em relação

aos motivos que fizeram com que ela se unisse ao grupo. Assim declara Martins:

“Em primeiro logar quero agradecer a V. Excia, a honra que me conferiu,

convidando-me para organisar este departamento de Assistencia Social da

Liga de Patriotismo da qual é hoje, V. excia., o preclaro presidente. Em

segundo logar quero collocar-lhe nas mãos, Sr. Dr. Fernando Magalhães, o

meu ideal de Acção Social Brasileira, contingente com o qual entraremos

para a Liga de Defesa Nacional, ou melhor, como bem disse-me V. Excia.

Liga de Defesa Social.

A Acção Social Brasileira tem, como uma de suas directrizes, não

discursar...Agir. Já o diz o nome, é Acção! V. Excia. Não extranhará, pois,

a brevidade destas palavras, que, na sua singeleza, lhe dirão, entretanto, que

tudo quanto a energia da Mulher Brasileira puder realisar, tudo será

emprehendido neste departamento que V Ex. teve a generosa iniciativa de

119

Grifos meu.

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154

crear. Se alguma cousa conseguirmos, como espero em Deus, a V Excia

reverterá, portanto, o merecimento; se alcançarmos pouco, ou se nos

falharem os meios com os quaes contamos, se fracassarem os nossos ideaes,

o que não acredito, ainda assim, oferecemos a V. excia o nosso esforço

inquebrantavel , como exemplo para outros, mais felizes, que nos vierem a

suceder. V. Excia., Sr. Dr. Fernado de Magalhães, terá, em nós,

disciplinados soldados do Ideal120

, com o fito único da grandeza da Patria e

da Gloria de Deus! Bem haja a Liga de Defesa Nacional (MARTINS, s.d.,

p.27) e (A Noite, 12 de dezembro de 1931, p.2).

Note nos fragmentos acima destacados, que o projeto ASB contou com a organização

de um grupo de intelectuais que, além de possuírem relações familiares e afinidades religiosas

de base católica, alguns deles também eram sócios da ABE como: Levi Carneiro, Raul Leitão

Cunha, Zelia Jacy de O’Braune, Maria Junqueira Schmidt, Isabel Jacobina Lacombe, C.A.

Barbosa de Oliveira, José Joaquim Ferreira da Costa Piragibe, Celina Guinle de Paula

Machado, Belisário Penna, Fernando Magalhães e Flavio Lyra da Silva e a própria Amélia e

Elisa de Rezende.

Um caso de reincidência, por sinal pela segunda vez, evidencia que a presença desses

“grupos familiares” organizados tanto na Ação Social Brasileira quanto na ABE, estavam, por

assim dizer, mobilizados para além de uma atuação meramente política, institucionalizada e

fixa. Ao percebermos, por exemplo, que esses mesmos indivíduos circularam em outros

espaços sociais (ABE, AEC, LDN, ASB, na Imprensa, entre outros), que tinham relações

cordiais de amizade e grau de parentesco, permite-nos pensar em uma ação católica dinâmica

e viva, por um viés distinto das interpretações ou análises memorialísticas simplificadoras

que associam o catolicismo apenas ao caráter institucional e/ou político. Além disso, leva-nos

a reavaliar as formas organizativas dos católicos no período estudado.

Nesse caso, não se deve olvidar da atuação desse grupo outra característica que lhe é

própria, ou seja, a coadjuvação dos elementos característicos de uma ação católica leiga cuja

matriz se encaixava em um apostolado organizado em que estava subjacente uma certa

internacionalização do catolicismo. Assim, é interessante observar como os posicionamentos

da autora na citada entrevista cedida ao jornal A Noite podem revelar o ideário de um

movimento mais amplo.

A incidência das afirmações acima mencionadas na “Acção Social Brasileira tem,

como uma de suas directrizes, não discursar...Agir. Já o diz o nome, é Acção!” Associada ao

120

Grifo meu.

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155

expressivo componente “nós soldados do ideal”, sinalizam que Martins e seu grupo, estavam

atentos aos movimentos de uma Ação Católica em curso121

.

Lembremos que a Ação Católica, embora organizada formalmente a partir de 1935 no

Brasil, já estava presente no período aqui analisado, estabelecendo, conforme afirmou Dias

(1996, p.87), “os objetivos e as referencias fundamentais de toda obra católica, em seus

desdobramentos práticos nas diversas áreas de intervenção”.

Os deveres dos católicos na ação civil e política, já tinham sido legitimados por D.

Sebastião Leme em sua carta pastoral em 1916, quando vaticinou: “somos católicos de

clausura”. E propôs que se desfraldasse “bandeiras de ação” (apud PAULA, 2012, p.84).

Segundo Moura e Almeida (1990):

Um impulso novo é dado pela divulgação da Carta Pastoral de Dom

Sebastião aos cristãos de Olinda, quando lembra nossas tradições religiosas

nas cidades e no campo, as práticas religiosas, a ausência da irradiação cristã

nos diversos setores de trabalho, da vida política, social e cultural. “Que a

maioria católica é essa, tão insensível, quando leis, governos, literatura,

escolas, imprensa, indústria, comércio, e demais funções da vida nacional se

revelam contrárias ou alheias aos princípios e práticas do

Catolicismo?...Somos uma maioria católica que não cumpre seus deveres

sociais... somos pois uma maioria ineficiente. Eis o grande mal”. Esta

pastoral que lançava “como programa de uma ação católica militante e viva”

ia despertando o clero e os leigos para uma militância cristã na sociedade

(MOURA e ALMEIDA, 1990, p.337).

Neste documento, o antístite expõe seu programa teológico-político, analisa a situação

brasileira identificando ser o afastamento de Deus o principal “mal” da sociedade, ao mesmo

tempo em que propõe a doutrinação como “remédio” (DIAS, 1996, p.54). Em seus

argumentos, Romualdo Dias (1996) pontua que, D. Leme retoma as análises de diversos

documentos pontifícios, desde Pio X, Bento XV e Pio XI sobre a sociedade moderna,

utilizando-os como um suporte para os princípios orientadores de sua ação. Para Dias

(1996), é na Carta Pastoral de 1916, que a instrução religiosa e a Ação Católica são indicadas

como as atividades principais do seu ministério católico” (DIAS, 1996, p.53).

Numa perspectiva mais geral, desde os pontificados de Leão XIII (1810-1903) e Pio X

(1903-1914) já se podiam observar o esboço e a preparação longínqua da Ação Católica122

.

121

Importante ressaltar que os Papas Leão XIII (1878-1903) e Pio X (1903-1914) já tinham atribuído muita

importância à “Ação dos Católicos” sob a direção da hierarquia, no contexto político da separação de Igreja e

Estado e também para preservar os cristãos de uma sociedade que se descristianizava, especialmente pela

situação da classe operária. Um exemplo é o próprio ativismo de Martins que intensifica-se a partir de 1905,

quando esta ingressa como presidente da Associação das Mães Cristãs, fundação criada pelo então padre e

futuro bispo de Campinas Francisco de Campos Barreto.

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Pio X definiu a Ação Católica pautado no combate ao laicismo, incentivando a participação

dos leigos na Igreja, e na reação contra o individualismo, propondo a subordinação à

hierarquia. Enquanto essa definição apontava “os inimigos” (DIAS, 1996, p.88). Pio XI em

sua Encíclica Urbi arcano Dei, indicava o resultado esperado: a instauração do catolicismo na

vida e na sociedade. A ideia geral de Pio XI era reservar um lugar ao laicato na obra

apostólica da Igreja. Ligando-o à hierarquia, dando-lhe uma organização, propondo-lhe um

objetivo essencialmente apostólico, Pio XI conferia assim ao laicato uma espécie de missão

oficial dentro da Igreja. Esse envolvimento de seculares era, conforme assinalou Dias (1996),

imprescindível para,

trazer de novo os povos descritianizados às suas remotas tradições

cristãs;para reconquistar o coração dos indiferentes; para combater o

laicismo político-social que separou da religião todas as instituições públicas

do Estado moderno; para enfim recatolizar os católicos (DIAS, 1996, p.88)

Segundo Pierrard (1986), no pontificado de Pio XI despontou uma perspectiva

humanista integral e uma redescoberta do mistério do Corpo de Cristo, que se transmudaria

numa redescoberta da Igreja mediante a criação do apostolado organizado dos leigos, a Ação

Católica. Fazendo eco às declarações de Pio XI, Azzi (2008) salienta que a hierarquia

eclesiástica brasileira procurou incentivar a Ação Católica123

, acentuando a sua tarefa no

combate à apostasia do mundo moderno e ao laicismo, valorizando o seu caráter disciplinar,

122

Temos ciência que o exame histórico crítico da origem e do movimento da Ação Católica é complexo. Nesse

sentido, a pesquisa trabalha analiticamente em referência à perspectiva Grasmciniana, principalmente em relação

à delimitação temporal da Ação Católica. Segundo Gramsci (2011) a Ação Católica nasceu originalmente

“depois de 1848 (e em parte, também no período de incubação que vai de 1789 a 1848) quando surgem e se

desenvolvem o fato e o conceito de nação e de pátria, que se tornam o elemento ordenador- intelectual e

moralmente - das grandes massas populares, em concorrência vitoriosa com a Igreja e a religião católica”

(GRAMSCI, 2011, p.147). Importante referendar que Gramsci (2011) realiza uma crítica aos “raciocínios feitos

pelos historiadores católicos (e as afirmações apodíticas dos pontífices nas Encíclicas) para explicar o

nascimento da Ação Católica e para vincular esta nova formação a movimentos e atividades que “sempre

existiram desde Cristo” (GRAMSCI, 2011, p.147). Para o autor, tal raciocínio é “extremamente falacioso”

(GRAMSCI, 2011, p.149). Ele argumenta que antes de 1848, formavam-se partidos mais ou menos efêmeros e

personalidades individuais insurgiam-se contra o catolicismo; depois de 1848, o catolicismo e a Igreja “devem”

ter um partido próprio para se defender e recuar o menos possível; não podem mais falar (extraoficialmente, já

que a Igreja jamais confessará a irrevocabilidade de tal estado de coisas) como se acreditassem ser a premissa

necessária e universal de todo modo de pensar e agir. Para Gramsci (2011) a posição da Ação Católica em 1848

era muito diferente da reorganizada por Pio XI, por exemplo. No período do pontificado de Pio XI, a Igreja se

percebe na modernidade como um ator – dentre muitos - no cenário político e intelectual. Esse é um período em

que a Igreja, ao se ver deslocada do poder e atuando como mais um grupo ideológico, busca atuação mais

profunda na sociedade. 123

Entre aqueles que incentivaram: D. Antônio dos Santos Cabral, D. João Becker, D. Francisco de Campos

Barreto, etc. Ver: Azzi (1981; 2008); Dias (1996); Vale et al., (2004).

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157

enfatizando os seus princípios, no sentido de implantar o domínio de Cristo sobre todo o

mundo124

. Segundo Azzi (2008):

Ao receber o chapéu cardinalício no dia 4 de julho de 1930, Dom Sebastião

Leme dirigia-se ao Papa XI, afirmando que, em nome dos cardeais e de

“toda a cristandade”, pedia a Deus “pela vida e glória do pontífice, que se

extenua em esforços abnegados pela realização do ideal santo de levar a paz

de Cristo ao mundo inteiro, e trazer o mundo inteiro à honra, ao dever e à

felicidade de submeter-se ao reinado de Cristo”(AZZI, 2008, p.190).

A declaração do papa Pio XI em sua encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de

maio de 1931, que tratava sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social, em

comemoração ao 40º aniversário da encíclica de Leão XIII, Rerum Novarum (1891), também

se constitui em um importante referencial para compreendermos a silhueta ou perspectiva

religiosa sob a qual se apresentou a ASB no período delimitado pela pesquisa.

Nesta carta, Pio XI repete novamente a definição e o resultado esperado da Ação

Católica, solicita o envolvimento de “seculares” no apostolado hierárquico, sugerindo que

estes, no “desempenho de ofícios”, utilizem “como convêm da força da educação cristã,

ensinando os jovens, fundando associações católicas, criando círculos, onde se cultive o

estudo segundo os princípios da fé” (PIO XI.In:DE SANCTIS, 1972, p.100 ) para trazer de

novo os povos descristianizados às suas remotas tradições cristãs.

Numa visão mais geral, a Encíclica reafirma a doutrina social da Igreja Católica como

uma terceira via para o tratamento da questão social e econômica. São objetivos da

Quadragesimo Anno: recordar os frutos que a Rerum Novarum produziu; esclarecer certas

dúvidas que surgiram em sua interpretação; analisar a economia contemporânea e o

socialismo para descobrir as raízes da desordem social e propor "a única via de restauração

salutar, que é a reforma dos costumes" (PIO XI.In:DE SANCTIS, 1972, p.55 ).

No trecho abaixo selecionado, Pio XI legitima a perspectiva de que ainda era possível

a instauração (ou restauração), de um Estado católico, por meio de um incentivo ao impulso

missionário, à devoção ao Sagrado Coração e à realeza de Cristo. Aqui podemos perceber

também, o apelo constante ao caráter apostólico ou ativista dos cristãos para que se

dedicassem “à solução das questões sociais”, utilizando-se de diferentes instituições

124

Outras iniciativas que confirmam os “ecos” às proclamações de Pio XI, no sentido de uma redescoberta da

Igreja mediante a criação do apostolado organizado dos leigos – a Ação Católica – é a instituição da

Confederação Católica do Rio em 8 de dezembro de 1922 e a publicação do manual de D. Leme, “A Ação

Católica”, contendo as instruções organizativas para os diversos grupos (DIAS, 1996; AZZI, 2008).

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aprovadas pela Igreja ou fora delas (nas terras de missões entre infiéis), para trabalhar como

“bons soldados” de Cristo:

É desta nova difusão do espírito evangélico no mundo, do espírito de

moderação cristã e de caridade universal, que há de brotar, como esperamos,

aquela tão desejada e completa restauração da sociedade humana em Cristo,

e aquela “ Paz de Cristo no reino de Cristo”, a que desde o início do nosso

Pontificado firmemente propusemos consagrai todo o Nosso cuidado e

solicitude pastoral. A esta obra primordial e hoje absolutamente necessária,

também vós, veneráveis Irmãos, posto. pelo Espírito Santo a governar

comNosco a Igreja de Deus consagrais incansavelmente o melhor do vosso

zelo em todas as partes do mundo, inclusivamente nas terras de missões

entre infiéis. A vós o merecido louvor e comvosco a todos esses valorosos

colaboradores na mesma grande empresa, clérigos ou leigos, aos Nossos

amados Filhos da Acção Católica, que Nós com tanto prazer vemos

dedicarem-se generosamente com Nosco à solução dos problemas sociais, na

persuasão de que a Igreja por força da sua divina instituição tem o direito e o

dever de se ocupar d'eles.

A todos estes instantemente exortamos no Senhor, que não se poupem a

nenhum trabalho, não se deixem vencer das dificuldades, mas cada vez

cobrem maior ânimo e sejam fortes. É árdua efectivamente a empresa que

lhes propomos : conhecemos muito bem, que de ambas as partes surgem

inúmeros obstáculos, quer das classes superiores, quer das inferiores da

sociedade. Não desanimem porém; a vida do cristão é uma contínua milícia;

mas assinalar-se em empresas difíceis é próprio dos que, como bons

soldados, mais de perto seguem a Cristo(PIO XI.In:DE SANCTIS, 1972,

p.97-98 ).

Ressalte-se, em consonância com Azzi (2008), que a ação social católica era

considerada por Dom Leme como um importante instrumento para restabelecer a presença

cristã na sociedade. A assistência aos necessitados era um dos componentes dessa atuação,

que foi fortalecida ainda mais com os princípios orientadores da Quadragésimo Anno (AZZI,

2008, p.29).

É, por isso, interessante reter a especificidade que esse “agrupamento familiar

católico” dava à sua atuação na ABE. Principalmente no que se refere à atuação das mulheres

deste grupo. Riolando Azzi (2008) assinala que na década de 1920 o suporte mais expressivo

de atuação católica feminina deu-se na área social. Segundo o autor, desde meados do século

passado as senhoras da aristocracia senhorial vinham sendo convidadas pela hierarquia

eclesiástica para colaborar na área de beneficência, como Damas da Caridade, por exemplo.

Neste período, comenta Azzi (2008), que surgiram novas agremiações femininas: no

Rio de Janeiro fundou-se a Associação das Senhoras Brasileiras, e em São Paulo, no ano de

1923, a Liga das Senhoras Católicas. Segundo Raul de Carvalho (1993, p.170) apud Azzi

(2008), as novas obras por elas iniciadas apresentam uma diferenciação face às atividades

tradicionais de caridade.

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159

De fato, envolvem de forma mais direta e ampla os nomes das famílias que

integram a grande burguesia paulista e carioca, e, às vezes, a própria

militância de seus elementos femininos. Possuem ainda, um aporte de

recursos e potencial de contatos em nível do Estado, que lhes possibilitam o

planejamento de obras assistenciais de maior envergadura e eficiência

técnica.(...)São raras as instituições cujas sedes e obras não se assentam em

terrenos doados pelo Estado, sendo que diversas recebem subvenções

governamentais praticamente desde a fundação. Por sua vez, as novas

associações têm em vista não socorro aos indigentes, mas já dentro de uma

perspectiva embrionária de assistência preventiva, de apostolado social,

atender e atenuar determinadas sequelas do desenvolvimento capitalista,

principalmente no que se refere a menores e mulheres (CARVALHO, 1993.

In: AZZI, 2008, p.31).

Os estatutos da Liga das Senhoras Católicas foram registrados em 1923 e

reformulados em 1936. A finalidade da liga era, conforme descreveu Azzi (2008),

“desenvolver a Ação Social Católica”, desdobrando-se em “várias atividades de natureza

educacional e assistencial. Havia uma seção do apostolado para difundir os princípios básicos

da religião católica” (AZZI, 2008, p.31).

A Associação das Senhoras Brasileiras, fundada em 1918,125

no Rio de Janeiro, tinha

finalidades análogas. Tendo como presidente Stela de Faro. Em 1922, o arcebispo-coadjutor

nomeou Stela Faro como secretária-geral do ramo feminino da Conferência Católica,

organismo coordenador de todas as atividades religiosas e sociais da arquidiocese. Ressalte-

se que Martins era uma colaboradora dos serviços humanitários de Stela Faro, doou quantias

em dinheiro para as instituições beneficentes dirigidas pela ASB126

, participou de vários

“chás-relatorios”127

e conferências promovidas pela Associação.

Por sua vez, se faz importante referenciar que, Pio XI (1922-1939) o então papa do

período abordado, em muitos momentos de seu pontificado indicou o desenvolvimento das

obras sociais e cívicas para as mulheres cristãs. Em 1925, por exemplo, o Cardeal Gasparri

125

Segundo o periódico Diario Carioca, A Associação das Senhoras Católicas foi fundada em 1918. Cf: Diario

Carioca, 17 de maio de 1936, p.2. Para Azzi (2008, p.31) a Associação fundou-se em 1920. 126

De acordo com o periódico A União, Martins teria doado para “Escola Commercial”, instituição beneficente

dirigida pela Associação das Senhoras Brasileiras, uma quantia significativa de dinheiro. Ao ser interrogada

sobre a situação da escola pelo jornalista, Stella Faro afirmou que a entidade “ia bem, muito bem até” visto que ,

“o movimento econômico e financeiro vai em franca prosperidade, sendo o saldo do ultimo anno 57:511$, que

eleva o patrimonio a 150:000$000, graças a valiosos donativos das senhoras D. Guilhermina Guinle, D.

Theodosia de Castro Maya, D. Zulmira Marcondes, D. Amelia de Rezende Martins, D. Carmelita Bandeira e

outras” (A União, 21 de maio de 1925, p.2). 127

Tais “chás” eram, conforme matéria publicada no Diario Carioca, uma campanha para angariar fundos para

Associação adquirir um prédio próprio. Conferencias também faziam parte do programa dos “chás-relatórios”,

entre os temas mais destacados, podemos citar os “problemas sociais das mulheres”. Diario carioca, 17 de maio

de 1936, p.2.

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escrevia em nome de Papa Pio XI para esclarecer o alcance dos apelos do cristianismo às

mulheres:

Não podemos deixar de aplaudir esse movimento tão generoso, cujas

organizadoras estão conscientes das necessidades espirituais de grande parte

da sociedade feminina contemporânea. Não se trata, e certamente já o havias

compreendido, de lançar as mulheres na refrega dos partidos políticos, mas

sim de aproveitá-las na ação social mais precisa, mais específica para o

Apostolado (A. Valensin, 1927, p.163-164. In: BAZELAIRE, 1960, p.87).

Outro sinal expressivo de que o “apostolado feminino” no período se fez com a ação

social, é a carta de Pio XI dirigida à Presidente da União Internacional das Associações

Femininas Católicas, em 30 de julho de 1928. Congratula-se com essa União que,

compreendeu perfeitamente e realizou a verdadeira Ação Católica, tal como

a desejamos e como a definimos, por diversas vezes: participação dos leigos

católicos no apostolado hierárquico, para defesa dos princípios morais e

religiosos, o desenvolvimento de uma sã e benfazeja ação social, sob

orientação da hierarquia eclesiástica, fora e acima de todos os partidos

políticos, a fim de instaurar a vida católica na família e na sociedade128

.

Com base nessas premissas, não é estranho que Martins e outras mulheres cristãs

partícipes desse “grupo familiar” tenham atribuído, à ABE, finalidade similar a seu papel ou

lugar que ocupavam na Igreja. Tal impressão também foi assinalada por Carvalho (1989):

Atribuindo à ABE finalidade à do seu projeto- que pretendia propor meios

mais eficientes que chás, quermesses, tômbolas, rifas, festas da flor e

atividades congêneres na prestação de serviços de benemerência- D. Amelia

evidenciava o caráter de obra assistencial que, segundo ela, algumas de suas

integrantes emprestavam à Associação. Suas palavras confirmam impressão,

que fica da leitura das atas do Conselho Diretor, dos Boletins da ABE e da

revista Schola, órgão oficial da Associação em 1930-1931, de que a atuação

de um grupo de mulheres na entidade se fez como ação assistencial

(CARVALHO, 1989, p.71).

Assim, ao que tudo indica, é bem provável que para esse grupo católico a ABE tenha

se constituído apenas em uma (dentre tantas outras) estruturas que esses intelectuais

utilizaram para exercer sua função apostólica, no sentido próprio, e em grande parte,

organizado dentro da Ação Católica, que se instituía na cidade sob os auspícios de D.

Sebastião Leme. Uma operação em curso que objetivava – entre outras aspirações -

reivindicar aquilo que Martins mencionou a Jonathas Serrano e Fernando Magalhães, em uma

128

Le Laicat. Les enseignements pontificaux presentes par les Moines de Solesmes, nº 465. In: BAZELAIRE,

1960, p.126.

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161

de suas missivas, “uma cruzada civica de apostolado social” (MARTINS, 1933, p.9).

Postulado este que congregaria homens e mulheres comprometidos com a sacralização do

Estado, com o “Ideal mais perfeito, para restauração social da Terra de Santa Cruz”

(MARTINS, 1933, p.17).

Tal impressão não deixa de corroborar com a análise de Carvalho (1998), ao afirmar

que uma das principais reivindicações desse grupo católico da ABE, liderado por Fernando

Magalhães, era a defesa da incorporação da religião católica, como tradição a ser resgatada,

na formação da “alma nacional”. Segundo a autora:

A atuação de Magalhães e seu grupo balizou-se por proposição de caráter

pontual que garantisse o objetivo último visado de imprimir orientação

católica à formação nacionalista reivindicada para escola. Na Primeira e

Segunda Conferências, o grupo mobilizou-se na defesa da competência

federal no campo do ensino normal. Com esta providência, esperava garantir

“unidade doutrinária” da escola primária. Traduzir tal “unidade” em termos

que incorporassem as mais caras tradições católicas à “alma nacional” a ser

moldada pela escola era uma operação em curso no movimento educacional

e na reação católica que se reorganizava (CARVALHO, 1998, p.223).

Ressalte-se, por oportuno, que o projeto Ação Social Brasileira proposto no círculo da

ABE pelo grupo de Magalhães, recebeu apoio e incentivo de muitas lideranças católicas. Na

obra Acção Social Brasileira-Edifício Anchieta (1933), é possível visualizar a transcrição de

algumas “cartas de apoio” ao “projecto grandioso de apostolado social: a Acção Social

Brasileira”, cuja futura sede, o “Edifício Anchieta”, deveria ser construída no centro do Rio de

Janeiro, na Esplanada do Castelo. Vejamos algumas:

Cartas de Apoio129

Exma Snra D. Amelia de Rezende Martins

Muito lhe agradeço o relatório com que tanto me confortou V. Excia. a

respeito da ACÇÃO SOCIAL BRASILEIRA e do EDIFICIO ANCHIETA.

Tenho certeza de que ninguem se recusará à honra de coadjuval-a na

realização desse plano grandioso. Tão evidente e tão alta é a sua finalidade

religiosa, social e patriótica, que supérfluo me parece encarecel-a. Nesta hora

de sombras, para o mundo e para o Brasil, que obra social haverá por ahi,

mais oportuna e mais digna da nossa dedicação e generosidade? Eis porque,

com todas as bênçãos de aprovação e aplausos de enthusiasmo, peço a Deus

Nosso Senhor que corôe os esforços admiráveis do zelo e patriotismo de V.

Excia.

Servidor atento em Jesus Cristo

Assig. SEBASTIÃO- Cardeal Arcebispo

129

Os grifos são da autora.

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162

(MARTINS, 1933, p.19)

Exma Snra D. Amelia de Rezende Martins

Venho, mais uma vez, exprimir-lhe o meu aplauso pela grande obra de

assistência social e de coordenação de atividades que a Sna. Continua a

emprehender, com uma pertinácia e uma coragem que não poderão deixar de

ser recompensadas pelo exito. Tenho confiança em Deus que o EDIFICIO

ANCHIETA não ficará apenas como um bello sonho ou um projecto no

papel. Havemos de vel-o na Esplanada do Castello, attraihindo para seus

salões, sua biblioteca, sua piscina, seus quartos, toda uma população

necessitada de amparo material, intellectual e espiritual. O grande

catechisador de Selvicolas virá abençoar, em plena capital do século XX,

essa obra benemerita de catechese dos civilizados e amparo dos que a

civilização abandona ou corrompe. Grato pela preciosa dadiva dos folhetos

e demais publicações em torno de sua obra, faço votos ardentes por que a

possa levar a bom termo, Deo coadjuvante, para o bem da nossa verdadeira

defesa nacional. Com toda a estima subscrevo-me em J.C.

Assig. A. AMOROSO LIMA (MARTINS, 1933, p.20)

Exma Snra D. Amelia de Rezende Martins

Excellentissima Senhora

Agradeço, penhorado, a preciosa oferta dos diversos opúsculos nos quaes V.

Excia.,com tocante eloquência, expõe os seus conceitos sobre a ACÇÃO

SOCIAL BRASILEIRA, e determina os meios praticos para leval-os a uma

fecunda realisação. Os planos e projectos apresentados pela luminosa

inteligência de V. excia., si por uma parte elevam a alma às sublimidades do

Ideal o mais perfeito, para a restauração social da Terra de Santa Cruz, pssue

tambem, por outra, o mérito de não consideral-a como de impossível

aplicação, tão grande é o poder inflamado de V. Excia, e tão nítido o

methodo formulado para a sua execução.Ao concerto unanime de aplausos

suscitados nas espheras as mais conspícuas do mundo intelectual, uno as

minhas ,modestas, porém sinceras felicitações, frisando de um modo

especial a idéa felicíssima que teve V. Excia de pôr o futuro edifício da

Acção Social Brasileira sob a poderosa proteção do grande Apostolo, o

Veneravel Padre Anchieta, a quem, com toda a justiça historica, compete o

titulo de glorioso iniciador da Acção Social no Brasil. Com os protestos da

minha admiração, honro-me em subscrever-me

De V.Excia. servo humilde em Nosso Senhor

M. RENAUD S.J. (D.D. Provincial da Companhia de Jesus)

(MARTINS,1933, p.18)

Exma Snra D. Amelia de Rezende Martins

Com o interesse que sempre despertam as tentativas generosas, as idéas

nobres, por isso mesmo visceralmente christãs, venho acompanhando o

apostolado social de V. excia., cuja atividade fecunda se ramifica em obras

de tanto e tão relevante alcance. A ACÇÃO SOCIAL BRASILEIRA de que

é V. Excia. a grande inspiradora, vem ainda acrescer-lhe os merecimentos,

sagrando-a benemerita da pátria brasileira(...)No seu apostolado, creio eu

que não lhe faltará pelo menos a sympathia das Senhoras Catholicas, uma

vez que lhe sobram bençams de Bispos e incitamentos de grandes patriotas.

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163

Juntando o meu aplauso ao côro de aprovações que saúdam o triunfo de V.

Excia. talvez ainda remoto, mas certo e compensador, confio ao nosso

Veneravel Padre Anchieta todos os seus projectos e as suas mais caras

intenções. Com sentimentos de respeito estima e constante veneração tenho

honra de subscrever-me de V. Excia servo em J.C Assig. DUARTE-

Arcebispo de São Paulo (MARTINS,1933, p.17)

Considerando a amplitude desta perspectiva católica, não poderíamos deixar de

assinalar que a adoção do termo “Ação”, na constituição do nome da Instituição seja, por

assim dizer, uma referência à Ação Católica, mais especificamente, aos princípios de Pio XI

(1922-1939), principalmente àqueles relacionados à maneira como os leigos deveriam

proceder em sua atuação. Partindo destas premissas, parece bem adequado evidenciarmos o

posicionamento de Martins em relação à própria escolha do nome da Associação. Em seu

livro Acção Social Brasileira (s.d.), a autora caracteriza a instituição como um

empreendimento social e educacional que tem como “lemma, directriz” e “opção

metodologica” - o não discursar . Para Martins, na ASB cogita-se apenas,

“agir sem falar, executar aquillo que os dirigentes da nossa mentalidade

apresentarem como meios eficientes para ampliar e melhorar a educação, por

todas as classes, para que, pela educação, pela bôa formação da intelligencia

e do coração,tenha homens o nosso Brasil (...) (MARTINS, s.d., p.33).

E complementa,

A Ação Social Brasileira não vai competir com organização alguma já

existente, nem cogitar do que já foi tentado, com tanto trabalho, com tanta

bôa vontade, e desappareceu, afogado pelo nosso indiferentismo social.

Quem conhece a psychologia do nosso povo sabe que elle é incapaz de um

esforço systematico, e, para essa inercia, concorre, como contigente não

pequeno o clima depauperante que nos mina a saúde e nos esgota a energia.

A novidade uma vez conhecida entre nós, a curiosidade de uma vez

satisfeita, cahem, os mais uteis emprehendimentos de ideal, no mais

completo abandono. A Ação Social Brasileira procurou um meio de corrigir,

ou pelo menos diminuir essas condições de fracasso(...)Na Acção Social

Brasileira serão abolidos os discursos. Cabem eles nessa benemérita A.B.E.

onde os luminares do professorado devem expor seus ideais para serem

aprovados os discutidos. Para se prestar serviço real à coletividade a Acção

Social Brasileira! Agir; já diz o seu nome, é Acção! (MARTINS, 1933, p.32-

33).

Nota-se nas citações acima, que a ASB, em sua auto percepção como grupo capacitado

para compreender os males da sociedade moderna, e habilitado para “corrigir, ou pelo menos

diminuir”, tais condições. Caberia apropriar-se da “correta doutrina” da ação social e expandi-

la pela sociedade, a única solução contra a “apathia, indiferença e scepticismo da

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collectividade” (MARTINS, s.d., p.32). Em síntese, para Martins, a solução do problema

educacional estaria presa intimamente à resolução da questão social e esta, impreterivelmente,

solicitava uma obra apostólica, catequética e civilizadora. Nesta perspectiva, a ASB

caracterizar-se-ia como um órgão aglutinador de forças e revitalizador dos movimentos e

iniciativas do laicato, uma instituição auxiliar que complementaria a perspectiva “idealista” de

um pequeno grupo da ABE.

Por fim, convém assinalar, que foi a partir de 1930, no contexto de reaproximação

entre a Igreja e o Estado130

que a Ação Social Brasileira ganhou mais centralidade, seja para a

“corriola” católica-familiar de Martins ou para o público de “todos os jornaes da capital e dos

Estados” (MARTINS, s.d., p.37). Nesse sentido, é conveniente concentrarmos nossa atenção

às movimentações e investimentos de Amélia de Rezende Martins no período, para

posteriormente analisarmos o projeto ASB.

3.4 - O contexto e as expectativas na criação da Ação Social Brasileira.

Em linhas gerais, a década de 1930 foi ainda mais generosa com a nossa personagem.

Logo após a revolução, é possível localizar Amélia de Rezende Martins grassando entre

diferentes instituições e personalidades públicas. As informações obtidas a partir do exame

das 191 ocorrências nos jornais no período de 1930 a 1939, permitiram deslindar alguns

espaços (ou grupos) vivenciados por ela. De um modo geral, o início dos anos 1930, foram

marcados por uma presença ativa em uma rede de organizações paralelas à Ação Social

Brasileira. Martins estava na Liga de Defesa Nacional, na ABE, na Associação dos

Empregados do Comércio, na Imprensa periódica, na Rádio Club e Radio Philips131

, nas

Conferências promovidas pela Sociedade Brasileira de Geografia (1930) e na Associação

Brasileira de Música (1931)132

.

130

Segundo Fausto (2013) a Igreja foi uma importante base de apoio, quando o governo provisório tratava de se

firmar. A colaboração entre Igreja e o Estado, que não era nova, datando dos anos 1920 a partir da presidência

de Artur Bernardes, “agora se tornava mais estreita”, salienta o autor. Para Bruneau (1974), a ascensão de Vargas

ao governo produziu a expectativa de que o Estado pudesse abrigar as demandas da Igreja, que por quarenta

anos, desde 1891, foram em maior ou menor grau preteridas. Diga-se ainda que, nesse período, a Igreja já tinha

se transformado num corpo organizado e mobilizado, com o “Cardeal Leme à testa”(BRUNEAU, 1974,p.81). 131

O diretor da Radio Philips no período era Victoriano Augusto Borges, antigo aluno do Colégio Anchieta, em

Nova Friburgo. Eminente católico, amigo de D. Sebastião Leme e de Amélia de Rezende Martins. Participou da

Conferência de homenagem à Companhia de Jesus, transmitindo integralmente todas as palestras. Cf: O Jornal,

27 de setembro de 1931, p.13; A Noite, 26 de março de 1932, p.4; 1 de abril de 1932, p.8; 2 de abril de 1932, p.5;

4 de abril de 1932, p.3. 132

Respectivamente, Cf: Radio Club (O Jornal, 6 de dez de 1931, p.5; 9 dez de 1931, p.8); Primeira Convenção

Cinematográfica ocorrida em 6 de janeiro de 1932 (O Jornal, 20 de dez de 1931, p.2); Sociedade Brasileira de

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165

Ainda em 1931, podemos encontrá-la trabalhando na comissão feminina do

“Congresso de Cristo Redentor”, nas sessões comemorativas do programa da “Semana

Nacional do Cristo Redentor” (27 de setembro a 4 outubro), e na inauguração do

monumento133

.

Neste mesmo ano, Amélia participou da comissão organizadora da “Primeira

Convenção Cinematographica” realizada no dia 6 de janeiro, no “Palacio Theatro” no Rio de

Janeiro, ao lado do interventor Pedro Ernesto , Raymundo Monte Arraes, chefe da censura

nas casas de diversões públicas do Distrito Federal; W. Melniker, diretor da “Metro G.

Mayer” na América do Sul, os escritores Guilherme de Almeida e Celestino Silveira, entre

outros (O Jornal, 20 de dezembro de 1931, p.2).

Em 1932, Martins ajudou a organizar o programa de “Homenagens à Companhia de

Jesus”. Uma semana de comemoração e glorificação aos “antigos mestres em nome dos ex

alunos da Companhia de jesus”. As reuniões diárias134

ocorreram na sede da Academia do

Comércio e tinham como fito “assentar providências” para a adesão do “mundo oficial, do

corpo diplomático, do clero e do povo catholico de toda archiodiocese e dioceses vizinhas”,

em uma campanha nacional “pró-jesuítas”, que simbolicamente significava uma batalha

política e ideológica, no sentido de demonstrar a definitiva arrancada do catolicismo como

força nuclear da sociedade brasileira. As justificativas para realização deste evento foram

formuladas do seguinte modo. Em primeiro lugar, destaca-se a gratidão e o reconhecimento

que o povo e o governo deveria manifestar pela obra civilizadora da Igreja. Nessa acepção,

estava justamente a ideia de que, foi a partir dos trabalhos da Companhia de Jesus que se

iniciou a civilização no país e nesse caso, o Brasil devia à Igreja Católica a consolidação de

uma “unidade nacional”. A gratidão também deveria expressar-se no número de fiéis a serem

envolvidos no evento, e por isso, as reuniões de organização contavam com “comissões

específicas de propaganda”. D. Leme acreditava na adesão das massas, e como antigo aluno

da Companhia, fez questão de celebrar uma missa campal “na praia do Russel”, como um

“investimento” ou grandiosa propaganda apelativa a favor do evento.

Geografia (Correio da manhã, 28 de maio de 1930, p.5; 29 de maio de 1930, p.5; 31 de maio de 1930, p.3); 3ª

Conferência da Associação Brasileira de Música (A Noite, 27 de julho de 1931, p.7). 133

Sobre a participação de Martins na comissão feminina que trabalhou no Congresso do Cristo Redentor, Cf: O

Jornal, 24 de setembro de 1931, p.14; 27 de setembro de 1931, p.13; 2 de out de 1931, p.2; 6 de out de 1931,

p.3;7 de out de 1931, p.3. e A Cruz, 4 de outubro de 1931, p.1). 134

As reuniões diárias estavam sob a presidência de Candido Mendes de Almeida, a mesa que dirigia as sessões

compunham-se dos seguintes integrantes: capitão-tenente Saint-Brisson Pereira, secretário geral Euclydes

Bentes, Plácido de Mello, tesoureiro; Manuel Cardoso Fontes e Victoriano Borges (A Noite, 2 de abril de 1932,

p.3).

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166

Há entusiasmo em todas as parochias, no sentido de uma vultosa

concurrencia à missa campal, que o próprio d. Sebastião Leme, como antigo

alumno, faz questão de celebrar. Sua Eminencia levará comsigo toda corte

cardinalícia e sente-se muito confortado com as promessas espontâneas, que

lhe chegam de toda a parte, do comparecimento de todas as ligas catholicas,

congregações marianas, centros do Apostolado, adoradores nocturnos,

vicentinos, associações de escoteiros, sob apelo de seus chefes e em aplauso

a Sociedade de Jesus,à qual, no dizer do padre Julio Maria, deve a Patria o

seu baptismo e a sua confirmação, a sua unidade e o seu traço perpetuo.

(O Jornal, 26 de março de 1932, p.1)

A reunião foi meticulosamente preparada em termos imagéticos, e sem dúvida

associou poder por meio da propaganda e da manipulação das multidões135

. Na matéria,

previa-se que todas as organizações religiosas comparecessem com seus estandartes, com sua

roupa apropriada, com seus distintivos:

Todos compareceram de branco, com distinctivos próprios.Haverá, em voz

alta, orações, rezadas por toda multidão de fieis. A seguir, benção da pedra

fundamental do monumento aos jesuítas nos jardins da Gloria, no local

cedido pelo Interventor Pedro Ernesto, falando, por essa ocasião, os srs.

Conde de Affonso Celso, em nome do Instituto Historico, e o juiz Saboia

Lima, em nome dos ex alumnos da Companhia de Jesus. Ás 15 horas, (...)

como interprete da Companhia, o professor Alcebiades Delamare, dos

antigos alumnos ,o dr. Peixoto Fortuna, e as demais senhoras brasileiras, d.

Stella Faro.(...) A noite, às vinte horas, no Instituto Nacional de Música,

cedido gentilmente pelo professor Fernando Magalhães, sessão solemne,

com um programa de breves conferencias e um concerto vocal e

instrumental, organizado por uma comissão de senhoras da nossa melhor

sociedade. Serão oradores da sessão o sr. Candido Mendes, que farão o

discurso inaugural; d. José Pereira Alves, que falará pelo clero; dr. Affonso

de E. Taunay, Mario Lima, Pedro Calmon, Vilhena de Moraes e P.Ottoni. A

sessão será presidida por Sua Eminência, o cardeal D. Sebastião Leme e

honrada com a presença de sr. Nuncio Apostólico, d. Aloysio Masella; e de

alguns arcebispos e bispos, especialmente convidados. Pela mulher

brasileira, falará d. Amelia de Rezende Martins (O Jornal, 26 de março de

1932, p.1).

Em síntese, as lideranças católicas viam nesta solenidade a oportunidade para aglutinar

todas as forças espirituais, as únicas capazes de conter as causas de todos os males que

afetavam a sociedade. O fato de o evento realizar-se na capital da República, em meio a uma

grande instabilidade administrativa no governo136

, merece uma análise particular. D. Leme e a

comissão que organizou o evento pretendiam recuperar o ânimo do povo, despertar

135

Pode-se inferir, sob a mesma perspectiva de análise utilizada por José Murilo de Carvalho (2014) e Bronislaw

Baczo (1985), que a presença dos ritos, estandartes e distintivos no evento, constituíram-se como elementos

poderosos de projeção de interesses e aspirações de grupos, cuja finalidade era, naquele momento, atingir o

imaginário social para recriá-lo dentro dos valores cristãos. E na medida em que tivessem “êxito em atingir o

imaginário”, poderiam também “plasmar visões de mundo e modelar condutas” (CARVALHO, 2014, p.10-11). 136

Exatamente três meses antes da Revolução Constitucionalista, em 9 de julho de 1932.

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sentimentos de patriotismo e fé, fazê-lo acreditar que a obra restauradora da Igreja seria o

“remédio” para sociedade. A presença do “mundo oficial”, incluindo-se aqui, o convite direto

a Getúlio Vargas, revela que o caráter político se associou ao sentido religioso. Afinal, a

Igreja repetia um gesto de demonstração de força diante de um Estado que passava por

significativas mudanças e intranquilidade política. Por fim, o evento também justificava-se,

pois era preciso angariar sócios para a “Associação dos Antigos Alumnos da Companhia de

Jesus”. No evento foram decididos os estatutos e a eleição da primeira direção.

O jornal A Noite traz em sua matéria o seguinte intertítulo, “Altos objetivos da

associação”, nesse texto fica explícita a intenção da Associação: a preparação de uma elite

católica capaz de solucionar os problemas sociais do país:

O presidente, a seguir, communica que as sessões dessa Associação serão

dedicadas à Companhia de Jesus, à Egreja Catholica e ao Summo Pontifice,

devendo ser a associação leiga de maior irradiação cultural da America do

Sul, promovendo até os estudos das matérias mais difíceis e complexas,

entre as quaes a philosofia, o grego, o hebraico; procurando solucionar

praticamente os problemas sociaes, entre elles o da cathechese dos indígenas

e tambem o das relações entre o capital e o trabalho, segundo os

ensinamentos da encyclica “Rerum Novarum”, de Leão XIII. Mostra o

presidente a relevância da colaboração das senhoras, entre ellas D. Stella

Faro, D. Iza de Queiroz Santos, condessa Mendes de Almeida, D. Celeste

Miranda, D. Marietta Lopes de Souza, D.Amelia de Rezende Martins, D.

Zulmira de Almeida Fialho e D. Herminia Gomes nos trabalhos geraes,

comunicando que uma commissão fóra ao Cattete, onde deixou um convite

ao chefe da Nação, Dr. Getulio Vargas, e ao governo da Republica. Declara

ter o ministro da Marinha, almirante Protogenes Guimarães, accedido ao

convite que lhe foi feito e à Armada Nacional (...) (A Noite, 2 de abril de

1932, p.5).

Cruzando este trecho com as informações obtidas com outras ocorrências nos

jornais137

, depreende-se, que para esse grupo da Associação, as massas populares precisavam

ser conduzidas. Essa elite católica atuando como uma espécie de vanguarda esclarecida,

deveria reproduzir as mesmas práticas que foram utilizadas pelos jesuítas no momento em que

a Coroa Portuguesa decidiu coordenar a exploração da Colônia de maneira mais efetiva, ou

seja catequizando as atuais “féras humanas” e “seres animalizados”, “embriagados pela

anarquia do século”, transformando-os em “povo” ( MARTINS,1934,p.79).

Uma última constatação em relação a esta comemoração jesuítica, e que liga direto ao

nosso assunto, é que ela funcionou como um espaço privilegiado para trocas sociais e

intelectuais. Foi neste lugar que Martins fortaleceu seus laços de amizade e cumplicidade

137

A Noite, 26 de março de 1932, p.4; 1 de abril de 1932, p.5;2 de abril de 1932, p.5; 4 de abril de 1932, p.3.

O Jornal, 26 de março de 1932, p.1.

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168

com alguns dos intelectuais que futuramente, em 1934, colaborariam para a efetivação de

outro projeto seu: a “Quinzena Anchietana”. Entre eles: Afonso Celso, Pedro Calmon,

Jonathas Serrano e Leonel Franca.

A matéria apresentada em A Noite, sob o título “Em pról da Companhia de Jesus e da

Egreja Catholica” revela-nos outro aspecto interessante. Após registrar a síntese das decisões

referente à quinta sessão preparatória do evento, o articulista expõe um posicionamento de

Martins, que ao nosso ver, pode explicar o principal motivo de sua circulação frequente em

diferentes contextos dentro da cidade.

D. Amelia de Rezende Martins manifestou desejo de que sua adhesão

coincida com a resolução de ser feito já o levantamento do edifício Anchieta,

futuro museu dos trabalhos dos jesuítas, segundo sugestão do Dr. Jonathas

Serrano (A Noite, 11 de março de 1932, p.4).

Aqui ficam explícitos os objetivos de nossa personagem. Sua participação no evento

tinha, entre outras razões, angariar apoio ou a mesma adesão do “mundo oficial, do corpo

diplomático, do clero e do povo catholico de toda archiodiocese e dioceses vizinhas”, dos

futuros sócios da “Associação dos Antigos Alumnos da Companhia de Jesus” que

participavam do evento, para a sua Associação ASB e para a construção da sua sede - o

Edifício Anchieta, que até meados de 1932 não estava concluso.

A assertiva acima se enquadra em outro quadro de evidências. Cumpre destacar que

ela participou dos Chás e cerimônias beneficentes, principalmente naquelas que foram

patrocinadas por Darcy Vargas138

. Em todas as reuniões, Martins não perdeu a oportunidade

de expor seus ideais. Ainda em 1932, podemos visualizar nossa intelectual compartilhando

momentos ao lado de Getúlio Vargas e Francisco Campos. Como se vê abaixo em uma nota

de O Jornal sob o título “O Governo da Republica e o Governo da cidade”:

Despachou hontem com o chefe do governo provisório o ministro Francisco

Campos. Em audiencia foram recebidos os srs. Pearson, diretor da

E.F.Leopoldina, o ministro do Brasil em Berlim, sr. Guerra Duval e a sra.

Amelia de Rezende Martins(O Jornal, 24 de maio de 1932, p.14).

A aproximação de Martins à Darcy e Getúlio Vargas era, provavelmente, estratégica.

Expliquemos então, desde o princípio. Como vimos, em 1929 ela apresenta o projeto Ação

Social na ABE carioca. Apesar deste ter sido, conforme salientou Carvalho (1989, p.68)

138

“Chá das Rosas no Palace Hotel” ; “Chá-Relatório” promovido pela Associação das Senhoras Braileiras;

Respectivamente: Jornal do Brasil, 17 de novembro de 1939,p.11; Diario Carioca, 17 de maio de 1936,p.2.

Podemos visualizar ainda, pelas páginas da Revista Fon-fon, Martins ao lado de Darcy, na cerimônia da

fundação da Associação Brasileira de Assistência Social (Revista Fon Fon, Rio de Janeiro, nº21,1936,p.10).

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“agraciado com um voto de apoio à ideia”, a maior parte do Conselho subscreveu, em agosto

de 1929, os estatutos da Associação. Segundo relato de Martins, “redigidos pelo seu

Consultor Jurídico Dr. Levi Carneiro” (MARTINS, 1933, p.24). Neste mesmo ano, o grupo

decide que “o primeiro passo para realisação deste ideal” era conseguir uma sede para a

instituição na zona central do Rio de Janeiro, na “Esplanada do Castello”. Para isso, Martins

recorreu diretamente ao conselheiro consultivo da ASB, Raul Leitão da Cunha, que neste

momento também exercia o cargo de vereador pelo Distrito Federal139

.

Exma. Senhora D. Amelia de Rezende Martins

Perdôe-me V. Excia. haver demorado tanto esta resposta acerca do projecto

sobre o qual V. excia., bondosamente julgou dever ouvir-me. A Acção

Social Brasileira posta a funcionar trará para o nosso paiz taes vantagens

consoante a Unidade Nacional, a elevação moral do nosso povo e o

aperfeiçoamento physico da nossa raça, que não acredito possa haver um

Governo que deixe de prestar-lhe o auxilio material necessário à sua

organização e desenvolvimento inicial. Contra empreendimentos desta

ordem não há pretextos de economia que devam prevalecer: todo o dinheiro

que consumirem não será gasto, senão posto a render, e com juros muito

elelvados. Agradecendo a V. excia., o prazer que me trouxe permitindo-me

conhecer mais esta modalidade de seu brilhante espirito, subscrevo-me seu

admirador e menor creado- Raul Leitão da Cunha, Rio, 3 de Março de 1929

(MARTINS, s.d., p.65-66)

A partir deste posicionamento, em 1929 é concedida à Ação Social Brasileira o direito

a um terreno doado pelo Conselho Municipal, “autorizado pela emenda ao projecto nº 224, de

1929, assignado pelo Dr. Raul Leitão da Cunha, e figurando na lei 3.373, de Fevereiro de

1930” (Martins, 1933, p.13). Contudo, a localização do terreno escolhida pelo grupo na

“Esplanada do Castello ou Zona Central” sofreu, conforme explicou Cunha em carta dirigida

à Martins,140

“veto parcial” pelo Conselho. Na missiva, Raul Leitão, conselheiro consultivo da

ASB, sugere à Martins uma aproximação com o Interventor Federal, salientando que ela, “não

teria a minima difficuldade em demonstrar a grandeza da obra, que idealizou”(MARTINS,

s.d.,p.6), e que tal posicionamento não invalidava uma ação positiva do Interventor em

relação ao empreendimento.

É diante desse quadro que o grupo sugere à Martins a inclusão no escopo do plano

Ação Social Brasileira, o “ante-projeto para sua séde” e a sua “apresentação graphica” para

melhor “facilitar a visão, em conjunto, do plano”. Tal realização foi feita, por outro “membro

139

De acordo com os registros do acervo FGV-CPDOC, seção “Verbete-biográfico”, Raul Leitão da Cunha foi

eleito vereador pelo Distrito Federal em 1928, exercendo o mandato até 1930.

Cf: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/cunha-raul-leitao-da. Acesso em: 3 jan 2017. 140

A Carta está exposta na obra “Acção Social Brasileira. 4ª Conferência Nacional de Educação (s.d.,

p.5-6).

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170

illustre do emprehendimento, o seu braço direito, Dr. Flavio Lyra da Silva” (MARTINS, s.d.,

p.63). A imagem abaixo foi publicada no jornal A Noite em 19 de abril de 1933, nela

é possível visualizar o esboço da apresentação gráfica elaborado por Lyra:

Figura III- Anteprojeto: Edifício Anchieta. A Noite, 19 de abril de 1933,p.2.

Assim, em primeiro de agosto de 1931, praticamente no mesmo período em que

Martins ingressou na LDN, o projeto da Ação Social Brasileira apresentou sua nova

reformulação (ou atualização). Vejamos alguns vestígios publicados na obra Acção Social

Brasileira –4ª Conferência Nacional de Educação, que ilustram a assertiva:

Rio, 1 de Agosto de 1931

Cartão do Dr. Levi Carneiro acompanhando a devolução do ante-projecto da

Acção Social Brasileira:

Exma. Snra. D. Amelia de Rezende Martins

A PLANTA E O PROJECTO SÃO TÃO BONS QUE TIVE A

IMPRESSÃO DE VER REALISANDO O SEU BELLO SONHO. M. attº

erº.obr. Ass. Levi Carneiro (MARTINS, s.d., p.8)

E

Rio, 9 de Novembro de 1931

Exma. Snra. D. Amelia de Rezende Martins

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171

Acccuso recebida sua carta de 1º do corrente, em que, com a maior

satisfação, verifiquei, ainda uma vez, o magnifico enthusiasmo com que V.

excia. enfrenta todas as dificuldades antepostas à sua grande obra. Estou

certo de que elle há de triumphar. Já mandei a V. excia. meu aplauso pelo

projecto de Flavio Lyra, que me pareceu completo e perfeito. Como lhe

disse, deu-me a impressão da sua idéa realissada. Parece-me, que V. excia.

deve agora procurar diretamente o Dr. Pedro Ernesto. Seria fácil conseguir,

de algum medico, uma apresentação. Elle é um homem culto, idealista,

desejoso de fazer algo de bom, e estou certo que ficará seduzido pela beleza

do seu projecto. Transmito a V. Excia. os cumprimentos de minha mulher e

sou. De V.Excia. mtº. Attº vemºr. e er. E obrgdssº. Assig. Levi Carneiro

(MARTINS, s.d., p.9)

Ainda em 1931, nossa personagem realiza uma campanha na imprensa periódica e

radiofônica, patrocinado por Herbert Moses, em favor da efetivação do projeto, este que

impreterivelmente estava associado à construção de uma sede no centro da cidade do Rio de

Janeiro, dependia de um grande aporte de recursos em nível do Estado.

As palestras foram irradiadas pela Radio Club do Brasil e publicadas na imprensa

periódica, integralmente no Jornal do Comercio e parcialmente nos jornais : O Jornal, Jornal

do Brasil, Correio da Manhã, Diario de Noticias e A Noite.

Acção Social Brasileira. Uma serie de palestras da sra. Amelia de Rezende

Martins pelo Radio Club do Brasil

A sra. Amelia de Rezende Martins, devotada pioneira da Acção Social

Brasileira, inicia hoje uma serie de palestras pelo Radio Club do Brasil.

Essas palestras, que se encerrarão no proximo sábado, serão irradiadas de

hoje em deante, às 9 horas. Para se dar uma idéa do que seja esse movimento

de cultura e informação, vamos publicar em seguida uma carta que o sr.

Belisario Penna , então ministro da Educação e Saude Publica, dirigiu à sra.

Amelia de Rezende Martins: Ministerio de Educação e Saude Publica-

Exma. Sra. D. Amelia de Rezende Martins- Saudações affectuosas- Excesso

de trabalhos e preocupações impediram-me até agora de trazer à distincta e

prezada patriótica iniciativa da fundação de um instituto de “Acção Social

Brasileira”. Approvo sem restricções tudo quanto nelle se contem, pois o

meu programma é o de uma completa educação physica, intellectual, moral e

cívica, de que tanto necessita o nosso paiz. Occupando eventualmente a

pasta da Educação, dou testemunho da lamentável condição educacional do

Brasil, degradada a um extremo inconcebível. Todo o meu esforço no

sentido da moralização do ensino esbarra na muralha do descaso geral pela

educação, considerada fator de somenos importancia na formação da

nacionalidade, para a qual no consenso muito generalizado, de paes,

professores, alumnos e politicos, basta um verniz de pincel numa superficie

rugosa. O esforço de preclara patrícia no sentido da educação efficiente da

mocidade brasileira, colima a solução do problema máximo nacional, não

podendo nem devendo, quem quer que ame verdadeiramente essa grande

terra, esquivar-se a colaborar com a eminente patrícia para a realização o

mais rápida possível da grandiosa obra, a que se entregou de alma e coração.

Com elevada estima e sincera admiração – (ass) – Belisario Penna. Rio,

24/XI/31(O Jornal 6 dezembro de 1931, p.5).

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172

Para Martins, o apoio “tenaz e denotado da imprensa”, era, conforme frizava: “uma

condição de victoria” (MARTINS, s.d., p.42). Com esta iniciativa, Amélia de Rezende

apelava a toda nação Brasileira a levar o projeto da Acção Social Brasileira à altura que

desejava, fazendo dela um “emprehendimento nacional”:

Se escolhemos o Radio, esta magnifica realização do progresso, como

transmissor desta idéa, é para que este ideal não fique restricto a alguns

leitores dos folhetos e artigos de jornal referentes à Ação Social Brasileira,

mas que se irradie por toda a nossa Capital e por toda a nossa Patria. Aqui no

Rio, que vá desde os bairros da aristocracia até os mais humildes arrabaldes,

e que longe, muito longe, pelas capitães dos Estados, pelos nossos sertões

agrestes e pelas nossas lindas praias, até onde chegar a minha voz, saibam os

patrícios todos, de todas as condições sociaes, que nelles pensa a Acção

Social Brasileira, que dos seus interesses e dos seus pezares cogita este

emprehendimento nacional (MARTINS, s.d., p.44).

Neste mesmo ano de 1931, e simultaneamente ao conjunto de atividades já apontadas,

Amélia de Rezende empreendeu também a publicação do livro “Acção Social Brasileira”, um

compilado das palestras irradiadas pela Radio Club, para o qual procurou apoio direto de

Fernando Magalhães, que aceitou reconhecê-lo como representativo, tanto para os interesses

da Liga da Defesa Nacional como para a programação que seria trabalhada na IV

Conferência Nacional de Educação (1931). Este parecer de Magalhães foi, segundo Martins,

exposto em uma das reuniões semanais do Conselho Diretor da Liga.

A pesquisa realizada, no periódico A Noite, sobre as ocorrências expostas por

palavras-chaves141

, respectivamente para o período correspondente, revelou-nos uma matéria

que avigora a versão acima exposta:

A reunião semanal da Liga da Defesa Nacional

Organização dos diretores estaduais- A próxima Conferencia de Educação-

Desenvolvendo a acção da Liga.

Sob a presidência do professor Fernando Magalhães, reuniu-se, em sua sede,

a Comissão Executiva da Liga da Defesa Nacional, estando presentes os Srs.

Dr. Oscar da Silva Araujo, Guilherme de Azambuja Neves e Eduardo

Carneiro de Mendonça(...) Entre outros, recebeu a Liga das seguintes

autoridades e associações:Srs. Ministros da Justiça, Educação, Agricultura,

Viação, Guerra e do Exterior, presidente da Côrte de Appellação, ministros

da Polonia e da Austria, diretor da Escola Naval, presidentes do Instituto dos

Advogados, Instituto Histórico, Associação Brasileira de Imprensa,

Associação dos Artistas Brasileiros, Associação Brasileira de Educação,

141

Um total de 42 ocorrências por palavras-chaves, conjugadas para “Liga-Defesa-Nacional”; “Reunião-

Semanal” e “Amelia de Rezende Martins”, sob o período de 1930-1939. Cf: FUNDAÇÃO Biblioteca Nacional.

Disponível em: www.hemerotecadigital.bn.br. Acesso em: 29 dez 2016.

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173

Sociedade Brasileira de Autores Theatraes, Associação Commercial,

Associação das Senhoras Brasileiras, Associação dos Empregados do

Commercio e diversas outras associações de classe e sportivas.

(...) A Liga comparecerá, por sua Comissão Executiva, à 4ª Conferencia de

Educação, sendo distribuída aos diretores a relação das theses, de que tratará

aquella reunião, tendo havido, a respeito das mesmas uma discussão geral. A

seguir, o presidente apresentou aos colegas de directoria a senhora Amelia

de Rezende Martins, iniciadora da “Acção Social Brasileira”.Após as

palavras do prof. Fernando Magalhães, essa ilustre senhora saudou a Liga,

proferindo elevados conceitos de ordem cívica e geral, e concluindo por

identificar os seus anseios, com os fins da Liga da Defesa. D. Amelia de

Rezende Maritns coadjuvará a Comissão Executiva da Liga na direcção de

um dos seus tres departamentos- o de Acção Social. Os assumptos debatidos

a esse respeito despertaram a melhor impressão entre todos os presentes.

Finalmente, depois de agradecer à reunião da fundadora da Acção Social

Brasileira, o presidente deu por encerrada a reunião, marcando nova sessão

para a próxima segunda-feira (A Noite, 11 de dezembro de 1931, p.5).

Deste comunicado, reproduzido acima, depreende-se que Martins e Magalhães não

somente tinham conhecimento dos objetivos e da programação da IV Conferência Nacional

de Educação, como também estavam traçando estratégias para inclusão e promoção do plano

ASB no evento. Evidencia-se neles também, entre outros desígnios, uma oportunidade para se

angariar apoio político – para além da resolução do intricado “problema do terreno” e da

questão do financiamento da obra – mas também, para o reconhecimento desta como um

“emprehendimento individual”, essencial para “reconstrução nacional” (MARTINS, s.d.,

p.89). O trecho a seguir, comunicado na reunião da Liga e que, por sua vez, também faz

parte do conteúdo da obra supracitada, corrobora positivamente com a elucidação acima:

Não tem tão pouco a Acção Social Brasileira a pretensão de querer competir

com o que póde conseguir, no assumpto, o Governo, pelos seus Ministerios

especiaes, mas poderá a Acção Social Brasileira, no seu tanto, auxiliar, de

maneira eficiente, o trabalho desses Ministerios, cuidando do povo para lhe

minorar os males, cuidando dos sãos para que não enfermem, sempre na

medida do apoio que lhe fôr conferido.

(MARTINS, s.d., p.78)

Com efeito, podemos considerar que foi, em grande medida, referenciada a estes

objetivos que Martins, na introdução da obra, expõe intencionalmente as cartas “de

representativos elementos de nosso meio social que apoiaram a ideia” (MARTINS, s.d., p.24),

exatamente há alguns meses da Quarta Conferência (12 a 20 de dezembro de 1931) acontecer.

Entre as missivas de Belisário Penna, Levi Carneiro e Raul Leitão da Cunha, é possível

visualizar as seguintes subscrições:

MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E DA SAUDE PUBLICA

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174

Rio, 31 de Julho de 1931

Exma. Snra. D. Amelia de Rezende Martins

De ordem do Snr. Ministro tenho o prazer de agradecer a oferta das

publicações que acompanharam a vossa carta de 28 do mez expirante

e de vos inteirar da viva simpatia com que S. Excia. tomou

conhecimento da organização e dos alevantados fins a que se propõe a

Acção Social Brasileira, destinada a prestar os mais assinalados

serviços, à medida que fôr conseguindo realizar os uteis objetivos

incluídos no seu benemérito programa. Queria aceitar, com minhas

saudações respeitosas, os protestos da mais distinta consideração. Ass.

M.A. TEIXEIRA DE FREITAS. Director Geral (MARTINS, s.d., p.7)

MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E DA SAUDE PUBLICA

Rio, 1 de Agosto de 1931

Exma. Snra. D. Amelia de Rezende Martins

Venho agradecer a oferta dos trabalhos de sua autoria “Acção Social

Brasileira” e a “Geographia em recorte”, o primeiro contendo uma

exposição dos objetivos da instituição a que se refere o titulo do livro.

Junto os meus agradecimentos aos votos que formulo pelo progresso

da Acção Social Brasileira, organisação destinada a prestar os mais

uteis serviços na formação das gerações futuras. O caderno 1º da série

A, da Geographia em recortes, sugere uma expressiva idéa do valor

que terá a obra completa para o ensino das crianças , que, sem nenhum

esforço mental, estudando com interesse e prazer, adquirão,

familiarizadas com os mapas, uma noção precisa da situação dos

continentes, paizes, regiões e acidentes geográficos. Felicitando-a

pelos resultados de seu esforço no sentido de enriquecer, com valiosas

contribuições os recursos didáticos, ao alcance da população infantil,

peço-lhe aceitar os protestos de minha respeitosa consideração. Ass.

M.A.Teixeira de Freitas. Director Geral (MARTINS, s.d., p.8)

E

REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

DISTRICTO GERAL DE INSTRUCÇÃO

GABINETE

DO

DIRECTOR GERAL

Rio, 30 de abril de 1931.

Exma. Snra. D. Amelia de Rezende Martins

No tumulto inevitável dos primeiros dias, não pude, como era o meu desejo,

lêr todos os trabalhos que teve a gentileza de me offerecer. A leitura que

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acabo de fazer da Acção Social Brasileira veiu revelar-me toda grandeza do

plano de atividade social que a sua intelligencia delineou. Pelas cartas que

encerra o livro, vejo que a idéa foi comprehendida por quantos foram

consultados a seu respeito. Ignoro, porém, ainda o exito concreto logrado

pela sua iniciativa e as realisações levadas a effeito até o presente. Todos os

que buscamos contribuir pela reconsctrução educacional, esperamos sempre

muito da acção particular, sem o que o systema escolar publico não poderá

nunca ter a riqueza de recursos e de atividades em que se deve elle expandir.

Perdoe-me, assim, que volte à sua presença para lhe renovar as minhas

expressões de admiração e apreço pela sua obra, e a minha gratidão pela

gentileza com que me distinguiu, facilitando-me o conhecimento dessa

mesma obra. Com as homenagens de alto respeito.

Assig. ANISIO TEIXEIRA (MARTINS, s.d., p.12).

É bem provável que Martins tenha sido orientada a encaminhar sua obra, “Acção

Social Brasileira”, diretamente para Mario Augusto T. de Freitas e Anísio Teixeira. Neste

momento, M. A. Teixeira de Freitas era diretor geral do Ministério da Educação e Saúde

Pública. Além disso, Magalhães já tinha conhecimento da intencionalidade de participação

“ativa” do Ministério na Quarta Conferência. Como sinalizou Carvalho (1998), “Teixeira de

Freitas foi apontado por Fernando Magalhães como o principal organizador da Quarta

Conferência Nacional de Educação” (CARVALHO, 1998, p.377). Convém considerar que

Teixeira de Freitas também fez parte do Conselho Diretor da ABE, eleito na mesma

assembleia geral em que foram eleitos presidentes: Antônio Carneiro Leão e Anísio S.

Teixeira142

.

Ressalte-se que, o plano da ASB apresentado na Quarta Conferência correspondeu a

uma proposta de “organização social e cultural”, um projeto político e pedagógico, que

serviria de base ou “auxilio para o Governo” (MARTINS, 1933, p.24). Nesse caso, o apoio

ou “prestigio” do diretor geral do Ministério fazia-se estrategicamente vantajoso. Destarte,

essa movimentação de Martins e/ou (de seu grupo) associado aos objetivos explícitos da

ASB, entre eles, o de auxiliar “de maneira eficiente, o trabalho dos Ministerios”, poucos

meses antes de se concretizar a Quarta Conferência, pode-se constituir em mais um indício

que ratifica a afirmação de Carvalho (1998, p.380), de que o Ministério não somente tinha

conhecimento dos objetivos e programação da Quarta Conferência, mas também tinham a

expectativa “de que nela fossem formuladas sugestões para as ‘novas diretivas’ que vinham

procurando imprimir às atividades brasileiras no terreno educacional”.

Em proporções iguais, a resposta de Anísio Teixeira, revela-nos que Martins mais uma

vez, investiu em uma relação que poderia ajudá-la a obter espaços junto ao Estado. Vale

142

Ver: CARVALHO, 1998, p.377; ATA da Assembleia Geral da ABE, 19 de outubro de 1931, s.p. e Correio

da Manhã, 29 de outubro de 1931, p.3.

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176

lembrar que, em 1931, e a convite do Interventor Pedro Ernesto Batista, Anísio Teixeira

assume a Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal e é designado oficialmente para

presidir a delegação que representaria o Distrito Federal na IV Conferência Nacional de

Educação (OLIVEIRA E SILVA, 2000). Nesse sentido, entregar o projeto ASB diretamente a

Anísio Teixeira é extrair algumas possibilidades: primeiro, ela poderia obter um ponto de

apoio que facilitasse sua relação com o Interventor Federal, no sentido de que a concessão do

terreno doado para ASB passasse de Lei a fato consumado. Segundo, ao obter certo

“reconhecimento” do projeto por um dos presidentes da ABE, Martins emprestava a

credibilidade da imagem pública de Anísio, além de que, estrategicamente buscava na própria

Associação Brasileira de Educação o suporte institucional e político que necessitava.

Feitas essas considerações, é importante mencionar que não conseguimos provas

empíricas se o plano da Ação Social Brasileira foi apresentado na Quarta Conferência143

. Por

outro lado, as respostas de Anísio Teixeira e Teixeira de Freitas constituem-se em mais um

sinal de que, apesar de existirem pontos de divergência entre as propostas dos grupos que

constituíam a ABE, estas se “relativizavam” diante da necessidade fundamental de intervir

nos rumos a serem traçados para educação.

Clarice Nunes (2000),observou que para os abeanos seria muito difícil ver os católicos

como inimigos, e um dos motivos é que vários deles tiveram a mesma formação católica e

boa parte deles estudou em escolas confessionais144

. Outro ponto destacado é o fato de que

todos, afinal, sentaram à mesma mesa de debates para discutir os rumos da educação

143

Foram analisados: 191 ocorrências em periódicos sob o período de 1930-1939; os registros documentais

disponíveis no acervo da ABE e no Repositório Institucional da UFSC. Título: Relatório da Quarta Conferência

de Educação, 1931. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/101121. Acesso em: 26

dez 2017. 144

Anísio Teixeira é um dos intelectuais que reflete a concepção de Nunes (2000).Vale lembrar, em consonância

com Rodrigues (2012), que Teixeira, nascido em 12 de julho de 1900, na cidade de Caetité, no Estado da Bahia,

teve uma sólida formação acadêmica nos colégios jesuítas de São Luís Gonzaga de Caetité e Antônio Vieira, de

Salvador. Para Maria Marta C. P. Rodrigues, Anísio Teixeira ao ser “imbuído dessa consciência do vir a ser

educador, inspirou-se nos seus sábios mestres dos colégios jesuítas, mas também estabeleceu intercâmbios com

outras realidades multinacionais, procurando compreender, por meio de uma perspectiva comparada, os avanços

já empreendidos por outros países e os caminhos ainda a serem percorridos pelo sistema educacional brasileiro.

Foi nesse sentido que realizou inúmeras viagens, num primeiro momento à Europa e, mais tarde, aos Estados

Unidos” (RODRIGUES, 2012, p.220). Ainda dentro desta perspectiva de Nunes (2000), podemos apontar, a

amizade de Maria Amélia (filha de Martins) e Laura Lacombe com Armanda Álvaro Alberto. Essa relação pode

ser evidenciada nos registros de Lacombe, quando esta, rememora o início de suas atividades como docente:

“Mabel, Marilu e eu começamos a lecionar; apesar de continuarmos a nos aperfeiçoar em algumas matérias.

Francês, Inglês, Alemão, Literatura, Pintura constavam do nosso programa, com os professôres Mr. De Wael,

Mr. Norrie, Herr Vielhaber, tia Maróquinha, Sr. Latour. Algumas colegas aderiram e, assim, tivemos: Abigail e

firmina Real, mandinha Alvaro Alberto, Maria Amélia de Rezende Martins, Maria e Luísa César e nós três.

(LACOMBE, 1962, p.193-194).

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brasileira. Nessa acepção, apenas a filosofia que informaria estas mudanças que não era

consensual, mas a necessidade de intervir, sem dúvidas era.

A perspectiva de Nunes (2000) se enquadra quando estendemos nossa análise em

direção ao universo familiar em que cresceu Mário Augusto Teixeira de Freitas, por exemplo.

Freitas é apontado por Senra (2008) como um intelectual que travou vários debates a respeito

de religião. Vale dizer que seu pai, o engenheiro e professor Affonso Augusto Teixeira de

Freitas e seu irmão, Valdemiro Teixeira de Freitas, eram “católicos fervorosos” (SENRA,

2008, p.89). Segundo o autor, tanto ele quanto o pai tentaram “converter o irmão Mário ao

catolicismo inquestionável que eles acreditavam”. Contudo, essas tentativas não encontraram

guarida na maneira de ser de Teixeira de Freitas, que tinha “uma visão mais racional, mais

intelectual, e menos ortodoxa sobre o catolicismo do que seus irmãos e mesmo seus pais”

(SENRA, 2008, p.89). Para Senra (2008), Freitas estava acostumado às frequentes discussões

em família e sempre enfrentava os assuntos religiosos com simpatia, sem perder suas

convicções :

Instigado por seu pai e seus irmãos, o assunto foi discutido com freqüência e

devidamente esmiuçado. Todavia, Mário Augusto enfrentava todos com sua

fina inteligência, cultura e simpatia, procurando demonstrar a lógica e a

correção de seu raciocínio e modo de pensar. Após estes debates cada um

deles se mantinha nas suas respectivas convicções, com os irmãos mais

preocupados com a salvação da alma de Mário Augusto (SENRA, 2008,

p.89).

Mais adiante, salienta:

Mário Augusto consultava com freqüência seu conselheiro espiritual, o

Padre Leonel Franca, do Convento de Santo Antônio do Largo da Carioca,

para trocar idéias e debater sobre assuntos religiosos incluindo o catolicismo

(SENRA, 2008, p.90).

À luz destas considerações e a partir das respostas destes dois intelectuais à nossa

personagem, percebemos que estes grupos ideológicos díspares moviam-se em um mesmo

campo de debates, muitas vezes “abertos” para negociações.

Mas a questão chave aqui é que, Martins precisava de uma intervenção Estatal,

principalmente em relação à localização do terreno e ao financiamento da obra. O consenso

secretado pelo Conselho Diretor da ASB era que o espaço ou terreno doado, destinado à

construção do prédio, deveria situar-se na “Zona Central do Rio de Janeiro”, assim como toda

a sua construção financiada. Aliás, tratava-se de um “emprehendimento de envergadura

nacional que solucionaria o problema social do país” (MARTINS,1933, p.28), e nesse

sentido, nada mais justo que a obra recebesse subvenções governamentais desde a sua

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fundação. Mas, como “nem tudo são flores”, para usar a expressão de Martins, Pedro

Ernesto, o então Interventor da cidade carioca, causou muitos empecilhos para a concessão do

espaço na Esplanada do Castelo, alegando, entre outros motivos, ser a “falta de capitaes

para construção do prédio” o principal obstáculo.

O ano de 1931 termina com um “pedido amistoso” de Belisário Penna a Pedro

Ernesto, solicitando que ele ouvisse a exposição de “D. Amelia de Rezende Martins (...)

concedendo o que ella pretende da Prefeitura”. E vaticina:

Ao conceder, o amigo ligará o nome a uma obra notável por todos os títulos,

que influirá de maneira benéfica sobre a mentalidade brasileira.Ouça o

distincto amigo a exposição de D. Amelia de Rezende Martins e estou certo

que se deixará empolgar, como eu, pelo seu maravilhoso programma de

“Acção Social Brasileira”. Creia-me sempre. amº.adº.obrº assig.Belisario

Penna (MARTINS, s.d., p.12-13)

Tudo indica que Pedro Ernesto não respondeu à investida de Belisario Penna. Assim,

em fevereiro de 1932, o Conselho Diretor da ASB decide elaborar um requerimento ao

Interventor do Distrito Federal:

Fevereiro de 1932

Alguns “CONSIDERANDO” do Requerimento dirigido ao Exmo. Snr. Dr.

Pedro Erneto a respeito do terreno para a ACÇÃO SOCIAL BRASILEIRA:

Considerando de utilidade publica a sociedade civil denominada

Acção Social Brasileira.

Considerando que está o dito projecto apoiado por muitos nomes de

maior destaque do nosso meio social, ocupando, no Governo, cargos de

responsabilidade.

Considerando que o Problema Social é um problema mundial, e está

preoccupando todas as grandes nações, estando ainda, muitos dos mais

importantes paizes do mundo , tacteando quanto à sua solução.

Considerando que a Acção Social Brasileira tem por fim o auxilio ao

desenvolvimento da educação nacional, no ponto de vista escolar, artístico e

social, aproveitando e ampliando o que já existe e organizando o que falta

fezer.

Considerando que a Acção Social Brasileira será um elemento de

ordem e de progresso artístico e social, prestando auxiliar dos poderes

públicos, em todos os ramos de educação e assistência social. Considerando

a phrase do preclaro Consultor Geral da República, Dr. Levi Carneiro,

acerca da Acção Social Brasileira: “Accedendo ao pedido da Acção Social

Brasileira, terá o D.D.Prefeito iniciado e assegurado a realisação de mais

ampla e completa obra social que se tem delineado entre nós”.

Considerando que só no coração da cidade, em local extremamente

acessível ao povo e à sociedade, poderá ter efficiencia essa instituição para

que d’ahi se irradie toda a sua acção.

Considerando que o prédio da Acção Social Brasileira, um edifício

eminentemente nacional, só poderá embelezar a área doada da Esplanada do

Castello e atrair muita vida para esse ponto da cidade. Considerando que

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quanto maiores são as difficuldades do momento, tanto maior a necessidade

de a ellas se remedear.

Considerando que emquanto esperamos por melhores dias, para iniciar

o trabalho, cada dia vamos perdendo terreno.

Considerando que a Acção Social Brasileira é uma instituição unica ,

não podendo outra qualquer com ella competir, perquanto ella enfeixa todos

os problemas sociaes.

Considerando que o Governo que está a reclamar neste momento a

cooperação de todos Brasileiros,não se póde deixar em abandono o projecto

patriótico, de grande alcance social.

A ACÇÃO SOCIAL BRASILEIRA pede ao esclarecido Governo da

Prefeitura entre as mãos do ilustre patricio Snr. Dr. Pedro Ernesto, que

auxilie a execução desta obra, concedendo-lhe os seguintes favores, que

serão cassados caso a Acção Social Brasileira não venha a cumprir os seus

fins:

1º A doação de uma area ampla, na Esplanada do Castello, entre as

ruas Porto Alegre- Quitanda – Pedro Lessa e Mexico, para o edifício da

Acção Social Brasileira, edifício necessário ao funccionamento dessa obra,

construcção nos moldes modernos nos mais praticos, de linhas sóbrias,

porém digno da Familia Brasileira, segundo exposição junta;

2º Concessão de favores que auxiliem e facilitem os trabalhos iniciaes

da Acção Socia Brasileira, sem contudo pezar nos cofres da Prefeitura.

Assignado pela DIRETORIA (MARTINS,1933, p.28-29).

Ainda no mesmo ano, Fernando Magalhães envia ao Interventor o seguinte telegrama:

Dr. Pedro Ernesto

LIGA DEFESA NACIONAL PEDE V. EXCIA. DISPENSAR ALTA

PROTECÇÃO IDÉA ACÇÃO SOCIAL BRASILEIRA HOJE

IDENTIFICADA SEUS FINS. ATTENCIOSAS SAUDAÇÕES. Fernando

Magalhães (MARTINS, s.d., p.29).

Diante desta calorosa “batalha” envolvendo requerimentos e intimações diretas à

Pedro Ernesto para que este auxiliasse na execução da obra, o referido Interventor decide

responder aos apelos do grupo, solicitando à Ação Social Brasileira um “Plano de

Financiamento”.

É neste momento que Fernando Magalhães, sugere a Martins uma aproximação a

Getúlio Vargas, pedindo que a ela falasse diretamente com o chefe do Governo Provisório:

Rio de Janeiro-1932

D. Amelia

Venho pedir-lhe noticias da Acção Social Brasileira. Quando teremos o

grande edifício? Com o seu grande esforço, creio que a questão do terreno é

mínima. Si a senhora falar ao Chefe do Governo Provisorio, estou certo será

ele dos mais sinceros patronos da obra. Não é possível perder-se a sua

iniciativa da mais alta benemerência. Desculpe-me a minha intromissão, mas

tenho pela Ação Social Brasileira o maior entusiasmo e quero ve-la realisada

ali, na Esplanada do Castelo. Muito seu venerador. Assig. FERNANDO

MAGALHÃES (MARTINS, 1933, p.32)

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180

Na verdade, Fernando Magalhães também sentiu-se na obrigação de resolver a

situação, “em um prazo tão breve quanto possível”. Assim, neste mesmo ano de 1932,

Magalhães escreve para Getúlio Vargas:

Exmo. Snr. Dr. Getúlio Vargas

A Liga da Defesa nacional, que vê e acompanha com o mais vivo interesse,

os beneméritos trabalhos da Ação Social Brasileira, sob a inspiração

patriótica de D. Amelia de Rezende Martins, pede permissão daquela

entidade no sentido de ser-lhe cedido um terreno na Esplanada do Castelo,

nesta Capital, fator indispensável à construção do edifício em que a Acção

Social Brasileira exercerá toda sua eficiente atividade. Tenho a honra de

apresentar a V. excia. os protestos da mais elevada admiração.

Assig. FERNANDO MAGALHÃES (MARTINS, 1933, p.33).

Não há registros nas fontes consultadas sobre a resposta de Getúlio em relação às

duas missivas acima explicitadas, mas é bem provável que a ligação próxima de Pedro

Ernesto, “como médico particular de Getúlio Vargas”145

, tenha favorecido as convicções do

interventor sobre a ASB, que naquele momento gravitavam em torno de “um ideal de bôa fé,

mas utópico”146

.

O desfecho desse “grande problema da Acção Social Brasileira” conforme a própria

Martins se referiu em seus escritos, só se resolveria “parcialmente” em 1933, com um pedido

de “financiamento” para a construção do prédio da ASB por Fernando Magalhães, dirigido a

um dos fundadores da LDN, que naquele ano desempenhava o cargo de interventor na Caixa

Economica Federal do Rio de Janeiro, o então Francisco Solano Carneiro da Cunha.

Segundo Martins, Cunha em 30 de julho de 1933, aceita a proposta sob algumas

condições, entre elas, que o terreno onde fosse erguido a construção fosse de propriedade da

ASB, sem ônus de espécie alguma, de maneira que “a Caixa Economica possa construir o

prédio com reserva de domínio”; que o prédio a construir possuísse dependências para a

locação e que produzissem renda suficiente para pagamento das amortizações mensais e que

145

Sobre a administração de Pedro Ernesto e sua amizade com Getúlio Vargas, ver: FGV-CPDOC, seção:

Administração Pedro Ernesto. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-

37/RadicalizacaoPolitica/PedroErnesto. Acesso em: 30 dez 2016. 146

A 26 de fevereiro de 1933, pelas colunas de A União, escreveu Jonathas Serrano: “O que mais admiro na

fundadora da Acção Social Brasileira é o seu enthusiasmo comunicativo, que não logram esfriar nem os

obstaculos nem as duchas frias da indiferença(...)É possível, é certo mesmo, que a muitos se afigure utopia o

plano gigantesco da Acção Social Brasileira. Não poderá todavia, ninguem de bôa fé desconhecer-lhe o caracter

positivo. O que é necessário para torná-lo realidade concreta é apenas...um terreno no centro da cidade, onde se

possa erguer um arranha-céo. Ora o local já fora concedido, mas infelizmente até hoje não se obteve que a

concessão passasse de Lei a facto consumado. E dona Amelia, sem desanimar, vem multiplicando iniciativas e

planos engenhosos, para se vêr se obtem o ponto de apoio, que permittirá facilitar o resto” (A União, 26 de

fevereiro de 1933, s.p.).

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181

o “emprestimo fosse até a importância de 3.500 contos, para amortizar em 20 anos, os juros

de 8% a.a.”(MARTINS,1933,p.34).

Com um “plano de financiamento” em mãos, só restava a concessão do terreno na

“cobiçada” área central carioca. Questão esta que demoraria muito tempo para se resolver.

Ao que tudo indica, Pedro Ernesto não cedeu seu posicionamento em relação a

concessão do terreno na Esplanada do Castelo. Diante desta situação, nossa personagem

inicia uma nova e “ardorosa” campanha pró “Ação Social Brasileira: Edificio Anchieta” que

duraria, conforme as análises das fontes periódicas até meados de 1940147

. Nesse intervalo

temporal, entre os anos de 1933 a 1940, Martins estabeleceu novas relações com outros

intelectuais e/ou grupos que circularam na cidade. Participou de congressos, conferências,

exposições e chás beneficentes, sem perder a característica que lhe é tão particular, conforme

bem salientou Jonathas Serrano em meados da década de 1930: seu “optimismo” e

“enthusiasmo”, que não “lograram esfriar perante todas as duchas frias da indifferença”(A

União, 26 de fevereiro de 1933,s.p.).

Contudo, o que nos interessa expor aqui é que, foi nesta “atmosfera” de angariar

recursos e/ou concessões para efetivação do plano da ASB, desde 1931, que Martins e seu

grupo decidiram publicar “o conteúdo” do projeto em diferentes canais de comunicação. E

será por meio dessa exposição na imprensa periódica, associada à publicação dos livros

“Acção Social Brasileira: 4ª Conferência Nacional de Educação”, “Acção Social Brasileira.

Edifício Anchieta (1933)” e “Quinzena Anchietana – A Acção Social Brasileira pela voz:

Brasil a Anchieta (1534-1934)”, que teremos a oportunidade de analisar o que foi de fato o

projeto “Acção Social Brasileira”.

3.5- Uma nova fundação educacional e de assistência social: A Ação Social Brasileira e

o Edifício Anchieta.

Estatuariamente, desde 1929, a Ação Social Brasileira definia-se como uma instituição

“independente e nacional” que tinha como objetivo, “auxiliar as obras sociais e educacionais

147

Em 1940, o periódico Jornal do Brasil, em um artigo intitulado “O monumento Anchieta”, o jornalista Assis

Memoria informava aos leitores em que “situação se encontrava” o projeto da ASB : “O monumento ao mais

notável dos nossos evangelizadores ainda está por ser levantado(...) O Edifício Anchieta é um velho sonho de

uma legião de brasileiros patriotas.Quando, há pouco tempo, se celebrou o quarto centenário do Apostolo de

nossas terras, esse sonho esteve prestes a ser realizado. Segundo soube, o terreno não chegou a ser demarcado,

faltando, apenas a formalidade burocrática da assinatura do Prefeito. Não sei, no momento em que situação se

encontra o interessante tentame” (Jornal do Brasil, 12 de julho de 1940,p.5).

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já existentes” por meio da construção de um “edifício séde”148

, que seria “levantado e

organizado” sob os “princípios directivos do cooperativismo” (MARTINS,1933, p.25).

De acordo com Femenick (2010), o cooperativismo no Brasil caminhava muito

lentamente no período anterior a 1930. Para o autor, foi somente após a crise econômica

provocada pelo colapso da Bolsa de Nova Iorque, de 1929 e o governo instalado pela

revolução de 1930, que o estimulo para implantação de cooperativas se intensificaram no país.

Segundo Femenick,

Até o princípio do século XX, a legislação brasileira – e o próprio Código de

Comércio de 1850 – era omissa quanto às sociedades cooperativas. A

primeira regulação legal deu-se pelo Decreto nº 1637, de 05.01.1907, que

disciplinou a criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas.

Todavia, foi com o Decreto nº 22.239, de 19.12.1932, que o cooperativismo

foi se consolidando no Brasil.

Para Pereira (2001), em um intertítulo de sua obra, “Cooperativas: Mudanças,

Oportunidades e Desafios”, denominado “Evolução histórico-jurídica do cooperativismo no

Brasil”, esta previsão normativa estabelecida pelo Decreto nº 22.239, de 1932, não tem

importância somente histórica, “mas também doutrinária”, visto que se trata da única norma

que traz um conceito expresso sobre as cooperativas no país (PEREIRA, 2001,p.125).

Segundo Pereira, o art. 24 do decreto traz a seguinte redação:

Art. 24. São cooperativas de trabalho aquelas que, constituídas entre

operários de uma determinada profissão, ou de oficio, ou de ofícios vários de

uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar os salários e as

condições de trabalho pessoal de seus associados, e, dispensando a

intervenção de um patrão ou empresário, se propõem a contratar obras,

tarefas, trabalhos ou serviços, públicos ou particulares, coletivamente por

todos ou por grupos de alguns (PEREIRA,2001, p.125).

Contudo, há outro aspecto mencionado pelo autor que pode constituir-se como mais

um substrato histórico para compreendermos sobre quais fundamentos do cooperativismo

estavam alicerçadas as bases da ASB. A título de considerações iniciais, Pereira (2001,p.123)

sinaliza que o fundamento filosófico do cooperativismo residiu “na constatação da natureza

gregária do ser humano e na noção axiomática de que a união faz a força”. Para o autor, esse

sentimento de busca da vida comunitária tinha respaldo não somente no ordenamento jurídico

positivo, mas também, “em princípios e fundamentos da vida cristã, em especial os conceitos

de comunhão e solidariedade” (PEREIRA, 2001, p.123).

148

Para visualizar a imagem da maquete do Edifício Anchieta, ver: ANEXO-G.

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Sobre este aspecto, não podemos esquecer que este período coincidiu com a

publicação da já referida encíclica do Quadragesimo Anno (1931), de Pio XI. Num contexto

social diferente, caracterizado pela crise do sistema capitalista, Pio XI defende a validade

intemporal dos princípios Leoninos, elucidando e até mesmo aprofundando a doutrina social

do predecessor. E entre os princípios que Pio XI considerava como fundamentais para a

resolução da questão social estavam: o cooperativismo, a subsidiariedade ou função supletiva

dos grupos, a harmonia e a cooperação entre as classes, a propriedade privada, o papel do

Estado na sociedade “para que as leis e instituições sejam tais..., que da própria organização

do Estado dimane espontaneamente a prosperidade da nação e dos indivíduos” (PIO XI.In:DE

SANCTIS, 1972, p.58), e por fim, era “necessária a reforma dos costumes”, na prática

efetiva da “caridade” – tendo em vista que a justiça, sozinha, nunca conseguirá “congraçar os

ânimos e unir os corações”-, o caminho mais seguro e eficaz para que os homens juntos

realizem a tão desejada e completa restauração da sociedade.

A par de uma “consciência religiosa, política e social do momento”, como bem

afirmou em seus escritos, Martins assinala em sua obra, “Acção Social Brasileira. 4ª

Conferência Nacional de Educação”, que a opção pelo cooperativismo travava-se mais “de

um meio para realizar a construção da sede da ASB”, correspondia a uma “filosophia” que

modificaria a “arcaica” maneira de obter recursos das obras assistenciais, “maneira fatigante e

que esgota sempre o mesmo grupo, e faz dispender energias que poderiam ser empregadas de

modo mais proveitoso” (MARTINS, 1933, p.25). E, portanto, imprescindível para resolução

das questões sociais.

Em sua justificativa, Martins apontava os benefícios que o cooperativismo poderia

ocasionar: a união orgânica do corpo social, por meio da transformação das “creanças que se

perdiam physica e moralmente pelas ruas” em “bons servidores da Patria”, o “auxílio

suplementar” aos membros da classe média que, naquele momento, “necessitavam de uma

solução para o trabalho”. E para as “classes altas”, o auxílio “para preparar o futuro dos filhos,

livrando-os quanto possível do mal” (MARTINS, s.d., p.41). Prevenir, enquanto é tempo,

afirmava Martins, “para não precisar remediar, quando fôr tarde, é o plano da Acção Social

Brasileira e para isso precisa da cooperação geral” (MARTINS, s.d., p.42). Sendo uma obra

que “requer grandes recursos, será feita como imensa cooperativa que congregará o Brasil

inteiro” (MARTINS, 1933, p.25). Nesse sentido, era fundamental que “todas as classes” se

unissem em torno do ideal, para o “levantamento e organização da sede da ASB”, visto que

um de seus objetivos era justamente beneficiar socialmente desde os “pequenos, a ricos e

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pobres, a poderosos e a deserdados”. E na medida em que a ASB, fosse recebendo “apoio e

cooperação”, aos poucos, as “favélas desapareceriam” para em seu lugar,

se levantarem as Villas Proletarias; as crianças, que andam soltas pelas ruas,

vagabundos de hoje que poderão ser criminosos amanhã, as crianças serão

guiadas em Recreatorios, fora dos horários escolares, de modo a não serem o

tormento da população e se formarem homens de bem e bons servidores da

Patria; a Acção Social Brasileira tem, em seu plano futuro, a fundação de

Patronatos Agricolas, o que não poderá deixar de ser de grande interesse

para o Governo, tão firme é a convicção geral de que a riqueza do Brasil

reside em seu sólo e é uma necessidade incentivar, entre o nosso povo, um

amor esclarecido pela terra; uma attenção toda especial será dada pela

Acção Social Brasileira a todos os problemas educativos, constituindo isso a

sua pedra angular. Para iniciar, porém, essa obra que tem tantas

ramificações, cada uma por si de grande envergadura, a Acção Social

Brasileira precisa da sua sede, onde as altas classes encontrarão tambem o

que lhes mereça interesse(MARTINS, s.d., p.46).

Nota-se nestas prescrições delineadas que a fundamentação discursiva de Martins

remete diretamente aos postulados da doutrina social da Igreja, principalmente em relação aos

princípios de “ unidade, cooperação e harmonia entre as classes”. Pio XI, em Quadragesimo

Anno, rememora o princípio de “unidade” de São Tomás de Aquino, para fundamentar a

perspectiva de que “a cura” para a desordem social provocada pela “divisão das classes”, e

para o corpo social como um todo, encontra-se em um “esforço combinado” e harmônico, no

sentido de que a atividade coletiva se “oriente sempre para o bem comum de toda a

sociedade”(PIO XI.In:DE SANCTIS, 1972, p.79).

(...)segundo egregiamente explica S. Tomás, é a unidade resultante da

disposição conveniente de muitas coisas, o corpo social não será

verdadeiramente ordenado, se não há um vínculo comum, que una

solidamente num só todo os membros que o constituem. Ora este princípio

de unidade encontra-se, — para cada arte, na produção dos bens ou

prestação dos serviços a que visa a actividade combinada de patrões e

operários ocupados no mesmo ofício, — para o conjunto das profissões, no

bem comum, a que todas e cada uma devem tender com esforços

combinados. Esta união será tanto mais forte e eficaz, quanto mais fielmente

se aplicarem os indivíduos e as próprias profissões a exercitar a sua

especialidade e a assinalar-se nela. Do que precede é fácil concluir, que no

seio destas corporações estão em primeiro lugar os interesses comuns à

profissão; entre os quais o mais importante é vigiar por que a actividade

colectiva se oriente sempre para o bem comum de toda a sociedade(PIO

XI.In:DE SANCTIS, 1972, p.79).

Nota-se também, nestas mesmas prescrições, um projeto de modernização nacional

por meio de uma mobilização estratégica de recursos humanos, técnicos e econômicos. Uma

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proposta de “defesa nacional”, de crescimento industrial por meio da formação das “Villas

Operárias” e da implantação dos “Recreatorios”, de valorização e modernização agrícola com

a implantação dos “Patronatos” e de reordenação política e educacional do país.

Expressando a função de que se auto investiam, como “elite” pensante, o grupo ASB,

por meio de sua presidente, concebia e direcionava o lugar que o “povo”, “as crianças, que

andam soltas pelas ruas”, os “vagabundos”, ocupariam em seu projeto. Para estes, não era

necessário uma “formação instructiva”, pois a “alphabetização sem uma direção segura que

encaminhe para o bem” é uma “praga”. E como “cada paiz está sujeito aos seus problemas

peculiares”, o que precisamos em “primeira mão são homens de bem. O homem rustico, forte

e educado, embora sem instrucção”, este é o principal “fator de prosperidade para Patria”

(MARTINS, s.d., p.81).

Muito para além de um objetivo de emancipação popular pela educação, a

preocupação estava em tornar o homem nacional um trabalhador adaptado à nova realidade

urbano-industrial, por meio do desenvolvimento de uma ética do trabalho que contivesse o

potencial criminoso que acreditavam existir nas camadas populares.

Um processo de formação disciplinar e de “arregimentação” de trabalhadores via

crianças desvalidas. Desta maneira, a distribuição racional da população pelas atividades

rurais e urbanas passa a ser o ponto de incidência principal do projeto de organização social

de Martins. Buscava-se por meio dos programas “Patronatos Agricolas” e “Recreatorios”,

disciplinar as crianças para o trabalho e afastá-las da ociosidade, recuperando socialmente

aquelas que perambulavam pelas ruas, evitando que se inserissem na marginalidade.

Os Patronatos Agricolas formariam, entre a gente do povo, um pessoal capaz

de se dedicar, com inteligência, aos trabalhos rurais. Para os centros urbanos

a Acção Social Brasileira tem em seu programma os Recreatorios que se

occuparão das crianças fora dos horários escolares. Essas crianças

alfabetizadas passam a maior parte do dia vagando pelas ruas como flagelos

da vizinhança, perdendo nas horas de ócio o que por ventura alcançaram em

hora de aula. Quando tantas cruzadas se empenham em diminuir a

percentagem de analfabetos entre nós, acredita a Acção Social Brasileira que

não desmerecerá no conceito dos seus concidadãos, declarando abertamenete

que maior proveito imediato trará á Patria a arregimentação da criançada da

rua, dimunindo a immoralidade alphabetizada que grassa entre nós como

fator dos maiores damnos. O problema é gravíssimo, como prova

sobejamente o aumento da criminalidade infantil! (MARTINS, s.d., p.81).

Carvalho (1989), em sua análise sobre o projeto da ASB, afirma que as “receitas de D.

Amelia” sinalizam uma “reordenação e redistribuição do tempo, de intervenção no cotidiano

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186

citadino, e “não dispensavam o recurso sensibilizador, persuasivo, de gosto naturalista, que

constituía o operariado como animalidade e seu modo de vida como sujeira, doença e vício”

(CARVALHO, 1989, p.74).

Em 19 de abril de 1933, Amélia de Rezende, publicou em A Noite, uma apresentação

sucinta do plano Acção Social Brasileira. Na matéria, Martins deixa claro que tratava-se de

um “ante-projecto” para a construção de um “monumento sede – o Edifício Anchieta”, onde

funcionaria alguns “departamentos específicos de alcance pedagógico, social e artístico”149

.

Este “skyscraper catholico” como propôs Jonathas Serrano, em um artigo publicado

em A União, que é bem uma metáfora do futurismo americanista, deveria ser erguido sob um

complexo e rígido sistema de organização. Na obra “Acção Social Brasileira. 4ª Conferência”,

Martins explicita o então “método” a ser adotado :

Na Acção Social Brasileira ninguem trabalhará de graça. Si a Acção Social

Brasileira se levanta para auxiliar, não vai a ninguem sugar energias.

Ninguem trabalha de graça, nem o Estado, nem a Igreja, nem o particular;

num lugar bem remunerado póde-se exigir um trabalho bem feito, no que é

feito graciosamente, fica-se sempre a dever favor. O segredo dos

Americanos do Norte conseguirem muito está no facto de pagarem bem. E

ninguem se amedronte ante a complexidade do plano; tudo depende de

ordem, de organização. Diante das obras Americanas do Norte parecerá até

de pequenas dimensões , a Acção Social Brasileira...Ha pouco vimos passar

num cinema desta Capital um film das Usinas Ford. Trabalham ali milhares

de operários e cada qual tem seu carro próprio...Funccionam ali

apparelhamentos assombrosos desde o preparo inicial de toda a matéria

prima, transformada no material necessário à fabrica...Fazem-se , ali desde

as mais pesadas peças até os mais delicados parafusos e, sem a menor

confusão, sahe perfeito o carro Ford de suas usinas a prestar serviço pelo

mundo todo (MARTINS, s.d., p.48).

Espécie de ideal fordista, semelhante àquilo que Gramsci apontou como a sujeição

dos indivíduos “a complexos e rígidos hábitos e normas de ordem, exatidão precisão, que

tornem possível as formas sempre mais complexas de vida coletiva, que são a consequência

necessária do desenvolvimento do industrialismo”(GRAMSCI,2011, p.393). Sonho idílico

que se ergueria através da combinação da coação disciplinar com a persuasão do alto salário,

justificado sobre o figurino retoricamente prefixado e cristão da função supletiva entre os

grupos. Importante referenciar que Pio XI ocupou-se, em Quadragesimo Anno, do princípio

da subsidiariedade ou função supletiva dos grupos.

Segundo Oto de Brito Guerra (1958), em sua obra Cooperativismo e Comunidade, o

ponto de partida deste princípio social realçado por Pio XI, estava relacionado ao valor

149

A Noite, 19 de abril de 1933, p.2.

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absoluto do ser como pessoa. No sentido de que, ao integrar-se nos grupos constitutivos de

uma dada comunidade através do desempenho de sua função, o indivíduo receberia

substancial ajuda, mas também aumentaria o seu “valor pessoal” e sua capacidade de servir.

Por outro lado, “numa espécie de contra-prestação”, o indivíduo cooperaria, pela sua

contribuição pessoal, “para o maior rendimento social do grupo e da comunidade (...)”

(GUERRA, 1958, p.189).

Para Martins, este princípio de subsidiariedade apresentava-se da seguinte forma, a

“alta classe” ficaria responsável pelo financiamento da obra e o “povo”, com sua “mão forte”,

pelo erguimento da estrutura. “Todos saiam ganhando”, afirmava Martins: o pobre com o

benefício de conseguir “seu sustento” por meio do trabalho inicial (construção) e

posteriormente, na manutenção e funcionamento do edifício; e a “alta classe” com o usufruto

de uma mão-de-obra mais disciplinada e qualificada para servir.

A proposta dos “restaurantes mixtos”, que se desenvolveria no andar térreo do

edifício, se enquadra perfeitamente nesta descrição. Para Martins, os “restaurantes

economicos” eram uma das “boas opções” que o plano ASB ofereceria às “moças que, sem

preparo ou sem vocação para trabalhos intellectuaes, ou ainda sem quererem se sujeitar a

concursos, poderiam ter, sob anonymato, um meio de prover à própria subsistência”

(MARTINS, s.d., p.73). Neste tipo de proposta, Martins aplicava ao seu serviço social a

técnica do "ajudar o povo a ajudar-se a si mesmo". Por outro lado, na medida em que o

projeto da Ação Social Brasileira fosse implantado, as “classes altas” teriam à disposição um

“contigente de peso para prestar-lhe serviços”, abrindo caminho para “muita realização que se

encontra a braços e sérios embaraços, ou a muita iniciativa encubada, sem coragem ou sem

possibilidade de surgir à luz do dia” por ausência de mão-de-obra (MARTINS, s.d., p.78).

O plano ASB, por meio da construção deste “monumento vivo ao maior vulto da

história nacional”, energizava ainda em seus futuros sócios a possibilidade ou aspiração de

constituir-se em um empreendimento que, a partir do ano de sua fundação, dedicar-se-ia à

formação de uma “elite católica” e à produção de uma versão católica tomista da história do

Brasil, por meio de seus “Gabinetes de Historia Universal e Natural, de Geografia, Physica e

Chimica”, sendo que um dos objetivos era o de enaltecer a obra jesuítica na histórica nacional

e reafirmar os valores cristãos da sociedade brasileira, confiando o sucesso de suas

expectativas futuras, de seus planos para a Igreja no Brasil, na ação do apostolado social e

educacional que a instituição continuaria a exercer. No trecho final apresentado por Martins,

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188

em sua obra “Quinzena Anchietana – A Acção Social Brasileira pela voz: Brasil a Anchieta

(1534-1934)”, é possível robustecer a assertiva ostentada:

Continuemos no Brasil dos nossos dias, os trabalhos de Anchieta no Brasil

do passado...Os tempos são outros...o Ideal é sempre o mesmo! Ha anos vem

a Acção Social Brasileira apresentando o seu plano, no qual todos os

problemas que nos afligem estão carinhosamente estudados...Funccionará a

Acção Social Brasileira no “Edificio Anchieta”, e homenageando, assim, o

grande Apostolo, prepararemos uma elite, capaz de toda a dedicação de que

carece o nosso Brasil...arregimentaremos um exercito de gente nova, que não

permittirá mais, num futuro muito proximo , a repetição dolorosa do

conceito de que o Brasil é um deserto de homens!... Levantemos o Edificio

Anchieta (MARTINS, 1934, p.100).

Sob esta ótica, podemos aferir que o Edifício Anchieta não era apenas um monumento

arquitetônico, “na solidez inerte da pedra e do aço, na arrogância babélica dos arranhas céus”

(MARTINS, 1934, p.74). Na verdade, para este grupo de intelectuais católicos, o edifício,

representava simbolicamente uma batalha, ideológica e política, no sentido de demonstrar a

definitiva arrancada do catolicismo como força nuclear da sociedade brasileira. Nesses

termos, entre as aspirações coletivas que permeavam o grupo, uma delas era de que através

dessa homenagem edificada, os católicos seriam capazes de enfrentar o laicismo, mas

também combater a atividade educacional protestante. A matéria veiculada no jornal A Cruz,

sob o título, “Glorificação de Anchieta”, é explícita neste sentido:

Propõe-se a Ação Social Brasileira construir na esplanada do Castelo, em

cujos cimos ora arrazoados se alevantava outrora o famoso colegio dos

jesuítas, o Edificio Anchieta, a contrapor-se peito a peito, braço a braço, a

insidiosa propaganda protestante da Associação Cristã de Moços! (A Cruz,

Rio de Janeiro, 24 de junho de 1934, p.3).

Feitas essas considerações inicias, é importante dizer que o plano, ASB-Edifício

Anchieta, estava dividido em quatro seções: Escolar, Social, Artística e Popular. Estas

cumpririam a função de “atender a todo o vasto e complexo problema social” por meio de um

rol “profilático” de medidas, que variavam conforme os objetivos e o público alvo de cada

repartição.

No quadro abaixo, a síntese do plano:

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Quadro IV – Apresentação do Plano da Ação Social Brasileira- Edifício Anchieta

Seção Escolar

Cinema educativo popular- Gabinetes especiais de estudo-História e Geografia-

Ciências Físicas e Naturais- Línguas vivas - Salas de aula a serviço do professorado-

Biblioteca Didática – Museu escolar –Museu de higiene popular – Exposição

permanente de material escolar – Sala de coisas Brasileiras, com representação dos

Estados –Livros escolares- Livros de recreio – Jogos escolares – A casa de repouso

para o professor.

Seção Social

Educação Física – Sala de ginástica e esporte de salão – Sala de jogos recreativos

para moças e crianças – Piscina e instalação hidroterápica- Diversões boas para a

juventude – Biblioteca para crianças e adolescentes- Escritório completo de

informações para a Capital e Estados e para os estrangeiros- Sala de exposição

permanente para trabalhos femininos, com seção de vendas – Apartamentos para

moças que trabalham- Restaurante econômico – Escola doméstica – Instalação para

organizações científicas e intelectuais.

Seção Artítica

Artes plásticas – Salões de exposição- Aulas livres com professores competentes-

Museu de quadros para estudo- Estudo de Artes Decorativas- Música – Cultura

Artística – Revista de Artes – Conservatório- Música de câmera – Salão de

Concertos – Literatura –Estudo de Arte Literário-Sessões de leitura – Conferências

– Publicações – Traduções – Curso de crítica artístico e literária.

Seção Popular

Recreatórios em centro urbano – Oratórios festivos – Patronatos agrícolas e

profissionais – Parques de diversões infantis – Diversões para o povo – Concertos

populares- Cinema ao ar livre – Apoio e auxílio às obras sociais existentes –

Propaganda das obras sociais. Fontes: MARTINS, 1933, p.22-23. e A Noite, 19 de abril de 1933, p.2.

Na seção “Escolar”, avultavam-se como pontos capitais, medidas que favorecessem a

“educação physica e moral” do povo, pois é desta educação que “depende o futuro da raça”, a

“ordem da sociedade”. Imbuída de ideais eugênicos, nacionalistas e dos princípios da doutrina

social católica, as propostas desta seção constituíam-se em um “prolongamento auxiliar” da

escola, para a “formação de uma promissora mocidade, forte de corpo como de espirito para o

Brasil” (MARTINS, s.d., p.52). Os principais destaques desta seção, segundo a perspectiva de

Martins, eram: o “Cinema educativo popular” e os “Gabinetes de estudo”.

De acordo com Amélia de Rezende, o cinema educativo ficaria localizado no andar

térreo do Edifício Anchieta e cumpriria a tarefa de “produzir e passar bons filmes” para

combater a “ação perniciosa, deseducativa, imoral do cinema norte-americano”:

Passarão ahi, os melhores films educativos e instructivos, desde os de

pequena metragem, para as escolas primarias e secundarias, até as de grande

metragem valor artístico e scientifico, para as escolas superiores. Passarão

tambem films de pura diversão, sempre, porém, sob a orientação da mais

pura moral. E de outra maneira ainda nos valerá o cinema, apresentando fitas

educativas , de noções de hygiene, de ensinamentos de agricultura, de

exemplos de moral, e tambem fitas recreativas para o povo...Pelo cinema o

povo até poderá aprender a ler...Applicar-se-á ao cinema o principio da

homeopathia: curar, com o que produz o mal... Satisfeita a curiosidade bôa,

menos espaço ficará para a curiosidade má.No cinema Educacional poderão

os Srs. Professores fazer as suas Conferencias sempre que dependerem de

films especiaes (MARTINS, s.d., p.61).

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Para Martins o cinema era um “recurso admirável das invenções superiores”, mas que

deveria ser utilizado com uma função social específica para o povo: a moralização de seus

costumes. Vale dizer, em consonância com Barbosa (2011), que o cinema figurou como área

de grande preocupação da Igreja devido ao seu amplo alcance na população, sobretudo nos

jovens. De acordo com o autor, é grande a referência entre os católicos de que, a chegada do

cinema norte-americano ao Brasil teria acentuado a “crise moral” do país.

Quanto aos Gabinetes de estudo, Martins define-os como “salas contiguas” para

utilização dos professores de “todos os colégios” privados e públicos. Neste programa fica

nítida a bipartição: ensino do “povo” X ensino “elite”. Segundo Martins, os gabinetes de

história universal, de geografia, de história natural, de Física e Química, estariam à disposição

todos os dias para os colégios particulares e somente “em determinados dias”, à disposição

dos “estabelecimentos de instrucção publica da Capital” (MARTINS, s.d., p.62). Em

justificativa ao “benemérito” programa de auxílio docente, explicitava Martins:

O professorado não cessa de demonstrar a necessidade premente de serem

melhorados os methodos de ensino, que dependem, em grande parte, de

aparelhamento mais aperfeiçoado. A questão das Reformas de Instrucção

Publica representa problema tão complexo, que a Acção Social Brasileira

julga não poderá ella ser resolvida unicamente pelo Governo; a iniciativa

particular se impõe, como medida que não póde ser desprezada.(...) A

questão agora é agir e levar a cabo, o que, com tanta proficiência, tem sido

repetido em discursos, conferencias e artigos de jornaes. Muitos intellectuaes

se empenham pelos Institutos Internacionaes de Alta Cultura:a Acção Social

Brasileira pede aos mesmos o favor insigne de estudarem tambem os

problemas que lhe parecem de muito maior vulto, referentes à educação

popular . A alta cultura podem os intellectuaes se dedicar individualmente,

por merecimento próprio; da cultura popular depende o aparelhamento da

Patria para o seu destino futuro (MARTINS, s.d., 62-63).

Posição semelhante encontrava-se também na proposta da “Seção de Artes” do plano

da ASB. Esta visava, principalmente, a formação de uma “intelectualidade artistica” por meio

de um “complexo aparato material e tecnico”, que incluía desde cursos de “musica sacra,

coraes e licções”, até grandiosos salões acústicos, para “musica de camera” e exposições. Já

para “o povo simples, que não póde frequentar o Municipal”, a Ação Social Brasileira

organizaria o “plano de Concertos populares, educativos” com músicas, principalmente de

igrejas (MARTINS, s.d., p.68).

As seções “Social e Popular” definiam-se como aquelas que se ocupariam dos

“problemas propriamente do povo”, que cooperariam para com os “emprehendimentos sociais

já existentes” no país (MARTINS, s.d., p.46). Em relação “ao povo”, as medidas

evidenciavam uma única direção: o disciplinamento abrangente de seu cotidiano e controle

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rigoroso do seu tempo livre, por meio dos “jogos recreativos”, “diversões boas” para a

juventude, “biblioteca”, “parques infantis”, “sala de exposição permanente para trabalhos

femininos, com seção de vendas”, “restaurantes econômicos”, “escola doméstica” e

“patronatos agrícolas e profissionais”. Estes dois últimos correspondiam a uma versão

“atualizada” de seu projeto anterior - os Núcleos.

Observemos, entretanto, no quadro anteriormente exposto, que a seção social

contemplava uma “instalação para as organizações científicas e intelectuais”. Segundo nos

conta Martins, esse setor seria responsável pelo desenvolvimento de um “intercâmbio de

estudos entre todas organizações sociais”, no sentido de contribuir para efetivação,

aprimoramento e defesa de uma “Sciencia Social” (MARTINS, s.d., p47). Em outras

palavras, Martins defendia a aplicação da síntese tomista-leonina como parte integrante de

uma ciência social. Uma maneira de empregar diligentemente as orientações e/ou desejos de

Pio XI, no sentido de “desenvolver a ciência social e econômica, conforme às exigências do

tempo, levados sobretudo do desejo de tornar a doutrina inalterada e inalterável da Igreja mais

eficaz para remediar as necessidades modernas” (PIO XI.In:DE SANCTIS, 1972, p.56).

Em suma, este foi o “projeto de assistencia social e educacional” apresentado por

Martins. Não se tratou aqui de uma exposição linear do “Estatuto da Associação” elaborado

por Flavio Lyra, visto que este não foi possível localizar. Trata-se de vestígios de artigos,

palestras e conferências que foram publicadas na imprensa periódica e radiofônica, muitos

deles, transcritos nas próprias obras de Martins. Estes, ao serem cruzados e interpretados em

conjunto, contribuíram para fomentar um “esboço” do que veio a ser o plano Ação Social

Brasileira.

Tal projeto, como já assinalado no capítulo segundo desta dissertação, deve ser

interpretado como um contínuo retorno às suas outras obras e projetos anteriormente

engendrados, especificadamente, àqueles publicados entre os anos de 1918 a 1932, que

fundamentaram a coerência e a unidade mantida pelo seu pensamento: eugênico e ruralista,

mas também católico-social e nacionalista. “D. Amelia”, indubitavelmente soube revitalizar

sua narrativa no tempo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressaltamos na introdução desta dissertação, sob a perspectiva de Carlos Eduardo

Viera (2008) que, ao longo dos anos dois mil, a história dos intelectuais foi beneficiada pela

apropriação ou reelaboração de outras possibilidades temáticas. Em tempo relativamente

recente, intelectuais antes desconhecidos ou ofuscados pelos “grandes líderes” vieram à tona

como protagonistas da história.

Nas reflexões historiográficas analisadas, Amélia de Rezende Martins esteve longe de

figurar entre os “líderes” do movimento católico, a exemplo de um Alceu Amoroso Lima,

Jackson de Figueiredo ou Everardo Backeuser. É, sem sombra de dúvida, curioso o fato de ela

ser tantas vezes citada, principalmente na imprensa periódica de sua época, enquanto

permanece tão pouco conhecida nos dias de hoje. Nesse sentido, cremos que a questão central

e de fundo desta pesquisa, coloca-se em torno da memória histórica, ou melhor dizendo, a

dimensão do seu esquecimento. Certamente, o seu caso é apenas mais um entre tantas outras

figuras do movimento católico que ainda carecem de estudo.

Assim, o estudo da trajetória de Amélia de Rezende Martins aqui desenvolvido

iniciou-se como uma pesquisa exploratória, bibliográfica e documental, que objetivou

resultado capaz de fornecer um enquadramento de sua atuação política e intelectual.

O desenvolvimento dessa dissertação trouxe à cena uma intelectual preocupada com a

construção de um projeto cultural para o Rio de Janeiro e para o Brasil. Revelou-nos uma

personagem com atuação significativa no laicato católico pré-1922, ou seja, antes da

interpretação corrente dos estudos que marcam o início da reação católica no Brasil a partir

da criação do Centro Dom Vital. Sua participação no movimento católico organizado na

cidade de Campinas, como presidente da Associação das Mães Cristãs em 1905, e

posteriormente na cidade do Rio de Janeiro como idealizadora do projeto Ação Social

Brasileira (1918-1932), são exemplos dessa representatividade e organização do movimento

católico anteriores à criação do Centro Dom Vital (1922).

Com toda probabilidade, essas experiências práticas a que Amélia foi exposta,

indiciam as marcas do seu itinerário de formação, das redes sociais às quais pertenceu e das

experiências por ela compartilhadas dentro dessas duas cidades. Ademais, demonstrou-nos

que as mulheres não foram passivas neste período. Mas que na verdade elas possuíram uma

forma de atuação que lhes é particular, que foi moldada de acordo com suas vivências e

possibilidades históricas. E ainda que não desfrutasse dos mesmos direitos e poderes que os

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homens, tiveram algumas experiências bem sucedidas na esfera pública, para além das

práticas ditas assistenciais ou caritativas.

Dito de outra maneira, a militância de Martins revelou-se mais plástica, pragmática,

dinâmica e política. Eis a síntese de sua ação militante: o catolicismo social sob perspectiva

pastoral. Afinal, ela apresenta uma obra variada e um percurso de vida com múltiplas

implicações, cuja ação estava centrada na sociedade, aos seus dilemas políticos, econômicos e

sociais. Martins fora publicista, polemista, conferencista, escritora de livros didáticos e

militante católica. Os espaços de sua militância não estavam apenas circunscritos aos salões

de festas de caridade ou nas reuniões de “chás-relatórios” promovidos pela Associação das

Senhoras Brasileiras, por exemplo. Martins buscou os locais da sociedade civil e do poder

republicano, por vezes, nossa personagem até transigiu com alguns líderes do Movimento

pela Escola Nova e com intelectuais liberais.

Martins compreendeu e assimilou o “tipo feminino” de “mãe cristã” colocado em

evidência pela Igreja Católica. Seu apostolado deu-se através do ensino dos valores católicos

em todo ambiente que viesse ocupar. Por meio do serviço, do diálogo, do anúncio, Martins

desejava converter e educar a sociedade ao catolicismo. Em relação ainda à plasticidade de

seu catolicismo, cremos que a sua produção de livros didáticos de geografia e história foi

estratégica, tanto para conquistar o público leitor quanto para inserir o tema da historiografia

católica no âmbito dos estudos historiográficos.

Percebemos que a análise da trajetória de Martins pode constituir-se em mais caso

para (re) pensarmos a ação católica no Brasil, não apenas sob a perspectiva do gênero de

atuação feminina no laicato, mas também, sob a maneira como estavam organizados esses

intelectuais, por uma perspectiva diferente das interpretações que associam a mobilização

destes apenas ao caráter político-institucional.

A composição de um “grupo familiar católico” reunido nas frações dirigentes da Ação

Social Brasileira e Associação Brasileira de Educação, que circulava paralelamente em outros

espaços sociais, como na Associação dos Empregados do Comércio, na Liga da Defesa

Nacional, na imprensa radiofônica e periódica, permite-nos refletir sobre dois pontos

principais. O primeiro refere-se ao lugar que o catolicismo ocupava no horizonte de

expectativas dessa elite de intelectuais. Analisando os objetivos formulados pelo grupo da

Ação Social Brasileira, percebemos o quanto que estes indivíduos estavam dispostos a

conformar suas ações de acordo com a perspectiva da Ação Católica. Esses intelectuais

faziam parte de um grupo de confiança da hierarquia católica e, na medida em que

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desempenhavam suas funções e utilizavam as orientações da doutrina, tornavam-se aptos a

representar a obra restauradora da Igreja.

O segundo ponto refere-se à oportunidade de desvelarmos os processos de formação

do poder desse grupo católico reunido na ASB e na ABE, ou seja, sobre a força desse modo

social ancorado em laços familiares que acabam por sobrepor seus interesses privados ou seu

particularismo doméstico às demandas da sociedade. Com certo pragmatismo, esse grupo

familiar expressa e executa o ideal que marca a elite do país no período, que é o de

transformar os habitantes em povo, reciclando-o no sentido de remover os seus “defeitos

étnicos e biológicos”, os comportamentos e hábitos nocivos. Um grupo que se auto percebia

como capacitado para compreender os males da sociedade, que tinha autoridade para “agir

sem demora” na tarefa de disciplinar, confiar e adestrar, conforme os anseios de Ordem e

Progresso, mas também conforme aquilo que fez parte de suas próprias experiências de

sociabilidade primária e/ou secundária, de subjetividade de suas vidas: a fé cristã.

Por fim, acreditamos que a relevância de visibilizar sua trajetória de militante católica,

de produtora cultural e de mulher, contribuiu para pensarmos mais do que a relação dessas

três categorias – “catolicismo, mulher e política” – no período histórico demarcado.

Possibilitou-nos refletir os desdobramentos históricos e a importância das suas ações como

reveladoras de uma vasta rede de sociabilidade e das aspirações de muitas vozes silenciadas

que contribuíram, junto aos “grandes líderes”, para a legitimação das estratégias utilizadas

pela Igreja, para se fazer presente na sociedade durante a Primeira República.

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Documentos textuais de Arquivo

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Janeiro, nº de chamada: CFBO CFBO SFGR DMARM 02, 05, 06, 08, 10, 11, 12, 17, 20, 21,

22.

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê Amélia Rezende Martins. Rio de

Janeiro, nº de chamada RB-RBCRUPF RB-RBCRUPF 896/1, anos 1912, 1919 e 1920.

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê Instituições: Colégio Progresso. Rio de

Janeiro, nº de chamada CFBO SIDCO 05.

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Dossiê Instituições: Colégio Jacobina. Rio de

Janeiro, nº de chamada CFBO SIDCO 06, 11,12,13,14, 15,17 e 27.

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Série: Família Geraldo de Rezende. Dossiê

João de Assis Lopes Martins, Rio de Janeiro, nº de chamada CFBO CFBO SFGR DJALM.

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Série: Família Geraldo de Rezende. Dossiê

Maria Amélia Rezende Martins, Rio de Janeiro, nº de chamada CFBO CFBO SFGR

DMAGR.

ARQUIVO da Fundação Casa de Rui Barbosa. Série: Família Geraldo de Rezende. Dossiê

Elisa de Rezende Martins, Rio de Janeiro, nº de chamada CFBO CFBO SFGR DER.

BOLETIM da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, ago de 1928, nº 12, p.6-10.

BOLETIM da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, anos 1925, 1926, 1927,

1928 e 1929, nº 1-13.

CENTRO de Memória Arquivos Históricos UNICAMP. Coleção João Falchi Trinca. Dossiê

Maria Amélia de Rezende Martins.

CENTRO de Memória Arquivos Históricos UNICAMP. Coleção João Falchi Trinca. Dossiê

Amélia de Rezende Martins.

CENTRO de Memória Arquivos Históricos UNICAMP. Coleção João Falchi Trinca. Dossiê

Amélia de Rezende Martins. Folheto: Festa das Noelistas.

LIVROS-ATAS de reuniões do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação. Rio

de Janeiro, anos 1924,1925,1926,1927,1928,1930,1931,1932,1933,1934,1935.

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204

LIVROS-ATAS de reuniões da Diretoria da Associação Brasileira de Educação. Rio de

Janeiro, 29 de julho de 1929 a 21 de julho de 1930.

LIVROS-ATAS das Assembléias Gerais da Associação Brasileira de Educação. Rio de

Janeiro, 1924, 1929 e 1936.

PASTA-ARQUIVO referente à Primeira Conferência Nacional de Educação. Rio de Janeiro,

Arquivo ABE.

PASTA-ARQUIVO referente à IV Conferência Nacional de educação. Rio de Janeiro,

Arquivo ABE, 1931.

SETOR de Arquivos Históricos da Santa Casa de Misericórdia. Certidão de óbito Amélia de

Rezende Martins. Rio de Janeiro.

Livros e Folhetos

CENTRO de Memória Arquivos Históricos UNICAMP. Folheto Uma vida bem vivida.

Campinas, nº de chamada 920.72 M366v.

FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa. Folheto Diversões Permitidas e Diversões Proibidas. Rio

de Janeiro, nº de chamada CFBO SFGR DARM 01.

MARTINS, Amélia R. Acção Social Brasileira. 4ª Conferência Nacional de Educação. Rio de

Janeiro, s.d.

_________________. Acção Social Brasileira: Edifício Anchieta. Rio de Janeiro, s.ed.1933.

_________________. Complemento às reflexões sobre o momento social. Rio de Janeiro:

Escola Typ.Salesianas,1919.

_________________. Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende. Rio de Janeiro:

Oficina Gráficas do Almanak Laemmert, 1939.

_________________. Os problemas sociais e o feminismo (1ª edição em 1924; 2ª edição

1925). São Paulo: Escolas Prof. Salesianas do Liceu Coração de Jesus, 1924.

_________________.Reflexões sobre o momento social. Rio de Janeiro: Escola

Typ.Salesianas,1919.

_________________. Quinzena Anchietana – A Acção Social Brasileira pela voz: Brasil a

Anchieta (1534-1934). Rio de Janeiro: Officinas graphicas Almanak Laemmert, 1934.

_________________. O livro de José Maria. Rio de Janeiro: Oficina Gráficas do Almanak

Laemmert, 1930.

_________________. Meu livrinho de missa: Explicação do santo sacrifício da missa. SP

(BR): Escolas Prof. Salesianas do Liceu Coração de Jesus, 1926.

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205

_________________. Meu Brasil: Feriados Nacionaes e Pontos Importantes da História. Rio

de Janeiro:Officinas Graphicas. Emp.Almanak Laemmert Ltda.

_________________. Compêndio de História do Brasil. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas.

Emp.Almanak Laemmert Ltda ,1937.

_________________. Pontos de História Universal: história antiga e edade media. Rio de

Janeiro: Officinas Graphicas. Emp.Almanak Laemmert Ltda, 1932.

Jornais

Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional

- O Paiz (1920- 1929; 1930-1939)

- A União (1905- 1950)

- A Cruz(1920- 1929; 1930-1939)

- Jornal do Brasil (1920- 1929; 1930-1939)

- Gazeta de Noticias (1920- 1929; 1930-1939)

- O Imparcial (1920-1929)

- O Correio da Manhã (1920- 1929; 1930-1939)

- Correio Paulistano(1920-1929)

- O Jornal (1920- 1929; 1930-1939)

- A Noite (1920- 1929; 1930-1939)

- Diário de Noticias (1930-1939)

- O Malho(1930-1939)

- Diário Carioca (1930-1939)

- Diário da Noite(1930-1939)

- A Batalha(1930-1939)

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206

APÊNDICE A— Quadro Sinóptico da Família de Amélia de Rezende Martins

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207

ANEXO A – Declaração de óbito

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208

ANEXO B – Jornal A Manhã. Rio de Janeiro, 14 de maio de 1949.

Disponível em: http://bndigital.bn.br

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209

ANEXO C – Representação gráfica genealógica de Amélia de Rezende Martins

Fonte: MARTINS, Amélia R. Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende. Rio de Janeiro: Oficina Gráficas

do Almanak Laemmert, 1939,p.203.

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210

ANEXO D- Fundação do Núcleo Colonial Campos Salles.

Estavam presentes: Barão Geraldo de Rezende, Bento Quirino dos Santos, Manuel Ferraz de

Campos Salles, José Paulino, Orozimbo Maia, José Maria Lisbôa, Tenente Marcondes, João

de Assis Lopes Martins, Cap. João Gonçalves Pimenta, Tito Martins Ferreira, João de Barros

Aranha, Carlos Salles, Leopoldo Amaral,José Rocha, Major Antonio Sarmento e o fotógrafo

S. Niebler (MARTINS, 1939,p.568).

Fonte: MARTINS, Amélia R. Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende. Rio de Janeiro: Oficina Gráficas

do Almanak Laemmert, 1939,p.585.

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211

Fonte: MARTINS, Amélia R. Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende. Rio de Janeiro: Oficina Gráficas

do Almanak Laemmert, 1939,p.586.

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212

ANEXO E - Primeiros imigrantes que se estabeleceram no Núcleo Colonial Campos Salles:

suiços, alemães e italianos.

Fonte: MARTINS, Amélia R. Um idealista realizador: Barão Geraldo de Rezende. Rio de Janeiro: Oficina Gráficas

do Almanak Laemmert, 1939,p.586.

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213

ANEXO F – Ata da 120 sessão de reunião do Conselho Diretor da ABE – 29 de julho de

1929.

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214

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215

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216

ANEXO G - Ação Social Brasileira: Maquete - Edifício Anchieta.

Fonte: FUNDAÇÃO Casa Rui Barbosa. Dossiê: Amelia de Rezende Martins. CFBO CFBO SFGR DMARM.

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217

ANEXOS

Foto 1- Verso da folha de rosto, livro: Acção Social Brasileira: Edifício Anchieta,1933. Inspiração para o projeto da Ação

Social Brasileira: o Chrysler Building, arranha-céu edificado em Nova Iorque, nos Estados Unidos, inaugurado em 1930. Fonte: MARTINS, Amélia R. Acção Social Brasileira: Edifício Anchieta. Rio de Janeiro, s.ed.1933.

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218

Foto 2 - Nota de agradecimento da Associação Brasileira de Educação (ABE) em retribuição a oferta do livro “Ação Social

Brasileira” de Amélia de Rezende Martins. PASTA-ARQUIVO. Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, 1930-

1932.

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219

Foto 3- Amélia de Rezende Martins. Fonte: https://campinasnostalgica.wordpress.com