um olhar sobre o ensino da demonstrasá em matematica olhar sobre o... · e correcta das ideias...

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Uma boa demonstraçà à aquela que, para là de convencer, explica e faz avança na compreensã de uma ideia, problema ou resultado matemático à aquela que clarifica porque à que uma relaçà funciona ou não Mais importante do que o formato final de uma demonstraçà à a actividade de a produzir, à a sensibilidade ao seu interesse e necessidade. à a comunicaçà clara e correcta das ideias matemática que estã em jogo. Um olhar sobre o ensino da / demonstrasá em Matematica Ana Maria Boavida Nota introdutóri Enquanto elaboro estas notas sobre o ensino da demonstraçà vem-me a mente uma ideia que, hà alguns anos. incluà num pequeno texto publicado na Educaçà e Matemátic a propósi to de contextos nã formais de formaçã Defendia, na altura, que os Encontros de Professores de Mate- mática e muito particularmente os ProfMat, podiam ter um forte poten- cial formativo. Hoje quando me dou conta que na origem das notas que apresento esteve, de novo, o desafio de participar no painel Demonstraçà no ensino da Matemátic realizado no ProfMat 2000'. reforça-se em mim, a ideia que defendi hà uns anos atrá e reafirma-sea convicçà de que o intercâmbide pontos de vista, a partilha de experiência e a reflexãconjunta sobre o que fazemos e o que pretendemos fazer sã fundamentais para os nossos próprio processos de desenvolvi- mento profissional. com este espÃ-ritque apresento este texto atravé do qual procurarei abordar aspectos relacionados com alguns dos caminhos percorridos pelo ensino da demonstraçà em Matemá tica e reflectir sobre possÃ-veicami- nhos a percorrer tendo em conta actuais orientaçÃμ para o ensino desta disciplina. 1. Tradi* no ensino da demonstraçà Ainda nã hà muito tempo que, em Portugal, o ensino da demonstraçà se encontrava, fundamentalmente, ligado ao ensino da Geometria e, no que respeita aos númerosao da AritméticRacional. Tipicamente iniciava-se no correspondente ao actual 3' ciclo do ensino básic - perÃ-od em que os alunos atingem, seguindo Piaget, o estádi das operaçÃμ formais - e o que estava em causa era a aprendizagem do raciocÃ-nilógico-dedutiv que. pensava-se,uma vez aprendido em Matemátic poderia ser aplicado com êxit "nã sà a outras ciência como a questÃμe da vida real"'. Considerava-se que as demonstra- çÃμ de Geometria Elementar "da- vam" aos alunos hábito e precisã de ideias e linguagem constituindo, por isso. o meio propÃ-cipara aprenderem a raciocinar dedutiva- mente. Nã é assim, de estranhar que os programas dessa époc reflectissem esta ideia referindo explicitamente que "o papel formati- vo da geometria supera, e muito, o da álgebra"2 Quem fazia as demonstraçÃμ era. a maior parte das vezes, o professor provando, quase sempre com o recurso a um aparato estranho e misterioso aos olhos dos alunos, o que, frequentemente, era óbvi para eles. A veracidade dos enunciados a demonstrar nã era posta em causa e raramente os alunos sentiam a necessidade de demonstrar as proposiçÃμ que se enunciavam ou viam a demonstraçà como um meio de progredir na compreensã de um problema. Aos alunos competia seguir as demonstraç'e apresentadas pelo professor, ou incluÃ-da no manual, e ser capaz de as reproduzir, se necessário As demonstraçÃμ que os alunos faziamlreproduziam consti- tuÃ-am antes de mais, uma prova do seu saber e nã a prova da veracida- de dos enunciados matemático com que lidavam pois esta estava jà estabelecida. Na prátic os aspectos

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Uma boa demonstraçà à aquela que, para là de convencer, explica e faz

avança na compreensã de uma ideia, problema

ou resultado matemático à aquela que clarifica

porque à que uma relaçà funciona ou não

Mais importante do que o formato final de

uma demonstraçà à a actividade de a produzir, à a sensibilidade ao seu

interesse e necessidade. à a comunicaçà clara

e correcta das ideias matemática que estã em jogo.

Um olhar sobre o ensino da /

demonstrasá em Matematica

Ana Maria Boavida

Nota introdutóri

Enquanto elaboro estas notas sobre o ensino da demonstraçà vem-me a mente uma ideia que, hà alguns anos. incluà num pequeno texto publicado na Educaçà e Matemátic a propósi to de contextos nã formais de formaçã Defendia, na altura, que os Encontros de Professores de Mate- mática e muito particularmente os ProfMat, podiam ter um forte poten- cial formativo. Hoje quando me dou conta que na origem das notas que apresento esteve, de novo, o desafio de participar no painel Demonstraçà no ensino da Matemátic realizado no ProfMat 2000'. reforça-se em mim, a ideia que defendi hà uns anos atrá e reafirma-se a convicçà de que o intercâmbi de pontos de vista, a partilha de experiência e a reflexã conjunta sobre o que fazemos e o que pretendemos fazer sã fundamentais para os nossos próprio processos de desenvolvi- mento profissional.

com este espírit que apresento este texto atravé do qual procurarei abordar aspectos relacionados com alguns dos caminhos percorridos pelo ensino da demonstraçà em Matemá tica e reflectir sobre possívei cami- nhos a percorrer tendo em conta actuais orientaçõ para o ensino desta disciplina.

1. Tradi* no ensino da demonstraçÃ

Ainda nã hà muito tempo que, em Portugal, o ensino da demonstraçà se encontrava, fundamentalmente, ligado ao ensino da Geometria e, no que respeita aos números ao da Aritmétic Racional. Tipicamente iniciava-se no correspondente ao actual 3' ciclo do ensino básic -

períod em que os alunos atingem, seguindo Piaget, o estádi das operaçõ formais - e o que estava em causa era a aprendizagem do raciocíni lógico-dedutiv que. pensava-se, uma vez aprendido em Matemátic poderia ser aplicado com êxit "nã sà a outras ciência como a questõe da vida real"'.

Considerava-se que as demonstra- çõ de Geometria Elementar "da- vam" aos alunos hábito e precisã de ideias e linguagem constituindo, por isso. o meio propíci para aprenderem a raciocinar dedutiva- mente. Nã é assim, de estranhar que os programas dessa époc reflectissem esta ideia referindo explicitamente que "o papel formati- vo da geometria supera, e muito, o da álgebra"2

Quem fazia as demonstraçõ era. a maior parte das vezes, o professor provando, quase sempre com o recurso a um aparato estranho e misterioso aos olhos dos alunos, o que, frequentemente, era óbvi para eles. A veracidade dos enunciados a demonstrar nã era posta em causa e raramente os alunos sentiam a necessidade de demonstrar as proposiçõ que se enunciavam ou viam a demonstraçà como um meio de progredir na compreensã de um problema.

Aos alunos competia seguir as demonstraç'e apresentadas pelo professor, ou incluída no manual, e ser capaz de as reproduzir, se necessário As demonstraçõ que os alunos faziamlreproduziam consti- tuíam antes de mais, uma prova do seu saber e nã a prova da veracida- de dos enunciados matemático com que lidavam pois esta estava jà estabelecida. Na prátic os aspectos

ligados a observaçã experimenta- çà e formulaçà de conjecturas eram. na grande maioria dos casos, inexistentes.

Tudo se passava como se nã houvesse génes da demonstraçã como se de repente, por volta dos treze anos. se revelasse aos alunos que sà a demonstraçã em matemáti ca, à portadora de certezas e se obrigassem a entrar num novo jogo de que tinham que aceitar as regras e onde os critério de verdade e validade eram diferentes dos que tinham utilizado atà ai. Era como se os alunos tivessem que se submeter a uma racionalidade nova virando as costas a racionalidade que atà ai lhes tinha sido úti e lhes tinha permitido lidar com a Matemática Assim sendo. nã à de estranhar que para muitos a aprendizagem da demonstraçà tenha constituíd (e continue a constituir) uma fonte importante de insucesso e uma actividade em que nã encontra- vam grande sentido.

Embora encontremos ainda hoje, nas prática escolares, muitos traço desta herança presentemen- te as actuais orientaçõ curricula- res procuram questionar esta situaçà e apontar caminhos dife- rentes para o ensino e aprendiza- gem da demonstraçã

Pretendo, neste texto, debruçar-m um pouco sobre estas orientaçõ o que me leva, antes de mais, a procu- rar explicitar o significado que atribuo ao conceito de demonstraçã De facto, este conceito nã tem um significado consensual nem muito claro. Aparece, frequentemente, entrelaçad com outras noçõ que com ele se relacionam, entre as quais se incluem as noçõ de prova e argumentaçã nã havendo mesmo unanimidade na distinçà que à feita entre todas estas ideias.

Para clarificar o significado que atribuo a demonstraçà começ por socorrer-me de dois episódio de sala de aula, um passado em Portu- gal e outro que tem por contexto a realidade americana. O primeiro constitui a adaptaçà de uma descri- çà feita por E. Veloso (1 9981, o segundo foi elaborado a partir do relato de uma experiênci de sala de

12 E d W o e Matedtica no63 Â MaioIJunho de 2001

aula apresentada por Prince (1 998). Em ambos os casos, bem como na sua análise considerarei um duplo sentido no conceito de demonstra- çã a actividade de demonstrar. considerada enquanto processo. e o produto resultante desta mesma actividade.

2. Demonstragio: que significado?

Epishdio I: Pirâmides vkrtices e faces

Num teste do 7' ano de escolaridade foi colocada a questão

Diz se à verdadeira ou falsa a afirma- çã numa pirãmide o númer de vértice à igual ao númer de faces. Justifica a tua resposta.

Alguns alunos responderam que a afirmaçà era verdadeira justificando a resposta apresentada atravé da anális de certos casos particulares de pirãmides

No entanto a Raquel, embora apoian- do-se també em casos particulares (pirãmide de bases triangular, quadrangular e pentagonal) , apresen- tou uma justificaçà que ia para là deles, pois

associava a cada face lateral um vértic da base, e depois acabava associando a base ao vértic da pirâmide Embora sem o dizerdes- ta maneira C...) a sua argumenta- çà consistia em descrever uma correspondênci biunívoc entre as faces e os vértice em cada um daqueles tipos de pirãmides O modo como o fazia mostrava que embora apenas referisse tipos par- ticulares de pirâmides estava consciente de que aquela corres- pondênci era válid para qual- quer tipo de pirâmide (Veloso. 1998, p. 371)

Epishdio 2: A conjectura de Chuk

Depois da turma (alunos de 8'/g0 ano) ter realizado tarefas de identifi- caçà e exploraçà de padrõe e de ter trabalhado com o crivo de Eratostenes para encontrar número primos inferiores a 100. um aluno (Chuk) reparou que todos os núme ros primos maiores do que 5, terminavam em 1.3, 7 ou 9. Na

sequênci desta afirmaçà a profes- sora pediu-lhe para pensar se esta observaçà feita se manteria para qualquer númer primo.

No dia seguinte começo a liçà apresentando a conjectura de Chuk:

Todos os número primos, excepto 2 e 5, terminam em 1, 3. 7 ou 9.

A professora, apó ter discutido com a turma os significados de conjectura e teorema, desafiou os alunos a provar a conjectura de Chuk. Inicial- mente estes começara por exami- nar casos particulares de número primos usando o crivo de Eratóste nes e concluiram que a conjectura era válid para todos os primos observados. Nã tardou muito que suspeitassem que ela se mantinha para todos os número primos, independentemente de os terem observado ou não Mas interroga- vam-se sobre porque à que era válid e como poderiam ter a certeza que era, de facto, válida

Nessa altura a professora escreveu no quadro os número de O a 9 e assinalou 1.3.7 e 9. Imediatamente um aluno observou que um númer primo maior do que 5 nunca poderia terminar em O ou 5, porque se tal acontecesse seria múltipl de 5 e por isso nã primo. Assim, sugeriu que os número O e 5 fossem riscados.

Um outro aluno referiu que um númer primo maior do que dois nã pode ser par, porque todos os número pares sã múltiplo de 2. Assim, riscaram-se os número 2,4, 6 e 8. Os alunos notaram, então que as única possibilidades deixa- das para os algarismos das unida- des dos número primos eram. de facto. 1.3. 7 ou 9 e consideraram que a conjectura de Chuk estava demonstrada, facto que foi aceite pela professora.

Na sequênci de toda esta discussã um aluno reparou que nem todos os número que terminavam em 1.3, 7 ou 9 eram primos e deu como exem- plo o caso do 21, dizendo: "21 termina em 1 e. no entanto, nã à primo". Esta oportunidade foi aprovei- tada pela professora para clarificar alguns aspectos relacionados com a precisã da linguagem matemática

Em particular analisou a diferenç entre dizer que "todos os número que terminam em 1.3, 7 ou 9 sã primos" e dizer que "todos os número primos (maiores do que 5) terminam em 1.3, 7 ou 9".

Uma quest'o, para com-

A anális dos episódio 1 e 2 eviden- cia que os alunos apresentaram justificaçõ variadas para apoiarem as suas conclusões Poder-se-à considerar que todos apresentaram demonstraçõe

A esta questã podemos dar diversas respostas.

Uma resposta possíve à que todos os alunos fizeram demonstraçõe embora com nívei de sofisticaçà diferentes. Esta posiçà nã me parece sustentáve pois uma das questõe com que a demonstraçà lida à com a questã da generalidade (o que se passa em todos os ca- sos?). Nã à por, experimentalmen- te, se verificar que uma propriedade e válid para um certo númer de casos que se pode afirmar que ela à válid para todos. Sã conhecidas as partidas que, por vezes, nos prega o raciocíni indutivo. A apresentaçà de muitos exemplos n5o constitui uma demonstraçã Assim sendo, os alunos que no primeiro episódi justificaram que a afirmaçà e verdadeira analisando apenas um certo númer de casos particulares, nã apresentaram nenhuma demons- traçã Isto nã significa uma desva- lorizaçà das justificaçõ que enunciaram. k! precisamente na atitude de procurar justificaçõ para as afirmaçõ que se fazem e os resultados que apresentam que se pode enraizar e ganhar sentido a actividade de demonstrar.

Uma outra maneira de responder A questã levantada à situarmo-nos numa posiçà diametralmente oposta a anterior e afirmar que nenhum dos dois episódio revela a apresentaçà de demonstraçà alguma. Argumen- tos a favor desta segunda posiçà podem enraizar-se na constataçà de que nem mesmo a justificaçà apresentada por Raquel, ao ter por referênci casos particulares de pirãmides foi suficientemente geral.

Quanto a turma de Chuk, a defesa desta últim resposta pode apoiar-se no facto da argumentaçà apresenta- da nã ter o formalismo e o rigor matemátic necessários nomeada- mente ao níve da forma e da lingua- gem utilizadas.

Porém considerar que ningué apresentou uma demonstraçà nã me parece ser també uma posiçà sustentável A Raquel, como faz notar Eduardo Veloso, nã fez mais do que recorrer a "um processo de demonstraçà que ilustres matemáti cos ainda usavam no sécul XVII" (1 998. p. 371 1. Nas suas demonstra- çõ estes matemático usavam o exemplo generalizáve que consiste em demonstrar uma afirmaçà para um caso particular, mas de tal modo que o leitor ficarà convencido que essa prova serà válid no caso geral" (Veloso, 1998. p. 371 1. Assim. se aceitarmos que uma "demonstraçà matemátic e o que no passado e hoje à reconhecido como tal pelas pessoas que traba- lham no campo da matematica" (Douek, 1998). Raquel fez. de facto. uma demonstraçã

No caso da turma de Chuk, o que foi colectivamente produzido para a conjectura formulada constitui. também uma demonstraçà valida naquele contexto. Embora nã tenha sido utilizada linguagem matemátic simbólica nem se tenha organizado o raciocíni num formato em que explicitamente se usam os termos hipótese tese, e demonstraçã o que e um facto à que os alunos nã afirmaram que a conjectura era verdadeira sà porque a verificaram para alguns casos, tendo lidado com a questã da generalidade. Ao fazê Io apresentaram argumentos, matematicamente validos, para cada uma das afirmaçõ que enuncia- ram, usaram factos conhecidos e anteriormente aceites como verda- deiros para bases das suas justifica- çõ (por exemplo, todos os núme ros pares sã divisívei por 21, encadearam os argumentos uns nos outros de tal modo que uma ideia fluí da anterior sem deixarem '"pontas soltas" ou contradiçõ e deduziram, logicamente, uma conclusão Assim, podemos consi-

derar que a turma de Chuk demons. trou, colectivamente, a conjectura que este aluno tinha formulado.

3. Demonstraçà no currículo um meio e n'o um fim

Continuando a ter por referênci o segundo episódi constatamos que os alunos, devido as suas experiênci as com a exploraçà de padr'es, estavam sensibilizados para a procura de regularidades (por exemplo notaram que os número primos que conheciam maiores que 5 terminavam em 1.3. 7 ou 9). formularam uma conjectura plausíve (a enunciada por Chulo, testaram essa conjectura observando outros número primos, interrogaram-se sobre porque à que essa conjectura seria válid e desen- volveram um argumento convincente e logicamente correcto que mostrava a sua validade para todos os nœmero primos.

A actividade de demonstrar apareceu, assim, associada a actividade de produçà e validaçà de uma conjec- tura cuja veracidade nã era, de imediato, óbvia O que constituiu o motivo e o motor da demonstraçà que a turma apresentou foi, por um lado, a necessidade de garantir a validade da conjectura formulada e, por outro lado, o desejo de entender o porquà desta validade. Deste modo a demonstraçà surgiu como um instrumento que serviu. nã só para os alunos se convencerem da veraci- dade da conjectura produzida, mas també como um meio de progredir na compreensã da tarefa que tinham em mãos

k! este duplo papel da demonstraçà que hoje se valoriza. Uma boa demonstraçà à aquela que, para là de convencer, explica e faz avança na compreensã de uma ideia, problema ou resultado matematico, que clarifica porque à que uma relaçà funciona ou não

Quando consideramos a demonstra- çà de um ponto de vista educatiio talvez o seu papel fundamental seja precisamente, como defendem diversos autores, o de promover a compreensão Neste âmbito mais importante do que o formato final de

uma demonstraçà à a actividade de a produzir, à a sensibilidade ao seu interesse e necessidade, à a comuni- caçà clara e correcta das ideias matemática que estã em jogo.

O formato de uma demonstraçà deve subordinar-se a possibilidade de compreensã e, por isso, ser adequado ao níve de escolaridade e contexto de ensino. Poderà ser "um cálculo uma demonstraçà visual. uma discussã guiada observando regras de argumentaçà aceites, uma demonstraçà pré-forma ou informal, ou mesmo uma demonstra- çà que esteja conforme as regras de rigor restritas" (Hanna & Niels Jahnke. 1996. p. 903). O que à fundamental à que ela constitua, para o aluno, nã um objecto mate- mátic a estudar mas um instrumen- to que ele pode usar para fazer matematica.

4. Conjecturar e demonstrar: actividades entrelaçada Se, como foi realçad pela anális do episódi 2. a demonstraçà ganha sentido e relevânci quando os alunos sentem necessidade de a fazer. analisar o ensino da demonstraçà conduz-nos a dedicar uma atençà especial a outras actividades matemá ticas que estã intimamente relacio- nadas com a actividade de demons- trar. Entre estas estã o explorar, investigar, generalizar, conjecturar e argumentar.

Diferentemente do que acontecia hà alguns anos atrás estas actividades, intrinsecamente ligadas aos contex- tos e processos de criaçà e inven- çà matemática e 6 vertente experi- mental desta ciência sã hoje valorizadas nos currículo de Mate- matica. A ênfas que lhes à dada bem como ao raciocíni indutivo que lhes està associado nã significa, contudo, uma diminuiçà da impor- tânci da outra faceta fundamental da actividade matemática a actividade de demonstrar.

O que presentemente se defende e a importãnci dos alunos, na escola, experienciarem, de forma articulada, actividades de experimentaçã investigaçã formulaçà de conjectu- ras, argumentaçà e demonstraçã

Com efeito, vário educadores matemático salientam que hà fortes ligaçõ entre todas estas actividades (por exemplo, Boero, 1999: Bussi, 2000; Douek, 1998). Ou seja, o trabalho que o aluno desenvolve nas fases de formulaçà e exploraçà de uma conjectura e seu teste e frequen- temente inspirador dos argumentos a encadear lógic e dedutivamente para produzir a demonstraçà dessa conjectura.

Neste contexto, um grande desafio que se coloca aos professores à o de aproveitarem o entusiasmo proporcio- nado pela exploraçà de uma tarefa para motivarem os alunos a apresen- tarem uma demonstraçà ou, pelo menos, para procurarem compreen- der a demonstraçà que lhes à apresentada pelo professor. Isto nã significa, contudo, que a actividade de formulaçà de conjecturas deva estar subordinada a possibilidade de apresentaçà demonstrativa. Pode acontecer que os alunos formulem conjecturas que nã sã capazes de demonstrar com os conhecimentos matemático que possuem no momento. Este facto tem. em si mesmo, valor educativo, alem de poder proporcionar boas oportunida- des para os alunos aprofundarem, um pouco mais, a sua compreensã sobre o trabalho dos matemhticos onde a formulaçà de conjecturas e a sua demonstraçà nã anda, frequen- temente, a par e passo3.

5. Aprendizagem da demonstqh: um percurso

Os episódio que apresentei foram, deliberadamente, escolhidos por diversas razõe entre as quais destaco as duas que considero mais relevantes. Por um lado. tê por pano de fundo temas matemático diferentes: um diz respeito i Geo- metria e outro ao Número Por outro lado, os protagonistas são em ambos os casos, alunos do ensino básico

A primeira opçà està relacionada com uma orientaçà que. actualmen- te, se defende para o ensino da demonstraçã Diferentemente do que acontecia hà uns anos atrás em

que a demonstraçà era reservada a momentos e conteúdo especiais do curriculo, nomeadamente as aulas de Geometria, propõe-s hoje que as actividades de argumentar e de- monstrar. adaptadas a maturidade intelectual e matematica dos alunos, faça parte natural das discussõe na sala de aula. seja qual for o tópic em estudo.

A segunda opçà prende-se com outra ideia que me parece importante salientar. Muito frequentemente, ainda hoje, a aprendizagem da demonstra- çà aparece, exclusivamente, associa- da ao ensino secundári ou. na melhor das hipóteses aos finais do 3O ciclo do ensino básico Tal como acontecia hà uns anos atrás e ainda comum considerar-se, actualmente. que esta aprendizagem se pode iniciar, de repente, como uma nova forma de racionalidade que apenas e acessíve a alunos, mais velhos, que jà adquiram a maturidade lógic neces- sári para compreenderem definiçõ abstractas, usarem o simbolismo matemático distinguirem condiçõ necessária de condiçõ suficientes ou hipótes de tese, axioma, teorema ou corolário Nã me parece que esta seja a via mais adequada para que todos os alunos possam aprender a demonstrar e sintam necessidade e gosto por esta actividade.

A construçã pelos alunos, de uma ideia, cada vez mais correcta do que à uma demonstraçã desenvolve-se ao longo dos anos de escolaridade, "atravé da prátic permanente da argumentaçà em defesa das suas afirmaçõe (Veloso, 1998, p. 374). Assim, a aprendizagem da demonstra- çà vai sendo feita por etapas ao longo de um percurso que deve ser equacionado de modo a facilitar e a possibilitar o encontro de sentido nesta aprendizagem. Exemplos de actividades valiosas que poderã ajudar o aluno a percorrer, com sucesso, essas etapas, são em particular, a realizaçà de experiência e a anális de casos particulares, a procura de invariantes com vista a generalizaçã a formulaçà e explora- çà de conjecturas, a compreensã de que nã basta que um resultado seja válid para alguns casos para que

se considere válid para todos, a anális de exemplos e contra-exem- pios, a re-visitaçà de conjecturas formuladas para analisar se se mantê noutros contextos e as tentativas de avaliaçà e validaçà das conjecturas que se produzem.

O que importa, no que se prende com o ensino da demonstraçã nã é pois, submeter os alunos a uma racionalidade nova - numa etapa do seu percurso escolar que se conside- ra adequada para o efeito - mas. antes. ir criando, ao longo dos vário anos de escolaridade, condiçõ para que a racionalidade própri de cada um và evoluindo no sentido de haver a apropriaçã cada vez maior, de um sistema de validaçà particular característic da matemática

6. Génes da aprendizagem da demonstraçã os primeiros anos de escolaridade

Ha estudos que mostram que os alunos, mesmo quando o seu pensa- mento se situa ainda ao níve das operaçõ concretas, sã capazes de realizar acçõ encadeadas com objectos manipulaveis de modo a provar uma proposiçã tendo por pano de fundo o raciocíni dedutivo. Há tambbm, amplas evidência de que em ambientes adequados, as crianças desde os primeiros anos de escolaridade, sã capazes de tomar explícit o conhecimento que usam quando apresentam argumentos e justificaçõe sã capazes de reflectir sobre a natureza de um argumento. sã capazes de elaborar juízo acerca do poder explicativo de argumentos apresentados pelos seus pares e sã capazes de aplicar resultados gerais a que chegam a exemplos mais específicos

Deste modo, a génes da aprendiza- gem da demonstraçà matemática ao enraizar-se na compreensao de que as asserçõ matemática tê sempre razões na capacidade de produzir e avaliar justificaçõe no entendimento da necessidade destas justificaçõ e na compreensã do que constitui, na aula de Matemática um argumento aceitáve e adequado, situa-se no ensino básic e, em

particular, nos primeiros anos de escolaridade.

Aceitar que a aprendizagem da actividade de demonstrar se deve iniciar muito cedo remete para a importânci de dedicar, desde os primeiros anos, uma atençà especi- al 6 selecçà de tarefas que ajudem os alunos a criarem, descreverem e examinarem padr'es para detecta- rem regularidades, a formularem conjecturas, a explorarem estas conjecturas e a produzirem argumen- tos para as validarem ou rejeitarem baseados no trabalho que desenvol- vem. Neste âmbito as tarefas de investigaçà parecem ser particular- mente prometedoras.

Remete, igualmente, para a necessi- dade de criar na sala de aula uma cultura que veicule a ideia de que a matemátic à uma actividade de construçi de sentido, onde sejam estimuladas e valorizadas as tentati- vas de justificaçã explicaçà e argumentaçà feitas pelos alunos e em que a validade de uma justificaçà nã se baseie numa autoridade exterior, seja ela a do professor ou a do manual, mas na consistênci logica da argumentaçà apresentada. Com efeito, "enquanto os alunos espera- rem que seja o professor a decidir sobre a validade de um resultado da sua actividade, a palavra 'prova' nã farà sentido para eles tal como esperamos que faça (Balacheff, 1991, p. 179).

Nesta comunidade à fundamental que o professor tome todos os alunos responsávei tanto por articularem o seu raciocíni como por procurarem compreender o raciocíni dos cole- gas. Igualmente importante à que o professor crie oportunidades frequen- tes para que os alunos se envolvam em discuss6es genuína de ideias matemática e que fomente a apre- sentaçà de modos de justificaçà que estejam ao alcance destes mas que os apoie de modo a que vão gradualmente, incorporando nessas justificaçõe propriedades e relaçõ matemáticas

Criar esta cultura de sala de aula nã à tarefa fáci e cria muitos dilemas ao professor. Mas à seguramente um desafio quando se pretende que os

alunos desenvolvam a capacidade de demonstrar e sintam prazer nesta actividade.

Referência

Balacheff, N. (1991). The benefits and limits of socialinteraction:Thecaseofmathematical proof. Em A. Bishop&S. Mellin-Olsen &J. v. Dormolen (Eds.). Mathematical knowledge: lts gmwth through teaching (pp. 175-1 92). Dordrecht; Kluwer.

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Douek, N. (1998). Some remarks about argumentation and mathematical proof and theireducationalimplications. Texto apresentado em CERME-1 Conference. Osnabrueck.ht tp: / /www-cabr i . imag.fr/preuve

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Prince, A. (19981. Prove iti Mathematics Teacher. 9W1, 726.728.

Veloso, E. (1998). Geometria:Temas actuais. materiais para professores. Lisboa: Insti- tuto de Inovaçà Educacional.

Notas ' Painel moderado por Cristina Loureiro. A maior parte das ideias aue incluo neste texto foram, por mim. apresentadas nesse painel.

Programa do Ensino Liceal, 1954. 2' ciclo. O 2' ciclo da bpoca corresponde aos actuais 7¡ 8' e 9 anos.

Veja-se, por exemplo, o caso da conjec- tura das quatro cores e da conjectura de Fermat que s6 muito recentemente foram consideradas teoremas apesar de terem sido enunciadas h6 j6 muito tempo. Um outro resultado aue ainda hoie resiste bs tentativas de demonstraGão,apesa de ter sido j6 enunciado h6 cerca de vinte sbculos 6 o que afirma que um númer perfeito (númer iaual A soma dos seus civisores diferentesde si próprio por exemplo 6) n'o pode ser ímpa (Delahaye, 2000).

Ana Maria Roque Boavida ESE de Setúba