ufmt ciência nº 1

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ufmtCiência REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO SERÁ QUE É VERDADE? Piranhas são peixes assassinos? 40 ANOS Trajetória da pesquisa conta a história da UFMT. Nº 01 SET/OUT/NOV DE 2010 PAIXÃO e discórdia entre adolescentes . COMO FUNCIONA? Como a cana-de- açúcar vira

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Revista de divulgação científica

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Page 1: UFMT Ciência nº 1

ufmtCiênciaREVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

SERÁ QUE É VERDADE?Piranhas são peixes assassinos?

40 ANOSTrajetória da pesquisa conta a história da UFMT.

Nº 01 SET/OUT/NOV DE 2010

PAIXÃOe discórdiaentre adolescentes

.

COMO FUNCIONA?Como a cana-de-açúcar vira

Page 2: UFMT Ciência nº 1

3 a 5 de Novembro de 2010Hotel Fazenda Mato Grosso

Cuiabá - MT

DE 3 A 5 DE NOVEMBRO DE 2010

Page 3: UFMT Ciência nº 1

A Ciência que a UFMT Produz

Compromisso com a Informação

Inauguramos com esta publicação, a primeira edição da revista UFMT Ciência. O nosso objetivo com esta revista é apresentar à comunidade mato-grossense, em especial aos alunos e professores do Ensino Médio, os projetos de pesquisa que estão em gestação nos diferentes laboratórios, institutos, faculdades e programas de pós-graduação da UFMT. Apresentar à população do Estado o que se pesquisa e o que se produz no interior da universidade é um desafio que há muito nos circunda. A Universidade Federal de Mato Grosso tem um compromisso histórico com os problemas sociais, culturais, educacionais, científicos, tecnológicos e ambientais de nossa região. Estas preocupações devem ser traduzidas em diagnósticos, proposições e desenvolvimento científico. Com esta publicação, damos mais um passo no propósito de levar ao conhecimento da sociedade as atividades de pesquisa desenvolvidas no interior da UFMT, ao mesmo tempo em que promovemos entre os jovens estudantes a cultura científica. A UFMT deve se constituir em um espaço vivo, promotor de idéias, de pensamentos e de atuação coletivos, que realmente sejam significativos para a região em que se insere. Precisa, assim, articular-se permanentemente com outras instituições sociais e com a sociedade civil organizada, com vista à identificação dos principais problemas e questões a serem enfrentados. Contribuir para a realização de investigação científ ica, produção de conhecimentos em diferentes áreas do saber, é, sem dúvida, uma das funções essenciais da universidade. Por este motivo, devemos celebrar a criação da revista UFMT Ciência como mais um espaço de socialização dos resultados das pesquisas realizadas em nossa instituição. É pa r te do es fo r ço de compar t i l ha r conhecimentos para além dos círculos científicos restritos. É também promover a redução das distâncias ainda marcantes na realidade brasileira entre a sociedade e a universidade.

Maria Lucia Cavalli NederReitora da UFMT

Apresentação

Cooperação e trabalho coletivo

Apresentamos à comunidade acadêmica e à sociedade em geral a primeira edição da revista UFMT Ciência. Esta não é uma publicação de pesquisadores para pesquisadores, de cientistas para cientistas, mas de jornalismo científico e cultural. Esta revista é parte do esforço da UFMT para levar ao conhecimento da sociedade os projetos que são gestados e debatidos em seu interior. Para chegar a esta publicação, primeiro foi organizado, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso - Fapemat, um curso de capacitação em jornalismo científico, do qual participaram servidores da UFMT envolvidos com a área de comunicação, profissionais do mercado e alunos do curso de Comunicação Social. Com esse curso, o que se buscou foi tanto capacitar para esta atividade como promover a inserção do jornalismo científico nas preocupações de profissionais, estudantes e servidores.Todos os professores e pesquisadores da UFMT, envolvidos com a organização e com a apresentação de pesquisas; todos os professores especializados em jornalismo científico de diferentes instituições de São Paulo e da Bahia que participaram do curso e todos os profissionais de diferentes publicações nacionais especializadas em jornalismo científico que no curso debateram suas experiências foram fundamentais para a implantação deste projeto.Com o apoio também da Fapemat, esta revista deve a sua inspiração a duas publicações de divulgação científica de extrema relevância para o país: a Pesquisa Fapesp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e à Revista Darcy, da Universidade de Brasília. Em especial, reconhecemos e agradecemos o apoio, incentivo e cooperação da diretora de redação da revista Pesquisa Fapesp, jornalista Mariluce Moura, e de toda a sua equipe de redação. Esta edição inaugural traz reportagens sobre pesqu i sas em d i fe rentes á reas do conhecimento. É uma amostra diversificada do trabalho dos pesquisadores da UFMT. Boa Leitura

Dos Editores

03

Page 4: UFMT Ciência nº 1

ufmtCiênciaN º 0 1 S E T / O U T / N O V D E 2 0 1 0

sumário

conselho editorial

Presidente do Conselho Editorial

Francisco José Dutra Souto

Professor da Faculdade de Medicina

Bolsista Produtividade em Pesquisa (PQ) – CNPQ

Coordenador do Conselho Editorial

Benedito Diélcio Moreira

Professor do Departamento de Comunicação da UFMT

Editor-Chefe da UFMT Ciência

Secretário de Comunicação e Multimeios

Adnauer Tarquínio Daltro

Professor do Departamento de Engenharia Civil

Pró-Reitor de Pesquisa

Eduardo Guimarães Couto

Professor da Faculdade de Agronomia

Germano Guarim Neto

Professor do Departamento de Ecologia e Botânica

Javier Eduardo López Díaz

Professor do Departamento de Comunicação Social

Joanis Tilemahoz Zervoudakis

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência

José de Souza Nogueira

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Física

Ambiental

Leny Caselli Anzai

Professora do Departamento de História

Pró-Reitora de Pós-Graduação

Ludmila de Lima Brandão

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos

de Cultura Contemporânea

Maria Santíssima de Lima

Editora Executiva da UFMT Ciência

Coordenadora de Imprensa da UFMT

Paulo Teixeira de Sousa Júnior

Professor do Departamento de Química

Coordenador de Relações Internacionais

Valério de Oliveira Mazzuoli

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito

Agroambiental

11

03

06

08

12

ApresentaçãoA ciência que a UFMT

produz

ContrapontosEfeito Estufa: o homem

constroi a maior

Como Funciona?Como a cana-de-

açúcar vira

Jovem CientistaQuero ser um pesquisador

da UFMT

Tocando o FuturoBolo de cenoura sem

glúten

29PAIXÃOEntendimentos e desentendimentos de adolescentes apaixonadosPesquisa revela que oito, em cada dez adolescentes, são vítimas de diferentes

Fo

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Page 5: UFMT Ciência nº 1

exp

ed

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te

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Emoção e RazãoPaixão: entendimentos e desentendimentos de adolescentes apaixonados

DossiêPesquisa na UFMT caminha lado a lado com a sociedade

DesenvolvimentoApoio à pesquisa acelera resultados

Outros SaberesOs benzedeiros de Joselândia

OpiniãoExpectativas em torno de um nascimento

Arte Aqui e Agora

Sons, músicos, física e

Mistérios da VidaO cuidado parental

dos piolhos de cobra

Descobertas e Inovações

Mais Conforto na recuperação pós-

Será que é verdade?

Piranhas são peixes assassinos?

Era uma Vez...Livros e gabinetes de

leitura em Cuiabá

46

29

34

41

44

24Piranhas são peixes assassinos? Há muita fantasia sobre estes peixes, mas a imaginação fantasiosa não os tornam menos perigosos.

34Pesquisa na UFMT caminha lado a lado com a sociedade

Os mais de 1354 projetos de pesquisa em andamento na UFMT mostram uma universidade engajada com a sociedade

UFMT Ciência Cecília Fukiko Kimura Tardim, Tais Costa MarquesRevista de jornalismo científico da Universidade Pró-Reitor do Campus de Sinop Projeto Gráfico, Design e DiagramaçãoFederal de Mato Grosso Marco Antônio Araújo Pinto Javier Eduardo López DíazUFMT – Universidade Federal de Mato Grosso Pró-Reitor do Campus Araguaia IlustraçõesReitora José Marques PessoaMaria Lúcia Cavalli Neder Secretário de Gestão de Pessoas Victor Capato Ianes Nogueira Vice-Reitor Paulino Simão de Barros FotografiaFrancisco José Dutra Souto Secretário de Tecnologia da Informação e da Luiz Carlos Sayão, João Conceição, Nilza GuiradoPró-Reitora Administrativa Comunicação SECOMM - UFMT, SECOM - MT e Wikimedia CommonsValéria Calmon Cerisara Alexandre Martins dos Anjos RevisãoPró-Reitora de Ensino de Graduação Secretario de Comunicação e Multimeios Maria de Jesus Patatas, Cristina PiloniMyrian Thereza de Moura Serra Benedito Diélcio Moreira Revista UFMT Ciência Ano I NºI Pró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência Coordenação de Jornalismo e Imprensa Tel: 065 3615 8330/8331Luis Fabrício Cirillo de Carvalho Maria Santíssima de Lima Email: [email protected]ó-Reitor de Pesquisa Revista UFMT Ciência Avenida Fernando Correa da Costa, 2367Adnauer Tarquínio Daltro Editor-Chefe Boa Esperança – Cuiabá – Mato GrossoPró-Reitora de Planejamento Benedito Diélcio Moreira CEP: 78060-900Elisabeth Aparecida Furtado de Mendonça Editora Executiva Universidade Federal de Mato GrossoPró-Reitora de Pós-Graduação Maria Santíssima de LimaLeny Caselli Anzai ReportagemPró-Reitora do Campus de Rondonópolis Selma Alves, Géssica Vilela, Coroline Landhi, Camila

Alexandre Cervi

Page 6: UFMT Ciência nº 1

6

Contrapontos

graus maior. Adicionalmente, ainda

deveria ser levado em conta o aumento

da taxa de emissão de metano, outro

gás de efeito estufa, protagonizado

pelo aumento do rebanho mundial de

gado, o que agravaria ainda mais o

problema.

Diante desses resultados, existe

controvérsia entre cientistas, políticos,

engenheiros e pensadores acerca da

real dimensão dos impactos advindos

do aumento do efeito estufa. Há

a qu e l e s q u e a c r e d i t am que

naturalmente o meio-ambiente pode

minimizar os efeitos, mas há outros

que, no outro extremo, como o

químico inglês James Lovelock,

acreditam que bilhões de pessoas

morrerão prematuramente nas

próximas décadas em função do

fenômeno.

Efeito estufa: Uma farsa?

Entre as previsões pouco otimistas e as

alarmistas, há, no entanto, aqueles que

simplesmente não acreditam que a

injeção de gás carbônico na atmosfera

tenha qualquer impacto sobre o clima

e que o aumento na temperatura

registrada nas últimas décadas são

atribuíveis a fenômenos naturais, os

quais, em breve, darão lugar a tempos

de declínio contínuo da temperatura.

Há, ainda, os que acreditam que a

injeção de gás carbônico na atmosfera

tenha um efeito inverso – que a

Profa. Dra. Iramaia Jorge Cabral de Paulo- Prof. Dr. Sérgio Roberto de Paulo

Os impactos de um possível aumento do efeito estufa sobre o clima na Terra têm se constituído num dos debates científicos, e políticos, mais controversos da história da

ciência. Há evidências de que existe uma correlação entre a quantidade de gás carbônico injetado na atmosfera e a sua temperatura média, indicando que essa

quantidade estaria aumentando substancialmente nas últimas décadas em função da ação antrópica. Contudo, a Terra está sujeita a ciclos naturais de aquecimento e resfriamento. Assim seria o aquecimento global uma condição natural ou fruto do

impacto do desenvolvimento sobre o meio ambiente?

Efeito estufa:Estaria o homem construindo a maior

catástrofe climática de sua história?

Page 7: UFMT Ciência nº 1

Contrapontos

poluição tem o efeito predominante de

bloquear a radiação solar, reduzindo a

incidência de energia sobre a superfície

da Te r r a , consequen temen te

contribuindo com o seu resfriamento –

essa é a

contraditórios. Em particular, no que

diz respeito à elevação dos oceanos,

alguns apontam alguns centímetros

nas próximas décadas, enquanto

outros falam em dezenas de metros, posição, por exemplo, mudando definitivamente o contorno

defendida no documentário “Global dos continentes.Dimming” da BBC, sugerindo que o Adicionalmente, quando se leva em aumento da poluição atmosférica conta aspectos políticos, a polêmica poderia ter um efeito de resfriamento se torna ainda mais complexa... afinal, global, e não de aquecimento, como a que grupos interessa que o aumento sugere a bastante conhecida posição do efeito estufa esteja ou não levando do ex-vice-presidente dos EUA, Al a um quadro definitivo de mudança Gore, exposta no filme “Uma Verdade do clima?Inconveniente”. Contudo, somente a continuidade dos O principal argumento daqueles que estudos e pesquisas sobre o tema, rejeitam a preocupação com um associados a medidas educativas possível aumento do efeito estufa é a pode resultar em mudança de hábitos própria inconsistência dos resultados que garantam a manutenção da raça de projeções sobre as conseqüências humana no planeta. Isso requer do fenômeno. As ciências ambientais decisão política de investir mais nas ainda são recentes, sendo que há pesquisas, na formação de novos grande desconhecimento, por parte pesquisadores e, obviamente, na da comunidade científica, sobre os educação básica para que possamos processos que envolvem a interação entender significati-vamente as inter-dos ecossistemas com a atmosfera. relações do homem com a natureza, Assim há, ainda, grande divergência fazermos escolhas baseados no entre modelos e resultados de conhecimento e não na nossa pesquisas diferentes. Por exemplo, há ignorância sobre o tema e, quem estudos que indicam que a Floresta sabe, mudar de hábitos e atitudes Amazônica é absorvedora de frente à problemática das mudanças carbono, outros, no entanto, apontam climáticas. Uma coisa é certa, cabe a o contrário. nós escolhermos permanecer como Nesse cenário de dúvidas e uma espécie no planeta ou se a Terra inconsistências, a divulgação de continuará sem nós. Seria mais fácil nos artigos pelos meios de comunicação inserirmos como parte efetiva da contribui, de certa forma, para intrincada teia da vida e não senhores aumentar a polêmica. Um sem donos e proprietários. É uma questão número de artigos publicados em de aprender a usar algo que a espécie jornais e revistas não-científicas humana tem de mais precioso: o livre semanais aponta uma quantidade arbítrio com amorosidade.absurdamente grande de dados

X...somente a continuidade dos estudos e

pesquisas sobre o tema, associados a

medidas educativas pode

resultar em mudança de hábitos que garantam a

manutenção da

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Page 8: UFMT Ciência nº 1

Como Funciona?

onte de energia para o corpo e para os como o açúcar, teve sua tecnologia aprimorada. As carros, a cana-de-açúcar, depois

primeiras experiências com álcool Fde transformada em açúcar e

surgiram na época da crise financeira de etanol, se torna capaz de mover as

1929, quando houve queda no pessoas e as máquinas que as

consumo de açúcar e os produtores conduzem, isso a partir da absorção de

buscavam alternativas de produção.seus açúcares ou queima de seu álcool. Mas foi na década de 70, com a crise do E tem mais: o bagaço da cana-de-petróleo, que o governo investiu no

açúcar, que sobra dos processos de biocombustível, intensificou a produção

fabricação de etanol e açúcar, também e estimulou a fabricação de carros pode se transformar em energia movidos a álcool com a criação do Pró-elétrica, produzida a partir do calor Álcool, Programa Nacional do Álcool.

Na época, as usinas recebiam incentivos proveniente de sua queima. Ou seja, a e subsídios para fabricar o etanol. Com cana-de-açúcar é energia pura, este estímulo do governo, a frota

independente se é para iluminar a nacional ganhou 10 milhões de veículos

cidade, movimentar veículos ou com motores à combustão etílica, ou alimentar o corpo humano. seja, de álcool etílico, como também é O Brasil tem uma história à parte com a chamado o etanol.cana-de-açúcar. Pioneiro na produção Com a volta da estabilidade do preço de açúcar e álcool, as usinas de açúcar do petróleo em todo o mundo, os surgiram no país em 1532, como veículos a álcool voltaram a perder alternativa econômica, poucos anos espaço no mercado nacional, até que após a chegada dos portugueses. As nos anos 2000 a evolução tecnológica primeiras unidades produtoras de permitiu a criação de motores açúcar foram instaladas em São Vicente bicombustíveis, que funcionam a álcool (SP) e em Olinda (PE), e foi justamente e a gasolina, os chamados motores flex.no Nordeste brasileiro que elas Por ser mais barato do que o ganharam espaço e força. Em Mato combustível derivado de petróleo, Grosso, a produção de cana-de-açúcar novamente a produção de etanol foi a principal atividade do município de disparou no país para alimentar a nova Santo Antônio do Leverger, a 27 km de frota de veículos. A demanda por etanol Cuiabá, no final do século XIX. Naquela e o conseqüente avanço na produção época, pelo menos seis usinas obrigou o governo federal, inclusive, a operavam em Santo Antonio, entre elas realizar um zoneamento na plantação a Itaicy, de propriedade de Antônio da cana-de-açúcar, para delimitar as Paes de Barros, o Totó Paes, ex- regiões onde pode haver o cultivo sem governador de Mato Grosso que foi interferência no ecossistema. assassinado em 1906, quando Mas voltando para a questão governava o Estado. energética, como a cana-de-açúcar se Voltando ao pioneirismo brasileiro, em transforma em combustível? Por quais 500 anos muitas coisas mudaram. As processos ela passa até ser possível seu plantações migraram do Nordeste para consumo tanto alimentar como as regiões Sul e Centro-Oeste, as energético? técnicas foram aprimoradas e mais O professor Antônio Marcos Iaia é produtos extraídos. O álcool, assim

Como a cana-de-açúcar vira combustível?Laís Costa Marques

coordenador da Rede Interuniversitária

para o Desenvolvimento do Setor

Suc roene rgé t i co (R idesa ) , na

Universidade Federal de Mato Grosso

(UFMT). Com experiência em

plantações e usinas de cana-de-açúcar,

ele conta quais são as etapas pelas

quais o vegetal passa para se tornar

açúcar, etanol ou energia elétrica.A Transformação

Ao chegar a uma usina, depois de colhida, a cana-de-açúcar vai direto para a lavagem, que pode ser inclusive a seco, para limpá-la. Depois de limpa, a cana é cortada em pequenos pedaços, que são encaminhados para um aparelho, similar à máquina usada para retirar o caldo da cana nas pastelarias, chamado de desfibrador. É uma espécie de esmagador, ou um difusor, que retira o caldo. A moenda é a máquina mais utilizada para a retirada do caldo da cana-de-açúcar. Ela divide a extração do caldo em quatro etapas e em cada uma a cana passa por um esmagador diferente, denominado de ternos. O comum é que 95% do caldo existente seja extraído da planta. Somente em casos excepcionais se consegue extrair mais do que 95% do caldo. Com o caldo extraído, é hora de cozinhar para depois decantar, ou seja, esperar que as impurezas sólidas se separarem do líquido. Para garantir a limpeza do produto, é adicionado um caldo de enxofre, que atua para retirar outras impurezas que não foram separadas pe lo p rocesso de decantação. Depois de puro, o caldo é cozido novamente, mas desta vez até se transformar em um melado. Neste processo, o caldo vai para o cozimento, se transforma em xarope e depois em melado. Em seguida, o melado é levado

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Page 9: UFMT Ciência nº 1

Como Funciona?

para uma espécie de panela giratória fermentar outro melado. O vinho é

que, ao girar, produz força centrífuga colocado em uma coluna de destilação.

que faz com que os cristais de açúcar Nesta etapa, o álcool é separado da

sejam projetados nas laterais. Este água por possuírem pontos de ebulição

recipiente, a panela, recebe o nome de diferentes. “O álcool evapora a 70°

centrífuga. De acordo com o professor, Celsius, o ponto de ebulição da água é

há na cana-de-açúcar a presença de de 100° Celsius, por isso ao ser

três tipos de açúcares: frutose, glicose e aquecido, o álcool evapora primeiro”,

sacarose. É a sacarose que dá origem ao explica Iaia.A desintegração do vinho em água e açúcar. álcool é feita com a utilização de calor e A partir desta etapa, o processo de resfriamento. Em um tanque cilíndrico e fabricação de açúcar e de etanol se alto, a chamada coluna de destilação, o separa. A sacarose é cristalizada na vinho é despejado. O topo da coluna é centrífuga e separada dos outros dois frio e a base é quente. Assim, o líquido açúcares por meio de uma lavagem. percorre o cilindro e, ao se aproximar da base, o álcool, presente no vinho, evapora antes da água. O vapor é resf r iado e se condensa , se O mel, como é chamado o caldo transformando em líquido novamente. que resulta da lavagem, é encaminhado A água continua dentro da torre e para a produção do álcool, uma vez que evapora mais perto da base, onde a seus componentes são fermentíciveis, temperatura é mais alta. O líquido ou se ja , reagem à ação de condensado é uma solução chamada microorganismos. de álcool hidratado, com uma O Combustívelconcentração alcoólica de 93,8%. Este é Antônio Marcos Iaia explica que a o produto utilizado como combustível. processo de produção do açúcar é O álcool anidro, que é adicionado na mecânico, já a produção de álcool é um gasolina, surge depois de mais uma processo biológico. “Para fazer o álcool retirada de água da solução, que é feita são usadas leveduras, que são os por elementos sequestrantes de água fungos Sacaramices cruvizae, o mesmo ou por uma peneira molecular, que usado para fermentar pão”. As retém as moléculas de água.leveduras adicionadas ao melado se

100% de aproveitamentoalimentam do açúcar e a metabolização Os subprodutos de uma usina são a deste açúcar nos fungos resulta em vinhaça, que sobra da fabricação de álcool e gás carbônico (CO2). álcool, e o bagaço da cana-de-açúcar. A Após a fermentação, que é realizada em vinhaça é reutilizada como adubo nas caldeiras, ou como são conhecidas nas plantações ou na irrigação e assim usinas, dornas de fermentação, o evita-se seu depósito nos rios. melado se transforma em um líquido Depois de todo os processo, a cana-de-chamado vinho, formado após a açúcar é reduzida a uma fibra insolúvel fermentação e que contém álcool, água que atualmente é utilizada na produção e leveduras. Para retirar as leveduras, o de energia elétrica. O bagaço resultante vinho é centrifugado e o 'leite de é queimado em caldeira e o vapor é levedura' é reaproveitado para

O açúcar cristal está pronto. Para fabricar o açúcar refinado ele recebe tratamento químico para deixá-lo mais branco e menor.

Uma Rede para o desenvolvimento da

Cana-de-açúcar

A Rede Interuniversitária para o D e s e n vo l v im e n t o d o S e t o r Sucroenergético (Ridesa) é um projeto nacional com pesquisas desenvolvidas em 10 universidades. Na UFMT a Ridesa conta com a participação de três estudantes de Agronomia, Lucas Ticianel, Demes Resende Gomes e Leandro Barbosa, além de um engenheiro agrônomo, Jorge Hildebrandt, e outros professores que cooperam para o desenvolvimento dos trabalhos, como Leime Ko Baiasti, Daniela Campos, Aluísio Bianchini e Márcio Nascimento, coordenador do curso ao qual o Ridesa está vinculado, a Agronomia.A Ridesa trabalha para o melhoramento genético da cana-de-açúcar com a produção de espécies mais produtivas. Por ano, três milhões de plantas são geradas nos centros de pesquisas espalhados pelo Brasil. As mudas são desenvolvidas a partir do cruzamento genético para se chegar a uma nova espécie. Este processo, apesar de parecer simples, leva em média 10 anos, até que uma nova espécie surja.O professor Antônio Marcos Iaia revela que a Ridesa no Estado ainda está em processo de instalação. “Temos apenas dois anos e ainda estamos começando os trabalhos, mas o importante é que integramos uma rede de estudos e podemos trocar as experiências. Este ano, serão lançadas 13 variedades em todo o país”. Em Mato Grosso, a Ridesa é financiada pela UFMT e conta ainda com a contribuição das usinas de cana-de-

Reação Química da Combustão do Etanol

Uma molécula de etanol reage com três de oxigênio (O2) e 11,3 moléculas de nitrogênio (N2). Resultam da reação duas moléculas de gás carbônico (CO2), três moléculas de água

2 6 2 2 2 2 2C H O + 3 O + 1 1 , 3 N 2 C O + 3 H O + 1 1 , 3 N

9

Page 10: UFMT Ciência nº 1

10

transformado em energia, reutilizada na dentro da célula. Mas o açúcar a ser

própria usina. Antônio Marcos Iaia transformado em energia não está

afirma que hoje em dia não se instala presente apenas no produto derivado da

mais uma usina sem que haja co- cana-de-açúcar. A professora Fabiana

geração de energia. “Hoje se aproveita Aparecida Canaan Rezende, da

tudo em uma usina. E o potencial a ser Faculdade de Nutrição da UFMT, explica

aproveitado poderia ser ainda maior, se que 60% das calorias, unidade de

todo o bagaço produzido no Brasil fosse medida energética do corpo, é

queimado. A energia seria equivalente proveniente dos carboidratos, alimentos

ao que gera uma Itaipu”. que se caracterizam pela presença de Em Mato Grosso, duas, das sete usinas moléculas de carbono. em f un c i onamen to , po s s uem Os carboidratos são aqueles alimentos termelétricas. O diretor executivo do que possuem açúcares, sacarose, frutose Sindicato das Indústrias de Álcool e e glicose, como pães, arroz e o Açúcar de Mato Grosso (Sindálcool), tradicional açúcar. Fabiana Rezende diz Jorge dos Santos, diz que os produtores que ao ser ingerido, o açúcar é querem investir no segmento, mas absorvido pelo intestino depois que aguardam incentivos do governo para a enzimas agem na molécula de sacarose, instalação de geradores. De acordo com transformando-a em glicose e frutose. Santos, a energia a ser gerada, além de Depois de separada, a glicose entra na limpa, iria suprir a demanda do Estado corrente sanguínea e é conduzida para a no período de seca, quando os rios maioria das células do corpo. “É dentro ficam mais vazios. das células que a glicose se oxida e dá

Movendo o corpo e a máquina origem à ATP. A entrada e saída de A energia que o corpo humano utiliza fósforo da molécula de ATP é que para realizar as atividades biológicas, produz a energia necessária para fisiológicas e até sociais é fruto da sobreviver”.transformação do açúcar em Adenosina O Guia Brasileiro de Orientação Tri Fosfato (ATP), a fonte de energia recomenda a ingestão de 2 mil calorias gerada por

dia para que um adulto mantenha as

atividades vitais. Fabiana Rezende

afirma que cada grama de carboidrato

possui quatro calorias, mas reforça que,

além dos carboidratos, o ser humano

precisa ingerir proteínas e vitaminas,

alimentos que apesar de não se

transformarem em açúcares também

possuem calorias.Já dentro de um motor a combustão, o etanol funciona como um combustível devido à produção de calor. A reação do etanol com o oxigênio e o nitrogênio, que é introduzido no motor pela injeção eletrônica ou pelo carburador, resulta na explosão, que neste caso é controlada, o que gera calor e move o motor. As máquinas a combustão funcionam como as termelétricas, a energia necessária para mover as turbinas vem do calor, é energia térmica sendo transformada em energia mecânica.Em carros movidos a álcool, ou etanol, o consumo de combustível é maior do que com o uso da gasolina, isso porque o poder calorífico do álcool é menor. A gasolina produz 9.600 quilocalorias por quilograma, já o etanol produz 6.100.

Como Funciona?

Page 11: UFMT Ciência nº 1

Jovem Cientista

esde que ganhou o primeiro “Sempre quis atuar em um segmento que se

computador, aos 13 anos, Allan enquadrasse ao contexto do Estado e DGonçalves de Oliveira já sabia que contribuísse para o seu desenvolvimento na

aquela seria a máquina de sua vida. Hoje, aos 23 região”, afirma o jovem, que trabalhava na

anos, o computador é mais do que uma formatação de programas de imagens

máquina de diversão, é instrumento de utilizados por pesquisadores florestais. Além do

trabalho e de pesquisa do jovem cientista. Alan objetivo de contribuir para a região, Allan afirma

foi premiado em 2008 como o melhor que quando iniciou as pesquisas identificou

pesquisador de exatas da Universidade Federal uma vocação acadêmica essencial para dar

de Mato Grosso (UFMT). O Prêmio Severino continuidade aos estudos. “Tenho colegas que

Meireles elege os melhores pesquisadores da iniciaram trabalhos de pesquisa e não

UFMT nas três áreas do conhecimento: ciências concluíram pois não se identificaram com esse

humanas, biológicas e exatas. ritmo de trabalho. Eu sempre gostei e ainda

Allan Gonçalves veio de Vila Bela da Santíssima encontrei um professor que é muito dedicado e Trindade, a 540 quilômetros de Cuiabá, para que me ajudou muito”, diz sobre o seu cursar o 3º ano do Ensino Médio e logo no orientador Josiel Maimone que, segundo Allan primeiro vestibular que fez, foi aprovado e, em foi peça-chave para que suas pesquisas 2005, iniciou o curso de Ciências da atingissem os objetivos traçados. Em 2009 Allan Computação na UFMT. Esta foi a única opção encerrou sua participação no grupo de profissional de Allan e um tiro certeiro no futuro. pesquisa com a conclusão do curso de No primeiro semestre de faculdade o estudante graduação. teve contato com os estudos desenvolvidos no

Atualmente, o jovem cientista realiza uma curso de Computação. Ele lembra que os alunos

pesquisa de mestrado em física ambiental e, que atuavam em pesquisas percorriam as salas

novamente com o professor Maimone, ele atua de aula para divulgar os projetos, uma forma de

como ponte entre os pesquisadores sobre divulgar os trabalhos e atrair os novos colegas ,

florestas tropicais e as tecnologias possíveis o que deu certo com Allan, que teve o interesse

para auxiliar o monitoramento. Allan despertado pelos acadêmicos. No segundo

conquistou a vaga no mestrado assim que se semestre Allan passou a integrar o grupo do

formou. Segundo o jovem pesquisador, o professor doutor Josiel Maimone, como

prêmio Severino Meireles foi essencial para voluntário em pesquisa de desenvolvimento de

que obtivesse essa vitória. “O prêmio me programas para computador.

certificou como um pesquisador e comprova Foram seis meses de dedicação à pesquisa sem que além de pesquisar, também sei escrever qualquer tipo de remuneração ou ajuda cientificamente”, afirma o jovem.financeira, até que quando estava no terceiro

Com oito meses de pesquisa, o mestrado de semestre da faculdade conseguiu uma vaga

Allan deve ser concluído em 2012. Em seguida como bolsista Pibic do Conselho Nacional de

ele pretende iniciar o doutorado: “Quero ser Desenvolvimento Científico e Tecnológico

um pesquisador da UFMT. Vou dar (CNPq) para dar continuidade à pesquisa de

continuidade aos estudos até que eu possa desenvolvimento de softwares e hardwares

adentrar no corpo docente da universidade”.para gerenciamento de imagens de florestas.

Jovem Cientista

O Prêmio Jovem Cientista Professor Severino Márcio Meirelles foi criado pela

UFMT e elege, anualmente, de todas as áreas do conhecimento, as três

melhores pesquisas. Um aluno bolsista Pibic na área de humanas, outro de

exatas e um que atua na área das ciências biológicas recebem o título de

jovem cientista e têm seus trabalhos encaminhados para o concurso nacional

Destaque de Iniciação Científica, que premia os melhores alunos Pibic do

Allan Gonçalves de Oliveira, premiado em

2008 como o melhor pesquisador de exatas da

Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

“Quero ser um pesquisador da UFMT!”

Laís Costa Marques

11

Page 12: UFMT Ciência nº 1

Tocando o Futuro

om apenas seis anos de idade, Dominique Romio sabe bem o significado da palavra

“glúten”. Quando alguém lhe oferece um alimento, ela logo pergunta: “Tem glúten?”. Se Ca resposta for sim, Dominique complementa: “Isso eu não posso porque faz mal para

minha barriga”. Ela precisou aprender o que é glúten – proteína presente no trigo, centeio,

cevada e aveia, usada na fabricação de biscoitos, massas e pães – porque possui a doença

celíaca (DC). Os portadores de DC, também conhecidos como celíacos, não podem ingerir

produtos elaborados com essa proteína. Encontrar e preparar alimentos sem glúten não é uma

tarefa fácil. Mas, através da pesquisa, é possível descobrir alternativas para solucionar ou

amenizar o problema.

No Brasil não existem dados precisos sobre o número de celíacos diagnosticados ou a

prevalência da doença na população em geral. No entanto, há dados internacionais apontando

que 1% da população mundial é celíaca. Em pesquisas feitas em algumas cidades brasileiras,

como São Paulo, foi constatada a prevalência de um celíaco para cada grupo de 214 pessoas.

Ao pensar nesse público e na dificuldade de acesso aos alimentos sem glúten, a professora

Angélica Aparecida Maurício, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Mato

Grosso (UFMT), desenvolveu um bolo de cenoura isento de glúten. Além de criar e padronizar

fórmulas para o produto, outro objetivo da professora é avaliar a aceitação e intenção de

compra do consumidor.

A pesquisa faz parte do projeto de doutorado de Angélica, realizado na Universidade Estadual

de Campinas (Unicamp). Embora o estudo não esteja concluído, foi premiado no XXI Congresso

Brasileiro de Nutrição (Conbran 2010), realizado em junho no município de Joinville-SC, como

melhor trabalho na área de Esporte, Marketing e Tecnologia – Comunicações Coordenadas. A

premiação representa o reconhecimento do esforço da pesquisadora em desenvolver um

alimento que atenda um público alvo com dificuldade de acesso a produtos isentos de glúten.

Angélica está verificando a aceitação do bolo de cenoura nas versões com e sem açúcar, para

favorecer celíacos que tenham ou não diabetes também. Esse tipo de bolo foi escolhido por ser

um alimento de fácil aceitação e por não apresentar leite em sua composição, além de ser rico

em vitamina A – importante para o doente celíaco. “Eu fiz os testes de forma que tudo evidencie

para uma produção caseira. A pessoa pode fazer a receita em casa. O diet é um pouco mais

trabalhoso por conta dos ingredientes que são a sucralose, polidextrose e o maltitol”, afirma a

pesquisadora.

Nas conclusões preliminares foi identificada a possibilidade de substituir a farinha de trigo por

farinhas isentas de glúten e, ao mesmo tempo, manter as características sensoriais desse bolo

semelhantes ao tradicional. Foram elaboradas seis diferentes formulações e comparadas ao

bolo padrão (com glúten). Nas formulações é usado um mix de farinhas isentas de glúten, sendo

três fórmulas com açúcar e três sem açúcar. Este mix consiste nos seguintes ingredientes: fubá,

farinha de arroz, fécula (popularmente conhecida como amido) de batata e amido de milho.

Na receita, que inclui cenoura cozida, óleo de milho, açúcar refinado e fermento químico em pó,

o mix é substituído pela farinha de trigo. Nas formulações diet, o teste foi feito com a sucralose –

um tipo de adoçante usado em confeitaria. A satisfação pelo consumo do bolo foi verificada em

pessoas que não possuem a doença celíaca e os resultados obtidos foram positivos. A

pesquisadora explica que seria muito mais complicado testar a satisfação do produto com os

doentes celíacos, pois, para isso, seria necessário pesquisar num local que não oferecesse risco

nenhum de contaminação por glúten. A partícula da proteína pode ficar em suspensão por até

12 horas, comprometendo, portanto, o resultado do estudo. “Então, se a pessoa que consome

alimentos com glúten aprovou o bolo sem glúten, o doente celíaco também deve aprovar”,

sintetiza. Entre as receitas testadas, a mais aceita foi a que não contém o fubá, pois a massa ficou

mais macia.

Pesquisa

Camila Tardin

Farinhas e Féculas

TRIGO = farinha, semolina, germe e farelo.

AVEIA = flocos e farinha. CENTEIO

CEVADA = farinha. MALTE

Todos os produtos elaborados com os cereais citados acima

BEBIDAS

Cerveja, whisky, vodka, gin, e ginger-ale. Ovomaltine, bebidas

contendo malte, cafés misturados com cevada. Outras bebidas cuja composição não

esteja clara no rótulo.

PROIBIDOS

Bolo de Cenoura sem Glúten

12

Page 13: UFMT Ciência nº 1

Na análise sensorial, principal foco do estudo, foi verificado o grau de aceitação do consumidor,

ou seja, foi avaliado um conjunto de características apontadas sensorialmente pelo consumidor

por meio da visão, odor e sabor. A partir daí os consumidores deram nota para o bolo, que

variou de 7 a 8. O público mais velho deu as maiores notas em comparação aos mais jovens. Os

testes foram realizados na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.

Quando o estudo ficar pronto, Angélica pretende tornar público o mix ideal para produção do

bolo de cenoura sem glúten e disponibilizá-lo para empresas que tenham interesse em

comercializar o produto. Doentes celíacos, como Dominique, agradecem a iniciativa.

A doença celíaca pode se manifestar em qualquer fase da vida, desde criança de colo até nos mais

velhos, sendo necessário existir predisposição genética e estar consumindo glúten. Como os

sintomas são diversos e comuns a outras enfermidades, o diagnóstico costuma ser feito muito tarde,

após o paciente passar por vários hospitais e consultórios. Os sintomas mais comuns são: diarréia

crônica, vômitos, irritabilidade, falta de apetite, déficit de crescimento em criança, barriga inchada,

emagrecimento, dor abdominal e anemia.

O diagnóstico tardio pode trazer outras sequelas ao paciente, como osteoporose, perda de

memória, problemas de absorção de intestino, entre outras. Para confirmar a doença existem exames

de sangue que indicam a presença de anticorpos provocados pela intolerância ao glúten. No

entanto, também é importante fazer uma biópsia (retirar uma amostra de tecido interno) do intestino

delgado. O tratamento é ficar longe dos alimentos com glúten. Alguns dos alimentos permitidos são

arroz, legumes, verduras, frutas, ovos, leite, carne, leguminosas, milho, amido de milho, fécula de

batata, farinha e arroz, fubá, polvilho, entre outros.

Aos poucos surgem leis para beneficiar a vida dos doentes celíacos. Desde 1992, por exemplo, uma

lei federal passou a exigir que no rótulo dos alimentos industrializados fosse informada, de maneira

clara, a presença do glúten no produto. A partir de 2003, uma nova regulamentação determinou que

as embalagens apresentem um alerta informando “contém glúten” ou “não contém glúten”.

Recentemente, no Paraná, foi instituída uma lei estadual determinando a exposição separada dos

alimentos nos supermercados, para dietas especiais, como produtos recomendados para pessoas

com diabetes, intolerantes à lactose e com doença celíaca, a fim de evitar a contaminação cruzada.

Para orientar os profissionais de saúde sobre o diagnóstico e o tratamento desse problema em todo

o país, o Ministério da Saúde sancionou, em setembro de 2009, uma portaria contendo o Protocolo

Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença Celíaca.

A DOENÇA

Farinhas e Féculas

As mais indicadas: Arroz, Batata,

Milho e Mandioca.

Arroz = farinha de arroz, creme de

arroz, arrozina, arroz integral em

pó e seus derivados.

O creme de arroz não é um creme

ou pasta, e sim um pó.

Milho = fubá, farinha, amido de

milho ( maisena ), flocos, canjica e

pipoca.

Batata = fécula ou farinha.

Mandioca ou Aipim = fécula ou

farinha, como a tapioca, polvilho

doce ou azedo.

Macarrão de cereais = arroz, milho

e mandioca.

Cará, Inhame, Araruta, Sagu, Trigo

sarraceno

BEBIDAS

Sucos de frutas e vegetais

naturais, refrigerantes e chás.

Vinhos, champagnes, aguardentes

e saquê. Cafés com selo ABIC.

PERMITIDOS

Tocando o Futuro

13

Page 14: UFMT Ciência nº 1

Quando Dominique nasceu, sua mãe,

Aline Lepinsk Romio e Silva, não sabia

mais o que fazer com as constantes crises

de diarréia, vomito e falta de apetite que

surgiram em sua filha após a inclusão de

papinhas e frutas na alimentação. Os

s intomas eram

característicos dos

po r tadores de

doença celíaca, mas

vários médicos de

C u i a b á n ã o

c o n s e g u i a m

d iagnost i ca r o

p r o b l e m a .

D o m i n i q u e

precisou passar por

dez pediatras, um

pneumologista e

um gastro até

d e s c o b r i r e m ,

depois de oito

meses, que ela tinha

intolerância ao

glúten. Os demais

sintomas persisten-

tes na criança, como

d e s i d r a t a ç ã o ,

refluxo, barriga

estufada e dor de

garganta, eram

confundidos com

outras enfermida-

des. “Nossa, eu chorava e rezava muito,

minha preocupação era descobrir logo a

doença”, lembra Aline.

Para tratar o celíaco não há remédio,

apenas dieta alimentar. Com o passar do

tempo a família se adaptou ao novo

cardápio: tudo sem glúten. Até o filho

mais novo, Lorenzo, de 4 anos, segue a

dieta junto com a irmã Dominique, que

está aprendendo a ler e fica atenta à

palavra “glúten” escrita nos rótulos das

PERSONAGEMembalagens. A mãe reclama da dificulda-

de de encontrar alimentos diversificados

isentos de glúten. Além disso, esses

alimentos são bem mais caros do que os

convencionais. “Já tive que enfeitar muita

lata para deixar a comida com uma cara

mais agradável”,

recorda Aline.

Outro problema é

que não existe

armazenamento

adequado dos

p r o d u t o s s em

glúten na maioria

dos supermercados.

O s a l i m e n t o s

p re c i s am f i c a r

separados daqueles

q u e p o s s u e m

glúten para não

correr o risco da

c o n t a m i n a ç ã o

cruzada. A falta de

cuidado com os

rótulos (que devem

informar se contém

ou não glúten) e o

manejo inadequado

do s a l imen to s

também prejudi-

cam o doente

celíaco.

Q u e m q u i s e r

conhecer mais sobre a doença, o blog

“ M a t o G r o s s o S e m G l ú t e n

(http://mtsemgluten.wordpress.com),

criado por Aline, dispõe de outras

informações. Nele, os internautas

encontram orientações sobre a doença e

dicas de alimentação. Os interessados

também podem saber mais informações

no site da Federação Nacional das

Associações de Celíacos do Brasil –

F e n a c e l b r a

(http://www.doencaceliaca.com.br)

l l l l l l l l l l l l

Tocando o Futuro

O melhor tratamento é apenas dieta alimentar

14

Page 15: UFMT Ciência nº 1

que uma parábola tem a ver com

Beethoven? O que os números têm Oa ver com o som e o que uma

batuta tem a ver com o relógio? Estas são

perguntas que parecem sem nexo, mas que

nossos ouvidos interpretam sem entender e

a emoção se manifesta à primeira nota que

soa de um concerto. As orquestras são, em

um único momento, sons e músicos

diferentes e harmônicos ao mesmo tempo.

Orchestra era o nome dado pelos gregos ao

espaço semicircular onde as apresentações

culturais aconteciam, fossem musicais,

teatrais ou de danças. Hoje, Orquestra

denomina qualquer conjunto de músicos,

independente do estilo, ritmo

ou influência que rege as

melodias. Mas é por meio da

música clássica e erudita que

as orquestras são identificadas

mundo afora. Nem tanto

populares, mas bastante

conhecidas, as orquestras

sinfônicas ou filarmônicas

miscigenam curiosidade,

encantamento. Nem

todos assistiram uma

apresentação, mas

todos já ouviram falar.

Nem todos entendem

e muitos têm

Arte Aqui e Agora

curiosidades a respeito.

Para entrar neste mundo de notas, sifras e

instrumentos como espectador é preciso

mais do que ouvidos, é necessário

sensibilidade. Para integrar uma orquestra,

mais do que talento, é preciso dedicação. E

para abrir as cortinas desse espetáculo, o

maestro da Orquestra Sinfônica da

Universidade Federal de Mato Grosso,

Fabrício Carvalho, começa explicando o que

forma uma orquestra de música clássica

erudita. Atualmente as companhias

sinfônicas ousam em parcerias com a

música de estilos populares como o rock, o

samba e até mesmo o rasqueado em Mato

Grosso, mas em suas essências trabalham

interpretando grandes obras, conjunto de

partituras escritas individualmente para

cada instrumento e que em conjunto dão

som a concertos musicais.

Uma orquestra é dividida em conjuntos, ou

câmaras, de acordo com os naipes dos

instrumentos, como são chamadas as

famílias às quais pertencem. Em uma

orquestra clássica, quatro naipes compõem

o grupo: Corda, Madeira, Metal e Percussão.

E cada um remete à reunião de um estilo

instrumental.

A Câmara de Corda, por exemplo, é

composta por instrumentos como violino,

violoncelo. A de Madeira, apesar do nome,

n ã o d e n o m i n a i n s t r u m e n t o s

confeccionados desse material. Esta família

é dos instrumentos de sopro, como as

flautas, e hoje, em sua maioria, eles são

Sons, Música, Física e

MatemáticaLaís Costa Marques

15

Page 16: UFMT Ciência nº 1

Arte Aqui e Agora

idealizado por alguém saia do papel

respeitosamente.

Durante todo o processo, surge no

comando um músico que utiliza de

muita expressão no rosto e uma vareta

na mão para reger o conjunto de

músicos que integram a orquestra. A

vareta não é uma simples vareta, é a

batuta, que na mão do maestro, atua

como um prolongamento de seu dedo e

rodopia pelo ar numa espécie de dança.

Dança que na verdade é a contagem do

tempo. Na outra mão, que aparece livre

numa apresentação, está a intensidade

de cada obra. “É com os gestos que

expressamos a intensidade, a leveza, a

docilidade ou agressividade que aquela

interpretação tem que ter”, explica o

maestro Fabrício Carvalho.

Nes te embaraço de funções ,

instrumentos e notas, o público, muitas

vezes, se atenta apenas ao resultado que,

para ser satisfatório, tem que tocar não só

a música, mas também a emoção de cada

um.

Uma História de Música

Pouco mais nova do que a Universidade

Federal de Mato Grosso, que neste ano

completa seus 40 anos de vida, a

Orquestra Sinfônica da UFMT também

traça no Estado a história da música

clássica. Na verdade, até hoje ela é a

única orquestra completa e, ao longo

dos seus 31 anos de existência, se

caracteriza pela democratização do

gênero. A Orquestra Sinfônica da UFMT

é composta por músicos de diferentes

formações

feitos de metais. Os outros dois naipes

são os que ficam mais distantes do

público geograficamente, mas seus

sons estão entre os mais fortes de uma

orquestra. O Metal é a família do

trompete e das tubas, por exemplo,

enquanto a Percussão é composta pelo

bumbo sinfônico e pelos pratos, entre

outros.

Uma orquestra completa é aquela que

reúne os quatro naipes, porém podem

ser criadas orquestras de câmara, que

unem instrumentos de apenas um naipe

ou dois. Nestes casos, os instrumentos

nem sempre estão juntos. Há

compositores que compõe para poucos

naipes e assim surgem as orquestras de

câmara, como Mozart. O compositor

fazia muito isso, ele compunha para

cordas e acrescentava as trompas, por

exemplo, como é a sinfonia número 29.

Para cada instrumento há um conjunto

de partituras. Carvalho diz que a

complexidade das grandes obras é

justamente essa. “Os compositores

precisam compor individualmente e

depois, juntar todos os instrumentos

harmonicamente. Por isso, apenas

grandes talentos, quase gênios são

capazes de compor as peças”.

Na verdade, uma orquestra é um

conjunto de grandes talentos. Depois

de uma criação genial, outros grandes

talentos entram em cena para dar vida

às notas. Os músicos precisam ser não

só talentosos como muito dedicados.

São horas de estudo e ensaios para que

o que foi

Em uma orquestra

clássica, quatro naipes

compõem o grupo:

Corda, Madeira, Metal e

Percussão. E cada um

remete à reunião de um

estilo instrumental.

16

A vareta não é uma

simples vareta, é a

batuta, que na mão do

maestro, atua como um

prolongamento de seu

dedo e rodopia pelo ar

Page 17: UFMT Ciência nº 1

Física e matemática para a música

Quem sempre acompanha uma orquestra repara que os instrumentos estão sempre

no mesmo lugar e isso não é apenas uma convenção. Isso é física! A disposição dos

músicos no palco é de acordo com a intensidade de cada instrumento, ou seja,

quanto mais forte for o som de um naipe, mais distante ele tem que ficar da plateia.

Fabrício Carvalho explica que é a intensidade que determina a velocidade com que o

som chega até os ouvidos. Sendo assim, para que o som dos violinos chegue junto

com o dos pratos, ele precisa estar mais perto de quem ouve. “Se fossem todos

colocados em uma mesma linha, os instrumentos de percussão ou os metais iriam

calar as cordas e as madeiras”.

E não é só isso não. Outra disciplina das Exatas entra no palco de uma orquestra para

uma equação perfeita. “Música e matemática se confundem em sua gênese”, afirma

Fabrício Carvalho. Assim como a descoberta dos valores de incógnitas de uma

equação matemática resulta em pontos em um espaço entre dois eixos, um vertical

e outro horizontal, os eixos 'X' e 'Y', os pontos traçados em uma partitura são

resultados da relação entre o tempo e a intensidade das notas musicais.

acadêmica s , po r en tende r a

necessidade de estar sempre se

renovando. A UFMT compõe seu elenco

de acordo com os talentos e não de sua

formação teórica. Entre os 45 artistas,

músicos, estudantes de ciências exatas,

biológicas ou humanas, funcionários da

instituição e pessoas da comunidade

externa participam desta fusão de talentos.

“A Orquestra está permanentemente

aberta e precisa disso para se oxigenar.

Somos um organismo vivo sempre pronto

para receber novos músicos”, define o

maestro Fabrício Carvalho.

Os ensaios são realizados individualmente

e em conjunto e estão abertos para quem

quiser participar ou apenas ouvir a

composição de uma apresentação. A

Orquestra fica no Centro Cultural da UFMT,

no campus de Cuiabá.

Arte Aqui e Agora

17

Page 18: UFMT Ciência nº 1

Mistérios da Vida

Não há quem nunca tenha visto um piolho de cobra,

com suas centenas de pernas em movimento e que, ao

ser tocado, se enrola todo! O Pantanalodesmus

marinezae e a Poratia salvator vivem no Pantanal, a

maior planície alagável do planeta e na região de

Cuiabá. E quem diria: esse “simples” bichinho tem tanta

importância e é motivo de estudo em todo o mundo!

Pesquisas da UFMT registram novo gênero e

comportamento nunca antes detectado.

María Santíssima de Lima

piolho de cobra é um tipo de animal que chamados pelos pesquisadores os piolhos de está presente nos mais diferentes cobra. Ao contrário do que diz o nome, não Oambientes: no deserto, na floresta e no possuem mil pés, mas entre 50 a 375 pares,

pantanal; no clima tropical e no temperado. Vive segundo o professor Henrik Enghoff, do Museu de

História Natural da Dinamarca. Essa enorme escondido entre folhas e galhos em

“família” acaba de ganhar um novo membro, decomposição, onde se alimenta e se reproduz. Já descoberto no Pantanal Mato-Grossense, pela estava presente na terra no tempo dos pesquisadora da Universidade Federal de Mato dinossauros e também era gigante, se comparado Grosso (UFMT), Marinêz Isaac Marques. Sob sua aos seus descendentes de hoje – há fósseis de orientação, foi também descoberto que uma quase dois metros. Entre os grandes antepassados microscópica mãe milípede se enrola e cerca de há espécies que foram encontradas na América do cuidados os seus ovinhos, um comportamento

Norte e na região onde hoje ficam a República nunca antes observado entre os piolhos de cobra.

Tcheca e a Eslováquia.Comumente, as fêmeas põem os ovos e os

Os c i en t i s ta s es t imam que ex i s tam deixam. Diferentes no tamanho e no

aproximadamente dez mil espécies de milípedes comportamento, esses dois piolhos de cobra

descritas em todo o globo. Milípedes é como são vivem na maior planície alagável do

18

Descobertos um novo piolho de cobra e os cuidados de uma mãe quase invisível.

O Cuidado Parental dos Piolhos de Cobra

Page 19: UFMT Ciência nº 1

Mistérios da Vida

Planeta, cuja área, somente no Brasil, dedique a descrever a vida dele”, diz a

atinge 139.111 quilômetros quadrados e professora Marinêz Isaac Marques, que

estão sendo estudados pelos é orientadora do mestrado em Ecologia

pesquisadores do Laboratório de e Conservação da Biodiversidade do

Ecologia e Taxonomia de Artrópodes Instituto de Biociências da UFMT. Já se

Terrestres e Aquáticos (Leta) do Instituto sabe que a eclosão dos ovos desse

de Biociências da UFMT (leia na página bichinho acontece na época de cheia do

20). Pantanal e, no campus, foi encontrado

Pantanalodesmus – Esse piolho de em grande quantidade no período de

cobra foi encontrado em material chuva. Sabe-se, também, que não coletado do solo, embaixo de um acuri suporta muita exposição ao sol e que (palmeira típica da região), onde o está entre os maiores da classe - tem grupo de pesquisa da UFMT estava cerca de dez centímetros de estudando a copa da planta e o solo comprimento. O tamanho dos piolhos para verificar como os diplópoda

de cobra varia de 2mm a 30cm de sobrevivem ao ciclo das águas da maior

comprimento, registra a obra “A planície alagável do planeta. Diplópoda

Biologia dos Milípedes”, de Stephen P. é a classe em que estão esses animais,

Hopkin e Helen J. Read (1992). O novo aos quais se junta o recém-encontrado

piolho de cobra foi enviado para parente, que agora tem seu gênero e

especialistas para identificação. “Como espéc ie conhec idos . E le é o na época - 1999-2002 – estávamos Pantanalodesmus marinezae. Ganhou trabalhando com pesquisadores da esse nome científico em latim, área, fomos veri f icar se esse indicando a região onde vive, o animalzinho era realmente diferente Pantanal, e a líder do grupo que o

dos demais. Em seis a oito meses, mais descobriu, Marinêz. Nada pessoal. Foi

assim que o sueco Carlos Lineu, um dos ou menos, veio a resposta – verificou-se

mais famosos naturalistas do mundo, que era um gênero novo”. Conta o

estabeleceu, no século XVIII, como pesquisador Richard L. Hoffman, do seriam identificados os animais e Museu de História Natural da Virgínia, plantas. nos Estados Unidos, que com a O Pantanalodesmus marinezae foi descoberta da pesquisadora da UFMT, encontrado na Baía do Pirizal, município são três os gêneros conhecidos, de Poconé (MT), onde o Núcleo de

restritos ao sul de Mato Grosso - um Estudos do Pantanal (Nepa), da UFMT,

descrito em 1951, com duas espécies; tem uma base de pesquisa. Depois, foi

outro em 1949, com uma só espécie. Ele encontrado também no Campus da

fez comparações entre esses gêneros UFMT, em Cuiabá. “Nada se conhece

para constatar que o descoberto agora ainda da sua biologia e ciclo de vida, e

nunca tinha sido estudado.propomos que um aluno se

19

Page 20: UFMT Ciência nº 1

Mistérios da Vida

Gongolô Mãe Cuidadosa

Vicente Alves, jardineiro na UFMT de 1978 a 1994, é antigo Ao desenvolver sua pesquisa para o mestrado em Ecologia e conhecedor desse piolho de cobra, que somente agora foi Conservação da Biodiversidade, entre 2006 e 2008, a descrito pelos cientistas. “Esse aí é o gongolô, gongo, gonguru, pesquisadora Tamaris Pinheiro Gimenez descobriu que Poratia como a gente o chama”, diz ao ver a foto tirada pela Salvator, um piolho de cobra quase invisível (3.5 mm), tem um pesquisadora, contendo o nome científico Pantanalodesmus hábito chamado cuidado parental. Isso quer dizer, que a mãe marinezae. Ele lembra que “desde criança, na roça, em põe e cuida dos seus ovinhos até que nasçam os filhos. “É uma Guiratinga e Rondonópolis, via esse bichinho, principalmente na forma de garantir a sobrevivência da prole e isso nunca se época da chuvarada, quando saia bastante de debaixo das observou entre os diplópoda”, diz a professora Marinêz, folhas”. Também no campus da UFMT ele sempre os vê no orientadora de Tamaris em seu trabalho científico. período de chuvas, saindo principalmente de onde há folhas Esses bichinhos foram recolhidos no Pantanal, em uma fazenda acumuladas. Na seca é difícil de ser encontrado. Entretanto, do município de Livramento, próximo a Poconé e no Campus do Vicente Alves, que hoje é gerente de Manutenção do Campus, Centro Universitário de Várzea Grande (Univag), região próxima atesta que nunca soube a importância dele, nunca viu falar se ao rio Cuiabá. Tamaris Pinheiro acompanhou todo o seu ciclo faz mal à saúde, e também como se alimenta. “Nunca vi ele se de vida e verificou que é raro encontrar machos dessa espécie e alimentando, nunca o vi parado comendo, mas ele está sempre que todas as fêmeas estudadas em laboratório reproduziram bonito, brilhoso”, diz. com ausência do sexo oposto, “evidenciando a reprodução por Os artrópodes, ou Arthropoda, são indicadores biológicos da partenogênese”, que é o crescimento do embrião sem qualidade do solo e importantes decompositores. Preferem, em fertilização.sua maioria, se alimentar de folhas e galhos que caem, quando Os resultados do trabalho de mestrado (dissertação) foram já estão apodrecendo e, ao expelirem suas fezes, ampliam a publicados em um artigo na revista “Zoologia”, editada pela possibilidade de proliferação de bactérias e fungos para a Sociedade Brasileira de Zoologia em dezembro de 2009, e decomposição. também recebeu prêmio no Congresso de Etologia em Campo

Grande, em 2006.

20

Page 21: UFMT Ciência nº 1

No ciclo das águas e na onda do saber manejo sem sustentabilidade e a falta

de políticas públicas para resolver

A descoberta do Pantanalodesmus essas questões.

marinezae e do cuidado parental da O Núcleo de Estudos do Pantanal

Poratia salvator aconteceram durante o (Nepa) foi originado do antigo

desenvolvimento do projeto de Programa de Ecologia do Pantanal

pesquisa “Ecologia de Artrópodes em (PEP), que surgiu em 1991 e durou

Áreas Inundáveis do Pantanal de Mato doze anos. O PEP tinha financiamento

Grosso”, mais especificamente, durante brasileiro, por meio do Conselho

o estudo sobre as estratégias de Nac iona l de Desenvo lv imento

sobrevivência desses animais perante Científico e Tecnológico (CNPq), e da

o pulso de inundação do Pantanal de Alemanha, por meio do Ministério da

Mato Grosso. Educação e da Ciência, o BMBF. O PEP

A região pantaneira tem quatro era coordenado pela professora Cátia

diferentes ciclos de três meses cada – Nunes da Cunha, do Instituto de

o período em que está enchendo, de Biociências da UFMT e nele atuavam

outubro a dezembro; o que está os pesquisadores alemães Wolfgang

cheio, de janeiro a março; a vazante, Junk e Joachim Ulrich Adis. Com o

quando as águas estão baixando, de apoio desses pesquisadores, a

abril a junho, e a seca, de julho a professora Marinêz passou a fazer

setembro. Os pesquisadores querem parte do Programa, em 1997,

descobrir como aracnídeos, insetos, quando concluiu seu doutorado.

piolhos de cobra sobrevivem a tanta ‘‘Até então não havia, no PEP,

mudança. Ao coletar material para ninguém estudando artrópodes’’,

isso, juntos vieram os piolhos de conta. Nesse período foi, também,

cobra que agora são estudados pelos construída a Base de Pesquisa do

integrantes do grupo de pesquisa em Pirizal.

Ecologia e Taxonomia de Artrópodes O Laboratório de Ecologia e

Terrestres do curso de mestrado em Taxonomia de Artrópodes Terrestres

Ecologia da UFMT. (Leta), que funciona no âmbito do Nepa,

Já são mais de dez anos de estudos conta com recursos da Fundação de

envolvendo as fases terrestre e Amparo à Pesquisa de Mato Grosso

aquática desses animais, verificando- (Fapemat) do Centro de Pesquisas do

se onde há maior riqueza de espécies Pantanal (CPP-MCT) e do Programa de

– no solo, nos troncos ou na copa das Ecologia de Longa Duração (Peld/CNPq).

árvores; determinando a estrutura Como resultado dos estudos dos

das populações que vivem no pesquisadores que integram o CPP, a UFMT

Pantanal. Todos esses conhecimentos acaba de ser contemplada pelo CNPq e

vão contribuir para a preservação das pela Financiadora de Estudos e Projetos

espécies frente a problemas como a (Finep) com a criação do Instituto

ocupação humana indevida, o Nacional de Áreas Úmidas (Inau).

Mistérios da Vida

21

Page 22: UFMT Ciência nº 1

Mais conforto na recuperação pós-operatória

palavra “acertar” significa achar o certo; endireitar; proceder com acerto; atingir o alvo – e

o projeto Aceleração da Recuperação Total Pós-operatória, o ACERTO, corresponde a Atudo isso. A lei primeira do programa é: o dia da operação é o primeiro dia da

recuperação do paciente.

O ACERTO é um programa multidisciplinar que envolve serviços de Cirurgia Geral, Anestesia,

Nutrição, Enfermagem e Fisioterapia. Foi desenvolvido no Departamento de Clínica Cirúrgica da

Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em 2005 e,

em 2009, um artigo sobre o assunto, publicado na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

(CBC), recebeu o prêmio Oscar Alves.

O projeto tem como objetivo acelerar a recuperação pós-operatória de pacientes submetidos a

cirurgias abdominais, especialmente as do aparelho digestivo. Seus responsáveis são os

professores da FCM e médicos do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM), José Eduardo Aguilar

Nascimento, Cervantes Caporossi e Alberto Bicudo Salomão.

O ACERTO é baseado em um programa europeu e

fundamentado na prática da medicina baseada em evidências. Entre os principais pontos

abordados pelo Protocolo, estão a abreviação do jejum pré-operatório, a terapia nutricional

e a abolição do preparo de em cirurgias colorretais. Com a utilização desse

protocolo, o HUJM foi pioneiro em trazer essas condutas para a realidade brasileira e, atualmente,

os profissionais que participam do projeto viajam por todo o país e outras partes do mundo para

divulgá-lo e expandir sua prática.

Atualmente, todas as cirurgias abdominais realizadas na Enfermaria de Clínica Cirúrgica do HUJM

são norteadas pelo Protocolo. Desde a implantação do ACERTO, em 2005, diversos artigos sobre

seus resultados foram divulgados pelos pesquisadores do grupo. Entre eles, destaca-se o

“Abordagem multimodal em cirurgia colorretal sem preparo mecânico de cólon”, publicado na

Revista do Conselho Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e vencedor do prêmio Oscar Alves de 2009. O

CBC é a associação que congrega maior número de cirurgiões da América Latina e sua revista

oficial é publicada bimestralmente, distribuída para médicos de todo o Brasil e composta por

artigos de todas as especialidades cirúrgicas. O artigo é resultado de estudos realizados entre

janeiro de 2004 e junho de 2008, com 53 pacientes submetidos a operações envolvendo o

intestino grosso, com pelo menos uma , no Serviço de Cirurgia Geral do HUJM. A

observação dos pacientes ocorreu em duas fases, sendo a primeira com o grupo de pacientes

(ERAS - Enhanced Recovery After Surgery)

peri-

operatória cólon

anastomose

O que m uda? Protocolo convencional Protocolo ACERTO

Terap ia nutri cio nal pré-opera tória por 5-10 dias em pa cientes des nutridos ;

Tera pia nutricio nal pré-opera tó ria por 7-10 dias em pa ci entes desnutrido s;

Je jum pré- opera tório de, no m ínim o, 8 hora s; N ão perm itir um je jum prolong ado no pré-operatório;

L ibera çã o da dieta pó s-operatória a pós e lim inação de fla tos ou evacuaçã o;

R e-introdução de dieta no pós -opera tó rio imedia to (dieta liquida);

H idra ta çã o venosa no pós -opera tório a té res ta belecim ento da dieta no pós -opera tório;

Tera pia de hidrataçã o venosa até o 1º dia de pós-operatório;

Prepa ro m ecânico do cólon pré-o peratório; N ão realiz ar o preparo de cólon pré-opera tório;

U so de dreno s, so ndas e a nti bióticos co nforme pref erência do cirurg ião;

N ão usar dren os e sonda s de rotin a. U so ra cio nal e pa dro niza do de a ntibiótico s;

M obiliza ção pós -opera tória precoce.

M obiliza ção ultra-preco ce: faz er o pa ciente d ea mbu lar ou s entar no m esm o dia da operaçã o por pelo m enos 2 hora s. N os próxim os dia s, o paciente deve ser est imu lado a ficar 6 horas fora do s eu le ito.

Recuperação Aprimorada Após a

O peri-operatório é o período

que compreende o pré-

operatório, o intra-operatório e o

pós operatório. Ou seja, o

período que vai desde que o

cirurgião decide indicar a

operação e comunica ao paciente

até que este último tenha alta

hospitalar e retorne às atividades

normais.

Descobertas e Inovações

O cólon é a maior porção do

intestino grosso, podendo ter

entre 120 e 150 cm. Divide-se em

cólon ascendente, transverso,

descendente e sigmóide. Liga-se

ao intestino delgado pelo Ceco e

ao reto pelo sigmóide. Os

alimentos, parcialmente digeridos,

entram no cólon, vindos do

intestino delgado. No cólon, é

retirado a água e os nutrientes

dos alimentos e o restante passa

Em Medicina, anastomose é uma

comunicação, natural ou

resultante de processo cirúrgico,

entre tubos, vasos sanguíneos ou

nervos da mesma natureza.

Também é o nome que se dá a

Géssica Vilela

22

Page 23: UFMT Ciência nº 1

sob a conduta convencional – de janeiro

de 2004 a junho de 2005 e, a segunda,

com a aplicação do protocolo ACERTO, de

agosto de 2005 a junho de 2008. Alunos

de Iniciação Científica do curso de

Medicina realizaram a coleta de dados

diariamente nos dois períodos.

de

O principal objetivo do estudo era

avaliar os resultados pós-operatórios

i m e d i a t o s o b t i d o s c o m a

implementação do protocolo ACERTO

em pacientes submetidos a operações

colorretais. Em estudos desse tipo de

cirurgia , os pr incipais pontos

considerados dizem respeito à

abordagem nutricional, ao uso

drenos

tempo de jejum que os

e sondas, à hidratação venosa

peri-operatória, e à uti l ização

sistemática do preparo mecânico pré-

operatório do cólon.

Entre os 53 pacientes observados

durante o período da pesquisa, 25

foram operados de acordo com as

condutas convencionais e 28 com a

utilização do novo protocolo. Os

resultados observados com a aplicação

do ACERTO em pacientes submetidos a

operações de médio e grande porte do

aparelho digestivo e parede abdominal

foram diminuição da

e do tempo de internação.

Além da redução do tempo de

internação e da morbidade pós-

operatória, os resultados do estudo

mostraram que com o novo protocolo

foi possível a redução do tempo de

jejum peri-operatório e a diminuição da

infusão endovenosa de fluidos. Também

foi possível realizar anastomoses

colorretais sem preparo mecânico do

cólon sem que isso alterasse

negativamente os resultados cirúrgicos.

Os pacientes operados com a

implantação do novo protocolo ficaram

a metade do

morbidade pós-

operatóriaO preparo mecânico do cólon consiste na “limpeza” pré-operatória do cólon. Geralmente, o procedimento é feito com o uso de Manitol. Essa substância é diurética e induz o paciente a e l im inação dos re s íduos intestinais.

Porém, a tradicional "limpeza do cólon", além de ser um processo exaustivo para os pacientes, não é isenta de complicações. A eliminação desses resíduos faz com que o paciente elimine muita água, levando muitas vezes à desidratação do mesmo e aumentando os riscos do processo cirúrgico.

Grupo Convencional

ACERTO

Dias de internação (mediana) dos pacientes

submetidos à cirurgia colonretal segundo o

protocolo convencional e o ACERTO

O Prêmio Oscar Alves foi instituído em 1969 e, desde então, é

atribuído ao melhor trabalho publicado na Revista do CBC no ano

anterior à escolha.

O prêmio deste ano foi concedido ao trabalho ABORDAGEM

MULTIMODAL EM CIRURGIA COLORRETAL SEM PREPARO

MECÂNICO DE CÓLON, de autoria do professor José Eduardo de

Aguilar Nascimento e co-autoria dos professores Alberto Bicudo-

Salomão, Cervantes Caporossi e dos estudantes de medicina,

Raquel de Melo Silva, Eduardo Antônio Cardoso, Tiago Pádua

Santos, Breno Nadaf Diniz e Arthur André Hartmann. O artigo foi

publicado na revista de volume 36, edição de maio/junho de 2009.

Composto por diploma e medalha, o Prêmio foi entregue na

sessão solene comemorativa do 81º aniversário do CBC, no

dia 30 de julho, no Centro de Convenções do CBC.

Morbidade pós-operatór ia refere-se ao conjunto dos indivíduos que adquirem doenças (ou determinadas doenças) no período pós-operatório.

Descobertas e Inovações

submetidos às condutas convencionais.

Isso porque, receberam uma solução de

líquido enriquecida com carboidratos

até duas horas antes da cirurgia. Esse

suplemento pode ajudar a diminuir os

vômitos, aumentar o pH gástrico e

diminuir a irritabilidade e as respostas

orgânicas ao estresse cirúrgico. A

implantação do ACERTO também

implicou em maior atenção ao suporte

nutricional pré-operatório para

pacientes desnutridos. Sua equipe

multidisciplinar de terapia nutricional,

aliada ao Serviço de Nutrição Clínica do

HUJM, realiza visitas diárias aos

pacientes, garantindo que recebam

dieta adequada no período peri-

operatório.

A adoção de um p rog r ama

mul t id i sc ip l ina r com medidas

cientificamente embasadas mostrou

importante melhora dos resultados.

Mais pacientes foram beneficiados pelo

conjunto de condutas adotado antes,

durante e depois da cirurgia.

reto

cólonascendente

cólon transverso

cólondescendente

sigmóide

23

Page 24: UFMT Ciência nº 1

Será que é Verdade?

esponda rápido: piranha é atraída por sangue? Para responder Serrasalmus spilopleura são as espécies que praticam necrofagia. corretamente a essa pergunta é preciso entender o “Algumas das mortes atribuídas às piranhas, muito provavelmente, são Rcomportamento das piranhas. E ninguém melhor que o casos de eliminação de pessoas que se afogaram ou já mortas”,

professor doutor Francisco de Arruda Machado, conhecido como Chico defendem os autores Ivan Sazima e Sérgio de Andrade Guimarães,

em um artigo denominado “Scavenging on human corpses as a Peixe, para explicar o comportamento das três espécies encontradas no

source for stories about man-eating”.Pantanal Mato-grossense: catirina (Serrasalmus marginatus), piranha De acordo com o estudo do professor Francisco, desenvolvido ao do rabo preto (Serrasalmus spilopleura) e piranha queixuda ou piranha lado do pesquisador Ivan Sazima, do Departamento de Zoologia verdadeira (Pygocentrus nattereri). Na América do Sul são encontradas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a piranha cerca de 50 espécies.catirina é solitária, enquanto as outras duas espécies vivem em Ecólogo e ictiólogo, Chico Peixe passou mais de 10 anos pesquisando cardumes. A piranha do rabo preto apresenta a dieta mais variada os peixes da região do pantanal para entender o comportamento das e estratégia de alimentação altamente oportunista, que inclui piranhas. Ele estudou os hábitos, táticas predatórias, comportamento mimetismo agressivo ( jovens desta espécie imitam algumas alimentar e interações sociais para o forrageamento (alimentação), bem espécies de peixes que são suas presas, para delas comer porções como as táticas defensivas de peixes presas.de suas nadadeiras, principalmente a anal e a caudal). As piranhas Há muita fantasia sobre estes peixes, superdimensionada pelos filmes parecem influenciar fortemente o uso do habitat, a estrutura social trash como “Piranhas”, exibido em 1978, e “Piranhas 3D” que acaba de e modo de forrageamento de numerosas espécies de peixes que chegar às telas dos Estados Unidos e deve desembarcar nos cinemas fazem parte das comunidades aquáticas. brasileiros no mês de outubro. Piranhas são frequentemente descritas

como o mais feroz de todos os peixes da região neotropical. São Mito ou verdadeimprevisíveis e nadam em cardumes de muitas centenas, nunca atacam

sozinhas e mordem qualquer coisa que se mova. A Imagem é de uma As piranhas são atraídas pelo sangue. Essa é a primeira mentira terrível comedora de homens, perpetuada através de livros populares da literatura, afirma Chico Peixe. Elas são atraídas pela comoção sobre peixes e enciclopédias de animais.(barulho) na água. Elas são supercuriosas. O pesquisador fez um O primeiro mito derrubado nesse estudo é que as piranhas são atraídas experimento no Pantanal. Um peixe piavussú morto foi pelo sangue. No entanto, o excesso de fantasia não tira o perigo das mergulhado em uma lagoa da rodovia transpantaneira. Ao piranhas. Então, por que elas são perigosas? Segundo o pesquisador, as mergulhar para acompanhar a experiência, o pesquisador piranhas são condicionadas à alimentação fácil proporcionada pelas percebeu que vários peixes pequenos, como lambari, pequenos “cevas”, localizadas próximas a restaurantes ribeirinhos e lugares onde bagres e acarás, vinham mordiscar a carcaça do piavussú e

os pescadores costumam “eviscerar” – arrancar as vísceras - dos peixes.“sumiam” assim que chegavam as piranhas.

Em nenhum dos casos analisados de ataque às pessoas, explica o Mas por que os outros peixes têm tanto medo das piranhas? A

pesquisador, a causa mortis foi atribuída ao ataque de piranhas. As explicação é simples e lógica: as piranhas são especialistas em se

pessoas foram vítimas de afogamento ou infarto do miocárdio. Os alimentar de nadadeiras, anal e caudal, de outros peixes. As

incidentes registrados na região são atribuídos ainda à “invasão” do nadadeiras são nutritivas,

habitat dessas espécies por banhistas ou pescadores inexperientes. As têm cálcio, pele e muco, com alto teor protéico e se regeneram piranhas do rabo preto, por exemplo, fazem os “ninhos” na areia, no entre oito a 15 dias. período de desova. Para defender o seu “território”, elas atacam o As piranhas são piscívoras e pelos seus hábitos são consideradas agressor potencial para intimidá-lo. Resultado: mutilações nos dedos como predadores mutilantes - arrancam partes de outros animais. dos pés e calcanhares.Além do hábito de se alimentar de nadadeiras de outras espécies, “Piranhas têm uma reputação de comer homens, apesar da ausência de podem engolir pequenos peixes. Como os peixes de couro são registros autênticos de ataque a pessoas e mortes por estes peixes. Três mais lentos, é comum serem observados bagres faltando pedaços casos de piranhas alimentando-se de cadáveres humanos foram de seus corpos, principalmente aqueles que são pescados. As registrados em Mato Grosso. Um cadáver encontrado quatro dias piranhas têm um senso biológico fantástico para detectar depois de afogar-se, foi quase reduzido a esqueleto. Outro cadáver foi “anomalias” no comportamento das presas em potencial. Durante recuperado em poucas horas, mesmo após afogar-se, sem as partes as pescarias, muitos peixes fisgados são atacados pelas piranhas moles da cabeça. No terceiro cadáver, recuperado 20 horas após a quando se debatem na água na tentativa de escaparem dos vítima ter caído na água devido a um infarto do miocárdio, havia carne anzóis, incluindo também os peixes de escamas.apenas no tronco. Pygocentrus nattereri e, em menor proporção,

Selma Alves

24

Foto: Cliff

Foto: Jutta Foto: Marten Johanssen Foto: Cliff Foto: Marten Johanssen Foto: Karelj Foto: Jutta

Page 25: UFMT Ciência nº 1

Será que é Verdade?

Boi de piranha

Essa expressão faz parte do vocabulário mato-

grossense e a explicação é meramente econômica. Os

boiadeiros sacrificam um animal para proteger o

restante do rebanho. Animais com pequenos

ferimentos têm menor valor comercial. No período de

cheias, para atravessar os rios, lagoas, baias do

pantanal, os boiadeiros separam um boi da manada e o

levam até certa distância do local onde a boiada vai

atravessar. São feitos cortes ou ferroadas (ferrão de

arraia) no corpo do animal a ser sacrificado. O objetivo

é causar muita dor para que o animal se debata. O

barulho atrai os cardumes de piranhas que o devoram

ainda vivo. Graças a essa estratégia, os outros animais

da manada atravessam as águas sem que sejam

feridos e assim mantêm o seu valor comercial. A

lógica é meramente econômica: Prefere-se sacrificar

um animal a ter uma perda maior na boiada.

– Essa expressão faz parte do vocabulário mato-

grossense e a explicação é meramente econômica. Os

boiadeiros sacrificam um animal para proteger o

restante do rebanho. Animais com pequenos

ferimentos têm menor valor comercial. No período de

cheias, para atravessar os rios, lagoas, baias do

pantanal, os boiadeiros separam um boi da manada e o

levam até certa distância do local onde a boiada vai

atravessar. São feitos cortes ou ferroadas (ferrão de

arraia) no corpo do animal a ser sacrificado. O objetivo

é causar muita dor para que o animal se debata. O

barulho atrai os cardumes de piranhas que o devoram

ainda vivo. Graças a essa estratégia, os outros animais

da manada atravessam as águas sem que sejam

feridos e assim mantêm o seu valor comercial. A

lógica é meramente econômica: Prefere-se sacrificar

um animal a ter uma perda maior na boiada.

25

Page 26: UFMT Ciência nº 1

Era uma Vez...

m Mato Grosso, o acesso aos livros e a prática de leitura em livros e móveis a fim de estruturar a primeira biblioteca pública de

bibliotecas, que antigamente eram conhecidas como Mato Grosso. Várias autoridades foram convidadas a doar livros. E“Gabinetes de Leitura”, começaram efetivamente após 1874, Algumas pessoas também foram ao Rio de Janeiro comprar as

com a inauguração do primeiro Gabinete de Leitura em Cuiabá. A melhores obras, mais atualizadas, para comporem o acervo que

partir daí foi dada a largada na corrida para arrecadar doações de ficava no centro de Cuiabá, próximo de onde hoje está localizada a

Camila Tardin

26

Livros e Gabinetes

de Leitura em Cuiabá

Page 27: UFMT Ciência nº 1

Praça Alencastro. A princípio, a biblioteca

não foi destinada à classe popular, mas sim

àqueles que cursavam nível de ensino mais

elevado (antigo secundário e hoje ensino

médio) e planejavam dar continuidade aos

estudos superiores. O acervo do gabinete

teve 1.325 livros, sendo 779 encadernados

e 546 brochuras, escritos em diferentes

idiomas. Estas informações fazem parte

das pesquisas feitas por Elizabeth

Madureira Siqueira, professora e doutora

em História da Educação, pela

Universidade Federal de Mato Grosso

’’

Ernesto Camilo Barreto. Naquele tempo, a

filosofia era fundamental para o nível

secundário. Barreto era reitor do

Seminário Episcopal da Conceição, a

primeira escola de ensino secundário de

Mato Grosso, situada ao lado da igreja do

Bom Despacho. A escola era privada e

tinha o objetivo de formar padres e

preparar os alunos para o ensino superior.

Depois dessa escola, o primeiro

estabelecimento desse nível, mas de

caráter público, surgiu somente em 1880

com a criação do Liceu Cuiabano, cujo

objetivo era preparar jovens para o ensino

superior. No entanto, antes disso, quem

queria avançar nos estudos tinha que ir

para o Seminário.

No Brasil, o percurso dos livros didáticos ’’ manteve estreita relação com o

desenvolvimento da imprensa nacional,

impulsionada pela vinda da Família Real,

em 1808, quando foi fundada a Imprensa

Régia – instituição responsável pela

le i tura var iada aos assoc iados .

Inicialmente, a sede da biblioteca ficava na

rua Pedro Celestino. Depois, com o

crescimento do número de sócios, foi

transferida para uma das dependências do

edifício da Câmara Municipal, no antigo

largo da Sé, agora Praça da República. Ao

encerrar suas atividades, o acervo foi

doado para o antigo Centro Mato-

grossense de Letras, atualmente

conhecido como Academia Mato-

grossense de Letras.

Livros (UFMT). Apaixonada pela história mato-

grossense, Elizabeth escreve sobre a Os livros didáticos, também conhecidos biblioteca pública em seu livro ‘‘Luzes e como “compêndios”, eram raros. No Sombras. Modernidade e Educação ensino primário elementar, por exemplo, Pública em Mato Grosso (1870-1889) – praticamente não havia livros para os

resultado de uma detalhada pesquisa alunos. O ensino era bastante rudimentar

documental de doutorado. A historiadora e os professores utilizavam jornais para

escolheu estudar o século XIX porque foi a ensinar a leitura. Quando havia algum

partir dele que ocorreram grandes livro, o professor apenas lia o texto em voz

mudanças na educação brasileira.alta para toda a turma. Mas, se o aluno

Por volta de 1882, o acervo bibliográfico pretendia progredir nos estudos, o acesso

do Gabinete de Leitura foi transferido para dele ao livro era privilegiado. Somente nos

a biblioteca do Liceu Cuiabano – ensinos primário complementar e no

estabelecimento de ensino público secundário os estudantes conseguiam

secundário (nível médio), fundado em adquirir os livros.

1880. Mas há registros de que durante a Em Mato Grosso, o primeiro livro didático

mudança do Liceu Cuiabano, da praça do do qual se tem notícia foi o de Filosofia

Ipiranga para a rua Coronel Peixoto, foram Racional e Moral, escrito pelo padre

perdidos livros de história e geografia. Na

Biblioteca Pública Estadual Estevão de

Mendonça – criada em 26 de março de

1912 – também há livros daquele período

que hoje fazem parte do seu acervo

literário de obras raras.

No livro “Datas Mato-grossenses”, Estevão

de Mendonça conta que as condições e os

serviços prestados à população cuiabana

no Gabinete de Leitura eram prósperos.

Porém, por problemas políticos, que ele

denominou de “politicalha”, o Gabinete foi

extinto.

Outra biblioteca importante, mas de

caráter privado, abordada pela professora

Franceli Aparecida da Silva Mello na

pesquisa ‘‘A prática de leitura em Mato

Grosso no século XX: o papel das

bibliotecas , foi a da Associação Literária

Cuiabana, considerada uma das mais

perfeitas organizações da época. Criada

em 1884 por um grupo de intelectuais, o

objetivo da instituição era proporcionar

Era uma Vez...

27

Page 28: UFMT Ciência nº 1

editoração de obras de expressivo valor, durante o período particulares como as públicas terão que se adequar às novas regras

imperial. num prazo máximo de 10 anos. Será obrigatório um acervo de

livros de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado,

cabendo ao respectivo sistema de ensino determinar a ampliação

deste acervo conforme sua realidade, assim como divulgar

orientações de guarda, preservação, organização e funcionamento

das bibliotecas escolares.

Um estudo do movimento “Todos Pela Educação”, com base em

dados do Censo da Educação Básica 2008, identificou que para o

Brasil se ajustar à nova norma serão necessárias mais de 93 mil

bibliotecas na próxima década somente no Ensino Fundamental.

Isso representa a construção de pelo menos 25 bibliotecas por dia

até 2020. Para a Educação Infantil será necessária a instalação de

mais de 21 acervos por dia para cumprir a nova regra. Um desafio e

escolas tanto para as instituições de ensino do país.

Em Mato Grosso, somente em meados do século XIX é que

foi implantada a imprensa, mas durante todo esse século não foi

registrada qualquer obra impressa no estado. Os compêndios

didáticos utilizados nas escolas mato-grossenses eram adquiridos no

Rio de Janeiro.

Os livros de autoria do baiano Abílio César Borges, conhecido como o

Barão de Macaúbas, predominaram no universo das escolas públicas

mato-grossenses. Seus livros de Leitura (1º ao 4º) e sua Gramática

foram bastante utilizados nas escolas primárias.

Atualmente, os espaços dedicados à leitura se multiplicaram e a

maioria das escolas brasileiras passou a ter biblioteca. Uma lei

sancionada em maio deste ano tornou obrigatória a instalação de,

pelo menos, uma biblioteca em todas as escolas do país. A lei

12.244, de 24 de maio de 2010, deixa claro que tanto as

Biblioteca Estevão de Mendonça

Considerada a guardiã da memória literária de Mato Grosso, a Biblioteca Pública Estadual Estevão de Mendonça, atualmente

localizada no prédio do Palácio da Instrução, em frente à praça da República no Centro de Cuiabá, tem mais e 70 mil exemplares

cadastrados. Além dos livros, a biblioteca desempenha funções socioculturais, com a realização de oficinas, palestras e cursos. Possui

salas de leitura, de vídeo, de livros infantis, de periódicos, espaço com obras e atividades dedicadas aos deficientes visuais e promove

a inclusão digital na sala de informática.

As obras raras, inclusive algumas do século XIX que faziam parte do acervo do Gabinete de Leitura, têm sala exclusiva. Neste acervo

há coleções especiais de grandes escritores nacionais e internacionais, como Maquiavel e Luiz de Camões. São obras frágeis e de

grande valor que precisam ser manuseadas com a orientação de Fernando Augusto Barros Figueiredo, responsável por este setor no

prédio.

Figueiredo trabalha na biblioteca há 35 anos. A seção de obras raras, que conta com quatro mil volumes, foi criada em 1980 com a

colaboração dele: “Eu sugeri essa seção porque via que tinha muito livro antigo que precisava ser separado dos atuais”. Entre os livros

mais antigos está a coleção de João de Barros. São 25 volumes que, segundo Figueiredo, narram uma viagem para a África. “Foi um

professor de matemática que doou essa coleção para a gente. Só tem essa coleção aqui em Cuiabá e no Rio de Janeiro”, conta.

Coleções jurídicas de Portugal e da Suíça, datadas do século XIX, também fazem parte do acervo.

Era uma Vez...

28

Page 29: UFMT Ciência nº 1

Entre a Emoção e a Razão

Camila Tardin

Entendimentos e Desentendimentos de Adolescentes Apaixonados

A paixão não é superior à

razão, pois os dois princípios

estão ligados e ambos são

importantes para a realização

humana: enquanto o desejo

mobiliza o homem, a razão é o

princípio organizador que

distingue os desejos e busca

os meios para sua realização.

PAIXÃO

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tela

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29

Page 30: UFMT Ciência nº 1

Entre a Emoção e a Razão

“É o momento em que a

gente se percebe como

posto em movimento,

desafiado pela vida, pelo

outro, pelo mundo. O

ser humano é um ser de

desejo porque é um ser

que enfrenta

permanentemente os

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30

Page 31: UFMT Ciência nº 1

Entre a Emoção e a Razão

Entre as agressões

estão xingamentos,

tapas, empurrões e

puxão de cabelo. Outra

observação curiosa é

que não existem grupos

econômicos, sociais ou

etnias isentos de

vivenciar relacionamen-

tos amorosos marcados

pela violência nas mais

31

Page 32: UFMT Ciência nº 1

discurso e no comportamento dos as novas configurações de relaciona-mento abordadas pelos adolescentes, jovens. “O tempo inteiro o afeto como, por exemplo, a prática do “ficar”. permeia essas relações”, diz Áurea. Os Nesse tipo de relação o amor não é pré-

adolescentes utilizam a paixão para requisito para o envolvimento. Os

justificar até mesmo o ato de violência fatores sociais, culturais, políticos e verbal ou física. Um exemplo é a econômicos apresentam maior menina aceitar ter relação sexual influência na escolha dos jovens. A

prática do “ficar” parece ser um tipo de somente para agradar o parceiro e teste para o namoro.garantir o namoro. “Se a jovem não Para não sofrerem ciúmes, desconfian-

quiser ter a relação sexual, mas ceder ça e traição no namoro, muitos rapazes

à exigência do parceiro, isso não deixa e moças preferem “ficar”, já que nessa de ser um exercício de violência”, relação, supostamente, não existem acrescenta. amarras, e, além disso, há menos risco O trabalho demonstra também que de se apaixonar e se decepcionar. Essas raramente os adolescentes buscam experiências afetivas e sexuais descom-ajuda para resolver o problema da prometidas do “ficar” atraem mais os violência no namoro. A razão pode ser meninos do que as meninas.a preocupação do jovem com sua Quase todos os adolescentes pesquisa-privacidade ou até a falta de conheci- dos disseram que já se apaixonaram mento sobre os recursos existentes. (89,5%). No entanto, esse sentimento é No entanto, apesar de a procura por predominante nas meninas, especial-apoio profissional ser mínima, as mente quando acreditam ter sido queixas emocionais são as que mais correspondidas. A pesquisa nacional impulsionam tal busca. mostra que 32% dos entrevistados já Outro fato observado foi a propaga- se apaixonaram e não foram corres-ção da violência. “Essa relação de pondidos e 10,5% nunca se apaixona-violência vem de casa, do ambiente ram. Nesse último grupo os meninos familiar. Aqueles jovens que têm prevalecem, o que acaba reforçando a história de agressão em casa, repro- ideia de menor envolvimento afetivo duzem essa violência em suas no grupo masculino em comparação relações afetivas, como no namoro, na ao feminino. Jovens de Cuiabá, escola, no trabalho”, acrescenta Áurea. Florianópolis e Teresina (16%) foram

os que mais relataram nunca terem se Ficar apaixonado em comparação aos

Na pesquisa realizada em âmbito adolescentes das outras capitais nacional, também foram apresentadas (14%).

Entre a Emoção e a Razão

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32

Page 33: UFMT Ciência nº 1

A pesquisa nacional “Violência entre namorados virtuais de relacionamento, entre outras formas. Além disso, a ameaça de término do relacionamento é pretexto adolescentes: um estudo em dez capitais brasileiras”, para vários tipos de chantagem.considerada pioneira no Brasil, iniciou-se em 2007 e foi A violência sexual também está presente. As duas formas

concluída em 2009. O estudo foi conduzido nas cinco de agressão mais comuns são forçar a beijar e tocar o

regiões brasileiras, tendo sido selecionadas para a outro sexualmente. As meninas são as maiores vítimas pesquisa Manaus, Porto Velho, Teresina, Recife, Rio de desse tipo de violência. Em relação à agressão física, Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Porto Alegre, como, por exemplo, dar um tapa, puxar o cabelo,

empurrar, sacudir, bater ou jogar algo em cima da outra Cuiabá e Brasília.pessoa, os rapazes são as maiores vítimas.Aproximadamente quatro mil adolescentes entre 15 e 19 Independentemente do sexo e da classe social, os anos, de 104 escolas públicas e privadas, participaram do adolescentes elegeram a família, representada pela figura estudo. O objetivo do trabalho foi verificar as formas de dos pais, como a principal referência para abordar as violência nas relações afetivo-amorosas entre casais de questões afetivo-sexuais. No estudo, 53% dos jovens namorados adolescentes.disseram conversar abertamente com os pais sobre sexo, O trabalho, que contou com a parceria de pesquisadores 76,7% sobre drogas e 86,8% sobre amizades. No que diz de universidades federais em todas as capitais, não respeito a diálogos sobre namoro, as meninas procuram encontrou diferenças significativas de comportamento mais a família do que os meninos. A escola e a mídia entre os jovens das diversas regiões, nem tampouco também foram consideradas espaços importantes para entre os adolescentes das escolas públicas e particulares.tratar desses temas.Conforme os resultados, nove em cada dez jovens que Posteriormente, os dados da pesquisa serão publicados namoram praticam ou sofrem variadas formas de em um livro e os resultados também podem subsidiar violência. A violência verbal é a mais frequente: 85% dos futuros programas de capacitação que envolvam adolescentes que mantinham relacionamentos afetivos profissionais que lidam com adolescentes. No Brasil admitiram já ter dito aos parceiros palavras ruins, em tom faltam redes de serviços estruturadas nas áreas de agressivo e xingamentos, assim como relataram ter sido educação e saúde para apoiar os adolescentes. A vítimas desse tipo de agressão.

Para exercer domínio sobre o parceiro, o jovem procura expectativa é que esses dados sirvam de fomento para controlar o comportamento do outro através das roupas novos projetos e materiais que preencham essa lacuna que ele usa, pela agenda do celular, pelos acessos a redes existente no país.

“As meninas relatam praticar mais as violências verbal e emocional (82,1%), seguida pela violência sexual (33,5%) e sofrem mais a violência verbal e emocional (78,9%) do que a agressão sexual (43,1%). Os meninos também dizem exercer mais as violências verbal e emocional (83,5%) do que a sexual (56,1%) e discorrem sofrer mais a primeira (85,3%) do que a segunda (49,7%)”.

Entre a Emoção e a Razão

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Violência entre namorados adolescentes

Page 34: UFMT Ciência nº 1

Dossiê

O despertar para o conhecimento científico em Mato Grosso

vem com a criação da UFMT. Em 1982 é instituída a Sub-

Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação (SPG). Pouco

antes dos anos 90, os primeiros mestres e doutores retornam a

Cuiabá e o esforço para que a pesquisa científica se

estruturasse em Mato Grosso começa a tomar forma. Em 1993

a Sub-Reitoria se reorganiza e ganha o nome de Pró-Reitoria

de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação, que em 2001 se

transforma em Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPEq).

ciência parece algo distante, intocável como uma riscos, a começar pela dificuldade de locomoção que se tinha naqueles anos. Queríamos médicos, advogados, estação espacial, outras vezes tão próxima como biólogos e outros tantos profissionais graduados aqui. Aa água que sai do chuveiro. Na Universidade Mas em pesquisa poucos pensavam. Não se tinha a

Federal de Mato Grosso, que já chega aos seus 40 anos, dimensão da importância do desenvolvimento

ela está ao alcance de quem sempre quis ser um cientista tecno lóg ico . Contudo , i s so fo i mudando ou daquele que nunca sonhou com essa possibilidade, vagarosamente”, relata um dos mais antigos professores graças à porta de entrada chamada graduação. da UFMT.Essa porta para o fazer científico começou a se abrir Amadurecida, a UFMT chega a 2010 com 26 programas quando, em 10 de dezembro de 1970, as primeiras de mestrado, cinco de doutorado, seis doutorados estruturas daquele que seria o campus central da interinstitucionais, e diversos cursos de especialização. universidade começaram a ser edificadas. Mas a idéia de Segundo Campelo, existem dois tipos de professores: 1) fazer pesquisa ainda não passava pela cabeça da o professor profissional, aquele que se dedica à pesquisa; população cuiabana nos primeiros anos da década de 70. e 2) o profissional professor, aquele que faz o ensino José Holanda Campelo Júnior além de doutor em prático, que tem vivência no mercado. Nos primeiros agronomia é um ótimo contador de histórias e explica anos da instituição, o ensino dependia basicamente de que a UFMT é resultado de muita luta da sociedade. A profissionais professores e sem eles a universidade não principal razão para a existência dela era a necessidade sairia do papel. de educar e formar novos líderes em território mato- Foi com o passar do tempo e com a estruturação da grossense. Isso facilitaria também o acesso a uma universidade, que se começou a exigir a qualificação formação, já que não seria mais preciso mandar os filhos acadêmica para que, então, a UFMT iniciasse suas estudarem em outros estados. “Morar fora incluía muitos primeiras pesquisas científicas. Pouco antes da década

Carol Landhi

Pesquisa na UFMT

caminha lado a lado

com a sociedade

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Page 35: UFMT Ciência nº 1

de 80 os primeiros professores saíram do estado para fazer mestrados e doutorados. Daí a necessidade da criação de setor que trabalhasse com a estruturação da pesquisa.

É importante destacar que, em 1990, quando publicou o livro “Zoneamento do potencial de produção de grãos em Mato Grosso”, em parceria com outros autores, o Estado se dedicava ao plantio do arroz, uma forma de preparar a terra para receber o pasto e, posteriormente, o gado. Em 1991, a pesquisa causou desconfiança quando Campelo a apresentou no VI I Congresso Bras i le i ro de Agrometeorologia, em Viçosa, Minas Gerais.O esconomista José Roberto Mendonça de Barros - secretário de Política

científica na UFMT, o que já foi feito e o que ainda está por vir, selecionamos cinco temáticas de peso na realidade mato-grossense para mostrar como o fazer científico foi desenhado na universidade, o que ele representa hoje e a diferença que vai fazer no futuro.

Perceba que, se para nós o cair das folhas é uma coisa tão

natural que nos passa despercebido, para o cientista o

simples fato do cair das folhas pode revelar mistérios sobre

as condições climáticas do futuro. Que a natureza tem lá

seus momentos de rebeldia todos sabemos, mas como a

ciência tenta contornar esses obstáculos?Veja como o crescimento da agricultura já era calculado antes mesmo da soja se estabelecer no Estado e como esse grão vem sendo estudado como mais uma fonte de proteína nas refeições dos mato-grossenses. Há ainda as mudanças que fizeram da escola um lugar dinâmico e democrático e como a ciência interferiu nesse processo.

Produção AgrícolaTodo esse trajeto de estruturação da pesquisa, que

começou em 1982 com a criação da Sub-Reitoria de Se hoje Mato Grosso está no hall dos maiores produtores de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação, conferiu à grãos do Brasil, 20 anos atrás já havia professores na

Universidade Federal de Mato Grosso apontando que o universidade federal do estado uma característica própria, a Estado poderia muito mais. Enquanto o Brasil ainda interdisci-plinaridade. Conforme conta José Holanda, que produzia cerca de 55,7 milhões de toneladas de grãos, o

há 34 anos estimula a ciência na instituição, a escassez de doutor em Solos e Nutrição de Plantas José Holanda

professores especialistas e os depar-tamentos pequenos Campelo Júnior garantia que, sozinho, Mato Grosso resultaram em um esforço multidisciplinar que perdura até produziria o que o país todo colhia na época.hoje. “É comum vermos químicos, biólogos, médicos,

agrônomos, historiadores e sociólogos trabalhando em

conjunto. Essa teia é típica da UFMT”. E a “teoria campeliana” se confirmou no decorrer desta reportagem, quando percorremos os corredores da Física Ambiental, da Agricultura Tropical e da Educação, entre salas e laboratórios da Nutrição e da Biologia. O que mais se vê são pesquisas que contam com o apoio de diferentes áreas.Na tentativa de perceber como está a produção

A UFMT como ela é

A UFMT registra 340 projetos de pesquisa apenas em 2010 e 1.354 em andamento. Em 2009, foram 363 projetos de pesquisa que mobilizaram mais de 22 milhões em financiamento e participação de outras 73 instituições.Compõem a UFMT 27 institutos e faculdades; o Hospital Universitário Júlio Müller, o Hospital Veterinário; uma fazenda experimental; uma base avançada de pesquisa no Pantanal; estações meteorológicas em Cuiabá e Rondonópolis; herbário; biotério, zoológico, ginásio de esportes, parque aquático, museus e o único teatro com especificações técnicas exigidas para receber as diversas modalidades de artes cênicas no Estado. Para responder às perguntas que surgem em meio ao desenvolvimento tecnológico e econômico de Mato Grosso, além de Cuiabá, outros três campi foram criados: em Rondonópolis, ao sul; em Sinop, ao Norte; e no Pontal do Araguaia e Barra do Garças, a leste do Estado. Tais questionamentos vão da comunicação com o local até a saúde e à educação do mato-grossense, passando pela diversidade indígena, a agricultura e pelos impactos sociais e ambientais.

Dossiê

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Page 36: UFMT Ciência nº 1

Econômica do Ministério da Fazenda secagem de grãos. Tanto a pesquisa

entre 1995 e 1998 - passou por uma “Avaliação de silos-secadores para

situação semelhante quando preparava secagem de arroz a energia solar”

o doutorado, em 1971. Em entrevista (1983) quanto seus desdobramentos

para a revista Pesquisa, da Fapesp, colaboraram para as aulas dos

edição de agosto de 2010, o graduandos da UFMT, inserindo na

economista conta que na época só grade curricular aulas aplicadas, para

quem conhecia comida japonesa sabia q u e n ã o f i c a s s e m p r e s o s

o que era soja, mas ele garantia que o exclusivamente à literatura. Além disso, pesquisas nessa linha Brasil chegaria a exportar US$ 300 tinham e ainda têm grande importância milhões desse grão. A análise foi para o desenvolvimento do Estado, pois

considerada uma maluquice completa, é comum, em Mato Grosso, escoar a

contudo, “hoje virou um negócio p rodução de mane i r a l en ta , grande mesmo (...). Quando comecei, considerando também a precária

estrutura das vias e a complexidade do não conhecia muito soja, mas percebi mercado de grãos. que uma coisa extraordinária tinha A energia solar acabou se mostrando aparecido”.inviável para a então realidade mato-Conforme conta Campelo, com 34 anos grossense, mas os resultados acabaram de experiência da formação de novos estimulando a busca por novas técnicas agrônomos, o zoneamento foi realizado e avaliações, como a secagem feita com com base em estudos do solo, do clima a queima da lenha, que para o professor e das características das culturas continua sendo a mais econômica, realizados em anos anteriores à viável, ágil e compatível com a publicação. “Com isso, chegamos às produtividade local. “Na pesquisa é informações de como, onde e em que assim, as coisas se interligam e uma quantidade elas seriam produzidas”. acaba levando à outra”. Hoje, se tal pesquisa fosse publicada,

talvez não causasse tanto espanto, já Pantanal tem muitas respostasque Mato Grosso produz cerca de 29

milhões de toneladas de grãos, entre Quando se fala em Pantanal, lembra-se milho, soja, arroz e girassol. logo de água e seca, desmatamento e Ao passo que se previa o avanço pastagem, e, nos últimos meses, em agrícola, também se pensava em Copa do Mundo. Mas para os maneiras de armazenar e conservar a pesquisadores da Universidade Federal produção - estudos que se tornaram de Mato Grosso (UFMT), o Pantanal referência no Estado. “A pesquisa não ainda é um mistério a ser desvendado. sai só da cabeça do pesquisador, tem Desde a década de 80 os estudiosos que responder a um anseio da lançam um olhar curioso e diferenciado sociedade. Além disso, não tinha como sobre essa região e nos últimos anos se fazer pesquisa se não houvesse o observaram que a própria natureza mínimo de interesse. Alguém tem que anda rebelde com ela mesma.pagar”, enfatiza.Essa rebeldia pode ser notada no

Entre os inúmeros trabalhos publicados compor tamento dos cambarás

desde o início da década de 80, José (Vochysia divergens), que têm se tornado Holanda testava a eficiência de plantas invasoras e tomam conta do

que antes eram campos nativos, habitat secadores movidos a energia solar, já natural de que com a crise do petróleo daqueles

anos as grandes indústrias de máquinas

agr í co las fo ram obr igadas a

desenvolver alternativas para a

herbívoros e outras espécies, destruindo o habitat animal nativo e eliminando espécies de plantas.Nos últimos anos, a bióloga Cátia Nunes da

Dossiê

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Page 37: UFMT Ciência nº 1

Cunha, professora no diferentes ambientes no Pantanal, Instituto de Biociências (IB), da UFMT, analisa a como o Cambará. dinâmica da vegetação pantaneira e o E as perguntas que impulsionam o fazer que a invasão atinge ou faz perder de científico continuam pelos corredores e biodiversidade. “Agora a questão é salas do IB. Desta vez para saber até que pesquisar como recuperar esses ponto podemos inter fer i r na campos e elaborar propostas de disseminação de espécies arbóreas em conservação para essas áreas, como muitas áreas de pastagens nativas e manejo e uma legislação diferenciada como o controle dessas invasoras pode para o Pantanal”. contribuir para a manutenção da Mas a identificação de que algo riqueza e da diversidade de espécies de estranho e prejudicial está acontecendo plantas e da vida silvestre (Leia também no Pantanal não poderia ser feita se em nesta edição a descoberta por 1980 o Instituto de Biociências não pesquisadores da UFMT de uma nova tivesse dado os primeiros passos para espécie de piolho de cobra).estudar e compreender esse bioma. Inicialmente veio o Curso de Pesquisa muda a EducaçãoEspecialização em Biologia de Áreas Alagadas, que fortaleceu o grupo de Feche os olhos e imagine-se sentado pesquisadores e abriu portas para em um banco de escola onde opinião convênios internacionais. dos alunos não é bem vinda e pouco Logo em seguida, já com professores interessa o que os pais desses doutores, chegou-se ao mestrado, estudantes pensam ou deixam de posteriormente arrematado pelo 8º pensar. Sim, essa escola onde as International Wetland Conference, em pessoas não podiam expor suas idéias 2008 – encontro internacional que existiu, mas as primeiras pesquisas da reúne os principais estudiosos em áreas Universidade Federal de Mato Grosso úmidas e que contribuiu para a ajudaram a mudar essa realidade.mudança de um paradigma. Se antes Em plenas décadas de 1970 e 1980, via-se o Pantanal com duas faces pesquisadores de vários estados distintas, uma terrestre e outra aquática, brasileiros, impulsionados pelo espírito passou-se a ver esse bioma como uma de luta contra a ditadura militar e pró-coisa só: área úmida, pois uma coisa diretas, buscavam uma maneira de não poderia viver sem a outra. democratizar o acesso à escola e a E nesse jogo de “decifra-me ou devoro- própria organização dela. Eram os te” estava Cátia Nunes perguntando o primeiros passos rumo à Gestão que havia no Pantanal. O resultado Democrática da Escola, em que disso foi o mestrado “Estudo Florístico e diretores, pais, alunos, professores e F i tof is ionômico das pr incipais funcionários discutem em torno das Formações Arbóreas do Pantanal de decisões a serem tomadas no cotidiano Poconé-MT”, que consistia em escolar. caracterizar a vegetação pantaneira. Quem também pesquisava e estudava “Conhecer agora para entender e essa “nova escola” era o Núcleo subsidiar formas de uso sustentável no Permanente de Pesquisa e Pós-futuro”, justificava. graduação do Departamento de No dourado seguiam-se perguntas Educação (NP-EDU), logo nos primeiros levantadas no estudo anterior. “Como 11 anos da UFMT.estão distribuídas as espécies em um Nesse grupo estava Ártemis Torres, gradiente que vai do seco até o muito doutora em Educação, que decidiu úmido?”. Depois de medir e contar mais estudar junto a outros quatro de 7 mil plantas, passar 3 anos a campo, pesquisadores o acesso das crianças analisar sedimentos e distribuir essas das camadas populares à escola de

1°grau João Bosco P. Burnier, uma espécies em uma linha - não de tempo, fundação escolar que existia no bairro mas de índices de umidade -, o estudo Bela Vista, em Cuiabá.

indicou a existência de espécies de

árvores em longas faixas e em

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Dossiê

Page 38: UFMT Ciência nº 1

Mas os pesquisadores desejavam ir um investimento que poucos tinham

além. Por meio de um projeto que não condições de fazer. Além disso,

se limitava à pesquisa, eles visitavam o professores não comprometidos com

bairro para identificar os problemas que a causa e pais às margens de qualquer

aquela população enfrentava quando o discussão também interferiam na

assunto era ensino público, frequência evasão escolar.O estudo se mostrou uma experiência escolar, participação dos pais na de relação mútua entre pesquisadores educação dos filhos. "Ouvíamos as e moradores. “Fazer pesquisa, mas

pessoas, as associações de moradores, também interferir na realidade

levantávamos estatísticas. Tudo para daquelas pessoas.” Formou-se, assim, intervir positivamente e desenvolver um elo entre escola e pais para criar naquela região uma política de uma cultura escolar diferente,

melhorar a relação entre esses sujeitos democratização da escola."e o ensino aos alunos, assim como Na pesquisa - chamada “Melhoria da reduzir a evasão e tornar o colégio produtividade numa escola da uma instituição mais acessível. periferia urbana e participação da E os pais realmente tinham algo a comunidade”, f inanc iada pe lo dizer. Tanto que a pesquisa acabou C o n s e l h o N a c i o n a l d e fomentando neles a luta por uma Desenvo lv imento C ient í f i co e escola pública no bairro, a atual Madre Tecnológico (CNPq) – percebeu-se Marta Cerutti, com eleições de que muito mais do que haver ou não d i r e t o r e s , c o n s e l h o s c o m vagas, a questão era dar condições representação de pais, alunos e para que crianças de baixa renda professores. “A escola é uma freqüentassem a escola. instituição do bairro e deve se abrir Na realidade pesquisada, cobravam-para o bairro”, dizia Ártemis desde os se taxas, material escolar, uniforme, primeiros dados coletados.transporte e outras coisas que exigiam

Dossiê

Ensino a Distância

Aproximadamente 18 mil quilômetros separam o Brasil do Japão. Mas nem toda essa distância, nem a diferença de 12h no fuso-horário impediram que Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) participasse de um projeto inovador dentro da Educação à Distância. A missão: formar em pedagogia os profissionais que já atuam em escolas brasileiras no Japão. O projeto surgiu da necessidade de se reconhecer o trabalho das 92 escolas brasileiras que funcionam em território nipônico e estão à margem do sistema educacional japonês. Os governos dos dois países decidiram trabalhar a formação dos professores dessas escolas como primeiro passo para integração dos sistemas educacionais brasileiro e japonês.Na base desse projeto ousado - que já completou o primeiro dos quatro anos de capacitação - estão 12 trabalhos científicos, 6 livros e vários artigos desenvolvidos e publicados pelo grupo de pesquisa Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação desde 1998. Graças a esse histórico e a essa experiência é que a UFMT foi convidada para orientar a qualificação de professores do outro lado do mundo.A graduação em pedagogia é dirigida a professores brasileiros que dão aula no Japão, mas não têm graduação na área. A pesquisadora Kátia Alonso estima que 80% dos professores que atuam em escolas brasileiras em território nipônico lecionam na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. Assim, em parceria com Universidade Tokai, 300 vagas foram oferecidas a esses profissionais e, atualmente, 280 estão ocupadas. O curso vai de 2009 a 2013 e é dividido em oito semestres, totalizando 3.360 horas. As 15 turmas compostas por aproximadamente 20 alunos são qualificadas em sistema modular. Além do ambiente virtual, os graduandos desenvolvem trabalhos individuais e em grupo, recebem material didático, fazem videoconferências e contam com apoio de 17 orientadores e 3 professores da UFMT. Uma vez em cada semestre acontece um encontro com os professores da UFMT do outro lado do Pacífico

Arara Azul (Anodorhynchus hyacinthinus)

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Page 39: UFMT Ciência nº 1

O Comportamento da Floresta de Cuiabá). Trata-se de uma floresta in Transição natura, com características amazônicas,

que sofre influência do pasto que A Agência Espacial Americana (NASA) avança no arco do desmatamento, está de olho na produção científica da interferindo no clima, na densidade e na Universidade Federal de Mato Grosso. umidade da floresta. “Há 10 anos Mais especificamente nos resultados do estudamos o comportamento dessa Programa de Pós-graduação em Física região para tentar saber como ela será Ambiental, que tenta entender o em diferentes cenários. Se hoje a comportamento da Floresta de temperatura é 25ºC, se fosse 23ºC, se Transição – aquela entre o Cerrado e a fosse 21ºC, se fosse 30ºC. A ideia é que Floresta Amazônica – para saber como com o aquecimento global essa será a Amazônia no futuro. temperatura mude, então como essa Além de americanos e europeus, floresta poderá se comportar?”.fundações de amparo a pesquisas Nessa área de floresta intocável, de brasileiras também investem pesado 1999 a 2008, pesquisadores da UFMT, para estudar como a mudança climática entre eles Luciana, coletaram poderá interferir na dinâmica da informações sobre a temperatura floresta. dentro e fora da floresta, a umidade Diariamente, na UFMT, geógrafos, relativa do ar, a radiação global solar (o químicos, físicos, engenheiros, biólogos que está chegando do sol e o que está e outros especialistas voltam seus sendo refletido novamente para a olhares para a Floresta de Transição atmosfera), a velocidade e a direção do para conhecer o passado, avaliar o vento, o fluxo de energia e de carbono e presente e modelar o futuro. Na linha demais fatores componentes do clima. de pesquisa Interação Biosfera – Tudo graças a uma torre de 42 metros Atmosfera, a engenheira sanitarista e de altura equipada com aparelhos de pós-doutora em física ambiental última geração.Luciana Sanches se dedica desde 1999 a Paralelo a essas observações, durante padronizar o comportamento de uma sete anos, Luciana se dedicou ao estudo área de floresta de transição localizada do dossel (folhagens das árvores muito no município e Cláudia (a 606 km de acima do chão) na tentativa de

Dossiê

Rumo ao Futuro

Sem bola de cristal, tarô ou búzios. Veja como a física ambiental modela o futuro da Amazônia: 1 – Em meio à floresta, uma torre equipada com sensores high tech foi levantada para capturar informações sobre umidade, velocidade do vento e gazes e toda a condição climática sobre a mata.2 – Lá embaixo, 20 caixas são distribuídas em uma área de 1 hectare. Algumas ficavam suspensas para coletar o litter fall, aquela serrapilheira que não teve contato com os microorganismos do solo. Outras, sem o fundo, foram colocadas no chão para coletar o litter pool, o material que iniciou o processo de decomposição.3 – A coleta era realizada a cada 15 dias. Na floresta media-se a altura da serrapilheira e, em Cuiabá, o material ia para uma estufa, onde se analisava a massa, os componentes químicos, a água e as taxas de decomposição.4 – Os dados eram compilados e, junto com as informações da torre, revelavam o comportamento daquela área de floresta e como ela pode ser se alguns fatores forem alterados.5 – Empurrada por fortes ventos, a torre caiu, mas os dados coletados eram tantos que são utilizados para modelagens matemáticas. Pesquisadores da UFMT buscam financiamentos para reerguer a torre.

Bromelia (Aechmea nudicaulis var. aqualis)

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Page 40: UFMT Ciência nº 1

compreender como a vegetação se Na Fanut, desde 2001 são realizadas

comporta no período chuvoso e no pesquisas que têm como foco o

período de déficit hídrico. “Para estudo da desnutrição na gestação e

entender essa dinâmica, estudamos a na lactação e a recuperação de mãe e

serrapilheira, a quantidade de folhas, filho com dieta padrão, à base de

flores e frutos que o dossel desprende e caseína - uma proteína considerada

se acumula no chão”. completa e presente no leite –, e Com esse material consegue-se outra à base de farinha de soja. interpretar muitas coisas, pois a queda e Os experimentos são realizados com a decomposição dele é influenciada ratos de laboratório e têm como pela quant idade de água, a objetivo identificar as diferenças t empe ra tu r a i dea l , um idade , entre a recuperação de ratos microorganismos e etc. Também é desnutridos com caseína e com soja. possível determinar qual a taxa de Tudo partindo da constatação de que decomposição dessa vegetação, a uma vez desnutrido o animal nunca quantidade de nutrientes (carbono, mais recupera o peso e a saúde fósforo e nitrogênio) que sai da folha e daquele que nunca passou pela passa para o solo, completando o ciclo. mesma situação.Todos os dados são utilizados em uma O que se pode observar nesses equação matemática que pode revelar jovens em nove anos de pesquisa é como a floresta era, como é e como que a dieta que utiliza a soja como será – a chamada “modelagem única fonte de proteína não é matemática”. superior à dieta padrão. Um dos Apesar destes esforços, ainda são resultados aponta que apesar da soja necessários, no mínimo, mais 30 anos se mostrar eficiente na diminuição da de estudos para definir alguma coisa gordura no fígado, os animais ficam sobre o clima. Por isso padroniza-se a res i s tentes à insu l ina , e fe i to floresta, pois se todo o ano ela se semelhante à diabetes tipo 2.comporta de determinada maneira sob Mesmo que as pesquisas da Fanut uma certa condição climática, será sejam realizadas em ratos e estudem possível prever como ela será se as a mecanismos que nem sempre podem condições mudarem. ser extrapolados para o ser humano, a pesquisadora Márcia Queiroz

Proteína da soja: vantagens e Latorraca afirma que os resultados desvantagens obtidos mostram que utilizar a soja

como única fonte de proteína não é Seja por uma vida saudável ou em tão bom quanto uma alimentação solidariedade aos direitos dos variada, com diferentes fontes de animais, o fato é que cresce cada vez proteína.mais o número de vegetarianos no Os resultados das pesquisas com a mundo. No mesmo ritmo, aumentam soja na Fanut, têm levado o nome da a produção de soja, a quantidade de universidade para o exterior. Além da produtos vegetar ianos e , na publicação de artigos em revistas Universidade Federal de Mato nacionais e internacionais, como a Grosso, os estudos sobre as Nutrition, os professores se preparam vantagens e as desvantagens da para publicar um capítulo de livro proteína de soja. pela editora holandesa Elsevier.Enquanto muitas linhas de pesquisa Na obra, chamada ‘‘Flour and Breads estudam o melhoramento genético e and their fortifications in health and o aumento da produção de grãos, na D i s e a s e P r e v e n t i o n ’ ’ , o s Faculdade de Nutrição (Fanut), da pesquisadores da UFMT abordam o UFMT, progridem as pesquisas sobre efeito da dieta à base de farinha de a utilização da farinha de soja na soja sobre a ação e secreção da alimentação de ratos desnutridos. E a insulina. A edição é por conta de primeira conclusão a que se chega é Ronald Ross Watson, da Universidade que nossas mães estão certas quando do Arizona, e Vinood Patel, da King's insistem em dizer que a refeição College London e deve ser publicada balanceada e diversificada é a melhor. até o final do ano na Inglaterra.

Dossiê

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Page 41: UFMT Ciência nº 1

ara ser um cientista ou um pesquisador com a

inteligência de Albert Einstein, o dom de Osvaldo PCruz ou a perspicácia de Louis Pasteur e de tantos

outros pesquisadores, é preciso persistência, disciplina e

apoio. O avanço das pesquisas e a descoberta de novas

técnicas, teorias e conceitos dependem de investimentos,

seja por parte do Estado ou de empresas privadas. Em

Mato Grosso, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado

(Fapemat) investe, anualmente, cerca de R$ 40 milhões em

pesquisas.

Os investimentos são feitos em diversas áreas do conhecimento e beneficiam estudos desenvolvidos no Estado e para o Estado. No currículo da Fapemat, constituída oficialmente em 1998, estão pesquisas importantes para o desenvolvimento agrário e ambiental, como a agricultura de precisão, o uso da biodiversidade entre os ribeirinhos do rio Cuiabá e a preservação do PantanalDepois de passar um bom tempo estudando variabilidade espacial dos solos na Holanda e no Brasil, o pesquisador Eduardo Guimarães, do Departamento de Agronomia da Universidade Federal de Mato Grosso, aguarda a chegada de um equipamento americano, financiado pela Fundação, para estudar a distribuição de carbono no solo mato-grossense com base na técnica de agricultura de precisão, que quantifica o solo e estuda como ele muda no espaço. Para esclarecer melhor, Guimarães compara o solo a um mar cheio de ilhas; essas linhas são concentrações de coisas, como nutrientes, argila, matéria orgânica e etc. Distribuídas nesse mar de terra, cada ilha tem um tamanho e com a agricultura de precisão pode-se quantificar isso e mapear. “A agricultura de precisão consegue entender que a paisagem não é homogênea e torna possível a produção de mapas sobre essa heterogeneidade. Assim, consigo colocar no solo a necessidade exata de fertilizante que ele está precisando, economizando dinheiro e diminuindo o impacto ambiental”.

O que antes era utilizado para corrigir deficiências de nutrientes pode agora se tornar uma ferramenta para estudar quanto há de carbono no solo mato-grossense, como ele está distribuído, quanto já foi perdido, além de desenvolver maneiras de cultivar a terra sem prejudicar o meio ambiente. O pesquisador conta que, no final da década de 90, a técnica era muito ligada às

Desenvolvimento

Apoio à Pesquisa Acelera ResultadosInvestimento é vital para o desenvolvimento científico

Carol Landhi

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Page 42: UFMT Ciência nº 1

indústrias internacionais de máquinas e Melgaço e pesquisa as mudanças

fertilizantes agrícolas. Entretanto, na UFMT, decorrentes do uso de recursos naturais

ela foi desdobrada e adaptada para a nessas duas regiões. Um dos objetivos é

realidade brasileira. Em parceria com alunos, verificar como as populações em torno

avaliava-se a distribuição de nutrientes com desses sistemas percebem as mudanças

amostras recolhidas sob diferentes escalas e nesses ambientes. Na Baia Chacororé, o projeto “guarda-chuva” com a ajuda da estatística era possível saber inclui um produto que ainda aguarda por qual técnica era mais confiável. investimento. Trata-se de um material M a s c o m a c h e g a d a d o didático-científico para ser trabalhado nas equipamento que detecta carbono, fósforo e escolas ribeirinhas. O livro quer mostrar potássio, a expectativa é que a agricultura de para os jovens dessas comunidades a precisão no Brasil se torne algo mais barato explicação científica que está por trás de e ágil em Mato Grosso. Com o sensor que atividades cotidianas. Quais as leis da física está a caminho do Estado, Guimarães que explicam o fato do pescador ribeirinho também espera estimar como a terra pode deixar o barco parado em meio à armazenar carbono, quais as técnicas correnteza? Como a ciência explica o agronômicas que permitem maior fixação de processo de produção da rapadura? carbono no solo.“Queremos confeccionar um livro com Ainda será possível saber se as técnicas de conteúdo cultural e científico. É a agricultura utilizadas, como o plantio direto, transformação pela ciência e tecnologia”, estão contribuindo para a perda ou ganho destaca Carolina Joana.desse elemento químico. “Quanto mais

Mas para chegar a esse projeto carbono o solo fixar, menos ele está foram alguns anos de caracterização da Baia liberando para a atmosfera e contribuindo Chacororé, identificação da vegetação para o efeito estufa”.aquática e ripária (que está em torno dos rios) e análise de como a população Preservar para educarribeirinha vê o rio e como maneja essa A Fapemat foi criada para apoiar o biodiversidade. O resultado mostrou que as desenvolvimento da pesquisa científica e comunidades têm conhecimento ecológico tecnológica em prol de Mato Grosso, seja tradicional, ou seja, compreendem como o por meio de financiamento de pesquisas ou pulso de inundação afeta a biodiversidade e com bolsas de estudo. Entre tantos projetos, conhecem as mudanças químicas que destacam-se as pesquisas realizadas por acontecem nesse processo e como as Carolina Joana da Silva, pós-doutora em pessoas se adaptam a ele.ecologia e professora da Universidade do A partir desse conjunto de resultados foi Estado de Mato Grosso, e seus orientandos.possível colocar em prática o primeiro Desde 2001 a pesquisadora se dedica a produto, que consistia em orientar as estudos ecológicos no Rio Paraguai, em pessoas para que elas se apropriassem de Cáceres, e na Baia Chacororé, em Barão de conhecimento. “Orientávamos a

Desenvolvimento

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Page 43: UFMT Ciência nº 1

população ribeirinha por meio de nacionais, quatro internacionais e mais de

palestras, cursos sobre cidadania e direitos 100 pesquisadores. Um deles é o químico e

ambientais, workshops e seminários para professor da UFMT Paulo Teixeira de Souza

discutir os problemas da região”. Júnior, que dentro do INAU desenvolve E agora a meta é entrar na área da pesquisas com fitoterápicos no Pantanal. educação. “Em um futuro próximo Uma delas já aponta resultados queremos distribuir para as escolas promissores, com a descoberta de uma públicas das comunidades ribeirinhas um planta capaz de combater a úlcera gástrica. material bonito, legal e científico. Para “Não podemos detalhar, pois é uma transformar o Brasil, os jovens precisam pesquisa que envolve patente, mas posso dominar a ciência desde a escola garantir que não há nada no mercado com fundamental”. princípio ativo parecido a esse. Outros

resultados também revelam plantas com Futuro atividade antidiabetes”.

Para o presidente da Fapemat, João Carlos Esses estudos envolvem química, de Souza Maia, a pesquisa hoje em Mato farmacologia, botânica e poderão agregar Grosso é muito significativa e cresceu 100% medicina e agronomia caso os resultados nos últimos 10 anos. Até este ano já foram obtidos sejam positivos, pois será preciso registrados aproximadamente 2 mil estudar o cultivo e a propagação das projetos de pesquisa e 2.500 bolsas de plantas medicinais. “Seguimos a linha de iniciação científica, 250 de mestrado e 100 que para preservar é preciso mostrar para de doutorado. O resultado desse esforço que serve. A população tende preservar pode ser percebido na consolidação do aquilo que tem valor para a sociedade, que Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia gera emprego e renda. Ao agregar valor em Áreas Úmidas (INAU) que objetiva fazer para essas plantas, contribui-se para a um levantamento e classificar as áreas preservação e redução da pobreza, que é úmidas. um problema para o pantanal hoje”.Coordenado pela UFMT, o projeto deseja Mas estudo de plantas medicinais é apenas contribuir na tomada de decisões para a uma das pesquisas. Teixeira, que é vice-preservação dessas áreas, entre elas o coordenador do Instituto, explica que o Pantanal Mato-Grossense - a maior planície projeto conta com pesquisas que alagável do planeta. pretendem delimitar quais são as áreas O projeto, financiado pelo Conselho úmidas, fazer inventários da biodiversidade, Nacional de Desenvolvimento Científico e classificar habitats e estudar sequestro de Tecnológico (CNPq), conta com apoio das carbono no solo. Outros estudos também fundações de Amparo à Pesquisa de Mato trabalham com o desenvolvimento de Grosso e Mato Grosso do Sul (Fundect) e é manejo alternativo na região do Pantanal uma rede que envolve sete instituições para agregar valor à biodiversidade.

43

Desenvolvimento

Saiba Mais

Pesquisadores da UFMT e da U n e m a t , d o C e n t r o Interdisciplinar de Estudos em Biocombustíveist, com o apoio da Fapemat, desenvolveram u m a n o v a m a n e i r a d e transformar a gordura em combustível e aguardam a patente da invenção. A técnica, descoberta em 2003, consiste em utilizar microondas para acelerar a reação. A mesma tecnologia ainda transforma a glicerina em combustível - já que ela tende a ser um passivo a m b i e n t a l p o r s e r u m subproduto do biodiesel - e pode ser utilizada para gerar energia por meio do lixo orgânico.O Centro Interdisciplinar de Estudos em Biocombustíveis já recebeu cerca de R$ 12 milhões em investimentos e p r e t e n d e p r o d u z i r conhec imento e fo rmar recursos humanos para a tender toda a cade ia produtiva de biodiesel que está se desenvolvendo no Estado.

Page 44: UFMT Ciência nº 1

Outros Saberes

uem nunca recorreu a uma

planta medicinal para tratar de Qalgum problema de saúde? No

distrito de São Pedro de Joselândia,

localizado ao sul do município de Barão

de Melgaço, esse tipo de prática é

bastante comum. Os moradores

procuram os benzedores que usam

diversas espécies de vegetais, sendo a

maioria nativa do Pantanal Mato-

grossense, tais como aroeira e para-

tudo, para curar doenças como tosse,

anemia, gastrite, verminose, entre outras.

Desde a ocupação da região, há mais de

100 anos, a tradição de benzer usando

plantas medicinais é transmitida a cada

geração. A vontade de interpretar e

descrever esse método de cura, assim

como identificar os benzedores e

conhecer os elementos materiais e

espirituais existentes nesse processo

motivaram o médico Reinaldo Gaspar da

Mota, professor da Universidade Federal

de Mato Grosso (UFMT), a estudar o

costume.

Por viverem numa região de difícil acesso

aos serviços de saúde, as comunidades

Retiro de São Bento, São Pedro,

Pimenteira, entre outras pertencentes ao

distrito de São Pedro de Joselândia,

aprenderam a se virar para ajudar os

moradores. Desenvolveram técnicas de

cura a partir dos conhecimentos culturais

herdados dos pais, avós, tataravós.

Alguns dos fatores que contribuíram

para a permanência dessas práticas ao

longo dos anos foram a predominante

Os Benzedeiros de Joselândia

Camila Tardin

religiosidade católica, o difícil acesso aos

serviços de saúde e a abundante oferta

dos recursos naturais pela rica

biodiversidade pantaneira.

Na região foram identificados 23

benzedores, mas apenas 12 fizeram

parte da pesquisa: seis mulheres e seis

homens com idade média de 70 anos.

Nas comunidades, a prática de cura com

plantas medicinais começa na juventude

– a maioria com idade a partir dos 24

anos. Isso não é uma regra, depende da

história de vida do benzedor. No

entanto, não há registro de crianças que

começaram a exercer esse costume na

infância. No estudo foi identificado que

essa prática de cura se estende, em

média, por 46 anos de vida do benzedor.

As mulheres ficam em casa e também

ajudam nos trabalhos da roça e os

homens trabalham no campo para a

subsistência.

Além de usar as plantas medicinais, os

b e n z e d o r e s f a z e m o r a ç õ e s ,

denominadas “benzeções”, influenciados

pelo catolicismo popular. A maioria das

pessoas que vive na região é devota de

São Pedro (pescador e discípulo de

Jesus).

Doenças

Os benzedores classificam as doenças

em duas principais categorias: as

doenças de causas materiais e as de

causas espirituais, estando ambas

intimamente relacionadas. Para eles, os

problemas

espirituais podem gerar

doenças orgânicas, psíquicas e sócio-

ambientais. Fotos: Guilherme Filho

44

Page 45: UFMT Ciência nº 1

Acreditam também que as doenças

espirituais que se manifestam na alma do

ser humano podem trazer consequências

para o corpo. É por meio das orações que

eles buscam auxiliar o enfermo a

solucionar as doenças de origem

espiritual.

“Eles oram, rezam, às vezes contam uma

história mítica ancorada nesses mitos de

São Pedro, de Jesus, de acordo com a

necessidade do paciente. A reza tem

alguns ritos: a pessoa fica de pé em frente

ao benzedor que faz a reza, a oração. Em

alguns procedimentos ele mede algumas

partes do corpo do enfermo para ver se

tem determinado tipo de problema, como

arca caída. Mas, geralmente, os

benzedores rezam em voz baixa, com

muita concentração, muito respeito. De

fato, eles acreditam que isso é muito

significativo para o processo de

restabelecimento do doente”, explica

Mota.

Das plantas são aproveitadas a casca,

caule, folha, flor, fruto, raiz e semente que

podem ser usadas, por exemplo, para

fazer chá, garrafada ou emplasto. Além da

aroeira e para-tudo, outras espécies

vegetais popularmente conhecidas e

muito usadas são a jatobá, indicada para

quem tem gripe, tosse, dores no peito e

nas costas, e a espinheiro santo, ideal para

tratar problemas digestivos, dor de cabeça

e gripe.O trabalho não tinha como

finalidade provar cientificamente as

Aroeira - Pimenta rosada - Schinus_terebinthifolius Paratudo árvore (Tabebuia aurea)

45

práticas de cura e seus efeitos, mas sim

conhecer através da etnografia (método

científico empregado na antropologia) o

uso de plantas medicinais e suas

indicações. O pesquisador desvela os

conceitos ampliados destes benzedores

sobre as causas das doenças e seus

processos de cura. Para os benzedores,

que exercem socialmente o papel de

sacerdotes, muitas doenças são oriundas

de relações inadequadas entre o

homem, sua sociedade, a natureza que o

circunda e Deus. Espiritualmente eles

reconhecem o pecado como a principal

causa do adoecer e, geralmente, utilizam

as rezas e benzeções para restabelecer

uma relação harmoniosa.

A pesquisa concluiu que para os

benzedores a imagem mítica tem grande

importância no restabelecimento da

saúde, uma vez que ancora padrões de

comportamentos sociais aceitáveis pelas

comunidades. “É muito interessante a

cosmovisão que eles têm sobre Deus.

Deus, para eles, é um todo. É o criador de

tudo e a natureza é parte de Deus. Eles

preconizam o convívio respeitoso e

gratificam suas dádivas nos festejos

tradicionais”, observa Mota. Os resultados

demonstram também que os benzedores

de São Pedro de Joselândia valorizam o

que têm de mais próximo: os recursos

naturais e as concepções religiosas e

culturais presentes nas comunidades.

Jatobá (Hymenaea courbaril)

Page 46: UFMT Ciência nº 1

Opinião

erece ser bem festejado o nascimento de uma revista de divulgação científica em um estado

do país com cerca de 3 milhões de habitantes, dos quais perto de 600 mil na capital, Cuiabá, Mainda pouco conhecido fora da região Centro-Oeste. E pelo menos por duas razões: a

UFMT Ciência, publicação trimestral da Universidade Federal do Mato Grosso, a par de fazer chegar a

seus próprios estudantes e professores e a pesquisadores e comunicadores científicos de outras regiões

brasileiras uma amostra selecionada do conhecimento produzido na instituição, provavelmente irá

irrigar e fertilizar com temas científicos a mídia local. Assim poderá impulsionar virtuosamente a

circulação da informação sobre produção científica no estado e ainda ajudar a sensibilizar sua sociedade

para as notícias mais importantes desse modo fundamental de conhecer, venham elas de onde vierem.

Projeto lançado e coordenado pelo professor Dielcio Moreira, atual secretário de Comunicação e

Multimeios (Secomm) da universidade, é bom saber que a revista surge depois de intensa preparação,

incluindo um curso de capacitação em jornalismo científico, com carga horária de 120 horas realizado ao

longo do primeiro semestre pela Secomm junto com o Departamento de Comunicação Social e apoio

da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat).

Tenho observado muito o crescimento significativo da presença da ciência que se produz no Brasil na

mídia nacional, nos últimos 10 anos. Ainda há largo espaço, sem dúvida, para o desenvolvimento de um

jornalismo científico mais crítico, mais analítico em relação ao processo de produção da ciência,

incluindo seus muitos percalços. Um jornalismo, digamos, menos aprisionado só às promessas da

ciência.

Ao mesmo tempo, tenho procurado aguçar a percepção para o adensamento dos canais de

comunicação que se estabelecem desde os centros de produção de conhecimento científico até os

veículos da mídia. E se já não resta muita dúvida entre os pesquisadores de que comunicar à sociedade

seus achados é parte intrínseca da própria atividade científica, os serviços e produtos de divulgação

construídos cada vez mais pelas instituições vinculadas ao sistema de ciência, tecnologia e inovação do

país – assessorias de comunicação, agências de notícias, house-organs, boletins eletrônicos, revistas

impressas e eletrônicas, informativos radiofônicos e televisivos etc. -- têm buscado incisivamente

disseminar essa comunicação numa outra linguagem. Numa espécie de língua comum da sociedade.

Dentre as informações assim postas em circulação, os veículos da mídia, ao se apropriarem daquelas

que lhes parecem conter mais elementos de interesse para seu público, o fazem, é claro, em suas

narrativas próprias. Isso implica uma linguagem muito diferente da que se valem os cientistas,

amparada com frequência numa estrutura dramática do texto e em artifícios estilísticos mais do que

legítimos para capturar a atenção do leitor, ouvinte ou espectador. É óbvio que esses relatos não têm

nem podem ter semelhança com o jargão dos informes e artigos científicos.

Nesse panorama, fazer revistas como Pesquisa FAPESP – e faço votos para que se dê o mesmo com a

UFMT Ciência – constitui um desafio enorme e estimulante a cada edição. Diria mesmo um desafio

apaixonante. Porque aqui se trata de preservar inteiramente uma vinculação institucional e a boa

imagem da instituição a que a revista está vinculada, incluindo nisso o extremo rigor e lisura na

utilização de todo e qualquer dado, ao mesmo tempo em que se busca usar a linguagem jornalística

até os limites de suas possibilidades de fascínio e beleza. O jogo de equilíbrio não é fácil, no entanto,

é gratificante. E é assim entre outras razões porque esse tipo de revista que de certo modo

intermedeia a relação entre centros de produção de ciência e veículos da mídia --

independentemente de poder também se dirigir de forma direta a um público mais amplo --,

consegue reforçar o quanto de prazer, de aventura, existe na busca pelo conhecimento, ao mesmo

tempo em que difunde a percepção de que a ciência é árduo processo de construção sócio-cultural,

cujas verdades são sempre provisórias.

Sucesso e longa vida à UFMT Ciência!

Expectativas em torno de um nascimento

*Mariluce Moura é jornalista, diretora de

redação da revista

Pesquisa FAPESP.

Mariluce Moura*

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Page 47: UFMT Ciência nº 1

DE 5 A 8 DE OUTUBRO DE 2010

DE 5 A 13 DE OUTUBRO DE 2010

Page 48: UFMT Ciência nº 1

ANOS

UFMT

1970 - 2010Educação e Cidadania

MaturidadeEducação e cidadania são essenciais para o desenvolvimento humano,

intelectual, técnico e científico. Até o ano 2000, a UFMT oferecia somente quatro mestrados. Chegamos aos 40 anos com cinco doutorados, seis

doutorados interinstitucionais e 26 mestrados. Dentre estes programas, oito estão em fase de consolidação segundo a avaliação da CAPES. Maturidade é isso: começar, caminhar, enfrentar desafios e superar

adversidades. Aprender, compreender e socializar são tarefas diárias de

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO