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Cidades Olímpicas: Uma Análise do Planejamento Orçamentário e Resultados nos Jogos
Olímpicos desde 1976
Lina Eiko Nakata - [email protected]
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
Edileusa Godói-de-Sousa - [email protected]
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
Edvalda Araujo Leal - [email protected]
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
Área temática: Gestão do Esporte e Entretenimento
Resumo
O objetivo deste trabalho foi analisar o planejamento orçamentário e os valores divulgados
publicamente dos custos dos jogos olímpicos, com base nas edições de dez cidades-sede
(Montreal 1976, Moscou 1980, Los Angeles 1984, Seul 1988, Barcelona 1992, Atlanta 1996,
Sydney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012), a fim de contribuir para o construto
conceitual comparado aos termos práticos nesse campo cada vez mais expressivo
financeiramente. Para isso, utilizou-se como metodologia a pesquisa descritiva quanti-quali e
fez se uso de dados secundários coletados da obra de Gold e Gold (2011) e documentos
oficiais das Olimpíadas, desde o planejamento da candidatura até a realização do evento. Os
valores orçamentários foram coletados, comparados e analisados juntamente com a explicação
dada para as diferenças, por meio do método da análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Os
principais resultados revelaram que as diferenças entre os valores orçados e realizados têm
causas bastante variadas, pois dependem totalmente de cada contexto social, político,
econômico e esportivo. Da mesma forma, os resultados obtidos – tanto financeiros quanto
intangíveis – também foram distintos, independentes de variáveis em comum. É importante
ressaltar que cada edição dos jogos olímpicos apresenta características bastante peculiares e a
análise deve ser realizada de forma isolada. Em geral, os resultados financeiros atingidos
estão diretamente relacionados à competência dos organizadores de cada edição, e alguns
otimizaram seus resultados por meio de patrocínios, comercialização de produtos, venda de
ingressos e turismo, enquanto outros tiveram gastos que não se cobriram. Um achado
importante é que, nas últimas edições, percebeu-se um controle orçamentário mais frequente e
mais detalhado. Quanto mais esse processo foi realizado, melhores foram os resultados
financeiros obtidos. Além disso, sugere-se que os legados possam ter seus ganhos financeiros
mensurados, pois percebe-se que alguns resultados intangíveis foram bem relevantes, mas
nem sempre visíveis na parte financeira.
Palavras-chave: Cidades Olímpicas. Planejamento Orçamentário. Jogos Olímpicos.
1672
1. Introdução
Ao idealizar o Movimento Olímpico, em 1892, o pedagogo e historiador francês Pierre de
Frédy, mais conhecido como barão de Coubertin, acreditava que poderia promover a paz e
colaborar para a transformação da sociedade por meio do esporte.
Com este pensamento, Pierre Coubertin trabalhou para a reedição dos Jogos Olímpicos, uma
das celebrações mais importantes da Grécia Antiga. Inclusive as guerras e os conflitos eram
suspensos, para que os participantes e espectadores pudessem ir à cidade sede dos jogos, para
participar ou simplesmente para assistir as competições. “As organizações buscavam a
resolução de conflitos, tanto de ordem interna como externa, pelo uso da razão e das leis, e
não pelas armas” (RUBIO, 2005, p. 57). Nessa lógica, a competição esportiva era uma forma
racionalizada de conflito sem o uso da violência.
Dessa forma, ao fundar o Movimento Olímpico, o barão de Coubertin baseou-se nos seguintes
princípios básicos: (a) promover o desenvolvimento das qualidades físicas e morais, que estão
na base do esporte; (b) educar a população jovem por meio do esporte, em um espírito de
entendimento e amizade mútuos, ajudando-a na construção de um mundo melhor e mais
pacífico; (c) difundir os princípios olímpicos por todo o mundo, criando assim a boa vontade
internacional; e , (d) reunir os atletas dos países civilizados nos Jogos Olímpicos a cada quatro
anos (PRONI; ARAUJO; AMORIM, 2008).
Desde então, os Jogos Olímpicos se transformaram em um dos eventos culturais mais
importante do planeta. Para Proni, Araujo e Amorim (2008, p. 7), “os jogos olímpicos são
uma combinação impressionante de espetáculo e competição, heroísmo e fatalidade,
nacionalismo e globalização cultural”.
Entretanto, paralelamente ao seu caráter simbólico, há outro lado grandioso, revelado quando
se observa a dimensão material que envolve milhões de pessoas direta e indiretamente na
preparação e realização de uma Olimpíada. Há uma racionalidade que caminha em paralelo à
organização das competições e à disputa de medalhas: o valor econômico dos Jogos
Olímpicos. (PRONI; ARAUJO; AMORIM, 2008).
As imagens transmitidas das Olimpíadas cada vez impressionam mais. São imagens que
retratam a grandiosidade das instalações esportivas e as obras realizadas na cidade sede
(infraestrutura urbana: transporte, saneamento, energia, segurança, hospedagem). Invisíveis
aos olhos da maioria dos telespectadores, também estão sendo quebrados vários recordes: os
valores pagos pelos patrocinadores, pelas emissoras de televisão, entre outros.
O Comitê Olímpico Internacional (COI), ao longo dos anos, vem transformando as
Olimpíadas num sofisticado projeto de marketing, que tem gerado lucros milionários aos seus
organizadores (PAYNE, 2006). Proni (2009) expõe que os custos para a realização de uma
Olimpíada têm aumentado a cada ano, por exigir das cidades-sede dos jogos um padrão de
qualidade que se traduz num conjunto de serviços urbanos que garantam a mobilidade, o
conforto e a segurança das delegações olímpicas, assim como de espectadores vindos de todas
as partes do mundo. Ainda assim, conforme o referido autor, a disputa para receber a
Olimpíada se acirrou, nos últimos anos. As metrópoles candidatas a sediarem os jogos
olímpicos têm investido milhões de dólares em suas candidaturas. Certamente, estão
convencidas de que é um bom negócio e que os benefícios esperados compensarão os
esforços requeridos. “São razões de Estado, mescladas a interesses privados que, quando bem
articulados, convergem para um planejamento rigoroso, capaz de transformar custos elevados
em rentáveis dividendos políticos, econômicos e sociais” (PRONI; ARAUJO; AMORIM,
2008, p. 7).
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Como os jogos olímpicos em si duram apenas 17 dias, há uma preocupação por parte do COI
que haja um aproveitamento por parte da comunidade local de todos os benefícios diretos da
organização do evento. Conforme Bittencourt (1999), dentro do processo de seleção das
cidades candidatas são considerados critérios e tendências para avaliação: instalações
poliesportivas existentes e sua adaptação; criação de um novo projeto olímpico; repasse das
instalações para a população; apoio da população civil; estrutura de turismo e de lazer;
preocupações e ações relativas ao meio ambiente; mentalidade ecológica; sistema de
transporte urbano, interurbano e internacional; facilidade de telecomunicações; segurança:
mobilidade e evasão; raio de realização dos eventos, deslocamentos e trajeto público;
alinhamento do projeto urbano com o projeto olímpico.
O mesmo autor alerta que, a tentativa de alcançar esses objetivos pode gerar uma corrida aos
cofres públicos e uma distorção na administração pública. Ou seja, o conceito de cidade
olímpica não deveria ser um argumento para a busca de recursos, mas o guia para um
planejamento urbano a partir dos recursos locais disponíveis.
Nesse sentido, Rubio (2005, p. 3) entende que, “[...] a avaliação do legado de uma cidade
olímpica oscila entre os benefícios (ou prejuízos) materiais, mensuráveis pelos custos
financeiros envolvidos e obras edificadas, e humanos, de quantificação mais complexa [...]”.
Sem dúvida, os riscos econômicos na realização de uma Olimpíada são muito elevados. Por
isso, para Proni (2009), o financiamento dos Jogos tem sido uma questão delicada para os
governos dos países que hospedam esse megaevento.
O ponto mais crítico do debate econômico sobre os Jogos Olímpicos tem sido a
questão do financiamento, uma vez que geralmente o Estado assume um papel
central na alocação de recursos. As receitas do marketing olímpico podem pagar a
conta da festa (às vezes, até geram lucros para os organizadores), mas não pagam a
construção do local da festa, nem o suporte logístico (isto é, os investimentos
necessários para adequar e modernizar os equipamentos urbanos e as instalações
esportivas) (PRONI; ARAUJO; AMORIM, 2008, p. 47).
Por ser um ponto relevante da agenda política nacional, Proni, Araujo e Amorim (2008)
acreditam que é muito importante que as pessoas, principalmente da cidade sede dos Jogos,
sejam informadas a respeito de perguntas muito simples: quanto custará ao País o privilégio
de sediar os jogos? Como serão divididos tais custos? Quem vai lucrar com a realização desse
megaevento? Quais os legados desejados e quais os ônus indesejados? Esses
questionamentos, segundo os referidos autores, devem ser frequentes.
García (2004) argumenta que, embora sempre seja apresentado um planejamento realizado
pelas cidades que têm sido sede dos jogos olímpicos, o que se observa na sua realização é que
muitos dos cálculos apresentados pelas cidades postulantes estejam baseados em uma
perspectiva puramente econômica, que dá prioridade aos impactos físicos e financeiros sobre
os possíveis efeitos culturais e sociais. Além disso, segundo a autora, costuma-se avaliar os
impactos desses megaeventos apenas pelos efeitos de curto prazo, sem se estabelecer planos
para monitorar sua sustentabilidade para além dos três a cinco primeiros anos.
O presente estudo se debruça sobre essa temática, analisando o planejamento orçamentário e
os valores divulgados publicamente dos custos dos jogos olímpicos, com base nas edições de
dez cidades-sede (Montreal 1976, Moscou 1980, Los Angeles 1984, Seul 1988, Barcelona
1992, Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012), a fim de
contribuir para o construto conceitual comparado aos termos práticos nesse campo cada vez
mais expressivo financeiramente, assim como observar os resultados obtidos, tanto
financeiramente quanto na forma de legado.
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Decidiu-se que essas edições seriam o objeto de estudo porque foi a partir da década de 1970
que o amadorismo deixou de ser um dos pilares do olimpismo (RUBIO, 2002). A
profissionalização dos atletas e consequentes mudanças no contexto esportivo provocaram
uma nova forma de se lidar com o mercado que envolve os jogos olímpicos.
2. Referencial Teórico
2.1. Jogos olímpicos
Os jogos olímpicos foram criados pelos gregos por volta de 2500 a.C. em homenagem a Zeus,
o maior dos deuses segundo a mitologia grega. Pessoas de várias cidades da Grécia Antiga se
uniam no santuário de Olímpia – por isso o termo Olimpíadas – para disputar as competições
esportivas. Os vencedores eram recebidos como heróis em suas cidades e ganhavam uma
coroa de louros (RIBEIRO, 2016). Além da religiosidade, buscava-se por meio dos Jogos
Olímpicos a paz e a harmonia entre as cidades que compunham a civilização grega. Durante a
realização dos jogos eram selados acordos de cessar fogo e tréguas entre cidades inimigas. A
paz, a amizade e o bom relacionamento entre os povos e o espírito olímpico sempre foram os
princípios dos jogos olímpicos.
Segundo Proni, Araujo e Amorim (2008), os jogos olímpicos uniram os gregos até o ano 394
d.C., quando o imperador Teodósio II, convertido ao cristianismo, proibiu todas as festas
pagãs, inclusive os Jogos. Mas, Pierre de Fredy, o barão de Coubertin lançou, em 1894, numa
reunião na Sorbonne, a ideia de reviver a antiga tradição grega, por meio da qual esperava
unir os povos. Desse modo, em 1894, apoiado pelo americano William Sloane e pelo inglês
Charles Herbert, e contando com a presença de representantes de 15 países, fundou o C.O.I.,
organismo que até hoje controla todo o mundo olímpico. Dois anos depois, realizava-se em
Atenas e 1ª disputa dos jogos olímpicos da era moderna (RIBEIRO, 2016; BIRAFITNESS,
2016). De forma limitada e com algumas restrições (por exemplo, as mulheres só começariam
a participar, discretamente, a partir dos jogos olímpicos de 1900, em Paris), as Olimpíadas de
Atenas 1896, foi a primeira edição daquele que veio a se tornar o maior evento esportivo do
mundo (PRONI; ARAUJO; AMORIM, 2008).
Com o passar dos anos, os Jogos Olímpicos foram ganhando maior importância e foram
sendo inventadas novas tradições. Desde o seu renascimento, com interrupções apenas
durante as duas guerras mundiais, os jogos olímpicos são realizados a cada quatro anos,
quando atletas de centenas de países se reúnem numa cidade sede para disputarem um
conjunto de modalidades esportivas. A própria bandeira olímpica representa essa união de
povos e raças, sendo formada por cinco anéis entrelaçados, representando os cinco
continentes e suas cores.
Entretanto, os Jogos Olímpicos, em função de sua visibilidade, já serviram de palco para
várias manifestações políticas ao longo da história. Nas Olimpíadas de Berlim (1936), Adolf
Hitler, movido pela ideia de superioridade da raça ariana, não ficou para a premiação do atleta
norte-americano negro Jesse Owens, que ganhou quatro medalhas de ouro. Nas Olimpíadas da
Alemanha em Munique (1972), um atentado do grupo terrorista palestino Setembro Negro
matou 11 atletas da delegação de Israel. Em plena Guerra Fria, os EUA boicotaram os Jogos
Olímpicos de Moscou (1980) em protesto contra a invasão do Afeganistão pelas tropas
soviéticas. Em 1984, foi a vez da URSS não participar das Olimpíadas de Los Angeles,
alegando falta de segurança para a delegação de atletas soviéticos (RIBEIRO, 2016).
A seguir, o Quadro 1 apresenta um resumo das Olimpíadas realizadas desde Montreal 1976 a
Londres 2012, mostrando o número de países participantes, de modalidades disputadas, de
atletas participantes, o período de realização dos jogos, orçamento operacional, custos totais,
resultados da participação do Brasil, alguns comentários sobre cada Olimpíada.
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Quadro 1 – Informações básicas sobre as Olimpíadas, de Montreal 1976 a Londres 2012
Edição
Países
partici-
pantes
Nº de
modali-
dades
Nº de atletas Período
Orçamento
operacional
(em $ mi)
Custos
totais
(em $ mi)
Partici-
pação
do Brasil
Comentários
Montreal,
1976
92 21
6.084 (4.824 homens,
1.260
mulheres)
17 de julho
01 de agosto
207 1.410 36º lugar
Com segurança
feita por 16 mil soldados, os jogos
têm boicote político
e avanço na luta antidoping.
Moscou,
1980
80 21
5.179 (4.064
homens, 1.115
mulheres)
19 de julho
a 03 de agosto
231 1.350 17º lugar
União Soviética
compensa boicote
liderado pelos Estados Unidos
com supremacia e pompa.
Los
Angeles, 1984
140 23
6.829 (5.263
homens, 1.566
mulheres)
28 de julho
a 12 de
agosto
3210 413 19º lugar
Soviéticos revidam
boicote, mas
Olimpíada tem recorde de
participação e show
de tecnologia.
Seul, 1988
159 25
8.391 (6.197 homens,
2.194
mulheres)
17 de setembro a
02 de
outubro
4.000 - 24º lugar
Na era pós-boicotes,
escândalo de doping
no atletismo marca os Jogos da Coreia
do Sul.
Barcelona, 1992
169 28
9.356 (6.652
homens,
2.704 mulheres)
25 de julho a 09 de
agosto
850 9.300 25º lugar
Barcelona encerra
espera de sete décadas e apresenta
Jogos com nova
divisão geopolítica.
Atlanta,
1996
197 26
10.318 (6.806
homens,
3.512 mulheres)
19 de julho
a 04 de
agosto
1.800 - 25º lugar
Ato terrorista deixa
dois mortos e
mancha comemoração do
centenário
olímpico.
Sydney,
2000 199 28
10.651
(6.582 homens,
4.069
mulheres)
15 de
setembro a
01 de outubro
6.600 - 52º lugar
Foram batidos os
recordes de atletas
participantes, países, mulheres,
jornalistas,
voluntários, esportes, provas,
medalhas, direitos
de TV e espectadores.
Atenas,
2004
201 35
10.625
(6.296
homens, 4.329
mulheres)
13 a 29 de
agosto 15.000 9.000 16º lugar
Grécia surpreende
pela organização e
pelos casos de doping de duas de
suas estrelas.
Pequim,
2008
204 28
10.942 (6.305
homens,
4.637 mulheres)
08 a 24 de agosto
44.000 - 23º lugar
China se abre ao mundo ocidental e
comprova sua força
ao superar os Estados Unidos.
Londres,
2012 204 26
10.500
(5.802 homens,
4.688
mulheres)
27 de julho a 12 de
agosto
10.400 14.600 22º lugar
A Olimpíada de
Londres foi a
primeira na história em que todos os
países participantes
possuem mulheres em suas delegações.
Fonte: elaborado pelas autoras baseado em UOL (2016), Gold e Gold (2011), e relatórios oficiais das edições
olímpicas.
1676
Comparando as diferentes edições, nota-se que houve um aumento expressivo no número de
modalidades, de países participantes e de competidores. Lancellotti (1996) destaca também,
um desenvolvimento inquestionável das técnicas de treinamento, da tecnologia dos
equipamentos e dos índices de desempenho atlético. Houve ainda, uma ampliação substantiva
da participação feminina e uma diversidade marcante de raças e etnias.
Rubio (2006) propõe quatro fases que buscam ressaltar momentos distintos pelos quais passou
e tem passado o Movimento Olímpico: Fase de estabelecimento - de Atenas 1896 a
Estocolmo 1912; Fase de afirmação - Antuérpia 1920 a Berlin 1936; Fase de conflito - de
Londres 1948 a Los Angeles 1984; e, Fase profissional - de Seul 1988 a Atenas 2004. A estas
fases, pode-se acrescentar a Fase midiática - voltada para a geração de lucros - de Pequim
2008 aos dias atuais. Segundo Coakley (2001) e Nakata (2014), a profissionalização do
esporte inicia-se na década de 1970.
Borelli (2001) observa a mídia como mobilizadora de estratégias discursivas singulares,
impregnadas de sentidos. “Para cobrir os eventos esportivos, cada mídia segue um ritual e
uma agenda própria, gerando, a partir de um fato único, múltiplos acontecimentos sociais.”
(BORELLI, 2001, p. 1). Para a referida autora, é importante se preocupar em observar,
analisar e refletir sobre a cobertura midiática de grandes eventos esportivos, pois há muitos
interesses em jogo, há questões de ordem, cultural, política, religiosa e, principalmente,
econômica. Por isso, os Jogos Olímpicos atuais, cada vez mais, são organizados por gestores
profissionais especializados em planejamento e marketing, que buscam fazer dos campeões
olímpicos verdadeiros garotos-propaganda e dos espectadores consumidores em potencial.
Portanto, torna-se cada vez mais difícil organizar os Jogos Olímpicos, pelo altíssimo
investimento financeiro que representam e pela mobilização em torno de um planejamento
estratégico. Mesmo assim, dezenas de cidades pretendem ainda formalizar suas candidaturas
para disputar ferrenhamente o direito de sediar os Jogos na próxima década.
Para a Olimpíada de 2016, que acontecerá no Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas da União,
publicou o Dossiê de Candidatura Rio 2016, documento usado na seleção da cidade que
sediaria os Jogos Olímpicos e Paralímpicos 2016, que previu mais de R$ 12 bilhões em
investimentos, conforme mostra a Tabela 1:
Tabela 1 - Investimentos previstos no Dossiê de Candidatura do Rio de Janeiro
Área Investimento
Público (R$ mi)
Investimento
COJO* (R$ mi)
Total (R$ mi) %
Acomodações 2.590,49 0,00 2.590,49 20,69
Instalações
Esportivas
953,29 565,07 1.518,36 12,13
Segurança 471,90 0,00 471,90 3,77
Tecnologia 405,86 71,63 477,49 3,81
Transportes 7.460,00 0,00 7.460,00 59,60
Total 11.881,54 636,70 12.518,24 100
% 94,91 5,09 100
Fonte: BRASIL – TCU (2013).
Entretanto, a Autoridade Pública Olímpica (APO), em parceria com os Governos Federal,
Estadual e Municipal do Rio de Janeiro, divulgou em janeiro de 2015 uma atualização da
Matriz de Responsabilidades dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016, prevendo um
gasto de R$ 37,7 bilhões, sendo que R$ 6,6 bilhões correspondem aos projetos de arenas; R$
24,1 bilhões ao legado, e R$ 7 bilhões ao Comitê Organizador da Olimpíada.
Enfim, tais dados revelam a importância do planejamento orçamentário para um megaevento
como as Olimpíadas.
1677
2.2. Planejamento orçamentário e suas finalidades
A contabilidade gerencial envolve o processo de mensuração dos eventos econômicos e fonte
de informações que norteiam as decisões de planejamento e controle dos gestores das
empresas (ATKINSON et al., 2000; HORNGREN; SUNDEM; STRATTON, 2004). Neste
contexto, o orçamento, é definido como um plano de metas e recursos que se vincula à
execução das estratégias organizacionais (MOURA; DALLABONA; LAVARDA, 2013;
LUNKES; FELIU; ROSA, 2011).
O orçamento é uma ferramenta que auxilia o planejamento na medida em que possibilita a
visualização antecipada dos possíveis resultados econômico-financeiros, amparando o
processo decisorial (SIMAS; COSTA; MORITZ, 2008; FREZATTI, 2009). O orçamento é o
plano expresso em números e serve de guia na execução das metas nele descritas, tanto na
previsão quanto em controle (HANSEN, MOWEN, 2001; SOUZA; LAVARDA, 2012). No
planejamento, a previsão é um importante aliado para projeção de informações futuras,
Scarpin, Santiago e Scarpin (2003, p.1) afiram que “Se não há previsão ou a previsão é
errada, causará uma série de problemas e custos” .
Entretanto, Covaleski et al. (2006) complementam que a prática do orçamento abarca muitos
dos aspectos da contabilidade gerencial, que vão desde a análise de custos, controle, medição
até a avaliação de recursos e atividades de uma organização.
Verifica-se que o planejamento é fundamental para o sucesso de projeção orçamentária,
seguido pelo controle e acompanhamento das atividades por ele determinadas. Quanto ao
objetivo de controle, Lunkes, Feliu e Rosa (2011) abordam que o orçamento direciona a
execução por meio da comparação do previsto com o realizado, por meio da análise das
diferenças entre ambos, implementando as medidas de ajustes e, também, antecipando
resultados esperados no futuro de um determinado período.
Segundo Eyerkaufer, Possamai e Gonçalves (2014, p. 190), “a quantificação dos planos
estratégicos ocorre a partir do orçamento, que, além de exprimir o planejamento em termos
monetários, funciona como ferramenta de controle e caracteriza-se como peça estratégica no
processo de gestão”. Os autores apontam que o orçamento “é um instrumento de ação que
busca visualizar e antecipar os resultados almejados” (EYERKAUFER; POSSAMAI;
GONÇALVES, 2014, p. 190).
O plano de ação futuro é resultado de decisões presentes projetadas, Oliveira (2004) classifica
o planejamento em: estratégico de longo prazo; planejamento tático de médio prazo e, ainda,
o planejamento operacional, ou de curto prazo, que é o detalhamento das metas de longo e
médio prazos transformadas em planos de ação e orçamentos anuais. O controle orçamentário
é um instrumento que permite aos gestores avaliar e controlar quão próximo estão os
resultados em relação ao que planejou para determinado período. Permite desenvolver ações
corretivas que visam auxiliar a aproximar-se cada vez mais das metas planejadas
(FREZATTI, 2009).
Quanto à utilização do orçamento, Hansen e Van Der Stede (2004) estudaram as razões pelas
quais os gestores utilizam o orçamento, a fim de identificar, dentre essas razões, quais
características influenciam o seu desempenho. Os resultados indicaram que as razões de orçar
basearam-se no grau de importância e performance e foram divididos em ações de curto prazo
ou operacionais, e de longo prazo ou estratégicas. Dentre as razões, destacaram-se:
planejamento operacional, avaliação de desempenho, comunicação de metas e formação de
estratégias.
As razões que motivam o uso do orçamento advêm de acontecimentos anteriores à elaboração
do mesmo, que podem sofrer influência tanto do ambiente externo quanto do ambiente
1678
interno, como: fluxo de produção/tarefas e recursos, estratégia de organização, estrutura e
tamanho (HANSEN; VAN DER STEDE, 2004). Os autores, ao analisarem a inter-relação
entre os acontecimentos anteriores e as razões de orçar, demonstram que a maior execução
orçamentária está focada nas razões: planejamento operacional, avaliação de desempenho e
formulação da estratégia, e essas razões estão positivamente associadas com o desempenho da
unidade organizacional.
Segundo Frezatti (2009), as organizações encontram dificuldades para projetar expectativas
realistas em ambientes altamente instáveis como a economia brasileira, mas o autor indica as
vantagens do planejamento orçamentário, evidenciadas no Figura 2.
Vantagens do Planejamento Orçamentário
- Atividades da empresa serão desenvolvidas de
forma coordenada;
- Propicia maior transparência a seus usuários;
- Decisões serão tomadas antecipadamente; - As responsabilidades estarão definidas e delegadas;
- Haverá um comprometimento de todos os
membros da organização;
- Haverá mais eficiência nas tarefas;
- Possibilita maior entendimento mútuo; - Forçará a autoanálise;
- Permite a avaliação do progresso realizado.
Figura 1 – Vantagens do Planejamento Orçamentário
Fonte: Frezatti (2009).
Percebe-se que são várias vantagens para o planejamento orçamentário, Sanvicente e Santos
(1983, p. 19) destacam que o objetivo do orçamento é funcionar como instrumentos de
planejamento administrativo: “os orçamentos elaborados fornecem direção e instruções para a
execução de planos, enquanto o acompanhamento, levando ao controle, permite a comparação
das realizações da empresa ao que tenha sido planejado”.
Para Zdanowicz (1983), o orçamento é um plano administrativo que expressa
quantitativamente todas as operações da empresa, num período determinado para o qual
algumas técnicas devem ser usadas na elaboração: a tendência, a correlação e o estudo de
mercado. Assim, no ambiente organizacional, o direcionamento ao processo de gestão deve
ser estabelecido com base no orçamento, conforme o ciclo empresarial evidenciado na Figura
3.
Figura 2 – Planejamento Orçamentário no Ciclo Empresarial
Fonte: Adaptada de Boisvert (1999).
1679
O processo orçamentário deverá atender ao planejamento da organização, para isso o ciclo
administrativo deve estar alinhado com as metas da empresa. Atkinson et al. (2000) indica
que o processo do orçamento deve abarcar o planejamento, programação, execução, controle e
análise das variações e correções.
Oportuno destacar, que de acordo com Jiambalvo (2002, p. 211), “mesmo que o orçamento
seja cuidadosamente elaborado, a empresa pode experimentar aumentos de preços
imprevisíveis e inevitáveis”. Essas variações servem de informações para que os gestores
estipulem ações corretivas para que, no próximo período, se tenha melhorado o resultado no
processo orçamentário.
3. Metodologia
Em relação aos procedimentos adotados, este estudo contextualizou a temática por meio de
revisões da literatura sobre o tema, utilizando-se principalmente da obra de Gold e Gold
(2011) e dos relatórios oficiais dos jogos. Este procedimento, de acordo com Noronha e
Ferreira (2000) apresenta-se como atividade importante para identificar, conhecer e
acompanhar o desenvolvimento da pesquisa em determinada área do conhecimento.
Conforme os mesmos autores, as revisões podem ser classificadas segundo seu propósito,
abrangência, função e tipo de análise desenvolvida. Desse modo, este trabalho pode ser
classificado da seguinte forma:
a. quanto ao propósito da revisão (analítica ou de base): este trabalho é analítico, pois trata-se
de uma revisão sobre um tema específico, agrupando os vários desenvolvimentos ocorridos
sobre uma temática ao longo de um período, no caso, sobre o planejamento orçamentário e os
valores divulgados publicamente dos custos dos jogos olímpicos, coletados principalmente da
obra de Gold e Gold (2011) e documentos oficiais de Olimpíadas e de outras fontes que
trazem as memórias das cidades, desde o planejamento da candidatura até a realização do
evento;
b. quanto à abrangência da revisão (temporal ou temática): este trabalho é temático, centrado
em um recorte específico sobre edições de dez cidades-sede (Montreal 1976, Moscou 1980,
Los Angeles 1984, Seul 1988, Barcelona 1992, Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004,
Pequim 2008, Londres 2012);
c. com relação à função da revisão (histórica ou de atualização): este estudo é histórico, pois
arrola a literatura retrospectiva de forma compacta, permitindo a comparação de informações
de diferentes fontes;
d. quanto ao tratamento e abordagem dados aos trabalhos analisados da revisão: o trabalho se
caracteriza como pesquisa descritiva quanti-quali e objetiva servir como subsídio para
comparação das diferentes fontes, permitindo uma seleção daquelas de maior interesse
relativo ao tema abordado. Os valores orçamentários foram coletados, comparados e
analisados juntamente com a explicação dada para as diferenças, por meio do método da
análise de conteúdo (BARDIN, 1977).
Os limites desta pesquisa estão em analisar o planejamento orçamentário e os valores
divulgados publicamente dos custos dos jogos olímpicos, com base apenas nas edições de dez
cidades-sede (Montreal 1976, Moscou 1980, Los Angeles 1984, Seul 1988, Barcelona 1992,
Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012). Dessa forma, sugere-
se ampliar a análise acrescentando o restante das Olimpíadas da era moderna.
4. Análise dos Resultados
Os dados foram coletados em diversas fontes, mas principalmente a partir dos relatórios
oficiais dos Jogos Olímpicos e da obra de Gold e Gold (2011). Os resultados são tratados de
1680
acordo com cada edição do evento, e depois serão apresentados de forma geral, em um
quadro-resumo e análise geral.
Montreal, 1976
Montréal 1976 (1976) e Latouche (2011) apresentam gastos como sinônimos de custos, e
revelam que apesar de haver uma preocupação inicial em não ultrapassar o orçamento total
em US$ 310 milhões, os jogos atingiram US$ 1,5 bilhão, ou seja, quase cinco vezes mais que
o valor previsto. Segundo os documentos oficiais, a grande diferença deveu-se a dificuldades
técnicas, subestimação dos custos de materiais e de mão-de-obra, além de outras técnicas
utilizadas na construção das instalações olímpicas. Os diretores estavam atentos aos gastos,
mas aprovavam ao votarem em comitês, com apoio da maioria.
Moscou, 1980
Ao elaborar o orçamento, além de prever os ganhos com a bilheteria, os organizadores
também promoveram a comercialização de loteriais, que contribuíram de forma significativa
para atingir os valores desejados (GAMES OF THE XII OLYMPIAD, 1980). Todos os gastos
que envolveram a infraestrutura de Moscou foram cobertos pelo governo soviético, e tais
gastos estavam alinhados com o plano de desenvolvimento de cinco anos para a URSS. As
receitas esperadas vinham de: loterias (praticamente metade da receita total), licenciamento,
programa de moedas, direitos de televisão, patrocinadores, selos, bilheteria e outros (GAMES
OF THE XII OLYMPIAD, 1980).
Los Angeles, 1984
Diferentemente das outras edições, os documentos oficiais dos jogos de Los Angeles de 1984
deixam claro que o orçamento foi baseado nas receitas que viriam dos ganhos com as
transmissões televisivas. Com isso, estimou-se um lucro de aproximadamente US$ 12
milhões (OFFICIAL REPORT, 1984). Os valores do orçamento total eram revisados com
precisão e foram testados sete meses antes do início dos jogos. Além disso, é importante
ressaltar que durante o planejamento orçamentário, os organizadores consideraram os
resultados das Olimpíadas de Montreal e entenderam que uma cidade que já tivesse diversas
instalações esportivas seria mais rentável que outra que não as apresentasse milhões
(OFFICIAL REPORT, 1984).
Seul, 1988
De acordo com o Official Report (1988), houve falta de apoio orçamentário em diversas
atividades esportivas, mas foi realizado um esforço importante na parte logística que
economizou 14,6 bilhões de wons. Dessa forma, percebeu-se que diversos desperdícios
poderiam ser evitados. O departamento de planejamento era responsável por controlar o
orçamento geral e as políticas básicas eram bem definidas e executadas; além disso,
aproveitou-se bastante do orçamento para investir em equipamentos esportivos, que depois se
mostraram relevantes para estimular a indústria do esporte no país (OFFICIAL REPORT,
1988).
Barcelona, 1992
Barcelona 1992 (1992) e Monclús (2011) destacam que o planejamento orçamentário dessa
edição teve que considerar fortemente a questão da modernização da cidade, principalmente
com a crise econômica que se seguia após a morte de Franco, em 1975. Até então, foram os
maiores custos divulgados em jogos olímpicos. Os projetos urbanos e arquitetônicos foram
elaborados a fim de reconstruir a cidade-sede e melhorá-la para atrair turistas, sendo bastante
eficientes com tais projetos. Isso mostra que o orçamento previsto foi bastante além do grande
evento esportivo, pois envolveu uma transformação que até ganhou prêmios de
1681
reconhecimento arquitetônico para a modernidade e racionalidade (MONCLÚS, 2011). No
caso de Barcelona, a imagem construída gerou oportunidades de negócio que não se
mensurou no orçamento inicial, e atualmente é considerado o melhor modelo de legado.
Atlanta, 1996
Para um bom controle orçamentário, as prioridades eram constantemente discutidas nas áreas
funcionais e as equipes traziam soluções com eficiência nos custos. Diversas adaptações nas
instalações dos jogos foram realizadas a fim de atender o orçamento previsto (THE
COMPETITION RESULTS, 1996). A revisão frequente do orçamento foi fundamental para
que essa edição apresentasse lucros, pois os orçamentos eram desenvolvidos, testados e
refinados após discussões (THE COMPETITION RESULTS, 1996).
Sydney, 2000
Quatro anos antes do início dos jogos, diversos dados orçamentários foram detalhados e
revistos para verificar se os custos seriam cobertos pelas futuras receitas. Nesse momento, os
custos foram revistos e os legados foram previstos. A ideia era otimizar o desenvolvimento
das instalações esportivas de acordo com os requisitos mínimos e obter alguns parâmetros
(PREPARING FOR THE GAMES, 2000). O documento traz o termo “gastos” para os custos
operacionais, e dois terços desse valor foi financiado pelo governo australiano. Em relação
aos custos, a maior diferença entre o orçado e o realizado foi nos transportes, pois previu-se
um gasto de A$ 25 milhões, mas foram utilizados A$ 370 milhões (PREPARING FOR THE
GAMES, 2000). Segundo o documento, o prejuízo de mais de dois milhões de dólares
ocorreu devido a contratos não cumpridos e baixas vendas, tendo um resultado bastante
ineficiente.
Atenas, 2004
Athens 2004 (2004) e Gold (2011) revelam que, em 1996, previa-se um lucro para esses
jogos, com gastos totais de US$ 1.570 milhões e receitas que gerariam US$ 1.607 milhões;
porém, sabe-se a Grécia gastou em torno de US$ 15 bilhões para realizar o evento. De acordo
com eles, a diferença poderia ser justificatida por: premissa do euro, instalações esportivas
que tiveram custos bastante variados, e implementação de um plano que impactou no
rascunho do orçamento inicial (ATHENS 2004, 2004). As revisões orçamentárias eram feitas
a cada semestre, e limitavam o valor de acordo com a previsão das receitas, cujos
patrocinadores tiveram participação importante. Ao final, houve um grande prejuízo devido a
grandes problemas técnicos e o investimento na estrutura da cidade-sede que não gerou
retorno financeiro.
Pequim, 2008
Beijing 2008 (2008) declara que os orçamentos foram realizados pelo departamento de
finanças do governo chinês e apresentados ao COI. Foram necessários ajustes no plano
orçamentário e primeira versão foi divulgada em maio de 2005, cujos gastos foram
recalculados. A implementação do orçamento considerou: leis governamentais em relação às
finanças, gestão financeira integrada, foco em projetos-chave, e equilíbrio entre gastos e
receitas (BEIJING 2008, 2008). Pode-se entender que os jogos na China foram bem
sucedidos, pois tiveram os melhores resultados financeiros até hoje.
Londres, 2012
Apesar de o orçamento previsto ser de 9,325 bilhões de libras esterlinas, as Olimpíadas de
Londres 2012 tiveram os custos totais de 14,6 bilhões de libras esterlinas, de acordo com
Knight e Ruscoe (2012) e Evans (2011). As autoridades dessa edição deixaram claro que a
proposta era promover um evento verdadeiramente especial, desde que estivessem dentro do
1682
orçamento (KNIGHT; RUSCOE, 2012), e foi exatamente o que se cumpriu, pois os jogos se
pagaram.
Alguns dados orçamentários são revelados maior precisão que outros, destacam-se
positivamente os relatórios oficiais das edições de Los Angeles 1984 e Sydney 2000. Alguns
dos relatórios são superficiais em relação aos valores declarados, enquanto outros são bem
detalhados. De qualquer forma, cabe afirmar que há organizações que, após a realização dos
jogos, ainda investigam sobre os dados divulgados, apresentando até outros dados oficiais,
mas este não era o objetivo deste trabalho.
Quadro 2 – Resumo dos orçamentos, custos e resultados dos jogos olímpicos, de
Montreal 1976 a Londres 2012
Edição
Orçamento
operacional
(em $ mi)
Custos
totais
(em $ mi)
Resultados
financeiros
(em $ mi)
Resultados intangíveis Observações
Montreal, 1976
207 1.200 -990
Imagem negativa ao final dos jogos e
visita de poucos turistas. Arquitetura para a cidade, assim como mais
estrutura para transportes.
Custo-benefício de baixo impacto, apesar das altas expectativas.
Moscou,
1980 231 1.350 -1.190
Foram os melhores resultados da URSS, em pleno cenário de guerra
fria.
Houve um boicote de 69 países, o que tirou bastante legimitidade
dessa edição.
Los
Angeles,
1984
3.210 413 +250
Provou-se que os jogos podem ser
lucrativos quando realizados com o apoio da iniciativa privada e
comercialização massiva.
Foram os primeiros jogos que
apresentaram lucro financeiro,
depois de 52 anos.
Seul, 1988 4.000 - +300
Promoção de grande desenvolvimento econômico para o
país, além da divulgação da imagem
do país.
Foi o melhor resultado financeiro
já atingido por um evento gerido por uma entidade governamental.
Barcelona, 1992
1.300 10.000 +10
Transformação da cidade, aumento significativo no turismo e melhorias
na área de transportes. É conhecida
por ser a edição que gerou o maior
legado cultural e social.
Apesar de não apresentarem um
lucro significativo, os gastos se converteram em melhorias
relevantes na estrutura da cidade.
Atlanta,
1996 1.800 - +10
Melhoria na parte de transportes
(aeroporto, metrô), criação de um museu, e crescimento dos
empreendimentos imobiliários. As
instalações esportivas foram bem aproveitadas pelos times locais.
O lucro atingido foi em grande
parte conquistado por meio de patrocínios empresariais.
Sydney, 2000
6.600 - -2.100
Conscientação da preocupação
ambiental e otimização no uso das instalações esportivas, promovendo
grandes eventos.
Houve um prejuízo significativo
por não gerar o retorno financeiro
esperado.
Atenas, 2004
15.000 8.957 -14.500
Desenvolvimento da infraestrutura
de Atenas (aeroporto, metrô) e
restauração dos pontos turísticos.
Os economistas costumam
atribuir a crise econômica da Grécia ao péssimo resultado dos
jogos na sua capital.
Pequim,
2008 44.000 - +1.000
Melhorias na estrutura dos
transportes para superar os
engarrafamentos, e apresentação de novas tecnologias.
Por serem um país de regime bastante restrito, poucas
informações foram
disponibilizadas. Há estimativa de que os jogos terão valido a pena,
financeiramente, após 30 anos.
Londres,
2012 10.400 14.600 0
As instalações esportivas foram
construídas a fim de serem aproveitadas para o esporte,
olímpico ou não. Entusiasmo pelo
esporte que foi gerado nos jovens do país.
Entende-se que os jogos se
pagaram, pois não houve lucro operacional. As desapropriações
necessárias foram mal vistas, pois
pagou-se menos que os valores de mercado.
Fonte: elaborado pelas autoras.
Os jogos olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, até fevereiro desse mesmo ano, apontam que
os resultados financeiros operacionais serão como os apresentados por Londres, ou seja, sem
1683
ganhos nem perdas. Segundo os organizadores, diversos gastos imprevistos estão sendo
superados por cortes nos custos desenhados anteriormente, como a redução no número de
voluntários e diversas arquibancadas que seriam montadas temporariamente para os jogos.
Ao analisar o Quadro 2 e os dados particulares de cada edição, percebe-se que os dados
financeiros quanto a orçamento, custos e resultados financeiros são relativos, por mais que os
conceitos sejam bem definidos. Os valores são contextuais, nem sempre são divulgados de
forma homogênea e os números devem ser analisados de forma cautelosa.
5. Considerações Finais
O objetivo deste trabalho era analisar o planejamento orçamentário e os valores divulgados
publicamente dos custos dos jogos olímpicos, com base nas edições de dez cidades-sede
(Montreal 1976, Moscou 1980, Los Angeles 1984, Seul 1988, Barcelona 1992, Atlanta 1996,
Sydney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012), a fim de contribuir para o construto
conceitual comparado aos termos práticos nesse campo cada vez mais expressivo
financeiramente, assim como observar os resultados obtidos, tanto financeiramente quanto na
forma de legado. Tais pontos foram superados, à medida que cada edição teve seus dados
apresentados e discutidos tanto quantitativamente quanto qualitativamente.
Foi possível verificar que os maiores gastos nem sempre representavam má gestão do
orçamento, pois significava que a cidade-sede necessitava de estruturas maiores. Kitchin
(2011) afirma que uma nova instalação esportiva pode custar em média US$ 2 bilhões,
enquanto uma reforma envolve US$ 242 milhões, quase um décimo desse primeiro valor.
Então, cada cidade teve que realizar um planejamento do que seria necessário construir e
reformar, além de verificar quais seriam as melhorias a serem feitas na infraestrutura geral
para que recebessem os jogos adequadamente. Cidades com tradições esportivas tiveram
vantagens nesse sentido, assim como aquelas que já estavam minimamente preparadas para
promover grandes eventos.
No entanto, entende-se que os resultados financeiros atingidos estão diretamente relacionados
à competência dos organizadores de cada edição olímpica. Alguns otimizaram seus resultados
por meio de patrocínios, comercialização de produtos, venda de ingressos e turismo, enquanto
outros tiveram gastos que não se cobriram, com destaque para Moscou (afetado pelo boicote),
Sydney (mau planejamento) e Atenas, cujos jogos impactaram os cofres públicos e até levou
ao colapso do país.
Um achado importante é que, nas últimas edições, percebeu-se um controle orçamentário
mais frequente e mais detalhado. Quanto mais esse processo foi realizado, melhores foram os
resultados financeiros obtidos. Além disso, sugere-se que os legados possam ter seus ganhos
financeiros mensurados, pois percebe-se que alguns resultados intangíveis foram bem
relevantes, mas nem sempre visíveis na parte financeira.
Para futuros estudos, propõe-se a análise mais detalhada dos dados financeiros dessas edições,
além dos jogos de inverno e outros megaeventos, como a Copa do Mundo promovida pela
FIFA e outros campeonatos mundiais. Espera-se que tais aprendizados possam também
contribuir para os eventos esportivos no Brasil, principalmente os jogos no Rio de Janeiro em
2016.
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