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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE LUCAS KOUTSOUKOS CHALHOUB O IMPEACHMENT BRASILEIRO: UM ESTUDO HISTÓRICO E COMPARADO NITERÓI 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

LUCAS KOUTSOUKOS CHALHOUB

O IMPEACHMENT BRASILEIRO:

UM ESTUDO HISTÓRICO E COMPARADO

NITERÓI 2017

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LUCAS KOUTSOUKOS CHALHOUB

O IMPEACHMENT BRASILEIRO: UM ESTUDO HISTÓRICO E COMPARADO

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Manuel Val

Niterói 2017

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto

C436

Chalhoub, Lucas Koutsoukos. O impeachment brasileiro: um estudo histórico e comparado

/ Lucas Koutsoukos Chalhoub. – Niterói, 2017. 119 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) –

Universidade Federal Fluminense, 2017. 1. Impeachment. 2. Crime de responsabilidade. 3. Política e

governo. 4. Crise política. 5. Democracia. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável. II. Título.

CDD 341.2

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LUCAS KOUTSOUKOS CHALHOUB

O IMPEACHMENT BRASILEIRO: UM ESTUDO HISTÓRICO E COMPARADO

Aprovado em __ de ______________ de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Manuel Val – orientador

Universidade Federal Fluminense

_________________________________________ Convidado(a):

_________________________________________ Convidado(a):

NITERÓI 2017

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sandra e Sidney, por tudo o que fizeram e continuam a fazer por mim.

À minha irmã, Lara, minha companheira mesmo depois de cinco anos morando à

distância;

Aos meus avós paternos, Nabih e Ermelinda, que me abrigaram e acolheram,

especialmente no último semestre;

Aos meus avós maternos, Jean e Valeria, pelo carinho;

Aos meus amigos da UFF, que me fizeram companhia durante esses anos de graduação;

Aos meus professores da UFF, em especial à Paula Pimenta, pelas aulas inspiradoras no

começo da graduação e pela amizade que já dura cinco anos; e ao Gabriel Rached, meu

orientador de Iniciação Científica;

À Faperj, pela bolsa de Iniciação Científica que me apresentou formalmente ao mundo

da pesquisa acadêmica;

Ao professor e orientador Eduardo Val, pela orientação, pela ajuda, pelas conversas

sempre muito francas e pelo voto de confiança;

À Ludmila, por ser indispensável nessa reta final.

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WATTERSON, Bill. Calvin and Hobbes, 1o de março de 1986.

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RESUMO Este trabalho analisa o instituto do impeachment em perspectiva legal, comparada e histórica. De início, analisa o impeachment nos Estados Unidos, particularmente sobre o que consiste uma ofensa que o pode gerar, com base em pesquisa bibliográfica e doutrinária. Ademais, analisa o impeachment no Brasil, primeiramente em perspectiva jurídico-histórica, desde tempos do Império, reconstruindo sua aplicação, o histórico processual do instituto, com foco particular sobre os chamados crimes de responsabilidade. Posteriormente, analisa os casos de impeachment no Brasil republicano, consumados ou não, de Getúlio Vargas, Café Filho, Carlos Luz, Fernando Collor e Dilma Rousseff, buscando averiguar elementos em comum e dissemelhanças, verificando com que fim se mobilizou o instituto em cada ocasião e quais eram os fatores conjunturais em jogo. Para tanto, perpassa a pesquisa jurídico-legal e mobiliza outras áreas do conhecimento, especialmente a história, com especial atenção para fontes primárias de cada contexto examinado. Palavras chave: impeachment; crime de responsabilidade; high crimes and misdemeanors; instabilidade; democracia.

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ABSTRACT This monograph examines the institute of impeachment in a legal, compared and historical perspective. At first, it analyzes impeachment in the United States, particularly on what consists an impeachable offense, based on bibliographic and scholarly research. Furthermore, it analyzes the institute in Brazil, at first in a legal-historical perspective, since the days of the Empire, reconstructing its applicability, and its procedural history, with special attention to the so-called Crimes of Responsibility. Afterwards, it delves into the instances in which impeachment occurred in republican Brazil, successfully or not, against Getúlio Vargas, Café Filho, Carlos Luz, Fernando Collor, and Dilma Rousseff, scrutinizing for elements in common and differences, verifying to what end the institute was mobilized in each occasion, and the surrounding conjuncture. For such, it surpasses purely legal research and makes use of instruments from other areas of knowledge, particularly history, with special attention to primary sources from each of the examined eras. Keywords: impeachment; crimes of responsibility; high crimes and misdemeanors; instability; democracy.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10 CAPÍTULO 1: O IMPEACHMENT NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA .................. 12 1.1 Origens históricas do impeachment estadunidense ............................................................ 15 1.2 O escopo de ofensas geradoras de impeachment ............................................................... 18 1.2.1 Treason e bribery ........................................................................................................... 18 1.2.2 Other high crimes and misdemeanors ........................................................................... 19 1.3 Questões doutrinárias ......................................................................................................... 22 1.3.1 A natureza do ato ........................................................................................................... 22 1.3.2 O momento em que o ato foi cometido .......................................................................... 24 1.3.3 Outras controvérsias ....................................................................................................... 26 1.4 O processo .......................................................................................................................... 27 1.4.1 O papel da Câmara de representantes ............................................................................ 28 1.4.2 O papel do Senado ......................................................................................................... 30 1.4.3 A natureza do processo e o ônus da prova ..................................................................... 32 1.5 Revisão judicial do impeachment ...................................................................................... 32 1.6 Palavra final ....................................................................................................................... 36 CAPÍTULO 2: O IMPEACHMENT NO BRASIL .................................................................. 38 2.1 Origens históricas do impeachment no Brasil ................................................................... 39 2.2 Os crimes de responsabilidade ........................................................................................... 45 2.2.1 Questões doutrinárias sobre os crimes de responsabilidade .......................................... 49 2.2.1.1 A natureza do crime de responsabilidade e o momento em que o ato foi cometido .. 49 2.2.2 A importância da discussão acerca dos crimes de responsabilidade ............................. 52 2.3 O procedimento .................................................................................................................. 52 2.3.1 O rito na Câmara dos Deputados ................................................................................... 53 2.3.2 O rito no Senado ............................................................................................................ 54 2.3.3 A natureza jurídica do processo ..................................................................................... 55 2.4 Revisão judicial do impeachment ...................................................................................... 57 2.5 Impeachment, abusos, presidencialismo de coalizão e democracia .................................. 58 CAPÍTULO 3: IMPEACHMENTS NO BRASIL REPUBLICANO ....................................... 62 3.1 A tentativa contra Vargas ................................................................................................... 62 3.2 Os impeachments em 1955 ................................................................................................ 70 3.3 O impeachment de Collor .................................................................................................. 80 3.4 O impeachment de Dilma Rousseff ................................................................................... 89 EPÍLOGO ............................................................................................................................... 101 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 106 Fontes primárias ..................................................................................................................... 106 Fontes secundárias ................................................................................................................. 116

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INTRODUÇÃO

Em 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados autorizou a abertura do processo de

impeachment contra a então Presidente da República, Dilma Rousseff. Os deputados, ao subir

à tribuna, dedicaram seus votos a deus, à pátria, à luta contra a corrupção (mesmo os acusados

de corrupção), e poucos fizeram referência às supostas ofensas cometidas pela presidente. A

presidente foi acusada de desrespeitar a lei orçamentária, portanto cometendo “crimes de

responsabilidade”, uma relíquia legal brasileira que, como será visto adiante, tem uma definição

surpreendentemente porosa e imprecisa. Em 31 de agosto, Dilma foi oficialmente removida do

cargo de Presidente da República.

O impeachment de Dilma Rousseff representou—e continua a representar—a reversão

do caminho político escolhido nas urnas em 2014. A eleição presidencial, quiçá o momento de

mais intensa participação popular nos rumos da nação, votou em um governo que se

comprometeria pelos programas sociais, pela justiça social, pela mulher, pelo negro, pelo pobre,

pelo bolsa família e minha casa minha vida, etc. O impeachment, meros dois anos depois,

entregou à nação um governo que mais se assemelharia ao governo do grupo político que foi

derrotado em 2014, a quarta vez consecutiva para o executivo federal.

Este trabalho se debruça, inicialmente, sobre o impeachment que é tido como a grande

influência sobre o instituto brasileiro: o impeachment estadunidense, principalmente focado nas

questões doutrinárias sobre o tema. Curiosamente, devido às circunstâncias eleitorais nos EUA,

o impeachment também é um assunto em voga lá—e certamente também o seria se a outra

candidata tivesse ganho as eleições. É gratificante escrever um trabalho que examina algo que

já aconteceu, no caso do impeachment brasileiro, mas que também poderá servir como um guia

para o entendimento de algo que poderá vir a acontecer.

O segundo capítulo é dedicado ao exame doutrinário e histórico do impeachment no

Brasil, desde a sua primeira versão, nos tempos do império. Para tanto, o trabalho observou a

obra de grandes doutrinadores contemporâneos de direito constitucional, e teve como guia

principal o paradigmático livro sobre o tema escrito por Paulo Brossard que permanece, tantas

décadas depois, o melhor trabalho brasileiro dedicado exclusivamente a este tema.

O terceiro capítulo examina as ocorrências do impeachment na história republicana

brasileira: Getúlio Vargas, em 1954, os impeachments de Café Filho e Carlos Luz, em 1955, o

impeachment de Fernando Collor, em 1992, e de Dilma Rousseff, em 2016. Este capítulo se

afasta da análise puramente jurídica dos casos, fazendo uso de fontes primárias (principalmente

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jornais de cada época) quando possível. As circunstâncias de cada um dos impeachments em

muito se assemelham.

Exceto os impeachments ocorridos em 1955, que seriam melhor descritos como golpes,

ou contragolpes militares, os impeachments republicanos geralmente associam fatores de

performance econômica, hostilidade da imprensa e de setores de classe média e alta da

sociedade, além do carisma político dos líderes em questão e sua disposição ou não para ceder

às demandas de um legislativo que atende aos próprios interesses. Ou seja, os impeachments

ocorridos no Brasil foram mais produto de conjuntura—política, socioeconômica, etc.—do que

de atos concretos cometidos pelos presidentes. A grande exceção neste sentido foi Fernando

Collor, que foi acusado de todo tipo de torpeza pelo seu próprio irmão. Todavia, Collor não

necessariamente teria caído não fossem outros fatores que afetavam a sua presidência (afinal, o

presidente da república atual também foi gravemente acusado e permanece no cargo).

Mais do que um trabalho sobre os aspectos formais e processuais do impeachment,

pareceu-me importante elaborar um trabalho no qual o instituto é abordado de forma crítica—

um trabalho no qual algumas de suas deficiências são abordadas, e as instâncias de seu mau uso

são claramente delineadas.

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CAPÍTULO 1: O IMPEACHMENT NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA A discussão acerca do impeachment nos Estados Unidos antecede a Constituição

daquele país. Anteriormente à elaboração da constituição federal estadunidense, o tema era

abordado de maneiras diferentes nas constituições estaduais, especialmente no tocante aos

sujeitos que poderiam ser submetidos ao instituto, às acusações que poderiam ser feitas, e ao

corpo qualificado para julgar tais acusações. Esses procedimentos estaduais haviam sido

influenciados pela experiência britânica com o impeachment entre os séculos treze e dezoito,1

que surgira como um mecanismo para garantir a inviolabilidade do soberano, transferindo a

responsabilidade por seus delitos aos ministros. Com o tempo, tornou-se um mecanismo para

fazer com que os ministros do Rei respondessem ao parlamento, e não somente ao Rei2 (que

respondia apenas a Deus).

Familiares com o absolutismo da dinastia Stuart, no Reino Unido, os constituintes

americanos temiam um presidente tirânico, farto de poder, e o medo de abusos presidenciais

prevaleceu sobre objeções de que o impeachment cercearia a independência do cargo, uma

demonstração da preferência dos EUA colonial pelo poder legislativo.3 Inicialmente talhado

para o cargo de presidente da república, o impeachment americano foi, no último minuto,4

expandido para incluir também oficiais civis dos Estados Unidos, inclusive os juízes federais.

Apesar de o impeachment de juízes trazer consigo discussões interessantes, e ter sido utilizado

mais vezes pelo congresso americano, aqui o foco será sobre o impeachment presidencial.

O impeachment e remoção do cargo é a maior sanção constitucional contra o abuso de

poder presidencial. A Constituição dos EUA, no artigo II, seção 4, dispõe que “The President,

Vice-President and all civil Officers of the United States shall be removed from Office on

Impeachment for, and Conviction of, Treason, Bribery or other high Crimes and

Misdemeanors”.5 O impeachment contra o chefe do executivo foi mobilizado apenas duas vezes

na história estadunidense (até o momento da redação deste texto): o presidente Andrew Johnson

foi impedido pela Câmara de Representantes em 1868, mas inocentado pelo Senado com a

1 GERHARDT, M. J. The Federal Impeachment Process: a constitutional and historical analysis. Chicago e Londres, University of Chicago Press, 2000, p. 3. 2 BERGER, R. Impeachment: the constitutional problems. Cambridge, MA, Harvard University Press, 1973, p. 71 3Ibid., pp. 5, 99. 4Ibid., p. 91. 5 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em < https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm>. Acesso em 20 de março de 2017.

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margem de um voto, e o presidente Bill Clinton foi impedido pela Câmara em 1998 mas

inocentado pelo Senado com uma margem confortável.6

É necessário fazer uma distinção: o termo impeachment, nos Estados Unidos, se refere

à decisão da Câmara de Representantes para abrir o processo, e cabe ao Senado condenar ou

não o oficial. Estritamente falando, “impeachment” significa “acusação”.7 Para ilustrar, Bill

Clinton sofreu impeachment pela Câmara, mas não foi removido do cargo por ter sido

inocentado pelo Senado.

O impeachment de Andrew Johnson foi fruto de motivos abertamente políticos,

decorrentes de seus conflitos com o Congresso à época da reconstrução.8 Foi inocentado por

não ter realmente cometido um high crime or misdemeanor, apesar de o Congresso à época ter

interpretado o comando constitucional de maneira bastante flexível. O impeachment de Bill

Clinton foi provocado por acusações sérias de desvio de conduta por parte do presidente, com

base em acusações de falso testemunho perante um júri e obstrução de justiça, entre outras.

Apesar de não ter sido movido por ocasião da renúncia de Richard Nixon, os

proponentes pelo seu impeachment acreditavam que ele poderia ser removido especialmente

por comprometer a integridade do cargo, ignorar seus deveres constitucionais e o juramento do

cargo, além de abusar do poder do governo.9

A questão levantada pelos últimos dois casos, de Nixon e Clinton, é que o que constitui

high crimes and misdemeanors é muito vago, em especial a discussão de que se trata apenas de

condutas penalmente tipificadas ou condutas não tipificadas, mas que podem comprometer a

presidência.10 Além disso, o impeachment de Andrew Johnson já alertara, quase 150 anos antes,

sobre a possibilidade de utilização indevida do instituto para servir a uma agenda política

específica.11

O próprio Alexander Hamilton alertou, em O Federalista, que o impeachment agitaria

os ânimos da comunidade, e haveria o perigo de a decisão ser mais regulada pelo poder relativo

das partes do que por demonstrações reais de culpa ou inocência.12 A remoção do presidente

deve “gerar ondas de choque que podem abalar os próprios alicerces do governo”.13 Na

6 STEPHENS JR, O. H.; SHLEB II, J. M. American Constitutional Law, volume I: sources of power and restraint. 4a edição. Belmont, CA, 2007, p. 173. 7 BLACK, C. L. Impeachment: a handbook. New Haven, Yale University Press, 1974, p. 5. 8 A reconstrução se refere ao período de reunificação e reconstrução nacional após 1865, quando terminou a Guerra Civil Americana iniciada em 1861. 9 Ibid., p. 174. 10 Ibid. 11 BERGER, op. cit. cap. 9. 12 Ibid., p. 95. 13 Ibid., p. 91.

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pertinente exposição de Cass Sunstein, em especial considerando o impeachment brasileiro de

2016 e o resultado da eleição americana no mesmo ano, There are grave systemic dangers in resorting to impeachment except in the most extreme cases. The prospect of impeachment can be highly destabilizing to government, and in an era in which the opposing party and mass media are likely to be aligned in accusing political opponents of criminality or severe misconduct, there is a continuing risk that impeachment proceedings will become decreasingly exceptional14

A mobilização do impeachment nos Estados Unidos contra o cargo de presidente da

república, exceto o impeachment de Andrew Johnson, foi marcada por moderação. Na história

estadunidense, houve apenas três casos sérios de impeachment, apesar de uma pluralidade de

presidentes ter cometido atos que poderiam justificar o impeachment, inclusive, notavelmente,

os presidentes Reagan, Bush (o pai), Kennedy, Eisenhower, Roosevelt, e Lincoln.15

Os presidentes citados não sofreram processos de impeachment, protegidos pelo que a

ciência política estadunidense chama de legislative shield (“escudo legislativo”) —ou seja, uma

maioria parlamentar no Congresso que impede a instauração do processo mesmo que o

presidente tenha cometido atos que justifiquem a abertura do impeachment. Em geral o núcleo

do escudo legislativo é composto pelo partido do presidente,16 o que se verificou, por exemplo,

no impeachment de Bill Clinton no qual os votos no Congresso essencialmente seguiram as

divisões partidárias: a maior parte dos Republicanos votou para condenar, e a maior parte dos

Democratas para inocentar.17

A seletividade dos impeachments americanos aponta para a mobilização política do

instituto, na qual o apoio ao titular do cargo no Congresso acaba por ser mais importante do

que sua culpa ou inocência, como, já mencionei, há muito alertaram Hamilton e Johnson. A

utilização partidária do impeachment após a Reconstrução americana foi descarada,18 como

deixa claro a famosa colocação do Representante de Michigan, Gerald Ford, em 1970, de que

uma ofensa geradora de impeachment “é seja lá o que a maioria da Câmara de Representantes

considera ser”.19

Partindo de uma análise constitucional, formal, Ford estava errado—a Constituição

americana determina limites à atuação do legislativo para instaurar processos de impeachment,

14 SUNSTEIN, C. R. Impeaching the President, in University of Pennsylvania Law Review, Vol. 147, No. 2, dezembro de 1998, pp. 279-315, p. 281. 15 Ibid. 16 PEREZ-LIÑÁN, A. Presidential impeachment and the new political instability in Latin America. Nova York, Cambridge University Press, 2007, pp. 133-146. 17 GERHARDT, op. cit., pp. 175-6. 18 BERGER, op. cit. p. 94. 19 116 Congressional Records 11, 913, 1970 (fala do Rep. Gerald Ford), apud SUNSTEIN, op. cit.

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que serão examinados adiante neste texto. Todavia, em uma análise pragmática, Ford estava

certo.20, 21Afinal, a decisão do Congresso é irrecorrível e inalterável, e a revisão judicial do

impeachment não se aplica em circunstâncias ordinárias, como estabelecido na jurisprudência

americana pelo caso Nixon v. United States em 1993. Ou seja, o Congresso detém o poder de

decisão final, e o que ele decide é o que vale.

1.1. Origens históricas do impeachment estadunidense

As deliberações da assembleia constituinte dos EUA se deram em segredo. Isso porque

os delegados acreditavam que suas opiniões acerca das matérias constitucionais importavam

menos do que a opinião dos ratificadores,22 pois seria no momento da ratificação que o público

teria a chance de revisar e debater a constituição proposta.23 O relator oficial da Convenção,

James Madison, publicou suas anotações anos após o término desta, com ressalvas de que

relatou uma versão abreviada dos fatos, possivelmente editados e reescritos após o término da

Convenção, e recomendou que gerações posteriores procurassem entender a Constituição com

base nas convenções estaduais que a ratificaram.24

Todavia, os debates da Convenção de Filadélfia sobre impeachment podem esclarecer

o que certos termos significavam para os constituintes e para os ratificadores, e de que forma

podem ser interpretados. Três posições acerca do instituto do impeachment foram

predominantes na Convenção. A primeira, com pouco apoio, era que o legislativo deveria ser

capaz de remover o chefe do executivo a seu gosto, ou seja, por qualquer motivo que julgasse

conveniente. A segunda posição era a de que o presidente não deveria poder ser impedido e

removido do cargo, pois um presidente, diferentemente de um monarca, já estaria sujeito a

eleições periódicas, o que faria o impeachment desnecessário. Foi uma posição que ganhou

apoio considerável. A terceira posição, que prevaleceu, defendia que o presidente deveria ser

sujeito ao impeachment, mas apenas por categorias específicas de abuso da confiança pública.25

Uma preocupação dos constituintes era que o presidente se tornasse um quase-monarca, ou que

o presidente traísse a confiança da nação com poderes estrangeiros26 (um temor muito relevante

20 SUNSTEIN, op. cit. p. 282. 21 PALMER, N. Legitimizing Impeachment, in Journal of American Studies, vol. 33, n. 2, agosto de 1999, pp. 343-349, p. 344. 22 Após o término da Convenção Constituinte, os Estados ratificaram a Constituição por voto de suas convenções ratificadoras individuais. A Constituição entrou em vigor quando foi ratificada por onze dos então treze estados. 23 GERHARDT, op. cit. p. 3. 24 Ibid., p. 4. 25 SUNSTEIN, op. cit. p. 287. 26 Ibid.

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para a época, considerando o conturbado processo de independência dos EUA poucos anos

antes).

A Convenção optou por adotar como modelo as características mais comuns do

impeachment nas constituições estaduais, em especial a restrição do impeachment a crimes

cometidos por oficiais civis em seus cargos, com remoção do cargo e desqualificação de ser

titular de novos cargos no futuro como as únicas punições aplicáveis.27

A natureza das sanções aplicáveis e o escopo dos indivíduos sujeitos ao impeachment

já marca quiçá as duas mais notáveis diferenças entre os institutos americano e britânico. Como

explica Paulo Brossard, “na Inglaterra o ‘impeachment’ atinge a um tempo a autoridade e

castiga o homem, enquanto, nos Estados Unidos, fere apenas autoridade, despojando-a do

cargo, e deixa imune o homem, sujeito, como qualquer, e quando for o caso, à ação da justiça”28

(grafia atualizada).

Ou seja, no impeachment norte-americano, a Câmara dos Representantes pode acusar

apenas aquele investido em cargo público, cabendo contra o presidente e seu vice-presidente,

juízes federais e funcionários da União, excluídos militares e congressistas, impondo sanções

de natureza política—a destituição do cargo e a inabilitação política. Fica reservado ao poder

judiciário estadunidense as sanções penais, quando couberem.29 James Wilson, um dos

primeiros juízes da Suprema Corte dos EUA, descreveu impeachments como sendo

procedimentos de natureza política, confinados a personagens políticos, a crimes e

contravenções políticas, e punições políticas.30

No Reino Unido, à época, cabia o impeachment contra todos os súditos do reino, pares

ou comuns, autoridades ou cidadãos, militares ou civis, investidos ou não em funções oficiais.

A condenação podia trazer consigo sanções criminais, inclusive a morte, o exílio, o confisco de

bens, entre outras.31

A Convenção de Filadélfia debateu extensamente o tribunal apropriado para julgar os

casos de impeachment. A primeira proposta sugeria a criação de um poder judiciário nacional,

que teria o poder de impedir qualquer oficial nacional.32 Alexander Hamilton propôs um plano

baseado no modelo britânico e na Constituição de Nova York, segundo o qual o chefe do

executivo, os senadores e juízes federais serviriam “during good behavior”, suscetíveis a

27 GERHARDT, op. cit. p. 5 28 BROSSARD, P. O Impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República. Porto Alegre, Livraria do Globo S. A., 1965, p. 21. 29 Ibid. 30 GERHARDT, op. cit. p. 21. 31 BROSSARD, op. cit. pp. 22-23. 32 GERHARDT, op. cit. p. 5

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impeachment por má administração e conduta corrupta, podendo ser removidos do cargo e

desqualificados. Os impeachments nesse modelo seriam julgados por uma Corte composta pelo

chefe ou juiz da corte superior de direito de cada estado.33

O Committee of Detail, formado pela constituinte para redigir um rascunho com o que

fora acordado na convenção até então, propôs que a Câmara dos Representantes teria o poder

exclusivo de impeachment, que seria julgado pela Suprema Corte. Pouco depois, o Committee

of Eleven, formado para relatar os aspectos da constituição que haviam sido postergados ou

inconclusos, recomendou que o Senado tivesse o poder exclusivo de julgar todos os

impeachments. A Convenção aceitou a recomendação depois de decidir que o Presidente não

seria selecionado pelo Senado, mas por um Colégio de Eleitores, removendo o possível conflito

de interesses de ter o presidente nomeado e removido pelo mesmo órgão.34

A determinação de que o Senado julgaria os casos de impeachment foi criticada por

Madison, que argumentou que o presidente ficaria “indevidamente dependente do Senado” por

“qualquer ato que pode ser chamado de misdemeanor”. Todavia, a Convenção concluiu que o

Senado é o órgão menos problemático para julgar o impeachment presidencial, especialmente

considerando que é um órgão numeroso e, portanto, menos provável de ser corrompido do que

a Suprema Corte, que conta com o agravante de possivelmente ter tido alguns de seus membros

indicados pelo presidente sujeito ao processo de impeachment.35 Além disso, Alexander

Hamilton, escrevendo em O Federalista, argumentou que juízes carecem do tipo de habilidade,

julgamento e responsabilidade perante ao público que um julgamento de impeachment, mais

semelhante à atividade legislativa do que judiciária, demandaria.36

Os debates da Convenção de Filadélfia indicam que os constituintes estavam

preocupados principalmente com abusos de larga escala da autoridade e do cargo públicos.37

Essa visão também é sustentada pelas discussões no período da Ratificação. Alexander

Hamilton, em O Federalista n. 65, explicou que estariam sujeitos a impeachment abusos ou

violações da confiança pública, de propriedade política, cujo dano é causado principalmente à

sociedade em si.38 Resta determinar quais são esses danos, conforme previstos na Constituição

estadunidense.

33 Ibid., p. 6. 34 Ibid., pp. 6-7. 35 Ibid., p. 7. 36 Ibid., p. 13. 37 SUNSTEIN, op. cit. p. 289. 38 HAMILTON, A. The Federalist Papers, n. 65, in The Avalon Project: documents in Law, History and Diplomacy, Yale Law School, disponívelem< http://avalon.law.yale.edu/18th_century/fed65.asp>, acessoem 2 de abril de 2017.

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1.2. O escopo de ofensas geradoras de impeachment

Como visto, a Constituição dos Estados Unidos prevê o impeachment presidencial em

casos nos quais fica comprovada traição (treason), suborno (bribery) e outros altos crimes e

contravenções (high crimes and misdemeanors). A definição de traição é dada na própria

Constituição americana, e o que constitui suborno está bem estabelecido na jurisprudência

estadunidense. Todavia, a Constituição não define o que são high crimes and misdemeanors, as

discussões das convenções constituinte e ratificadoras não esclarecem muita coisa,39 e o termo

causa “intermináveis problemas”40 e controvérsias partidárias.

O consenso prevalecente é que tentar listar as ofensas que podem gerar impeachment

nos Estados Unidos é inviável, e de fato um empreendimento “quase absurdo”.41 O termo high

crimes and misdemeanors se revela tão aberto para intepretações diferentes que um Congresso

hostil ao executivo pode usá-lo para definir e punir ações executivas sem ter que demonstrar

que foi cometido um delito, além de impedir presidentes por políticas públicas impopulares.42

É interessante notar que, na Convenção de Filadélfia, James Madison rejeitou o termo

mal administration (má-administração), proposto por George Mason como justificativa para o

impeachment porque deixava o presidente vulnerável ao Senado. Contudo, inexplicavelmente

aceitou o termo misdemeanor, que apresenta essencialmente o mesmo problema.43

1.2.1. Treason e bribery

A Constituição dos EUA claramente define treason no seu artigo III, uma definição

incontroversa e pouco utilizada, motivo pelo qual a doutrina pouco ou nada discute o termo.44

A definição é a seguinte: Treason against the United States, shall consist only in levying War against them, or in adhering to their Enemies, giving them Aid and Comfort. No Person shall be convicted of Treason unless on the Testimony of two Witnesses to the same overt Act, or on Confession in open Court.45

O termo bribery pode se referir tanto ao recebimento quanto ao pagamento de subornos.

O que importa, quando se julgando um caso de suborno, é o state of mind do sujeito envolvido

com o ato, o motivo ou intenção do indivíduo. O professor Charles L. Black Jr sugere que não

há nada de errado em receber contribuições para campanha eleitoral de um determinado setor

39 BROWN, H. L. High Crimes and Misdemeanors in Presidential Impeachment. Nova York, Palgrave Macmillan, 2010. 40 PALMER, op. cit. p. 344. 41 GERHARDT, op. cit. p. 106. 42 PALMER, op. cit. pp. 344-5. 43 Ibid. 44 BLACK, op. cit. p. 25. 45 EUA, Constituição Federal, op. cit., artigo III seção 3.

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produtivo e depois o favorecer durante o mandato, considerando que o lobby é legal nos EUA.

Geralmente se trata de uma tarefa muito difícil comprovar atos de suborno com base em provas

circunstanciais, e cada caso deve ser analisado cuidadosamente.46

1.2.2. Other high crimes and misdemeanors

O termo high crimes and misdemeanors foi importado pelos constituintes americanos

do direito britânico, e autores como Raoul Berger, professor da Universidade de Harvard,

argumentam que deve ser interpretado de acordo com sua aplicação no Reino Unido.47,48

Cass Sunstein argumenta que a compreensão estadunidense de high crimes and

misdemeanors não pode automaticamente incorporar a inglesa, pois apesar de ser possível que

alguns dos constituintes americanos conhecessem o instituto inglês, a maioria não o conhecia,

e seria ainda mais duvidoso que quisessem transplantar o instituto inglês sem antes o reformar.

Ademais, à época o impeachment tinha caído em desuso na Inglaterra, e era improvável que os

constituintes quisessem introduzir a prática inglesa. Todavia, o autor no mesmo texto reconhece

que as conclusões tiradas analisando o histórico britânico se aplicam para a interpretação que

ele dá ao instituto.49

Berger50 aponta que quando a frase high crimes and misdemeanors apareceu pela

primeira vez durante o processo contra o Conde de Suffolk, em 1386, não existia o crime de

misdemeanor. Crimes comuns de menor potencial ofensivo eram trespasses (traduzível como

transgressões) até o século dezesseis, quando o termo foi substituído por misdemeanors.

Estabeleceu-se então uma diferença funcional no direito britânico entre misdemeanor e

high misdemeanor: high crimes and misdemeanors era uma categoria de ofensas políticas

contra o Estado, enquanto misdemeanors se relacionavam a crimes comuns e privados. Isso se

reflete no desenvolvimento do direito britânico, no qual embora misdemeanor tenha se

incorporado ao direito comum, não se tornou o critério para high misdemeanor na lei

parlamentar de impeachment. Da mesma forma, high crime ou high misdemeanor não se

incorporou à lei comum.51

Um paralelo ocorre com a expressão high treason, que é deslealdade para com um

superior, e “petit” treason, deslealdade para com um igual ou inferior. O elemento de injúria à

46 BLACK, op. cit. pp. 26-7. 47 BERGER, op. cit. p. 54. 48 SUNSTEIN, op. cit. p. 290. 49 Ibid., pp. 290-1. 50 BERGER, op. cit. p. 61. 51 Ibid.

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Commonwealth britânica foi historicamente o critério para distinguir um high crime or

misdemeanor de um crime ou contravenção comum. Ou seja, a prática inglesa envolvia uma

diferença de grau, não de espécie.52

Já em 1757, tinha-se o entendimento de que o maior e principal high misdemeanor era

o de má-administração (a maladministration de Madison), além de atos que atentassem contra

a pessoa e governo do Rei, não tão graves quanto traição em si, mas crimes políticos. Traição

é um crime político, pois atenta contra o Estado. Suborno também o é, pois corrompe a

administração. Em suma, diz Berger, high crimes and misdemeanors parecem ser “words of art

confined to impeachments, without roots in the ordinary criminal law”53. Algumas atitudes que

geraram impeachments na Inglaterra foram ações grosseiramente contrárias aos deveres do

cargo, enganar o soberano com opiniões inconstitucionais, e tentativas de subverter leis

fundamentais, introduzindo poder arbitrário.54

Apesar de high crimes and misdemeanors ser uma frase genérica, a rejeição de Madison

a maladministration, conforme mencionada anteriormente neste texto, indica que a mera má-

administração, ou administração com a qual o Congresso discorda, não é motivo suficiente para

impeachment, o que contradiz o entendimento britânico exposto acima. A fórmula que foi

adotada, embora um tanto vaga, parece, nas palavras de Charles Black Jr, “absolutely to forbid

the removal of the president on the grounds that Congress does not on the whole think his

administration of public affairs is good”.55

Na argumentação de Black, high crimes and misdemeanors é uma expressão em si

demasiadamente vaga para satisfazer a demanda de apropriadamente tipificar a conduta de uma

maneira clara—seria totalmente inapropriada para um processo criminal na justiça comum. A

frase deve ser interpretada como ofensas que um “homem razoável” poderia antecipar como

sendo abusivas e erradas.56,57

Em uma tentativa de estreitar o significado da frase high crimes and misdemeanors, e

conferir a ela uma abordagem propositiva, Charles Black faz uso de uma regra de interpretação

legal denominada eiusdem generis (“do mesmo tipo”). A regra postula que quando uma palavra

genérica vem depois de palavras específicas, o significado da palavra genérica deve ser limitado

52 GERHARDT, op. cit. p. 104. 53 BERGER, op. cit. p. 62. 54 Ibid., p. 69. 55 BLACK, op. cit. p. 30. 56Ibid., pp. 31-3. 57 O “homem razoável” parece se assemelhar ao “homem médio”, que outrora era bastante usado como parâmetro para fatos jurídicos no Brasil, agora uma doutrina considerada ultrapassada por muitos autores.

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ao mesmo tipo ou classe que as palavras específicas.58 A regra parece servir bem à frase em

questão. O tipo ou classe a que pertencem traição e suborno é facilmente identificável: são

ofensas extremamente sérias; são ofensas que corrompem ou subvertem o processo político;

são ofensas erradas em si mesmas para uma pessoa de honra.59

Ou seja, o alto crime ou contravenção em questão deve ser uma ofensa séria, que

subverte ou corrompe o processo político, e fundamentalmente errada para uma pessoa honrada.

Charles Black sintetiza sua definição de high crime or misdemeanor da seguinte maneira: [T]hose offenses which are rather obviously wrong, whether or not “criminal”, and which so seriously threaten the order of political society as to make pestilent and dangerous the continuance in power of their perpetrator. The fact that such an act is also criminal helps, even if it is not essential.60

A interpretação de Black pode não parecer particularmente útil à primeira vista, afinal

“rather obviously wrong” ainda é algo subjetivo e vago. O cerne do argumento está na “grave

ameaça” (serious threat) à ordem política, que deixa claro que a preocupação do autor é com a

gravidade da ofensa e sua natureza política.61

Em O Federalista, Hamilton, de certa maneira, reafirma a proposição de Black segundo

a qual os crimes que geram impeachment devem constituir uma grave ameaça: The subjects of its jurisdiction are those offenses which proceed from the misconduct of public men, or, in other words, from the abuse or violation of some public trust. They are of a nature which may with peculiar propriety be denominated POLITICAL [maiúsculas do original], as they relate chiefly to injuries done immediately to the society itself [grifo meu]62

O texto de Black deixa clara as dificuldades inerentes em preservar a legitimidade

constitucional e política do impeachment. Todavia, como aponta Niall Palmer, embora os dois

doutrinadores de renome—Black e Gerhardt—concordem que não é possível “listar” as ofensas

que podem causar um impeachment, ambos apresentam, à guisa de definição para high crimes

and misdemeanors, abordagens generalizadas que deixam o campo interpretativo suscetível ao

fator que desejam excluir: a animosidade partidária.63

Muitos opositores da Constituição estadunidense criticaram severamente o

impeachment durante os debates ratificadores. No entanto, suas objeções não eram sobre o

escopo de ofensas, mas sobre a estrutura do impeachment em si—ou seja, tanto os constituintes

58Ibid., p. 37. Black dá um exemplo bem-humorado para ilustrar a regra: “[...] If I said, “Bring me some ice cream, or some candy, or something good”, I would think you had understood me if you brought me a piece of good angel cake, […], and I would think you stupid or willful if you brought me a good book of sermons or a good bicycle tire pump”. 59Ibid. 60 Ibid., pp. 39-40. 61 PALMER, op. cit., p. 345. 62 HAMILTON, op. cit. 63 PALMER, op. cit. p. 346.

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quanto os ratificadores estiveram em sua maioria contentes em não definir o que são high crimes

and misdemeanors.64 Em última instância, caberá ao Senado (e aos partidos) decidir se a

acusação da Câmara de Representantes é uma ofensa que se enquadra como um high crime and

misdemeanor ou não, como tem ocorrido até agora.

1.3. Questões doutrinárias

O mandato constitucional do impeachment estadunidense, como visto, não é

particularmente claro. Abaixo, exponho algumas questões e controvérsias discutidas por

especialistas no assunto, e suas conclusões.

1.3.1. A natureza do ato

Uma controvérsia de destaque acerca do impeachment nos Estados Unidos é se as

ofensas geradoras de impeachment devem ser limitadas a ofensas criminais. Especificamente,

o debate é sobre em quais ofensas não-criminais se pode basear um impeachment. Sabe-se já

de início que traição e suborno são ofensas criminais: traição está tipificada na Constituição, e

o Congresso americano tornou suborno um delito em 1790.65A controvérsia, portanto, é se o

high crime ou misdemeanor deve ser necessariamente criminal.

Na Convenção Constituinte, como visto acima, George Mason propôs que fosse

incluído o termo maladministration em adição a treason e bribery, pois acreditava que o

impeachment deveria alcançar atos que subvertem a constituição. Madison contestou o termo,

e Mason propôs other high crimes and misdemeanors, expressão que, para ele, também incluiria

atos que subvertem a constituição. Em suma, o debate na Convenção de Filadélfia revela que

ofensas que podem gerar impeachment não são apenas ofensas criminais, mas incluem abusos

contra o Estado.66

Já nos os debates durante a ratificação, delegados às convenções estaduais se referiram

frequentemente às ofensas geradoras de impeachment como “great offenses”, que deveriam

incluir ocasiões em que a autoridade se desvia do seu dever, ou ousa abusar dos poderes

conferidos pelo povo.67 Desviar do dever ou abusar dos poderes não implica, necessariamente,

64 KINKOPF, N. The Scope of “High Crimes and Misdemeanors” after the Impeachment of President Clinton, in Law and Contemporary Problems, vol. 63, n. 1/2, The Constitution under Clinton: a Critical Assessment. 2000, pp. 201-21, p. 212. 65 GERHARDT, op. cit. p. 103. 66 Ibid., p. 104. 67 Ibid. pp. 104-5.

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em uma conduta ilegal, outro fato que aponta para a conclusão de que as ofensas em questão

não têm que estar obrigatoriamente tipificadas.

Não só as ofensas não têm que estar obrigatoriamente tipificadas, mas criar um marco

normativo que tipificasse condutas geradoras de impeachment foi considerado inviável por

influentes juristas americanos. Joseph Story, um influente juiz da Suprema Corte, considerou

que um estatuto jamais poderia ser elaborado pois “ofensas políticas são de natureza e caráter

tão complexos, tão totalmente incapazes de serem definidas, ou classificadas, que a tarefa da

legislação positiva seria impraticável”.68 A compreensão acerca do tema, compartilhada

inclusive por Hamilton, era de que gerações subsequentes teriam que definir caso-a-caso os

crimes políticos que viriam a constituir ofensas geradoras de impeachment.69

Charles Black põe a questão da seguinte maneira: um presidente pode legalmente ser

impedido e removido apenas por condutas que também são crimes puníveis para qualquer

cidadão ordinário? Seria uma interpretação conveniente de se adotar, pois à frase vaga de high

crimes and misdemeanors seria dada a precisão da lei, e a tarefa agonizante de limitá-la,

preservando-se porém um escopo propriamente amplo, seria evitada. Todavia, o jurista “não

pode pensar que seja remotamente possível que essa interpretação seja correta”.70

O autor ilustra seu argumento com alguns exemplos mirabolantes. Por exemplo,

imagine-se que um presidente se mude para a Arábia Saudita, para que possa ter quatro esposas,

e decida conduzir o cargo de chefe do executivo remotamente. Estritamente falando, não se

trataria de um crime, desde que seu passaporte e visto estejam em ordem.71 Apesar de não ser

um crime, não há dúvida de que se trataria de uma conduta que justificaria o processo de

impeachment. Os exemplos extremos elencados pelo autor testam a validade da proposição de

que apenas delitos penais podem gerar impeachment, e demonstram que a proposição não pode

prevalecer.

Vale notar que a maior parte dos atos presidenciais que geraram ameaças sérias de

impeachment na vida real eram também delitos penais, o que demonstra que o Congresso

provavelmente se sente mais confortável quando lidando com condutas claramente criminais

no sentido comum. Quanto mais se afasta dos delitos já tipificados, torna-se progressivamente

68 STORY, J. Commentaries on the Constitution. Durham, NC, Carolina Academic Press, 1987, Editado por R. Rotunda e J. Nowak, p. 287. apud GERHARDT, ibid., p. 106, tradução própria. 69GERHARDT, op. cit. p. 106. 70 BLACK, op. cit. p. 33. 71 Ibid.

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mais difícil ter certeza de que a ofensa em questão é válida para instaurar um processo de

impeachment.72

Por outro lado, indica Black, seria conveniente determinar que todo delito penal é uma

ofensa que justifica impeachment. Todavia, essa regra também produziria absurdos.73 Por

exemplo, é um crime federal tentar modificar o clima nos Estados Unidos sem a autorização do

Secretário do Comércio, ato punível com multa de até dez mil dólares.74 Também é considerado

crime federal vender vinho cuja marca inclua a palavra “Zumbi”.75 Ou, por exemplo, imagine-

se que o presidente ajudou um estagiário da Casa Branca a ocultar a posse de maconha (que

permanece ilegal no nível Federal, apesar de ter sido legalizada em vários estados), sendo

portanto culpado de obstrução de justiça. Seria irracional—“preposterous” é o termo usado por

Black—crer que qualquer um destes cenários é o que os constituintes tinham em mente quando

utilizaram a frase high crimes and Misdemeanors.76

Ou seja, nem todos os delitos penais demonstram incapacidade para exercer o cargo, e

atos não-criminais podem constituir ofensas não-tipificadas, mas suficientes para gerar

impeachment. O escopo das ofensas dependerá das circunstâncias nas quais os atos ocorreram,

e no clima político à época, o que significa que o mesmo ato pode ser considerado uma ofensa

grave o suficiente para gerar impeachment em um contexto, mas não em outro.77 Existe também

uma discussão acerca da natureza criminal ou não do processo de impeachment em si, discutida

nesse capítulo, no item 1.4.3.

1.3.2. O momento em que o ato foi cometido

A natureza peculiar destes crimes políticos significa que são definidos (e redefinidos)

continuamente. Duas perguntas hipotéticas são frequentemente discutidas por doutrinadores

especializados em impeachment. A primeira pergunta hipotética é se uma autoridade pode

sofrer impeachment por condutas que não estão relacionadas aos deveres e responsabilidades

oficiais do cargo que ocupa. A resposta a esta pergunta revisita a compreensão do motivo pelo

qual crimes políticos e abusos contra o Estado podem gerar impeachment em primeiro lugar: o

indivíduo que detém o cargo também detém a confiança do público, e o oficial que viola essa

72 Ibid., p. 35. 73 Ibid. 74 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, U. S. Code, Título 15, Capítulo 9A, §§s 330A e 300D. Disponível em < https://www.law.cornell.edu/uscode/text/15/chapter-9A>, acesso 10 de abril de 2017. 75 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, Code of Federal Regulations, Título 27, Capítulo I, Subcapítulo A, Parte 4, Subparte D, seção 4.39. Disponível em < https://www.law.cornell.edu/cfr/text/27/4.39>, acesso em 10 de abril de 2017. 76 BLACK, op. cit. p. 36. 77 GERHARDT, op. cit. p. 107.

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confiança perde sua legitimidade perante o público, devendo perder o privilégio de deter o

cargo.78

Nesse contexto, argumenta Michael Gerhardt, “conduta que pode claramente não estar

relacionada às responsabilidades de um cargo específico ainda pode estar relacionada à

capacidade da autoridade em cumprir as funções do cargo e deter a confiança do povo”.79 É

fácil imaginar que um presidente que, em um ataque de fúria, assassinou alguém, cometeu um

ato que justificaria um impeachment. Mesmo que o ato não seja relacionado com o cargo de

nenhuma maneira ou forma, ele solapa a confiança na presidência, e destrói a credibilidade do

titular—tanto como presidente quanto como cidadão—perante o público, os outros poderes, e

as demais nações, amplamente justificando um hipotético impeachment.80

A segunda pergunta hipotética, mais complicada, envolve uma transgressão antes de o

titular assumir o cargo. Nos Estados Unidos, ninguém foi impedido com base nesse cenário

hipotético, mas o cenário não é absurdo, especialmente em casos nos quais uma autoridade

eleita mentiu ou cometeu uma transgressão séria para ascender à sua posição. Apesar de o ato

ter ocorrido fora do período de mandato, ele macula a maneira pela qual o indivíduo obteve a

posição e a sua integridade.

Essa pergunta se subdivide em duas hipóteses. Na primeira, a transgressão era divulgada

e conhecida antes da ascensão do indivíduo ao cargo, ou seja, o indivíduo foi eleito (ou

confirmado pelo Senado, no caso de nomeações de juízes) mesmo com o conhecimento de sua

transgressão. A dificuldade dessa hipótese é que é pouco claro de que forma a nação foi

prejudicada ou a confiança do povo foi violada quando o eleitorado sabia da transgressão e

mesmo assim elegeu o indivíduo.

É difícil conceber como o Senado removeria do cargo um presidente que foi eleito por

voto popular apesar de uma transgressão conhecida, já que um impeachment, teoricamente,

depende na credibilidade do Congresso quando alega que está agindo no melhor interesse do

povo, que no caso em questão essencialmente ratificou a conduta do indivíduo.81 Nada impede,

contudo, que o Congresso mova um processo de impeachment por outra transgressão—seja

uma transgressão diferente cometida antes de assumir o cargo, que não era conhecida, seja por

uma transgressão cometida durante o mandato.

78 Ibid. 79 Ibid. (tradução minha.) 80 Ibid., p. 108. 81 Ibid., p. 109.

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Por outro lado, na segunda hipótese dessa pergunta, suponha-se que o público não sabia

das transgressões cometidas antes da eleição. Nessa situação, o Congresso poderia alegar a

ocorrência de algo similar a fraude eleitoral, que a integridade do processo eleitoral foi

comprometida e, portanto, o Congresso tem a obrigação de remediar a situação conduzindo um

processo de impeachment. Alguns fatores que influenciariam a decisão final do processo seriam

a seriedade da ofensa, a sua relevância para a obtenção do cargo, a sua conexão com o cargo e

a proximidade da eleição.82

1.3.3. Outras controvérsias

Charles Black apresenta ainda três controvérsias menores, mas que ao meu ver são

interessantes o suficiente para serem brevemente expostas aqui.

A primeira é acerca da responsabilidade do presidente por atos cometidos pelos seus

subordinados. O mandato constitucional indica que é o presidente que deve ser responsável pela

traição, suborno, ou outro high crime or misdemeanor, e uma simples atribuição à pessoa do

presidente por qualquer ato cometido por um subordinado é incompatível com o dispositivo.

Todavia, o presidente (como qualquer pessoa) é “totalmente responsável”83 pelo que comanda,

sugere ou ratifica.

A dificuldade nessa hipótese se encontra na área cinzenta da negligência. Por um lado,

é difícil qualificar mero descuido na supervisão dos subordinados uma ofensa que pode

automaticamente gerar impeachment—inclusive porque o chefe do executivo tem uma

quantidade enorme de pessoas sob seu comando. Todavia, conforme aponta Black, segundo a

common law americana quando o descuido é tão crasso e habitual a ponto de sinalizar

indiferença ao delito, pode ser considerada, em termos práticos, equivalente à ratificação do

delito. Todavia, como em vários outros casos, tudo depende da situação concreta e da

intepretação do Congresso.84

A segunda controvérsia trazida por Charles Black é aquela em que há crença de boa-fé

na justeza do ato. Um oficial pode ter perfeita crença na legalidade ou retidão de um ato, em

situações nas quais não há um comando claro que demonstre o contrário. Ao Congresso cabe a

prerrogativa de em essência declarar uma conduta presidencial ilegal, dentro de certos limites.

82 Ibid., pp. 109-10. 83 BLACK, op. cit. p. 46. 84 Ibid., p. 47.

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Nesses casos, nenhum presidente subsequente poderá alegar que não estava ciente das

consequências do ato.85

A terceira controvérsia é sobre a substancialidade do ato. Black aponta que nem toda

má conduta presidencial apresenta fundamentos suficientes para impeachment. É necessário

que a conduta tenha substancialidade, ou seja, seja substancial. O termo “substancial”—

diretamente equivalente ao substantial do inglês—é definido pelo dicionário Houaiss como

“[aquilo que] que é considerado grande; considerável, avultado, vultoso”.86 É um termo que

remete novamente à ideia de dano grave à sociedade, discutida anteriormente.

Para Black, a dificuldade aqui é se a substancialidade se refere a uma única grande

ofensa por parte do chefe do executivo, ou à substancialidade de todas as pequenas ofensas

acumuladas (o “conjunto da obra”). Como aponta o autor, ambas as alternativas são perigosas.

Um presidente removido pelo acúmulo de várias ofensas de menor potencial ofensivo é, para

Black, o cenário mais temerário, porque torna o impeachment um julgamento da capacidade do

presidente—um desvio grave da função do instituto. O autor novamente conclui que dependerá

de aqueles que fizerem a decisão final não se deixarem levar por políticas partidárias ou (falta

de) simpatia pela administração.87

1.4. O processo

A Constituição estadunidense confere à Câmara de Representantes o poder exclusivo de

impeachment—ou seja, o poder exclusivo de acusar o presidente de ter cometido uma ou mais

ofensas que podem culminar em sua remoção do cargo. Essas acusações são tradicionalmente

chamadas de “Artigos de impeachment” (“Articles of impeachment”), e a Câmara realiza o

“impeachment” pela maioria simples de votos dos presentes.88

O Senado “julga” os impeachments movidos pela Câmara de Representantes. Cabe a

ele determinar se a acusação em cada Artigo de impeachment é verdadeira e, também, caso

verdadeira, se constitui uma ofensa que pode gerar impeachment. Caso algum dos Artigos de

impeachment seja considerado verdadeiro e uma ofensa que pode gerar impeachment, tem-se

uma possível condenação, a depender de uma maioria de dois terços dos senadores presentes.89

Esse procedimento emula o procedimento britânico, no qual o impeachment é realizado

pela Câmara dos Comuns e a condenação pela Câmara dos Lordes. Também é análogo ao

85 Ibid. pp. 47-8. 86 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001. 87 BLACK, op. cit. pp. 48-9. 88 Ibid. 89 Ibid.

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procedimento criminal dos EUA e da Inglaterra, segundo o qual um Grande Júri decide se aceita

ou não as acusações, e um Júri condena ou não. Para Black, esse procedimento de dois estágios

tem méritos óbvios: ele assegura a avaliação das provas por mais de um corpo, e evita o

processo já na primeira fase se as acusações forem insubstanciais ou claramente impossíveis de

provar.90

Durante a história estadunidense, o procedimento do impeachment na Câmara de

Representantes, e no Senado, apresentou ligeiras variações de caso a caso. Aqui exporei a

maneira como o processo costuma ocorrer, mas tenha-se em mente que tanto a Câmara quanto

o Senado podem alterar os procedimentos a bel-prazer, exceto o que está explicitamente

previsto na Constituição daquele país.

1.4.1. O papel da Câmara de Representantes

O processo de impeachment começa com a apresentação de uma queixa de má-conduta

oficial. Essa queixa pode ser apresentada por qualquer pessoa, inclusive o presidente, qualquer

representante, senador, uma legislatura estadual, um grande júri, além do judiciário federal ou

um procurador especial apontado para investigar um funcionário de alto escalão.91

Apesar de não previsto na Constituição americana, a Câmara costumeiramente

encaminha os pedidos de impeachment para o Comitê Judiciário (o United States House

Committee on the Judiciary), que investiga as acusações e apresenta um relatório acerca das

acusações que podem levar a um impeachment. Esse Comitê analisa as provas apresentadas, e

frequentemente um grande volume delas, em casos complicados. Regras de prova não se

aplicam—ao contrário do processo na Justiça Federal, e em alguns estados, nos quais se aplicam

as Federal Rules of Evidence,92 que estabelecem regras acerca das provas que podem ser usadas

em casos que tramitam na Justiça Federal dos Estados Unidos. A comissão decidirá, em cada

caso, se as provas apresentadas são válidas ou não.

As provas podem ser provenientes de investigações pelo próprio Comitê, de Grandes

Júris, ou qualquer outra fonte. Testemunhos ou apresentação de documentos ou outros objetos

podem ser exigidos por meio de intimações. Além de analisar a prova, o Comitê deve averiguar

se os atos comprovados constituem uma ofensa que satisfaz a Constituição para justificar o

90 Ibid., pp. 5-6. 91 GERHARDT, op. cit. p. 26. 92 Disponíveis em <https://www.law.cornell.edu/rules/fre>, acesso 12 de abril de 2017.

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impeachment. O Comitê então apresenta seu relatório para a Câmara de Representantes, com

sua recomendação para a adoção ou não de um ou mais Artigos de impeachment.93

A recomendação do Comitê é então votada pela Câmara de Representantes. É possível

que a Câmara rejeite um ou mais Artigos de impeachment, mas muito improvável que adicione

novos. A Câmara não costuma ouvir novas provas depois da recomendação do Comitê, e vota,

depois de debater, se irá impeach ou não. O voto pode ser sobre todos os artigos juntos, ou um

de cada vez; também já ocorreu de a Câmara votar para impedir com base numa recomendação

genérica do Comitê, e só depois pedir a este que elabore os Artigos específicos.94

O voto deve ser de maioria simples dos membros presentes, com o quórum mínimo de

metade da Câmara (218 de 435 representantes). Ou seja, os Artigos podem teoricamente ser

aprovados por um-quarto mais um de todos os membros da Câmara, embora isso seja

improvável. Um voto afirmativo a um ou mais Artigos de impeachment envia o processo para

o Senado, sob a tutela de “managers” (gerentes, numa tradução literal), representantes

escolhidos pela Câmara que apresentarão ao Senado os Artigos de impeachment e exporão o

caso para a condenação. A Câmara age, na prática, como o Ministério Público do processo de

impeachment, e os managers são seus promotores.95

Michael Gerhardt levanta alguns problemas com o processo do impeachment na Câmara

de Representantes, tais como os parcos recursos do Comitê Judiciário para realizar suas próprias

investigações aprofundadas—o que significa que o Comitê geralmente se baseia em

investigações aprofundadas realizadas por outros órgãos, e a maneira antiquada como o

processo é conduzido. Mais grave parece a preocupação com o fato de que o procedimento de

impeachment na Câmara demanda que Representantes realizem funções para as quais não têm

preparo ou treinamento.96

Por exemplo, o Comitê realiza o papel de uma promotoria, cuidadosamente construindo

um caso por meio de provas documentais, testemunhos, entre as demais atividades. Contudo,

muitos membros da Câmara não são advogados por formação, e mesmo quando são,

frequentemente não têm experiência de litígio, o que é agravado quando os advogados de defesa

dos funcionários em investigação frequentemente são profissionais experientes e de alto nível.97

93 BLACK, op. cit. pp. 6-7. 94 Ibid., pp. 7-8. 95 Ibid., pp. 8-9. 96 GERHARDT, op. cit. pp. 30-1. 97 Ibid.

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1.4.2. O papel do Senado

O papel do Senado começa com o recebimento dos Artigos de impeachment dos

gerentes do processo apontados pela Câmara de Representantes, quando deve começar a agir

como um tribunal para o julgamento do acusado. Quando o acusado é o chefe do executivo,

preside sobre a sessão o juiz-chefe da Suprema Corte. Os senadores fazem um juramento

especial, para “fazer justiça imparcial de acordo com a Constituição e as leis”.98 A função do

Senado em casos de impeachment, argui Charles Black, pode ser vista como muito similar

àquela de um tribunal judicial, e se o Senado “é” ou não um tribunal é uma mera questão estéril

de nomenclatura.99

Apesar de os constituintes americanos haverem mudado, já tarde na Convenção de

Filadélfia, a responsabilidade para julgar impeachments da Suprema Corte para o Senado, não

há indícios que sugerem que foi alterada a natureza ou as propriedades do instituto, que

continuou se configurando como um julgamento—tanto que cabe ao Senado o poder exclusivo

de “julgar” todos os impeachments, não meramente votar sobre o desfecho. Bom-senso político,

indica Charles Black, deve levar à conclusão de que o impeachment é no mínimo um

procedimento quase-judicial, e o fator importante não é a nomenclatura, mas o fim desejado:

total imparcialidade, no mínimo se assemelhando àquela de um juiz ou júri.100

O autor reconhece que aqui surge uma grande dificuldade, já que Senadores

naturalmente podem ter afinidade ou inimizade com o presidente. Em um julgamento ordinário,

tal pessoa estaria impedida de participar, fosse como juiz ou jurado, mas é inviável aplicar tal

regra ao tribunal do impeachment, já que praticamente todos os senadores seriam

desqualificados. A solução depende, argui Black, da consciência moral de cada senador, da

integridade de cada um, e o autor não vê razões para que isso não produza resultados

satisfatórios.101

O livro de Charles Black foi publicado originalmente em 1974, em uma era quando o

partidarismo exacerbado, hodiernamente reinante, não era tão difundido. Creio que confiar na

“consciência moral” de cada senador é uma manobra retórica para preencher um buraco óbvio

na pudicícia do processo de impeachment com a qual não se pode contar em boa consciência.

É uma deficiência do instituto do impeachment em si à qual não ofereço solução por hora.

98 BLACK, op. cit. pp. 9-10. 99 Ibid. 100 Ibid. pp. 10-1. 101 Ibid.

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Agindo como o tribunal para o impeachment, o Senado historicamente tratou sua

jurisdição como tendo sido estritamente limitada pelos Artigos votados pela Câmara. Nos

primeiros 150 anos de sua existência, o Senado exerceu sua autoridade como tribunal do

impeachment com o corpo completo da casa, e os procedimentos e debates aconteceram no

plenário. Atualmente, todavia, com as novas pressões sobre os legisladores, o Senado pode

delegar essas funções para um comitê, e é vedado, sob as regras atuais de impeachment no

Senado, o debate sobre impeachment em sessão aberta.102

Esse Comitê age com as prerrogativas do Senado pleno, e elabora um sumário com os

fatos apurados que, diferentemente do que ocorre na Câmara, não inclui qualquer espécie de

recomendação acerca de como o Senado pleno deve agir. O Senado pleno, depois de cada

senador ter tido a oportunidade para examinar o relatório, decide se deseja convocar novamente

alguma testemunha ou se as provas devem ser reapresentadas. Depois disso, o Senado debate o

impeachment em sessão fechada, na qual os membros do Comitê expõem os motivos pelos

quais acreditam que o acusado deva ser condenado ou não.

O voto final para condenar necessita da maioria absoluta de dois-terços ou mais dos

senadores presentes, sobre um ou mais Artigos de impeachment, removendo o acusado do cargo

automaticamente. O Senado tradicionalmente realiza um voto separado para decidir se irá

desqualificar o condenado para ter um cargo público no futuro.103

O impeachment no Senado, assim como na Câmara, traz alguns problemas apontados

pela doutrina. Gerhardt aponta, por exemplo, o fato de que qualquer debate acerca do

impeachment no Senado deve ocorrer em sessão fechada, e consequentemente qualquer análise

do processo é baseada em testemunhos e em anedotas, o que não permite uma reflexão profunda

ou fiel sobre os motivos dos senadores para condenar ou inocentar um acusado.104

Outros problemas apontados por Gerhardt são a paralisação política que um processo

de impeachment no Senado provoca, pois demanda a atenção dos senadores devido a sua

seriedade; a falta de experiência dos senadores para conduzir tal processo; problemas

procedimentais em relação à aplicabilidade da Quinta Emenda constitucional (devido processo

legal); e regras de prova indefinidas que dificultam a defesa eficiente do acusado.105

102 GERHARDT, op. cit. pp. 34-5. 103 Ibid. 104 Ibid., p. 35. 105 Ibid., pp. 35-42.

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1.4.3. A natureza do processo e o ônus da prova

Charles Black argui que não importa se o processo de impeachment é chamado de

processo criminal ou não, assim como não importa se é chamado de processo judicial ou não.

O que importa é quais aspectos do processo devem ser tratados como se fosse um processo

criminal, e quais não. A questão mais importante nessa seara é sobre o ônus da prova.

Imagine-se que o presidente foi acusado de dizer algo incriminador. Em um processo

não-criminal, se uma testemunha dissesse que o presidente disse tal coisa e outra testemunhasse

que o presidente não disse nada, o juiz ou júri teria que decidir em quem acreditar, ou seja, qual

testemunho é mais crível. Nos Estados Unidos, chama-se essa regra não-criminal de

preponderance of the evidence, ou seja, “preponderância das provas”.106 O que isso quer dizer

é que o júri ou jurado não precisa ter convicção absoluta daquela prova, meramente crer que

ela é mais plausível do que a alegação oposta.

Por outro lado, em um caso criminal, a culpa do acusado deve ser demonstrada beyond

a reasonable doubt, ou seja, além de uma dúvida razoável. Se, como sugerido acima, houvesse

apenas prova testemunhal para cada versão dos fatos, sem um motivo muito claro para acreditar

num lado em detrimento do outro, não se poderia arguir que há prova além de uma dúvida

razoável, pois qualquer um dos lados poderia razoavelmente estar falando a verdade.107

Em alguns casos civis, aplica-se uma regra intermediária entre as duas descritas acima.

Requer-se clear and convincing evidence, ou seja, provas claras e convincentes. É um grau de

prova mais convincente que a mera preponderância, mas que não está além de qualquer dúvida

razoável.

No caso de impeachment, a resposta não é clara. Remoção por impeachment repercute

de forma gravíssima sobre o indivíduo condenado e sobre a nação. Um padrão de prova mais

leniente pode deixar que seja removido um presidente cuja culpa não era certa, mas um padrão

muito rígido pode deixar que fique no cargo um presidente obviamente culpado, mas bom em

ocultar sua torpeza. Como em várias outras ocasiões quando se trata de impeachment, nenhuma

resposta é satisfatória.

1.5. Revisão judicial do impeachment

Em 1986, o juiz federal americano Walter Nixon, Jr., foi condenado e preso por perjúrio,

tendo dito falsidades a um júri. O juiz se recusou a renunciar a seu cargo, continuando a receber

seu salário embora preso. Consequentemente, sofreu impeachment e foi condenado pelo

106 BLACK, op. cit. p. 15. 107 Ibid., p. 16.

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Senado. O juiz contestou questões procedimentais (as questões específicas não são pertinentes

para essa discussão), e seu caso foi apreciado pela Suprema Corte dos Estados Unidos. A

decisão da Corte, em 1993, reviveu a doutrina da questão política—uma doutrina que justifica

a recusa da Suprema Corte para decidir os méritos de determinado caso com base na autoridade

textual, separação de poderes, ou outras razões prudenciais,108 com critérios estabelecidos pelo

caso Baker v. Carr, de 1962.109

A decisão de Nixon v. United States é paradigmática pois responde à seguinte pergunta:

“as cortes têm autoridade para rever os procedimentos usados pelo Senado americano para

julgar impeachments?”. A decisão, unânime, relatada pelo juiz-chefe Rehnquist, foi de que se

trata de uma questão política, exclusiva ao poder legislativo, com base no requisito estabelecido

em Baker v. Carr de que há um “compromisso constitucional textualmente demonstrável de

uma questão a um departamento político”,110 ou seja, a Constituição explicitamente atribui o

poder para julgar impeachments unicamente ao Congresso.

Charles Black realiza um exercício retórico para demonstrar a viabilidade da revisão

judicial do impeachment. Suponha-se, diz Black, que um presidente seja acusado pela Câmara

de Representantes, que examinou cuidadosamente todas as questões de fato e de direito, e o

voto daí resultante apresenta os Artigos de impeachment. Então o Senado, presidido pelo

Presidente da Suprema Corte, depois de investigar a matéria e promover debate, aprova com

dois-terços de seus membros a condenação do presidente. O presidente então apela para a

Suprema Corte, que apesar de não ter jurisdição originária sobre o caso, aceita-o mesmo assim.

Na análise de mérito, ou em alguma questão procedimental importante, discorda com o

Congresso e decide reinstituir o chefe do executivo.111

O autor diz que “não possui os recursos retóricos adequados para caracterizar o absurdo

que é tal proposição”.112 A Suprema Corte não tem competência originária na constituição

americana para qualquer julgamento que busca reverter a decisão senatorial que destitui o

presidente. O Senado tampouco é uma corte que se submete à Suprema Corte para apelar

decisões.113 Além disso, na própria Convenção de Filadélfia, o poder de impeachment que fora

originalmente concedido à Suprema Corte foi deliberadamente transferido para o Senado após

108 GERHARDT, op. cit. p. 118. 109 VILLE, J. The Essential Supreme Court Decisions: summaries of Leading Cases in U.S. Constitutional Law, 15a Edição, Plymouth, Rowan & Littlefield, 2010, p. 122. 110 Ibid., p. 124. 111 BLACK, op. cit. p. 54. 112 Ibid. 113 Ibid. pp. 55-62.

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discussão entre os constituintes, que concluíram ser o Senado o órgão mais apropriado para

tomar essa decisão.114

A decisão da Suprema Corte em Nixon v. United States, contudo, foi criticada em alguns

aspectos. A crítica mais pertinente é que a Suprema Corte não reconhece que decidir não julgar

o caso é um julgamento em si. Gerhardt põe a questão da seguinte maneira: [T]he Court did not reconcile the apparent irony of its reviewing the contours of an area of political decision making for the sake of preserving it from judicial review in the name of nonjusticiability with its refusal to acknowledge that its deference may have turned on an implicit judgement that the Constitution simply granted the political actor broad discretion115[grifo meu ]

Ou seja, ao optar por não ouvir e julgar o caso, a Suprema Corte efetivamente conferiu

ao Congresso plena discrição para executar o impeachment e seu julgamento como lhe for

conveniente, sem dever satisfação a ninguém ou a qualquer outro poder da república. Rebecca

Brown, em um incisivo artigo criticando a decisão, argui que isso fere a separação de poderes,

pois a esta é essencial a revisão judicial em nome da proteção dos direitos individuais.

De fato, a diferença essencial entre a Corte decidir que um determinado ato

governamental é constitucional, e concluir que o ato não pode ser conhecido pelas Cortes em

primeiro lugar, é que a segunda decisão obsta qualquer futuro litígio sobre a questão e declara

que a matéria em questão não tem remédio judicial em qualquer circunstância.116

Inclusive, sustenta a autora, a doutrina da questão política, utilizada pela Suprema Corte

para justificar seu (não-) julgamento, nunca foi uma doutrina verdadeira e deveria ser, a esta

altura, deixada de lado.117 Raoul Berger, por sinal, descreve a doutrina da questão política como

uma “construção judicial auto negativa sem raízes na história constitucional”, e esclarece que

não se menciona nos debates da Convenção de Filadélfia e tampouco nas convenções

ratificadoras que questões políticas devam ser excluídas de revisão judicial.118

Nixon v. United States, entretanto, diz respeito à revisão judicial dos procedimentos

utilizados pelo Senado para julgar impeachments. O que isso quer dizer é que, interpretada de

forma restritiva, a decisão deixa abertas possibilidades para revisão judicial de outros aspectos

que não os procedimentos em si. O autor Michael Gerhardt aponta três interpretações possíveis

para revisão judicial de impeachments após a decisão da Corte em Nixonv. United States.

114 BERGER, op. cit. p. 113. 115 GERHARDT, op. cit. p. 120. 116 Ibid., p. 122. 117 BROWN, R. When Political Questions Affect Individual Rights: The Other Nixon v United States, in The Supreme Court Review, vol. 1993, The University of Chicago Press, 1993, pp. 125-155, p. 127. 118 BERGER, op. cit. p. 108.

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A primeira interpretação possível é quando o julgamento viola restrições explícitas da

Constituição. Nesse cenário, o Senado desrespeitaria uma das exigências Constitucionais para

condenar o acusado, tal como o voto mínimo de dois-terços dos membros presentes, a divisão

da autoridade entre a Câmara e o Senado, entre outras. Por exemplo, se o Senado condenasse o

acusado com menos de dois-terços dos votos dos presentes, tratar-se-ia de um caso em que a

Suprema Corte deveria garantir o respeito à norma constitucional. Esta interpretação está de

acordo com um precedente firmado pela Suprema Corte em Powell v. McCormack, no qual a

Corte impediu o Congresso de desrespeitar um comando constitucional explícito.119

Por outro lado, a segunda interpretação é de que o processo de impeachment não é

passível de revisão judicial em hipótese alguma. Esse argumento distingue o cenário do

impeachment do precedente em Powell v. McCormack, com base na peculiaridade do

impeachment como matéria constitucional, no possível conflito de interesses, e na decisão

deliberada dos constituintes de conferir o poder de impeachment exclusivamente ao

Congresso,120 conforme visto acima neste texto.

A terceira interpretação defende a aplicabilidade de revisão judicial apenas nos casos

mais extremos de abuso do poder de impeachment, segundo a qual seria cabível revisão judicial

mínima. Todavia, não é claro como a Corte julgaria casos de abuso do poder de impeachment

e de abuso extremo de prerrogativas constitucionais. No julgamento de Nixon v. United States

na Circuit Court do Distrito de Colúmbia, um dos juízes apontou que o Senado tem

responsabilidade plena perante o público pelo seu uso do impeachment, e que caso esse poder

seja abusado de forma extrema não haverá corte capaz de salvar a nação,121 então haver ou não

revisão judicial é irrelevante.

O autor Raoul Berger escreveu seu famoso livro sobre o impeachment em 1973. Antes,

portanto, do impeachment do presidente Clinton e, mais importante, antes da decisão em Nixon

v. United States. Nesse livro ele argumenta que, como à época sugeria Powell v. McCormack,

limites constitucionais são sujeitos à tutela judicial, e que a revisão judicial do impeachment é

necessária para proteger os outros poderes da vontade arbitrária do Congresso. Nas suas

palavras, It is hardly likely that the Framers, so devoted to “checks and balances”, […] would reject a crucial check at the nerve center of the separation of powers. They scarcely contemplated that their wise precautions must crumble when Congress dons its “judicial” hat, that then Congress would be free to shake the other branches to their very foundations.122

119 GERHARDT, op. cit. pp. 124-5. 120 Ibid., pp. 125-33. 121 Ibid., pp. 133-8. 122 BERGER, op. cit. p. 119.

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Quem passa a ser autoridade civil, argumenta Berger, não deixa de ser uma “pessoa” no

escopo da Quinta Emenda constitucional americana; um impeachment que desrespeita o

constitucionalmente previsto fere o devido processo legal, e é estranho pensar que um cidadão

pode buscar tutela judicial contra uma multa de vinte dólares, mas não contra algo tão grave

quanto um impeachment.123

A consequência de Nixon v. United States é que a Suprema Corte essencialmente deixou

à discrição do Congresso todas as decisões sobre o processo de impeachment que não estão

explícitas na Constituição. A conclusão inevitável é que, sem revisão judicial, “Congress has

free rein to impeach and remove the president. What will constrain it are political calculations

and institutional considerations”.124

1.6. Palavra final

No Direito ocasionalmente tem-se o hábito, em trabalhos acadêmicos, de trazer

diferentes doutrinas e apresentar a interpretação dos tribunais, e o trabalho cumpre a função de

“mostrar como as coisas funcionam”, omitindo-se críticas e opiniões pessoais. Ocorre que,

nesse caso, concordo com as preocupações de Raoul Berger e acho pertinentes as críticas de

Rebecca Brown.

Creio que a Suprema Corte americana chegou a uma conclusão insatisfatória (para não

dizer errada) ao decidir não julgar Nixon em seu mérito, excluindo da revisão judicial quiçá o

instrumento com maior potencial destrutivo do sistema político-legal dos Estados Unidos. O

impeachment americano revela-se um jogo sem regras. Existe uma vaga moldura

constitucional, mas todo o resto é deixado à mercê do legislativo, que exerce esse poder

unilateralmente, e sem responder a ninguém—somente aos eleitores, cujas opiniões, em tempos

de déficit de representatividade democrática, importam cada vez menos para a classe política.

Seu transplante para outros sistemas políticos (inclusive o nosso) transferiu para outros

países os seus problemas, mas para sistemas políticos que não têm a, talvez, única característica

que impede seu uso amplo e irrestrito nos Estados Unidos: o bipartidarismo com forças

relativamente equilibradas a nível nacional. Isso faz com que, nos EUA, nenhum partido

consiga atingir sozinho a maioria de 2/3 dos membros necessária para mover o impeachment,

impedindo o uso indiscriminado do instituto e garantindo alguma medida de normalidade

123 Ibid., p. 120. 124 PIOUS, R. M., The Constitutional and Popular Law of Presidential Impeachment, in Presidential Studies Quarterly, volume 28, número 4, The Clinton Presidency in Crisis, outono de 1998, pp. 806-15, p. 809.

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constitucional. Isso não se dá, por exemplo, em países onde opera o presidencialismo de

coalizão—como o Brasil. Em última instância, o impeachment se revela um meio para que um

legislativo que assim o deseja possa chantagear e azucrinar a vida do executivo—onde o

Congresso usa o impeachment como se fosse um recall ou voto de não-confiança de regimes

parlamentaristas nos quais, no entanto, há um poder equivalente que equilibra a correlação de

forças: o de dissolver o parlamento.

No restante dessa monografia, irei explorar como o instituto foi importado pelo Brasil,

que características foram mantidas, de que forma foi adaptado. Além disso, abordarei ocasiões

em que um legislativo beligerante o usou indevidamente, e o efeito que essa Espada de

Dâmocles teve sobre a nossa história republicana.

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CAPÍTULO 2: O IMPEACHMENT NO BRASIL

O impeachment no Brasil, diferentemente do que costuma se apontar, não tem origem

na primeira constituição republicana, de 1891, ocasião em que foi, ostensivamente, inspirado

pelo instituto estadunidense. A Constituição do Império, outorgada em 1824, já previa que os

Ministros de Estado seriam responsáveis por certos delitos relacionados ao cargo (artigo 133).

O instituto imperial assemelhava-se ao instituto britânico, tanto quanto à natureza das sanções

quanto às autoridades atingidas—ou, no caso, não atingidas: o imperador não podia ser

responsabilizado (afinal, era Imperador por “graça de Deus e unânime aclamação dos

povos”),125 como tampouco o Rei no império britânico.

Quando se proclamou a República, o sistema presidencial substituiu o parlamentarismo

imperial. Enquanto o Imperador era legalmente inviolável, o Presidente da República passou a

ser legalmente responsável por seus atos. Mudou a natureza do instituto, que no império fora

criminal. Foi mantida, todavia, a terminologia dos Crimes de Responsabilidade, uma tradição

eminentemente brasileira.

As subsequentes Constituições brasileiras (de 1934, 1937, 1946, 1967/9, 1988)

mantiveram, com parcas modificações, o instituto de 1891. Também foram aprovadas leis de

responsabilidade. Uma data de 1892, e a que está atualmente em vigor, parcialmente

recepcionada pela Constituição de 1988, é de 1950. Sob a égide da Constituição de 1988,

observam-se ligeiras alterações procedimentais, em sua maioria definidas na Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental 378, de 2015 (ADPF 378).

Portanto, já que, fora as ligeiras modificações ao longo do tempo, mantém-se, em linhas

gerais, o instituto elaborado na primeira constituição republicana, extensamente revisada por

Ruy Barbosa, não é de se surpreender que um dos livros mais citados acerca do tema é aquele

de Paulo Brossard de Souza Pinto, originalmente publicado em 1964. Muitas das observações

acerca do tema feitas por Brossard se revelam pertinentes—um fato agravado pela franca

escassez de produção de alta qualidade especialmente dedicada ao tema.

No Brasil, a maior parte das ocasiões em que o instituto foi mobilizado se revelam

problemáticas, e a tradição político-legal nacional se revela propensa a abusos do impeachment.

Dentre estes, são notáveis movimentos pelo impeachment de Getúlio Vargas, em 1954, por

parte do movimento udenista de São Paulo (ostensivamente por despesas não autorizadas por

lei), os dois impeachments ocorridos em 1955 (de Carlos Luz, presidente por três dias, e de

125 BRASIL, Constituição Política do Império do Brazil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>, acesso 1 de junho de 2017.

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Café Filho), após o suicídio de Vargas, que sequer seguiram os procedimentos previstos na Lei

1079/50, e o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

É necessário examinar o porquê de um instituto que deveria salvaguardar o regime

democrático se revelar, ao longo da história, provocador de crises políticas e instabilidade no

regime presidencialista. Já foram apontadas, no capítulo anterior, as deficiências do instituto

americano—em especial em relação à maleabilidade da locução high crimes and

misdemeanors. No Brasil, todavia, pressupunha-se que a regulamentação extensa

proporcionada pelo regime de Civil Law não permitiria deficiências da mesma índole.

Todavia, antes de investigar as diferentes ocasiões em que o impeachment foi

mobilizado no Brasil, e suas consequências, é necessário verificar como o instituto veio a ser,

suas especificidades, os procedimentos adequados, as ofensas que podem provocá-lo, as

controvérsias doutrinárias, entre outros aspectos. É a isso que se dedica esse capítulo.

Antes de partir ao exame do instituto em si, é importante fazer uma observação. O

processo de impeachment no Brasil, que será objeto de exame deste trabalho, é aquele que

concerne o julgamento por crime de responsabilidade pelo Senado Federal com autorização da

Câmara dos Deputados. O julgamento do Chefe do Executivo pelo Supremo Tribunal Federal

em caso de crime comum, depois de autorizado pela Câmara dos Deputados, é aqui considerado

um instituto distinto e, apesar de ser mencionado ocasionalmente, não é o objeto do estudo.

2.1. Origens históricas do impeachment no Brasil

Como mencionado, impeachment brasileiro não nasceu com a primeira república. Foi

na Constituição do Império, de 1824, que surgiu pela primeira vez no ordenamento jurídico

brasileiro. A limitação dos poderes do governo é influência e reação ao absolutismo do reino

lusitano que dominara o Brasil até pouco antes. Em 1793, Francisco Coelho de Souza e S. Paio,

desembargador da Relação do Pôrto e Lente da Universidade de Coimbra, escreveu que “O

Império Português é governado e regido por uma só pessoa, em quem jure próprio se acha

radicado o Sumo Império, sem que as Leis Fundamentais lhe prescrevessem limitação”.126

Portanto a monarquia portuguesa era, defende Sousa e S. Paio, plena—ou seja,

independentemente do uso das cortes, cujo voto era unicamente consultivo. A monarquia

portuguesa nunca foi mista ou monárquica-democrática.127 O imperador português tinha

126 S. Paio, F. C. S. Preleções de Direito Pátrio Público e Particular, Real Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1793, § XXVI, p. 41. Disponível em <http://purl.pt/6480/4/sc-178-v_PDF/sc-178-v_PDF_24-C-R0150/sc-178-v_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf>, acesso em 2 de junho de 2017. 127 Ibid. p. 44.

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direitos essenciais e inabdicáveis, comumente reduzidos a cinco capítulos: “legislativo,

inspecivo, policiativo, judiciativo e executivo”.128

No reinado de D. José I (1750-1777), Nos documentos do governo não se falou mais em prerrogativas dos povos nem em Cortes; e os escritores viram-se forçados a mencioná-las como assembleias meramente consultivas, desnecessárias, e até incompatíveis no estado atual da administração. Não é o concurso das ordens, ou a opinião dos povos, que ocupa os pomposos preâmbulos das leis deste tempo, mas sim a alta e independente soberania, que o rei recebe imediatamente de Deus, pela qual manda, quer e decreta aos seus vassalos, de ciência certa e poder absoluto129, 130 [grifo no original]

Esse estado das coisas perdurou até 1820, quando as Cortes de Lisboa se reuniram para

elaborar uma nova constituição portuguesa, jurada em 1822 por D. João VI (já egresso do

Brasil). Essa constituição, influenciada pela espanhola de 1812, estabeleceu a divisão dos

poderes políticos característicos do sistema constitucional, conferindo o poder executivo ao

Rei, o legislativo às Cortes, e o judicial aos magistrados. Com receio do despotismo da Coroa,

limitaram os poderes da monarquia, negando ao Rei o veto absoluto e o deixando sob a sanção

das leis, vigiado pelas Cortes. Em 1823, após a independência brasileira, eclodiu a guerra civil

portuguesa, e a nova constituição e as reformas foram abolidas, com o governo absoluto

proclamado novamente.131

Os desdobramentos lusitanos não passaram desapercebidos no Brasil. As Cortes de

Lisboa, de 1821 a 1822, que elaboraram a Constituição que limitou os poderes monárquicos,

contaram com deputados das províncias brasileiras. A Constituição do Império, elaborada pelo

Conselho de Estado, aponta Paulo Brossard, não ficou imune à renovação do

constitucionalismo.132 O monarca, que exercia privativamente o poder moderador, como “chefe

supremo da nação e seu primeiro representante” (art. 98), era também “o chefe do poder

executivo, e o exercita por seus Ministros de Estado” (art. 102).

Todavia, semelhantemente ao que se operou na Inglaterra, apesar de a pessoa do

Imperador ser inatingível—“inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade

alguma” (art. 99)—os Ministros de Estado são responsáveis (1) por traição; (2) por peita,

suborno ou concussão; (3) por abuso do Poder; (4) pela falta de observância da Lei; (5) pelo

128 Ibid. p. 72. 129 ROCHA, C. da Ensaio sobre a História do Governo e da Legislação de Portugal, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1896, p. 171. Disponível em <http://purl.pt/24734/4/hg-11690-v_PDF/hg-11690-v_PDF_24-C-R0150/hg-11690-v_0000_1-290_t24-C-R0150.pdf>, acesso 3 de junho de 2017. 130 Todas as citações têm a grafia atualizada. 131 Ibid. pp. 173-4. 132 BROSSARD, op. cit. p. 17.

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que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos; e (6) por qualquer

dissipação dos bens públicos (artigo 133).

O poder de acusar os Ministros e Conselheiros de Estado competia à Câmara dos

Deputados, privativamente (art. 38). O julgamento cabia ao Senado, que tinha competência

exclusiva para conhecer da responsabilidade dos secretários e conselheiros de Estado (art. 47,

II).

Segundo aponta Paulo Brossard, a preocupação em disciplinar a responsabilidade do

governo surgiu antes de o parlamento imperial iniciar suas atividades—já em 1823, quanto

ainda não havia sido outorgada a constituição do império, se dizia que os Ministros e Secretários

de Estado seriam responsáveis na forma da lei.133 Após a Constituição e o início dos trabalhos

do parlamento, em maio de 1826, uma comissão especial na Câmara dos Deputados foi

incumbida de apresentar dois projetos de leis de responsabilidade, um para os funcionários

públicos em geral, e outra específica para os ministros de conselheiros de Estado.

A importância da lei de responsabilidade foi notável nos debates da época. Na sessão

que selecionou os membros para a comissão especial, o deputado Bernardo Pereira de

Vasconcellos argumentou que “[É] grande a urgência das leis regulamentares, pois sem elas

não se pode mover a máquina da constituição, principalmente sem a que marca a

responsabilidade”134 (grifo meu). Aliás, é digno de realce o fato de que a Comissão Especial

para elaborar as leis de responsabilidade foi estabelecida já na segunda sessão da história da

Câmara de Deputados do parlamento imperial.

O projeto de lei de responsabilidade dos ministros e secretários de estado foi apresentado

à Câmara na sessão de 30 de maio de 1826. Lino Coutinho, durante a sessão que discutiu o

projeto, disse que [O]s ministros de Estado nunca tiveram regimento algum, que declarasse os seus abusos, e omissões e as penas correspondentes. Têm sido até agora considerados como guardas do monarca, que os escolhe, e divindades, que por nada devem responder [...] eram contemplados como irresponsáveis perante a nação, não devendo dar contas senão ao seu senhor, [...]. Porém, tendo prevalecido as luzes do século, e achando-se felizmente estabelecida entre nós a forma representativa de governo, qual será, Sr. Presidente [da Câmara] o nosso primeiro cuidado, quando se trata de conter nos seus limites os delegados do poder nacional?135 [grifo meu]

133 Ibid., p. 18. 134 BRASIL, Anais da Câmara dos Deputados. Ano de 1826, volume I. Sessão de 9 de maio, p. 36. 135 Ibid. p. 181.

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Em nova discussão do assunto, em 16 de junho, o deputado Souza França afirma que “a

mola real dos governos representativos de direito e de fato é a efetiva responsabilidade dos altos

funcionários”, sem a qual não pode haver segurança e constituição.136

No Senado, na sessão em 14 de agosto do mesmo ano, o Visconde de Barbacena

argumentou que a “experiência dos séculos tem convencido as nações mais civilizadas da

urgente necessidade de pôr limites ao poder executivo, para que não converta em instrumento

de ruína aquela autoridade que lhe foi confiada para o bem da nação”.137 Durante a discussão,

os senadores trouxeram argumentos dos direitos e história britânico, francês e português, além

de menções a fatos e normas da Espanha, da Noruega e de outras nações.138 O projeto de lei se

fez lei em 15 de outubro de 1827, que por não ter número será referida como Lei de 15 de

outubro.139

Esse “impeachment” imperial (que ainda não carregava esse nome) difere

significativamente do instituto republicano. As diferenças entre o modelo imperial e

republicano são, a grosso modo, as mesmas percebidas entre os modelos inglês e

estadunidense,140 mencionadas no primeiro capítulo deste trabalho. Enquanto na Inglaterra (e

no instituto imperial) o impeachment atinge a autoridade e castiga o indivíduo, o instituto

estadunidense (e republicano) atinge apenas a autoridade, mas deixa livre o indivíduo, sujeito,

se for o caso, à ação da justiça. Em outras palavras, o Senado no instituto imperial tem jurisdição

plena para impor sanções de natureza penal—inclusive a morte natural, prevista no §3o do artigo

1o da Lei de 15 de outubro.

Ademais, o instituto imperial, como sugere o nome da Lei de 15 de outubro—Da

responsabilidade dos Ministros e Secretários de Estado e dos Conselheiros de Estado—o

imperador, como o monarca britânico, é inatingível. Isso está previsto no artigo 99 da

Constituição de 1824: “A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Ele não está sujeito a

responsabilidade alguma”.141 Como em qualquer regime parlamentarista, “politicamente

responsável é o gabinete, porque o gabinete governa”.142

136 Ibid. volume II, p. 168. 137 BRASIL, Anais do Senado. Ano de 1826, livro 4. Sessão de 14 de agosto, disponível em < http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Anais_Imperio/1826/1826%20Livro%204.pdf>, acesso 12 de junho de 2017, p. 63. 138 Ibid., passim. 139 Disponível em < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38389-15-outubro-1827-566674-publicacaooriginal-90212-pl.html>, acesso 14 de junho de 2017. 140 BROSSARD, op. cit., pp. 21 e 39. 141 CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO, op. cit. 142 BROSSARD, op. cit., p. 37.

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A Lei de 15 de outubro fixou a responsabilidade dos ministros e secretários de Estado

em termos penais. As sanções variavam da morte natural, já mencionada, à prisão (já

mencionada), desterro (art. 3o, §1o), além de restituição do dano e inabilidade perpétua para

todos os empregos, entre outras. Similarmente a um processo criminal, cabia ao imperador

indultar ou comutar as penas criminais impostas pelo Senado.143

A Lei de 15 de outubro previa a responsabilidade dos Ministros de Estado por: traição

(art. 1o); peita, suborno ou concussão (art. 2o); abuso de poder (art. 3o); falta de observância da

lei (art. 4o); obrar contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos (art. 5o); e

dissipação dos bens públicos (art. 6o). Cada artigo contém parágrafos que definem o previsto

no caput, indicando inclusive as penas mínima, média e máxima para cada um dos casos. Já os

conselheiros de Estado eram responsáveis pelos conselhos que dessem ao monarca, se fossem

opostos à lei ou atentassem contra os interesses do Estado, se manifestamente dolosos (art. 7o).

O procedimento do instituto imperial é detalhadamente regido pelas Sessões I e II do

capítulo III da Lei de 15 de outubro. Qualquer cidadão tinha o direito de fazer a acusação aos

Ministros e Secretários de Estado, que prescrevia passados três anos, e os membros do

parlamento imperial poderiam fazê-lo no prazo de duas legislaturas depois de cometido o delito

(art. 8o). A denúncia era apresentada à Câmara dos Deputados, que a mandava examinar por

uma comissão especial, e decidiria se julgava procedente a acusação, com os efeitos de

suspender o acusado do exercício de todas as funções públicas e o inabilitar nesse tempo de ter

outro emprego.

A Câmara então nomearia uma comissão para fazer a acusação no Senado que, para

julgar os crimes acusados, “se converte em Tribunal de Justiça” (art. 20). No Senado, então,

após o réu ter oportunidade de se defender, o plenário votaria sobre a criminalidade ou não do

réu. Caso houvesse empate o réu seria absolvido. Em caso afirmativo, o Senado votaria

novamente sobre o grau da pena correspondente. Não cabia recurso senão à Câmara, que tinha

a competência de reverter a sentença.

Houve tentativas de aplicar a Lei de 15 de outubro, e ministros foram denunciados e

tiveram que comparecer perante a Câmara para defenderem-se nas sessões de 1827, 1828, 1831,

1832 e 1834. Com a crise da abdicação, e a regência, houve uma profunda alteração no modo

de fazer política no império. Imprimiu-se um estilo novo às relações entre os poderes, substituindo o sistema repressivo [...] pelo método preventivo, legitimado pelo costume, que se fundou na necessidade de socorrer as crises de governo com soluções políticas, não com processos criminais144

143 Ibid., p. 39. 144 Ibid. p. 42.

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O novo jogo da responsabilidade política, operado em termos de confiança parlamentar,

fez o instituto imperial cair em desuso.

Com a substituição da monarquia pela primeira república, o sistema presidencialista

tomou lugar do parlamentarismo imperial. Se a pessoa do imperador era legalmente inviolável,

o presidente da república passou a ser legalmente responsável, com visível influência do modelo

estadunidense. O instituto concebido no império foi essencialmente conservado na sua parte

processual, mas uma modificação decisiva se operou: o instituto deixou de ser criminal.

No Brasil, diferentemente do processo americano, o impeachment pressupõe a prática

de “crime de responsabilidade”, listados no artigo 64 da Constituição de 1891 e regulamentados

pelo Decreto n. 30, de 8 de janeiro de 1892.145 O processo e julgamento foram regulamentados

pelo Decreto n. 27, de 7 de janeiro de 1892.146

A enumeração específica dos crimes de responsabilidade na Constituição e no Decreto

regulamentador faz parecer que no Brasil a aplicabilidade do processo de impeachment é mais

restrita do que alhures. Todavia, isso se revela uma suposição falsa. Nas palavras de Brossard,

“[d]ir-se-á que nos Estados Unidos e na Argentina maior é a incidência do processo e mais

ampla a discrição do Congresso em matéria de ‘impeachment’. Verificar-se-á, porém, que a

diferença é mais aparente que real”.147

Desde a primeira constituição republicana, poucas alterações ocorreram no âmbito do

impeachment. Observam-se algumas mudanças procedimentais, é verdade, mas em sua

natureza o processo permanece essencialmente o mesmo. Os crimes de responsabilidade

elencados no art. 53 da Constituição de 1891 são, em essência, os exatos mesmos previstos na

Constituição de 1988 (a Constituição de 1988 apresenta um singelo inciso a mais, originalmente

incluído na Constituição de 1934, em seu artigo 57).

Aliás, na história das constituições republicanas, a diferença significativa no instituto

do impeachment se observa na Constituição de 1934. Naquela, nos casos de crime de

responsabilidade, o Presidente seria julgado por um Tribunal Especial, supervisionado pelo

presidente da Corte Suprema, composto de nove juízes, sendo três da Corte Suprema, três do

Senado Federal, e três membros da Câmara de Deputados, escolhidos todos por sorteio (art.

145 Disponível em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-30-8-janeiro-1892-541211-publicacaooriginal-44160-pl.html>, acesso 18 de junho de 2017. 146 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DPL/DPL0027.htm>, acesso 18 de junho de 2017. 147 BROSSARD, op. cit., p. 47.

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58). Na constituição seguinte, pouco depois, em 1937, o poder de julgar o presidente recaía

sobre o Conselho Federal (o equivalente ao Senado Federal durante o Estado Novo).

A Constituição de 1946 trata os crimes de responsabilidade do presidente da república

de maneira praticamente idêntica à Constituição atual. Foi sob o regime daquela que, em 1950,

promulgou-se a Lei n. 1079, que define com maiores detalhes os crimes de responsabilidade e

o procedimento adotado, tendo sido parcialmente recepcionada pela Constituição de 1988. Foi

sob esse regime, aperfeiçoado na Constituição de 1946, regulamentado pela Lei 1079/50, e

recepcionado em sua maioria pela Constituição de 1988 que ocorreram todos os impeachments

presidenciais no Brasil—os dois impeachments em 1955 (quando as disposições da Lei 1079

foram sumariamente ignoradas), o impeachment de Fernando Collor em 1992, e o de Dilma

Rousseff em 2016.

É seguro dizer, portanto, que o instituto do impeachment no Brasil se mantém

essencialmente inalterado em toda a sua história republicana. Suas características, suas

qualidades e seus defeitos se reproduziram em todos os nossos regimes constitucionais.

Também é seguro dizer que é reducionista a afirmação de que o impeachment brasileiro é uma

importação do regime estadunidense. Foi influenciado pelo instituto norte-americano em 1891,

é claro. Mas o impeachment à brasileira herda consigo uma tradição imperial nos Crimes de

Responsabilidade, previstos já em 1824—tradição essa que traz, também, problemas e

considerações específicas que serão feitas no item a seguir.

2.2. Os crimes de responsabilidade

Como visto no capítulo anterior, o impeachment estadunidense confere ao Congresso

daquele país grande discricionariedade para decidir quais são os atos que permitem a remoção

do presidente da república. Destarte, o juízo sempre será, senão principalmente, extensamente

político. Há quem entenda que esse problema não existe no Brasil. O artigo 54 da primeira

constituição republicana, reproduzido na sua essência em todas as constituições posteriores,

removeria todo o arbítrio da matéria, determinando taxativa e terminantemente quais são as

causas que poderiam fundamentar o processo de responsabilidade.148

Todavia, o constituinte republicano em 1891 não foi feliz na elaboração do instituto.

Como aponta Gabriel Luiz Ferreira em trabalho de 1904, teria sido melhor o constituinte

designar uma fórmula genérica. Isso porque a formulação adotada é insuficiente em duas

vertentes. Primeiramente, tem-se que dificilmente se conceberá um fato cuja classificação não

148 Ibid., p. 52.

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caiba em alguma categoria dos crimes de responsabilidade enumeradas no art. 54 da

Constituição, mas se o objetivo foi prever a punição para qualquer ato que a demandasse, esse

resultado seria alcançado com mais certeza dando-se ao congresso um campo mais largo. Por

outro lado, na segunda vertente, se essa latitude extrema do Congresso foi exatamente o que se

buscou evitar, escolheu-se um meio ineficaz, porque “abusos o Congresso pode cometer de mil

modos [...], soberano como é na decretação do impeachment pela Câmara e no julgamento pelo

senado”.149

Os crimes de responsabilidade se mantiveram essencialmente imutáveis ao longo de

toda a tradição republicana brasileira, com alterações que podem ser consideradas

insignificantes, como aponta a Tabela 1, a seguir.

149 FERREIRA, Gabriel Luiz. Tese in Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, Congresso Jurídico Americano, v. II, Dissertações (direito público), Rio de Janeiro, 1904, apud BROSSARD, op. cit., p. 53.

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Constituição de 1891 (art. 53)

Constituição de 1934 (art. 57)

Constituição de 1937 (art. 85)

Constituição de 1946 (art. 88)

Constituição de 1967 (art. 84)

Constituição de 1969 (art. 82)

Constituição de 1988 (art. 85)

[São crimes de responsabilidade atos do Presidente da República que atentam contra:] Sem equivalente

Sem equivalente

Sem equivalente

[no caput] A Constituição Federal

[no caput] A Constituição Federal

[no caput] A Constituição Federal

[no caput] A Constituição Federal

Existência política da União

A existência da União

A existência da União

A existência da União

A existência da União

A existência da União

A existência da União

A Constituição e a forma do Governo Federal

A Constituição e a forma do Governo Federal

A Constituição

Sem equivalente

Sem equivalente

Sem equivalente

Sem equivalente

O livre exercício dos poderes políticos

O livre exercício dos poderes políticos

O livre exercício dos poderes políticos

O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, e dos Poderes constitucionais dos Estados

O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, e dos Poderes constitucionais dos Estados

O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, e dos Poderes constitucionais dos Estados

O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação

O gozo e exercício legal dos direitos políticos ou individuais

O gozo e exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais

Sem equivalente

O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais.

O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais.

O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais.

O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais.

A segurança interna do país

A segurança interna do país

Sem equivalente

A segurança interna do país

A segurança interna do país

A segurança interna do país

A segurança interna do país

A probidade da administração

A probidade da administração

A probidade administrativa e a guarda dos dinheiros públicos

A probidade na administração

A probidade na administração

A probidade na administração

A probidade na administração

A guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos

A guarda ou emprego legal dos dinheiros públicos

A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos

Sem equivalente

Sem equivalente

Sem equivalente

As leis orçamentárias votadas pelo Congresso

As leis orçamentárias

Sem equivalente

A lei orçamentária

A lei orçamentária

A lei orçamentária

A lei orçamentária

Sem equivalente

O cumprimento das decisões judiciárias

A execução das decisões judiciárias

O cumprimento das decisões judiciárias

O cumprimento das decisões judiciárias e das leis

O cumprimento das leis e das decisões judiciárias

O cumprimento das leis e das decisões judiciais

Tabela 1—os crimes de responsabilidade nas constituições republicanas de 1891 a 1988.

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Sob a égide do regime constitucional atual, crime de responsabilidade foi definido por

Antônio Riticellli como [A]queles praticados no exercício da função ou que afetem a própria estrutura do regime e os princípios fundamentais da Lei Maior [...] é efetivamente uma expressão ampla, que pode abranger tanto crimes tipificados no Código Penal como aqueles praticados por funcionário público contra a administração em geral [...] além de outros crimes dispostos por legislação esparsa150

A própria Constituição Federal, no caput do artigo 85, afirma que “são crimes de

responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal

e, especialmente, contra” [grifo meu], onde se seguem os sete incisos enumerados pelo

constituinte. Essa construção não pode passar desapercebida. Apesar da Carta Maior prever sete

atos específicos pelos quais será responsabilizado o chefe do executivo, o vocábulo

especialmente sugere que a lista é meramente exemplificativa, não restritiva. Ou seja, qualquer

ato contra a Constituição Federal, em seus duzentos e cinquenta artigos, pode ensejar processo

de impeachment, independentemente de especificação legal prevendo crime de

responsabilidade. A mesma construção se reproduz na Lei n. 1079/50, em seu artigo 4o, para

que não paire dúvida acerca do “princípio segundo o qual todo e qualquer agravo à Constituição

configura crime de responsabilidade”.151

Consequentemente, é extraordinária a amplitude da regra constitucional segundo a qual

todo ato do chefe do executivo contra a Constituição é crime de responsabilidade. Com base

nessa cláusula, “Câmara e Senado podem destituir o Chefe do Poder Executivo com a mesma

liberdade que isto seria possível nos Estados Unidos”,152 sem contar que “‘proceder de modo

incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo’ [art. 9o, 1 da Lei n. 1079/50], cujos

confins são entregues à discrição [do Congresso], cabem todas as faltas possíveis”.153 Essa

construção, e suas consequências, se reproduz em todas as constituições republicanas desde

1891.

Doutrinas modernas, em especial a de André Ramos Tavares, publicada após o

impeachment ocorrido em 2016, buscam sugerir maneiras de superar essa clara deficiência do

dispositivo constitucional. Tavares explica que, no presidencialismo personalista praticado no

Brasil, o Presidente não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de sua função

(art. 86, §4o da CRFB). Isso significa dizer que o chefe do executivo pode ser processado,

150 RICCITELLI, A. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar? Barueri, SP, Minha Editora, 2006, pp. 45-55 151 BROSSARD, op. cit., pp. 54-5. 152 Ibid., p. 55 153 Ibid., p. 56.

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enquanto durar o mandato, apenas por crimes cometidos in officio ou propter officium, desde

que devidamente autorizado o processo pela Câmara de Deputados.

Dessa forma, o crime de responsabilidade integra o que Tavares chama de “regime

presidencialista brasileiro de responsabilização restrita”, que permite a responsabilização do

presidente na hipótese de atentado à Constituição. Ou seja, como mecanismo grave que é, o

impeachment deve ser mobilizado quando ocorre um atentado à constituição, não uma ou outra

mera inconstitucionalidade cometida pelo presidente. Deve haver uma determinação direta e

explícita de subverter radicalmente a ordem constitucional vigente, por meio de um ato doloso

e positivo.154 A ideia de atentado à constituição coaduna com a ideia de “grave ameaça” à ordem

política apresentada na melhor interpretação do instituto estadunidense, discutida nesse trabalho

no capítulo 1.2.2.

Todavia, soberano como é o Congresso Nacional para tomar a decisão do mérito em

casos de impeachment, onde não cabe revisão judicial (apenas em algumas questões

processuais, como será visto adiante), e considerando a construção legal extremamente

permissiva do instituto—apesar de comumente se acreditar o contrário—o crime de

responsabilidade será, no fim, seja lá o que o Congresso decidir que é. Apesar do válido e

necessário esforço doutrinário para delimitar mais restritivamente a autoridade congressual em

matéria de impeachment, atualmente não existem mecanismos capazes de coibir abusos por

parte do poder legislativo.

2.2.1. Questões doutrinárias sobre os crimes de responsabilidade

2.2.1.1. A natureza do crime de responsabilidade e o momento em que o ato foi

cometido

A locução “crime de responsabilidade”, em si, é responsável por gerar confusões e

desentendimentos. Esta foi empregada, ao longo da história constitucional brasileira, para se

referir a crimes de responsabilidade e crimes funcionais em relação a servidores públicos, e a

Lei Básica se refere de modo equívoco a crimes de responsabilidade, com sentido de suposta

infração política, e em outros momentos com sentido de crime funcional.

A confusão é mais antiga. O Código Criminal de 1830 excluía de seu âmbito os “crimes

de responsabilidade dos Ministros e Conselheiros de Estado”, se referindo aos crimes

imputáveis aos conselheiros e ministros que geravam a responsabilidade deles.155 Como o

154 TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional, 15a edição revisada e atualizada. São Paulo, Ed. Saraiva, 2017, pp. 1079-81. 155 BROSSARD, op. cit., pp. 57-63.

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processo de responsabilidade, à época do império, era um instituto que podia ser sancionado

com pena criminal, a locução “crime de responsabilidade” se justificava. Todavia, desde a

primeira república o processo se transformou, deixou de ser criminal, mas “a locução defeituosa

se insinuou na linguagem legislativa e não foi mais abandonada”.156

Apesar da confusão provocada pelo termo, nem todo crime de responsabilidade deve

corresponder a um crime comum. Uma mesma falta pode ser tanto crime de responsabilidade

quanto crime comum—e está sujeita a duplicidade de sanções, uma política e a outra criminal—

mas um crime de responsabilidade não é sempre um crime comum, e o oposto também se

aplica.157 Por exemplo, Michel Temer foi denunciado pelo Procurador Geral da República,

Rodrigo Janot, em junho de 2017, por corrupção passiva e obstrução da justiça. Dada a

autorização pela Câmara dos Deputados, Temer seria processado perante o Supremo Tribunal

Federal por crime comum, sem processo de responsabilidade concomitante.

Sendo o regime presidencialista brasileiro de responsabilização estrita, como

mencionado, o Presidente da República responde por atos cometidos no exercício do mandato

(in officio) ou a pretexto de o exercer (propter officium). Tendo cometido crime comum (que,

como visto, pode ser ou não ser um crime de responsabilidade, concomitantemente) pode ser

preso após trânsito em julgado de decisão condenatória no Supremo Tribunal Federal. Isso

significa, como aponta Peña de Moraes, dizer que o Presidente é temporariamente imune à

prisão provisória, à prisão em flagrante delito, preventiva ou temporária.158

O crime de responsabilidade em si, por uma questão de lógica, só pode ser cometido

durante o mandato. Quanto à persecução criminal, entretanto, o presidente também não é sujeito

à responsabilidade por infrações penais anteriores à expedição do diploma, como pelas

posteriores a este desde que estranhas às funções presidenciais, com o prazo prescricional

suspenso até a extinção do mandato.

Essa é uma construção deficiente por parte do constituinte. Um ato do presidente alheio

ao mandato pode muito bem solapar a confiança nas instituições republicanas e abalar a

credibilidade do poder executivo, justificando decisões políticas que culminem em sua

remoção. Todavia, nada impede que o Congresso, com esses fatores em mente e soberano para

decretar o impeachment, remova o presidente em casos de crime comum, quando o STF não o

fizer.

156 Ibid., p. 62. 157 Ibid., p. 65-9. 158 MORAES, G. B. P. Curso de Direito Constitucional, 8a Edição, São Paulo, Atlas, 2016, p. 484.

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Uma controvérsia que pautou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016,

foi se crimes de responsabilidade cometidos em um mandato podem ser processados uma vez

iniciado o segundo mandato. Ignorando se a presidente Dilma Rousseff cometeu ou não crimes

de responsabilidade—o que não é objeto de discussão aqui—a questão se os mandatos se

comunicam permanece. A Lei n. 1079/50 e a Constituição de 1988 nada esclarecem acerca do

tema. Foi defendido, por alguns juristas, que o segundo mandato presidencial é distinto do

primeiro, com diplomas diferentes, e um mandato popular próprio.159 É uma interpretação

demasiado legalista. O segundo mandato não ocorre no vácuo, e o mandante é eleito para dar

continuidade ao mesmo governo. Contudo, em última instância, é uma distinção meramente

formal com relevância mais teórica do que real: se o Congresso estiver realmente determinado

a remover o Presidente da República, fá-lo-á com base em qualquer outra infração (real ou não)

cometida durante o mandato relevante.

Já alertou Paulo Brossard que Embora não haja faltado quem alegasse que a eleição popular tem a virtude de apagar as faltas pretéritas, a verdade é que infrações cometidas antes da investidura no cargo, estranhas ao seu exercício, ou relacionadas com anterior desempenho, têm motivado o impeachment, desde que a autoridade seja reinvestida em função suscetível de acusação parlamentar.160

Nenhuma das duas respostas à questão se crime de responsabilidade de mandato anterior

pode ser processado em mandato atual é satisfatória. Dizer que não porque são mandatos

diferentes é uma redução formalista do tema que pode servir para acobertar abusos que passarão

incólumes. Dizer que sim é abrir brecha para desrespeitar a soberania popular no momento da

eleição para Presidente da República. Aqui, acredito que a melhor solução seria uma

emprestada da doutrina estadunidense, discutida no item 1.3.2 desse trabalho. Ou seja, caso a

transgressão (ou crime de responsabilidade, no caso) tenha ocorrido antes do novo mandato,

mas o indivíduo foi eleito mesmo com conhecimento público de sua transgressão, não deve

servir para ensejar processo de impeachment, pois a soberania popular ratificou sua conduta (e

todo o poder emana do povo). Todavia, se o público desconhecia tais transgressões antes da

eleição, pode-se argumentar que houve algo similar a fraude eleitoral, e um processo por crime

de responsabilidade seria plausível.

159 Ver: BRITTO, C. A. Definições de crimes de responsabilidade do presidente da Repúblicain Consultor Jurídico, 1 de setembro de 2015, disponível em <http://www.conjur.com.br/2015-set-01/ayres-britto-crimes-responsabilidade-presidente>, acesso 25 de junho de 2017; e TAVARES, op. cit., p. 1085. 160 BROSSARD, op. cit., p. 133.

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2.2.2. A importância da discussão acerca dos crimes de responsabilidade

Como visto, os crimes de responsabilidade, apesar de teoricamente bem enumerados na

Constituição Federal, se mantêm essencialmente inalterados em todas as nossas constituições

republicanas, e seus vícios se perpetuam no tempo. Como alertou Brossard, o primeiro

constituinte republicano foi infeliz na elaboração do instituto, porque não serve para evitar

abusos do Congresso e tampouco serve para fornecer à República a segurança que se demanda

dele. Como o Congresso é soberano para mover o processo de impeachment, é inócuo fingir

que discutir o que é crime de responsabilidade tem alguma importância—em última instância,

será o que o Congresso decidir que é. Ou seja, a discussão em si, quando aplicada nos casos

concretos, se algo foi ou não crime de responsabilidade, é irrelevante.

2.3. O procedimento

O procedimento dos crimes de responsabilidade pelo Presidente da República é

bifásico.161 Conforme estabelecido no impeachment mais recente, cabe à Câmara de Deputados

o poder de autorizar a instauração do processo no Senado que, mediante votação por maioria

simples de seus membros, efetivamente instaura o processo, e o julga, presidido pelo Presidente

do Supremo Tribunal Federal, pelo voto de dois-terços de seus membros, podendo submeter o

chefe do executivo à perda do cargo162 e, em votação separada, à possível inabilitação por oito

anos para o exercício de função pública.163

Conforme aponta Peña de Moraes, o exercício da ação por crime de responsabilidade

está condicionado ao agente político não ter deixado o cargo. Em caso de renúncia do agente,

ou sua exoneração, anterior ao recebimento da denúncia, o processo não pode ser instaurado.

Todavia, quando a renúncia ou exoneração é posterior ao recebimento da denúncia, o processo

não deve ser extinto, pois apesar de não ser mais possível remover o agente do cargo, a segunda

pena, de inabilitação para o exercício de função pública por oito anos, ainda pode ser

aplicada,164 como ocorreu no caso do impeachment de Fernando Collor.

Em 2016, por ocasião do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o

Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de definir algumas regras procedimentais. Essas

decisões se deram no julgamento da ADPF n. 378, movida pelo Partido Comunista do Brasil,

em 2015. A ação foi interposta, em parte, pelo fato de que a lei que define o processo de

161 MORAES, op. cit., p. 488. 162Ibid. 163 Conforme o procedimento adotado no impeachment de Dilma Rousseff. 164 MORAES, op. cit., pp. 488-9.

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impeachment, de número 1079/50, é anterior à constituição atual, o que justifica analisar a sua

recepção pelo sistema constitucional de hoje.165 O procedimento descrito neste trabalho reflete

as alterações definidas nessa ação.

2.3.1. O rito na Câmara dos Deputados

Conforme estabelecido no art. 51, I da CRFB, compete privativamente à Câmara dos

Deputados autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o

Presidente da República. Peña de Moraes denomina essa fase do processo de “juízo de

prelibação”, ou juízo de admissibilidade. É deflagrado por ação de iniciativa popular, uma vez

que pode ser proposto por qualquer cidadão, acompanhada por documentos probatórios ou

indicação de onde os encontrar e, se pertinente, o rol de testemunhas.166

O presidente da Câmara tem competência para proferir despacho liminar de conteúdo

positivo ou negativo, que pode ser objeto de recurso ao Plenário da casa. Em caso de despacho

liminar de conteúdo positivo, uma comissão especial, composta proporcionalmente por

representantes de todos os partidos, oferece parecer acerca da admissibilidade da acusação. O

Plenário da Câmara, então, vota nominalmente, com dois-terços dos membros (totais, não

presentes) sendo requeridos para a aprovação da propositura.167

No rito previsto na Lei n. 1079/50, competia à Câmara pronunciar-se sobre o mérito da

acusação—ou seja, a Câmara realizava duas deliberações: se a denúncia era admissível, e se

era procedente. Essa sistemática foi parcialmente revogada pela CRFB de 1988, conforme

definido para o impeachment de Fernando Collor, em 1992, e reafirmado para o impeachment

da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Agora, a Câmara adota um rito abreviado, deliberando

apenas uma vez, com a maioria qualificada de seus membros, para autorizar que o processo seja

instaurado. O acusado tem ampla defesa na Câmara, no prazo de dez sessões.168

A principal consequência do rito atual é que a autorização de início do processo, pela

votação na Câmara, não tem o efeito de suspender o Presidente da República, o que se dá após

a efetiva instauração do processo no Senado, depois de votação por maioria simples de seus

membros.169

165 TAVARES, op. cit., p. 1075. 166 Ibid., p. 490. 167 Ibid. 168 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 378/2015. Relator: FACHIN. E. Relator do acórdão: BARROSO, L. R. Publicado no DJE e no DOU em 25/8/2016, p. 4. 169 TAVARES, op. cit., p. 1075.

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Na ADPF n. 378/2015 o STF decidiu, também, que é impossível aplicar

subsidiariamente impedimento e suspeição ao presidente da Câmara, como se aplica aos juízes,

pois legisladores e juízes têm papeis de naturezas distintas. Também restou decidido que não

há defesa prévia no processo na Câmara, que a proporcionalidade da Comissão Especial é em

relação aos blocos, e podem ser subsidiariamente aplicados os regimentos internos das casas do

Congresso.170

2.3.2. O rito no Senado

Ao mesmo tempo que o rito na Câmara foi abreviado no novo regime constitucional, o

rito no Senado foi estendido. A este compete, segundo o art. 52, I, da CRFB, processar e julgar

o Presidente da República nos crimes de responsabilidade. Tendo em vista que agora a Câmara

apenas autoriza a abertura do processo, cabe ao Senado votação, em maioria simples de seus

membros, nos termos do art. 86, §1o, II, da Constituição Federal de 1988, para efetivamente

instaurar o processo. O efeito imediato da instauração do processo é a suspensão automática do

Presidente da República do exercício de suas funções, pelo prazo de 180 dias, ao cabo do qual,

caso não tenha sido julgado ainda, retornará às suas funções habituais até o julgamento e sua

possível remoção (art. 86, §2o, CRFB).171

A essa etapa dá-se o nome de “juízo de deliberação”, que julga o mérito da causa. O

Senado, presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, decide se o acusado é culpado

ou não, pela maioria qualificada de dois terços do total de seus membros. Caso o Senado Federal

conclua pela sua culpa, o Presidente da República sofrerá uma sanção política: a perda do

cargo.172 O impeachment também prevê a sanção da inelegibilidade por oito anos que, segundo

estabelecido no impeachment da presidente Dilma Rousseff, não é obrigatória e pode ser votada

separadamente.

O STF decidiu, no julgamento da ADPF n. 378/2015, que o Senado deve instaurar ou

não o processo por meio de votação simples de seus membros, como se deu em 1992. Também

foi conferido ao Senado poder para tomar medidas necessárias para apurar os crimes de

responsabilidade, inclusive produção de provas. Ficou decidido, ademais, que o interrogatório

do acusado será o ato final da instrução probatória. Na mesma ação, o Supremo Tribunal

Federal asseverou também o direito de a defesa se manifestar sempre após a acusação, com o

objetivo de garantir o devido processo legal.

170 BRASIL, ADPF n. 378/2015, op. cit., pp. 5-7. 171 TAVARES, op. cit., p. 1075. 172 Ibid.

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2.3.3. A natureza jurídica do processo

Como aponta Peña de Moraes, a natureza jurídica do processo por crime de

responsabilidade não é unânime na doutrina brasileira.173 Paulo Brossard, de forma similar,

indica que a definição do impeachment no direito pátrio tem dado margem a divergências, tido

como instituto penal, medida política, providência administrativa, ato disciplinar, processo

misto, e como instituição sui generis. Para ele, como nos direitos norte-americano e argentino,

impeachment “tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados

políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgado segundo critérios

políticos”.174

Quando da discussão da lei de responsabilidade do Império, na sessão do dia 12 de

agosto de 1826, o senador José Inácio Borges argumentou que “a presente lei [de

responsabilidade] é, rigorosamente falando, uma lei politica, e não criminal” [grifo meu].175

José Higino, na sessão de 23 de outubro, afirmou que para julgar o processo de responsabilidade

“o Senado converte-se então em tribunal de justiça para julgá-lo politicamente”176 [grifo meu].

Ou seja, mesmo quando as sanções em si eram de natureza criminal, havia quem argumentasse

que a Lei de Responsabilidade e o julgamento eram de natureza política.

Aurelino Leal, todavia, deu realce ao elemento linguístico, “exagerando na interpretação

literal”,177 notando que há uma lei de responsabilidade que define crimes e prescreve penas,

mas reconheceu que o Senado sempre será um tribunal político. Na mesma linha, Pontes de

Miranda defende que o impeachment é regulado pela natureza de processo penal, alegando que

a terminologia dada ao instituto indica que há intencional concessão de índole criminal a este.178

Como visto, como já desde o império se falava em natureza política da lei de responsabilidade

e do julgamento, é mais plausível que se trate de uma terminologia da era imperial que se

perpetuou no regime republicano, do que uma tentativa deliberada de conferir natureza penal

ao impeachment. Ou seja, os próprios legisladores imperiais pareciam se confundir sobre a

natureza do impeachment, tratando-o como um processo político com sanções criminais.

173 MORAES, op. cit., p. 486. 174BROSSARD, op. cit., p. 71. 175 BRASIL, Anais do Senado. Ano de 1826, livro 4. Sessão de 12 de agosto, disponível em < http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Anais_Imperio/1826/1826%20Livro%204.pdf>, acesso 12 de junho de 2017, p. 61. 176 BROSSARD, op. cit., p. 75. 177 Ibid., p. 78. 178MORAES, op. cit., p. 487.

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Outros doutrinadores ainda, aponta Peña de Moraes, sustentam que o impeachment tem

natureza de processo misto—entre estes destacam-se Celso Ribeiro Bastos e Fernando

Whitaker. O processo seria misto pois, apesar de ser um feito essencialmente político, tem

tonalidade constitucional-penal, sendo cabível apenas em hipóteses previstas em lei.179

Com todo o respeito aos notáveis doutrinadores, sinto necessidade de tomar uma posição

clara a respeito. O processo de impeachment é exclusivamente político. É movido por

considerações políticas desde o primeiro momento. Os crimes de responsabilidade, apesar de

ostensivamente definidos em lei, não passariam pelo escrutínio devido à legislação penal de

definir claramente os crimes e as respectivas penas aplicáveis. São construções abertas,

maleáveis, cuja substância sempre será definida politicamente, por um corpo político, em um

momento altamente político e polarizado para a nação. Ademais, o julgamento do processo por

crime de responsabilidade é realizado por um corpo político em sua essência

(independentemente de como seja descrito).

Como aponta o cientista político Aníbal Perez-Liñán, os legisladores sempre

representam o aspecto puramente político do processo de impeachment, independentemente da

moldura constitucional dada ao assunto. Se o Presidente for capaz de manter controle sobre o

Congresso, o seu impeachment é muito improvável independentemente de ter cometido atos

que o justifiquem ou não.180 Consequentemente, o oposto também se aplica: se o presidente for

incapaz de manter controle sobre um Congresso hostil, é possível que sofra impeachment tendo

cometido crimes de responsabilidade ou não.

O Supremo Tribunal Federal, na jurisprudência consagrada nas repúblicas anteriores,

afirmava que o processo era de natureza exclusivamente política, afirmando que no

impeachment não há, de modo algum, processo criminal ou punição, apenas a remoção do cargo

e inabilitação para outros.181 Mais recentemente, como aponta Peña de Moraes, o STF tem

firmado jurisprudência no sentido da natureza penal do processo, afirmando que pode haver

controle jurisdicional dos atos produzidos durante o processo por crime de responsabilidade,

excluído o mérito das decisões das Casas.182 Esse último fato, no entanto, é determinante: se

não pode haver revisão judicial do mérito, a decisão efetiva será sempre política, e não penal,

pouco importando a revisão judicial de questões meramente processuais.

179 Ibid. 180 PEREZ-LIÑÁN, op. cit., pp. 142-44. 181 BROSSARD, op. cit., p. 82. 182 MORAES, op. cit., p. 488.

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2.4. Revisão judicial do impeachment

Mesmo no Império, quando o impeachment era um processo de índole criminal, com

penas criminais aplicáveis (inclusive a morte natural), não cabia recurso das decisões do

Congresso.183 Na Constituição de 1988, foi reafirmada a competência privativa da Câmara para

autorizar o processo por crime de responsabilidade, e a competência igualmente privativa do

Senado para os julgar. Como disse Brossard, [É] natural que do julgamento político, prolatado por uma corporação política, em virtude de causas políticas, ao cabo de processo político, instaurado sob considerações de conveniência política, não haja recurso para o Poder Judiciário. Nem seria lógico admiti-lo.184

Afinal, as decisões de natureza política ao cabo do processo de impeachment

comumente contêm componentes de conveniência e utilidade, em cenários quando deve ser

julgado um poder altamente discricionário. Mesmo sem ofender a lei, a autoridade pode

cometer atos que justifiquem a sua remoção—e se fosse deixado às cortes tomar essas decisões,

correr-se-ia “o risco de decidir de maneira inadequada, se preso a critérios de exclusiva

legalidade, ou, para decidir bem, talvez tivesse de recorrer a critérios meta-jurídicos e

extrajudiciais”.185

Historicamente, o STF se negou a interferir em processos por crime de responsabilidade,

intervindo apenas em alguns casos, mas jamais revisou decisões congressuais. Em 1899, o

Supremo Tribunal Federal se negou a interferir em processo de crime de responsabilidade por

se tratar de processo de natureza apenas política, o que remete à political question doctrine

adotada pela Suprema Corte estadunidense, discutida nesse trabalho no item 1.5.

Em 1910, discutindo o caso de impeachment do Governador do Amazonas pelo poder

legislativo daquele Estado, Ruy Barbosa traz a seguinte hipótese: [Temos] agora a hipótese de um Presidente da República, já no exercício de seu cargo. Nos crimes de responsabilidade o seu tribunal é o Congresso, que revestido desta judicatura, nos termos da Constituição (arts. 53 e 54), o pode suspender e destituir. Imagine-se, porém, que a título dessa autoridade, o destitui sem o processo ou lhe atropela, conculcando as formas necessárias, ou lhe instaura, sem se verificar nenhum dos casos legais de responsabilidade, e, de qualquer desses modos, consuma o atentado faccioso, declarando vago o lugar de Chefe do Estado. Concebe-se que a um conflito desta natureza pudesse caber, como solução jurídica, a impetração de um habeas-corpus, pela vítima do esbulho, ao Supremo Tribunal Federal? Ninguém o diria.186

Ou seja, nem mesmo em uma hipótese clara de violação do processo devido em casos

de crime de responsabilidade Ruy Barbosa concebe a possibilidade da revisão judicial. E

183 BROSSARD, op. cit., p. 143. 184 Ibid. p. 137. 185 Ibid. p. 142. 186 BRASIL, Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., sessão de 27 de outubro de 1910, p. 1815.

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perdurou no tempo o ímpeto dessa interpretação: nenhuma decisão judicial tem o poder de

esbulhar, no mérito, a decisão do poder legislativo. O Congresso permanece soberano e

inquestionável em matéria de impeachment.

Paulo Brossard, já revendo o dito por Rui Barbosa, prevê uma ocasião, excepcional, na

qual pode ocorrer recurso judicial em casos de impeachment: “quando, por exemplo, o

Congresso chegasse à infração patente de uma cláusula constitucional”,187 hipótese também

levantada por Michael Gerhardt, mencionada no item 1.5 do primeiro capítulo deste trabalho.

Nas decisões proferidas durante o processo de impeachment de Fernando Collor, e

reafirmadas durante o processo movido contra a presidente Dilma Rousseff, o Supremo

Tribunal Federal se porta de maneira que há a possibilidade de controle jurisdicional dos atos

produzidos durante o processo por crime de responsabilidade, mas não podem ser objeto de

revisão judicial o mérito das decisões tomadas pelo Congresso.188

2.5. Impeachment, abusos, presidencialismo de coalizão e democracia

O instituto do impeachment, deixado inteiramente à discrição do Congresso, que tem a

última palavra, no mérito, de todos os casos, abre portas para sérios abusos. Nas palavras de

Paulo Brossard, Tendo-se em vista que incontrastáveis, absolutas e definitivas são as decisões do Senado, dir-se-á que pode sobrevir a prática de muitos e irreparáveis abusos, assim pela Câmara, que acusa, como, e notadamente, pelo Senado, que julga de modo irrecorrível e irreversível. Tal risco existe, sem dúvida, [...] risco tanto mais possível quando seus integrantes são ligados por vínculos de animosidade ou solidariedade partidárias.189

A Constituição estadunidense, objetivando evitar abusos, levantou a barreira dos dois-

terços dos votos necessários para a condenação do acusado, quórum reproduzido pelas

constituições brasileiras desde 1891. Todavia, descabendo o recurso ao judiciário, a Câmara e

o Senado, apesar da salvaguarda constitucional, sem fundamento razoável podem afastar e

remover o Presidente da República. Isso porque, ao contrário do que se dá nos Estados Unidos,

a salvaguarda da maioria absoluta de votos é consideravelmente menos efetiva.

Isso se dá porque, nos EUA, desde 1988, a composição no Senado com maior diferença

de Senadores de cada partido foi atingida na eleição de 2008, quando o Partido Democrata

atingiu 57 Senadores contra 41 do Partido Republicano (além dos independentes tais como

Bernie Sanders), que já foi logo reduzida pelos Republicanos em 2010, quando a maioria dos

187 BROSSARD, op. cit., p. 188. 188 MORAES, op. cit., p. 488. 189 Ibid., p. 175.

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Democratas foi reduzida para 51 Senadores Democratas contra 47 Republicanos. Em qualquer

caso, nenhum partido conseguiria superar a exigência da maioria qualificada dos votos sem

converter membros do partido do próprio Presidente. Ou seja, em um sistema bipartidário no

qual as forças dos partidos são relativamente equiparadas, a salvaguarda constitucional dos

dois-terços de votos é efetiva para coibir abusos graves do impeachment.

A ciência política denomina esse núcleo duro de apoio ao Chefe do Executivo no

Congresso, capaz de impedir processos de impeachment, de legislative shield (ou “escudo

legislativo”), e seu principal elemento costuma ser o partido do próprio presidente.190 A

formação desse escudo legislativo depende, aponta Perez-Liñán, do número de legisladores

leais e o mínimo de votos constitucionalmente exigidos para a remoção do presidente.

Consequentemente, são mais vulneráveis diante do Congresso presidentes que durante seu

governo resolveram confrontá-lo ou se isolar dele. Aqueles que conseguem manter o apoio do

congresso, por meio de negociações e concessões, raramente são removidos mesmo quando se

envolvem em atividades que causariam a queda de outro presidente.191, 192

Em um sistema de governo presidencialista, como vigora no Brasil, é dado ao Congresso

um mecanismo para remover o Presidente, mas não é dado ao Presidente dissolver o Congresso

(tal qual ocorre no parlamentarismo). Isso significa que, como os mandatos dos parlamentares

não estão em risco, o mandato mais importante é o do Congresso, que tem pouco a perder

confrontando um Presidente que não cede às suas demandas.193

No Brasil, todavia, apenas a Câmara dos Deputados tem 21 blocos distintos, com 26

partidos com representação.194 O Senado, por sua vez, conta com 17 partidos representados.195

Desses partidos com representação no Congresso, apenas quatorze foram descritos como

partidos efetivos em 2014,196 e menos ainda podem ser descritos como sendo ideologicamente

consistentes. Isso quer dizer que há uma grande massa de parlamentares ideologicamente

inconsistentes cuja posição política muda de acordo com os ventos e com a força relativa do

190 PEREZ-LIÑÁN, op. cit., pp. 143-46. 191 Ibid. 192 CHALHOUB, L. K. Algumas anotações sobre o impeachment, disponível em <https://medium.com/@lucaskoutsoukoschalhoub/algumas-anota%C3%A7%C3%B5es-sobre-o-impeachment-37a96a59d224>, acesso em 2 de julho de 2017. 193 LLANOS, M.; MARSTREINTREDET, L. (eds.) Presidential Breakdowns in Latin America: causes and outcomes of executive instability in developing democracies. Nova York: PalgraveMacmillan, 2010, p. 18. 194 CÂMARA DOS DEPUTADOS, disponível em <http://www.camara.leg.br/Internet/Deputado/bancada.asp>, acesso 2 de julho de 2017. 195 SENADO FEDERAL <https://www12.senado.leg.br/noticias/tablet/senadoresporpartido>, acesso 2 de julho de 2017. 196 SCHREIBER, M. Brasil lidera índice internacional em número de partidos - o que isso significa para a crise? In BBC Brasil, 29 de junho de 2016, disponível em <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36627957>, acesso 4 de julho de 2017.

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executivo. O regime brasileiro, que combina presidencialismo com sistemas eleitorais

proporcionais, significa que podem ser eleitos executivos minoritários em relação ao

Congresso, com partidos indisciplinados, promovendo conflitos197 e coalizões instáveis.

Tendo em vista tal cenário, é de pouca surpresa que, historicamente, os impeachments

no Brasil têm sido utilizados para ameaçar presidentes com uma relação desgastada com o

Congresso. Isso se deu na tentativa de impeachment de Getúlio Vargas, em 1954, ocasionado

pela oposição obstinada da UDN, nos dois impeachments ocorridos em 1955, no impeachment

de Collor, que nunca contou com uma coalizão forte em primeiro lugar, e no impeachment de

2016, quando a bancada governista foi desertada pelo maior partido no Congresso, o PMDB.

Mas não só é grave o abuso do Congresso que remove o Chefe do Executivo a bel-

prazer. Também é grave o Congresso conivente com atos obviamente lesivos à nação, por parte

do Presidente da República, que justificariam sua remoção. Citando novamente Paulo Brossard, Podem os fatos [...] reclamar a acusação de um Presidente que, de mil formas, avilta a Nação, intranquiliza a sociedade, semeia a insegurança, subverte as instituições, causa o pânico... O presidente pode cercar-se de elementos corruptos e incapazes, entregando os mais altos cargos da República [...] a pessoas sem idoneidade moral ou profissional. O paço do governo pode converter-se em uma praça de negócios.198

Desta forma, é igualmente grave o Congresso não acusar um Presidente quando

moralmente obrigado a fazê-lo, sendo grave o Senado “absolver autoridade que devia ser

despojada do cargo, como imperativo de salvação nacional. [...] Não existe remédio para a

decisão do Senado, seja ela contrária à autoridade, seja contrária à nação”.199

Da mesma forma que não há recurso para a decisão do Senado, não há como recorrer da

decisão da Câmara de autorizar ou não o processo—“se a Câmara não quiser instaurar o

processo, por boas ou péssimas razões, ele não será instaurado”.200 O impeachment é um

processo político, que segue um rito estabelecido, mas o Congresso tem competência originária

e final para o conhecer e julgar. O Congresso pode “agir com facciosismo ou espírito de

vingança, pode proceder com arbítrio [...], mas a decisão parlamentar será incensurável e

final”.201

Não pode passar desapercebida a gravidade de um impeachment. Como disse Tavares, A utilização de um mecanismo, como o impeachment, pelo Congresso Nacional [...]significa, sempre, invalidar milhões de votos e conexões construídas no tecido social pelos partidos políticos e pelo cidadão. Sua excepcionalidade, em termos democráticos, não pode ser ignorada [...]

197 LLANOS; MARSTREINDREDET op. cit., p. 36. 198 BROSSARD, op. cit., p. 178. 199 Ibid., pp. 180-1. 200 Ibid. p. 184. 201 Ibid. pp. 185-6.

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Não haverá mais democracia no Brasil pelo uso vulgarizado do impeachment [ainda que respeite os requisitos formais]202 [grifos no original]

O jurista afirma, ainda, que o impeachment não é um mecanismo para testar o resultado

das urnas—ou seja, não pode ser uma alternativa à democracia eletiva, e descontentamento com

algum Presidente, suas políticas econômicas ou a ruptura de laços de confiabilidade no projeto

governamental não devem ensejar impeachment. Utilizar o impeachment como se fosse o voto

de desconfiança, dos modelos parlamentaristas, seria atuar completamente à margem da

Constituição de forma que pode “resvalar facilmente para o autoritarismo ou para golpismos de

várias [sic] matizes”.203

À primeira vista, parece que o impeachment não foi mobilizado um número muito

grande de vezes no Brasil—afinal, apenas dois presidentes foram removidos desde a

redemocratização, e outros dois antes (mesmo que tenham sido ambos em um único ano).

Ocorre, entretanto, que não vimos mais impeachments por, presumivelmente, dois motivos: (1)

tivemos golpes, no sentido literal da palavra, com a remoção forçosa do Presidente; e (2) em

nossa história republicana vivemos longos períodos ditatoriais, nos quais o impeachment do

Presidente sequer era uma possibilidade. A República Velha era melhor caracterizada como

uma oligarquia, completamente dominada por meio dos currais eleitorais, coronéis, e pela

extensamente documentada “política do café-com-leite”.

Consequentemente, é seguro afirmar que em dois dos momentos que tivemos alguma

vivência democrática—entre as ditaduras (1945 a 1964) e após a Constituição de 1988 até 2016,

sendo esse último considerado de maior qualidade—o número de impeachments nacionais é

notável, com dois tendo ocorrido apenas desde a redemocratização (até o momento da escrita

deste trabalho). Vale mencionar que a remoção de presidentes não é um fenômeno apenas

nacional—desde a década de 90 presidentes, latino-americanos foram removidos no Brasil,

Venezuela, Guatemala, Equador, Paraguai, Peru, Argentina, Bolívia, Honduras, Paraguai e

Brasil (novamente). As circunstâncias dos mais importantes movimentos de impeachment no

Brasil, em 1954, 1955, 1992 e 2016, assim como o que essa tendência representa para a América

Latina, são temas do próximo capítulo.

202 TAVARES, op. cit., p. 1077. 203 Ibid. pp. 1077-79.

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CAPÍTULO 3: IMPEACHMENTS NO BRASIL REPUBLICANO

Tratar dos impeachments no Brasil não é tarefa fácil. Cada um dos casos abordados

nesse capítulo facilmente comandaria um capítulo—ou monografia—próprio.

Consequentemente, a análise de cada um desses casos, em poucas páginas, necessariamente

implica em um determinado grau de simplificação, de omissões, e de escolhas na hora de narrar

os eventos. Um outro pesquisador por certo teria escolhido os narrar de outra forma. Eu os

narraria diferentemente dado mais espaço. Todavia, busquei aqui incluir os elementos mais

importantes de cada uma das ocasiões discutidas, com a tentativa de incluir uma quantidade

pertinente de fontes primárias, de modo a permitir a discussão dos problemas relacionados ao

impeachment abordados anteriormente.

3.1. A tentativa contra Vargas

O primeiro impeachment republicano foi produto da movimentação udenista contra o

novo governo de Getúlio Vargas. Nesse caso, importa pouco o procedimento pelo qual o

processo se deu—ou se iniciou, porém não foi até o fim—, que ocorreu, mutatis mutandis,

conforme o procedimento na Lei n. 1079.50. O mais interessante, nessa ocasião, foi como a

oposição, as classes média e alta, os militares e a maior parte da imprensa da época se

esforçaram para deslegitimar o governo e solapar a governabilidade de Vargas. Alguns desses

mesmos elementos—devidamente afetados pelas condições do novo século, mas ainda

similares o suficiente em seu cerne para permitir o paralelo—se repetiram no impeachment que

se deu em 2016.

O ano era 1954. Getúlio Vargas, eleito para a presidência poucos anos após o término

do Estado Novo, agora sob a vigência da Constituição de 1946, perseguia políticas que

desagradavam grandes setores da sociedade brasileira. No setor civil, a oposição a Getúlio era

liderada pela UDN e pelos partidos minoritários de direita e centro-direita. A maioria dos

oponentes de Getúlio nesses partidos, segundo o brasilianista Thomas Skidmore, [H]avia combatido ferozmente a volta de Vargas em 1950 [...] [e] presenciaram com humilhação e rancor a volta do ex-ditador ao poder, por meio das urnas – o instrumento que haviam lutado para reestabelecer.204

A decisão do presidente, de apoiar o aumento de 100% do salário mínimo, era vista

como insuficiente pelas lideranças comunistas e sindicalistas—que exigiam, além do aumento,

204 SKIDMORE, T. E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. Tradução Ismênia Dantas. 7a Edição, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1982, p. 160

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o congelamento de preços de artigos de primeira necessidade, além da regulamentação de

direitos trabalhistas que não haviam sido contemplados pela Consolidação das Leis do

Trabalho205—e desagradou aos grandes capitalistas e aos militares. Estes, no chamado

“Memorial dos Coronéis”, assinado por 82 coronéis e tenentes coronéis (alguns dos quais

viriam a participar do golpe militar dez anos mais tarde), advertiram ao governo que “a elevação

do salário mínimo [...] resultará, por certo [..] em aberrante subversão de todos os valores

profissionais”.206 O Memorial, segundo Skidmore, manifestava a genuína expressão de

descontentamento de oficiais jovens, “que nunca haviam estado diretamente ligados ao

movimento antigetulista anteriormente”. Além disso, evidenciava o “descontentamento da

classe média traduzido em vocabulário militar”.207

Para apaziguar os quartéis, Vargas, a contragosto, exonerou o ministro do Trabalho,

João Goulart, que foi quem propôs o aumento da ordem de 100% do salário mínimo,

justificando que “não são os salários que elevam o custo de vida; pelo contrário, a alta do custo

de vida é que exige salários mais altos”208. Jango, por sinal, já era figura que inspirava

desconfiança na burguesia brasileira muito antes do Golpe que o depôs em 1964, no qual vários

militares que assinaram o Memorial dos Coronéis tomaram parte, como já mencionado. Quando

foi nomeado, em 1953, Jango já “[despertou] profundas suspeitas no seio da classe média [...]

temerosa de perder seu status e vantagens econômicas numa sociedade em vias de

industrialização mas desgovernada pela inflação”. Jango se tornou rapidamente um alvo

preferido da UDN, que o acusava de ser um oportunista demagógico que desejava subir ao

poder na crista da onda de agitação sindicalista.209

Particularmente interessante é matéria da Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, de

5 de fevereiro de 1954 (aproximadamente duas semanas antes da demissão de Jango do cargo

de ministro), intitulada “Pacto Jânio-Jango com ‘slogan’ peronista”, na qual se acusava esses

dois futuros presidentes da república de visar a “instalação, no Brasil, de uma República

Sindicalista, nos moldes da ditadura de Peron [sic]”.210 É fácil ver paralelos com a paranoia da

“ditadura lulopetista/bolivariana” que ocupou a cabeça de setores da sociedade brasileira

durante governos petistas no início do século atual.

205 CALVALCANTE NETO, J. L. Getúlio: da volta pela consagração popular ao suicídio (1945-1954). 1a Edição, São Paulo, Companhia das Letras, 2014, p. 271. 206 Ibid., p. 274. 207 SKIDMORE, op. cit., p. 165. 208 Ibid., p. 166. 209 Ibid., p. 159. 210 “Pacto Jânio-Jango com “slogan” peronista”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 3, 5 de fevereiro de 1954.

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A demissão de Jango não trouxe sossego ao governo de Vargas. Com a saída de Jango,

a oposição antigetulista passou a concentrar seu fogo sobre a figura do presidente em si, dizendo

que Getúlio pretendia dar outro golpe para se manter no poder para além do término de seu

mandato, em 1956. Ou seja, a oposição, “tendo obtido sucesso ao forçar a destituição de Jango

[...] esperava agora derrubar o próprio presidente”.211

Pouco depois, de novo na Tribuna da Imprensa, surgiu à tona discurso de Perón em

novembro de 1953 no qual teria exposto aos militares argentinos os detalhes do entendimento

do Pacto ABC (Argentina, Brasil e Chile), que teria como objetivo tornar o bloco independente

do imperialismo estadunidense. Vargas teria conversado com Perón e concordado com o pacto

e assumido o compromisso de pô-lo em ação logo que assumisse o governo212 o que, na visão

da oposição, seria uma “prova cabal que Getúlio realmente cogitara submeter o Brasil ao

domínio político e militar do peronismo”,213 apesar de Vargas, de acordo com Perón, não ter

cumprido o acordo por ter uma situação política complicada com o Congresso.214

O suposto entendimento entre Perón e Vargas foi desmentido tanto pela representação

diplomática argentina e quanto pelo Itamaraty, mas mesmo assim a polêmica perdurou. Getúlio

se enclausurou nos palácios da presidência, recusando-se a receber membros da imprensa.215

No Congresso, caminhavam articulações para o pedido de impeachment do presidente,

apesar do fato de que parlamentares da própria UDN—o partido de oposição obstinada a

Vargas—consideravam à época que não havia sustentação legal para o pedido. Dentro da UDN,

também havia o temor de que um pedido de impeachment derrotado despertaria efeito contrário

ao desejado e fortaleceria a posição do presidente.

Todavia, o objetivo ulterior poderia ser justamente esse. Em uma passagem reveladora,

Lira Neto216 traz um pedaço de um diálogo entre Afonso Arinos, um congressista udenista, e o

brigadeiro Eduardo Gomes, na descrição do autor, eterno pretendente ao Catete. Se Getúlio se safasse de um processo de impeachment no Congresso, tanto melhor. Talvez o presidente até ganhasse alguns dividendos políticos momentâneos. Mas, no final das contas, a derrota da oposição deixaria os quartéis livres para agir. “Isso é necessário para que se forme, no meio militar, a consciência de que não há solução legal”, sugeriu o brigadeiro. Pelo raciocínio assumido por Eduardo Gomes, uma vez esgotados os recursos pelas vias institucionais, só haveria uma forma de afastar Getúlio Vargas de uma vez por todas do Catete, como eles tanto desejavam—o golpe armado.217

211 SKIDMORE, op. cit., p. 169. 212 “Perón revela acordo com Vargas”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 1, 8 de março de 1954. 213 CAVALCANTE NETO, op. cit., p. 278. 214 Perón revela acordo com Vargas, op. cit. nota 9, p. 1. 215 CAVALCANTE NETO, op. cit., pp. 279-81. 216 Citar biografias sem acesso à fonte original do diálogo sempre demanda cautela, mas a informação feita por Lira Neto aqui é gravíssima. 217 Ibid., p. 284.

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Skidmore, por sua vez, aponta que uma vez derrotada a tentativa do impeachment, “sob

a reinante conjuntura política, Getúlio só poderia ser deposto, então, pela intervenção direta do

exército”.218

Do burburinho no Congresso também saíram manifestações contra as movimentações

pelo impeachment do presidente. Lúcio Bittencourt, representante do PTB de Minas Gerais e

presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, declarou que um pedido de

impeachment do presidente seria juridicamente improcedente, e na verdade se pretendia dar um

golpe branco para afastar Vargas do Catete.219

Apesar de ter destituído Jango em fevereiro, Vargas não confirmou ou rejeitou o reajuste

de 100% do salário mínimo até 1o de maio, o dia do trabalho. Em um agressivo discurso em

Petrópolis, anunciou o aumento integral proposto por Jango, a quem teceu elogios. Apesar de,

à época, o último reajuste ser de 1951, o aumento anunciado por Vargas figurou um aumento

de, pelo menos, 54% nos salários reais. A medida alarmou a classe empresarial, e fez a classe

média se sentir negligenciada e ameaçada, além da previsível reação militar anunciada no

Manifesto dos Coronéis.220

Getúlio ignorara as recomendações de seus auxiliares diretos ao decidir conceder o

reajuste.221 e 222 Na avaliação de Skidmore, [A] verdade era que Getúlio tinha decidido conquistar o apoio político da classe trabalhadora por meio de um atraente aumento nos salários reais. [...]. Sua nova estratégia era imprudente, uma vez que os grupos marginalizados – industriais, classe média, militares – estavam em melhor posição para mobilizar a oposição do que os trabalhadores para mobilizar o apoio ao governo.223

A reação ao aumento foi imediata e agressiva. Na Tribuna da Imprensa, de Lacerda,

abaixo da manchete anunciando o aumento se lia “Medo do desemprego e da carestia”, título

da matéria de capa do segundo caderno.224 No Correio da Manhã, lia-se que Para o sr. Getúlio Vargas, que já ia caindo em irremediável decadência política, o pior será o melhor. Se a estrutura econômica e social do país entrar a desmoronar-se [...] ele tentará aparecer como o seu ‘salvador’ com um novo regime.225

218 SKIDMORE, op. cit., p. 170. 219 MIRANDA, Ademar. “’Golpe Branco” Contra Vargas!”, Ultima Hora, Rio de Janeiro, 3 de abril de 1954, p. 2. 220 SKIDMORE, op. cit., p. 171. 221Ibid. 222 CAVALCANTE NETO, op. cit., p. 285. 223 SKIDMORE, op. cit., p. 171. 224 “Medo do desemprego e da carestia”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 3 de maio de 1954, pp. 1 (capa), e 1 (caderno dois).t 225 “Depois dele, o dilúvio”, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 4 de maio de 1954, 1o Caderno, p. 4.

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O jornal Última Hora, por sua vez, jornal notoriamente fundado com o intuito de apoiar

o governo varguista face à oposição generalizada na imprensa, trouxe na sua capa o bordão que

Vargas cunhou no discurso de 1o de maio: “[Trabalhador,] Hoje estais com o governo, amanhã

sereis o governo”. Também em sua capa lia-se a manchete “Chegou a vez dos barnabés”, que

foram beneficiados pelo aumento concedido pelo presidente, e comemorava-se “A Fidelidade

de Vargas à Causa da Reforma Social”.226

Os antigetulistas mais extremados, inclusive da UDN, fizeram comícios e conferências,

efervescendo o clima nacional contra o presidente.227 A favor de Getúlio, contudo, a

mobilização foi escassa. Aponta Skidmore que [A] estratégia de Getúlio, de contar com o apoio da classe trabalhadora, repousava em bases muito precárias. Tendo cultivado a imagem de “pai dos pobres”, Getúlio não poderia esperar o apoio de seus “filhos” politicamente desorganizados. A passiva mentalidade política da classe trabalhadora, para a qual Getúlio havia contribuído, representava agora uma séria desvantagem.228

É possível aqui traçar um paralelo imediato com a crise política que culminou no

impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016. Da mesma forma que Vargas se apoiou

sobre a classe trabalhadora politicamente desorganizada, com quem mantinha um

relacionamento essencialmente populista, os governos petistas, de Lula e Dilma, basearam-se

em uma frente política que envolvia classes trabalhadoras “excluídas do bloco no poder – baixa

classe média, operariado, campesinato e trabalhadores da massa marginal”, com a qual

entretinha “uma relação de tipo populista”. Essa massa marginal, que reside principalmente na

periferia dos grandes centros urbanos e no interior da região nordeste, tem um setor mobilizado,

principalmente em torno de reivindicações de moradia, mas em sua maior parte é social e

politicamente desorganizada, contemplada pelas políticas de transferência de renda nos

governos Lula e Dilma. Nas palavras de Armando Boito, Os governos Lula e Dilma optaram por lhes destinar renda sem se preocupar – nem esses governos, nem o seu partido, o PT – em organizá-los. Eles formam uma base eleitoral desorganizada e passiva que é convocada a intervir no processo político apenas por intermédio do voto.229 [grifo meu]

Foi nesse cenário, então, de hostilidade por parte das classes altas e média, e apatia da

classe trabalhadora, que em 6 de maio de 1954, ofereceu-se a denúncia contra Vargas por

226 Última Hora, Rio de Janeiro, 3 de maio de 1954, p. 1. 227 SKIDMORE, op. cit., p. 172. 228 Ibid., p. 174. 229 BOITO, A. As bases políticas do neodesenvolvimentismo, trabalho apresentado na edição de 2012 do Fórum Econômico da FGV-São Paulo, disponível em < http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/16866/Painel%203%20-%20Novo%20Desenv%20BR%20-%20Boito%20-%20Bases%20Pol%20Neodesenv%20-%20PAPER.pdf?sequence=1>, acesso 12 de julho de 2017, pp. 4, 9-11.

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infringir a Lei de Responsabilidade, aprovada quatro anos antes. A denúncia foi assinada por

Wilson Leite Passos, um cidadão que se “autoqualificava líder estudantil e fora um dos

fundadores da UDN”.230 Acusou o presidente pelos “crimes contra a existência da União, a

probidade administrativa, a lei orçamentária e a guarda e o emprego legal dos dinheiros públicos

e, quiçá, contra o cumprimento das decisões judiciárias”.231 No Jornal do Brasil, destacou-se

que Embora seja destituída de qualquer importância do ponto de vista político – uma vez que não foi endossada por qualquer das agremiações políticas, mesmo as de oposição – a denúncia terá a tramitação prevista na lei no. 1079, de 10 de abril de 1950 [...]. Assim, numa das próximas sessões, deverá ser eleita uma comissão especial [...] para apreciar a denúncia232

Quase um mês depois, o jornal Última Hora reportou que Somente na próxima semana o plenário da Câmara dos Deputados se pronunciará sobre a denúncia formulada contra o Presidente da República, por um Sr. Wilson Passos, [...] endossada pela representação udenista no Palácio Tiradentes numa manobra política de indisfarçável objetivo eleitoral.233

Na mesma folha, o jornal reportou que “A UDN teria forjado um relatório secreto sobre

Vargas e Perón”, descrito como razão da tentativa de impeachment.234No dia seguinte, a

manchete do Última Hora lia “Demagogia eleitoral na batalha do ‘impeachment’”.235

No dia 5 de junho, no Jornal do Brasil, indicou-se que era esperada a votação maciça

da UDN a favor do impeachment de Getúlio.236 Na véspera, em debate na Câmara, o deputado

Castilho Cabral—que contribuíra para a fundação da UDN mas posteriormente ingressou no

PSP paulista—, presidente da Comissão Especial que analisou o pedido de impeachment de

Wilson Passos, apresentou relatório no qual a Comissão concluía que havia a “existência de

fatos e de circunstâncias que se enquadram, da maneira mais completa e perfeita, naquela

configuração do no. 2 do art. 11 da Lei 1079”.237, 238 Cabral também defendeu que “o

230 CAVALCANTE NETO, op. cit., p. 286. 231 “Câmara dos Deputados: o grupo Moises Lupion “queima o último cartucho”, levantando suspeita contra seus adversários”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 de maio de 1954, 1o Caderno, p. 9. 232 Ibid. 233 “Não nos deixaremos mover pela paixão oposicionista”, Última Hora, Rio de Janeiro, 4 de junho de 1954, p. 2. 234 Ibid. 235 “Demagogia eleitoral na batalha do ‘impeachment’”, Última Hora, Rio de Janeiro, 5 de junho de 1954, p. 1. 236 “A marcha do processo de “impeachment” e a posição do líder Gustavo Capanema”, Jornal do Brasil, 5 de junho de 1954, p. 6. 237 O item em questão: Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 2 - Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais; 238 BRASIL, Diário do Congresso Nacional (seção I), 4 de junho de 1954, p. 3511, fala do Deputado Castilho Cabral.

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afastamento do Sr. Getúlio Vargas da Presidência da República será a única maneira [...], o

único caminho legal para evitar a subversões da ordem entre nós”.239

Os créditos em questão, que se enquadrariam no n. 2 do art. 11 da Lei 1079/50, haviam

sido oferecidos pelo Tesouro nacional sem autorização legislativa, no valor aproximado de Cr$

50 milhões, à disposição pessoal do sr. Benjamin Cabello, um empresário brasileiro. Como o

ministro da fazenda que autorizara os empréstimos não se encontrava mais no cargo, e estes

teriam sido autorizados pelo presidente, Cabral entendeu que Vargas poderia ser

responsabilizado.240

Também na edição de 5 de junho, o Jornal do Brasil reporta que, nas discussões sobre

a denúncia na Câmara, a parte relativa aos entendimentos entre Vargas e Perón não era

suficientemente clara para caracterizar crime de responsabilidade. Entretanto, os créditos

suplementares a Benjamin Cabello sem autorização legal ou verba orçamentária, sim. O

deputado Lauro Lopes advertiu que havia duas hipóteses a se considerar: a primeira de que as

despesas não eram autorizadas por lei. A segunda é de que faltavam formalidades legais, que

poderiam ser cumpridas a posteriori—como ocorreu no caso do empréstimo a Cabello.

É difícil não perceber a curiosa semelhança entre os crimes de responsabilidade

atribuídos a Getúlio Vargas e a Dilma Rousseff. Ambas as acusações são de infrações técnicas

à lei orçamentária, consideradas pelos acusados e suas equipes perfeitamente rotineiras e legais.

Além disso, muito do cenário que circunda os dois momentos de pressão pelo impeachment se

assemelha—o que será visto adiante. Como diz o aforismo frequentemente atribuído a Mark

Twain, “a história não se repete, mas ela rima”.

No Última Hora, no dia 7 de junho, lia-se em coluna de Eurilo Duarte, citando um líder

inominado da UDN, que “a batalha do impeachment ajudará o governo e desmoralizará os

oposicionistas”, e que inexistia ambiência para o impeachment, bem como as razões

apresentadas para a denúncia eram fracas. Na avaliação do udenista citado por Duarte, seria

melhor que a oposição tivesse se preocupado com as weleições em outubro do que “desperdiçar

as sessões da Câmara dos deputados com um assunto que nem chegou a comover a opinião

pública”.241 Na página seguinte, da mesma edição, o jornal chama o impeachment de

“tragicomédia parlamentar”, que não é mais do que “o estertor de um grupo que vive sob o

complexo da sua próxima e inevitável derrota nas urnas”.242

239 Ibid. 240 Ibid., p. 3512. 241 DUARTE, E. Por trás da cortina. Última Hora, Rio de Janeiro, 7 de junho de 1954, p. 2. 242 “’Impeachment’ contra Vargas, mas, com que roupa, senhores?”, Última Hora, Rio de Janeiro, 7 de junho de 1954, p. 3.

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No outro extremo do espectro político, a Tribuna da Imprensa, de Lacerda, anunciava

que “Vargas afronta a consciência política e jurídica do país”.243 No dia 9 de junho, o mesmo

jornal noticiou que os governistas não tinham interesse em abreviar as discussões, pois

ganhavam terreno com votos para derrotar a denúncia e tinham tranquilidade que derrotariam

o impeachment.244 No dia seguinte, o Jornal do Brasil noticiou que, apesar da denúncia contra

o presidente estar em discussão, a sessão da Câmara no dia 9 “transcorreu num ambiente de

apatia”, acentuando-se o “desinteresse já manifestado anteriormente”.245 A posição pública de

Eurico Gaspar Dutra, o presidente que sucedeu (e antecedeu) Vargas, contra o impeachment

também foi influente para o resultado final, por conta de seu bloco de influência no

Congresso—os chamados Dutristas.246

Em 11 de julho, o Jornal do Brasil dizia que a discussão do impeachment descambava

para nível de galhofa, e que o impeachment representava nada mais que um carro alegórico

posto na rua fora de época, uma campanha inglória lançada por uma agremiação política de

elite.247 No dia 16 de julho, votou-se parecer da Comissão Especial que recomendou não aceitar

a denúncia, que foi aprovado.248 Poucos dias antes da votação, o líder do governo na Câmara

estimava os votos em 140 favoráveis a Vargas contra 50 contrários.249

A proposta de instauração do processo do impeachment foi derrotada na Câmara por

136 votos a 35. O Jornal do Brasil noticiou “Terminada a batalha do “impeachment” com a

derrota esmagadora da oposição”,250 um resultado que já fora amplamente previsto pela

imprensa. A Tribuna da Imprensa, de Lacerda, trouxe em sua capa: “’impeachment’: traição de

dezenas de Udenistas”, com quarenta udenistas ausentes da votação “escondidos nos

corredores”.251

Apesar do fracasso do impeachment, a previsão de que o governo ganharia força política

e legitimidade não se confirmou. Vargas continuou sob fogo contínuo da imprensa, das classes

média e alta, dos militares, dos empresários... Pouco mais de dez anos depois, um observador

243 “Decide-se na Câmara o destino de Getúlio”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 5-6 de junho de 1954, p. 1. 244 “Capanema tranquilo: vencerá o ‘impeachment’”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 9 de junho de 1954. 245 “Homenageada a figura do Coronel Pedro Luis da Rocha Osório”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 de junho de 1954, 1o caderno, p. 9. 246 “Só na quinta-feira a votação do ‘impeachment’”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 11 de junho de 1954, p. 3. 247 “O processo e “impeachment” e os seus reflexos sobre o prestígio da oposição”, Jornal do Brasil, 11 de junho de 1954, p. 6. 248 “Hoje a votação do processo de ‘impeachment’”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 de junho de 1954, p. 9. 249 “’Impeachment’: Capanema calcula 140 x 50”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 11 de junho de 1954, p. 3. 250 “Terminada a batalha do “impeachment” com derrota esmagadora da oposição”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 de junho de 1954. 251 “’Impeachment’: traição de dezenas de udenistas”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 17 de junho de 1954.

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internacional caracterizou Vargas como um demagogo adepto do nacionalismo chauvinista,

demonstrado pela restrição à repatriação de lucros por empresas estrangeiras e pelo monopólio

da Petrobrás.252

A situação política de Vargas ficou ainda mais precária após o atentado contra a vida de

Lacerda, em 5 de agosto de 1954, que não matou o jornalista mas tomou a vida de um militar

que o acompanhava, atribuído a pessoas próximas a Vargas. Uma onda nacional de hostilidade

a Vargas culminou com um ultimato do comando do exército, exigindo que Getúlio

renunciasse.253

O efeito final não foi muito diferente do que teria sido caso o impeachment tivesse sido

aprovado: em 24 de agosto, pouco mais de dois meses após a derrota do impeachment, Getúlio

suicidou-se.

O país mergulhou de vez em uma crise política que só se abateu com a posse de

Juscelino, em 1956. Mas antes disso, em 1955, viu dois impeachments.

3.2. Os impeachments em 1955

O suicídio de Getúlio em agosto de 1954 fez pouco para acalmar os ânimos nacionais.

A reação do povo surpreendeu os oponentes do ex-presidente, que teve sua figura envolta por

uma onda de simpatia, e Lacerda, que tanto azucrinara Vargas, precisou se esconder e deixar o

país esperando a fúria do povo se abater.254 O vice-presidente, Café Filho, líder do PSP e mais

conservador que Vargas, fruto de um acordo eleitoral entre o presidente e Adhemar de Barros,

prestou juramento e assumiu o cargo. Seu gabinete incluía diversos líderes identificados com a

UDN e de visão conservadora. Seu Ministro da Guerra era o General Henrique Lott,255 que se

revelou instrumental para os acontecimentos do ano seguinte.

Café Filho, antes mesmo de tomar posse do governo, declarou que iria realizar um

governo de coalizão nacional, para pacificar os ânimos.256 Considerava que seu governo era um

regime interino, com as responsabilidades primordial de estabilizar a economia e garantir a

realização das eleições, e era descrito como um “adepto fervoroso dos princípios da

‘legalidade’”.257

252 SAUNDERS. J. V. D. A revolution of Agreement among friends: The End of the Vargas Era. The Hispanic American Historical Review, vol. 44, no. 2 (may, 1964), pp. 197-213, p. 197. 253 SKIDMORE, op. cit., p. 179. 254 Ibid, p. 180. 255 Ibid., p. 182. 256 "Vou realizar um governo de coalisão nacional". Última Hora, Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1954, p. 1. 257 SKIDMORE, op. cit., p. 182.

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Para as eleições presidenciais de 1955, Café Filho “endossava a sugestão da alta cúpula

militar – conduzida por antigetulistas – de que deveria ser oferecido ao eleitorado um candidato

de ‘união nacional’”. Todavia, dissidências entre os partidos não permitiram que tal candidato

fosse encontrado. O PSD, primeiro partido a escolher um candidato, indicou o governador

mineiro Juscelino Kubitschek, herdeiro de uma das vertentes do sistema político varguista. Não

bastasse tal fato, uma aliança entre o PSD de JK e o PTB significou que o vice da chapa era

João Goulart, que já era visto com desconfiança pela oposição antigetulista e havia sido alvo de

um longo histórico de hostilidades até o momento da sua demissão do ministério do trabalho,

como sacrifício de Vargas às casernas após o Manifesto dos Coronéis.258

Antes mesmo de JK ser confirmado como o candidato a presidente pelo PSD, o jornal

lacerdista já se preocupava com espalhar a usual boataria para tentar descarrilhar a candidatura

do candidato do PSD. Em 1o de fevereiro, declarou a Tribuna da Imprensa que o partido

buscava uma maneira para evitar a candidatura de Juscelino, e que [N]o PSD juscelinista, como nos próprios pronunciamentos do próprio sr. Juscelino Kubitschek, será fácil encontrar grandes brechas por onde podem passar folgadamente os avisos da prudência e do bom-senso. [...] Essas razões de prudência pesarão, com certeza, na reunião de amanhã [...]. Mesmo que o sr. Juscelino Kubitschek consiga sair dela aparentemente são e salvo, todos os recursos da lógica política nos autorizam a prever, por trás da fachada confiante e sorridente, o desespero do condenado sem remédio.259

Apenas dois dias depois, a Tribuna noticiava que a derrota de Ranieri Mazzili para a

presidência da Câmara—apoiada por JK—para Carlos Luz representava um “profundo golpe”

na candidatura de Juscelino,260 e que o PSD se encontrava em “ambiente de derrota”.261 É

interessante inclusive a escolha de palavras para o título matéria do jornal: “batalha pré-

sucessória”, como se uma batalha sucessória propriamente dita já fosse garantida.

Lacerda chegou até ao ponto de derivar várias palavras do sobrenome de Juscelino,

utilizando-as como alguma forma de insulto, prática exemplificada pela curiosa frase “o Sr.

Vieira de Melo, porta-voz e instrumento do kubitschekianismo, num gesto de legítima

kubitschekianagem [...]”, em matéria de abril de 1955.262 Poucos dias depois, a Tribuna da

Imprensa noticiava que “Será escolhido hoje o candidato democrático”,263 pelos líderes da

UDN, PSD dissidente e partidos menores, como se o candidato a quem Lacerda se opunha—

258 Ibid., pp. 183-4. 259 “PSD e Juscelino”, Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 1 de fevereiro de 1955, p. 2. 260 “Presidência da Câmara: batalha pré-sucessória”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1955, p. 3. 261 “Reunidas as bancadas: ambiente de derrota no PSD”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1955, p. 3. 262 LACERDA, C. “A derrota dos kubitschekianos”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 2-3 de abril de 1955. 263 “Será escolhido hoje o candidato democrático”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 5 de abril de 1955.

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Juscelino—fosse automaticamente antidemocrático, uma escolha semântica claramente

deliberada, que continuou se reproduzindo no jornal ao longo do período eletivo.

No mesmo dia, 5 de abril, Afonso Arinos, líder da UDN e Deputado pela legenda,

declarou que [A] UDN está desarvorada [...] principalmente em face da recente atitude das forças armadas, expressa pela palavra e pelo pensamento dos Generais Lott e Canrobert, de que garantirão a posse de quem quer que seja eleito. Isto não foi mais nem menos que o visto no passaporte do Sr. Juscelino para o Catete. Nem no golpe, senhores, que seria – é preciso proclamar – a nossa salvação, podemos confiar. Digo golpe, porque é preciso que percamos o medo dessa palavra [...]264[grifo meu]

Arinos também declarou que “a nós o que importa acima de tudo é que o Sr. Juscelino

Kubitschek, esse vulgar saltimbanco, não faça voltar ao Catete aquilo que de lá expulsamos na

madrugada do 24 de agosto”. A madrugada de 24 de agosto foi quando Vargas se suicidou.

O que as declarações do deputado revelam é que os vários anúncios de golpe que foram

feitos pelo Última Hora não eram apenas paranoia editorial do jornal. A ideia do golpe era

aparentemente vista por membros da UDN (tanto que revelada publicamente a um órgão de

imprensa) como uma espécie de garantia caso JK ganhasse a eleição—o que, pelo tom de

Arinos, parecia já ser considerada uma inevitabilidade em abril, praticamente seis meses antes

do momento do voto. É deveras impressionante a casualidade com a qual Arinos divulga essa

posição.

Apenas um dia depois, em 6 de abril, o Última Hora anunciava em sua capa que “as

forças mais extremistas e reacionárias do 24 de agosto”, que haviam admitido a solução de Café

Filho, agora se tornavam contra o presidente interino, buscando subverter a ordem

constitucional. Também anunciou o jornal que, apesar das alegações que anteriormente

preocupava-se apenas em defender Vargas, agora apoiava a permanência de Café Filho (como

visto, politicamente muito distinto de Getúlio) no Catete, até “entregar o mando ao legítimo

sucessor que o povo escolha, como ordena a Constituição”.265

A UDN, incapaz de lançar o próprio candidato, endossou a candidatura de Etevaldo

Lins, nomeado por uma fação dissidente do PSD. Ademar de Barros entrou na arena em maio,

e a oposição a JK esperava que sua candidatura dividisse votos da classe trabalhadora,

dificultando a vitória de Juscelino.266 Etelvino Lins foi entusiasticamente promovido pela

Tribuna da Imprensa, na qual Lacerda descreveu João Goulart como “trêfego, peralta”, no lado

onde “agregaram-se os gregórios e os ladrões”. No mesmo artigo, descreveu a candidatura de

264 “Arinos em tom patético: ‘a salvação é o golpe!’”, Última Hora, Rio de Janeiro, 5 de abril de 1955. 265 “Renúncia de Café: caminho da ditadura!”, Última Hora, Rio de Janeiro, 6 de abril de 1955. 266 SKIDMORE, op. cit., p. 186.

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Etelvino como resultado de “uma ânsia de renovação, um desejo profundo de valorização moral

e material do Brasil”, que traz uma “contribuição inestimável de uma honradez e de uma

firmeza de atitudes, de um senso de responsabilidade e uma bravura na condução da luta”.267

Etelvino foi alardeado como um “homem da classe média”, que sente na própria carne

os problemas que a esmagam,268 o que não é surpreendente considerando que a UDN

historicamente representou os anseios da classe média conservadora, e a Tribuna da Imprensa

também atendia ao mesmo grupo.

Tão logo se tornou candidato, Etelvino prometeu “evitar o golpe e esquecer ódios”.269

Dizer que vai “evitar” o golpe é interessante para um homem que se candidatava à presidência

da república, que deveria ter o mais alto respeito pelas instituições democráticas. O líder do

PSD na Assembleia Legislativa de São Paulo declarou que acreditava ser Etelvino um homem

capaz, mas não acreditava que seu nome alcance receptividade no cenário as forças populares da Nação. Chego a não compreender o que pretendem os generais da ‘união nacional’. Até parecem que lançam um candidato para perder e para isso arranjar pretextos para mais ainda tumultuar a já confusa situação política do país.270

Em maio, Adhemar de Barros, a despeito de sua derrota na eleição para governador de

São Paulo para Jânio Quadros, em outubro anterior, lançou sua candidatura para a presidência.

Acreditava que o Catete lhe fora prometido na barganha eleitoral que fizera com Vargas em

1950. A esperança da oposição era de que a candidatura de Adhemar subtraísse votos urbanos

da classe trabalhadora de Juscelino e Jango, aumentando as chances do candidato udenista.271

Em junho, a UDN aparenta ter reconhecido a deficiência de seu candidato, preocupada

com a sua falta de projeção, e o substituiu pelo General Juarez Távora, que fora aliado de Vargas

em 1930, mas a partir de 1945 passou a se identificar com os militares anti-Vargas. Nas palavras

de Skidmore, “apoiando-o, a UDN denunciava o receio de que sua legenda carecesse de

suficiente projeção para uma eleição nacional”,272 apesar de no primeiro dia do mês ter

reafirmado “apoio incondicional a Etelvino”273 e um de seus deputados ter descrito Juarez como

267 LACERDA, C. “O divisor das águas”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 14 de abril de 1955, p. 4. 268 “Etelvino vai mobilizar o país contra a carestia”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 7 de junho de 1955, p. 1. 269 “Promete Etelvino: evitar o golpe e esquecer ódios”, Última Hora, Rio de Janeiro, 7 de abril de 1965, p. 1. 270 “Opinam os líderes partidários sobre a candidatura do Snr. Etevildo Lins”, Última Hora, Rio de Janeiro, 7 de abril de 1965, p. 4. 271 SKIDMORE, op. cit., p. 184 272 Ibid., pp. 184-5. 273 “A UDN reafirma hoje apoio incondicional a Etelvino”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 1 de junho de 1955, p. 1.

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um “ditador em formação”,274 e a UDN ter continuado prestando apoio ao candidato descartado

até o momento da troca por Juarez.

Em meados de junho, ainda alarmada com a posição de João Goulart como futuro vice-

presidente da república—já que, vista a desorganização da UDN, a eleição de JK parecia

inevitável—a oposição antigetulista no Congresso tentou fazer passar uma Emenda

Constitucional que eliminaria o cargo de vice-presidente, descrito como “um dos motivos da

atual crise política”.275 A emenda não foi aprovada.

A candidatura de Juscelino teria que unir dois elementos de sua aliança. Os discursos

que agradavam aos chefes políticos das bases rurais do PSD dificilmente agradariam aos

eleitores urbanos do PTB, o partido de Jango. Tampouco podia a candidatura de JK apelar para

o nacionalismo do eleitorado urbano sem provocar os militares antigetulistas. A campanha de

Távora, agora o candidato da UDN, enfatizava os apelos moralistas usuais, mas pretendia

conservar as leis de bem-estar social repudiadas pelas candidaturas anteriores. Todavia,

enquanto Távora entendia o papel do Estado como meramente fiscalizador da atividade

econômica, Juscelino defendia a aceleração da industrialização do Brasil inclusive com amplos

investimentos públicos.276

Mesmo com a candidatura do General Távora, a oposição ainda se articulava para

garantir o resultado que desejava do pleito eleitoral—manter Juscelino e Jango fora do Catete

a todo custo—mesmo que por vias escusas. Em discurso no Congresso, Lacerda declarou que

“vejo meu país arrastar-se de déu em déu [...] nas ondas da demagogia e nas vascas do ódio [...]

declaro que ou esta Nação reage ou irá para a guerra civil, porque uma nação não resiste à onda

de demagogia e corrupção que se estendeu sobre este país”. Os dizeres “Ou esta nação reage

ou irá para a guerra civil” foram estampados na capa da Tribuna da Imprensa dos dias 2-3 de

julho de 1955.277

Nesse contexto, Gustavo Corção, membro da “ala-que-pensa” da UDN, em palestra

reportada pelo Última Hora, argumentou que a candidatura da união (ou salvação) nacional,

defendida pela UDN, escondia “a preguiça de se pensar em definição melhor”, movimento que

não podia ter esse nome pois não envolve todos os partidos, e se reduz a uma “coligação de uns

partidos, contra o candidato de outro, que se combatia, sob a alegação de que sua vitória

274 “Juarez é um ditador em formação”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 1 de junho de 1955, p. 1. 275 “Emenda Constitucional: acabar com o vice”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 11-12 de junho de 1955, pp. 1, 4. 276 SKIDMORE, op. cit., pp. 185-6. 277 LACERDA, C. “Ou reação ou guerra civil”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 2-3 de julho de 1955, pp. 1, 4.

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representaria a volta do regime que derrubaram”. Diz ainda que a candidatura de “união

nacional” é a negação do voto popular, e que “antes batiam-se contra o golpe e a favor de

eleições; agora não querem eleições e pedem o golpe”.278 Pouco depois, o mesmo jornal

noticiava que o slogan que empolgava os círculos políticos era “união nacional ou intervenção

militar”.279

Também em junho, o General Lott, ministro da guerra de Café Filho, declarou que o

exército, marinha e a aeronáutica manteriam as instituições do país, afastando-se da política

partidária.280 Lott é descrito como um “devoto inflexível dos princípios da legalidade”,281 e

considerado uma “poderosa barreira nos esforços da campanha daqueles militares favoráveis

ao golpe”.282Tenho certeza que as motivações de Lott para desejar garantir a transição para o

presidente eleito em 1955, quer fosse para Juscelino-Jango ou para a oposição, tinha outros

motivos para além de sua devoção para com os “princípios da legalidade”, mas devido a

restrições de tempo, fontes e número de páginas as motivações ulteriores de Lott não foram

pesquisadas.

Poucos dias antes da eleição, a Tribuna da Imprensa noticiava na capa que “A vitória

agora é certa”, e que os “homens honrados deste país votarão em Juarez Távora”.283 No dia da

votação, Lacerda publicou na capa deste mesmo jornal uma matéria na qual, falando de JK e

Jango, disse que “a vitória desses tipos seria a volta do Brasil aos tempos mais torvos de sua

história”, e já anunciava que “as eleições vão ser fartamente roubadas” e fraudadas, além da

“vitória de Jango Goulart é inadmissível. Dar-lhe posse seria uma traição [...]. Seria a

desmoralização total das forças armadas”.284 Para Lacerda, aparentemente, as eleições seriam

fraudadas e roubadas se dessem vitória a JK e Jango, mas se dessem vitória a Távora, não. Vai

na mesma linha de F. Rodrigues Alves Filho, um político paulista, quando disse que o voto não

resolve “porque não se trata de dar ao povo meios para escolher gente decente”.285

Ao Última Hora, o presidente do Superior Tribunal Eleitoral declarou que acreditava na

maturidade política do povo brasileiro, e que “o reconhecimento e a posse dos novos presidente

278 “No bojo da ‘união nacional’ esconde-se a conspiração!”, Última Hora, Rio de Janeiro, 6 de junho de 1955, p. 4. 279 “Revista dos jornais: união ou golpe”, Última Hora, Rio de Janeiro, 8 de junho de 1955, p. 2. 280 “Exército, marinha e aeronáutica manterão as instituições no país”, Última Hora, Rio de Janeiro, 17 de junho de 1955, p. 4. 281 SKIDMORE, op. cit., p. 193. 282 Ibid., p. 187. 283 “A vitória agora é certa”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1-2 de outubro de 1955, p. 1. 284 LACERDA, C. “Reflexões na hora de votar”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1955, p. 1. 285 SKIDMORE, op. cit., p. 186.

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e vice-presidente não deverão ser discutidos ou perturbados por motivos às margens da lei”,286

uma referência tenuamente velada aos movimentos golpistas que circundavam o pleito eleitoral.

Em 3 de outubro, as urnas deram a vitória a Juscelino Kubitschek e João Goulart. O

Última Hora noticiou que, votando contra o golpe, o povo elegeu os candidatos das forças

populares, em eleições que transcorreram “em absoluta ordem”.287 e 288 Enquanto isso, a

Tribuna da Imprensa dizia que Kubitschek, “candidato da farsa eleitoral, será o presidente da

minoria dos eleitores, se for eleito. O Brasil não pode ser governado por ele”.289 No dia seguinte,

anunciava a proposta de mudança do regime presidencial para parlamentarista,290 repetida

novamente poucos dias depois, junto com a habitual fábrica de acusações das mais diversas

naturezas a Jango.291

Os resultados foram relativamente próximos. Juscelino obteve 36% dos votos, com um

pouco mais de três milhões. Sua performance em Minas Gerais foi dominante, enquanto em

São Paulo, Adhemar, conforme previsto, recebeu ampla maioria dos votos. Interessante de se

notar, Jango foi eleito vice-presidente com mais votos que JK foi eleito presidente—na época

as eleições para os cargos de presidente e vice eram separadas—, tendo recebido mais de 500

mil votos a mais que o cabeça de chapa. Juarez Távora recebeu 30% dos votos, e Adhemar

26%.

A votação minoritária, que elegeu o presidente com 36% dos votos, fez com que a UDN

levasse o caso à Justiça Eleitoral, argumentando que era necessária maioria absoluta de votos.

Esse argumento já se revelara inútil em 1950, quando Vargas foi eleito com 49% dos votos.

Aponta Skidmore que nem os líderes udenistas tinham ilusões acerca do sucesso dessa

tática292—semelhantemente à ação perante o TSE movida em 2014, após a vitória de Dilma

Rousseff, movida apenas para “encher o saco do PT”, nas palavras do candidato derrotado.293

No Congresso, foi derrotada proposta que transferia para a Câmara dos Deputados a

eleição presidencial caso nenhum candidato recebesse maioria absoluta.294 Em 14 de outubro,

Lacerda anunciava que a ação na justiça eleitoral não daria resultado, e as forças armadas

286 “A justiça dará posse ao candidato eleito!”, Última Hora, Rio de Janeiro, 1 de outubro de 1955, p. 3. 287 “Votando contra o golpe o povo elegeu ontem o novo presidente”, Última Hora, Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1955, p. 3. 288 “Mais Votados os Candidatos das Forças Populares”, Última Hora, Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1955, p. 2. 289 “Entre Ademar e Kubitschek: a terceira solução”, Tribuna da Imprensa, 5 de outubro de 1955, p. 1. 290 “Capanema propõe a reforma do regime”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1955, p. 1. 291 “Parlamentarismo inglês para resolver a crise”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 8-9 de outubro de 1955, p. 1. 292 SKIDMORE, op. cit., p. 192. 293 MATAIS, A; MORAES, M. Ação no TSE era para ‘encher o saco do PT’, disse Aécio a Joesley. O Estado de S. Paulo, 20 de maio de 2017, disponível em < http://bit.ly/2r2Z7wD>, acesso 20 de julho de 2017. 294Ibid., p. 189.

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tinham que impedir a posse de JK e Jango, “ou os chefes militares agem imediatamente ou

haverá luta e sangue”.295 No dia 3 de novembro, o Última Hora anunciava que o golpe já tinha

dia marcado: seria no dia da diplomação dos candidatos eleitos.296

No governo, até aquele fatídico 3 de novembro, o General Lott se esforçava para coibir

pronunciamentos políticos por parte de integrantes das forças armadas. O ministro e o

presidente, apesar de ocasionais divergências, pareciam dispostos a continuar a trabalhar juntos,

como vinham fazendo até então, para garantir a transferência pacífica da presidência e vice-

presidência para os candidatos eleitos.297

O cenário se complicou na manhã do dia 3. Café Filho sofreu um ataque cardiovascular

e foi internado. No dia seguinte já estava fora de perigo, mas em repouso absoluto. Lacerda não

perdeu tempo—já no dia 4, conclamou que os chefes militares fizessem “seu dever” de proteger

a pátria contra seus inimigos externos “E INTERNOS” [maiúsculas do original].298

Membros do gabinete de Café Filho continuavam a consultá-lo em seu quarto no

hospital, mas em poucos dias ficou claro que Café Filho teria que delegar seus poderes

presidenciais. Em 8 de novembro, Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu

interinamente o cargo de Presidente da República. Carlos Luz era reconhecidamente partidário,

membro da ala dissidente do PSD que se opusera à candidatura de Juscelino em novembro

daquele ano. Após sua primeira reunião de gabinete, Luz rejeitou a proposta do General Lott

de punir o General Mamede, que fizera virulento discurso público defendendo o golpe. O

Ministro da Guerra renunciou em protesto.299

O General Lott se convenceu que Carlos Luz estava ligado aos conspiradores do golpe

contra Kubitschek e Goulart. Na madrugada entre os dias 10 e 11 de novembro, mobilizou o

comando do exército no Rio de Janeiro e ocupou prédios públicos, estações e jornais—inclusive

a Tribuna da Imprensa, ocupada por 32 horas.300 Lott fez com que os presidentes do Congresso

e do Supremo Tribunal Federal declarassem sua solidariedade com o movimento dirigido para

o retorno à situação de regime constitucional normal.301

295 LACERDA, C. “Não esperem solução da Justiça Eleitoral”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1955, pp. 1, 4. 296 MOREIRA, J. “A Marcha para o Catete”, Última Hora, Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1955, p. 4. 297 SKIDMORE, op. cit., p. 190. 298 LACERDA, C. “A hora das forças armadas”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 4 de novembro de 1955, pp. 1, 4. 299 SKIDMORE, op. cit., p. 192. 300 “Durante 32 horas, as forças de Lott ocuparam a Tribuna”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1955, p. 1. 301 SKIDMORE, op. cit., p. 194.

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Carlos Luz, acompanhado de vários ministros e de Carlos Lacerda, escaparam do Rio

no cruzador Tamandaré, com destino a Santos, onde se instalaria um governo paralelo. Já no

dia 11, o Congresso entrou em sessão. A Câmara dos Deputados, por 185 votos a 72, transferiu

a presidência da república a Nereu Ramos, vice-presidente do Senado e o próximo da linha

sucessória.

O requerimento apresentado à Câmara foi: Requerimento A Câmara dos Deputados, tomando conhecimento dos graves acontecimentos que desde ontem se desenrolam no País e considerando a situação de fato pelos mesmos criada, reconhece a existência do impedimento previsto no art. 79, § 1o,302 da Constituição Federal, para cuja solução o mesmo dispositivo prevê o chamamento do Vice-Presidente do Senado Federal ao exercício da Presidência da República.303

O voto seguiu as linhas estritamente partidárias, com o PSD e o PTB apoiando a medida,

com a UDN se opondo. O “contragolpe” de Lott forneceu à oposição udenista a oportunidade

de argumentar que os “legalistas” moveram um “golpe” contra o presidente legítimo, uma

irônica inversão de papéis.304

Chamar o golpe movido por Lott de “impeachment” consistiria, em última instância, em

um erro terminológico. O Congresso votou para reconhecer Nereu Ramos como o novo

presidente, mas não impediu Carlos Luz, que continuou como presidente da Câmara (até

renunciar ao cargo poucos dias depois). O Congresso apenas reconheceu, sem legitimar, a

transferência do poder imposta pelos militares. Não houve qualquer tentativa de impedir Carlos

Luz por meio do processo usual. Não houve acusação formal, defesa, voto, ou qualquer

encenação de formalidade prevista na lei n. 1079—em vigor na época. Houve apenas o voto

determinando que Nereu Ramos seria o novo presidente.305 Carlos Luz, enquanto não impedido,

comunicou a Nereu Ramos que considerava terminado seu governo e regressou ao Rio. Ou seja,

Luz se submeteu à lógica imposta pela situação, renunciou ao cargo de presidente e reconheceu

o novo governo.306 Lacerda pediu exílio a Cuba, onde permaneceu por um ano.

A crise da sucessão não se encerrou por aí. No dia 17, a Tribuna da Imprensa noticiava

que Café Filho, ainda licenciado, poderia voltar ao governo, pensamento compartilhado pelo

302 Que se lê: Art 79 - Substitui o Presidente, em caso de impedimento, e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Presidente da República. § 1º - Em caso de impedimento ou vaga do Presidente e do Vice-Presidente da República, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o Vice-Presidente do Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal. 303 NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de Sítio (5a parte: 1946-1965), in Revista de Informação Legislativa, v. 3, n. 9, pp. 119-164, março de 1966, disponível em <http://bit.ly/2tOZglb>, acesso em 25 de julho de 2017, p. 121. 304 SKIDMORE, op. cit., p. 195. 305 Ibid., pp. 195-6. 306 “De bordo do ‘Tamandaré’ Carlos Luz desiste de continuar presidente!”, Última Hora, Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1955, p. 1.

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Ministro da Justiça do governo interino e seu presidente Nereu Ramos. Já circulavam, também,

boatos sobre o impeachment de Café—tanto que o deputado José Maria Alkimin, líder do PSD

na Câmara, sentiu-se na necessidade de desmentir que seu partido estudava propor o

impeachment do presidente licenciado. Afonso Arinos, por sua vez, disse que o impeachment

está previsto em lei especial, com comissão especial, e prazo de defesa do presidente.307

O governo de Ramos, instituído pelo golpe de Lott, foi descrito pela Tribuna da

Imprensa como “regime dos traidores, pelos traidores e para os traidores”,308 uma posição no

mínimo hipócrita—embora não surpreendente—para um veículo que defendera abertamente

um golpe das forças opostas. Aparentemente, eleições só contam quando são para eleger “gente

decente”, e golpes só são apoiados quando pelas forças políticas apropriadas. A hipocrisia vale

para ambos os lados: para o Última Hora, que tanto denunciara os movimentos golpistas da

UDN, o movimento de Lott foi um “contragolpe” contra inimigos do regime e pela república.309

O descanso durou pouco. No dia 21 de novembro, Café Filho saiu do hospital e anunciou

seu desejo de reassumir a presidência. Meros dois dias antes, o governador de Minas Gerais,

Clóvis Salgado, amigo pessoal de Lott, declarara que Café Filho não reassumiria o governo, e

já estava “escolhido o triunvirato que governará o Brasil até a posse de Juscelino e Jango”.310

O Última Hora descreveu o retorno de Café Filho ao poder como “uma farsa udeno-golpista”,311

e que o Congresso decretaria o impedimento dele.312

Esse impedimento de Café Filho, na avaliação dos membros do PSD, não poderia se dar

segundo o procedimento constitucional de impeachment, “pois esta medida exigiria [...] pelo

menos de vinte a trinta dias para ser aprovada”. A solução tinha de ser imediata. Decidiu-se,

então, convocar uma comissão de juristas para estudar a solução mais viável dentro do menor

prazo possível.313 A UDN estaria disposta a reagir contra o impeachment de Café Filho.314

O desfecho das movimentações se deu na mesma maneira que no dia 11. As tropas do

exército cercaram os prédios públicos, e a Câmara de Deputados desqualificou Café Filho do

307 “Café Filho pode voltar ao governo”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1955, p. 3. 308 LACERDA, C. “Mensagem de Carlos Lacerda”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1955, p. 1. 309 “Troam os canhões do exército contra os inimigos do regime e pela república”, Última Hora, Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1955, p. 1. 310 “Um triunvirato no governo até a posse de J-J”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 19-20 de novembro de 1955, p. 1. 311 “É uma farsa udeno-golpista o retorno de Café ao poder”, Última Hora, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1955, p. 1. 312 “O Congresso decretará o impedimento de Café”, Última Hora, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1955, p. 4. 313 Ibid. 314 “Disposta a U.D.N. a reagir contra o ‘impeachment’”, Última Hora, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1955. P. 4.

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cargo de Presidente e confirmou Nereu Ramos como presidente até a posse de Juscelino, no dia

31 de janeiro seguinte. O Última Hora comemorou os acontecimentos, declarando que Nereu

era depositário da confiança nacional. Disse ainda que “as tropas da legalidade” cercaram o

Catete, e fracassou a conspiração graças à ação imediata do Congresso e das Forças Armadas.315

O impedimento de Café Filho se deu em uma sessão noturna do Congresso que durou

aproximadamente 12 horas—das 21h do dia 21 às 9h do dia 22 de novembro. O Senado Federal

aprovou, por 35 votos favoráveis e 16 contrários, o projeto oriundo da Câmara (aprovado por

179 votos contra 94), que considerava Café Filho impedido de exercer as funções de Presidente.

Ao invés de seguir o rito de impeachment, o Congresso aprovou uma resolução especialmente

para este fim.316

Nereu Ramos governou o país, em estado de sítio, até a posse de Juscelino e Jango em

31 de janeiro de 1956.

Embora as deposições dos presidentes Carlos Luz e Café filho, à primeira vista, não

sejam “impeachments” propriamente ditos, ambos os eventos se inserem em uma tradição de

desrespeito à democracia (por grupos em ambos os lados do espectro político, nesse caso), e ao

resultado das urnas. Os eventos de 1955 não fazem nada senão reforçar a análise de que o

legislativo é propenso a abusar de sua autoridade, soberano do modo que é para decidir os rumos

do país, pressionado pelos mais diversos setores da sociedade. A situação no século passado

era quiçá até mais grave, pois os militares, politicamente engajados, mandavam e desmandavam

nos rumos políticos do país, ratificados em suas decisões pelo Congresso Nacional.

Todavia, é incorreto dizer que a redemocratização, com a Constituição de 1988, trouxe

maior estabilidade política ao país. Afinal, desde então, apenas dois presidentes foram

popularmente eleitos e concluíram seus mandatos—Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio

Lula da Silva. A presidente Dilma Rousseff foi deposta em controverso processo que será

analisado adiante, Michel Temer não foi eleito para o cargo (e conta com índices recordes de

desaprovação no momento da escrita desse trabalho), Itamar Franco não foi eleito para o cargo,

e Fernando Collor foi também impedido, pelo processo de impeachment que será analisado a

seguir.

3.3. O impeachment de Collor

O impeachment de Fernando Collor é muito diferente dos casos anteriores. Foi a

primeira vez, no Brasil, que um presidente foi acusado, processado, julgado e condenado

315 “Nereu no Catete até o dia 31 de janeiro!”, Última Hora, Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1955, pp. 1, 4. 316 As resoluções podem ser lidas em NAUD, op. cit., pp. 121, 125-6.

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segundo os ritos estabelecidos. Para Vargas, o processo foi natimorto—foi derrotado na Câmara

por uma votação esmagadora. Em 1955, sequer houve a pretensão de respeitar o procedimento

estabelecido pela Lei 1079/50, que já estava em vigor (inclusive elaborada e promulgada

naquele mesmo regime constitucional, afastando dúvidas sobre a sua recepção).

Para um país recentemente redemocratizado, o impeachment de Collor foi embaraçoso.

Afinal, o primeiro presidente eleito pelo povo, por voto direto, em mais de vinte anos—e sob a

égide da recém-promulgada constituição—foi pego em uma tempestade de escândalos e

acusado pelo seu próprio irmão de cometer as mais variadas ilicitudes. Todavia, o

acontecimento é creditado como um momento de amadurecimento da democracia brasileira, no

qual uma crise grave foi solucionada pelas vias institucionais constitucionalmente previstas,

não por meio dos tradicionais “golpes, contragolpes e quarteladas”317 vivenciados ao longo da

história.

Antes de mergulhar no governo e na crise que culminou na queda de Collor, é necessário

um breve panorama do Brasil desde o fim da ditadura militar. A ditadura civil-militar brasileira

(1964-1988), em franca crise após ao esgotamento do modelo de gestão econômica que

propiciou o “milagre brasileiro”, viu-se exposta à resistência outrora inimaginável de entidades

da sociedade civil (CNBB, OAB, ABI etc.) e movimentos sociais, tornando-se insustentável

perto de meados dos anos 1980. A ebulição popular culminou no movimento “Diretas Já”, em

1984, que buscava eleições diretas para presidente. Apesar da frustração do objetivo imediato

(a votação para presidente foi indireta, e resultou no governo Sarney, após a morte de Tancredo

Neves, escolhido em pleito indireto), o movimento escancarou a perda de legitimidade do

regime militar e afirmou o tom do diálogo durante a transição democrática.318

O primeiro governo civil após a ditadura foi tutelado pelos militares que, apesar de não

mais deterem o poder, exerciam influência. O acontecimento mais significativo do governo

Sarney (além da luta sem êxito para controlar o processo inflacionário) foi o processo

constituinte (1987-8), sobre o qual a sociedade civil exerceu considerável pressão por meio das

“emendas populares”, propostas para a nova Constituição acompanhadas por milhares ou

milhões de assinaturas.319 Isso foi muito significativo num contexto em que o Congresso

Constituinte (não uma “assembleia” constituinte propriamente dita, pois não foi constituída

317 BARROSO, L. R. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, São Paulo, Ed. Saraiva, 5a edição, 3a tiragem, 2016, p. 492. 318 LESBAUPIN, I. Brasil: a sociedade civil desde a democratização (1985-2000). In Caravelle (1988-), No. 75, NOUVEAUX BRÉSILS FIN DE SIÈCLE, dezembro de 2000, pp. 61-75, p. 61. 319 A proposta da Reforma Agrária, a mais apoiada, teve 5 milhões de assinaturas. Ibid. p. 62

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com o propósito exclusivo e originário de redigir a constituição)320 era marcado pelo “Centrão”,

uma massa de representantes oriundos do sistema partidário do regime militar e

consequentemente vinculados ao regime autoritário que vigorava (em sua maioria membros da

Arena), que se mobilizou contra direitos sociais dos trabalhadores e foi liberal em questões

econômico-financeiras.321

O governo Collor, em política econômica, não foi um grande desvio do que havia sido

Sarney. Não era liberal o suficiente para ser considerado liberal—adotou, inclusive, medidas

muito intervencionistas, como o confisco das poupanças—e tampouco foi socialdemocrata por

não ter tido qualquer intenção de realizar reformas estruturais, tais como a reforma agrária. O

rótulo mais apropriado para a agenda de Collor, na opinião de Ross Schneider, é “modernização

conservadora”.322 Nesse espírito, Collor prometeu cortar mais de 360 mil empregos no governo

federal, e eliminar metade dos 65 mil cargos comissionados na burocracia federal, proibindo-

os também de serem preenchidos por políticos. Essas atitudes desagradaram as alianças

políticas de Collor, frequentemente baseadas em relações clientelistas, dependentes dos cargos

que o presidente propusera eliminar.323

A posição política de Collor se tornava mais precária também pelo fraco desempenho

econômico. O congelamento de bens, além de controverso, não conseguiu conter a inflação por

mais de três meses. Em setembro de 1991, a inflação alcançava os dígitos duplos e o país

mergulhava em uma recessão. Antes de assumir o cargo, Collor havia dito que queria deixar “a

direita indignada e a esquerda perplexa”. Todavia, ao fim do ano, “a esquerda não estava tão

confusa, a direita estava ainda mais indignada [...] e quem estava perplexa era a equipe

econômica de Collor”.324

Nas eleições de outubro de 1990, o partido de Collor, o PRN, ganhou 41 assentos na

Câmara de Deputados. O PSD, o PMDB e o PFL, com meia dúzia de partidos menores aliados

a Collor, garantiam sua estreita maioria na Câmara. O PT e o PTD, de oposição a Collor,

comandavam meros 82 deputados, conjuntamente, e o grande derrotado em 1990 foi o PSDB,

que caiu de 60 a 37 deputados. A maioria parlamentar de Collor, entretanto, não era garantida.

320 BARROSO, op. cit., pp. 487-8. 321 MARCELINO, D; BRAGA, S.; DOMINGOS, L. Parlamentares na Constituinte de 1987/88: uma contribuição à solução do “enigma do Centrão”, in Revista Política Hoje, vol. 18, n. 2, 2009, pp. 239-279, pp. 272-5 322 SCHNEIDER, B. R. Brazil under Collor: anatomy of a crisis, in CAMP, R. A. (org.) Democracy in Latin America: patterns and cycles. Wilmington, DE, Scholarly Resources Inc., 1996, pp. 228-9. 323 Ibid., p. 231. 324 Ibid., p. 232.

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O presidente não tinha uma aliança formal com os partidos de sua base, e não era dado ao toma-

lá-dá-cá habitualmente praticado para adquirir o apoio dos congressistas.325

O governo Collor foi baqueado por sucessivos escândalos de corrupção, a tal ponto que,

em 31 de março de 1992, o presidente resolveu dissolver seu ministério, exigindo que todos os

ministros entregassem seus cargos, com raras exceções.326 No dia seguinte, a Folha de São

Paulo anunciava que Collor admitiria até aliança com o PT, com participação no governo,327

rejeitada imediatamente pelo PT, cujos “objetivos e métodos [...] estão a léguas [do

governo]”.328 Ao mesmo tempo, o PSDB não conseguia decidir se entraria ou não no governo,

com Covas defendendo que o partido continuasse na oposição329– o PSDB também acabou

rejeitando o convite de Collor de início,330 mas logo depois a posição do partido começou a

titubear (no fim, os tucanos decidiram não fazer parte do governo).331

A reforma ministerial promovida por Collor surtiu pouco efeito na opinião pública. Em

pesquisa publicada pela Folha de São Paulo, 54% dos paulistanos achava o governo ruim ou

péssimo. 47% dos paulistanos consideravam que a reforma ocorrera por causa de corrupção.

32%, ainda, considerava que Collor almejava, com a reforma, mais apoio no Congresso. Quiçá

mais grave, 49% dos paulistanos acreditavam que o presidente sabia das irregularidades no

governo.332 A reforma tampouco surtiu efeito positivo no Congresso: a Folha de São Paulo

noticiou que a reforma, na verdade, reduzira a base parlamentar de Collor de 251 para 220 votos

na Câmara, e de 38 para 34 senadores,333 efeito que se tentou combater com o loteamento de

cargos de segundo e terceiro escalão.334

Todavia, apesar das dificuldades, no final de abril o presidente parecia ter condições de

governabilidade. Os governadores não estavam dispostos a se posicionar contra o presidente, e

“no Congresso o cenário era de relativa tranquilidade”.335 Em maio, fora a ocasional intriga

325 Ibid., p. 235. 326 “Denúncias de corrupção provocam a maior reforma ministerial de Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 31 de março de 1992, p. 1. 327 DIMENSTEIN, G. “Collor acena para entendimento com PT” Folha de São Paulo, São Paulo, 1o de abril de 1992, caderno 1, p. 5. 328 ALONSO, G. “Suplicy nega apoio petista”, Folha de São Paulo, São Paulo, 1o de abril de 1992, caderno 1, p. 5. 329 “Indefinição do PSDB emperra reforma”, Folha de São Paulo, São Paulo, 2 de abril de 1992, p. 1. 330 “Bancada do PSDB rejeita adesão a Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 3 de abril de 1992, p. 1. 331 “Fracassa acordo entre governo e PSDB”, Folha de São Paulo, São Paulo, 2 de abril de 1992, p. 1. 332 “Reforma não muda imagem de Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 5 de abril de 1992, pp. 1, 5. 333 FARIA, T. “Reforma reduz base parlamentar de Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de abril de 1992, p. 1. 334 SOUZA, J. de. “Loteamento de cargos tenta atrair partidos”, Folha de São Paulo, São Paulo, 12 de abril de 1992, p. 1. 335 VILLA, M. A. Collor Presidente: trinta meses de turbulência, reformas, intriga e corrupção. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2016, p. 215.

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palaciana, os negócios do governo prosseguiram normalmente. No dia 17, noticiou-se que

Collor rompeu relações com seu irmão, Pedro Collor, e com PC Farias,336 que fora seu

tesoureiro de campanha. Isso porque Pedro Collor divulgou um dossiê que detalhava atividades

ilícitas de Farias, suas empresas e negócios na Europa, nos EUA e no Caribe. A denúncia de

Pedro Collor contra PC visava a desistência da criação, por parte deste último, da Tribuna de

Alagoas.337 No dia 24 de maio, Pedro acusou PC de ser testa de ferro de Fernando Collor, e

revelou que consumira drogas com o irmão quando jovens.338

As acusações de Pedro Collor ao próprio irmão foram cataclísmicas para o governo. O

PT, inicialmente sozinho, propunha uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as

denúncias.339 Meros dois dias após as acusações de Pedro Collor, 43% dos paulistanos queriam

o afastamento do presidente, e 88% apoiavam a abertura de uma CPI.340 Fábio Konder

Comparato, jurista historicamente associado ao PT, defendia que a tentativa de abafar todas as

denúncias contra o presidente “é um autêntico golpe de Estado” e que a conduta de Collor

poderia caracterizar crime de responsabilidade.341 Lula e Suplicy defendiam renúncia ou

impeachment.342 Fernando Henrique Cardoso declarou que “impeachment é como bomba

atômica, existe para não ser usado”.343 A CPI foi criada no dia 26 de maio.

A CPI para investigar o “esquema PC Farias”, como ficou conhecido, apesar do

obstrucionismo dos aliados do presidente, desenterrou várias ilegalidades. Dentre estas, fraude

eleitoral—a campanha de Collor, da qual Farias foi tesoureiro, não declarou gastos com

camisetas, aviões, caminhões,344 entre outros—, extorsão, tráfico de influência, e sonegação

fiscal. Todavia, até meados de junho, não conseguiu conectar o esquema ao presidente Collor,

que decidiu “sacrificar” o empresário para se preservar.345 O governo lançou uma ofensiva

midiática contra a CPI, enquanto líderes políticos de peso, tais como Orestes Quércia e o

governador de São Paulo, Fleury Filho, passaram a aderir à tese do impeachment. A opinião

336 STUDART, H. “Collor rompe com irmão e com PC”, Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de maio de 1992, p. 1. 337 VILLA, op. cit., p. 218. 338 Ibid., p. 217. 339 Ibid., p. 219. 340 “43% querem o afastamento de Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de maio de 1992, p. 1. 341 COMPARATO, F. K. “O golpe por omissão”, Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de maio de 1992, p. 2. 342 AMARAL, L. H. “Lula diz que Collor deve pedir demissão”, Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de maio de 1992, p. 5. 343 VILLA, op. cit., p. 239. 344 “Collor gastou mais do que declarou, diz PC”, Folha de São Paulo, São Paulo, 10 de junho de 1992, p. 1. 345 “Collor decide sacrificar PC Farias”, Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de junho de 1992, p. 1.

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pública estava relativamente ambivalente: no fim de junho, 65% dos paulistanos achavam que

Collor sabia do esquema de PC, mas apenas 47% queriam o afastamento do presidente.346

O envolvimento de Collor com o esquema PC Farias foi estabelecido em 28 de junho,

quando se descobriu que a secretária particular de Fernando Collor, Ana Acioli, assinava

cheques para pagar despesas da Casa da Dinda (a residência pessoal de Collor em Brasília) com

fundos de uma conta abastecida por empresas de PC Farias.347 e 348 O ministro Jorge

Bornhausen, do PFL, começou a ameaçar deixar o governo. Se o resto do partido o seguisse, a

maioria de Collor na Câmara seria comprometida e “o governo não [teria] mais onde se

apoiar”.349 Na CPI, 12 dos 21 membros consideravam admissível impeachment caso

comprovado envolvimento com PC.350 No dia 30, a Folha de São Paulo, em editorial de capa,

pedia a renúncia do presidente: “Collor não consegue mais governar. Que renuncie [...] A

superação da crise exige sua renúncia”.351

Ao cabo do mês seguinte, que se passou com Collor fazendo ataques à “central de

golpistas”,352 aliados de Collor tentavam explicar a origem de alguns milhões de dólares, que

alegavam ser de um empréstimo contraído no Uruguai (fato depois desmentido), o governo

lançou a operação de compra e venda de apoio no Congresso, com o slogan “é dando que se

recebe”, na tentativa de, nas palavras de Jânio de Freitas, “comprar dois anos de mandato”.353

O “esquadrão da morte” contra a CPI, cujas operações haviam se iniciado em meados de julho,

fazia propagandas pró-governo e investigava membros da CPI para os desmoralizar. O

presidente também liberou Cr$ 1,467 trilhão para agricultores e governadores, em busca de seu

apoio.354 As tentativas não surtiram muito efeito. A Folha anunciou que quase dois terços dos

deputados (62%) votariam pelo impeachment de Collor, se confirmada sua culpa.355 A cúpula

do PFL passou a considerar inevitável o pedido de impeachment,356 e o Ministério Público

considerava que existiam “mais provas contra o presidente Collor do que contra [PC Farias]”,

algumas contundentes.357

346 “Maioria acha que Collor agiu com PC”, Folha de São Paulo, São Paulo, 25 de junho de 1992, p. 1. 347 “Cheques ligam PC Farias a Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 28 de junho de 1992, p. 1. 348 VILLA, op. cit., p. 247. 349 “PFL ameaça abandonar o governo após denúncias”, Folha de São Paulo, São Paulo, 29 de junho de 1992, p. 1. 350 “Maioria da CPI admite até impeachment”, Folha de São Paulo, São Paulo, 29 de junho de 1992, p. 5. 351 “Renúncia já”, Folha de São Paulo, São Paulo, 30 de junho de 1992, p. 1. 352 “Collor faz ataques à ‘central de golpistas’”, Folha de São Paulo, São Paulo, 06 de julho de 1992, p. 1. 353 FREITAS, J. de. “Compra e Venda”, Folha de São Paulo, São Paulo, 31 de junho de 1992, p. 5. 354 “Governo tenta tudo para salvar Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de julho de 1992, p. 1. 355 “62% dos deputados votariam pelo impeachment se confirmada a culpa”, Folha de São Paulo, São Paulo, 12 de julho de 1992, p. 1. 356 “PFL já prevê pedido de impeachment”, Folha de São Paulo, São Paulo, 22 de julho de 1992, p. 1. 357 “Collor tem culpa, avalia Procuradoria”, Folha de São Paulo, São Paulo, 25 de julho de 1992, p. 1.

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A posição política de Collor se tornava cada vez mais precária. Seus partidários

começaram a debandar, e “restavam figuras de pouca expressão política”.358 As tentativas de

conciliação, ameaça e persuasão de deputados para angariar votos no Congresso eram

subvertidas pelo próprio presidente, que agressivamente insultava seus opositores e chegou a

dizer que “deixem que os porcos façam isso e chafurdem nessa lama”.359 Nas ruas, 70%

achavam que o Congresso deveria apoiar o impeachment de Collor. No próprio Congresso,

Collor não contava sequer com 77 dos 245 votos de sua base parlamentar. O racha já atingira

20% do PFL e 60% dos membros do PDS, partidos essenciais para a base do governo.360

Quando Collor pediu à população que usasse verde-e-amarelo em seu apoio, em uma

tentativa de demonstrar que tinha o apoio nas ruas, a população foi às ruas de preto,

manifestando-se a favor de seu impeachment.361 Até esse momento, Collor tentava cooptar

apoio congressual com os métodos habituais. Não tinha obtido êxito, mas tampouco estava

derrotado. A chamada para as ruas foi “uma declaração de guerra à oposição”, e houve reações

negativas inclusive de membros da base aliada.362

Duas sociedades apartidárias, a OAB e a Associação Brasileira de Imprensa, passaram

a apoiar a remoção do presidente. Os vários pedidos de impeachment encaminhados para a

Câmara foram ignorados pelo seu presidente, até que ficasse pronto o relatório da CPI. Este foi

tudo que o governo tentara evitar a todo custo: concluiu que “não existe uma só alternativa de

compreensão de certos fatos que envolvem [PC Farias] que não inclua o senhor presidente”,

que “de forma permanente e ao longo de mais de dois anos de mandato, recebeu vantagens

econômicas indevidas”. Disse ainda que Collor falhara com seu dever para com a moralidade,

e que suas ações poderiam configurar crime de responsabilidade.363 Todas as articulações

governamentais falharam. A divergência jurídica, se Collor poderia ser investigado e julgado,

foi superada e o impeachment do presidente entrou na ordem do dia.

O governo despachou seu assessor jurídico, Gilmar Mendes, para alegar que não estaria

mais em vigor a lei 1079/50, e que estavam todos “dando bom dia a cavalo”.364Na comissão, o

relatório foi aprovado confortavelmente, e o impeachment contava com o apoio de centenas de

358 VILLA, op. cit., p. 253. 359 Ibid., p. 259. 360 “70% acham que o Congresso deve aprovar o impeachment de Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 16 de agosto de 1992, p. 1. 361 “Fracassa apelo verde-e-amarelo de Collor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de agosto de 1992, p. 1. 362 VILLA, op. cit., p. 280. 363 Ibid., pp. 287-8. 364 Ibid., p. 292.

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milhares nas ruas.365 Os líderes do governo no Congresso concluíram que já havia maioria de

dois terços na Câmara para aprovar o pedido e liberaram suas bancadas na votação.366 No dia

30 de agosto, o Datafolha publicou pesquisa na qual 76% dos entrevistados consideravam o

governo péssimo, 8% que era ruim. 84% dos consultados queriam impeachment, e 63%

acreditavam que seria aprovado.367 No dia seguinte, o PFL desembarcou do governo.368

No primeiro dia de setembro, o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro—que já arquivara

28 pedidos de impeachment—aceitou a petição de Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenère

em clima de comício. A denúncia, por crime de responsabilidade, pedia a remoção do presidente

por vantagens indevidas, tráfico de influência, falta de decoro e dignidade para o exercício do

cargo, e omissões em geral que os proponentes chamaram de “mentiras presidenciais”.

Qualquer resquício de apoio legislativo que Collor tinha se desintegrou, e “na prática, o governo

deixara de existir”.369 Apesar do presidente continuar tentando aliciar deputados, com jantares

e verbas, revelava-se repugnado com a ideia de ter que liberar verbas e nomeações. Nos

discursos, gastava o vocabulário para descrever seus opositores com adjetivos pejorativos (“a

história não tem espaço para os covardes, tíbios e claudicantes”).370

No dia 2 de setembro, criou-se a comissão especial com deputados de todos os partidos.

O presidente da Câmara definiu que o processo seria regido por uma combinação da Lei

1079/50 e do regimento interno da Câmara. Collor teria dez sessões para se defender, perante a

comissão, e enquanto isso, continuava tentando usar a estrutura do Estado para angariar apoio

político, concedendo recursos a fundo perdido para prefeituras e entidades associadas a

deputados aliados. A defesa de Collor argumentou que a denúncia era inepta, por não

especificar os crimes, que deveria ser apresentada ao Senado, não à Câmara, que o presidente

não podia ser julgado por crime de responsabilidade por inexistir lei que regulamentasse o

processo.371 Mais interessante do que os argumentos da defesa é o que não se argumentou:

sequer se tentou negar que Collor fizera o que foi acusado de fazer—ou seja, a defesa de Collor

não contestou o mérito das acusações, apenas questionou aspectos processuais.

Pressionado, o presidente perdeu a compostura e em discursos atacou a imprensa com

palavras de baixo calão, descreveu a família Sarney como “canalhas”, e Ulysses Guimarães

365 “Centenas de milhares pedem o impeachment nas ruas do país”, Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de agosto de 1992, p. 1. 366 “Líderes governistas admitem que impeachment vai ser aprovado”, Folha de São Paulo, São Paulo, 27 de agosto de 1992, p. 1. 367 “84% desaprovam Collor e querem impeachment”, Folha de São Paulo, São Paulo, 30 de agosto de 1992, p. 1. 368 VILLA, op. cit., p. 297. 369 Ibid., p. 298. 370 Ibid., p. 299 371 Ibid., p. 310.

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como “senil, esclerosado”.372 O Datafolha apontou que, no início de setembro, 75% dos

brasileiros defendiam o impeachment.373 No desfile do dia 7 de setembro, Collor foi vaiado.374

O relatório da Comissão Especial, redigido por Nelson Jobim, descartou os argumentos

processuais da defesa de Collor e foi aprovado por 32 votos a um. O texto disse que Collor foi

beneficiado do Esquema PC, foi omisso ao não impedir a corrupção, e mentiu à nação.375 No

dia 30 de setembro, no plenário, em voto aberto, Collor foi massacrado: 441 deputados votaram

a favor de seu impeachment, contra 38. Collor foi afastado, conforme a regra constitucional, e

assumiu Itamar Franco.

A defesa de Collor no Senado, onde a sua política era, se possível, ainda mais precária

do que na Câmara, inicialmente protestou contra o que consideravam o cerceamento da defesa

do presidente. Dessa vez, insistiram na legalidade dos recursos de Collor, e atacaram

extensivamente PC Farias, com a evidente finalidade de transferir para este a culpa por todas

as ilegalidades e inocentar o presidente. Também chamaram o processo de “kafkiano”, e

argumentaram que não era tolerável se destituir um presidente da república, legitimamente

eleito, com base em um escândalo urdido a partir de suposição e conjecturas.376 O STF rejeitou

também mandado de segurança que buscava impedir a participação de aproximadamente um

terço dos senadores, sob o argumento de que eram inimigos pessoais de Collor.377

A sessão para votar o impeachment de Collor se iniciou às 9h13 do dia 29 de dezembro

de 1992. Apesar do prazo constitucional de 180 dias, o processo transcorrera em apenas 88. Às

9h43, foi lida a carta em que Collor comunicava sua renúncia. O Senado entendeu então, como

viria a entender em 2016, que as sanções no processo de crime de responsabilidade eram

autônomas. Portanto, a renúncia não obstaria a aplicação da outra sanção (a de inabilitação

política). A segunda sanção foi aplicada, com o placar de 73 votos a 8. No STF, com a adição

de 3 ministros do Supremo Tribunal de Justiça, para quebrar o prévio empate de 4 membros a

4, entendeu-se que a renúncia não impedia a aplicação da inabilitação, e não paralisava o

processo de impeachment.378

O processo de impeachment de Collor é marcante principalmente por dois fatores.

Primeiramente o presidente foi pessoalmente acusado de corrupção com o fim de

372 Ibid., p. 305. 373 “75% querem Collor fora do cargo; 40% acham que Itamar fará melhor”, Folha de São Paulo, São Paulo, 6 de setembro de 1992, p. 1. 374 “Collor recebe vaias durante o desfile”, Folha de São Paulo, São Paulo, 7 de setembro de 1992, p. 1. 375 “Comissão aprova parecer contra Collor; só falta votação de terça”, Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de setembro de 1992, p. 1. 376 VILLA, op. cit., pp. 327-9. 377 Ibid., p. 336. 378 Ibid., pp. 342-4.

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enriquecimento pessoal por uma pessoa do seu círculo íntimo—seu irmão—, que pôde ser

comprovada com relativa certeza. Em segundo lugar, Collor, devido às circunstâncias eleitorais

(eleito por um partido minoritário, sem expressão nacional, e com pouca projeção política em

círculos federais) não contava com uma base aliada no Congresso sólida o suficiente para conter

as movimentações hostis ao seu governo, e não parecia inclinado a manter a costumeira troca

de cargos e verbas para manter a base aliada contente.

Uma vez confrontado com as acusações públicas, feitas por seu irmão, Collor viu se

desatarem os laços que uniam a sua frágil base aliada. As tentativas feitas pelo governo para

conquistar o apoio no Congresso foram tardias, e à altura que começaram a liberar as verbas e

cargos a opinião pública já se virava contra o presidente e novas acusações surgiam em cadeia.

Além disso, algumas atitudes do próprio presidente subvertiam as tentativas do governo para

angariar apoio no Congresso. Collor foi agressivo e beligerante contra a oposição em discursos,

atacou a imprensa e tentou, sem sucesso, convocar o apoio das ruas como demonstração de

força.

Alguns dos fatores que marcaram o impeachment de Collor, tais como a relação

desfavorável com o Congresso, com a hesitação para realizar as barganhas políticas habituais,

e o escasso apoio popular a favor do presidente, além da mobilização hostil em larga escala,

foram novamente constatados em 2016, conforme será visto a seguir.

3.4. O impeachment de Dilma Rousseff

O impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, foi o primeiro impeachment brasileiro a

ocorrer numa era de comunicação em massa com grande influência da internet e das redes

sociais. Isso foi significativo principalmente para as mobilizações de junho de 2013 que, alguns

argumentam, deu início à queda de popularidade da presidente que eventualmente culminou em

sua queda, e na intensa mobilização online por parte de elementos hostis ao governo com

demonstrações de força nas ruas em 2015 e 2016.

Como evento recente, a produção intelectual acerca do impedimento da presidente

Dilma Rousseff ainda é, além de dispersa e pouco sistematizada, marcada pelo viés político dos

intérpretes—inclusive deste. Como essa posição política é sempre inevitável, de pouco adianta

pretender uma análise imparcial, até porque inexiste tal coisa. Parece-me melhor, portanto,

assumir logo a que ponto se pretende chegar.

O impeachment da presidente Dilma, de um ponto de vista estritamente formal, ou

objetivo, não afrontou o instituto. Todavia, isso não quer dizer que, segundo critérios morais ou

subjetivos, não se tratou de um grave atentado ao estado democrático de direito. Conforme já

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argumentado nesse trabalho, como o Congresso é soberano para decretar o impeachment, não

sendo contestado pelas cortes, pouco importam suas razões para fazê-lo. Existam ou não crimes

de responsabilidade, sejam os crimes de responsabilidade reais ou fictícios, o Congresso

removerá o (a) presidente que bem entender, quando bem entender. Na verdade, pela maneira

que se dá o design institucional do impeachment, a discussão sobre crimes de responsabilidade

se torna irrelevante, pois não faz diferença se há ou não crime de responsabilidade, porque

qualquer coisa pode ser designada como crime de responsabilidade. Importa apenas a

conjuntura política.

Os impeachments anteriores, discutidos neste trabalho, permitem perceber que o

impeachment de Dilma apresentou o acúmulo de vários fatores que já haviam derrubado (por

impeachment, golpe ou morte) presidentes que a antecederam. Percebe-se aqui o uso político

de supostas más práticas orçamentárias aliada à fantasia da suposta ditadura-por-vir (o suposto

pacto de Vargas com Perón e o medo da “ditadura lulopetista/bolivariana”). Percebe-se a

ausência de cerimônias por parte do Congresso para mover impeachments com ou sem “crime

de responsabilidade” real, de novo em Vargas, em 1955—apesar de ter sido uma conjuntura

muito mais complexa—e com Dilma. Percebe-se, ademais, a falta de apoio por parte dos

legisladores, tanto no caso de Collor—pela sua base política insignificante, e seu estilo pessoal

beligerante—e com Dilma, por sua relutância em tratar com os congressistas nos termos

habituais (aliado ao inegável fator da misoginia), agravado sobremaneira pela Lava-Jato, que

começava a atingir políticos da (então) base aliada e da oposição—inclusive Eduardo Cunha,

peça-chave no processo—, quando passou a ser necessário “estancar a sangria”.379

Isso tudo aliado a uma grande ofensiva por parte da mídia, cujos grandes veículos são

dominados por conglomerados que se puseram em uma posição hostil ao governo petista,

fazendo pesado uso político das investigações sobre corrupção. O uso político-midiático da

corrupção é um fenômeno de longa data no Brasil, pois historicamente atiça os ânimos das

classes média e alta, que se veem lesadas porque a corrupção desrespeita seu monopólio

“meritocrático” dos recursos e postos estatais (principalmente por meio dos concursos públicos,

que perpetuam o perfil social predominantemente branco e de classe média-alta dos servidores

estatais de alto escalão), e provoca a hostilidade das classes populares que se veem trabalhando

muito para ganhar pouco, enquanto corruptos trabalham pouco – ou quase nada – para ganhar

muito.

379 VALENTE, R. Em diálogos gravados, Jucá fala em pacto para deter avanço da Lava Jato. Folha de São Paulo, 23 de maio de 2016, disponível em <http://bit.ly/25aQYkv>, acesso 27 de julho de 2017.

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A gênese da crise política que culminou com o impedimento de Dilma Rousseff em

2016 é, usualmente, atribuída a um de dois momentos: as manifestações em junho de 2013, ou

as contestadas eleições de 2014.380 As próprias manifestações foram um fenômeno cuja

interpretação ainda é controversa. Alguns autores, como Ricardo Antunes e Ruy Braga, pouco

depois dos acontecimentos, descreveram a ocasião como o maior protesto popular na história

do Brasil, representativo de uma era em que ocorre a “mundialização das lutas sociais”.381 Para

os autores, os movimentos de junho de 2013, inicialmente de escopo reduzido, tiveram

aumentada sua representatividade e chegaram às periferias, onde “uma massa plebeia de jovens

iniciou um processo de mobilização”, que depois se ampliou para amplos setores da classe

trabalhadora descontente com os rumos do país.382

André Singer, por outro lado, aponta que as manifestações de junho tiveram três fases.

Na primeira, as demandas das manifestações chamadas pelo Movimento Passe Livre se

circunscreviam ao preço das passagens do transporte público, cuja repressão violenta e uso

desmedido da força atraiu a simpatia de um público mais largo. Com esse público mais largo,

passou-se para a segunda fase do movimento, na qual foram feitas demandas das mais diversas

naturezas (mais verbas para educação e saúde, contestações aos gastos da Copa do Mundo, Fora

Dilma, Fora Alckmin, etc.). Na terceira fase, as manifestações tinham objetivos totalmente

diferentes daqueles na primeira etapa, tais como reivindicações contra o programa Mais

Médicos e redução de pedágios. A partir do momento que passaram a trazer reivindicações que

atendiam a anseios da autodenominada classe média, que passou a comparecer em massa às

manifestações, tais como o combate à corrupção e ao programa Mais Médicos, as manifestações

passaram a contar com o apoio da mídia nativa de grande porte, que anteriormente descrevera

os manifestantes da primeira fase pejorativamente.383

Qualquer que seja a interpretação dos acontecimentos de junho de 2013, é seguro dizer

que tiveram duas consequências. Primeiro, trouxe para a vanguarda das manifestações de rua o

combate contra a corrupção, hostilizando a classe política e partidos políticos como um todo,

inclusive—e talvez especialmente—aqueles da coalizão governista do PT. Em segundo lugar,

a popularidade da presidente Dilma Rousseff, até então razoável, apesar de menor que a de seu

380 CHALHOUB, S. et al. Report of the LASA fact-finding delegation on the impeachment of Brazilian president Dilma Rousseff, 2017, 102p., disponível em <http://bit.ly/2tHwoLj>, acesso 1 de Agosto de 2017, p. 8. 381 ANTUNES, R; BRAGA, R. Os dias que abalaram o Brasil: as rebeliões de junho de 2013. Revista de Política Pública, São Luís, Número Especial, pp. 41-47, julho de 2014, p. 42 382 Ibid., pp. 45-47. 383 SINGER, A. Brasil, junho de 2013: classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo, n. 97, pp. 23-40, novembro de 2013, pp. 24-9.

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antecessor, caiu imediatamente após junho de 2013, com o governo aparentemente perplexo

com a complexidade das demandas.384

O segundo momento significativo para a gênese da crise política de 2016 foram as

eleições de 2014. A campanha eleitoral, aponta o relatório da LASA, especialmente no segundo

turno, apresentou fortes indícios de conflitos raciais e de classe, e pessoas envolvidas nos

movimentos feminista e negro chamaram atenção para a retórica da campanha do candidato do

PSDB, Aécio Neves, cujo partido parecia cortejar apoio de pessoas hostis aos programas sociais

do PT, apesar de o candidato prometer preservá-los.385 A eleição foi ganha por Dilma, no

segundo turno, com aproximadamente 54,5 milhões de votos (51,64% dos votos válidos) contra

51 milhões (48,36%) de Aécio Neves.

Logo após a eleição, o PSDB tentou contestar o resultado de duas maneiras: primeiro,

no dia 30 de outubro, meros quatro dias após o segundo turno, pediu ao TSE que sua equipe

legal pudesse “auditar” os resultados da eleição, pedido que foi negado. Algumas semanas

depois, o partido derrotado entrou com uma ação no TSE pedindo a anulação das eleições

alegando “abuso de poder econômico” da chapa Dilma-Temer.386Assim como em 1955, quando

líderes Udenistas não tinham nenhuma ilusão de sucesso com a ação que propuseram contra

Juscelino e Jango, Aécio Neves em 2017 reconheceu que a ação no TSE tinha o propósito de

“encher o saco” da chapa vitoriosa387 (a ação foi julgada improcedente em 2017).

As eleições de 2014 foram também muito significativas para o poder legislativo federal.

O aumento de assentos do PSDB e do PRB e a redução do PT no congresso excedeu

expectativas da maior parte dos analistas. Em um artigo publicado em 2015, Fabiano Santos e

Júlio Canello previram que a fragmentação do Congresso e redução do número de deputados

na base aliada significaria que a presidente eleita teria dificuldades em atingir a maioria

qualificada dos votos para propor legislação que assim demandasse. Ademais, foi notável a

redução do número de representantes dos grandes partidos de esquerda, um ligeiro aumento dos

representantes de direita, e a fragmentação dos congressistas de centro, com representantes de

mais partidos de menor tamanho.

Esses partidos de centro foram descritos como predominantemente “clientelistas” ou

“fisiológicos”, por não demonstrarem consistência ideológica (de direita ou de esquerda), e têm

384 CHALHOUB, S. et al., op. cit., p. 10. 385 Ibid., pp. 10-1. 386 Ibid., pp. 12-3. 387 “Ação no TSE era para ‘encher o saco’ do PT, disse Aécio a Joesley”, op. cit., nota 90.

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seu sucesso atrelado ao grau de acesso a recursos públicos.388 Esses partidos, mais o PMDB—

historicamente governista e centrista—compõem o “centro flexível” do Congresso.389 Segundo

os autores, em seu segundo mandato, Dilma, para garantir governabilidade, teria que negociar

com esse centro flexível para obter uma base parlamentar minimamente efetiva e politicamente

sustentável usando as ferramentas disponíveis390 (um eufemismo para “liberação de verbas e

cargos”). Se o maior partido da coalizão governista—o PMDB—debandasse, a maioria

parlamentar seria comprometida.

Não bastasse a nova composição do Congresso, a relação de Dilma com a sua aliança

política já era delicada desde o primeiro governo. No início de seu mandato, já demitira

ministros envolvidos em esquemas de corrupção,391 e se mostrou reticente para se engajar no

toma-lá-dá-cá típico do regime presidencialista de coalizão no Brasil. O relatório da LASA

aponta que o estilo pessoal de Dilma para lidar com o Congresso era ineficaz para manter a

base aliada, e em entrevista à comissão, a presidente expressou que não estava disposta a se

engajar em certas práticas, mesmo que essenciais para a manutenção da base aliada. O

presidente Lula, em entrevista à mesma comissão, disse que “Dilma não gostava de políticos”.

A presidente deposta também foi descrita como “difícil de negociar”, com uma “personalidade

explosiva” e propensa a interferir e controlar de perto os atos de seus subordinados.392

O estilo pessoal de Dilma no trato com o Congresso era particularmente contrastante

com o do presidente Lula. Este convidava políticos poderosos e seus cônjuges para grandes

jantares no Palácio da Alvorada, ou para assistir a filmes, com uma disposição maior de abrir

sua vida pessoal à política e cortejar o apoio político que necessitava por meio do charme

pessoal. Dilma, no entanto, mantinha-se predominantemente isolada de outros políticos,

recorrendo até ao então vice-presidente, Michel Temer, para negociar com sua coalizão no

Congresso. Dilma “[n]ão recebia deputados e senadores, até mesmo do seu partido. O governo

foi perdendo votações e sua capacidade de pautar agendas”.393

A presidente tinha, então, dois problemas: o de trato com políticos, e o de ser uma

mulher.394 A comissão da LASA aponta que todo o processo de impeachment foi permeado

388 Os autores incluíram nessa categoria: PROS, PRB, PR, PSD, SD, PP, PTB, PSC, PEN, PTC, PMN, PSL, PRP, PHS, PT do B, PTN, PRTB, e o PSDC. 389 SANTOS, F. CANELLO, J. Brazilian Congress, 2014 elections and governability challenges. Brazilian Political Science Review, 2015, vol. 9, n. 1, pp. 115-134, disponível em <http://bit.ly/2wPPvEn>, acesso 2 de agosto de 2017, passim. 390 Ibid., p. 129. 391 PINTO, E. C. Dilma: de “coração valente” a “presidenta acuada”. Artigo de opinião, 16 de agosto de 2015, disponível em <http://bit.ly/2uD9Dch>, acesso 3 de agosto de 2017. 392 CHALHOUB, S., op. cit., pp. 53-6. 393 PINTO, op. cit., p. 5. 394 CHALHOUB, S., op. cit., pp. 56-60.

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pela misoginia dirigida à figura da mandante, que era rotineiramente criticada e achincalhada

por comportamentos que teriam sido considerados normais por parte de um homem. A mídia

retratava a presidenta como “impaciente” ou “histérica”, e chegou a dizer que precisava de um

namorado para a acalmar. Durante a crise política, também se sugeriu que deveria ser uma “boa

moça” e renunciar ao cargo395—afinal, a uma mulher cabe apenas ser “recatada e do lar”,396

coisas que Dilma não é.

A mídia brasileira, por sinal, é tradicionalmente enviesada em sua cobertura. Dominada

por poucos conglomerados abrangentes, é predominantemente conservadora e as filiais locais

são controladas por políticos ou aliados próximos, que mobilizam o aparato midiático para fins

de interesse pessoal. Não é coincidência o famoso documentário acerca da Rede Globo ser

chamado Beyond Citizen Kane,397 referenciando o filme de Orson Welles.

Em 1989, a rede de televisão editou o último debate entre os candidatos à presidência

Lula e Collor com o objetivo de que “ficasse claro que Collor tinha sido o vencedor do debate”,

um “episódio [que] provocou um inequívoco dano à imagem da TV Globo”.398 As Organizações

Globo também divulgaram ao público, quase cinquenta anos depois do fato, que o apoio

editorial ao Golpe militar de 1964 fora “um erro”.399

Já em primeiro de janeiro de 2015, data de posse do segundo mandato da presidente

Dilma Rousseff, o jornal O Globo publicava um editorial intitulado “Margem de erro para

Dilma ficou estreita”400. A Folha de São Paulo, por sua vez, em editorial de 2 de abril de 2016

afirmava que A presidente Dilma Rousseff (PT) perdeu as condições de governar o país... Depois de seu partido protagonizar os maiores escândalos de corrupção de que se tem notícia; depois de se reeleger à custa de clamoroso estelionato eleitoral; depois de seu governo provocar a pior recessão da história, Dilma colhe o que merece401

O que se vê no trecho transcrito é uma série de opções linguísticas deliberadas. Não é

por coincidência que, num editorial, e não em uma coluna de opinião (naturalmente menos

amarrada às arestas da formalidade), decide-se descrever um escândalo de corrupção como um

395 Ibid., p. 57. 396 LINHARES, J. Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. Veja, 18 de abril de 2016, disponível em <http://abr.ai/2a648bo>, acesso 3 de agosto de 2017. 397 BEYOND Citizen Kane. Direção e roteiro de Simon Hartog. Produção de John Ellis. Reino Unido, 1993, 1h45min, disponível em < http://bit.ly/2gcE729 >, acesso em 12 de agosto de 2017. 398 DEBATE COLLOR X LULA, página oficial do grupo Globo, disponível em < https://glo.bo/1COxouf >, acesso em 8 de agosto de 2017. 399 “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”, O Globo. Disponível em < https://glo.bo/WinbII>, acesso em 10 de agosto de 2017. 400 “Margem de erro para Dilma ficou estreita”, O Globo, 1 de janeiro de 2015, disponível em <https://glo.bo/2vecoF5>, acesso 10 de agosto de 2017. 401 “Nem Dilma nem Temer”, Folha de São Paulo, 2 de abril de 2016, disponível em < http://bit.ly/1RwaFya >, acesso em 11 de outubro de 2017.

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dos “maiores de que se tem notícia”, caracterizar a eleição como “estelionato eleitoral”, “a pior

recessão da história”, etc.

No dia anterior, a IstoÉ publicava uma matéria de capa sobre a perda do “equilíbrio e as

condições emocionais para conduzir o país” da chefe do executivo, que “se entope de

calmantes”, “dominada por sucessivas explosões nervosas, quando, além de destempero, exibe

total desconexão com a realidade do País”,402 que foi duramente criticada por ser no mínimo

abertamente misógina. Por falar em misoginia, em agosto de 2016 a revista Época publicou em

seu site a matéria “Dilma e o Sexo”, que continha frases tais quais “Não a conheço

pessoalmente, nem sei de ninguém que a viu nua”; “[Dilma] sente falta de alguém para

preencher a solidão que o poder provoca em noites insones?”.403

Apenas as questões de misoginia e de trato político não seriam suficientes para derrubar

a presidente, afinal, em seu primeiro mandato, já era mulher e seu estilo pessoal era o mesmo.

A queda da presidente teve a contribuição de três fatores adicionais, além dos já mencionados

(fragmentação no Congresso, misoginia, e relação ruim com políticos): desempenho econômico

insatisfatório, desmobilização dos setores sociais aliados—junto com a agitação dos setores de

oposição—, e a operação lava-jato.

Os primeiros dois desses fatores, relacionados ao desempenho econômico e à

desmobilização de setores aliados, estão interligados em sua causa. Reeleita, em 2014, com um

discurso político que se direcionava aos setores pobres e para os movimentos sindicais, sociais

e populares,404 a presidente, até antes de oficialmente iniciado o segundo mandato, já dava

sinais de uma guinada ao centro, com a nomeação de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda,

um economista que agradava “ao mercado” e considerado próximo inclusive do PSDB e de

Armínio Fraga, cotado para ser o eventual ministro da fazenda do candidato derrotado.405

O compromisso com o ajuste fiscal, representado pela figura de Levy, teve duas

consequências significativas para o governo Dilma. Em primeiro lugar, alienou grande parte da

base eleitoral da presidente reeleita, por ter sido uma guinada em direção oposta ao que se

prometera no período eleitoral. Guilherme Boulos, um destacado militante de esquerda, sugeriu

à presidente convidar Bolsonaro e Reinaldo Azevedo para compor o ministério, pois se

402 BERGAMASCO, D; PARDELLAS, S, Uma Presidente Fora de Si, disponível em< http://bit.ly/2wbS9VS>, acesso em 13 de agosto de 2017 403 VIEIRA, J. L.; “Dilma e o Sexo”, A matéria foi retirada do ar pela edição de Época, mas ainda pode ser vista em <http://naofo.de/6quf>, acesso em 15 de outubro de 2016. 404 PINTO, op. cit., p. 6. 405 MAGALHÃES, V. et al. “Dilma convida Joaquim Levy para assumir o Ministério da Fazenda”, Folha de São Paulo, 21 de novembro de 2014, disponível em <http://bit.ly/1tazEY0>, acesso 3 de agosto de 2017.

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alinhariam aos já-convidados Joaquim Levy e Kátia Abreu406 (que acabou sendo uma das mais

firmes defensoras de Dilma dentro do PMDB). Levy e Kátia Abreu foram inclusive alvo de um

manifesto de intelectuais e ativistas de esquerda, que os apontavam como uma “regressão da

agenda vitoriosa nas urnas”.407 A segunda consequência da nomeação de Levy foi econômica:

a ideia de que medidas de austeridade são eficazes para combater crises econômicas é uma

inverdade de primeira ordem, com consequências graves para qualquer país que segue esse tipo

de agenda—mas essa é uma discussão que foge ao escopo desse trabalho.408

A verdade é que, fosse ou não o programa de austeridade a melhor solução para a crise

econômica à época, a performance econômica do país desde 2014 foi, de modo geral, fraca.409

Essa queda de performance econômica teve dois efeitos sobre a presidente. Os segmentos

dominantes, afetados pela queda de lucratividade, se tornaram hostis à presidente. A classe

média tradicional, afetada pela redução do seu poder de consumo,410 e já com alguma

experiência de mobilização de rua proporcionada pelos eventos em junho de 2013, se pôs a

demonstrações contra o governo, exacerbadas pelo furor gerado pelas denúncias de corrupção.

A corrupção, como visto, tradicionalmente mobiliza a classe média contra o partido no

governo—esse fenômeno foi visto na crise de Vargas, na crise de 1955, no impeachment de

Collor. Todavia, a mera denúncia de corrupção não derruba o governo, considerando a

existência do mensalão (que sequer impediu a reeleição de Lula), os escândalos do governo

FHC, etc. O que condenou a presidente Dilma Rousseff, contra quem até o momento da escrita

desse trabalho não se encontraram provas de enriquecimento pessoal, foi a falta de interesse em

impedir que membros do Congresso fossem carregados pela operação Lava-Jato.

A operação Lava-Jato, por bem ou por mal, representou um abalo cataclísmico à alta

casta política nacional. Não obstante seus problemas—o uso indiscriminado de delações

premiadas, o estilo pessoal midiático do juiz que a conduz e suas relações com a imprensa e

figuras do PSDB, a falta de qualidade técnica dos procuradores, etc.—a operação atingiu, de

início, membros do PT. A operação tanto era uma preocupação dos articuladores do

impeachment de Dilma Rousseff que Romero Jucá, homem de confiança de Temer, foi flagrado

em áudio com um correligionário dizendo que era necessário “estancar a sangria” causada pela

406BOULOS, G. “Sugestões para o Ministério de Dilma”, Folha de São Paulo, 27 de novembro de 2014, disponível em <http://bit.ly/1tw23XR>, acesso 3 de agosto de 2017. 407 KREKOVICS, F. “Intelectuais e ativistas lançam manifesto contra Levy e Kátia no governo Dilma”, O Globo, 26 de novembro de 2014, disponível em <https://glo.bo/2hWwcXh>, acesso 3 de agosto de 2017. 408 Para mais sobre o mito da austeridade, BLYTH, M. Austerity: the history of a dangerous idea. Oxford, Oxford University Press, 2013. 409 “Economia brasileira cresce 0,1% em 2014, pior resultado em 5 anos, diz IBGE”, Uol economia, 23 de maio de 2015, disponível em <http://bit.ly/2uCM4Eu>, acesso 5 de agosto de 2017 410 PINTO, op. cit., pp. 6-7.

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Lava-Jato (que iria atingir inclusive Aloysio Nunes, José Serra e Aécio Neves, caciques do

PSDB), e para tanto era necessário o impeachment da então presidente.411

Embora a Lava-Jato não tenha fornecido a substância do processo de impeachment “seu

progresso e tentativas para a descarrilhar são [...] centrais para o evento e clima político que

circunda o impeachment”.412 Após o impeachment, o relator da Lava-Jato no supremo, que

Romero Jucá criticara no mesmo áudio como “um cara fechado”, Teori Zavascki, morreu em

acidente aéreo, e o grupo de trabalho da Lava Jato na Polícia Federal foi “desmontado”, em um

ato interpretado pelos investigadores como tendo o objetivo de enfraquecer as investigações.413

Os efeitos da Lava Jato quanto ao processo de impeachment podem ser constatados nas

motivações e forma de atuação do deputado Eduardo Cunha. Um operador político de longa

data, Cunha iniciou sua carreira política no estado do Rio de Janeiro na década de 1980, tendo

sido inclusive acusado de participar da rede de captação ilegal de recursos no esquema PC

Farias.414 No início de 2015, derrotou o candidato petista à presidência da Câmara de

Deputados, cargo que exerceu até ser preso em 2016, notavelmente pouco tempo depois de

articular o impeachment da presidente.

Logo depois da eleição à presidência da Câmara, o deputado tomou ciência que seu

nome estaria na “lista do Janot”, de políticos que o PGR planejava investigar em conexão com

a Lava Jato. Na época, os partidos de peso não pareciam dispostos a embarcar em um processo

de impeachment, já que um relatório de Miguel Reale, Jr para o PSDB concluiu que não havia

base legal para tal ato. Todavia, o partido continuou tentando encontrar algo que pudesse

justificar um eventual impeachment—até que eventualmente aterrissou nas práticas

orçamentárias supostamente inconstitucionais.415 Em meados de julho de 2015, noticiou-se que

um dos envolvidos no esquema de corrupção na Petrobrás disse que Cunha demandara propinas

no montante de pelo menos 5 milhões de dólares.416 e 417

No dia seguinte, Cunha anunciou sua ruptura pessoal com o governo, o qual acusou de

conspirar com o PGR para fabricar acusações contra ele. Também fez várias ameaças ao

governo, entre elas a abertura de CPI sobre temas que desagradariam ao Planalto, e reanimou

411 VALENTE, R., op. cit., vide nota 176. 412 CHALHOUB, S., op. cit., p. 12. 413 BRANDT, R., et al. Fim de grupo de trabalho da Lava Jato na PF é visto como ‘desmonte’. O Estado de São Paulo, 7 de julho de 2017, disponível em <http://bit.ly/2w7h52K>, acesso 5 de agosto de 2017. 414 A trajetória de Eduardo Cunha, da Telerj à presidência da Câmara e à cassação. O Globo, 14 de setembro de 2016, disponível em <https://glo.bo/2uIt43g>, acesso 6 de agosto de 2017. 415 CHALHOUB, S., op cit., p. 16. 416 Ibid. 417 Cunha disse que era merecedor de US$ 5 milhões, afirma delator. O Estado de São Paulo, 16 de julho de 2015, disponível em <http://bit.ly/2uDLxBX>, acesso 6 de agosto de 2017.

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uma petição de impeachment que recebera dos organizadores do “Movimento Brasil Livre”418

(um movimento cujo propósito parece ser dirigir a massa de manobra da classe média

acriticamente antipetista). A guerra de atrito de Cunha com o governo continuou ao longo do

ano, enquanto ele usava seu peso político para propor as “pautas-bomba”, cuja função era

sabotar a agenda legislativa do governo e comprometer o ajuste fiscal. Alguns entrevistados

pela comissão da LASA usaram o termo “chantagem” para descrever o comportamento de

Cunha, implicando que ele dera a entender que promoveria o impeachment mais ativamente

dependendo do que o governo oferecesse em troca. Em sua entrevista, Dilma Rousseff disse

que muitos de seus problemas decorreram de sua recusa a negociar com Cunha nos termos que

ele propunha.419

O momento decisivo para o aceite do processo pelo presidente da Câmara foi quando,

no processo por quebra de decoro parlamentar por Eduardo Cunha, no Conselho de Ética, os

representantes do Partido dos Trabalhadores decidiram que iriam votar contra o então deputado.

O jurista Miguel Reale, Jr., filho do integralista de mesmo nome e um dos autores da petição

pelo impeachment da presidente, reconheceu que “não foi coincidência o fato de Cunha ter

decidido acolher o impeachment no momento em que os deputados dos PT se manifestaram

favoráveis a [sic] sua cassação. Havia uma chantagem explícita”.420

A petição aceitada por Cunha, assinada por Hélio Bicudo e Janaína Paschoal, é uma

peça sensacionalista e dramática, alardeando que o país passa por uma crise “política e,

sobretudo, MORAL” [maiúsculas do original], e que as teses da denunciada eram

“estapafúrdias”.421 Estas e várias outras passagens denotam que a petição, como é de se esperar

em um processo no qual—como visto—pouco importa se há crime de responsabilidade ou não,

tem um tom principalmente inflamatório, moralizador, e nacionalista, designado para atiçar os

ânimos dos opositores do governo. A escolha de tom e vocabulário da petição poderia ser, em

si, um objeto de estudo.422

O linguajar agressivo dos opositores da presidente teve respaldo das ruas: manifestações

com volume considerável, que apoiavam o impeachment, foram observadas. O público

manifestante contra Dilma era bem diverso das manifestações—menores—de apoio à

418 CHALHOUB, S. op. cit., p. 16. 419 Ibid., pp. 19-22. 420 VENCESLAU, P. “'Cunha não fez mais do que a obrigação', diz Bicudo sobre acolhimento de pedido de impeachment”, O Estado de São Paulo, 2 de dezembro de 2015, disponível em <http://bit.ly/2g4pyxJ>, acesso 20 de agosto de 2017. 421 BICUDO, H. PASCHOAL, J. Denúncia em face da Presidente Dilma Rousseff. 31 de agosto de 2015, disponível em <http://bit.ly/1OnFBj7>, acesso 10 de agosto de 2017, passim. 422 Recomendo o twitter de Janaína Paschoal, comparável em tom à petição apresentada. Disponível em <https://twitter.com/JanainaDoBrasil>.

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presidente: era em sua maioria com grande grau de escolaridade, classe alta, empresários e

profissionais liberais.423 Os manifestantes levantavam bandeiras defendendo a operação Lava

Jato e o juiz federal que a conduz, em Curitiba, e as manifestações tiveram apoio de entidades

empresariais tais como a FIESP, e entidades de classe como a Associação Médica Brasileira.424

A maior parte das análises sobre o impeachment de Dilma Rousseff embarcaria, a essa

altura, em uma análise sobre as supostas pedaladas fiscais—se existiram, se não existiram, e se

configuraram ou não crime de responsabilidade. Em consonância com minha posição sobre

crimes de responsabilidade até aqui, digo sobre as pedaladas apenas o seguinte: não importa se

existiram ou não. Os crimes de responsabilidade servem como pretexto para a remoção pelo

Congresso de um chefe do executivo que não interessa ao legislativo sustentar. É muito

provável que, se Dilma Rousseff não fosse removida pelas “pedaladas fiscais”, com a

conjuntura política que se montou, teria sido removida alegando-se algum outro pretexto.

O processo do impeachment da presidente Dilma correu dentro dos moldes já discutidos

nesse trabalho, inclusive na mudança procedimental, decidida pelo STF para adequar o

procedimento à nova Constituição e ao processo de Collor, na qual a Câmara apenas autoriza a

abertura do processo, mas a decisão de efetivamente iniciá-lo cabe ao Senado em votação por

maioria simples de votos. Fora isso, do ponto de vista procedimental, o único evento digno de

nota para o impeachment de Dilma Rousseff foi o fatiamento da votação no Senado: Dilma foi

removida do cargo, mas não teve seus direitos políticos cassados por 8 anos. Apesar de ter sido

considerado polêmico, esse procedimento se harmoniza com o impeachment de Fernando

Collor, no qual as duas sanções aplicáveis (perda do cargo e inabilitação por 8 anos) foram

consideradas independentes uma da outra. Mesmo que não fossem, seria improvável que o

Supremo Tribunal Federal se voltasse contra a maioria do Congresso nesse ponto.

Uma coisa que foi, sim, particularmente interessante, no entanto, foi a votação para

autorizar a abertura do processo na Câmara de Deputados. Durante a votação, deputados

subiram à tribuna para declarar seus votos com discursos que dificilmente apresentavam

relevância para o crime de responsabilidade que se imputava à presidente, com uma pletora de

referências a Deus e à pátria—e poucas menções às pedaladas fiscais. Jair Bolsonaro dedicou

seu voto ao torturador da presidente durante a ditadura militar. Uma deputada fez um agressivo

discurso contra a corrupção e elogiou a conduta de seu marido, um prefeito que poucas horas

423 “Perfil ‘coxinha’ domina manifestações anti-Dilma em São Paulo”, Folha de São Paulo, 2 de abril de 2016, disponível em <http://bit.ly/2382YC9>, acesso 12 de agosto de 2017. 424 “O que houve de diferente nesta manifestação contra Dilma, Lula e o PT”, Nexo Jornal, 13 de março de 2016, disponível em <http://bit.ly/2wO6tpM>, acesso 14 de agosto de 2017.

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depois foi preso, acusado de corrupção. O espetáculo não passou batido pela imprensa

internacional: o periódico alemão Der Spiegel, por exemplo, descreveu o evento como

“Aufstand der Scheinheiligen”, a insurreição dos hipócritas.425 No dia 30 de agosto, o Senado

aprovou o impeachment da presidente por 60 votos a 21.

Conhecendo os casos anteriores, estudados nesse capítulo, o impeachment da presidente

Dilma parece ser mais do mesmo, a continuação de um aparentemente tradicional descaso pelo

processo democrático. Presentes estiveram elementos que foram responsáveis—de alguma

forma e em graus diversos—por derrubar governos anteriormente. Dilma sofreu por suas

relações pobres com o Congresso, por seu desinteresse em frear investigações de corrupção,

por uma oposição inata e permanente de parte da classe média ao seu programa de governo—e

sofreu a decepção vinda da esquerda quando guinou ao centro, com Levy—entre outros, além

de uma gama de explicações e fatores que são explorados em textos de outros autores.

O mais notável de tudo, quiçá, é o fato de o impeachment de Dilma ser mais um caso

claro de abuso, puro e simples, do instituto. Discutir se a presidente cometeu crime de

responsabilidade, ou não, com as “pedaladas fiscais”, contorna a discussão mais importante: o

impeachment é um instituto maleável, que pode ser manipulado e abusado por qualquer

Congresso que deseje fazê-lo, para remover um chefe de executivo que não convém, aos

legisladores, sustentar. E é uma remoção incontestável. Ou seja, em sua essência, o

impeachment mantém o executivo permanentemente refém do legislativo.

425 CHALHOUB, S. op. cit., p. 27.

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EPÍLOGO

Impeachment é um assunto na moda—além do evento óbvio, o impeachment de Dilma

Rousseff em 2016, após a última eleição o assunto também fervilha nos EUA, e alguns livros

por doutrinadores estadunidenses foram publicados após a conclusão da pesquisa para este

trabalho de conclusão de curso. Neste eu analisei, no primeiro capítulo, as previsões

constitucionais para o poder de impeachment nos EUA, conforme estabelecidas na constituição,

na assembleia constituinte, nas assembleias ratificadoras e pelos estudiosos do direito desde

então. Os aspectos mais interessantes da discussão foram a respeito do que consiste um high

crime and misdemeanor, e a ausência de revisão judicial do impeachment. Embora

constitucionalistas estadunidenses discutam extensivamente no que consiste uma ofensa que

pode gerar impeachment, e proponham limites para seu escopo, dada a conjuntura política é

facultada ao Congresso uma enorme liberdade para promover o impeachment presidencial.

Além disso, a autoridade congressual para promover o impeachment, como confirmado pela

Suprema Corte em Nixon v. United States, não é sujeita a controle judicial de mérito. Destarte,

as restrições estadunidenses ao impeachment são mais semânticas e retóricas do que materiais.

Ou seja, o impeachment americano fornece ao Congresso enorme liberdade. O fato de esse

problema ser tão extensamente discutido implica no reconhecimento de que as regras de

aplicação do instituto são bastante problemáticas. .

O impeachment à brasileira, tema do segundo capítulo, seria, à primeira vista, mais

restritivo do que o estadunidense. Os crimes de responsabilidade, que remontam aos dias do

Império, estão previstos em lei específica e nas constituições republicanas, desde a primeira. O

procedimento contemporâneo se assemelha ao estadunidense—a Câmara aprova a abertura do

processo, que é julgado pelo Senado, que condena ou inocenta a autoridade acusada. Todavia,

a instituição brasileira apresenta ambos os problemas apresentados na dos EUA: os crimes de

responsabilidade podem ser utilizados para imputar uma extraordinária variedade de atividades

administrativas como passível de gerar impeachment, e a soberania legislativa (não sujeita ao

escrutínio de outro poder, ou do povo) significa que presidentes são reféns eternos do

Congresso. Assim, um instituto que deveria salvaguardar as instituições democráticas,

permitindo remover, por exemplo, um presidente que se revele um déspota, converte-se em

fonte de instabilidade republicana, subversão dos valores democráticos e do processo

eleitoral—como o legislativo brasileiro se mostra disposto a fazer.

Os impeachments que foram executados, com ou sem sucesso, na história brasileira

tiveram fatores em comum, como se verificou no último capítulo. Notável, em todos os

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impeachments, é a relação entre o chefe do executivo e o legislativo, com a mídia nativa, e o

apoio popular para a remoção. Esses três elementos foram de particular influência em Collor e

Dilma: suas relações com o Congresso não eram boas, devido a coalizões governamentais

frágeis, que se romperam e abandonaram o governo, a hostilidade da imprensa (desde o

primeiro instante, no caso de Dilma), e demonstrações de massa que apoiaram seus

impeachments—embora com perfis diferentes em cada um dos casos.

No caso de Vargas, o fato de não ter caído no processo de impeachment em 1954 parece,

à primeira vista, surpreendente, uma vez que sofria ataques constantes da imprensa e era alvo

de hostilidades de largos setores da sociedade. O que aparenta ter poupado Getúlio do

impeachment foi sua influência política no Congresso, onde sua base aliada permaneceu fiel ao

presidente mesmo quando sua situação parecia precária. É certo, todavia, que comparar Getúlio

Vargas com Dilma Rousseff e Fernando Collor não é uma tarefa simples, uma vez que os

poderes políticos do ex-ditador, seu prestígio pessoal e influência popular são historicamente

inigualáveis na história republicana brasileira (exceto, quiçá, por Lula, mas ainda é cedo para

dizer ao certo). Ademais, os anos cinquenta eram tempos de instabilidade e incerteza

institucional, e o ultimato do exército após o atentado sobre a vida de Lacerda derrubou Vargas

mesmo assim—ou seja, apesar de ter resistido ao impeachment, Getúlio não sobreviveu aos

outros dois elementos combinados com um terceiro, comum à época: a disposição das forças

armadas para intervir ativamente nos rumos políticos do país e derrubar governos.

Os impeachments de Collor e Dilma foram muito influenciados pelos estilos dos

mandantes para lidar com o Congresso, com a base aliada, com a mídia, e com o clima político

volátil. Essas questões não podem ser analisadas, em todas as suas dimensões, exclusivamente

pelo campo das ciências jurídicas, exigindo um instrumental mais amplo e complexo—tanto

que o terceiro capítulo deste trabalho extrapola a moldura do direito constitucional (ou do

direito em si) e adentra outros campos do conhecimento.

A discussão de um instituto como o impeachment, e do seu potencial (realizado) para

abuso não pode ser alheia a uma tomada de posição política. É patente, para mim, a necessidade

de o país confrontar o fato de que a instabilidade política parece inerente, e que apesar de

ocasionais períodos de calmaria, manifesta-se principalmente quando governos se aventuram a

expandir os direitos sociais das classes baixas, e confrontar o monopólio das elites sobre os

recursos do Estado e da economia (como ocorreu em Vargas, Goulart e Rousseff), quando a

reação conservadora é agressiva. A volatilidade do regime democrático não é adequadamente

explicada pelo exame das relações entre os poderes da república (embora essa análise seja

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importante), e deve incluir os motivos da mobilização popular, relações de classe e de poder, a

influência da mídia nativa...

As tentativas de mudança são contidas por uma reação em nome da continuidade, de

forma que desigualdades socioeconômicas, em linhas gerais, se perpetuem. Embora essas

ocorrências sejam permitidas pelas instituições nacionais, a resposta aos abusos não está em

instituições “melhores”, já que não existem instituições perfeitas, que consigam coibir qualquer

ação abusiva. A receita atual para perpetuar o status quo se diferencia das anteriores em um

ponto notável: agora, ao invés de clamar aos militares, as classes média e alta recorrem a um

judiciário hiperativo e mais disposto a intervir na política.

Outro aspecto que demanda mais indagações é a explicação encontrada na literatura

para as manifestações populares apáticas em defesa de Getúlio e Dilma. A hipótese de que as

classes baixas e o eleitorado varguista e petista são “passivos” parece uma explicação

demasiado simplista, que deve ser explorada levando em conta fatores adicionais—tais como a

manipulação persistente por parte da mídia brasileira, a relação dos partidos com sindicatos e

categorias de base, entre outros.

A instabilidade política recente não é exclusividade brasileira, considerando que a

emergência de regimes democráticos na América Latina não trouxe consigo um aumento na

estabilidade política da região. Apesar do declínio do número de intervenções militares, a

probabilidade de um presidente ser removido permanece aproximadamente igual desde a onda

democratizante iniciada em 1978. Tampouco houve uma redução na quantidade de conflitos

entre legislativo e executivo desde então.426 Esses conflitos, chamados pela ciência política

estadunidense de “crises presidenciais”, caracterizam-se por situações em que um dos poderes

do governo ameaça dissolver o outro para alterar sua composição — o que inclui cenários em

que o presidente tenta dissolver o congresso ou o congresso abre o processo de impeachment

contra o presidente. Apesar de normais em sistemas de governo parlamentaristas, esses conflitos

sinalizam algo muito mais grave em sistemas presidenciais por ameaçarem a estabilidade do

regime.427 e 428 Desde a década de 1990, presidentes latino-americanos foram removidos em:

Argentina, Bolívia, Brasil (duas vezes), Equador, Guatemala, Honduras, Paraguai (duas vezes),

Peru, e Venezuela,429 várias dessas vezes por processos formalmente legais segundo o direito

interno de cada país.

426 Perez-Liñán, op. cit., p. 63. 427 Ibid. pp. 44-5. 428 CHALHOUB, L. K. op cit. 429 Ibid.

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***

Não é tarefa fácil enxergar maneiras de tornar o impeachment um instituto menos

passível de abuso. Acabar de vez com o instituto—sem um substituto adequado—não seria

solução aceitável, considerando que a preocupação com abusos do chefe do poder executivo é

justificada. No cenário brasileiro, com forças políticas fragmentadas representadas no

Congresso, com a preponderância de partidos amorfos interessados em perpetuar-se no poder,

parece necessário remover do poder legislativo a autoridade para promover o impeachment—

ou, ao menos, remover do legislativo a autoridade para tomar a decisão final. Mas, removido o

poder de impeachment do legislativo, este deve ser exercido por outrem.

O judiciário brasileiro, principalmente após 2016, não se revela à altura da tarefa,

cedendo mansamente às vontades de um Congresso belicoso. Além disso, permitir que o

judiciário tome a decisão final sobre o impeachment levanta novamente as preocupações dos

constituintes estadunidenses, de que alguns dos juízes foram apontados pela autoridade sendo

julgada e que um corpo tão pequeno de pessoas pode ser facilmente corrompido.

Deixar de lado os poderes instituídos e facilitar ao povo (do qual todo poder emana)

remover o chefe do executivo (o “recall” presidencial)430 também traz problemas, a não ser que

com uma moldura institucional extremamente restritiva—por exemplo, devendo ser iniciado no

Congresso, votado com maioria absoluta de votos em dois turnos em cada casa, e depois

submetido a referendo popular com maioria de dois terços dos votos totais (não apenas válidos).

A questão é que a remoção do presidente da república deve ser impedida de ser exercida de

forma leviana, partindo de um poder legislativo irresponsável.

Não bastasse o poder soberano do Congresso, a própria terminologia dada aos crimes

de responsabilidade é problemática. O “crime” de responsabilidade do presidente, apesar de

não ter, necessariamente, natureza criminal, sugere uma suposta conduta criminosa do chefe do

executivo que presume sua culpa e o condena nos olhos da população antes sequer de ser

julgado pelo Senado. Destarte, o executivo perde a guerra semântica do impeachment desde o

primeiro momento, mas não é do interesse do legislativo reformar uma terminologia que garante

que uma vez aberto o processo de impeachment, o afastamento é justificado perante os olhos

da população—pois o presidente afastado cometeu um “crime”, portanto é criminoso ou

corrupto—, ou limitar, de forma coerente, os “crimes de responsabilidade” que, atualmente,

configuram uma carta branca para a remoção do chefe do executivo.

430 BONFIM, I; FARIA, T. Comissão do Senado aprova 'recall' para mandato de presidente. Estado de S. Paulo, 21 de junho de 2017, disponível em <http://bit.ly/2gIEizF>, acesso 1 de outubro de 2017.

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O cenário que o Brasil vive, em 2017, faz ecos aos idos e vindos da década de 1950,

pois, novamente, trata-se de um contexto de aguda incerteza institucional. Em ambos os

períodos, os resultados das eleições são contestáveis quando não agradam a determinados

grupos. Não há certeza se eleições presidenciais irão efetivamente ocorrer em 2018 e, caso

ocorram, se serão competitivas e abertas aos candidatos—afinal, impedir a candidatura do

candidato que lidera a maioria dos cenários de pesquisa eleitoral pode ser considerada uma

forma de sabotar o pleito. Também é digna de nota a ressurgência da proposta do

parlamentarismo, bandeira histórica da direita brasileira, que a levanta quando se vê sob o

perigo de continuar a perder eleições.431

Esse trabalho não tem pretensões de dar respostas definitivas à questão do

impeachment—e nem deve—, mas quiçá se insere em uma produção intelectual pós-

impeachment de 2016 que aponta o instituto como um fator com grande potencial

desestabilizador para a democracia brasileira. As características do instituto, em especial a

natureza dos crimes de responsabilidade, extensamente discutidos aqui, e a soberania

legislativa, significam que este pode ser abusado pelo Congresso com relativa facilidade. Não

bastasse isso, a análise histórica (que tampouco esgota tudo que há para ser dito sobre qualquer

um dos casos abordados) deixa claro que o Congresso não só pode abusar do impeachment,

mas o fez na história republicana brasileira. Diz-se que o primeiro passo para solucionar um

problema é reconhecer que ele existe—e eu espero que este trabalho tenha contribuído para

isso.

431 Em 2017, um PSDB que perdeu quatro eleições presidenciais consecutivas, e com nenhum candidato entre os primeiros colocados nas intenções de voto para as eleições presidenciais de 2018, defende abertamente o parlamentarismo em horário eleitoral, vide: VENCESLAU, P. Em programa de TV, PSDB defende parlamentarismo e reconhece fisiologismo. O Estado de S. Paulo, 17 de agosto de 2017, disponível em <http://bit.ly/2x8pkJ6>, acesso 2 de outubro de 2017.

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BIBLIOGRAFIA

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