um ensaio teórico sobre a corrupção e o ambiente contábil

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1 www.congressousp.fipecafi.org Um Ensaio Teórico sobre a Corrupção e o Ambiente Contábil REINER ALVES BOTINHA Universidade Federal de Uberlândia SIRLEI LEMES Universidade Federal de Uberlândia Resumo A corrupção, tida como o abuso ou uso indevido de poder ou confiança para benefício próprio, em vez do propósito para o qual esse poder ou confiança foi concedido (Nichols & Dowden, 2018), tem acarretado problemas a muitos países e a Contabilidade tem sido apontada na literatura como um agente mitigador desse problema. De outro lado, outras pesquisas indicam a necessidade de se ter cautela ao se pautar pela mentalidade ortodoxa da contabilidade que a defende como um instrumento neutro e suficiente para mitigar os problemas de corrupção (Nascimento et al., 2018). Diante disso, o presente trabalho tem por objetivo aprofundar o nível de compreensão acerca da associação existente entre a Contabilidade e a corrupção dos países. O estudo consiste em um ensaio teórico baseado em uma pesquisa bibliográfica que expõe a temática corrupção e a contabilidade, levantando as diferentes definições, linhas de pesquisas, linhas de pensamento, teorias de sustentação, dualidades e conflitos existentes em torno do mainstream. A justificativa para o estudo está centrada na percepção de que existem estudos que se dedicaram a testar empiricamente a relação existente entre a corrupção e o ambiente contábil dos países, mas poucos foram os estudos que se dedicaram a refletir criticamente sobre o conhecimento produzido acerca dessa relação. Conclui-se que, de fato a contabilidade é destacada pela literatura e por organismos internacionais como um importante agente na luta anticorrupção e continuar adotando as IFRS, buscar o aprimoramento dos níveis de disclosure, da percepção da qualidade contábil, melhores práticas e desenvolvimento de relatórios de auditoria de qualidade, reduzir o grau de opacidade dos ganhos, podem possibilitar a redução da corrupção percebida do país, não deixando de considerar os fatores institucionais políticos, culturais e econômicos. Palavras chave: Corrupção, Contabilidade, Teoria Institucional.

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Um Ensaio Teórico sobre a Corrupção e o Ambiente Contábil
REINER ALVES BOTINHA
Resumo
A corrupção, tida como o abuso ou uso indevido de poder ou confiança para benefício
próprio, em vez do propósito para o qual esse poder ou confiança foi concedido (Nichols &
Dowden, 2018), tem acarretado problemas a muitos países e a Contabilidade tem sido
apontada na literatura como um agente mitigador desse problema. De outro lado, outras
pesquisas indicam a necessidade de se ter cautela ao se pautar pela mentalidade ortodoxa da
contabilidade que a defende como um instrumento neutro e suficiente para mitigar os
problemas de corrupção (Nascimento et al., 2018). Diante disso, o presente trabalho tem por
objetivo aprofundar o nível de compreensão acerca da associação existente entre a
Contabilidade e a corrupção dos países. O estudo consiste em um ensaio teórico baseado em
uma pesquisa bibliográfica que expõe a temática corrupção e a contabilidade, levantando as
diferentes definições, linhas de pesquisas, linhas de pensamento, teorias de sustentação,
dualidades e conflitos existentes em torno do mainstream. A justificativa para o estudo está
centrada na percepção de que existem estudos que se dedicaram a testar empiricamente a
relação existente entre a corrupção e o ambiente contábil dos países, mas poucos foram os
estudos que se dedicaram a refletir criticamente sobre o conhecimento produzido acerca dessa
relação. Conclui-se que, de fato a contabilidade é destacada pela literatura e por organismos
internacionais como um importante agente na luta anticorrupção e continuar adotando as
IFRS, buscar o aprimoramento dos níveis de disclosure, da percepção da qualidade contábil,
melhores práticas e desenvolvimento de relatórios de auditoria de qualidade, reduzir o grau de
opacidade dos ganhos, podem possibilitar a redução da corrupção percebida do país, não
deixando de considerar os fatores institucionais políticos, culturais e econômicos.
Palavras chave: Corrupção, Contabilidade, Teoria Institucional.
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1 INTRODUÇÃO
A corrupção, considerada um flagelo social, amarga o desenvolvimento econômico e
social dos países, por meio da qual são desviados volumes significativos de receitas públicas
que de outro modo proporcionariam às comunidade melhor infraestrutura e condições de vida
(Bosco, 2016; Neu, Everett, Rahaman, & Martinez, 2013). Estima-se que nenhum país é livre
de corrupção e que a maioria dos países enfrentam sérios problemas decorrentes dela,
tornando-se salutar identificar possíveis fatores que intervém nesse cenário, sobretudo, o
desenvolvimento de pesquisas que identifiquem o papel das mudanças nos ambientes dos
países e que reduzem o problema da corrupção (Transparency, 2016).
Associado a isso, estudos apontam que práticas contábeis, tais como atividades de
auditoria, possam assumir potencial papel de tornar visíveis atos corruptos, possibilitar
barreiras para reduzir tais atividades e tão logo configurarem importante função na luta
anticorrupção (Neu et al., 2013; Sargiacomo, Ianni, D’andreamatteo, & Servalli, 2015).
Assim, faz-se elementar o estudo do papel da Contabilidade na redução da corrupção que
prejudica o bom funcionamento das sociedades.
Existem estudos que discorrem que a Contabilidade auxilia na redução dos níveis de
corrupção dos países (Houqe & Monem, 2016; Malagueño, Albrecht, Ainge, & Stephens,
2010; dentre outros), assim como são encontrados outros estudos que discorrem que a
corrupção é que molda o ambiente contábil dos países (Kythreotis, 2015; Lourenço et al.,
2018; Nurunnabi, 2015; Rahman, 2016). Ainda existem aquelas que apontam que os atores da
corrupção podem, ao mesmo tempo, utilizar-se de estratégias com e em torno dos artefatos
contábeis, não com o intuito de barrar as práticas corruptivas, mas de criar bloqueios e
fragilidades à visibilidade das práticas anticorrupção (Neu et al., 2013; Sargiacomo et al.,
2015).
E as diferenças entre as linhas de pesquisas são fundamentadas não apenas por
resultados de testes empíricos. Existem linhas de pensamentos no campo anticorrupção que se
divergem, podendo-se citar a linha de pensamento ortodoxo e a linha de pensamento radical.
Existem debates fundamentados em um framework de perspectiva econômica e aqueles
fundamentados em framework de perspectiva institucional. Nascimento, Lourenço,
Sauerbronn e Bernardes (2018) por exemplo advertem que, deve-se ter cautela ao se pautar
pela mentalidade ortodoxa no tocante ao entendimento dessa linha de pensamento que
defende a contabilidade como um instrumento suficiente para reduzir a corrupção, posto que,
na visão dos autores, condições culturais e sociopolíticas antecedem e moderam o efeito
potencial da Contabilidade na redução da corrupção. Tendo em conta estas dualidades e
possíveis fatores interferentes considerados pela literatura, importa compreender melhor e
explorar as possibilidades que cercam o campo de pesquisa que associa a Contabilidade à
corrupção.
Desta forma, o objetivo deste ensaio consiste em aprofundar o nível de compreensão
acerca da associação existente entre a Contabilidade e a corrupção dos países. A justificativa
para o estudo está centrada na percepção de que existem estudos que se dedicaram a testar
empiricamente a relação existente entre a corrupção e o ambiente contábil dos países, mas
poucos foram os estudos que se dedicaram a refletir criticamente sobre todo o conhecimento
produzido acerca dessa relação.
Espera-se que a melhor compreensão da relação entre Contabilidade e corrupção possa
fomentar novas pesquisas sobre o tema que são pouco desenvolvidas no Brasil, bem como
estimular os profissionais de Contabilidade e empresas a empregarem as ferramentas
contábeis como um meio de reduzir as possibilidades de práticas de corrupção. A nível dos
formuladores de políticas públicas nacionais bem como órgãos reguladores nacionais, espera-
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se que o papel da Contabilidade seja apreciado sob novos prismas bem como reforçadas as
práticas contábeis que inviabilizem as práticas corruptivas, como por exemplo por meio da
cobrança de melhores práticas de disclosure, maior adesão às IFRS, melhores práticas de
auditoria, criar uma elevada percepção de qualidade da contabilidade, e requerer uma
normatização que seja considerada primordial à geração de uma maior accountability.
Para o deslinde da questão de pesquisa, o artigo apresenta, além da introdução: (i)
discussões teóricas acerca da definição do que é corrupção; (ii) análise dos principais
indicadores de medição da corrupção; (iii) discussões teóricas sobre como a Contabilidade se
insere na luta anticorrupção; (iv) a consideração dos pontos abordados e (iv) considerações
finais dos autores sobre o assunto discutido com recomendações para estudos e discussões
futuras.
2.1 O que é e quais são os agentes envolvidos?
Prefacialmente, torna-se importante destacar as principais definições e pontos de vista
acerca do que seja corrupção. Embora possa transparecer atenção a uma mera questão
semântica, a forma pela qual se define corrupção influencia diretamente na acepção do que se
deseja mensurar, e sobre quais dados os empiristas se deveriam debruçar. Isso posto, destaca-
se que existe uma lacuna conceitual sobre corrupção e pesquisadores, que historicamente,
levados por definições inadequadas, utilizaram medidas empíricas enviesadas e forneceram
recomendações políticas tendenciosas (Hodgson & Jiang, 2007).
A corrupção pressupõe uma categoria moral conhecida na ciência como putrefação,
descrevendo aspectos repugnantes que indicam declínio da virtude cívica e do espírito público
(Rose-Ackerman, 2006). Significa dizer que, retrata a transformação de algo que é funcional,
eficiente, bom, trabalhando em funcionamento inadequado, ineficiente ou de uma forma não
auspiciosa. É a maçã deliciosa a uma maçã que não parece ser tão deliciosa, ou seja, a maça
podre (como denominado pela literatura, por exemplo em Jancsics, 2014).
A corrupção refere-se a pagamentos a agentes (públicos e privados) para compeli-los a
desprezar os interesses de seus diretores e oportunizar os interesses privados dos subornadores
(Rose-Ackerman, 2006). Porém, quando se trata de “pagamentos”, importante é salientar que
a corrupção não envolve apenas troca de favores monetários, mas principalmente uma falta de
atenção ao interesse social e público e deste modo é que trata-se de uma questão moral. Na
corrupção, são negociadas ofertas entre indivíduos, empresas e funcionários públicos e estes
portam-se de forma corrupta quando as recompensas lhes são convenientes.
Baseado nesses argumentos, verifica-se que a corrupção envolve não apenas o setor
público, mas também o setor privado, embora seja deixado de lado (Hodgson & Jiang, 2007).
Importante ressaltar que, há de um lado o mercado que surge com a interação espontânea dos
indivíduos (que trocam produtos, serviços e etc) e de outro o estado (por meio das leis, regras,
sanções) que regulam essa relação visando garantir a eficiência e a lisura. Se as instituições
são, portanto, entrelaçadas, e se o Estado também tem o seu papel, pode-se dizer que a
corrupção é um fenômeno institucional que afeta tanto as esferas públicas quanto privadas
(Hodgson & Jiang, 2007).
Embora o comportamento corrupto possa ser definido de diferentes formas e sob
diferentes contextos e situações, o seu aspecto principal consiste na transferência ilegal ou não
autorizada de dinheiro (ou substituto em espécie), em que a pessoa subornada deve atuar
como um agente de outro indivíduo ou organização, já que a ideia do suborno é que o próprio
interesse desse agente prevaleça sobre os objetivos da organização na qual trabalha (Rose-
Ackerman, 1975). Assim, para ser considerada uma prática de corrupção, o subornado deve
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estar em posição de poder, gerada por imperfeições de mercado ou por posição institucional
que lhe permita autoridade discricionária (Rose-Ackerman, 1975)
Com base em estudos anteriores (Houqe & Monem, 2016; Neu et al, 2013), entende-se
corrupção como sendo o uso indevido ou abuso de poder discricionário exercido por
funcionários de cargo público para obter ganhos privados ou envolver-se em atividades de
maximização de lucros não autorizados, destinados ao interesse próprio. Tais definições se
concentram em situações em que o subornado é um funcionário público, e essa definição é
comum de ser encontrada em pesquisas sobre o tema.
Malagueño et al. (2010) consideram a definição de corrupção como sendo ampla o
suficiente para incluir corrupções políticas (em que funcionário público utiliza sua função
para ganhos privados) e corrupções econômicas (em que o funcionário da iniciativa privada
utiliza o poder econômico derivado da empresa para obter ganhos privados), sendo o abuso de
poder exercido por responsabilidade pública ou coletiva.
Em um sistema corrupto que funciona bem, no que tange à relação entre público e
privado, os serviços governamentais buscam licitações elevadas, ou seja, em que é atribuído
maior valor. Os subornadores pagam aos funcionários por isenções de regras dispendiosas que
dificultam o desenvolvimento do mercado privado. Todavia, há que se destacar que,
pagamentos corruptos, não aumentam a eficiência e, sob uma visão sistêmica, os funcionários
corruptos findam por redesenhar os sistemas públicos com a finalidade de encorajar o suborno
que minam outros objetivos públicos (Rose-Ackerman, 2006).
Tecendo comentários acerca dessa temática, o World Bank (2016, p. 1) traz que a
corrupção é tida como uma prática que tenha como objetivo “[...] oferecer, dar, receber ou
solicitar, direta ou indiretamente, qualquer coisa de valor para influenciar indevidamente as
ações de outra parte”. O próprio World Bank (2016) ilustra o conceito com o exemplo de um
fornecedor que concorda em pagar propina a um funcionário do Governo para obter influência
na avaliação e seleção de um processo de licitação. Esse fornecedor, após ser aprovado no
processo, geralmente compensa os custos do financiamento da propina por meio do
fornecimento de produtos com insumos mais baratos e com menor qualidade. Por isso, na
visão de Everett, Neu e Rahaman (2007) a corrupção distorce os padrões de mérito, prejudica
o respeito à lei, resulta em maior investimento público e menor qualidade da infraestrutura.
Segundo Rose-Ackerman (2006, p. 17) [...] a corrupção ocorre quando a riqueza privada
e o poder público se sobrepõem”. Isso representa o uso ilícito da disposição de pagar como
critério de tomada de decisão, em que, em uma situação comum, um indivíduo particular ou
empresa faz um pagamento a um funcionário público em troca de um benefício. Os subornos
aumentam a riqueza privada dos funcionários e podem induzi-los a ter ações que vão contra o
interesse de seus diretores, que podem ser representados por superiores burocráticos (do setor
público), ministros politicamente nomeados ou múltiplos diretores, como o público em geral,
haja vista que, as ações dos funcionários públicos e do estado de maneira geral deveriam
objetivar atender às suas necessidades e não interesses pessoais.
Os pagamentos ilícitos podem, por vezes, fluir no sentido inverso: os que detêm ou
concorrem para cargos públicos fazem pagamentos em dinheiro a particulares, empresas ou
outros funcionários para obter benefícios para si próprios ou para os seus partidos políticos.
Em ambos os casos, as patologias na relação agente-principal estão no cerne da transação
corrupta (Rose-Ackerman, 2006), desse ponto é que se fundamentam pesquisas que utilizam a
perspectiva econômica, que será trata mais adiante.
Rose-Ackerman (2006) ressalta que os políticos de alto nível utilizam sua influência
para cobrar propinas de empresas privadas em todas essas áreas. Nesse sentido, os extremos
existentes são a cleptocracia por um lado e a captura do Estado por poderosos interesses
privados de outro, minando a legitimidade desse Estado e o funcionamento econômico.
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Segundo Hodgson e Jiang (2007), as esferas públicas e privadas estão entrelaçadas e
inseparáveis. Uma definição de corrupção que esclarece de forma sucinta a abrangência dos
agentes e os tipos de corrupção é a de Nichols e Dowden (2018, p. 2) que a define como “o
abuso ou uso indevido de poder ou confiança para benefício próprio, em vez do
propósito para o qual esse poder ou confiança foi concedido”. Baseado nas pesquisas de
Nichols (2017) e de Nichols e Dowden (2018), a Figura 1 indica a definição, características
gerais sobre sua composição e os tipos de corrupção.
Figura 1 – Definição da corrupção e os tipos de corrupção.
Fonte: figura elaborada pelos autores baseado no estudos de Nichols e Dowden (2018) e Nichols (2017).
Assim, entende-se ter esgotado o entendimento acerca do que consiste a corrupção e de
que ela abrange práticas envolvendo o setor público e o setor privado, compreendendo que
dificilmente ambos estarão dissociados. Por isso é que a literatura associam indicadores de
corrupção (muitas vezes extraídos por problemas identificados no ambiente público) com
indicadores de empresas, uma vez que se há corrupção no setor público, há sempre do outro
lado uma entidade de iniciativa privada envolvida. Esses indicadores de corrupção é que serão
tratados na seção seguinte, mostrando como é possível medir esse fenômeno generalizado
mundialmente.
2.2 Quanta corrupção existe? Como medir o fenômeno da corrupção?
Existem diferentes maneiras de se medir a corrupção: (i) o quão frequente é o abuso ou
o uso indevido de poder ou confiança (não o motivo pelo qual o poder ou a confiança foi
dado); (ii) o quanto esse usuário indevido ganhou com a prática de corrupção; e (iii) o quanto
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foi perdido com essa prática ilegal. O mais comum nas pesquisas sobre corrupção e
Contabilidade e as medidas mais precisas são as que medem a frequência da corrupção.
As definições anteriormente apresentadas concernem a práticas de corrupção real, mas a
corrupção pode ser captada sob duas formas, distintas de serem mensuradas porém
relacionadas entre si: (i) a corrupção real e (ii) a corrupção percebida, que se refere à
percepção geral de uma sociedade. É dito que ambas se relacionam entre si pela corrupção
real afetar a corrupção percebida. No entanto, havendo percepção de corrupção, mesmo que
não haja a corrupção real, um país pode apresentar falta de monitoramento no setor público,
baixo controle anticorrupção e em contrapartida apresentar problemas na infraestrutura e nos
benefícios ofertados à população, podendo provocar uma percepção de corrupção, gerando
desconfiança no ambiente mesmo com as práticas de corrupção ainda incomprovadas (Houqe
& Monem, 2016).
Para ilustrar o argumento apresentado suponha-se que a percepção da sociedade seja
que para conseguir obter uma licença de funcionamento de forma mais rápida para um
determinado estabelecimento, seja necessário oferecer um suborno (a famosa cultura do
“presentinho”). Um indivíduo ao ir em uma entidade pública responsável pela liberação dessa
documentação, dotado dessa mesma percepção, tende a oferecer o suborno para obter
vantagem na fila de liberação do documento. Suponha-se ainda que naquela entidade,
especificamente, até aquele momento, não havia ocorrido quaisquer práticas de suborno. No
entanto, diante da oportunidade ofertada, os funcionários dessa entidade pública podem
resolver aceitar o recurso e desde então passarem a aceitar esse tipo de proposta. É possível
observar por meio desse exemplo que, a “percepção” de que era necessário oferecer o
suborno, fez com que a “corrupção real” passasse a acontecer.
Por esse motivo é que, de acordo com Houqe e Monem (2016), a corrupção percebida
torna-se mais prejudicial do que a própria corrupção real, pois estimula-se um comportamento
que gera corrupção mesmo em situações em que as práticas são ainda incomprovadas. A
Figura 2 apresenta a situação dos países perante o índice que ranqueia os países conforme o
grau de corrupção percebida.
Figura 2 - Mapa de classificação dos países conforme índice de corrupção percebida 2018.
Fonte: Mapa estruturado conforme figuras apresentadas no Corruption Perceptions Index Report 2018
(Transparency, 2018).
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Conforme pode ser observado na Figura 2, países com grau classificatório
compreendendo entre medianos a altamente corruptos (highly corrupt) são mais
representativos do que países considerados menos corruptos ou livres de corrupção. No
entanto, é possível observar que países considerados mais desenvolvidos (Estados Unidos,
Canadá, Reino Unido, Austrália, Japão, os países escandinavos ou nórdicos da Europa) estão
mais próximos da classificação correspondente à livre corrupção (very clean).
O Índice de Corrupção Percebida (ICP) ou no inglês, Corruption Perception Index
(CPI) é gerido pelo órgão Transparency, que é uma instituição que lidera a luta contra a
corrupção, com o anseio de erradicar a corrupção do mundo, trabalhando junto a governos,
empresas e cidadãos com o objetivo de impedir o abuso de poder, suborno e acordos secretos.
O ICP indica o nível de percepção sobre a corrupção dos países numa escala de zero a cem,
em que zero significa que o país é considerado como altamente corrupto e cem significa que o
país é considerado um país íntegro ou limpo de corrupção (Transparency, 2018). Com esse
parâmetro, diferente do que se parece, quanto maior o ICP menor é a corrupção e não maior.
Para facilitar o entendimento dos resultados e da relação entre o ICP e demais variáveis
estudadas, muitas pesquisas aplicam métodos de correção para inverter essa ordem.
Outro índice de corrupção percebida é o índice Controle da Corrupção (denominaremos
de COR). O índice COR, “capta a percepção sobre até que ponto o poder público é exercido
para ganhos privados, incluindo tanto pequenas como grandes formas de corrupção, bem
como a "captura" do Estado por elites e interesses privados” (WorldBank, 2019). O índice é
expresso em uma escala que varia de -2,5 a 2,5, sendo que escores mais altos indicam
percepção de menor corrupção. O indicador juntamente aos demais Indicadores Globais de
Governança (ou Worldwide Governance Indicators, WGI) foram desenvolvidos por David
Kaufmann e são geridos e disponibilizados pelo WorldBank, resumindo as informações de
mais de 30 fontes de dados que relatam as opiniões e de cidadãos, empresários e especialistas
nos setores público, privado e de ONG sobre a qualidade de vários aspectos da governança.
Vale complementar que os principais quantificadores da corrupção continuam
amplamente discutidos e não há consenso. Existem críticas a respeito do uso dos índices
compostos a partir de pesquisas de opiniões públicas, como os índices COR e o ICP do
Transparency International pois afirma-se que tais pesquisas são subjetivas e não apresentam
os casos exatos de corrupção existentes nos países (Chabova, 2017). No entanto, a corrupção
é uma atividade clandestina, não relatada, e, portanto, não existem estatísticas que apresentem
de forma oficial o número de casos de corrupção e por este fato é que pesquisadores utilizam
como proxies de corrupção os índices compostos de opinião pública (Chabova, 2017).
Chabova (2017) apresenta uma visão geral acerca dos índices compostos de opinião
pública existentes e destaca como vantagens desses índices o fato de serem indicadores mais
utilizados para pesquisas sobre corrupção, já que abrangem uma ampla seleção de países e
anos, de serem realizados e disponibilizados anualmente, de serem compostos por fontes
múltiplas e com resultados altamente correlacionados que minimizam os erros de medições
pelo uso de uma única fonte.
Complementarmente, os índices apresentados influenciam as decisões do governo e o
comportamento crítico dos cidadãos do país (Chabova, 2017). As pesquisas de opiniões
públicas, não apenas a opinião de especialistas, podem evitar ainda o problema denominado
de “free-riding” derivado de respostas de especialistas influenciadas pelo conhecimento
anterior com base em índices e pesquisas. Deste modo, o público geral parece estar mais
propenso a preencher a pesquisa (a survey) livre de quaisquer pressupostos e conhecimentos
anteriores (Chabova, 2017).
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Pesquisas apontam que não importa se o índice utilizado para análise sobre percepções
de corrupção foi o ICP ou o COR (Chabova, 2017; Houqe & Monem, 2016). Chabova (2017)
sinalizou por meio de testes estatísticos que existe uma correlação muito forte (0,98) entre o
ICP e o COR, inferindo que o os índices são agregados a partir de pesquisas e métodos
semelhantes. Houqe e Monem (2016) alternaram os índices utilizados e verificaram que não
houve diferenças estatisticamente significantes. Na próxima seção serão expostas as teorias
que auxiliaram no debate sobre o tema.
3 FRAMEWORK TEÓRICO E LINHAS DE PENSAMENTOS
Para fundamentar a relação entre a Contabilidade e a corrupção percebida dos países,
bem como apontar outros fatores dissociados da Contabilidade que podem, alternativamente,
indicar relação com o grau de corrupção percebida dos países, existem dois frameworks que
envolvem pesquisas sobre a temática anticorrupção e a perspectiva contábil: a perspectiva
econômica e a perspectiva institucional, conforme pode ser observado na Figura 3.
Figura 3 – Perspectivas para explicação da corrupção.
Fonte: elaborado pelo autor, com base na leitura de Pillay e Kluvers (2014).
A perspectiva econômica discute a influência do interesse próprio, das estruturas
normativas formais, da eficiência para explicar o desenvolvimento da corrupção, enquanto a
perspectiva institucional se concentra na cultura, em aspectos cognitivos, sugerindo que a
resistência à corrupção considera as complexas relações entre lógicas institucionais, recursos
necessários para sustentar a eliminação da corrupção (Pillay & Kluvers, 2014).
Pillay e Kluvers (2014) argumentam que, diante da perspectiva econômica, sob a ótica
da perspectiva da agência, as trocas corruptas encorajam o ganho privado na tomada de
decisões públicas, ou seja, para maximizar o bem-estar pessoal. Sustenta-se nessa teoria
também o argumento de Rose-Ackerman (2006) no tocante ao fato de que aqueles que detêm
cargos públicos fornecem pagamentos a particulares, empresas ou outros funcionários em
troca de benefícios próprios ou para partidos políticos, manifestando assim as patologias na
relação agente-principal discutido na perspectiva econômica na temática da corrupção.
Misangyi, Weaver e Elms (2008) destacam que uma abordagem economicamente
orientada sugere que a corrupção pode ser minimizada por meio da promoção de um ou mais
dos efeitos disciplinares da eficiência do mercado. Uma forma de efeito disciplinar é por meio
de exigências de controle (accountability) e transparência, ao expor por meio de informações
as ações da organização ou mesmo ao requerer prestação de contas. Outra forma seria por
meio da aplicação de estruturas punitivas tornando a corrupção ilegal e não conferindo
legitimidade às entidades praticantes.
comportamentos dos respectivos agentes podem associar-se a forças extraorganizacionais
(Nurunnabi, 2015). Em face do exposto na Teoria, acredita-se que as organizações, na busca
por responder às pressões externas e garantir legitimidade – por exemplo perante a adoção das
IFRS pelos países e maior nível de disclosure – deem maior atenção ao que “é correto e
formal”, isentando-se de práticas ilegítimas e corruptivas (Nurunnabi, 2015).
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A partir da perspectiva institucionalista, observa-se um olhar alternativo sobre o
problema da corrupção. Um ponto inicial considerado por muitos sociólogos e cientistas
políticos é que a corrupção acontece porque as estruturas institucionais são fracas, ou seja,
observa-se o papel das instituições na redução da corrupção (Ugur, 2014).
Misangyi et al. (2008) compreendem a prática da corrupção como uma prática
institucionalizada e, com base na Teoria Institucional, os autores argumentam que, para
ocorrer a desinstitucionalização da corrupção considerada endêmica são necessárias mudanças
na substância das ordens institucionais corruptas, promovendo-se identidades alternativas que
cognitiva e moralmente agiriam por meio do desenvolvimento de hábitos não corruptos.
Para os institucionalistas, as estruturas formais podem-se tornar desacopladas ou pouco
acopladas (adoção mínima de regras e/ou falta de implementação) (Nurunnabi, 2015). Quando
as estruturas formais são fortemente acopladas, a adoção ativa de regras e a implementação
efetiva dessas regras acontecem. As normas contábeis globais, como as IFRS, por exemplo,
são estruturas formais que surgem de maneira externa à organização. A imposição de IFRS
pelas agências financiadoras cria baixo nível de conformidade com as IFRS, uma vez que as
entidades as adotam sob pressões de instituições extraorganizacionais como a Securities and
Exchange Commission (SEC, Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos), as
Bolsas de Valores, os órgãos profissionais contábeis, o International Accounting Standards
Board (IASB, Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade) e agências financiadoras,
como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) (Nurunnabi, 2015).
Sabendo-se que existem forças externas que moldam o ambiente e as estruturas formais,
compreende-se, por meio da Teoria Institucional, que existe um processo de homogeneização
no qual uma instituição pode passar por modificações, para se alinhar com características
ambientais, e esse processo de homogeneização é denominado de isomorfismo (Dimaggio &
Powell, 1983). Esse isomorfismo nas pesquisas que relacionam corrupção e contabilidade
pode estar atrelado ao fato de que se, em alguns países, se busca maior disclosure ou estejam
convergindo suas práticas às IFRS para reduzir problemas de corrupção, outros países podem
ser estimulados a fazer o mesmo para garantir legitimidade. Portanto, o isomorfismo pode
influenciar níveis de corrupção do país, ao estimular jurisdições a seguirem práticas
anticorrupção.
contabilidade sustentam-se teoricamente na perspectiva neoinstitucional de Bourdieu, que
segundo Neu et al. (2013), consideram o contexto da corrupção e como os sistemas
governamentais estão associados a barreiras anticorrupção baseadas na Contabilidade, isto
posto que, tais barreiras (como requisição de maior disclosure) limitam as trocas de benefícios
ao estimular maior accountability, ou seja, o agente fica coibido a práticas de corrupção, uma
vez que, maior disclosure dificulta a omissão de práticas corruptas.
Quanto aos determinantes da corrupção, segundo La Porta, Lopez-de-Silanes, Shleifer e
Vishny (1999), as Teorias dos determinantes do desempenho institucional se enquadram em
três categorias: econômica, política e cultural. Segundo os autores, as teorias econômicas
ditam que as instituições são criadas quando é eficiente criá-las, quando os seus benefícios
sociais excedem os custos de transação de fazê-lo e as teorias políticas focalizam não a
eficiência, mas a redistribuição, sendo as políticas moldadas pelos que estão no poder para,
assim, permanecerem e transferirem recursos muitas vezes para si mesmos. Conforme essa
teoria, as políticas governamentais são ineficientes, não porque as soluções apresentadas
sejam caras, mas porque os criadores de tais políticas simplesmente não os querem. As teorias
culturais ressaltam que as sociedades possuem crenças e comportamentos que moldam a ação
coletiva e o próprio Governo. Portanto, em sociedades muito intolerantes ou mais
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desconfiadas, por assim ser, os Governos simplesmente não podem funcionar efetivamente
(La Porta et al., 1999).
No tocante às linhas de pensamentos, existem duas existentes no campo de pesquisa
anticorrupção: (i) a visão ortodoxa e (ii) a visão radical. Primeiro tem-se a visão ortodoxa, que
é a abordagem de discurso das pesquisas acadêmicas e das organizações anticorrupção (Banco
Mundial, NU, OCDE e Transparência Internacional) com relação à corrupção, destacando que
a Contabilidade é parte de uma causa nobre na luta anticorrupção. A outra linha de
pensamento consiste na visão radical que questiona os apontamentos da visão ortodoxa acerca
do papel da contabilidade e aponta subjetividade e vícios nas estratégias anticorrupção
(Everett et al., 2007). A Figura 4 ilustra as duas diferentes linhas de pensamento.
Figura 4 – Perspectivas para explicação da corrupção.
Fonte: elaborado pelo autor, com base na leitura de Everett et al. (2007).
Sob uma visão ortodoxa, por meio da Contabilidade, há três classes de estratégias para
lidar com a corrupção – controle (accountability), saída (ou eficiência) e voz (divulgação) –
que são exercidas pelos atores da Contabilidade (Everett et al., 2007). Na estratégia de
controle, Everett et al. (2007) consideram a orientação da contabilidade evidentemente
voltada para o controle, e pode exercer esta estratégia quando auxilia os países a aderir às
seguintes metas: (i) implementação de um sistema de informação de gestão financeira eficaz e
integrado; (ii) desenvolvimento de uma base profissional de contadores e auditores; (iii)
adoção e aplicação de normas contábeis internacionalmente aceitáveis; e (iv) fortalecer um
forte quadro normativo para apoiar as práticas contábeis modernas. Na visão de Kimbro
(2002), a Contabilidade exerce um duplo papel importante na luta anticorrupção por meio do
controle: (i) as demonstrações financeiras fornecem informações precisas sobre as transações
econômicas e (ii) a profissão de auditoria atua como mecanismo de monitoramento para
verificar a precisão dessas informações.
Na estratégia de eficiência, segundo Nascimento et al. (2018), os atores corruptos
precisam perceber incentivos para abandonar as práticas ilegais, e a promoção da
concorrência por meio de maior abertura econômica e redução das barreiras comerciais
facilitam nesse processo, tendo apoio na contabilidade, que orientada a buscar o lucro, a
eficiência e a maximização da riqueza, pode contribuir para essa estratégia de saída. Na
estratégia de voz (ou divulgação), enfatiza-se a liberdade de expressão, de imprensa e a
promoção dessas liberdades, ou seja, a possibilidade de levar a informação aos usuários para
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estes tenham acesso a prestação de contas, e a contabilidade detém um papel importante ao
fornecer relatórios sobre as atividades e desempenho tanto das empresas quanto do governo
(Nascimento et al., 2018). Apresentado o framework teórico e as linhas de pensamento sobre
as discussões anticorrupção e contabilidade, a próxima seção evidencia o envolvimento da
contabilidade na corrupção e as principais evidência empírica dos principais estudos
anteriores.
4.1 Como a contabilidade pode estar envolvida?
Perante o cenário de corrupção que atinge o cenário global, existem órgãos com foco
em desenvolver programas anticorrupção. Os mais significativos nessa luta são: Banco
Mundial (World Bank), as Nações Unidas (United Nations), a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE, Organization for Economic Cooperation and
Development) e a Transparência Internacional (Tranparency International).
Tendo a visão ortodoxa, como a principal abordagem de discurso dessas organizações
estas destacam a Contabilidade como uma parte de uma causa nobre na luta anticorrupção,
exercendo potencial auxílio nas ações para combater tais práticas (Everett et al., 2007). O
Banco Mundial, forneceu um volume significativo de recursos à Organização Internacional de
Entidades Fiscalizadoras Superiores (International Organization of Supreme Audit
Institutions, INTOSAI) para treinar profissionais contábeis para melhor exercerem práticas
anticorrupção (Everett et al., 2007). Até 2015, as auditorias forenses junto aos demais agentes
envolvidos no Projeto Anticorrupção, liderado pelo Banco Mundial, detectaram,
antecipadamente, ações corruptas de empresas, impedindo que cerca de US$ 138 milhões
fossem concedidos às empresas envolvidas em condutas indevidas. Portanto, gerou-se
motivação entre as autoridades policiais e de auditoria na busca de atos de corrupção, crimes
financeiros e antecipação de riscos de fraude (World Bank, 2015)
Na visão da cientista política, Rose-Ackerman (1997), uma das principais
pesquisadoras do tema de corrupção, no setor público, para reduzir a corrupção, torna-se
preciso criar estruturas e sistemas de gestão financeira que permita se fazer a auditoria nas
contas do Governo e a divulgação tanto das informações financeiras quanto de outras ações da
entidade. A autora complementa que estimular tais ações pode possibilitar desestimular a
corrupção, uma vez que se torna mais complexo esconder tais práticas, bem como não se deve
negligenciar as regras contábeis e de aquisições (por exemplo, regras para processos
licitatórios) que mantenham o processo justo e aberto (Rose-Ackerman, 1997).
Segundo Rahman (2016), o problema da corrupção afeta as decisões dos investidores
internacionais quanto a investir no mercado de capitais de um país, o que passa a figurar como
uma preocupação adicional para os órgãos reguladores. Portanto, se a Contabilidade cria
projetos e metodologias que possam reduzir a corrupção percebida em um país, ela pode gerar
efeitos benéficos propulsores ao fluxo de investimento no mercado de capitais. Destarte,
organizações estrangeiras e investidores são reticentes em investir em países, quando não
confiam que seus recursos estejam seguros ou que a corrupção do país seja alta. Desse modo,
com maior confiança, mais investimentos são frequentes (Malagueño et al., 2010).
Malagueño et al. (2010) aponta que uma melhora na Contabilidade possibilita redução
na corrupção e, tão logo, para os países que desejam combatê-la, ao melhorar a qualidade da
informação contábil e auditoria, esses países podem reduzir a corrupção percebida. As
entidades apresentam as informações financeiras auditadas para divulgar aos stakeholders a
situação financeira, a fim de auxiliá-los em uma eficiente tomada de decisões. De outra forma,
padrões normativos e auditorias, considerados como inadequados, geram o viés informacional
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e corroboram com decisões inadequadas quanto à alocação de recursos. Os padrões de
auditoria e Contabilidade auxiliam a melhorar a transparência informacional e a reduzir o
risco de que aqueles com poder econômico (como gestores de empresas) ajam na ilegalidade e
com procedimentos antiéticos (Malagueño et al., 2010).
Em um ambiente em que existem padrões de Contabilidade e auditoria adequados, as
entidades são obrigadas a divulgar informações de forma transparente e comparável. Desse
modo, o gerenciamento de resultados e práticas corruptas torna-se mais difícil de ser realizado
e ocultado. Portanto, melhores práticas de Contabilidade e auditoria estão associadas a uma
menor percepção de corrupção (Malagueño et al., 2010).
Pesquisadores argumentam que a Contabilidade pode ser moldada pela corrupção, ou
seja, pode haver uma influência da corrupção em variáveis do ambiente contábil (Kythreotis,
2015; Lourenço, Rathke, Santana, & Branco, 2018; Nurunnabi, 2015; Rahman, 2016). Sobre
uma diferente óptica, outros estudos apontam que os artefatos da Contabilidade podem
influenciar a percepção de corrupção dos países (Houqe & Monem, 2016; Kimbro, 2002;
Malagueño et al., 2010; Rock & Bonnet, 2004; Sargiacomo et al., 2015). Dessa forma,
percebem-se duas frentes de pesquisa, uma com o intuito de verificar de que forma a
corrupção percebida pode interferir e moldar o ambiente contábil, e outra cuja finalidade é a
de identificar de que maneira a Contabilidade pode auxiliar na busca pela redução das práticas
de corrupção, conforme pode ser observado na Figura 5.
Figura 5 – Linhas de pesquisas sobre ambiente contábil e corrupção dos países
Fonte: Elaborado pelo autor.
Apesar de pesquisas anteriores (Houqe & Monem, 2016; Malagueño et al., 2010)
terem apontado que a adoção de melhores normas (como as IFRS) favorece o ambiente
contábil do país, tais achados apresentam limitações. Na visão de outros autores (Wu, 2005;
Kythreotis, 2015), embora melhores práticas contábeis se associem à redução de práticas de
corrupção ao promover maior evidenciação dos fatores de uma empresa ou entidade do
governo, uma simples conformidade com determinada norma contábil considerada de alta
qualidade não garante por si só uma melhoria no ambiente contábil, tampouco, de forma
reflexa, reduzir o nível de corrupção percebida do país. Nesse mesmo contexto é que
Nascimento et al. (2018) ressaltam por meio dos resultados de sua pesquisa que é necessário
moderação ao se considerar a contabilidade como instrumento suficiente para reduzir a
corrupção, conforme sugere a mentalidade ortodoxa. Verifica-se que ainda há muito o que ser
explorado acerca do relação contabilidade e corrupção, no entanto, a literatura e evidências
levam a crer que mesmo que de uma forma pequena e/ou auxiliar, a contabilidade pode apoiar
na luta anticorrupção.
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4.2 As IFRS e o Disclosure Contábil
Segundo pesquisas, países que fazem a adoção e aplicação de normas contábeis
internacionalmente aceitas, podem experienciar a redução no grau de corrupção percebida.
Infere-se que, as IFRS impactam a corrupção percebida por meio da realização do disclosure
e do desenvolvimento da accountability (controle), permitindo que a Contabilidade
desempenhe um papel duplo na redução da corrupção: na corrupção em si e na corrupção
percebida (Houqe & Monem, 2016). Segundo Everett et al. (2007), a convergência das
normas contábeis e de auditoria deveria figurar como uma entre as principais preocupações
dos profissionais contábeis interessados na luta anticorrupção (Everett et al., 2007), isto é,
deveria estar entre os primeiros itens do checklist dos órgãos reguladores contábeis para
auxiliar nesse processo.
No estudo de Houqe e Monem (2016) os autores pesquisaram se a adoção das IFRS e
a extensão do disclosure auxiliavam de fato na redução da corrupção percebida, controladas
as demais variáveis (políticas, culturais e econômicas). Para o desenvolvimento da pesquisa,
foram analisados 104 países, nos períodos de 2009 a 2011. Como resultado, identificaram que
uma baixa corrupção percebida estava positivamente relacionada ao tempo de experiência
com as IFRS e a extensão de disclosure. Complementarmente, verificaram que os países em
desenvolvimento beneficiam-se mais da experiência com as IFRS.
Conforme visto anteriormente, na terceira estratégia anticorrupção da visão ortodoxa,
conforme exposto por Everett et al. (2007), está a divulgação, a qual defende que membros da
sociedade civil deveriam conhecer as consequências da corrupção, melhor do que
especialistas distantes, uma vez que estão em posição melhor para monitorar o problema. O
cerne da questão refere-se às pessoas necessitarem obter poder na luta contra a corrupção,
sendo esse poder inerente à detenção de informações para promover o envolvimento do
público. Segundo os autores, a transparência das atividades do Governo proporciona
informações acerca dos desvios de eficiência (Everett et al., 2007).
Os resultados da pesquisa de Kimbro (2002) também evidenciam a importância do
aumento da transparência para detecção da corrupção. Kimbro (2002) destacou em sua
pesquisa a função da Contabilidade em fornecer evidências que indicam que demonstrações
financeiras melhores elaboradas e mais transparentes associam-se à redução da corrupção,
reforçando que uma má informação proporciona incerteza e intensifica o problema principal-
agente.
Malagueño et al. (2010, p. 372) também destacaram que “países com relatórios mais
transparentes têm níveis mais baixos de corrupção percebida”. Desta forma verifica-se que a
adoção das IFRS e o aumento da evidenciação contábil são elementos importantes para
mitigar a corrupção. As pesquisas se dividem em utilizar a experiência com IFRS (histórico
de períodos os quais o país é adotante das IFRS) ou simplesmente se em um dado período o
país adota ou não as IFRS (por meio de dummy sim ou não). A variável que indica o nível do
disclosure do país mais utilizado é o índice de extensão do disclosure, que mensura a extensão
do disclosure em proteger os acionistas minoritários do uso indevido de ativos corporativos,
por administradores, para ganhos pessoais, através da transparência e divulgação de
transações com partes relacionadas (pesquisa com mais de 9.000 especialistas locais que
lidam com requisitos legais e regulamentares). Esse índice varia de 0 a 10, com escores mais
altos indicando maior divulgação, e é disponibilizado pelo Doing Business Report por meio
do banco de dados World Bank.
No entanto, quando se busca, por meio das IFRS, proporcionar informação contábil
com qualidade, a maior ameaça a ser enfrentada é o fenômeno da opacidade dos resultados,
indicador que reflete o quão pouca informação existe nos números sobre os resultados de uma
empresa acerca do seu desempenho econômico real, mas não observável (Riahi-Belkaoui,
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2004). Porém, essa pouca informação sobre os resultados reais da empresa pode estar
associada às práticas de corrupção. Mais a frente será discutido sobre a opacidade dos
resultados.
4.3 O papel da Auditoria
Quando os padrões de Contabilidade e auditoria melhoram, especialmente quando a
auditoria se torna obrigatória, há uma tendência que os países reduzam os graus de corrupção
(Malagueño et al., 2010). Entende-se que, quando esses profissionais são bem treinados,
despesas incomuns e excessivas advertem esses profissionais que estariam mais aptos a
detectar atos corruptos (Wu, 2005). Assim, a qualidade de auditoria realizada pode auxiliar a
mitigar os níveis de corrupção percebida.
Mas existem outros pontos a serem considerados. Kassem e Higson (2016), teve como
objetivo examinar a responsabilidade dos auditores externos em relação à corrupção
corporativa e destacar as implicações disso para os reguladores de auditoria externa. Em
descobertas de escândalos, os auditores externos são objeto de escrutínio, por não
conseguirem descobrir práticas corruptas dos seus clientes, uma vez que o público espera que
os auditores externos identifiquem, pelo menos, oportunidades de corrupção quando existam
(Kassem & Higson, 2016). Segundo os autores (Kassem & Higson, 2016), os auditores
externos têm a responsabilidade de avaliar os riscos de corrupção e chamam a atenção para o
fato de que muitos dos problemas envolvendo os escândalos de corrupção vão além do papel
da auditoria externa. Portanto, torna-se salutar identificar o papel da auditoria na luta
anticorrupção.
Uma variável explorada na literatura, especialmente por Malagueño et al. (2010), é
quanto a frequência de auditoria Big Four, ou seja, quanto maior a proporção de empresas do
país auditadas por empresas de auditoria Big Four, pressupõe-se maior qualidade de auditoria
no país, uma vez que, os investidores estariam mais dispostos a pagar um preço maior por
suas ações. Tais pressupostos são fundamentados pelos autores que consideram que empresas
de auditoria BigFour melhor auditam as demonstrações financeiras e possibilitam
informações mais precisas, mais preditivas, reduzindo o risco de assimetria informacional.
Além do mais, transações inadequadas têm mais chances de serem expostas, desestimulando a
busca por essas práticas daqueles investidos de poder (Malagueño et al., 2010).
4.4 A Qualidade da Informação Contábil e a Qualidade Percebida da Contabilidade
Ao investigar a importância das práticas contábeis para a redução de práticas de
suborno, Wu (2005) utilizou um conjunto de dados de âmbito internacional e examinou
características distintas de suborno corporativo na Ásia. O autor verificou que melhores
práticas contábeis ajudam a reduzir a incidência de suborno e a quantia de pagamentos
efetuados para essa atividade e que a simples conformidade com as normas contábeis padrão
não aumenta a qualidade das práticas contábeis, nem reduz automaticamente os subornos.
Sublinhe-se, portanto, a necessidade de compor o índice de ambiente contábil não apenas com
a variável IFRS, mas com variáveis representativas da qualidade da informação contábil,
como a qualidade percebida da contabilidade ou a ausência de opacidade dos ganhos.
Os agentes públicos quando incentivados a se apropriarem de benefício pessoal junto a
gestores, encontra oportunidade de omissão de informações no fato de suas ações serem
apenas parcialmente observáveis para os stakeholders e essa omissão está condicionada ao
nível de qualidade contábil das informações que são disponibilizadas aos stakeholders, ou
seja, quando aumenta-se a qualidade dos relatórios financeiros, espera-se também um
aumento da responsabilização (accountability) dos gestores e dos funcionários públicos,
tornando menos frequente apropriações indevidas (Picur, 2004).
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A principal ameaça à qualidade da informação é o fenômeno da opacidade dos
resultados, motivada por accruals discricionários (Riahi-Belkaoui, 2004). Opacidade dos
resultados é uma medida da baixa qualidade contábil, ou seja, é o oposto da transparência dos
resultados (Picur, 2004). Com efeito, a opacidade dos resultados tornou-se uma variável
representativa do ambiente contábil na presente pesquisa, haja vista que também pode
influenciar a corrupção percebida dos países.
Os resultados podem ser opacos, pelos seguintes motivos: (i) os gerentes são
motivados a manipular os resultados diante das escolhas contábeis; (ii) as normas contábeis
simplesmente não existem e essa ausência provoca a falta de princípios contábeis e exigências
quanto aos tratamentos contábeis que contribuem para a transparência e fidedignidade das
informações reportadas à essência das transações; ou (iii) as normas contábeis, mesmo que
rigorosas, ainda são fracamente aplicadas (Bhattacharya, Daouk, & Welker, 2003).
De acordo com Bhattacharya et al. (2003), a opacidade dos resultados de um país
consiste na distribuição do lucro que é reportada pelas empresas e este lucro não fornece
informações verdadeiras condizentes com a real distribuição dos lucros econômicos, mas sim
retratam valores não observáveis dessas empresas. Os resultados da empresa são iguais aos
lucros econômicos não observáveis, somados a um termo de ruído. Assim, a opacidade dos
resultados de um país pode ser também definida como a falta de informatividade média dos
resultados reportados pelas empresas nesse país (Bhattacharya et al., 2003).
Riahi-Belkaoui (2004) analisaram se o nível de corrupção em um país seria um
determinante para o nível de opacidade dos resultados, já que os valores envolvidos na
corrupção precisariam ser “camuflados” por meio do gerenciamento de resultados. O autor
identificou que quanto menor a corrupção do país, menor é a opacidade dos resultados, ou
seja, a presença de corrupção teria relação positiva com a opacidade dos ganhos. A pesquisa
de Picur (2004), conduzida com 34 países, examinaram as relações entre as variações na
corrupção percebida dos países e o nível de opacidade dos resultados e detectaram que há uma
relação positiva entre a corrupção e a ausência de opacidade dos ganhos.
A qualidade da informação contábil do país, no estudo de Bhattacharya et al. (2003),
bem como posteriormente no estudo de Picur (2004) foi medida pela opacidade dos
resultados, tida como uma interação entre os três seguintes fatores: (i) agressividade dos
lucros; (ii) aversão a perdas; e (iii) suavização de resultados.
Malagueño et al. (2010) objetivaram compreender melhor a relação entre a qualidade
da informação contábil e a auditoria e o nível de corrupção percebida dos países. Analisados
57 países, foi encontrada evidência de que a qualidade percebida da Contabilidade e da
auditoria estão significativamente relacionados ao nível de corrupção percebida em um país.
De forma geral, eles verificaram que em relatórios com mais transparência, maior qualidade
percebida da contabilidade e auditoria permitem menor grau de corrupção.
Portanto, outra medida de verificação da qualidade dos padrões contábeis e de
auditoria seria por meio da percepção da qualidade contábil, um indicador extraído de uma
pesquisa direcionada aos empresários de vários países, como parte de uma pesquisa
denominada Pesquisa de Competitividade Global e gerida pelo Fórum Econômico Mundial,
em que se questionou aos empresários a força das normas de auditoria e de relatórios
financeiros acerca do desempenho financeiro da empresa no país (Malagueño et al., 2010).
Porém, na pesquisa de Malagueño et al. (2010), não foi identificada significância estatística
no teste de correlação. Comvém pôr em relevo que, o indicador Qualidade Percebida da
Contabilidade pode ter sua limitação, uma vez que parte de uma pesquisa qualitativa a partir
de questionários, no entanto verifica-se que, por discutir um problema da sociedade
relacionada a comportamento, e por ser um indicador resultante de uma pesquisa reconhecida
mundialmente, pode-se utilizar também outras pesquisas.
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Conforme exposto, quando melhorias ocorrem na informação contábil, espera-se que
tais práticas melhorem o ambiente contábil e assim o cenário de corrupção percebida dos
países. É dada ênfase na relação da contabilidade com a corrupção pois é o objeto de
discussão da pesquisa. No entanto, é apenas um dos fatores que explicam o grau de corrupção
percebida. Estudos anteriores apontaram as variáveis econômicas (PIB, IDH e outros),
políticas (voz e responsabilidade, estado de direito, tamanho do governo, liberdade
econômica, dentre outros) e culturais (distância do poder, individualismo, aversão a
incertezas) dos países como sendo as variáveis que mais explicam o grau de corrupção
percebida neles (Houqe & Monem, 2016; Kimbro, 2002; Malagueño et al, 2010; Picur, 2004;
entre outros).
Inclusive, La porta et al. (1999) destaca que as teorias dos determinantes do
desempenho institucional se enquadram em três categorias: econômica, política e cultural.
Nascimento et al. (2018), ressalta a importância de reconhecer que condições culturais e
sociopolíticas de ordem democrática, características dos países, antecedem e moderam o
potencial do ambiente contábil, sendo relevante compreender o ambiente institucional em que
a contabilidade opera.
Houqe e Monem (2016), além dos resultados expressos anteriormente quanto ao
ambiente contábil, verificou que as forças políticas e econômicas foram as que mais
influenciaram o grau de corrupção percebida por meio de uma relação negativa, bem como,
países democráticos, com maior proteção dos investidores e com forte cultura de
individualismo tendem a reduzir o grau de corrupção percebida do país.
Na pesquisa de Kimbro (2002), é proposto um modelo abrangente vinculando
variáveis econômicas, institucionais políticas, informacionais (inclusive da Contabilidade) e
culturais à corrupção percebida em 61 países. Os resultados apontaram que o nível de
desenvolvimento econômico, bons sistemas contábeis e legais, bem como países mais
coletivistas (variável que expressa baixa cultura de individualismo) são variáveis que
contribuem para uma diminuição da corrupção percebida dos países.
A pesquisa de Picur (2004) conduzida com 34 países apontaram que o
desenvolvimento econômico medido pelo Produto Interno Bruto (PIB) e Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) influenciam negativamente o grau de corrupção percebida
do país. Observou-se também que, quanto maior é a liberdade econômica, menor é a
incidência de corrupção e quanto maior o tamanho do governo, maior a corrupção.
Nascimento et al. (2018) constatou que a Distância do Poder (variável cultural que
mede a resposta das pessoas à desigualdade) é um antecedente da qualidade do ambiente de
auditoria, do grau de atividade de enforcement e da intensidade de participação popular na
governança dos países. As evidências sugeriram que amplas liberdades (de expressão, de
associação e de imprensa) e de participação ativa da população na governança do país, é
imprescindível para a criação de um ambiente propício para a efetividade do enforcement e
Auditoria. A Figura 6 apresentam as principais variáveis discutidas ao longo desse ensaio
teórico.
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Figura 6 – Variáveis de interferência na corrupção percebida discutidas no estudo
Fonte: elaborado pelos autores.
Verifica-se portanto que, há muitas discussões que precisam ser exploradas em
conjunto com as variáveis do ambiente contábil para se identificar quais fatores, sejam
individualmente ou em conjunto, podem auxiliar a reduzir a corrupção que tanto prejudica a
sociedade.
Importante também apresentar nesse ensaio teórico os principais resultados do
ambiente contábil do Brasil em comparação ao país com resultados de destaque no ICP. A
Tabela 1 apresenta os principais resultados dos indicadores.
Tabela 1 – Situação dos países frente às variáveis contábeis e o ICP
PAÍS/Rank2018 ANO ICP IFRS DISCL QPC AUDT OG
Brazil
(105º)
Dinamarca
(1º)
2013 91 8 7,00 5,15 0,92 7,33
2014 92 9 7,00 5,51 0,92 6,67
2015 91 10 7,00 5,69 0,94 6,33
média 91 9 7,00 5,45 0,93 6,78
Nota. ICP: Índice de Corrupção percebida coletada por meio do Transparency. IFRS: Experiência em anos de
adoção das IFRS; DISCL: Extensão do Disclosure coletado por meio do Doing Business Report no banco de
dados do WorldBank; QPC: Qualidade Percebida da Contabilidade extraído do Executive Opinion Survey no
World Economic Forum; AUDT: Frequência de Auditoria BigFour coletada por meio do Capital IQ®; OG:
coletado por meio da média da classificação (em decis) da agressividade dos lucros, aversão à perdas e
suavização de resultados (conforme modelo de Bhattacharya et al., 2003) em cada país-ano, por meio de dados
extraído do Capital IQ®.
Fonte: elaborado pelos autores.
Considerando que o ICP em 2018 ranqueou 180 países, sendo os primeiros colocados os
países considerados mais limpos em termos de corrupção e os últimos colocados aqueles
considerados os mais corruptos, que o Brasil está situado em uma posição, observa-se que o
Brasil está situando em uma posição que o coloca em situação de elevada corrupção. Verifica-
se que a Dinamarca, 1ª colocada no ranking possui uma nota de ICP superior ao dobro da nota
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do Brasil. E o que os coloca em patamares tão diferentes em relação aos fatores do ambiente
contábil?
Observa-se que, exceto para a variável opacidade dos ganhos, a Dinamarca apresentou
índices superiores aos do Brasil em todas as variáveis do ambiente contábil. Enquanto o
Brasil apresenta em 2015 cinco anos de experiência com as IFRS, a Dinamarca possuía na
mesma data dez anos de experiência com o padrão normativo. Enquanto no Brasil o
disclosure em todos os anos (em uma escala de 0 a 10) foi nota 5, o índice na Dinamarca foi
de 7. A Qualidade Percebida da Contabilidade na Dinamarca também foi superior aos
números Brasileiros, e sobreleva notar que o índice brasileiro tem reduzido com o passar dos
anos, enquanto na Dinamarca o índice é ascendente, ou seja, no país as pessoas tem
considerado os padrões de auditoria e relatórios referentes ao desempenho financeiro da
empresa em seu país cada vez mais forte, enquanto no Brasil essa percepção de qualidade tem
reduzido com o passar do tempo.
Na Dinamarca em média, 93% das companhias de capital aberto são auditadas por
empresas Big Four, enquanto no Brasil esse percentual foi de 76%. Quanto à opacidade dos
ganhos observa-se o Brasil apresenta menor nota, ou seja, menor média de classificação em
termos de agressividade dos ganhos, aversão à perdas e suavização de resultados, que é
diretamente relacionado à corrupção. No entanto, vale destacar que na Dinamarca esse
indicador tem se reduzido com o passar do tempo, enquanto no Brasil houve uma oscilação ao
longo dos anos coletados. De uma forma ainda que restrita por não apresentar fundamentação
estatística para isso, infere-se que, continuar adotando as IFRS, melhorar os níveis de
disclosure, melhorar a percepção da qualidade contábil das entidades, buscar melhores
práticas e relatórios de auditoria e reduzir o grau de opacidade dos ganhos, podem permitir
redução na corrupção percebida do país.
5 COMENTÁRIOS FINAIS E OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS
O objetivo principal do presente ensaio teórico foi aprofundar o nível de compreensão
acerca da associação existente entre a Contabilidade e a corrupção dos países. O estudo
baseia-se em uma pesquisa bibliográfica que expõe a temática corrupção e a contabilidade,
levantando as principais diferenças destacadas na literatura, como: linhas de pesquisas, linhas
de pensamento, teorias de sustentação, conflitos quanto as principais definições, conflitos
existentes em torno do mainstream, dentre outros fatores.
A pesquisa apresentou também as principais variáveis representativas do ambiente
contábil que foram expostas na literatura como importantes na luta anticorrupção, podendo-se
citar: a opacidade dos ganhos, a extensão do disclosure, a frequência de auditoria BigFour, a
adoção das IFRS e a qualidade contábil percebida. Reforça-se também a influência de outros
fatores no ambiente contábil e que enfatizam o desempenho institucional, tais como: as
características políticas, econômicas e culturais.
A justificativa para o estudo centrou-se na percepção de que existem estudos que se
dedicaram a testar empiricamente a relação existente entre a corrupção e o ambiente contábil
dos países, mas poucos foram aqueles que se destinaram a refletir criticamente sobre o
conhecimento produzido acerca dessa relação.
Conclui-se que, de fato a contabilidade é destacada pela literatura e por organismos
internacionais como um importante agente na luta anticorrupção e torna-se importante, diante
dos insights teóricos, continuar explorando a relação existente entre a Contabilidade e a
Corrupção, sobretudo nos efeitos da adoção das IFRS, dos níveis de disclosure, da percepção
da qualidade contábil, das práticas de auditoria e da opacidade dos ganhos, no enfrentamento
à corrupção percebida dos países. Coincidência ou não, os países que apresentam menores
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níveis de corrupção são também aqueles que apresentam melhores ambientes contábeis no
tocante às variáveis aventadas no estudo. Sugere-se como pesquisas futuras a exploração das
variáveis políticas, econômicas e culturais e sua relação com o desenvolvimento do ambiente
de contabilidade dos países.
REFERÊNCIAS
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