catecismo católico completo

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CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA PRIMEIRA PARTE CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA PRÓLOGO "PAI, ... a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o Deus único verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo" (Jo 17,3). "Deus, nosso Salvador ... quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2,3-4). "Não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos" (At 4,12), afora o nome de JESUS. I - A VIDA DO HOMEM CONHECER E AMAR A DEUS 1) Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja. Faz isto por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador quando os tempos se cumpriram. Nele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos adotivos, e portanto os herdeiros de sua vida bem-aventurada. 2) A fim de que este chamado ressoe pela terra inteira, Cristo enviou os apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: "Ide, fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Mt 28,19-20). Fortalecidos com esta missão, os apóstolos “saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam" (Mc 16,20). 3) Os que com a ajuda de Deus acolheram o chamado de Cristo e lhe responderam livremente foram por sua vez impulsionados pelo amor de Cristo a anunciar por todas as partes do mundo a Boa Notícia. Este tesouro recebido dos apóstolos foi guardado fielmente por seus sucessores. Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de geração em geração, anunciando a fé, vivendo-a na partilha fraterna e celebrando-a na liturgia e na oração . II. Transmitir a fé - a catequese 4) Bem cedo passou-se a chamar de catequese o conjunto de esforços empreendidos na Igreja para fazer discípulos, para ajudar os homens a crerem que Jesus é o Filho de Deus, a fim de que, por meio da fé, tenham a vida em nome dele, para educá-los e instruí-los nesta vida, e assim construir o Corpo de Cristo. . 5) "A catequese é uma educação da fé das crianças, dos jovens e dos adultos, a qual compreende especialmente um ensino da doutrina cristã, dado em geral de maneira orgânica e sistemática, com o fim de os iniciar na plenitude da vida cristã." 6) Sem confundir-se com eles, a catequese se articula em torno de determinado número de elementos da missão pastoral da Igreja que têm um aspecto catequético e que preparam a catequese ou dela derivam: primeiro anúncio do Evangelho ou pregação missionária para suscitar a fé; busca das razões de crer; experiência de vida cristã; celebração dos sacramentos; integração na comunidade eclesial; testemunho apostólico e missionário. 7) "A catequese anda intimamente ligada com toda a vida da Igreja. Não é somente a extensão geográfica e o aumento numérico, mas também e mais ainda o crescimento interior da Igreja, sua correspondência ao desígnio de Deus que dependem da catequese mesma."

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  • 1. CATECISMO DA IGREJA CATLICA PRIMEIRA PARTE CATECISMO DA IGREJA CATLICA PRLOGO "PAI, ... a vida eterna esta: que eles te conheam a ti, o Deus nico verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo" (Jo 17,3). "Deus, nosso Salvador ... quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2,3-4). "No h, debaixo do cu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos" (At 4,12), afora o nome de JESUS. I - A VIDA DO HOMEM CONHECER E AMAR A DEUS 1) Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desgnio de pura bondade, criou livremente o homem para faz-lo participar de sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, est perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procur-lo, a conhec-lo e a am-lo com todas as suas foras. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua famlia, a Igreja. Faz isto por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador quando os tempos se cumpriram. Nele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Esprito Santo, seus filhos adotivos, e portanto os herdeiros de sua vida bem-aventurada. 2) A fim de que este chamado ressoe pela terra inteira, Cristo enviou os apstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: "Ide, fazei que todas as naes se tornem discpulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias at a consumao dos sculos" (Mt 28,19-20). Fortalecidos com esta misso, os apstolos saram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam" (Mc 16,20). 3) Os que com a ajuda de Deus acolheram o chamado de Cristo e lhe responderam livremente foram por sua vez impulsionados pelo amor de Cristo a anunciar por todas as partes do mundo a Boa Notcia. Este tesouro recebido dos apstolos foi guardado fielmente por seus sucessores. Todos os fiis de Cristo so chamados a transmiti-lo de gerao em gerao, anunciando a f, vivendo-a na partilha fraterna e celebrando-a na liturgia e na orao . II. Transmitir a f - a catequese 4) Bem cedo passou-se a chamar de catequese o conjunto de esforos empreendidos na Igreja para fazer discpulos, para ajudar os homens a crerem que Jesus o Filho de Deus, a fim de que, por meio da f, tenham a vida em nome dele, para educ-los e instru-los nesta vida, e assim construir o Corpo de Cristo. . 5) "A catequese uma educao da f das crianas, dos jovens e dos adultos, a qual compreende especialmente um ensino da doutrina crist, dado em geral de maneira orgnica e sistemtica, com o fim de os iniciar na plenitude da vida crist." 6) Sem confundir-se com eles, a catequese se articula em torno de determinado nmero de elementos da misso pastoral da Igreja que tm um aspecto catequtico e que preparam a catequese ou dela derivam: primeiro anncio do Evangelho ou pregao missionria para suscitar a f; busca das razes de crer; experincia de vida crist; celebrao dos sacramentos; integrao na comunidade eclesial; testemunho apostlico e missionrio. 7) "A catequese anda intimamente ligada com toda a vida da Igreja. No somente a extenso geogrfica e o aumento numrico, mas tambm e mais ainda o crescimento interior da Igreja, sua correspondncia ao desgnio de Deus que dependem da catequese mesma."

2. 8) Os perodos de renovao da Igreja so tambm tempos fortes da catequese. Eis por que, na grande poca dos Padres da Igreja, vemos Santos Bispos dedicarem uma parte importante de seu ministrio catequese. a poca de So Cirilo de Jerusalm e de So Joo Crisstomo, de Santo Ambrsio e de Santo Agostinho, e de muitos outros Padres cujas obras catequticas permanecem como modelos. 9) O ministrio da catequese haure energias sempre novas nos Conclios. O Conclio de Trento constitui neste ponto um exemplo a ser sublinhado: deu catequese prioridade em suas constituies e em seus decretos; est ele na origem do Catecismo Romano, que tambm leva seu nome e constitui uma obra de primeira grandeza como resumo da doutrina crist. Este conclio suscitou na Igreja uma organizao notvel da catequese. Graas a santos bispos e telogos, tais como So Pedro Cansio, So Carlos Borromeu, So Turbio de Mogrovejo, So Roberto Belarmino, levou publicao de numerosos catecismos. 10) Diante disto, no estranha que, no dinamismo que seguiu o Conclio Vaticano II (que o papa Paulo VI considerava como grande catecismo dos tempos modernos), a catequese da Igreja tenha novamente despertado a ateno. Do testemunho deste fato o Diretrio geral da Catequese, de 1971, as sesses do Snodo dos Bispos dedicadas evangelizao (1974) e catequese (1977), as exortaes apostlicas correspondentes, Evangelii nuntiandi (1975) e Catechesi tradendae (1979). A sesso extraordinria do Snodo dos Bispos de 1985 pediu: "Seja redigido um catecismo ou compndio de toda a doutrina catlica seja sobre a f seja sobre a moral". O Santo Padre Joo Paulo II endossou este desideratum expresso pelo Snodo dos Bispos, reconhecendo que "este desejo responde plenamente a uma verdadeira necessidade da Igreja universal e das Igrejas particulares". Ele envidou todos os esforos em prol da realizao deste desideratum dos Padres do Snodo. III. O OBJETIVO E OS DESTINATRIOS DESTE CATECISMO 11) O presente Catecismo tem por objetivo apresentar uma exposio orgnica e sinttica dos contedos essenciais e fundamentais da doutrina catlica tanto sobre a f como sobre a moral, luz do Conclio Vaticano II e do conjunto da Tradio da Igreja. Suas fontes principais so a Sagrada Escritura, os Santos Padres, a Liturgia e o Magistrio da Igreja. Destina-se ele a servir "como um ponto de referncia para os catecismos ou compndios que so elaborados nos diversos pases". 12) O presente Catecismo destinado principalmente aos responsveis pela catequese: em primeiro lugar aos Bispos, como doutores da f e pastores da Igreja. oferecido a eles como instrumento no cumprimento de seu ofcio de ensinar o Povo de Deus. Por meio dos Bispos, ele se destina aos redatores de catecismos, aos presbteros e aos catequistas. Ser tambm til para a leitura de todos os demais fiis cristos. IV. A ESTRUTURA DESTE CATECISMO 13) O projeto deste Catecismo inspira-se na grande tradio dos catecismos que articulam a catequese em tomo de quatro "pilares": a profisso da f batismal (o Smbolo), os sacramentos da f, a vida de f (os Mandamentos), a orao do crente (o "Pai-Nosso"). PARTE 1: A PROFISSO DA F 14) Os que pela f e pelo Batismo pertencem a Cristo devem confessar sua f batismal diante dos homens. Por isso, o Catecismo comea por expor em que consiste a Revelao, pela qual Deus se dirige e se doa ao homem, bem como a f, pela qual o homem responde a Deus (Seo 1). O Smbolo da f resume os dons que Deus outorga ao homem como Autor de todo bem, como Redentor, como Santificador, e os articula em tomo dos "trs captulos" de nosso Batismo a f em um s Deus: o Pai Todo-Poderoso, o Criador, Jesus Cristo, seu Filho, nosso Senhor e Salvador, e o Esprito Santo, na Santa Igreja (Seo II). PARTE II: OS SACRAMENTOS DE F 15) A segunda parte do Catecismo expe como a salvao de Deus, realizada uma vez por todas por Cristo Jesus e pelo Esprito Santo, se toma presente nas aes sagradas da liturgia da Igreja (Seo 1), particularmente nos sete sacramentos (Seo II). 3. PARTE III: A VIDA DA F 16) A terceira parte do Catecismo apresenta o fim ltimo do homem, criado imagem de Deus: a bem-aventurana e os caminhos para chegar a ela: mediante um agir reto e livre, com a ajuda da f e da graa de Deus (Seo I), por meio de um agir que realiza o duplo mandamento da caridade, desdobrado nos dez Mandamentos de Deus (Seo II). PARTE IV: A ORAO NA VIDA DA F 17) A ltima parte do Catecismo trata do sentido e da importncia da orao na vida dos crentes (Seo 1). Ela termina com um breve comentrio sobre os setes pedidos da orao (Seo II), Com efeito, nesses sete pedidos encontramos o conjunto dos bens que devemos esperar e que nosso Pai celeste quer conceder-nos. V. INDICAES PRTICAS PARA O USO DESTE CATECISMO 18) Este Catecismo foi pensado como uma exposio orgnica de toda a f catlica. Por isso preciso l-lo como uma unidade. Numerosas referncias dentro do prprio texto, bem como o ndice analtico no fim do volume permitem ver a ligao de cada tema com o conjunto da f. 19) Muitas vezes os textos da Sagrada Escritura no so citados literalmente, mas so feitas apenas referncias (mediante a indicao "cf."). Para uma compreenso mais aprofundada de tais passagens, preciso consultar os prprios textos. Essas referncias bblicas constituem um instrumento de trabalho para a catequese. 20) Quando em certas passagens se usa corpo menor, graficamente isto indica que se trata de observaes de tipo histrico, apologtico, ou de exposies doutrinais complementares. 21) As citaes, em corpo menor, de fontes patrsticas, litrgicas, magisteriais ou hagiogrficas so destinadas a enriquecer a exposio doutrinal. Com freqncia esses textos foram escolhidos para uso diretamente catequtico. 22) No final de cada unidade temtica, uma srie de textos sucintos resumem em frmulas condensadas o essencial do ensinam do ensinamento. Esses "resumindo" tm por objetivo oferecer sugestes a catequese local para frmulas sintticas e memorizveis. VI. AS ADAPTAES NECESSRIAS 23) Neste Catecismo a nfase posta na exposio doutrinal. Quer ele ajudar a aprofundar o conhecimento da f. Por isso mesmo est orientado para o amadurecimento desta f, para seu enraizamento na vida e sua irradiao no testemunho. 24) Por sua prpria finalidade, este Catecismo no se prope realizar as adaptaes da exposio e dos mtodos catequticos exigidas pelas diferenas de culturas, de idades, de maturidade espiritual, de situaes sociais e eclesiais daqueles a quem a catequese dirigida. Tais adaptaes indispensveis cabem aos catecismos apropriados e mais ainda aos que ministram instruo aos fiis: Aquele que ensina deve "fazer-se tudo para todos" (1 Cor 9,22), a fim de conquistar todos para Jesus Cristo... Particularmente, no imagine ele que lhe confiado um nico tipo de almas, e que conseqentemente lhe permitido ensinar e formar de modo igual todos os fiis verdadeira piedade, com um s e mesmo mtodo, sempre igual! Saiba ele bem que uns so em Jesus Cristo como que criancinhas recm-nascidas, outros, como que adolescentes, e finalmente alguns esto como que na posse de todas as suas foras... Os que so chamados ao ministrio da pregao devem, na transmisso dos mistrios da f e das regras dos costumes, adaptar suas palavras ao esprito e inteligncia de seus ouvintes. ACIMA DE TUDO A CARIDADE 4. 25) Para concluir este Prlogo, oportuno lembrar este princpio pastoral enunciado pelo Catecismo Romano: Toda a finalidade da doutrina e do ensinamento deve ser posta no amor que no acaba. Com efeito, pode-se facilmente expor o que preciso crer, esperar ou fazer; mas sobretudo preciso fazer sempre com que aparea o Amor de Nosso Senhor, para que cada um compreenda que cada ato de virtude perfeitamente cristo no tem outra origem seno o Amor, e outro fim seno o Amor. PRIMEIRA PARTE - A PROFISSO DE F PRIMEIRA SEO "EU CREIO" - "NS CREMOS" 26 Quando professamos nossa f, comeamos dizendo: "Eu creio" ou "Ns cremos". Por isso, antes de expor a f da Igreja tal como confessada no Credo, celebrada na Liturgia, vivida na prtica dos Mandamentos e na orao, perguntamo-nos o que significa "crer". A f a resposta do homem a Deus que se revela e a ele se doa, trazendo ao mesmo tempo uma luz superabundante ao homem em busca do sentido ltimo de sua vida. Por isso vamos considerar primeiro esta busca do homem (capitulo 1), em seguida a Revelao divina, pela qual Deus se apresenta ao homem (captulo II), e finalmente a resposta da f (captulo III). CAPTULO I O HOMEM "CAPAZ DE DEUS I - O DESEJO DE DEUS 27 O desejo de Deus est inscrito no corao do homem, j que o homem criado por Deus e para Deus; e Deus no cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem h de encontrar a verdade e a felicidade que no cessa de procurar: O aspecto mais sublime da dignidade humana est nesta vocao do homem comunho com Deus. Este convite que Deus dirige ao homem, de dialogar com ele, comea com a existncia humana. Pois se o homem existe, porque Deus o criou por amor e, por amor, no cessa de dar-lhe o ser, e o homem s vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este amor e se entregar ao seu Criador. 28 Em sua histria, e at os dias de hoje, os homens tm expressado de mltiplas maneiras sua busca de Deus por meio de suas crenas e de seus comportamentos religiosos (oraes, sacrifcios, cultos, meditaes etc.). Apesar das ambigidades que podem comportar, estas formas de expresso so to universais que o homem pode ser chamado de um ser religioso: De um s (homem), Deus fez toda a raa humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando os tempos anteriormente determinados e os limites de seu hbitat. Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se s apalpadelas, se esforassem por encontr-la, embora Ele no esteja longe de cada um de ns. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17,23-28). 29 Mas esta "unio ntima e vital com Deus" pode ser esquecida, ignorada e at rejeitada explicitamente pelo homem. Tais atitudes podem ter origens muito diversas: a revolta contra o mal no mundo, a ignorncia ou a indiferena religiosas, as preocupaes com as coisas do mundo e com as riquezas, o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis religio, e finalmente essa atitude do homem pecador que, por medo, se esconde diante de Deus e foge diante de seu chamado. 30 "Alegre-se o corao dos que buscam o Senhor!" (Sl 105,3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar a Deus, este, de sua parte, no cessa de chamar todo homem a procur-lo, para que viva e encontre a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforo de sua inteligncia, a retido de sua vontade, "um corao reto", e tambm o testemunho dos outros, que o ensinam a procurar a Deus. 5. Vs sois grande, Senhor, e altamente digno de louvor: grande o vosso poder, e a vossa sabedoria no tem medida. E o homem, pequena parcela de vossa criao, pretende louvar-vos, precisamente o homem que, revestido de sua condio mortal, traz em si o testemunho de seu pecado e de que resistis aos soberbos. A despeito de tudo, o homem, pequena parcela de vossa criao, quer louvar-vos. Vs mesmo o incitais a isto, fazendo com que ele encontre suas delcias no vosso louvor, porque nos fizestes para vs e o nosso corao no descansa enquanto no repousar em vs. II. AS VIAS DE ACESSO AO CONHECIMENTO DE DEUS 31 Criado imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, o homem que procura a Deus descobre certas "vias" para aceder ao conhecimento de Deus. Chamamo-las tambm de "provas da existncia de Deus", no no sentido das provas que as cincias naturais buscam, mas no sentido de "argumentos convergentes e convincentes" que permitem chegar a verdadeiras certezas. Estas "vias" para chegar a Deus tm como ponto de partida a criao: o mundo material e a pessoa humana. 32 O mundo: a partir do movimento e do devir, da contingncia, da ordem e da beleza do mundo, pode-se conhecer a Deus como origem e fim do universo. So Paulo afirma a respeito dos pagos: "O que se pode conhecer de Deus manifesto entre eles, pois Deus lho revelou. Sua realidade invisvel - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligvel desde a criao do mundo atravs das criaturas" (Rm 1,19-20). E Santo Agostinho: "Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar que se dilata e se difunde, interroga a beleza do cu... interroga todas estas realidades. Todas elas te respondem: olha-nos, somos belas. Sua beleza um hino de louvor (confessio). Essas belezas sujeitas mudana, quem as fez seno o Belo (Pulcher, pronuncie "plquer"), no sujeito mudana?" 33 O homem: Com sua abertura verdade e beleza, com seu senso do bem moral, com sua liberdade e a voz de sua conscincia, com sua aspirao ao infinito e felicidade, o homem se interroga sobre a existncia de Deus. Mediante tudo isso percebe sinais de sua alma espiritual. Como "semente de eternidade que leva dentro de si, irredutvel s matria" sua alma no pode ter origem seno em Deus. 34 O [fca15] mundo e o homem atestam que no tm em si mesmo nem seu princpio primeiro nem seu fim ltimo, mas que participam do Ser em si, que sem origem e sem fim. Assim por estas diversas "vias", o homem pode aceder ao conhecimento da existncia de uma realidade que a causa primeira e o fim ltimo de tudo, "e que todos chamam Deus" 35 As faculdades do homem o tomam capaz de conhecer a existncia de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar em sua intimidade, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graa de poder acolher esta revelao na f. Contudo, as provas da existncia de Deus podem dispor f e ajudar a ver que a f no se ope razo humana. III. O CONHECIMENTO DE DEUS SEGUNDO A IGREJA 36 "A santa Igreja, nossa me, sustenta e ensina que Deus, princpio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razo humana a partir das coisas criadas. Sem esta capacidade, o homem no poderia acolher a revelao de Deus. O homem tem esta capacidade por ser criado " imagem de Deus[fca20] . 37 Todavia, nas condies histricas em que se encontra, o homem enfrenta muitas dificuldades para conhecer a Deus apenas com a luz de sua razo: "Pois, embora a razo humana, absolutamente falando, possa chegar com suas foras e lume naturais ao conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que governa e protege o mundo com sua Providncia, bem como chegar ao conhecimento da lei natural impressa pelo Criador em nossas almas, de fato, muitos so os obstculos que impedem a mesma razo de usar eficazmente e com resultado desta sua capacidade natural. 6. As verdades que se referem a Deus e s relaes entre os homens e Deus so verdades que transcendem completamente a ordem das coisas sensveis e quando estas verdades atingem a vida prtica e a regem, requerem sacrifcio e abnegao. A inteligncia humana, na aquisio destas verdades, encontra dificuldades tanto por parte dos sentidos e da imaginao como por parte das ms inclinaes, provenientes do pecado original. Donde vemos que os homens em tais questes, facilmente procuram persuadir-se de que seja falso ou ao menos duvidoso aquilo que no desejam que seja verdadeiro" 38 Por isso, O homem tem necessidade de ser iluminado pela revelao de Deus, no somente sobre o que ultrapassa seu entendimento, mas tambm sobre "as verdades religiosas e morais que, de per si, no so inacessveis razo, a fim de que estas no estado atual do gnero humano possam ser conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro IV. COMO FALAR DE DEUS? 39 Ao defender a capacidade da razo humana de conhecer a Deus, a Igreja exprime sua confiana na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convico esta na base de seu dilogo com as outras religies, com a filosofia e com as cincias, como tambm com Os no-crentes e os ateus. 40 Uma vez que nosso conhecimento de Deus limitado, tambm limitada nossa linguagem sobre Deus. S podemos falar de Deus a partir das criaturas e segundo nosso modo humano limitado de conhecer e de pensar. 41 As criaturas, todas elas, trazem em si certa semelhana com Deus, muito particularmente o homem criado imagem e a semelhana de Deus. Por isso as mltiplas perfeies das criaturas (sua verdade, bondade e beleza) refletem a perfeio infinita de Deus. Em razo disso podemos falar de Deus a partir das perfeies de suas criaturas, "pois a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por analogia, contemplar seu Autor" (Sb 13,5). 42 Deus transcende a toda criatura. Por isso, preciso incessantemente purificar nossa linguagem daquilo que possui de limitado, de proveniente de pura imaginao, de imperfeito, para no confundirmos o Deus "inefvel, incompreensvel, invisvel, inatingvel com as nossas representaes humanas. Nossas palavras humanas permanecem sempre aqum do Mistrio de Deus. 43 Assim falando de Deus, nossa linguagem se exprime, sem dvida, de maneira humana, mas ela atinge realmente O prprio Deus, ainda que sem poder exprimi-lo em sua infinita simplicidade. Com efeito, preciso lembrar que "entre o Criador e a criatura no se pode notar uma semelhana, sem que se deva notar entre eles uma ainda maior dessemelhana, e que "no podemos apreender de Deus o que ele , mas apenas O que ele no e de que maneira os outros seres se situam em relao a ele. RESUMINDO 44 O homem , por natureza e por vocao, um ser religioso. Porque provm de Deus e para Ele caminha, o homem s vive uma vida plenamente humana se viver livremente sua relao com Deus. 45 O homem feito para viver em comunho com Deus, no qual encontra sua felicidade: "Quando eu estiver inteiramente em Vs, nunca mais haver dor e provao; repleta de Vs por inteiro, minha vida ser verdadeira" 46 Quando escuta a mensagem das criaturas e a voz de sua conscincia, o homem pode atingir a certeza da existncia de Deus, causa e fim de tudo. 47 A Igreja ensina que o Deus nico e verdadeiro, nosso Criador e Senhor, pode ser conhecido com certeza por meio de suas obras graas luz natural da razo humana. 48 Podemos realmente falar de Deus partindo das mltiplas perfeies das criaturas, semelhanas do Deus infinitamente perfeito, ainda que nossa linguagem limitada no esgote seu mistrio. 49 "Sem o Criador, a criatura se esvai. Eis por que os crentes sabem que so impelidos pelo amor de Cristo a levar a luz do Deus vivo queles que o desconhecem ou o recusam. 7. CAPTULO II DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM 50 Mediante a razo natural, o homem pode conhecer a Deus com certeza a partir de suas obras. as existe outra ordem de conhecimento que O homem de modo algum pode atingir por suas prprias foras, a da Revelao divina. Por uma deciso totalmente livre, Deus se revela e se doa ao homem. F-lo revelando seu mistrio, seu projeto benevolente, que concebeu desde toda a eternidade em Cristo em prol de todos os homens. Revela plenamente seu projeto enviando seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Esprito Santo ARTIGO 1 - A REVELAO DE DEUS I. DEUS REVELA SEU "PROJETO BENEVOLENTE" 51 "Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tomar conhecido o mistrio de sua vontade, pelo qual os homens, por intermdio de Cristo, Verbo feito carne, no Esprito Santo, tm acesso ao Pai e se tomam participantes da natureza divina[fca4] ". 52 Deus, que "habita uma luz inacessvel" (1 Tm 6,16), quer comunicar sua prpria vida divina aos homens, criados livremente por ele, para fazer deles, no seu Filho nico, filhos adotivos. Ao revelar-se, Deus quer tornar os homens capazes de responder-lhe, de conhec-lo e de am-lo bem alm do que seriam capazes por si mesmos. 53 O projeto divino da Revelao realiza-se ao mesmo tempo "por aes e por palavras, intimamente ligadas entre si e que se iluminam mutuamente". Este projeto comporta uma "pedagogia divina" peculiar: Deus comunica-se gradualmente com o homem, prepara-o por etapas a acolher a Revelao sobrenatural que faz de si mesmo e que vai culminar na Pessoa e na misso do Verbo encarnado, Jesus Cristo. So Irineu de Lio fala repetidas vezes desta pedagogia divina sob a imagem da familiaridade mtua entre Deus e o homem: "O Verbo de Deus habitou no homem e fez-se Filho do homem para acostumar o homem a apreender a Deus e acostumar Deus a habitar no homem, segundo o beneplcito do Pai" II. AS ETAPAS DA REVELAO DESDE A ORIGEM, DEUS SE D A CONHECER 54 "Criando pelo Verbo o universo e conservando-o, Deus proporciona aos homens, nas coisas criadas, um permanente testemunho de si e, alm disso, no intuito de abrir o caminho de uma salvao superior, manifestou-se a si mesmo, desde os primrdios, a nossos primeiros pais." Convidou-os a uma comunho ntima consigo mesmo, revestindo-os de uma graa e de uma justia resplandecentes. 55 Esta Revelao no foi interrompida pelo pecado de nossos primeiros pais. Deus, com efeito, "aps a queda destes, com a prometida redeno, alentou-os a esperar uma salvao e velou permanentemente pelo gnero humano, a fim de dar a vida eterna a todos aqueles que, pela perseverana na prtica do bem, procuram a salvao[fca12] E quando pela desobedincia perderam vossa amizade, no os abandonastes ao poder da morte. (...) Oferecestes muitas vezes aliana aos homens e s mulheres. A ALIANA COM NO 56 Desfeita a unidade do gnero humano pelo pecado, Deus procura antes de tudo salvar a humanidade passando por cada uma de suas partes. A Aliana com No depois do dilvio exprime o 8. princpio da Economia divina para com as "naes", isto , para com os homens agrupados "segundo seus pases, cada um segundo sua lngua, e segundo seus cls" (Gn 10.5) 57 Esta ordem ao mesmo tempo csmica, social e religiosa da pluralidade das naes destina-se a limitar o orgulho de uma humanidade decada que unnime em sua perversidade, gostaria de construir por si mesma sua unidade maneira de Babel[fca17] . Contudo, devido ao pecado, o politesmo, assim como a idolatria da nao e de seu chefe, constitui uma contnua ameaa de perverso pag para essa Economia provisria. 58 A Aliana com No permanece em vigor durante todo o tempo das naes[fca20] , at a proclamao universal do Evangelho. A Bblia venera algumas grandes figuras das "naes", tais como "Abel, o justo", o rei-sacerdote Melquisedeque, figura de Cristo, ou os justos "No, Daniel e J[fca23] ". Assim, a Escritura exprime que grau elevado de santidade podem atingir os que vivem segundo a Aliana de No, na expectativa de que Cristo "congregue na unidade todos os filhos de Deus dispersos" (Jo 11,52). DEUS ELEGE ABRAO 59 Para [fca24] congregar a humanidade dispersa, Deus elegeu Abro, chamando-o "para fora de seu pas, de sua parentela e de sua casa" (Gn 12,1), para fazer dele "Abrao", isto , "o pai de uma multido de naes" (Gn 17,5): "Em ti sero abenoadas todas as naes da terra" (Gn 12,3[fca25] ). 60 O povo originado de Abrao ser o depositrio da promessa feita aos patriarcas, o povo da eleio, chamado a preparar o congraamento, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja; ser a raiz sobre a qual sero enxertados os pagos tornados crentes. 61 Os patriarcas e os profetas, bem como outras personalidades do Antigo Testamento, foram e sero sempre venerados como santos em todas as tradies litrgicas da Igreja. DEUS FORMA SEU POVO ISRAEL 62 Depois dos patriarcas, Deus formou Israel como seu povo, salvando-o da escravido do Egito. Fez com ele a Aliana do Sinal e deu-lhe, por intermdio de Moiss, a sua Lei, para que o reconhecesse e o servisse como o nico Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e juiz justo, e para que esperasse o Salvador prometido. 63 Israel o Povo sacerdotal de Deus, aquele que "traz o Nome do Senhor" (Dt 28,10). o povo daqueles "aos quais Deus falou em primeiro lugar[fca34] ", o povo dos "irmos mais velhos" da f de Abrao. 64 Por meio dos profetas, Deus forma seu povo na esperana da salvao, na expectativa de uma Aliana nova e eterna destinada a todos os homens[fca37] , e que ser impressa nos coraes. Os profetas anunciam uma redeno radical do Povo de Deus, a purificao de todas as suas infidelidades, uma salvao que incluir todas as naes. Sero sobretudo os pobres e os humildes do Senhor os portadores desta esperana. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Mriam, Dbora, Ana, Judite e Ester mantiveram viva a esperana da salvao de Israel. Delas todas, a figura mais pura a de Maria. III. CRISTO JESUS "MEDIADOR E PLENITUDE DE TODA A REVELAO" DEUS TUDO DISSE NO SEU VERBO 65 "Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos pais pelos profetas; agora, nestes dias que so os ltimos, falou-nos por meio do Filho" (Hb 1,1-2). Cristo, o Filho de Deus feito homem, a Palavra nica, perfeita e insupervel do Pai. Nele o Pai disse tudo, e no h outra palavra seno esta. So Joo da Cruz, depois de tantos outros, exprime isto de maneira luminosa, comentando Hb 1,1-2: Porque em dar-nos, como nos deu, seu Filho, que sua Palavra nica (e outra no h), tudo nos falou de uma s vez nessa nica Palavra, e nada mais tem a falar, (...) pois o que antes falava por partes aos profetas agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que seu Filho. Se atualmente, portanto, algum 9. quisesse interrogar a Deus, pedindo-lhe alguma viso ou revelao, no s cairia numa insensatez, mas ofenderia muito a Deus por no dirigir os olhares unicamente para Cristo sem querer outra coisa ou novidade alguma. NO HAVER OUTRA REVELAO 66 "A Economia crist, portanto, como aliana nova e definitiva, jamais passar, e j no h que esperar nenhuma nova revelao pblica antes da gloriosa manifestao de Nosso Senhor Jesus Cristo". Todavia, embora a Revelao esteja terminada, no est explicitada por completo; caber f crist captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos sculos. 67 No decurso dos sculos houve revelaes denominadas "privadas", e algumas delas tm sido reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas no pertencem, contudo, ao depsito da f. A funo delas no "melhorar" ou "completar" a Revelao [fca49] definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais plenitude em determinada poca da histria. Guiado pelo Magistrio da Igreja, o senso dos fiis sabe discernir e acolher o que nessas revelaes constitui um apelo autntico de Cristo ou de seus santos Igreja. A f crist no pode aceitar "revelaes" que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelao da qual Cristo a perfeio. Este o caso de certas religies no-crists e tambm de certas seitas recentes que se fundamentam em tais "revelaes. RESUMINDO 68 Por amor, Deus revelou-se e doou-se ao homem. Traz assim uma resposta definitiva e superabundante s questes que o homem se faz acerca do sentido e do objetivo de sua vida. 69 Deus revelou-se ao homem, comunicando-lhe gradualmente seu prprio Mistrio por meio de aes e de palavras. 70 Para alm do testemunho que Deus d de si mesmo nas coisas criadas, ele manifestou-se pessoalmente aos nossos primeiros pais. Falou-lhes e, depois da queda, prometeu-lhes a salvao e ofereceu-lhes sua aliana. 71 Deus fez com No uma aliana eterna entre Ele e todos os seres vivos[fca51] . Esta h de durar enquanto durar o mundo. 72 Deus escolheu Abrao e fez uma aliana com ele e sua descendncia. Da formou seu povo, ao qual revelou sua lei por intermdio de Moiss. Pelos profetas preparou este povo a acolher a salvao destinada humanidade inteira. 73 Deus revelou-se plenamente enviando seu prprio Filho, no qual estabeleceu sua Aliana para sempre. O Filho a Palavra definitiva do Pai, de sorte que depois dele no haver outra Revelao. ARTIGO 2 A TRANSMISSO DA REVELAO DIVINA 74 Deus "quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1Tm 2,4), isto , de Jesus Cristo[fca1] . preciso, pois, que Cristo seja anunciado a todos os povos e a todos os homens, e que desta forma a Revelao chegue at as extremidades do mundo: Deus disps com suma benignidade que aquelas coisas que revelara para a salvao de todos os povos permanecessem sempre ntegras e fossem transmitidas a todas as geraes. 1. A TRADIO APOSTLICA 75 "Cristo Senhor, em quem se consuma a revelao do Sumo Deus, ordenou aos Apstolos que o Evangelho, prometido antes pelos profetas, completado por ele e por sua prpria boca promulgado, fosse 10. por eles pregado a todos os homens como fonte de toda a verdade salvfica e de toda a disciplina de costumes, comunicando-lhes os dons divinos." A PREGAO APOSTLICA... 76 A transmisso do Evangelho, segundo a ordem do Senhor, fez-se de duas maneiras: oralmente - "pelos apstolos, que na pregao oral, por exemplos e instituies, transmitiram aquelas coisas que ou receberam das palavras, da convivncia e das obras de Cristo ou aprenderam das sugestes do Esprito Santo"; por escrito - "como tambm por aqueles apstolos e vares apostlicos que, sob inspirao do mesmo Esprito Santo, puseram por escrito a mensagem da salvao[fca6] " ...CONTINUADA NA SUCESSO APOSTLICA 77 "Para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os apstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles 'transmitindo seu prprio encargo de Magistrio." Com efeito, "a pregao apostlica, que expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se por uma sucesso contnua at a consumao dos tempos". 78 Esta transmisso viva, realizada no Esprito Santo, chamada de Tradio enquanto distinta da Sagrada Escritura, embora intimamente ligada a ela. Por meio da Tradio, "a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as geraes tudo o que ela , tudo o que cr". "O ensinamento dos Santos Padres testemunha a presena vivificante desta Tradio, cujas riquezas se transfundem na praxe e na vida da Igreja crente e orante." 79 Assim, a comunicao que o Pai fez de si mesmo por seu Verbo no Esprito Santo permanece presente e atuante na Igreja: "O Deus que outrora falou mantm um permanente dilogo com a esposa de seu dileto Filho, e o Esprito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e atravs dela no mundo, leva os crentes verdade toda e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo" II. A RELAO ENTRE A TRADIO E A SAGRADA ESCRITURA UMA FONTE COMUM... 80 "Elas esto entre si estreitamente unidas e comunicantes. Pois, promanando ambas da mesma fonte divina, formam de certo modo um s todo e tendem para o mesmo fim." Tanto uma como outra tornam presente e fecundo na Igreja o mistrio de Cristo, que prometeu permanecer com os seus "todos os dias, at a consumao dos sculos" (Mt 28,20). DUAS MODALIDADES DISTINTAS DE TRANSMISSO 81 "A SAGRADA ESCRITURA A PALAVRA DE DEUS ENQUANTO REDIGIDA SOB A MOO DO ESPRITO SANTO". Quanto Sagrada Tradio, ela "transmite integralmente aos sucessores dos apstolos a Palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Esprito Santo aos apstolos para que, sob a luz do Esprito de verdade, eles, por sua pregao, fielmente a conservem, exponham e difundam". 82 Dai resulta que a Igreja, qual esto confiadas a transmisso e a interpretao da Revelao, "no deriva a sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura. Por isso, ambas devem ser aceitas e veneradas com igual sentimento de piedade e reverncia" TRADIO APOSTLICA E TRADIES ECLESIAIS 11. 83 A Tradio da qual aqui falamos a que vem dos apstolos e transmite o que estes receberam do ensinamento e do exemplo de Jesus e o que receberam por meio do Esprito Santo Com efeito, a primeira gerao de cristos ainda no dispunha de um Novo Testamento escrito, e o prprio Novo Testamento atesta o processo da Tradio viva. Dela preciso distinguir as "tradies" teolgicas, disciplinares, litrgicas ou devocionais surgidas ao longo do tempo nas Igrejas locais. Constituem elas formas particulares sob as quais a grande Tradio recebe expresses adaptadas aos diversos lugares e s diversas pocas. luz da grande Tradio que estas podem ser mantidas, modificadas ou mesmo abandonadas, sob a guia do Magistrio da Igreja. III. A INTERPRETAO DO DEPSITO DA F O DEPSITO DA F CONFIADO TOTALIDADE DA IGREJA 84 "O patrimnio sagrado" da f ("depositum fidei"), contido na Sagrada Tradio e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos apstolos totalidade da Igreja. "Apegando-se firmemente ao mesmo, o povo santo todo, unido a seus Pastores, persevera continuamente na doutrina dos apstolos e na comunho, na frao do po e nas oraes, de sorte que na conservao, no exerccio e na profisso da f transmitida se crie uma singular unidade de esprito entre os bispos e os fiis." O MAGISTRIO DA IGREJA 85 "O ofcio de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistrio vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo", isto , foi confiado aos bispos em comunho com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma. 86"Todavia, tal Magistrio no est acima da Palavra de Deus, mas a servio dela, no ensinando seno o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino, com a assistncia do Esprito Santo, piamente ausculta aquela palavra, santamente a guarda e fielmente a expe, e deste nico depsito de f tira o que nos prope para ser crido como divinamente revelado." 87 Os fiis, lembrando-se da palavra de Cristo a seus apstolos: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16[fca25] ), recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que seus Pastores lhes do sob diferentes formas. OS DOGMAS DA F 88 O Magistrio da Igreja empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto , quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristo a uma adeso irrevogvel de f, prope verdades contidas na Revelao divina ou verdades que com estas tm uma conexo necessria. 89 H uma conexo orgnica entre nossa vida espiritual e os dogmas. Os dogmas so luzes no caminho de nossa f que o iluminam e tornam seguro. Na verdade, se nossa vida for reta, nossa inteligncia e nosso corao estaro abertos para acolher a luz dos dogmas da f. 90 Os laos mtuos e a coerncia dos dogmas podem ser encontrados no conjunto da Revelao do Mistrio de Cristo. "Existe uma ordem ou 'hierarquia' das verdades da doutrina catlica, j que o nexo delas com o fundamento da f crist diferente[fca31] ." SENSO SOBRENATURAL DA F 91 Todos os fiis participam da compreenso e da transmisso da verdade revelada. Receberam a uno do Esprito Santo, que os instrui e os conduz verdade em sua totalidade. 92 "O conjunto dos fiis... no pode enganar-se no ato de f. E manifesta esta sua peculiar piedade mediante o senso sobrenatural da f de todo o povo, quando, 'desde os bispos at o ltimo dos fiis leigos', apresenta um consenso universal sobre questes de f e costumes." 12. 93 "Por este senso da f, excitado e sustentado pelo Esprito da verdade, o Povo de Deus, sob a direo do sagrado Magistrio, (...) adere indefectivelmente f 'uma vez para sempre transmitida aos santos'; e, com reto juzo, penetra-a mais profundamente e na sua vida a coloca mais perfeitamente em obra." O CRESCIMENTO NA COMPREENSO DA F 94 Graas assistncia do Esprito Santo, a compreenso tanto das realidades como das palavras do depsito da f pode crescer na vida da Igreja: "Pela contemplao e estudo dos que crem, os quais as meditam em seu corao", em especial "a pesquisa teolgica que aprofunda o conhecimento da verdade revelada". "Pela ntima compreenso que os fiis desfrutam das coisas espirituais[fca43] "; "Divina eloquia cum legente crescunt as palavras divinas crescem com o leitor[fca44] ". "Pela pregao daqueles que, com a sucesso episcopal, receberam o carisma seguro da verdade." 95 "Fica, portanto, claro que segundo o sapientssimo plano divino, a Sagrada Tradio, a Sagrada Escritura e o Magistrio da Igreja esto de tal modo entrelaados e unidos que um no tem consistncia sem os outros, e que juntos, cada qual a seu modo, sob a ao do mesmo Esprito Santo, contribuem eficazmente para a salvao das almas." RESUMINDO 96 O que Cristo confiou aos apstolos, estes o transmitiram por sua pregao e por escrito, sob a inspirao do Esprito Santo, a todas as geraes, at a volta gloriosa de Cristo. 97 "A Sagrada Tradio e a Sagrada Escritura constituem um s sagrado depsito da Palavra de Deus, no qual, como em um espelho, a Igreja peregrinante contempla a Deus, fonte de todas as suas riquezas. 98 "Em sua doutrina, vida e culto, a Igreja perpetua e transmite a todas as geraes tudo o que ela , tudo o que cr. 99 Graas a seu senso sobrenatural da f, o Povo de Deus inteiro no cessa de acolher o dom da Revelao divina, de penetr-lo mais profundamente e viver dele com mais plenitude. 100 O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado exclusivamente ao Magistrio da Igreja, ao Papa e aos bispos em comunho com ele. ARTIGO 3 - A SAGRADA ESCRITURA I. CRISTO - PALAVRA NICA DA SAGRADA ESCRITURA 101 Na condescendncia de sua bondade, Deus, para revelar-se aos homens, fala-lhes em palavras humanas: Com efeito, as palavras de Deus, expressas por lnguas humanas, fizeram-se semelhantes linguagem humana, tal como outrora o Verbo do Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens". 102 Por meio de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus pronuncia uma s Palavra, seu Verbo nico, no qual se expressa por inteiro: "Lembrai-vos que uma mesma a Palavra de Deus que est presente em todas as Escrituras, que um mesmo Verbo que ressoa na boca de todos os escritores sagrados; ele que, sendo no incio Deus junto de Deus, no tem necessidade de slabas, por no estar submetido ao tempo. 103 Por este motivo, a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, como venera tambm o Corpo do Senhor. Ela no cessa de apresentar aos fiis o Po da vida tomado da Mesa da Palavra de Deus e do Corpo de Cristo. 13. 104 Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra incessantemente seu alimento e sua fora[fca8] , pois nela no acolhe somente uma palavra humana, mas o que ela realmente: a Palavra de Deus Com efeito, nos Livros Sagrados o Pai que est nos cus vem carinhosamente ao encontro de seus filhos e com eles fala. II. INSPIRAO E VERDADE DA SAGRADA ESCRITURA 105 Deus o autor da Sagrada Escritura. "As coisas divinamente reveladas, que se encerram por escrito e se manifestam na Sagrada Escritura, foram consignadas sob inspirao do Esprito Santo" "A santa Me Igreja, segundo a f apostlica, tem como sagrados e cannicos os livros completos tanto do Antigo como do Novo Testamento, com todas as suas partes, porque, escritos sob a inspirao do Esprito Santo, eles tm Deus como autor e nesta sua qualidade foram confiados prpria Igreja." 106 Deus inspirou os autores humanos dos livros sagrados.. "Na redao dos livros sagrados, Deus escolheu homens, dos quais se serviu fazendo-os usar suas prprias faculdades e capacidades, a fim de que, agindo ele prprio neles e por meio deles, escrevessem, como verdadeiros autores, tudo e s aquilo que ele prprio queria." 107 Os livros inspirados ensinam a verdade. "Portanto, j que tudo o que os autores inspirados (ou hagigrafos) afirmam deve ser tido como afirmado pelo Esprito Santo, deve-se professar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus em vista de nossa salvao quis fosse consignada nas Sagradas Escrituras." 108 Todavia, a f crist no uma "religio do Livro". O Cristianismo a religio da "Palavra" de Deus, "no de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo". Para que as Escrituras no permaneam letra morta, preciso que Cristo, Palavra eterna de Deus vivo, pelo Esprito Santo nos "abra o esprito compreenso das Escrituras". III. O ESPRITO SANTO, INTRPRETE DA ESCRITURA 109 Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem maneira dos homens. Para bem interpretar a Escritura preciso, portanto, estar atento quilo que os autores humanos quiseram realmente afirmar e quilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles. 110 Para descobrir a inteno dos autores sagrados, h que levar em conta as condies da poca e da cultura deles, os "gneros literrios" em uso naquele tempo, os modos, ento correntes, de sentir, falar e narrar. Pois a verdade apresentada e expressa de maneiras diferentes nos textos que so de vrios modos histricos ou profticos ou poticos, ou nos demais gneros de expresso." 111 Mas, j que a Sagrada Escritura inspirada, h outro princpio da interpretao correta, no menos importante que o anterior, e sem o qual a Escritura permaneceria letra morta: "A Sagrada Escritura deve tambm ser lida e interpretada com a ajuda daquele mesmo Esprito em que foi escrita". O Conclio Vaticano II indica trs critrios para uma interpretao da Escritura conforme o Esprito que a inspirou 112 1. Prestar muita ateno "ao contedo e unidade da Escritura inteira". Pois, por mais diferentes que sejam os livros que a compem, a Escritura una em razo da unidade do projeto de Deus, do qual Cristo Jesus o centro e o corao, aberto depois de sua Pscoa. O corao de Cristo designa a Sagrada Escritura, que d a conhecer o corao de Cristo. O corao estava fechado antes da Paixo, pois a Escritura era obscura. Mas a Escritura foi aberta aps a Paixo, pois os que a partir da tm a compreenso dela consideram e discernem de que maneira as profecias devem ser interpretadas. 113 2. Ler a Escritura dentro "da Tradio viva da Igreja inteira". Consoante um adgio dos Padres, "Sacra Scriptura principalius est in corde Ecclesiae quam in materialibus instrumentis scripta a sagrada Escritura est escrita mais no corao da Igreja do que nos instrumentos materiais. Com efeito, a Igreja leva 14. em sua Tradio a memria viva da Palavra de Deus, e o Esprito Santo que lhe d a interpretao espiritual da Escritura ("...segundo o sentido espiritual que o Esprito d Igreja. 114 3. Estar atento "a anagogia da f " Por "anagogia da f" entendemos a coeso das verdades da f entre si e no projeto total da Revelao. Os SENTIDOS DA ESCRITURA 115 Segundo uma antiga tradio, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, sendo este ltimo subdividido em sentido alegrico, moral e analgico. A concordncia profunda entre os quatro sentidos garante toda a sua riqueza leitura viva da Escritura na Igreja. 116 O sentido literal. o sentido significado pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese que segue as regras da correta interpretao. "Omnes sensus fundantur super litteralem - Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) devem estar fundados no literal. 117 O sentido espiritual. Graas unidade do projeto de Deus, no somente o texto da Escritura, mas tambm as realidades e os acontecimentos de que ele fala, podem ser sinais. 1. O sentido alegrico. Podemos adquirir uma compreenso mais profunda dos acontecimentos reconhecendo a significao deles em Cristo; assim, a travessia do Mar Vermelho um sinal da vitria de Cristo, e tambm do Batismo. 2. O sentido moral. Os acontecimentos relatados na Escritura devem conduzir-nos a um justo agir. Eles foram escritos "para nossa instruo" (1Cor 10,11) 3. O sentido anaggico. Podemos ver realidades e acontecimentos em sua significao eterna, conduzindo-nos (em grego: "anagog"; pronuncie "anagogu") nossa Ptria. Assim, a Igreja na terra sinal da Jerusalm celeste. 118 Um dstico medieval resume a significao dos quatro sentidos: Littera gesta docei, quid credas allegoria, moralis quid agas, quo tendas anagogia. A letra ensina o que aconteceu; a alegoria, o que deves crer; a moral, o que deves fazer; a anagogia, para onde deves caminhar. 119 " dever dos exegetas esforar-se, dentro dessas diretrizes, por entender e expor com maior aprofundamento o sentido da Sagrada Escritura, a fim de que, por seu trabalho como que preparatrio, amadurea o julgamento da Igreja. Pois todas estas coisas que concernem maneira de interpretar a Escritura esto sujeitas, em ltima instncia, ao juzo da Igreja, que exerce o divino ministrio e mandato do guardar e interpretar a Palavra de Deus" Ego vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae Ecclesiae commoveret auctoritas. Eu no creria no Evangelho, se a isto no me levasse a autoridade da Igreja catlica" IV O CNON DAS ESCRITURAS 120 Foi a Tradio apostlica que fez a Igreja discernir que escritos deviam ser enumerados lista dos Livros Sagrados". Esta lista completa denominada "Cnon" das Escrituras. Ela comporta 46 (45, se contarmos Jr e Lm juntos) escritos para o Antigo Testamento e 27 para o Novo Testamento. Gnesis, xodo, Levtico, Nmeros, Deuteronmio, Josu, Juizes, Rute, os dois livros de Samuel, os dois livros dos Reis, os dois livros das Crnicas, Esdras e Neemias, Tobias, Judite, Ester, os dois livros dos Macabeus, J, os Salmos, os Provrbios, o Eclesiastes (ou Colet), o Cntico dos Cnticos, a Sabedoria, o Eclesistico (ou Sircida), Isaas, Jeremias, as Lamentaes, Baruc, Ezequiel, Daniel, Osias, Joel, Ams, Abdias, Jonas, Miquias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, para o Antigo Testamento; os Evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e de Joo, os Atos dos Apstolos, as Epstolas de So Paulo aos Romanos, a primeira e a segunda aos Corintios, aos Glatas, aos Efsios, aos Filipenses, aos Colossenses, a primeira e a segunda aos Tessalonicenses, a primeira e a segunda a Timteo, a Tito, a Filmon, a Epstola aos Hebreus, a Epstola de Tiago, a primeira e a segunda de Pedro, as trs Epstolas de Joo, a Epstola de Judas e o Apocalipse, para o Novo Testamento. 15. O ANTIGO TESTAMENTO 121 Antigo Testamento uma parte indispensvel da Sagrada Escritura. Seus livros so divinamente inspirados e conservam um valor permanente, pois a Antiga Aliana nunca foi revogada. 122 Com efeito, "a Economia do Antigo Testamento estava ordenada principalmente para preparar a vinda de Cristo, redentor de todos". "Embora contenham tambm coisas imperfeitas e transitrias", os livros do Antigo Testamento do testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvfico de Deus: "Neles encontram-se sublimes ensinamentos acerca de Deus e uma salutar sabedoria concernente vida do homem, bem como admirveis tesouros de preces; nestes livros, enfim est latente o mistrio de nossa salvao" 123 Os cristos veneram o Antigo Testamento como verdadeira Palavra de Deus. A Igreja sempre rechaou vigorosamente a idia de rejeitar o Antigo Testamento sob o pretexto de que o Novo o teria feito caducar (marcionismo). O NOVO TESTAMENTO 124 "A Palavra de Deus, que fora de Deus para a salvao de todo crente, apresentada e manifesta seu vigor de modo eminente nos escritos do Novo Testamento." Estes escritos fornecem-nos a verdade definitiva da Revelao divina. Seu objeto central Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, seus atos, ensinamentos, paixo e glorificao, assim como os incios de sua Igreja sob a ao do Esprito Santo. 125 Os Evangelhos so o corao de todas as Escrituras, "uma vez que constituem o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador". 126 Na formao dos Evangelhos podemos distinguir trs etapas: 1. A vida e o ensinamento de Jesus. A Igreja defende firmemente que os quatro Evangelhos, "cuja historicidade afirma sem hesitao, transmitem fielmente aquilo que Jesus, Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou para a eterna salvao deles, at o dia em que foi elevado". 2. A tradio oral. "O que o Senhor dissera e fizera, os apstolos, aps a ascenso do Senhor, transmitiram aos ouvintes, com aquela compreenso mais plena de que gozavam, instrudos que foram pelos gloriosos acontecimentos de Cristo e esclarecidos pela luz do Esprito de verdade." 3. Os Evangelhos escritos. "Os autores sagrados escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo certas coisas das muitas transmitidas ou oralmente ou j por escrito, fazendo sntese de outras ou explanando-as com vistas situao das igrejas, conservando, enfim, a forma de pregao, sempre de maneira a transmitir- nos, a respeito de Jesus, coisas verdadeiras e sincera. " 127 O Evangelho quadriforme ocupa a Igreja um lugar nico, como atestam a venerao que lhe tributa a liturgia e o atrativo incomparvel que desde sempre tem exercido sobre os santos: No existe nenhuma doutrina que seja melhor, mais preciosa e mais esplndida que o texto do Evangelho. Vede e retende o que nosso Senhor e Mestre, Cristo, ensinou com suas palavras e realizou com seus atos. acima de tudo o Evangelho que me ocupa durante as minhas oraes; nele encontro tudo o que necessrio para minha pobre alma. Descubro nele sempre novas luzes, sentidos escondidos e misteriosos. A UNIDADE ENTRE O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO 128 A Igreja, j nos tempos apostlicos, e depois constantemente em sua Tradio, iluminou a unidade do plano divino nos dois Testamentos graas tipologia. Esta discerne, nas obras de Deus contidas na Antiga Aliana, prefiguraes daquilo que Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa de seu Filho encarnado. 129 Por isso os cristos lem o Antigo Testamento luz de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura tipolgica manifesta o contedo inesgotvel do Antigo Testamento. Ela no deve levar a esquecer que este conserva seu valor prprio de Revelao, que o prprio Nosso Senhor reafirmou. De resto tambm o Novo Testamento exige ser lido luz do Antigo. A catequese crist primitiva recorre constantemente a ele. 16. Segundo um adgio antigo, o Novo Testamento est escondido no Antigo, ao passo que o Antigo desvendado no Novo "Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet". 130 A tipologia exprime o dinamismo em direo ao cumprimento do plano divino, quando "Deus ser tudo em todos" (1 Cor 15,28), Tambm a vocao dos patriarcas e o xodo do Egito, por exemplo, no perdem seu valor prprio no plano de Deus, pelo fato de serem ao mesmo tempo etapas intermedirias deste plano. V. A SAGRADA ESCRITURA NA VIDA DA IGREJA 131 " to grande o poder e a eficcia encerrados na Palavra de Deus, que ela constitui sustentculo e vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza da f, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual." " preciso que o acesso Sagrada Escritura seja amplamente aberto aos fiis." 132 "Que o estudo das Sagradas Pginas seja, portanto, como que a alma da Sagrada Teologia. Da mesma palavra da Sagrada Escritura tambm se nutre salutarmente e santamente floresce o ministrio da palavra, a saber, a pregao pastoral, a catequese e toda a instruo crist, na qual deve ocupar lugar de destaque a homilia litrgica." 133 A Igreja "exorta com veemncia e de modo peculiar todos os fiis cristos... a que, pela freqente leitura das divinas Escrituras, aprendam 'a eminente cincia de Jesus Cristo(Fl 3,8). Com efeito, ignorar as Escrituras ignorar Cristo. RESUMINDO 134 Omnis Scriptura divina unus liber est, et hic unus liber est Christus, "quia omnis Scriptura divina de Christo loquitur, et omn is Scriptura divina in Christo impletur" - Toda a Escritura divina um nico livro, e este livro nico Cristo, j que toda Escritura divina fala de Cristo, e toda Escritura divina se cumpre em Cristo. 135 "As Sagradas Escrituras contm a Palavra de Deus e, por serem inspiradas, so verdadeiramente Palavra de Deus. " 136 Deus e o autor da Sagrada Escritura inspirar seus autores humanos; age neles e por meio dele. Fornece assim a garantia de que seus escritos ensinem sem erro a verdade salvfica. 137 A interpretao das Escrituras inspiradas deve antes de tudo estar atenta quilo que Deus quer revelar por intermdio dos autores sagrados para nossa salvao. O que vem do Esprito s plenamente entendido pela ao do Esprito. 138 A Igreja recebe e venera como inspirados os 46 livros do Antigo e os 27 livros do Novo Testamento. 139 Os quatro Evangelhos ocupam um lugar central, j que Cristo Jesus o centro deles. 140 A unidade dos dois Testamentos decorre da unidade do projeto de Deus e de sua Revelao. O Antigo Testamento prepara o Novo, ao passo que este ltimo cumpre o Antigo; os dois se iluminam reciprocamente; os dois so verdadeira Palavra de Deus. 141 "A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras da mesma forma como o prprio Corpo do Senhor": ambos alimentam e dirigem toda a vida crist. "Tua Palavra a lmpada para meus ps, e luz para meu caminho" (Sl 119,105[fca70] ). CAPTULO III - A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS 142 Por sua Revelao, "o Deus invisvel, levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos, e com eles se entretm para os convidar comunho consigo e nela os receber". A resposta adequada a este convite a f. 143 Pela f, o homem submete completamente sua inteligncia e sua vontade a Deus. Com todo o seu ser, o homem d seu assentimento a Deus revelador. A Sagrada Escritura denomina "obedincia da f" esta resposta do homem ao Deus que revela. 17. ARTIGO 1 - EU CREIO [a6] 144 i. A OBEDINCIA DA F Obedecer ("ob-audire") na f significa submeter-se livremente palavra ouvida, visto que sua verdade garantida por Deus, a prpria Verdade. Desta obedincia, Abrao o modelo que a Sagrada Escritura nos prope, e a Virgem Maria, sua mais perfeita realizao. ABRAO "O PAI DE TODOS OS CRENTES" 145 A Epstola aos Hebreus, no grande elogio f dos antepassados, insiste particularmente na f de Abrao: "Foi pela f que Abrao, respondendo ao chamado, obedeceu e partiu para uma terra que devia receber como herana, e partiu sem saber para onde ia" (Hb 11,8). Pela f, viveu como estrangeiro e como peregrino na Terra Prometida[fca8] . Pela f, Sara recebeu a graa de conceber o filho da promessa. Pela f, finalmente, Abrao ofereceu seu filho nico em sacrifcio. 146 Abrao realiza, assim, a definio da f dada pela Epstola aos Hebreus: "A f uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que no se vem" (Hb 11,1). "Abrao creu em Deus, e isto lhe foi levado em conta de justia" (Rm 4,3). Graas a esta "f poderosa" (Rm 4,20), Abrao tornou-se "o pai de todos os que haveriam de crer" (Rm 4,1 1.18) 147 O Antigo Testamento rico em testemunhos desta f. A Epstola aos Hebreus proclama o elogio da f exemplar dos antigos, "que deram o seu testemunho" (Hb 11,2.39). No entanto, "Deus previa para ns algo melhor": a graa de crer em seu Filho Jesus, "o autor e realizador da f, que a leva perfeio" (Hb11,40; 12,2). MARIA "BEM-AVENTURADA A QUE ACREDITOU" 148 A Virgem Maria realiza da maneira mais perfeita a obedincia da f. Na f, Maria acolheu o anncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que "nada impossvel a Deus" (Lc 1,37[fca15] ) e dando seu assentimento: "Eu sou a serva do Senhor; faa-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38). Isabel a saudou: "Bem-aventurada a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor ser cumprido" (Lc 1,45). em virtude desta f que todas as geraes a proclamaro bem-aventurada. 149 Durante toda a sua vida e at sua ltima provao, quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua f no vacilou. Maria no deixou de crer "no cumprimento" da Palavra de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a realizao mais pura da f. II. "SEI EM QUEM PUS MINHA F" (2TM 1,12) CRER SOMENTE EM DEUS 150 A f primeiramente uma adeso pessoal do homem a Deus; , ao mesmo tempo e inseparavelmente, o assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou. Como adeso pessoal a Deus e assentimento verdade que ele revelou, a f crist diferente da f em uma pessoa humana. E justo e bom entregar-se totalmente a Deus e crer absolutamente no que ele diz. Seria vo e falso pr tal f em uma criatura. CRER EM JESUS CRISTO, O FILHO DE DEUS 151 Para o cristo, crer em Deus , inseparavelmente, crer naquele que Ele enviou, "seu Filho bem- amado", no qual Ele ps toda sua complacncia; Deus mandou que O escutssemos. O prprio Senhor disse a seus discpulos: "Crede em Deus, crede tambm em mim" (Jo 14,1). Podemos crer em Jesus Cristo por que ele mesmo Deus, o Verbo feito carne: "Ningum jamais viu a Deus: o Filho unignito, que est voltado 18. para o seio do Pai; este o deu a conhecer" (Jo 1,18). Por ter ele "visto o Pai" (Jo 6,46), ele o nico que o conhece e pode revel-lo. CRER NO ESPRITO SANTO 152 No se pode crer em Jesus Cristo sem participar de seu Esprito. E o Esprito Santo que revela aos homens quem Jesus. Pois "ningum pode dizer 'Jesus Senhor' a no ser no Esprito Santo" (1 Cor 12,3). "O Esprito sonda todas as coisas, at mesmo as profundidades de Deus... O que est em Deus, ningum o conhece a no ser o Esprito de Deus" (1 Cor 2,10-11). S Deus conhece a Deus por inteiro. Cremos no Esprito Santo porque Ele Deus. A Igreja no cessa de confessar sua f em um s Deus, Pai, Filho e Esprito Santo. III. AS CARACTERSTICAS DA F A F UMA GRAA 153 Quando So Pedro confessa que Jesus o Cristo, Filho do Deus vivo, Jesus lhe declara que esta revelao no lhe veio "da carne e do sangue, mas de meu Pai que est nos cus". A f um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. "Para que se preste esta f, exigem-se a graa prvia e adjuvante de Deus e os auxlios internos do Esprito Santo, que move o corao e o converte a Deus, abre os olhos da mente e d a todos suavidade no consentir e crer na verdade." A F UM ATO HUMANO 154 Crer s possvel pela graa e pelos auxlios interiores do Esprito Santo Mas no menos verdade que crer um ato autenticamente humano. No contraria nem a liberdade nem a inteligncia do homem confiar em Deus e aderir s verdades por Ele reveladas. J no campo das relaes humanas, no contrrio nossa prpria dignidade crer no que outras pessoas nos dizem sobre si mesmas e sobre suas intenes e confiar nas promessas delas (como, por exemplo, quando um homem e uma mulher se casam), para entrar assim em comunho recproca. Por isso, ainda menos contrrio nossa dignidade "prestar, pela f, revelao de Deus plena adeso do intelecto e da vontade" e entrar, assim, em comunho ntima com ele. 155 Na f, a inteligncia e a vontade humanas cooperam com a graa divina: "Credere est actus intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis a Deo motae per gratiam - Crer um ato da inteligncia que assente verdade divina a mando da vontade movida por Deus atravs da graa". A F E A INTELIGNCIA 156 O motivo de crer no o fato de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligveis luz de nossa razo natural. Cremos "por causa da autoridade de Deus que revela e que no pode nem enganar-se nem enganar-nos". "Todavia, para que o obsquio de nossa f fosse conforme razo, Deus quis que os auxlios interiores do Esprito Santo fossem acompanhados das provas exteriores de sua Revelao. Por isso, os milagres de Cristo e dos santos, as profecias, a propagao e a santidade da Igreja, sua fecundidade e estabilidade "constituem sinais certssimos da Revelao, adaptados inteligncia de todos", "motivos de credibilidade" que mostram que o assentimento da f no "de modo algum um movimento cego do esprito". 157 A f certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na prpria Palavra de Deus, que no pode mentir. Sem dvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras razo e experincia humanas, mas "a certeza dada pela luz divina maior que a que dada pela luz da razo natural. "Dez mil dificuldades no fazem uma nica dvida. 158 "A f procura compreender": E caracterstico da f o crente desejar conhecer melhor Aquele em quem ps sua f e compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais penetrante despertar por sua vez uma f maior, cada vez mais ardente de amor. A graa da f abre "os olhos do corao" (Ef. 19. 1,18) para uma compreenso viva dos contedos da Revelao, isto , do conjunto do projeto de Deus e dos mistrios da f, do nexo deles entre si e com Cristo, centro do Mistrio revelado. Ora, para "tomar cada vez mais profunda a compreenso da Revelao, o mesmo Esprito Santo aperfeioa continuamente a f por meio de seus dons. Assim, segundo o adgio de Santo Agostinho, "eu creio para compreender, e compreendo para melhor crer". 159 F e cincia. "Porm, ainda que a f esteja acima da razo, no poder jamais haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistrios e infunde a f dotou o esprito humano da luz da razo; e Deus no poderia negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer a verdade." "Portanto, se a pesquisa metdica, em todas as cincias, proceder de maneira verdadeiramente cientfica, segundo as leis morais, na realidade nunca ser oposta f: tanto as realidades profanas quanto as da f originam-se do mesmo Deus. Mais ainda: quem tenta perscrutar com humildade e Perseverana, os segredos das coisas, ainda que disso no tome conscincia, e como que conduzido pela mo de Deus, que sustenta todas as coisas, fazendo com que elas sejam o que so." A LIBERDADE DA F 160 Para que o ato de f seja humano, "o homem deve responder a Deus, crendo por livre vontade. Por conseguinte, ningum deve ser forado contra sua vontade a abraar a f. Pois o ato de f por sua natureza voluntrio". "Deus de fato chama os homens para servi-lo em esprito e verdade. Com isso os homens so obrigados em conscincia, mas no so forados... Foi o que se patenteou em grau mximo em Jesus Cristo." Com efeito, Cristo convidou f e converso, mas de modo algum coagiu. "Deu testemunho da verdade, mas no quis imp-la pela fora aos que a ela resistiam. Seu reino... se estende graas ao amor com que Cristo, exaltado na cruz, atrai a si os homens." A NECESSIDADE DA F 161 E necessrio, para obter esta salvao, crer em Jesus Cristo e naquele que o enviou para nossa salvao "Como, porm, "sem f impossvel agradar a Deus' (Hb 11,6) e chegar ao consrcio dos seus filhos, ningum jamais pode ser justificado sem ela, nem conseguir a vida eterna, se nela no permanecer at o fim" (Mt 10,22; 24,13". A PERSEVERANA NA F 162 A f um dom gratuito que Deus concede ao homem. Podemos perder este dom inestimvel; So Paulo alerta Timteo sobre isso: 'Combate... o bom combate, com f e boa conscincia; pois alguns, rejeitando a boa conscincia, vieram a naufragar na f" (1Tm 1,18-19). Para viver, crescer e perseverar at o fim na f, devemos aliment-la com a Palavra de Deus; devemos implorar ao Senhor que a aumente; ela deve "agir pela caridade" (Gl 5,6), ser carregada pela esperana e estar enraizada na f da Igreja. A F - COMEO DA VIDA ETERNA 163 A f nos faz degustar como por antecipao a alegria e a luz da viso beatfica, meta de nossa caminhada na terra. Veremos ento a Deus "face a face" (1Cor 13,12), "tal como Ele " (1Jo 3,2). A f j , portanto, o comeo da vida eterna:Enquanto desde j contemplamos as bnos da f, como um reflexo no espelho, como se j possussemos as coisas maravilhas que um dia desfrutaremos, conforme nos garante nossa f. 164 Por ora, todavia, "caminhamos pela f, no pela viso" (2Cor 5,7), e conhecemos a Deus "como que em um espelho, de uma forma confusa..., imperfeita" (1Cor 13,12). Luminosa em virtude daquele em que ela cr, a f muitas vezes vivida na obscuridade. A f pode ser posta prova. O mundo em que vivemos muitas vezes parece estar bem longe daquilo que a f nos assegura; as experincias do mal e do sofrimento, das injustias e da morte parecem contradizer a Boa Nova; podem abalar a f e tornar-se para ela uma tentao. 165 ento que devemos nos voltar para as testemunhas da f: Abrao, que creu, "esperando contra toda esperana" (Rm 4,18); a Virgem Maria, que na "peregrinao a f[fca63] " foi at a "noite da 20. f", comungando com o sofrimento de seu Filho e com a noite de seu tmulo e tantas outras testemunhas da f: "Com tal nuvem de testemunhas ao nosso redor, rejeitando todo fardo e o pecado que nos envolve, corramos com perseverana para o certame que nos proposto, com os olhos fixos naquele que autor e realizador da f, Jesus" (Hb 12,1-2[a66] ). ARTIGO 2 - NS CREMOS 166 A f um ato pessoal: a resposta livre do homem iniciativa de Deus que se revela. Ela no , porm, um ato isolado. Ningum pode crer sozinho, assim como ningum pode viver sozinho. Ningum deu a f a si mesmo, assim como ningum deu a vida a si mesmo. O crente recebeu a f de outros, deve transmiti-la a outros. Nosso amor por Jesus e pelos homens nos impulsiona a falar a outros de nossa f. Cada crente como um elo na grande corrente dos crentes. No posso crer sem ser carregado pela f dos outros, e pela minha f contribuo para carregar a f dos outros. 167 "Eu creio": esta a f da Igreja, professada pessoalmente por todo crente, principalmente pelo batismo. "Ns cremos": esta a f da Igreja confessada pelos bispos reunidos em Conclio ou, mais comumente, pela assemblia litrgica dos crentes. "Eu creio" tambm a Igreja, nossa Me, que responde a Deus com sua f e que nos ensina a dizer: "eu creio", "ns cremos". I. "OLHAI, SENHOR, PARA A F DA VOSSA IGREJA" 168 antes de tudo a Igreja que cr e que desta forma carrega, alimenta e sustenta minha f. E antes de tudo a Igreja que, em toda parte, confessa o Senhor ("Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia A vs por toda a terra proclama a Santa Igreja", assim cantamos no Te Deum), e com ela e nela tambm ns somos impulsionados e levados a confessar: "Eu creio", "nos cremos". por intermdio da Igreja que recebemos a f e a vida nova no Cristo pelo batismo. No "Ritual Romano", o ministro do batismo pergunta ao catecmeno: "Que pedes Igreja de Deus?" E a resposta: "A f." "E que te d a f?" "A vida eterna." 169 A salvao vem exclusivamente de Deus, mas, por recebermos a vida de f por meio da Igreja, esta ltima nossa me: "Ns cremos na Igreja como a me de nosso novo nascimento, e no como se ela fosse a autora de nossa salvao". Por ser nossa me, a Igreja tambm a educadora de nossa f. II. A LINGUAGEM DA F 170 No cremos em frmulas, mas nas realidades que elas expressam e que a f nos permite "tocar". "O ato (de f) do crente no pra no enunciado, mas chega at a realidade (enunciada). Todavia, temos acesso a essas realidades com o auxlio das formulaes da f. Estas permitem expressar e transmitir a f, celebr-la em comunidade, assimil-la e viv-la cada vez mais. 171 A Igreja, que "a coluna e o sustentculo da verdade" (1 Tm 3,15), guarda fielmente a f uma vez por todas confiada aos santos. E ela que conserva a memria das Palavras de Cristo, ela. que transmite de gerao em gerao a confisso de f dos apstolos. Como uma me que ensina seus filhos a falar e, com isto, a, compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Me, nos ensina a linguagem da f para introduzir-nos na compreenso e na vida da f. III. UMA NICA F 172 H sculos, mediante tantas lnguas, culturas, povos e naes, a Igreja no cessa de confessar sua nica f, recebida de s Senhor, transmitida por um nico batismo, enraizada na convico de que todos os homens tm um s Deus e Pai, So Irineu de Lio, testemunha desta f, declara: 173 "Com efeito, a Igreja, embora espalhada pelo mundo inteiro at os confins da terra, tendo recebido dos apstolos e dos discpulos deles a f... guarda [esta pregao e esta f] com cuidado, como se habitasse em uma s casa; nelas cr de forma idntica, como se tivesse uma s alma; e prega as verdades de f, as ensina e transmite com voz unnime, como se possusse uma s boca". 21. 174 "Pois, se no mundo as lnguas diferem, o contedo da Tradio uno e idntico. E nem as Igrejas estabelecidas na Germnia tm outra f ou outra Tradio, nem as que esto entre os iberos, nem as que esto entre os celtas, nem as do Oriente, do Egito, da Lbia, nem as que esto estabelecidas no centro do mundo..." "A mensagem da Igreja , portanto, verdica e slida, pois nela que um nico caminho de salvao aparece no mundo inteiro." 175 "Esta f que recebemos da Igreja, ns a guardamos com cuidado, pois sem cessar, sob a ao do Esprito de Deus, guisa de um depsito de grande preo encerrado em um vaso precioso, ela rejuvenesce e faz rejuvenescer o prprio vaso que a contm." RESUMINDO 176 A f uma adeso pessoal do homem inteiro a Deus que se revela. Ela inclui uma adeso da inteligncia e da vontade Revelao que Deus fez de si mesmo por suas aes e palavras. 177 Por conseguinte, "crer" tem uma dupla referncia: pessoa e verdade; verdade, por confiana na pessoa que a atesta. 178 No devemos crer em ningum a no ser em Deus, o Pai, o Filho e o Esprito Santo 179 A f um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem tem necessidade dos auxlios interiores do Esprito Santo 180 "Crer" e um ato humano, consciente e livre, que corresponde dignidade da pessoa humana. 181 "Crer" e um ato eclesial. A f da Igreja precede, gera, tenta e alimenta nossa f. A Igreja a me de todos os crentes. "Ningum pode ter a Deus por Pai, que no tenha Igreja por me. " 182 "Ns cremos em tudo o que est contido na Palavra de Deus escrita ou transmitida, e que a Igreja prope a crer c divinamente revelado. " 183 A f necessria salvao. O prprio Senhor afirma: Aquele que crer e for batizado ser salvo; aquele que no crer ser condenado (Mc 16, 16). 184 "A f um antegozo do conhecimento que nos tornar bem-aventurados na vida futura". SEGUNDA SEO A PROFISSO DA F CRIST OS SMBOLOS DA F 185 Quem diz creio diz "dou minha adeso quilo que no cremos". A comunho na f precisa de uma linguagem comum da f, normativa para todos e que una na mesma confisso de f. 186 Desde a origem, a Igreja apostlica exprimiu e transmitiu sua prpria f em frmulas breves e normativas para todos. Mas j muito cedo a Igreja quis tambm recolher o essencial de sua f em resumos orgnicos e articulados, destinados sobretudo aos candidatos ao Batismo: Esta sntese da f no foi elaborada segundo as opinies humanas mas da Escritura inteira recolheu- se o que existe de mais importante, para dar, na sua totalidade, a nica doutrina da f. E assim com a semente de mostarda contm em um pequenssimo gro um grande nmero de ramos, da mesma forma este resumo da f encerra em algumas palavras todo o conhecimento da verdadeira piedade contida no Antigo e no Novo Testamento. 187 Estas snteses da f chamam-se "profisses de f", pois resumem a f que os cristos professam. Chamam-se "Credo em razo da primeira palavra com que normalmente comeam: "Creio". Denominam-se tambm "Smbolos da f". 188 A palavra grega "symbolon" significava a metade de um objeto quebrado (por exemplo, um sinete) que era apresentada como sinal de reconhecimento. As partes quebradas eram juntadas para se verificar a identidade do portador. O "smbolo da f" , pois, um sinal de reconhecimento e de comunho 22. entre os crentes. "Symbolon" passa em seguida a significar coletnea, coleo ou sumrio. O "smbolo da f" a coletnea das principais verdades da f. Da o fato de ele servir como ponto de referncia primeiro e fundamental da catequese. 189 A primeira "profisso de f" feita por ocasio do Batismo. O "smbolo da f" inicialmente o smbolo batismal. Uma vez que o Batismo dado "em nome do Pai e do Filho e do Esprito Santo" (Mt 28,19), as verdades de f professadas por ocasio do Batismo esto articuladas segundo sua referncia s trs pessoas da Santssima Trindade. 190 O smbolo est, pois, dividido em trs partes: "Primeiro, fala-se da primeira Pessoa divina e da obra admirvel da criao; em seguida, da segunda Pessoa divina e do Mistrio da Redeno dos homens; finalmente, da terceira Pessoa divina, fonte e princpio de nossa santificao[fca6] ". Esses so "os trs captulos de nosso selo (batismal[fca7] )". 191 "Estas trs partes so distintas, embora interligadas. Segundo uma comparao usada com freqncia pelos Padres, chamamo-las de artigos. Pois da mesma forma que em nossos membros existem certas articulaes que os distinguem e os separam, assim tambm nesta profisso de f, com acerto e razo, se deu o nome de artigos s verdades em que devemos crer especificamente e de forma distinta" . Segundo uma antiga tradio, j atestada por Santo Ambrsio, tambm se costuma contar doze artigos do Credo, simbolizando com o nmero dos apstolos o conjunto da f apostlica. 192 As profisses ou smbolos da f tm sido numerosos ao longo dos sculos e em resposta s necessidades das diversas pocas: os smbolos das diferentes Igrejas apostlicas e antigas, o Smbolo "Quicumque", dito de Santo Atansio[fca11] , as profisses de f de certos Conclios (Toledo; Latro; Lio[fca14] ; Trento[fca15] ) ou de certos papas, como a "Fides Damasi[fca16] " (Profisso de F de So Dmaso) ou o "Credo do Povo de Deus" [SPF], de Paulo VI (1968[fca17] ) . 193 Nenhum dos smbolos das diferentes etapas da vida da Igreja pode ser considerado ultrapassado e intil. Eles nos ajudam a viver e a aprofundar hoje a f de sempre por meio dos diversos resumos que dela tm sido feitos. Entre todos os smbolos da f, dois ocupam um lugar particularssimo na vida da Igreja. 194 O Smbolo dos Apstolos, assim chamado por ser, com razo considerado o resumo fiel da f dos apstolos. o antigo smbolo batismal da Igreja de Roma. Sua grande autoridade vem do seguinte ato: "Ele o smbolo guardado pela Igreja Romana, aquela onde Pedro, o primeiro apstolo, teve sua S e para onde ele trouxe comum expresso de f (sententia communis = opinio comum. 195 O Smbolo denominado niceno-constantinopolitano tem sua grande autoridade no fato de ter resultado dos dois primeiros Conclios ecumnicos (325 e 381). Ainda hoje ele comum a todas as grandes Igrejas do Oriente e do Ocidente. 196 Nossa exposio da f seguir o Smbolo dos Apstolos que constitui, por assim dizer, "o mais antigo catecismo romano. Contudo, a exposio ser completada por constantes referncias ao Smbolo niceno-constantinopolitano, muitas vezes mais explcito e mais detalhado. 197 Como no dia de nosso batismo, quando toda a nossa vida foi confiada "a regra de doutrina" (Rm 6,17), acolhamos Smbolo de nossa f que da vida. Recitar com f o Credo entrar em comunho com Deus Pai, Filho e Esprito Santo tambm entrar em comunho com a Igreja inteira, que nos transmite a f e no seio da qual cremos: Este Smbolo o selo espiritual, a meditao do nosso corao e o guardio sempre presente; ele , seguramente, o tesouro da nossa alma. CAPTULO I - CREIO EM DEUS PAI 198 Nossa profisso de f comea com Deus, pois Deus o Primeiro e o ultimo" (Is 44,6), o Comeo e o Fim de tudo. O Credo comea com Deus Pai, pois o Pai a Primeira Pessoa Divina da Santssima Trindade; nosso Smbolo comea pela criao do cu e da terra, porque a criao o comeo e o fundamento de todas as obras de Deus. 23. ARTIGO 1 "CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO, CRIADOR DO CU E DA TERRA" PARGRAFO 1 - CREIO EM DEUS 199 "Creio em Deus": esta primeira afirmao da profisso de f tambm a mais fundamental. O Smbolo inteiro fala de Deus, e, se fala tambm do homem e do mundo, f-lo pela relao que eles tm com Deus. Os artigos do Credo dependem todos do primeiro, da mesma forma que os mandamentos explicitam o primeiro deles. Os demais artigos nos fazem conhecer melhor a Deus tal como se revelou progressivamente aos homens. "Os fiis fazem primeiro profisso de crer em Deus". I. "CREIO EM UM S DEUS" 200 com estas palavras que comea o Smbolo niceno-constantinopolitano. A confisso da Unicidade de Deus, que tem sua raiz na Revelao Divina da Antiga Aliana, inseparvel da confisso da existncia de Deus, e igualmente fundamental. Deus nico, s existe um Deus. "A f crist confessa que h Um s Deus, por natureza, por substncia e por essncia." 201 A Israel, seu eleito, Deus revelou-se como o nico: "Ouve, Israel: O Senhor nosso Deus o nico Senhor! Portanto, amars o Senhor teu Deus com todo o teu corao, com toda a tua alma e com toda a tua fora" (Dt 6,4-5). Por meio dos profetas, Deus chama Israel e todas as naes a se voltarem para Ele, nico: "Voltai-vos para mim e sereis salvos, todos os confins da terra, porque eu sou Deus e no h nenhum outro!... Com efeito diante de mim se dobrar todo joelho, toda lngua h de jurar por mim, dizendo: S no Senhor h justia e fora". 202 Jesus mesmo confirma que Deus "o nico Senhor" e que preciso am-lo de todo o corao, com toda a alma, com todo o esprito e com todas as foras. Ao mesmo tempo, d a entender que ele mesmo "o Senhor". Confessar que "Jesus Senhor" o especfico da f crist. Isso no contraria a f em Deus nico. Crer no Esprito Santo "que Senhor e d a Vida" no introduz nenhuma diviso no Deus nico: Cremos firmemente e afirmamos simplesmente que h um s verdadeiro Deus eterno, imenso e imutvel, incompreensvel, Todo-Poderoso e inefvel, Pai, Filho e Esprito Santo: Trs Pessoas, mas uma Essncia, uma Substncia ou Natureza absolutamente simples. II. DEUS REVELA SEU NOME 203 A seu povo, Israel, Deus revelou-se, dando-lhe a conhecer o seu nome. O nome exprime a essncia, a identidade da pessoa e o sentido de sua vida. Deus tem um nome. Ele no uma fora annima. Desvendar o prprio nome dar-se conhecer aos outros; , de certo modo, entregar-se a si mesmo, tomando-se acessvel, capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser chamado pessoalmente. 204 Deus revelou-se progressivamente a seu povo e com diversos nomes, mas a revelao do nome divino feita a Moiss na teofania da sara ardente, pouco antes do xodo e da Aliana do Sinai, que se tomou a revelao fundamental para a Antiga e a Nova Aliana. O DEUS VIVO 205 Deus chama Moiss do meio de uma sara que queima sem consumir-se. Ele diz a Moiss: "Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abra o, o Deus de Isaac e o Deus de Jac" (Ex 3,6). Deus o Deus dos pais, Aquele que havia guiado os patriarcas em suas peregrinaes. Ele o Deus fiel e compassivo que se lembra deles e de suas prprias promessas; vem para libertar seus descendentes da escravido. Ele o Deus que, para alm do espao e do tempo, pode e quer faz-lo, e que colocar sua onipotncia em ao a servio desse projeto. "Eu sou AQUELE QUE 24. Moiss disse a Deus: "Quando eu for aos filhos de Israel e disser: O Deus de vossos pais me enviou at vs, e me perguntarem: Qual o seu nome?, que direi?" Disse Deus a Moiss: "Eu sou AQUELE QUE ". Disse mais: "Assim dirs aos filhos de Israel: EU SOU me enviou at vs... Este o meu nome para sempre, e esta ser a minha lembrana de gerao em gerao (Ex 3,13-15). 206 Ao revelar seu nome misterioso de Iahweh, "Eu sou AQUELE QUE " ou "Eu Sou Aquele que SOU" ou tambm "Eu sou Quem sou", Deus declara quem Ele e com que nome se deve cham-lo. Este nome divino misterioso como Deus mistrio. Ele ao mesmo tempo um nome revelado e como que a recusa de um nome, e por isso mesmo que exprime da melhor forma a realidade de Deus como ele , infinitamente acima de tudo o que podemos compreender ou dizer: ele o "Deus escondido" (Is 45,15), seu nome inefvel, e ele o Deus que se faz prximo dos homens. 207 Ao revelar seu nome, Deus, revela ao mesmo tempo sua fidelidade, que de sempre e para sempre, vlida tanto para o passado ("Eu sou o Deus de teus pais", Ex 3,6) como para o futuro ("Eu estarei contigo", Ex 3,12). Deus, que revela seu nome como "Eu sou", revela-se como o Deus que est sempre presente junto a seu povo para salv-lo. 208 Diante da presena atraente e misteriosa de Deus, o homem descobre sua pequenez. Diante da sara ardente, Moiss tira a sandlias e cobre o rosto [fca37] em face da Santidade Divina. Diante da glria de Deus trs vezes santo, Isaias exclama: "Ai de mim estou perdido! Com efeito, sou um homem de lbios impuros (Is 6,5). Diante dos sinais divinos que Jesus faz, Pedro exclama "Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador" (Lc 5,8). Mas porque Deus santo, pode perdoar o homem que se descobre pecador diante dele: "No executarei o ardor da minha ira... porque sou Deus e no homem, eu sou santo no meio de ti (Os 11,9). O apstolo Joo dir: "Diante dele tranqilizaremos nosso corao, se nosso corao nos acusa, porque Deus maior do que nosso corao e conhece todas as coisas" (1Jo 3,19-20[a38] ). 209 Por respeito santidade de Deus, o povo de Israel no pronuncia seu nome. Na leitura da Sagrada Escritura, o nome revelado substitudo pelo ttulo divino "Senhor" ("Adonai", em grego "Krios"). com este ttulo que ser aclamada a divindade de Jesus: "Jesus Senhor". "DEUS DE TERNURA E DE COMPAIXO" 210 Depois do pecado de Israel, que se desviou de Deus para adorar o bezerro de ouro, Deus ouve a intercesso de Moiss e aceita caminhar no meio de um povo infiel, manifestando, assim o seu amor. A Moiss, que pede para ver sua glria, Deus responde: "Farei passar diante de ti toda a minha beleza e diante de ti pronunciarei o nome de Iahweh" (Ex 33,18-19). E o Senhor passa diante de Moiss e proclama: "Iahweh, Iahweh, Deus de ternura e de compaixo, lento para a clera e rico em amor e fidelidade" (Ex 34,6). Moiss confessa ento que o Senhor um Deus que perdoa. 211 O Nome divino "Eu sou" ou "Ele " exprime a fidelidade de Deus, que, apesar da infidelidade do pecado dos homens e do castigo que ele merece, "guarda seu amor a milhares" (Ex 34,7). Deus revela que "rico em misericrdia" (Ef 2,4), indo at o ponto de dar seu prprio Filho. Ao dar sua vida para libertar-nos do pecado, Jesus revelar que ele mesmo traz o Nome divino: "Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, ento sabereis que EU SOU" (Jo 8,28[a44] ). S DEUS 212 Ao longo dos sculos, a f de Israel pde desenvolver e aprofundar as riquezas contidas na revelao do nome divino. Deus nico, fora dele no h deuses[fca45] . Transcende o mundo e a histria. Foi Ele quem fez o cu e a terra: "Eles perecem, mas tu permaneces; todos ficam gastos como a roupa... mas tu existes, e teus anos jamais findaro!" (S1102,27-28). Nele "no h mudana, nem sombra de variao" (Tg 1,17). Ele "AQUELE QUE ", desde sempre e para sempre, e assim que permanece sempre fiel a si mesmo e s suas promessas[a46] . 213 A revelao do nome inefvel "EU SOU AQUELE QUE SOU" contm, pois, a verdade de que s Deus . E neste sentido que a traduo dos Setenta e, na esteira deles, a Tradio da Igreja compreenderam o nome divino: Deus a plenitude do Ser e de toda perfeio, sem origem e sem fim. Ao passo que o das as criaturas receberam dele todo o seu ser e o seu ter, s ele seu prprio ser, e por si mesmo tudo o que [a47] . 25. III. DEUS, "AQUELE QUE ", VERDADE E AMOR 214 Deus, "Aquele que ", revelou-se a Israel como Aquele que e rico em amor e em fidelidade" (Ex 34,6). Esses dois termos exprimem de forma condensada as riquezas do nome divino. Em todas as suas obras Deus mostra sua benevolncia, bondade, graa, amor, mas tambm sua confiabilidade, constncia, fidelidade, verdade. "Celebro teu nome por teu amor e verdade" (Sl 138,2[fca48] ). Ele a Verdade, pois "Deus Luz, nele no h trevas" (1Jo 1,5), e Amor", como ensina o apstolo Joo (1Jo 4,8[a49] ). DEUS A VERDADE 215 "O princpio de tua palavra a verdade, tuas normas so justia para sempre" (Sl 119,160). "Sim, Senhor Deus, s tu que s Deus, tuas palavras so verdade" (2Sm 7,28); por isso que as promessas de Deus sempre se realizam. Deus a prpria Verdade, suas palavras no podem enganar. por isso que podemos entregar-nos com toda a confiana verdade e fidelidade de sua palavra em todas as coisas. O comeo do pecado e da queda do homem foi uma mentira do tentador que induziu duvidar da palavra de Deus, de sua benevolncia e fidelidade. 216 A verdade de Deus sua sabedoria que comanda toda ordem da criao e do governo do mundo[fca52] . Deus, que sozinho criou o cu e a terra , e o nico que pode dar o conhecimento verdadeiro de toda coisa criada em sua relao com ele. 217 Deus verdadeiro tambm quando se revela: o ensinamento que vem de Deus "uma doutrina de verdade" (Ml 2,6). Quando enviar seu Filho ao mundo, ser "para dar testemunho da Verdade" (Jo 18,37): "Ns sabemos que veio o Filho de Deus e nos deu a inteligncia para conhecermos o Verdadeiro". DEUS AMOR 218 Ao longo de sua histria, Israel pde descobrir que Deus tinha uma nica razo para revelar-se a ele e para t-lo escolhido dentre todos os povos para ser dele: seu amor gratuito. E Israel entendeu, graas a seus profetas, que foi tambm por amor que Deus no cessou de salv-1o e de perdoar-lhe sua infidelidade e seus pecados. 219 O amor de Deus por Israel comparado ao amor de um pai por seu filho. Este amor mais forte que o amor de uma me por seus filhos. Deus ama seu Povo mais do que um esposo ama sua bem- amada; este amor se sobrepor at s piores infidelidades; ir at a mais preciosa doao: "Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho nico" (Jo 3,16 220 O amor de Deus "eterno" (Is 54,8): "Os montes podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, mas o meu amor no mudar" (Is 54,10). "Eu te amei com um amor eterno, por conservei por ti o amor" (Jr 31,3). 221 Mas So Joo ir ainda mais longe ao afirmar: "Deus Amor" (1Jo 4,8.16); o prprio Ser de Deus Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, seu Filho nico e o Esprito de Amor, Deus revela seu segredo mais ntimo: Ele mesmo eternamente intercmbio de amor: Pai, Filho e Esprito Santo, e destinou- nos a participar deste intercmbio. IV. O ALCANCE DA F NO DEUS NICO 222 Crer em Deus, o nico, e am-lo com todo o prprio ser em conseqncias imensas para toda a nossa vida. 223 Significa conhecer a grandeza e a majestade de Deus. "Deu, grande demais para que o possamos conhecer" (J 36,26). E por isso que Deus deve ser o "primeiro a ser servido".(Santa Joana dArc, dictum). 26. 224 Significa viver em ao de graas. Se Deus o nico, tudo o que somos e tudo o que possumos vem dele: "Que que possuis, que no tenhas recebido?" (1Cor 4,7). "Como retribuirei ao Senhor todo o bem que me fez?" (Sl 116,12[a71] ). 225 Significa conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens. Todos eles so feitos " imagem e semelhana de Deus" (Gn 1,27[a72] ). 226 Significa usar corretamente das coisas criadas. A f no Deus nico nos leva a usar de tudo o que no Ele, na medida em que isso nos aproxima dele, e a desapegar-nos das coisas, na medida em que nos desviam dele: Meu Senhor e meu Deus, tirai-me tudo o que me afasta de vs. Meu Senhor e meu Deus, dai-me tudo o que me aproxima de vs. Meu Senhor e meu Deus, desprendei-me de mim mesmo pai doar-me por inteiro a vs. 227 Significa confiar em Deus em qualquer circunstancia, mesmo na adversidade. Uma orao de Sta. Teresa de Jesus (Poes. 9) exprime-o de maneira admirvel: Nada te perturbe Nada te assuste Tudo passa Deus no muda A pacincia tudo alcana Quem a Deus tem Nada lhe falta. S Deus basta RESUMINDO 228 "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus o nico Senhor.... (Dt 6,4; Mc 12,29). " preciso necessariamente que o supremo seja nico, isto , sem igual... Se Deus no for nico no Deus" 229 A f em Deus leva-nos a nos voltar s para Ele como nossa primeira origem e nosso fim ltimo, e a nada preferir nem substitui-lo por nada. 230 Ao revelar-se, Deus permanece Mistrio inefvel: "Se o compreendesses, ele no seria Deus". 231O Deus de nossa f revelou-se como Aquele que ; deu-se a conhecer como "cheio de amor e fidelidade" (Ex 34,6). Seu prprio ser Verdade e Amor. A PROFISSO DA F CRIST OS SMBOLOS DA F - PARGRAFO 2 - O PAI I. "EM NOME DO PAI, DO FILHO E DO ESPRITO SANTO" 232) Os cristos so batizados "em nome do Pai, do Filho e d Esprito Santo" (Mt 28,19). Antes disso, eles respondem "Creio" trplice pergunta que os manda confessar sua f no Pai, no Filho e no Esprito: "Fides omnium christianorum in Trinitate consistit - A f de todos os cristos consiste na Trindade. 233) Os cristos so batizados "em nome" do Pai e do Filho e do Esprito Santo, e no "nos nomes" destes trs, pois s existe um Deus, o Pai Todo-Poderoso, seu Filho nico e o Esprito Santo: a Santssima Trindade. 234) O mistrio da Santssima , portanto, a fonte de todos os outros mistrios da f, a luz que os ilumina. o ensinamento mais fundamental e essencial na "hierarquia das verdades de f". "Toda a histria 27. da salvao no seno a histria da via e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e nico, Pai, Filho e Esprito Santo, se revela, reconcilia consigo e une a si os homens que se