um novo olhar sobre a identidade dos sujeitos e os processos educativos da escola do campo no...

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1 UM NOVO OLHAR SOBRE A IDENTIDADE DOS SUJEITOS E OS PROCESSOS EDUCATIVOS DA ESCOLA DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE CAMPO MAGRO, NO ESTADO DO PARANÁ SILVA, Eliane de Souza 1 – UTP [email protected] Agência Financiadora: CAPES Resumo Este relato de experiência em andamento problematiza a identidade dos sujeitos do campo e os processos educativos de uma escola do campo, no município de Campo Magro, localizada em Curitiba, Paraná, Brasil. Apresenta resultados iniciais de uma pesquisa que está sendo desenvolvida pelo Observatório de Educação. A pesquisa está sendo realizada na perspectiva de investigação-ação, tendo como métodos observações, registro em diário de campo, análise documental, encontro e entrevistas. Contribuem para este estudo autores como Arroyo (2004), Caldart (2000, 2004, 2010), Souza (2006, 2008), Machado (2008), Verde (2013), Molina e Sá (2012), Schneider e Blume (2004), e documentos legais como Paraná (2006) e Brasil (2002). A pesquisa vem levantando discussões e reflexões acerca da identidade dos sujeitos do campo nos processos educativos da escola, tais como: identificar se a identidade dos sujeitos do campo está vinculada aos processos educativos da instituição e se as práticas estão relacionadas à valorização dos costumes, saberes, cultura e o trabalho. Constata-se que essa escola do campo é marcada por um ensino que valoriza os aspectos educacionais voltados para uma ideologia urbanocêntrica e as práticas são descontextualizadas e fragmentadas, sem a valorização da identidade e a cultura dos povos do campo. Além disso, muitas professoras ressaltam desconhecer a identidade dos sujeitos do campo do município. Entretanto, ao longo da pesquisa que temos realizado, há um despertar do interesse dos professores, diretora e pedagoga, que se mobilizam para reflexões e discussões dos processos educativos quanto às identidades dos sujeitos. Nota-se, enfim, que a escola precisa de processos educativos que instiguem a (re) pensar a rotina escolar e o lugar da instituição na comunidade local. Palavras-chave: Identidade. Processos Educativos. Sujeitos. Educação do campo. Introdução O presente estudo está vinculado ao projeto do Observatório 2 da Educação CAPES/INEP, núcleo Universidade Tuiuti do Paraná, o qual tem como objetivo principal 1 Mestranda em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná, integra o Núcleo de pesquisa em Educação do campo, Movimentos Sociais e Práticas Pedagógicas (NUPECAMP), é bolsista CAPES/Observatório da Educação. 2 O projeto Observatório da Educação Educação/CAPES/INEP – modalidade núcleo em rede Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul (UFPel) e Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) foi aprovado pelo Edital nº 038/2010, intitulado “Realidade das escolas do campo na

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UM NOVO OLHAR SOBRE A IDENTIDADE DOS SUJEITOS E OS

PROCESSOS EDUCATIVOS DA ESCOLA DO CAMPO NO MUNICÍPIO

DE CAMPO MAGRO, NO ESTADO DO PARANÁ

SILVA, Eliane de Souza1 – UTP

[email protected] Agência Financiadora: CAPES

Resumo Este relato de experiência em andamento problematiza a identidade dos sujeitos do campo e os processos educativos de uma escola do campo, no município de Campo Magro, localizada em Curitiba, Paraná, Brasil. Apresenta resultados iniciais de uma pesquisa que está sendo desenvolvida pelo Observatório de Educação. A pesquisa está sendo realizada na perspectiva de investigação-ação, tendo como métodos observações, registro em diário de campo, análise documental, encontro e entrevistas. Contribuem para este estudo autores como Arroyo (2004), Caldart (2000, 2004, 2010), Souza (2006, 2008), Machado (2008), Verde (2013), Molina e Sá (2012), Schneider e Blume (2004), e documentos legais como Paraná (2006) e Brasil (2002). A pesquisa vem levantando discussões e reflexões acerca da identidade dos sujeitos do campo nos processos educativos da escola, tais como: identificar se a identidade dos sujeitos do campo está vinculada aos processos educativos da instituição e se as práticas estão relacionadas à valorização dos costumes, saberes, cultura e o trabalho. Constata-se que essa escola do campo é marcada por um ensino que valoriza os aspectos educacionais voltados para uma ideologia urbanocêntrica e as práticas são descontextualizadas e fragmentadas, sem a valorização da identidade e a cultura dos povos do campo. Além disso, muitas professoras ressaltam desconhecer a identidade dos sujeitos do campo do município. Entretanto, ao longo da pesquisa que temos realizado, há um despertar do interesse dos professores, diretora e pedagoga, que se mobilizam para reflexões e discussões dos processos educativos quanto às identidades dos sujeitos. Nota-se, enfim, que a escola precisa de processos educativos que instiguem a (re) pensar a rotina escolar e o lugar da instituição na comunidade local. Palavras-chave: Identidade. Processos Educativos. Sujeitos. Educação do campo.

Introdução

O presente estudo está vinculado ao projeto do Observatório2 da Educação

CAPES/INEP, núcleo Universidade Tuiuti do Paraná, o qual tem como objetivo principal

1 Mestranda em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná, integra o Núcleo de pesquisa em Educação do campo, Movimentos Sociais e Práticas Pedagógicas (NUPECAMP), é bolsista CAPES/Observatório da Educação. 2 O projeto Observatório da Educação Educação/CAPES/INEP – modalidade núcleo em rede Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul (UFPel) e Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) foi aprovado pelo Edital nº 038/2010, intitulado “Realidade das escolas do campo na

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compreender o nível de letramento dos professores das escolas do campo, tendo como

referência o baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Aqui no Paraná,

seis escolas3 públicas rurais pertencentes à região Metropolitana de Curitiba estão envolvidas

na investigação.

Para atingir tal objetivo, no caso dos integrantes do Paraná, a bolsista e autora do

presente estudo, sob a orientação da Profª. Drª. Maria Antônia de Souza, coordenadora do

Programa de Pós Graduação - Mestrado e Doutorado em Educação (PPGED) da Universidade

Tuiuti do Paraná (UTP) e do Observatório da Educação núcleo Paraná, problematiza a

educação do campo no re (pensar) coletivamente a identidade dos sujeitos nos processos

educativos da escola do campo do Município de Campo Magro.

Este processo de investigação e intervenção está sendo realizada com professoras do

1º, 2º, 3º, 4º e 5º anos. Todas as educadoras da escola têm nível superior, sendo que a maioria

delas cursou a distância.

Durante a inserção na escola, que foi permeada de observações, encontros, reflexões,

percebeu-se um ensino fragmentado e descontextualizado, com atividades distantes da prática

social dos alunos, conteúdos que valorizam muito as relações urbanas e menosprezam os

sujeitos do campo, fazendo com que se sintam inferiores ou discriminados.

Percebeu-se que as professoras privilegiam as disciplinas de Matemática e Língua

Portuguesa e esporadicamente abordam em suas aulas diárias a valorização da identidade e a

diversidade cultural.

Nesse sentido, o objetivo central da pesquisa em desenvolvimento é verificar se a

identidade dos sujeitos do campo está vinculada aos processos educativos da escola, e se as

práticas estão relacionadas à valorização da memória, da cultura, saberes, costumes e o

trabalho.

Considerando essas indagações, discussões e proposições, o texto estrutura-se da

seguinte forma: a primeira parte do trabalho destaca sobre a instituição investigada. A

segunda trata um pouco da identidade e cultura dos sujeitos no município de Campo Magro.

A terceira traz um novo olhar sobre os processos educativos e a identidade dos sujeitos no

Município. E, por fim, as considerações iniciais.

região Sul do Brasil: Diagnóstico e intervenção pedagógica com ênfase na alfabetização, letramento e formação de professores”. 3 As seis escolas pesquisadas no Paraná são: Escola Rural Municipal Rui Barbosa, Escola Rural Municipal João Sperandio, Escola Rural Municipal Deputado Leopoldo Jacomel, Escola Municipal Vilson Hasselmann, Escola Rural Municipal Professora Mercedes Marques dos Santos, Escola Rural Municipal Alô Guimarães.

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Sobre a escola Professora Mercedes Marques

O desenvolvimento do presente estudo está acontecendo no turno matutino e

vespertino da Escola Municipal Professora Mercedes Marques dos Santos, que atende

Educação Infantil e Ensino Fundamental. Atualmente a escola funciona no período da manhã

das 8h às 12h e à tarde, das 12h30 às 16h30.

Na proposta pedagógica da escola (2007) encontramos algumas informações

importantes a que convém mencionar. A escola, cujo terreno foi doado por pessoas da

comunidade, foi construída em 1990 e está localizada em Campo Magro, Estado do Paraná,

Brasil. Esse município foi emancipado de Almirante Tamandaré, no bairro Retiro,

culminando na desativação de várias escolas multisseriadas, mais conhecidas na região como

Escolas Consolidadas.

A escola Municipal Mercedes Marques atende as seguintes comunidades: Freguesia

dos Laras, Terra Boa, Ouro Fino, Jacuzal, Campo da Cascavel, Conceição dos Túlios,

Conceição dos Correas, Várzea, Canavial, Paina, Retiro, Conceição da Meia Lua, Meia Lua

dos Freitas, Capivara dos Ferreiras, Barra de Santa Rita, Alto Sebastião, e outro município

(Almirante Tamandaré).

As atividades escolares na escola iniciaram-se em 1991, sob a Resolução n.o 310/91

de 25/10/91, com o nome de Escola Municipal Nossa Senhora Aparecida. Posteriormente,

com a Resolução n.o 3034/97 de 10/09/97, passou a ser chamada Escola Municipal Professora

Mercedes Marques dos Santos, em homenagem à sua primeira diretora.

Até o ano de 2007, no mesmo prédio da escola Municipal Mercedes Marques

funcionava o Colégio Estadual Nossa Senhora da Conceição, que ofertava o ensino

fundamental e médio nos períodos da tarde e noite. Assim, configurava um prédio com

dualidade administrativa, sendo municipal e estadual.

Como princípio educativo, essa instituição segue as exigências dos documentos

vigentes, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394/96, tendo por

objetivo constituir-se em uma escola que propõe atender os alunos e suas necessidades

básicas, respeitando as suas diferenças e cultura própria do local em que estão inseridos.

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Um pouco da identidade e cultura dos sujeitos do campo no Município de Campo Magro

Figura 1, 2, 3 – Município de Campo Magro. Figura 4 – Alunos da escola e o transporte

escolar.

Fonte: Eliane de Souza Silva, 2013.

A educação do campo compreende que é essencial resgatar tanto o reconhecimento

quanto a valorização do contexto social, trabalhá-los e articulá-los com as práticas

pedagógicas, pois se trata do começo de uma aprendizagem significativa. Corrobora-se,

assim, com Arroyo, que ressalta que as instituições escolares têm que ser mais ricas,

incorporar a cultura, o saber e o conhecimento construído socialmente. (ARROYO, 2004)

A educação no campo não evidencia apenas o lugar, mas seus sujeitos e suas práticas.

Portanto, defendemos uma concepção de educação do campo que valorize os conhecimentos

da prática social dos camponeses, enfatizando o campo como lugar de moradia, trabalho,

sociabilidade, lazer, identidade, um lugar de construção de novas possibilidades de (re)

produção social e desenvolvimento sustentável. (SOUZA, 2008)

Molina e Sá (2012) destacam que:

A educação do Campo, nos processos educativos escolares, busca cultivar um conjunto de princípios que devem orientar as práticas educativas que promovem – com a perspectiva de oportunizar a ligação da formação escolar à formação para uma postura na vida, na comunidade – o desenvolvimento do território rural, compreendido este como espaço de vida dos sujeitos camponeses. (p. 329)

É emergente a necessidade de as instituições escolares, juntamente com seus

profissionais, articularem e trabalharem os conteúdos relacionando à vida concreta dos povos

do campo, trabalhar a diversidade de conhecimentos e informações em sua prática diária.

Faz-se necessário superar aquela visão tradicionalista e estereotipada de que os

sujeitos que vivem no campo são atrasados, arcaicos e os professores desqualificados, e o

urbano como avançado. É preciso (re) construir um novo olhar acerca do espaço rural, e dos

sujeitos que nele vivem, superando essa ideologia, valorizando e reconhecendo a

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especificidade tanto da vida quanto das relações culturais e sociais, rompendo com essa

dicotomia campo e rural.

Nota-se uma grande fragilidade dos professores e alunos, que se sentem

envergonhados de falar e até trabalhar os conteúdos relacionados e produzidos na própria

região, gerando assim uma situação de inferioridade e insegurança.

Desse modo, verifica-se a necessidade de resgatar essa maneira de pensar, numa

tentativa de superar as fragilidades apresentadas e demonstrar que os sujeitos que vivem no

campo trazem uma cultura e identidade própria.

Entendemos que valorizar as características rurais é essencial para a produção do

conhecimento em sala de aula. Muitas vezes o professor deixa de lado as experiências ricas

trazidas pelos educandos, esquecendo-se de aproveitar os recursos do local de convívio do

aluno. Ignora-se que a vida no campo reúne conhecimentos e saberes que vão muito além dos

conteúdos formais e livrescos; deixa-se, em outras palavras, de se buscar uma formação sócio-

histórica dos alunos, que seguramente ampliara a visão de mundo deles.

Souza (2006) afirma que:

Desenvolver o exercício da participação nas decisões curriculares é um desafio para os próprios professores, pois estão habitualmente às decisões oriundas das instâncias governamentais e foram formados sem a clareza do que é ser sujeito do ato educativo. A participação ocorre quando há disponibilidade individual para superar as deficiências e quando há disponibilidade individual para superar as deficiências e quando há liberdade e respeito entre os envolvidos. É um exercício de aprendizagem constante, do saber falar, ouvir, propor, contrariar e complementar. (p. 106)

Nessa ótica, entendemos que a valorização da cultura dos povos do campo formará

vínculos com os envolvidos e gerará um sentimento de pertença ao lugar e também ao grupo

social. É possível formar uma identidade social e cultural e levar o educando a entender o

mundo e transformá-lo. (PARANÁ, 2006)

Percebe-se que, a partir do momento em que os indivíduos começam a agir como

integrantes de determinado grupo social e (re) conhecem a sua própria identidade, há um

envolvimento maior das pessoas em busca de transformação da realidade. Elas se posicionam

diante das várias transformações e (re) descobrem desta maneira um sentimento que estimula

os indivíduos a defender seus objetivos e ideias, recriando maneiras de convivência e

transmitindo valores de geração a geração. (BRASIL, 2004)

Os professores, alunos e demais envolvidos com a escola precisam ter um novo olhar

para o local onde vivem, pois são indivíduos com os mesmos direitos das pessoas que moram

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na cidade. Deve-se valorizar o ensino e aprendizagem, buscando-se melhorias da qualidade do

ensino e uma perspectiva melhor de vida dos sujeitos do campo.

Segundo as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, os

sistemas de ensino precisam organizar:

I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo; II - propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e a fidelidade aos princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas. (BRASIL, 2002)

É necessário que os sujeitos comecem a reivindicar políticas públicas que atendam

esses educandos do campo para que possam ter uma educação de qualidade.

Caldart (2004, p. 150) destaca que “a nossa luta é no campo das políticas públicas,

porque esta é a única maneira de universalizarmos o acesso de todo o povo à educação”.

Podemos notar que a educação do campo identifica “[...] é a luta do povo do campo por

políticas públicas que garantam o seu direito a educação e a uma educação que seja no e do

campo”. No campo, é necessária uma educação de direito no lugar onde se vive, e do uma

educação que seja imaginada desde o lugar, que articule tanto a cultura quanto as

necessidades sociais e humanas, com a participação ativa, que é um direito de todos.

As pesquisas sobre a educação do campo retratam sobre o papel da educação na

formação da identidade dos sujeitos do campo, bem como a sua noção de identidade, ligada

aos elementos dos saberes dos camponeses. De acordo com Caldart (2004) o campo apresenta

uma diversidade de povos, a saber: Pequenos agricultores, povos indígenas, quilombolas,

pescadores, assentados, reassentados, roceiros, ribeirinhos, caipiras, povos da floresta,

lavradores, agregados, sem terra, meeiros, caboclos, assalariados rurais, entre outros, variando

de acordo com a região.

Essa concepção está expressa nas Diretrizes e tem sua identidade definida no art. 2º, §

único das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, ao destacar

que:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que

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associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (BRASIL, 2002, p. 1)

Acredita-se que a ênfase dada à educação do campo nas reflexões acadêmicas tem

modificado o rumo da história dos sujeitos de direitos, trabalhadores rurais, principalmente

concernentes “ao posicionado e a representatividade dos professores das escolas do campo, na

forma de debates, discussões e outros, enquanto agentes transformadores do pensamento dos

dirigentes a respeito de uma nova educação para o meio Campesino”. (MACHADO, 2008, p.

5)

Quanto ao município de Campo Magro, trata-se de uma região rica em inúmeras

belezas naturais, áreas verdes, belas paisagens, pontos turísticos, entre outros. Segundo dados

do IBGE (2010), a população é de 24.843 habitantes; desse total, 21,31% moram na área

rural. A área do município é de 263 km², assim distribuída: 28 km² de área urbana4 e 230 km²

de área rural.

Encontramos diversos pontos turísticos na região, tais como pousadas, restaurantes e

recantos, que oferecem algumas oportunidades de emprego para a população. O Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) da população é de 0.74, relembrando a contradição

existente numa região com várias riquezas naturais, terra fértil e a privação econômica de seus

moradores, cuja renda média domiciliar per capita é de R$ 543,44. (IPARDES, 2012)

Dados desse mesmo documento supracitado mostram que o município traz um

passado dinâmico no processo de colonização, que tinha como principal atividade econômica

o trabalho dos escravos na exploração do ouro. Sua marca é o tropeirismo5, e sua instalação

como município deu-se em 1º de janeiro de 1997, após ter sido separado de Almirante

Tamandaré, em 11 de dezembro de 11956. Campo Magro está localizado em uma região

cárstica7, de grande quantidade de rochas carbonáticas, que contêm um aquífero de grande

potencial, mas com extrema vulnerabrilidade. O relevo é composto por montanhas, planícies,

e vales com vegetação nativa.

As atividades econômicas do município são tanto as atividades agrícolas como as não

agrícolas. Nas atividades agrícolas, o cultivo baseia-se nas plantações de batata, feijão, milho,

tomate, pepino, soja, trigo, frutas e hortaliças, caracterizando-se como produção familiar. As 4 De acordo com o IBGE, o critério urbano e rural é considerado os fatores políticos e administrativos, os quais definem através de um cálculo a área física do perímetro tanto urbano quanto rural. 5 A palavra Tropeirismo deriva de tropa e foi uma atividade desenvolvida por grupos de homens (tropeiros) que conduziam gado por regiões do Brasil, assim como bens necessários. (INFOPÉDIA, 2012) 6 Disponível em: <http://prefeituradecampomagro.blogspot.com.br/>. Acesso em: 26 jun. 2013. 7 Diz-se do relevo originado em regiões calcárias, produzido pelo trabalho de dissolução realizado pelas águas superficiais e subterrâneas. (INFOPÉDIA, 2012).

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atividades não agrícolas também fazem parte dos trabalhos dos moradores da região, tais

como turismo rural, artesanato, usina de reciclagem de lixo, comércio de produtos naturais e

orgânicos. (IPARDES, 2012)

Percebemos que a ruralidade nesses últimos anos vem ganhando outros sentidos, pois

abrange um campo muito maior do que simplesmente as criações de animais e plantações.

Nessa perspectiva, concordamos com a pesquisadora Verde (2004) quando destaca que

o espaço rural precisa ser entendido além da economia agrícola e que deve envolver as

dimensões espacial, ambiental, demográfica e cultural.

Essa mesma autora aborda que a população total do estado do Paraná, por sua

ocupação e densidade, apresenta uma realidade imbuída pelo rural. O espaço rural integra os

territórios de maneira predominante, e isso requer a incorporação de análises tanto nos

programas governamentais quanto não governamentais. Assim, o rural e o urbano devem ser

compreendidos num continuum, tendo em vista que o rural se urbanizou devido ao

desenvolvimento e a aplicação de técnicas industriais na agricultura, tendo um

transbordamento do urbano para o rural.

Schneider e Blume (2004) ressaltam que “os traços culturais que ali ocorrem são

fluidos, permeáveis e transpassados e integrados de algum modo à sociedade contemporânea.

Portanto, a ideia de associar o rural ao atrasado e o urbano ao progresso e à modernidade

perdeu o sentido”. (p. 110)

Assim, nesse estudo buscam-se reflexões e estudos com as professoras, pedagogas e

diretora da escola acerca de um novo olhar para o local onde se vive e trabalha, com o

objetivo de valorizar mais os aspectos cultura, identidade, saberes e o trabalho dos sujeitos do

campo nos processos educativos.

Pelo trabalho, o aluno produz conhecimento, cria habilidades e forma a sua

consciência. Em si mesmo o trabalho tem uma potencialidade pedagógica, e a instituição pode

torná-lo mais plenamente educativo, na medida em que ajuda os sujeitos a perceber o seu

vínculo com as demais dimensões da vida, tais como a sua cultura, seus valores e posições

políticas. (CALDART, 2000)

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Um novo olhar obre os processos educativos e a identidade dos sujeitos no Município.

Figura 1 e 2 – Trabalho realizado pelos alunos Figura 3 - Cadernos dos alunos

Fonte: Eliane de Souza Silva, 2013.

A escola rural do Município de Campo Magro é composta por sujeitos que estão em

busca do direito a uma escola que envolva e seja envolvida por diversas características, que

valorize as suas identidades, os aspectos sociais, culturais em prol de uma ressignificação do

cotidiano escolar e da realidade concreta dos povos do campo, consequentemente uma

educação emancipatória e transformadora.

Mas, para que os professores trabalhem os conteúdos relacionados a sua vida no

campo, suas culturas, saberes, costumes, trabalho etc., é necessário primeiramente

desenvolver um trabalho com todos os envolvidos no âmbito escolar, principalmente os

professores, diretores e pedagogos, de modo a mobilizá-los para as reflexões acerca dos

processos educativos e a valorização da diversidade e identidade dos sujeitos, compreendendo

as inúmeras riquezas da sua região, a importância do campo, e os seus meios de

sobrevivência, entre outros.

O professor pode trabalhar em várias disciplinas, tais como geografia, história, artes

entre outras, diversificados tipos de textos e atividades que tratem e valorizem o próprio lugar.

Percebe-se que há um interesse e desejo do próprio grupo na busca do (re) pensar

acerca dos processos educativos e dos sujeitos do campo. Relatam-se algumas problemáticas

que interferem na qualidade do ensino, tais como necessidade de entender as questões

históricas como a desvalorização do campo, conhecer mais a realidade dos alunos atendidos, e

que muitas vezes não se trabalham determinados conteúdos por não se conhecer o assunto.

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Para o desenvolvimento deste trabalho mensalmente, levamos as coordenadoras e

professoras da Secretaria da Educação do Município de Campo Magro. Estas colaboradoras

trabalharam com os educandos durante o período em que as professoras estão nos encontros.

Iniciam-se os estudos refletindo-se e debatendo-se com todas as professoras, diretora e

pedagoga as práticas pedagógicas desenvolvidas do cotidiano escolar diário, as características

da comunidade atendidas pela escola, o que conhecem da região, as atividades agrícolas, não

agrícolas, as inúmeras belezas do município, as diversas opções de lazer, passeios, entre

outros.

Constata-se nos encontros um envolvimento muito grande das professoras, que

refletem acerca da sua própria prática e ressaltam os trabalhos que começaram a desenvolver

após os nossos estudos.

Eu nasci no município, cresci, estudei, casei, trabalho e continuo morando aqui, e nunca tinha pensado sobre as inúmeras riquezas da região onde moro. Como nós moramos num lugar rico de inúmeras belezas naturais, com lindas paisagens, e às vezes nós que estamos aqui diariamente não percebemos, é preciso alguém de fora vir e nos mostrar as coisas interessantes que temos e que dá pra trabalhar em sala de aula com os alunos. Muitas vezes ficamos trabalhando e valorizando tantas coisas da cidade e esquecemos da nossa própria região. (Fala da professora do 3º ano)

Percebe-se que as profissionais da escola precisam de processos educativos que as

instiguem a (re) pensar o cotidiano escolar, a sua prática diária e o local onde vivem e

trabalham.

As professoras começaram a trabalhar textos em sala de aula de sua própria produção

sobre o espaço rural, as suas principais culturas, a importância das atividades do espaço rural,

entre outros.

Aproveitando que o preço do tomate está elevado, eu comecei a dialogar com os meus alunos, e perguntei pra eles assim: Quem aqui na sala de aula os seus pais trabalham com a agricultura, com o plantio? Todos ficaram quietos, nenhum aluno respondeu nada. Eu continuei insisti no assunto: Turma, o meu marido trabalha no campo e cultiva vários produtos, inclusive o tomate, nós moramos numa casa simples e de madeira aqui perto. Daí os alunos começaram a levantar as mãos: Professora o meu pai também planta... (Fala da professora do 3º ano)

A partir do momento que a própria professora se coloca naquela condição igual a eles,

os alunos começam a dialogar, interagir e ver que ela também é do campo, mora ali, que não

tem vergonha do seu lugar, pois é um local como qualquer outro, portanto deve ser

valorizado.

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Percebe-se que, quando há uma conscientização e dialogicidade num grupo de

educadores, eles começam a ser agentes da sua própria transformação, reconhecem e

valorizam não apenas a sua identidade, mas a dos seus educandos também, construindo o seu

contexto histórico, não sendo somente aqueles profissionais que recebem as decisões de cima

para baixo, mas sim pessoas envolvidas nos objetivos escolares e intervenções a serem feitas.

É nessa perspectiva que defendemos uma concepção de educação que reconheça e

valorize tanto a cultura quanto a identidade dos diversos indivíduos do campo, de maneira

contextualizada e voltada às práticas sociais, criando assim possibilidades de futuramente

ampliar as condições de vida de trabalho no e do campo.

É preciso entender que não se pode pensar em transformação da escola do campo sem

(re) pensar na questão da transformação das práticas educativas e na modificação do projeto

de formação do ser humano. Qualquer prática educativa se fundamenta numa concepção de

ser humano, numa visão de mundo e numa maneira de (re) pensar os processos de

humanização e também de formação do ser humano. (CALDART, 2010)

Algumas considerações

Durante os encontros em andamento, percebeu-se que quando as professoras têm a

oportunidade de dialogar, compreender e refletir acerca da sua própria prática, dos seus

sujeitos, tendo a consciência da sua realidade, a importância da valorização do local onde

vivem e trabalham, consequentemente transmitirão isso aos seus educandos.

Percebeu-se isso pelas suas falas, relatos, e também dos cadernos e trabalho realizados

pelos próprios alunos, conforme consta nas fotos deste trabalho, as quais demonstram as

atividades propostas e desenvolvidas pelas professoras.

Até o presente momento, os estudos nos mostram a necessidade de intensificar mais os

debates e pesquisas na esfera das políticas e também das práticas pedagógicas para

transformar a realidade educacional da escola do campo.

Para frente, o desafio deste projeto, vinculado ao Observatório da Educação, que é de

extrema relevância, será dar continuidade aos encontros e reflexões, numa perspectiva de uma

construção coletiva de atividades e conteúdos que respondam às reais necessidades dos

professores e alunos, uma vez que a pesquisadora e bolsista, já identificou a conjuntura desta

instituição escolar.

Compreendemos que é (re) conhecendo a realidade, questionando-a, dialogando e

conquistando a confiança dessas profissionais do campo, realizando intervenção, que iremos

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produzir a teoria como expressão da prática dessa realidade e este é o grande desafio que nos

faz seguir em frente.

REFERÊNCIAS

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